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,

Das cidades- Estados gregas à Liga das Nações, da


união das 12 tribos de Israel até a Organização das
Nações Unidas ... A História da Ordem Internacional
é a própria história dos acordos e conflitos entre os
povos e as nações. São séculos e mais séculos de
, desavenças, guerras e negociações para a
manutenção ou o·estabelecimento de novos status
quo. Sem.pre instáveis.

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T912 I
v.126 f'
ISBN: 85-11-02126-4
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e.2 litdra brasiliense
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==lIITURAS~= Carlos Roberto Pellegrino

liTIruf]~
• Fundo Monetário Internaciónal e Banco Mundial - Monica
Baer/ Ssmuel Lichtensztejn
• Sociedade e Estado na Filosofia Política Moderna -
Norberto Bobbio/ Michelangelo Bovero
• Direitos Humanos - Leah Levin (UNESCO;
• Exterminismo e Guerra Fria - E. Thompson e outros HISTÓRIA DA ORDEM
• Quem tem Medo do Nacionalismo? - Rogério Cerqueira
Leite INTERNACIONAL
Coleção Primeiros Passos
• O que é Direito Internacional - José Monserrat Filho
7
• Q que é Esperanto - Izabel C. O. Santiago 1
• O que é Geopolítica - Oemétrio Magnoli 7
• O que é Imperialismo - Afrânio Mendes Catani O
• O que é Multinacional - Bernardo Kucinski
3
SBD-FFLCH-USP 7
Coleção Tudo é História
O
• As Revoluções Burguesas - Modesto R. Martins
• A Segurança Nacional - Roberto R. Martins
1
1111111111111111111111111111111111111111
256497
Coleção QualÉ
• A Questão da Reserva de Mercado - Olavo Setúbal
• A Questão da Dívida Externa - Alkimar R. Moura

editora brasiliense
1988
Copyright © Carlos Roberto Pellegrino

Capa:
Sílvia Massaro

Revisão:
José Waldir Santos Moraes

ISBN: 85-11-02126-4

'-~OS
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" ,)

1/, /i 26 ÍNDICE
,

Introdução 7
Antecedentes das organizações internacionais .. 11
A ordem internacional na Idade Média 17
DEDALUS - Acervo - FFLCH-HI Os tempos modernos .. ~. . . . . . . . . . • . . . . . . . .. 30
Crítica às propostas 53

II~IJ~I~UI~~ Versalhes, o endereço da paz. . . . . . . . . . . . . . . ..


As Nações Unidas
Indicações para leitura
57
70
91

11
brasiliense
editoià brasiliense s.a.
rua da consolação, 2697
01416 - são paulo - sp.
fone (011) 280-1222
telex: 11 33271 OBlM BR , lt . I

L
\; INTRODUÇÃO

No campo de análise das relações internacionais


- a meio caminho entre as ciências do Direito, da
Política e da Sociologia -, para a compreensão dos
fenômenos da interação de seus atores reclama-se a
consideração de todos os segmentos estruturais con-
correntes; aí a importância do estudo das organi-
zações internacionais, enquanto fator decisivo no
jogo dinâmico da ordem mundial.
O conceito de organização internacional encerra
a idéia de conjunto harmônico voltado para a conse-
cução de objetivos comuns - como determinado nas
Cartas constitutivas -, suscetível de manifestar, de
maneira permanente, sua vontade (personalidade
jurídica), independentemente de seus membros (Es-
tados).
O sistema internacional, na sua estrutura mais

.- - ~-- -- I d
8 Carlos Roberto Pellegrino História da Ordem Internacional 9
·1I i i

• simples, pode ser representado graficamente da se- A exigência de uma ordem institucional, em-
guinte forma: bora faça com que sejam excluídos os blocos de po-
tências ou os movimentos ideológicos, por sua orde-
nação em muitos casos imprecisa, permite a inclusão'
de alguns cartéis e sociedades multinacionais.
A organização da comunidade internacional
pressupõe a existência de dois fatores básicos: 1) a
\.
vontade de cooperação entre os grupos humanos,
inspirada na necessidade de se autodefenderem con-
°1
01
I
tra eventuais ameaças exteriores em razão de diver-
gências religiosas, econômicas ou antagonismos; 2)
": , que essa organização se viabilize dentro de um es-
(11
paço geográfico determinado, que se constituirá na
área de atuação efetiva de organismos permanentes,
capazes de exprimir sua vontade própria, distinta
daquela dos Estados membros.
A consideração de uma organização interna-
ESTADOS 'cional está, portanto, condicionada a uma série de
circunstâncias de natureza técnica, política e, sobre-
O
O
Grandes Potências
Potências Médias (ou emergentes)
tudo, ideológica, como o sentimento de pertencer a
uma comunidade humana determinada, com identi-
dade de princípios éticos e jurídicos.
6 Pequenas Potências Mas esse processo não é tão simples quanto apa-
<> Organizações Internacionais renta ser. Existe outra grande dificuldade, que reside
na conciliação do exercício pleno da soberania dos
D Sociedades Multinacionais Estados com as exigências mínimas da ordem e da
As organizações internacionais podem ser con- cooperação internacionais. Como então resolver este
ceituadas como grupos Ou associações (de Estados) delicado jogo de interesses imediatos? A resposta a
que se estendem para além das fronteiras nacionais e essa pergunta nos vem sob a forma de compromissos
que adotam uma estrutura orgânica permanente. assumidos pelos Estados perante as organizações in-
10 Car/os Roberto Pellegrino

ternacionais, fortalecidas por um sentimento de ecu-


menismo que assegura não apenas a satisfação dos
interesses individuais mas também a realização do
bem comum da humanidade .

•.
c
ANTECEDENTES DAS
ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS
':::

ill Desde os tempos imemoriais os povos buscam a


II união com seus vizinhos a fim de juntos encontrarem
II solução para os problemas e a satisfação de suas ne-
li! cessidades. No campo da especulação científica, filó-
'I sofos e políticos de todas as épocas têm cismado com
l/r
a ordem ideal entre os homens, onde cada um, na
sua individualidade, seja também considerado como
elemento essencial de um pacto social maior, passado
entre as nações.
Antigamente as uniões entre povos não pas-
savam de acordos de duração efêmera, e geralmente
aconteciam em razão de guerra, ou quando houvesse
risco de invasão iminente, como bem demonstram as
trajetórias heróicas das tribos de Israel e as confede-
rações gregas.
As nações estavam praticamente organizadas

, ~~ I

L
12 Carlos Roberto Pellegrino História da Ordem Internacional 13

sob formas de governos teocráticos, monarquias des- o período grego


póticas ou mesmo pequenas células de regimes demo-
cráticos com características ainda nebulosas, indefi- Os antigos núcleos de civilizações eram, em
nidas, comparando-se com a moderna concepção de suma, verdadeiras mônadas. Isolados, pouco se co-
governo do povo. A legitimação nacional era conquis- municavam, não só em razão das dificuldades de lo-
tada pela força, como recurso de autodefesa ou mani- comoção, mas também pelo sentimento de desprezo
festação de suposto direito civilizatório, quando um que nutriam pelo alienigena,
'- determinado povo se impunha sobre outro que esti- Dado esse quadro, não havia necessidade de
vesse em estágio de desenvolvimento mais acanhado. qualquer forma de organização mais abrangente,'
'1'1
Israel ocupava posição ímpar. Unidas pela fé em um embora esta pudesse, eventualmente, ocorrer no âm-
,:::: Deus único, suas doze tribos reuniam o povo eleito,
'111 bito de um mesmo grupo que possuísse idêntica visão
'''I
C'I razão pela qual relegavam a plano inferior as cha- cultural ou ser composta por diversas unidades polí-
',I:li: madas nações infiéis, que mereciam sempre respei- ticas, como era o caso da Grécia antiga.
'il! toso desprezo. A ação civilizatória grega, quando esgota seu
iiii De acordo com a visão política da época, era na- território, lança-se em todas as direções do Mar
tural a subordinação de um povo a outro. As huma- Egeu, alcançando a Sicília e outras regiões do sul da
11,11
111
nitárias leis de guerra contidas no Manavadhar ma- Itália. O que mantinha a unidade, embora precária e
;,1li! sastra, também conhecido por Código ou a Coleção frágil, era a profunda identidade lingüística, religiosa
1;1
de Leis de Manu (Manu-samhita), limitavam-se, na e cultural, que reforçava o sentimento de superiori-
II~ sua aplicação, aos brâmanes da Índia. Para os de- dade face aos povos bárbaros. Contudo, o berço da
mais povos, a regra era o extermínio ou, conforme as civilização ocidental não se constituiria a partir de
lil circunstâncias, a redução do inimigo subjugado à uma única nação ou Estado. Pelo contrário, era um
condição de escravo. conglomerado provinciano de pequenas unidades ou
Os impérios da Assíria, Babilônia, Pérsia e Egito cidades, politicamente independentes.
faraônico, que estenderam seus domínios para muito Essa atomização da Hélade explica-se pela
além da Mesopotâmia e da Arábia, já' então borde- compartimentalização geográfica,' os particularis-
jando o Mediterrâneo europeu, impunham aos povos mos, as rivalidades seculares e a percepção de que a
conquistados a lei suprema do todo-poderoso ven- cidade, onde todos os habitantes se conheciam, era a
cedor e a paz mantida pela força. única organização política viável para a época.
Para superar esse isolamento, as cidades organi-
14 Carlos Roberto Pellegrino História da Ordem Internacional 15

zaram-se em anfictionias ou confederações. Tais uni- propósito de criar melhor entendimento e respeito
dades encontravam sua firmeza no culto aos deuses mútuo entre as partes envolvidas.
que lhes eram comuns. Assim, nas datas religiosas, A participação dos membros era efetiva. Cada
as cidades confederadas enviavam seus anciãos aos qual deveria recolher sua contribuição para o fundo
templos para as celebrações e libações comunitárias. comum. A sede estava na cidade de Delos. Em 493
No começo, essas agremiações atuavam como a.C., Atenas declara guerra ao Império Persa com o
II
órgãos de arbitramento nos conflitos surgidos entre suporte da Liga, o que lhe assegura a vitória no con-
'- as cidades confederadas; posteriormente vieram cui- flito na batalha naval de Salamina.
dar dos interesses políticos da comunidade. Vencido o inimigo, Atenas passou a contar com
'111'
'li" As anfictionias funcionaram com certa eficiên- o respaldo da Liga para manter sua hegemonia sobre
~::il cia até o século VI a.C., quando, após o período de as outras cidades, forjando, para isso, um clima de
ti expansão continental e colonial, o sistema político constante ameaça a fim de que a ação militar asse-
'I'" grego começa a estagnar. Cessadas as conquistas, as gurasse a "unidade na paz". Com esse expediente de
11111
'1:1 1
populações passam a um ritmo de crescimento geo- refinada estratégia política, Atenas fez crescer ainda
métrico, enquanto a produção agrícola se desenvolve mais sua influência sobre a Liga, expandindo pode-
:II!:
IIIi em progressão aritmética. Instala-se, em conseqüên- roso império naval, empregado na defesa de seus pró-
'11: prios interesses. Paulatinamente os aliados transfor-
cia, verdadeira revolução agrícola, passando-se da
agricultura extensiva de puro consumo para a polí- maram-se em vassalos, e qualquer tentativa de suble-
l/ill.
tica com o objetivo de auferir excedentes agrícolas vação era imediatamente sufocada pela força, além
;I~: para exportação. . da sujeição ao pagamento de taxas extras e de ter a
Essa revisão da política agrícola alterou o equilí- marinha requisitada.
, I~~' brio insumo-produto, pois o impulso agrícola exigiu A política imperialista de Atenas choca-se com a
desenvolvimento complementar na indústria e no co- Liga do Peloponeso, sob a liderança de Esparta, eclo-
mércio. Criava-se, portanto, um problema político dindo a famosa guerra do Peloponeso, que vai de 431
de difícil solução, e que foi a origem direta da Liga de, a 404 a.C.
Delos, primeiro pacto militar de que se tem notícia. Com o declínio de Atenas, as hostes anfictiô-
A Liga, enquanto organização interestatal,pro- nicas gregas não conseguem defender-se das ameaças
punha-se também atuar sobre a nova realidade eco- macedônicas de Filipe 11.
nômica, dando sustentação política porque assentada Ao término do período clássico existiam apenas
sobre bases institucionais firmes e animadas pelo as confederações bastante acanhadas da Arcádia, de
16 Garfos Roberto Pellegrino

Rodes, do Helesponto, da Calcídia, da Itália do sul,


que constituíam-se em formas políticas peculiares,
cada qual com sua assembléia de delegados popu-
lares, o conselho executivo, a armada composta por
diferentes contingentes mas que obedeciam a co-
mandos únicos. Em alguns casos chegavam mesmo a
ter capital política artificial, como foi ocaso de Me-
gápolis, para a Liga da Arcádia.
O regime confederado grego não se mostrou for- A ORDEM INTERNACIONAL NA
!"',
'111'1
tl"I, te () bastante para resistir aos macedônios. Em 346 IDADE MÊDIA
~:I'I a.c. Filipe 11acabou por dominar boa parte doterri-
!lrl,

'"llr tório grego utilizando-se astutamente, também, de


uma Liga, para esmagar o poderio dos sécios por de-
~"I
~ t

I,~"
legação da anfictionia délfica. .
Não obstante certos estudiosos negarem a exis-
~I Restou a evidência da história de que a rivali-
dade entre as cidades, principalmente Esparta, Ate- tência de um efetivo direito internacional desde a

