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ETNOMUSICOLOGIA
REDES COLABORATIVAS DE SABERES
5, 6 E 7 DE DEZEMBRO DE 2017
LABORATÓRIO DE ETNOMUSICOLOGIA DA UFPA
IV Jornada de Etnomusicologia
5, 6 e 7 de dezembro de 2017
Laboratório de Etnomusicologia da UFPA
ANAIS
ISBN
978-85-67528-04-5
www.labetno.ufpa.br
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
Reitor
Emmanuel Zagury Tourinho
Vice-Reitor
Gilmar Pereira da Silva
Pró-reitora de Ensino de Graduação
Edmar Tavares Costa
Pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação
Rômulo Simões Angélica
Pró-reitor de Extensão
Nelson José de Souza Júnior;
Pró-reitor de Administração
João Cauby de Almeida Júnior
Pró-reitora de Planejamento
Raquel Trindade Borges
Pró-reitor de Relações Internacionais
Horácio Schneider
Pró-Reitora de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal
Karla Andreza Duarte Pinheiro de Miranda
Prefeito do Campus
Adriano Sales dos Santos Silva
Diretora Geral
Adriana Azulay
Diretor Adjunto
Joel Cardoso
Coordenadora
Bene Afonso Martins
Vice Coordenador
Ana Flávia Mendes
BIBLIOTECA CENTRAL
LabEtno
Coordenadores
Coordenação Geral
Prof. ª Dr. ª Sonia Maria Moraes Chada (UFPA)
Edição e Diagramação
Tainá Maria Magalhães Façanha
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
Biblioteca do Programa de Pós-Graduação em Artes/UFPA
ISBN 978-85-67528-04-5
1. Etnomusicologia. 2. Música – pesquisa. I. Universidade Federal
do Pará. II. Programa de Pós-Graduação em Artes (UFPA). III.
Laboratório de Etnomusicologia (UFPA). IV. Chada, Sonia, org. V.
Cohen, Líliam Barros, org. VI. Couceiro, Adriana, org. VII. Guerreiro
do Amaral, Paulo Murilo, org. VIII. Façanha, Tainá, org. IX. Título.
CDD – 23 ed. 780
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
APRESENTAÇÃO
PROGRAMAÇÃO GERAL
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
SUMÁRIO
APRESENTAÇÕES ARTÍSTICAS ................................................................................. 12
“TAMBORES DE LOUVAÇÃO” ................................................................................... 13
“PROJETO CHORO DO PARÁ” ................................................................................... 16
“GUITARRA ENCANTADA” ........................................................................................ 17
CONFERÊNCIA ........................................................................................................... 18
“LABORATÓRIOS E PESQUISA EM REDE” ............................................................... 19
RODA DE CONVERSA ................................................................................................. 20
MESAS REDONDAS ..................................................................................................... 22
MESA 01
“EXPERIÊNCIAS ENTRE LABORATÓRIOS E PEQUISAS EM ETNOMUSICOLOGIA”
..................................................................................................................................... 23
EDUCAÇÃO DO CAMPO E SEU POTENCIAL COMO LABORATÓRIO DE PESQUISA
EM ETNOMUSICOLOGIA ........................................................................................... 24
MARCUS FACCHIN BONILLA
O LABORATÓRIO DE ETNOMUSICOLOGIA E A ETNOMUSICOLOGIA NA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ. ........................................................................ 32
SONIA CHADA
MESA 02
“DIÁLOGOS ENTRE SABERES” .................................................................................. 40
AS LOGIAS DA MÚSICA: DESENCONTROS E POSSIBILIDADES ............................... 41
GUSTAVO FROSI BENETTI
RELIGAÇÃO DE SABERES: UMA QUESTÃO DE MÉTODO ....................................... 47
ROSEMARA STAUB DE BARROS
ETNOGRAFIA DOS SILENTES: ALGUMAS PALAVRAS SOBRE MEMÓRIAS DAS
PRÁTICAS MUSICAIS E O FAZER MUSICOLÓGICO ................................................. 60
FERNANDO LACERDA SIMÕES DUARTE
SESSÃO 01
O ARTISTA CRISTÃO E A INDÚSTRIA CULTURAL: ASPECTOS MUSICAIS E
POÉTICOS DO DUO GUNGOR .................................................................................... 72
RAYSSA DOS SANTOS MACEDO
JOSÉ MARIA CARVALHO BEZERRA
A RODA DE CAPOEIRA: MULTIPLICIDADE DE SABERES, LUDICIDADE E PRÁTICAS
MUSICAIS. ................................................................................................................... 81
SAULO CHRIST CARAVEO
NARRATIVAS SOBRE “ALVARICES”: A TRAJETÓRIA DE ÁLVARO RIBEIRO NA
MÚSICA POPULAR INSTRUMENTAL PARAENSE ..................................................... 90
ISAC RODRIGUES DE ALMEIDA
ADELBERT RODRIGUES DE SANTANA CARNEIRO
WALTER DA SILVA ALMEIDA
TAINÁ FAÇANHA
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
SESSÃO 02
FOTOGRAFIA E MÚSICA: INTERAÇÕES NO PROCESSO CRIATIVO ..................... 114
NATHÁLIA LOBATO
DANIEL NASCIMENTO: O LEGADO DA BANDA MUNICIPAL DE MÚSICA DE
PARAGOMINAS - PARÁ ............................................................................................ 126
TIRSA LAIS DE OLIVEIRA GONÇALVES MORAES
TAINÁ MARIA MAGALHÃES FAÇANHA
SILVANO SILVA MORAES
CANTO CONGREGACIONAL: A FÉ CANTADA NA ASSEMBLEIA DE DEUS ........... 136
DIEGO OLIVEIRA QUADROS
SÔNIA CHADA
ANÁLISE DA DIFICULDADE TÉCNICA PIANÍSTICA NA I SUÍTE BRASILEIRA DE
OSCAR LORENZO FERNANDEZ ............................................................................... 146
JÚNIA GONÇALVES SANTIAGO
ANÁLISE DA DIFICULDADE TÉCNICA PIANÍSTICA NA II SUÍTE BRASILEIRA DE
OSCAR LORENZO FERNANDEZ ............................................................................... 159
JÚNIA GONÇALVES SANTIAGO
SESSÃO 03
O INTERMÉDIO ENTRE EXPRESSÃO ARTÍSTICA E MERCADORIA: O CASO DO
CARIMBÓ EM ALTER DO CHÃO – PA ...................................................................... 174
ANDREW MATHEUS FERNANDES SALGADO
HELENA MOREIRA SCHIEL
A BARQUINHA: AFRO-AMAZÔNIA MUSICAL ......................................................... 180
LUIZ AUGUSTO MOURA FERREIRA
MEMÓRIA, PRESERVAÇÃO E SALVAGUARDA DO RITUAL DE ENCOMENDAÇÃO
DAS ALMAS NOS POVOADOS RURAIS DO MUNICÍPIO DE CLÁUDIO EM MINAS
GERAIS ...................................................................................................................... 190
VINÍCIUS EUFRÁSIO
FERNANDO LACERDA SIMÕES DUARTE
EDITE ROCHA
A PERSPECTIVA DO PESQUISADOR PESQUISADO NA ETNOMUSICOLOGIA: O CASO
DO ESTUDO SOBRE A VIOLA DE BURITI NA COMUNIDADE MUMBUCA NO
JALAPÃO, TO ............................................................................................................ 198
MARCUS FACCHIN BONILLA
SONIA CHADA
ANA CLÁUDIA MATOS DA SILVA
GIVOENE MATOS DA SILVA
KEILA BARBOSA DA SILVA
NÚBIA MATOS DA SILVA
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
SESSÃO 04
PRÁTICAS MUSICAIS NO PARÁ: CRIAÇÃO, PRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO DO ROCK
INDEPENDENTE EM BELÉM DO PARÁ. ................................................................... 216
BÁRBARA LOBATO BATISTA
SONIA MARIA CHADA
PRÁTICAS MUSICAIS NO PARÁ: UM ACERVO PRODUZIDO PELOS INVENTÁRIOS
DA CASA DAS ARTES ................................................................................................ 223
DANILO ROSA DOS REMEDIOS
MARIA JOSÉ MORAES
PORTUGAL-BRAZIL: UM SCHOTTISCH PARAENSE .............................................. 239
LEONARDO VIEIRA VENTURIERI
ANÁLISE DA DIFICULDADE TÉCNICA PIANÍSTICA NA III SUÍTE BRASILEIRA DE
OSCAR LORENZO FERNANDEZ ............................................................................... 252
JÚNIA GONÇALVES SANTIAGO
CATEGORIAS E CRITÉRIOS PARA ANÁLISE DE DIFICULDADES MUSICAIS EM
OBRAS ESCRITAS PARA PIANO ............................................................................... 266
JÚNIA GONÇALVES SANTIAGO
A TRADIÇÃO INVENTADA: OS ENTRE (LUGARES) DAS PRÁTICAS MUSICAIS NO
CONTEXTO DO ARRAIAL DO PAVULAGEM ........................................................... 277
TAINÁ FAÇANHA
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
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APRESENTAÇÕES ARTÍSTICAS
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
“Tambores de Louvação”
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como do cantor e compositor Allan Carvalho. O grupo atualmente ensaia o repertório das oficinas
para montar um show em 2018 e concorrer a editais na área cultural/educacional.
Rafael Barros - Estudou percussão na Fundação Carlos Gomes, é graduado em Licenciatura Plena
14
em Música pela UFPA, ministra oficinas de percussão pelo Instituto Arraial do Pavulagem e é músico
integrante da banda de mesmo nome. Foi professor de percussão do projeto Vale Música Belém no
período de 2005 à 2016. Em 2008 lançou seu primeiro CD chamado Árvore Ar, sendo fundador do
grupo que atende pelo mesmo nome. Em 2017 iniciou a série de oficinas de percussão chamada
16
Integrantes:
João Paulo Daibes
Iva Rothe-Neves
George Claude Lago Azevedo
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
“Guitarra Encantada”
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CONFERÊNCIA
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
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RODA DE CONVERSA
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
Mestre Bezerra1
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MESAS REDONDAS
IV Jornada de Etnomusicologia
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MESA 01
Palestrantes
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Sonia Chada
Paraense, iniciou seus estudos musicais na Escola de Música da Universidade Federal
do Pará integrando, posteriormente, como oboísta, a Orquestra Jovem e a Orquestra
Sinfônica, o Madrigal e o Corpo Docente desta Universidade. É Licenciada em Música
(1985) e Bacharel em Oboé (1984) - Orientação do Prof. Václàv Vinecky, pela
Universidade de Brasília. É Mestre (1996) e Doutora (2001) em Música,
Etnomusicologia - Orientação do Dr. Manuel Veiga, pela Universidade Federal da
Bahia. Estágio Pós-Doutoral realizado no Programa de Pós-Graduação em História
Social da Amazônia (2013), sob supervisão do Dr. Antônio Maurício Costa.
Atualmente é Professor Associado 4 (Cursos de Graduação e Pós-Graduação) da
Universidade Federal do Pará. Atua principalmente nos seguintes temas:
etnomusicologia, cultura musical paraense, percepção musical e execução musical.
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
Abstract: This text is the result of a talk at the round table whose theme was "Between laboratories and research
in ethnomusicology", and brings some of the experiences of the author in the course of Licenciatura in
Countryside Education that served as a living laboratory of experiences in ethnomusicology. The text starts
from a brief conceptualization in the notion of Countryside Education and follows with the examples of musical
practices identified in the activities of the course.
Keywords: Etnomusicology. Participatory action research. Laboratory.
Apresento nessa fala um recorte das minhas experiências como docente do curso de
Licenciatura em Educação do Campo, com habilitação em Artes e Música na Universidade Federal
do Tocantins – UFT, que se relacionam direta ou indiretamente com a etnomusicologia. Retomo esse
tema motivado pelo fato de se tratar de uma área relativamente nova do conhecimento e ainda não
totalmente incorporada no ambiente acadêmico, além do que lida com uma grande diversidade de
saberes, de riquezas epistêmicas e suas metodologias dialogam diretamente com a etnomusicologia
aplicada, como já defendido na III Jornada de etnomusicologia (BONILLA e CHADA, 2017).
Trago para o debate, em especial, as potencialidades de pesquisa em etnomusicologia
verificadas em uma das disciplinas do curso que se chamada Seminário Integrador que, segundo o
PPC do curso trata-se de um “Espaço de diálogo interdisciplinar para discussão das atividades
realizadas no bloco, assim como preparação do instrumento de pesquisa para o tempo comunidade
envolvendo todos os docentes e discentes do bloco” (UFT, 2014).
Para podermos entender melhor essa ementa, será necessário fazer uma breve
contextualização do que é a Educação do Campo, assim como dar uma pincelada nas suas principais
ferramentas.
Primeiramente, vale destacar que Educação do Campo trata-se também de um
posicionamento político, por isso insisto, sempre que possível, de//// reafirmar seus princípios nos
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
diferentes tipos de eventos que participo. Ela nasce das lutas dos movimentos sociais por uma
educação libertadora, assim como foi criada para atender aos interesses dos homens e mulheres do
campo e demais povos que, historicamente, nunca tiveram espaço nas discussões sobre educação.
O termo em si, foi adotado pela primeira vez no ano de 1998 por ocasião da I Conferência 25
Nacional por uma Educação Básica do Campo organizada pelos movimentos sociais do campo, em
especial o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), além das parcerias com a
Conferência Nacional do Bispos do Brasil (CNBB), a UNICEF, a UNESCO e a Universidade de
Brasília (UnB) ocorrida em julho na cidade de Luziâna, GO. De lá para cá, graças à organização e as
lutas dessas pessoas, essa noção se consolidou como área de conhecimento e conquistou espaços,
sobretudo nos marcos legais como a sua inclusão no Plano Nacional de Educação em 2010 até a
chamada para o Edital de Seleção nº 02/2012 – SESU/SETEC/SECADI/MEC, de 31 de agosto de
2012 (BRASIL, 2012) que proporcionou a implantação de mais de 40 cursos de licenciatura em
Educação do Campo em todo o Brasil com diferentes habilitações, dentre os quais, os cursos da
Universidade Federal do Tocantins (UFT) nos campi de Arraias e Tocantinópolis com habilitação em
códigos e linguagens: Artes e Música.
O modelo hegemônico de educação tradicional direcionada para as áreas rurais, que já vem
sendo aplicada no Brasil desde o período da colonização, não respeita as especificidades, as
necessidades nem os interesses dos povos do campo, dentre outros fatores, pelo fato dessa educação
ter em vista basicamente a capacitação de mão de obra para atender as demandas da indústria e do
agronegócio. Por outro lado, como já venho pontuando em outras falas, baseado nas reivindicações
dos movimentos sociais do campo, busca-se uma educação DO e NO campo, e não mais PARA o
campo como os gestores públicos de educação tratam, em geral, os conteúdos para as escolas em
áreas rurais.
Nesse sentido, a Educação do Campo é contra hegemônica, e baseia-se nos princípios da
Educação Popular que vem se desenvolvendo no Brasil desde as décadas de 1960 com
educadores/militantes como Paulo Freire e Carlos Rodrigues Brandão, e difere-se pedagogicamente
da educação tradicional por sua construção dialógica de conhecimentos, pelo princípio da
horizontalidade, a gestão democrática, a prioridade ao ser humano, o respeito aos saberes tradicionais,
assim como pela abordagem não conteudista, mas sim, crítica e questionadora para a construção de
conhecimentos.
Sobre as questões pedagógicas, existem algumas ferramentas que têm sido muito
importantes para consolidação da área, como o caso da Pedagogia da Alternância e outros
instrumentos pedagógicos, que merecem uma atenção especial.
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
A proposta pedagógica conhecida por Pedagogia da Alternância teve sua origem nas Casas
Familiares Rurais (Maison Familiale Rurale), na França, em 1935, período de forte recessão
econômica e crise no campo daquele país, e chega ao Brasil em 1968, no Espírito Santo, nas Escolas
Famílias Agrícolas. Essa proposta 26
congrega diferentes valores e saberes nos processos formativos. Além disso, a formação
contempla diferentes espaços e tempos, denominados de tempo escola (TE) – período de
sessões de aulas na unidade de ensino, articuladas entre estudo, pesquisa e propostas de
intervenção, e tempo comunidade (TC) – representado pelo período de vivência do jovem na
propriedade/comunidade onde desenvolve pesquisas, experimentos, trabalho coletivo, entre
outras atividades (RIBEIRO, 2008). As atividades empreendidas nesses dois tempos ou
espaços formativos (escola/família/comunidade) são integradas aos Instrumentos
Pedagógicos (PAULA; BONILLA; SILVA; 2016. p. 170, 171).
No caso do nosso curso, que adota essa pedagogia, o Tempo Comunidade é articulado pela
disciplina do Seminário Integrador, que tem sido de extrema importância para a compreensão das
nossas práticas pedagógicas, visto que nesse espaço ocorre também a ida dos professores para
acompanhamento de perto dos processos de pesquisa em campo, o que ajuda na compreensão das
histórias de vida e das realidades dos alunos, assim como no aprimoramento das ferramentas de
trabalho.
Para Silva (2011), a Pedagogia da Alternância está sustentada por quatro pilares, sendo dois
baseados quanto a sua finalidade, são eles: 1) a Formação integral, incluindo o projeto pessoal de vida
e 2) o Desenvolvimento do Meio, envolvendo os aspectos sociais, econômicos, humanos e políticos,
e outros dois pilares baseados, quanto ao meio que trata: 3) a Alternância, como uma pedagogia
adequada à realidade dos educandos e 4) sua Associação Local que envolve a família, instituições e
profissionais.
A Pedagogia da Alternância, seus pilares e Instrumentos Pedagógicos foram pensados e
desenvolvidos, até então, sempre visando os jovens na formação básica. Entretanto, o contexto das
Licenciaturas em Educação do Campo que, depois de algumas experiências-piloto como as ocorridas
em UFMG; UnB; UFBA e UFS4 se consolidaram por todo o Brasil nos últimos quatro anos em um
contexto totalmente novo, uma realidade diferenciada e com objetivos distintos das experiências nas
Escolas Famílias Agrícolas, além do que, inseridas em um contexto acadêmico ainda não preparado
para essa inclusão.
Coube a nós, os primeiros docentes desses novos cursos de Licenciatura, criar, testar e
compartilhar as experiências e as ferramentas mais adequadas para essa outra realidade.
Especificamente sobre a habilitação em Artes e Música, temos uma responsabilidade ainda maior por
4
Ver Molina (2011)
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
ser o único curso com essa característica. Levando-se em conta que a área da Educação do Campo,
por ter sido historicamente abraçada por pessoas das áreas das ciências sociais, que possuem estreitas
relações com os movimentos sociais, está muito calcada nas linhas de pensamento do materialismo
histórico dialético, fazendo com que a área das Artes, inseridas nesse contexto, faça um contraponto 27
interessante, e possa trazer contribuições de outras “realidades”, abrindo ainda mais as possibilidades
de construção de conhecimento.
Feita essa brevíssima contextualização, não é difícil encontrar pontos em comum com as
linhas de pesquisadores que trabalham com a etnomusicologia aplicada. Nessa fala, trago alguns
relatos de atividades envolvendo a disciplina Seminário Integrador que possibilitou o vislumbre de
uma infinidade de trabalhos possíveis em música, apenas na troca de experiências com os educandos
de Educação do Campo. Esse interesse se justifica também em decorrência do levantamento que eu
trouxe aqui, por ocasião do V SIMA, no ano passado (BONILLA, 2016), em que havia destacado a
quase inexistência de trabalhos de música que remetesse ao estado do Tocantins, pelo menos nos
anais dos últimos 10 anos dos congressos da ANPPOM, e as pouquíssimas citações nos anais da
ENABET, uma das principais referências em produção etnomusicológica no Brasil. Minha intenção
aqui não é o de trazer reflexões aprofundadas sobre as práticas musicais no Tocantins, mas
simplesmente apontar potenciais estudos na região Tocantina5.
Pelas pequenas amostras observadas das manifestações musicais das turmas do curso de Educação
do Campo no norte do Tocantins, pudemos perceber que essa falta de pesquisas no estado não tem
relação com a falta de práticas musicais. Primeiro quero destacar uma proposta de atividade
envolvendo a criação de audiovisuais em formato de vídeos de um minuto que desenvolvemos nos
dois primeiros anos de curso, espaço em que os educandos puderam sintetizar parte das realidades
vividas em suas comunidades organizadas nesse formato artístico. Em Silva, Paula e Bonilla (2016)
e Paula, Bonilla e Silva (2016), relatamos sobre essas experiências específicas, e as suas respectivas
mostras nas I e II Mostra de vídeos de 1 minuto do Curso de Educação do Campo da UFT, campus
de Tocantinópolis. Sobre esse trabalho, que estava baseado nas realidades de vida dos discentes do
curso, já foi possível identificarmos uma série de manifestações e práticas musicais de muito interesse
para a etnomusicologia, tais como as paisagens sonoras, as ligações sonoro-afetivas e referências
musicais dos educandos, canções de trabalho, em especial das quebradeiras de coco, além da
revelação de uma diversidade de artistas populares com propostas artísticas bastante singulares de
pessoas pertencentes às comunidades desses discentes.
5
A região Tocantina compreende o norte do estado do Tocantins (Bico do Papagaio), o sudoeste do Maranhão e o sudeste
do Pará e é tratada como um território comum, pois os povos da região compartilham de aspectos culturais semelhantes.
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
fomos presenteados com uma apresentação da Sússia, de Dona Luzia de Araguatins/TO. Como eu
ainda não tinha apreciado essa manifestação, até então, me chama muita atenção seus aspectos
seculares, pois se trata de uma prática músico coreográfica recorrente em diferentes regiões do estado
do Tocantins, em especial àquelas em que possuem quilombos ou maior presença de comunidades de
afrodescendentes. A Sússia foi apropriada como uma dança típica do Estado do Tocantins e divulgada
como tal nos sites de turismo. Apesar de documentários e vídeos postados nas redes sociais sobre
essa prática, ainda não encontrei trabalhos etnomusicológicos mais aprofundados no assunto, dada a
variedade de formas em que ela se apresenta, a depender da região. Na apresentação que ocorreu no
pátio da UFT em Tocantinópolis no dia 22 de maio de 2017, Dona Luzia explica que se sentia
responsável pelo sucesso da apresentação, pois ao fazer o convite aos mais velhos e responsáveis pela
concretização efetiva do ritual, teve como resposta que “só estamos indo por que se trata de um pedido
teu”, fala essa reforçada durante a apresentação por um dos anciões brincantes, o que pode refletir,
de certa forma, uma possível fragilidade na manutenção dessa manifestação dentro da comunidade, e
que uma ação-participativa etnomusicológica poderia ser uma boa contribuição para essas pessoas.
O grupo que se apresentou era formado, em sua maioria, por pessoas de mais idade. Além dos
brincantes/ dançantes, haviam três cantores que se acompanhavam com instrumentos, sendo dois
percussionistas no pandeiro de couro de cutia e um violonista que usava uma afinação típica das
violas (se meu ouvido não me traiu, acho que se tratava de uma afinação conhecida como “cebolão”
4ªJ, 3ªM e 3m e mais 2 cordas oitavadas).
Alguns dias depois dessa apresentação, talvez pelo impacto causado por ela no evento, uma
educanda bastante experiente do curso de Educação do Campo, me procurou dizendo que já havia
falado com algumas lideranças de comunidades vizinhas a dela (dentro do município de
Tocantinópolis) e que, quando nós quiséssemos, eles poderiam organizar uma apresentação do Lindô.
Outra ótima surpresa! Nunca havia imaginado, até então, que havia um grupo de Lindô na cidade em
que eu moro. Sabia da existência dessa prática apenas em algumas cidades do Maranhão e no
Tocantins em municípios próximos, Araguaína e Santa Fé do Araguaia, mas que, também nunca tive
o privilégio de assistir. Conforme relatado em Filho (2011) e alguns vídeos na internet, essa dança se
assemelha a Sússia em vários aspectos, mas mescla também alguns passos que lembram as quadrilhas.
Infelizmente, devido ao meu atual afastamento para capacitação dessa Universidade e meu
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
envolvimento com o doutorado, não tivemos condições de organizar essa apresentação ainda, mas
me parece também um promissor campo de pesquisa na região.
A cidade de Tocantinópolis, no qual está instalado o curso de Licenciatura em Educação do
Campo em que eu atuo, está localizada ao norte do estado do Tocantins em uma região conhecida 29
como Bico do Papagaio, e seu município possui 68% de seu território em área indígena da etnia
Apinajé. A relação dos indígenas Apinajé com a cidade, e principalmente com alguns grupos políticos
do município, é bastante conflituosa, pricipalmente por questões de disputa de territórios, inclusive
com histórico recente de chacinas desses povos tradicionais na região. Diante disso, apesar da minha
curiosidade e da proximidade, e também por eu não ser um antropólogo, sempre tive muito cuidado
para me aproximar das práticas musicais desses povos, sem um embasamento maior sobre suas
realidades.
Porém, a proposta metodológica do curso de Educação do Campo despertou o interesse
desses grupos em se aproximarem da Universidade, e hoje, depois de uma série de ajustes nos
processos seletivos do curso, com a garantia de etnolinguistas para a correção das redações, temos
cerca de 10 indígenas matriculados, o que tem facilitado à mediação e acesso nas aldeias, assim como
nas relações pessoais entre os docentes e discentes do curso com eles. A turma em que teve um
número maior de ingressos de indígenas, por exemplo, as lideranças fizeram questão de apresentarem
suas danças e cantos na Universidade no evento de recepção dos calouros, assim como
disponibilizamos uma parede do campus para deixar o registro de uma pintura Apinajé.
De volta para a I Mostra de Manifestações Populares Tocantinenses que promovemos
através da disciplina de Seminário Integrador, fomos contemplados por outras manifestações dos
Apinajés, inclusive com uma apresentação de cantoria das mulheres Apinajés, coordenadas pela dona
Maria Cantora Apinajé, um registro histórico de suas manifestações e que marca o protagonismo
feminino desse povo. Infelizmente Dona Maria morreu algumas semanas depois desse evento.
Um canal de comunicação e confiança entre nosso curso e o povo Apinajé parece que está
se estabelecendo e se fortalecendo. Agora, em novembro de 2017, junto com outros colegas e alguns
discentes, participamos do III Encontro de Agroecologia do Tocantins, organizado por alguns
movimentos sociais e ONGs, tais como a APA-TO, foi sediado na aldeia Apinajé do Cipozal, muito
próxima da cidade de Tocantinópois. Nesse evento, pudemos constatar a importância que a música
tem sobre todas as atividades na aldeia. Desde os rituais de boas vindas, para afastar as energias ruins,
para plantar, para colher, assim como nos rituais xamânicos.
O que mais me chamou a atenção nesse evento foi na fala de uma das lideranças Apinajé
sobre a reivindicação de um dos seus territórios que não havia sido incluído na remarcação de suas
áreas. Eles não conseguiam aceitar a perca desse território, pois, segundo essa liderança, bastava ouvir
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
as canções realizadas naquela manhã, que comprovavam suas ligações e a importância daquela área
específica para seu povo, o que me remeteu imediatamente ao belíssimo trabalho de Anthony Seeger
(2015) e suas conquistas apoiadas na etnomusicologia com o povo Kisêdjê.
Para concluir, mas sem finalizar, trouxe esse relato para pontuar a importância de uma 30
Referências
FILHO, Júlio Oliveira Lima; CARDOSO, Letícia Conceição Martins; PACHECO, Lúcia Maria.
Dança do Lindô: Uma tradição transmitida do Leste para o Sul do Maranhão. Em: Anais do XIII
Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste. Maceió, AL. 15 a 17 de junho 2011.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 58ª ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2014.
MOLINA, Mônica Castagna; SÁ, Laís Mourão (Orgs.). Licenciaturas em Educação do Campo -
Registros e reflexões a partir das experiências-piloto (UFMG; UnB; UFBA e UFS). Belo Horizonte:
Autêntica, 2011.
PAULA, L.; BONILLA, M. F.; SILVA, C.. Campo em vídeo: experiências artístico-educativas na
produção de audiovisuais no norte do Tocantins. Em: SILVA, C.; MIRANDA C.; PORTO AIRES,
H. e OLIVEIRA U. Educação do Campo, artes e formação docente. Palmas: EDUFT, 2016.
SEEGER, Anthony. Por que cantam os Kisêdjê. São Paulo: Cosac Naify, 2015.
SILVA, C.; PAULA, L.; BONILLA, M. F. O audiovisual como ferramenta pedagógica e produção
artística no contexto de uma licenciatura em Educação do Campo. Em: Nupeart, Florianópolis, v. 15,
n. 1, jan./jun. 2016.
SILVA, Cícero da. Pedagogia da Alternância: um estudo do gênero Caderno da Realidade com foco
na retextualização. 2011. 149f. Dissertação (Mestrado em Letras: Ensino de Língua e Literatura).
Universidade Federal de Tocantins, Araguaína, 2011.
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
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IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
Abstract: Ethnomusicology at the Federal University of Pará, and consequently in the State of Para, has
experienced significant growth in the last decade. The various actions undertaken by the Laboratory of
Ethnomusicology and the presence of Ethnomusicology in the context of UFPA have promoted an expansion
of the concept of music, making, creation and musical transmission, as well as the perception of the musical
diversity that exists in Pará and consequently, a breakdown of paradigms in the teaching of music and arts in
the State. Here we present historical aspects and the profile of Ethnomusicology at UFPA and the actions taken
to consolidate it at the institution.
Keywords: Ethnomusicology at UFPA. Laboratory of Ethnomusicology. Search in Music.
de pesquisa e extensão com as diversas conexões musicais do Estado e Região; estabelecer pontes
entre os mestres e sabedores musicais do Estado e da Região e a academia, e promover eventos,
cursos, workshops, oficinas e afins com vistas ao incremento da Etnomusicologia.
O LabEtno atualmente abriga os seguintes grupos de pesquisa: GPMIA e GEMPA, da 33
Mavilda Raiol, Rosa Maria Silva e Vanildo Monteiro, todos formados no Brasil.
Os grupos de pesquisa GPMIA, GEMPA e GEMAM, liderados por etnomusicólogos,
respectivamente Liliam Barros Cohen, Sonia Chada e Paulo Murilo Guerreiro do Amaral também
têm um papel importante na consolidação da Etnomusicologia neste contexto por fomentarem
pesquisas e ações na área, reunindo pesquisadores e alunos de vários níveis – doutorandos,
mestrandos, licenciandos, bolsistas de iniciação científica e extensão, com interesse nas práticas
musicais existentes no Estado paraense e na Amazônia.
As atividades de pesquisa e extensão desenvolvidas no âmbito da UFPA têm como meio de
difusão e diálogo eventos diversos a exemplo dos Fóruns Bienais de Pesquisa em Arte, realizado pelo
PPGARTES, já na sua oitava edição, e os Encontros de Arte da UFPA (ENARTE/UFPA), realizados
pela Escola de Música. O LabEtno tem participação relevante nestes eventos e vem ainda
consolidando eventos locais e regionais como a Jornada de Etnomusicologia, já em sua quarta edição,
o Encontro Regional Norte da Associação Brasileira de Etnomusicologia, terceira edição, Ciclos de
Palestras, atividades mensais que já ocorrem há três anos, e o Ciclo de Cursos do LabEtno. Tais
eventos, coordenados e/ou com a participação do LabEtno, representam um panorama da produção
local em Etnomusicologia, socializam o resultado de pesquisas realizadas no âmbito do LabEtno e
tem gerado produtos diversos como livros, artigos, anais dos encontros e a produção de vídeos
(Disponível em: <www.labetno.ufpa.br).
Vale mencionar, no entanto, que mesmo que a Etnomusicologia esteja presente na UFPA,
ainda não há, na instituição, curso para formação de etnomusicólogos, nem no Pará, nem na Região
Norte brasileira. A Etnomusicologia está presente na UFPA no Curso de Licenciatura em Música e
no PPGARTES, contribuindo para a formação de professores de música e mestres e doutores em
Arte.
A etnomusicologia na UFPA tem se caracterizado por estar voltada para a produção local,
buscando a compreensão da diversidade de práticas musicais paraenses. O fato pode, talvez, ser
explicado pelo desconhecimento da maioria das práticas musicais existentes no Estado. Todavia, a
preocupação com a música local não implica em uma descontextualização com estudos e práticas 37
musicais de outras regiões, buscando diálogos tanto com as produções brasileiras quanto mundiais.
Concentra-se, em grande parte, em práticas musicais existentes na cidade de Belém e seu entorno,
com exceções. As pesquisas realizadas no âmbito do PARFOR contemplam práticas musicais
existentes nos polos e seu entorno. Em uma breve análise da produção existente, fica perceptível que
qualquer música pode ser objeto de estudo e qualquer música depende de teorias que podem não ser
explícitas, mas sem as quais se evaporariam no processo normal de transmissão aural-oral.
Quase na totalidade a produção existente é de etnografias musicais realizadas a partir de
diálogos disciplinares e interdisciplinares que buscam estudar música como um fenômeno humano.
“Diálogos disciplinares” são os estabelecidos com outras áreas de estudo musicais como a Educação
Musical, por exemplo. “Diálogos interdisciplinares” estão relacionados com outras áreas do
conhecimento, como a Antropologia e a Sociologia. A interdisciplinaridade parece ser uma tendência
nas ciências sociais e humanas. Não se pode, evidentemente, conceber uma etnomusicologia sem
música e suas subdisciplinas. Assim como seria intolerável vê-la fechar-se sobre si mesma, gerando
uma musicologia alheia à única espécie que a pratica, ao seu contexto e a sua história. As relações
entre a música e o ser humano têm sido contempladas nestes estudos, tendo em vista que música é
uma atividade humana, que se dá, antes de tudo, em um plano individual e que música, além de
atividade humana, é também uma atividade social e coletiva.
A dicotomia música/cultura, o “dilema congênito” da disciplina, parece já haver sido
internalizado nessa produção, demonstrando que há uma interação tão forte nestes campos que a
música não pode ser compreendida independentemente da cultura e da sociedade na qual ela é
produzida. Há tentativas de compreensão dos diversos significados da música mediante a realização
de descrição etnomusicológica que seja compatível com os modelos nativos. As análises realizadas,
em geral, contemplam tanto os aspectos sonoros quanto a importância do contexto cultural.
Um aspecto relevante desta produção é a parceria estabelecida com os Mestres e agentes
sociais que perfazem os contextos das manifestações das tradições orais paraense no que diz respeito
ao atendimento de demandas de pesquisa por parte deles. Assim, há uma tendência para uma
etnomusicologia participativa, engajada e política. Outro aspecto é o seu fortalecimento através de
pesquisa colaborativa – com os mestres, entre os professores/pesquisadores, entre docentes e
discentes, sendo visível, nesta produção, artigos escritos por autores de níveis distintos de
conhecimento.
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
Todavia, vale mencionar que ainda que essa produção apresente características próprias,
relacionadas ao lugar que ocupa na instituição, está em constante interlocução com a Etnomusicologia
brasileira e internacional e o pensamento sócio antropológico brasileiro.
38
4. Considerações finais
Referências:
BARROS, Liliam. Pontos sobre a Pesquisa em Música no Pará. Música e Cultura. Volume 6, 2011.
Disponível em: <http://musicaecultura.abetmusica.org.br/index.php/revista/article/view/163/114>.
Acesso em: 05.11.2017.
BLACKING, John. How musical is man? 6a ed. Seattle: University of Washington Press, 2000.
MENEZES BASTOS, Rafael José de. Música nas sociedades indígenas das terras baixas da América
do Sul: reflexões sobre deslocamentos e mudanças de rumo na etnomusicologia. In: MONTARDO,
Deise Lucy e Maria Eugenia Domínguez (Orgs.). Artes e Sociabilidades em Perspectiva
Antropológica. Florianópolis: Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, 2014.
SOUZA, Jusamara. Cultura e diversidade na América Latina: o lugar da educação musical. Revista
da ABEM, n. 18, p. 15-20, 2007.
UFPA. Projeto Pedagógico de Curso de Graduação. Licenciatura Plena em Música. Belém, 2010.
VIEIRA, Lia Braga. A escola e a difusão do sistema musical ocidental em Belém do Pará. In
Interfaces: desejos e hibridizações na arte. Bene Martins, Lia B. Vieira e Orlando Maneschy (orgs.).
Belém/Pará: PPGARTES, 2009.
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
MESA 02
Rosemara Staub
Professora associado (nível IV) da Universidade Federal do Amazonas - UFAM, lotada desde
(1990) na Faculdade de Artes/FAARTES; Professora permanente do Programa de Pós-Graduação
Sociedade e Cultura na Amazônia/PPGSCA-UFAM. Possui doutorado em Comunicação e
Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2002), Mestrado em
Artes (Música) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP (1996) e
graduação em Educação Artística (Música) pela Faculdade de Artes Santa Marcelina (1982). É
líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Música na Amazônia e do Grupo de Estudos e Pesquisa
em Processos de criação em Arte. Diretora da Faculdade de Artes/FAARTES (2017/2021).
Coordenadora Acadêmica (pro-tempore) da FAARTES (04 a 05/2017). Coordenou as turmas de
Primeira licenciatura em Música do Plano Nacional de Formação de Professores para a Educação
Básica/ PARFOR, no interior do Amazonas/AM (2010/2017). Coordenou o curso de Música da
UFAM (2012/2013) e o Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia/PPGSCA/UFAM (2010/2012).
Têm experiência na área de Artes, com ênfase em Arte-Cultura, Arte-Educação, Artes Visuais e Educação Musical,
atuando, principalmente, nos temas de pesquisa: processos de criação, crítica genética, artes visuais, semiótica da cultura
e educação musical. É representante do Amazonas na Associação Brasileira de Educação Musical/ABEM. É sócia na
ANPPOM, FLADEM, ABEM, MANUSCRÍTICA e FAAEB.
Fernando Lacerda
Graduado em Direito (Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2006), em Música com
habilitação em Composição e Regência (UNESP, 2008), mestre em Música - Musicologia
(UNESP, 2011) e doutor em Música, na área de concentração Música: Relações
Interdisciplinares (UNESP, 2016). Orientou monografias de conclusão de curso e desenvolveu
atividade docente nos níveis técnico-profissionalizante, superior (UFS, 2011; FAMOSP, 2012),
de especialização (FPA, 2013) e pós-graduação stricto sensu - mestrado e doutorado (UFMG,
2017; UFPA, 2017). Tem experiência na área de Música, sobretudo nas temáticas das práticas
musicais religiosas católicas e acervos musicais brasileiros. Sua pesquisa por acervos alcança
mais de noventa cidades brasileiras. Autor do livro Música e Ultramontanismo (Cultura
Acadêmica, 2012). Segundo secretário da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música na gestão 2015-
2017. Realizou estágio pós-doutoral junto ao Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal de Minas
Gerais e atualmente estagia junto ao Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal do Pará, ambos com
com bolsa CAPES/PNPD. Pesquisador junto a seis grupos de pesquisa brasileiros.
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
Resumo: Pretende-se, por meio deste artigo, discutir as concepções de musicologia e etnomusicologia como
disciplinas estabelecidas, bem como as abordagens correspondentes e a aplicabilidade em estudos
multiculturais contemporâneos. Para tanto, realizou-se uma revisão de conceitos, considerando-se aspectos
conflitantes e aproximações ao longo do percurso das disciplinas. Por fim, apresentam-se as ações que vem
41
sendo realizadas no contexto roraimense, considerando-se a atividade de pesquisa ligada ao Curso de
Licenciatura em Música da Universidade Federal de Roraima e, principalmente, o projeto de pesquisa Música
e História em Roraima: bibliografia, documentação e eventos musicais, como exemplo de abordagem
ampliada e integrada das musicologias.
Palavras-chave: Musicologia. Conceitos. Abordagens.
Abstract: We intend to discuss, by this paper, the conceptions of musicology and ethnomusicology as
established disciplines, as well as the corresponding approaches and the applicability in contemporary
multicultural studies. For that, we carried out a review of concepts, considering conflicting aspects and
approximations along the course of the disciplines. Finally, we present the actions that have been done in the
Roraima context, considering the research activity linked to the Music Course of the Federal University of
Roraima and, mainly, the research project Music and History in Roraima: bibliography, documents and
musical events, as an example of an extended and integrated approach of musicologies.
Keywords: Musicology. Concepts. Methods.
A partir desse questionamento, Waldo Pratt (1915: 16, tradução do autor) iniciava uma
discussão do termo, que se inseria então no vocabulário norte-americano. O autor pretendia “levantar
algumas questões sobre a natureza e o peso do conceito que parece estar por trás da palavra 7”
(PRATT, 1915: 2, tradução do autor). Chegou a discorrer, em tom jocoso, se não seria confundida
com muscologia, parte da botânica dedicada ao estudo dos musgos. As preocupações de Pratt se
justificavam, já que não havia um uso corrente de um termo específico dirigido aos estudos musicais
– sequer havia um verbete no Grove, conforme o autor relatou.
Uma ideia sistematizada sobre musicologia, ao menos enquanto termo, remonta a pelo
menos três décadas antes da publicação de Pratt, proposta então por Guido Adler (1885). Este
classificou a área em duas grandes categorias: a primeira histórica, e a segunda sistemática,
subdividida em elementos físicos do som, estética musical, pedagogia musical e uma quarta
subdivisão, musicologie, compreendida hoje como uma origem remota da etnomusicologia. Nos anos
6
“Do we really need the word ‘musicology?’”.
7
“take up some questions about the nature and bearings of the conception that seems to stand behind the word”.
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
subsequentes ao artigo de Adler, Hugo Riemann (1908) propôs uma categorização com algumas
semelhanças, em cinco áreas: acústica, fisiologia e psicologia do som, estética musical, teoria da
composição e história da música. Essas duas propostas teóricas fundantes, de Adler e Riemann,
apresentam-se como referências importantes para a discussão de Pratt, que considerou significante a 42
obra de Riemann e ressaltou a distinção de Adler entre musicologia histórica e sistemática. Destas,
conferiu maior utilidade à primeira e julgou uma arbitrariedade classificar como musicologia os
estudos comparativos e etnológicos.
