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Direito do Consumidor
Landolfo Andrade
Aula 01
ROTEIRO DE AULA
1. Noções Introdutórias
O Direito do consumidor surgiu em um contexto histórico e político pós-revolução industrial
em que houve a massificação da produção de bens e do consumo. Surge, então, a sociedade de
consumo em massa, levada por técnicas eficientes de marketing a consumir de modo impulsivo
e sem reflexão. O direito privado tradicional se mostra ineficaz para tutelar os agentes
econômicos vulneráveis, os seja, os consumidores.
Em 1972, a Conferência de Estocolmo tratou do Direito do Consumidor. A Resolução 39.248
do Fórum da ONU é diretriz para as legislações consumeristas de diversos países.
* Discurso do Presidente John Kennedy
1.2. Definição: Direito do Consumidor é o conjunto de normas e princípios que regula a tutela
de um sujeito especial de direitos, a saber, o consumidor, como agente privado vulnerável, nas
suas relações frente a fornecedores.
O Brasil adotou a terminologia “Direito do consumidor”, que tem foco no consumidor,
diferentemente da França, por exemplo, que denomina “Direito do Consumo”, e foca na
relação de consumo.
2. Fundamento Constitucional
2.1. Direito Fundamental
O Direito do Consumidor está arrolado entre os Direitos fundamentais no art. 5º da CF:
“Art. 5º, (...) - XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;”
ADCT
“Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição,
elaborará Código de Defesa do Consumidor.”
Os efeitos desse status de direito fundamental são:
• A proteção como parte do núcleo imodificável da CF (clausula pétrea). Não se admite
proposta de EC tendente a abolir esse grupo de direitos;
• Eficácia horizontal (direta e indireta) do direito fundamental. O Estado deve garantir que os
fornecedores respeitem também o direito fundamental. Direta porque, para defender o direito
do consumidor, o operador do direito pode valer-se diretamente do texto constitucional. A
eficácia horizontal indireta ocorre quando o operador do direito se vale de uma norma
infraconstitucional que concretiza o direito fundamental;
• Garantia constitucional desse novo ramo do direito (força normativa da Constituição): as
normas constitucionais vinculam os demais ramos do direito. Nenhuma lei setorial pode
desrespeitar a normatividade do CDC, pois ele está lastreado na força normativa da
Constituição, que garante a eficácia da normatividade consumerista.
Aula 1.2
3. Características
Nosso CDC teve como principal influência o Código de consumo francês. Em matéria de
responsabilidade por acidente de consumo, houve influencia das normativas do direito
comunitário europeu, dentre outras influências. Foi uma norma extremamente revolucionária
e hoje serve de modelo a outros países da América Latina.
O CDC inaugurou um microssistema jurídico, pois trouxe princípios gerais que devem
orientar a aplicação das normas consumeristas em todas as relações jurídicas de consumo. Ele
instituiu uma base principiológica sólida que confere coesão ao sistema, sem ter a preocupação
de exaurir o sistema.
Outra característica do CDC é que ele trouxe normas multidisciplinares (civil, processual,
penal, etc.).
3.1. Normas de ordem pública e interesse social
Trazem consigo valores fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro, que transcendem o
interesse das partes e prevalecem sobre estes, além disso, são normas de interesse social.
CDC
“Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem
pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição
Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.”
As normas consumeristas, para corrente minoritária (integrada pela Prof. Cláudia Lima
Marques), retroagem para alcançar relações jurídicas iniciadas antes da entrada em vigor do
mesmo.
Não é esse o entendimento que prevalece para o STJ. De acordo com a regra geral de aplicação
das leis no tempo, as normas podem retroagir desde que haja expressa previsão legal nesse
sentido (o CDC não prevê sua aplicação retroativa), e respeitando o direito adquirido, a coisa
julgada e o ato jurídico perfeito.
ATENÇÃO: Por muito tempo o STJ seguiu o entendimento de que, sendo normas de ordem
pública, o juiz poderia reconhecer de ofício qualquer prática abusiva contra o consumidor (é o
que a doutrina majoritária reconhece). Hoje o entendimento que prevalece é de que o juiz deve
ser provocado.
Súmula 381 do STJ: “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da
abusividade das cláusulas”.
“Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das
necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de
seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e
harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;
II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:
a) por iniciativa direta;
b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas;
c) pela presença do Estado no mercado de consumo;
d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança,
durabilidade e desempenho.