~
~
~
nas e Tebas, não permitiu o surgimento da confede-
ração de toda a nação grega.
Idade Média, preferindo estabelecer como marco
para a sua estruturaçãoo tempo da Paz de West-
Da Roma antiga não se pode dizer que tenha ha- fália, em 1648, outros, porém, não se mostram de
11I1 vido notável relacionamento internacional autônomo, acordo com essa indicação.
'1ill Alguns tratadistas afirmam que, objetivamente,
porquanto o Império Romano transformava as na-
'I", ções conquistadas em províncias e à vassalagem os o problema da ordem jurídica internacional resume-
povos. Com isso, a concepção orgânica no Império se em mera questão de equilíbrio de forças, compor-
não deu margem à independência política das nações tando, desta forma, três prismas de consideração:
conquistadas embora, por estratégia de dominação, universalista, internacionalista e organicista ou insti-
a cultura dos povos dominados tivesse sido preser- tucional.
vada. ' O 'inconveniente da solução universalista - do
tipo romano - consiste em tender a consolidar a uni-
dade, necessária para a firme tessitura da sociedade'
internacional, com o sacrifício das, partes consti-
I . ~ I
~
'J...,
18 Carlos Roberto Pellegrino História da Ordem Internacional 19

tutivas. Já a solução internacionalista cai no extremo rico Barba Roxa, Inocêncio IV e Frederico 11, da Si-
oposto, pois, no esforço de preservar as partes consti- cília.
tutivas, termina por aniquilar a unidade do sistema.
Enquanto no Oriente a questão evoluiu para a
A solução orgânica mostra-se, pois, como tentativa
aceitação da liderança do papa como senhor do céu e
válida de síntese entre as duas propostas anteriores.
da terra, na figura do basileu, no Ocidente a corrente
Com a queda do Império Romano ocidental, re-
~ de pensamento inspirada em Santo Agostinho, que
sultado das invasões bárbaras, houve a fragmentação
pretendia explicar o caráter divino do poder tempo-
da orientação universalista até então vigente. Com
ral, não conseguiu institucionalizar-se na sua pleni-
Roma tinha-se a plenitude da idéia universal: um só
""'oi tude.
·j'loli
ItI"lI
chefe, uma só cabeça, um só império. O papa veio a exercer verdadeira supremacia
\lli
IIlh! Faltava aos líderes bárbaros aconsciência de es- sobre o relacionamento internacional. Ao tempo em
1"1'"
~,Íilr': tarem abalando o Império, pois consideravam-se que reis e príncipes negociavam os interesses e o des-
'11"'1 mandatários provinciais e sentiam-se orgulhosos dos tino de seus respectivos Estados, reconhecia-se ao
,111'1
'til' títulos honoríficos outorgados pelos basileus bizan- papa o direito da última palavra. Nada era válido
,111;1 tinos. sem o beneplácito do Vaticano. Mas essa quase oni-
A Igreja Católica buscou preencher o espaço da potência pontifícia não se pode dizer que tenha sido
::11'11
Roma Imperial, travestindo-se em Roma Cristã, apanágio exclusivo do mundo cristão da época; tam-
111,i
sucessora do Império. bém outros impérios, como é o caso dos árabes e dos
':",11
Pensa-se então em edificar o supranacionalismo bizantinos, obedeciam a autoridades profundamente
medieval, um enorme império cristão, guardado sob centralizadas e organizadas sob rígida hierarqui-
1111:11
a égide do Pontificado e do Império. zação. Essa característica supranacional que domi-
II O êxito dessa empreitada iria depender da res-
'11111
nava a ordem mundial-na Idade Média constitui-se
posta a duas questões: 1) essa dupla direção - Pon-
11" num importante antecedente das organizações inter-
tificado e Império - funcionará harmonicamente?
nacionais de hoje em dia. '
il 2) a direção suprema conseguirá exercer um poder
Quando o modelo começa.a se deteriorar o Im-
positivo sobre as unidades politicas subordinadas? pério vence a Igreja. Se no Ocidente os pontífices
Com relação à harmonia entre os dois poderes, ainda coroavam o imperador, tal já não acontecia no
esta somente se manterá por breves momentos, vindo Oriente. . J .: .
Il
il
IIi
a transformar-se em luta aberta e declarada entre A comunidade p,olítica da Europa achava-se do-
Gregório VIII e Henrique IV, Inocêncio 111 e Frede- minada por uma diârquia de tipo supranacional, isto
.r
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. '.

F'~
20 Car/os Roberto Pellegrino História da Ordem Internacional 21

é, sob as ordens do papa e do imperador,aos quais os Quando os sacerdotes ungiam os reis para o go-
príncipes cristãos do império carolíngio estavam sub- verno do reino, colocavam em sua cabeça o diadema
metidos. e punham em suas mãos as leis para que aprendes-
O exercício da preeminência papal era explicado sem como deviam reger a seus súditos e honrar os
e justificado pela Igreja com o seguinte argumento: sac~otes.
na verdade o poder dos reis e a autoridade dos pontí- 10 Sacro Império Romano de Frederico Il, cor-
fices são diferentes. Um pertence ao oficio sacerdotal, . porificado na Alemanha e Itália, em sua luta contra
o outro, ao ministério real. Como se lê nas Sagradas a hegemonia papal, fundava sua ideologia universa-
Escrituras, o mundo é regido por dois poderes: a au- lista no Império Romano, enquanto que o feudalismo
toridade dos pontífices e o poder real. Somente Cristo e o pluralismo estamental e comunal propunham-se
pode ser ao mesmo tempo rei e sacerdote. Depois da a criar' unidade autárquica, fato que gerou discussões
Encarnação, Ressurreição e Ascensão ao céu,' ne- seculares .,J
nhum rei atreveu-se a usurpar a dignidade de pontí- Ao lado da disputa política e ideológica do Im-
fices, e nenhum pontífice buscou poder real, já que pério contra a Igreja e o feudalismo, os reinos de Por-
suas atuações foram separadas por Cristo. Os reis tugal, Espanha, Inglaterra e França concentravam
cristãos necessitam dos pontífices para sua vida eter- cada vez' mais direitos e competências em seus res-
na e os pontífices se servem em seus assuntos tem- pectivos países.J
porais das disposições reais. Dessa forma: a atuação. Nessa tessitura conflitiva a Igreja conseguiu
espiritual deve ser preservada do temporal; aquele substituir o Direito romano (universal) pelo Direito
que serve a Deus não deve imiscuir-se nos assuntos canônico, como também criar universidades na .Eu-
temporais, e, ao contrário, não deve parecer que pre- ropa, legando ao Ocidente um conjunto de leis e ain-
side aos assuntos divinos aquele que está implicado da o embrião de todo um arcabouço científico.
nos assuntos temp.orais. Entre os mecanismos operacionais de domínio e
A dignidade dos pontífices era tida como supe- controle supranacional do papado citam-se os se-
"111
rior à dos reis, porque os reis eram consagrados em guintes:
seu poder real pelos pontífices. Em assuntos tempo- 1) os Estados censitários da Santa Sé;
rais era tão pesada a carga dos reis como a dos sa- 2) o pontífice como zelador, custodiador dos
li!'
cerdotes, pois este trabalho lhes foi' imposto para
lil
[ip. honra, defesa e tranqüilidade da Santa' Igreja, de
pactos, pois não convém esquecer o componente
ral do Direito canônico, que exige o juramento
mo-
aos
seus reitores e ministros. pelo Rei dos reis. pactos;
22 Carlos Roberto Pellegrino História da Ordem Internacional 23

3) o costume do século XII de registrar tratados gências do ambiente internacional.


e convênios por notários pontifícios, apesar de os reis As grandes expedições às terras novas e. conti-
terem seus próprios notários; nentes até então desconhecidos serviam para expan-
4) o poder de ligar e desligar o conveniado; dir os horizontes físico, moral e intelectual da Eu-
5) o poder do pontífice de emitir leis de caráter ropa, embora fosse preservada integralmente a uni-
supranacional - como sobre a guerra e a paz, pro- dade da civilização graças à identidade cultural, com
~1 teção dos inocentes, peregrinos, mercadores, etc. - o latim usado na vida social, política, Científica e ar-
(
uma forma passiva de derrogar a lei interna; tística. O intercâmbio entre grupos humanos era so-
6) o papa pode operar na esfera temporal por bremaneira intenso, a tal ponto que foram criadas
razão de pecado; diversas associações de Estados, com fins comerciais,
7) o pontífice como mediador de ofício, custo- sendo das mais conhecidas a Merchantsof the Sta-
diante da paz; ple, organizada no século XIII, e a Hansa Teutônica,
~~ 8) não só como mediador mas como amigo con- que no século XIV transformou-se na Liga Hanseá-

-.
1'.'."'1[':
~I:
ciliador para resolver a disputa por amor, amizade,
concórdia e transação;
tica, com a participação de oitenta cidades, lideradas
pelas cidades de Lübeck, Hamburgo e Bremen. Pro-
fessores e estudantes das muitas universidades exis-
~, 1
9) um tipo especial de arbitragem papal, não a
~;
"1
arbitragem pura e simples, porquanto esta pressupõe tentes também reuniam-se em associações de classe,
1~'lil'
I':, :
a livre concordância das partes, mas aquela de ca- o mesmo acontecendo entre os navegadores. As ban-
'!!~r ráter autoritário, contrastando, assim, com o volun- deiras das cidades de Gênova, Nápoles, Milão e Ve-
11 tarismo do compromisso arbitral. neza tremulavam na paisagem dos mercados orien-
11'1 1:
111:: tais, inclusive na China. No continente europeu as

'I'"I~
O fim dessa autoridade supranacional é mar- ordens religiosas prosseguiam no seu trabalho evan-
cado pelo conflito surgido por volta de 1210, entre o gélico, organizando peregrinações (como a tradicio-
papa Bonifácio VIII e o monarca francês Filipe, o nal visita ao santuário espanhol de São Tiago de Com-
~~ Belo. postela) ou arregimentando combatentes para as Cru-
No que concerne à dinâmica do relacionamento zadas. Essa presença ativa da religião servia para
entre as nações, já aquele período da história apre- consolidar ainda mais a unidade das nações cristãs.
~
" sentava traços bastante semelhantes aos que existem Era exatamente nesse clima de profunda religiosi-
II,II
nos tempos atuais. Diversos fatores contribuíram dade, muitas vezes ornado de fascinantes promessas
I para a aceitação de novos hábitos e o estilo compor- de recompensa na vida eterna, que o Sumo Pontífice
tamental que se amoldava de acordo com as contin-

~
24 Carlos Roberto Pellegrino História da Ordem Internacional 25

desincumbia-se comodamente de suas obrigações es- que violassem os compromissos assumidos no relacio-
pirituais e políticas para com a Europa e todo o Uni- namento internacional seriam sumariamente conde-
verso. nados à pena de excomunhão, em caráter irrevogável,
Não obstante essa abertura européia para o Embora não admitisse a idéia de um governo
mundo, a estrutura feudal da sociedade mantinha-se único e centralizado para o seu Estado mundial, Du-
I~~
inabalável e até mesmo refletindo-se em alguns seg- bois sugeria, animado pelo sentimento de fidelidade
(
mentos da vida infernacional, imprimindo seu estilo a seu rei, que a liderança da federação fosse con-
de conduta todo peculiar.'-As funções do Estado eram fiada à França, que também haveria de administrar
distribuídas em circunscrições territoriais, de fron- os bens da Igreja. Quaisquer conflitos entre os Es-
teiras móveis, quando não incertas, entregues ao tados membros deveriam ser solucionados por meios
IOIIIIIII!
mando de duques, marqueses e condes todo-pode- pacíficos, com negociações diretas e arbitragem,
..J
rosos . proscrevendo-se dessa forma todo tipo de guerra, fos-
se ela justa ou injusta.
Anos mais tarde, provavelmente em 1312, Dante
Alighieri, autor da Divina Comédia, compõe sua
Os unionistas obra política, De Monarchia (Sobre a monarquia).
Por volta de 1306, o monge francês Pierre Du- Sem que se conheçam os motivos, se desaparecida ou
bois (1230-1320), discípulo de Santo Tomás de Aqui- "feita desaparecer" por conveniência, essa obra só
no, assumindo a defesa do rei Filipe, o Belo (a quem veio a lume em 1559, dois séculos e meio depois de
servia como conselheiro), naquela época em desa- escrita. Embora já antigo, mas não superado quanto
vença com o pontífice Bonifácio VIII, propôs um pla- às idéias manifestadas, o livro foi recebido com gran-
no para a recuperação da Terra Santa. de entusiasmo nos meios intelectuais da época, e foi
Em meio a toda sorte de imprecações contra o também alvo de violentas críticas. Enquanto que
domínio muçulmano em Jerusalém, Dubois termina para uns a proposta de uma monarquia universal
por sugerir a federação dos Estados Unidos da Eu- soava como a expressão de vontade demoníaca, para
ropa, único meio possível para derrotar os implacá- outros a receita caía na medida exata do bom senso e
veis usurpadores dos lugares santos. Mas o sucesso da oportunidade.
dessa empresa para a manutenção da paz em todo o O plano de Danteé, sem dúvida, revelador dos
continente europeu dependia da efetiva cooperação primeiros sintomas da planetização dos fenômenos
entre os Estados. De acordo com o projeto, aqueles políticos.
26 Carlos Roberto Pellegrino História da Ordem Internacional 27

O' envolvimento internacional com os mais di- Boêmia (hoje Tchecoslováquia) procura consolidar o
versos tipos de problemas fazia despertar entre as na- sentimento de solidariedade entre os povos da Eu-
ções um sentimento de solidariedade ainda maior, ropa na conduta política internacional por meio de
sobretudo depois dos dramáticos acontecimentos da uma federação.
queda de Constantinopla, em 1453, em poder do so- Nobre hussita, Georges nasceu em Podebrady
II\~
berano turco Mohammed 11. Esse fato viria marcar o (daí a razão do epíteto - Georges de Podebrady ou
momento de transição da história da civilização oci- Potiebrad), a 23 dé abril de 1420, e morreu em Pra-
(
dental e os primeiros indícios dos movimentos religio- ga, no dia 22 de março de 1471. Guerreiro destemi-
sos liderados por' Jean Hus, Wyc1if e tantos outros, do, de personalidade explosiva, tomou Praga aos ca-
além da principal figura de Martinho Lutero, sur- tólicos em 1448, tendo sido nomeado administrador
gida alguns anos mais tarde, e que acabariam por do reino em virtude da minoridade do rei Ladislau, o
desencadear o espetacular processo da Reforma. Póstumo; Após a morte do rei, em 1457, Georges é
O mundo despertava para um novo tempo. Os- proclamado soberano da Boêmia e investido pelo im-
mapasjá mostravam, nos seus recortes policrômicos, peradorFrederico 111.
os contornos do grande continente americano. As Apesar de seu governo conturbado, combativo e
franjas da África apareciam mais nítidas, fazendo combatido, Georges de Potiebrad fez de Praga o cen-
transparecer com detalhes os tentáculos fluviais mais tro político europeu. E foi aproveitando o aconselha-
ao sul dos espaços desérticos, indo ganhar as fron- mento do sábio Marini, que propôs aos demais sobe-
teiras da Arábia. Os oceanos, agora mais anchos e ranos a constituição de uma aliança defensiva contra
mais seguros, curvavam-se à evidência da redondeza os turcos.
da Terra, uma vez exorcizados da fantasmagoria que De acordo com seu plano, essa aliança, organi-
povoava suas profundezas abissais desde as épocas zada em bases institucionais, deveria reunir-se a cada
homéricas. cinco anos, embora pudesse, a qualquer época, rever
No relacionamento entre as nações multiplica- ou sugerir novas táticas para obstar toda tentativa de
vam-se os tratados, na proporção que os interesses I invasão otomana à Europa. Mas o projeto não pros-
assumiam cada vez maior complexidade. perou, principalmente por causa da firme oposição
Rompendo com algumas concepções medievais do papa e dos reis católicos com os quais Georges
e, em conseqüência, mais próximo da estruturação havia se indisposto.
atual das organizações internacionais, Georges de No ano de 1518, Sir Thomas Morus (ou Tomas
Potiebrad, ou Podebrady (1420-1471), rei-eleito da More) (1478-1535), nobre inglês, ex-chanceler de