As três propostas, vistas de hoje, convergem para o mesmo propósito: conferir um caráter
científico aos estudos musicais. Nesse sentido, Pratt considerou a música como atividade complexa,
que envolve múltiplos níveis sociais, psicológicos e cognitivos e, portanto, para que se configure uma
“ciência da música”, não se deve restringir a determinadas categorias, mas, o todo musical (PRATT,
1915: 4). A distinção entre a música e a ciência que a estuda é, de certa forma, criticada por Pratt:
“todo o artista representativo trabalha com uma grande quantidade de ciência implícita, e toda ciência
bem fundamentada tende a fornecer uma base ampla e sólida para o processo artístico” 8 (1915: 5,
tradução do autor).
Por fim, uma previsão não muito otimista: “pode até ser que em algum momento haverá nas
faculdades de certas grandes instituições uma cátedra de ‘musicologia’, cuja função será revelar o
amplo escopo da ciência e demonstrar não só a sua dignidade intelectual entre outras ciências, mas
sua utilidade prática”9 (PRATT, 1915: 16, tradução do autor).
Outra discussão foi proposta por Nicholas Cook (2006: 7-32) no ano de 2001, na conferência
The New (Ethno)musicologies em Londres. O autor utilizou as primeiras páginas do texto para
demonstrar uma possível convergência das duas disciplinas, considerando estudos e previsões de
estudiosos da área, como a de Palisca (apud COOK, 2006: 7), que indicava em 1963, como próximo
passo, “a aplicação do método etnomusicológico em estudos históricos da música ocidental, isto é,
como funciona a música em todos os níveis da cultura”.
8
“every powerful artist works with a large amount of implicit science at his command, and that all well-reasoned science
tends to supply a broader and sounder basis for artistic procedure”.
9
“It may even be that sometime there will be in the faculties of certain large institutions a professorship of ‘musicology,’
whose function shall be to unfold the broad outlines of the science and to demonstrate not only its intellectual dignity
among other sciences, but its practical utility”.
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
A solução apontada por Palisca consiste em uma possível alternativa para o que Kerman
denominou anos mais tarde de musicologia positivista, então entendida como “o estudo da história
da música artística ocidental10” (KERMAN, 1985: 36, tradução do autor). Todavia, para o autor:
43
Há somente um limitado número de áreas – como a transmissão oral e os conceitos de modo
– nas quais a pesquisa etnomusicológica por si pode interferir diretamente nos estudos da
música ocidental. A música ocidental é simplesmente muito diferente de outras músicas, e os
contextos culturais correspondentes muito diferentes de outros contextos culturais11
(KERMAN, 1985: 174, tradução do autor).
Essa elevação da música ocidental a uma categoria superior, compreensível para a época,
insiste em se manter ainda hoje, de certa forma no âmbito de uma musicologia conservadora.
Aproximadamente duas décadas após a proposição anterior de Palisca, ele afirmou: “eu falhei
totalmente na adivinhação... Nenhum desses aparece na agenda atual” (PALISCA apud COOK, 2006:
12). Palisca já havia sugerido: “Deveria a Etnomusicologia ser abolida?”. Cook questiona essa
proposição, hierarquizada a partir dos preceitos de Adler, na qual ambas as abordagens seriam
subdivisões de um campo maior denominado Musicologia. Um dos problemas evidentes dessas
concepções supostamente integradoras consiste na própria ideia ocidental de obra musical, ideia que
persiste vinculada à musicologia e ofusca um entendimento mais amplo da música a partir de outros
paradigmas.
A partir da nova musicologia, já não tão nova atualmente, iniciou-se de fato uma
aproximação, ainda que tímida. Um breve deslocamento do foco na “obra musical” para as práticas
musicais e significados correspondentes. No Brasil, custou um pouco mais a chegar. Maria Alice
Volpe, há apenas uma década, apresentou seu posicionamento “por uma nova musicologia”, partindo
da constatação de que “os resultados da pesquisa musicológica brasileira não têm gerado na
comunidade acadêmica ou na sociedade mais ampla o mesmo nível de interesse das demais
disciplinas, como a história, a antropologia, a sociologia, os estudos literários e as artes visuais”
(VOLPE, 2007: 107-108). Isso é resultado, segundo a autora, da desatualização teórico-conceitual,
para a qual uma possível solução seria “uma interação mais efetiva da musicologia com as outras
disciplinas” (VOLPE, 2007: 116). Essa concepção de musicologia já era questionada há décadas por
Kerman (1985: 11-12, tradução do autor):
apenas nos temas abordados, mas também na sua abordagem aos temas. [...] A musicologia
é percebida como tratando essencialmente o factual, o documental, o verificável, o analisável,
o positivista. Os musicólogos são respeitados pelos fatos que eles conhecem sobre música.
Eles não são admirados por sua visão da música como experiência estética 12.
44
A abordagem musicológica apontada por Kerman, no Brasil, ainda não se encontra
totalmente superada. Algumas investigações insistem no factual como proposta, na análise como fim
e nos acervos como único meio possível para se fazer pesquisa. De fato, por aqui ainda não somos
todos etnomusicólogos; em alguns casos, nem novos musicólogos ou o que quer que isso signifique,
como visto. Apesar da convergência evidente de métodos exigida pelos estudos, há dificuldade de
entendimento por parte dos pesquisadores do que esses estudos solicitam. As separações, talvez
reforçadas por ideologias e menos por necessidades da pesquisa, alimentam as duas áreas. A ideia
consolidada de obra musical ocidental, no âmbito das investigações musicológicas, tende a se
sobrepor a outras ideias de música. Conceitos que poderiam coexistir são tratados como antagônicos:
insiders e outsiders, escrita e oralidade, música ocidental e “outras” músicas, história e antropologia
e o eterno conflito entre “erudito” e “popular”.
Aparentemente seria óbvio afirmar que o objeto da musicologia não é somente a música
“erudita” ocidental de tradição escrita a partir de abordagem histórica, enquanto o da etnomusicologia
são as “outras” músicas de tradição oral e abordagem antropológica. Todavia, uma breve análise das
produções atuais no Brasil permite que se verifique que não é tão óbvio assim.
12
“But in academic practice, and in broad general usage, musicology has come to have a much more constricted meaning.
It has come to mean the study of the history of Western music in the high-art tradition […]. Furthermore, in the popular
mind – and in the minds of many academics – musicology is restricted not only in the subject matter it covers but also in
its approach to that subject matter. […] Musicology is perceived as dealing essentially with the factual, the documentary,
the verifiable, the analysable, the positivistic. Musicologists are respected for the facts they know about music. They are
not admired for their insight into music as aesthetic experience”.
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
conteúdo previsto no âmbito de ensino não for condizente com a proposta. Nesse sentido, optou-se
pela inclusão de músicas em um contexto mais abrangente do que o tradicionalmente trabalhado, com
destaque para a música brasileira de contextos urbanos, música latino-americana em uma visão
panorâmica e música roraimense (BENETTI, 2015: 153). Além disso, há uma proposta de atualização
na abordagem dos conteúdos, incluindo-se, inclusive, práticas musicais associadas ao conteúdo
teórico e atividades no LaM. Evidentemente, não é tarefa simples desvincular-se do modelo
tradicional de ensino de história da música e isto ainda não foi integralmente efetivado no âmbito da
UFRR. Mesmo assim, trata-se de uma proposta que começou a produzir alguns resultados.
A segunda ação, caracterizada pela implementação do LaM, vem servindo como subsídio
para a pesquisa em música e como interface de pesquisa nas atividades de ensino do curso. O
laboratório encontra-se alocado no Bloco de Música e é utilizado para aulas práticas de história da
música, para reuniões do grupo de pesquisas e para atividades ligadas aos projetos de pesquisas
existentes no curso. O acervo do LaM está em fase de formação e contém os trabalhos de conclusão
do curso, relatórios de pesquisa dos projetos, materiais bibliográficos e audiovisuais coletados e
produzidos durante as pesquisas.
O MusA, que utiliza como sede o LaM, foi registrado no CNPq no final de 2015 e apresenta
atuação consistente no âmbito da instituição. É composto por 22 integrantes, dentre eles
pesquisadores ligados à UFRR e externos, estudantes de graduação e de pós-graduação, egressos do
Curso de Licenciatura em Música da UFRR e um técnico. Possui quatro linhas de pesquisa: 1) música,
história, cultura e sociedade; 2) educação musical: formação, ensino e práticas; 3) performance
musical: ensino coletivo de instrumentos; 4) música e tecnologia. A heterogeneidade das linhas foi
uma alternativa para o número baixo de doutores no corpo docente, mas, acima de tudo, demonstra
uma concepção aberta de musicologia.
O projeto de pesquisa Música e História em Roraima: bibliografia, documentação e eventos
musicais, tem como objetivo produzir uma publicação de referência, material inédito que servirá
como fonte para o ensino e a pesquisa relacionados ao tema. Vem sendo realizado por meio de
investigação de registros bibliográficos referentes à atividade musical, de pesquisa de documentação
musical e musicográfica nos arquivos institucionais e acervos não-institucionais e, do mapeamento e
análise da atividade musical corrente em todos os municípios do Estado de Roraima. O projeto é um
exemplo de abordagem integradora do que tradicionalmente compreende-se por Musicologia e
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
Etnomusicologia. Sem as abordagens múltiplas e a ampliação dos conceitos, não seria possível
dedicar-se à teia complexa que forma a música do estado: música histórica, música urbana, música
indígena, músicas de matrizes estilísticas distintas, músicas de funções múltiplas, de funções distintas
e de tantas outras variantes. 46
Referências
ADLER, Guido. Umfang, Methode und Ziel der Musikwissenschaft. Vierteljahrsschrift fur
Musikwissenschaft, v. 1, n. 1, p. 5-20, 1885.
BENETTI, Gustavo Frosi. Música e história em Roraima: subsídios para uma educação musical
contextualizada. In: SILVA, Ivete Souza da (Org.). Arte na Amazônia: conversas sobre o ensino na
Região Norte. Boa Vista: Editora da UFRR, 2016. p. 151-163.
COOK, Nicholas. Agora somos todos (etno)musicólogos. Ictus, Salvador, v. 7, n. 1, p. 7-32, 2006.
Disponível em: <http://www.ictus.ufba.br/index.php/ictus/article/view/110>. Acesso em: 5 jun.
2012.
RIEMANN, Hugo. Grundriß der Musikwissenschaft. Leipzig: Quelle & Meyer, 1908.
VOLPE, Maria Alice. Por uma nova musicologia. Música em Contexto, Brasília, v. 1, n. 1, p. 107-
122, 2007. Disponível em: <http://periodicos.unb.br/index.php/Musica/issue/view/1>. Acesso em: 04
dez. 2017
.
IV Jornada de Etnomusicologia
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47
Resumo: Este artigo é uma reflexão sobre o pensamento complexo e o método na pesquisa abordado como
“estratégia”, segundo a proposta de Edgar Morin, ou seja, uma atitude inter/transdisciplinar. A reforma do
pensamento consiste em promover a aproximação dos campos e saberes, consequentemente, a mudança dos
hábitos e das atitudes nos modos de articular o conhecimento científico e o conhecimento tácito. Tal proposta
contribuirá ainda mais para o desenvolvimento das pesquisas sobre os efeitos da música na sua diversidade.
No entanto, o processo criativo da arte e ciência na perspectiva da criatividade e da reforma do pensamento,
requerem a transformação escolar. A universidade e a educação devem descompartimentalizar e ensinar a viver.
A educação musical, em sua interdisciplinaridade, poderá ser a principal estratégia transdisciplinar de
aproximações e congregações dos campos.
Palavras-chave: Pensamento complexo. Método. Música.
Abstract: This article is a reflection on the complex thought and the method in the research approached as
"strategy", according to the proposal of Edgar Morin, ie an inter/transdisciplinary attitude. The reform of
thought is to promote the approximation of the fields and to know, consequently, the change of habits and
attitudes in ways of articulating scientific knowledge and tacit knowledge. Such a proposal It will contribute
even more to the development of research on the effects of music in its diversity. However, the creative process
of art and science in the perspective of creativity and reform of thought, require school transformation.
University and education must decompartmentalize and teach to live. Music education, in its interdisciplinarity,
may be the main transdisciplinary strategy of approaches and congregations of the camps.
Key words: Complexity thought. Method. Music.
Introdução
Epistemológicas. Diogo Gonçalves Lima Neto. (Organizador). Olinda, Livro Rápido, 2016. (p. 53-75).
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A primeira consistia em nunca aceitar algo como verdadeiro sem conhece-lo evidentemente
como tal: Isto é, evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção; não incluir nos meus
juízos nada que não se apresentasse tão clara e distintamente à minha inteligência a ponto de
excluir qualquer possibilidade de dúvida, A segunda era dividir o problema em tantas partes
quantas fossem necessárias para melhor poder resolve-lo. A terceira, conduzir por ordem os
meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, subir 49
pouco a pouco, gradualmente, até o conhecimento dos mais compostos; e admitindo uma
ordem mesmo entre aqueles que não apresentam nenhuma ligação natural entre si. Por último,
sempre fazer enumerações tão completas, e revisões tão gerais, que tivesse a certeza de nada
ter omitido. (DESCARTES/1637 in MUNARI, 1998).
Não estamos mais no tempo em que os fenômenos imutáveis prendiam a atenção. Não são
mais as situações estáveis e as permanências que nos interessam antes de tudo, mas as
evoluções, as crises e as instabilidades. Já não queremos estudar apenas o que permanece,
mas também o que se transforma, as perturbações geológicas e climáticas, a evolução das
espécies, a gênese e as mutações das normas que interferem nos comportamentos sociais.
(Prigogine,1984).
A ciência clássica pautada no método de Descartes, em sua primeira regra, postula a verdade
clara e distinta e certa. Na segunda regra, postula a fragmentação, a divisão do todo em partes para o
conhecimento micro de detalhado. A terceira regra consiste na ordem e na linearidade dos fatos, e por
última, a quarta regra, as generalizações das leis.
A ciência moderna, por sua vez, postula que os fenômenos são sistemas dinâmicos, logo, a
dicotomia ordem/desordem passam a ser redefinidos como sistemas de organização, em que tempo e
espaço são muldimensionais.
Arte e Ciência, mais uma vez, se entrelaçam para conhecer os fenômenos da vida no planeta,
dimensionando novas possibilidades de método, metodologias e resultados. Vejamos a seguir, uma
possibilidade de aproximação dos campos:
Bruno Munari (1998), grande artista e designer italiano ao propor seu “método de projetar”,
buscou religar a ciência, na sua objetividade cientifica com a arte, na articulação com a criatividade.
Uma articulação em que a criação de um projeto depende da C – criatividade – “criatividade não
significa improvisação sem método”. Ressalta que, “o método de projeto, para o designer, não é
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absoluto nem definitivo; pode ser modificado caso ele encontre outros valores objetivos que
melhorem o processo”. Seu “método” de projetar é uma estratégia transdisciplinar, quando propõe a
religação entre ciência e arte.
A partir da atitude transdisciplinar, Munari utiliza a receita culinária, para ilustrar que, não 50
basta seguir uma receita, em que se segue a ordem dos ingredientes para fazer um “determinado”
prato.
Essas indicações são às vezes resumidas, quando se destinam a pessoas habituadas a esses
trabalhos; ou mais detalhadas, no que diz respeito a cada uma das operações, para quem não
tem tanta prática. Algumas vezes, além de indicarem o conjunto das operações necessárias e
sua origem lógica, chegam mesmo a aconselhar também um tipo de recipiente mais adequado
para o prato que se está preparando e o tipo de fonte de calor que se deve usar. (MUNARI,
1998, p.10).
Para Munari, o processo criativo de P – problema a S – solução é uma teia das articulações
projetuais, em que C – criatividade e E – experimentação são estratégias transdisciplinares. As
implicações em seguir o “método determinado” incorre no erro em não incluir as
multidimesionalidades criativas e multireferencialidades do conhecimento. O ato de cozinhar é um
conhecimento tácito. Um outro tipo de conhecimento que o método, ou a estratégia deve articular na
experimentação e na criatividade.
P – Problema – Arroz Verde
DP – Definição do Problema – arroz verde para quatro pessoas
CP – Componentes do Problema – arroz, espinafre, presunto, cebola, azeite, sal,
pimenta, caldo
CD – Coleta de Dados – será que alguém já fez isso?
AD – Análise de Dados – Como fez? O que posso copiar?
C – CRIATIVIDADE – Como juntar tudo de maneira mais correta?
MT – Materiais e Técnicas – Qual arroz? que panelas? Que fogo?
E – EXPERIMENTAÇÃO – Prova, está bem?
M – Modelo – Ótimo
V – Verificação – Bom, dá para quatro
DC – Desenho de Construção –
S – Solução – Arroz Verde servido em prato aquecido
Religar a arte e a ciência nos estudos da complexidade requer uma atitude que possa
complementar o conhecimento da “técnica” com o conhecimento tácito, ou seja, conhecer “fazendo”.
Para explorar o universo dos “bastidores” da criação artística, ou seja, seu processo de
criação, a Crítica Genética é uma estratégia transdisciplinar para o exercício da religação dos saberes
entre a arte e a ciência, ou seja, conhecer “fazendo”.
O pesquisador francês Daniel Ferrer (ITEM-CNRS), comenta que a “Crítica Genética do
século XXI será transdisciplinar, transsartística e transsemiótica, ou não existirá”, isto porque, para
dar conta de toda a complexidade existente no interior dos manuscritos, só é possível continuar com
as pesquisas a partir de uma atitude “transversal” nas análises de interpretações dos sistemas
semióticos coexistentes.
A Crítica Genética, de linha peirceana, nos permite falar da criação, segundo Salles15 (2000)
“como um processo de representação que dá a conhecer uma nova realidade, com características
que lhe vão sendo atribuídas”. O movimento desta ação processual nos mostra a criação em seu
estado de constantes metamorfoses, o que não é privilégio somente dos manuscritos literários, mas
de todo tipo de ação em processo.
E, ainda, segundo Salles (1998) “todo o conjunto dos documentos de processos,
independentemente, de sua materialidade, têm a função de armazenar informações, que atuam como
auxiliares no percurso e que, ao estabelecerem um vínculo com o artista, o nutre em seu percurso de
criação”. Atados à função de armazenar, os documentos também indicam a experimentação que,
segundo Salles (1998), são os momentos da pesquisa, quando as hipóteses vão sendo testadas. De
modo geral, os artistas utilizam os esboços, os rascunhos, os cadernos etc., ou seja, diferentes
materialidades e matérias.
O interesse científico da Crítica Genética está no da busca da compreensão do processo de
criação artística, a partir dos registros, deixados pelo artista ao longo do percurso. Buscar a
compreensão a respeito do ato criador, não é discussão apenas da Crítica Genética. Inúmeros autores
em diferentes áreas do conhecimento têm abordado esse assunto, trazendo muitas contribuições.
Dentre eles: Fayga Ostrower (1978,1990), Rudolf Arheim (1976), Paul Valéry (1991), entre outros.
Publicações de cartas, entrevistas e depoimentos de artistas têm, também, trazido ao público
o interesse por esta perspectiva. As publicações das cartas de Van Gogh ao seu irmão Théo, os diários
de Klee, o processo de criação de Kandinsky, as entrevistas publicadas com os músicos Luciano
15 SALLES, Cecília Almeida (2000). Crítica Genética e Semiótica: uma interface possível. Texto inédito.
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Bério, Stockhausen, e Stravinsky, as abordagens críticas de Pierre Boulez, entre outras publicações
autobiográficas, também estão na lista bibliográfica de quem se interessa pelo ato da criação artística.
Ao lado da vasta produção bibliográfica a respeito do ato criador, a Crítica Genética propõe
uma nova possibilidade para se olhar as manifestações artísticas, a partir de seu processo de 52
construção, aproximando cada vez mais a arte da ciência, livrando-a de vez a “aura” de objeto único
das obras e da ideia de inspiração dos artistas.
Ao mergulharmos no universo do processo criador, descobrimos uma rede de inter-relações
e de conexões, da qual não nos é possível detectar começo e fim. Encontramo-nos sempre no meio
do caminho desta complexidade. Seu interesse se volta para os rascunhos, anotações, esboços, diários,
cartas, enfim, para tudo que possa caracterizar uma situação de transitoriedade e de transformação.
Historicamente, os estudos acerca da gênese da criação eram de interesse somente da
literatura. Em 1968, em Paris, por iniciativa de Louis Hay, juntamente, com uma equipe de
pesquisadores do Centre National de Recherche Scientifique (CNRS), foi organizado os manuscritos
do poeta alemão Heinrich Heine. E, posteriormente, com a criação do Institut des Textes et Manuscrits
Moderns – ITEM/CNRS, foram criados grupos de pesquisas, dedicados exclusivamente aos estudos
dos manuscritos de M. Proust, E. Zola, G. Flaubert e de P. Valéry.
E, no Brasil, somente em 1985, a Crítica Genética ficou conhecida. Isto aconteceu durante o
Iº. Colóquio de Crítica Textual: O Manuscrito e as Edições, na Universidade de São Paulo,
apresentada pelo Prof. Dr. Philippe Willemart16. A partir de 1990, no Programa do COS da PUC-SP,
a professora Dra. Cecília de Almeida Salles desenvolveu os estudos de Crítica Genética, associados
à semiótica dos signos, de Charles Sanders Peirce (, através da análise dos manuscritos da obra: “Não
verás país nenhum”, do escritor Ignácio de Loyola Brandão.
Com a criação, em 199317, do Centro de Estudos de Crítica Genética (CECG), da PUCSP,
sob a coordenação da pesquisadora Dra Cecília Almeida Salles, profissionais de diferentes campos
de atuação iniciaram as primeiras conexões, acerca do processo criativo, em suas respectivas áreas.
Os resultados, obtidos nas diferentes linguagens, tais como: na dança 18, na arquitetura19, nas artes
16
O professor Philippe WILLEMART é membro da Equipe Proust, do Institut de Textes et Manuscrits Modernes
(ITEM/CNRS), e autor, entre outros livros, de : Universo da Criação Literária, São Paulo, Edusp, 1993; Além da
psicanálise: a literatura e as artes. Nova Alexandria, FAPESP, 1995 e Bastidores da criação literária. São Paulo,
Iluminuras, 1999.
17
Um evento que marcou a ampliação dos estudos, sobre criação artística em diferentes áreas, foi a Exposição “Bastidores
da Criação”, em 24 de maio de 1994, organizado pelo CECG da PUCSP, realizado na Oficina Cultural Oswald de
Andrade em São Paulo.
18
AUGUSTO, R. V. L. (1996). Os Bastidores de uma obra coreográfica: A Sagração da Primavera. Dissertação de
Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica, PUCSP.
19
PETERS, I. F. (1993). A Palavra e a Arquitetura: Paulo Mendes da Rocha. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-
Graduação em Comunicação e Semiótica. PUCSP.
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plásticas20, no teatro21, na música22 entre outras, são notórios. Como exemplo, também, em destaque
algumas das publicações de Salles23 (1992,1998,2000), bem como as inúmeras dissertações e teses,
defendidas posteriormente no Programa de Estudos Pós-Graduandos em Comunicação e Semiótica
da PUCSP, o que demonstra a relevante atuação da Crítica Genética no Brasil. 53
20
PFÜTZENREUTER, E. P. (1992). Desejo material. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em
Comunicação e Semiótica. PUCSP.
21
FORTUNA, M. (1995). A poética da expressão oral no teatro. O ator, um jogador. Dissertação de Mestrado. Programa
de Pós-Graduação em Comunicação e semiótica. PUCSP.
22
ZAGO, R. S. B. (2002). Relações culturais e comunicativas no processo de criação do compositor Gilberto Mendes.
Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica. PUCSP.
23
SALLES, C.(1992) Crítica Genética – uma introdução. São Paulo.
_______________________.(1998) Gesto Inacabado: processo de criação artística. São Paulo, Annablume.
________________________. (2000). Crítica Genética – uma nova introdução. São Paulo, Educ.
_______________________. (2000) Gesto Inacabado: processo de criação artística. Cd-rom patrocinado pela LINC -
Lei de Incentivo Nacional a Cultura, Secretaria de Estado de Cultura de São Paulo e do Governo do Estado de São Paulo.
________________________. (2000). Crítica Genética – uma nova introdução. São Paulo.
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- Uma melodia, mesma uma peça inteira que pintar (vide espírito do Vento Noroeste) durante uma
composição, mesma que fora da matéria prima eu deixo participar...Fellini, Godard (o espetáculo das
“mãos”em Pierrot le fou”).
- Princípio oposto à economia Webern/serial: material de base “abundante”, “tropical-exuberante”. Conter
numa só peça toda uma constelação de idéias temáticas: estabelecer ou buscar uma unidade através de um
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processo técnico bem como confiante na “unidade que somos” na “unidade existente entre as diversas
formas artísticas contemporâneas, isto é, de um mesmo “tempo”.
- A confiança é o papel + importante é dado ao “segredo” (vide Pound) do nosso mecanismo particular de
“processar” a construção musical, segredo intransferível que imprime o nosso “selo” original (
intransferível, também) à obra que compomos.
- O desejo de uma técnica que me garantisse o “devenir” bachiano, “qualquer música”, a que sair no 55
desenvolvimento: minha música, jorrada, Não à economia weberniana.
da vida artística ou vida terrena e planetária, ainda resta-nos abordar a religação da educação na
perspectiva complexa, afinal, é lá que o conhecimento está “engaiolado”.
Em 1996 Jacques Delors apresentou o relatório elaborado pela Comissão Internacional sobre
a educação no século XXI (LA TORRE, 1996), propõe quatro pilares para a educação: aprender a
conhecer; aprender a fazer; aprender a conviver; aprender a ser.
Aprender a conhecer, combinando uma cultura geral, com possibilidade de aprender a
aprender ao longo da vida.
Aprender a fazer é a capacidade formativa especializada para a profissão, entretanto, a
atitude transdisciplinar promove as potencialidades da criatividade. Ou seja, baseada no equilíbrio do
homem exterior e o homem interior. (NICOLESCU,1999, p.146).
Aprender a conviver é desenvolver a compreensão do outro e a percepção das
interdependências, gerenciar conflitos em respeito ao pluralismo, da compreensão mútua e da paz.
No entanto, a atitude transcultural, transreligiosa, transpolítica e transnacional dever ser validadas
pela experiência de cada ser, ou seja, reconhecer-se a si mesmo na face do Outro;
Aprender a ser transpessoal
Aprender a ser também é aprender a conhecer e respeitar aquilo que liga o Sujeito e o Objeto.
O outro é um objeto para mim se eu não fizer este aprendizado, que me ensina que o outro e
eu construímos juntos o Sujeito ligado ao Objeto. (NICOLESCU, 1999, p. 148).
Procurei trilhar bifurcações dos caminhos da filosofia, dos processos de criação da arte e da
ciência, contudo, os fios do tecido estão suspensos, soltos, esperando que a cada de um de nós,
pesquisadores e educadores venhamos tecer juntos, um desenho em patchwork a ser admirado na
vida.
A atitude transdisciplinar não é polivalente. É um comportamento coletivo, uma atitude
necessária para enfrentarmos as diversidades. As pluridimensões estão em todos os campos
disciplinares: ciências da terra e naturais, sistema cibernéticos, informacionais e tecnológicos. A
condição humana está inter-relacionada com todos os campos disciplinares.
Portanto, a questão problema está direcionada para os efeitos do fenômeno, nos diversos e
inúmeras dimensões, ou seja, no sistema hologramático, dialógico e recursivo da condição humana
e/ou da condição da vida planetária.
Religar os saberes, é buscar o método complexo, e aqui, método como estratégia para a
religação dos saberes e efeitos.
Nesta perspectiva. de que maneira poderemos avançar nas pesquisas em música? Não há
uma receita a seguir, passo a passo. Vimos no método de projetar de Munari, que a criatividade é o
principal elemento para religar o conhecimento.
Minha crença pauta na parceria, na colaboratividade mútua entre os campos das pesquisas
em música. A educação musical, por natureza, é interdisciplinar. Poderá ser a principal articuladora
na aproximação dos campos da pesquisa em música e a integração dos saberes nos demais campos.
Considerações Complexas
Ao religarmos os campos científicos das pesquisas em música associados aos saberes tácitos,
poderemos, juntos, elaborarmos novas estratégias de ensino e de educação. Os efeitos da música
evidenciarão a multidimensionalidade social, cultural, antropológica e biológica da condição humana.
Por fim, compartilho o poema do poeta amazonense, Luiz Bacellar (1992), que utiliza a 58
estratégia da técnica formal da linguagem associados sos modos de fazer da bebida de tacacá.
Admiremos SEM moderação...
Receita de tacacá
Referências
MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Trad. Catarina Eleonora F. da Silva
e Jeanne Sawaya; revisão técnica de Edgard Assis de Carvalho. São Paulo: Cortez, 2000.
MORIN, Edgar. Ensinar a viver. Manifesto par mudar a educação. Trad. Edgard Assis de Carvalho
e Mariza Perassi Bosco. Porto Alegre: Sulina, 2015. 59
MUNARI, B. Das coisas nascem coisas. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
NICLOLESCU, B. O manifesto da transdisciplinaridade. Trad. Lucia Pereira de Souza. São Paulo;
TRIOM, 1999.
OSTROWER, F. Criatividade e processos de criação. Petrópolis: Vozes, 1978.
OSTROWER, F. Acasos e a criação artística. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1990.
PEIRCE. C.S. Collected papers. C. Hartshorne, P. Weiss e A. W. Burks (eds). Cambridge, MA:
Havard University Press.
SALLES, C. A. Gesto inacabado: processo de criação artística. 1. ed. São Paulo: Annablume, 2000.
VIEIRA, J. A., SANTAELLA, L. Metaciência como guia de pesquisa - uma proposta semiótica e
sistêmica. 1. ed. São Paulo: Mérito, 2008.
VIEIRA, J. A. Teoria do Conhecimento e Arte. Formas de Conhecimento: Arte e Ciência. Uma visão
a partir da Complexidade. Fortaleza: Expressão, 2006.
ZAGO. R. S. B. Relações culturais e comunicativas no processo de criação do compositor Gilberto
Mendes. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica. PUCSP,
2002.
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Etnografia dos silentes: algumas palavras sobre memórias das práticas musicais
e o fazer musicológico
Resumo: Este trabalho traz algumas reflexões acerca das práticas de pesquisa em música a partir do viés da
Musicologia Histórica. Tendendo ao relato de experiência e à exploração de memórias individuais do autor,
busca apresentar respostas a algumas problemáticas tais como as características da atuação do musicólogo, as
diferenças e aproximações de seus saberes com a Etnomusicologia, as possibilidades e limitações da pesquisa
documental, a necessidade de preservação da memória das práticas musicais e da própria pesquisa em música.
São trazidos ao texto referenciais de diferentes áreas ou disciplinas, tais como Manuel Castells, Joël Candau,
Pierre Nora, Jacques Le Goff, Joseph Kerman, John Blacking, dentre outros. As discussões são ilustradas,
sobretudo, com exemplos oriundos de pesquisas autorais. O objetivo do trabalho não é apresentar respostas
fechadas, mas trazer questionamentos e revelar possibilidades de pesquisa e interfaces entre os estudos sobre
as práticas musicais presentes e pretéritas. Neste sentido, é possível tentar superar a parcialidade ou as
limitações dos documentos-monumentos por meio da etnografia de arquivos, do estudo de práticas do passado
a partir da tradição oral no presente, a observação de continuidades e rupturas nas práticas musicais do presente,
o papel da memória na caracterização de tais práticas e a via de mão dupla que permite conhecer mais a fundo
as identidades do presente a partir das memórias acumuladas, mas também a reconstituição talvez mais
fidedigna do passado a partir da observação do presente. Destaca-se finalmente, a dimensão política do fazer
musicológico e algumas possibilidades de retribuição aos colaboradores da pesquisa.
Palavras-chave: Memória coletiva, identidade e música. Práticas musicais. Metodologia da pesquisa em
música.
Ethnography of the Silents: a Few Words about Memories of Musical Practices and the Musicological
Work
Abstract: This paper brings some reflections about the practices of research in music from the angle of
Historical Musicology. Tending to the experience report and the exploration of the author's individual
memories, it seeks to present answers to some problems such as the characteristics of the work of the
musicologist, the differences and approximations of his knowledge with ethnomusicology, the possibilities and
limitations of documentary research, the need to preserve the memory of musical practices and music research
itself. References from different areas or disciplines, such as Manuel Castells, Joël Candau, Pierre Nora,
Jacques Le Goff, Joseph Kerman, John Blacking, among others are brought to the text. Discussions are mainly
illustrated with examples from the author's research. The objective of the work is not to present close answers,
but to question and reveal research possibilities and interfaces between the studies on the present and previous
musical practices. Thus, it is possible to try to overcome the bias or limitations of documentary monuments
through archival ethnography, the study of past practices from the oral tradition in the present, the observation
of continuities and ruptures in the musical practices of the present, the place of memory in the characterization
of such practices and the double-handed way that allows us to know more about the identities of the present
from the accumulated memories, but also the reconstitution perhaps more reliable of the past from the
observation of the present. Finally, the political dimension of the musicological process and some possibilities
of retribution to the research collaborators are discussed.
Keywords: Collective memory, identity and music. Musical practices. Methodology of music research.
atributos inerentes a esta classe. Contudo, parece-me impossível caracterizar a musicologia histórica
praticada no Brasil de maneira homogênea, como tendem a fazer os manuais ou os verbetes de
dicionários. Assim, esta fala apresentada na mesa-redonda Diálogos entre saberes não se pretende
representativa de uma subárea de pesquisa, dos pesquisadores ou profissionais de um campo de 61
24
“[...] uma alternativa conceitual útil a pesquisadores da cultura preocupados em superar uma série de dicotomias
predominantes na reflexão teórica dedicada tanto às autobiografias quanto às etnografias, aqui denominadas escritas de
construção de selves: o Mesmo versus o Outro, subjetividade versus alteridade, individual versus coletivo, Sujeito versus
Objeto etc. [...] o conceito de autoetnografia também parece produtivo para a leitura de escritas de sujeitos/autores que
refletem sobre sua própria inserção social, histórica, identitária e, em especial, no caso de subjetividades ligadas a grupos
minoritários, também como um possível modo de conquistar visibilidade política. Assim, o conceito de autoetnografia
parece bastante produtivo em leituras de obras coletivas ou em co-autoria, e também em formas mais tradicionais de
escritas de autoconstrução de subjetividades, tais como autobiografias e memórias, mormente quando seus autores estão
de alguma forma ligados a grupos minoritários” (VERSIANI, 2002: 68).
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reforçados pela crítica e pela historiografia, nos quais somente as grandes memórias organizadoras
importam (CANDAU, 2011). Neste universo, práticas musicais que não se alinhavam aos interesses
de determinados grupos que detinham o monopólio econômico e das ideias – mulheres e compositores
não-canônicos – tornaram-se silentes. Posso me dedicar à obra de José Maurício Nunes Garcia, Carlos 62
Gomes, Gama Malcher ou Henrique Gurjão, mas posso também buscar conhecer e valorizar a obra
de padre João Jacques, José Maria Rocha Ferreira (DUARTE, 2016a), Cândida Acatauassú Nunes,
madre Júlia Cordeiro (DUARTE, 2017c), João Valente do Couto (DUARTE, 2017a) e tantos outros
atores e atrizes sociais legados ao esquecimento. Neste sentido, fazer musicologia é também um ato
político.
Posso contar uma história da música na qual privilegie somente a música europeia executada
nos templos católicos do século XIX ou posso dar voz aos viajantes que relatam que numa certa igreja
no Brasil Central “penetraram os músicos negros pela porta do templo, prostaram-se diante dos reais
assentos e logo começaram a dançar e a cantar uma música africana” (POHL apud SANTOS, 2006:
102). Mais que isto, posso perceber na reação de alguns destes viajantes desdobramentos das relações
de poder vigentes na sociedade:
7 de junho. – segunda feira. – Hoje de manhã houve musica e bulha semelhante á de hontem.
[...] A missa cantada começou [...] e quando a missa se acabou ás 2 horas, tomei novo animo,
e pensei que ia respirar ar livre no meio do adro: qual foi porém o meu desgosto, quando o
Padre Vigario descendo do altar me disse que agora faltava a festa mais bonita, a dança de
N. S. A alma cahio-me aos pés com a noticia recebida: não tive remédio, resignei-me a ir ver
no adro a dança que desde já me inquietava. Novo engano: o Padre Vigario, paramentado de
capa, subio para a sua cadeira presbiteral, e eu ouvi huma grande gritaria: – arreda, arreda,
lugar, lugar! – A esse tempo sentirão se vozes de homens cantando fóra da igreja, e huma
grande bulha de pandeiros, cabaças com pedrinhas, e páos dentados Os cantores entrárão na
igreja (erão os mesmos que tinhão corrido as ruas) e no corpo do templo, tendo chapéos nas
cabeças, rompêrão desentoada berraria, a que chamavão canticos de louvores a N. S. Eu
estive na maior inquietação observando tanta indecência, tanta profanação, tanto estrondo de
pandeiros e cabaças, e tanta alegria e contentamento no Vigario, nas quatro Magestades, e no
povo em geral. Não tive remedio senão ouvir canticos fóra de propósito, e decorei hum delles
que mostra a incomparavel habilidade do seu autor.
“Quem he aquella Senhora que está na sua charola? He a Senhora do Rozario qire vai para a
gloria!” (MATTOS, 1836: 243-244, itálico nosso).
Posso optar por um modelo de explicação que privilegie rupturas ou continuidades, a busca
por aprender com aquilo que se preserva igual até o presente ou enfatizando o que se modificou.
Tenho optado quase sempre pelo primeiro. Remetendo aos referenciais teóricos acerca da memória,
compreendo as práticas do presente enquanto resultado de amálgamas de passados, ainda que os
sujeitos que as praticam desconheçam todas estas camadas ou as recriem livremente de acordo com
suas interpretações, o que não deixa de constituir novos estratos na composição destas práticas
musicais “sedimentares” (SOARES, 2009). Exemplo disto são as Folias do Divino, gênero de música
religiosa vocal em língua vernácula que parece guardar profunda relação com os villancicos ibéricos.
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Sua história remete à Idade Média, ao monge Joaquim de Fiore e sua escatologia da história da
Criação em três eras (DUARTE, CASTAGNA, 2016). Conhecer tal história permite compreender
determinados elementos rituais, tais como a coroa, o cetro e os banquetes festivos, o chamado bodo
do Divino. Conhecer as rotas de imigração dos açorianos para o Brasil ou o tratamento dado pela 63
Igreja Católica a esta manifestação ao longo da história – a proibição aos gêneros musicais religiosos
em vernáculo como o Nöel, no século XVIII, ou o fato de uma folia ter sido empregada como intróito
de uma missa de Pentecostes em Minas Gerais no século XIX, por exemplo – nos permite
compreender a dispersão geográfica da manifestação ou sua sobrevivência, principalmente nos
interiores, afastada do rígido controle eclesiástico inerente à Romanização (DUARTE, 2016b). Ainda
sobre este tipo de controle normativo religioso, exemplificaria com a reza cantada de encomendação
ou recomendação das almas, que se transmite oralmente em Minas Gerais (EUFRÁSIO, ROCHA,
DUARTE, 2017), no Pará e em outros estados, mas que já se transmitiu de maneira escrita, conforme
atestam documentos musicográficos manuscritos recolhidos a acervos de corporações musicais
mineiras. Algumas delas, aliás, ainda preservam tal repertório nas práticas musicais e religiosa da
Semana Santa. Neste caso, chega a ser possível questionar uma eventual supressão das
Encomendações de um calendário “oficial” das paraliturgias quaresmais por força da Romanização,
sobretudo a partir do último quartel do século XIX. O presente não raro se revela, portanto,
complementar ao passado, e permite um duplo caminho de abordagem: olhar para o passado a partir
do que se conhece do presente e compreender o presente a partir das distintas camadas acumuladas
do passado.
Para conhecer o passado, procuro sempre ter em mente algumas limitações dos documentos,
sejam eles textuais ou musicográficos. A primeira limitação diz respeito ao conteúdo: uma fonte
musicográfica preconiza elementos musicais, sonoros, e não é seu objetivo primário oferecer
informações detalhadas que caracterizem a prática musical de uma época25. Assim, outras fontes são
requeridas a fim de buscar compreender o repertório no plano das práticas: livros de tombo e de
fábrica de igrejas, atas, jornais, livros e outras. Neste sentido, as narrativas se revelam ricas fontes,
complementares à documentação ou até mesmo questionadoras desta. Cito como exemplo o livro
Instituto Estadual Carlos Gomes: 120 anos de história (BARROS, VIEIRA, 2015), no qual narrativas
de diversos entrevistados figuram ao lado de documentos na reconstituição da história deste instituto.
É possível citar também o interessante trabalho de etnografia do arquivo pessoal de Darcy Ribeiro
realizado por Luciana Heymann (2013) junto às secretárias de Ribeiro, que revelou uma projeção de
identidade de que a autora não supunha ali haver, pois julgava se tratar apenas de um “retrato” do
25
Algumas exceções são, entretanto, percebidas, tais como os nomes de copistas e intérpretes, além de anotações destes
nas partituras, mas que não se destinam propriamente à execução musical.
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Apesar de ter os acervos musicais como ponto de partida para minhas investigações,
questiono a perspectiva da imparcialidade dos documentos, defendida por alguns teóricos da
Arquivística, segundo a qual a funcionalidade do documento no contexto das atividades da entidade
que o produz garantiria sua imparcialidade (DURANTI, 1994: 51-52). Seria este o caso dos
documentos produzidos pelo Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de
Defesa Interna (DOI-CODI) ou pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) acerca das
torturas? Teria sido o processo de dominação europeia da Amazônia tão consensual quanto as
crônicas jesuíticas fazem parecer? Penso que a resposta é negativa nos dois casos. Assim, busco tentar
compreender os interesses envolvidos no contexto produção destes documentos, os lugares de fala
dos sujeitos que o produziram, aproximando-me da noção de documento-monumento de Jacques Le
Goff (1990).
