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Campinas
2016
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
Pela leitura e discussão dos estágios iniciais deste trabalho durante o exame de
qualificação, bem como pelos desafios colocados para o seguimento da pesquisa, agradeço à
Yara Frateschi e ao Rúrion Melo. Ao Rúrion, ao Felipe Gonçalves, ao Denílson Werle e à
Monique Huslof, agradeço por terem aceitado ler e debater a versão final do texto. A todos,
sou muito grata pela atenção e o cuidado dedicados.
Sou igualmente grata aos companheiros de Alemanha, que se tornaram para toda a
vida. Em Marburg, o inverno se tornou não apenas suportável, mas genuinamente aprazível na
convivência com Caio Vasconcellos, Emmanuel Nakamura, Luís Fernando Furtado, Vladimir
Puzone e Sofia Stafidou; e Berlin se tornou ainda mais incrível na companhia dos já
mencionados e de Carise Fernandes, Cathrin Anja, Fábio Nolasco, Gabriel Furtado, Gabriel
Valladão, Guilherme Leite, Júlia Neves, Krista Lillemets, Lígia Campos, Luciano Gatti,
Matthias Dettke e Tânia Kuhnen. Aos amigos de antes, durante e depois: Arthur Welle, Carlos
Pissardo, Elisa Nickel, Eugênio Gonçalves, Fábio de Maria, Felipe Durante, Jeremias Perez,
Lucas Martins, Marcelo Ribeiro, Rafael do Nascimento Cesar, Renata Cotrim e Ricardo
Normanha. À Ximena, Emilia, Inés, Stella e Eduardo. À Juliana Carlos e ao Caio Pedrosa,
agradeço o estímulo e a amizade que nunca faltaram.
Procurei palavras para qualificar o apoio dos meus pais, Haydée Torres e
Bernardo Teixeira, mas não encontrei. Acho que elas ainda estão por ser inventadas. Na falta
delas, recorro a termos tão clichês quanto verdadeiros: meus pais permaneceram ao meu lado
de maneira incondicional, porém delicada. Sei que isso não é algo que se possa dar de barato,
mesmo se tratando de família. Junto ao Jan-Peter Bartels, minha irmã, Laura Teixeira, tornou
minha estadia na Alemanha muito mais acolhedora. Devo a ela o companheirismo e o apoio
em momentos decisivos da pesquisa e de toda a vida. Aprendi muito com a Laura; acima de
tudo, aprendi a não mais vê-la com os olhos condescendentes de irmã mais velha, e assim
admirá-la genuinamente. Espero, um dia, ser como ela.
1 As páginas após as abreviações são acompanhadas de uma indicação do idioma da edição a que
pertencem, de acordo com a seguinte nomenclatura: alemão (de), português (pt), inglês (en), italiano
(it) ou espanhol (es).
UoA (2003): Umverteilung oder Anerkennung? (et Nancy Fraser) (Redistribuição ou
reconhecimento?)
WdZ (1986): Eine Welt der Zerrissenheit (Um mundo de dilaceração)
ZlB (1979): Zur ‘latenten Biographie’ von Arbeiterjugendlichen (Para uma ‘biografia
latente’ da juventude trabalhadora)
Sumário
Introdução 17
I - RECONHECIMENTO 32
II - PASSAGEM 170
IV - RECONSTRUÇÃO 318
Considerações finais:
Reconstruindo a passagem do reconhecimento à liberdade 373
Introdução
Talvez o melhor ponto de entrada para introduzir o tema desta tese seja examinar
o título escolhido. Começarei, mais precisamente, pelo subtítulo. Trata-se, aqui, de uma
reconstrução da negatividade latente na teoria crítica de Axel Honneth em dois
sentidos. De um lado, a intenção é mostrar o lugar que a ideia de “reconstrução da
negatividade latente” tem na obra do autor. De outro, contudo, pretendo reconstruir uma
negatividade que, apesar de constitutiva, está por vezes latente na teoria de Honneth.
“Latente”, é importante lembrar, refere-se a algo não aparente, oculto, mas também, ao
mesmo tempo, algo potencial, em germe, algo que pode vir a ser ativado, desenvolvido. A
reconstrução, portanto, tem esse duplo intento: revelar e desdobrar algo que está em estado
de latência.
