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A manipulação
Além de insígnia militar romana e de pequena estola ornamental dos sacerdotes, o manípulo,
era também o punhado de forragem que se punha diante do burro, de forma a que o não
pudesse alcançar, para que, ao persegui-lo, o animal carregasse ou puxasse a carga que
outrem lhe destinara.
Segundo os dicionários, manipular significa "operar com as mãos, trabalhar demasiado alguma
coisa, manuseá-la, manejar as coisas a seu modo ou intrometer-se nas coisas alheias" e, por
fim, "intervir com meios hábeis ou, por vezes, astuciosos, na política, na sociedade, no
mercado, etc., com frequência para servir interesses próprios ou de terceiros".
Desta forma, etimologicamente, manipulação acaba por ser uma intervenção consciente num
dado material com um fim determinado. Neste sentido, diz-se que o oleiro manipula a argila ou
que o realizador de cinema ou de televisão manipula as imagens filmadas. Aqui, vamos referir-
nos à manipulação dos conteúdos de consciência, das mensagens dos meios de comunicação
no seu sentido mais lato. Trata-se de uma intervenção com consequências sociais e, portanto,
de um acto político.
É certo que toda a utilização dos media pressupõe sempre uma manipulação. Qualquer
processo de produção comunicacional, desde a selecção do meio, à gravação, à mistura e
montagem, à realização e distribuição é uma intervenção, uma manipulação do material
existente. Aquilo que importa, como assinalava Enzensberger em 1969, após os
acontecimentos do "Maio" francês e alemão do ano anterior, não é que os meios e as
mensagens da indústria da consciência sejam manipulados ou não, mas sim quem os
manipula, em proveito de quem e ao serviço de que interesses.
Neste contexto da submissão das consciências e da formação da opinião, vamos entender por
manipulação a orientação da comunicação por uma minoria, com o objectivo da dominação de
todos os outros. O primeiro passo para sermos donos das nossas vidas e do nosso futuro é o
representado pela identificação dos entraves que, interessadamente, outros nos colocam no
caminho para levarem a água ao seu moinho. Por isso convém ter claro o conceito de
manipulação e os seus objectivos antes de passarmos à descrição das técnicas utilizadas por
essas minorias para conseguirem atingir os seus objectivos.
A manipulação espiritual, como comunicação orientada para o domínio ideológico, visa adaptar,
na medida em que lhe for possível, ao sistema social vigente, a consciência e as actividades,
incluídas as que se processam no tempo livre, da maioria da população contra os seus próprios
interesses e, dessa forma, subordiná-los aos interesses minoritários que a promovem. As
maiorias devem submeter a sua imagem do mundo, a sua compreensão das coisas, os seus
gostos, em suma, o seu modo de vida, aos interesses das minorias. A manipulação significa a
deformação espiritual do povo, significa privá-lo das suas faculdades e actividades criadoras.
Através dela, desgasta-se sistematicamente a subjectividade do indivíduos, isto é, a sua
personalidade. Manipulação significa uniformização do espírito, a desgraduação de todo o ser
humano à condição de objecto ou de um número que se vende por "xis" ao milhão, no caso dos
telespectadores das audiências televisivas, por exemplo. O receptor e o consumidor das
mensagens e produtos desta indústria da consciência e do entretenimento não participa na
planificação, na direcção, nas decisões nem na gestão desta produção. Não se trata, como
pretendia McLuhan, de que o meio seja a mensagem, mas sim de todos os meios transmitirem
a mesma mensagem e até a mesma imagem. Por isso, "o que vemos, lemos e ouvimos, o que
se veste, o que se come, os sítios onde se vai e aquilo que se acredita estar a fazer, passaram
a ser responsabilidade de um sistema de informação que fixa gostos e valores em função dos
seus próprios critérios de mercado, os quais, por sua vez, se reforçam entre si" (H. I. Schiller).
[1]
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Para lograr essa uniformização da consciência numa sociedade fraccionada por contradições
antagónicas aplicam-se métodos psicológicos cujo êxito foi testado e confirmado na
"publicidade" comercial, a indústria do reclame.