Conhecer a história ou a música que se transmite pela via da oralidade me parece então um
caminho fundamental para a compreensão do ponto de vista da história de diversos atores sociais
cujos antepassados não se beneficiaram da escrita para a preservação de suas memórias,
especialmente os ameríndios e africanos. Além da oralidade, destacaria os vestígios de cultura
material e a iconografia. Relembro, desta maneira, que o rol das fontes para o estudo da Música é
muito mais abrangente do que a categoria dos documentos, pois envolve icongorafia, instrumentos
musicais, documentos textuais e musicográficos de diversas categorias, mas também memórias
individuais ou coletivas expressas através de narrativas. Em suma, envolve também pessoas (GÓMEZ
GONZÁLEZ et al., 2008).
Busco preservar a memória de algumas destas pessoas, que organizaram grandes acervos
musicais e produziram parte do conhecimento sobre o qual se apóiam minhas pesquisas. Não perco
de vista o relevante trabalho de Francisco Curt Lange (1903-1997), Cleofe Person de Mattos (1913-
2002), dos padres João Mohana (1925-1995), Jaime Diniz (1924-1989) e José Penalva (1924-2002),
de Vicente Salles (1931-2013) e outros tantos que dedicaram parte de suas vidas para que o passado
musical brasileiro se tornasse conhecido, não somente a partir de cânones historiográficos, mas das
práticas musicais reveladas por meio dos documentos, dando voz a estas testemunhas silenciosas do
passado. Se retornasse ainda mais no tempo, encontraria o “elo perdido”, aqueles que chamaria de os
primeiros (etno)musicólogos (COOK, 2006) empíricos: viajantes, missionários e outros sujeitos cujas
narrativas documentadas em relatos e crônicas nos permitem tentar compreender hoje práticas
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musicais temporalmente muito remotas. Citaria, a título de exemplo, as obras dos jesuítas Antônio
Vieira (1608-1697) e João Filipe Bettendorff (1625-1698), no caso do Maranhão e Grão-Pará. Fazer
Musicologia Histórica e Etnomusicologia pressupõe um diálogo com esta ancestralidade comum.
Aliás, fazer ciência pressupõe um diálogo com o passado. Seja a partir de uma perspectiva 65
pois acredito que tal conhecimento possa alargar nossa compreensão acerca de fenômenos musicais
atuais numa extensão territorial que ultrapassa a capital paraense, já que parte da comunidade
serafadita imigrou de Mazagão (Marrocos) ainda no século XVIII, por ordem do Marquês de Pombal,
a fim de colonizar o Pará. 66
Referências:
BARROS, Líliam; VIEIRA, Lia Braga. (Org.). Instituto Estadual Carlos Gomes: 120 anos de história.
Belém: Programa de Pós-Graduação em Artes da UFPA, 2015.
26
“Foi em 1963 que o historiador da música Claude Palisca profetizou, em um simpósio amplamente disseminado sobre
o futuro da disciplina, que o seguinte grande desenvolvimento seria (segundo ele mesmo o diria posteriormente) ‘a
aplicação do método etnomusicológico em estudos históricos da música ocidental, isto é, como funciona a música em
todos os níveis da cultura’ (Holoman e Palisca 1982: 12). Nos quarenta anos seguintes, sua profecia confirmou-se
consideravelmente.” (COOK, 2006: 7).
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COOK, Nicholas. Agora Somos Todos (Etno)Musicólogos. Ictus, Salvador, p.7-32, 2006. Disponível
em: <http://www.ictus.ufba.br/index.php/ictus/issue/view/8/showToc>. Acesso em: 25 nov. 2016.
CUNHA, Keila Souza Fernandes da. Música e migração: A canção “Lecha Dodi” e sua
representatividade no Shabat Judaico. In: ENABET - ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE ETNOMUSICOLOGIA, 6., 2013, João Pessoa. Anais... João Pessoa: UFPB, 2013.
p. 263-269.
DUARTE, Fernando Lacerda Simões. A música religiosa de João Valente do Couto em fontes
recolhidas ao Acervo Vicente Salles, da Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará:
memórias, esquecimentos e possibilidades de estudo. In: ENCONTRO DE MUSICOLOGIA
HISTÓRICA DO CAMPO DAS VERTENTES, 1., 2017, São João Del Rei. Anais... [no prelo]. São
João Del Rei: UFSJ, 2017a.
______. José Maria Rocha Ferreira e os impactos do Concílio Vaticano II: funcionalidade, adaptação
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Belo Horizonte: ANPPOM, 2016a. Disponível em:
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IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
70
COMUNICAÇÕES ORAIS
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
71
SESSÃO 01
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
Resumo: O presente artigo é um recorte da pesquisa apresentada como requisito para obtenção do
diploma de Graduação em Música pela Universidade Federal do Pará e apresenta uma breve análise das
principais características da Indústria Cultural no meio artístico musical, especificamente na produção
musical da sociedade cristã do século XXI, considerando a ascensão do mercado fonográfico cristão e
a criação do segmento Música Cristã Contemporânea, diferenciado de outros gêneros do mercado
musical apenas pelo conteúdo poético. Atualmente alguns desses gêneros ainda são de certa forma
evitados no meio musical cristão, no entanto, a maioria deles estão completamente internalizados nas
instituições religiosas, sendo parte dos estudos teológicos e litúrgicos sobre o assunto. Trata-se de uma
pesquisa bibliográfica baseada em autores como Theodor W. Adorno, Michael Gungor e outros, e teve
como objetivo contribuir para a discussão de uma nova concepção sobre o relacionamento que as
tecnicidades concedem ao músico cristão do último século, observando aspectos musicais e poéticos
atípicos na construção musical do duo estadunidense Gungor em sua obra One Wild Life – Soul, Spirit,
Body. O duo Gungor caracteriza-se pela utilização de diferentes formas musicais em sua obra mais
recente, evidenciando a multiculturalidade, uso de instrumentos naturais e eletrônicos, bem como
escalas e instrumentos de origem oriental e escrita poética religiosa abstrata, sugerindo que o seu objeto
artístico musical não perca em fatores como singularidade, autenticidade e valor de culto, considerando
ampla possibilidade de expressão criativa na sua utilização recursos tecnológicos e expressando suas
crenças como todo trabalho humano.
The Christian Artist and the Cultural Industry: musical and poetic aspects of the duo Gungor
Abstract: This article is a review of the research presented as a requirement to obtain a degree in Music
at the Federal University of Pará and presents a brief analysis of the main characteristics of the Cultural
Industry in the musical artistic environment, specifically in the musical production of 21st century
Christian society , considering the rise of the Christian music market and the creation of the segment
Contemporary Christian Music, differentiated from other musical genres only by the lyrical content.
Currently some of these genres are still somewhat avoided in the Christian musical medium, however,
most of them are completely internalized in religious institutions, being part of theological and liturgical
studies on the subject. It is a bibliographical research based on authors like Theodor W. Adorno, Michael
Gungor and others, and had as objective to contribute to the discussion of a new conception about the
relationship that technicities grant to the Christian musician of the last century, observing musical
aspects and atypical poetics in the musical construction of the American duo Gungor in his work One
Wild Life - Soul, Spirit, Body. The duo Gungor is characterized by the use of different musical forms
in his most recent work, evidencing the multiculturality, the use of natural and electronic instruments,
as well as scales and instruments of Eastern origin and abstract religious poetic writing, suggesting that
his artistic musical object do not lose in factors such as uniqueness, authenticity and value of worship,
considering the possibility of creative expression if using technological resources and expressing their
beliefs like all human work.
Keywords: Christian Artist. Cultural Industry. Gungor.
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
1. Introdução
Quanto à música cristã, a oferta de diferentes ritmos com esse selo – indo do funk
cristão ao rock cristão, de maneira a produzir misturas muitas vezes sui generis – cria
a falsa impressão de que a padronização não existe. No entanto, na medida em que a
lógica da indústria cultural foi invadindo o terreno das religiões, houve o
desaparecimento de uma estética “cristã” em favor de uma estética que agradasse o
público – qualquer tipo de público. (LOUREIRO et al., 2015, p. 13)
pode-se inferir que se por um lado a lógica capitalista tem interferido e redefinido as 75
relações entre os atores sociais no meio musical evangélico, por outro, as concepções
e os valores dessa vertente religiosa têm indigenizado a indústria fonográfica nacional.
(DE PAULA, 2012, p. 155)
3. Gungor
questionamentos como tema para criar. Entre os resultados dos novos trabalhos receberam
muitas críticas conservadoras incomodadas com sua forma de questionar e expressar a
ortodoxia.
Talvez artistas em uma cultura sejam como profetas na antiga Israel, chamando a
sociedade a arrepender-se e reimaginar-se. Artistas gostam de pontos de interrogação,
gostam da dúvida encarnada na fé de uma cultura - mantendo essa cultura fluida e
crescente. Toda grande conquista humana ou progresso cultural vem de pessoas
saindo dos caminhos tradicionais e esperados. A música que muitos de nós amamos
hoje nunca teria sido criada se compositores como Beethoven ou Wagner não
quebrassem as regras que tinham sido estabelecidas para eles. É assim que a inovação
funciona. (GUNGOR, 2012, tradução nossa)
O ouvinte médio não gosta de uma música por causa do esquema complexo de rima
ou matemática interessante que está por trás das harmonias. Ele gosta por causa das
emoções que se agitam dentro dele. Mas se nunca nos afastamos e nos perguntarmos
porquê algo nos faz sentir da maneira que nos faz sentir, estamos tropeçando no
escuro. Muitos artistas tornam-se prisioneiros de suas próprias emoções e instintos,
cegos ao que os está influenciando. Sem um certo nível de autoconsciência e
consciência cultural, os artistas podem facilmente tornar-se artisticamente
aprisionados como meros produtos de seu ambiente [...]. (GUNGOR, 2012, tradução
nossa)
A trilogia One Wild Life, em português Uma Vida Selvagem, foi lançada em três álbuns
intitulados pelas esferas do conceito da tricotomia humana segundo o cristianismo: alma,
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
espírito e corpo. Os três CD’s lançados em momentos diferentes exploram o que é ser humano
com uma mente, memórias, emoções e experiências.
Os álbuns são interconectados, consequência típica de um trabalho conceitual, isso
acontece tanto textual quanto musicalmente falando, e as canções abordam em sua poesia a 77
contemplação da natureza como criação de Deus, o amor entre os seres humanos e críticas
sociais e religiosas. Traçaremos a seguir o que nos chama a atenção na abordagem musical e
poética, nas músicas Am I, do álbum Soul; Body & Blood, do álbum Spirit; Tree, do álbum
Body, e apontaremos os principais aspectos que evidenciam o distanciamento que o duo Gungor
apresenta diante do cenário da indústria musical internacional.
Am I, do álbum Soul, é uma faixa que tem sua melodia construída na escala de dó
sustenido mixolídio executada por apenas uma voz nas primeiras estrofes, aparecendo uma voz
feminina apenas na última, essa melodia é sustentada por uma nota pedal emitida pelo
harmônio, instrumento de teclas com palhetas de cobre e um alimentador externo que enche de
ar um fole interno, muito utilizado no oriente médio e na música indiana, por exemplo. Nesta
canção há uso de sintetizadores ao fundo e também de instrumentos de corda beliscada, a
música apresenta um compasso quinário, que se desenvolve em ciclos harmônicos, não comuns
à música ocidental.
Body & Blood do álbum Spirit tem um canto que nos remete a um lamento, é um
improviso vocal construído sobre um centro tonal de mi maior, apresenta cordas e
sintetizadores, alguns elementos percussivos orgânicos europeus que misturam-se a uma
percussão eletrônica em compasso binário, com exceção do elemento eletrônico, esses são
elementos característicos das canções dançantes dos judeus asquenazes, oriundos da europa
oriental. A instrumentação também é marcada por violões com características musicais
espanholas, aonde é acrescido ao mi maior, a 6ª e 9ª menores (dó e fá natural).
Por último, na canção Tree, do álbum Body, o motivo musical é apresentado logo no
início, é um tema simples feito por um violão, executando o intervalo de mi a dó ascendente,
notas do arpejo de lá menor. Esse tema, que permanece por toda a música, vai sendo encoberto
por outros elementos sobrepostos em camadas pelas cordas, vocais e percussão. Sua harmonia
basicamente usa este campo harmônico em movimento descendente Am / G / F / E que é quando
a harmonia se movimenta, quando não, é toda construída sobre arpejos usando o acorde de
tônica e subdominante da tonalidade.
Dentre as três canções apresentadas, as duas últimas não se encaixam com ao padrão
americano devido a ausência de refrão, isso representa uma quebra onde “Na prática americana
que normatiza a produção global, a regra básica é a de que o refrão deve consistir 32 compassos,
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
com uma bridge, isto é, uma parte introduzida no meio com vistas à repetição”. (ADORNO,
2011, p. 92)
Em sua obra literária The Crowd, the Critic, and the Muse, Michael Gungor relata mais
profundamente sobre sua experiência como um artista cristão e sua relação com a Indústria 78
Considere a música do Oriente Médio. [...] As frequências das notas nas escalas
orientais são mais próximas entre si, que é o porquê de frequentemente ouvirmos essa
dissonância, um efeito estrondoso na música oriental. Para alguns de vocês, tudo isso
pode soar como um jargão musical entediante, mas a teoria musical é, na verdade,
muito interessante quando confrontada com as realidades políticas e sociais do Oriente
Médio. Eu penso que seria justo dizer que essa região do mundo passou por muita
tensão e conflito. Afinal, é o berço das três grandes religiões monoteístas do mundo:
o judaísmo, o islamismo e o cristianismo. É a região da "Terra Santa" que as pessoas
têm lutado durante milênios. [...] Em poucas palavras, a cultura é dissonante. [...]
Ouvir a música do Oriente Médio é ouvir a alma do Oriente Médio ". (GUNGOR,
2012, tradução nossa)
A partir das considerações do compositor em seu relato, percebe-se que o duo Gungor
promove uma pluralidade cultural musical que não é ou não deveria ser estranha ao ouvido
ocidental, pelo contrário, é na verdade harmônica, entendendo que a raiz do cristianismo é de
natureza oriental.
4. Considerações Finais
A música produzida pelo duo Gungor exige percepção estética e escuta atenciosa para
identificar influências, escalas e instrumentos não característicos da cultura ocidental e de
outros períodos históricos, bem como a união desses elementos como o uso de instrumentos
atuais, colocando o artista cristão numa ampla possibilidade criativa se utilizando desses 79
recursos, expressando suas crenças como todo trabalho humano, tirando o artista cristão de uma
esfera de separação artística por uma percepção estritamente poética, porém sem desconsiderá-
la, mas tendo sua relevância também pelo seu aspecto artístico musical e não limitando a uma
segmentação oriunda e imposta pela indústria do último século.
Referências
CUNHA, Magali do Nascimento. Vinho novo em odres velhos. Um olhar comunicacional sobre
a explosão gospel no cenário religioso evangélico no Brasil. 2004. Tese (Doutorado em
Comunicação) - Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004.
doi:10.11606/T.27.2004.tde-29062007-153429. Acesso em: 30 out. 2016.
GUNGOR, Michael. The crowd, the critic, and the muse: a book for creators. Denver:
Woodsley Press, 2012.
LOUREIRO, Karen. et al. Religião Para as Massas: a música religiosa como produto da
indústria cultural. Trabalho apresentado no XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da
Comunicação, Rio de Janeiro, 2015. Disponível em: <http://portalinterco-
m.org.br/anais/nacional2015/resumos/R10-1292-1.pdf>. Acesso em: 11 set. 2016.
ONE Wild Life: Body. Michael Gungor e Lisa Gungor (Compositor).Colorado: Hither & Yon
Records, 2016. Compact Disc.
ONE Wild Life: Soul. Michael Gungor e Lisa Gungor (Compositor). Colorado: Hither & Yon
Records, 2015. Compact Disc.
ONE Wild Life: Spirit. Michael Gungor e Lisa Gungor (Compositor). Colorado: Hither & Yon
Records, 2016. Compact Disc.
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
Abstract: This article aimed to analyze some aspects intrinsic to the practice of capoeira, insofar as
some of its characteristics can glimpse the capoeira wheel as a space that promotes multiplicity of
knowledge, playfulness, interdisciplinarities and musical practices. What is capoeira wheel? What
characteristics can be observed in the capoeira wheel and the importance of music in the practice of
capoeira? How can we glimpse the capoeira wheel as a space of multiplicity of knowledge? The research
was bibliographical where the internet was a fundamental tool and also had a semi - structured interview
with one of the main masters of capoeira in the State of Pará, Antônio Bezerra dos Santos, Mestre
Bezerra. The survey covered remote times of colonial Brazil and 2017, the year of the interview with
master Bezerra. It was concluded that the capoeira wheel is an interdisciplinary space of practice and
transmission of multiple educational, social, sports and musical knowledge.
Keywords: Capoeira wheel, Music, Multiplicity of knowledge.
1. Introdução
semiestruturada com Mestre Bezerra, um dos principais mestres de capoeira em Belém do Pará
e no Brasil.
O período de abrangência da investigação compreendeu tempos do Brasil colonial e o
ano de 2017 e devido a complexidade do assunto, delimitou-se traçar uma síntese da trajetória 82
da capoeira e refletir a respeito das características da roda de capoeira quanto espaço promotor
de transmissão de saberes.
O trabalho foi organizado em três seções. Na primeira tracei um breve panorama das
fases da capoeira no Brasil e elucidei onde se dá sua prática: a roda de capoeira. Na segunda
mostro algumas características peculiares da roda de capoeira e a importância da música na
prática da capoeira. Na quarta e última seção faço abordagens a respeito da roda de capoeira
como um espaço de troca de saberes e de prática musical.
O trabalho conta ainda com considerações finais, onde sugiro reflexões em torno dos
resultados desta pesquisa.
Pode-se perceber a influência africana na origem da capoeira, porém, esta não pode
ser considerada exclusiva, pois
Foi neste período de nossa história, praticada por escravos como uma forma de luta de
resistência, que a capoeira teve sua primeira fase.
A segunda fase da capoeira tem inicio no Brasil Republicano. A capoeira assume outro
papel diante da sociedade: a clandestinidade. Neste período a prática da capoeira foi fortemente 83
Antônio Bezerra dos Santos, mais conhecido como Mestre Bezerra, nascido em
Coroatá – Maranhão em vinte de junho de 1944, relata que
A capoeira era proibida no Brasil, então eles (os capoeiras) iam treinar capoeira, e lá,
é... Cuidado com a cavalaria. Havia um pessoal que ajudava eles, que gostava e lá ele
tinha um berimbau, era um vendedor ali na feira, ele tinha um berimbau perto da roda.
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Podemos observar que as primeiras fases da capoeira foram marcadas por muita luta e
resistência e desta forma a capoeira cresceu. Nos anos seguintes a luta continuou, porém, foram 84
marcados por grandes conquistas. Inicia a terceira fase da capoeira no Brasil: a capoeira
libertadora.
No dia 15 de julho de 2008, O IPHAN – Instituto de Patrimônio Histórico, Artístico e
Nacional – reconhece a capoeira como patrimônio imaterial brasileiro. Segundo Silveira et all
(2014, p.4) dessa forma o presidente do IPHAN anunciou a inclusão do ofício dos mestres da
capoeira no Livro dos Saberes, e da roda de capoeira no Livro das Formas de Expressão.
A ilustração a seguir de Moritz Rugendas datada de 1835. Esta pintura mostra escravos
jogando ou dançando capoeira e detalhe para o instrumento musical de percussão semelhante a
um curimbó.
Figura 1: Jogar Capoëira ou Danse de la Guerre, de Moritz Rugendas, 1835. Fonte: (RIBEIRO, 2015, p.26).
27
Todas as citações de Mestre Bezerra utilizadas nesse artigo são trechos da entrevista realizada com o Mestre em
quatro de julho de 2017.
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Belém – 2017
Uma definição geral da música deve incluir tanto sons quanto seres humanos. Música
é um sistema de comunicação que envolve sons estruturados produzidos por membros
de uma comunidade que se comunicam com outros membros.
Podemos entender que a roda de capoeira é o espaço nato para a prática da luta e 85
preservação da cultura, onde um grupo de pessoas promove vários níveis de transmissão de
saberes, vivências e de práticas musicais.
A música nem sempre esteve presente na capoeira, porém, vários instrumentos foram
incorporados na contemporaneidade, os utilizados são: berimbau, caxixi, pandeiro, agogô e
atabaque.
Segundo Ribeiro (2015, p.33) “o canto não esteve presente na capoeira desde suas
origens. De acordo com Bancardi (2006), somente a partir das décadas de 1930 e 1940 esse
elemento vai se incorporar de maneira fundamental nas rodas”. E que
86
Neste sentido, podemos entender que a prática musical assume papel fundamental nas
rodas de capoeira. É neste ambiente de jogo, luta, disciplina e dança que uma atividade musical
intensa se inicia gerando diversas transmissões de múltiplos saberes educacionais formais e não
formais e de cultura. A roda de capoeira é o ato máximo dessas experiências e vivências.
Vale destacar que
.E ainda que
A música comanda o ritmo, você joga na minha roda de capoeira e eu acho que você
está muito empolgado. Você tá visitando, aí eu canto a música: quebra jereba, quebra
jereba, se quebrar tudo hoje amanhã nada quebra. Quebra jereba, quebra jereba, se 87
quebrar tudo hoje amanhã nada quebra. Aí é a hora que o jogo vai ser firme. E aí você
tá jogando, o cara te dá uma rasteira e tu cai. Aí diz assim: Mas o facão bateu embaixo,
bananeira caiu, cai, cai bananeira. Então tá regendo toda a roda de capoeira, as
músicas. E você joga sem a música, mas com a música você se inspira.
Podemos verificar simultaneidade nos fatos que regem a roda da capoeira. A música
conduz a roda e a roda, na medida em que o jogo evolui, conduz a música. Esta ludicidade e
improvisação dos indivíduos dá sentido à roda e à música.
Neste sentido é importante destacar que para Blacking (2007, p.201),
Este livro mencionado por Bezerra faz parte do acervo pessoal de Mestre Fernando. A
seguir a foto da capa do livro manda por seu filho, Bruno Rabelo, músico profissional e
pesquisador na cidade de Belém do Pará.
Figura 3: A Percussão dos Ritmos Brasileiros: sua técnica e sua escrita. O berimbau. Fonte: Bruno Rabelo.
Nos dias de hoje é possível encontrar grades de partituras completas, ou seja, com
todos os instrumentos utilizados na roda de capoeira.
Considerações finais
Neste trabalho foi possível verificar uma síntese da trajetória da capoeira no Brasil, da
sua possível origem no período colonial até os dias de hoje quanto patrimônio imaterial
brasileiro. Foi possível também compreender melhor como a roda de capoeira se consolidou
como o local destinado à prática de uma arte, luta genuinamente brasileira.
Verificou-se que a música nem sempre esteve presente na prática da capoeira, porém,
ao longo dos anos, passou a ser ferramenta fundamental nas rodas e que muitos instrumentos
musicais foram adicionados a esta manifestação cultural além do canto.
28Mestre Fernando, co-fundador da Federação Paraense de Capoeira juntamente com Mestre Bezerra
e outros em 1995.
IV Jornada de Etnomusicologia
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Conclui-se que a roda de capoeira além de ser o local típico destinado à prática da
capoeira, consolidou-se como um espaço de multiplicidades de saberes e de intensa atividade
cultural e musical, de trocas mútuas de conhecimento, vivências e experiências que
transcendem a própria luta. Neste sentido, a capoeira torna-se um ambiente interdisciplinar de 89
Referências:
BLACKING, John. Música, cultura e experiência. Cadernos de campo, vol. 16, n. 16, São
Paulo, 2007.
DE ARAÚJO E JAQUEIRA, Paulo Coelho e Ana Rosa Fachardo. A luta da capoeira: reflexões
a cerca de sua origem. Revista Brasileira de Ciências da Saúde, ano III, nº 9, jul/set 2006.
Coimbra – Portugal.
PINHEIRO LEAL, Luiz Augusto. Capoeira, boi-bumbá e política no Pará republicano (1889-
1906). Afro-Ásia, num. 32, 2005, pp. 241-269. Universidade Federal da Bahia. Bahia – Brasil.
SEEGER, Anthony. Etnografia da música. Cadernos de campo, vol. 17, n. 17, São Paulo,
2008.
TEIXEIRA, OSBORNE e SOUZA, Francisco Fonseca, Renata, Eliane Glória Reis da Silva. A
Prática Do Ensino Da Capoeira Nas Escolas: Perfil E Visão Do Capoeirista. Corpus et
Scientia, Rio de Janeiro v. 8, n. 2, p. 1-15, out. 2012.
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Tainá Façanha
LabEtno – UFPA/CNPq
Resumo: Neste artigo, discorremos sobre uma pesquisa em andamento que tem como principal objetivo
compreender qual a importância do músico Álvaro Ribeiro para a cena da música instrumental popular
paraense, ainda visa construir com a construção de um banco de memória sobre o pianista que foi atuante
em Belém-Pa entre as décadas de 1960 e 1990. Esta pesquisa emerge das ações de um projeto de
pesquisa intitulado “A formação Trio piano, contrabaixo e bateria no jazz e na música instrumental
brasileira”, que é desenvolvido na Escola de Música da Universidade Federal do Pará – EMUFPA. Para
tanto foi exposto nesse artigo, as notas introdutórias sobre o projeto, fundamentação metodológica –
construída por meio da história oral (MEIHY e RIBEIRO, 2011) e (MEIHY E HOLANDA, 2014) e,
assim como, algumas impressões iniciais da pesquisa.
Palavras-chave: Álvaro Ribeiro. Música Popular instrumental paraense. Trio base de Jazz.
Narratives about "Alvarices": the trajectory of Álvaro Ribeiro in popular instrumental music
from Pará
Abstract: In this article, we discuss an ongoing research that has as main objective to understand the
importance of the musician Álvaro Ribeiro to the scene of popular instrumental music from Paraense,
still aims to build with the construction of a memory bank about the pianist who was active in Belém
This research emerges from the actions of a research project titled "Trio piano training, bass and drums
in jazz and Brazilian instrumental music", which is developed in the School of Music of the Federal
University of Pará - EMUFPA. For this, the introductory notes on the project, methodological
foundation - constructed through oral history (MEIHY and RIBEIRO, 2011) and MEIHY AND
HOLLAND, 2014 - were presented, as well as some initial impressions of the research.
Keywords: Álvaro Ribeiro. Popular instrumental music for Pará. three jazz basic.
1. Introdução
Neste artigo, discorremos sobre uma pesquisa em andamento que tem como principal
objetivo compreender qual a importância do músico Álvaro Ribeiro para a cena da música
instrumental popular paraense, especialmente nas últimas décadas do século XX. Como parte
integrante da pesquisa está a elaboração de um banco de memória29 sobre o pianista, que foi
atuante em Belém-PA entre as décadas de 1960 e 1990. Esta pesquisa emerge das ações de um
projeto de pesquisa intitulado “A formação Trio piano, contrabaixo e bateria no jazz e na música
29
Ver MEIHY e RIBEIRO, 2011.
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
30
Nesta pesquisa adotamos esta nomenclatura, para nos referir a uma formação instrumental que adquiriu
significativa importância na história do jazz, notabilizando-se em grupos como Oscar Peterson Trio, Hank Jones
Trio e Bill Evans Trio. Berendt e Huesmann (2015, p. 338) apontam as origens do “gênero” para os anos 1920. O
formato foi intensamente marcado pelas inovações estilísticas do Bill Evans Trio, no período conhecido como Post
hardbop, no final de década de 1950, especialmente no que se refere à interação entre os instrumentistas (WILNER,
1995, p. 1).
31
O formato piano-contrabaixo-bateria tornou-se bastante popular no Brasil no contexto do florescimento de
grupos instrumentais bossanovistas após a década de 1960 (Machado, p. 127). Grupos como Tamba Trio, Milton
Banana Trio, Zimbo Trio entre dezenas de outros, ainda naquela década, “remodelaram o sentido instrumental da
bossa nova” (id. 128), que, outrora, trazia como traço marcante a presença do violão. Conforme relato de músicos
paraenses entrevistados nesta pesquisa, Belém recebeu grande influência do que acontecia musicalmente nos
centros culturais do sudeste, nesse período. Isto se refletiu na formação de trios. É válido considerar também que,
naquele tempo, havia na cidade mais espaços – muitas vezes equipados com pianos acústicos - que favoreciam a
execução do tipo de repertório tocado pelos trios, como clubes sociais, hotéis e rádios. Conforme aponta o próprio
Álvaro Ribeiro, em entrevista concedida ao jorna O Liberal (1991), o advento da música mecânica e as altas taxas
cobradas pelo ECAD, contribuíram para a desativação de muitos grupos instrumentais.
32
Até então, podemos destacar a de Donza (2007).
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
jazz desenvolto, impressionando músicos locais e artistas que vinham à cidade, de passagem.
“Sua paixão era tal que ele declarava, para explicar suas apresentações: ‘Acrescento um toque
de jazz a tudo que faço’”(id., p. 331). Com grande conhecimento de harmonia moderna e
domínio técnico ao piano, Álvaro influenciou muitos artistas mais jovens, como Paulo André 92
Em 1963 estava de novo em Belém e formou um trio, com Xaxado no baixo e Ary na
bateria, para tocar em clubes sociais. Gostava dessa formação tradicional, mas fazia
do improviso a sua grande arma para agradar o público. Foi pianista acompanhador
de muitos artistas locais, como Fafá de Belém, 1972 a 1975; Ana Cristina, 1980; Leila
Pinheiro, 1982; Eleni, 1982; Lucinha Bastos e Iranilde Russo, 1984 etc. Deixou
algumas composições gravadas, entre outras, Atirando (1989), com Juista Kzan
(baixo) e Sagica (bateria). (SALLES, 2016, p. 490)
Metodologia da pesquisa
Como descrito nas notas introdutórias deste artigo, a pouca documentação que se
apresenta para fazer a investigação que nos propomos não é suficiente para alcançar o objetivo 93
aqui almejado. Dessa forma, optamos por realizar entrevistas com músicos que conviveram e
tocaram com Álvaro Ribeiro. Compreender a importância desse músico na cena musical
paraense é adentrar em lembranças daqueles que compartilharam momentos singulares. Assim,
esta pesquisa está sendo desenvolvida tendo a história oral como ferramenta de suporte. Meihy
e Holanda (2014, p. 63) destaca que:
A história oral se configura como uma série de procedimentos que se iniciam com a
definição do grupo a ser entrevistado, por meio de um projeto que estipula um objetivo a ser
alcançado. Importante enfatizar que a entrevista é apenas um dos procedimentos que compõem
uma pesquisa em história oral. (MEIHY e RIBEIRO, 2012)
Deve-se destacar aqui que, essencialmente, uma pesquisa em história oral se
desenvolve em duas fases prioritárias e uma que é definida de acordo com o projeto elaborado.
A primeira fase consiste na gravação da entrevista com o grupo selecionado. A realização da
entrevista deve ser cautelosa e cuidadosa para que a captação das informações necessárias seja
alcançada conforme o planejado. Assim, é de grande valor para o desenvolvimento dos
trabalhos a escolha do local, a linguagem usada e a postura do entrevistador durante a entrevista.
Sendo assim:
O segundo passo consiste na passagem do oral para o escrito seguidos das fases da
transcrição, textualização, transcriação e, por fim, a autorização para divulgação do conteúdo
por parte dos entrevistados. Façanha (2016, p. 318-319) descreve como
94
I Transcrição: Fase que se configura em escrever, na íntegra, a entrevista. Todos
detalhes serão levados em consideração, dos barulhos no ambiente aos risos e falas
emocionadas.
II Textualização: retirada das perguntas, correção dos erros gramaticais, retirados
ruidos descritos na transcrição e organização da narrativa por temas. (MEIHY e
HOLANDA, 2014, p. 142)
III Transcriação: se constitui no texto “apresentado em sua versão final e depois de
autorizado [pelo colaborador] deve compor a série de outras entrevistas do mesmo
projeto” (idem, p. 143). A escrita é construída como uma narrativa na qual as ideias
fluem para a melhor compreensão do leitor.
A pesquisa pode ter como fim apenas a formulação de um banco de memórias que
servirá para futuras análises, ou como finalidade a análise de algum objetivo proposto
inicialmente no projeto. Ressalta-se que, mesmo em pesquisas que o fim seja uma análise, a
formação do banco de memórias é consequência e que esse possibilita sempre novas análises
do conteúdo que abarca o banco de memórias.
Nessa pesquisa, o foco principal é análise desse conteúdo, buscando entender a
importância do músico para construção de uma cena musical em Belém do Pará, entretanto o
banco de memórias consiste como fundamental resultado da pesquisa realizada, principalmente
tendo em vista a escassez de informações relevantes sobre Álvaro Ribeiro.
possuía algumas outras características que o diferenciavam dos demais pianistas atuantes em
Belém na sua época, como a forma de tocar acordes com vozes bastante aproximadas, a qual
foi denominada por Bererê como “piano algemado”. O baterista destaca também que “(...) os
outros procuravam tocar muito próximos da linguagem do disco, no caso dele não! (...) ele até 95
fazia a introdução da música original, mas os acordes já vinham todos tortos, (...) tronchos
(risos), ele não dava a tônica de jeito nenhum, o baixista pra tocar com ele tinha que se virar.”
(ALMEIDA, 2017).
Joerto também comentou a respeito das habilidades de Ribeiro em relação à harmonia.
O pianista sempre procurava caminhos diferentes para a harmonização, o que provocava um
comportamento diferente nos baixistas. “Álvaro me deixava extremamente à vontade para
inversões dos baixos dos acordes” (CARNEIRO, 2017). O contrabaixista também ressaltou que
este comportamento exigia uma atenção redobrada dos cantores, e os colocavam em uma
espécie de desafio para manter a melodia sem alterações. O músico destacou dois cantores que
apreciavam tal situação de “risco”, Lucinnha Bastos e Hélio Rubens.
É válido destacar um apontamento sobre a liderança de Álvaro, nos grupos que
conduzia. Bererê comenta que “ele fazia convenções que se tornavam padrões (...) o difícil era
saber quando ele ia terminar (risos) pois estava tocando um bolero que de repente virava um
samba ou uma valsa, bastava ficar ligado nas convenções, era assim que ele dominava e
conduzia o trio” (ALMEIDA, 2017). Para o baterista, não importava o gênero que estava sendo
tocado, sempre havia vivacidade, surpresas, e muito improviso, por conta de sua afinidade com
o jazz.
Percebemos que alguns desses comportamentos na performance musical de Álvaro
Ribeiro se tornaram tão populares no meio musical paraense de seu tempo que, assim como
alguns comportamentos do músico, passaram a ser conhecidos como “Alvarices”. Os músicos
também comentaram sobre trocadilhos que ele comumente utilizava, como inverter nomes de
rua - Almirante Barroso era “Almiroso Barrante” - das pessoas ou de bandas - Banda Sayonara
virou Banda “sai na hora”. Apelidava a todos e também a si próprio. Bererê afirma que Ribeiro
era, além de um excelente músico, um homem muito culto, poliglota, educado, ótimo em
relacionamentos, e um dos músicos populares mais influenciadores de sua época.
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
Transmissão de conhecimentos
Como dito anteriormente, ser professor nunca foi uma pretensão de Álvaro Ribeiro.
No entanto, certamente houve bastante transmissão de conhecimentos, de uma maneira 96
informal, através da prática musical coletiva, nas quais Ribeiro se colocava como líder e
conduzia o grupo. Isto é evidente na fala de Bererê: “(...) Apesar de eu tocar bateria aprendi
demais com ele, pois ele comandava sem abrir a boca(...)” (ALMEIDA, 2017).
Joerto frisa que o mestre lhe passava as dicas por meio de muita prática, pouco se
voltava para o lado teórico, tinha boas habilidades no que se refere a instrumentos de sopro e
“tocava até bateria” (CARNEIRO, 2017). Isto certamente ajudava no repasse de informações
sobre arranjos, ou de suas ideias a respeito de como os instrumentistas deveriam se comportar
na performance.
Mesmo quem não tocava com o pianista, aprendia. Joerto relata que Ribeiro e seu trio,
após compromissos de trabalho, ganhavam a noite em bares para “canjar” (pequenas atuações
sem remuneração). Normalmente os outros músicos deixavam que o trio tomasse conta, e estes
mostravam uma qualidade musical admirável, incentivando outros músicos ao estudo e também
à formação de novos grupos instrumentais. É importante registrar que não havia uma escola
especializada no ensino do músico popular em Belém, motivo pelo qual se aumentava o
interesse da classe musical em prestigiar o trio de Ribeiro. Para Joerto, o grupo possuía tanta
credibilidade que quando vinham artistas nacionalmente conhecidos a Belém, “não havia a
necessidade de trazer músicos de fora, nós acompanhávamos sem nenhum problema”
(CARNEIRO, 2017).
Conclusão
Referências
ALMEIDA, Walter da Silva. Entrevista de João Neves em 27 de agosto de 2017. Belém. Áudio.
Escola de Música da UFPA.
97
BERENDT, Joachim E., HUESMANN, Günther (Rev.). O Livro do Jazz: de Nova Orleans ao
século XXI. Tradução de Rainer Patriota e Daniel Oliveira Pucciarelli. São Paulo: Perspectiva:
Edições SESC SP, 2014.
MACHADO, Cristina Gomes. Zimbo Trio e o Fino da Bossa: uma perspectiva histórica e sua
repercussão na moderna música popular brasileira. São Paulo, 2008. 410 f. Dissertação
(Mestrado em Música) – Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes, São Paulo. 2008.
MEIHY, José Carlos Sebe B. e HOLANDA, Fabíola. História oral: como fazer como pensar.
2 ed. São Paulo. Contexto, 2014
MEIHY, José Carlos Sebe B. e RIBEIRO, Suzana L. Salgado. Guia Prático de História Oral:
para empresas, universidades, comunidades, famílias. São Paulo: Contexto, 2011.
WILNER, Donald. Interactive Jazz Improvisation in the Bill Evans Trio (1959-61): A Stylistic
Study For Advanced Double Bass Performance. 1995. 134 f. Tese (Doutorado) - Curso de
Doctor Of Musical Arts, University Of Miami, Miami, 1995.
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
Resumo: Antes de ser transformado em Estado, Roraima despertava interesses de migrantes que
buscavam oportunidades advindas do garimpo e dos concursos públicos. Analisamos desde o período
que compreende a chegada dos primeiros migrantes, seguido do de maior fluxo migracional para
Roraima, culminando com a chegada dos gaúchos e, após, a transformação de Roraima em Estado.
Considerando a importância desse acontecimento objetivamos nesta investigação compreender a
presença de características híbridas na musicalidade do migrante gaúcho que se faz presente por meio
do Centro de Tradições Gaúchas Nova Querência em Boa Vista. Realizamos pesquisa bibliográfica e
entrevistas com dois artistas gaúchos que frequentam o local e com dois intelectuais roraimenses sobre
essa possibilidade híbrida da manifestação musical e identitária mediada pelo Centro de Tradições
Gaúchas. Concluímos apontando traços da musicalidade gaúcha presentes na música local, o que
contribuiu nesse processo de hibridismo cultural na música boa-vistense.
Palavras-chave: Musica gaúcha, Hibridismo cultural, Boa Vista.
Musical ambience through the Centro de Tradições Gaúchas Nova Querência in Boa Vista-RR
Abstract: Before it turns into a State, migrants were interested in Roraima, seeking opportunities as
mining and public service. We analyzed since the period of the arrival of the first migrants, followed by
the one of greater migratory flow to Roraima and culminating with the arrival of the people who came
from Rio Grande do Sul state and the transformation of Roraima into State. Considering the importance
of this event, we aim to understand the presence of hybrid characteristics in the music of the migrants
that came from the south of Brazil. The characteristics can be noticed in the Centro de Tradições
Gaúchas Nova Querência, in Boa Vista. We realize bibliographical review, interviews with two
musicians of that context, and two intellectuals of Roraima about this hybrid possibility of the local
music, as well as the local identity. As a result, we could point elements of that south Brazilian music
in the local music and this contributed in this process of cultural hybridism in the music of Boa Vista.
Keywords: Rio Grande do Sul brazilian music, Cultural hybridism, Boa Vista.
1. Introdução
Alguns atraídos pelo interesse ao garimpo, outros realocados em função do serviço militar, além
daqueles oriundos do Projeto Rondon da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Prezando pelas suas tradições e cultura (musical), os gaúchos logo quando se reúnem,
querem formar um Centro de Tradições Gaúchas (CTG), sendo “para cada nova cidade fundada, 99
um CTG. Essa era a regra geral” (SIMON, 2009: p. 135). Isso disseminou a cultura gaúcha,
também em Boa Vista-RR, cidade que abriga um CTG desde o final dos anos 70.
Por meio desse processo migratório, analisamos a presença do hibridismo na
musicalidade do migrante gaúcho que se faz presente por meio do CTG Nova Querência em
Boa Vista, observando desde o processo de hibridismo, de aculturação, bem como as
contribuições da música gaúcha na ótica de dois gaúchos e dois roraimenses, que trabalham
e/ou articulam com a música.
Nessa perspectiva da música, nosso escopo ficou delimitado às identidades culturais
que são “aquelas que surgem de nosso ‘pertencimento’ a culturas étnicas, raciais linguísticas,
religiosas e, acima de tudo nacionais” (HALL, 2006: p. 8). Mais especificamente, a cultura
musical que motivou e aguçou nossa pesquisa, que compreendeu sobre esse processo híbrido,
que está sempre em constante mutação, e que acreditamos, se passa naquele CTG. Isto culminou
com contribuições na construção da musicalidade em Boa Vista-RR.
Neste sentido, pontuamos acerca de uma estruturação composta por uma delimitação
do tema; um referencial que dialoga com os teóricos dos estudos culturais que abarcou o
contexto social contemporâneo e, uma delimitação do contexto pesquisado.