~
28 29
Carlos Roberto Pellegrino História da Ordem Internacional

Henrique VIII e santo da Igreja Católica, publica sua papa haveriam de ser submetidas as desavenças que
obra maior, A Utopia. A leitura desse livro é um con- envolvessem os Estados cristãos com o mundo muçul-
vite irresistível ao devaneio pelos campos áridos da mano. As reuniões do conselho de embaixadores
ciência política. Com insuperável esmero estilístico e aconteceriam numa cidade litorânea (que Crucé, por
profunda sensibilidade poética, Morus engendra feliz inspiração, sugeria que fosse Veneza, aberta
uma sociedade ideal e um não menos ideal feitio de para o mundo inteiro).
relacionamento e....organização entre os Estados .•Mas, • A grande originalidade do projeto de Emeric
apesar de toda a beleza filosófica da sugestão, tudo Crucé está na participação de cristãos e não-cristãos
não passava de utopia, de todo coerente com o pró- num mesmo foro 'de negociações, elemento novo den-
;;:;;;::' prio título da obra.
''''',,"I~ tre todos os planos até então concebidos, e que signi-
O sacerdote e professor de matemática de Paris, ficava particularidade notável para o estabelecimento
Emeric Crucé (1590-1648), em seu Le nouveau Cynée de uma organização realmente internacional. Era re-
ou Discours d'Etat représentant des occasions et mo- comendada a estrita observância da ordem hierár-
yens d'établir une paix générale et Ia liberté de com- quica protocolar, que começaria pelo papa, vindo em
I~I~"1I 1'':i'll'
I!. I

1111:1"
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mercepar tout le monde, de 1623, após discorrer so- seguida o imperador otomano, o imperador do Santo
bre a futilidade da guerra, conclui dizendo do prazer Império, os reis da França e da Espanha, o xá da
illi!if:.:::
que seria ver os homens circular de um lugar para Pérsia, o imperador da China, o rei da Etiópia, o
1
II~1 11;" outro livremente, e se comunicarem entre si sem ne- Khan tártaro, o czar da Rússia e, depois desses, os
',!I" nhum preconceito de país, de cerimonial ede outras reis da Inglaterra, da Escócia, da Polônia, da Dina-
1~lIlll coisas parecidas, como se a terra fosse, verdadeira- marca, da Suécia, o imperador do Japão, o sultão do
lilll"': men~, uma cidade comum a todos. Marrocos, o grão-mogol de Délhi e os demais .•
lIi'
Animado por essa ideologia Crucé pede ao rei
Luís XIII, da França, que procure convencer os sobe-
ranos do Oriente a se unirem à Europa a bem da paz.
Para tornar mais fácil sua empresa, pretendia esta-
belecer uma liga das nações de todo o mundo, cujo
órgão diretor estaria sob a responsabilidade de um
conselho de embaixadores, que também exerceria as
funções de tribunal internacional de arbitragem para
a solução dos conflitos surgidos entre os Estados. Ao

<1!l ~
História da Ordem Internacional 31

inspirado nas anfictionias gregas e no projeto de fe-


deração européia de Georges de Potiebrad, trazido
para a França em 1464 por uma missão boêmia. En-
quanto a federação de Potiebrad excluía a partici-
pação da Inglaterra, admitindo a presença espanhola
sob condições especialíssimas (temeroso de uma a-
,.
ção imperialista da então grande potência marítima),
Sully abre a sua Cristianíssima República para toda
a Europa, com uma única exceção, a Rússia orto-
OS TEMPOS MODERNOS doxa. Em todos os demais aspectos a semelhança das
propostas é flagrante; ambas pretendem a formação
de uma aliança militar contra os turcos e têm na fi-
gura do papa um soberano como os demais.

Os esforços tendentes a uma organização inter-


nacional, nos tempos modernos, podem ter por pri- Retomada da soberania
meiro indicador o projeto de Henrique IV, da França,
que em verdade foi elaborado pelo seu ministro Ma- Por toda a Europa, as elites políticas, sufocadas
ximilien de Béthune, barão de Rosny e duque de pela superioridade hierárquica da Igreja romana,
Sully, escrito entre 1606 e 1611 e publicado entre davam sinais de rebeldia. Era o momento propício
1638 e 1662. para o estabelecimento de uma nova ordem política e
Com a introdução das noções de contrato social social fundada sobre novos princípios" Há muitos sé-
e de soberania nacional no Direito das Gentes, Sully culos que os Estados, presumidamente senhores de
substitui a idéia de criação do império universal, tão seus próprios destinos, haviam perdido a identidade
em voga na Idade Média, por uma república federa- jurídica de "entes autônomos". Eram, ao mesmo
tiva formada de monarquias e repúblicas unidas por tempo, suseranos e vassalos. Mas, aos poucos, o ecu-
contrato e governada não mais por um imperador, menismo medieval manifestado pelo relacionamento
III mas por um conselho eleito. Este é, pode-se dizer, o interfeudal dá lugar ao ecumenismo essencialmente
1I
, germe intelectual de uma Sociedade das Nações. estatal, quando então inaugura-se o relacionamento
Ao que tudo indica, esse grande plano teria sido interestatals Despertavam as grandes idéias do Di-
32 Carlos Roberto Pellegrino História da Ordem Internacional 33

reito das Gentes para a regulação de tais relaciona- 1645), mais 'conhecido sob o nome latinizado de
mentos sem que houvesse necessidade, para soluções, Hugo Grotius, considerado fundador do moderno
do emprego da força, dos meios cruéis da dissuasão Direito das Gentes, de par com Francisco de Vitória
pelas armas. Com a afirmação dos Estados tornou- (1485-1546), de Francisco Suárez (1548-1617) e Albe-
se necessário promover uma consciência de conjunto, ricus Gentilis (1552-1608), faz ouvir sua voz.
e não mais as expressões unitárias e com nítidas co- Grotius buscou no Direito a correspondência
notações idiossincrásicas. Era preciso promover a para as suas idéias de organização internacional.
1,'1 coexistência e não a uniexistência. E tudo aconteceu Na sua obra maior, De jure belli ac pacis(Di-
depois do dia 24 de outubro de 1643, com a assina- reito da guerra e da paz), (1625), ele fala sobre a opor-
tura da Paz de Westfália, simultaneamente em Müns- tunidade de se criar uma organização internacional
ter e Osnabrück. Colocava-se, definitivamente, o (de arbitragem). "Seria útil", pondera Grotius, "que
ponto final na autoridade temporal do papa, fazendo as potências cristãs viessem a formar entre elas uma
ressurgir a identidade dos Estados, assegurados seus espécie de corpo organizado e que nas assembléias os
direitos e a igualdade soberana de todos eles. desentendimentos de cada uma (das partes) venham
A retomada desse princípio de soberania na- a ser resolvidos através do julgamento de outras (par-
cional não produziu, contudo, o efeito desejado para tes) não interessadas, e que procurem meios de obri-
animar a organização internacional. Esperava-se gar as partes a acomodarem-se sob condições razoá-
que, restaurados os direitos plenos dos Estados, esses veis" .
viessem a promover a união entre si para a defesa de . i Também William Penn (1644-1718), um dos au-
seus territórios. Mas o que houve foi o despertar de tores da Constituição da Pensilvânia, que serviria de
um acirrado sentimento dinásjico até então inibido modelo à Constituição dos Estados Unidos da Amé-
por força das circunstâncias. fAfirmava-se a centrali- rica, publica em 1693 o seu Ensaio para a paz pre-
zação do mundo político, desta vez no âmbito estatal. \ sente e futura da Europa (An essay toward the pre-
Ato contínuo, a Europa viu-se sacudida por vio-" ' sent andfuture peace of Europe), baseado, em gran-
lentas lutas fratricidas na disputa pela hegemonia de parte, na obra de Sully.
dos mares, além da busca por maiores e melhores No século XVIII, os filósofos Emmanuel Kant
porções nas empresas colonialistas em terras da Ãsia (1724-1804) e Jeremy Bentham (1748-1832) também
e no continente novo das Américas. Ê precisamente contribuíram com suas idéias para o estabelecimento

l'li nesse clima de efervescência e grave tensão interna-


cional que o jurista holandês Hugues de Groot (1583-
de uma ordem internacional efetiva e assentada so-
bre bases constitucionais.
34 Carlos Roberto Pellegrino História da Ordem Internacional 35

Kant, na agudeza de suas especulações filosó- abade Saint-Pierre e às de Rousseau. O único modo
ficas de ordem prática, transcende aos argumentos de conciliar essa contradição, ainda conforme Kant,
de um Estado isolado para encontrar o remédio da seria terminando definitivamente com todas as guer-
paz mundial numa sociedade de nações. ras.
Suas premissas filosóficas nesse sentido estão Em 1839 foram editados em Edimburgo (Escó-
expostas no livro sobre a paz perpétua (Zum ewigem cia) os Princípios de Direito Internacional (Principies
Frieden), de 1795, fio qual faz ver que aos olhos da of International Law), de Bentham, cujo original é
razão não haveria para os Estados, considerados nas datado de 1786. Nesse livro são recomendadas provi-
suas relações recíprocas, outro meio de sair do estado dências para assegurar-se uma paz universal e per-
de guerra em que se mantinham senão renunciando, pétua.
como os indivíduos, à liberdade anárquica dos selva- No plano de paz universal e perpétua, Bentham
gens - o estado da natureza -, e submetendo-se às sugere a libertação das colônias por todos os Estados
leis públicas, formando, assim, um Estado de nações. europeus. Essa proposição veio quando a Inglaterra
Seu projeto começa por rever alguns princípios estava na iminência de perder seus domínios na Amé-
do Direito Internacional, acabando por criticar Gro- rica do Norte, que se tornariam os Estados Unidos.
tius, Pufendorf e Vattel, que, segundo ele, teriam fei- Bentham propunha dois tópicos básicos: 1) re-
to do Direito uma disciplina tributária da idéia da dução e fixação da força das diversas nações que
guerra perpétua. Para Kant os Estados não podem compunham o sistema europeu; 2) eliminação das
jamais defender seus direitos por meio de processo dependências longínquas de cada Estado. Esperava-
diante de tribunais internacionais, daí a necessidade se que os interesses da paz entre Inglaterra e França
da guerra; a vitória, contudo, não decide a questão fossem estendidos a outras nações, Mas, apesar dos
do direito; o tratado de paz pode pôr fim à guerra esforços, Beritham, obviamente, não logrou conven-
(fim que não se pode declarar injusto, porque, neste cer os ingleses a renunciar às suas possessões.
estado, cada um é juiz de sua própria causa), mas Ele sugeriu também fosse instalada uma Corte
não ao estado de guerra (que consiste em buscar sem- de Justiça sem poder coercitivo, além do Congresso
pre um novo pretexto). Este estado de guerra era o ou Dieta, composto de dois deputados por Estado
resultado da ação política empreendida naquele tem- membro. O procedimento de tal Congresso seria in-
po, que buscava manter os dois princípios contradi- teiramente público. Seus poderes estariam centrados
tórios: o equilíbrio de forças e a hegemonia universal. no opinamento e na divulgação de seus pareceres en-
Isso foi também uma crítica percuciente às idéias do tre os Estados, além de ter competência para banir
36 Car/os Roberto Pellegrin Histôria da Ordem Internacional 37

do concerto europeu todo Estado refratário a essa Pierre. A inclemência de sua verve centra-se no fato
sorte de comando supranacional. de que ambos, Saint-Pierre, e Rousseau, excluíram
Bentham supervalorizava a divulgação dos fatos da união para a paz perpétua os países orientais e
pela imprensa. Propugnava pela abolição do segredo asiáticos. Com seu estilo mordaz e irreverente, Vol-
diplomático, e nesse ponto foi um precursor de Wil- taire escreve como se fora imperador da China, refe-
son com sua diplomacia de praça pública. rindo-se a Saint-Pierre não como monge, mas bonzo.
:~ Tanto o projeto de Kant quanto o de Bentham Depois de dizer que havia "lido atentamente a bro-
significaram importante subsídio para a formação da chura de nosso caro Jean-Jacques, cidadão de Ge-
consciência comunitária universal. nebra, o qual Jean-Jacques extraiu um projeto de paz
1111"1"." ••

::::::1::11I111
Em 1713, o abade Saint-Pierre (Charles-Irénée perpétua do bonzo Saint-Pierre, o qual bonzo Saint-
Castel Saint-Pierre) (1658-1743) dá a conhecer o seu Pierre o havia extraído de um clérigo do mandarim
famoso Projeto para estabelecer a paz perpétua (Pro- marquês de Rosni, duque de Sully, excelente ecô-
ject pour rendre Iapaix perpetuelle). nomo, o qual o havia extraído do covo de seu cére-
'1'1'1""'1' bro", o "Imperador da China" critica, através de um
I~I,!;".IIII
1:'11,'1 Na visão romântica de Saint-Pierre a paz no en-
I~I' ,,', tão conturbado continente europeu somente seria al- interessante recurso estilístico, a exclusão da própria
"! I""I'~I
cançada mediante uma verdadeira e perpétua união Çhi~-ª, da 'D!!guia, daJ~é.tsia..e tantos outros Estados
li'I" 1111"""
entre os Estados. da Asia. E conclui a Carta surrealisticamente datan-
11,,,",,,, do: "Pequim, 1? do mês de Hi han, ano 189.456.500
i
II.I.I'"' ' As idéias políticas do abade, dispersas nos vinte
It,t,·~,
~ da fundação de nossa monarquia".
tomos que compunham sua obra, foram sintetizadas
I pelo filósofo suíço, naturalizado francês, Jean-Jac- Saint-Pierre condena o sistema de tratado e da
III1 :I~:
III:~~::1: ques Rousseau (1712-1778) em um único volume de política de equilíbrio, que asseguram uma paz frágil,
Ilijll:::i: algumas poucas dezenas de páginas, sob o título Jul- porquanto sujeita a rupturas por ação de grupos am-
11
1
'1[, gamento sobre a paz perpétua. Apesar de ter-se mos- biciosos. A solução dos conflitos só pode ser alcan-
trado entusiasmado com os planos de Saint-Pierre, çada pelas leis ou pelo emprego da força.
Rousseau não lhe poupou severas críticas, sobretudo A mudança da paz e do respeito ao Direito das
com respeito a certas indefinições de ordem institu- Gentes constituem problemas da preponderância da
cional. força dos Estados conservadores sobre os que per-
Jugement sur Ia paix perpetuelle foi publicado turbam ou subvertem a ordem.
em 1782, quatro anos após a morte de Rousseau. Saint-Pierre propõe a criação da União Euro-
Também Voltaire criticou o projeto de Saint- péia, poderosa o bastante para enquadrar os rebeldes
38 Carlos Roberto Pellegrino História da Ordem Internacional 39