III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização
da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de
modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da
Constituição Federal), sempre com base na boafé e equilíbrio nas relações entre consumidores e
fornecedores;
IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e
deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;
V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e
segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de
conflitos de consumo;
VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo,
inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das
marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos
consumidores;
VII - racionalização e melhoria dos serviços públicos;
VIII - estudo constante das modificações do mercado de consumo.”
d) Diálogo das fontes: duas ou mais normas se aplicam ao mesmo tempo para a mesma situação
fática.
Os campos de aplicação dessas normas são convergentes.
LINDB
“Art. 2º. Não se destinando a aplicação temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique
ou revogue.”
“A Emenda Constitucional 40, na medida em que conferiu maior vagueza à disciplina
constitucional do sistema financeiro (dando nova redação ao art. 192), tornou ainda maior esse
campo que a professora Claudia Lima Marques denominou “diálogo entre fontes” – no caso,
entre a lei ordinária (que disciplina as relações consumeristas) e as leis complementares (que
disciplinam o sistema financeiro nacional). (STF, ADI 2.591/DF).
Aula 1.3
5. Princípios
- Escola Jusnaturalista (séc. XVI): os princípios não tinham força de norma, apenas seriam
aplicados de forma complementar, para preencher eventuais lacunas. Eram extraídos do direito
natural.
- Escola Positivista (século XIX): Os princípios encontravam-se já expressa ou implicitamente
no ordenamento jurídico, mas ainda não tem força de norma e são utilizados apenas em
caráter suplementar.
- Escola Pós-positivista (segunda metade do séc. XX): princípios são positivados em normas
constitucionais, tem força normativa, vinculando os operadores do direito. Deixam de ser fonte
complementar e passam a ser fonte imediata. Se diferem das normas quanto à forma, pois
trazem um enunciado mais genérico, e quanto ao conteúdo, pois carregam os valores
fundamentais do ordenamento jurídico.
CDC
“Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das
necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de
seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e
harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
(...)
III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização
da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de
modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da
Constituição Federal), sempre com base na boafé e equilíbrio nas relações entre consumidores
e fornecedores;”
CC
“Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar
de sua celebração.”
“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons
costumes.”
“Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em
sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”
• Funções da boa-fé:
a) Função interpretativa ou critério hermenêutico (CC, art. 113 e CDC, art. 4º, III):
Quando houver, por exemplo, cláusulas contratuais de interpretação dúbia, a interpretação
deve ser orientada de acordo com a boa-fé objetiva.
“Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das
necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de
seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e
harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização
da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de
modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição
Federal), sempre com base na boafé e equilíbrio nas relações entre consumidores e
fornecedores;”
5.4. Princípio da defesa do consumidor pelo Estado (CDC, art. 4º, II)
Traduz a ideia de que o Estado deve intervir nas relações de consumo para defender os
interesses dos consumidores.
“Art. 4º (...)
II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:
a) por iniciativa direta;
b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas;
c) pela presença do Estado no mercado de consumo;
d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança,
durabilidade e desempenho.”
“CDC
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das
necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de
seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e
harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:”
Aula 1.4
Jurisprudência: “A empresa que fornece estacionamento aos veículos de seus clientes responde
objetivamente pelos furtos, ocorridos no seu interior, uma vez que, em troca dos benefícios
financeiros indiretos decorrentes desse acréscimo de conforto aos consumidores, o
estabelecimento assume o dever de lealdade e segurança, como aplicação concreta do princípio
da confiança.” (STJ, AgInt no AREsp 844449/SP, 4ª T. rel. Min. Isabel Galotti, j. 06.09.2016).
CDC
“Art. 4º.
(...)
VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo,
inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das
marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos
consumidores;”
CDC
“Art. 4º
(...)
IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres,
com vistas à melhoria do mercado de consumo;”
g) Direito à “modificação” e “revisão” das clausulas contratuais (art. 6º, V): tem o objetivo de
assegurar o equilíbrio econômico dessa relação contratual.
O CDC inovou ao prever o dirigismo contratual, autorizando o Estado a intervir na economia
interna do contrato, quando se identificar um desequilíbrio econômico e financeiro na relação
contratual. O CC, influenciado pelo CDC, trouxe regras que também admitem a intervenção
do Estado na economia interna do contrato.
• Modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais:
Haverá modificação das cláusulas quando o desequilíbrio existe desde o nascimento do contrato.
Afetase
o sinalagma original do contrato.
Art. 51 do CDC aduz que cláusula contratual que coloque o consumidor em desvantagem exagerada
será
nula de pleno direito.
