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ESTUDO ESPECIAL • 05 DE ABRIL DE 2018 • N° 5

REGRA DE OURO NO BRASIL: BALANÇO E DESAFIOS1

Daniel Veloso Couri2


Felipe Scudeler Salto3
Gabriel Leal de Barros4
Rodrigo Octávio Orair 5

RESUMO

Este estudo apresenta um balanço sobre a experiência brasileira com a Regra de Ouro e aponta desafios para
evitar seu descumprimento. Primeiramente, faz-se uma comparação da regra brasileira com sua configuração
clássica. São destacadas as peculiaridades da experiência brasileira que viabilizam sua convivência com
investimentos públicos deprimidos, elevados déficits correntes e crescente endividamento, em contraste com
os princípios preconizados pela configuração clássica de Regra de Ouro. Em seguida, são analisados os fatores
condicionantes da margem de cumprimento da Regra de Ouro de 2005 a 2017, além de cálculos alternativos
caso fossem eliminadas suas peculiaridades. Ademais, apresenta-se um exercício de simulação que sugere
insuficiência de recursos para cumprimento da Regra de Ouro em todos os anos de 2018 até 2024. Diante
deste quadro, o estudo analisa desafios tanto de curto prazo quanto aqueles de caráter mais estrutural, e que
impõem obstáculos ao cumprimento da regra fiscal.

1
Este Estudo da IFI enquadra-se na Resolução nº 42/2016, Artigo 1º, Inciso II, que fixa como uma das funções da IFI analisar a aderência do desempenho de
indicadores fiscais e orçamentários às metas definidas na legislação pertinente.
2
Analista da IFI.
3
Diretor-Executivo da IFI.
4
Diretor da IFI.
5
Diretor da IFI.
COMISSÃO DIRETORA DO SENADO FEDERAL

PRESIDENTE

Senador Eunício Oliveira (PMDB-CE)

1º VICE-PRESIDENTE 2º SECRETÁRIO

Senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) Senador Gladson Cameli (PP-AC)

2º VICE-PRESIDENTE 3º SECRETÁRIO

Senador João Alberto Souza (PMDB-MA) Senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE)

1º SECRETÁRIO 4º SECRETÁRIO

Senador José Pimentel (PT-CE) Senador Zeze Perrella (PMDB-MG)

SUPLENTES DE SECRETÁRIO

1º SUPLENTE 3º SUPLENTE

Senador Eduardo Amorim (PSDB-SE) Senador Davi Alcolumbre (DEM-AP)

2º SUPLENTE 4º SUPLENTE

Senador Sérgio Petecão (PSD-AC) Senador Cidinho Santos (PR-MT)

Secretário-Geral da Mesa

Luiz Fernando Bandeira de Mello

Diretora-Geral

Ilana Trombka

Secretaria de Comunicação Social

Virgínia Malheiros Galvez

INSTITUIÇÃO FISCAL INDEPENDENTE

Diretor-Executivo

Felipe Scudeler Salto

Diretores-Adjuntos

Gabriel Leal de Barros | Rodrigo Octávio Orair

Analistas

Daniel Veloso Couri | Josué Alfredo Pellegrini | Rafael da Rocha Mendonça Bacciotti

Layout: SECOM/COMAP
ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

Sumário

I – QUAL A LÓGICA DA REGRA DE OURO?..................................................................................... 6


Box. Regra de Ouro no Reino Unido ................................................................................. 10
II – ESPECIFICIDADES DA REGRA DE OURO BRASILEIRA .............................................................. 12
III – ANÁLISE DO CASO BRASILEIRO............................................................................................. 17
III.1 – MARGEM DA REGRA DE OURO E CONDICIONANTES PELO LADO DA DESPESA (LADO
DIREITO) .................................................................................................................................. 19
III.2 – MARGEM DA REGRA DE OURO E CONDICIONANTES DAS OPERAÇÕES DE CRÉDITO
(LADO ESQUERDO) .................................................................................................................. 23
III.3 – CÁLCULOS ALTERNATIVOS PARA A MARGEM DE CUMPRIMENTO DA REGRA DE OURO
................................................................................................................................................. 25
IV – DESAFIOS PARA O CUMPRIMENTO DA REGRA DE OURO .................................................... 27
IV.1 DESAFIOS DE CURTO PRAZO ............................................................................................ 27
IV.1.1 – DESVINCULAÇÃO DE FONTES ORÇAMENTÁRIAS E CANCELAMENTO DE RESTOS A
PAGAR ................................................................................................................................. 29
Box. Recursos vinculados e Regra de Ouro...................................................................... 30
IV.1.2 – USO DOS FUNDOS FSB e FND ................................................................................ 35
IV.2 – DESAFIOS ESTRUTURAIS E SIMULAÇÕES REALIZADAS PELA IFI .................................. 36
IV.2.1 – Comentários sobre os juros reais e a atualização monetária ................................ 37
IV.2.2 – Metodologia empregada nos exercícios de simulação da Regra de Ouro ............. 39
IV.2.3 – Resultados das simulações propostas para a Regra de Ouro ................................ 40
V – CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................................ 43
BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................. 45

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ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

Introdução

A Regra de Ouro brasileira é um dispositivo inscrito na Constituição Federal de


1988 que proíbe que os governos das três unidades da federação (federal, estadual e
municipal) realizem operações de créditos que excedam o montante das suas despesas de
capital.67 Este dispositivo está inspirado em práticas internacionais, como a Alemanha que
adotou uma variante da Regra de Ouro entre os anos 1969 e 2009, além de consagrado na
literatura tradicional de finanças públicas. O princípio básico da regra é estabelecer um
orçamento dual que separa os gastos de capital, passíveis de serem financiados via operações
de crédito, em relação aos gastos correntes, para os quais a alternativa de financiamento via
endividamento fica vedada.8 A separação dos orçamentos é motivada por dois objetivos
básicos: i) estabelecer um controle rígido para o orçamento corrente que deve estar no mínimo
equilibrado; e, ao mesmo tempo, ii) prover flexibilidade para a execução dos investimentos que
fortalecem o patrimônio público e geram benefícios para gerações futuras.

É importante, entretanto, esclarecer que este duplo-objetivo pode ou não ser


alcançado dependendo do desenho e da operacionalização da regra fiscal em cada país. Mais
precisamente no caso brasileiro, há um conjunto de peculiaridades que faz com que na prática
a nossa Regra de Ouro se afaste bastante da sua configuração clássica. E esta é uma das razões
pelas quais foi possível que a Regra de Ouro vigorasse no país por cerca de três décadas sem
necessariamente preservar os investimentos públicos e assegurar o equilíbrio do orçamento
corrente. Na verdade, durante boa parte deste período (e em particular no último quadriênio)
a Regra de Ouro brasileira foi formalmente cumprida sob condições de investimentos públicos
estáveis (ou cadentes), déficits correntes elevados e crescente endividamento. Como explicar
este enigma da experiência brasileira com a Regra de Ouro?

Para responder esta pergunta, dividiremos este estudo especial em cinco


seções, além desta introdução. Na próxima seção discutiremos a lógica que subsidia a
configuração clássica da Regra de Ouro, apresentando alguns dos principais argumentos
favoráveis e contrários à adoção desta regra fiscal como instrumento que disciplina o manejo
do orçamento público. Na Seção II abordaremos as peculiaridades da experiência brasileira
que fazem com que, na prática, ela se distancie da configuração clássica de Regra de Ouro e
permitem sua convivência com investimentos deprimidos, elevados déficits correntes e
crescente endividamento. Uma das principais motivações deste estudo é esclarecer esta
diferenciação entre a práxis brasileira e a configuração clássica da Regra de Outro. Isto é
importante para qualificar o debate público, no qual muitas vezes as avaliações sobre a Regra
de Ouro estão baseadas em argumentos normativos não aplicáveis à realidade brasileira.

Feitos estes esclarecimentos, a Seção III analisa a evolução nos últimos anos
dos principais condicionantes da margem de cumprimento da Regra de Ouro, além de

6
Artigo 167, Inciso III, da Constituição Federal de 1988, cuja redação também estabelece uma exceção para operações de crédito
autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria
absoluta.
7
Apesar da Regra de Ouro se aplicar às três unidades da federação, o foco de análise deste estudo recai exclusivamente sobre o
governo federal.
8
A utilidade deste tipo de orçamento dual vem sendo debatida pelo menos desde as décadas de 1930/40, por autores renomados
como Musgrave (1939; 1959, p. 556-575) e Keynes (1980, p. 405-407), considerados respectivamente os fundadores da teoria
moderna das finanças públicas e da teoria macroeconômica, e mais recentemente Blanchard e Giavazzi (2004).

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ESTUDO ESPECIAL Nº 5
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apresentar cálculos alternativos desta margem, caso se deseje eliminar algumas das
peculiaridades que facilitam seu cumprimento. A Seção IV trata de desafios para o
cumprimento da Regra nos próximos anos, dividindo-os entre os mais imediatos, a serem
enfrentados já nos anos de 2018 e 2019, e aqueles mais estruturais. Seguem-se as
considerações finais.

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ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

I – QUAL A LÓGICA DA REGRA DE OURO?


Esta seção tem como objetivo apresentar de maneira didática a lógica que
subsidia a configuração clássica da Regra de Ouro, assim como listar os principais
argumentos favoráveis e contrários a esta regra. Para tanto, partimos de uma versão
simplificada da restrição orçamentária do governo que define que a variação no
endividamento público (∆𝐷) é igual à soma do déficit primário (𝐷𝑃), que corresponde à
diferença entre despesas e receitas primárias (ou não financeiras), com as despesas
financeiras de juros da dívida pública (𝐽):

∆𝐷 = 𝐷𝑃 + 𝐽

A intuição por trás desta restrição orçamentária é relativamente simples: se


as receitas públicas não são suficientes para cobrir as despesas totais (primárias ou
financeiras), o governo estará incorrendo em um déficit que deve ser financiado por novas
operações de crédito; e, caso contrário, incorrerá em um superávit que o permite quitar os
débitos antigos e reduzir seu endividamento.

As despesas públicas podem ainda ser divididas entre as correntes, que não
contribuem para a formação ou aquisição de bens de capital, e as de capital, que são aquelas
que contribuem para a formação ou aquisição de bens de capital. Os principais exemplos de
despesas de capital são os investimentos públicos relacionados à execução de obras ou
aquisição de equipamentos (rodovia, trator, hidrelétrica etc.) que têm como contrapartida
a aquisição de um ativo fixo a ser contabilizado no patrimônio do setor público. Ao contrário
do dispêndio de recursos financeiros em despesas correntes que não geram esta
contrapartida e apenas reduzem o patrimônio líquido do setor público.

Um conceito adicional relevante que destaca esta diferenciação é o de déficit


corrente que pode ser obtido após somarmos ao déficit primário os juros (𝐽), que são
despesas correntes, e, em seguida, deduzirmos os investimentos públicos (𝐼), que são
despesas de capital. O déficit corrente (𝐷𝐶) pode ser definido como:9

𝐷𝐶 = 𝐷𝑃 + 𝐽 − 𝐼

sendo que um valor positivo indica um orçamento corrente deficitário (𝐷𝐶 > 0) e caso
contrário estará equilibrado (𝐷𝐶 = 0) ou superavitário (𝐷𝐶 < 0).

Estas duas expressões nos ajudam a compreender a lógica por trás da Regra
de Ouro. Na sua configuração clássica, a regra estabelece que o governo só pode aumentar
seu endividamento (líquido) até o limite das despesas com investimentos públicos:

∆𝐷 = 𝐷𝑃 + 𝐽 ≤ 𝐼 (1)

Situação que será alcançada se, e somente se, o orçamento corrente não
apresentar um déficit:

9
Por simplicidade, admitimos que as únicas despesas de capital são os investimentos públicos e que não há receitas de capital. É
possível ampliar os conceitos de receitas e despesas de capital sem perda de generalidade da exposição.

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ESTUDO ESPECIAL Nº 5
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𝐷𝐶 = 𝐷𝑃 + 𝐽 − 𝐼 ≤ 0 (2)

De outra forma, significa dizer que ao proibir que os governos contraiam


novas dívidas que excedam os investimentos públicos, a Regra de Ouro automaticamente
impõe uma restrição sobre o orçamento corrente que deve estar pelo menos equilibrado. A
regra também impõe uma restrição indireta ao resultado primário: se o governo gasta mais
com juros do que com investimentos, necessariamente deverá compensar esta diferença
mediante a geração de superávits primários.

O que justifica conferir este tratamento diferencial para os investimentos


públicos? Na literatura especializada há um conjunto de argumentos favoráveis cujos
principais estão listados a seguir.

1. Efeitos pró-crescimento: Os investimentos públicos, sobretudo quando


orientados para infraestrutura econômica, são considerados uma
variável macroeconômica diferenciada porque exerce efeitos
simultâneos de estímulo sobre a demanda e sobre a oferta da economia.
Pelo lado da demanda, no curto prazo, está associada a multiplicadores
do produto e do emprego mais elevados, sobretudo em períodos
recessivos. Sob a ótica da oferta, possui a faculdade de romper gargalos
estruturais e ampliar a produtividade sistêmica da economia no médio e
longo prazo.
2. Fortalecimento do patrimônio público: Em contraposição às despesas
correntes, os investimentos resultam na acumulação de ativos que
potencialmente ampliam o patrimônio do setor público e geram um
fluxo futuro de receitas.
3. Promoção de justiça inter-geracional: Os benefícios dos projetos de
investimentos para as gerações futuras – seja em termos de maiores
receitas, produtividade e crescimento econômico ou pelo patrimônio
público que herdam – justificam que seu custo seja diferido ao longo do
tempo na forma de serviço da dívida. Assim, as gerações futuras arcam
com parte do financiamento e evita-se impor um ônus desproporcional
sobre as gerações presentes que resulte em sub-investimento.
4. Proteção aos investimentos: Há uma ampla literatura que identifica a
presença de um viés pró-cíclico e anti-investimento nos arcabouços
fiscais convencionais com repercussões adversas sobre a volatilidade e
o crescimento da economia. Em particular, os episódios de ajuste fiscal
tendem a estar associados à penalização excessiva dos investimentos
públicos (vis-à-vis as despesas correntes) devido a questões de economia
política, rigidezes legais e institucionais ou foco excessivo no curto prazo
que faz com que retornos de longo prazo sejam negligenciados. O
tratamento diferenciado aos investimentos os protege de cortes
desproporcionais e cria um instrumento adicional de manejo de política
fiscal anticíclica.

Porém, cabe ressaltar que a validade de boa parte destes argumentos


dependerá do tipo de investimento qualificado pela Regra de Ouro. A definição ideal exige
que o conceito de investimentos se restrinja aos projetos com potencial de gerar retornos
sociais suficientemente elevados em termos de receitas, produtividade e crescimento
econômico. Ou seja, nesta versão mais rigorosa da Regra de Ouro o tratamento diferenciado
deve ser conferido exclusivamente para projetos de investimentos autofinanciáveis, no
7
ESTUDO ESPECIAL Nº 5
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sentido de que sua taxa de retorno social – considerando-se tanto os retornos financeiros
da exploração direta do ativo público quanto os retornos indiretos via ampliação da base
tributável causada pela sua capacidade de promover crescimento econômico – deve cobrir
os fluxos de custos financeiros do endividamento, operacionais e de manutenção do ativo.
Se esta condição intertemporal for satisfeita, o valor presente dos projetos de investimentos
(líquidos da sua depreciação) superará o valor presente do seu financiamento e, por
conseguinte, a Regra de Ouro torna-se compatível com a sustentabilidade da dívida pública
no médio e longo prazos.