e recalcitrantes. (Dois séculos depois esse argumento como um dos precursores da moderna estrutura das
viria a inspirar o presidente Wilson, dos Estados organizações internacionais.
Unidos da América, na sua proposta de criação de As idéias de Czartoryski foram inicialmente ma-
uma força para garantir a paz.) nifestadas nas instruções secretas que, com a chan-
O abade baseou-se muito no Império Alemão, cela de Alexandre I, enviou ao embaixador russo em
que havia logrado êxito na resolução dos conflitos in- Londres, Novosiltzow. Recomendava-se que o embai-
.~~ ternos. .,. xador negociasse os termos de uma aliança entre a
Seriam aceitos como membros pactuantes todos Rússia e a Inglaterra, sobretudo em razão do rompi-
os soberanos cristãos, inclusive o czar, que havia sido mento das relações diplomáticas entre Moscou e Na-
excluído no projeto de Sully. A um primeiro instante poleão. O isolamento russo tinha o sabor de grave
sugeriu incorporar outros soberanos não cristãos e risco. Mas, longe de pretender a guerra, os planos de
depois todos os Estados da Terra, mas temendo difi- Czartoryski intentavam apenas o estabelecimento de
culdades maiores acabou por limitar seu sonho à uma paz efetiva e durável para a Europa, a partir do
união da Europa. que se poderia pensar numa verdadeira reforma polí-
Para os ofícios de deliberação política haveria de tica e mesmo dos princípios já vetustos do Direito
ser constituído um Senado europeu, composto de 24 Internacional clássico.
senadores, com sede na cidade holandesa de Utrecht. O projeto foi aceito em parte pelo Gabinete in-
De todos os projetos, talvez o melhor concebido glês, conforme manifestação em nota oficial datada
até o primeiro quartel do século XIX tenha sido o do de 19 de fevereiro de 1805. Sabia-se, porém, que o
príncipe A dam Jerzy Czartoryski (1770-1861). sucesso da aliança só estaria assegurado caso a Prús-
Embora não pretendesse a criação de uma orga- sia e o poderoso Império austríaco também aderis-
!Ii~:::~
111'11-1··••• ,
nização internacional ampla, pelo menos logo no iní- sem. Apesar dessas dúvidas, a Rússia e a Inglaterra
cio de seu movimento, Czartoryski procurou traçar terminariam por assinar o tratado, a 30 de março e
os rumos para o estabelecimento de um clima de paz 11 de abril de 1805. Traçavam-se, assim, as grandes
entre as nações muito próximo dos ideais que anos linhas das condições de paz que, nove anos mais tar-
mais tarde animaria a Sociedade das Nações. Por de, ou seja, em 1814, viriam a ser impostas à França,
esta razão esse filho de poloneses humildes, que veio ao fim do primeiro período da dominação napoleô-
a tornar-se ministro de Assuntos Estrangeiros no Im- nica.
pério de todas as Rússias, por obra e graça de seu
particular amigo, o czar Alexandre I, é considerado
40 Carlos Roberto Pellegrino História da Ordem Internacional 41

o Concerto Europeu e a Santa Aliança mas. Ainda, aparentemente sem o menosprezo dos
direitos de soberania e igualdade dos Estados não
As cinzas das guerras ainda não haviam esfriado signatários, os quatro afirmavam suas intenções de
de.todo quando delineou-se um novo projeto de orga- assumir a guarda dos destinos políticos da Europa.
nização internacional. A Europa, cansada do sofri- Derrotado Napoleão pelo Duque "de Ferro"
mento, achava-se empenhada em criar condições para Wellington, na famosa batalha de Waterloo, as elites
o entendimento éntre os Estados a qualquer custo, políticas conservadoras trataram de aproveitar a oca-
em bases mais realistas. O desencadeamento do novo sião para lançar uma campanha pela volta à situação
processo começou pela declartç,ãO dos plenipoten- de 1789. Propalavam que os princípios revolucioná-
ciários das quatro potências ••...Ausíria,- ~ rios de igualdade, liberdade efraternidade da Revo-
\ PrÚssia..e, Róssia, quando da instáirção do Congresso lução Francesa eram slogans espalhados entre incau-
de Châtillon, em 5 de fevereiro de 1814. tos por pessoas inescrupulosas. O que na verdade
Mas Napoleão não tardou em reagir ao gesto. ar- ocorria era ri despertar de um sentimento nostálgico
rogante dos quatro, e lançou uma pesada carga guer- dos faustos palacianos, dos privilégios e dos desman-
reira contra as forças aliadas nas célebres batalhas de dos - sentimento ainda hoje manifestado por alguns
Champaubert, Montmirail, Château-Thierry e Vaux- potentados ensandecidos. Essa filosofia era, aliás,
champs. Absorvido o impacto dos combates, outra animadora dos planos de ação da Quádrupla Alian-
vez os quatro aliados resolveram, agora sob a inspi- ça, ainda que expressada-muito sutilmente durante
ração do intrigante e glacial ministro inglês, Lord as reuniões de pequenos grupos havidas na capital.
Castlereagh (Robert Stewart Castlereagh, 2? mar- austríaca, que passaram para a história conhecidas
quês de Londonderry) (1769-1822), reafirmar asdis- como o Congresso de Viena. "
posições do pacto, assinando, na noite de 9 para 10 Dentre os grandes estadistas da época que ocu-
de março, um novo documento, conhecido como Tra- pavam a primeira cena da política européia, desta-
tado de Chaumont, embora tenham feito constar cava-se a figura controvertida de Klemens Wenzel
como datado a I? de março. O novo tratado come- Nepomuk Lothar von Metternich- Winneburg (15.5.
çava por declarar que "em nome da mui santa e indi- 1773-11.6.1859).
visível Trindade" e dos soberanos signatários era fir- De origem renana, nascido em Coblença, Met-
me o propósito de estreitarem os laços para uma vigo- ternich estudou em Estrasburgo entre 1788 e 1790,
rosa continuação da guerra, caso Napoleão se recu- antes de servir na diplomacia austríaca. Em 1813 foi
sasse a aceitar as condições para a deposição das ar- elevado à dignidade de príncipe do Império Austría-
42 Carlos Roberto Pellegrino História da Ordem Internacional 43

co. Sua personalidade conservadora, avessa portanto paz" pautados sempre nas "sublimes verdades ensi-
a qualquer inovação, teria sido moldada ainda nos nadas pela Santa religião do Nosso Salvador (Jesus)" .
tempos de estudante, quando testemunhara os exces- Embora não tenham chegado a se constituir numa
sos de uma turba revolucionária. Extremamente ha- organização internacional, esta era outra das muitas
bilidoso no trato diplomático, Metternich, antes ami- idéias do czar Alexandre, proposta no Congresso de
go de Napoleão, acabou por fomentar a discórdia en- Aix-Ia-Chapelle. Posteriormente outros Estados ade-
tre o czar Alexandre I e o imperador corso. Há quem riram ao tratado. Aos três primeiros signatários
pretenda ver na atitude ultraconservadora de Metter- (Rússia, Prússia e Áustria) juntaram-se a França,
nich a convicção de que as idéias liberais difundidas Suécia, Noruega, Sardenha, Portugal, Espanha, o
na época acabariam por romper a unidade do im- reino das Duas Sicílias, Dinamarca, os Países Baixos,
pério. Saxe, Würtemberg. O convite feito aos Estados Uni-
A lS de novembro de 1818, através de um Proto- dos da América para que também viessem integrar a
colo doCongresso de Aquisgrãna, ª-.França incorpo- . Santa Aliança foi considerado com extremada pru-
@-se ao Diretório europeu (o grupo dos Quatrà),âté dência pelos norte-americanos, em razão do apoio
então formado pela Inglaterra, Áustria, Prússia e dado por Alexandre I ao rei da Espanha, que pre-
Rússia, surgindo assim a 9uíntupla Aliança, ou a tendia ver restabelecida sua autoridade nas antigas
Pentarquia, também conhecida como '"'r§íícerto Eu- colônias do continente americano. A Inglaterra tam-
ropeu", encarregada de levar adiante as orientações bém não aderiu ao pacto, tendo o príncipe regente
até então ditadas por Metternich. alegado, com boa dose de ironia, razões impedientes
Os liberais e nacionalistas da época confundiam de ordem constitucional.
a ação da Pentarquia reacionária com o pacto da O Diretório europeu continuava a agir intensa-
Santa Aliança, outro movimento de combinação de mente, principalmente depois de reforçado pelos
Estados, oficialmente constituída a 26 de setembro Congressos realizados em Aix-la-Chapelle (1818),
daquele ano, embora tivesse' sua origem também no Troppau (1820), Laibach (1821) e Verona (1822). O
Congresso de Viena. Produto do idealismo místico- mecanismo estabelecido pelo Diretório (ou Pentar-
sentimental do czar Alexandre I, o tratado, assinado quia) para a manutenção da paz propunha resolver
em Paris pelos soberanos Frederico 111, da Prússia, cada problema, em particular, que surgisse entre os
Francisco I, da Áustria, e o próprio Alexandre, se- membros. Ã guisa de ilustração, pode-se imaginar o
lava o compromisso de adotarem como filosofia de Diretório europeu funcionando nos moldes do Con-
governo "os preceitos da justiça, caridade cristã e ~~lho de Segurança a g~~aç~ as açoes _ .- ,_
44 Carlos Roberto Pellegrin História da Ordem bhprnarmna[ I

das, e não como a Assembléia Geral, foro de debate cupados em fazer valer os seus pontos de vista do que
amplo. motivados pelos interesses da comunidade. Outro as-
A despeito do controle estrito das relações inter- pecto negativo do processo era quanto à composição
nacionais, a Pentarquia começou a enfrentar sérios dos congressos: não havia o princípio de efetividade
problemas, que marcariam o início do fim para dos membros, com direito automático de represen-
aquela agremiação, A Grécia rebelara-se contra a tação. As conferências eram realizadas sob o patro-
dominação otorrrana, a Bélgica havia conseguido sua cínio de um Estado, o qual era inteiramente livre
independência dos Países Baixos, a efervescência po- para convidar os demais participantes que desejasse.
lítica agitava os Bâlcãs e as colônias africanas. 'A Os Estados ~m 1@1bém desobrigados de s~-
ação do Concerto Europeu fazia-se notar, primeiro,
pelas recomendações que, caso não atendidas, trans-
~em" isto e, ~ara, umanegociação, o
Estado tin do o direito de negar-se a comparecer.
formavam-se em ameaças do emprego da força, E assim faziam quando, do ponto de vlSfã1nrci.õííãf;"
como aconteceu a fim de convencer a Holanda sobre consideravam o encontro como politicamente inopor-
a oportunidade do reconhecimento da independência tuno ou contrário aos seus interesses nacionais.
belga. Ã mesma Bélgica foi mostrada a correção nas As úi imas manifesta ões da vitalidade do Con-
fronteiras demarcadas, e aos países balcânicos foi certo uropeu foram o S2,ngresso de er 1m, de 1879,
imposta a obrigação do respeito às minorias católicas. reunido para exame da questão do Oriente; o con-
Apesar de todo o poder, o C;:m.certo Europeu gresso de 1884 e a conferência de Algeciras, de"1906,
trazia uma falha em sua estruturãorgãIfízãcional,õ para dcu~ da questão da África.
que concorreu decisivamente para a falência do sis- Apesar de todo o empenho por parte de alguns
tema: a extrema flexibilidade. . Estados, terminava outro grande momento da orga-
Conforme dissemos anteriormente, para cada nização internacional, desta vez nos moldes de um
problema que se manifestasse era convoca da urna Concerto Europeu já desacreditado e por isso inope-
conferência, geralmente solicitada pelo próprio Es- rante. Era o apagar definitivo de outro sonho, este
tado envolvido na questão. Esse modelo institucional, acalentado desde as suas origens pelos idealistas
absolutamente casuístico, resultava extremamente Czartoryski, Alexandre I, Metternich e tantos outros
mor-oso. Basta imaginar-se a gama de dificuldades que a história encarregou-se de registrar na memória.
que os Estados tinham que vencer a cada chamamen- O mundo amadurecido entrava em um novo século,
to para se reunirem. Por outro lado, os membros que
novos tempos, novas idéias. Diante da complexidade
respondiam à convocação estavam sempre mais preo- do relacionamento internacional, a humanidade re-
46 Carlos Roberto Pellegrino História da Ordem Internacional 47

clamava por um sistema orgânico mais efetivo, mais grafo. As endemias tinham que ser controladas de
realista, menos ilusório, onde os Estados pudessem uma vez por todas. Tratava-se de regulamentar a na-
I I' esquecer as guerras e crescer na paz. No que con- vegação marítima e fluvial. Reclamava-se, em suma,
cerne à institucionalização das organizações, a reali- a organização de verdadeiros serviços públicos que
dade era também outra. estariam sob o comando de uma única estrutura
Até então, os contatos estatais que se apresen- administrativa internacional.
tavam habitualmente sob o aspecto de congressos de
delegados ou de conferência de plenipotenciários A administração internacional
eram temporários; duravam apenas o tempo neces-
sário à elaboração de um tratado ou de algum instru- Foi desde então que o Direito Marítimo Inter-
mento democrático fixando certas obrigações a favor nacional ganhou posição de destaque, tendo sido
ou contra os Estados contratantes. Mas o apareci- criadas numerosas instituições que viriam a concor-
mento das grandes potências e suas constelações de rer para a tão desejada administração internacional.
Estados mais ou menos dependentes acabou por te- Organizaram-se a Comissão Internacional do Canal
cer uma densa rede de solidariedade interestatal. A de Suez, a Política Internacional do Mar do Norte, a
própria dinâmica do relacionamento internacional Administração Internacional do Farol de Spartel,
hão mais comportava um esquema tático de negocia- além de tantas outras. Também no domínio do Di-
ções através de conferências temporárias, dependen- reito Internacional Fluvial foram estabelecidas novas
do das circunstâncias. Tornou-se necessária a ação regulamentações para a navegação do Danúbio sob a
permanente concertada entre os diversos Estados, responsabilidade de uma comissão européia. Convém
tendo em vista a satisfação dos interesses comuns lembrar que a mais antiga administração fluvial in-
mediante o reconhecimento de obrigações e vanta- ternacional foi a do rio Reno, instalada em 1804, pelo
gens análogas para todos os contratantes. Tratado Franco-Germânico de 15 de agosto. Na ci-
Os objetivos pretendidos pelos Estados eram dade suíça de Berna surgem as uniões internacionais
cada vez mais amplos e diversos. Buscava-se, por para 0- transporte de mercadorias por estrada de ferro
exemplo, estabelecer o melhor fluxo do tráfico inter- (1890), a União Postal Universal (1874) e a União
nacional de mercadorias por estradas de ferro, in- Telegráfica (1865). Para facilitar o intercâmbio eco-
vento que revolucionou os meios de transportes. Era nômico entre os países, fundou-se, em 1875, a União
também preciso desenvolver as comunicações postais Internacional de Pesos e Medidas e duas uniões mo-
entre os continentes, fazendo grande uso do telé- netárias: a União latina, de 1865, a União escandi-
48 49