2. Desenvolvimento
O trabalho fronteiriço da cultura exige um encontro com “o novo” que não seja parte
do continuum de passado e presente. Ele cria uma ideia do novo como ato insurgente
de tradução cultural. Essa arte não apenas retoma o passado como causa social ou
precedente estético; ela renova o passado, refigurando-o como um “entre-lugar”
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
Destacamos que esse ambiente cultural híbrido está presente no CTG Nova Querência,
uma associação com espaço amplo para eventos artísticos, que recebe não somente grupos de 100
música gauchesca, como outros do contexto nacional e regional pois, “hoje qualquer um que
fala em CTG, não fala do CTG dos gaúchos, mas de uma associação voltada para a sociedade
roraimense” (SOUZA, 2006: p. 206). Salientamos que “a arte é o meio indispensável para esta
união do indivíduo com o todo” (FISCHER, 1983: p. 13), não sendo recente a hipótese da
presença do hibridismo sociocultural nas manifestações musicais no CTG.
Investigamos se a arte musical em Boa Vista, permeada por essa identidade
multifacetada que ao mesmo tempo é uma nova identidade e, que apresenta tecidos da tradição
e da história que o CTG representa, expõe essa “mistura e/ou espaços de fronteiras”, pois:
o hibridismo não se refere a indivíduos híbridos, que podem ser contrastados com os
“tradicionais” e “modernos” como sujeitos plenamente formados. Trata-se de um
processo de tradução cultural, agonístico uma vez que nunca se completa, mas que
permanece em sua indecidibilidade (HALL, 2006: p. 74).
Então nós vamos ter no começo dos anos 70 e perto da segunda metade dos anos
setenta esse Projeto Rondon com a Universidade (Federal) de Santa Maria-RS [...].
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
Contudo, nós vamos ter uma grande migração de militares, e desses militares que vem
para o 6º BEC. Esse grupo de sulistas principalmente vinculados ao exército [...],
criaram o CTG, que se eu não me engano, seria o Sentinela de Roraima. Eu fui o único
roraimense convidado a fazer parte do CTG. [...] Só com a nova diretora e o novo
formato já nos anos 80 do CTG, é que eles ocupam então aquele espaço na Brigadeiro
[...] (Reginaldo Gomes de Oliveira, 2016, s/p). 101
Então o que eu fiz, eu comecei a trabalhar com a cultura do lugar de onde eu vim, a
fazer e ter as mesmas práticas que eu tinha lá, churrasco, os bailes33 , aqui eu encontrei
o vanerão, o xote 34 , o chamamé, a milonga, encontrei a roda de chimarrão, encontrei
aquela cumplicidade cultural que eu tinha lá (Ricardo Ribeiro Silveira, 2015, s/p).
Era muito grande, a gente estava novo aqui, sentia muita falta das músicas gauchescas,
do povo gauchesco, do chimarrão, dos costumes, então a gente sempre procurava, até
hoje a gente procura o pessoal que é nativo do Rio Grande do Sul (João Ângelo
Thomazi, 2015, s/p).
Ao indagarmos sobre “por quê Roraima? O que lhe faz permanecer aqui?”, os quatro
entrevistados enfatizaram os motivos que os fazem permanecer aqui, desde a tranquilidade para
viver e para criar sua família, até as oportunidades profissionais que não teriam em outras
regiões. Após as indagações elencadas acima, também encontramos um hibridismo na
patronagem do CTG Nova Querência, tendo em vista que houve um patrão cearense35:
O CTG não é um Centro de Tradições apenas para gaúchos, o que a gente faz lá dentro,
é as tradições que vieram do Rio Grande do Sul, não necessariamente somente quem
33
Nos “tempos de antigamente”, a vaneira, juntamente com chotes, polcas, contrapassos e bugios, animava os
bailes ao som de pandeiro, gaita, e violão. (ALVARES, 2007: p. 27).
34
Outro gênero europeu que foi muito influente em todo o Brasil, foi a Schottisch. [...]. O chote gaúcho, o xótis
carioca e o xote nordestino, cada qual com características diferentes, mas derivados do original schottisch (PERES,
2008: p. 20).
35
O cearense Antônio Leocádio Vasconcelos Filho foi patrão do CTG Nova Querência no biênio de 2008/2009.
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
é de lá pode participar dos seus eventos [...], pois para mim é um motivo de orgulho
o Leocádio ser do Ceará (Ricardo Ribeiro Silveira, 2015, s/p).
Isso, a associação do CTG se torna mais aberta [...]. Isso fez com que o CTG tenha
essa vida mais longa com um espaço de manifestação de cultura e arte não só do sul,
102
mas que incorporar de uma maneira mais ampla, essas manifestações presentes na
nossa sociedade local (Reginaldo Gomes de Oliveira, 2016, s/p).
Assim, é o “choque de culturas”, apontado por Bhabha (1987) como resultado dos
deslocamentos que põem em choque as diferenças culturais, bem como elucidado por Hall
(2006). Pontuamos que alguns estilos musicais dialogantes, disseminados pelos imigrantes
europeus, como a Habanera, a Schottisch, a Polka, demonstrou inversão dessa lógica com o
reforço de regionalismos e tentativas de afirmação identitária em muitos locais, numa relação
nova com o global, como é o caso dos CTG´s e dos movimentos ou grupos culturais.
Apontamos uma nova perspectiva do migrante gaúcho João Ângelo Thomazi, que
poderá personificar o sujeito hibrido, ao mesclar a poesia apresentada pelo Movimento
Roraimeira, com ritmos que dialogam com as suas origens gaúchas e outras culturas, como as
típicas da região roraimense, suturando o processo de aculturação, hibridismo e construção
identitária boa-vistense pelo CTG Nova Querência.
Referências
BHABHA, Homi. O local da cultura. Tradução de Myriam Ávila, Eliana Reis, Gláucia
Gonçalves. Belo Horizonte: UFMG, 1998. 395 p.
FISCHER, Ernst. A Necessidade da arte. 5. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1983. 254 p.
FREITAS, Déborah de Brito Albuquerque Pontes. A construção do sujeito nas narrativas orais.
Clio: Revista de Pesquisa Histórica, Recife, v. 2, n. 25, p. 92-112, 2007.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A,
2006. 102 p.
PERES, Leonardo Rugero. A sanfona de oito baixos na música instrumental. Disponível em:
<https://pt.scribd.com/document/343307632/A-Sanfona-de-8-Baixos-e-a-Musica
Instrumental-leo-pdf>. Acesso em: 17 set. 2017.
SIMON, Pedro. A diáspora do povo gaúcho. Brasília: Senado Federal. 2009. 191 p.
SOUSA, Eliakin Rufino de. Entrevista de Marcos Vinícius Ferreira da Silva em 19 de dezembro
de 2015. Boa Vista. 2016. Compact disc. Centro de Tradições Gaúchas Nova Querência. 104
SOUZA, Carla Monteiro de. Considerações sobre a inserção social de migrantes gaúchos em
Roraima. Revista da Associação Brasileira de História Oral, Rio de Janeiro: Editora do
Boletim da ABHO, v. 9, n. 1, p. 30-47, jan./jun. 2006.
WANKLER, Cátia Monteiro; SOUZA, Carla Monteiro. Topofilia à beira do rio: Boa Vista em
Beiral, de Zeca Preto. In: SILVA, Francisco Bento da; NASCIMENTO, Luciana Marino do.
Cartografias Urbanas: Olhares, narrativas e representações. Rio de Janeiro: Letra Capital,
2013. p. 210-224.
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
Resumo; A proposta deste artigo é demonstrar a utililização dos elementos da História Oral como
ferramenta metodológica na tese de título David Miguel: A Pérola Negra do Carnaval Paraense a ser
defendida no doutorado do PPGArtes da Universidade Federal do Pará em 2020. Nele apresento um
resumo dos tópicos mais importantes do projeto de pesquisa para elaboração da tese que se fundamenta
na Etnomusicologia. Em continuação, apresento um breve histórico da Históra Oral, enfatizando alguns
tópicos a serem utilizados na pesquisa para a escrita da tese. Concluindo demonstro um resumo dos
aspectos da História Oral de relevância para a pesquisa da tese e algumas perspectivas almejadas apos
a conclusão da pesquisa.
Palavras-chave: David Miguel. Etnomusicologia. Metodologia. História Oral.
Title of the Paper in English: Oral History as a Methodological tool in thesis: David Miguel: A Pérola
Negra do Carnaval Paraense
Abstract – On of the main instrumentsof Oral History as a methodological tool in the the ttle David
Miguel: A Pérola Negra do Carnaval Paraense to be defended without a doctorate of the PPGArtes of
the Federal University of Pará in 2020. In it presenta summary of the most importatant topics of the
research project to elaborate the database in Ethonmusicology. In continuation, I present a brief history
of the Oral History, emphasizing some topics to be used in the research for writing . In conclusion, I
present a summary of aspects of Oral Histoty relevant toa survey of some of research perspectives
Keywords: David Miguel. Etnomusicology. Methodology. Oral History
Introdução
A ideia de arte pela arte criou a ilusão de que o compositor é um ser social à parte,
transcendental. O próprio fenômeno da criação musical é, sem dúvida, inseparável do
compositor. Portanto, o foco central da compreensão e do estudo da criação deve ser
o compositor nas suas múltiplas dimensões socioculturais e estético-ideológicas
(BÉHAGUE, 1992, p. 6).
A este respeito este pesquisador ainda postula que o contexto social se define não
somente como identidade sociocultural que corresponde a valores específicos do grupo social
do compositor, mas também da posição político-ideológica do mesmo. Para ele, negar a posição
IV Jornada de Etnomusicologia
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ideológica do compositor “como insistiram os partidários do conceito da arte pela arte, equivale
a negar as suas atribuições como ser social”. (1992, p. 7)
A música, como afirmamos, é essencialmente parte de um contexto sem o qual
nenhuma explicação é possível. Os usos mais variados da música exigem um repertório musical 106
Um processo de significado social, capaz de gerar estruturas que vão além de seus
aspectos meramente sonoros, embora estes também tenham um papel importante na
sua constituição sendo de extrema importância neste contexto. (...) A execução, com
seus diferentes elementos (participantes, interpretação, comunicação corporal,
elementos acústicos, texto e significados diversos) seria uma maneira de viver
experiências no grupo.
36
Music is a product of the behavior of human groups, whether formal or informal: it is humanly organized sound.
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1978 de título Theatro da Paz, considerado como um dos dez mais belos do Brasil, tendo sido
divulgado “...através do LP Brasil Canta Samba Enredo, que reuniu uma coletânea das
melhores composições do ano em todo pais.” (OLIVEIRA, 2006, p. 268).
O bairro do Jurunas é “um dos bairros periféricos mais antigos da cidade, que se 107
A metodologia
37
- ... that music sound is the result of human behavioral process that are shaped by the values, aptitudes, and
beliefs of the people who comprise a particular culture.”- Tradução da autora.
IV Jornada de Etnomusicologia
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objeto de estudo. Meu ponto de partida será a revisão bibliográfica das pesquisas realizadas
sobre David Miguel, das pessoas, dos fatos que fazem parte da sua vida e do seu processo
criativo composicional além de obras sobre Etnomusicologia, Cultura e outros temas relevantes
para a pesquisa Estas fontes fornecerão um conhecimento da bibliografia e discografia 108
existente, assim como serão realizadas consultas com especialistas e agentes desse domínio
musical.
Destaco aqui a pesquisa arquivista a ser realizada em jornais, revistas, cartórios,
acervos públicos e particulares como os de escolas de samba e outros, coleções particulares, em
arquivos sonoros que contêm entrevistas de músicos, ou sobre músicos e músicas do Pará, além
das pesquisas de caráter etnomusicológico relacionadas ao tema da pesquisa. Deve-se
acrescentar ainda a produção de historiadores sobre a música paraense e a pesquisa imagética.
O recurso a sítios virtuais é mais uma possibilidade real.
Dado a carência de dados específicos sobre o compositor David Miguel, será preciso
proceder com a coleta de dados em campo, onde farei uso de elementos que compõe a História
Oral, quais sejam: entrevistas, e narrativas.
Ainda que muitas vezes a produção de entrevistas seja usada como alternativa para
preencher vazios de documentos convencionais ou de lacunas de informações e até
para complementar outros documentos, é importante ressaltar que se pode, de maneira
positiva, assumi-la isoladamente e propor análises das narrativas para a verificação de
aspectos não revelados, subjetivos, alternativos aos documentos escritos. (MEIHY
/HOLANDA, 2011, p.24).
IV Jornada de Etnomusicologia
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elaboração.
A história oral pelo que menciona Freitas (1992) tem sua primeira aparição enquanto
“experiência organizada” no ano de 1948 com o lançamento do The Oral History Project de
autoria do professor Allan Nevis da Universidade de Columbia. A partir deste evento a história
oral foi se difundindo tendo seu grande impulso no final de 1960 e início de 1970 originando a
Oral History Association (OHA) Office em 1967 e que anualmente apresenta sua publicação a
Oral History Review.
A descoberta da importância da história oral por Thompson segundo ainda Freitas
(1992), aconteceu em 1960 quando ele era historiador social integrando a equipe do
Departamento de Sociologia da então recém-fundada Universidade de Essex. Ao estudar a
história inglesa em um período recente, ele se deparou com a ausência de documentos além de
uma “literatura insuficiente”. A partir desta constatação ele “...descobriu a importância das
pessoas como testemunhas do passado e, ao ouvi-las, descobriu que elas têm sempre alguma
coisa interessante a dizer” (FREITAS, 1992, p.15).
Se se concretizar todo o potencial da história oral, disso resultará não tanto uma lista
específica de títulos relacionados numa seção das bibliografias históricas, como uma
mudança fundamental no modo pelo qual a história é escrita e estudada, em suas
questões e julgamentos e em sua natureza (THOMPSON, 1992, p.105).
Toda fonte histórica derivada da percepção humana é subjetiva, mas apenas a fonte
oral permite-nos desafiar essa subjetividade; descolar as camadas de memória, cavar
fundo em suas sombras, na expectativa de atingir a verdade oculta. (THOMPSON,
1992, p,197).
finalidade do projeto em História Oral segundo Meihy e Holanda (2011) é que determina como
se conduzirão as entrevistas.
No que diz respeito a essas entrevistas, elas não serão estruturadas de maneira rígida;
eu diria que, se fôssemos classificá-las metodologicamente, são algo entre “entrevistas semi-
estruturadas” e “episódicas”, no dizer de Bauer e Gaskell (2005). São semi-estruturadas, pois
algumas perguntas são sempre recorrentes e apresentam algo de episódicas, pois os informantes
são convidados a discorrer sobre certos aspectos ou eventos relacionados seja com a sua própria
história na música da cidade, seja com aspectos acerca de suas motivações, aprendizado,
realizações, entre outros.
As perguntas originais são assim enriquecidas com narrativas independentes. Por
vezes essas narrativas são importantes fragmentos históricos das vidas dos informantes. Assim,
pois, os informantes sabem que estão sendo entrevistados para fins de pesquisa acadêmica.
Realizaremos algumas perguntas, e daí prosseguiremos em conversação sobre aspectos diversos
referentes não só à David Miguel como também em muitos dos casos à própria trajetória
profissional do informante que pode apresentar fatos relevantes para o aprofundamento do
trabalho e, assim, incentivamos tais informantes a relatarem parte da sua história de vida.
Acreditando que a fonte oral pode ser fidedigna, coletarei comentários e relatos de
pessoas ligadas ao desenvolvimento do fenômeno estudado. Entretanto, como qualquer
documento, os relatos obtidos passarão por um minucioso trabalho de crítica e interpretação.
Utilizarei a história oral buscando os fatos que forem relevantes para o entendimento do
contexto musical de interesse. Irei recorrer à história oral revalorizando as experiências
individuais, em uma perspectiva que vai além do mero relato de fatos desconexos.
Documentos escritos, apenas, não poderiam revelar por si só todos os sentidos
circulantes num determinado meio social. Para tanto contarei como referência os autores Alberti
(2004) Meihy e Ribeiro (2011). Conforme Thompson (1992, p. 337): “a história oral devolve a
história às pessoas em suas próprias palavras. E ao dar-lhes um passado, ajuda-as também a
caminhar para um futuro construído por elas mesmas.”. Quanto às filmagens e fotografias, serão
realizadas com autorização prévia dos participantes, através de documento assinado pelo
entrevistado.
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A transposição do código oral para o escrito será mostrada para os entrevistados, para
que cada um possa fazer a análise do que foi gravado, fazer as modificações que julgar
necessárias e proceder a autorização final para publicação. A partir destas entrevistas procederei
a análise e interpretação das partes significativas para a escrita da tese. 111
Considerações finais
Este artigo se constitui em um exemplo de como a história oral pode contribuir para a
elucidação de fatos ainda não totalmente esclarecidos da vida, de um personagem.
Especificamente em se tratando do compositor David Miguel, aspectos pouco visíveis, fatos
esquecidos, características da sua personalidade, características composicionais da sua obra
musical, além dos aspectos da cultura musical paraense serão revelados nas entrevistas e
narrativas. Estes elementos são de importância fundamental para a compreensão do processo
criativo deste compositor segundo os fundamentos da Etnomusicologia.
A partir das análises que a história oral propicia, poderei constituir a partir de uma
tese de doutorado uma nova realidade, uma visão alargada sobre este compositor que embora
tenha se destacado na composição de sambas enredos e outros gêneros musicais, ainda não tem
sua visibilidade social, musical e cultural definida na grande mídia paraense.
Destaco aqui enfaticamente a grande importância do uso da História Oral sem a qual
eu não se poderia contar com dados relevantes para a produção da tese em questão.
Referências bibliográficas
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manual prático. 4a ed. Petrópolis: Vozes, 2005.
BEHÁGUE, Gerard. Fundamento Sócio Cultural da Criação Musical. Art 19 (ago) 5-17, 1992.
CHADA, Sonia. A Prática Musical no Culto ao Caboclo nos Candomblés Baianos. In: III
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FREITAS, Sonia Maria. (Prefácio à edição brasileira) In A voz do passado: história oral. Rio
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MEIHY. José Carlos Sebe Bom, HOLANDA, Fabíola. História Oral. Como fazer, como
pensar. São Paulo; Contexto, 2011.
MEIHY, José Carlos Sebe, RIBEIRO, Suzana L. Salgado. Guia Prático de história oral; para
empresas, universidades, comunidades, famílias. São Paulo: Contexto, 2011. 112
OLIVEIRA, Alfredo. Carnaval Paraense. Belém: SECULT, 2006 SANTOS, Regina Celi dos.
Entrevista Regina Celi. Em 16 de março de 2015, Belém do Pará. Disponível no Laboratório
de Etnomusicologia do PPGARTES - UFPA.
SANTOS, Regina Celi. Entrevista Regina Celi. Em 16 de março de 2015, Belém Pará.
Disponível no Laboratório de Etnomusicologia do PPGArtes. UFPA.
THOMPSOM, Paul. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
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SESSÃO 02
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Nathália Lobato
nathalialobatos@gmail.com
Resumo: Este artigo discorre sobre uma pesquisa em andamento que se propõe a analisar a relação entre
a fotografia e a música, investigando como essas linguagens podem interferir na produção e composição
uma da outra a partir, principalmente, dos seus processos criativos. Considerando que faz-se possível a
compreensão e o estudo das criações musicais de acordo com os aspectos sócio-culturais e ideológicos
do meio onde os compositores das obras estão inseridos, a presente pesquisa se utiliza de um viés
etnomusicológico para concretizar-se. Até o momento, foram obtidos dados a partir de análises dos
relatos de três compositores submetidos à uma experiência composicional envolvendo imagem e
música, cujos resultados apontam que a relação entre fotografia e música é possível.
Palavras-chave: Música. Fotografia. Etnomusicologia. Processos Criativos.
Abstract: This article discusses on a research that proposes to develop an analysis of the relationship
between photography and music. To investigate how these languages can interfere in the production
and composition of each other, considering mainly their creative processes, is the objective of this
research. The data obtained to date constitute analyzes of reports of three composers submitted to a
compositional experience involving image and music. For Béhague (1992) it is only possible to
understand and study musical creations considering the socio-cultural and ideological aspects of the
medium where the composers of the works are inserted. The results show that the relationship between
photography and music is possible.
Keywords: Music. Photography. Ethnomusicology. Creative Processes.
1. Introdução
2. Referencial teórico
Fayga Ostrower (1990, p. 98) diz que “criar significa compreender e integrar o
compreendido em novo nível de consciência”. O estudo a respeito do processo criativo tem sido 115
desvelado por estudiosos de vários campos do conhecimento durante anos e este processo é
relacionado principalmente às vivencias do indivíduo.
Sabe-se que é comum que artistas, de vários segmentos, sejam interrogados sobre seus
processos criativos, suas influências e sobre os métodos existentes em suas produções. Alguns
destes são influenciados por diversas motivações, como: outros de sua área, obras
cinematográficas, narrativas, vivências familiares e, até mesmo, períodos históricos. Tais
possibilidades não se limitam, afinal o cerne da arte é a criatividade e a diversidade,
possibilitando, portanto, afirmar que uma arte pode influenciar a outra. Sendo assim, entende-
se que o processo criativo, no momento em que um fotógrafo está realizando seus registros,
pode ser influenciado por uma canção, assim como uma música pode ser composta a partir de
uma imagem pois isto fala muito sobre o contexto em que o artista está inserido.
(...) ao considerar a relação entre sonho e fotografia, entretanto, uma questão curiosa
pode vir à mente do interessado – é possível fotografar um sonho? Sendo o sonho uma
criação essencialmente subjetiva, a resposta imediata só pode ser negativa: não é
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possível fotografá-lo como se fotografa um rosto, uma natureza morta, uma paisagem.
Pode-se, entretanto, representá-lo. Mas aí é que está o nó da questão, pois a
representação de um sonho representa o quê – a narrativa do sonhador ou a
interpretação que dela faz o ouvinte? Mas mesmo nesse caso, de que sonho se trata,
ou melhor, quem é o sonhador do sonho representado? Grete Stern chegou perto desta
complexidade (FRAYZE, JOAO, 2009). 116
Será que quando ouvimos uma música, o que escutamos e o que sentimos não podem
ser representados através da fotografia? Uma fotografia tem poder de inspirar um músico a
compor a partir dela? O fotógrafo Richard Salkeld (2014, p. 46) explica que, ao invés de
“encontramos” significados no mundo, nós “damos” significados através da linguagem. Em
suas palavras:
É possível que o mundo seja apenas um conjunto de coisas sem significado – palavras
e coisas significam o que elas significam como resultado da maneira como olhamos
para elas e as usamos. Fazer uma fotografia é uma forma de dar significado.
Quanto à música na forma de som organizado, sem a inserção de uma poesia textual,
Volli (2007, p. 291) explica que:
O sistema tonal sobre o qual é organizada grande parte da música ocidental cria, por
sua natureza, uma alternância de estados de tensão e de equilíbrio, de implicações e
de expectativas, de sensações de perda e de recuperação de uma ordem: são elementos
que têm muito a ver com a lógica construtiva de uma narração. Por outro lado, os
textos musicais são tipicamente fundamentados em cópias contrastantes como
individual/coletivo (pense-se na relação entre solista e orquestra), frágil/enérgico, ou
também sensação de afundar/sensação de flutuar: duplas que geram estruturas de
oposição como as que podem ser analisadas com instrumentos típicos da semiótica
geral.
tivessem “vida própria”; e quando essas novas formas parecem fundir-se com nossas
experiências prévias, ou quando a música informa “a vida do sentimento”.
O autor também explica que sem o sentido metafórico vamos escutar apenas notas
isoladas, assim como quando vemos as luzes de uma placa/anuncio e enxergamos uma luz 117
38
Do inglês: compreensão ou solução de um problema pela súbita captação mental dos elementos e relações
adequados.
39
Citação feita por Swanwick, em menção à frase de Suzane Langer em seu livro Philosophy in a new key, de
1942.
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– fotográficas e musicais –, artistas de ambas as áreas serão convidados a produzirem suas obras
a partir delas. As imagens inspirarão composições musicais e as músicas, composições
fotográficas.
Assim, sugere-se uma possível resposta à grande questão deste trabalho: É possível 118
compor uma música a partir de uma fotografia? E quanto a fotografar a partir de uma música?
As pesquisas baseadas no referencial teórico citado e as experiências vivenciais do projeto
nortearão a busca pela resolução de tais questionamentos, contribuindo para a execução deste
projeto e para a sociedade acadêmica.
3. Resultados
Para a primeira fase da pesquisa foram convidados três músicos, que ao longo do texto
serão denominados como M1, M2 e M3. O critério de escolha foi baseado em características
comuns aos contextos nos quais estes estão inseridos, como: faixa etária entre 20 e 30 anos;
formação no curso técnico da EMUFPa (Escola de Música da UFPa), graduação em andamento
no curso de Licenciatura em Música da UFPa – enfatizando o fato de que todos são discentes
do mesmo semestre e da mesma turma – e experiências anteriores com a composição de música
instrumental.
O primeiro passo foi apresentar a obra fotográfica, de autoria desta pesquisadora, aos
três compositores em diferentes momentos. A peça (Figura 1 – Apêndice) é um retrato em preto
e branco ambientado no Mercado do Ver-o-Peso em Belém num cenário pós chuva da tarde.
Após a apresentação da imagem foi solicitado aos participantes que compusessem uma obra
musical a partir dela (Trecho das Partituras – Apêndice). Posteriormente, os três responderam
a um questionário com cinco perguntas, que objetivava uma melhor compreensão de seus
processos criativos. As questões foram:
1. Que ideias e sentimentos essa imagem lhe provoca?
2. Você tentou compor uma música a partir dessas ideias e sensações?
3. Caso positivo, que recursos você utilizou para tentar alcançar esse objetivo?
4. Você reconhece o lugar onde essa foto foi registrada?
5. Caso positivo, de que forma esta informação interferiu em sua composição?
Como resposta à primeira pergunta, os três músicos relataram que a imagem lhes
provocou sentimentos e ideias geralmente consideradas ruins como melancolia, nostalgia,
tristeza, miséria, pobreza e outras. Os músicos M1 e M3 fizeram uma relação com o sentimento
de saudade, lembranças de tempos bons, argumentando sobre alguns aspectos como a solidão
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e o chão molhado. Para M2, a sensação é de miséria, de uma pessoa que está à margem da
sociedade.
A respeito da segunda pergunta, os três compositores afirmaram ter feito suas músicas
com a intenção de relacionar a composição com os sentimentos que a fotografia lhes gerou, M1 119
acrescenta que durante seu processo criativo pensou em um andamento lento e em acordes e
melodias que transmitissem ideias de melancolia.
Dando sequência ao raciocínio da segunda pergunta, as respostas à terceira questão
expressam muito sobre representar sensações e sentimentos. Para M3, autor da obra “Járriou”,
a imagem lhe traz certa familiaridade, por ele reconhecer o lugar em que a imagem foi
registrada, sendo assim o mesmo utilizou características regionais como elementos da
guitarrada e baixo do tecnobrega (estilos musicais regionais da cidade de Belém onde foi feita
a fotografia), bem como uma dinâmica musical que remetesse à chuva, fator determinante para
o título de sua obra “Járriou” que significa “já arriou a chuva” , termo utilizado na região.
O compositor M2, autor de “Reflexos”, relata que a imagem do reflexo do homem na
água, foi fator determinante para a estrutura da sua obra. Desta maneira, ele criou uma estrutura
musical espelhada. Também procurou transmitir uma sensação de rotação no primeiro
compasso, elemento que a imagem do banco (redondo) existente na fotografia lhe sugeriu.
Além disso, M2 relata que tentou usar uma melodia que não estivesse presa a uma tonalidade,
com intuito de representar a ideia de instabilidade que a vida da pessoa fotografada lhe
transmitiu. A experiência de M1 foi muito interessante, pois o mesmo se propôs a tentar compor
sem estar olhando para a fotografia no momento de criação e constatou que esta forma não se
mostrou uma experiência positiva por que a composição não fluiu, assim não alcançando os
resultados desejados e então decidiu compor olhando a fotografia e considera que esta decisão
foi imprescindível para que sua composição fosse satisfatória.
Na quarta e quinta pergunta, M1 e M3 relataram que o lugar é familiar, porém M1
considerou que esta informação não interferiu na sua composição. Já para M3 sim, para ele a
atmosfera do lugar contextualizou suas escolhas. M2 desconhece o lugar fotografado.
A cerca do músico como ser social e seu processo composicional, Béhague (1992, p.
6) traz o seguinte pensamento: “O próprio fenômeno da criação musical é, sem dúvida,
inseparável do compositor. Portanto, o foco central da compreensão e do estudo da criação deve
ser o compositor nas suas multíplices dimensões sócio-culturais, e estético-ideológicas".
As vivências dos indivíduos interferem diretamente nas interpretações que estes fazem
sobre o mundo. Os músicos envolvidos nesta pesquisa interpretaram a imagem a partir de suas
experiências, consequentemente suas experiências influenciaram suas composições. Segundo
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Béhague (1992, p.8) “o conhecimento do compositor como indivíduo e como ser social e
cultural é evidentemente primordial para penetrar o processo da criação musical”.
No segundo momento da experiência, uma compositora (M4) foi convidada para
compor uma música. O direcionamento dado foi para que a mesma criasse sua obra de maneira 120
livre, dentro do tema e estilo que lhe agradasse fazer, bem como a tonalidade que desejasse e
que a partir desta música a presente pesquisadora faria um registro fotográfico. Vale ressaltar
que no processo criativo da composição musical e fotográfica não houve troca de informações
entre as compositoras em questão, que de alguma forma viessem interferir no resultado.
Após a realização da composição intitulada “Praxe”, houve a apreciação da música
para que a pesquisadora pudesse dar continuidade à experiência. A partir deste momento, fez-
se o registo fotográfico conforme combinado. Ambos resultados podem ser acompanhados no
apêndice (Figura 5 e partitura de M4).
Dando continuidade à investigação, a compositora M4 respondeu um questionário com
cinco questões relacionadas ao processo criativo, as quais são:
1. No momento de composição você pensou em alguma referência de artistas que
você escuta? Quais?
2. Além da música, você percebe a influência de outro segmento artístico em suas
composições?
3. Que mensagem você queria passar com sua música?
4. Você acha que a fotografia produzida a partir de sua música corresponde aos
sentimentos que sua composição provoca em você?
5. Você já compôs a partir de uma fotografia? Descreva essa experiência.
Como resposta para a primeira questão, a compositora afirmou que teve como
referência duas bandas: Explosions in th sky e Now, Now.
Em relação à segunda questão, a compositora explica: “Trechos de vídeos, às vezes,
sugerem alguma "intenção" e/ou temática para as minhas composições. Livros comumente
influenciam minhas composições com letras.”
A terceira questão trata da intenção da compositora com sua obra. Em um primeiro
momento ela afirma que não tinha um objetivo específico para sua música, porém percebeu nos
primeiros acordes que sua música estava sendo direcionada para uma tonalidade menor, dando
um sentido melancólico. Em suas palavras: “Após tê-la composto, sempre que a ouço minha
mente me sugere reflexões sobre o vazio e em alguns momentos me sugere frases faladas, como
se duas pessoas estivessem conversando e uma das pessoas sempre diz "não".
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Como resposta para a quarta pergunta, M4 diz: “Sim. A apreciação simultânea das
duas obras (música e fotografia) fazem muito sentido para mim, de maneira que me sugere um
sentimento de vazio causado pela rotina, ou, sentimento de quem vive procurando por algo
significativo em meio à rotina diária. ” 121
5. Considerações finais
A presente pesquisa que está em andamento propõe, como objetivo geral, relacionar
os processos criativos entre a composição de uma obra fotográfica e uma musical. Mesmo que 122
estes resultados sejam parciais, já demonstram que fotografia e música podem se complementar
em seus métodos inventivos. Fatores como faixa etária, contexto sócio-acadêmico, bem como
as vivências pessoais dos compositores são tidos como agentes inspiradores no procedimento
de composição. Esta experiência é ainda um processo em construção e pode, futuramente,
abordar outras temáticas como a análise formal das partituras das composições e aumentar a
vivência da pesquisadora enquanto fotógrafa e compositora participante da pesquisa, que será
realizada com outros músicos e também com fotógrafos. A partir de composições musicais e
como o produto final, a confecção de um material visual e auditivo a fim de disseminar este
conhecimento e experiência sensorial, bem como disponibilizar e contribuir para futuras
pesquisas.
Referências
BLACKING, John. How musical is man?, Seattle ; London : University of Washington Press,
1973.
FRAYZE, João; MORENO, Maria; PRÍAMO, Luís. Os sonhos de Grete Stern: Fotomontagens.
São Paulo: Museu Lasar Segall: Imprensa Oficial, 2009.
RAMOS, D.; ARAUJO, R. Estudos sobre motivação e emoção em cognição musical. Curitiba:
Ed. UFPR, 2015.
SALKELD, Richard. Como ler uma fotografia. São Paulo: Gustavo Gili, 2014.
APÊNDICE 1
124
APÊNDICE 3
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Figura 5: Rotina
Resumo: Este artigo emerge da proposta de um projeto de pesquisa que tem como como objetivo
principal compreender o legado da banda Daniel Nascimento para cidade de Paragominas levando em
consideração os aspectos históricos, sociais e musicais que norteiam este grupo, propondo-se identificar
os principais impactos da banda sob a vida social/cultural/artístico da cidade de Paragominas; investigar
a trajetória musical da banda Daniel Nascimento, a partir das memórias dos chefes de naipe e do regente;
e, analisar de que maneira se constrói a identidade musical na banda Daniel Nascimento. Para tanto, a
metodologia que fundamenta esta pesquisa é a etnografia musical proposta por Seeger (2008) e a
abordagem etnográfica de Geertz (1989), aliada a história oral (MEIHY E HOLANDA, 2014; MEIHY
E RIBEIRO, 2011; THOPSOM, 1992). As análises e interpretações serão construídas por meio do
diálogo com autores da Etnomusicologia Blacking (2000) e Seeger (2004).
Palavras-chave: Banda Daniel Nascimento. Legado musical. Paragominas- PA
Abstract: This article emerges from the proposal of a research project whose main objective is to
understand the legacy of the band Daniel Nascimento to the city of Paragominas taking into account the
historical, social and musical aspects that guide this group, aiming to identify the main impacts of the
band in the social/cultural/artistic life of the city of Paragominas; to investigate the musical trajectory
of the band Daniel Nascimento, considering the memories of the heads of suit and the regent;
nevertheless, analyze how the musical identity in the band Daniel Nascimento is constructed. To fulfill
this objective, the methodology that bases this research is the musical ethnography proposed by Seeger
(2008) and the ethnographic approach of Geertz (1989), allied to oral history (MEIHY & HOLANDA,
2014; MEIHY & RIBEIRO, 2011; THOPSOM , 1992). The analyzes and interpretations will be
constructed through the dialogue with authors of Ethnomusicologia Blacking (2000) and Seeger (2004).
Keywords: Band Daniel Nascimento. Music legacy. Paragominas- PA.
A escola de música foi fundada em 1998, por meio de uma iniciativa da prefeitura de
Paragominas em parceria com a Fundação Carlos Gomes. O projeto tinha como objetivo iniciar
atividades musicais no município seguindo os padrões do projeto de interiorização vigente na
época. As aulas funcionavam em uma pequena sala nos fundos da biblioteca municipal, por ser
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uma estrutura pequena que não comportava todos os membros do grupo os levavam a ensaiar
ao ar livre em baixo de um enorme pé de seriguela, que ficava nos fundos do prédio.
127
Exemplo 1: Daniel Nascimento e seu filho, que iniciou seus estudos na música aos sete anos e hoje prossegue na
banda que carrega o nome do pai.
Durante quatro anos o professor Daniel Nascimento esteve à frente deste trabalho,
ministrando aulas de flauta doce e instrumentos de sopro, com a finalidade de criar uma banda
de música. Para isto, a prefeitura municipal adquiriu com recurso próprio e também ganhou da
Fundação Nacional de Artes - FUNARTE, instrumentos de sopro, teclado e bateria.
As primeiras apresentações do grupo aconteciam com as flautas e teclado,
incorporando os instrumentos de sopro de acordo com a chegada destes, em 1999, por exemplo,
já se executavam no saxofone alguns solos clássicos da bossa nova, populares entre a elite de
Paragominas da época.
Os alunos de flauta que se identificavam com um instrumento de sopro eram inseridos
nesta formação, onde, a cama harmônica era tocada bela base eletrônica, o ritmo pela bateria e
os solos divididos entre os naipes de sopro. O professor Daniel criava as frases e tocava no
teclado, enquanto os alunos ouviam e executavam.
Neste período, não havia na cidade um grupo musical com esta formação ou métodos
de estudos que pudessem auxiliar o desenvolvimento da aprendizagem musical. Por este
motivo, o professor Daniel e seus alunos estudavam usando o manual que vinha no instrumento,
contanto com a boa vontade dos membros do grupo, de alguns poucos amigos músicos
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morte de Daniel. Os alunos ficaram inconsolados, mas decidiram continuar tocando. Em sua
memória, a Lei municipal nº 192/98 de criação da escola foi alterada, acrescentando a
obrigatoriedade do município de manter 10 professores bolsistas com o intuito de manter a
escola ativa.
A base eletrônica sempre esteve presente na banda de Paragominas. O professor Daniel
tinha como instrumento principal o teclado e “carregava” toda a banda usando o instrumento
em todo tipo de repertório. Depois de sua morte houve dificuldade em encontrar quem o
substituísse, entravam e saiam tecladistas, mais o instrumento prevalecia sendo usado até nos
dobrados. Esta insistência levou ao desenvolvimento da base eletrônica atual, e quem assumiu
o posto foi seu filho caçula que tinha apenas sete anos na data de sua morte.
Em 2008, também em memória a figura do professor Daniel Nascimento foram
inaugurados o teatro e o espaço cultural de Paragominas. Com salas preparadas para receber
aulas de música, dança, teatro, a administração da secretaria de cultura e a biblioteca pública
municipal. Neste local são atendidos cerca de 1.000 (mil) pessoas semanalmente, sua principal
missão é ofertar gratuitamente aulas e acesso à cultura para crianças, jovens, adultos e idosos
em seu tempo ocioso, prioritariamente aqueles que estão em situação de risco ou
vulnerabilidade social (SECULT, 2017).
Este ano a banda completa 20 anos de atividades ininterruptas, contando com cerca de
64 músicos cadastrados divididos nos naipes de sopro e base, sendo: flauta transversal,
clarinete, saxofone alto, saxofone tenor, trompete, trompa, trombone, Bombardino, tuba, piano
elétrico, contrabaixo elétrico, guitarra elétrica, bateria e percussão.
A banda de música se apresenta durante todo o ano nas mais diversas ocasiões: eventos
institucionais do município, abertura de conferências, aniversários de escolas, ações
voluntarias, datas festivas, casamentos, campanhas sociais, datas cívicas, entre outros. Para
manter a banda em constante atividade a escola atende hoje a cerca de 300 alunos entre 8 e 60
anos de idade, matriculados em cursos livres nas modalidades de: Musicalização com prática
em flauta doce; musicalização com prática em banda de sopros, canto coral, teclado, violão,
bateria e percussão.
Esta formação resulta em uma sonoridade singular, diferente do som das bandas mais
antigas e tradicionais do estado do Pará, algo próximo de uma Big Band, por sua base eletrônica,
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porém sem a articulação comum destas, com o adicional dos metais intermediários e graves, o
som brilhante das clarinetas e sutil das flautas. A escolha do repertório é semelhante a origem
da banda, são músicas populares entre a população de Paragominas, agora não apenas para a
elite, que são escolhidas levando em consideração a disponibilidade de instrumentos e o nível 129
Existe uma rotatividade constante nos músicos da banda, eles entram geralmente no
início da adolescência e saem na maioria das vezes quando ingressam no mercado de trabalho,
salvo aqueles que seguem carreira como músicos ou permanecem na escola como professores.
Por causa desta rotatividade o número de jovens que foram marcados por esta vivência é muito
grande, levando o grupo a ter notável repercussão em todo o município e região. Suas
apresentações sempre contam com grande público e lotam o teatro municipal com ex-alunos,
familiares e simpatizantes.
Durante os 20 anos de atuação da escola de música prof. Daniel Nascimento nunca
houve preocupação com o registro de suas atividades. Podemos considerar como documentos
históricos a Lei de criação da escola 192/98 de 28 de outubro de 1998 e a Lei 345/2002 que
dispõe sobre a reorganização da Escola de Música Municipal. Além destas, temos o pequeno
realize que está nos programas das apresentações da banda, de onde se fala superficialmente
sobre a banda de música prof. Daniel Nascimento e sua criação, enfatizando as informações
referentes ao trabalho desenvolvido pela atual gestão da secretária de cultura.
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Assim cabe-se destacar minha relação com esta banda, comecei minhas atividades na
escola aos 15 anos de idade no curso de musicalização e no mesmo ano entrei para a banda de
música tocando requinta, trocando para o clarinete logo no ano seguinte.
Em 2008 fui umas das bolsistas que veio pra Belém estudar clarinete no conservatória 130
Carlos Gomes, assim como uma das exigências para ser bolsista, mesmo estudando em Belém,
era de minha competência participar das atividades da banda e ministrar aulas de música.
Além do clarinete, em 2009, estudei teclado no CCG. Posteriormente, no ano de 2010,
ingressei na Universidade do Estado do Pará – UEPA no curso de Licenciatura Plena em
música, onde me formei Professora de Música, e em 2011 ingressei na turma de canto lírico da
escola de música da UFPA. Hoje continuo na escola, desenvolvendo atividades como
professora prioritariamente nas turmas de canto e teoria.
Em três anos participando como aluna e em 10 anos como professora, pude criar uma
relação tanto profissional como afetiva com a banda. Atualmente, meu olhar como pesquisadora
me proporcionou perceber questões que emergem a partir de uma prática musical à uma
importância da banda no contexto social, cultural, histórico e político na cidade Paragominas.