Na prática, este conceito qualificado de investimentos é muito rigoroso e de


difícil operacionalização. Por essa razão, a maioria dos países que adotam ou adotaram a
Regra de Ouro acabou tomando como referência os conceitos tradicionais da contabilidade
pública ou do sistema de contas nacionais (e até mesmo conceitos mais amplos de despesas
de capital como destacaremos mais adiante no caso brasileiro). O principal argumento
utilizado para justificar esta abordagem pragmática é que, em média, os investimentos
públicos tradicionais podem ser classificados como produtivos e com potencial de gerar
retornos sociais elevados.

Naturalmente, essa abordagem pragmática abre espaço para determinados


questionamentos, os quais listamos na sequência juntamente com outros contrapontos à
aplicação da Regra de Ouro:

1. Risco de inclusão de projetos com baixo retorno social: a regra fornece um


estímulo à adoção de definições amplas de investimentos ou de despesas
de capital – ou até mesmo um incentivo à contabilização criativa de
despesas que não se enquadram nestas categorias – com o propósito de
ampliar a margem de despesas passíveis de serem financiadas via
endividamento e flexibilizar o orçamento.
2. Distorção em favor dos ativos físicos e em detrimento das demais despesas:
A regra remove os constrangimentos orçamentários de maneira
diferenciada entre os projetos. Por exemplo, os projetos de elevado
retorno social que são intensivos em despesas correntes (como nas
áreas de Educação e de Pesquisa e Desenvolvimento) ficam sujeitos aos
controles mais rígidos que incidem sobre o orçamento corrente.
Enquanto projetos de investimentos de baixo retorno social que são
intensivos em ativos fixos (a exemplo de obras desnecessárias também
conhecidas como “elefantes brancos”) podem estar livres destes
controles devido à alternativa de serem financiados via endividamento.
Esta discriminação introduz potenciais distorções na composição do
orçamento público e na qualidade do gasto público.
3. Pressões sobre o orçamento corrente e o endividamento público: A
inclusão de projetos de investimentos com baixo retorno social (ou não
auto-financiáveis) cria pressões adicionais sobre o orçamento corrente
na forma de fluxos futuros de despesas com a manutenção do ativo e com
os juros do seu financiamento, bem como sobre o nível de
endividamento público. Como isso, o equilíbrio do orçamento corrente e
a sustentabilidade da dívida pública tornam-se mais difíceis.
4. Efeitos de deslocamento (crowding-out effects) entre investimento público
e privado: é possível que projetos de investimentos públicos financiados
via endividamento tenham impacto negativo sobre as decisões privadas
de investir.
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ABRIL DE 2018

Em suma, há um conjunto de argumentos favoráveis e contrários à adoção


da Regra de Ouro que devem ser contrabalanceados quando se deseja avaliar se esta é uma
regra apropriada para disciplinar o manejo do orçamento público. Esse debate, vale
destacar, permanece em aberto na literatura especializada, uma vez que é possível
identificar tanto análises mais críticas como Buti, Eiffinger e Franco (2003) quanto
defensores da Regra de Ouro como Blanchard e Giavazzi (2004).

Além disto, o balanço entre aspectos positivos e negativos dependerá muito


da maneira como a regra fiscal é operacionalizada em cada país e, em geral, suas
experiências concretas inevitavelmente se afastam, em maior ou menor grau, da
configuração clássica da Regra de Ouro. Para aquelas que se mantêm mais próximas, o
arcabouço fiscal tende a ficar mais imune a muitos dos problemas listados anteriormente.
Na direção oposta, quando sua operacionalização diverge muito da configuração clássica –
por exemplo, quando admite um conceito muito amplo de despesas de capital, não previne
a contabilização criativa de despesas ou prevê cláusulas de escape vagas –, há maior
suscetibilidade aos problemas listados que, no limite, podem tornar a regra fiscal
incompatível com seus objetivos originários.

Talvez a experiência internacional que mais tenha se aproximado da


configuração clássica da Regra do Ouro seja a do Reino Unido entre os anos 1997 e 2009,
que será descrita em detalhes no Box “Regra de Ouro no Reino Unido”. Vale notar que mesmo
nesse caso o cumprimento da regra enfrentou adversidades. Em contrapartida, o Brasil é
um caso (ainda que não o único) onde houve maior distanciamento e isto tem uma série de
implicações, conforme discutiremos na próxima seção.

A título de exemplo, outro caso de maior distanciamento é a experiência de


Regra do Ouro na Alemanha. A regra foi introduzida na Constituição em 1969 definindo que
o endividamento líquido do governo não deveria exceder o nível de investimento público. A
definição de investimento era ampla, tratando-se de um conceito orçamentário bruto (sem
descontar a depreciação). Além disto, a regra previa uma cláusula de escape que permitia
seu descumprimento sempre que o governo declarasse situação de desequilíbrio
macroeconômico que, por sua vez, fazia referência a quatro objetivos genéricos
(estabilidade de preços, crescimento adequado, elevado emprego e equilíbrio no balanço de
pagamentos).

A principal crítica deriva da cláusula escape muito vaga que permitiu seu uso
excessivo, de modo que a Regra de Ouro acabou impondo limite ao déficit orçamentário
apenas nos “tempos normais”. Segundo Truger (2015), a regra foi transgredida em quase
metade dos anos em que vigorou e, mesmo tendo contribuído para proteger e estabilizar o
investimento público, não preveniu o crescente endividamento. A dívida pública saltou de
algo próximo a 20% do PIB no início dos anos 1970 para cerca de 80% do PIB em 2010,
ainda que em parte pressionada por eventos ligados ao processo de reunificação Alemã na
década de 1990 e à crise internacional de 2008. Isto motivou uma reforma por meio de uma
emenda constitucional em 2009 introduzindo uma nova regra fiscal denominada debt-
brake.

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Box. Regra de Ouro no Reino Unido

A Regra de Ouro constituía peça central do arcabouço fiscal que vigorou no


Reino Unido entre os anos de 1997 e 2009, tendo sido introduzida no início do governo do
Partido Trabalhista. A regra estabelecia que o governo, ao longo do ciclo econômico,
somente poderia se endividar para investir e não para financiar as demais despesas. Em
outras palavras, a regra delimitava que o orçamento corrente deveria estar, em média,
equilibrado (ou superavitário) ao longo do ciclo econômico.

A definição adotada para os investimentos (líquidos de depreciação) era


restrita e compatível com o conceito das contas nacionais. Apenas a adição líquida ao
capital público poderia ser financiada via endividamento, enquanto a depreciação deveria
ser financiada via receitas correntes.

Outro aspecto relevante é que a avaliação de cumprimento da regra tomava


como base uma média dos resultados do orçamento corrente entre os anos recessivos e
expansivos (e não o resultado a cada ano). O orçamento corrente poderia apresentar
déficits momentâneos, desde que fossem compensados por superávits nos demais anos.
Este mecanismo tinha dois objetivos: i) abrir espaço para o funcionamento dos
estabilizadores fiscais automáticos, como no caso clássico dos gastos de seguro-
desemprego cuja dinâmica correlaciona-se com o ciclo econômico; e ii) eliminar o viés pró-
cíclico de regimes baseados em metas anuais, principalmente em função da resposta
elástica da arrecadação cuja queda mais que proporcional nas recessões pode demandar
contingenciamentos fortes de despesas correntes, enquanto o crescimento mais que
proporcional nas expansões não provê estímulos para se acumular uma poupança e, assim,
viabiliza crescimento mais acelerado das despesas correntes.

A Regra de Ouro era complementada por outra regra fiscal estabelecendo


que o endividamento público deveria ser mantido em um nível estável e prudente,
posteriormente fixado em um teto para a dívida líquida do setor público de 40% do PIB.
Esta segunda regra tinha como objetivo prevenir que a dívida pública crescesse
excessivamente impulsionada por níveis muito altos de investimentos e deriva daí sua
denominação de Regra de Investimento Sustentável. Portanto, o regime fiscal do Reino
Unido se baseava em duas regras: a Regra de Ouro e a Regra de Investimento Sustentável.

A experiência do Reino Unido introduziu dois instrumentos importantes


no arcabouço institucional da Regra de Ouro: um mecanismo para lidar com efeitos cíclicos
e uma regra complementar para evitar crescimento excessivo da dívida pública. Por outro
lado, a operacionalização do mecanismo cíclico foi alvo de críticas. Em particular, a
averiguação do cumprimento da regra (via média de resultados correntes) exigia uma
datação precisa de quando inicia e termina o ciclo econômico, o que criou certa margem
para arbitrariedades por parte do governo, além de impor uma natureza retrospectiva à
meta fiscal (backward-looking). Outra crítica mais recente, detalhada mais adiante, foi sua
incapacidade de lidar com situações de excepcionalidade como os choques nas finanças
públicas derivados dos desdobramentos da crise financeira internacional (2007/2008) e
da recessão que a sucedeu.

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ESTUDO ESPECIAL Nº 5
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Conforme discutido por Chote et. al. (2009), a Regra de Ouro foi cumprida
no seu primeiro decênio (anos-exercícios orçamentários de 1997/1998 a 2006/2007)
quando se verificou um superávit corrente médio positivo de 0,14% do PIB e que coincide
com a datação do ciclo econômico definida à época. Contudo, o cumprimento foi
influenciado, em grande medida, pelo ajuste fiscal promovido no início do período de
vigência da regra, que gerou superávits correntes próximos a 2% do PIB na virada dos
anos 2000, mas que caíram gradualmente ao longo do período restante (inclusive com
déficits contínuos a partir do ano-exercício 2002/2003). No decênio como um todo, os
investimentos públicos apresentaram tendência de recuperação (em relação aos
patamares deprimidos de meados da década de 1990) e a dívida permaneceu abaixo do
seu teto legal em praticamente todo o período.

No período subsequente, o cenário se modificou com a rápida deterioração


do quadro fiscal, sobretudo após a crise internacional de 2007/2008. O déficit corrente
chegou a 5% do PIB no ano-exercício 2009/2010. Já a dívida pública iniciou uma escalada
ascendente, passando a superar o teto legal de 40% do PIB a partir do ano-exercício
2008/2009 e praticamente dobrou em um curto período de tempo (chegando próxima a
80% do PIB em 2015).

Inicialmente, o governo apresentou sucessivas projeções orçamentárias


otimistas (que posteriormente se mostraram frustradas) associando a deterioração fiscal
a desequilíbrios cíclicos que seriam compensados por superávits futuros. Além disso,
foram promovidas mudanças na metodologia de apuração da Regra de Ouro, a exemplo da
definição de resultado corrente cumulativo e da datação dos ciclos econômicos. De acordo
com Chote et. al. (2009), mesmo que alguns destes procedimentos fossem justificáveis,
todos eles facilitavam o cumprimento da regra e levantaram suspeitas de que o governo
estava manipulando os cálculos. Segundo os mesmos autores, a percepção de que o
Chanceler das Finanças do Reino Unido, Gordon Brown, mudou as regras do jogo (moved
the goal posts) para garantir o alcance das metas e sua decisão de não lidar com o otimismo
das projeções por meio de medidas de aumento das receitas e planos de cortes de despesas
minou a credibilidade do regime fiscal.

Ao fim e ao cabo, no contexto de um déficit corrente recorde de 5% do PIB


em 2009, o governo promoveu uma revisão das projeções orçamentárias e reconheceu
que seria remota a probabilidade de se chegar próximo a um equilíbrio do orçamento
corrente (cumulativo) no médio prazo. O governo optou então por suspender a Regra de
Ouro e a Regra de Investimento Sustentável, ao invés de adotar as medidas fiscais severas
requeridas para cumprir as regras fiscais (Chote et. al. 2009, p. 81). Em substituição, o
regime fiscal passou a ser guiado por uma regra operacional temporária mais flexível, por
meio da qual o governo apenas se comprometia em fortalecer as finanças públicas até que
se dissipassem os efeitos dos choques globais sobre a economia.

Na sequência, a nova coalização governista que tomou posse em 2010,


entre o Partido Conservador e o Liberal Democrata, promoveu uma reforma fiscal mais
ampla. A reforma estabelecia um mandato fiscal para um período de cinco anos, definindo
que o resultado corrente estrutural (ajustado ao ciclo econômico) deveria ser projetado
para estar em equilíbrio ao final deste período, assim como a projeção de dívida pública
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deveria apontar um início de uma trajetória de queda a partir do último destes anos. Outra
inovação importante foi a criação de uma instituição fiscal independente, denominada
Office for Budget Responsability (OBR), que passou a ser responsável por prover
estimativas oficiais de resultado estrutural (ajustado ao ciclo) e demais projeções
necessárias para avaliar o cumprimento das novas regras fiscais. Com isto, buscava-se
remover a possibilidade de que motivações políticas fossem introduzidas nas projeções
econômico-fiscais e ainda promover transparência fiscal (Emmerson et. al., 2013).

De maneira sintética, a reforma fiscal buscou contornar algumas limitações


associadas ao arcabouço anterior baseado na Regra de Ouro, a partir de três principais
motivações: i) promover uma flexibilização fiscal durante o período extraordinário (pós-
crise internacional) sem deixar de perseguir a consolidação fiscal no médio prazo, na
medida em que admitiu-se temporariamente tanto a presença de déficits correntes quanto
o crescimento da dívida; ii) conferir um caráter mais prospectivo (forward-looking) às
metas fiscais, que passaram a levar em consideração projeções futuras e não mais médias
com informações de períodos passados; e iii) ampliar a transparência e livrar de pressões
políticas a avaliação do cumprimento das regras, ao atribuir essas missões para uma
instituição fiscal independente (OBR).

II – ESPECIFICIDADES DA REGRA DE OURO BRASILEIRA


Conforme exposto na seção anterior, a Regra de Ouro na sua configuração
clássica pode ser associada a três objetivos básicos: i) controle rígido do orçamento corrente
que deve estar no mínimo equilibrado; ii) flexibilidade para a execução dos investimentos
que fortalecem o patrimônio público e geram benefícios para gerações futuras; e iii)
sustentabilidade da dívida pública no médio e longo prazo (este último na sua versão mais
rigorosa que confere tratamento diferenciado exclusivamente para projetos de
investimentos com retorno social suficientemente elevado). No Brasil, uma variante da
Regra de Ouro está em vigor há cerca de três décadas, desde que foi introduzido um
dispositivo na Constituição Federal de 1988 proibindo que os governos das três unidades
da federação (federal, estadual e municipal) realizem operações de créditos que excedam o
montante das suas despesas de capital. Chama atenção que durante boa parte deste período
(e em particular no último quadriênio) a regra fiscal foi formalmente cumprida sob
condições de investimentos estáveis (ou cadentes), elevados déficits correntes e
endividamento crescente no âmbito do governo federal. Como explicar este enigma da
experiência brasileira com a Regra de Ouro?

