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Figurações, poder, movimentos indígenas e Comitê Intertribal

Maria Beatriz Rocha Ferreira

CAPES/PNVS/UFGD

A analise sociológica de Norbert Elias fundamenta-se numa lógica


relacional, isto é as pessoas “através das suas disposições e inclinações básicas
são orientadas umas para as outras e unidas umas às outras nas mais diversas
maneiras. Elas constituem teias de interdependências ou figurações 1 de muitos
tipos, tais como famílias, escolas, cidades, estratos sociais ou estados”. Elias
(1999, p. 15). As figurações não são estáticas, passam por mudanças de ordens
diversas – algumas rápidas e efêmeras e outras mais lentas e profundas na
história da humanidade.

O autor enfatiza na sua teoria a complexidade das relações sociais e as


tensões de poder imbricadas nelas. O poder não está centrado e congelado nas
mesmas pessoas e/ou grupos/instituições como pode ser observado nas
diferentes sociedades. Ele se desloca à medida que ocorrem novas
informações, pressões externas e internas decorrentes do próprio processo de
mudanças sociais na história. Todos nós temos poder na sociedade, e a
natureza e extensão da área para decisões dependem da estrutura e da
constelação histórica da sociedade na qual nós moramos e agimos. (Elias,
1994).

1 Elias usa o termo configuração ou figuração na sua obra. Nos últimos textos publicaos, houve uma
tendência pela utilização de figuração. Num resumo dos princícios básicos da obra de Elias, Landini (2005)
traz elementos de entrevista realizada com Stephen Mennell, Eric Dunning e Johan Goudsblom e diz “o
ponto que incomodava Elias é que, no latim, o prefixo con significa exatamente “com”, ou seja, se figuração
(figuration) quer dizer padrão (em inglês, pattern), con-figuração (configuration) quereria dizer com padrão
(with pattern). Entretanto, como o objetivo do autor era entender o padrão em si, o prefixo con passou a ser
visto como redundante e ele passou a preferir o uso de figuração.

No texto usarei o termo figuração, a não ser quando for tradução integral de citações de Elias.
2

No livro Introdução à Sociologia, o autor diz “no seio das configurações


mutáveis – que constitui o próprio centro do processo de configuração – há um
equilibro flutuante e elástico, e um equilíbrio de poder, que se move para diante
e para trás, inclinando-se primeiro para um lado e depois para o outro. Este tipo
de equilíbrio flutuante é uma característica estrutural do fluxo de cada
configuração (Elias, 1999, p. 143), além do mais “o poder, tal como de um modo
geral as relações humanas, é pelo menos bipolar e, usualmente, multipolar”.
(Elias, 1999, p. 80).

A noção de figurações permite, simultaneamente, identificar os diversos


modos de inter-relações e ultrapassar as separações teóricas entre o indivíduo e
a sociedade. Estes princípios teóricos foram fundamentais para se
compreender as figurações, relações de poder entre o estado e os povos
indígenas e movimentos sociais que contribuíram para o surgimento do Comitê
Intertribal Memória e Ciência Indígena – organizador dos Jogos dos Povos
Indígenas ao longo da história indígena no Brazil. No texto são abordados de
maneira sucinta alguns temas, tais como visão etnocêntrica colonizadora,
influencia do estado/governo nas sociedades indígenas, movimentos em prol
aos indígenas e movimentos indígenas.

Visão etnocêntrica

O processo colonizador com ideias etnocêntricas euro-centradas, a


formação do estado nacional e os programas de introdução dos indígenas na
formação do estado praticamente não reconheceram as diversidades dos povos
que aqui habitavam e, portanto, tiveram profundos impactos nas estruturas das
sociedades indígenas. Na literatura, o índio e especialmente as mulheres têm
um papel quase que imperceptível como protagonista na história do país.