Que direção, pode-se perguntar então, esse desdobrar deve tomar? Afinal, a
reconstrução pode levar a diferentes caminhos, a depender dos objetivos de quem a realiza.
Aqui, a teoria de Honneth é reconstruída com a intenção de atingir a meta que ela própria se
fixou, como na definição esboçada por Jürgen Habermas acerca da reconstrução do
materialismo histórico. A ideia é decompor e recompor uma teoria que “carece de revisão,
mas cujo potencial de estímulo não chegou ainda a se esgotar”.2 O texto busca, assim,
compreender os pressupostos e as implicações da teoria honnethiana do reconhecimento, bem
como de suas transformações, para então, a partir desse quadro geral, identificar insuficiências
ou mesmo deficiências teóricas e, em seguida, averiguar a possibilidade de encontrar na
própria lógica interna da teoria honnethiana – a partir de potenciais não explorados e
caminhos promissores não trilhados – elementos que possam ajudar a superá-las. Trata-se de
uma análise crítica do projeto teórico de Honneth, mas uma análise que é imanente às
intenções mais gerais desse projeto mesmo.
Mas o que se pode considerar que seja a meta que a própria teoria se fixou, no
caso do projeto crítico de Honneth? O título dado à tese – Patologias sociais, sofrimento e
resistência – contém os três elementos que, articulados de determinada maneira, indicam
aquilo que vejo como o mote central de tal projeto: a investigação acerca da possibilidade de
2
Habermas, 1983 [1976]: 11.
18
resistência frente a experiências de injustiça que são vivenciadas pelos atores sociais de modo
doloroso, isto é, como sofrimento. A possibilidade de resistir a situações sociais de opressão é
dada, no modelo crítico de Honneth, pela motivação que advém do interesse emancipatório na
libertação com relação ao sofrimento. Trata-se, entretanto, apenas de uma possibilidade. O
seu inverso, isto é, quando há um bloqueio sistemático na conexão motivacional entre
sofrimento e resistência, pode ser concebido então como uma patologia social.
Ao longo do texto, procuro mostrar que esta leitura do projeto teórico de Honneth
é plausível, e também fecunda, na medida em que procura trazer à tona o seu potencial para
uma análise crítica do tempo presente.
3
Cf. Alexander & Lara (1996), Anderson (2000 e 2011), Basaure (2011c) e Petersen & Willig (2004).
4
Sobre as origens e os desenvolvimentos da primeira geração da teoria crítica, cf. os notórios estudos de
Wiggershaus (1986), Dubiel (1985) e Jay (2008 [1973]). Cf. também a caracterização dos círculos interno e
externo dos autores ligados ao Instituto feita por Honneth (1999 [1987]). Habermas é considerado o principal
autor da segunda geração da teoria crítica, que inclui também Albrecht Wellmer, Oskar Negt e Claus Offe,
entre outros.
5
Tendência que inclui autores como Charles Taylor, Michael Walzer, David Miller, Robert Pippin, Terry
Pinkard, Robert Bradom, John McDowell e Jean-François Kervégan, entre outros. Sobre a interpretação de
alguns desses autores acerca da teoria hegeliana (particularmente do significado da Fenomenologia do
espírito), cf. Nobre (2013a).
6
Cf. Busch & Zurn (2009 [orgs.]), Habermas (2004 [1994]), Halbig & Quante (2003 [orgs.]), Iser (2008) e
Wimbauer, Henninger & Gottwald (2007 [orgs.]).
19
e nórdico9, entre outros. No Brasil, também, aos poucos tem se estabelecido uma produção
teórica centrada na teoria do reconhecimento e na obra de Honneth em seu conjunto.10 Além
das coletâneas e monografias, há uma infinidade de artigos sobre o tema, e cabe destacar que
diversos periódicos dedicaram números especiais à teoria de Honneth em particular, ou à
teoria do reconhecimento de modo geral.11
Cumpre notar, decerto, que a direção tomada por Honneth em seu modelo crítico
naturalmente está longe de gozar de uma apreciação unânime. 12 Ao contrário, a teoria
honnethiana da luta por reconhecimento esteve no centro de diversos debates e controvérsias,
não apenas no embate com pensadores de outras tradições conceituais, mas mesmo no próprio
contexto da teoria crítica. Seja por parte de estudiosos da teoria crítica voltados para a
primeira e a segunda gerações, seja por parte de autores contemporâneos que se propõem a
desenvolver modelos críticos alternativos, a teoria honnethiana tem sido objeto de diversas
contestações ou correções parciais, que visam apontar (e, por vezes, superar) aspectos
considerados problemáticos, bem como de reprovações mais gerais e contundentes, e mesmo
7
Cf. Bankovsky & Le Goff (2012 [orgs.]), Battegay & Payet (2008 [orgs.]), Caillé (2007 [org.]), Caillé &
Lazzeri (2009 [orgs.]), Carré (2013), Deranty, Petherbridge, Rundell & Sinnerbrink (2007 [orgs.]), Lazzeri &
Nour (2009 [orgs.]) e Renault (2004a e 2004b [2000]).