Mobilizando recursos científicos nas disciplinas mais diversas (sociologia, estudos de opinião,
psicologia, politologia, relações públicas, estudos comportamentais e motivacionais, teoria da
comunicação, etc), consegue construir-se um pensamento em modelos pré-formatados. Uma
maneira de pensar que, para além do mais, reforça a aparência de que se está a agir
livremente. Sob a cobertura de uma suposta liberdade de expressão, os poucos que dela
realmente dispõem, quer dizer, as minorias que detêm os meios para a expressar, tentam
moldar sistematicamente as consciências de milhões de pessoas, condenando-as à
menoridade intelectual, educando-as para a docilidade, para suportar, sem críticas, o sistema
de dominação e exploração vigente, e para considerar como próprios os falsos ideais deste
mesmo sistema. As actuações e condutas daí resultantes são apresentadas como "livres
decisões", autodeterminadas, quando na realidade são induzidas, heterodeterminadas.
Como fenómeno típico da vida espiritual nesta autodenominada "sociedade de mercado livre",
a manipulação das consciências parte, entre outras, das seguintes condições prévias:
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mediante os quais "as elites dominantes tratam de fazer com que as massas se moldem aos
seus objectivos". Valendo-se de mitos que explicam, justificam e até adornam as condições
existentes de vida, a minoria que dispõe dos media mobiliza-se em favor de uma ordem social
que não serve os interesses das maiorias. Uma manipulação bem sucedida fará com que as
pessoas não pensem noutros ordenamentos sociais possíveis nem, consequentemente, em
alterar os existentes.
Técnicas de manipulação
a) A selecção
Uma das técnicas de manipulação que melhor passam despercebidas consiste no seleccionar
para difusão aquelas informações que melhor satisfazem os interesses e os objectivos dos
seus produtores. Qualquer objecção que se faça a esta selecção costuma, segundo a
escassíssima minoria que a elabora e destina a todos os outros, equivaler a um atentado
contra a liberdade de expressão, de comércio, de criação, etc.
E, contudo, a informação é, por natureza, selectiva. Não se consegue publicar tudo aquilo que
acontece. Mesmo que fosse possível sabê-lo, os jornais e as revistas têm um número limitado
de páginas, um espaço finito. O mesmo acontece com os espaços e os tempos radiofónicos e
televisivos. Daí a necessidade de seleccionar entre o fluxo incessante, proveniente dos
correspondentes, das agências, do material em bruto que, depois de uma primeira triagem é
passado às redacções jornalísticas, as quais, por seu lado, voltam a seleccioná-lo de modo
que, no fim do processo, apenas se publicará qualquer coisa como um por cento da informação
inicialmente gerada. Trata-se de uma zona de desperdício astronómico, que bem valeria a pena
analisar.
Logicamente, cada qual selecciona de acordo com os seus gostos, educação, ideologia,
interesses, necessidades, etc. Na formação social que se denomina "mercado livre", quer dizer,
capitalismo, selecciona-se aquilo que se crê ir vender melhor e a mais gente.
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princípio dos anos 90, cuja cobertura foi atribuída em exclusivo à cadeia norte-americana CNN,
com os jornalistas devidamente escolhidos e previamente industriados pelos militares do
Pentágono. Basta recordar que 95 por cento das imagens difundidas pelos meios de
comunicação são fornecidas por uma agência noticiosa dos Estados Unidos ou, ainda, que 90
por cento dos conhecimentos armazenados em bancos de dados de todo o mundo são
propriedade privada norte-americana.