As riquezas das diversidades lúdica, dos rituais, das atividades diárias,


dos jogos e das brincadeiras foram pouco compreendidas e muitas vezes
condenadas ao esquecimento no processo colonizador. O etnocentrismo
europeu corroborou para o silêncio e/ou esquecimento dos rituais e jogos, por
3

serem considerados demoníacos ou incivilizados. As informações relatadas dos


primeiros registros das práticas corporais indígenas realizados pelos
missionários, cronistas e viajantes, geralmente europeus (século XVI – XIX)
são, muitas vezes, breves descrições dos hábitos e costumes de um povo,
mesmo assim mostram a exuberância da cultura, descrevem especialmente o
modo de ser e as pinturas corporais como a veem. A inferência do ethos cristão,
numa visão eurocêntrica entremeia essas descrições, apontando os indígenas
como desprovidos de valores morais condizentes com a sociedade europeia.
Por conseguinte, as perdas de informações dos antepassados e mesmo a
descontinuidade da transmissão sobre determinadas práticas corporais
ocorreram.

O ensino nas escolas ainda hoje transmite uma visão de índio com
características de passado, povos em extinção, como se eles não fizessem parte
da atualidade nacional. É uma ação que faz parte de um projeto maior do estado
de formação de um só povo sem reconhecimento da diversidade étnica e
cultural do país.

Políticas do estado –

As perspectivas dos povos ibéricos de enriquecimento rápido na América


provocaram guerras pela disputa de espaço e de riquezas, além das doenças
transmitidas que desencadearam epidemias (MELATTI, 2007, McNEILL, 1976).
As tensões e reconciliações foram multilaterais, entretanto a balança do poder
beneficiou na maioria das vezes os colonizadores, especialmente por terem a
arma de fogo e transmitirem doenças.

Na literatura e nos registros históricos ficam muitas vezes imperceptíveis


as iniciativas indígenas nas negociações de paz e sucessos nos embates, mas
elas ocorreram em diversas situações, como por exemplo a participação dos
exímios estrategistas Terena e Kadiwéu na guerra do Paraguai. (SANT‟ANA,
2010, VINHA, 1999, 2004).
4

As divergências das idéias dos colonizadores e mais tarde do estado, a


respeito dos indígenas, perduraram séculos e com repercussões nos dias atuais.
Citamos, por exemplo, algumas das idéias: (i) os indígenas deveriam ficar
aldeados, isolados para não se civilizarem e brutalmente suportarem o fardo da
escravidão; (ii) o contato com os „brancos‟ seria desejado através do trabalho e
da mestiçagem; (iii) os índios eram populações que deixariam de existir; (iv)
considerados povos sem história e sem futuro e até defensores do afastamento
e extermínio dos índios; (v) perspectiva de aculturação, os índios „assimilados‟
ou „integrados‟ à sociedade que os envolve seriam, de alguma maneira, „menos‟
índios (CUNHA, 1992, MONTEIRO, 2001). Desde o período colonial a política
tinha como base a criação e manutenção de aldeamentos indígenas.

A primeira Constituição brasileira, outorgada em 1824, ignorou


completamente a existência das sociedades indígenas, prevalecendo a seguinte
ideia de:

“uma concepção da sociedade brasileira como sendo


homogênea, conseqüentemente, desconhecendo-se a
diversidade étnica e cultural do país. O Ato Institucional de 1834
designava como sendo de competência das Assembléias das
Províncias a tarefa de promover a catequese e de agrupar os
índios em estabelecimentos coloniais, facilitando, com isso, a
apropriação de suas terras. (informações Funai).”

Ainda de acordo com as informações deste órgão,

“as ideias positivistas permearam a política do Estado brasileiro


na maior parte do século XX. Estabeleceu-se, assim, a chamada
política de integração, em que o índio era reconhecido como
sujeito transitório, ou seja, enquanto estivesse sendo preparado
para ingressar na "civilização". Tal política apontava para o fim
da diversidade étnica e cultural, pois reconhecia esta diversidade
5

apenas como um estágio de desenvolvimento que se concluiria


com a incorporação do índio à sociedade nacional. (info. Funai).