Para responder tal questionamento faz-se necessário levar em consideração


algumas peculiaridades do desenho e da operacionalização da Regra de Ouro brasileira que
fazem com que ela se afaste da configuração clássica apresentada na seção anterior. A

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ESTUDO ESPECIAL Nº 5
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primeira das peculiaridades é que o governo federal dispõe de um volume elevado de


receitas financeiras originadas de três principais fontes:10

1. Amortizações e juros que o Tesouro Nacional recebe de seus devedores,


sobretudo governos estaduais e municipais e instituições financeiras
oficiais como o BNDES.
2. Resultados positivos do Banco Central que são transferidos ao Tesouro
Nacional.
3. Remuneração das disponibilidades financeiras do Tesouro Nacional,
depositadas em sua Conta Única no Banco Central.

A segunda peculiaridade é que a Regra de Ouro brasileira está baseada em


um conceito amplo de despesas de capital. Este conceito é mais abrangente, em primeiro
lugar, porque considera uma definição contábil de investimentos públicos que inclui não
somente as aquisições de ativos fixos do governo federal como também suas transferências
de capital que financiam os investimentos de governos subnacionais e instituições privadas
sem fins lucrativos. Além disto, a definição de despesas de capital abarca outras quatro
rubricas:

1) Despesas primárias registradas como “inversões financeiras” pela


contabilidade pública brasileira (isto é, uma pequena parte do Grupo de
Natureza da Despesa número 5 - GND5). Por exemplo, as despesas com
aquisições de imóveis, aumento de participações no capital de empresas
públicas (Companhias Docas, EMBRAPII, TELEBRÁS, ELETROBRÁS etc.)
e integralização de cotas a fundos de organismos multilaterais ou
públicos (por exemplo, no Fundo de Arrendamento Residencial que
operacionaliza linhas de crédito do Programa Minha Casa Minha Vida).
2) Despesas financeiras (não primárias) contabilizadas como “inversões
financeiras” (a maior parcela do GND5 no jargão orçamentário), como as
concessões de financiamentos estudantis (FIES) e a setores produtivos
(programas a cargo do BNDES, Finep ou Fundos Constitucionais no
Nordeste, Centro-Oeste e Norte; à marinha mercante, agronegócio café,
exportações, agricultura familiar etc.).
3) Despesas financeiras (não primárias) com a correção monetária do
principal da dívida pública, que a legislação e a contabilidade pública
brasileiras convencionaram registrar como uma despesa de capital em
“amortização da dívida” (uma parte do GND6), ao contrário da prática
mais generalizada ao redor do mundo de contabilizá-la como despesa
corrente.
4) Despesas financeiras (não primárias) de “amortização da dívida”
relativas ao pagamento do principal da dívida pública (a segunda parte
do GND6).

Diante destas duas peculiaridades do arranjo brasileiro – a saber, a


existência de substanciais fontes financeiras e um conceito muito abrangente de despesas

10
A análise das fontes financeiras será feita com mais detalhes na Seção III. Enquanto a Seção IV analisa uma variante de receita
financeira que é o recurso às disponibilidades acumuladas na Conta Única, medida que vem sendo estudada pelo governo para ser
adotada ainda no ano de 2018.

13
ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

de capital – as restrições impostas pela Regra de Ouro modificam-se consideravelmente. Em


primeiro lugar, a restrição orçamentária do governo deve ser adaptada para considerar o
efeito das receitas financeiras (𝑅𝐹):

∆𝐷 ≅ 𝐷𝑃 + 𝐽 − 𝑅𝐹

que reduzem a pressão do déficit primário (𝐷𝑃) e das despesas de juros nominais (𝐽) sobre
a variação do endividamento público (∆𝐷). As fontes financeiras podem ser alocadas para
cobrir despesas primárias, juros ou para amortizar o principal da dívida pública (a depender
das vinculações de cada uma destas fontes) e, consequentemente, reduzem a necessidade
de novas operações de crédito. Vale esclarecer que tomamos como base o conceito mais
difundido internacionalmente para nos referir aos juros nominais líquidos (𝐽), que
considera o total dos juros pagos aos credores da dívida pública (incluindo tanto os juros
reais quanto a atualização monetária do principal da dívida) e deduz os juros recebidos pelo
Tesouro Nacional dos seus devedores. Da mesma forma, tomando como base o conceito
mais difundido internacionalmente, o déficit corrente (𝐷𝐶) pode ser aproximado por:

𝐷𝐶 ≅ 𝐷𝑃 + 𝐽 − 𝐼 − 𝐷𝐾

cujo cálculo corresponde a primeiro somar o déficit primário (𝐷𝑃) e os juros nominais (𝐽),
e depois subtrair os investimentos públicos (𝐼) e as demais despesas primárias de capital
(𝐷𝐾).11

A restrição da Regra de Ouro brasileira proíbe que o governo realize novas


operações de créditos (∆𝐷) que excedam o montante das suas despesas de capital. Sendo
que estas despesas de capital são bastante abrangentes e consideram, além dos
investimentos públicos (𝐼), as demais despesas primárias de capital (𝐷𝐾) e as despesas
financeiras do Tesouro Nacional com empréstimos (𝐷𝐹) e com a atualização monetária do
principal da dívida pública (𝐴𝑀).12 Por isto, a restrição da Regra de Ouro brasileira pode ser
melhor descrita pela seguinte expressão:

∆𝐷 ≤ 𝐼 + 𝐷𝐾 + 𝐷𝐹 + 𝐴𝑀 (3)

Por sua vez, a restrição que a Regra de Ouro impõe sobre o déficit corrente
também deve ser readaptada e passa a ser definida por aproximadamente:13

𝐷𝐶 ≤ 𝑅𝐹 + 𝐷𝐹 + 𝐴𝑀 (4)

11
A rigor, seria necessário considerar o efeito das receitas primárias de capital. Porém, seu montante é pouco significativo e foi
omitido para fins de simplificação.
12
Para simplificar, omitimos algumas rubricas menos expressivas em termos de volume e também as despesas com amortização do
principal da dívida (resgates e refinanciamentos) cuja dupla natureza afeta os dois lados da equação e, portanto, tem efeito nulo
sobre a Regra de Ouro. Portanto, o termo ∆𝐷 se refere às operações de crédito líquidas das emissões para resgatar ou rolar títulos
vicendos.
13
Mais formalmente, tem-se: ∆𝐷 ≅ 𝐷𝑃 + 𝐽 − 𝑅𝐹 ≤ 𝐼 + 𝐷𝐾 + 𝐷𝐹 + 𝐴𝑀. Rearranjando os termos desta expressão chega-se à
expressão 4: 𝐷𝐶 ≅ 𝐷𝑃 + 𝐽 − 𝐼 − 𝐷𝐾 ≤ 𝑅𝐹 + 𝐷𝐹 + 𝐴𝑀. Note-se que, como o conceito utilizado é de juros nominais líquidos (𝐽),
os juros recebidos pelo Tesouro dos seus credores estão aí considerados. Por isto, o termo Receitas Financeiras (𝑅𝐹) na expressão
4 exclui estes juros e considera fundamentalmente as amortizações de empréstimos recebidas pelo Tesouro e as fontes relacionadas
ao Banco Central.

14
ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

Basicamente, o que as expressões 3 e 4 procuram mostrar é que as restrições


impostas pela Regra de Ouro brasileira são distintas da sua configuração clássica (dadas
pelas expressões 1 e 2 apresentadas na seção anterior). Primeiramente, a definição de
despesas de capital é muito mais abrangente. Isto abre espaço, por exemplo, para que a
regra seja cumprida mesmo com o volume de operações de crédito crescendo muito acima
dos investimentos públicos. Desde que esta diferença seja compensada pelas demais
categorias contabilizadas entre as despesas de capital.

Em segundo lugar, a Regra de Ouro brasileira não exige que o orçamento


corrente esteja necessariamente equilibrado. A restrição definida pela expressão 4 pode ser
interpretada de maneira mais apropriada como apenas fixando um teto para o déficit
corrente (𝐷𝐶) que será dado (aproximadamente) pela soma das receitas financeiras do
Tesouro Nacional (𝑅𝐹) e das suas despesas financeiras com empréstimos (𝐷𝐹) e
atualização monetária do principal da dívida pública (𝐴𝑀).

Um exemplo com números de 2016 pode ajudar a clarificar estes pontos.


Nesse ano o governo federal apresentou um déficit primário de R$ 161,3 bilhões que
correspondeu a 2,6% do PIB. Ao acrescentarmos juros nominais líquidos estimados em R$
325,4 bilhões14 e deduzirmos os investimentos públicos de R$ 38,1 bilhões e as demais
despesas primárias de capital de R$ 14,9 bilhões, chega-se a um valor de aproximadamente
R$ 434 bilhões ou 6,9% do PIB de déficit corrente. Ressalte-se que este é um cálculo
aproximado do déficit corrente pelo conceito mais aceito internacionalmente, onde os juros
nominais incluem a correção monetária da dívida.

Como então foi possível cumprir a Regra de Ouro diante de um déficit


corrente dessa magnitude? Devido às vultosas receitas e despesas financeiras que
totalizaram cerca de R$ 520 bilhões, entre R$ 301,6 bilhões de fontes financeiras (exclusive
juros recebidos), R$ 151,2 bilhões relativos à atualização monetária do principal da dívida
pública e mais R$ 61,6 bilhões de outras despesas financeiras (não primárias) como as
concessões de empréstimos pelo Tesouro Nacional. Estas mais do que superaram o déficit
corrente e asseguraram o cumprimento da Regra de Ouro com uma boa margem de folga
(R$ 86 bilhões em excesso).

Na próxima seção aprofundaremos esta análise detalhando a evolução de


cada um dos fatores condicionantes da margem de cumprimento da Regra de Ouro ao longo
do tempo. Por ora, o ponto central a se ter em mente é que a maneira como a Regra de Ouro
brasileira foi desenhada e operacionalizada faz com que ela se distancie da sua configuração
clássica. São duas principais razões para este distanciamento:

1. A regra brasileira admite uma definição muito abrangente de despesas


de capital que abre espaço para que seu cumprimento mesmo com
endividamento crescendo muito acima dos investimentos públicos.
Basta que esta diferença seja compensada pelas demais categorias

14
De acordo com cálculos próprios a partir das informações orçamentárias que consideram juros reais de R$ 204,9, atualização
monetária do principal da dívida de R$ 151,2 bilhões (registradas entre as amortizações) e juros recebidos de R$ 30,7 bilhões. Este
valor calculado em 2016, R$ 325,4 bilhões, embora obtido por critérios distintos, é próximo ao dado do Banco Central para o ano
(R$ 323,2 bilhões). Na Seção IV explicaremos melhor as diferenças entre estes critérios de contabilização orçamentário e do Banco
Central.

15
ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

contabilizadas entre as despesas de capital (por exemplo, via expansão


das despesas financeiras do Tesouro Nacional com empréstimos ou com
atualização monetária do principal da dívida pública).
2. A regra brasileira não exige necessariamente equilíbrio do orçamento
corrente. Sua restrição deve ser mais apropriadamente interpretada
como um teto para o déficit corrente que depende diretamente do
volume de receitas e despesas financeiras do governo federal. Na medida
em que ao longo dos anos, por variados motivos, as receitas e despesas
financeiras alcançaram volumes expressivos, o teto para o déficit
corrente acabou sendo relativamente elevado. Ademais, boa parte das
fontes financeiras está relacionada a relações intra-setor público (por
exemplo, entre o Tesouro Nacional e o BNDES ou outros fundos
públicos) que geram margem de manobra para que o governo
oportunamente as utilize como meio de flexibilizar o teto de déficit
corrente. Ou seja, a restrição da Regra de Ouro brasileira estabelece um
teto flexível para o déficit corrente (e não necessariamente o seu
equilíbrio).

São estas especificidades que viabilizam a convivência da Regra de Ouro


brasileira com investimentos deprimidos, elevados déficits correntes e crescente
endividamento. 15 Há, portanto, um descolamento entre a práxis brasileira e os princípios
básicos da configuração clássica da Regra da Ouro que preconizam, simultaneamente,
flexibilidade para a execução dos investimentos com controle rígido sobre o orçamento
corrente.

Curiosamente, são justamente estes princípios básicos que parecem ter


motivado a introdução do dispositivo da Regra de Ouro na Constituição Federal de 1988.
Conforme destacado por Afonso (1999, p. 32), em estudo que analisa a memória da
Assembleia Nacional Constituinte de 1987/1988: “A limitação à realização de operações de
crédito foi objeto do que se pode dizer uma austeridade crescente ao longo do processo
constituinte”. O texto inicial discutido na Subcomissão sobre Orçamento e Fiscalização
Financeira era menos restritivo, na medida em que permitia o financiamento via
endividamento tanto das despesas com amortizações, juros e encargos da dívida pública
(isto é, a soma dos gastos com juros, refinanciamentos e resgates) quanto dos investimentos
e das demais despesas de capital.

Este texto foi modificado na primeira votação em plenário quando se optou


por maior rigor fiscal, introduzindo-se via emenda a supressão dos encargos da dívida
pública. Com isto, a Regra de Ouro estabelecida limita as operações de crédito ao montante
das despesas de capital. Muito embora a regra fiscal brasileira previsse já na sua origem de
maneira implícita um conceito relativamente vago de “demais despesas de capital”, havia
uma intenção explícita de se perseguir maior rigor fiscal via controle do déficit público
corrente. Este objetivo inclusive consta na justificação da emenda do constituinte Deputado
César Maia:

15
Uma referência complementar a este estudo é Pires (2018) que avança sobre as implicações das peculiaridades da Regra de Ouro
brasileira sobre a sustentabilidade da dívida pública. Carvalho Junior et. al. (2017) é outra referência importante para considerações
históricas e doutrinárias.

16
ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

O texto da forma que se encontra, tornará “constitucional” o déficit


público corrente, ou seja, nem o custeio administrativo e os
encargos da dívida pública precisarão ser cobertos pela receita
tributária global. Este será um fato grave que além das distorções
econômico-financeiras, ainda exporá nosso texto constitucional ao
descrédito. (SENADO FEDERAL, 1988, p. 56, apud AFONSO, 1999,
p. 32)

Posteriormente, os constituintes mostraram preocupação com a rigidez da


regra fiscal e aprovaram outras duas alterações na fase final de votação: i) uma regra de
transição, estabelecendo prazo de cinco anos para que cada governo ajustasse sua estrutura
de fontes e usos de recursos; e ii) uma espécie de cláusula de escape ou de exceção
permitindo que as operações de crédito excedessem as despesas de capital, desde que
autorizada por maioria absoluta do Legislativo, na forma de créditos suplementares ou
especiais com finalidade precisa. Em suma, a experiência brasileira com a Regra de Ouro
mostra que a regulamentação e a operacionalização da regra fiscal acabou, ao longo do
tempo, gerando distanciamento em relação aos seus princípios originários.

III – ANÁLISE DO CASO BRASILEIRO


Esta seção tem como objetivo analisar os condicionantes da margem de
cumprimento da Regra de Ouro no Brasil. Por isto, a análise toma como base os conceitos
efetivamente adotados pela contabilidade pública brasileira e que apresentam algumas
distinções em relação aos conceitos mais aceitos pela literatura internacional de finanças
públicas.

