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Silêncio.

Seus ouvidos pareciam terem se fechado para qualquer barulho, mas ainda assim os
olhos teimavam em abrir uma fresta para investigar o que estava acontecendo ao redor. De
vez enquanto Ele os abria e fechava, ardiam como se estivessem cheios de areia. Uma dor
cortou-lhe o peito e se espalhou como água entre as costelas expostas, com uma rápida
olhada percebeu que estava sendo submetido a uma cirurgia, já que alguém com vestes de
médico e luvas ensanguentadas mexia e despejava resíduos em sua vísceras.

– Poupe-me da dor… – Implorou num último esforço e deitou a cabeça, desacordado.

Quando finalmente voltou à consciência, viu-se amarrado numa cama com lençóis manchados
de seu próprio sangue. Seus olhos não ardiam mais, mas se sentia estranho, não parecia mais
o mesmo, não sentia mais dor nas saturações e tudo parecia ter ficado cinza. Ele se levantou
arrebentando as tiras de couro presas nos punhos e olhou para os lados, vendo estranhas
ferramentas cirúrgicas que mais pareciam equipamentos de serralheria, todas com sinais de
uso. Do lado de fora da janela caía uma verdadeira tempestade, relâmpagos iluminavam o
cômodo momentaneamente, permitindo que e Ele localizasse uma porta sem maçaneta.
Andou sobre os pisos imundos e tentou chamar por alguém, mas ao abrir a boca percebeu que
não tinha mais voz, e a única coisa que suas cordas vocais emitiam era um urro agonizante. Foi
até a janela e buscou alguma maneira de sair por ela, mas era muito alta, pois estava no topo
de um farol à beira de um penhasco. Ele olhou para o horizonte e viu um céu cinzento tomado
por nuvens negras despejando sua fúria num mar agitado, que por sua vez golpeava os
rochedos do litoral. Mais uma vez Ele urrou, e o som de sua voz amaldiçoada perdeu-se em
meio a raios e trovões.

Desesperado, golpeou a porta velha que o mantinha confinado e, para sua surpresa, ela se
desfez num monte de lascas e farelo de cupim. No cômodo adiante ele escutou música vinda
de uma vitrola, aparelho de luxo para época, e ao lado, sentado numa cadeira e com um
charuto na boca estava o Doutor, que fixou seus olhos lacrimejantes no brutamonte que saíra
da sala de cirurgia. Levantou, lançou o charuto para longe e se ajoelhou perante Ele.

– Ó Deus! Ó Grande Criador! Até onde vão os doentios desejos do homem? Perdoe-me,
perdoe-me! Agora percebo que nada pode ser criado senão pelas mãos divinas do Senhor!

O Doutor caiu choramingando, e Ele, o golem, permaneceu imóvel por algum tempo, até que,
aos poucos, sua mente fora invadida por uma súbita vontade, uma vontade que percorria seus
braços, suas pernas, e o seu peito sem coração. A vontade de matar. Suas mãos agarraram o
sujeito violentamente e sem muito esforço o dividiu em dois, fazendo um estalo quando lhe
partiu a coluna vertebral, inundando o chão com órgãos e uma enxurrada de sangue. Ele
seguiu para o fim da sala e desceu as escadas de madeira até chegar ao térreo, onde esmagou
o cadeado da porta de entrada e seguiu para fora do farol.

Dias se passaram e a mente corrompida Dele aos poucos fora sendo dominada por aquela
mesma vontade que o controlou na noite de seu despertar. E no fim, ele nem mesmo sabia
que um dia havia sido humano.

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