Em termos governamentais, o Serviço de Proteção aos Índios (SPI)2 foi


criado pelo Decreto-Lei nº 8.072, de 20 de junho de 1910, com o objetivo de ser
o órgão do Governo Federal encarregado de executar a política indigenista. Sua
principal finalidade era proteger os índios e, ao mesmo tempo, assegurar a
implementação de uma estratégia de ocupação territorial do País. O objetivo
central era a integração dos indígenas no país, na ideia de formação de um só
povo brasileiro, sem reconhecer a diversidade sócio-cultural dos povos
indígenas.

No início do século XX, o processo de organização territorial durante a


política do Serviço de Proteção aos Índios3 teve um impacto importante nas
sociedades indígenas (LIMA, 1992). A ideia era instalar as aldeias próximas às
cidades, com o objetivo de integração no estado nacional, cujas consequências
a posteriori foram desastrosas para as populações indígenas na saúde, cultura e
educação.

A partir de 1934 as Constituições brasileiras começaram a tratar dos


direitos dos povos indígenas para que fosse assegurada a posse de seus
territórios e tendo sido atribuída à União a responsabilidade pela promoção da
política indigenista. As Constituições de 1937 e de 1946 mantiveram esses
mesmos pontos, numa clara demonstração da consolidação dos direitos
indígenas perante as diferentes forças sociais e políticas da sociedade
brasileira” (info. Funai).

Em decorrência da decadência administrativa e ideológica do SPI, o outro


órgão foi criado – a Fundação Nacional do Índio – FUNAI. Este órgão foi criado

2 http://www.funai.gov.br/quem/historia/spi.htm

3 Serviço de Proteção aos Índios foi um órgão público criado em 1910, durante o mandato do
Presidente da República Nilo Peçanha e organizado pelo Marechal Rondon (o 1o diretor). Foi extinto em
1967 e substituído pela FUNAI – Fundação Nacional do Índio.
6

pela Lei nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967, vinculado ao Ministério da Justiça,


entidade com patrimônio próprio e personalidade jurídica de direito privado. É o
órgão federal responsável pelo estabelecimento e execução da política
indigenista brasileira em cumprimento ao que determina a Constituição Federal
Brasileira de 1988.

A FUNAI, nos documentos oficiais, tem como objetivo principal promover


políticas de desenvolvimento sustentável das populações indígenas, aliar a
sustentabilidade econômica à sócio- ambiental, promover a conservação e a
recuperação do meio ambiente, controlar e mitigar possíveis impactos
ambientais decorrentes de interferências externas às terras indígenas, monitorar
as terras indígenas regularizadas e aquelas ocupadas por populações
indígenas, incluindo as isoladas e de recente contato, coordenar e implementar
as políticas de proteção aos grupos isolados e recém-contatados e implementar
medidas de vigilância, fiscalização e de prevenção de conflitos em terras
indígenas. (info. Funai).

Apesar da constituição da FUNAI representar uma nova fase da política


indigenista, ela ainda sofre „os restígios‟ do um processo colonizador, da SPI e
de interesses políticos do agro negócio e outros sectores da sociedade mais
ampla que emperram o desenvolvimento de ações em diferentes setores,
especialmente as ações contrárias aos interesses governamentais e mega-
industrias. O SPI, a FUNAI e outros órgãos estatais, colonialistas até certo
ponto, tiveram influências incisivas nas sociedades indígenas em relação à
terra, saúde e educação.

Estado e Povos Indígenas – conflitos violentos

O processo da relação do Estado com os Povos Indígenas sempre foi


tenso. Ainda na década de 60, diferentes interferências do estado
desencadearam processos violentos nas populações indígenas, as quais
revidaram. Com o golpe militar, poucas informações eram divulgadas na mídia.
7

Por exemplo, cito o conflito entre o governo militar e os Waimiri Atroari4. Nos
anos de 1967 a 1977, o governo militar decidiu construir a estrada BR-174 entre
Manaus (Amazonas) e Boa Vista (Roraima). As informações do indigenista e ex-
missionário Egydio Schwade5 resumem o processo da interferência do governo.
De acordo com o autor6 – “em princípio, a estrada tinha a finalidade de ligar
essas duas cidades. Mas, ao construí-la, o governo tinha principalmente a
intenção de acessar uma rica mina de minérios estratégicos, localizada no alto
rio Uatumã, próximo ao rio Alalaú. Em seguida, o governo construiu a hidrelétrica
de Balbina buscando produzir energia para a Zona Franca de Manaus.