É importante lembrar que a Constituição Federal e a Lei de Responsabilidade


Fiscal (LRF) estabelecem que a regra seja aplicada isoladamente para cada ente da
federação – União, Distrito Federal, Estados e Municípios – considerando-se, em cada um
deles, todos os poderes (Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público e Tribunal de
Contas) e suas respectivas administrações direta, fundos, autarquias, fundações, bem como
as empresas estatais dependentes.16 O presente estudo, destaca-se, trata exclusivamente da
União.

Vale notar ainda que o cumprimento do limite da Regra de Ouro, conforme


os incisos I e II do § 1º do art. 6º da Resolução nº 43/01 do Senado Federal, deve ser
comprovado em dois momentos: ex-post, tomando por base as operações de crédito
realizadas e as despesas de capital executadas no ano anterior, bem como ex-ante, no
âmbito da lei orçamentária.

Existem duas maneiras de avaliar o cumprimento da Regra de Ouro. A


primeira é a apuração oficial que consta no Anexo 9 do Relatório Resumido de Execução

16
Conforme definição dada pela Resolução nº 48/07 do Senado Federal, empresas estatais dependentes são aquelas que tenham
recebido recursos de seu controlador para pagamento de despesas de pessoal, custeio em geral ou de capital, excetuado aquelas
destinadas a ampliação da participação acionária, no exercício anterior e tenham, para o exercício corrente, autorização
orçamentária para recebimento de recursos com idêntica finalidade.

17
ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

Orçamentária (RREO) do Governo Federal. Esta apuração é feita de maneira direta pela
comparação entre os volumes de operações de crédito e de despesas de capital.

Entretanto, conforme vimos na seção anterior, o conceito de despesas de


capital leva em consideração além dos investimentos (𝐼), as inversões financeiras com
impacto primário (𝐷𝐾) e financeiro (𝐷𝐹), bem como as amortizações da dívida que nada
mais são do que o principal (𝑃) corrigido pela atualização monetária (𝐴𝑀). Ou seja, a Regra
de Ouro define que as operações de crédito (𝑂𝐶) devem satisfazer a seguinte restrição:

𝑂𝐶 ≤ 𝐼 + 𝐷𝐾 + 𝐷𝐹 + 𝑃 + AM (5)
A margem de cumprimento da Regra de Ouro pode então ser definida como
o excesso de despesas de capital em relação às operações de crédito. Como as operações de
crédito não podem superar as despesas de capital (“lado direito da equação”) sob pena de
violar a Regra de Ouro, quanto maior forem tanto os investimentos quanto as demais
despesas de capital - com impacto primário ou financeiro -, tão maior será a possibilidade
de expansão do fluxo de operações de crédito.

Uma segunda alternativa de apuração da margem é por meio do cálculo


indireto que tem a vantagem de permitir explorar os fatores que estão por trás da ampliação
do volume de operações de crédito. É importante enfatizar que as operações de crédito são
um conceito de fluxo, enquanto a dívida pública é um conceito de estoque, de tal maneira
que o fluxo de operações de crédito amplia o estoque da dívida.

Além disto, existem dívidas antigas cujo principal pode ter sido quitado ou
refinanciado como, por exemplo, um título público que foi resgatado ou rolado. Caso o
principal seja quitado, há uma redução do estoque da dívida pública. Se, em seguida, houver
seu refinanciamento, o estoque da dívida se expande, de tal forma que o impacto decorrente
da troca de uma dívida antiga por uma nova será nulo. Sendo assim, faz-se necessário
deduzir as amortizações do principal da dívida (𝑃) do total das operações de crédito (𝑂𝐶)
para se obter a variação da dívida pública (∆𝐷):

∆𝐷 = 𝑂𝐶 − 𝑃.

Além disto, a seção anterior revelou que a variação da dívida (∆D) sofre
influência, além do déficit primário (DP) e do pagamento de juros nominais (JN), do volume
de receitas financeiras (RF). A inclusão destas receitas faz com que a variação da dívida não
seja exatamente igual ao déficit nominal (DN) reportado nas estatísticas fiscais. Ou seja:

∆𝐷 = 𝑂𝐶 − 𝑃 ≅ 𝐷𝑃 + 𝐽𝑁 − 𝑅𝐹

Levando-se em conta que o juro nominal (𝐽𝑁) equivale ao somatório do juro


real (𝐽𝑅) com a atualização monetária da dívida (𝐴𝑀), e que:

𝐷𝑁 = 𝐷𝑃 + 𝐽𝑁,

onde:

𝐽𝑁 = 𝐽𝑅 + 𝐴𝑀.

Pode-se então reescrever a expressão 5, relativa à restrição da Regra de


Ouro, da seguinte maneira:

18
ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

𝑂𝐶 = ∆𝐷 + 𝑃 ≅ 𝐷𝑃 + 𝐽𝑅 + A𝑀 − 𝑅𝐹 + 𝑃 ≤ 𝐼 + 𝐷𝐾 + 𝐷𝐹 + 𝑃 + AM

Simplificando esta expressão, mediante a exclusão de termos de seus dois


lados, chega-se a:

𝐷𝑃 + 𝐽𝑅 − 𝑅𝐹 ≤ 𝐼 + 𝐷𝐾 + 𝐷𝐹 (6)

A expressão 6 é uma maneira indireta e aproximada para se avaliar o


cumprimento da Regra de Ouro17. Sua grande vantagem é que explicita alguns fatores que
estão por trás das operações de crédito, sejam fatores que dificultam seu cumprimento,
como o déficit primário (𝐷𝑃) e os juros reais (𝐽𝑅), ou aqueles que facilitam, como as receitas
financeiras (𝑅𝐹). As receitas financeiras contribuem indiretamente para o cumprimento da
Regra de Ouro já que o volume de operações de crédito, tudo mais constante, será tão menor
quanto maior for o volume destas receitas. Por sua vez, o financiamento de déficits
primários e de gastos com juros da dívida exigirão um maior volume de operações de
crédito (para um dado nível de receitas financeiras) que dificulta o cumprimento da regra
fiscal.

A análise dos condicionantes da margem de cumprimento da Regra de Ouro


no Brasil será dividida em três subseções. A primeira subseção explora a abordagem direta
com ênfase no papel dos diversos componentes das despesas de capital (“lado direito da
expressão 5”). Na seção seguinte o foco recai sobre a abordagem indireta que destaca o
papel dos fatores que influenciam o volume de operações de crédito (“lado esquerdo da
expressão 6”).

Já a terceira subseção analisa cálculos alternativos para a margem de


cumprimento da Regra de Ouro, em que se procura mensurar o efeito da exclusão das
contribuições de fontes financeiras e das despesas financeiras sobre esta margem. A
comparação procura destacar o fato de que a aplicação do conceito da Regra de Ouro no
Brasil, como visto, permite que ela seja cumprida mesmo na presença de um orçamento
corrente desequilibrado e de investimentos deprimidos. Basta, para tanto, que os
investimentos no conceito lato e não stricto senso, juntos das receitas financeiras, sejam
suficientes para compensar tal desequilíbrio orçamentário. Ou seja, a ampliação dos
conceitos para a aplicação da regra fiscal no caso brasileiro produz implicações relevantes,
conforme explicitaremos nas subseções a seguir.

III.1 – MARGEM DA REGRA DE OURO E CONDICIONANTES PELO LADO DA DESPESA


(LADO DIREITO)

A ampliação do conceito de investimento na Regra de Ouro brasileira inclui,


conforme apontado na expressão 5, além da execução de obras e aquisição de imóveis por
exemplo, despesas com inversões financeiras. Tais gastos incluem a aquisição de bens de
capital já em utilização, constituição ou aumento do capital de empresas, empréstimos
estudantis concedidos no âmbito do Fies, financiamentos dos fundos regionais do Nordeste

17
A esse respeito, destaca-se apresentação do Tesouro Nacional de outubro/17, onde foram avaliadas as principais pressões para o
cumprimento da regra de ouro através do cálculo indireto. Disponível em: http://www.tesouro.fazenda.gov.br.

19
ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

(FNE), Norte (FNO) e Centro-Oeste (FCO) utilizados como instrumento de política de


desenvolvimento regional, dentre outros.

Parte majoritária das despesas com inversões financeiras, portanto, possui


natureza financeira e trata da concessão de empréstimos e financiamentos. Tomando dados
extraídos do sistema Siga Brasil, do Senado Federal, é possível identificar que o componente
financeiro foi de aproximadamente 90% do gasto total com as inversões nos últimos treze
anos, de 2005 a 2017. Já o componente primário das despesas com inversões financeiras é,
historicamente, bastante reduzido.

A inclusão das despesas com inversões financeiras nas despesas de capital


para efeito de apuração do cumprimento da regra fiscal, conforme evidenciado no gráfico 1,
exerce contribuição substancial. Tomando os últimos cinco anos, de 2013 a 2017, nota-se
que o volume global das despesas com inversões, tanto primárias quanto financeiras,
superou bastante o gasto clássico com investimentos.

Gráfico 1: Evolução dos Componentes da despesa de capital (em R$ bilhões a preços


correntes)

160
Investimentos
136 132
140 Inversões financeiras (desp. primária) 123
Inversões financeiras (desp. financeira) 115 116
120 110
Total 53
100 90 90 45 57

77 80
62 62
80 62
65 34 11 16
38
31 19
60 47 39
28 2
39 3 3 8
11 15
40 2
25 3 67 67
20 53 56
2 46 48 45
20 2 34 36 38 38
17 20
0
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

Fonte: Siga Brasil Elaboração: IFI

Ao longo dos últimos treze anos, as despesas com investimentos e inversões


alcançaram R$ 1,2 trilhão, sendo R$ 654 bilhões ou 54% de gastos com inversões
financeiras e R$ 565 bilhões ou 46% com o investimento no sentido stricto senso. Durante
esse período, vale chamar atenção ainda para a contribuição que os financiamentos
concedidos no âmbito do Fies (R$ 88,6 bilhões), dos fundos regionais (R$ 107,5 bilhões),

20
ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

bem como da integralização de cotas do fundo de arrendamento residencial (FAR)18, de R$


61,2 bilhões, exerceram na expansão do volume dos gastos com inversões financeiras.

A participação do governo federal no capital de empresas estatais como a


Eletrobras, Hemobras, Telebras, companhia Docas de distintos estados, bem como em
sociedades de propósito específico (SPE) como aquelas destinadas a infraestrutura
aeroportuária, compõe parte importante das despesas com inversões financeiras. Entre
2005 e 2017, o gasto com capitalização de estatais somou cerca de R$ 25 bilhões.

Conforme é possível depreender, a consideração das inversões financeiras


no cálculo das despesas de capital alivia a restrição fiscal para realização de operações de
crédito. É notável, portanto, que o alargamento do conceito de investimento na aplicação da
Regra de Ouro brasileira contribui tanto para a expansão das despesas de capital quanto
para o distanciamento do conceito mais difundido internacionalmente e presente na
literatura econômica.

Tomando-se integralmente o conceito de despesas de capital na aplicação a


Regra de Ouro brasileira, que inclui além dos investimentos e inversões financeiras, as
amortizações da dívida pública federal (i.e, os resgates ou rolagem da dívida) vis-à-vis o
fluxo de operações de crédito realizadas, é possível detalhar em que medida a regra fiscal
foi cumprida no país. O gráfico 2 revela que a regra fiscal tem sido cumprida, pelo menos,
desde 2005.

18O FAR é um fundo de natureza privada criado com o objetivo de prover recursos para o programa de arrendamento residencial
e minha casa minha vida (MCMV). A administração do FAR é feita pela Caixa, cujo destino dos recursos é atender indivíduos com
renda familiar bruta mensal per capita de R$ 1.800.
21
ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

Gráfico 2: Evolução dos Fatores Condicionantes da Regra de Ouro Brasileira (Em R$


bilhões a preços correntes)

Investimentos Inversões financeiras


Operações de crédito Amortização da dívida
Margem de cumprimento da regra

800

284
300 193 160
97 91 100 96 62 86
1 3 1 29

-200

-700

-1.200
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

Fonte: Siga Brasil Elaboração: IFI

A despeito do sistemático cumprimento da Regra de Ouro para o caso


brasileiro que, conforme destacado nos parágrafos acima, se deve ao volume de receitas
financeiras e à ampliação da base das despesas de capital, de 2005 a 2007 a regra quase não
foi cumprida. A reduzida margem de cumprimento observada nesse período sofreu, todavia,
relevante alteração de 2008 a 2012, quando a execução das despesas de capital superou o
fluxo de operações de crédito realizadas em R$ 153 bilhões, em média. Já desde 2013, tem
ocorrido gradativo recuo da margem de cumprimento da regra fiscal.

Para o período inicial, de 2005 a 2007, chama atenção que a reduzida


margem de cumprimento ocorreu mesmo diante da ampliação dos investimentos e
inversões financeiras, que não foram suficientes para compensar o recuo observado na
rolagem da dívida pública federal (i.e, nas amortizações). No período seguinte, de 2008 a
2012, o excedente justifica-se pela combinação da expansão das despesas de capital, tanto
dos investimentos e inversões financeiras, quanto das amortizações, seguida pela menor
necessidade de realização de operações de crédito.

O crescimento do volume de receitas financeiras, que serão detalhadas na


próxima subseção, tem contribuído para a redução das necessidades de financiamento nos
últimos dez anos, desde 2008. A expansão destas receitas, associado ao avanço das despesas
de capital no período de 2008 a 2012, explica o substancial incremento observado na
margem de cumprimento da regra fiscal. A partir de 2013, a despeito da manutenção de
elevadas receitas financeiras, o continuado recuo nas despesas de investimentos reduziu
gradativamente o excesso de despesas de capital vis-à-vis o volume de operações de crédito.

22
ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

III.2 – MARGEM DA REGRA DE OURO E CONDICIONANTES DAS OPERAÇÕES DE


CRÉDITO (LADO ESQUERDO)

O volume de receitas financeiras, conforme observamos na equação 6, reduz


a necessidade de realização de novas operações de crédito e facilita o cumprimento da
Regra de Ouro brasileira. Dentre as principais fontes que compõem a receita financeira,
destacam-se o (a):

1. Resultado positivo do Banco Central,


2. Retorno de operações de refinanciamento como as devoluções por parte
do BNDES,
3. Pagamento de juros e amortizações por parte de Estados e Municípios, e
4. Remuneração da conta única.

Todos os itens listados de 1 a 4 reduzem a necessidade de emissão de dívida


e, portanto, contribuem para o cumprimento da regra fiscal. Conforme evidenciado no
gráfico 3, estas receitas financeiras têm registrado destacada expansão na última década e
assim contribuído para ampliação da margem de cumprimento da Regra de Ouro.

Gráfico 3: Evolução das Principais Receitas Financeiras (Em R$ bilhões a preços


correntes)

400
Retorno de dív. de médio e LP (inclui devolução BNDES)
324 320
Amortização e juros de E&M
300 Remuneração da Conta Única 38
Resultado do Bacen 249 256
18
Total 219 22 154
23
40 93
200 39 167
26
147
29 126 40 72 18
114 27
29 37 42
100 70 65 94
51 56 29 33 175
151 147 57
23 55 123
18 22 26 43
15 47 46 54
16 36 25 27 22 36
0 8 1 0 3
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
Fonte: Siga Brasil. Elaboração: IFI.

