A LEITURA DO DIREITO E DA LIBERDADE EM CADERNOS PARA UMA
MORAL
Rangel Mendes Francisco
A liberdade é tema essencial na filosofia sartriana, e no que diz respeito ao seu
trato quanto ao âmbito jurídico, não é diferente. Dr. Silvio explica que, para o francês, há uma diferença entre o direito e “uma verdade mais profunda”, vez que o primeiro é uma espécie de destruição do ser, enquanto o segundo se nutre de tal ser. O direito, para Sartre, é exigência, exigindo-se qualquer coisa e em nome de qualquer coisa, desconsiderando possibilidades concretas de atingir algo fixado, o que o leva ao estabelecimento de objetivos essenciais que acabam por transformar o sujeito concreto em não essencial e em dependente. Com isso, há o direcionamento a uma liberdade puramente negativa, dando-se contra o homem concreto. O autor, continuando sua análise acerca da liberdade e do direito, aponta para uma ideia dialética, afirmando que o direito surge ao ser negado, dando-se como negação daquilo que o negou. O plano normativo, sendo negação do real, não é visto como um projeto, mas se dá em direção de um eterno, e, enquanto exigência, ele se dirige à liberdade. Para melhor explicar tal colocação, Dr. Silvio cita Sartre em Cadernos para uma Moral:
Exigir é por um objetivo, ao mesmo tempo que se coloca que nenhuma
circunstância de fato pode ser uma desculpa para não a atingir. Eu exijo porque minha exigência faz aparecer a liberdade, e essa liberdade toma consciência dela mesma sobre uma negação concreta da existência (SARTRE, p.145).
Assim, como explica o intérprete brasileiro, a existência passa a ser exigência de
ser reconhecida como liberdade, custando, porém, a “destruição do mundo real por uma outra liberdade que eu crio ao exigir”. Há, portanto, uma abdicação do mundo real na essência do direito, transformando o sujeito em uma espécie de “exigência puramente formal”, vez que não existe mais o conteúdo concreto da pessoa. Tal liberdade, sendo ela negativa e dependente, é manifestada como “objetivo em sua própria existência” (ALMEIDA, p.69). É importante ressaltar que, para Sartre, a liberdade é intencional, dirigindo-se para algo que não está em si. Por isso, uma espécie de “unidade totalizante”, aquela que não separasse o dever-ser e o ser, apagaria o direito. Portanto, faz-se necessária a destotalização no que diz respeito à moral do dever e do direito, sendo que tal característica é típica da sociedade capitalista em que os homens são colocados como sujeitos de direito. O direito abstrato, para Sartre, é resultado do “contraponto do Para-si para totalidade ‘destotalizada’”, advindo dos sujeitos de direito (SARTRE, p. 147). Assim, a liberdade que se enquadra em uma concepção pura e abstrata é atingida apenas com a “abstração do meu ser por outrem”, restando ao sujeito exigir que seja tradado como fim. Dr. Silvio cita os exemplos que Sartre apresenta em Cadernos para uma Moral, sendo eles os do negro e do judeu. Na negação do corpo de ambos há o nascimento de um direito ineficiente, visto que não há distinções na pura pessoa humana. Por isso, ao mesmo tempo em que há a exigência de se ver como um fim, nega-se a realidade opressora, o que expõe o fato de o direito ser impossibilitado de resolver relações intersubjetivas, vez que a relação jurídica oculta a má-fé e conduz o abandono à restrição material.