Assim:
Como escreve Bergamin (2015), a pequena “escolinha” passa a ser vista pela
sociedade de Paragominas de uma maneira diferente, o motivo exato é desconhecido e algumas
questões são levantadas neste momento. Sendo essas problemáticas que me direcionaram a
propor esta pesquisa, buscando entender 1) O que levou a mudança do olhar sobre a banda? 2)
quais impactos do trabalho desenvolvido na escola, com atividades internas e externas, exercem
mudanças neste contexto, de modo a transcender e atingir as demais classes? E 3) que
parâmetros foram estabelecidos neste período de modo a manter nestes alunos a vontade de
continuar mesmo sem o seu mentor?
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Exemplo 3: Desfile escolar, trazendo às ruas a banda que tem delineado umas das tradições
da cidade. Fonte: Registro da autora.
Dessa forma, entende-se que existem muito pontos importantes a serem trabalhados e
analisados. Estes emergem de questões complexas que necessitam de um olhar mais aguçado e
detalhado. Como se evidencia na trajetória da banda, na ativa participação dos alunos e como
esses compreendem esse movimento da banda, como um legado musical, a principal questão
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que norteia esta pesquisa é “Qual o legado da Banda Daniel Nascimento no município de
Paragominas – Pará?
Paragominas é uma cidade emergente, tem 52 anos de criação. Foi ciada na década de
60 dentro dos projetos de ocupação da Amazônia de a Juscelino Kubitschek tendo hoje
aproximadamente o tamanho do estado de Sergipe. Durante este período a cidade recebeu
pessoas de todo o pais que buscavam terras, trabalho e emprego. Neste ponto algumas questões
sociais começam a entrar em desequilíbrio e a violência passou a ser referência no município,
assim como a prostituição, o consumo de drogas, desmatamento e outras práticas ilegais ligadas
aos conflitos de terras.
Para mudar esta situação, a sociedade civil organizada e o poder público se uniram na
implantação de ações para mudar estes aspectos da cidade. Uma destas foi a criação da escola
de música e, por conseguinte, a banda. Estas ações tinham como objetivo erradicar o trabalho
infantil, erradicar o analfabetismo e desenvolver atividades artísticas culturais (BERGAMIN,
2015).
Neste sentido, esta pesquisa é importante pois busca entender a influência desta banda
como uma dessas ações que foram de fundamental importância para a mudança deste contexto
que levou a cidade ao patamar de modelo de desenvolvimento, exportando tecnologia social,
levando o município a participar, entre vários eventos, da Conferência Internacional Cidades
Sustentáveis, em 2015, que “se baseia em práticas exemplares de vários municípios do Brasil e
do Mundo, ressaltando políticas públicas que já apresentaram bons resultados em todas as áreas
da administração (idem, p. 104)” .
A prática musical deste grupo configura-se hoje como um importante agente de
mudança social e de tradição de ensino musical, sobre o qual não foram encontradas pesquisas,
evidenciando apenas Bergamin (2015) que faz menção desta sem se aprofundar no tema. Apesar
de haverem pesquisas em bandas no Estado do Pará SALLES (1985, 1951), NINA (2014),
FERREIRA (2016), esta pesquisa sinaliza um contexto no qual ainda não há relevo sobre o
tema.
Assim esta pesquisa é pioneira quanto ao estudo e de fundamental importância para
entender os processos de formação e transmissão musical que mantiveram a escola, e a banda,
ativa durante 20 anos.
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3. Direcionamentos da pesquisa
Através do texto percebe-se que o discurso sobre a escola e a banda está sendo
construído de uma forma totalmente desconhecia a ela mesma, os próprios agentes se
confundem e têm dificuldade de se encontrar dentro destes 20 anos, e apesar dos vários
equívocos na descrição de BERGAMIN, também vê-se o trabalho da secretaria de cultura sendo
descrito apenas como a “escolinha” de música, negligenciando as demais atividades culturais
desenvolvidas no município e enfatizando a representatividade social/cultural da banda de
música.
As práticas musicais que se constituem como “Um processo de significado social,
capaz de gerar estruturas que vão além de seus aspectos meramente sonoros, embora estes
também tenham um papel importante na sua constituição, sendo de extrema importância neste
contexto. ” Principalmente por evidenciar dimensões particulares e diversas em si mesmas
“com seus diferentes elementos (participantes, interpretação, comunicação corporal, elementos
acústicos, texto e significados diversos) seria uma maneira de viver experiências no grupo”
(CHADA, 2007, p.139).
Dessa forma, pretende-se identificar por meio de levantamento documental, em
jornais, revistas, registros audiovisuais, o que há de significativo para representatividade dessa
banda na cidade. Ainda, como há dimensões que não se restringem a aspectos apenas
documentais pretende-se realizar entrevistas em história oral (MEIHY E HOLANDA, 2014
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;MEIHY E RIBEIRO, 2011; THOPSOM, 1992) destacando de que forma a experiencia de vida
é determinante ou não para a banda.
Pretende-se entrevistar os membros da banda que estão desde a fundação da escola
com a finalidade entender como se construiu a identidade da banda, os modos de transmissão 134
de saberes nas práticas musicais, ainda a visibilidade da banda no contexto que está inserido,
evidenciando as experiências vividas dentro deste espaço, tanto musicais quanto sociais, e em
que elas afetaram na sua formação cultural.
Será realizada etnografia musical proposta por Seeger (2008, p. 3), ainda nesse sentido
entendendo que etnografar é “tentar ler (no sentido de construir uma leitura de) um manuscrito
estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários
tendenciosos, escrito não com os sinais convencionais do som, mas com exemplo transitório de
comportamento modelado” (GEERTZ, 1989, p. 13)
Assim sendo, haverá observação dos aspectos das atividades da banda, quanto ao
processo de ensino aprendizagem, prioritariamente, com alunos da banda jovem, que é uma
turma que acolhe os alunos que ingressam com mais de 14 anos na escola, onde eles aprendem
música com um instrumento de sopro e participando dos ensaios da banda. Acredito que esta
turma carregue a principal metodologia de ensino trabalhada na escola, mantendo seu objetivo
principal – formar músicos para atuarem na orquestra. Além disso, busca-se observar como se
dão as apresentações artísticas da banda, como se dá a relação entre os músicos e como se
estrutura a banda, além da organização instrumental e as relações interpessoais na realização de
tais atividades.
Também percebo que as apresentações levam os instrumentistas a lugares em que seu
contexto social natural (família, escola regular, igreja) não o levariam, expandindo o leque
social e abrindo sua mente para muitas opções de atividades que os distanciam de riscos sociais,
como as drogas por exemplo.
Por fim, pretende-se analisar os processos de transmissão de processos educativos e
de saberes, de identidades e de trajetória dessa prática musical a luz de autores da
Etnomusicologia Blacking (2000) e Seeger (2004).
Referências:
BLACKING, John. How musical is man? 6. ed. Seattle: University of Washington, 2000.
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Belém – 2017
CHADA, Sonia. A prática musical no culto ao caboclo nos candomblés baianos. In III
Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais, 2007, Salvador. Anais... Salvador:
EDUFBA, 2007, p. 137-144.
135
FERREIRA, Eliane Cristina Nogueira F., Bandas e fanfarras escolares: processos de ensino
na preparação para o festival de bandas fanfarras de Santarém (PA). Dissertação (mestrado) –
Universidade Federal do Pará, Instituto de Cênicas da Arte, Programa de Pós-Graduação em
Artes, Belém, 2016.
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Tradução de Fanny Wrobel. Revisão técnica
de Gilberto Velho. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1989.
MEIHY, José Carlos Sebe B. e HOLANDA, Fabíola. História Oral: como fazer, como pensar.
São Paulo: Contexto, 2014.
MEIHY, José Carlos; RIBEIRO, Suzana L.Salgado. Guia prático de história oral: para
empresas, universidades, comunidades, famílias. São Paulo: Contexto, 2011.
SEEGER, Anthony. Etnografia da música. Giovanni Cirino (Trad.). In: Sinais diacríticos:
música, sons e significados, Revista do Núcleo de Estudos de Som e Música em Antropologia
da FFLCH/USP, n. 1, 2004.
THOMPSOM, Paul. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
.
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
136
Diego Oliveira Quadros
UFPA – diegoquadros03@gmail.com
Sônia Chada
UFPA - sonchada@gmail.com
Resumo: Aqui abordamos diversos tópicos que versam sobre o Canto congregacional, entre eles
aspectos históricos, principais funções na liturgia dos cultos e os significados destas canções para os
fieis, usando a Assembleia de Deus como exemplo de igreja praticante desta prática musical. Fornecer
informações contextualizadas sobre o Canto Congregacional e a expressão de fé atrelada às letras dessas
canções foi o objetivo principal da proposta. Para tanto foi realizada a revisão da literatura sobre o
assunto e a coleta de dados em campo por meio de entrevistas e observações feitas em alguns templos
da referida Igreja, no Pará.
Palavras-chave: Canto congregacional. Assembleia de Deus. Música e religião.
Title of the Paper in English Congregational song: the faith sung in the Assembleeia de Deus.
Abstract: Here we cover several topics that deal with congregational singing, among them historical
aspects, main functions in the liturgy of the cults and the meanings of these songs for the faithful, using
the Assembly of God as an example of a church practicing this musical practice. Providing contextual
information on the Congregational Song and the expression of faith tied to the lyrics of these songs was
the main objective of the proposal. For that, a review of the literature on the subject and the collection
of data in the field were made through interviews and observations made in some temples of the said
Church, in Pará.
Keywords: Congregational song. Assembleia de Deus. Music and religion.
Introdução
Uma curiosa semelhança entre o Papa Gregório Magno e Martinho Lutero, além de
suas autoridades eclesiásticas em distintos seguimentos do Cristianismo e de suas ligações com
a Música, foi o fato de ambos terem usado a Arte como difusora da fé. Nos séculos iniciais do
Cristianismo como religião oficial do império Romano, o Papa Gregorio “sanou” o dilema a
respeito do uso ou não de imagens dentro da Igreja, instituindo que o uso das mesmas deveriam
se restringir a retratar episódios bíblicos que estavam aquém do alcance de uma grande parte
da população, os que não sabiam ler:
O Papa Gregório Magno, que viveu no final do século VI d.C. lembrava àqueles que
eram contra toda e qualquer pintura que muitos membros da Igreja não sabiam ler
nem escrever, e que, para fins didáticos , as imagens eram tão úteis quanto as figuras
de um livro ilustrativo para crianças. “As pinturas podem fazer para o analfabeto o
que a escrita faz pelos leitores” (GOMBRICH, 2006, p. 104).
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Belém – 2017
As imagens, além de difundir a fé cristã aos não leitores também serviam para
fortalecer a crença de todos os que as comtemplavam. Martinho Lutero, cerca de 10 séculos
depois, em vez das pinturas usou a música para difundir suas crenças e doutrinas, e fortalecer a
fé dos fieis da recém-surgida igreja Protestante. Grosso modo, Lutero usava melodias já 137
conhecidas do cancionário popular europeu para compor versões com letras que versavam sobre
seus ensinamentos.
Os hinos compostos por Lutero eram impressos em alemão 40, facilitando o
aprendizado dos membros da Igreja que agora podiam cantar os hinos executados durante as
cerimônias das Igrejas Protestantes: “Lutero, em 1521, traduz a Bíblia para o alemão, escreve
hinos e, com o Protestantismo, forma o Coral, dando ao povo livre acesso à música dentro da
Igreja” (FREDERICO, 1999, p. 76). De fato, Martinho Lutero deu início a uma nova cultura
musical religiosa: o Canto Congregacional.
A música, então, deixa de ser executada por um grupo seleto da igreja, os coristas e/ou
instrumentistas, e passa a ser cantada por todos os fieis. Esta tradição se mantém até hoje na
maioria das Igrejas de origem Protestante, como é o caso da igreja Assembleia de Deus, onde
se realizou estudo a respeito de tais práticas musicais.
A Assembleia de Deus foi escolhida como espaço amostral neste estudo por ser uma
das igrejas que pratica esta modalidade de canto, por ser uma denominação “tradicional” e zelar
por manter vivo esse costume desde suas origens, e ainda por ser a representante deste
seguimento que se matem como a maior igreja evangélica do Brasil, segundo o censo do IBGE
(2010).
É pertinente destacar que os dados que compõe este artigo, bem como entrevistas,
mídias e referenciais teóricos, foram extraídos da pesquisa realizada no período de 2015 a 2016,
em algumas igrejas do Estado do Pará, para a realização do trabalho de conclusão de curso “A
Harpa Cristã na Liturgia dos Cultos da Igreja Evangélica Assembleia de Deus”. Pretende-se,
com este artigo, fornecer informações contextualizadas sobre o Canto Congregacional, sobre a
expressão de fé contida nessas canções e seus significados para os fieis.
Atualmente, a maioria das pessoas, principalmente as não protestantes, tem uma ideia
errônea a respeito do Canto congregacional. Ao contrário do que se pensa, não se trata de hinos
40 Antes do Protestantismo, que surgiu na Alemanha, os hinos eram escritos e executados em latim.
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que são cantados em uma determinada congregação. Nem todos os hinos entoados em uma
igreja protestante são congregacionais.
Outra definição, não aceita pelos mais tradicionais, imposta pela mídia, oriunda
principalmente de protestantes recém-convertidos, é a de que o Canto congregacional seria 138
aquele estilo de hino executado pelo “Ministério de Louvor”41 de uma igreja, onde os fiéis
levantam as mãos, dançam e bradam liderados por um cantor ou cantora que se posiciona no
altar:
41
Grupo de músicos responsáveis pelos trabalhos musicais de uma igreja evangélica.
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O canto coletivo, com a participação de todos os fieis presentes à missa, era muito
incomum na Igreja Católica durante a Idade Média. Porém, para Lutero, a participação dos fieis
no momento do louvor era de suma importância, visto que via a música como uma arte que
edificaria os fiéis. Era uma maneira de cantar suas súplicas, cantar a mensagem do Evangelho 139
Assim Lutero o fez, porque estava convicto que não era suficiente que as pessoas
estivessem apenas presentes às missas (cultos), mas as suas súplicas deveriam ressoar
dos seus próprios lábios por meio de canções que pudessem traduzir o arrependimento
e a contrição das suas almas e a sua fé e o seu louvor irromperem jubilosos em canto
e música (EWALD, 2012, s/p).
42 Movimento surgido a partir da doutrina de João Calvino, reformador protestante que se baseou no pensamento
de Martinho Lutero.
43 Movimento britânico do final do século XVI que reivindicava profundas mudanças na Igreja Anglicana
baseadas na teologia calvinista.
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e as Igrejas Congregacionais. Essas igrejas influenciariam, mais tarde, na formação dos hinários
congregacionais das Igrejas Protestantes no Brasil, bem como na Igreja Batista, na Congregação
Cristã do Brasil e na Assembleia de Deus.
140
3. Té morrer eu a vou proclamar
Figura 01: Cântico Congregacional no Templo Central da Assembleia de Deus em Belém. Fonte: Acervo
pessoal
O momento do Canto congregacional, que se dá geralmente no início do culto, é onde
a igreja se une em uma só voz para proclamar a sua fé através do canto. Os textos dos hinos
expressam todas as suas crenças, que se fortalecem ao serem declaradas por todos os fieis: “Eu
sempre me emociono quando cantamos o hino de número 304 na igreja. Eu fecho os meus olhos
e me imagino chegando perto do meu Jesus e contemplando sua face, né? Que maravilha!
Glória a Deus! (Entrevista realizada com Mariliana Soares, Vigia-PA, em 12.07.2015):
IV Jornada de Etnomusicologia
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141
Figura 02: Hino da Harpa Cristã, nº 304, A face adorada de Jesus. Fonte: Acervo pessoal.
Ver a face de Jesus, estar com ele em um lugar melhor, em uma cidade onde as ruas
são de ouro e cristais, tal como descrito no hino 26 da Harpa Cristã, é sem dúvida a principal
esperança dos Assembleianos:
Figura 03: Hino da Harpa Cristã, nº 26, A formosa Jerusalém. Fonte: Acervo pessoal.
Essa esperança se baseia na promessa bíblica que diz que o mesmo Cristo que subiu
ao céu voltará em glória a esta terra, a fim de levar a sua igreja para viver eternamente com Ele
(ÁTOS 1: 11; JOÃO 14: 1,2,3; APOCALIPSE 7: 9). Este é o anseio da igreja, se libertar dos
tormentos desta vida, das provações, e receber a recompensas de Cristo dispondo eternamente
de um gozo inimaginável. Sendo essa uma crença tão forte nesta Igreja, diversos hinos da Harpa
Cristã retratam essa esperança em seus textos que, cantados tantas vezes pelos fiéis acabam
fortalecendo essa fé:
Cantar edifica a alma da gente, nós nos alimentamos, isso renova a nossa fé, por que
quando a gente canta, assim, que nem aquele hino ‘quero ver a desejada pátria onde
reina eterno amor; quero ter feliz morada com Jesus, meu Salvador’, aí a vontade de
ver o nosso novo lar aumenta aqui dentro do peito, sabe? A gente sente Jesus
pertinho, pertinho. (Entrevista realizada com Tereza das Luzis, em Traquateua PA,
em 15.12.2015).
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142
Figura 04: Hino da Harpa Cristã, nº 35, O grande amor. Fonte: Acervo pessoal.
Figura 05: Hino da Harpa Cristã, nº 291, A mensagem da cruz. Fonte: Acervo pessoal.
A crença na manifestação do Espirito Santo nos fieis também é tema de muitos desses
hinos. O hino 340 fala do surgimento de um povo revestido do poder, esse poder é o Espírito
Santo. E ainda descreve a cena de ATOS 2, referente ao dia de Pentecostes, uma analogia dos
primeiros cristãos com os Assembleianos:
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143
Figura 06: Hino da Harpa Cristã, nº 291, Um povo forte. Fonte: Acervo pessoal.
Figura 07: Hino da Harpa Cristã, nº 45, Redentor Onipotente. Fonte: Acervo pessoal
Os hinos litúrgicos são os que são usados em cerimônias específicas, bem como
cerimônias fúnebres, a Santa Ceia44, entre outras, simplesmente porque foram feitos para estes
fins ou se tornaram convenientes para certos tipos de serviços na igreja.
Considerações finais
Essa prática musical promove uma maior integração entre os fieis. O Canto
congregacional, além de ser direcionado a Deus como adoração, também serve para fomentar
44 Cerimônia onde se partilha pão e vinho entre os membros da igreja lembrando o sacríficio de Cristo.
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absorvem essas doutrinas. Além disso, esses hinos também são ferramentas importantes para o
“desenvolver” das cerimônias mais praticadas da Igreja. Definir um estilo musical para o
hinário Hárpa Cristã torna-se inviável, considerando que seus hinos foram compostos por
diversos autores em diferentes épocas, e ainda que a grande maioria destes hinos foram
compostos a partir de melodias populares e folclóricas de partes distintas da América e da
Europa, resultando, assim, em um hinário estilisticamente diversificado.
Em relação ao fazer musical, relacionado aos hinos da Harpa Cristã, observou-se que
em geral os hinos são cantados no começo do culto por todos os presentes, como um grande
coral em uma só voz, sendo este o principal aspecto que os define como Cânticos
congregacionais, tal como se dava as práticas musicais com os hinos congregacionais de
Martinho Lutero, criador deste estilo musical eclesiástico, que se manteve vivo até a atualidade
em Igrejas Protestantes, como na Assembleia de Deus. Os objetivos de Lutero, como o de
fortalecer a fé através dos hinos cantados por todos na igreja, também permanecem até hoje
neste seguimento. Mas, concernente à execução destas canções, diferentemente da liturgia das
primeiras igrejas protestantes, notou-se a inserção de instrumentos na prática do Canto
congregacional. Nos tempos de Lutero os hinos congregacionais eram executados somente a
capela.
Atualmente os hinos congregacionais na Assembleia de Deus são, geralmente,
acompanhados por instrumentos que compõem uma orquestra, e/ou por instrumentos
eletrônicos e bateria. Observou-se, porém, que a ausência de instrumentos não se caracteriza
como impedimento para que a prática musical destes hinos aconteça. Em diversos momentos
da pesquisa se percebeu a ausência de músicos instrumentistas em alguns eventos da igreja.
Assim, o acompanhamento instrumental no Canto congregacional, na Assembleia de Deus, é
um complemento para a prática musical que se dá, principalmente, através do canto de todos os
membros que estiverem presentes. Os músicos mais atuantes nesta prática são os cantores, os
próprios fieis. A prática musical dos hinos da Harpa Cristã na Assembleia de Deus acontece,
principalmente, através dos cantores, dos fiéis que também são coristas. É de fato um canto de
toda a congregação, o Canto congregacional.
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Referências:
FREDERICO, Edson. Música Breve História. São Paulo: Ed. Irmãos Vitale, 1999.
PIRES, Airan. A volta de Jesus. Assembleia de Deus Novo Viver. Disponível em: <
http://novoviver.com.br/site/multimedia-archive/sermao-a-volta-de-jesus-cristo/> Acesso em
25/03/2016.
PRIOLLI, Maria Luiza de Mattos. Princípios Básicos da Música para juventude. Rio de
Janeiro: Editora Casa Oliveira de Música. 1985.
QUADROS, Diego Oliveira. Entrevista de Mariliana Soares. 12/07/2015. Vigia PA. Gravação
de áudio. Templo Centra da Assembleia de Deus em Vigia.
QUADROS, Diego Oliveira. Entrevista de Tereza das Luzes, 15/12/2015. Traquateua PA.
Gravação de áudio. Templo Central da Assembleia de Deus em Traquateua.
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Resumo: Este estudo enfoca aspectos da escrita e da técnica pianística existentes na I Suíte Brasileira
para piano solo, de Oscar Lorenzo Fernândez (1897 – 1948), utilizando-se de ferramentas previamente
estabelecidas, que visam ajudar a identificar as dificuldades existentes na mencionada obra musical. A
análise da obra foi feita a partir de categorias anteriormente estabelecidas como: tempo e ritmo, melodia,
textura e sonoridade, produzida de forma tanto quantitativa quanto qualitativa. A partir dos critérios
utilizados, percebeu-se de forma mais nítida os obstáculos existentes na referida suíte.
Palavras-chave: Análise. Lorenzo Fernândez. Piano.
Analysis of the technical pianistic difficulty in the I Suíte Brasileira of Oscar Lorenzo Fernandez
Abstract: This study focuses on an analysis from the aspects of writing and technical pianistic existing
in I Suite Brasileira for solo piano, Oscar Lorenzo Fernandez (1897 - 1948), using previously
established tools aimed at helping to identify the difficulties in the mentioned work musical. The
analysis of the work was made from categories previously established as: time and rhythm, melody,
texture and sound, produced both quantitatively and qualitatively. Based on the criteria used, it was
realized more clearly the existing or not this suite obstacles.
Keywords: Analysis. Lorenzo Fernândez. Piano.
1. Introdução
Oscar Lorenzo Fernândez (1897 – 1948) foi um compositor carioca que recebeu de
sua irmã as primeiras noções de música e, em 1917, sob sua orientação, ingressou no Instituto
Nacional de Música do Rio de Janeiro, onde foi discípulo de Henrique Oswald, Francisco
Braga, Frederico Nascimento e J. Otaviano.
Em 1920, foi um dos responsáveis pela fundação da Sociedade Cultura Musical, onde
ocupou diversos cargos, até sua extinção em 1926. Já em 1936, fundou o Conservatório
Nacional de Música, no Rio de Janeiro, uma das mais importantes instituições musicais do
país. Apaixonado pelo folclore, Lorenzo procurou incentivar o nacionalismo musical
brasileiro, por meio de várias composições ricas em ritmos brasileiros com temas de inspiração
folclórica.
Segundo MARIZ (2000), sua produção artística pode ser dividida em três períodos:
o primeiro, de 1918 a 1922; o segundo, de 1922 a 1938; e o terceiro, de 1938 a 1948. Sua obra
compreende canções, suítes sinfônicas, balés, música de câmara, concertos (um para piano e
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outro para violino) e duas sinfonias, das quais destacamos: Trio brasileiro Op.32 (1924, piano,
violino e violoncelo), Suíte Sinfônica (1925, orquestra), Três Estudos em forma de Sonatina
(1929, piano), O Reisado do Pastoreio (1930, orquestra), Toda para você (1930, canto e
piano), Valsa Suburbana op. 70 (1932, piano), Primeira Suíte Brasileira (1936, piano), 147
Segunda Suíte Brasileira (1938, piano) e Terceira Suíte Brasileira (1939, piano).
A realização de um levantamento bibliográfico preliminar sobre trabalhos do
compositor revelou que ARAÚJO FILHO (1996), em seu Estudo Analítico e Interpretativo
sobre as Três Suítes Brasileiras de Oscar Lorenzo Fernandez, teve por objetivo primeiro fazer
um estudo histórico sobre a vida e a criatividade de Lorenzo somado a um trabalho analítico
da estrutura composicional das três Suítes Brasileiras e da apresentação de algumas conclusões
interpretativas das obras sem, no entanto, tratar da questão relativa à dificuldade técnica que
elas apresentam.
Com o intuito de preencher essa lacuna bibliográfica, este trabalho propõe um estudo
da I Suíte Brasileira, sob o ponto de vista pianístico, visando identificar e caracterizar a
dificuldade técnico-musical perceptível nessa obra. Para tanto, será necessário obter um
melhor conhecimento pianístico da composição através da utilização de ferramentas
específicas para a realização da análise proposta.
A I Suíte Brasileira compõe-se de três peças, a seguir discriminadas:
- I Velha Modinha
- II Suave Acalanto
- III Saudosa Seresta
A escolha dessa I Suíte como tema deste artigo justifica-se tanto pela sua
popularidade no repertório didático-pianístico brasileiro como, também, pela inexistência, até
o momento, de um estudo que ofereça, aos professores de piano, ferramentas pedagógicas que
lidem especificamente sobre a dificuldade técnico-musical daobra.
Para viabilizar esse estudo, torna-se necessário o estabelecimento da seguinte
metodologia:
Levantamento bibliográfico de textos publicados sobre o compositor e sua obra que
tenham relação com a pesquisa, incluindo livros, teses, monografias e artigos. Será
feito um exame abrangente desses materiais para que se possa obter uma visão geral
de sua vida e da sua obra e, assim, ter uma melhor compreensão da Suíte que aqui
será abordada;
• Aplicação de categorias a serem utilizadas na investigação da dificuldade
técnico-musical: tempo e ritmo, melodia, textura e sonoridade, assim como a
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2. Velha Modinha
2.2 Melodia
A melodia central tem por base uma linha tipicamente vocal, executada pela voz do
soprano, construída toda em legato e basicamente por graus conjuntos. Esta melodia estende-
se por oito compassos, reaparecendo de maneira variada, por mais duas vezes, novamente com
oito compassos para cada uma das frases. A coda é constituída pela repetição da introdução,
acrescida do motivo principal, o qual permeou toda a obra.
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150
2.3. Textura
A obra apresenta uma textura polifônica, um plano de três vozes assim organizadas:
a linha do soprano como voz principal; tenor como complemento harmônico, utilizando
algumas vezes fragmentos da linha melódica; e baixo que é o condutor da estrutura harmônica.
Sendo assim, o intérprete deverá criar três planos sonoros distintos para dar clareza à
construção polifônica. A disposição das vozes gera pouca simultaneidade sonora, tornando
assim a textura leve.
2.4 Sonoridade
3. Suave Acalanto
Escrita em Fá Maior, tanto o título quanto a atmosfera da peça sugerem uma canção
de ninar, o que é demonstrado pelo ostinato feito pela mão esquerda. Em 25 compassos, a peça
possui uma forma unitária (A) em seis frases, onde as características rítmicas e melódicas são
similares e constantes. As frases estão assim organizadas: 1ª Frase [1-4], 2ª Frase [5-8], 3ª
Frase [9-12], 4ª Frase [13-16], 5ª Frase [17-20], 6ª Frase [21-24] e Codetta [24-25].
Suave Acalanto é uma peça de andamento lento e tranquilo, sugerido pela indicação
suavemente. Em compasso quaternário simples, a construção rítmica de Lorenzo Fernândez é
caracterizada pela repetição contínua da mesma célula rítmica (na mão direita), quatro
colcheias e uma mínima, e a sensação de acalanto se dá pela presença do ostinato (na mão
esquerda), colcheia e pausa. Não há nenhuma indicação na partitura em relação à agógica.
3.2. Melodia
Encontramos nesta peça seis frases musicais, todas com quatro compassos e início
anacrúsico, o que realça simetria e proporção como elementos fundamentais utilizados pelo
compositor. Todas as frases têm início com um movimento melódico ascendente.
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A melodia, simples e de extensão restrita, é cantada todo o tempo pela mão direita,
com predominância de graus conjuntos. A articulação é simples, com presença de legato nas
mínimas e stacatto com legato nas colcheias.
152
NÍVEL DE DIFICULDADE: Pouca dificuldade
3.3. Textura
3.4 Sonoridade
Já no final da peça o único ppp é alcançado de maneira bem gradual, pouco antes
das duas únicas fermatas, no último compasso.
153
4. Saudosa Seresta
Seresta possui o mesmo significado de serenata, que surgiu com este novo nome no
Rio de Janeiro, no início do século XX45. De caráter sentimental, esta peça é escrita em Ré
Menor, em forma ternária A – B – A, sendo A de [1-16], B de [17-48] e A’ de [49-64].
Considerando-se o desenho melódico, tem-se uma subdivisão na parte B, o que geraria o
formato A – B – B’ – A, com dezesseis compassos para cada uma das seções.
melódica simples e clara. Em relação aos sinais de rallentando que aparecem na partitura,
ressaltamos a função de conexão entre o final de uma frase e início da outra.
154
4.2 Melodia
Esta peça está estruturada em quatro frases, a primeira na seção A, duas na seção B e
a última na seção A’, com a distribuição simétrica de dezesseis compassos para cada uma das
frases. A seção A tem como característica a melodia simples executada pelo baixo e um
acompanhamento em terças feito pela mão direita.
155
4.3. Textura
Há, nesta peça, dois tipos de textura: na seção A temos uma textura polifônica com
duas linhas melódicas, uma feita pelo baixo (responsável pela melodia principal) e a segunda
linha pelo soprano e contralto, em terças; na seção B a textura é homofônica, contendo a linha
melódica no soprano com o acompanhamento feito pelo tenor e baixo. Pode-se dizer, portanto,
que a textura se reveste aqui de uma função estruturante, já que caracteriza claramente cada
uma das seções.
4.4 Sonoridade
Assim como nas outras peças da I Suíte Brasileira, em Saudosa Seresta não há grandes
deslocamentos de mão, apenas uma mudança de registro da seção A para B. Como a peça 156
apresenta, predominantemente, uma escrita melódica em graus conjuntos, o toque legato
inviabiliza a presença do pedal na seção A (observe-se a indicação legato, ma senza pedale, no
início da peça); porém, na seção B o uso do mesmo é indicado pelo compositor em todos os
compassos da partitura. A utilização adequada do pedal deve levar em conta outros fatores
como andamento, qualidades acústicas do piano e da sala, assim como o tipo de toque utilizado.
5. Considerações Finais
157
Ao estudar e analisar a I Suíte Brasileira de Oscar Lorenzo Fernândez, pode-se
constatar que o Fernadêz se utiliza principalmente de pouca dificuldade na composição desta
obra, principalmente nas categorias Tempo e Ritmo, Melodia e Sonoridade; com relação à
categoria Textura, podemos considerar de razoável dificuldade.
Acredita-se que os resultados desta pesquisa possam vir a lançar uma luz sobre o
trabalho daqueles que venham a se debruçar sobre a I Suíte Brasileira, sejam eles intérpretes,
professores ou estudantes, a partir de uma maior consciência em relação aos níveis de
dificuldade pianístico-musical presentes na obra. Não obstante, novos dados referentes à
interpretação pianística da obra aqui abordada sempre poderão ser acrescentados, em especial
a partir de observações originais advindas da experiência única que cada intérprete pode ter
com a obra. Alguns aspectos que podem ainda vir a ser trabalhados sobre gradação de
dificuldade técnica dizem respeito, por exemplo, à expressividade musical, emprego da
tonalidade, e utilização de movimentos pianísticos, toques e dedilhados.
Por consequência, espera-se que este trabalho possa servir de estímulo para o
surgimento de novos estudos relacionados também às três Suítes Brasileiras, em particular, e,
em geral, à identificação dos diferentes níveis de dificuldade pianístico-musical em outras obras
do repertório pianístico brasileiro. Este repertório, sabidamente rico em originalidade e
diversidade, carece ainda de investigações que trabalhem diversas e importantes questões
diretamente relacionadas à sua performance, vindo assim a contribuir para seu melhor
conhecimento – e eventual reconhecimento – dentro do cenário musical brasileiro.
Referências:
- Livro
KAPLAN, José Alberto. Teoria da Aprendizagem Pianística. Porto Alegre: Editora
Movimento, 1985. 112 p.
LEIMER, Karl; GIESEKING, Walter. Como Devemos Estudar Piano. Trad. Tatiana
Braunwieser. São Paulo: Editorial Mangione S. A., 1949. 63p.
MARCONDES, Marcos Antônio; RIBENBOIM, Ricardo. Enciclopédia da Música
Brasileira: Erudita, Folclórica e Popular. 2 ed. rev. e aum. São Paulo: Art Editora, 1998.
912p.
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MARIZ, Vasco. História da Música no Brasil. 5 ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira,
2000. 550p.
ARAÚJO FILHO, Alfeu Rodrigues de. Estudo Analítico e interpretativo sobre as três Suítes
Brasileiras de Oscar Lorenzo Fernândez. 1996. 164f. Dissertação (Mestrado em Artes) –
Universidade Estadual de Campinas, São Paulo.
SANTIAGO, Júnia Gonçalves. A progressão da dificuldade técnica para piano nas três
Suítes Brasileiras para piano de Oscar Lorenzo Fernandez. 2007. 71f. Artigo (Mestrado em
Música) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
- Partitura publicada
FERNÂNDEZ, Oscar Lorenzo. 1ª, 2ª e 3ª Suíte Brasileira. Irmãos Vitale-Editores. São
Paulo, Rio de Janeiro, 1942. 9 Partituras (33p). Piano Solo
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Resumo: Este estudo enfoca aspectos da escrita e da técnica pianística existentes na II Suíte Brasileira
para piano solo, de Oscar Lorenzo Fernândez (1897 – 1948), utilizando-se de ferramentas previamente
estabelecidas, que visam ajudar a identificar as dificuldades existentes na mencionada obra musical. A
análise da obra foi feita a partir de categorias anteriormente estabelecidas como: tempo e ritmo, melodia,
textura e sonoridade, produzida de forma tanto quantitativa quanto qualitativa. A partir dos critérios
utilizados, percebeu-se de forma mais nítida os obstáculos existentes na referida suíte.
Palavras-chave: Análise. Lorenzo Fernândez. Piano.
Analysis of the technical pianistic difficulty in the II Suíte Brasileira of Oscar Lorenzo Fernandez
Abstract: This work presents an analysis from the aspects of writing and technical pianistic existing in
II Suite Brazilian solo piano, the Brazilian composer Oscar Lorenzo Fernandez, using methods
previously stipulated that aims to help point out the real difficulties in that musical work. The analysis
of the work was drawn from categories previously defined as: time and rhythm, melody, texture and
sound, established both quantitatively and qualitatively. From the applied criteria, it was noted more
clearly the difficulties or not on the suite.
Keywords: Analysis. Lorenzo Fernândez. Piano.
1. Introdução
canto e piano), Valsa Suburbana op. 70 (1932, piano), Primeira Suíte Brasileira (1936, piano),
Segunda Suíte Brasileira (1938, piano) e Terceira Suíte Brasileira (1939, piano).
Durante minucioso levantamento sobre a bibliografia existente a respeito do
compositor e sua obra, foi encontrado um Estudo Analítico e Interpretativo sobre as Três 160
Suítes Brasileiras de Oscar Lorenzo Fernandez, escrito por ARAÚJO FILHO (1996), que tem
como enfoque a história sobre a vida e a criatividade do compositor, seguido de um trabalho
analítico do alicerce composicional das três Suítes Brasileiras, assim como de acabamentos
interpretativos das composições sem, no entanto, ser investigada a questão relativa à
dificuldade técnica das obras.
Consultas em tratados de técnica pianística, incluindo os livros Teoria da
Aprendizagem Pianística, de KAPLAN (1985) e Como devemos estudar piano, de LEIMER
e GIESEKING (1949), revelam que os autores evidenciam a necessidade de um estudo
racional para que uma execução pianística mais concreta, do estabelecimento de modelos
gerais significativos para um estudo acerca de dificuldades técnico-musicais.
Assim posto, a seleção da II Suíte Brasileira como assunto deste artigo fundamenta-
se, como mencionado acima, não somente pelo valor que ela representa para o repertório
didático-pianístico brasileiro, mas, principalmente, pela ausência, até o momento, de um
estudo que ofereça aos professores de piano, mecanismos pedagógicos que identifiquem as
dificuldades técnico-musicais na peça e ofereçam formas de lidar com elas.
A II Suíte Brasileira é composta de três peças:
- I Ponteio
- II Moda
- III Cateretê
O presente estudo fez uso da seguinte metodologia:
• Levantamento bibliográfico de textos publicados sobre o compositor e sua obra, que
tenham relação com a pesquisa, incluindo livros, teses, monografias e artigos;
• Estudo da II Suítes Brasileiras, por meio de repetidas execuções no piano, com o
intuito de encontrar mecanismos que ajudem a detectar não só as dificuldades
pianísticas da peça, como, e principalmente, descobrir meios técnicos que melhor
satisfaçam os requisitos de interpretação inseridas pelo texto musical e que só podem
ser deduzidos através da experimentação no próprio instrumento;
• Aplicação de categorias a serem utilizadas na investigação da dificuldade técnico-
musical: tempo e ritmo, melodia, textura e sonoridade, assim como a classificação de
três níveis a serem utilizados para o estabelecimento da dificuldade de cada categoria
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
2. Ponteio
Esta é uma peça de andamento lento, evidenciado pela indicação Lento e expressivo.
Lorenzo Fernândez ainda utiliza outros termos para alteração de andamento, como allargando,
ritardando, diminuendo e morrendo.
Apesar de a obra ser extremamente curta, Lorenzo Fernândez varia muito do
compasso binário simples para o ternário simples, chegando a mudar quatro vezes de um para
o outro; entretanto, devido ao emprego de allargando na construção ternária, o efeito das
mudanças de compassos é sutilmente minimizado.
Em alguns momentos, como que para enfatizar o allargando, o compositor emprega
quiálteras de três colcheias, como na voz do soprano em [5], [10] e [15], e na voz do contralto
em [18] e [19].
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
162
2.2. Melodia
163
2.3 Textura
Nesta peça temos uma textura polifônica, com o desenvolvimento de três vozes
distintas: soprano, contralto e baixo. Na 1ª. Frase [1-3] a polifonia é mais evidente, onde se
percebe o contratempo do contralto e a linha em oitavas do baixo destacando-se do
soprano. Em certos trechos, como em [15] e [16], as três vozes têm o papel de adensar a textura,
pois todas são tocadas em movimentos paralelos ascendentes.
2.4. Sonoridade
3. Moda
Moda é um dos gêneros mais característicos da canção brasileira, tem sua origem na
moda portuguesa. Tal canção era geralmente acompanhada pelo violão 46. Nesta peça, em Mi
Menor, temos 44 compassos, distribuídos em quatro frases na seguinte forma ternária: A [1-
11]; B [12-29]; A [30-41] e CODA [42-44].
165
3.2 Melodia
pela mão direita e o acompanhamento é feito pelas duas mãos formando acordes em
contratempo. Nesta seção as duas articulações usadas serão fundamentais para discernir a linha
melódica – em legato – do acompanhamento – em non-legato – numa clara emulação da
sonoridade violonística. 166
A partir de [12] tem início a seção B, onde a melodia é novamente tocada em legato.
Nesta seção a melodia recebe um tipo de deslocamento métrico a partir da síncope que surge
em sua voz inferior (executada com o polegar), a qual gera outra linha melódica relacionada
a uma sequência de arpejos, em intervalos predominantemente de sexta, na voz superior. A
coda reafirma o motivo melódico fundamental para a construção da peça.
3.3. Textura
4. Cateretê
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
Este procedimento rítmico não tem continuidade na seção B. O ostinato feito pelo
baixo que percorre quase toda a obra, sofre uma interrupção devido ao aparecimento de um
novo elemento, a polirritmia, com a inclusão de tercinas no acompanhamento em [48-50] e
[52-54].
_____________________________
2. Enciclopédia da Música Brasileira: Erudita, Folclórica e Popular, de MARCONDES e RIBENBOIM,
p.181, (1998).
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
169
4.2 Melodia
4.3. Textura
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
4.4. Sonoridade
171
Nesta obra são utilizadas as três regiões do instrumento, sendo que na parte A
predomina a região grave e na parte B a região aguda.
5. Considerações Finais
performance tem conhecimento dos pontos altos e baixos das dificuldades técnicas já
discriminados, subtraindo eventuais desistências da obra musical por falta de compatibilidade
com seu nível técnico.
A atuação pianística da obra aqui debatida ainda pode ser acrescida, a partir de ideias 172
originais advindas da experiência singular que cada intérprete pode ter com a obra. Existe ainda
alguns pontos que podem vir a ser adquiridos sobre a dificuldade técnica como por exemplo,
determinados empregos de toques e dedilhados, expressividade musical, aplicação da
tonalidade e movimentos pianísticos.
Referências:
- Livro
KAPLAN, José Alberto. Teoria da Aprendizagem Pianística. Porto Alegre: Editora
Movimento, 1985. 112 p.
LEIMER, Karl; GIESEKING, Walter. Como Devemos Estudar Piano. Trad. Tatiana
Braunwieser. São Paulo: Editorial Mangione S. A., 1949. 63p.
MARCONDES, Marcos Antônio; RIBENBOIM, Ricardo. Enciclopédia da Música
Brasileira: Erudita, Folclórica e Popular. 2 ed. rev. e aum. São Paulo: Art Editora, 1998.
912p.
MARIZ, Vasco. História da Música no Brasil. 5 ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira,
2000. 550p.