Dentre as quatro principais receitas financeiras listadas acima, a


remuneração da conta única, o pagamento da dívida que os estados e municípios tem junto
ao governo federal e o retorno ordinário das operações de refinanciamento, constituem-se
como receitas financeiras recorrentes cuja dinâmica foi bastante estável de 2005 a 2009. A
23
ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

partir de 2010, o repasse do lucro operacional e decorrente das operações cambiais do


Banco Central para o Tesouro Nacional, particularmente relevante no contexto de
desvalorização da taxa de câmbio, passou a impactar mais fortemente as receitas
financeiras.

De forma semelhante, a tendência de acúmulo do saldo da conta única


verificado entre 2009 e 2011 exerceu contribuição adicional na medida em que ampliou sua
remuneração, minimizando assim a pressão sobre o fluxo de operações de crédito. Os
pagamentos extraordinários por parte do BNDES a título de antecipação dos créditos
concedidos pelo Tesouro, também contribuíram para ampliação do volume de receitas
financeiras.

Para efeito de apuração das operações de crédito, importa notar que as


emissões efetuadas no contexto da gestão da dívida pública federal somente serão
consideradas no exercício financeiro em que forem utilizadas para o pagamento de
despesas, conforme prescrição do § 4º do art. 6º da Resolução nº 48/07 do Senado Federal.
Com isso, as operações de crédito para efeito de cumprimento da Regra de Ouro são
deduzidas da variação no chamado “colchão de liquidez”, equivalente à variação no saldo de
uma subconta específica da conta única que tem por objetivo oferecer maior flexibilidade
na gestão da dívida pública. Receitas de emissões, portanto, que eventualmente excedam as
despesas de capital, mas que não tenham sido utilizadas ficam separadas nessa subconta e
podem ser utilizadas para amortização da dívida em períodos subsequentes.

Situação semelhante ocorre com os pagamentos antecipados feitos pelo


BNDES, que ajudam no cumprimento da Regra de Ouro apenas quando são efetivamente
utilizados para pagamento dos serviços da dívida. A título de exemplo, o pagamento
antecipado de R$ 100 bilhões realizado em 2016 não foi integralmente utilizado para cobrir
despesas com a dívida naquele exercício. Os dados revelam que este montante, somado ao
novo pagamento extraordinário em 2017 (de R$ 50 bilhões), foram utilizados mais
fortemente no ano passado quando o retorno das operações de refinanciamento atingiu R$
154 bilhões, reduzindo a necessidade de novas operações de crédito.

Chama atenção ainda o importante recuo em 2016/17 no pagamento da


dívida que os estados e municípios tem com o governo federal. A esse respeito, conforme
destacado em estudo especial da IFI que abordou a capacidade de pagamento dos estados19,
a concessão de descontos extraordinários e decrescentes na parcela da dívida estadual para
o período de 24 meses, de julho de 2016 a junho de 2018, reduziu as receitas financeiras do
governo federal.

Além das receitas financeiras, existem outros dois fatores descritos na


expressão 6 que influenciam a margem de cumprimento da Regra de Ouro: o déficit
primário e os juros reais. Neste caso a influência é contrária: o déficit primário e o gasto com
juros geram pressões sobre as operações de crédito que dificultam o cumprimento da Regra
de Ouro. A respeito do juro real, existem diferenças metodológicas entre o dado considerado
para efeito de cálculo da Regra de Ouro e o apurado nas estatísticas fiscais abaixo-da-linha,
que são exploradas em maior detalhe na seção IV. De forma sucinta, enquanto o primeiro
trabalha com ótica de caixa, o segundo é apurada sob o regime de competência.

19 O estudo especial, publicado em maio de 2017, está disponível em http://www2.senado.leg.br/capag.


24
ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

No tocante à pressão que o déficit primário exerce sobre o fluxo de


operações de crédito, o gráfico 4 aponta que no período posterior à crise de 2008 houve
tendência gradual de recuo do superávit primário. A partir de 2014, quando houve
importante reversão de superávit para déficit de 0,4% do PIB ou R$ 20,4 bilhões, a
contribuição do resultado não financeiro para a regra fiscal passou a ser negativa. Os déficits
primários substanciais nos períodos posteriores, assim como a perspectiva de lenta e
gradual recuperação do saldo fiscal, impõem, portanto, relevante pressão em torno da
necessidade de realização de novas operações de crédito.

Grafico 4: Evolução do Resultado Primário e Déficit Nominal do Governo Federal (em


% do PIB)

Resultado Primário Déficit Nominal


4,0

2,0

0,0

-2,0

-4,0

-6,0

-8,0

-10,0
2013
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012

2014
2015
2016
2017
Fonte: Banco Central Elaboração: IFI

III.3 – CÁLCULOS ALTERNATIVOS PARA A MARGEM DE CUMPRIMENTO DA REGRA


DE OURO

O resultado da aplicação de uma Regra de Ouro conceitualmente mais


dilatada no caso brasileiro tem permitido seu cumprimento intertemporal, apoiado tanto
no elevado volume de receitas financeiras, quanto no amplo conceito de despesas de capital.
Na presença de ambos os fatores, conforme demonstramos, tanto nesta seção quanto na
anterior (expressão 4), é possível cumprir a regra fiscal mesmo com elevado déficit
corrente, desde que este déficit seja compensado por receitas ou despesas financeiras. Isto
é, procuramos mostrar que na prática a Regra de Ouro funciona como um teto para o déficit
corrente dado pelo volume de receitas e despesas financeiras do Tesouro Nacional.

Diante da particularidade do caso brasileiro na aplicação da Regra de Ouro


e, reconhecendo uma abordagem stricto senso da literatura internacional, é interessante
conhecer qual seria a posição fiscal do Brasil caso perseguisse o conceito mais próximo do
25
ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

livro texto de economia. De outra forma, ao expurgar as particularidades constantes na


aplicação da regra fiscal Brasileira, teremos uma aproximação à configuração clássica da
Regra de Ouro baseada em um conceito mais acurado de equilíbrio do orçamento corrente.

Como forma de minimizar a arbitrariedade e ampliar a transparência em


torno das rubricas que poderiam ser expurgadas do cálculo da regra fiscal, oferecemos três
estimativas para aferir a margem de cumprimento da regra de ouro:

1. Exclusive o repasse do resultado positivo do Banco Central,


2. Excetuadas as quatro principais receitas financeiras, e,
3. Excluído tanto o item anterior (2) quanto as inversões financeiras com
impacto não primário (financeiro).

Todos três os resultados alternativos partem do cálculo oficial (apresentado


no gráfico 2) que sintetiza em que medida as despesas de capital foram superiores
(inferiores) ao fluxo de operações de crédito. Conforme exposto pelo gráfico 5, em todas as
métricas, o descumprimento da Regra de Ouro teria ocorrido em mais de um ano no período
de análise.

Gráfico 5: Cálculos Alternativos para a Evolução da Margem de Cumprimento da


Regra de Ouro (Em R$ bilhões a preços correntes)

400

300

200

100 29

-100 -25
Cálculo oficial

-200 Sem receitas financeiras


-291
-300 Sem rec. financeiras e inversões financeiras não primárias

Sem resultado do Bacen


-400 -353
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
Fonte: Siga Brasil. Elaboração: IFI.

Ao expurgar o repasse do resultado do Banco Central, uma receita financeira,


teria ocorrido descumprimento da Regra de Ouro em quatro períodos: 2005, 2015, 2016 e
2017. Para uma métrica mais restrita, que exclui não apenas o resultado do Banco Central
mas todas as demais receitas financeiras, haveria descumprimento em onze dos treze anos
analisados: apenas em 2008 e 2012 a regra fiscal teria sido cumprida. Do ponto de vista do
conceito mais rigoroso e normativo, que desconsidera tanto as receitas financeiras
supracitadas quanto as despesas de capital não primárias (ou financeiras), a regra teria sido
descumprida em todos os anos da série.

26
ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

É notável, portanto, que para conceitos que se proponham a buscar a


configuração clássica da Regra de Ouro, baseada em uma versão mais rígida de equilíbrio
do orçamento corrente, seu descumprimento ocorreria não apenas antes do sugerido pelo
indicador oficial, como a profundidade do desequilíbrio seria substancialmente mais
acentuada. No bojo de eventuais reflexões em torno dos caminhos a serem seguidos para a
aplicação da Regra de Ouro no Brasil, é fundamental conhecer tanto a gravidade da
assimetria quanto a correção requerida por um potencial novo arcabouço fiscal.

IV – DESAFIOS PARA O CUMPRIMENTO DA REGRA DE OURO


Nos Relatórios de Acompanhamento Fiscal (RAF)20 publicados mensalmente
pela IFI, temos apontado as dificuldades de conduzir o país ao reequilíbrio das contas
públicas. Conter a trajetória de rápida escalada da dívida pública demandará um esforço
elevado, provavelmente por meio de uma combinação de ações tanto pelo lado das receitas
quanto das despesas. A presente seção descreverá esses desafios no tocante à Regra de
Ouro.

A análise da Regra de Ouro, de sua importância e dos desafios para o bom


funcionamento devem ser separadas em duas discussões: a de curto prazo (explorados na
subseção IV.1) e a estrutural (analisada na subseção IV.2).

Os dados do Tesouro Nacional sugerem importante complexidade em torno


do cumprimento da Regra de Ouro das finanças públicas neste ano, mesmo com a devolução
dos recursos do BNDES à União. Os desequilíbrios de curto prazo e suas possíveis soluções
serão discutidos na subseção IV.1. No âmbito das simulações feitas pela IFI, a insuficiência
calculada é mais branda do que no caso do Tesouro, como mostraremos.

Na seção IV.2, avaliaremos a Regra de Ouro sob uma perspectiva de longo


prazo. O fato de convivermos com déficits correntes crescentes e investimentos deprimidos
suscita o debate em torno das particularidades para a operacionalização da regra de ouro
no caso brasileiro. À luz dos objetivos fixados há trinta anos na Constituição, e explorados
há quase oitenta anos na literatura de referência, avaliamos a dimensão do equilíbrio
requerido por essa regra fiscal. Esta seção reserva ainda a simulação da IFI para o médio
prazo, de 2018 a 2024.

IV.1 DESAFIOS DE CURTO PRAZO


Algumas alternativas para evitar que a Regra de Ouro seja descumprida, em
2018 ou 2019, têm sido consideradas pelas autoridades governamentais. No Relatório do
Tesouro Nacional (RTN) de dezembro de 201721 são indicadas quatro possibilidades. Em
coluna publicada no dia 8 de março de 2018, o jornalista Ribamar Oliveira do Valor

20
Veja aqui o Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) nº 14 –
http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/539124/RAF_14_2018.pdf
21
Veja aqui o Relatório do Tesouro Nacional (RTN) de dezembro de 2017 (apresentação) –
http://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/314885/Dez2017.zip/7704e583-51bb-496a-943d-7790f2dc5ce1.

27
ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

Econômico22, também relatou que o governo estaria trabalhando com essas quatro
alternativas:

a) desvinculação de fontes orçamentárias de superávits de exercícios anteriores;

b) cancelamento de restos a pagar não processados;

c) extinção do Fundo Soberano do Brasil (FSB); e

d) utilização de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento (FND).

Na presente seção, discutiremos cada uma dessas medidas. Para este ano,
mesmo contabilizadas as receitas financeiras decorrentes do repasse do lucro do Banco
Central e das devoluções de recursos por parte do BNDES, a regra poderá ser descumprida.
A insuficiência de recursos deve ficar em R$ 203,4 bilhões, segundo o governo, diminuindo
para R$ 73,4 bilhões caso o BNDES devolva os esperados R$ 130 bilhões. Ainda, se o déficit
primário ficar em R$ 143,8 bilhões, como prevê a IFI, e não em R$ 159 bilhões (meta legal),
esta insuficiência de R$ 73,4 bilhões, em 2018, cairia para R$ 58,2 bilhões. Na próxima
subseção, apresentaremos os cálculos da IFI para o ano corrente e para o longo prazo.

Antes de discutir as quatro alternativas, é preciso compreender a válvula de


escape prevista na Constituição de 1988, uma quinta possibilidade para resolver a equação
neste ano. O dispositivo da Regra de Ouro brasileira, já mencionado no início do Estudo,
prevê que é proibida “a realização de operações de créditos que excedam o montante das
despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais
com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta” (CF, 1988,
Art. 167, Inciso III, grifo nosso). Dito de outra forma, se o Congresso autorizar (via crédito
novo para despesa específica, ainda que seja uma despesa corrente), haveria a possibilidade
de, excepcionalmente, descumprir a regra.

Para este ano, isso poderia ocorrer, por exemplo, através da edição de um
projeto de lei por parte do Poder Executivo propondo um crédito suplementar para
despesas previdenciárias. Para 2019, as discussões ainda se concentram no âmbito do envio
da peça orçamentária. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) teria de contemplar essa
possibilidade, ou seja, teria de nascer em desequilíbrio, prevendo uma adequação futura.
Por si só, o fato ensejaria um debate técnico e político intenso, podendo produzir
turbulências no complexo quadro econômico e fiscal interno. Há ainda quem aposte na
hipótese de dois orçamentos paralelos. A ideia seria trazer parte do orçamento do ano que
vem em forma de anexo, no PLOA, condicionando sua efetividade à obtenção de fontes de
recursos para execução das despesas ali indicadas.

De todo modo, essa saída é controversa e, à visão de parte dos especialistas,


incompleta. Mesmo que se pudesse utilizá-la, tanto para 2018 como para 2019, o que fazer
nos próximos exercícios? Continuar lançando mão continuamente da cláusula de escape? É
preciso separar as discussões, como propomos aqui, sem embaralhar saídas de curto prazo

22
Acesso à coluna “Medidas ajudarão na 'regra de ouro' em 2019”, de Ribamar Oliveira –
http://www.valor.com.br/brasil/5370707/medidas-ajudarao-na-regra-de-ouro-em-2019

28
ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

com soluções estruturais. É importante reforçar que as alternativas de solução


analisadas no presente estudo não constituem recomendações de política.

As quatro possibilidades levantadas pela imprensa e pelo próprio Tesouro,


no RTN de dezembro de 201723 a partir de informações prestadas por autoridades fiscais,
não se configuram como soluções estruturais ou de médio e longo prazo. A opção por alguns
desses instrumentos, destaca-se, independeria do aval do Congresso Nacional e poderia ser
providenciada por decreto presidencial, por exemplo.

IV.1.1 – DESVINCULAÇÃO DE FONTES ORÇAMENTÁRIAS E CANCELAMENTO DE RESTOS A PAGAR


A respeito da desvinculação de fontes orçamentárias de superávits de
exercícios anteriores (analisada no Box a seguir), a estratégia passaria por liberar recursos
vinculados a destinações específicas para financiar outras despesas primárias (ou
financeiras) e, assim, reduzir a necessidade de emissão de dívida pública, o que auxiliaria o
governo na tarefa de cumprir a Regra de Ouro. Como veremos, esta é uma saída de caráter
contábil e que não muda a efetiva posição fiscal do governo.