O processo de construção foi intenso e de muita resistência pelos


indígenas e governo, culminando com uso de armas de fogo, dinamite e gás
lacrimogénio e outras técnicas aniquilando quase que a população. A ideia era
que os índios deveriam aprender uma lição para não matar os civilizados. Além
do mais o governo estabeleceu uma estratégia para impedir a divulgação na
mídia, proibindo a entrada de pessoas fora dos quadros oficiais entre 1967 a
1977” (Entrevista Edygio Schwade ).

“Por volta de 1981, quando restavam apenas 374 indígenas


sobreviventes e não havia mais condição nenhuma de resistirem
aos massacres dos militares, o governo mudou de estratégia. Aí
apresentaram à opinião pública os índios como sendo dóceis e
agricultores, que poderiam contribuir para o abastecimento de
Manaus. Com a nova República parecia inicialmente, que a
FUNAI havia mudado. Cientistas e nós do CIMI conseguimos ter

4 www.waimiriatroari.org.br

5 http://urubui.blogspot.com.br/2011/02/2000-waimiri-atroari-
desaparecidos-na.html

6 http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/508652-waimiri-atroari-
desaparecidos-politicos-entrevista-especial-com-egydio-schwade
8

acesso às comunidades.” Em 2011 a população era de 1515


indígenas.

A partir deste fato, os Waimiri desenvolveram estratégias de sobrevivência


e de aumento populacional, atualmente são em número de 1500 indígenas
aproximadamente. Em 1987 houve a criação do Projeto Wamiri Atroari que
preza pela autonomia, busca não depender das políticas do estado. Este
programa é financiado pela ELETRONORTE com verba do Banco Mundial de 25
anos de duração.

Este drama está na memória dos Waimiri Atroari e é representado em


diferentes circunstâncias. Em um curso ministrado para jovens professores
Waimiri Atroari sobre atividades corporais e etnomatemática na aldeia (Ferreira
et al, 2010), foi escolhido por um dos grupos como trabalho de final do curso,
uma representação do drama do extermínio destas duas etnias pela força
governamental. Este drama, entre tantos outros, as representações, as histórias
fazem desta sociedade.

Esta é mais uma das histórias que envolve os povos indígenas e a Ditadura
Militar no Brasil. Casos semelhantes podem ser observados com os índios
Krenhakarore de Peixoto de Azevedo no Mato Grosso, os Kané (tapayuna ou
Beiços-de-pau) do rio Arinos no Mato Grosso, os Suruí e os Cinta Larga de
Rondônia e Mato Grosso e outros. No entanto, nenhum desses homens,
mulheres e crianças é citado nas relações dos desaparecidos da Ditadura.
(Schande, 2011)7

Fontes demográficas

A teoria elisiana colabora para compreendermos estes enlaces e


desenlaces, as influências e o poder de diferentes setores que formam as

7 http://urubui.blogspot.com.br
9

diferentes figurações. Não podemos prever os fatos a longo prazo, mas sim
analisar a posteriori o processo. Notamos que desde a chegada dos
portugueses e outros povos na América dos Povos Nativos, o poder esteve na
maioria das vezes do lado dos colonizadores.

A demografia indígena fornece informações importantes sobre as


mudanças ocorridas nas sociedades indígenas. Os dados demográficos refletem
o aumento populacional vegetativo e a melhoria do instrumento de medidas para
acessar a população. De acordo com o IBGE, em “1991 e 2000, a categoria
“indígena” era investigada no quesito cor ou raça apenas na Amostra. No Censo
2010, o IBGE, pela primeira vez, não só investigou o contingente populacional
indígena dentro do quesito cor ou raça mas também no questionário básico,
totalizando o Universo de domicílios pesquisados. Além disso, o Censo 2010
introduziu critérios adicionais, como o pertencimento étnico, a língua falada no
domicílio e a localização geográfica, que são critérios de identificação usados
em Censos de outros países.”