- Dissertações ou Teses
ARAÚJO FILHO, Alfeu Rodrigues de. Estudo Analítico e interpretativo sobre as três Suítes
Brasileiras de Oscar Lorenzo Fernândez. 1996. 164f. Dissertação (Mestrado em Artes) –
Universidade Estadual de Campinas, São Paulo.
SANTIAGO, Júnia Gonçalves. A progressão da dificuldade técnica para piano nas três
Suítes Brasileiras para piano de Oscar Lorenzo Fernandez. 2007. 71f. Artigo (Mestrado em
Música) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
- Partitura publicada
FERNÂNDEZ, Oscar Lorenzo. 1ª, 2ª e 3ª Suíte Brasileira. Irmãos Vitale-Editores. São
Paulo, Rio de Janeiro, 1942. 9 Partituras (33p). Piano Solo
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173
SESSÃO 03
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
Resumo: Este estudo pretende abordar as vivencias em torno do carimbó no contexto da vila de Alter
do Chão, no município de Santarém – PA. Possui o objetivo de traçar um possível perfil de alteração de
determinadas funções simbólicas que dizem respeito aos meios pelos quais o carimbó adere diferentes
símbolos ao seu status de expressão cultural. Parte-se da hipótese de que houveram mudanças na
maneira com que ele é difundido e comercializado. Esta abordagem nos parece relevante na medida em
que seu “campo” específico (no sentido de Bourdieu) parece poder revelar as dinâmicas entre relações
de identidade, cultura imaterial, turismo e mercantilização. A partir disso, busca-se entender em sentido
mais amplo o processo de alteração da dinâmica social presente nas relações ligadas ao carimbó,
situadas em circunstancias de alta atratividade turística local e crescente popularidade do ritmo em
cenários extra-locais. Acreditamos que esses fatores funcionam como motores para o fomento do seu
consumo e como promotores de alterações na concepção popular acerca do gênero artístico em questão.
Portanto, como um fenômeno simbólico que possui sua própria dinâmica de transformações e
metamorfoses é possível entender o carimbó de uma nova maneira a partir do contexto de sua
reprodução local por meio dos processos inseridos nesse contexto.
Palavras-Chave: Carimbó. Patrimônio imaterial. Mercantilização.
Title of Paper in English: The intermediate between artistic expression and merchandise: the case os
carimbó in Alter do Chão - PA
Abstract: This paper aims at approach experiences regarding the carimbó, the regional dance of the
State of Para, specifically in Alter do Chão village in the city of Santarém. It has as an overarching goal
to outline possible alterations of certain symbolic functions that relate to the carimbó due to its status of
cultural expression. As a starting point, we present the hypothesis that changes have occurred in the way
the carimbó has been spread and commercialized. This perspective seems relevant to us as the carimbó
specific "field" (in Bourdieu's sense) seems to be able to reveal the dynamics between identity relations,
intangible culture, tourism, and commodification. From this, we seek to understand in a broader sense
the process of changing of the social dynamics present in the relations connected to the carimbó, situated
in circumstances of high local tourist attractiveness and increasing popularity of the rhythm in extra-
local scenarios. We believe that these factors act as a king of ‘motor’ for the promotion of its
consumption and as promoters of changes in the popular conception of the carimbó. Therefore, as a
symbolic phenomenon that has its own dynamics of transformations and metamorphoses it is possible
to understand the carimbó in a new way from the context of its local reproduction through the processes
inserted in that context.
Keywords: Carimbó. Intangible heritage. Commodification.
O presente artigo se pretende como uma abordagem inicial às relações entre música,
comércio e identidade em torno do carimbó na vila de Alter do Chão. O carimbó é tido como
um elemento constituinte da identidade local e um símbolo cultural nativo. A vila de Alter
possui uma forte atratividade turística. Além disso, a “cultura paraense” atingiu uma certa
notoriedade em nível nacional. Sua difusão em redes de comunicação em massa parece ter
IV Jornada de Etnomusicologia
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contribuído para que o carimbó obtivesse novas ramificações interpretativas por parte dos
sujeitos presentes nas redes de relações que o envolvem. Aparentemente elas seriam diferentes
de suas interpretações originais, ligadas às tradições das comunidades carimbozeiras. Estas, em
um movimento coletivo de salvaguarda conquistaram para o carimbó o título patrimônio 175
cultural imaterial brasileiro (IPHAN, 2014:2). Os sujeitos ativos nesse cenário variado seriam
músicos, produtores de eventos, proprietários de estabelecimentos, dançarinos, público
simpatizante e finalmente pessoas que atuam indiretamente nesses meios, mas que
inevitavelmente participam dessa dinâmica social. Numa prospecção inicial ao fenômeno que
buscamos analisar, foi possível perceber o que caracterizo inicialmente como um forte apelo ao
“exótico”, que poderia ser interpretado como uma tentativa de impulsionar sua atratividade
comercial. É possível perceber um direcionamento para o público não-nativo, em geral, turistas
de passagem pela vila.
A coreografia da dança e sua linguagem corporal, os ornamentos dos trajes de músicos
e dançarinos, as múltiplas cores das vestimentas estampadas e a musicalidade percussiva guiada
pelo curimbó e pela maraca, são algumas particularidades do carimbó que o tornam único. Estes
elementos estão ligados a noções de identidade, autenticidade e afirmações de tradições
específicas dos nativos. Por outro lado, eles também dão suporte à necessidade mercadológica
da indústria cultural. Em abordagem ao conceito analítico de Industria Cultural, Theodore
Adorno e Max Horkheimer sugerem que “a tradução que a tudo estereotipa, inclusive o que
ainda não foi pensado, no esquema da reprodutibilidade mecânica, supera em rigor e validade
qualquer estilo verdadeiro47” (ADORNO e HORKHEIMER, 1985: 106). Segundo Walter
Benjamin, a possibilidade de reprodução técnica faria com que os produtos criados a partir das
manifestações tradicionais consigam alcançar cenários muito mais longínquos, comparado ao
que a reprodução manual dos objetos originais alcançaria. Isso por que a reprodutibilidade
técnica pertence à lógica essencial da indústria cultural e, para cumprir seu papel, é dotada
grande autonomia de produção e capacidade de distribuição das cópias produzidas
(BENJAMIN, 1994:168). A pesquisa em andamento procura, sobretudo, entender as
percepções nativas dessa massificação. Percepções no plural, pois ao que tudo indica,
encontraremos entendimentos diferentes e até mesmo conflitantes entre os distintos atores do
campo onde o carimbó acontece. O apelo “exotizante” pode ser entendido como inautêntico
para um morador da vila, ao passo que trará para um turista estrangeiro a sensação de estar
entrando em contato com algo “tradicional”.
Quando se fala de tradição, autenticidade e originalidade, talvez ocorra ao leitor a 176
impressão de um discurso purista. Entretanto, acreditamos que nossa pesquisa poderá colocar
em evidência os distintos significados destes termos para os atores no contexto etnográfico em
que o carimbó “acontece” na vila de Alter do Chão. Como foi dito, o seu reconhecimento
enquanto um patrimônio cultural e imaterial brasileiro, contribuiu para esclarecer sobre
importância dos elementos culturais dos grupos em que o carimbó assume grande relevância.
A origem desses elementos se dá, por exemplo, pelo papel fundamental dos mestres para a
transmissão de conhecimento em suas comunidades a partir da história oral, as influências das
práticas indígenas, negras e ibéricas para a constituição da musicalidade do ritmo, as atribuições
religiosas, o retrato das memórias dos grupos, a ligação com a natureza, dentre outros. Portanto,
“a produção e reprodução do carimbó, assim como todos os bens culturais associados a ele, são
parte intrínseca dos processos de formação identitária dos sujeitos e sua prática está
profundamente enraizada no cotidiano das comunidades carimbozeiras” (IPHAN, 2014: 2).
Restam-nos as perguntas: teria esse reconhecimento influenciado a valorização do
ritmo? Teria ele “inflacionado”, em algum sentido, o valor e os valores a ele atribuídos pelos
muitos atores que compõem seu cenário? Investigar as dinâmicas sociais ligadas ao carimbó e
as sucessões provenientes deste processo é algo imprescindível para elucidar o funcionamento
dessa prática nativa em um regime constante de atribuição de novos significados e, dessa forma,
anular ou certificar a hipótese de que a sua reprodução comercial na vila de Alter do Chão
desliga-se de aspectos tradicionais e históricos referentes ao carimbó.
A população nativa de Alter do Chão, fazendo parte de algum grupo ou não, inevitavelmente
possui ligações intrínsecas com o carimbó, o que a torna uma indispensável fonte de
informações, principalmente quando se trata do contexto histórico e das representações que o
carimbó possui. 177
i) o sistema de regras do sistema de sons musicais, que pode ser obtido especialmente
com os músicos, e (ii) a análise do contexto, em termos de conceitos e comportamento,
estrutura e processo, utilizando a teoria antropológica, os métodos de observação e
dedução. (QURESHI, 1987 apud SEEGER, 2008: 16).
3. Possibilidades teóricas
reciprocamente determinado por estes mesmo participantes na medida em que eles absorvem
diversas influências promovidas pela dinâmica social e, por conta disso, inevitavelmente,
produzem modificações em sua estrutura geral. O habitus seria a outra face desse processo de
estruturação do comportamento, pois esta noção é então concebida como um conjunto de 178
(APPADURAI, 2008:19), isto é, uma concepção mais permeável, pois não distancia o conceito
de mercadoria de idéias presentes em outras formas de trocar objetos e das suas razões culturais
que provocam o estimulo da produção dessa mercadoria.
179
3. Conclusões
Por se tratar de uma pesquisa incipiente, evidentemente ainda não se possui dados
etnográficos que possam comprovar a dinamicidade das relações sociais nas quais o carimbó
exerce grande relevância. Portanto, a aproximação com o contexto em questão se torna um
passo imprescindível para se alcançar a análise sobre os significados de prováveis categorias
nativas como a de tradição e autenticidade. Estas categorias são fundamentais para traçar as
etapas de entendimento do carimbó enquanto uma prática cultural nativa e enquanto um produto
passível de comercialização. Dessa forma, será possível obter conclusões mais precisas sobre
processo de comercialização do carimbó na vila de Alter do Chão a partir dos papeis dos agentes
envolvidos na consolidação de novos significados e entendimentos sobre o gênero artístico.
Referências:
APPADURAI, Arjun. A Vida Social das Coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural.
Niterói. 2008.
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas: Magia e técnica, arte e política. 3 ed. São Paulo:
Brasiliense, 1987.
SEEGER, Anthony. Etnografia da música. Cadernos de campo, São Paulo, n. 17, p. 237-260,
2008.
QURESHI, Regula. Music Sound and Contextual In: a Performance Model for Musical
Analysis, Ethnomusicology, xxxi, 1987. p. 56-87.
Resumo: Este trabalho apresenta características importantes dos processos sociais formadores da
musicalidade da Barquinha. Sobre uma perspectiva musical, atrelada a estudos pertinentes acerca da
espiritualidade e religiosidade dos povos amazônicos ocidentais, este trabalho apresenta também, a
relação entre a performance ritualística ayahuasqueira e os processos sociais que estruturaram a
Barquinha fundada por Daniel Pereira de Matos em 1945 na cidade de Rio Branco no Acre, e, a
modernização da música ayahuasqueira nos contextos contemporâneos dos centros urbanos. A
performance ritualística da Barquinha engloba música, dança, vestimentas e diversas outras
características que transitam no backstage da sua estrutura sociocultural. Seguindo nessa direção,
estudos empíricos acerca da estrutura social que originou a Barquinha, revela que a presença das
matrizes religiosas afro-brasileiras está estritamente conectada aos processos migratórios ocorridos na
Amazônia no final do século XIX e começo do século XX devido ao boom da borracha. Como
consequência deste fenômeno, uma nova diversidade intercultural condicionou uma inédita experiência
religiosa-musical (MOURA, 2016), agregando na Barquinha as tradições religiosas nativas da
Amazônia, como o culto da bebida sagrada, e, as heranças culturais dos migrantes, em grande parte
nordestinos do Brasil. Neste trabalho foi possível descobrir a importância da influência negra na
performance ritualística ayahuasqueira como elemento de mediação entre o fundador da Barquinha
mestre Daniel, os nativos amazônicos e os fiéis da Barquinha, inter-relacionando a música, performance
ritualística e a centralidade da ayahuasca no ritual.
Palavras-chave: Ayahuasca. Barquinha. Amazônia.
Abstract: This paper presents important characteristics of the social processes that formed Barquinha's
musicality. On a musical perspective, linked to pertinent studies about the spirituality and religiosity of
the western Amazonian peoples, this paper also presents, the relationship between the ayahuasca ritual
performance and the social processes that structured the Barquinha founded by Daniel Pereira de Matos
in 1945 in the city of Rio Branco in Acre, and the modernization of ayahuasca music in the
contemporary contexts of urban centers. Barquinha's ritualistic performance encompasses music, dance,
clothing and various other characteristics that transcend the backstage of its sociocultural structure.
Following in this direction, empirical studies about the social structure that originated the Barquinha,
reveals that the presence of Afro-Brazilian religious matrices is strictly connected to the migratory
processes that occurred in the Amazon in the late nineteenth and early twentieth centuries due to the
rubber boom. As a consequence of this phenomenon, a new intercultural diversity conditioned an
unprecedented religious-musical experience (MOURA, 2016), adding in Barquinha the native religious
traditions of the Amazon, such as the cult of sacred drink, and the cultural heritages of the migrants, for
the most part Northeast of Brazil. In this work it was possible to discover the importance of the black
influence in ayahuasca ritual performance as an element of mediation between the founder of the
Barquinha master Daniel, the Amazonian natives and the faithful of Barquinha, interrelating music,
ritualistic performance and the centrality of ayahuasca in the ritual.
48
O Primeiro Ciclo da Borracha na Amazônia aconteceu no final do século XIX e no início do século XX. O seu
apogeu foi entre 1879 e 1912, após o surgimento do automóvel, quando a indústria automobilística potencializou
o uso da borracha. Obtida a partir do látex da seringueira, árvore originária da Amazônia.
49
A influência africana na parte ocidental do Norte do Brasil tem como origem a debandada de nordestinos que
que partiram rumo ao Norte no final do século XIX. Essa influência é notada na forte presença religiosa afro na
Amazônia ocidental. (Ver MERCANTE, 2015: pg.104)
50
A performance ritualística é compreendida pelo domínio das representações de animais sagrados como a jiboia,
pássaros, encantados e também de guias espirituais das religiões afro-brasileiras e espíritas visto nos momentos de
possessão. (OLIVEIRA, 2011)
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
As histórias dos usos da bebida na região remontam a quatro fases aqui descritas: a 182
primeira, narra a chegada da bebida até os seringueiros através de reconhecidos xamãs
de origem indígena; a segunda, contempla um momento em que seu uso por
seringueiros era feito secretamente; a terceira, em situação de fortes experiências
sócio-políticas, aborda a chegada de elementos exógenos e a transição da tradicional
forma de uso entre os seringueiros; finalmente, a quarta fase, que descreve algumas
sínteses locais e seus usos mais recentes. (ARAÚJO, 2004: pg. 48-49)
[...]os ritmos podem variar muito desde uma simples valsa ou um ijexá nagô, passando
por um movimentado samba de roda ou experimentar as velocidades alucinantes do
famoso “barra-vento”, palavra oriunda dos terreiros de Umbanda, conhecidos no Acre
como o momento onde o espírito se aproxima do aparelho e o toma em “transe”.
(MOURA, 2016: pg. 15)
Assim como seu antecessor Raimundo Irineu Serra fundador do Santo Daime, mestre
Daniel nasceu em São Luís do maranhão em 1888. Após os anos 2000 durante uma ascensão
de novos estudos a respeito das religiões ayahuasqueiras (MERCANTE, 2002, 2010, 2015),
uma nova abordagem sobre a origem da musicalidade da Barquinha pode ser observada. O
processo de Interculturalidade e mestiçagem52 foram os fenômenos estruturantes na formação
da Barquinha. Sendo assim, a chegada de Daniel no Acre, pode ser vista a partir deste ponto,
como um processo de Interculturalidade musical condicionada pelo sincretismo religioso Afro-
amazônico.
Ao chegar no Acre durante a revolução acriana, Daniel se estabeleceu no histórico bairro
6 de Agosto em Rio Branco. Após alguns anos mudou-se para o Papôco, um bairro na orla do
Rio Acre muito frequentado por navegantes e também por sua diversificada vida noturna.
Daniel foi um homem Boêmio. O seu estilo de vida estava atrelado ao consumo de álcool, fumo
e a uma filosofia de vida ligada à poesia e paixão pela mulher “sonhada”. Vivia pelas ruas de
Rio Branco executando suas canções usando o seu violão.
Em 1936 com uma enfermidade no fígado, Mestre Irineu o convidou para se curar em
um tratamento espiritual, no já então fundado Santo Daime. Se curando, voltou para a vida 183
boêmia, e, tendo uma segunda recaída iniciou um novo tratamento de cura com mestre Irineu.
Juntos novamente, Daniel começou a musicalizar os Hinários que mestre Irineu recebera nas
suas mirações. Foi um período importante para a solidificação das modernas religiões
ayahuasqueiras: A “teorização musical” do Santo Daime e a prática musical ayahuasqueira de
Daniel.
Durante este período, Daniel teve uma “visão”. Dois anjos desciam do céu e lhe
entregavam um livro de cor azul oferecendo uma missão. Assim como mestre Irineu recebera
a missão da Rainha da Floresta – Nossa Senhora da Conceição – durante uma miração53 para
fundar o Santo Daime (KASTRUP, 2016), Daniel se apresentou ao Mestre Irineu, e ao detalhar
a sua miração foi aconselhado a fundar a sua própria missão, obedecendo ordens divinas
recebidas.
Foi em 1945 que surgiu a Barquinha pelas mãos de Mestre Daniel. Inicialmente a
Barquinha ficou conhecida como “capelinha de São Francisco”, com atendimento aos
enfermos, pobres e pessoas que buscavam ajuda espiritual. Surge então o termo Obras de
caridade como filosofia da missão. Rapidamente conhecida na zona urbana de Rio Branco a
Barquinha atendia a todos que buscavam ajuda.
53
A miração é um processo onde o clímax espiritual é atingido dentro do ritual. Pode ter uma ampla variedade
significativa, mas sempre atrelada ao processo de transe espiritual. (Ver LABATE, PACHECO, 2009)
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
Em 1957 Mestre Daniel com uma enfermidade na garganta preparava seus irmãos de
caridade para a sua partida. Alegava que estava indo para uma “viagem”. Então, durante uma
penitencia de 90 dias, conhecida como a romaria dos 90 dias, faleceu dia 08 de setembro de
195854, no interior da casa de feitio de daime no início da romaria de São Francisco das Chagas. 184
Os elementos filosóficos que compõe a Barquinha são narrados pelos mais velhos e
transmitidos entre os irmãos de caridade pelos Salmos, conhecido também como Hinários, um
conjunto de obras musicais que o próprio mestre Daniel organizou. Os Salmos narram as
histórias dos encantos55, dos santos católicos, Orixás e outros seres divinos da cosmogonia da
Barquinha. Pela literatura dos Salmos, é visível perceber como a musicalidade está ligada à
cultura nordestina, aos costumes do sertanejo e ao folclore popular amazônico. A estruturação
poética dos Salmos da Barquinha pode ser considerada um elemento ímpar para compreender
as influências de Mestre Daniel e os processos interculturais que estruturam a cosmogonia da
Religião:
“Meus irmãos amigos
Me prestem bem atenção
Estou numa linda viagem
Junto com os meus irmãos.
54
O horário sobre o falecimento do mestre Daniel ainda é bastante difuso. Segundo o site santodaime.org, o horário
seria as 18:30 (horário local).
55
Os encantos são conhecidos na Umbanda como os espíritos elevados que desempenham funções diferentes nas
religiões afro-brasileiras. Na Barquinha, os encantos são responsáveis por ensinamentos espirituais,
aconselhamentos e desempenham outros papeis no desenvolvimento da mediunidade dos fiéis.
IV Jornada de Etnomusicologia
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56 O conceito matriz afro, pode ser entendido como “o conjunto de influências originadas de um universo simbólico
em particular” (MERCANTE, 2015: pg. 102), sendo assim, a matriz afro da Barquinha tende a preservar certos
elementos características de suas origens.
57
Bruno Netll (NETLL, 2006) fez um estudo comparativo sobre as mudanças musicais ocorridas em quatro
culturas do mundo.. Algumas são inviáveis a mudanças podendo ser “descaracterizadas”, outras tendem a aceitar
as mudanças como forma de sobreviver às influências externas.
58
Astral é um termo muito difundido entre os ayahuasqueiras para designar o mundo espiritual, ou o mundo onde
os “espíritos elevados” vivem.
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O ato de receber uma música do Astral pode ser visto também como performance
ritualística. As diferenças latentes entre receber e compor (KASTRUP, 2007) se apresenta na
personificação mediúnica do fiel enquanto recebe uma música do Astral. O recebimento não
permite a “interferência” pessoal, sendo esse momento como um dos mais importantes eventos
característicos da religião: A dinâmica que movimenta a Barquinha através do surgimento de
novos Salmos e a característica da Barquinha de estar receptível para novas mudanças e
experiências. O processo de composição se diferencia pela possibilidade de o artista manusear
e direcionar os elementos compostos, experimentar possibilidades sonoras diferentes e adequar
aos seus critérios subjetivos. Entre o receber e compor o termo que divide é o livre arbítrio.
Musicalmente os hinários utilizam poesias simples e harmonias moderadamente
complexas. A preparação dos arranjos e poesias das músicas da Barquinha visa utilizar o poder
da música para transmitir saberes e condicionar disciplina para todos os fiéis que pretendem
permanecer na religião. A música nas religiões ayahuasqueiras funcionam como um elemento
transversal a temporalidades, rompendo as barreiras do tempo e se afirmando através da
organização de uma religião performática:
59O puxador é o responsável por iniciar o ponto a ser cantado tanto no bailado quanto na igreja, característica
importante e similar a cosmogonia musical do candomblé, onde o puxador seria o “Ogã”, responsável pela parte
musical em algumas nações de candomblé. (Ver MOURA, 2016).
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Belém – 2017
Por meio dessa discussão apresentada é evidente que há uma intrínseca relação não
somente entre música e religião, mas sim também, entre a performance ritualística e os seus
processos sociais. A compreensão acerca da performance ritualística da Barquinha não está
somente atrelada na ayahuasca que há milênios é utilizada para os mais diversos fins por
culturas indígenas. As mudanças temporais e espaciais consolidaram – e consolidam - as
religiões a partir das heranças obtidas nos processos migratórios. Os rituais da Barquinha
revelam não somente uma espiritualidade institucionalizada e híbrida, como também registram
historicamente em suas canções, hinários ou Salmos os mais diversificados e importantes
eventos ocorridos na Amazônia ocidental.
amazônica ou não - possa continuar sendo testemunhada pela ayahuasca em seus cânticos e em
toda a sua complexa cosmogonia.
Referências: 188
ARAÚJO, Maria Gabriela Jahnel. Cipó e Imaginário entre Seringueiros do Alto Juruá. Revista
de estudos da Religião. n.1, p.41-59, 2004.
KASTRUP, Lucas Fonseca Rehen . Texto e contexto da música no Santo Daime: Algumas
considerações sobre a noção de “Eu” MANA pg.469-492, 2016.
KASTRUP, Lucas Fonseca Rehen. Receber não é compor: Música e emoção na religião do
Santo Daime. Relig. soc. v.27, no.2, Rio de Janeiro Dec. 2007.
189
SANTODAIME.ORG.Disponível em: < http://www.santodaime.org/site/religiao-da-
floresta/discipulos/daniel-pereira-de-matos>.Acesso 13 de setembro de 2017.Daniel Pereira de
Matos e a Barquinha. Veiculado em: 2015
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
190
Vinícius Eufrásio
UFMG – vni_mus@hotmail.com
Edite Rocha
UFMG – edite.rocha9@gmail.com
Resumo: O ritual de Encomendação das Almas que ocorre nos povoados do entorno de Cláudio, em
Minas Gerais, se encontra em risco de perecimento nos últimos anos por diversos fatores. O presente
trabalho aborda possíveis soluções para demandas êmicas, no sentido da salvaguarda, preservação e
manutenção desta tradição. Para tanto, os dados obtidos em pesquisa de campo – sobretudo as demandas
êmicas expressas em narrativas dos participantes do ritual – são abordados a partir de referenciais
teóricos da musicologia, etnomusicologia e estudos culturais. Os resultados apontam para a necessidade
de manutenção da tradição do ritual de Encomendação das Almas por meio de ações de reconhecimento
e registro desta manifestação cultural, mas também através de estudos e outras ações que deem a ela
visibilidade no âmbito da memória coletiva claudiense.
Palavras-chave: Lamentação das Almas. Reza das Almas. Catolicismo popular.
Encouragement of Souls in the rural villages of the municipality of Cláudio in Minas Gerais
Abstract: The ritual of Commendation of Souls that occurs in the settlements around Cláudio in Minas
Gerais is a trisk of perishing in recenty ears due to several factors. This paper deals with possible
solutions to emic demands, in the sense of safeguarding, preserving and maintaining this tradition. For
this, the data obtained in fieldresearch – especially emics demands expressed in narratives of the
participants of the ritual – are approached from theoretical references of musicology, ethnomusicology
and cultural studies. The results point to the need to maintain the tradition of the Rite of Souls
Commendation through actions of recognition and registration of this cultural manifestation, but also
through studies and other actions that give it visibility within Cláudio collective memory.
Keywords: Lamentation of the Souls. Prayer of Souls. Popular Catholicism.
Introdução
dos cotidianos familiares nos quais a televisão e a internet estão cada vez mais presentes em
horários cada vez mais alongados.
Busca-se analisar neste trabalho as referidas demandas êmicas 61 pela salvaguarda e
registro de tais manifestações ritualísticas, e propor formas de preservação e salvaguarda do
patrimônio cultural imaterial. O Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial foi instituído
no Brasil, em âmbito federal, através do Decreto 3.551/2000. De acordo com o dossiê sobre a
temática do patrimônio imaterial pelo IPHAN, são quatro as categorias de reconhecimento deste
patrimônio: saberes, formas de expressão, celebrações e lugares62.
Um determinado bem é declarado patrimônio cultural imaterial brasileiro por meio do
instrumento jurídico do registro. O reconhecimento patrimonial de caráter imaterial também se
dá nos âmbitos estadual e municipal, bem como no plano internacional, a partir dos documentos
da UNESCO63.
Assim, a noção de salvaguarda é mais ampla do que a simples preservação de um bem,
abrangendo inclusive ações de pesquisa e educação patrimonial. Tais ações de pesquisa se
fazem por meio de dossiês, que parecem se revelar instrumentos eficientes ante o risco de
perecimento observado no rito de Encomendação das Almas da região de Cláudio/MG. Para a
elaboração de tais estudos, discute-se aqui ainda de que modo ferramentas específicas da
Musicologia (VOLPE, 2004), tais como a transcrição musical (CARDOSO, 2016) possibilitaria
a identificação, análise e compreensão do repertório destes grupos (OLIVEIRA, 2017).
Mais do que a preservação de um rito, busca-se preservar parte da identidade desta
região, identidade esta que, segundo Joël Candau (2011), se estrutura a partir da memória
coletiva. No âmbito federal brasileiro, é justamente a preservação destes elementos que funda
a necessidade de salvaguarda do patrimônio cultural, conforme se observa na leitura da
Constituição Federal64.
No estado de Minas Gerais, o registro dos bens culturais fica a cargo do Instituto
Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA-MG), nos termos da
60
Ver OLIVEIRA, 2017.
61
Referente ao ponto de vista do sujeito pesquisado (CARDOSO, 2016).
62
Ver IPHAN, 2006, p. 9.
63
Ver definição de salvaguarda no Art. 2. do Decreto n.5.753 de 2006 (BRASIL, 2006).
64
Ver Art. 216. (BRASIL, 1988).
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
portaria n.º 47 de 2008. Uma vez registrado o bem, o programa ICMS Patrimônio Cultural se
revela uma relevante ferramenta para prover recursos a fim de que os municípios possam
garantir a salvaguarda de seu patrimônio:
192
O ICMS Patrimônio Cultural é um programa de incentivo à preservação do patrimônio
cultural do Estado, por meio de repasse do recursos para os municípios que preservam
seu patrimônio e suas referências culturais através de políticas públicas relevantes.
O programa estimula as ações de salvaguarda dos bens protegidos pelos municípios
por meio do fortalecimento dos setores responsáveis pelo patrimônio das cidades e de
seus respectivos conselhos em uma ação conjunta com as comunidades locais
(IEPHA-MG, [2016]a).
65
Sr. Benjamin, localmente conhecido com Sr. Bêjo, além de ser a figura de liderança no ritual de Encomendação
das Almas que atualmente ocorre no povoado de Machadinho, também participa, promove e gerencia várias outras
manifestações religiosas na comunidade.
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
A reza prás almas pode até ficar fraca, sabe? Mas não devia de acabar. Esse ano eu
falei com meu povo que se existisse um gravador, sabe, a pilha? Eu ia comprar pilha
a riviria e eu ia saí eu com a fita que eu tenho ela aqui e gravar nossa turma tudo
[Entrevista cedida por Sr. Benjamin, no povoado de Machadinho em 04/04/2016].
193
Sr. Benjamin levantou ainda a importância de um trabalho de salvaguarda deste
patrimônio cultural imaterial e manifestou seu desejo de possuir gravações audiovisuais de
qualidade para que, além de um registro, pudesse inspirar e até mesmo ensinar futuras gerações
sobre a Encomendação das Almas.
No povoado da Bocaina, dona Nazaré, figura de liderança local, expressou seu desejo
acerca da salvaguarda do ritual de Encomendação das Almas, partilhando deste mesmo receio
que nos próximos anos a prática do rito seja interrompida na localidade e, até mesmo, possa
encontrar um fim devido também a um contexto de idade avançada das pessoas que assumem
papeis de liderança. Em entrevista66, a mesma solicitou: “vem filmar nóis”, expressando seu
anseio de ter sua prática registrada em mídia audiovisual, um registro de sua tradição para que,
se um dia esta tradição vier a terminar, outras gerações possam conhecer um pouco da história
sobre como sua gente vivia e como expressavam seus valores religiosos.
Mesmo que no futuro este rito deixe de ser práticado, um trabalho de salvaguarda
poderia impedir que esta parte da história de vida destas pessoas e da cultura local possa cair
em esquecimento, havendo ao menos um registro sobre o “que faziam” e “como faziam”. Neste
sentido, a pesquisa desenvolvida com estes grupos revela, além dos aspectos procedimentais,
os fundamentos e relatos sobre o “porque faziam”.
Salienta-se ainda que em pesquisa por fontes documentais acerca do ritual de
Encomendação das Almas em instituições que se caracterizam por conter registros históricos
do município, tais como o Museu Histórico e Artístico de Cláudio/MG e a Biblioteca Municipal
Clarimundo Agapito Paes não foram encontrados quaisquer materiais que evidenciassem a
ocorrência de tal manifestação religiosa. A ausência de referências acerca do rito contrasta com
a rica documentação acerca de outros eventos tradicionais da região, especialmente o Reinado
de Nossa Senhora do Rosário, importante festejo religioso e de caráter turístico sobre o qual há
inúmeros materiais em ambas os estabelecimentos.
66
Cedida em 20 de março de 2015.
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
documentos musicais sob sua custódia (CASTAGNA, 1997), seja em manifestações de caráter
performáticos e narrativas acerca delas (CARVALHO, 2004).
Dentre as principais demandas encontradas no âmbito dos rituais de Encomendação
das Almas do entorno de Cláudio/MG, foi possível identificar principalmente três, ambas
nitidamente expressas no discurso autóctone: 1) A salvaguarda do ritual; 2) O desejo de
interação com outros grupos de Encomendação das Almas para a realização de trocas culturais
e fortalecimento da manifestação; 3) A busca de um reconhecimento social maior.
Destaca-se inicialmente a possível contribuição do reconhecimento do ritual enquanto
patrimônio cultural claudiense, que poderia implicar ações para sua manutenção, seja
promovendo aos participantes condições mais adequadas para sua realização, seja através da
educação patrimonial, a qual permitiria à comunidade claudiense se apropriar deste bem
cultural como integrante de sua identidade coletiva. Neste sentido, “no registro haverá um
comportamento do Poder Público de promover a valorização do bem registrado, não
pressupondo uma ajuda direta na existência do bem, nem um controle pelo órgão público do
patrimônio cultural” (RANGEL, 2013).
Estava programado para que no início de 2017, durante os primeiros dias da Quaresma,
fosse promovido um encontro entre os grupos dos três povoados, entretanto, com o falecimento
de dona Nilza67, pessoa que liderava o grupo de Encomendação no povoado de São Bento, não
foi possível concretizar este acontecimento. Em consequência à sua morte, as atividades com o
ritual foram temporariamente encerradas na comunidade, não tendo ocorrido nenhuma
celebração em 2017. Outro agravante envolve Sr. Benjamin, que se pronunciou em estado frágil
de saúde e que, portanto, não realizaria as celebrações nesse mesmo ano.
Em 11 de novembro de 2016 foi realizado uma visita aos povoados investigados para
levar um retorno do trabalho de campo realizado durante a Quaresma daquele mesmo ano,
apresentando aos encomendadores as gravações audiovisuais e fotografias realizadas no
decorrer da coleta de dados dessa etapa de pesquisa. O processo de registro etnográfico da
tradição do ritual nos locais onde foi realizado o trabalho de campo (Bocaina, Machadinho e
São Bento) encontra-se disponível integralmente na dissertação de mestrado “Cantá Pras
67
Dona Nilza faleceu na segunda quinzena do mês de janeiro de 2017.
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
Alma”: a reza cantada do ritual de Encomendação das Almas (OLIVEIRA, 2017). Neste
trabalho é apresentado não somente a história contada pelos participantes do rito, mas, também
diversas transcrições musicais e, com o objetivo de aproximar o leitor da minha vivência em
campo e da experiência com as sonoridades que ocorrem no âmbito ritual, links que 195
Considerações finais
68
Trata-se de um código de barras em duas dimensões que permite a leitura a partir de aparelhos celulares que
possuem câmera fotográfica. Esse código, após a decodificação, passa a ser um link que irá redirecionar o acesso
ao conteúdo publicado em algum domínio específico. Esse tipo de codificação permite que possam ser armazenada
e distribuição uma quantidade significativa de informações (PRASS, 2011).
69
Ver IEPHA-MG, [2016]b.
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
das memórias da solidariedade que se estabelece entre vivos e mortos não expressaria
principalmente uma necessidade dos vivos?
No processo pós-pesquisa, resta ao autor da investigação de mestrado a intenção de
devolver aos seus cooperadores um retorno para suas demandas, seja por meio do diálogo com
órgãos públicos municipais para a promoção de ações em prol desta tradição, seja em âmbito
estadual, junto ao IEPHA-MG ou até mesmo em âmbito federal, junto ao IPHAN, seja ainda
em busca de alternativas outras, junto aos encomendadores, a fim de evidenciar os registros
desta prática para a sociedade, abrindo à Encomendação das Almas um espaço que lhe é de
direito, no âmbito das memórias e da identidade coletiva do povo claudiense.
Referências:
CARVALHO, David de. História de Cláudio (1911 - 1992) para alunos do I e II graus. Belo
Horizonte: Cuatiara, 1992.
OLIVEIRA, Vinícius Eufrásio de. “Cantá Pras Alma”: a reza cantada do ritual de
Encomendação das Almas. Belo Horizonte, 2017. 246f. Dissertação (Mestrado em Música).
Escola de Música, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017.
PASSARELLI, Ulisses. Encomendação das Almas: Um Rito em Louvor aos Mortos. Revista
do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, v. 12, n. 1, 26 p., 2007. Disponível
em: <www.ihgsaojoaodelrei.org.br/anexos/artigos/ulisses_passarelli/artigo_07.pdf>. Acesso
em 10 jan. 2016.
PRASS, Ronaldo. Entenda o que são os 'QR Codes', códigos lidos pelos celulares. G1 [online],
Caderno Tecnologia e Games. 10 mai. 2011. Disponível em:
<http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2011/05/entenda-o-que-sao-os-qr-codes-codigos-
lidos-pelos-celulares.html>. Acesso em: 10 jun. 2017.
SEEGER, Anthony. Etnografia da Música. Cadernos de Campo, São Paulo, v.17, n.17, p. 237-
260, 2008.
VOLPE, Maria Alice. Análise musical e contexto: propostas rumo à crítica cultural. Debates:
Revista da Pós-Graduação em Música da Uni-Rio, Rio de Janeiro, n. 7, p. 113–136, 2004.
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
Sonia Chada
UFPA – sonchada@gmail.com
Resumo: Esse artigo apresenta algumas impressões emicas de uma pesquisa participativa realizada no
quilombo Mumbuca, região do Jalapão – TO. O mote investigativo é a viola de buriti produzida pelos
mestres da região e o impacto da pesquisa sob a ótica dos pesquisadores da própria comunidade. Para
situar o trabalho, fazemos uma breve fundamentação teórica sobre a pesquisa participativa, educação
do campo e etnomusicologia aplicada.
Palavras-chave: Pesquisa-ação Participativa. Etnomusicologia Aplicada. Comunidade Quilombola
Mumbuca. Jalapão. Viola de Buriti.
The researcher's perspective on ethnomusicology: the case of the study on the buriti viola in the
Mumbuca community in Jalapão, TO
Abstract: This article presents some empirical impressions of a participatory research carried out in the
community Mumbuca, Jalapão - TO region. The investigative motto is the buriti viola produced by the
masters of the region and the impact of the research from the perspective of the researchers of the
community itself. To situate the work, we make a brief theoretical basis on participatory research,
Countryside Education and applied ethnomusicology.
Keywords: Participatory Action Research. Applied Ethnomusicology. Community Quilombola
Mumbuca. Jalapão. Viola de Buriti
1. Introdução
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
Esse texto relata parte de uma pesquisa que vem sendo realizada sobre a viola de buriti
na comunidade quilombola Mumbuca, município de Mateiros, região do Jalapão no Tocantins.
Trata-se de uma pesquisa em etnomusicologia aplicada/participativa que conta com o empenho
de alguns alunos do curso de Educação do Campo, que pertencem a essa comunidade, um 199
Nosso olhar nesse trabalho, como não poderia ser diferente, é pelo viés da Educação
do Campo, ou seja, vem carregado de um forte caráter de valorização humana nos processos de
pesquisa, além de um posicionamento político em prol das causas camponesas e dos grupos
minoritários. Como já vem sendo demonstrado em outras publicações como (BONILLA;
CHADA, 2017 e BONILLA; SILVA; CHADA, 2017), a metodologia que adotamos nos nossos
processos de pesquisa foi a “etnomusicologia aplicada/participativa” por sua estreita relação
com as práticas da Educação do Campo.
Antes de entrarmos nas concepções emicas, vale aqui fazer uma breve referência sobre
a área de etnomusicologia e sobre a metodologia adotada, a etnomusicologia aplicada e/ou
participativa.
A etnomusicologia é uma área dos estudos em música que situa-se em uma região
interdisciplinar, envolvendo outras áreas como a musicologia e a antropologia, com limites
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
tênues entre elas. Alguns autores, que são referência na área, tratam esses estudos com outros
nomes, como no caso de Kerman (1987) que chamava de “musicologia cultural”, ou Alan
Merriam (1964) que referia-se como “antropologia da música” e, em um sentido muito próximo
do nosso entendimento, Seeger (2015) chama de “antropologia musical” e que se refere a como 200
as “performances musicais criam muitos dos aspectos da cultura e da vida social [...] examina
a maneira como a música faz parte da própria construção e interpretação das relações e dos
processos sociais e conceituais” (p.14 e 15). Partindo desse entendimento, esse trabalho está
focado também na importância que os instrumentos musicais desempenham nos processos
culturais e de vida nas práticas musicais desse povoado.
Na grande área da música, a etnomusicologia, em especial, tem adotado posturas
metodológicas mais vanguardistas, baseados em opções de pensamentos pós-modernos, como
no caso da apropriação da pesquisa aplicada, participativa, pesquisa-ação, entre outros nomes.
Essa metodologia, ou metodologias, chegam para quebrar alguns paradigmas, até então,
intocados das ciências, tais como a “neutralidade científica”, assim como desmistificar a
hierarquização existente entre o conhecimento “científico” e o conhecimento “popular”.
Brandão e Borges (2007) defendem que essas metodologias, por seu caráter radical,
aparentam ser ultrapassadas, porém, elas vêm se apresentando cada vez mais atuais, sobretudo
por seus vínculos com os movimentos sociais. Esses autores demonstram que, atualmente,
pesquisadores compartilham de alguns fundamentos comuns desse tipo de pesquisa na América 201
Latina, tais como: partir de realidades sociais, entender as demandas comunitárias e seus
processos históricos, estabelecer sempre relações sujeito – sujeito, buscar uma unidade teoria e
a prática, cuidar com que os resultados da pesquisa sejam em benefício das comunidades, a
participação coletiva em diferentes processos da pesquisa e promover diálogos não-doutrinários
e em direção à transformação social. Sinteticamente, os autores nos colocam que:
Adelaide, na Austrália.
Aqui no Brasil, o pesquisador Samuel Araújo e o grupo de pesquisa Musicultura foram
pioneiros na área de etnomusicologia aplicada com trabalhos de empoderamento cultural e
musical na favela da Maré no Rio de Janeiro, atuando com os pesquisadores da própria
comunidade no mapeamento do material sonoro de diferentes regiões desse complexo.
(ARAÚJO, 2006; CAMBRIA, 2008).
Essa metodologia tem se ampliado bastante nas últimas décadas no Brasil. Posso citar inúmeros trabalhos
tais como o desenvolveimento do projeto Arte em toda parte em Belém do Pará (CHADA, et all (2015).