8
Cf. Brink & Owen (2007 [orgs.]), Connolly, Leach & Walsch (2007 [orgs.]), Deranty (2009), Markell
(2003), McBride (2013), O’Neill & Smith (2012 [orgs.]), Petherbridge (2011 [org.] e 2013), Thompson
(2006) e Zurn (2015).
9
Cf. Jakobsen & Lysaker (2015 [orgs.]) e Ikäheimo & Laitinen (2011 [orgs.]).
10
Cf. Bressiani (2015), Mattos (2006), Melo (2013a [org.]), Sobottka (2015) e Silva (2008).
11
Cf. os números especiais de: Theory, Culture & Society (2001), Inquiry (2002), Acta Sociologica (2004),
Revue du MAUSS (2004), European Journal of Political Theory (2007 e 2009), Civitas (2008 e 2009),
Distinktion (2012), Ethical Theory and Moral Practice (2013), Krisis (2013), Sociologias (2013), Critical
Horizons (2015), Social and Political Thought (2015), Zeitschrift für kritische Theorie und Philosophie
(2015).
12
Sobre a ideia de modelo crítico, cf. Nobre (2004 e 2008b). Cf. também Nobre (2013b) para a relação entre
modelo e paradigma crítico.
20
algumas rejeições peremptórias. As objeções mais frequentes direcionadas à teoria da luta por
reconhecimento indicam deficiências de diferentes ordens, e podem ser agrupadas nos
seguintes eixos:
13
Apontam consequências problemáticas da centralidade de uma antropologia filosófica na teoria de Honneth
(especialmente em Luta por reconhecimento): Alexander & Lara (1996), Cooke (2006), Fraser (2003a e
2003b), Kompridis (2004), McNay (2008b), Melo (2013b), Pippin (2000) e Zurn (2000).
14
Cf. Fraser (2003a). Nesse sentido, Thompson (2014) considera o pensamento de Honneth uma “virada neo-
idealista” na teoria crítica.
15
Cf. Fraser (2003b) e Zurn (2005).
21
16
Cf. Feenberg (1994).
17
Cf. McNay (2008a, 2008b), Renault (2011) e Seglow (2009).
18
Cf. Allen (2010), Basaure (2011b), Chambers (2004), Deranty & Renault (2007), Foster (1999), Kalyvas
(1999), Lubenow (2010), Melo & Werle (2007 e 2013). Basaure (2011b: 236) fala em uma “deficiência
política” (e propõe o conceito de “reconhecimento político”), Deranty & Renault (2007: 99) em um
“desenvolvimento insuficiente do político”, e Melo & Werle (2007 e 2013) em um “déficit político” da teoria
honnethiana do reconhecimento.
19
Cf. Alexander & Lara (1996), Bedorf (2010), Bertram & Celikates (2015), Celikates (2007), Forst (2007a),
Jaeggi (2013), Kompridis (2004), Markell (2003), McBride (2013) e McNay (2008a).
20
Cf. Bader (2007) e Brink (2007).
22
Esses eixos não se distinguem claramente uns dos outros. Às vezes, as objeções se
opõem, por certo; muitas vezes, ao contrário, elas se entrelaçam e se reforçam mutuamente.25
Algumas propõem correções e complementações de pontos específicos, outras apontam
deficiências que poderiam ser sanadas com deslocamentos teóricos de maior monta, e outras,
ainda, indicam a necessidade de abandonar qualquer modelo teórico centrado na categoria do
reconhecimento. Em termos do que interessa a esta tese, o que as objeções apresentadas têm
21
Cf. Alexander & Lara (1996), Forst (2007b), Fraser (2003a e 2003b), Kalyvas (1999), Kompridis (2004) e
McNay (2008a e 2008b).