O consumidor poderá, portanto, solicitar a modificação da cláusula geradora das prestações
desproporcionais (com base no art. 6º, V, do CDC) ou a declaração de sua nulidade (art. 51 do
CDC).
• Revisão das cláusulas contratuais:
Pode ocorrer em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas. Afeta o
sinalagma funcional do contrato.
Não é necessário que o fato seja imprevisível. O CDC adotou a teoria da base objetiva do negocio
jurídico, que exige apenas que o fato seja superveniente.
Jurisprudência: “O preceito insculpido no inciso V do art. 6º do CDC dispensa a prova do caráter
imprevisível
do fato superveniente, bastando a demonstração objetiva da excessiva onerosidade advinda para o
consumidor.
A desvalorização da moeda nacional frente à moeda estrangeira que serviu de parâmetro ao reajuste
contratual,
por ocasião da crise cambial de janeiro de 1999, apresentou graus expressivo de oscilação, a ponto
de
caracterizar a onerosidade excessiva que impede o devedor de solver as obrigações pactuadas”
(STJ, REsp
361.694/RS).
h) Direito à efetiva prevenção e reparação dos danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos
e difusos (art. 6º, VI): o CDC adotou o princípio da reparação integral (restitutio in integrum) do
dano.
A exceção a esse princípio se dá quando o consumidor for pessoa jurídica e, em acordo com
fornecedor,
negociar, por exemplo, a diminuição do preço do produto em troca da desnecessidade de reparação
total do
dano que, eventualmente, venha a ocorrer. Deve se tratar de pessoa jurídica, e deve haver situação
justificada
para a limitação da indenização.
CDC
“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento
de produtos
e serviços que:
I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer
natureza dos
produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo
entre o
fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações
justificáveis;”
O dano moral é ofensa a direito da personalidade. A dor e o abalo psicológico que daí decorrem são
efeitos do
dano moral.
MARCIO LIMA DA CUNHA - 05308192790
h.1) Reparação do dano moral
Tem fundamento constitucional no art. 5º, V e X. A reparação do dano moral desempenha uma
dupla
função: (I) compensatória, visa compensar o consumidor pelo abalo em seu atributo personalíssimo;
(II)
punitiva.
(I) Compensatória: quando há uma ofensa a um direito personalíssimo, não se consegue valorar
monetariamente o dano, por isso o que ocorre é uma compensação.
(II) Punitiva: punir rigorosamente para evitar que o fornecedor seja dissuadido de atuar de forma
predatória, função educativa. Em algumas situações o inadimplemento contratual pode ocasionar
dano moral.
Há situações em que o dano moral é presumido, bastando a prova prática do ilícito (dano moral in
re
ipsa). Exemplo: inscrição indevida do nome do consumidor em lista de devedores do SPC.
Súmula 370 do STJ: “Caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado”.
Súmula 385 do STJ: “Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe
indenização por
dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento”.
Súmula 387 do STJ: “É licita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral”.
Súmula 388 do STJ: “A simples devolução indevida de cheque caracteriza dano moral”.
h.2) Reparação de dano moral coletivo
Parte da doutrina não admite a existência de dano moral coletivo. A doutrina majoritária, que é a
corrente adotada pelo STJ já admite a existência de dano moral coletivo (previsto no CDC, art. 6º,
VI; na CF; e
na lei da ação civil pública).
O STJ fixou os seguintes requisitos para reconhecer a ocorrência de dano moral coletivo: (I)
razoável
significância do fato transgressor; e (II) repulsa social.
1ª Turma: comercialização de leite com vício de qualidade (AgRg no REsp 1.283.434/GO);
2ª Turma: passe livre – idoso – transporte coletivo urbano gratuito (REsp 1.057.274/RS);
3ª Turma: caixa preferencial em segundo andar de agência (REsp 1.221.756/RJ);
4ª Turma: divulgação de publicidade ilícita de cigarros (REsp 1101949/DF).
i) Direito de acesso à justiça (art. 6º, VII): no sentido amplo, é direito ao acesso a um ordenamento
jurídico justo, assegurado, dentre outros: por meio da assistência jurídica, administrativa e técnica
aos
necessitados; foro privilegiado, que confere a possibilidade de o consumidor demandar em seu
domicílio; ações
coletivas, que tutelam interesses individuais homogêneos, ou coletivos propriamente ditos.
j) Direito à inversão do ônus da prova
l) Direito à prestação adequada e eficaz de serviços públicos: os serviços públicos que são
considerados objeto de relação de consumo, devem ser prestados com eficácia e adequação.
MARCIO LIMA DA CUNHA - 05308192790