23
Disponível na apresentação dos resultados fiscais de janeiro deste ano. Disponível em:
http://www.tesouro.fazenda.gov.br/web/stn/-/historico-resultado-do-tesouro-nacional.
29
ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

Box. Recursos vinculados e Regra de Ouro

Segundo a Lei nº 4.320, de 196424, em seu artigo 43, parágrafo 2º, o


superávit financeiro é a diferença entre ativo e passivo financeiros. A mesma lei define
também estes dois últimos conceitos. De maneira direta, os ativos financeiros incluem
receitas vinculadas e não gastas de exercícios passados. Já o passivo financeiro é composto
basicamente por despesas contratadas e não realizadas, como os restos a pagar. O tema
será alvo de trabalho futuro da IFI, dada sua importância em vários âmbitos da política
econômica.

As vinculações legais ou constitucionais de receitas obrigam a que


determinadas receitas arrecadadas financiem exclusivamente gastos específicos. Ocorre
que, muitas vezes, arrecadam-se os valores, mas por falta de projetos, por
contingenciamentos orçamentários ou por outras razões, esses recursos não são gastos
no exercício de arrecadação.

Por força da LRF, esses recursos permanecem vinculados mesmo que sua
utilização ocorra em anos seguintes ao de ingresso. Os recursos vinculados e não
utilizados, acumulados ao longo dos anos, compõem as disponibilidades de caixa da União,
um estoque de recursos depositados no Banco Central rendendo receita de juros próxima
à aplicação da Selic25.

Cabe um exemplo. Se o governo de um país hipotético tem 100 unidades


monetárias (u.m.) de dívida bruta e 10 u.m. de disponibilidades de caixa depositadas na
sua conta no Banco Central, sua dívida líquida é igual a 90 u.m. Analogamente, é como um
cidadão que possui financiamento habitacional e aplicação no banco, o qual lhe garante,
na aplicação, taxa de juros semelhante à paga no financiamento habitacional. Assim, o
indivíduo tem as seguintes opções: i) sacar recursos da aplicação para abater parte do
financiamento ou ii) manter os recursos aplicados rendendo juros. A alternativa “i” amarra
as receitas ao abatimento da dívida, enquanto a alternativa “ii” dá liberdade para gastar as
receitas de juros e manter o financiamento inalterado.

No caso do Brasil, o Banco Central garante uma rentabilidade semelhante


à dos títulos da dívida pública federal (isto é, ele paga uma taxa próxima da Selic sobre os
valores da Conta Única). O Tesouro Nacional obtém, assim, uma remuneração pelas suas
disponibilidades depositadas em sua Conta Única no Banco Central que, atualmente, é
próxima do próprio custo de emissão dos títulos públicos.

Existem variados motivos que explicam o nível das disponibilidades


financeiras na Conta Única. O primeiro, já destacado, é a acumulação de fontes vinculadas
de superávits de exercícios anteriores. Outro motivo é que o Tesouro pode realizar
emissões de títulos superiores às suas necessidades de financiamento para formar seu
colchão de liquidez, espécie de reserva a ser utilizada quando as condições do mercado
não permitem que o Tesouro se financie em condições adequadas

Um terceiro incentivo para o acúmulo de disponibilidades é a receita


decorrente da remuneração desses valores pelo Bacen. Essa remuneração totalizou R$

30
ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

97,1 bilhões, em 2017, de acordo com dados fornecidos mensalmente pela Secretaria do
Tesouro Nacional (STN)26. Apesar desta receita não possuir origem primária, ela pode ser
utilizada para pagar despesas não financeiras, abrindo espaço na Regra de Ouro.

Assim, podemos listar algumas conclusões sobre a desvinculação de fontes


orçamentárias de superávits de exercícios anteriores:

1) reduz a dívida líquida do Tesouro Nacional;


2) se os recursos forem desvinculados, sendo liberados para pagamento
de despesas primárias (ou financeiras), ocorrerá uma baixa no ativo
financeiro, mas uma igual redução na necessidade de emissão de títulos
para financiamento do déficit público;
3) o item dois representa mais espaço na Regra de Ouro (menos dívida);
e
4) dada uma mesma meta de resultado primário, nada ocorre no âmbito
não financeiro.

É preciso ter claro que não é simples promover a desvinculação de recursos


do superávit financeiro. A medida requer alteração legal que, em princípio, pode ser feita
por Medida Provisória, como ocorreu em 2015, com a desvinculação de recursos para
pagamento de parte das chamadas pedaladas fiscais.

O detalhamento das disponibilidades de caixa da União, que inclui recursos


advindos de superávits financeiros de exercícios anteriores, está contido em tabela
publicada periodicamente pelo Tesouro Nacional, denominada disponibilidades de caixa e
restos a pagar. É por meio desses dados, divulgados no Relatório de Gestão Fiscal (RGF), que
procederemos com a análise27.

Para o exercício de 2017, o RGF28 indica disponibilidades líquidas da ordem


de R$ 959,9 bilhões, seguindo a composição descrita na Tabela 1, conforme destaque
sombreado. A lógica da tabela é dada pela seguinte equação: “disponibilidade de caixa

24 Lei nº 4320/1964 - http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/leis/L4320.htm

25 De acordo com a MP 2.179/2001, a remuneração é calculada pela média ponderada da rentabilidade intrínseca dos títulos da
Dívida Pública Mobiliária Federal interna de emissão do Tesouro Nacional em poder do Banco Central do Brasil. Na prática, essa
taxa se aproxima, em média, da taxa Selic.
26 Acesse aqui as planilhas do Resultado do Tesouro Nacional (RTN) –

http://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/246449/Anexos+Jan+2018+RTN.xlsx/a60f5764-9aae-4883-9d01-
8344cd89eb81
27
A rigor, quando tomamos o Balanço Geral da União (BGU), em bases anuais, é possível acessar uma tabela contendo os dados
isolados do superávit financeiro – e não de todas as disponibilidades de caixa – mas o confronto dos números mostra uma
proximidade muito grande entre os valores. Como a tabela do RGF é mais detalhada e atualizada do que a do BGU, disponível ainda
apenas para 2016, optamos por usar os dados do RGF. Outro ponto relevante a considerar é a relação do conceito de disponibilidade
de caixa com a Conta Única da União. Os valores encontrados são próximos, mas há diferenças a considerar. Por exemplo, as
disponibilidades de caixa incluem determinados valores que não estão na Conta Única, como os depósitos do Fundo de Amparo ao
Trabalhador (FAT) no BNDES. Essas questões técnicas sobre os três conceitos serão tratadas em estudo futuro.
28
Relatório de Gestão Fiscal (RGF) de 2017 – https://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/352657/RGFCONS2017.pdf

31
ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

líquida = disponibilidade bruta menos restos a pagar menos demais obrigações”. Isto é,
somam-se todos os recursos vinculados aos recursos ordinários disponíveis, dos quais se
subtraem os pagamentos de restos a pagar processados e não processados e as demais
obrigações, resultando na disponibilidade líquida. Para o cálculo do total de recursos
potencialmente desvinculáveis, é necessário agregar as linhas B.8 e B.9 da Tabela 1 que
informam valores vinculados principalmente por lei e não pela Constituição.

Tabela 1 – Demonstrativo da disponibilidade de caixa e dos restos a pagar – janeiro a


dezembro de 2017 (em R$ bilhões)*
Restos a Restos a Demais Disponibilidade
Disponibilidade
pagar pagar não obrigações de caixa líquida
Recursos de caixa bruta
processados processados financeiras (V = I - II - III -
(I)
(II) (III) (IV) IV)

Não
A 119,2 6,4 49,9 12,0 50,9
vinculados/ordinários
B = B.1
Vinculados 1.071,0 20,4 78,3 63,3 909,0
+...+ B.9
B.1 Educação 24,0 0,4 14,2 0,6 8,7
Seguridade Social (exceto
B.2 4,0 1,7 12,9 1,4 - 12,0
Previdência)
B.3 Previdência Social (RPPS) - 5,0 0,1 0,1 0,2 - 5,4
B.4 Previdência Social (RGPS) 15,5 16,1 0,1 0,7 - 1,4
Operação de Crédito e
B.5 635,4 0,5 23,3 6,6 605,0
Receitas Financeiras
Alienação de Bens e
B.6 0,6 0,0 0,1 0,3 0,3
Direitos
Transferências
Constitucionais e Legais a
B.7 12,8 - 9,3 0,0 3,5
Estados, DF, Municípios,
inclusive Fundos
Fundos, Órgãos e
B.8 323,4 1,6 18,2 23,1 280,5
Programas
Outros recursos 29,8
B.9 60,2 - 0,0 30,4
vinculados
C=A+B Total 1.190,2 26,8 128,2 75,3 959,9
D = B.8 +
B.9 Recursos vinculados totais 383,7 1,6 18,3 53,6 310,3
* A linha D representa o potencial de recursos a serem desvinculados, que não dependem de mudanças
Constitucionais.

Fonte: Relatório de Gestão Fiscal de 2017. Elaboração: IFI.

32
ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

O aumento de recursos não vinculados/ordinários (item A) é a forma pela


qual se consegue liberar fontes para financiar despesas primárias. Quanto mais recursos
não vinculados, maior o grau de liberdade do governo na alocação de recursos para pagar
despesas e, assim, reduzir a necessidade de emissão de dívida para financiamento desses
gastos não cobertos por receitas primárias, isto é, desses déficits gerados.

Há duas formas de liberar recursos (propostas “a” e “b”, na nossa lista


inicial): a) desvincular os recursos e, assim, aumentar os recursos não vinculados
disponíveis; e b) cancelar restos a pagar não processados.

Na alternativa “a”, o efeito é automático: desvincula-se um recurso


originalmente destinado a uma finalidade específica, através de projeto de lei (no caso de
vinculações legais), e o recurso torna-se livre ou não vinculado/ordinário.

No caso “b”, é preciso entender que os restos a pagar não processados


referem-se a despesas empenhadas, fase inicial da utilização das dotações orçamentárias.
Como essas despesas são financiadas por determinadas fontes, ao serem canceladas as
respectivas fontes ficam liberadas para pagar despesas primárias, assim como os recursos
não vinculados. Finalmente, se o resto a pagar referir-se a recursos vinculados, a liberação
dos recursos ocorrerá em duas etapas: primeiro, o cancelamento do resto e, segundo, a
desvinculação da receita.

Importante registrar que não se discute, aqui a possibilidade de


cancelamento dos restos processados, porque seu cancelamento é muito mais raro ou difícil
de ser viabilizado, uma vez que se trata de despesa já liquidada (etapa orçamentária mais
avançada, imediatamente anterior ao pagamento).

Para ter claro: no caso do resto a pagar não processado, que passou apenas
pela etapa do empenho, o cancelamento é mais fácil e, portanto, crível. Para entender a
lógica que acabamos de detalhar, apresentamos o diagrama 1 a seguir.

33
ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

Diagrama 1 – Expansão dos recursos não vinculados/ordinários para financiar


despesas primárias

Fonte: Elaboração própria.

Cabe ainda ressaltar que essas liberações de recursos não representam


melhora efetiva na posição fiscal do governo. Tanto a estratégia “a” como a estratégia “b”
envolvem o uso de recursos poupados no passado para financiar gasto presente. Reduz-se
essa poupança para financiar despesas atuais. O efeito sobre o resultado primário, tudo o
mais constante, é neutro. O efeito sobre a dívida líquida do governo federal (ou seja, sem
Banco Central) é neutro. Também há uma redução da pressão dos déficits públicos sobre a
dívida bruta porque emissões de títulos que, na ausência do uso dos recursos desvinculados,
seriam necessárias, passam a ser dispensáveis.

Contudo, o efeito dos recursos desvinculados e despendidos sobre a base


monetária (quantidade de moeda circulando na economia) será eventualmente
compensado pelo Banco Central, sob a hipótese de manutenção de uma mesma meta Selic29.

29
O Banco Central, para controlar a inflação, realiza operações compromissadas com títulos públicos federais. O objetivo é manter
os juros praticados pelo mercado ao redor da meta Selic, fixada pelo Conselho de Política Monetária (Copom) com vistas ao
cumprimento da meta de inflação. Assim, o Banco Central provê ou reduz liquidez de acordo com os movimentos no mercado
34
ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

A atuação da autoridade monetária, por meio de operações compromissadas, elevará a


dívida bruta do governo geral. Como se vê, essa diferenciação entre a dívida do governo
federal e a dívida bruta total é importante, porque a Regra de Ouro não leva em conta o
Banco Central.

Em resumo, a desvinculação reduzirá a necessidade de emissão de títulos


pelo Tesouro, em um primeiro momento, mas legará ao Banco Central a necessidade de
enxugar os efeitos sobre a base monetária, havendo, assim, ceteris paribus, impacto na
dívida total, mas não nas operações de crédito do governo federal, que são a referência para
a apuração da regra de ouro.

Em números, fica claro, a partir da Tabela 1, que o volume potencial de


financiamento de despesas a partir de desvinculações seria igual a R$ 310,3 bilhões (linha
D, coluna V). Já o potencial de financiamento de despesas decorrente de cancelamentos de
restos a pagar seria igual a R$ 68,1 bilhões, considerando-se tanto o efeito direto de R$ 49,9
bilhões de recursos não vinculados (linha A, coluna III) quanto o efeito indireto de R$ 18,2
bilhões no caso de desvinculação complementar de recursos (linha B.8, coluna III). Vale
destacar que este potencial foi calculado a partir de apenas duas rubricas de recursos na
tabela 1: “Fundos, Órgãos e Programas” e “Outros recursos vinculados” (linhas B.8 e B.9).
Isto porque as demais correspondem fundamentalmente a recursos cuja desvinculação
dependeria de mudanças na Constituição. Não obstante, os potencias volumes de
financiamento estão superdimensionados, porque há um resíduo de recursos com
vinculações constitucionais (por exemplo, a CIDE), além de uma parcela relevante de restos
a pagar de difícil cancelamento (por exemplo, obras em estágio avançado ou emendas
parlamentares). A desvinculação (exceto nos casos constitucionais) depende de lei
ordinária (ou MP), no caso de vinculações legais; e o cancelamento de restos depende de
decreto presidencial.

IV.1.2 – USO DOS FUNDOS FSB e FND

O uso do Fundo Soberano do Brasil e do Fundo Nacional de Desenvolvimento


também foi colocado como alternativa, no curto prazo, para facilitar o cumprimento da
Regra de Ouro. Os recursos do FSB somam R$ 24,7 bilhões. A extinção do Fundo
representaria aumento de receitas (primárias ou financeiras)30, ensejando menor emissão
de dívida e, assim, maior margem na Regra de Ouro.

aberto. No caso em tela, a desvinculação de recursos financeiros usados para financiar gastos produzirá um efeito expansionista
sobre a base monetária. Se o Banco Central não atuar, tem-se, em última análise, um desvio da Selic em relação à sua meta.
30
Há controvérsia sobre a forma de contabilização desses recursos, a partir da extinção do FSB. Quando criado, recursos do resultado
primário foram direcionados à sua formação (R$ 14,2 bilhões, à época equivalente a 0,5% do PIB). Ao extinguir o fundo, os recursos,
em sua maioria depositados na Conta Única do Tesouro, passariam a estar disponíveis para financiamento de despesas primárias. A
rigor, a definição de receita primária remonta à sua origem: quando não há redução de nenhum ativo para que ela seja produzida,
é dita primária (impostos, por exemplo). Quando há redução de um ativo (o FSB, no caso em tela), a receita é classificada como
financeira. Isso afetaria o resultado primário, vale dizer, mas não a regra de ouro.