Em suma, uns poucos detêm o poder de definir a realidade para a maioria de todos os outros,
de dizer-lhes o que se passa, o que é bom e o que é mau, o que se deve ou não fazer e como
fazê-lo, etc. Este poder de fixar o programa social de qualquer comunidade é a chave do
controlo social. Lorde Nordcliffe, dono de um dos mais poderosos consórcios jornalísticos dos
princípios do século XX, explicava-o muito directamente e sem muito gaguejar: "Deus ensinou
os homens a ler para que eu possa dizer-lhes quem devem amar, quem devem odiar e o que
devem pensar". [4]
E a história que nos contam costuma ser, quase sempre, a dos outros, não a nossa. Enquanto
estamos entretidos a viver as histórias dos outros, não temos tempo para nos interessarmos
pelas nossas próprias, isto é, com as histórias da nossa vida. Porque se nos ocupássemos
dela, se acerca dela descobríssemos como são bem outros que a determinam e não nós,
certamente não ficaríamos de braços cruzados e tentaríamos mudar a figura das coisas.
b) Silenciamento
O simples método de manipular comunicando tão-somente aquilo que convém implica, por
definição, o silenciamento do inconveniente. Os governos, por exemplo, encontram um
formidável instrumento de controlo social no silenciamento de informações vitais à população,
como ocorreu em Espanha durante a Guerra do Golfo com a questão dos sobrevoos e
abastecimentos das tropas norte-americanas.
Quando a verdade não corresponde aos interesses do capital, não se trata de mentir, mas
antes de não dizer a verdade. Este método é mais difícil de ser percebido pelos leitores,
ouvintes ou telespectadores.
Às vezes, nem se distingue, onde estão, se em Madrid, em Bruxelas ou noutra qualquer capital.
As imagens parecem-se entre si, como gotas de água. Os personagens que decidem a nossa
vida desaparecem, então, atrás de portas que se fecham e, aí, onde verdadeiramente começa
a história, é onde nós ficamos sem saber o que se negoceia e assina para lá delas. É assim
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que se encena o espectáculo da democracia. Dá um trabalho considerável distinguir entre
espectáculo, política e reclame publicitário. Mas o primado é sempre do espectáculo. [5]
A manipulação das consciências efectua-se também por meio de uma série de mitos que
estruturam os conteúdos das mensagens. Herbert Schiller, no seu já antes citado "Mind
Managers", analisa cinco destes mitos.
5) O mito do pluralismo dos media. Este baseia-se na ilusão de que ao dispor de um grande
número de títulos de jornais e revistas ou de muitas emissoras de rádio ou canais de televisão,
o cidadão está apto a escolher entre uma oferta efectivamente diversificada. É uma ilusão que
surge reforçada pelo facto de o consumidor poder realmente optar por um ou por outro título,
ou canal. Mas caso se observe mais de perto os conteúdos, facilmente se verá como são todos
mais ou menos idênticos. Multiplicidade de botões (canais) não é sinónima de diversidade de
opiniões. Onde se encontra, por exemplo, um diário de grande projecção ou um canal de
televisivo de esquerda? O pluralismo autêntico é o das opiniões diferentes e contrastadas. O
aumento de títulos, canais e programas não basta. Se todos oferecem a mesma informação
oficial protocolar, a mesma música, os mesmos espectáculos banais, os mesmos concursos e
os mesmos reclames publicitários, não é pluralismo o que se tem, mas sim uniformidade e
conformismo, compensação fácil para os défices emocionais, as angústias e frustrações e, em
última instância, doutrinação.
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individuais e colectivos. Não são, de modo algum, instrumentos neutrais, uma vez que os
gostos e as tendências humanas não podem ser separados das relações sociais em que
existem. A sua publicação pode, inclusivamente, criar, ela mesma, estados de opinião; através
dela podem dissipar-se as dúvidas dos indecisos, estimular o espírito gregário. Pelas
sondagens não se pretende ficar a saber o que as pessoas desejam, mas antes se os métodos
anteriormente empregues foram eficazes ou se, pelo contrário, é preciso modificá-los. A
indústria dos inquéritos e sondagens emprega-se, consabidamente, para dirigir gostos e
decisões, tanto na compra de bens de consumo, como nas eleições políticas.