Os dados apontam que em 1991 a população era de 294.128 pessoas,


em 2000 de 701.462 pessoas e em 2010 de 817 mil. O processo da recuperação
demográfica, entre outros fatores, é causado pelo crescimento vegetativo e a
crescente identificação de pessoas e comunidades que não se valorizavam
como um grupo étnico específico, tais como o caso das etnias mencionadas
acima, o auto-reconhecimento e a melhora das fontes de informações sobre
esses povos. (AZEVEDO, 2008). Uma das explicações para o aumento
expressivo no ano de 2000 é que muitas pessoas que se identificaram em outras
categorias nos anos anteriores, passaram a se identificarem como indígenas.
Este fenômeno é conhecido como „etnogênese ou reetinização‟

O aumento populacional, a reorganização do espaço rural-urbano em


termos geopolíticos, restrição territorial das terras indígenas por imposição do
estado, progressivo esgotamento dos recursos naturais e o comprometimento
das atividades de subsistência são indicadores das mudanças sociais indígenas.
A aproximação das aldeias com a cidade, sem uma política apropriada do
10

governo em educação, saúde e propriedade de terras agravou ainda mais os


problemas nas aldeias, tais como: as perdas – forçadas até certo ponto - dos
conhecimentos ancestrais e da língua, o aumento do índice de sedentarismo e
das diferentes doenças - alcoolismo, desnutrição, doenças infecciosas e crônico
degenerativas como câncer e diabetes.

Uma análise do perfil epidemiológico-nutricional dos povos indígenas8


aponta as consequencias na saúde das politicas governamentais para os povos
indígenas. As crianças são mais atingidas, mas os adolescentes e adultos não
estão livres de problemas de ordem nutricional, especialmente com um maior
indice de obesidade nos adultos. A instabilidade na produção de alimentos
somam-se ainda precárias condições sanitárias, o que contribui para as
elevadas prevalências de doenças infecciosas e parasitárias que, de modo
geral, caracterizam os perfis de saúde registrados entre essas populações.

Movimentos políticos internacionais e nacionais

Ronald Niezen no livro sobre „The Originns of Indigenism. Human Rights and
the Politics of Identity‟ (2003) aponta que os movimentos indígenas do século
XX, refletem um fenômeno chamado de „encurtamento‟ global – „global
shrinking‟. Este fenômeno está associado a mobilidade das pessoas, aumento
da transmissão dos meios de comunicação, ideias e doenças. De acordo com o
autor, uma das consequências da globalização é uma „revolta contra as forças
de uma uniformidade cultural e contra a interferência das políticas do governo
nas sociedades indígenas‟. (ibidem 2003, p. 2).

Uma das primeiras iniciativas dos movimentos indígenas foi a dos pelos
índios Canadenses e os Maori de Nova Zelândia em meados do século XIX.
Entretanto os passos mais relevantes nos Estados Unidos, sobre o
entendimento de nações indígenas ocorre paralelo à elaboração dos direitos
humanos pós II Guerra Mundial (NIEZEN, 2003).

8 Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas. Relatório Final (Análise dos dados) n. 7.
Rio de Janeiro, 2009.
11

As experiências dos povos indígenas para serem reconhecidos como


nações ou povos indígenas foram diferentes nos diversos países. Estes povos
compartilham ideais comuns como enfatizado por Niezen (2003, p. 23).

“todos participantes compartilham a mesma forma econômica de


subsistência, um território ou terra que pré-datada a chegada
dos colonizadores, um sistema espiritual que pré-data a chegada
dos missionários, e uma língua que expressa tudo o que é
importante e distingue um lugar no universo. Mais importante,
eles compartilham a destruição e perda destas coisas. Suas
marcas culturais ganham uma autoconsciência significante
quanto mais eles são diminuídos pelas forças externas. Eles
também compartilham o compromisso de encontrar estabilidade
e justiça restaurativa – mesmo que isso signifique usar as
próprias ferramentas de alfabetização e de direito que, por outro
lado, são responsáveis pela opressão deles.