35
ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

O mesmo vale para o FND, caso seja definitivamente extinto e os recursos


fiquem à disposição da União. Os valores disponíveis no FND totalizam, segundo
declarações do governo à imprensa, R$ 16 bilhões. Criado em 1986 e regulamentado
posteriormente, o fundo tem como funding recursos de empréstimos compulsórios, cuja
definição é dada, de acordo com o BNDES, da seguinte forma: “O FND concedia, anualmente,
empréstimos aos três agentes financeiros - BNDES, FINEP e Banco do Brasil - para aplicação
em empresas do setor de ciência e tecnologia, exclusivamente através da FINEP; para os
setores de insumos básicos e bens de consumo, via BNDES; e para pequenas e médias empresas,
através do BNDES e do Banco do Brasil. O orçamento do FND integrava o Orçamento Geral da
União, votado pelo Congresso Nacional.”

O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade nas operações


de devolução dos empréstimos compulsórios com cotas do FND, cessando as atividades do
fundo e sua relação com os cotistas. O FND foi extinto pela lei nº 12.431, de 2010 (ainda sob
análise jurídica, conforme sinalizado pelo Tesouro Nacional, na referida apresentação do
RTN). A partir disso, a União pretende agora finalizar esse processo e permitir que os
recursos sejam disponibilizados para pagamento de despesas primárias, abrindo espaço na
regra de ouro.

IV.2 – DESAFIOS ESTRUTURAIS E SIMULAÇÕES REALIZADAS PELA IFI

Uma maneira relativamente simples de ilustrar os desafios de caráter


estrutural é analisar a evolução do déficit corrente do governo federal. Para tanto,
apresentamos no gráfico 6 uma aproximação deste déficit corrente que é calculado
tomando-se como ponto de partida o resultado nominal do governo federal (isto é, a soma
do resultado primário com os juros líquidos apurados pelo Banco Central). Em seguida,
deduz-se as despesas primárias de capital (tanto as despesas de investimento quanto as
demais inversões financeiras de caráter primário). Trata-se, assim, de um critério aderente
aos conceitos mais utilizados internacionalmente. Como se vê, esta aproximação sugere que
o déficit corrente do governo federal figura hoje em -6,9% do PIB. Há pelo menos vinte anos,
a despeito do cumprimento da regra de ouro, existe um sistemático déficit corrente de
acordo com esta métrica. Ora, se a regra de ouro é uma regra de déficit corrente nulo ou
resultado corrente equilibrado, como mostramos na primeira seção deste Estudo Especial,
tem-se um enigma não resolvido.

Conforme exibido no gráfico 6, o resultado corrente ficou fortemente


negativo, a partir de 2014, em razão, particularmente, da combinação de geração
continuada de déficits primários com aumento do volume de gastos de juros. Em 1998, no
início da série construída pela IFI, o déficit corrente era de 4,1% do PIB, tendo ficado mais
contido no período de 2007 a 2012, para em seguida avançar ao nível de 8,3% do PIB, em
2015, e aos atuais 6,9% do PIB. Dito de outra forma, a magnitude do indicador revela que o
orçamento corrente é bastante deficitário e, nesse sentido, caminha na direção oposta ao
princípio verificado na literatura econômica.

36
ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

Gráfico 6 – Evolução do déficit corrente do governo federal (% do PIB)

9,0 8,3
8,0
6,8 6,9
7,0
6,0
5,0 4,1 3,9 3,8
4,0
3,0 2,5
1,6 1,8 1,8
2,0 1,0 0,9 1,1 1,3 1,1
0,5 0,4
1,0 0,0 0,2 0,2
0,0
-1,0

Fonte: Elaboração própria.

Diante das particularidades na aplicação da regra fiscal brasileira, conforme


destacado nas seções anteriores, o país vem formalmente cumprindo a regra por meio da
contabilização de receitas financeiras do Banco Central (incluindo a remuneração da Conta
Única) e do BNDES. No caso do Banco Central, esses fluxos de recursos originam-se
principalmente na valorização das reservas internacionais, em reais, decorrente da
depreciação cambial. No caso do BNDES, trata-se de devoluções dos créditos concedidos
pelo Tesouro entre 2008 e 2014. Como estas receitas financeiras reduzem a necessidade de
realização de operações de crédito, facilitam o cumprimento da regra.

Outro fator que aparta a Regra de Ouro brasileira de sua versão clássica é a
contabilização de inversões financeiras junto dos investimentos, incluídas nas chamadas
despesas de capital. Também a correção monetária da dívida (resultado da aplicação do IGP-
M sobre o estoque de endividamento) é contabilizada como despesa de capital. Isto é, numa
situação-limite, caso houvesse um pico inflacionário, a correção da dívida seria maior e isso
permitiria um aumento das operações de crédito, sem que tivesse ocorrido qualquer
elevação de investimento.

Discutiremos, a seguir, algumas questões de definição e cálculo dos juros


reais e da atualização monetária (tópico IV.2.1); apresentaremos o método de simulação
(IV.2.2) e, finalmente, os resultados obtidos a partir dos exercícios de simulação (IV.2.3).

IV.2.1 – Comentários sobre os juros reais e a atualização monetária


Abordaremos, aqui, questões relacionadas ao cálculo dos juros reais e da
atualização monetária, muito relevantes na aplicação da Regra de Ouro brasileira.

37
ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

Quando tomamos os dados da execução orçamentária, do SIAFI ou do SIGA-


Brasil31, encontramos discrepâncias muito significativas entre os juros reais coletados
nestes sistemas e os informados nas estatísticas fiscais abaixo-da-linha do Banco Central
(Tabela 2). As diferenças de metodologia – acima ou abaixo da linha – não são suficientes
para explicar a integralidade dessa questão.32 No caso do Banco Central, a planilha de
“Necessidades de Financiamento do Setor Público (NFSP) – Fontes e Usos” permite avaliar,
mensalmente, o valor dos juros reais e a atualização monetária da dívida. Comparando-se
essa série, em termos anuais, aos dados extraídos do SIGA-Brasil, temos a tabela 2.

No SIGA-Brasil, tanto os juros quanto a atualização monetária são calculados


pelo critério de caixa. Por exemplo, se uma Letra do Tesouro Nacional (LTN) for emitida
hoje, com prazo de vencimento em 2022, o valor da correção monetária será acumulado
entre 2018 e 2022 e afetará as estatísticas apenas na ocasião da data do vencimento. No
critério do Banco Central, os juros devidos e a atualização monetária são apurados
anualmente, por competência.

Em períodos de inflação e juros relativamente estáveis, essas discrepâncias


são menores. Já em períodos de variações importantes na inflação, na taxa Selic e também
de acordo com o tipo de papel (e prazo médio) emitido pelo Tesouro, as diferenças tendem
a ser maiores. Em 2017, por exemplo, enquanto as estatísticas abaixo-da-linha registraram
atualização monetária negativa, de R$ 1,4 bilhão, o SIGA-Brasil indicava um valor positivo
de R$ 138,6 bilhões. Vale notar que o IGP-M registrou desempenho pontualmente negativo
em 2017.

Tabela 2 – Diferentes Medidas para os Juros Reais e Atualização Monetária da Dívida

SIAFI/SIGA-Brasil Banco Central do Brasil


Atualização Atualização
Juros Reais Juros Reais
Monetária Monetária
2010 53,5 122,4 98,6 36,4
2011 68,3 131,1 45,7 147,3
2012 75,9 135,1 77,4 91,4
2013 94,5 141,7 55,1 156,4
2014 120,4 170,6 42,3 225,1
2015 117,2 208,4 127,7 292,6
2016 151,2 205,0 104,5 209,6
2017 138,6 203,2 -1,4 377,6
Média no período 102,5 164,7 68,7 192,0
Fonte: SIGA-Brasil e Banco Central do Brasil. Elaboração – IFI.

31
O SIAFI é o sistema de dados do governo onde estão registradas todas as informações sobre a execução orçamentária; o SIGA-
Brasil, do Senado Federal, reproduz esse sistema, em plataforma mais acessível e com lógica própria.
32
O método acima da linha apura o resultado fiscal a partir das receitas e despesas; enquanto o abaixo da linha corresponde ao
método de apuração do resultado fiscal a partir da variação do endividamento líquido.

38
ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

É importante frisar que o dado de juros (nominais ou reais) não é


comparável diretamente aos números comumente analisados na imprensa e pelos analistas,
cuja fonte são as estatísticas fiscais divulgadas pelo Banco Central, pelas razões já
supracitadas. A base de referência, como já dito, é o SIAFI ou o SIGA-Brasil.

IV.2.2 – Metodologia empregada nos exercícios de simulação da Regra de Ouro


Os exercícios de simulação ora propostas foram feitos da seguinte forma:
estimação do Lado Esquerdo da Regra de Ouro e estimação do Lado Direito da Regra de
Ouro, considerados os pontos levantados no tópico IV.1.1.

O Lado Esquerdo da regra (i.e, os fatores que estão por trás das operações
de crédito) é composto pelos juros reais (apurados no critério SIAFI) e pelo déficit primário
do Governo Federal. Desses dois componentes são subtraídas as principais receitas
financeiras: resultado do Banco Central; devoluções de recursos pelo BNDES; remuneração
da Conta Única; e juros e parcela da dívida dos Estados e Municípios pagos à União. Do Lado
Direito, estão as despesas de capital: investimentos e inversões financeiras. A insuficiência
e/ou excesso resultam da diferença entre o Lado Direito e o Lado Esquerdo. Valores
negativos indicam insuficiência de recursos para cumprimento da Regra de Ouro. Valores
positivos, excesso.

Começando pelo Lado Esquerdo, discutiremos as simulações para os juros


reais. Para fins de simulação da Regra de Ouro, é preciso calcular o dado do SIGA-Brasil, que
carrega as peculiaridades já mencionadas em IV.1.1. Projetamos os juros nominais, a partir
da Selic média anual e da dívida pública federal, incluída toda a carteira de títulos sob
responsabilidade do Banco Central (operações compromissadas somadas aos títulos livres).
Em seguida, calculamos a atualização monetária, chegando ao cálculo apresentado na
Tabela 3 para os juros reais. A atualização monetária tomou por base a evolução do IGP-M.

Especificamente para 2018 e 2019, apuramos os juros nominais, a correção


monetária e os juros da seguinte forma: a partir do cronograma de vencimentos da dívida
pública disponibilizado pelo Tesouro, no Relatório Mensal da Dívida Pública, obtivemos os
valores dos títulos vincendos por tipo de indexador e aplicamos sobre eles, por um prazo de
3 a 6 anos (de acordo com o prazo médio das emissões de cada tipo de papel), a correção
pelo IGP-M e a taxa de juros dada pelo custo médio de emissão de cada tipo de papel. Assim,
obtivemos os valores dos juros nominais e reais e da correção monetária.33

Quanto aos outros componentes do Lado Esquerdo e do Lado Direito da


Regra de Ouro, projetamos cada um deles a partir das relações conhecidas com os
parâmetros macroeconômicos, cuja fonte é o próprio cenário base da IFI34.

Particularmente, o déficit primário é decorrente de processo próprio de


estimação, a partir de todas as despesas obrigatórias e discricionárias e da abertura das
receitas primárias. Trata-se da variável analisada mensalmente pela IFI em seu Relatório de

33 Ver o cronograma aqui - http://www.tesouro.fazenda.gov.br/relatorio-mensal-da-divida. Para 2018, como o SIAFI e o SIGA já


disponibilizam o valor dos juros pagos até março, o método explicado neste parágrafo foi utilizado para o período abril a
dezembro de 2018.
34 Para acessar os dados atualizados do cenário base da IFI, veja o Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) de fevereiro de 2018

– http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/538087/RAF_13_2018.pdf
39
ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

Acompanhamento Fiscal (RAF). Para as devoluções do BNDES, assumimos premissa igual a


R$ 30 bilhões ou a R$ 130 bilhões, em 2018 e a R$ 15 bilhões para 2019. No caso do
pagamento de juros pelos governos subnacionais, tomamos por base a evolução recente,
considerando valor de R$ 18 bilhões para 2018 e R$ 39,6 bilhões para 2019. Quanto à Conta
Única, projetamos sua evolução tendo como referência o valor que representa em relação
ao PIB, relativamente estável, nos últimos anos, fixando então este percentual para simular
o valor nominal em 2019. A variação da projeção da Conta Única permite aferir a
remuneração da Conta Única. Em 2018, a remuneração da Conta Única decorre da aplicação
da Selic média sobre o estoque da Conta Única.

Já para o Resultado do Banco Central tomamos o cuidado de considerar seus


dois componentes: resultado cambial e resultado operacional. Para o primeiro, a partir das
projeções da IFI para a taxa de câmbio, calculamos os valores das reservas internacionais e
dos swaps cambiais, em reais. O estoque das reservas avança apenas em função de sua taxa
de remuneração (considerada em 1%) e do estoque de swaps cambiais, que foi mantido
constante em reais. A partir dessas duas estimativas – reservas e swap – calculamos o lucro
cambial em reais do BC. Já o lucro operacional foi arbitrado em R$ 26,4 bilhões, média
histórica recente em torno do qual tem orbitado o resultado operacional. Como se trata de
série relativamente estável, a premissa de fixar um valor no tempo parece pouco
problemática. Para 2019, o resultado do Bacen será de R$ 64,6 bilhões, conforme nossa
simulação. Em 2018, fomos conservadores e assumimos o valor de R$ 46,5 bilhões para o
resultado do Bacen, conforme consta na Lei Orçamentária Anual (LOA) e no SIAFI, e não a
estimativa a partir do método exposto, que resultaria em valor superior ao da LOA.

IV.2.3 – Resultados das simulações propostas para a Regra de Ouro


As conclusões do exercício feito pela IFI indicam que a Regra de Ouro será
descumprida, em 2018, mesmo no cenário de devolução plena dos recursos financeiros pelo
BNDES, sendo a insuficiência estimada pela IFI em R$ 68,7 bilhões. Para 2019, nossas
simulações também sugerem uma insuficiência, que seria da ordem de R$ 98,8 bilhões. As
alternativas indicadas na subseção IV.1 poderão ser utilizadas, a depender do
posicionamento do Tribunal de Contas da União (TCU), conforme condição reconhecida e
reportada pelo próprio Tesouro Nacional em suas apresentações. Finalmente,
apresentaremos as simulações também para o médio prazo, que apontam descumprimento
da Regra de Ouro por seis anos consecutivos, até 2024.