nava, de !873. Inauguraram-se em Bruxelas o Escri- pitalismo, tornando as nações imperiais ainda mais
tório Internacional para a Publicação de Tarifas poderosas e dôminadó'ras;"e quépassaram a -atuar
Aduaneiras, em 1890, e o Escritório Internacional de como verdadeiros banqueiros do mundo, surgiram
Estatísticas Comerciais, em 1913. organismos internacionais de controle financeiro, ria
Com o objetivo de promover o desenvolvimento proteção dos Estados tomadores de empréstimos,
da agricultura de diversos países, bem como a inten- que, em face do péssimo quadro econômico-finan-
. sificação dos intercâmbios, foi criado,em 1905, em ceiro, em não raras ocasiões tornavam-se não apenas
Roma, o Instituto Internacional de Agricultura, que, inadimplentes mas também vulneráveis a quaisquer
após o surgimento da Organização das Nações Uni- medidas queporventura fossem tomadas a fim de
das, passou a chamar-se Organização de Alimen- forçâ-Ios a cumprir, a custos elevados, os compro-
tação e Agricultura, mais conhecida pela sigla F AO missos assumidos. E foi exatamente para conhecer
(Food and Agriculture Organization). Para resguar- dessas dificuldades que foram criados numerosos or-
dar as ciências e as artes contra a ação inescrupulosa ganismos internacionais, que passaram. a atuar como
de plagiadores e dos vândalos, cria-se, em 1876, ain- árbitros, embora sofrivelmente imparciais.
da em Berna, o Escritório Internacional para a Pro- Um movimento de opinião para organização pa-
teção de Obras Literárias e Artísticas. cífica do mundo desenvolveu-se no Ocidente, em par-
A evolução dos princípios éticos reclamou da so- ticular na Inglaterra e na França, contando também
ciedade internacional um organismo suficientemente com o entusiástico apoio dos Estados Unidos da
forte para o empreendimento de uma campanha de- América. Os Estados recusavam-se, porém, a todo
cisiva contra o escravagismo que ainda àquela época tipo de engajamento, Considerava-se, de maneira
era exercido por alguns Estados. Assim, no ano de absolutamente imprópria, que a subordinação, ain-
1890, simultaneamente em Bruxelas e Zanzibar, es- da que moral, a um organismo internacional signifi-
tabeleceu-se a União Anti-Escravagista, com atuação caria perda de parcela de soberania. Aliás, essa idéia
decisiva no campo do respeito ao mais elementar dos é ainda hoje sustentada por muitos países, que, não
direitos humanos, a liberdade. No que concerne à apenas por teimosia mas sobretudo por ignorância,
saúde foram criados dois escritórios internacionais vêem no acatamento de uma resolução tomada no
no inicio do século - o primeiro em 1904, da Saúde âmbito de um organismo internacional diminuição
Pública, e o segundo, em 1907, da Higiene Interna- de sua au toridade soberana.
cional, que passou a agir mais na atenção profilática. As Conferências de Haia, de 1899 e de 1907, por
Resultado do crescente desenvolvimento do ca- solicitação do czar Nicolau 11, suscitaram o princípio

-------- ~--- ~-
50 Carlos Roberto Pellegrin11 História da Ordem Internacional 51
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da arbitragem obrigatória e da humanização da guer- nal, organizado mediante pacto, que se orienta para a
ra, mas nada puderam fazer para obstar a já iniciada satisfação das necessidades ou interesses comuns aos
corrida armamentista. A Corte Permanente de Arbi- Estados membros. Constitui-se na união internacio-
tragem, criada a 29 de julho de 1899, por resolução nal equivalente a uma comunidade organizad~daí
da primeira conferência de Haia, posteriormente re- ser de todo pertinente sua consideração como espécie
visada, a 18 de outubro de 1907, não era mais do que de organização internacional.
a reunião de uma plêiade de juristas indicados pelos Os novos tempos reclamavam uma visão estra-
Estados participantes, sempre à disposição para o tégica mais adequada no cuidado dos negócios inter-
conhecimento dos eventuais litígios. Porém, fora do nacionais. Era preciso adotar-se um estilo de relacio-
domínio estatal os progressos eram consideráveis. As namento que assegurasse o equilíbrio das potências.
associações internacionais de caráter privado sur- Embora freqüentes as incursões em territórios
giam em todos os campos da atividade empresarial; o estrangeiros, sob o pretexto de impossibilitar o forta-
mundo capitalista organizava-se internacionalmente lecimento do inimigo, sentia-se, ao mesmo tempo,
através dos grandes conglomerados industriais hoje uma atitude respeitosa entre as forças de agressão.
sobejamente conhecidos como multinacionais. Aconteciam guerras de repressão justificadas
Os constantes avanços da ciência davam ao como penas impostas aos Estados que, por qualquer
mundo da época os contornos precisos e ideais para a motivo, houvessem provocado o desequilíbrio do fiel
realização do sonho de união dos povos em torno das da balança. Batiam-se alianças contra alianças, onde
organizações internacionais. Era este o caminho mais os mais fracos procuravam a proteção. Nesse período
curto e mais seguro para erigirem-se a paz e a segu- da história, as relações internacionais eram marca-
rança necessárias no relacionamento entre osEstados. das pela lei do mais forte, guiadas pelo princípio vul-
Criava-se, progressivamente, uma verdadeira gar do "quem pode mais chora menos", como diz a
administração internacional, o que concorria para a sabedoria popular; era o tempo em que, segundo a
consolidação dos hábitos de cooperação sob o plano feliz expressão de Thomas Hobbes (filósofo inglês do
técnico, preparando o terreno para uma organização século XVII - 1588-1679), estavam "todos contra
de maior abrangência. todos". Mas, não obstante o descaso dos soberanos
pelas idéias de formação de uma organização inter-
As Confederações nacional estrutura da sobre marcos institucionais,
existiam os pactos de confederações que, enquanto
Confederação é a forma de governo internacio- uniões internacionais, equivaliam a uma comunidade
52 Carlos Roberto Pellegrino

organizada, conquanto restrita na sua abrangência


territorial.
O instrumento constitutivo da confederação é o
tratado, válido nos territórios dos Estados envolvidos
por esse governo, sem que haja prevalência de uns'
sobre outros. Esse tratado constitutivo não contém
preceitos relativós às Constituições dos membros
confederados, embora não seja excluída a possibili-
dade de, em circunstâncias especiais, ocorrer alguma
restrição à autonomia constitucional dos membros CRÍTICA ÀS PROPOSTAS
da União.
Um dos primeiros exemplos de Confederação
permanente 'de Estados foi a Liga Perpétua, criada
em 1291, reunindo os cantões suíços de Uri, Schwyz e
Unterwalden. Mais tarde outras surgiram, como a Pode-se enfocar as diversas proposições de ar-
União de Utrecht, de 1579, a Confederação dos Es- ranjo da situação internacional sob duas maneiras
tados Unidos da América do Norte, no período de de ver o conflito: a conservadora-autoritária e a li-
1778 a 1787, durante a. guerra da independência. beral.
Também na Alemanha essa forma de governo foi A vertente conservadora-autoritária, em alguns
implantada; a primeira de 1815, pelo Tratado de momentos claramente reacionária, buscava limitar o
Presburgo, que criou a Confederação do Reno, e pos- jogo internacional a alguns parceiros ou atores rele-
teriormente a Confederação da Alemanha do Norte, vantes. Quando o duque de Sully rechaça os russos e
que existiu entre 1867 e 1871. os turcos, limita em muito o acordo de cavalheiros da
política internacional. Já o abade Saint-Pierre limita-
va menos, pois aceitava o czar como parceiro.
Seria então característica do pensamento autori-
tário-conservador a limitação do jogo internacional a
alguns atores privilegiados, que buscariam criar as
regras do jogo para dirimir o conflito entre si e en-
quadrar os que não tinham sentado à mesa de nego-
54 Carlos Roberto Pellegrino História da Ordem Internacional 55

ciação política. Quanto à segunda vertente - a liberal - pode-


Essa limitação conformava-se também às idéias se resumi-Ia nos seguintes pontos básicos e criticáveis
religiosas da época no mundo etnocêntrico europeu, de sua Weltanschauung: a ótica rousseauniana, a
como em Sully. racionalidade limitada do século XVIII, a utopia das
Outra maneira de assinalar essa limitação seria boas intenções com a conseqüente falta de pragrna-
a das formas de governo. tismo.
A grande característica, contudo, do pensa- Comecemos pela primeira: a ótica rousseau-
mento conservador consistia na tentativa de parar o niana. Uma assertiva estrutural do pensamento li-
curso da história, as religiões, as formas de governo, beral é a de ver a natureza humana como essencial-
as fronteiras, ou seja, manter-se a situação inalte- mente boa. Ao contrário de Hobbes, que via no ho-
rada. mem o lobo do homem, Rousseau tem uma visão dia-
Os diversos autores de tendência conservadora metralmente oposta, pois na sua perspectiva o ho-
IIIIII"[:I!I I:
tentam desesperadamente estruturar as regras do mem é fundamentalmente bom, o que o corrompe é a
II~IIil~I::::;: bem conviver a nível internacional com o esclerosa- forma de viver em sociedade.
1"1, i,
mento da história. Apesar de ser uma visão menos Nas propostas não-conservadoras, que chama-
I utópica que aquelas propostas pelos liberais, não dei- mos liberais, encontramos essa síndrome rousseau-
;/i xa de apresentar traços ingênuos como, por exemplo, niana. Mesmo Kant, quando não aceita o pressu-
o congelamento do sistema político. posto de Rousseau, volta a ele na sua terapia filosó-
~I O que se critica ao pensamento conservador é a fica para resolver os conflitos internacionais.
!III' '""'" conseqüente estratificação do mundo político euro- Em Jeremy Bentham, apesar de seu utilitarismo,
I~III,~,;:::;;;
peu, que passaria a viver uma das maiores revoluções encontramos os traços do remédio rousseauniano.
I' infra-estruturais na história da humanidade: a revo- Ê, pois, de se concluir que, se a slndrome rous-
lução industrial. seauniana não está no pressuposto dessas proposi-
Talvez esse congelamento conservador a nível ções, ela se encontrava fatalmente na terapia.
político tenha influenciado a estruturação do veto no A segunda distinção da proposição liberal é o
Conselho de Segurança das Nações Unidas. seu estreito racionalismo, eivado do mecanicismo do
Em síntese, pode-se colocar como características século XVIII. Como se o mundo pudesse ser mon-
principais e criticáveis das propostas conservadoras a tado e desmontado como simples máquina em que o
limitação do jogo político e a tentativa infrutífera de todo é a soma de suas partes.
congelar o devir histórico. Essa razão iluminista leva a um jogo metafísico
56 Carlos Roberto Pellegrino

de conceitos que não encontra ressonância em estru-


turas supercomplexas, como é a situação política in-
ternacional.
Edmund Burke estigmatizou esse racionalismo
populista ao afirmar que o homem comum, por sua
autocrítica suficiente para não desmontar o seu re-
lógio pela dificuldade em rernontá-lo, desmonta com
a maior sem-cerimônia as instituições políticas e so-
ciais, que a nação levou dezenas e mesmo centenas
de anos para criar.
O terceiro item do receituário liberal é a utopia
VERSALHES, O ENDEREÇO DA PAZ
das boas intenções, que se relaciona dialeticamente
com a falta de pragmatismo. .
Desde Emeric Crucé, passando por Bentham e
Kant, até Adam Czartoryski, as proposições são mais Durante os quatro longos e particularmente do-
aplicáveis a um colégio de infantes que para o jogo lorosos anos que separam 1914 de 1918, o mundo
bruto da política internacional. viu-se engolfado na Primeira Grande Guerra, cujas
Talvez essa retórica liberal seja mais para con- causas e conseqüências (ou inconseqüências?) histó-
sumo de um público externo do que para os atores ricas são analisadas sobejamente por uma enorme li-
principais. teratura. Mas, em brevíssima reportagem, valendo-se
dos ensinamentos de Tucídides, em A Guerra do Pe-
loponeso, sobre a análise das guerras a partir de seus
fatores condicionantes imediatos e subjacentes, te-
remos por causas: inicialmente as questões de ordem
econômica, aliás motivo para quase todos os conflitos
de que se tem notícia. Ora, não é difícil avaliar o
grande incômodo germânico para a economia dos
demais Estados europeus. Em 1914 a Alemanha
produzia mais ferro e aço do que a França e a Ingla-
terra juntas. Essa mesma Alemanha ganhava o do-
S8 Carlos Roberto Pellegrino História da Ordem Internacional S9

mínio da navegação comercial, sobrepujando a mui concretizara-se. Outra vez o mundo respirava livre-
orgulhosa imperial marinha britânica. Dentre as mente, sem medo. Embainhadas as espadas, emude-
causas políticas para o conflito havia o nacionalismo cidos os canhões, começaram as conferências da paz.
exacerbado interpretado de maneira ostensiva pelos Foram praticamente dois anos de arranjos diplomá-
movimentos pangermânicos, o pan-eslavismo na ticos que, em lugar de um acordo entre vencidos e
Rússia, o plano da Grande Sérvia, e tantos outros es- vencedores, revelou-se mais como uma verdadeira
forços de alianças múltiplas. sentença imposta aos derrotados.
Já com os ódios acirrados, a faísca decisiva para A Conferência de Paris, reunida durante o pri-
a explosão da guerra foi o assassinato do arquiduque meiro semestre de 1919, faz lembrar, pelas suas ca-
Francisco Fernando, da Áustria, a 28 de junho de racterísticas, o Congresso de Viena. Aqui também,
1914. Mais do que um crime hediondo, a morte de sob a aparência da unanimidade entre as grandes
Francisco Fernando, virtual sucessor do velho impe- potências e os pequenos Estados, acabou por preva-
rador Francisco José, foi considerada um ataque ao lecer a vontade dos mais fortes. As 1600 sessões reali-
Estado. O gesto assassino do estudante bosniano zadas durante os seis meses do Congresso acabaram
chamado Princip fora, na realidade, urdido pelos na- por expressar as decisões tomadas pelas principais
cionalistas sérvios, membros da sociedade secreta co- potências aliadas e seus associados (Estados Unidos
nhecida como Mão Negra. A ordem havia sido dada da América, Japão, Inglaterra, França e Itália), que
por Belgrado, contra os planos de Francisco Fer- agiam como um novo diretório mundial. De nada
nando de reorganizar o império dos Habsburgo. A participaram os vencidos.
Rússia pendera para o lado sérvio, evidentemente Os cinco principais tratados foram firmados: em
contra a Áustria, que por sua vez contava com o irres- Versalhes, com a Alemanha, em 28 de junho de
trito apoio germânico. A partir de então definiram-se 1919; em Saint-Germain, com a Áustria, em 10 de
os quadros aliados, tanto de um lado quanto do ou- setembro de 1919; em Neui1ly, com a Bulgária, em 27
tro, dando início aos combates. de novembro de 1919; no Trianon, com a Hungria,
Depois de quatro anos de guerras, no outono de em 11 de junho de 1920. O Tratado de Sêvres, que
1918, houve a capitulação dos impérios centrais. Ter- havia sido estabelecido com a Turquia em 10 de agos-
minava assim o primeiro grande pesadelo da huma- to de 1920, com a vitória de Mustafá Kemal sobre os
nidade. O desejo de paz do presidente Wilson, dos gregos é substituído pelo Tratado de Lausanne, de
Estados Unidos da América, manifestado perante o 1923. .
Congresso' em mensagem de 8 de janeiro de 1918, Embora todos esses tratados consagrassem pro-
60 Carlos Roberto PellegrinlHistória da Ordem Internacional 61