Apesar dos movimentos indígenas terem avançado em diversos aspectos,


se fortalecerem e propiciarem diálogos com diferentes setores da sociedade, a
experiência nos mostra que há poucas chances de que as expectativas desses
povos sejam integralmente atendidas pelo Estado e organizações internacionais
(NIEZEN, 2003). Até porque as premissas básicas das partes divergem, isto é,
a lógica racionalista da sociedade ocidental difere do conhecimento indígena, a
burocracia emperra o desenvolvimento de projetos, entre outros aspectos.

Apesar da balança de poder se configurar para o colonizador, para o cidadão


urbano, o agro negocio, o governo, existem iniciativas dos indígenas se
organizarem em movimentos e se associarem com simpatizantes e ativistas não
indígena pela causa e revindicações políticas.

As ações ficam muitas vezes num „entre-lugares‟ difíceis das partes se


entenderem e avançarem nas negociações a curto prazo.
12

No Brazil, na década de 70, um setor progressista da igreja católico, o


9
Conselho Indigenista Missionário - CIMI teve papel fundamental junto aos
povos indígenas. Este Conselho foi criado em 1972, quando o Estado brasileiro
assumia abertamente a integração dos povos indígenas à sociedade majoritária
como única perspectiva. Na época os indigenista do CIMI procuraram favorecer
a articulação entre aldeias e povos, promovendo as grandes assembleias
indígenas, onde se desenharam os primeiros contornos da luta pela garantia do
direito à diversidade cultural. Esta iniciativa, assim como outras na época,
favoreceram a criação do associativismo étnico que geraram por sua vez
diferentes associações indígenas e não indígenas simpatizantes da causa
(D‟ANGELIS, 2011).

Em termos constitucionais, em decorrência das articulações, dos


movimentos, das associações, entre outros fatores, a partir da Constituição
Federal de 1988 (BRAZIL, 1998) os indígenas passaram a ser reconhecidos
como cidadãos, como pessoa jurídica, conforme reza o Capítulo VIII, em seus
artigos 215 e 231, respectivamente, responsabiliza o Estado pela proteção e
incentivo de todas as manifestações culturais, e assegura “[...] aos índios sua
organização social, costumes, línguas, crenças e tradições; admite, portanto, a
pluralidade cultural característica da nação brasileira, atribuindo à União a tarefa
de proteger e assegurar a existência dessas etnias e culturas diferentes”.

Na educação tiveram aprovada a lei de Diretrizes e Bases para a


Educação Nacional - LDB nº 9.394/96. Na saúde a Lei 9.836/1999 institui, no
âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS (criado e definido por esta lei, e pela
lei no 8.142 de 28 de dezembro de 1990), o subsistema de atenção à saúde
indígena, que cria regras de atendimento diferenciado e adaptado às
10
peculiaridades sociais e geográficas de cada região, entre outras medidas.

9 http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=paginas&conteudo_id=5685&action=read

10 http://www.socioambiental.org/inst/leg/pib.shtm
13

Diante do exposto, podemos notar as ações do governo, as respostas dos


povos indígenas, as lutas e tensões dos diferentes sectores da sociedade
brasileira. Além do mais, a reconfiguração da noção dos direitos indígenas como
direito histórico, sobretudo territorial, estimulou importantes estudos e políticas
que buscaram nos documentos coloniais os fundamentos históricos e jurídicos
das demandas atuais dos índios ou, pelo menos, dos seus defensores.

Em decorrência desses fatos, etnias que se consideravam desarticuladas


ou extintas (miscigenadas) começaram a ressurgir, como os casos dos
Potiguara, da Baía da Traição; os Xocó, de Sergipe; os Pataxó, do sul da Bahia,
entre outros (MONTEIRO, 2001; MOTA, 2008). Lembramos que a organização
de uma comunidade em torno de seus antigos costumes e/ou mesmo costumes
ressignificados requer necessidade de separação territorial e cultural (MOTA,
2008). As práticas alimentares, artesanais, corporais, de curas entre outras até
então desativadas nas aldeias começaram a ressurgir.