A Tabela 3 traz o detalhamento dos resultados das simulações propostas


pela IFI, para 2018 e 2019, comparando-se os cálculos da IFI aos apresentados pela STN na
apresentação mensal do Resultado do Tesouro Nacional e em outras fontes35. A Tabela 3 é
composta de cinco colunas com valores simulados: quatro colunas referentes à IFI e uma
referente ao Tesouro. As colunas “IFI” trazem valores estimados pela Instituição para cada
ano, consideradas as especificidades expostas nos comentários no rodapé da Tabela 3. A

35Veja aqui a apresentação do Resultado do Tesouro Nacional (RTN), de fevereiro de 2018, onde constam informações utilizadas
pela IFI para confecção da Tabela 3 - http://www.tesouro.fazenda.gov.br/web/stn/-/historico-resultado-do-tesouro-nacional
Veja aqui a apresentação da Coordenadoria da Dívida Pública Federal do Tesouro Nacional no 1º Seminário Internacional da Dívida
Pública, de onde extraímos parte das informações para a confecção da Tabela 3 –
http://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2431:9:0::NO:RP,2:P9_ID_EVENTO,P9_IN_AMBIENTE_PUBLICACAO,P9_ID_UNIDADE:610,2
,10&cs=19F2754C0E2BFE2B032330BC7A37735DD
40
ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

coluna “Tesouro” é uma estimativa feita pela IFI para o que seria o cálculo da Regra de Ouro
à luz dos dados disponíveis, isto é, não se trata de dado divulgado pela STN.

Tabela 3. Estimativas de insuficiência de recursos para cumprimento da Regra de


Ouro nos anos 2018 e 2019.
IFI TESOURO IFI

2017* 2018** 2018*** 2018**** 2019

A. Juros Reais 203,2 281,4 281,4 263,5 254,5


B. Déficit Primário 119,4 148,3 148,3 159,0 140,9
C. Devoluções do BNDES 154,1 30,0 130,0 30,0 15,0
D. Pagamento de juros e parcela da dívida pelos 17,6 18,0 18,0 35,6 39,6
Estados e Municípios
E. Remuneração da Conta Única 93,6 66,6 66,6 79,0 73,8
F. Resultado do Bacen 54,2 46,5 46,5 14,7 64,6
G (= A + B - C - D - E - F). Lado Esquerdo da Regra de 3,0 268,6 168,6 263,2 202,5
Ouro
H. Investimentos 45,1 32,9 32,9 32,9 34,1
I. Inversões 70,9 67,0 67,0 67,0 69,5
J (= H + I). Lado Direito da Regra de Ouro 115,9 99,9 99,9 99,9 103,7
K (= J - G). Insuficiência (valores negativos indicam 112,9 -168,7 -68,7 -163,3 -98,8
insuficiência)
* Dados realizados com cálculo da Regra de Ouro feito pela IFI. **Simulações da IFI considerando-se devolução de R$ 30 bi pelo
BNDES. *** Simulações da IFI considerando-se devolução de R$ 130 bi pelo BNDES. **** Dados coletados em apresentações do
Tesouro Nacional, conforme fontes indicadas no rodapé nº 14, e no Relatório de Avaliação Bimestral do Orçamento (1º
bimestre/2018).

Em 2018, as contas da IFI indicam uma insuficiência (valores positivos na


linha K da Tabela 3) de R$ 168,7 bilhões, quando considerada devolução de recursos, pelo
BNDES, de apenas R$ 30 bilhões. Quando incorporada a devolução total (R$ 130 bilhões)
que o governo pretende obter do banco, a linha K da Tabela 3 passa a ficar negativa em R$
68,7 bilhões, indicando descumprimento da Regra de Ouro, mas em valor mais contido do
que o sustentado pela STN.

As estimativas oficialmente divulgadas pela STN apontam uma insuficiência


de R$ 203,4 bilhões, para 2018, conforme Resultado do Tesouro Nacional de fevereiro de
2018, e considerando devolução de apenas R$ 30 bilhões pelo BNDES, de acordo com
relatório publicado pelo órgão.36 Na Tabela 3, como se pode ver, apontamos um número
menor, indicado na coluna “Tesouro”, da ordem de R$ 163,3,0 bilhões. Isso ocorre porque
optamos pelo esforço de realizar a estimativa indireta também para a coluna “Tesouro”,
partindo de informações disponibilizadas pela própria STN. Neste caso, se considerássemos
os R$ 100 bilhões adicionais, a estimativa da IFI para a conta “Tesouro” ficaria em R$ 63,3
bilhões, muito próxima da insuficiência calculada pela IFI, de R$ 68,7 bilhões.

A coluna Tesouro é composta de algumas informações obtidas em


apresentação do Tesouro do ano passado, mencionada no rodapé nº14; no último Relatório

36O Tesouro, inicialmente, simulou uma insuficiência de R$ 184,3 bilhões, conforme apresentação realizada no 1º Seminário
Internacional da Dívida Pública, organizado pelo próprio órgão (ver links no rodapé nº 14). Em seguida, no Resultado do
Tesouro Nacional de dezembro de 2017, apontou insuficiência de R$ 208,6 bilhões. Finalmente, em fevereiro, soltou o
número mais atualizado, de R$ 203,4 bilhões, mas considerando apenas R$ 30 bilhões em devoluções do BNDES.

41
ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

de Avaliação Bimestral do Orçamento37; e na apresentação do Resultado do Tesouro


Nacional de fevereiro de 2018. Por exemplo, no cálculo mais recente, o Tesouro afirmou
considerar devolução de R$ 30 bilhões pelo BNDES à União neste ano. Também apontou
reduções nas estimativas dos valores de investimentos e inversões financeiras. São R$ 32,9
bilhões em investimentos e R$ 67 bilhões em inversões financeiras. Já os juros reais
considerados no cálculo mais recente não foram informados. Assim, optamos por
considerar o valor apontado na apresentação mais antiga, da ordem de R$ 263,5 bilhões, na
coluna “Tesouro” da Tabela 3, valor inferior ao projetado pela IFI (R$ 281,4 bilhões).
Finalmente, para os pagamentos feitos por Estados e Municípios, consideramos também o
valor antigo, da ordem de R$ 35,6 bilhões, na coluna “Tesouro”. Essas são as razões pelas
quais o número indicado na coluna “Tesouro”, na Tabela 3, não é igual ao informado pelo
próprio órgão na apresentação do Resultado do Tesouro Nacional de fevereiro.

Apesar dos meritórios avanços promovidos pela Secretaria do Tesouro


Nacional, com ganhos importantes para a transparência, as informações sobre a Regra de
Ouro ainda guardam algumas complexidades para sua estimação. Essa é uma das razões
pelas quais os exercícios de simulação feitos pela IFI podem conter imprecisões, sobretudo
em razão da dubiedade e distinções de ordem metodológica para reprodução do cálculo
oficial da Regra de Ouro. Registre-se que o Relatório Resumido de Execução Orçamentária
(RREO), em tabela específica, apresenta o cálculo direto da Regra de Ouro, mostrando o
valor agregado considerado para as “Receitas de Operações de Crédito”, mas não a sua
composição ou forma de cálculo.38 Para uma análise econômica detalhada dos fatores
condicionantes da regra, os dados desagregados se fazem necessários. É o que se costuma
denominar de “cálculo indireto da Regra de Ouro”.

Passando, agora, à simulação da Regra de Ouro para período mais longo, é


possível identificar importante insuficiência para os próximos 6 anos, até 2024 (gráfico 7).

37
Relatório de Avaliação Bimestral do Orçamento (1º bimestre) – http://www.planejamento.gov.br/assuntos/orcamento-
1/informacoes-orcamentarias/relatorios-de-avaliacao-fiscal
38
O acesso à tabela referida para 2017 pode ser feito no link abaixo:
http://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/352657/RREOdez2017.pdf

42
ESTUDO ESPECIAL Nº 5
ABRIL DE 2018

Gráfico 7. Evolução da Regra de Ouro de 2010 a 2025, conforme exercícios de


simulação feitos pela IFI (R$ bilhões correntes)

Insuficiência (-)/Excesso (+) na Regra de Ouro (R$ bilhões)


150,0

112,9
A Regra de Ouro, segundo exercícios
100,0 85,8 de simulação da IFI, poderá ser
72,9 descumprida por sete anos, entre
2018 e 2024.
50,0 39,3 34,2

-
-0,7

-50,0 -35,0

-68,6 -67,8
-100,0 -90,5
-98,8
-115,0
-150,0
2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025

Fonte: Banco Central do Brasil, Secretaria do Tesouro Nacional. Elaboração – IFI.

V – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este Estudo Especial apresentou um balanço sobre a experiência brasileira
com a Regra de Ouro e apontou desafios para evitar seu descumprimento nos próximos
anos. Inicialmente, apresentamos a lógica que está por trás da configuração básica da Regra
de Ouro, juntamente com um conjunto de argumentos contrários e favoráveis à sua adoção
presentes na literatura especializada. Em seguida, procuramos destacar duas
especificidades que fazem com que a experiência brasileira com a Regra de Ouro seja
distinta da configuração básica consagrada na literatura de finanças públicas.

De maneira mais precisa, mostramos que a regra brasileira utiliza definição


muito abrangente para as despesas de capital, o que abre espaço para que seu cumprimento
ocorra mesmo quando o fluxo de operações de crédito cresce bastante acima dos
investimentos públicos. Para tanto, basta que esta diferença seja compensada pelas demais
categorias contabilizadas entre as despesas de capital, como por exemplo as despesas
financeiras. Além disto, mostramos que a regra brasileira não exige necessariamente
equilíbrio do orçamento corrente. Sua restrição deve ser mais apropriadamente
interpretada como um teto para o déficit corrente que depende diretamente do volume de
receitas e despesas financeiras do governo federal. Por sua vez, estas receitas e despesas
financeiras alcançaram volumes expressivos com o passar dos anos, de modo que a

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restrição imposta pela Regra de Ouro sobre o teto de déficit corrente acabou tornando-se
muito flexível.

São justamente estas duas peculiaridades da Regra de Ouro brasileira que


viabilizam sua convivência com investimentos públicos deprimidos, elevados déficits
correntes e crescente endividamento. Tais peculiaridades permitem inclusive que a
aplicação da regra, no Brasil, se distancie dos dois princípios básicos preconizados pela
configuração clássica da Regra da Ouro, a saber: a viabilização da execução dos
investimentos que beneficiam as gerações futuras e o controle rígido sobre o orçamento
corrente.

Esta perspectiva foi reforçada pela análise dos fatores condicionantes da


margem de cumprimento da Regra de Ouro de 2005 a 2017, na qual destacamos a
importância das receitas e despesas financeiras. Nossos cálculos alternativos indicam que,
após serem excluídas as contribuições destas receitas e despesas financeiras, a margem
teria sido negativa em todos os anos deste período (sobretudo a partir de 2014, quando o
quadro fiscal passou a combinar déficits primários com um maior volume de despesas de
juros). Mais ainda, um exercício de simulação apresentado neste Estudo Especial sugere
que, mesmo contando com as fontes usuais de receitas financeiras, pode haver insuficiência
de recursos para cumprimento da Regra de Ouro em todos os anos de 2018 até 2024. De
outra forma, não somente o cumprimento da Regra de Ouro vem dependendo fortemente
das receitas e despesas financeiras como o cenário mais factível é que esta situação se
perpetue pelos próximos anos.

Este quadro impõe um conjunto de desafios que podem ser subdivididos


entre aqueles de curto prazo e os de caráter mais estrutural. Os desafios de curto prazo
estão relacionados aos obstáculos legais e operacionais para o governo dar prosseguimento
a um conjunto de medidas, já em curso no ano de 2018, para ampliar suas disponibilidades
de caixa não vinculadas (via cancelamento de restos a pagar ou desvinculação de fontes
recursos) e também para contar com fontes de fundos públicos que seriam extintos (FND e
FSB). A motivação básica desta estratégia é recorrer a recursos previamente acumulados
para financiar uma parte do déficit público e assim reduzir pressões sobre as operações de
crédito.

Porém, este tipo de estratégia emergencial não equaciona os obstáculos mais


estruturais. Conforme argumentamos, quando o governo federal deixa de financiar
integralmente seus déficits via emissão de dívida, ele também provoca um aumento de
liquidez na economia. Tudo mais constante, o excesso de liquidez tende a ser enxugado por
meio das operações compromissadas através das quais o Banco Central vende títulos do
Tesouro Nacional que estão na sua carteira com compromisso de recomprá-los em prazo
determinado. Ou seja, o Tesouro Nacional deixa de realizar operações de crédito para
financiar todo o seu déficit e o Banco Central compensa essa diferença colocando mais
títulos do Tesouro no mercado. Isto facilita o cumprimento formal da Regra de Ouro porque
as operações compromissadas não são consideradas na sua aferição, mas não modifica a
efetiva posição fiscal do governo uma vez que tanto o déficit público quanto a dívida pública
consolidada permanecem inalterados.

Os desafios estruturais estão justamente relacionados ao equacionamento


do elevado déficit corrente do governo federal que, segundo cálculos mais aderentes ao
conceito internacionalmente aceito, aproximou-se de 6,9% do PIB, em 2017. Isto se deve à
combinação de um déficit nominal de 7,7% do PIB (subdividido entre déficit primário de
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1,8% e juros de 5,9% do PIB) com um volume muito inferior de despesas primárias de
capital da ordem de 0,8% do PIB (entre investimentos de 0,7% e demais despesas de 0,1%
do PIB). Para os próximos anos, o cenário básico da IFI, considerado o mais provável, projeta
consolidação fiscal apenas gradual, com convergência para um déficit nominal de 3% do PIB
somente em 2030.39 Isto sugere que o déficit corrente deve se manter nas próximas décadas
(a não ser sob uma hipótese pouco crível de crescimento muito intenso dos investimentos).
Depreende-se, portanto, que, caso se deseje promover eventuais alterações no arcabouço
institucional da Regra de Ouro brasileira no sentido de aproximá-la de sua configuração
clássica, será necessário um ajuste bastante intenso para equilibrar o orçamento corrente e
de difícil operacionalização no curto prazo.

Em contraposição, na ausência de alterações no arcabouço institucional da


regra fiscal, os próximos governos continuarão dependentes de estratégias de curto prazo,
a exemplo das discutidas neste trabalho. Nesse cenário, há duas questões em perspectiva: a
primeira relacionada à expectativa de perda de credibilidade da atual regra fiscal (na
medida em que permite a convivência com déficits correntes, contrários aos seus propósitos
originários); e, a segunda, no cenário em que se esgotassem as soluções de curto prazo, os
governos estariam sujeitos a incorrer em crime de responsabilidade fiscal, ao
descumprirem a Regra de Ouro.

Finalmente, cabe reiterar que a Resolução nº 42, de 2016, do Senado Federal,


que cria a Instituição Fiscal Independente, não prevê, dentre as funções da IFI, que dê
recomendações de política econômica. Por isso, reservamo-nos, aqui, a comentar os dilemas
e particularidades da Regra de Ouro brasileira. Em cenário de eventual aprimoramento, o
norte das mudanças deveria ser a harmonia e a consistência da Regra de Ouro com o
conjunto de regras fiscais em vigor no país e com os próprios objetivos essenciais de uma
regra como esta. Adicionalmente, compreendemos a importância da Regra de Ouro no atual
arcabouço institucional das finanças públicas no Brasil, uma vez que é a única regra a
atentar para a qualidade do gasto público e dar atenção especial ao investimento.

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Discussion Paper, n. 3692).

39
Estas projeções são publicadas periodicamente nos Relatórios de Acompanhamento Fiscal da IFI. Ver:
http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/538087/RAF_13_2018.pdf.
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