b) A censura
É a forma mais brutal de intervenção para manipular as consciências. Ainda que deva ter-se
em conta que existem diversos tipos de censura. Assim, nos regimes totalitários, pratica-se a
censura prévia, isto é, a que se efectua antes de que os produtos se imprimam e saiam para a
rua. Também acontece censurar depois da impressão, intervindo antes da publicação e
comercialização. Deste modo, podem confiscar-se jornais, revistas e livros nos quais já se
tenham investido somas consideráveis, infligindo os correspondentes prejuízos aos seus
editores. Mas não se pode, igualmente, esquecer a autocensura que a si mesmos impões os
produtores (jornalistas, escritores, artistas, etc.), antes de darem por concluídos os seus
trabalhos, de forma a que estes agradem às instâncias superiores e não lhes criem problemas.
A arma contra a censura é a motivação. Quando se quer escutar a mensagem, de pouco valem
as barreiras e as intromissões. Os espanhóis que queriam escutar a "Pirinaica" [como os
portugueses que queriam ouvir a Rádio Argel ou a Rádio Moscovo] durante a ditadura, bem
que o faziam apesar dos perigos e das interferências. A censura não resolve nada, apenas
prejudica a sociedade sobre a qual é exercida. Os obstáculos impostos à liberdade conseguem
apenas, como regra, estimular ainda mais o desejo de conhecer o interdito. Quando a opinião
pública não pode informar-se nem expressar-se livremente, procura as suas próprias formas de
satisfazer as necessidades que sente e os interesses que partilha. Não há muros que possam
entravar a radiodifusão, como acontecia na ex-República Democrática Alemã (RDA), cuja
população escutava diariamente os programas de rádio da então República Federal, através
dos quais podia dedicar-se a imaginar o fascinante espectáculo do "paraíso" capitalista que
tanto viria a frustrá-la posteriormente.
c) A fulanização da política
Os acontecimentos sociais, no discurso dos media, personalizam-se. Os dirigentes políticos
passam a ser julgados pelos seus atractivos pessoais e não pelos respectivos programas, por
aquilo que conseguiram fazer ou pelos falhanços que averbaram. Os principais problemas
apresentam-se ao público reduzidos a análi-ses de atributos pessoais, dos seus hobbies,
deslizes sentimentais, vida familiar e, até, por via da análise dos vestidos e penteados. Os
conflitos sociais são interpretados e expostos como conflitos de personalidades. A guerra no
Golfo não é uma luta pelo controlo do petróleo e pela independência nacional de determinados
países, mas antes uma questão pessoal entre Bush e Saddam, por exemplo. Estrategicamente,
esta fulanização tem a virtualidade de alienar as atenções das pessoas e das grandes massas
relativamente aos problemas sociais que as afectam, de facto.
d) A exposição linguística
Como mencionámos ao falar da violência psicológica ou simbólica, a linguagem continua a ser
o principal instrumento de manipulação. Se os seres humanos desenvolveram a linguagem
para poderem entender-se uns aos outros, para poderem cooperar entre si para benefício de
todos, o capitalismo de hoje utiliza a linguagem precisamente na direcção inversa, para os
confundir e dividir. As notícias são, quase invariavelmente, apresentadas sem conexão entre si.
Esta fragmentação dificulta e impede a sua compreensão, pois sem contexto não há
significado. Uma coisa existe, através das outras, dizia Hegel. Se não nos são apresentadas as
relações que existem entre acontecimentos e estados de coisas, não podemos simplesmente
entender o que se passa. Explicar a violência na Irlanda do Norte em termos de católicos e
protestantes, sem dizer a quem pertence a riqueza, quem ocupa os postos de trabalho e quem
são os pobres ou os que estão no desemprego, não serve de nada para perceber o que ali se
passa. O mesmo poderia dizer-se de todos os conflitos no mundo, veiculados pelos media. No
conflito jugoslavo, parece que só há um "mau", os sérvios, que se qualificam de "antigos
comunistas". Ao comunismo e neo-comunismo da Sérvia, opõe-se a "liberdade" da Croácia,
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ainda que o seu governo seja fascista. Na "sociedade de mercado livre" incluem-se as
monarquias feudais da Arábia, todas as ditaduras latino-americanas e quase todas as africanas
e asiáticas. O modelo da sociedade democrática e livre por excelência são os Estados Unidos
da América, que apesar do ardor com que proclamam a liberdade de circulação de pessoas e
bens, impõem há mais de 40 anos, um bloqueio económico a Cuba, ou que com a sua
legislação proteccionista impedem a importação de bens de outros países, entre os quais
europeus. E podíamos continuar indefinidamente.