Comitê Intertribal Memória e Ciência Indígena

Como podemos notar, os movimentos políticos internacionais e nacionais,


assim como as mudanças constitucionais no país, a partir da década de 1960
influenciaram o processo de reconhecimento dos povos indígenas. As mudanças
constitucionais foram possíveis conforme menciona Sant‟Ana (2010, pg. 20) com
o “embate/debate do movimento indígena que ecou no Brasil (e em toda a
América Latina) no anos 70, momento de muita tensão no pais, pelo golpe
militar. Os movimentos sociais que se empenhavam na luta pela
redemocratização do país e contribuíram pela causa indígena. Na época os
indígenas receberam o apoio de diferentes profissionais como missionários,
antropólogos, jornalistas e artistas, todos empenhados em protestar contra a
opressão através da luta pelos direitos dos indígenas à saúde, educação,
autodeterminação e território. De acordo com a autora, o movimento indígena é
14

“um fenômeno que abarca uma multiplicidade de ações,


envolvimentos, articulações, objetivos e direcionamentos, locais,
nacionais e internacionais, dados, também, pelas
especificidades de cada etnia, pelas relações particulares destas
com o Estado, com as agências de apoio, pela inserção maior
ou menor no contexto da sociedade nacional, entre tantas outras
particularidades. Não deve ser pensado como algo uníssono ou
linear, mas sim como movimentos repletos de fluxos e refluxos,
cujos contextos vivenciados influenciam nos impactos e
resultados diferenciados” (Sant‟Ana, 2010, p.20 ).

A partir desta ações, os indígenas começaram a falar de si e por sim


mesmos. E com o processo de redemocratização do país na década de 80,
houve um maior impulso nas organizações indígenas (D‟ Angelis, 2011).

O associativismo étnico é portanto um dos fenômenos recentes na


história das mobilizações e inserções políticas indígenas. Este surgiu nos
processos de luta pela redemocratização do país e, especificamente, no campo
dos embates e alianças dos indígenas com o poder tutelar e a busca por
cidadania. A diversidade das associações indígenas permite uma abertura em
diferentes setores da sociedade, inclusive elege as práticas corporais como um
dos objetivos iniciais e principais, e com o tempo vem se ampliando para outros
objetivos sociais e políticos, por exemplo o time de futebol chamado União das
Nações Indígenas em Brasília, a Associação dos Trabalhadores Terena do Iriri -
ATITI que revitalizou a Dança das Emas, a „Associação Grupo Te‟ que divulga
as danças tradicionais como a Kohixoti Kipaé.

Na Eco-92 Conferência Internacional no Rio de Janeiro houve uma maior


participação política dos Povos Indígenas. E foi nesta figuração que surgiu o
Comitê Intertribal Memória e Ciência Indígena – ITC, entidade multiétnica que
tem como principais mentores os irmãos Marcos e Carlos da etnia Terena. Os
Jogos dos Povos Indígenas são os principais eventos realizados pelo Comitê,
locais onde os saberes ancestrais se interrelacionam com o conhecimento
15

técnico do poder público. O lema dos Jogos “o importante não é ganhar, mas
celebrar” está inserido no ethos e política terena.(TERENA, 2003, 2007). As
relações de poder com o estado são difíceis e muitas vezes tensas. Os jogos
refletem as cosmologias indígenas no cenário urbano. A participação da platéia
não indígena representa uma diversidade de comportamentos, surpresa,
estranheza, vibração, reconhecimento identitário entre outros. Os exercícios de
alteridade, negação, aproximação nos jogos, propiciam condições importantes
para novos comportamentos e perspectivas (ROCHA FERREIRA, 2011).

Os Jogos dos Povos Indígenas representam um dos movimentos


indígenas no país e sintetizam processos históricos, políticos, associativos, de
empoderamento de lideranças, revitalização de processos de esquecimentos e
de salvaguarda de processos culturais indígenas. Eles marcam um tempo,
espaço e identidade das sociedades indígenas.

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