fundas alterações de fronteiras, principalmente em salhes, mas também em cada um dos demais tra-
razão do desmembramento do império àustro-hún- tados firmados entre os aliados (Tratados do Tria-
garo, o ressurgimento da Polônia e da Tchecoslová- non, Neui11y e Sêvres). Assinaram o Pacto os 26 Es-:
quia como Estados livres e soberanos, e tantas outras tados soberanos e os quatro domínios, partes do Tra-
aspirações nacionalistas, a grande novidade foi a tado de Versalhes. A esses juntaram-se posterior-
criação de uma organização política internacional mente 13 outros Estados convidados.
encarregada de manter a paz entre seus membros sob Resumidamente, eram estes os 14 pontos da po-
a base da situação territorial e política existente. lítica internacional do presidente Wilson:
1) acordos públicos, negociados publicamente,
ou seja, a abolição da diplomacia secreta;
A Sociedade das Nações 2) a liberdade dos mares;
3) a eliminação das barreiras econômicas entre
Inspirado na visão de uma ordem justa para as
as nações;
relações internacionais, o presidente W oodrow Wil-
4) a limitação dos armamentos nacionais "ao
son, dos Estados Unidos da América, faz perante o
nível mínimo compatível com a segurança";
Congresso norte-americano o seu famoso discurso
5) ajuste imparcial das pretensões coloniais,
dos Quatorze Pontos sobre a política internacional.
II~ tendo em vista os interesses dos povos atingidos por
I~, O último desses pontos era uma conclamação aos po-
elas;
vos amigos para que se unissem em torno de uma
I 1; """"" 6) evacuação da Rússia;
I
IIIII'!I'
associação geral de nações de acordo com convenções
11:;.:::11111111
II 7) restauração da independência da Bélgica;
específicas, com o fito de dar garantias mútuas de
I~
t, :::::"',,,10,,,1
"1,11 8) restituição da Alsácia e da Lorena à França
independência política e de integridade territorial
I. (o que aconteceu efetivamente depois da Conferência
aos grandes e aos pequenos Estados. Foi seguindo
de Paz em Paris);
esses princípios que em 28 de junho de 1919,em ple-
9) reajustamento das fronteiras italianas, "se-
no desenrolar da Conferência de Paz, em Paris, as
guindo linhas divisórias de nacionalidade claramente
nações "amigas" firmaram o Pacto das Nações, ins-
reconhecíveis" ;
trumento constitutivo da Sociedade (ou Liga) das
10) desenvolvimento autônomo dos povos da
Nações. Ãustria-Hungria;
Essa resolução sobre a nova sociedade interna-
11) restauração da Rumânia, da Sérvia e do
cional foi registrada não apenas no Tratado de Ver-
Montenegro, com acesso ao mar para a Sérvia;
,62 Car/os Roberto Pellegrino História da Ordem Internacional 63

12) desenvolvimento dos povos da Turquia.isen- rania. Os norte-americanos não queriam participar
do os estreitos que ligam o Mar Negro ao Mediter- de medidas extremadas como boicotes ou bloqueios
râneo "abertos permanentemente"; pacíficos, previstos no Pacto. Tinham ainda por
13) uma Polônia independente, "habitada por inadmissível qualquer forma de controle do comércio
populações indiscutivelmente polonesas" e com aces- internacional ou deliberações que dissessem respeito
so para o mar; a questões econômicas e financeiras de um Estado, e
14) uma Ligá de Nações. principalmente dos Estados Unidos da América. Fi-
nalmente, os senadores mostraram-se dispostos a
Fato singular foi a não participação dos Estados concorrer para a formação de uma associação de po-
Unidos da América na Sociedade das Nações. O des- vos livres, mas não com alianças destinadas a conso-
tino encarregou-se de trair o mais entusiasta de todos
lidar na paz a vitória alcançada pelo gume das baio-
os animadores da Sociedade, o presidente Wilson. O
netas.
Senado norte-americano, por não ter ratificado o
Sem o apoio norte-americano a Sociedade das
Tratado de Versalhes, impossibilitou, em conseqüên-
Nações não teve condições de implantar os acordos
cia, que o Estado americano do norte fosse contado
de segurança previstos pelo Pacto. A posição assu-
entre os membros da recém-criação da organização
mida por tão importante aliado causou profundo
internacional. Diante do desaponto do presidente
abalo no arcabouço político da Sociedade.
Wilson, a Comissão de Negócios Estrangeiros do Se-
Apesar de enfraquecida, a Sociedade das Nações
nado norte-americano procurou justificar sua incom-
chegou a solucionar alguns conflitos internacionais,
patibilidade com relação ao Pacto da Sociedade das como a questão de Vilna, em 1920, entre a Polônia e
Nações que, no entender das lideranças políticas, não
a Lituânia, a questão das ilhas Aland, em disputa
assegurava aos Estados Unidos da América o direito pela Finlândia e a Suécia. Dentre essas crises, quatro
ao número de votos igual ao que havia sido concedido são as mais significativas, determinando, de certa
à Inglaterra. Disseram mais, que o Pacto também forma, os mecanismos de que a Liga dispunha para a
não estava em perfeita sintonia com as tradições di- solução pacífica de controvérsias entre os seus mem-
plomáticas do país. O compromisso para que os Es- bros. Essas disputas foram entre a Grécia e a Bul-
tados membros buscassem garantir com suas forças gária, as questões da Mandchúria, da Etiópia e da
armadas a integridade territorial e a independência Finlândia com a União Soviética.
política de todos os demais membros da Liga era um Quando em 22 de outubro de 1925 as tropas gre-
princípio considerado pelos Estados Unidos da Amé- gas invadiram a Bulgária, o governo de Sófia recor-
rica como nitidamente violador dos direitos de sobe-
tlstoria c{aOrdem Internacional 65
64 Carlos Roberto Pellegrino
agredir militarmente a Etiópia, o que contrariava o
reu imediatamente à Sociedade das Nações, nos ter- artigo 12 do Pacto. Nos termos do artigo 16, a Itália
mos do artigo li, 1 do Pacto. Reunido o Conselho, foi havia cometido um ato de guerra contra todos os Es-
dado o prazo de 24 horas para que as partes envol- tados membros. Depois de algumas deliberações deci-
vidas no conflito decretassem o cessar-fogo, sob pena diu-se proibir as exportações de armas e equipamen-
de rigorosas sanções. A ação decisiva da organização tos bélicos de reposição para a Itália; foram congela-
pôs fim imediato ao conflito. Em setembro de 1931 o dos os empréstimos e os créditos a todos os empreen-
Japão invade grande parte do território da Mandchú- dimentos italianos; estava proibida a importação de
ria e expulsa as autoridades chinesas. Outra vez o produtos provenientes da Itália. Mas o bloqueio não
Conselho da Sociedade é chamado a se reunir. A Chi- foi aceito pelos Estados Unidos da América, Japão e
II·,·!I
na exige providências enérgicas a fim de evitar o Alemanha, que por não pertencerem à Liga estavam
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agravamento e o estado de beligerância. Como pri- desimpedidos para comerciar com a Itália. A França,
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meira medida, a exemplo do que havia sido feito no que fora sua aliada na guerra, também não. aderiu
conflito greco-búlgaro, a Sociedade das Nações apela aos bloqueios. Diante desse impasse, a Liga das Na-
para que as partes envolvidas Seabstenham de novos ções voltou a se enfraquecer politicamente. Alguns
atos hostis e que as tropas invasoras recuem. Mas o anos mais tarde, em 1939, o governo da Finlândia
Japão não atende a esses apelos. Novamente o Con- denuncia à Liga a invasão de seu território por tropas
selho insiste na retirada das tropas japonesas. Mas da União Soviética. Numa rápida ação diplomática
num flagrante desafio à Sociedade,outras áreas são Moscou fez informar ao Conselho da Liga que nada
ocupadas. Finalmente o Japão propõe que seja for- mais fizera do que acudir a um pedido do governo da
mada uma comissão para analisar a questão. Apre- República Democrática da Finlândia e que, em con-
sentado o relatório, o governo japonês resolve retirar- seqüência, não mais reconhecia o governo de Helsin-
se da Sociedade das Nações, o que faz oficialmente que. Quanto à Liga das Nações, a União Soviética
em 27 de março de 1933, sem haver desocupado a informou sobre sua decisão de não participar de
Mandchúria. qualquer reunião do Conselho ou da Assembléia, que
Ainda com o prestígio abalado pelo caso da porventura viesse a ocorrer, para tratar do assunto.
Mandchúria, a Liga das Nações teve oportunidade de Condenada por agressão, a União Soviética acabou
recuperar a sua credibilidade em 1935 com o conflito
sendo expulsa da organização. As sanções preten-
entre ,a Itália e a Etiópia. Chamada a resolver a ques-
didas contra a União Soviética foram ignoradas pela
. tão, as reuniões do Conselho e da Assembléia, de 7 a maioria dos membros da Liga.
10 de outubro daquele ano, condenaram a Itália por

.,·lttl,l. ~.- _.- _ -- _.- _


66
i Carfos Roberto .PellegrinoJ ~istóriQ da Ordem Internacional 67

A estrutura do Pacto Nações se comprometiam a não recorrer à guerra


contra a parte ou as partes que tivessem se confor-
o Pacto das Nações constava de 26 artigos, pe- mado com a conclusão do relatório. O recurso à guer-
los quais se pretendia criar um sistema de seguran- ra não era ilícito, mas recomendava-se a observância
ça coletiva profícuo para todos os Estados. das prescrições contidas no Pacto concernentes à
Esse sistema era constituído dos seguintes ele- conciliação da controvérsia. Dispunha o artigo 16,
mentos: o desarmamento - art. 8?, §1? (os mem- §1?, que, se um membro da Sociedade recorresse à
bros da Sociedade reconhecem que a manutenção da guerra, contrariamente aos compromissos assumidos
'paz exige a redução dos armamentos nacionais a um pelos arts. 12, 13 ou 15, seria considerado como ten-
mínimo compatível com a segurança nacional e com do cometido ato de guerra contra todos os outros
a execução das obrigações internacionais impostas a membros da Sociedade. Estes se comprometiam a
uma ação comum; uma série de prescrições para a romper, com relação ao Estado que tivesse contra-
solução pacífica de controvérsias internacionais (arts. riado o Pacto, todas as relações financeiras,comer-
1? ao 15); uma garantia coletiva de independência de ciais ou pessoais. O Conselho tinha o dever de reco-
todos os membros - art. 1O? - "Os membros da mendar aos diversos governos interessados que infor-
Sociedade se empenham em respeitar e em preservar massem sobre os efetivos militares, navais ou aéreos,
contra toda agressão externa a integridade territorial com os quais os membros da Sociedade contribui-
e a independência política de todos os membros da riam para a constituição de uma.força armada desti-
Sociedade". Finalmente, eram previstas sanções con- nada a fazer respeitar os compromissos assumidos.
tra o Estado ou Estados que viessem a violar o Pacto. A Sociedade das Nações tinha três órgãos prin-
A conciliação da controvérsia era obrigatória. A cipais: a Assembléia, o Conselho e o Secretariado. O
parte em desacordo haveria de recorrer à arbitragem, primeiro era composto por representantes de todos os
ao regulamento judiciário, ou mesmo ao Conselho da Estados membros, enquanto que do Conselho parti-
Sociedade. O Conselho deveria assegurar a solução cipava apenas pequeno número de Estados na quali-
da controvérsia. Os Estados em litígio deveriam acei- dade de membros permanentes e temporários. O Se-
tar a solução proposta. Se por acaso a controvérsia cretariado tinha à frente um secretário-geral. A
não pudesse ser resolvida, o Conselho redigiria e fa- Assembléia Geral podia discutir todas as questões
ria publicar um minucioso relatório. Se este fosse relacionadas com a paz mundial, e podia propor re-
aceito por unanimidade (as partes em litígio não ti- comendações. A unanimidade era regra para todas
nham direito a voto) os membros da Sociedade das as decisões da Assembléia. Havia porém algumasex-
68
i Gar/osRoberto Pellegrin~, ~istória da Ordem Internacional 69

ceções, como para a admissão de novos membros, da Segunda Guerra Mundial. Desfazia-se assim mais
que era votada por maioria de dois terços. O poder um grande sonho da paz universal fundado sobre a
do Conselho da Liga era exercido à unanimidade de ordem e a justiça.
votos.
Em 1920 foi organizada a Corte Permanente de
Justiça Internacional, em aplicação do Pacto das
Nações.
Composto tíe 1S membros designados pela
Assembléia e pelo Conselho da Sociedade, indepen-
dente dos Estados, esse tribunal surgia como verda-
deiro órgão judiciário da comunidade internacional.
Entre 1922 e 1940 a Corte proferiu 88 decisões, das
quais 63 sobre mérito. Mas a sua razão de ser se en-
contrava limitada, porquanto não havia conhecido
de conflitos políticos entre Estados, que são os mais
importantes e os mais perigosos, mas somente de
conflitos jurídicos que não punham em risco os inte-
resses vitais das nações.
Apesar de todos os esforços, a Sociedade das
Nações estava irremediavelmente condenada ao fra-
casso. A paz era frágil. Em 1926 a Espanha, em ple-
na efervescência da guerra civil, constituía um de-
safio aberto à unidade do continente europeu em tor-
no da Liga das Nações. A política da segurança cole-
tiva sofreu um duro golpe dado pela Grã-Bretanha à
época da remilitarização da Renânia, pela França,
durante a crise etíope.
Desarticulada pelas múltiplas denúncias ao Pac-
to e já sem condições de se impor politicamente, a
Sociedade das Nações fechou suas portas às vésperas