22
Cf. Young (2007) e Fraser (2003b).
23
Essa crítica intensificou-se após as publicações mais recentes de Honneth que tratam da ideia de
reconstrução normativa. Cf. Schaub (2015) e McNeill (2015).
24
Cf. Allen (2016).
25
Não é difícil perceber como podem estar relacionadas as críticas dos déficits econômico, sistêmico e
institucional, por exemplo, ou então dos déficits institucional, político e de negatividade. Por outro lado,
muitas vezes (mesmo que não necessariamente) a crítica do déficit normativo aponta em uma direção oposta
à do déficit histórico, já que uma tende a contestar a falta de transcendência e a outra a falta de
contextualismo da teoria do reconhecimento.
23
em comum – mesmo aquelas que apontam em direções opostas umas das outras – é a ideia de
que os déficits da teoria honnethiana do reconhecimento resultam na erosão ou, ao menos, na
debilitação da sua capacidade de oferecer um quadro de interpretação crítica do presente.
Sofrendo de um déficit crítico, a teoria de Honneth não permite uma postura genuinamente
não conformada com relação ao sistema de dominação vigente e teria implicações prático-
políticas, no melhor dos cenários, conformistas e conservadoras – e no pior cenário,
mistificadoras, ideológicas ou retrógradas. Trata-se de uma consequência que não pode ser
ignorada ou menosprezada por um filósofo que compreende seu fazer teórico como parte do
mundo e que pretende que este fazer esteja orientado para a emancipação.
Tendo esse quadro em vista, cabe esclarecer que a proposta, aqui, não é defender
o modelo crítico de Honneth mediante a confrontação, uma a uma, das objeções feitas a ele. E
isso não apenas porque tal empreitada ultrapassaria os limites de uma tese, mas, acima de
tudo, porque não considero que seja algo nem possível, nem frutífero. Impossível, já que há
sem dúvida inúmeras críticas que atingem aspectos frágeis, parciais, insuficientemente
desenvolvidos ou francamente problemáticos e questionáveis da teoria honnethiana, às quais
não é possível escapar sem deslocamentos teóricos de maior ou menor alcance. Infrutífero,
pois buscar redarguir às objeções a todo custo não apenas representaria meramente a atitude
sectária ou tendenciosa característica de uma “escola de pensamento”, mas também e
principalmente porque não se poderia, desse modo, estimar o papel produtivo e fecundo que
as contestações e críticas (ou, de modo geral, o debate e o desacordo) tiveram tanto na
conformação do modelo crítico de Honneth quanto nas suas transformações, bem como no
desdobrar de teorias sociais com intenção crítica de modo geral.
Ao mesmo tempo, este trabalho foi movido pela intenção de mostrar que o
impulso teórico que animou a formulação do modelo crítico da luta por reconhecimento
guarda ainda potenciais não exauridos de desenvolvimento, os quais podem ser mobilizados
para dar conta de parte importante das suas deficiências e fragilidades – mesmo que o próprio
Honneth não tenha seguido esse caminho ou o tenha feito apenas parcialmente. No curso da
reconstrução do projeto crítico do autor, deve tornar-se compreensível a natureza da resposta
24
que Honneth procurou dar, ou poderia ter dado, a algumas das objeções mais importantes à
teoria do reconhecimento.26
É preciso aqui, no entanto, dar mais concretude a estas afirmações. Afinal: o que
caracteriza propriamente aquele impulso teórico, quais são as suas virtudes e fragilidades, e
como seu potencial pode ser desdobrado de forma frutífera? Uma análise dos estudos
publicados por Honneth no período que antecede a escrita de Luta por reconhecimento, isto é,
no fim da década de 1970 e durante a década de 1980, não deixa dúvidas acerca da
preocupação central do autor: contrapor-se a toda tendência funcionalista de teoria social, de
modo a evitar suas implicações não apenas no nível teórico (inabilidade de identificar,
tematizar e apreender – e, assim, desvelar – demandas subterrâneas por justiça), mas também
no nível prático-político (incapacidade de participar de forma fecunda na articulação teórica
de tais demandas e de contribuir para o seu desdobramento mediante a construção de um
repertório reflexivo compartilhado). Seja no nível da teoria da ação (utilitarismo), seja no
nível da integração e reprodução social (teoria sistêmica), seja em ambos (estruturalismo), o
funcionalismo é visto por Honneth como obstáculo para uma teoria crítica da sociedade. Isso
torna especialmente problemáticas, então, as vertentes estruturalistas do marxismo, por
exemplo, já que elas manifestam a intenção de fornecer um aporte crítico, mas o seu próprio
modo de proceder mina as possibilidades para tanto. A figura que concentra esse tipo de
problema de forma paradigmática e se apresenta para Honneth, assim, como objeto
privilegiado de contestação pode ser encontrada no estruturalismo de Louis Althusser. Com
isso, Honneth toma posição no debate que, na época, contrapunha também dentro do
marxismo os polos estruturalista e hermenêutico (ou historicista) que caracterizavam a
sociologia, a historiografia e as ciências sociais de modo geral. Honneth censura então não
26
De saída, é preciso reconhecer que a análise mais substantiva de Ação social e natureza humana (escrito
junto a Hans Joas em 1980) e Reificação (publicado em 2005) certamente contribuiria para o escopo desta
tese. Não foi possível, no entanto, integrar essas análises neste momento.