Um método simples de observar o facciosismo da opinião dos media consiste em atentar nos
adjectivos com que qualificam os acontecimentos e as pessoas. Através deles, saberemos
como os julgam, que pretendem, se a sua tão propalada neutralidade e independência tem,
afinal, ou não tem, alguma a coisa a ver com a realidade e a lógica das coisas.
O entretenimento
Entreter significa compensar durante um lapso de tempo, as debilidades e carências emotivas
e sentimentais. O entretenimento apela aos défices emocionais que, de vez em quando, todos
nós temos. É disso que vive esta indústria. Porque o objectivo último do entretenimento
maioritariamente proporcionado pelos media de hoje não é o postulado ético da coexistência
entre povos e etnias e culturas, mas é antes o de ganhar dinheiro com programas que
exploram os mais primitivos instintos (sexo e violência). Quando a aspiração de toda a
construção cultural consistiu ao longo dos séculos em refrear e sofisticar estes instintos, hoje
em dia, o direito do mais forte limita-se, ao potenciá-los, a contradizer todo o património de
avanço cultural e político nos direitos humanos.
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superficial, aos conteúdos, não tardaremos em descobrir o negócio da violência que se
empenha em projectar a ilusão de um "oeste selvagem", nas fitas de cowboys, por exemplo.
Um "oeste" que já por volta de 1875 bem tinha desaparecido, mas de que ainda hoje continua a
alimentar-se a fábrica de sonhos de Hollywood. Ou o negócio do terror, do sexo, da
pornografia, a chirichia das revistas cor-de-rosa ou os supostos debates (magazines) da hora
da sobremesa. A própria guerra e a morte são convertidas em diversão. Quem pára o suficiente
para pensar no sentido existente por trás do facto de que as pontes e edifícios que voam pelos
ares, os choques de comboios, os saltos do décimo andar, os voos supersónicos do Super-
Homem, etc., etc., equivalem apenas a uma burla estética? Hoje em dia, aluga-se
inclusivamente público para jogos e concursos junto de lares de terceira idade, escolas
primárias ou faculdades. Há adultos, jovens ou crianças, que por dez euros ou um simples
lanche e um sumo, estão dispostos a rir ou aplaudir de cada vez que a produção os mande
fazer uma coisa ou a outra.
A cultura popular já não é feita pelo povo. Como salienta Herbert Schiller, "a rede da cultura
popular que relaciona entre si os elementos da existência e que fixa a consciência geral daquilo
que existe, do que é importante, do que está reciprocamente ligado, converteu-se,
primordialmente, num produto manufacturado". Esta cultura, que pode perfeitamente designar-
se por "cultura dos media", impregna a mentalidade e contribui decisivamente para a formação
da opinião da maioria, uma vez que esta não dispõe, na verdade, de qualquer outra fonte de
informação. A UNESCO estima que, hoje em dia, 85 por cento dos serviços culturais do mundo
são veiculados pelos meios de massas, especialmente pela televisão. Os seus conteúdos e
programas proporcionam reiteradamente a quem os vê chaves interpretativas e hierarquias de
valores na nossa sociedade, bem como indicações sobre como proceder para atingir o sucesso
e a felicidade, como educar os filhos, como deve o casal fazer amor, etc., etc. Estes materiais
formam, doutrinam, estimulam a ambição e o lucro pessoais e propagam a ideia de que a
natureza humana é imutável. Negam, enfim, a viabilidade de outras formas de organizar a vida
e a coexistência humanas.