<~
Hist6ria da Ordem Internacional 71

nacional, entre 25 de abril e 26 de junho de 1945. Foi


aí decidida a fundação da Organização da Nações
Unidas, cuja Carta constitutiva foi editada em 26 de
junho.
A ONU foi oficialmente instalada em 24 de ou-
tubro de 1945, após a ratificação da Carta por parte
da maioria dos países signatários, considerados como
fundadores, entre eles o Brasil.
A Polônia, embora não tenha participado da
AS NAÇÕES UNIDAS Conferência de São Francisco, foi considerada tam-
bém como fundadora, elevando-se a 510 número de
nações intituladas como membros originais.
Entre esses integrantes, os chamados "cinco
grandes" (República Popular da China, Estados
A Organização das Nações Unidas foi criada Unidos, França, Grã-Bretanha e União Soviética)
após a Segunda Guerra Mundial, embora tenha suas são dotados de privilégios especiais por sua liderança
raízes assentadas em ideais e realizações anteriores. na Segunda Guerra Mundial.
Constitui um esforço de institucionalização dos prin- Posteriormente, novos membros foram admi-
cípios de paz e de solidariedade internacionais. tidos na Organização, .de acordo com as prescrições
Embora não possa servir de garantia plena à se- da Carta, que exige, paràIsso,' ums=recomendacão
gurança das nações, tem influído grandemente, e até do Conselho de Segurança e uma votação superior a
mesmo decisivamente, para a adoção de soluções pa- dois terços da Assembléia Geral da entidade.
cíficas nas controvérsias entre Estados. Atualmente a ONU conta com 156 países mem-
bros.
É interessante salientar que a União Soviética
Surgimento fez incluir a Ucrânia e a Bielorrússia como membros
independentes,embora ambas pertençam, na reali~
Após a Segunda Guerra Mundial, represen- dade, à comunidade soviética.
tantes de 50 nações reuniram-se em São Francisco,
nos EUA, na Conferência sobre a Organização Inter-

.\.\.
72 Carlos Roberto Pellegrinj História da Ordem Internacional 73
i

Objetivos Para realizar seus objetivos, a ONU considera


essencial que as nações se fundamentem nos sete
As aspirações básicas da comunidade, expressas princípios abaixo enumerados (art. 2?):
no Prêambulo da Carta da ONU, são as seguintes: 1?) igualdade soberana de todas as nações;
2?) cumprimento de boa-fé das obrigações assu-
• preservar as gerações vindouras do perigo da midas com a Organização;
guerra; 3?) resolução pacífica das controvérsias interna-
• reafirmat a fé nos direitos fundamentais do cionais;
homem, na dignidade e no valor do ser humano, na 4?) respeito à integridade territorial e à inde- .
igualdade de direitos do homem e das mulheres, bem pendência política de qualquer país;
como das nações independentemente de sua extensão;
S?) assistência a qualquer membro que recorra
• estabelecer condições para a manutenção da
à Organização;
justiça e do respeito aos tratados internacionais;
• promover o progresso social e melhores con- 6?) observância, também pelos Estados não
dições de vida com liberdade mais ampla. membros, dos princípios que assegurem a manuten-
ção da paz e da segurança internacionais;
Os objetivos da ONU, contidos no art. 1? da 7?) respeito à autodeterminação dos Estados,
Carta, são em síntese os seguintes: sem prejuízo de medidas coercitivas, em caso de
• manter a paz e a segurança internacionais, ameaça à paz ou atos de agressão.
evitando e reprimindo os atos de agressão, e promo-
vendo a solução pacífica das controvérsias entre Es-
tados;
Estrutura organizacional
• desenvolver as relações de amizade entre as
Para cumprir com a sua finalidade, a ONU dis-
nações;
põe de seis órgãos principais, além de um grande nú-
• obter a cooperação internacional na solução mero de entidades subordinadas, permanentes ou
de problemas econômicos, sociais e culturais dos po- transitórias, consideradas como vinculadas.
vos, e na promoção e estímulo ao respeito aos direitos Os órgãos principais são:
humanos e às liberdades fundamentais para todos;
• constituir-se em um centro de congregação 1?) Assembléia Geral. Como principal corpo
das nações para a consecução de objetivos comuns. deliberativo da ONU, reúne todos os países mem-
74
i Carlos Roberto Pellegrinj ~istória da Ordem Internacional 75

bros, com direito a um voto cada. Suas sessões regu- gurança, inclusive regulamentação de armamentos;
lares são convocadas anualmente, na terceira terça- Política Especial - faz a assessoria da Primeira Co-
feira de setembro, mas outras, especiais ou de emer- missão; Segunda - econômica e financeira; Terceira
gência, podem ser realizadas quando a situação as- - ordem social,assuntos humanitários e culturais;
sim o exigir. As deliberações são tomadas por maio- Quarta - tutela, inclusive de territórios dependen-
ria simples, exceto em questões consideradas espe- tes; Quinta - assuntos administrativos e orçamentá-
cialmente importantes, quando é exigida a concor- rios; Sexta - assuntos legais.
dância de dois térços dos votos. Normalmente, os as- Além das comissões principais, existem a Co-
suntos debatidos são os contidos na Carta da ONU, .missão Geral, que organiza os trabalhos de cada
ou relacionados com os órgãos nela previstos. No en- sessão, a Comissão de Credenciais, ade Aconselha-
tanto, à Assembléia pode discutir qualquer questão mento Administrativo e Orçamentário e a de Contri-
que afete a paz ou a segurança internacional, por su- buições, que recomenda a taxa de pagamentos dos
gestão de um país membro do Conselho de Segu- membros da ONU. Essas comissões podem ainda es-
rança, e até mesmo de um país não membro, desde tabelecer corpos subsidiários, ou destinados a deter-
que este se comprometa, antecipadamente, a acatar minados assuntos, como ocorre com a Conferência
a decisão. Pode também fazer recomendações aos para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD).
países membros, mas jamais interfere em questões Os seus idiomas oficiais são: inglês, francês,
debatidas pelo Conselho de Segurança, a não ser que chinês, russo, espanhol e árabe.
seja solicitado. 2?) Conselho de Segurança. Possui lS mem-
É a Assembléia Geral que elege os membros do bros. Cinco são permanentes: China, França, Es-
Conselho Econômico e Social, os dez membros não tados Unidos, União Soviética e Inglaterra, e dez são
permanentes do Conselho de Segurança e, em con- eleitos pela Assembléia Geral por. períodos de dois
junto com este órgão, os da Corte Internacional de anos, não podendo ser reeleitos em seguida. Desses
Justiça. Além disso, por recomendação do Conselho dez membros não permanentes, cinco devem ser de
de Segurança, nomeia o secretário-geral. países africanos e asiáticos, um da Europa oriental,
Para cada sessão são eleitos um presidente e 17 dois da América Latina e dois da Europa ocidental.
vice-presidentes, e os itens da agenda são distribuí- A principal responsabilidade do Conselho de
dos entre as seis comissões principais, cujas reco- Segurança é manter a paz e a segurança internacio-
mendações são encaminhadas ao plenário para apro- nais, podendo investigar qualquer situação passível
vação. Essas comissões são: Primeira - política e se- de se transformar em conflito. Qualquer país mem-
76 istória da Ordem Internacional 77

bro da ONU pode levar ao conhecimento do Con- O Conselho de Segurança possui três comissões
selho de Segurança essas situações, e até mesmo os principais: a Comissão de Peritos, para aconselha-
Estados não membros, desde que aceitem a priori as mentos técnicos e processuais, a Comissão para
obrigações decorrentes de uma solução pacífica, re- Admissão de Novos Membros e a Comissão Militar,
solvida pela Assembléia Geral ou pelo secretário- composta por chefes de Estado-Maior dos membros
geral da ONU. permanentes ou de seus representantes, e destinada a
Concluindo que existe de fato uma ameaça à aconselhar sobre assuntos militares. '
paz, o Conselhode Segurança pode fazer .recomen- A Carta da ONU dá particular atenção à solução
dações ou convidar seus membros a adotar sanções pacífica das controvérsias, e procura mediante a in-
econômicas ou qualquer outra medida que não im- tervenção preventiva do Conselho de Segurança ou
plique o uso de força armada. Caso essas medidas da Assembléia Geral evitar o surgimento de atritos
sejam inadequadas, o Conselho pode promover ação ou hostilidades, respeitada sempre a prioridade do
militar contra o agressor. Segundo os termos da Car- Conselho. Os meios utilizados para a solução pacífica
ta, todos os membros colocam à disposição do Con- das controvérsias são: negociação, inquérito, me-
selho, conforme acordos a serem negociados, as for- diação, conciliação, arbitragem, solução judicial, re-
ças necessárias à manutenção da paz mundial. O curso a entidades ou acordos regionais, comissão de
Conselho de Segurança é também responsável por investigação e, nos casos de natureza jurídica, a reco-
planos para a regulamentação de armas. mendação de submeter a questão à Corte Interna-
Em questões que não sejam processuais, as deci- cional de Justiça.
sões exigem nove votos afirmativos, incluindo-se Sua competência, portanto, incide especial-
obrigatoriamente a totalidade dos membros perma- mente nas ações relativas à paz, ruptura desta e atos
.,1111 li-
nentes (daí o veto; na prática, a abstenção não cons- de agressão .
titui veto). Em questões processuais, um voto favo" Nessa matéria, as atribuições do Conselho
rável de qualquer grupo de nove membros é suficien- abrangem desde a simples determinação de qualquer
te. Um membro da ONU que não participe do Con- ameaça à paz e à segurança, e o convite às partes
selho só pode tomar parte nos debates desse órgão se interessadas no sentido de aceitarem medidas ten-
seus interesses estiverem sendo especialmente afe- dentes à solução da divergência, tais como a inter-
tados. A presidência do Conselho é exercida por seus rupção completa ou parcial das relações econômicas,
membros, em rodízio mensal, segundo a ordem alfa- dos meios de comunicação férrea, marítima, aérea,
bética em inglês. postal, telegráfica, radiofônica ou de outra qualquer
78 Carlos Roberto Pellegrin41 História da Ordem Internacional 79
i

espécie, o rompimento de relações diplomáticas, até, ças (UNICEF) e o Conselho Internacional de Narcó-
em último recurso, o emprego da força armada, com ticos. As agências não governamentais também po-
efetivos pertencentes aos membros da ONU. dem ser consultadas pelo Conselho Econômico e So-
3?) Conselho Econômico e Social. É o gabinete cial.
executivo da Assembléia Geral para assuntos não po- 4?) Conselho de Tutela. Encarrega-se principal-
líticos. Sua principal tarefa é promover a cooperação mente da supervisão dos territórios colocados sob o
cultural, o respeito pelos direitos humanos e o -pro- sistema de tutela da ONU. É composto de Estados
gresso econômico e social. Negocia acordos com membros que administram territórios tutelados e dos
agências especializadas, definindo seus relaciona- membros permanentes do Conselho de Segurança.
mentos com a ONU e coordenando suas atividades Com a transformação da Nova Guiné em Estado inde-
mediante consultas e recomendações. pendente (Papua-Nova Guiné), cuja tutela estava a
De acordo com uma emenda da Carta das Na- cargo da Austrália, resta apenas o território das ilhas
. ções Unidas, efetivada em 24 de setembro de 1973, o do Pacífico, sob tutela dos EUA. Os outros membros
número de membros do Conselho Econômico e So- do Conselho são a China, França, Grã-Bretanha e
cial aumentou de 27 para 54. Em 1979 havia 66 União Soviética.
membros. Desses membros eleitos pela Assembléia O Conselho de Tutela não supervisiona territó-
Geral (por maioria de dois tercosl.Tê-são escolhidos rios tutelados considerados estratégicos, os quais são
. anualmente para um período de três anos. Cada supervisionados pelo Conselho de Segurança, com a
membro tem direito a um voto, e as decisões são to- assessoria do Conselho de Tutela em assuntos polí-
madas por maioria simples. ticos, econômicos, sociais e educacionais. (As ilhas
O Conselho Econômico e Social trabalha através do Pacífico são o único território tutelado que existe
de comissões, comitês e outros órgãos subsidiários. atualmente; são consideradas estratégicas.) O Con-
Possui seis comissões funcionais - Comissão de Es- selho de Tutela também examina relatórios anuais
tatística, Comissão Populacional, Comissão para o apresentados pelas potências administradoras, con-
Desenvolvimento Social, Comissão dos Direitos Hu- cede audiências a peticionários e envia periodica-
manos, Comissão sobre a Situação da Mulher e Co- . mente missões visitantes aos territórios. Reunindo-
missão sobre Narcóticos - e comissões regionais para se uma vez por ano, usualmente em junho, o Con-
a Europa, Ásia, Extremo Oriente, América Latina e selho de Tutela toma suas decisões por maioria sim-
África. Existem vários órgãos ligados ao Conselho, ples de votos.
inclusive a Diretoria Executiva do Fundo para Crian- Os idiomas oficiais são o inglês, o francês e o
80 Carlos Roberto Pellegrino •História da Ordem Internacional 81