Também o registro das músicas dos povos Timbira em arquivos de áudio, armazenados na cidade de
Carolina/MA, com apoio de ONG indigenista. Esse material foi idealizado e protagonizado por grupos
indígenas dessa etnia, distribuídos pelos estados do Maranhão, Pará e Tocantins (TYGEL, 2008). O projeto
Encontro dos Saberes desenvolvido com mestres populares junto com estudantes de música em sete
Universidades brasileiras, que contou com a contratação de mestres da Congada de Moçambique, de
gêneros tradicionais performáticos do Pará (CARVALHO, et all 2016).
No Recôncavo baiano encontramos também importantes trabalhos nessa perspectiva participativa, como
de Doring (2015; 2016) e Marques (2008a; 2008b) com diferentes trabalhos etnomusicológicos e de educação
musical. Assim como muitos outros trabalhos que utilizam-se de diferentes tipos de metodologias
participativas primando pelo protagonismo e interesse dos diferentes grupos humanos envolvidos.
3. Pesquisadores pesquisados
No nosso caso, essa parceria tem sido muito produtiva para ambas as partes, abrindo
o campo de visão sobre as questões artísticas e suas relações com as problemáticas da
comunidade.
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
A viola de buriti é entendida como uma tradição para o nosso povoado, um legado que
nossos antepassados deixaram e que, com a chagada dos instrumentos tradicionais como o
violão e outros instrumentos de apelo comercial, vinha sendo desvalorizada, deixando essa
prática no esquecimento. A resistência de alguns tocadores e artistas da comunidade em 203
preservar esse conhecimento tem ajudado na manutenção dessa arte para as novas gerações.
A realização dessa pesquisa, por um lado, tem contribuído para a valorização dessa
prática entre os membros da comunidade, tanto entre os mais velhos, como para as novas
gerações. Temos relatos de que ela estava presente durante as colheitas nas roças de arroz e
feijão, além dos encontros da Roda Chata70. Atualmente, as práticas musicais envolvendo a
viola de buriti acontecem mais frequentemente na ocasião da Festa da colheita, evento anual
no mês de setembro, e nas noites de julho ao redor da fogueira, além das apresentações, dos
shows e dos trabalhos artísticos de forma independente desenvolvidos pelos artistas do povoado
em eventos fora da comunidade.
Outro aspecto que estamos observando é em relação à importância do processo
participativo enquanto aprendizado, tanto do que o grupo tem aprendido sobre a própria
comunidade, como também das técnicas e dos processos de pesquisa, conhecimentos que
transcendem a sala de aula. Por outro lado, aprendemos e passamos a valorizar nossa cultura e
as estratégias da educação não formal, aquelas adotadas pelos mestres e mestras da cultura
popular na transmissão de seus conhecimentos para as novas gerações. Observamos que nos
espaços formais de ensino esses conhecimentos não têm sido abordados. O que temos tido como
referência são sempre aspectos de outras culturas, mesmo cientes de sua importância, a forma
hegemônica com que esses conhecimentos são transmitidos faz com que nós passamos a
desvalorizar as produções locais, não reconhecendo nossa arte como parte de objetos culturais
valorizáveis.
Outro aspecto interessante da metodologia adotada foi o de possibilitar o
questionamento do pensamento eurocêntrico normativo dos conteúdos escolares hegemônicos,
adotados também nas escolas da região, inclusive durante a escolarização dos próprios
pesquisadores. Nesse aspecto, o desafio maior foi o de desconstrução desse tipo hierárquico de
seleção de conteúdos, passando a valorizar e entender o legado histórico deixado também pelos
70
A Roda Chata trata-se de uma importante prática musical desse povoado que lembra uma ciranda, com músicas
de caráter alegre e, ao mesmo tempo, proporcionando descontração e interação. Praticada entre os membros da
comunidade em roda, de mãos dadas, cantando, muitas vezes com a fogueira acessa e com canções tradicionais
específicas da roda. Usa-se a improvisação e o acompanhamento da viola de buriti. Esses momentos são
importantes para o registro das histórias, dos acontecimentos e dos fatos da comunidade em forma de música.
Tema que será tratado com mais profundidade em publicações futuras por esse grupo.
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
valores, trilhando seu caminho junto a um povo resistente e forte. Sentimo-nos instigados a
entender os processos que fizeram com que essa viola chegasse até a nossa geração, e assim
poder contribuir para a sua preservação.
Como pesquisadores e membros da comunidade, temos a certeza de que essa pesquisa
está sendo de grande contribuição no reconhecimento e valorização da viola de buriti para os
moradores desse povoado. A oportunidade de poder registrar essa realidade, também nesse
formato “acadêmico”, através desse artigo, além dos registros que já temos de tradição oral e
nas músicas da comunidade, representa um ganho simbólico de empoderamento dessas pessoas
diante das constantes ameaças aos seus patrimônios imateriais.
Referências:
CHADA, Sonia; BARROS, Liliam; OWTAKE, Cristina. Arte em Toda Parte. Belém:
PPGARTES/UFPA, 2015.
ELLIS, Catherine. Powerful Songs: Their Placement in Aboriginal Thought. Em: The world of
music. V. 36 n. 1, 1994.
MARQUES, Francisca H. Festa da boa morte e glória: ritual música e performance. Tese
doutorado em Antropoligia Social. 318 fls. São Paulo: USP, 2008a.
MUSICULTURA, Grupo. É possivel outro mundo? Pesquisa musical e ação social no século
XXI. Em: CORIÚN, Aharonián. Música/Musicologia e Colonialismo. Biblioteca Digital,
Centro Nacional de Documentación Musical Lauro Ayestarán, Uruguai. Edición digital, 2014.
SEEGER, Anthony. Por que cantam os Kisêdjê. São Paulo: Cosac Naify, 2015.
Ilé àsé ìyá ogunté: uma análise sobre a liturgia do xirê de Iemanjá
Jefferson José Oliveira Chagas de Souza
IFPA/UNAMA – jefferson.souza@ifpa.edu.br 206
Analaura Corradi
UNAMA – corradi7@gmail.com
Resumo: Objetiva-se com este trabalho, descrever o rito litúrgico do Xirê de Iemanjá da casa de
Candomblé da nação Ketu, Ilé Àsé Ìyá Ogunté, que situa-se no Conjunto Júlia Seffer, cidade de
Ananindeua e Estado do Pará. Trata-se de um estudo de caso que utilizou a pesquisa etnográfica
com o apoio dos procedimentos de análise de conteúdo com base em Laurence Bardin (1977). Como
categorias de análise foram utilizadas as músicas do “repertório litúrgico” - representadas pelas
marcações rítmicas – os atores sociais envolvidos no fazer musical, dentre eles, os instrumentistas,
bem como a presença metafísica dos Orixás e suas funções no Xirê. Também foram utilizados os
conceitos de memória coletiva de Maurice Halbwachs (1990) e as ideias de padrão cultural,
explicitadas por Clifford Geertz (1989), para tentarmos entender como é resgatado e transmitido este
conhecimento. A coleta de dados deu-se através de conversas informais, análises de documentos
produzidos no próprio Ilé e principalmente do diário de bordo.
Palavras-chave: Música. Liturgia. Candomblé.
Title of the Paper in English Ilé Àsé Ìyá Ogunté: An Analysis On The Liturgy Of The Xirê Of
Iemanjá.
Abstract: The objective of this work is to describe the liturgical rite of Xirê de Iemanja from the
house of Candomblé of the Ketu nation, Ilé Àsé Ìyá Ogunté. It is a case study that used ethnographic
research with the support of content analysis procedures based on Laurence Bardin (1977). As
categories of analysis were used the songs of the "liturgical repertoire" - represented by the rhythmic
markings - the social actors involved in the musical making, among them, the instrumentalists, as
well as the metaphysical presence of the Orixás and their functions in Xirê. We also used the
concepts of collective memory by Maurice Halbwachs (1990) and the ideas of cultural pattern, as
explained by Clifford Geertz (1989), to try to understand how this knowledge is rescued and
transmitted. The data collection took place through informal conversations, analyzes of documents
produced in Ilé itself and mainly of the logbook.
Keywords: Music. Liturgy. Candomblé.
71Orixá: s. m. Designação genérica das divindades cultuadas pelos Iorubas do Sudoeste da atual Nigéria, de Benin
e do Norte do Togo, trazidas para o Brasil pelos negros escravizados dessas áreas e aqui incorporadas por outras
seitas religiosas.
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
que possui extrema importância simbólica para os afro religiosos pertencentes a esta religião.
Trata-se da festa pública para os Orixás, onde todos eles são homenageados porém, um ou mais,
dão o nome à festa, caracterizando-se como “início das cerimônias festivas do terreiro onde são
207
tocadas, cantadas e dançadas as invocações aos Orixás” (SALLES. 2007, p. 349).
Todos os participantes do culto sejam eles filhos, pais de santo do Ilé72, religiosos
visitantes de outras casas de Candomblé ou de outras religiões podem e/ou devem cantar, pois
desta forma é possível conectar-se com o metafísico. Neste caso, a música não apresenta-se
apenas como algo alegórico (CARDOSO. 2006, p. 1), pelo contrário, é fundamental que a
música seja bem executada e que os músicos estejam bem ensaiados.
Neste contexto, cabe ressaltar que o aprendizado musical é diário. É responsabilidade
dos Alabês73 e/ou Ogãs74 entoar as cantigas na ordem correta e com a marcação rítmica daquele
determinado Orixá, assim como cabe aos participantes do Xirê responder de forma adequada
às cantigas entoadas, visto que, para estes, “a música é o Candomblé” (PAIXÃO. 2016, p. 70).
O centro da fé religiosa é o contato, sempre renovado, com os antepassados, tanto com
entidades divinas, quanto com os ancestrais, espíritos de seres humanos. Para CHADA (2012,
p. 3) “a música é extremamente importante nesse processo, pois cabe a ela a comunicação entre
homens e o sobrenatural”. Inseridos neste contexto, não existe o ritual do candomblé sem
música, sem dança ou sem a indumentária apropriada aos Orixás que estão sendo cultuados, de
alguma forma, estes elementos estão presentes em todos os momentos sagrados do culto.
O contexto da aprendizagem musical também é fator de extrema importância, já que a
música apresenta-se como fio condutor ao Orum75, portanto, todos precisam fazer parte do
coletivo e baseia-se na oralidade, trazendo para o ensino dos instrumentos musicais o caráter
de formação do sujeito. Segundo Chada,
Objetiva-se com este trabalho, descrever a relação existente entre repertorio litúrgico,
os atores sociais envolvidos na prática musical e os personagens metafísicos – Orixás –
homenageados no momento do Xirê de Iemanjá da casa de Candomblé da nação Ketu, Ilé Àsé
Ìyá Ogunté. Como categorias de análise foram utilizadas as músicas do “repertório litúrgico” -
representadas pelas marcações rítmicas – os atores sociais envolvidos no fazer musical, dentre
eles, os instrumentos e os instrumentistas, bem como a presença metafísica dos Orixás e suas
funções no Xirê, materializada através das cantigas – no que refere-se à funcionalidade e
representação.
Esta pesquisa trata-se de um estudo de caso, fundamentado na pesquisa etnográfica
sobretudo, pela necessidade de identificar os atores em seu contexto sociocultural, além de
conhecer e registrar as perspectivas próprias deles, sobre as questões pertinentes a pesquisa, em
vez de filtrar as informações apenas a partir de modelos preestabelecidos em pesquisas
existentes ou de pesquisas pautadas em comunidades similares.
Foi realizada uma pesquisa bibliográfica em textos fundamentais como Halbawachs
(1990) que trata da memória coletiva e em Geertz (1989) no que se refere aos padrões culturais
e transmissão da cultura. Para efetivar a análise neste estudo de caso, foi utilizada a análise de
conteúdo de Bardin (1977) onde serão analisados os conjuntos dos diversos tipos de discursos
e em diferentes linguagens: escrita, oral e gestual, e para auxiliar na análise interpretativa deste
material, as teses de Ângelo Cardoso (2006) e Ângela Lühning (1990) serão a base teórica
fundamental, por tratarem intimamente dos instrumentos, dos músicos, das marcações
coreográficas e das cantigas.
Para estabelecer as particularidades do Ilé e sua atuação musical, a coleta de dados se
deu através de conversas informais e da observação participante, desta forma, identificando e
analisando a função dos instrumentos musicais utilizados no momento do Xirê de Iemanjá e
realizando a transcrição e a editoração das músicas executadas pelos Alabês dos Ilés, foi
possível traçar um perfil musical no Ilé Àsé Ìyá Ogunté.
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
A pesquisa foi realizada no Ilé Asé Ìyá Ogunté que encontra-se “assentada” nos Orixás
Iemanjá, Ogun e Oyá, liderada e administrada pela Iyalorixá76 Ejité (Mãe Rita). A casa localiza-
se no Conjunto Júlia Seffer, Rua 09, casa 26, no bairro das Águas Lindas, Ananindeua-PA,
209
possui entre cem a duzentos “clientes”, ou melhor dizendo, simpatizantes e/ou iniciados em
outras casas ou que professam diferentes religiões de origem Africana.
3. O Xirê
de seus seguidores. Acrescenta que no início do movimento, a maioria dos afro religiosos era
autônoma, no caso específico da Bahia, eram vendedoras de acarajé, lavadeiras, contudo, hoje,
com o fortalecimento da religião, a maioria dos seus seguidores tem comprometimento com o
210
trabalho de cunho não religioso.
No Ilé Àsé Ìyá Ogunté o evento ocorre no salão principal do terreiro onde localizam-
se os elementos sagrados relacionados aos Orixás Iemanjá, Ogum e Oxum. Nas laterais do
terreiro localizam-se os quartos de alguns Orixás, e no centro do terreiro encontra-se assentado
o “axé do terreiro” que configura-se no símbolo do Orixá protetor da casa, a cisterna que é uma
espécie de reservatório de água enterrado no meio do terreiro e a “cumeeira sagrada” que trata-
se da parte mais elevada do telhado de um terreiro, na interseção das duas águas-mestras onde,
em seu entorno, ocorrem todas as danças do ritual. No fundo do grande salão localizam-se os
instrumentos sagrados78 que serão utilizados durante todos os Xirês.
Outra principal característica do Xirê, é o fato de ser um evento aberto ao público,
sendo possível qualquer pessoa participar da festa. Se for “filho se santo79” e não “rodante80”,
pode sentar-se nas cadeiras das autoridades, bem como, pode participar da dança no círculo
central, se for apenas um “cliente81” ou um curioso, deve ficar em um espaço reservado para a
plateia.
Trata-se do momento máximo da preservação do padrão cultural. Geertz (1989)
conceitua como modelo cultural,
(...) o termo “modelo” tem dois sentidos, um sentido “de” e um sentido “para” e,
embora estes sejam dois aspectos de um mesmo conceito básico, vale a pena
diferenciá-los para propósitos analíticos. No primeiro caso, o que se enfatiza é a
manipulação das estruturas simbólicas de forma a colocá-las, mais ou menos
próximas, num paralelo como sistema não simbólico pré-estabelecido (...). No
segundo caso, o que se enfatiza é a manipulação dos sistemas não simbólicos, em
termos das relações expressas no simbólico (...) os padrões culturais têm um aspecto
duplo, intrínseco, eles dão significado, isto é, uma forma conceptual objetiva, à
realidade social e psicológica, modelando e em conformidade a ela e ao mesmo tempo
modelando-a a eles mesmos (GEERTZ, 1989, p. 70).
A partir da consideração de Geertz, acerca dos padrões culturais, podemos afirmar que
para o povo de santo e, para os frequentadores ocasionais do Xirê, as festas de Candomblé
modelam o próprio candomblé, assim como este é modelado pelas festas. Esses eventos sempre
78 Chamaremos aqui de grupo instrumental, assim como em CARDOSO (2006). Constitui-se de três
atabaques de afinações diferentes e um agogô de metal.
79 Filho de santo: é toda pessoa que, efetivamente, tem um compromisso com o orixá, vodun ou inkice
e com a religião do candomblé, ou demais religiões afro, podendo chegar à “feitura de santo”.
80 Rodante: pessoa que incorpora, “recebe o orixá”.
81 Cliente: simpatizante que frequenta um terreiro de candomblé, não é necessariamente um iniciado.
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
seguem uma padronização, em que ocorre uma homenagem a cada um dos Orixás masculinos
no primeiro momento, ocorre também a invocação ao Orixá homenageado, seguido de um
pequeno intervalo. No segundo momento, ocorre a continuação do Xirê com homenagens aos
211
Orixás femininos, seguido pelo Rum82 do Orixá homenageado, finalizando com o canto ao
Orixá Oxalá.
O fato da música ser considerada uma forma de oração para os candomblecistas, não
existe nenhum momento do Xirê sem música, ela está sempre presente, sendo conduzida pelo
Alabê. No caso do Ilé Àsé Ìyá Ogunté, geralmente o encarregado desta função é o Babalorixá83
Ágaro Nilé (Pai Walmir), que é acompanhado pelos ogãs do Ilé. As músicas são cantadas e
dançadas pelos filhos da casa, que respondem a cantiga entoada.
3.2. Instrumentos
82 Rum: s. m. O Maior dos atabaques usados no batuque paraense. A palavra também pode ser usada
como "toque de candomblé", referindo-se as festas públicas, ou "toque de orixá".
83 Babalorixá: s. m. nos candomblés, xangôs e em alguns centros de umbanda, chefe espiritual e
3.3. Instrumentistas
Os instrumentistas são uma grande preocupação dentro deste contexto pois, cabe a eles
a condução de todo o ritual do Xirê. É comum o posto de Alabê ser delegado ao Babalorixá da
casa. Esta é uma função restrita aos que não rodantes e aos homens do Ilé. Segundo Mãe Rita84,
a escassez de músicos deve-se ao fato da educação musical ser pouco presente no ensino básico,
tornando assim, o aprendizado dos toques e das cantigas muito mais difícil para o Ogã.
Como em uma família, todos que já são filhos de santo (iniciados) participam como
instrutores dos que ainda são iniciantes na religião. Este aprendizado não possui uma
sistematização positivista cartesiana, qualquer momento é de aprendizado, qualquer gesto,
qualquer conversa. Depende muito mais da disponibilidade dos professores do que dos alunos.
É neste contexto que são ensinados os toques e as cantigas, formas de tocar e as funções, gestos
e ornamentações, histórias e mitologia, de forma holística.
3.4. Cantigas
CANTIGAS DE
FUNÇÃO E REPRESENTAÇÃO
XIRÊ
É a cantiga responsável pela comunicação com o metafísico, evocando
os orixás em suas narrativas. É acompanhada de um toque de
Cantigas de
fundamento
fundamento, tornando possível a manifestação do orixá. Ìyá Ejité
relatou que estas canções são sagradas e têm o poder de fazer o filho
ou mãe de santo virar em seu orixá ao ouvi-la. “São particulares.”
É a cantiga de fundamento do orixá homenageado na festa, ela é
responsável pela “presença” deste na cerimônia; é nomeada de
Cantigas do primeiro primeiro rum porque este atabaque determina o tipo de marcação que
rum tornará possível a comunicação com o orixá. Durante o rum de
fundamento o rodante vira no orixá, este por sua vez é recolhido para
o ronco, onde é ornamentado com a indumentária do orixá.
Após o primeiro rum, os orixás já manifestados são recolhidos para
serem ornamentados de acordo com sua narrativa simbólica, com suas
Cantigas de saudação
cores e indumentária adequada, e ao retornarem ao terreiro são
saudados por essas cantigas específicas que honram sua presença.
Com o orixá já manifestado, sua cantiga de fundamento é novamente
executada, assim como as demais cantigas que possam narrar, através
da música e da dança, a história daquele orixá. Esse é o momento
Cantiga do rum
máximo do culto, é através desta narrativa musical e corporal que
reatualiza o mito, se perpetua a memória do povo de santo, reiterando
ensinamentos, aprendizados e sentimentos.
Após o orixá dar o seu rum, é executada uma nova série de cantigas
Cantiga de maló para a sua despedida. No Ilé Àsé Ìyá Ogunté neste momento também
ocorre uma homenagem ao orixá Oxalá.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa, Portugal: Edições 70, LDA, 1977.
CHADA, Sônia. O canto dos caboclos nos Candomblés. II Jornada de Pós-graduação. FIBRA,
2012.
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. SP: Revista dos Tribunais LTDA., 1990.
PAIXÃO, Natália. Ilé Àsé Ìyá Ogunté: a música e o sagrado no candomblé ketu. Dissertação
de Mestrado. UNAMA, 2016.
SILVA, Vagner Gonçalves da. Candomblé e Umbanda: Caminhos da devoção brasileira. São
Paulo: Selo Negro, 2005.
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
215
SESSÃO 04
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
Resumo: Práticas musicais no Pará: criação, produção e divulgação do rock independente em Belém
do Pará é um subprojeto de Práticas Musicais no Pará, executado através do PIBIC/UFPA. Está
vinculado ao Grupo de Estudos sobre a Música no Pará e ao Laboratório de Etnomusicologia da UFPA.
Investigar o processo de criação, produção e divulgação musical de um projeto musical, relacionado ao
rock, atuante em Belém do Pará, considerando a produção musical independente nesse contexto, é o
principal objetivo desta pesquisa, em andamento. Está sendo realizada a seleção e coleta dos dados para
análise, classificação, interpretação e organização. Espera-se com essa pesquisa fornecer informações
sobre uma prática musical, neste caso, o projeto musical Mágico de Nós, considerando o contexto onde
o integrante deste projeto se insere.
Palavras-chave: Produção musical independente. Prática musical. Música no Pará
Abstract: Musical practices in Pará: creation, production and dissemination of independent rock in
Belém do Pará is a subproject of Musical Practices in Pará, executed through PIBIC / UFPA. It is linked
to the Group of Studies on Music in Pará and to the Laboratory of Ethnomusicology of UFPA. To
investigate the process of creation, production and musical dissemination of a musical project, related
to rock, acting in Belém do Pará, considering the independent musical production in this context, is the
main objective of this research, in progress. The selection and collection of data is being performed for
analysis, classification, interpretation and organization. This research is expected to provide information
on a musical practice, in this case, the musical project Magical of Us, considering the context where the
member of this project is inserted.
Keywords: Independent musical production. Musical practice. Music in Pará.
1. Introdução
Em Belém do Pará existem bandas e artistas que produzem e divulgam seus materiais
musicais de forma independente. Neste trabalho é considerada produção musical independente
qualquer material sonoro produzido longe das grandes gravadoras e que são os integrantes das
bandas e artistas que subsidiam essa produção. Dessa forma, alguns projetos musicais dispõem
de homestudios para gravar e produzir suas músicas, outras contratam estúdios que cobram por
hora.
Com seus materiais produzidos em mãos, é cada vez mais comum que bandas utilizem
redes sociais, sites e aplicativos de músicas e vídeos para divulgarem os seus trabalhos. Assim,
o principal objetivo desta pesquisa, incipiente, é investigar o processo de criação, produção e
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
2. Referencial teórico
[...] um processo de significado social, capaz de gerar estruturas que vão além de seus
aspectos meramente sonoros, embora estes também tenham um papel importante na
sua constituição (...). A execução, com seus diferentes elementos (participantes,
interpretação, comunicação corporal, elementos acústicos, texto e significados
diversos) seria uma maneira de viver experiências no grupo. Assim, suas origens
principais têm uma raiz social dada dentro das forças em ação dentro do grupo, mais
do que criadas no próprio âmago da atividade musical. Isto é, a sociedade como um
todo é que definirá o que é música. A definição do que é música toma um caráter
especialmente ideológico. A música será então um equilíbrio entre um "campo" de
possibilidades dadas socialmente e uma ação individual, ou subjetiva (CHADA, 2007,
p. 13).
[...] uma abordagem descritiva da música, que vai além do registro escrito de sons,
apontando para o registro escrito de como os sons são concebidos, criados, apreciados
e como influenciam outros processos musicais e sociais, indivíduos e grupos. A
etnografia da música é a escrita sobre as maneiras que as pessoas fazem música. Ela
deve estar ligada à transcrição analítica dos eventos, mais do que simplesmente à
transcrição dos sons. Geralmente inclui tanto descrições detalhadas quanto
declarações gerais sobre a música, baseada em uma experiência pessoal ou em um
trabalho de campo (SEEGER, 2004, p. 239).
Belém do Pará e a divulgação dos materiais produzidos através das redes sociais. Esta
monografia fornece informações sobre o desenvolvimento e um breve panorama do estado atual
da produção musical independente em Belém. O autor aponta que as músicas do subgênero
218
tecnobrega, considerado tipicamente paraense, são produzidas de forma independente, sendo
assim um dos mais evidentes exemplos da prática de produção independente em Belém. Nesse
texto também se aborda sobre as redes socais como meio de divulgação artística, citando e
descrevendo esses possíveis mecanismos de divulgação.
Um mecanismo que tem se mostrado um forte aliado da produção musical
independente são as plataformas de streaming, que são palcos de transmissão instantânea de
dados de áudio e vídeo através de redes, ou seja, de forma online. Segundo Teixeira e Pinheiro
(2016), isto acontece, pois:
[...] as plataformas de streaming têm se consolidado no mercado por provar que estão
buscando não se enquadrar – como fariam as grandes gravadoras em um determinado
gênero, segmento ou artista – mas se integrar ao trabalho de produção e deixar claro,
principalmente, as formas de repasse monetário para cada um deles, seja um artista
ou banda de pequeno, médio ou grande porte. (TEIXEIRA; PINHEIRO, 2016, p. 9).
A partir de aplicativos os usuários têm acesso a qualquer conteúdo áudio e/ou visual
situado nas plataformas de streaming, a qualquer hora e em qualquer lugar. Isto promove que
bandas e artistas transmitem de outra maneira os seus produtos musicais para o seu público.
3. A pesquisa
4. Resultados
Facebook 100%
Instagram 75%
Twitter 15%
YouTube 100%
Bandcamp 20%
Site 5%
0 5 10 15 20 25
Gráfico 2
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
95% das bandas e artistas afirmaram que utilizam as redes sociais para se comunicar
com seu público e 5% para contatos com produtores e músicos.
Todas as bandas/artistas declararam utilizar aplicativos e/ou plataformas de áudio para
220
a divulgação dos seus trabalhos. Os aplicativos e plataformas são:
SoundCloud 80%
Spotify 80%
Deezer 80%
Bandcamp 35%
Aplle Music 5%
Outros 20%
0 5 10 15 20
Gráfico 3
O projeto musical a ser investigado nesta pesquisa, no caso, o projeto Mágico de Nós,
se enquadra nos aspectos apontados a cima. O projeto exerce atividade na cidade de Belém e
está produzindo seus primeiros materiais musicais de forma independente, com a pretensão de
adentrar a cena musical da cidade. Este é um projeto solo de Tiago Rocha. Ele é cantor e
compositor e suas composições contém influencias do rock, indie rock, da MPB e da nova MPB,
entre outros estilos musicais.
Até esse momento, algumas gravações já foram feitas. As músicas estão gravadas em
um estúdio profissional e o próprio mentor do projeto está subsidiando a produção. O EP, que
pretende ser lançado em dezembro de 2017, terá 5 faixas e será o primeiro trabalho do projeto
Mágico de Nós.
Para esta pesquisa pretende-se acompanhar, o quanto for possível, o processo de
produção dos materiais musicais desse projeto, desde seções de gravação, até o momento de
divulgação.
Neste momento a pesquisa está em seu inicio, está sendo feito um levantamento
bibliográfico sobre o tema e estão sendo formuladas entrevistas semiestruturadas, de maneira
que o primeiro aspecto a ser considerado tem a ver com a descrição do projeto musical. Em seguida,
fatos que marcam o seu surgimento, desenvolvimento e trajetória ao longo do tempo. Não apenas
isso, mas nessa trajetória estão sendo registradas as mudanças de concepção musical e cultural que
se estabeleceram. O segundo aspecto visa entender como o mentor do projeto concebe música,
numa perspectiva cultural. O terceiro aspecto compreende as relações contextuais. Suas práticas
musicais serão verificadas considerando o conceito de Chada (2007, p. 139), já mencionado.
IV Jornada de Etnomusicologia
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5. Resultados esperados
Com essa pesquisa pretende-se desenvolver material cientifico sobre mais uma prática
musical existente em Belém, apontando a movimentação cultural que a produção musical 221
independente tem causado na cidade, além de outros fatores.
Através de uma perspectiva etnomusicológica, espera-se fornecer interpretações,
explicações e problematizar questões sobre o estudo da música e do homem em uma prática
musical específica, sobre as ideias que o músico têm sobre o fazer musical, sobre criação
musical e a música propriamente dita, contribuindo para o projeto Práticas Musicais no Pará e
para a historiografia da música no Pará, através da investigação pontual sobre uma prática
musical urbana existente no Estado.
Referências
CHADA, S. A Prática Musical no Culto ao Caboclo nos Candomblés Baianos. In: III Simpósio
de Cognição e Artes Musicais, 2007, Salvador. Anais... Salvador: EDUFBA, 2007. Pp. 137-
144.
NETTL, B. The Study of Ethnomusicology: thirty-one issues and concepts. Urbana e Chicago:
University of Illinois Press, 2005.
SEEGER, A. Etnografia da música. Giovanni Cirino (Trad.). In Sinais diacríticos: música, sons
e significados, Revista do Núcleo de Estudos de Som e Música em Antropologia da
FFLCH/USP, n. 1, 2004.
SILVA, Victor Hugo Nunes da. Homestudio: A produção e difusão da música independente em
Belém do Pará por meio das redes sociais. Belém (PA), 2015. 60 fls. Trabalho de Conclusão do
Curso de Licenciatura Plena em Música – Universidade Federal do Pará, Belém, 2015.
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.
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
Resumo: O projeto “Práticas musicais no Pará: um acervo produzido pelos inventários da Casa das
Artes” tem como objetivo investigar, analisar e classificar as práticas musicais referendadas nos
Inventários da Casa das Artes, através de pesquisa bibliográfica. A Casa das Artes é uma das unidades
da Fundação Cultural do Pará, que oferece serviços ao público como biblioteca, cinema, shows, teatro,
cursos, dentre vários outros. Aqui apresentamos o detalhamento dos dados coletados nos acervos da
instituição, contribuindo com o banco de dados sobre práticas musicais paraenses e que serão
disponibilizados aos pesquisadores do LabEtno.
Palavras-chave: Práticas Musicais. Pará. Casa das Artes.
Abstract: The project "Musical practices in Pará: a collection produced by the inventories of the House
of Arts" aims to investigate, analyze and classify the musical practices endorsed in the Inventories of
the House of Arts, through bibliographical research. House of Arts is one of the units of the Cultural
Foundation of Pará, that offers services to the public like library, cinema, shows, theater, courses, among
others. Here we present the details of the data collected in the collections of the institution, contributing
with the database on musical practices paraenses and that will be made available to LabEtno researchers.
Keywords: Práticas Musicais. Pará. Casa das Artes.
1. Introdução
Trazemos aqui o resultado da pesquisa “Práticas musicais no Pará: um acervo
produzido pelos inventários da Casa das Artes”, a qual busca entender a paisagem musical do
estado, tendo por base os dos documentos do acervo da Casa das Artes. Por se tratar de um
órgão que trabalha com fomento às práticas culturais, a instituição abriga vários documentos
que registram práticas culturais realizadas no estado, e também os diversos tipos de músicas. O
Pará é o segundo maior estado em extensão territorial, com população estimada em 8.175.113
habitantes, segundo o IBGE. Por consequência, detém uma produção cultural e musical vasta,
passando por diversos gêneros, estilos e ritmos, que, por serem muitos ainda se percebe uma
lacuna quanto aos devidos registros de toda essa produção por parte da academia. Visando
contribuir para que haja cada vez mais o entendimento e registro deste cenário e tapar cada vez
essa lacuna, o projeto “Práticas Musicais no Pará” busca investigar toda essa produção através
de pesquisas bibliográficas, para identificar e catalogar documentos e contribuir com o
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mapeamento do que existe sobre práticas musicais no estado. Tem-se noção, porém, aqui, de
que já existem vários registros de dados sobre as produções musicais paraenses, no entanto
ainda são poucos e estão longe de representar todo o universo musical produzido.
224
O presente trabalho constitui um breve relatório referente às atividades de pesquisa
desenvolvidas no hoje chamado Casa das Artes, conhecido antes por IAP – Instituto de Artes
do Pará. A Casa das Artes é uma instituição estadual vinculada a Fundação Cultural do Pará
que busca promover e fomentar as diversas linguagens artísticas e também a pesquisa científica
dentro das áreas artísticas e também contribuir para o aperfeiçoamento artístico no campo das
artes visuais, cênicas, musicais, literárias e de expressão de identidade, por conta disso mantém
uma prática cultural e gera resultados e documentos. Dentre os serviços oferecidos, está a
Biblioteca Vicente Salles, que abriga os documentos que a instituição disponibiliza para acesso
público.
Durante o processo de pesquisa foram identificados diversos materiais acerca de
práticas musicais, sobretudo sobre práticas realizadas no Pará.
Entendemos aqui Prática Musical através de uma lente etnomusicológica, seguindo,
especialmente, direções dadas por Chada (2007), Blacking (2000), Nettl (2005 e 2006) e Seeger
(2004) para o estudo de música e, considerando, conforme o caso, as relações entre música e
outras áreas da cultura, a exemplo da religião, educação, contextos urbanos, tradição oral, entre
outros.
Definimos Prática Musical como:
Um processo de significado social, capaz de gerar estruturas que vão além de seus
aspectos meramente sonoros, embora estes também tenham um papel importante na
sua constituição (...). A execução, com seus diferentes elementos (participantes,
interpretação, comunicação corporal, elementos acústicos, texto significados
diversos) seria uma maneira de viver experiências no grupo. Assim, suas origens
principais têm uma raiz social dada dentro das forças em ação dentro do grupo, mais
do que criadas no próprio âmago da atividade musical. Isto é, a sociedade como um
todo é que definirá o que é música. A definição do que é música toma um caráter
especialmente ideológico. A música será então um equilíbrio entre um "campo" de
possibilidades dadas socialmente e uma ação individual, ou subjetiva (CHADA, 2007,
p. 13).
Dessa forma, pensamos Música de uma forma muito mais ampla do que somente e
puramente o som musical. Através de análises interpretativas, busca-se compreender o contexto
onde essa prática musical se realiza e se coaduna com os seres que a consomem e realizam,
através de uma análise sociocultural paraense, identificando e conformando uma identidade
plural.
2. O projeto
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Os diversos tipos de produção musical existentes no estado do Pará ainda são pouco
explorados por pesquisadores, dentro e fora da academia. O projeto ao qual esta pesquisa está
vinculada busca justamente entender e documentar esta produção, contribuindo com o processo
225
registro, que em um de seus destinos finais irá compor o acervo do LabEtno (Laboratório de
Etnomusicologia da Universidade Federal do Pará) para que fique disponível à futuros
pesquisadores.
O projeto “Práticas Musicais no Pará” propõe atividades de pesquisa contínuas e abriga
vários outros subprojetos. É ligado ao Grupo de Estudos sobre a Música no Pará – GEMPA e
sediado no LabEtno.
Este projeto tem contribuído para o avanço das pesquisas sobre a música no Pará
através do dos subprojetos que o compõem, ampliando e produzindo conhecimento sobre
música, levando em conta as relações existentes entre as diversas práticas musicais e aspectos
da cultura paraense, contribuindo também para uma cartografia musical paraense que
contempla práticas, grupos e mestres paraenses.
Compreender o contexto sociocultural paraense em suas minúcias e peculiaridades,
analisando suas especificidades, contribui para uma maior percepção de sua cultura, sua região
e de seu povo. Este tem sido o principal objetivo deste projeto, que, lançando mão do
instrumental teórico oferecido pela etnomusicologia e por estudos culturais, tem fornecido
interpretações, explicações e gerado problematizações, contribuindo para o estudo da música.
O acervo que vem sendo constituído e ampliado tem gerado hipóteses e informações
sobre valores fundamentais da cultura paraense, manifestações etnomusicológicas até aqui não
completamente referenciadas, de termos musicais êmicos relevantes, de expressões musicais
paraenses, de gêneros musicais, de produções de músicos e agentes sociais que perfazem o
contexto das manifestações, de instituições importantes na vida musical paraense, utilizáveis
por pesquisadores, músicos, estudantes de música e o público em geral.
2. O projeto
Para a catalogação dos trabalhos foi necessário acessar o acervo disponibilizado, para
a identificação de trabalhos sobre práticas musicais paraenses, obtendo dados como: nome do
trabalho, nome do autor, ano de publicação, formato do trabalho, e resumo do trabalho.
Durante o processo foram identificados diversos documentos sobre manifestações
diferentes, com a maioria tratando sobre práticas localizadas na cidade de Belém. Alguns
versam sobre práticas localizadas no interior do estado e alguns sobre práticas musicais
indígenas. No entanto, o que nota-se é a diversidade de gêneros realizados no Pará registrados
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no acervo, passando por música erudita, jazz, choro, carimbó, havendo uma variedade de
trabalhos existentes, como obras que tratam da vida de compositores paraenses influentes e
diversas partituras de obras paraenses.
226
Contudo, é necessário dizer que o acervo da biblioteca Vicente Salles passa por
processos de reorganização com alguma frequência, por conta disso, alguns documentos que
são encontrados em uma visita, podem não ser reencontrados no mesmo lugar em uma próxima
vez. Na primeira visita ao acervo estavam presentes mais documentos que os que se encontram
no momento atual desta pesquisa. Este fato também se dá por conta de que o prédio que abriga
as dependências do instituto é antigo e com piso de madeira, sendo assim o chão não aguenta o
peso de muitos livros, já tendo sido reforçado, mas ainda permanecendo o risco, havendo,
assim, a necessidade de reorganização do espaço constantemente e até o risco de mudança de
endereço.
No processo de catalogação foram identificados vários tipos de documentos como
CDs, DVDs, documentários, livros sobre compositores e obras musicais e em sua maioria livros
de partitura.
A Casa das Artes disponibiliza anualmente editais de incentivo a produção cultural
através do programa de fomento à arte e à cultura intitulado Seiva, que por meio de incentivo
direto e indireto viabiliza pesquisas e produções artísticas, gerando resultados e contribuindo
de forma significativa para o contexto cultural do estado. Porém, os documentos sobre os
trabalhos já realizados através de editais do instituto das antigas gestões, quando a entidade
atendia por nome de IAP – Instituto de Artes do Pará - não são disponibilizados para consulta
pública, ficando assim, de fora dos resultados desta pesquisa, contando aqui apenas com os
trabalhos disponibilizados na biblioteca.
Os documentos encontrados foram listados abaixo, divididos entre os que hoje estão e
os que não estão mais disponíveis ao público por conta da reorganização, podendo estes últimos
voltar à disponibilidade de acesso ou não:
Brasileiro, A.
160, Nº 404
33 - Waldemar Henrique – Livro 2011 Vicente Salles; Felipe
Canções Andrade; Jorge Santos
Sousa 229
34 - A música e o tempo no Livro 1980 Vicente Salles
Grão-Pará
230
4. Sobre os documentos
Três de seus trabalhos tratam sobre o compositor paulista radicado no Pará Antônio
Carlos Gomes, compositor da ópera clássica “O Guarani”. Este compositor, o escritor abordou
sob diferentes perspectivas, como sobre a relação da música com o tempo no qual esta era
realizada, sobre suas composições e sobre sua vida, como também sobre o Instituto Carlos
Gomes, escola tradicional de música da cidade de Belém que recebeu o nome de Carlos Gomes
em sua homenagem.
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
Sobre o compositor Antonio Carlos Gomes, além dos trabalhos de Vicente Salles,
encontra-se ainda mais uma obra publicada pela Fundação Nacional das Artes – Funarte, em
comemoração ao centenário da morte do compositor trazendo um breve histórico com partituras
231
de peças compostas pelo homenageado:
Dois dos trabalhos são livros de partituras, um reúne obras inéditas do compositor,
outro traz obras compiladas por Vicente Salles. Também encontramos um programa de
concerto realizado pelo pianista Arthur Moreira no ano de 1999 com repertório de peças do
compositor e o outro é uma obra que analisa as suas composições.
Muitos dos trabalhos encontrados são livros de partituras voltados à práticas musicais
paraenses, abarcando e registrando uma variedade de práticas realizadas no estado. Ao total, os
livros de partituras de obras paraenses são:
Há ainda alguns outros trabalhos, além dos já citados, que realizam um registro
histórico de manifestações, eventos ou lugares que acontecem ou já aconteceram no estado:
Choros Amazônicos
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Música de Mestre
Na boca do peixe
5. Resultados obtidos
religioso com o qual são empregados os cânticos executados nesta manifestação. Nas
montagens de óperas a música é utilizada em conjunto com a encenação teatral para contar uma
estória e nos festivais ganha um caráter contemplativo ou de disputa.
236
Tendo isso por base constatamos como a prática musical toma diferentes aplicações
de acordo com o âmbito em que ela se encontra. Também podemos constatar, através desta
pequena amostra do acervo estudado, a diversidade de produções e aplicações que a música
adquire, isso dentro do Pará e através somente da análise destes documentos coletados, não
dando conta de refletir aqui toda real produção existente no estado.
Vejamos quais as cidades e práticas musicais são atingidas nesta pesquisa:
Práticas musicais
Carimbó
Aparelhagem
Pássaro junino
Música indígena
Marujada
Choro
Samba
Big Band
Música Religiosa Práticas
Banda de Música
musicais
Ópera
Música erudita
Música de Coral
Música descritiva
0 2 4 6 8 10 12
Cidades
20 Belém
1 Marapanim
237
1 Maracanã
1 1
1
1 1 bragança
1
1 1 São Caetano de Odivelas
1
1 1 Arapijó
1
1 Marudá
20
1 Vigia
1 Marabá
1 Oriximiná
A maior parte das práticas está localizada na cidade de Belém, com 20 trabalhos sobre
práticas realizadas em Belém identificados, no restante das cidades detectamos um trabalho em
cada. O restante dos trabalhos catalogados do acervo não trata necessariamente de uma prática,
mas sim de pessoas ou locais específicos.