NOTAS
[1] A citação do autor é da edição em castelhano de Schiller, Herbert I. (1972) Mind Managers,
"Los Manipuladores de Cerebros" (1989), Gedisa, Barcelona (:189). H. I. Schiller (1919-2000)
foi um dos mais profundos e radicalmente críticos pensadores do dispositivo mediático.
Professor na Universidade da Califórnia, em San Diego, a sua obra está por traduzir em
português. Na linha de estudos sobre as relações de dependência mediática imperial,
sobretudo da América Latina em relação ao seu país, os Estados Unidos, a sua abordagem da
globalização comunicacional e da evolução tecno-política dos dispositivos contemporâneos de
comunicação, centrava-se nas possibilidades perversas de os novos meios e as novas redes
se transformarem em extensões imperialistas de controlo e manipulação à escala planetária
(NT)
[2] Freire, Paulo (1970), Pedagogia do Oprimido, acerca oposição entre a teoria dialógica da
acção (cujo objectivo é a adesão das massas às formas de organização da sua libertação), e a
teoria antidialógica da acção cujo instrumento é a manipulação e objectivo a conquista e a
dominação). Ver especialmente páginas 102 e segs. da edição aqui consultada, 17ª, de 1987,
Rio de Janeiro, Paz e Terra. (NT)
[3] Matéria essencialmente ideológica e política, tal como o autor aqui a coloca, a verdade é
que as práticas e o debate em torno do jornalismo participativo, do cidadão-jornalista, etc., têm
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vindo a conhecer um impulso que à data da edição deste livro, poucos poderiam antever. Um
interessante roteiro sobre o estado da arte no debate internacional deste tema, e não só, pode
ser encontrado no excelente Ponto Media, o actualizado, atento e cuidado blogue do jornalista
português António Granado, disponível em http://ciberjornalismo.com/pontomedia/ (NT)
[4] O autor vai, aqui, uma vez mais à raiz da questão. De assinalar, porém, que bem depois de
Nordcliffe, as ciências da comunicação chegaram a conclusões que validam palavra por
palavra a asserção do lorde britânico. Onde melhor e de modo mais acessível podemos
continuar, ainda hoje, a encontrar coligidos, em língua portuguesa, os estudos que corroboram
o aqui explanado, é nas colectâneas organizadas por Nelson Traquina, da Universidade Nova
de Lisboa, contendo, entre outros importantes estudos, os textos e autores fundamentais das
principais teorias do "valor notícia" e dos critérios de selecção noticiosa (gate keeping), das
teorias funcionalistas sobre o trabalho e a organização das redacções jornalísticas, bem como
das teorias do agendamento (agenda setting), em especial da evolução de 25 anos de
pesquisa nesta área por parte dos seus autores McCobms e Shaw (1972 e 1993). Portanto,
duas obras de referência e aprofundamento, em português: Traquina, Nelson (org) (1993),
Jornalismo: Questões, Teorias 'Estórias', Lisboa, Ed. Vega. E Traquina, Nelson (2000), O Poder
do Jornalismo, Análise e Textos da Teoria do Agendamento, Coimbra, Minerva. (NT)
[5] Uma das mais importantes e radicalmente profundas obras sobre estes aspectos sócio-
comunicacionais e políticos das nossas sociedades é da autoria do co-fundador francês da
chamada Internacional Situacionista, Guy Debord: "Comentários sobre a sociedade do
espectáculo". Obra original de 1988, escrita duas décadas após o seu outro clássico, "A
sociedade do espectáculo" (original de 1967), os "Comentários" antecipam com uma precisão
cirúrgica a evolução do sistema espectacular nas suas formas mais recentes, e que
ultrapassaram a própria vida do seu autor, que se suicidou a 30 de Novembro de 1994. Existe
uma (esgotada) tradução portuguesa dos "Comentários", pela editora Mobilis in Mobile, datada
de 1995 e uma outra igualmente esgotada edição portuguesa de "A Sociedade...", de 1991,
pela mesma editora, depois de uma primeira edição ter circulado semi-clandestinamente em
português em 1972. (NT)
13/Dez/06