chinês.
dá o voto de Minerva.
5?) Corte Internacional de Justiça. Ê o mais Os idiomas oficiais são o inglês e o francês.
importante órgão judicial da ONU. Possui 15 juizes
eleitos pela Assembléia Geral e pelo Conselho de Se- 6?) O Secretariado. Principal figura do Secreta- .
gurança, votando separadamente. riado e chefe administrativo das Nações Unidas, o
Os juízes são eleitos por nove anos, devem ser de secretário-geral é escolhido pela Assembléia Geral
Estados distintose podem ser reeleitos. mediante recomendação do Conselho de Segurança.
Comparece a todas as sessões dos órgãos da ONU,
A sua sede é em Haia, na Holanda, e a sua com-
exceto às da Corte Internacional de Justiça, apre-
petência compreende todos os càsos previstos na Car-
senta relatório anual à Assembléia, nomeia funcio-
ta da ONU. Ê também considerado como órgão de
nários do Secretariado e tem poder 'para 'trazer ao
'I' consulta da Assembléia Geral, do Conselho de Segu-
111 Conselho de Segurança qualquer assunto que, na sua
rança e de outros órgãos da ONU.
i II~ opinião, possa constituir ameaça contra a manuten-
Seus estatutos são parte integrante da Carta das
ção da paz internacional. Desde a criação da ONU,
Nações Unidas- (arts. 92-96) e têm por base a Corte
foram secretários-gerais: Trygve Lie (Noruega) - de
Permanente de Justiça Internacional da antiga Liga
1946 a 1951; Dag Hammarskjôld (Suécia) -'- de 1951
das Nações. Todos os países membros da ONU e
mais a Suíça, Liechtenstein e San Marino estão su- a 1961; U Thant (Birmânia) - de 1961 a 1971; Kurt
jeitos ao seu julgamento, além de outros Estados que Waldheim (Áustria) - de 1972 a 1981; Javier Pérez
preencham certas condições, mas ela não está aberta de Cuellar (Peru) - de 1982 até hoje.
a pessoas físicas. Além dos casos que lhe são entre- A estrutura do Secretariado inclui os escritórios
gues pelas partes em litígio, a Corte tem jurisdição do Secretariado Geral (o Escritório Executivo do se-
sobre assuntos estipulados na Carta, ou em tratados cretário-geral, o Escritório dos subsecretários para
e convenções em vigor, inclusive os que se referem à assuntos políticos especiais, Escritório de Assuntos
Corte Permanente de Justiça Internacional. Na even- Legais, Escritório do supervisor e o Departamento de
tualidade de disputa quanto à sua jurisdição, cabe a Pessoal), Departamento de Assuntos Políticos e do
Conselho de Segurança, Departamento de Assuntos
ela própria decidir.
Econômicos e Sociais, Departamento de Tutela e de
Todas as questões são decididas pela maioria de
Territórios Dependentes, Escritório de Informação
juizes presentes, sendo que nove deles compõem o Pública, Escritório de Serviço de Conferência, Escri-
quorum. No caso de empate, o presidente da Corte
tórios de Serviços Gerais, o Secretariado de Confe-
- eleito pelo órgão para um exercício de três anos - rência da ONU sobre Comércio e Desenvolvimento e
82 Garlos Roberto Pellegrino I História da Ordem Internacional 83
o Escrit6rio da ONU em Genebra. Existem também à Assembléia Geral, ao Conselho de Segurança e ao
grupos separados de funcionários servindo a órgãos Conselho Econômico e Social, e o GA TT coopera
subsidiários estabelecidos pela Assembléia Geral ou com as Nações Unidas ao nível intergovernamental e
pelo Conselho Econômico e Social; o Fundo para as de secretariado. É a seguinte a relação de órgãos vin-
Crianças (UNICEF), o Programa de Desenvolvimen- culados:
to (UNDP): o escritório do Alto Comissariado para Alto Comissariado das Nações Unidas para Re-
Refugiados (UNHCm, a Agência para Apoio aos Re- fugiados (UNHCR- United Nations High Commi-
fugiados da Palestina (UNRWA), o Instituto para sioner for Refugees). Tem a função de promover a
Treinamento e Pesquisa (UNITAR) e a Organização proteção dos refugiados, procurar soluções perma-
para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO). nentes para seus problemas através da repartição vo-
A sede da ONU é território internacional, situado luntária, instalação em outros países ou integração
na cidade de Nova York, tendo leis próprias e ban- no país onde eles se refugiaram. Sede: Genebra, Suí-
deiras especiais. Os serviços de vigilância, de rádio e ça. Orçamento: US$ 233 milhões (1980).
de correios não são subordinados aos Estados Unidos. . Associação Internacional de Desenvolvimento
Seus recursos provêm de contribuições forne- (IDA - International Development Associátíon).
cidas pelos países membros, de acordo com suas pos- Tem por função promover o desenvolvimento ecoriê •.
sibilidades econômicas e segundo tabela aprovada mico dos países membros mediante financiamentos
pela Assembléia Geral. menos onerosos do que os empréstimos convencio-
Além dos órgãos já citados, a ONU possui vários nais (crédito em SO anos, sem juros). São membros
órgãos vinculados, ditos especializados, que são or- 117 países. A sede é em Washington. Os funcionários
ganizações intergovernamentais que, mediante acor- são os mesmos do BIRD, ao qual é filiada.
dos éspeciais, trabalham em colaboração com as Na- Banco Internacional para Reconstrução e De-
ções Unidas rios campos social, científico e técnico, senvolvimento - BI~D. Função: promover o desen-
devendo apresentar relatórios anuais ao Conselho volvimento econômico dos países membros atrav';s
Econômico e Social. A IAEA (Agência Internacional da assistência técnica e empréstimos diretos aos go-
de Energia Atômica) e o GA TT (Acordo Geral sobre vernos ou empresas com garantias governamentais.
Tarifas e Comércio) não são agências especializadas, Tem como membros 113 países. Sua sede é em W ash-
embora normalmente sejam classificadas como tal. A ington.
IAEA é uma agência intergovernamental que, "esta- Conferência das Nações Unidas para o Comércio
belecida sobre a êgide da ONU", submete relatórios (UNCTAD - United Nations Conference on Trade
84 Carlos Roberto Pe//egrino /Bistória da Ordem Internacional 85
rl----------------------------------------~~~i· ir.-----------------------
and Development). Sua função é desenvolver políti- Organização de Alimentação e Agricultura da
cas coordenadas que acelerem o desenvolvimento ONU (FAO - Food and Agriculture Organization).
econômico dos países filiados. Membros: 115 países. Tem por funções ajudar os países a aumentar a pro-
A sede é em Genebra. dução de alimentos e melhorar sua distribuição,
Corporação Financeira Internacional (lFC - coordenar a Campanha Mundial Contra a Fome e
International Finance Corporation). Sua função é ajudar na administração do Programa Mundial de
ajudar países membros menos desenvolvidos forne- Alimentos. Membros: 144 países. Sediada em Roma.
cendo-lhes capital de risco, sem garantias do gover- Organização Internacional de Aviação Civil
no, e objetivando o crescimento de produtividade pri- (ICAO - International Civil Aviation Organization).
vada. São membros 108 países. A sede é em Wash- Suas funções são desenvolver técnicas de navegação
ington. aérea e ajudar no planejamento e aperfeiçoamento
Fundo Internacional para o Desenvolvimento do transporte aéreo internacional. Membros: 143
Agrícola (FIDA). Sua função é financiar projetos de países. Sediada em Montreal, Canadá.
desenvolvimento agrícola visando a produção de ali- Organização Internacional do Trabalho (OIT).
mentos em países menos desenvolvidos. Membros: Tem por funções promover padrões de vida decentes,
119 países, divididos em três categorias. A sede é em condições satisfatórias de trabalho e salário e opor-
Roma. tunidades adequadas de emprego; desenvolver nor-
Fundo Monetário Internacional - FMI. Tem mas trabalhistas internacionais; oferecer assistência
por função promover a cooperação monetária inter- técnica aos governos. São membros 135 países. Sua
.. nacional e a estabilidade das moedas; facilitar a ex- sede é em Genebra .
I 'I. ~

' ... pansão do comércio internacional; ajudar os países Organização Marítima Internacional (lMCO).
membros a enfrentar dificuldades temporárias' nos Funções: promover a cooperação em torno de ques-
pagamentos internacionais. Membros: 135 países. tões de navegação internacional, buscar maior segu-
Está sediado em Washington. rança para a navegação, controlar a poluição marí-
Fundo das Nações Unidas para a Infância tima e proteger o equilíbrio da fauna marítima. São
(UNICEF - United Nations Childreri's Fund). Fun- membros 107 países. A sede é em Londres.
ção: promover o bem-estar da criança em todo o Organização Meteorológica Mundial (OMM).
mundo, ajudar a infância desamparada, principal- Tem por função melhorar o intercâmbio de informa-
mente nos países em desenvolvimento. Trinta países ções meteorológicas e suas aplicações. Membros: 147
formam a Diretoria Executiva. Sede: Nova York. países (a África do Sul foi suspensa em 1975). Se-
86
I I
Car/os Roberto Pellegrin~ ,História da Ordem Internacional 87

diada em Genebra. diada em Genebra.


Organização Mundial da Propriedade Intelec- União Postal Universal (UPU). Tem como fun-
tual (WIPO). Função: promover a proteção da pro- ções unificar a política postal, garantir a liberdade de
priedade intelectual, através de trabalhos multilate- trânsito para o correio, arbitrar disputas nesse setor,
rais abrangendoos direitos autorais artísticos, a pro- promover o seu desenvolvimento. São membros 158
priedade industrial, marcas registradas, etc. São países. A sede é em Berna, Suíça.
membros 81 países. A sede é em Genebra. Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT).
Organização Mundial da Saúde (OMS). Suas Funções: estabelecer e administrar regras para pro-
funções são dirigir e coordenar trabalhos internacio- cedimento correto em comércio internacional; ajudar
nais na área sanitária; ajudar os governos em seus os governos a reduzir tarifas alfandegárias e a abolir
programas de saúde pública; estabelecer padrões in- outras barreiras comerciais, operar juntamente com
ternacionais para remédios e vacinas; promover pes- a Conferência de Comércio e Desenvolvimento da
I"'"
quisas médicas. Membros: 151 países. Sua sede é era ONU o Centro Comercial Internacional, que oferece
Genebra. assistência promocional à exportação dos países em
Organização das Nações Unidas para Educação, desenvolvimento. Os regulamentos do GATT gover-
"" Ciência e Cultura (UNESCO). Funções: ampliar as nam cerca de 80% do comércio internacional. São
bases da educação no mundo; levar os benefícios da membros 13S países. A sede é em Washington.
ciência a todos os países e fomentar o intercâmbio e a Agência Internacional de Energia Atômica
divulgação cultural. São membros 142 países. Sede: (lAEA). Tem por funções promover o emprego da
Paris. energia nuclear para fins pacíficos, dar assistência à
Programa de Desenvolvimento das Nações Uni- pesquisa e ao desenvolvimento nucleares e aplicar
das (PNUD). Tem por função desenvolver a capaci- . medidas de segurança contra desvios de materiais
dade de produção dos países em desenvolvimento, a nucleares para uso militar. Membros: 110 países.
partir de seus recursos naturais e humanos. Sua sede Sediada em Viena.
é em Nova York. Além dessas organizações, a ONU possui tam-
União Internacional de Telecomunicações bém outros órgãos especializados:
(UIT). Suas funções: encorajar a cooperação mun- Agência para Apoio aos Refugiados Palestinos,
dial no uso das telecomunicações, promover o desen- do Oriente Médio; Programa Mundial de Alimen-
volvimento técnico desse setor e harmonizar as polí- tação; Instituto de Pesquisas sobre Desenvolvimento
ticas nacionais dessa área. Membros: 154 países. Se- Social; Conselho Mundial de Alimentação; Instituto
88 Carfos Roberto Pellegrino 1 História da Ordem Internacional 89
i

para Treinamento e Pesquisa; Fundo para Desenvol- f) declaração sobre a concessão da independên-
vimento do Capital; Fundo para Atividades Popula- cia aos países e povos coloniais (1960);
cionais; Escritório para Assistência às Calamidades g) instituição, como órgão permanente, da Con-
Naturais, Programa de Proteção ao Meio Ambiente; ferência das Nações Unidas sobre Comércio e De-
as cinco Missões de Paz das Nações Unidas no Orien- senvolvimento;
te Médio, que mantêm comissões em Jerusalém (Is- 2) intervenções do Conselho de Segurança, mo-
rael), Ismaília (Egito), Damasco (Síria), Naqura (Lí-
tivadas:
bano) e Nicósia (Chipre), além de outros órgãos. a) por divergências entre Índia e Paquistão, em
i
relação à Cachemira (1948 e 1965);
Principais participações da ONU b) pelo estado de guerra entre a Coréia do Norte
e a República da Coréia do Sul, com assistência a
na preservação da paz esta última de forças armadas dos Estados Unidos e
posterior endosso, pelo Conselho de Segurança, das
Entre as principais resoluções, medidas, con- medidas tomadas, mediante estabelecimento de um
venções e intervenções da ONU em prol da manu- comando unificado das Nações Unidas, que chegou a
tenção da paz, devem ser destacadas: englobar tropas de 16 países (1950);
1) aprovadas pela Assembléia Geral: c) pelo estado de tensão entre a República Ára-
a) partição da Palestina entre Israel e os Es-· be Unida (RAU) e Israel, com a criação de uma For-
tados árabes e o regime internacional para Jerusalém ça de Emergência das Nações Unidas para patrulhar
(1947); a faixa de Gaza (1956) e cuja retirada (1967) foi logo
b) convenção sobre genocídio (1948); seguida de hostilidades. O Brasil participou dessa
c) Declaração Universal dos Direitos Humanos força com um batalhão de Infantaria, de 1956 a 1967;
(1948); d) pela situação de violência e desordem sur-
d) Resolução Unidos para a Paz (1950), que gida no Congo, posteriormente à independência
permitiu à Assembléia Geral tomar a iniciativa de (1960). Uma força da ONU foi enviada para o resta-
recomendar assistência militar a países vítimas de belecimento da paz e da ordem, tendo enfrentado sé-
agressão, na ausência de ação por parte do Conselho rios problemas, principalmente na província de Ca-
de Segurança; tanga. O Brasil contribuiu para a constituição dessa
e) criação da Comissão de. Desarmamento força com um contingente da Força Aérea Brasileira,
(1952); de 1960 a 1967;
90 Carfos Roberto Pellegrino

e) por hostilidades entre cipriotas turcos e ci-


priotas gregos, com instituição de uma Força das Na-
ções Unidas na ilha de Chipre (1964).

INDICAÇÕES PARA LEITURA

Não há, em língua portuguesa, monografia sobre as


organizações internacionais, muito menos quanto à sua
evolução histórica.
A título de leitura subsidiária pode-se, contudo, su-
gerir algumas obras sobre história geral das civilizações
que destacam aspectos que importam ao tema, como:
• História Geral da Europa, direção de Georges Li-
vet e Roland Mousnier, 3 vols., Portugal, Publicações Eu-
SBO I FFLCH I USP ropa-América, 1985;
• História da Civilização, de Will e Ariel Durant, 11
SEÇÃO DE: HISTÓRIA TOMBO: 25 vols., Rio de Janeiro, Record;
AQUISiÇÃO: DOAÇÃO 1 FAPESP • História Geral das Civilizações, direção de Mau-
PROC. 99/06526-91 N.F.N° 536/FL SOLERIO
rice Crouzet, 7 vols., (17 tomos), São Paulo, Difusão Eu-
DATA: 24/02105 PREÇO: R$ 4,75 ropéia do Livro. .
Para estudo do ponto de vista técnico-jurídico, reco-
menda-se:
I .ta
..•..
JLI,
92 Carlos Roberto Pellegrino

• Tratado de Direito Internacional Público, de Hil-


debrando Accioly, Imprensa Nacional;
• Curso de Direito Internacional Público, de Celso
Albuquerque MeIo, Rio de Janeiro, Freitas Bastos (di-
versas edições).

Sobre o autor

Carlos Roberto Pellegrino é mineiro de Belo Ho-


rizonte, onde cursou Direito e Letras, na Universida-
de Católica. É Doutor (Docteur d'Etat) e mestre em
Direito Público, pela França, tendo obtido os títulos
com louvor. Tem ainda cursos de especialização em
Direito Internacional pela Academia de Haia (Ho-
landa). Ex-funcionário da ONU, em Nova Iorque ,
Atualmente, além da advocacia junto aos Tribunais
superiores, é professor na Universidade de Brasília.
Jornalista (profissional) e contista (tem livro de con-
tos e participou em diversas antologias), tem inúme-
ros trabalhos jurídicos publicados no Brasil e no exte-
rior. Foi Consultor jurídico dos Ministérios da Justi-
ça e do Planejamento.

~ • I

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