25
apenas Althusser, mas também Michel Foucault, e mesmo representantes da teoria crítica em
sentido mais restrito – Adorno, Horkheimer e Habermas –, pois considera que eles fizeram
concessões inaceitáveis ao utilitarismo (Adorno e Horkheimer) e à teoria sistêmica
(Habermas), subestimando, respectivamente, o caráter normativo dos conflitos sociais e o
caráter conflituoso da normatividade. Essa interpretação foi desenvolvida pelo autor em
Crítica do poder (1986). Para apoiar sua posição, então, Honneth recorre a uma série de
investigações centradas na noção de cultura política que vinham sendo desenvolvidas
especialmente no contexto anglo-saxão, mas não apenas, e que buscavam dar ao marxismo
uma disposição mais receptiva e sensível a formas difusas, implícitas ou invisíveis de
opressão e resistência – sem abrir mão da dimensão explicativa representada pela categoria de
classes sociais. Os chamados estudos culturais, ao articularem no âmbito teórico, com a ajuda
de métodos historiográficos e etnográficos, as experiências quotidianas dos atores sociais,
seus sentimentos de injustiça e as motivações de sua revolta, suas lutas simbólicas e
identitárias, representam para Honneth um poderoso aliado no enfrentamento das
consequências acríticas do funcionalismo. A sua força, contudo, reflete também a sua
fraqueza: ao permanecerem presos ao caráter episódico e contingente dos fenômenos
investigados, os autores vinculados aos estudos culturais não foram capazes de expandir os
resultados de suas pesquisas para uma concepção mais abrangente acerca da formação da
subjetividade humana de forma a explicar a motivação moral dos conflitos sociais de modo
geral.
conflitos sociais como disputas estratégicas, ao passo que, em seus escritos de juventude de
Jena, Hegel foi capaz de sugerir uma interpretação alternativa, posteriormente abandonada
pelo próprio autor. Tentativas de dar continuidade aos insights de Hegel foram feitas por
pensadores pós-hegelianos como Karl Marx, Georges Sorel e Jean-Paul Sartre, mas nenhum
deles foi feliz nessa empreitada. Honneth se propõe, então, a levar a cabo essa tarefa e, para
tornar o pensamento de Hegel plausível no contexto atual, recorre à psicologia social
interacionista de George H. Mead. Com esse “controle empírico” da teoria hegeliana,
Honneth considera estarem dadas as condições para a formulação de uma antropologia formal
ao mesmo tempo plausível e capaz de abarcar uma concepção geral, fundamentalmente
intersubjetiva e conflituosa, do processo de formação dos sujeitos humanos.