6. Conclusão
Após um ano nesta pesquisa, podemos notar um vasto campo de práticas musicais
existentes no estado do Pará, que observamos cada vez mais difundidas a partir de pesquisas,
isso fica mais claro ao observarmos o acervo da Casa das Artes, que através de seus fomentos,
instiga e viabiliza várias produções anualmente. Outro ponto que chamou atenção é a relação
que a música faz com outros campos de conhecimento como com a religião, artes cênicas,
contexto social, dentre outros, e as características que toma de acordo com seu uso, a partir
disso, utilizando a base teórica fornecida pela etnomusicologia tentamos entender melhor como
essas relações se interpolam e acontecem de forma prática no meio social entendendo que a
música é uma arte dinâmica e fruto do meio social que a realiza.
Partindo dos dados fornecidos por esta pesquisa é possível concluir que o Pará é um
estado rico cultural e musicalmente, por ser grande territorialmente, o segundo maior do país,
como consequência disso gera uma enorme produção e variedade fornecendo uma série de
práticas, contextos, ritmos e gêneros musicais, arriscaria dizer que seria um dos mais peculiares
a nível nacional tendo criado frutos como o carimbó e o tecnobrega, gêneros reconhecidos.
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Belém – 2017
Com estes resultados esperamos contribuir para que haja um maior entendimento deste
cenário cultural, e através disso entender nosso lugar enquanto contribuintes, produtores e
produtos desta cultura.
238
Referências:
ARAÚJO, Samuel; PAZ, Gaspar; CAMBRIA, Vicenzo (Org.). Música em debate: perspectivas
interdisciplinares. Rio de Janeiro: Mauad X, Faperj, 2008.
CHADA, Sonia. A Prática Musical no Culto ao Caboclo nos Candomblés Baianos. In. III
Simpósio de Cognição e Artes Musicais, 2007, Salvador. Anais... Salvador: EDUFBA, 2007,
p.137-144.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa/Antônio Carlos Gil. - 4. ed. - São
Paulo : Atlas, 2002.
NETTL, Bruno. 2005. The Study of Ethnomusicology: thirty-one issues and concepts. Urbana
e Chicago: University of Illinois Press.
SEEGER, Anthony. Etnografia da Música. Tradução: Giovanni Cirino. São Paulo, n. 17, p.
237-260, 2008.
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
239
Leonardo Vieira Venturieri
UFPA/ICA - leonardoventurieri@hotmail.com
Abstract: This Work investigate the origins of musical genre called schottisch and also the phenomena
of its naturalization in Brazil during the XIXth century. It considered an hypothesis that the musical
genre Lundu would act as an influence for the naturalization of the genre. The matter is primarily
understood throughout the analisys of the work Portugal-Brazil from Clemente Ferreira Júnior, wich
contains elements that elucidate the genre naturalization phenomena. For the work, the auctor consider
the comparative method, allied with musicological and historiographic studies.
Keywords: schottisch. lundu. Clemente Ferreira.
1. Introdução
2. Schottisch Brasileiro
Schottisch é uma dança e um gênero musical. A dança é feita em pares e contava com
grande repertório de passos e se modificavam periodicamente, durante seus dias de glória. Este
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trabalho se referirá ao schottisch apenas enquanto gênero, considerando tanto os aspectos sócio-
econômicos que implicaram o estabelecimento do gênero no Brasil, assim como os aspectos
composicionais.
240
A schottisch fez um grande sucesso em vários países, a partir de meados do século
XIX, nos quais vários compositores que passaram a ser especialistas no gênero. O nome indica
uma “maneira escocesa” implícita no gênero. De acordo com Sève(2016): “A schottisch chegou
ao Brasil pouco depois da polca e, como o gênero originário da Boêmia, foi dançada por
bailarinos nos teatros populares”(SÈVE, p. 103, 2017). O gênero Schottisch passou a ganhar
popularidade no Brasil, principalmente durante o decorrer do século XIX: “A dança polonesa,
chamada pelos ingleses de polca alemã, logo caiu no gosto das elites brasileiras.” (SÈVE, p.
103, 2017).
Chegou no país na mesma forma que outros gêneros europeus, durante a grande
demanda por novidades musicais85 durante o século XIX. Fez sucesso assim como a polca, a
valsa, redowa, mazurka que sendo importados e apreciados em território nacional, foram, por
conseguinte, assimilados pela cultura musical brasileira. Tal assimilação resultou no hoje no
que se conhece como Schottisch Brasileiro, uma versão do gênero re-imaginada pelos músicos
e compositores brasileiros, entre os quais, se destacam Anacleto de Medeiros, Irineu de
Almeida, Ernesto Nazareth, entre outros.
O interesse da nova classe trabalhadora por novidades musicais vindas da europa foi a
força que impulsionou a entrada do Schottisch no Brasil assim como a entrada polca, etc. As
mudanças sócio-culturais ocorridas durante o século XIX, formaram o cenário propício em que
a burguesia seria fundamental para a existência deste modelo de importação cultural. As
novidades musicais impulsionaram um grandioso número de compositores do gênero schottisch
que tiveram suas obras publicadas no Pará. As obras eram publicadas através das editoras locais
como a Mendes Leite, R.L. Bittencourt e vendidos em lojas como a Paquete das Novidades
Musicais, Casa Abraão Mathias, entre outros.
Neste cenário de mudança cultural, o schottisch se insere como gênero europeu de
grande popularidade no Pará, principalmente através do papel de Clemente Ferreira e o processo
de nacionalização da schottisch. No Pará, assim como no Brasil, o schottisch passou por esta
nacionalização, que fundiu o gênero com outros, “legitimamente“ brasileiros como a modinha
85
Neste texto irei me referir inúmeras vezes à tal questão sobre a demanda brasileira pelas novidades musicais
européias. Estes casos terão como referência o termo “novidades musicais”.
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e o lundu. O mesmo ocorreu com outros gêneros estrangeiros importados para o Brasil, como
a polca e a valsa. Almeida(1942) descreve a maneira em que a valsa se abrasileirou:
Todas essas dansas estrangeiras foram, quer na música quer na coreografia, muito 241
alteradas no Brasil. A valsa, por exemplo, cujas origens se perdem na França, em fins
do século XVI, e só se tornou citadina no séc. XVIII, na Áustria, a ponto de muitos a
dizerem germânica, para dalí ganhar o mundo, amaneirou-se, no Brasil, onde entrou
por volta de 1837, ficou sestrosa, sofreu a influência das modinhas e adaptou-se ao
choro nacional. Se guardou as suas características fundamentais, de dansa rodada, em
3/4, abrasileirou a sua melodia e se tornou uma forma de canção sentimental, que é
hoje a mais comum nos compositores do gênero. (1942, p.184)
Tinhorão também ressalta o papel das bandas militares como divulgadores dos gêneros
de grande demanda no final do século XIX e início do século XX (incluindo-se o schottisch):
3. O Schottisch Portugal-Brazil
86
Castagna refere-se às seguintes danças: quadrilha, polca, valsa, redowa, schottisch e mazurca.
IV Jornada de Etnomusicologia
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243
244
Figura 5: Acompanhamento da mão esquerda nos compassos 1-5. Transcrição e edição do Autor.
245
Figura 6: Compassos 1-5 da obra Portugal-Brazil de Clemente Ferreira Júnior. Fonte: Acervo
Vicente Salles, Museu da UFPA.
A obra segue com o intercalar de seções Brazileiro e Portuguez, e por vezes repetem-
se melodias e acompanhamentos encontrados no início da composição. A segunda seção
brasileira apresenta a mesma melodia e acompanhamento mostrada no início, que inclui o
presença do tresillo.
247
O autor finaliza a composição com uma seção descrita como brasileira, em que utiliza
novamente a melodia do início(ver figuras 12 e 13).
Para o trecho final da mesma seção “brasileira”, Clemente utiliza o compasso 2/4 para
que houvesse maior velocidade e vivacidade na composição. O autor realiza um ajustamento
da melodia principal da obra, da seção brasileira, que contém o tresillo, para o compasso de 4/4,
convertendo as colcheias em semi-colcheias e as semínimas em colcheias. A aceleração final é
certamente uma referência aos gêneros populares brasileiros como o maxixe, o tango brasileiro
e o lundu.
IV Jornada de Etnomusicologia
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248
A capa da partitura possui vários elementos que se relacionam com o título Portugal-
Brazil. Duas bandeiras que se encontram em oposição possuem, respectivamente, as cores da
bandeira de Portugal até o ano de 1911 e as cores da bandeira do Brasil, que se direcionam à
posição da tipografia, separando o lado esquerdo da capa para Portugal e o lado direito para o
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Brasil. A dedicatória “ Aos bons amigos de lá e de cá” reafirma o sentido de integração proposto
pelo autor.
249
4. Considerações Finais
Referências Bibliográficas
ANDRADE, Mário de. Modinhas Imperiais. 8ª Ed., Obras Completas de Mário de Andrade, no
XVIII. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1980.
ALMEIDA, Renato. História da Música no Brasil. 2a. Ed., Rio de Janeiro: F. Briguiet e Comp.
Editores, 1942.
CASTAGNA, Paulo. A Música Urbana de Salão do século XIX. Apostilas do curso de História
da Música Brasileira IA/Unesp. São Paulo: Instituto de Artes da Unesp, 2003.
CAZES, Henrique. Choro - do quintal ao Municipal. São Paulo: Editora 34, 2010.
SALLES, Vicente. Música e Músicos do Pará. 2ª. Edição revista e ampliada. Belém:
Secult/Seduc/Amu-PA, 2007.
TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira. 2a Edição. São Paulo:
Editora 34, 2010.
251
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Resumo: Resumo: Este estudo enfoca aspectos da escrita e da técnica pianística constantes na III Suíte
Brasileira para piano solo, de Oscar Lorenzo Fernândez (1897 – 1948), utilizando-se de ferramentas
previamente estabelecidas, que visam ajudar a identificar as dificuldades existentes na mencionada obra
musical. A análise da obra foi feita a partir de categorias anteriormente estabelecidas como: tempo e
ritmo, melodia, textura e sonoridade, produzida de forma tanto quantitativa quanto qualitativa. A partir
dos critérios utilizados, percebeu-se de forma mais nítida os obstáculos encontrados na referida suíte.
Palavras-chave: Análise. Lorenzo Fernândez. Piano
Analysis of the technical pianistic difficulty in the II Suíte Brasileira of Oscar Lorenzo Fernandez
Abstract: It has been prepared in this study, the analysis of the III Suíte Brasileira for solo piano, Oscar
Lorenzo Fernandez, under aspects of piano technique and existing writing. procedures was employed
previously defined which would help to recognize the present difficulties in that musical work. The
composition analysis was performed based on predetermined classes, as time and rhythm, melody,
texture and sound. Founded on the use of certain standards, it was noted explicitly the complications
present in this song cycle.
Keywords: Analysis. Piano. III Brazilian Suite
1. Introdução
canto e piano), Valsa Suburbana op. 70 (1932, piano), Primeira Suíte Brasileira (1936, piano),
Segunda Suíte Brasileira (1938, piano) e Terceira Suíte Brasileira (1939, piano).
Em pesquisa bibliográfica, verificou-se que, apesar de ser um estudo sobre as Três
Suítes Brasileiras o texto Estudo Analítico e Interpretativo sobre as Três Suítes Brasileiras de 253
Oscar Lorenzo Fernandez, escrito por ARAÚJO FILHO (1996), contém apenas um
aprendizado histórico sobre a criatividade e vida do compositor, continuado de uma produção
pormenorizada da essência composicional das três Suítes Brasileiras, assim como inferências
interpretativas das obras sem, no entanto, abordar as dificuldades técnicas das músicas desse
ciclo.
Exames em tratados de técnica pianística, abrangendo os livros Como devemos
estudar piano de LEIMER e GIESEKING (1949) e Teoria da Aprendizagem Pianística, de
KAPLAN (1985), confirmam a necessidade de uma instrução lógica que facilite uma aplicação
pianística mais objetiva, constituindo moldes universais relevantes para um estudo de
dificuldades técnico-musicais.
Assim posto, foram dois os motivos que determinaram a escolha da III Suíte
Brasileira como objeto desta pesquisa: a sua notória reputação dentro do repertório didático-
pianístico brasileiro, e a inexistência, até o momento, de um estudo que de fato ofereça aos
professores de piano ferramentas pedagógicas que revelem a dificuldade técnico-musical das
composições. Ao longo do trabalho, procurou-se obter um maior entendimento pianístico da
obra, por meio do emprego de processos pertinentes à efetivação da análise sugerida.
A viabilização da pesquisa exige que se estipule uma metodologia especial, a seguir
discriminada:
• Investigação bibliográfica de trabalhos publicados a respeito do compositor e
de sua obra que possuam vínculo com a pesquisa, englobando monografias, livros, teses e
artigos. Consistirá em uma averiguação ampla desses materiais, a fim de obter um olhar
global da vida e obra do compositor e, provavelmente, uma noção mais acurada a respeito
do texto musical;
• Estudo repetitivo da III Suíte Brasileira ao piano, em busca de meios que
facilitem a constatação das dificuldades para a sua execução, além de definir técnicas que
melhor satisfaçam as condições de interpretação e que só podem ser criadas a partir da
experimentação continuada no próprio instrumento;
• Utilização de categorias a serem aplicadas na verificação das dificuldades
técnico-musicais: tempo e ritmo, melodia, textura e sonoridade, assim como a classificação
de três níveis a serem utilizados para o estabelecimento da dificuldade de cada categoria, em
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cada peça: pouca, razoável, ou muita dificuldade. A escolha das categorias e classificações
foi extraída do artigo científico de SANTIAGO (2007), no qual a autora partiu de uma
avaliação tanto quantitativa quanto qualitativa das categorias técnico-musicais.
Os resultados encontrados serão extremamente relevantes para uma melhor percepção 254
2. Toada
Toada é uma canção de caráter triste e andamento arrastado1, nesta peça, temos como
característica principal uma linha melódica com variações de textura em suas repetições.
Escrita na forma A – B – A’ – B’, em quatro frases que coincidem com as seções, a primeira
e terceira frases estão na tonalidade de Mi Maior e a segunda e quarta frases com centro
harmônico em Ré Menor.
Escrita em andamento moderado num compasso binário simples, Toada começa com
uma pequena introdução de quatro compassos, na qual é estabelecido um ostinato na mão
esquerda.
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255
1
FIGURA 01 - Toada [01-04]
Enciclopédia da Música Brasileira: Erudita, Folclórica e Popular, de MARCONDES e RIBENBOIM, p.776,
(1998).
2.2 Melodia
utiliza a tenuta sobre as notas mais agudas dos acordes, para tornar ainda mais evidente a linha
melódica.
256
2.3 Textura
2.4. Sonoridade
e o ostinato presente em toda a obra, de intensidade mais suave. Em relação ao registro sonoro,
utilizam-se todas as três regiões no teclado, predominando o registro médio. O uso do pedal é
indicado em [21-29], [35-53] e [58- 64].
257
3. Seresta
da seção B, em [26] e [28-32], proporcionam o momento rítmico mais tenso da obra assim
como considerável contraste em relação à seção A.
258
3.2 Melodia
A organização melódica da peça se dá em seis frases, duas em cada seção, com oito
compassos para cada frase. Toda a linha melódica é escrita em legato e algumas tenutas são
marcadas na linha do tenor na seção B. O staccato só aparece nas últimas quatro notas feitas
pelo baixo. Ressalta-se a predominância de graus conjuntos com pequenos saltos a partir da
seção B, em [17-20] e [25-31], na mão esquerda.
3.3 Textura
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vozes.
3.4 Sonoridade
4. Jongo
samba”. Esta obra é toda construída sobre um ostinato rítmico, iniciando de maneira misteriosa
(ver indicação soturno e misterioso, no início da peça) e evoluindo para um final agitado,
pesado e denso. Desenvolvida no modo Si Eólio, em forma unitária (A), contém introdução e
cinco frases organizadas da seguinte maneira: Introdução [1-2], 1ª Frase [3-14], 2ª Frase 260
Com a indicação Allegro Pesante, Jongo é uma peça que não determina compasso nem,
consequentemente, barras de compasso. A construção da obra tem como fundamento a célula
rítmica colcheia / duas semicolcheias / colcheia / quatro semicolcheias / colcheia (♪/♬ / ♪ /
♬♬ / ♪), em ostinato. A partir desta estruturação rítmica (e também da indicação
metronômica) pode-se adotar a semínima como unidade de referência, assim como um
provável compasso ternário simples, o que facilitaria a fluência e precisão rítmica da
execução2.
FIGURA 10 - Jongo [01-03]
2
Na ausência de barras de compasso será utilizada, como referência, a célula rítmica básica do ostinato, contando-
se cada uma para efeito de localização na partitura.
IV Jornada de Etnomusicologia
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261
4.2. Melodia
O Jongo estrutura-se sobre em uma ideia melódica básica, trabalhada em cinco frases.
A própria composição da melodia é fragmentada, especialmente em função da ênfase dada ao
aspecto rítmico: os motivos são curtos e repetitivos, com intervalos predominantemente
restritos, não aparecendo nenhuma ideia melódica mais extensa. A proporcionalidade na
organização fraseológica é fator importante, esta sempre subordinada à organização dos
ostinatos rítmicos em grupos de doze células rítmicas básicas. O compositor indica sforzando
de [35-49], [53], [57] ao [62], reforçando tanto a execução dos próprios ostinatos quanto da
melodia principal.
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262
4.3. Textura
4.4. Sonoridade
263
5. Considerações Finais
Julga-se que os efeitos deste trabalho consigam contribuir com relação a elaboração
daqueles que encaminham a se inclinar acerca das três Suítes Brasileiras, quer sejam eles
alunos, intérpretes ou docentes a partir de um maior discernimento em relação aos graus de
dificuldade pianístico-musical contidos nesta suíte. Posto que, novas informações relacionados 264
à interpretação pianística da obra aqui debatido é capaz, a todo momento, ser amplificados,
em particular a partir de reflexões autênticas vindas da experiência única que cada intérprete
pode ter com a obra. Outros enfoques podem ainda vir a ser aprimorado sobre as classes de
dificuldade técnica, como por exemplo, à expressividade musical, emprego da tonalidade, e
aplicação de movimentos pianísticos, toques e dedilhados.
Deseja-se, portanto assim, que este artigo possa oferecer impulso para o nascimento
de outros trabalhos associados às três Suítes Brasileiras, em especial, e, em extensivo, ao
reconhecimento das diversas categorias de dificuldade pianístico-musical em outras obras do
repertório pianístico brasileiro.
Tal seleção, é abundante em singularidade e excentricidade, merece ainda de pesquisas
que produzam inúmeras e oportunas assuntos pertinentes à sua performance, vindo assim a
auxiliar para um maior entendimento dentro do contexto musical brasileiro.
Referências:
- Livro
KAPLAN, José Alberto. Teoria da Aprendizagem Pianística. Porto Alegre: Editora
Movimento, 1985. 112 p.
LEIMER, Karl; GIESEKING, Walter. Como Devemos Estudar Piano. Trad. Tatiana
Braunwieser. São Paulo: Editorial Mangione S. A., 1949. 63p.
MARCONDES, Marcos Antônio; RIBENBOIM, Ricardo. Enciclopédia da Música
Brasileira: Erudita, Folclórica e Popular. 2 ed. rev. e aum. São Paulo: Art Editora, 1998.
912p.
MARIZ, Vasco. História da Música no Brasil. 5 ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira,
2000. 550p.
- Dissertações ou Teses
ARAÚJO FILHO, Alfeu Rodrigues de. Estudo Analítico e interpretativo sobre as três Suítes
Brasileiras de Oscar Lorenzo Fernândez. 1996. 164f. Dissertação (Mestrado em Artes) –
Universidade Estadual de Campinas, São Paulo.
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SANTIAGO, Júnia Gonçalves. A progressão da dificuldade técnica para piano nas três
Suítes Brasileiras para piano de Oscar Lorenzo Fernandez. 2007. 71f. Artigo (Mestrado em
Música) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
265
- Partitura publicada
FERNÂNDEZ, Oscar Lorenzo. 1ª, 2ª e 3ª Suíte Brasileira. Irmãos Vitale-Editores. São
Paulo, Rio de Janeiro, 1942. 9 Partituras (33p). Piano Solo
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Resumo: Este estudo enfoca a classificação de categorias e critérios, sob os aspectos da escrita
pianística, que ajudem a identificar dificuldades existentes em obras musicais para este
instrumento. Foi estabelecido as seguintes categorias: tempo e ritmo, melodia, textura e
sonoridade. A cada uma destas categorias foram conferidos três possíveis níveis de dificuldade:
pouca dificuldade, razoável dificuldade e muita dificuldade, que contribuirá para a classificação
de dificuldade técnica mais específica em uma obra musical.
Palavras-chave: Nível de dificuldade. Piano. Critérios Musicais.
Categories and criteria for analysis of musical difficulties in works written for piano
Abstract: This study focuses on the classification of categories and criteria, under the aspects of
pianistic writing, that help to identify difficulties existing in musical works for this instrument. The
following categories have been established tempo and rhythm, melody, texture and sonority. To each
one of these categories three possible levels of difficulty were given: low difficulty, reasonable
difficulty, much difficulty, which will contribute to the classification of more specific technical
difficulty in a musical work.
Keywords: Level of difficulty. Piano. Musical criteria.
1. Introdução
2.2 Melodia
De acordo com RINGER (2001), pg. 363, melodia pode ser definida como “sons de
alturas determinadas, organizados no tempo musical (...)”. Serão aqui avaliados,
primariamente, a ocorrência de distâncias intervalares diversas, assim como dos vários sinais
utilizados para denotar a articulação melódica, tais como ligadura, tenuta, staccato, entre
outros, envolvidos na identificação e análise das frases musicais. O aspecto melódico de uma
obra diz respeito, igualmente, à maior ou menor complexidade da invenção temática,
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Neste nível as linhas melódicas podem ter maior extensão, os saltos são
razoavelmente amplos (não maiores que duas oitavas) e aparecem com maior frequência;
alguma diversidade pode ser notada quanto à articulação e organização das frases, e os temas
podem apresentar maior diversidade.
2.3 Textura
Conforme THE NEW GROVE (2001), pg. 323, textura é “termo usado vagamente
em referência a quaisquer dos aspectos verticais de uma estrutura musical, usualmente em
relação à maneira em que partes ou vozes individuais são organizadas. “ Há dois tipos
principais de textura: homofônica, na qual as partes são interdependentes ou há clara distinção
entre melodia e acompanhamento; e polifônica, onde as vozes movem-se independentemente
ou em imitação. Entre estes dois tipos há ainda um “estilo livre” (free-part style), onde o
número de partes pode variar em uma única frase. Pode-se ainda referir-se à textura como
“densa” ou “leve”, com relação ao espaçamento de acordes e/ou quantidade de vozes
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2.4 Sonoridade
Esta categoria será vista, aqui, como o conjunto de aspectos diversos relacionados à
qualidade do som musical-pianístico, como, por exemplo, timbre, dinâmica, pedalização,
utilizados na performance. Partir-se-á não somente das indicações expressamente grafadas no
texto musical, mas também do que é indiretamente sugerido pelo mesmo.
Efeitos mais variados de dinâmica, com maior e mais diverso âmbito de intensidades
utilizadas. O timbre poderá ser mais explorado, a partir da necessidade de utilização de 272
diferentes tipos de toque (sugeridos por indicações como cantabile, dolce, sfz, etc.). A
pedalização poderá requerer o uso da una corda, como também do pedal da direita de maneira
mais extensa e variada.
Neste nível será incluído o uso mais amplo e diversificado de dinâmica (desde o ppp
até o ffff, por exemplo), como também abruptos e frequentes contrastes de toques visando
alterações no timbre. O teclado poderá ser explorado em toda a sua extensão, e o uso do pedal
dar-se-á de maneira mais diversificada e complexa, a partir, por exemplo, de trocas frequentes
e/ou rápidas, uso de efeitos como meio ou um quarto de pedal, trêmulo de pedal, una corda,
pedal tonal (sostenuto).
QUADRO 1
Pouca Dificuldade
Compasso Binário, Ternário e Quaternário simples.
Andamento Lento.
Agógica Pouca incidência.
Combinações Rítmicas Predominância de figuras como mínima, semínima e
colcheia, ou uma mesma célula rítmica permeando
toda a obra.
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QUADRO 2
Razoável Dificuldade
Compasso Binário, Ternário e Quaternário compostos.
Andamento Moderado. 273
Agógica Incidência de expressões, e mais variações de indicação
que alterem a mudança de andamento.
Combinações Rítmicas Pouca incidência de síncopes simples e polirritmias
básicas.
QUADRO 3
Muita Dificuldade
Compasso Polimetria.
Andamento Rápidos ou muito rápidos.
Agógica Ampla incidência e diversidade de expressões de
andamento.
Combinações Rítmicas Polirritmias mais elaboradas, diferentes combinações
rítmicas justapostas, quiálteras acima de cinco notas, além
da grande diversidade nas indicações de acentuações e
seus deslocamentos.
2.5.2 Melodia
QUADRO 4
Pouca Dificuldade
Extensão Melódica Linhas melódicas restritas.
Saltos / Graus Pouco Frequentes e predominantemente contidos em uma
oitava e com maior incidência de graus conjuntos.
QUADRO 5
Razoável Dificuldade
Extensão Melódica Maior extensão nas linhas melódicas.
Saltos / Graus Razoavelmente amplos (não maiores que duas oitavas) e
aparecem com maior frequência, assim como incidência
de graus conjuntos e disjuntos.
Articulações Alguma diversidade.
Fraseado Apresenta maior diversidade.
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Belém – 2017
QUADRO 6
Muita Dificuldade
274
Extensão Melódica Linhas melódicas muito extensas.
Saltos / Graus Saltos rápidos e frequentes com âmbito de mais de duas
oitavas, assim como maior predominância de graus
disjuntos.
Articulações Grande diversidade de articulação, assim como a
sobreposição de diferentes tipos de articulação.
2.5.3 Textura
QUADRO 7
Pouca Dificuldade
Organização H/P/M Predominância de textura homofônica, em especial a
incidência da relação melodia/acompanhamento.
Espaçamento Leve.
QUADRO 8
Razoável Dificuldade
Organização H/P/M Textura homofônica, assim como aquelas de textura mista
ou polifônica que envolva pouca complexidade
contrapontística.
Espaçamento Médio adensamento.
QUADRO 9
Muita Dificuldade
Organização H/P/M Textura homofônica, assim como outras de textura mista
e/ou polifônico-contrapontística mais complexa,
envolvendo maior número de vozes com considerável
movimentação.
Espaçamento Grande adensamento das partes.
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Belém – 2017
2.5.4 Sonoridade
QUADRO 10
Pouca Dificuldade 275
QUADRO 11
Razoável Dificuldade
Dinâmica Efeitos mais variados, maior e mais diverso âmbito de
intensidades utilizadas.
Pedalização Poderá requerer o uso do una corda, como também do
pedal da direita de maneira mais extensa e variada.
QUADRO 12
Muita Dificuldade
Dinâmica Amplo e diversificado de dinâmica (desde o ppp
até o ffff, por exemplo).
Pedalização Mais diversificado e complexo, a partir, por exemplo, de
trocas frequentes e/ou rápidas.
Toque / Timbre Abruptos e frequentes contrastes de toques visando
alterações no timbre.
Região do Teclado Explorado em toda a sua extensão.
3. Considerações Finais
contribuirá para a classificação fácil do grau de complexidade técnica dentro de uma obra
musical.
É importante entender que cada categoria, Tempo e ritmo. Melodia; Textura e
Sonoridade devem ser analisadas de forma individualizada, pois o nível de dificuldade pode ser 276
diferente em cada grupo. Por exemplo, em uma mesma música podemos encontrar a categoria
Tempo e Ritmo, em um nível de pouca dificuldade, Melodia e Sonoridade em muita dificuldade
e por fim a Textura em razoável dificuldade.
Apesar dos vários critérios, não há como se ver livre de um forte elemento subjetivo
quanto a sua efetivação, fator importante para que a análise possa ser sempre feita não somente
quantitativa, mas, também qualitativa.
Acredita-se que os resultados desta pesquisa possam vir a lançar uma luz sobre o
trabalho daqueles que venham a se debruçar sobre dificuldades de leitura pianística, assim
como gradações de dificuldades tanto de leitura como também sobre a técnica pianística, sejam
eles intérpretes, professores ou estudantes, a partir de uma maior consciência em relação aos
níveis de dificuldade pianístico-musical presentes na obra.
Referências:
DÜRR, Walther e GERSTENBERG, Walter. Melody. Rhythm. Tempo. Texture. In: The New
Grove Dictionary of Music and Musicians. 2nd. ed. London and New York: Grove Macmillan
Publishers Limited, 2001.
LEIMER, Karl; GIESEKING, Walter. Como Devemos Estudar Piano. Trad. Tatiana
Braunwieser. São Paulo: Editorial Mangione S. A., 1949. 63p.
RICORDI, Guia Prático e Temático n°1. São Paulo: Ricordi Brasileira, 1978. 384p.
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Belém – 2017
Resumo: Este artigo trata do projeto de pesquisa que tem como principal objetivo compreender o
contexto do arrastão do pavulagem, a partir do engajamento das práticas musicais (Small 1989)
(CHADA, 201), e da relação com o lugar. Entendo que as práticas musicais são as mais variadas
formas de vivenciar e experenciar música, seja na performance ou na apreciação; e que o lugar onde
acontecem essas práticas é ponto complexos, construído por meio da relação com outros lugares, ou
seja, é dialeticamente construído ao mesmo tempo que constrói. Para tanto será desenvolvido por
meio da etnomusicologia aplicada e/ou participativa, que tem se mostrado como uma importante
abordagem metodológica ao se trabalhar em contextos sociais e culturais, sendo uma proposta que
possibilita o diálogo com a comunidade estudada, se colocando como potência educativa dentro das
próprias comunidades. Marques (2008), Cambria (2004), Araújo (2006) e Tygel (2006). Por fim,
como produções preliminares, se objetiva construir um livro de narrativas que conte os 30 anos de
história do Arraial do Pavulagem, Mostras Fotográficas e a produção de um documentário
etnográfico.
Palavras-chave: Arrastão do Pavulagem. Tradição inventada. Etnomusicologia Participativa
The Invented Tradition: between (places) of the musical practices in the context of the Arraial
do Pavulagem.
Abstract: This article deals with the research project that has as main objective to understand the
context of the trailing of the pavement, from the engagement of musical practices (Small 1989)
(CHADA, 201), and the relation with the place. I understand that musical practices are the most
varied ways of experiencing and experiencing music, whether in performance or in appreciation;
and that the place where these practices take place is complex, built through the relationship with
other places, that is, it is dialectically constructed at the same time as it builds. In order to do so, it
will be developed through applied and / or participatory ethnomusicology, which has been shown to
be an important methodological approach when working in social and cultural contexts, being a
proposal that enables dialogue with the studied community, placing itself as an educational power
within of the communities themselves. Marques (2008), Cambria (2004), Araújo (2006) and Tygel
(2006). Finally, as preliminary productions, it aims to construct a narrative book that tells the 30
years of history of the Arraial do Pavulagem, Photographic Shows and the production of an
ethnographic documentary.
Introdução
No ano de 1987, foi criado o grupo musical boi pavulagem do teu coração com
objetivo de trazer a público a música tradicional paraense e o acesso dessas músicas a espaços
culturais da cidade, para valorização da cultura local. Inicialmente os músicos começaram com
pequenas tocadas na praça da Republica no centro da cidade, iniciavam um pequeno cortejo ao
redor da praça carregando um boizinho azul em uma tala, pois não possuíam recursos para
confecção de um boi-bumbá tradicional e bem ornamentado como de costume, findando o
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Belém – 2017
cortejo a festa continuava com um pequeno show ao lado do Teatro Waldemar Henrique, que
estava fechado na época.
A manifestação que outrora iniciou tímida e pequena, transbordou os limites da praça
278
e saiu às ruas da cidade, trazendo todo ano mais pessoas que participam na construção da
tradição ou acompanhando como expectadores e brincantes. O que antes era manifestação se
tornou tradição da cidade de Belém, o boizinho azulado que antes era simples, pequeno e
carregado em uma tala, hoje balança e ganha as ruas da cidade, cheio de ornamentos, enfeites
e adereços.
O Arrastão do Pavulagem enfeitas a ruas da cidade, com chapéus de fitas coloridas,
com uma densidade sonora de uma orquestra de percussão, com danças e pernas-de-pau. Sai da
escadinha do porto da Estação das Docas e é recebido e reverenciado pela bela arquitetura da
belle époque do Theatro da Paz, uma união simbólica entre a arte “popular” e “erudita”.
A espécie humana apresenta a capacidade da “musicalidade”, ou seja, percebe e produz
a música, de acordo com a concepções que são estruturadas pelo contexto em que vive. Assim,
nessa pesquisa, a música é entendida como resultado de um processo de interações sociais: onde
o objetivo da atividade musical é situado nas interações geradas nesses processos de produção
musical. (BLACKING 1969)
Entendo práticas musicais como esse processo que é capaz de gerar estruturas que vão
além dos aspectos essencialmente sonoros e que seus significados dentro de um determinado
contexto são determinados pelas interações definidas pelo grupo somo ao pensamento de
Chada87 (2007) o entendimento de Small (1989) por meio da compreensão do autor que há
muitas maneiras de estabelecer relações musicais dentro de um determinado contexto, seja da
performance à apreciação, da confecção do instrumento à prática da dança dessas músicas.
O arraial foi uma tradição inventada, que segundo Holbsbawm (2015, p. 7) é um termo
amplo, mas não indefinido. Nesse aspecto “inclui as ‘tradições’ realmente inventadas,
construídas e formalmente institucionalizadas, quanto as que surgiram de maneira mais difícil
de localizar num período limitado e determinado tempo – às vezes coisa de poucos anos apenas
– e se estabeleceram com enorme rapidez. ”
87
um processo de significado social, capaz de gerar estruturas que vão além de seus aspectos meramente sonoros,
embora estes também tenham um papel importante na sua constituição (...). A execução, com seus diferentes
elementos (participantes, interpretação, comunicação corporal, elementos acústicos, texto e significados diversos)
seria uma maneira de viver experiências no grupo. Assim, suas origens principais têm uma raiz social dada dentro
das forças em ação dentro do grupo, mais do que criadas no próprio âmago da atividade musical. Isto é, a sociedade
como um todo é que definirá o que é música. A definição do que é música toma um caráter especialmente
ideológico. A música será então um equilíbrio entre um "campo" de possibilidades dadas socialmente e uma ação
individual, ou subjetiva (CHADA, 2007, p. 13).
IV Jornada de Etnomusicologia
Belém – 2017
Metodologia:
Como aponta Nettl (1964, 224) “Talvez a tarefa mais importante que a
etnomusicologia tenha colocada a si própria, seja o estudo e a descoberta do papel que a música
desempenha em cada cultura do homem, passado e presente, e o conhecimento do que música
significa para o homem.” Seguindo esta premissa, da importância da música para o homem, o
arraial do pavulagem tem se mostrado um contexto de práticas musicais interativas para a
cidade de Belém, que tem produzido e incentivado a produção de conhecimento na área da
música. Dessa forma:
Nesse aspecto, Cambria, Fonseca e Guazina (2015, p.103) afirmam que apesar da
herança dos estudos folclóricos e da música europeia a etnomusicologia brasileira tem se
organizado institucionalmente a partir dos anos 1990. Entretanto, “apesar de sua juventude, e
talvez por causa dela, esse campo está aqui engajado em um rico diálogo interdisciplinar que
vem definindo sua identidade e objetivos e tem resultado em perspectivas teóricas e práticas de
trabalhos originais.”
Alguns autores da área (Tygel, 2005; Merriam, 1964; Seeger, 1987) tem apontado
exatamente para uma discussão e reflexão acerca da relação entre prática e a pesquisa na área
da etnomusicologia, propondo a realização de trabalhos que tragam benefícios para as
comunidades estudas, nesse sentido podemos citar as discussões e ações que têm sido
desenvolvidas no país na abordagem da etnomusicologia aplicada e participativa, que
embora a etnomusicologia aplicada venha sendo discutida desde os anos 60, apenas
recentemente tem sido acessível uma literatura ou sistematização de conceitos e idéias
em torno de algumas práticas educativas no Brasil. Trabalhos como os de Marques
(2003), Cambria (2004), Araújo (2006) e Tygel (2006) mostram que existem outras
formas de desenvolver pesquisas através de metodologias participativas não apenas
centradas no interesse do pesquisador (observação participante), mas de ação e
resultados que sejam de colaboração mútua e que tragam benefícios para as
comunidades estudadas. (MARQUES, 2008, P. 37)
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Belém – 2017
é a escrita sobre as maneiras que as pessoas fazem música. Ela deve estar ligada à
transcrição analítica dos eventos, mais do que simplesmente à transcrição dos sons.
Geralmente inclui tanto descrições detalhadas quanto declarações gerais sobre a
música, baseada em uma experiência pessoal ou em um trabalho de campo (2008, p.
239).
Fazer a etnografia é como tentar ler (no sentido de construir uma leitura de) um
manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e
comentários tendenciosos, escrito não com os sinais convencionais do som, mas com
exemplo transitório de comportamento modelado (1989, p. 13).
Como evidencia Freire (2010, p. 21) “as bases filosóficas da pesquisa qualitativa
(subjetiva) encontram-se na dialética e na fenomenologia, ambas implicadas com uma visão
mais subjetiva da realidade e com a relativização do conhecimento. ” No que se pretende nesta
pesquisa, apenas investigações documentais, realização de entrevistas objetivas e a etnografia
por meio do olhar de quem pesquisa não seriam suficientes para compreender a dimensões
almejadas e as diretrizes propostas pela etnomusicologia colaborativa. As entrevistas têm como
principal objetivo trazer o olhar e as histórias de vida de quem vive o lugar e experiencia as
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práticas musicais, assim contribuindo com os dados que não foram suficientemente alcançados
com a observação e análises documentais.
Nesse sentido, esta pesquisa terá desenvolvida como ferramenta metodológica o uso da
284
história oral que privilegia a realização de entrevistas, sendo “os procedimentos [...] feitos no
presente, com gravações, que envolvem expressões orais emitidas com intenção de articular
ideias orientadas a registrar ou explicar aspectos de interesses planejados em projetos”
(MEIHY, 2012, p. 14).
Assim, evidencia-se que “história oral é um conjunto de procedimentos” sendo
fundamental para sua realização responder três perguntas “a) de quem?, b) como?, e c) por
quê?”, para que os procedimentos não se restrinjam à realização de entrevistas “comuns”,
desvirtuando assim o propósito da história oral (idem, p. 15). Para analisar como se constrói o
contexto do arrastão do pavulagem e como este compões redes musicais interativas na cidade
de Belém-Pa, pretende-se traçar um histórico documental por meio de bases de dados em
jornais, revistas e narrativas dos integrantes que fundaram o grupo, que continuam ou não no
grupo.
Ainda, serão investigadas a relação entre a música e o lugar a partir da construção de
narrativas das pessoas que são envolvidas no contexto, por meio da história oral pretende-se
utilizar da construção de narrativas sendo estas construídas por meio da transcrição,
textualização e transcriação (FAÇANHA 2016, p. 318-319)88
Analisar o processo de oficinas, observando as práticas de ensino, como os oficineiros
desenvolvem suas atividades pedagógicas e como é a recepção por meio dos frequentadores,
ainda quais saberes tradicionais da cultura local e dos locais das músicas que são tocadas pelo
grupo são ressignificado como propostas pedagógicas de ensino. Além disso, como se dá a
relação de cooperação entre os próprios brincantes, como há transmissão de saberes. Realizar
levantamento dos grupos musicais formados a partir dos arrastões, os grupos musicais que
estabelecem parcerias com os arrastões e os lugares culturais que há performance de grupo de
brincantes e da própria banda do instituto. Ainda traçar um panorama histórico sobre a difusão
88
I Transcrição: Fase que se configura em escrever, na íntegra, a entrevista. Todos detalhes serão levados em
consideração, dos barulhos no ambiente aos risos e falas emocionadas.
II Textualização: retirada das perguntas, correção dos erros gramaticais, retirados ruidos descritos na transcrição
e organização da narrativa por temas. (MEIHY e HOLANDA, 2014, p. 142)
III Transcriação: se constitui no texto “apresentado em sua versão final e depois de autorizado [pelo colaborador]
deve compor a série de outras entrevistas do mesmo projeto” (idem, p. 143). A escrita é construída como uma
narrativa na qual as ideias fluem para a melhor compreensão do leitor.
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Belém – 2017
Bibliografia:
BLACKING, John. How musical is man? 6. ed. Seattle: University of Washington, 2000.
CHADA, Sonia. A prática musical no culto ao caboclo nos candomblés baianos. In III
Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais, 2007, Salvador. Anais... Salvador:
EDUFBA, 2007, p. 137-144.
FREIRE, Vanda Bellar. Horizontes da Pesquisa em Música. Rio de Janeiro: 7letras, 2010.
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Tradução de Fanny Wrobel. Revisão técnica
de Gilberto Velho. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1989.
BLACKING, John. Music, culture, and experience. In: Music, culture & experience – selected
papers of John Blacking. Edited and with an introduction by Reginald Byron; with a foreword
by Bruno Nettl. Chicago and London: University of Chicago Press, 1995. Pp. 223-242.
SEEGER, Anthony. Etnografia da música. Cadernos de Campo, São Paulo, n.17, 2008, pp.
237-259.
ALBERTI, Verena. Manual de História Oral. 3. Ed. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2005.
BARROS, Líliam e VIEIRA, Lia Braga. Instituto Estadual Carlos Gomes:120 ano de história.
Belém, Imprensa Oficila PA, 2015
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MEIHY, José Carlos Sebe B. e HOLANDA, Fabíola. História oral: como fazer como pensar.
2 ed. São Paulo. Contexto, 2014
MEIHY, José Carlos Sebe B. e RIBEIRO, Suzana L. Salgado. Guia Prático de História Oral:
para empresas, universidades, comunidades, famílias. São Paulo: Contexto, 2011. 286
NETTL, B. The Continuity of Change: On people changing their music. In The Study of