Tendo esse quadro geral em conta, Honneth apresenta uma fenomenologia das
relações de (luta por) reconhecimento, diferenciadas em três padrões: amor, direitos e estima;
em seguida, o autor expõe as formas de desrespeito que correspondem a cada um dos padrões
de reconhecimento. Essa tipologia fenomenológica representa a particularidade e
originalidade da sua contribuição teórica, para além da articulação de Hegel e Mead. Em que
pese esse modo de apresentação (isto é: da fenomenologia dos padrões de reconhecimento
para a das formas de desrespeito), procuro mostrar que o modo de investigação adotado pelo
autor segue a ordem inversa. A experiência negativa de desrespeito, portanto, é uma categoria
chave de Luta por reconhecimento. Ao suscitar um sofrimento moral (e as reações emocionais
decorrentes) nos atores sociais, ela chama a atenção do teórico para a motivação moral dos
conflitos sociais (como fica claro nas pesquisas dos estudos culturais, por exemplo). É trazida
à luz, assim, indiretamente, pelo caminho da sua violação, uma série de expectativas
normativas e consensos morais implícitos, invisíveis, não refletidos ou articulados, em suma:
a infraestrutura moral da integração social.
noção de experiência subjetiva ele reafirma sua posição original, no que tange à plausibilidade
de uma antropologia formal ele recua e reconhece a necessidade de uma abordagem mais
histórica acerca da formação da identidade e da subjetividade humanas. No que se refere à
suposta incapacidade da teoria da luta por reconhecimento em abarcar teoricamente a
dinâmica de funcionamento e reprodução da economia capitalista, por fim, Honneth é
bastante ambivalente, afirmando ora que esse tipo de explicação foge ao escopo de seu
modelo teórico, ora que a teoria do reconhecimento apenas precisaria ser desenvolvida ou
desdobrada para se mostrar capaz de oferecer um modelo de explicação da economia
capitalista alternativo ao da integração sistêmica, e ora, por fim, que não é possível sequer
fazer a distinção entre integração social e sistêmica.
entanto, Honneth implementa uma transformação adicional. No livro de 2001, já havia saído
de cena o desrespeito, isto é, a injustiça, que havia sido substituída pela categoria da patologia
social; em 2011, contudo, a própria ideia de patologia parece perder espaço para a de
anomalia social, pelo menos no que se refere ao diagnóstico de época nas esferas da eticidade.
Esse deslocamento tem, procuro mostrar ao final, implicações importantes para o projeto
crítico de Honneth. Ao excluir as patologias sociais da eticidade, argumento, o autor privou-se
da possibilidade de vincular de forma produtiva as reconstruções conceitual e histórica da
liberdade social. Um caminho fecundo, defendo ainda, seria apostar em uma articulação das
categorias de patologias sociais e de injustiças sociais – algo que poderia contribuir para um
desenvolvimento do projeto crítico de Honneth no sentido de preservar os pontos fortes tanto
do modelo do reconhecimento quanto do modelo da liberdade.
Paralelamente a essa trajetória que segue mais ou menos de perto a publicação das
principais obras de Honneth, os excursos posicionados ao final das Partes I, II e III tratam de
três momentos no quais o autor reflete acerca da ideia de patologias sociais. O Excurso 1
aborda o texto “Patologias do social”, o Excurso 2 trata do ensaio “Uma patologia social da
razão”, e o Excurso 3 lida com o artigo “Doenças da sociedade”. Publicados com dez anos
de diferença uns dos outros – em 1994, 2004 e 2014, respectivamente –, esses textos
fornecem um balanço condensado dos estágios de desenvolvimento da teoria honnethiana. No
texto de 1994, isto é, ainda no paradigma do reconhecimento, Honneth está preocupado em
defender que os fenômenos sociais negativos que são o próprio objeto da filosofia social
devem ser considerados como a deterioração das condições básicas da autorrealização dos
atores sociais, e não como apenas violações de princípios de justiça (sem, com isso,
comprometer-se com qualquer concepção substantiva e particular de vida boa). Já em 2004,
no que considero um período de transição na teoria de Honneth, o autor indica a necessidade
não apenas de diagnosticar as patologias sociais que impedem a autorrealização dos sujeitos,
mas também de mostrar que as patologias atingem, nos atores sociais, aquelas “capacidades
racionais” que são precisamente o que permitiria a eles se contraporem as patologias e
superarem-nas. As patologias sociais passam, então a ser consideradas em dois níveis de
atuação: como bloqueio da autorrealização (o que configura uma injustiça) e como bloqueio
da reflexividade sobre a injustiça. Para sair desse círculo vicioso, Honneth recorre então à
ideia de interesse emancipatório, segundo a qual o bloqueio da autorrealização não pode
31
deixar os atores concernidos indiferentes, mas deve causar algum tipo de mal-estar, e é esse
mal-estar, esse sofrimento social que guarda o potencial motivacional, ainda latente, para a
resistência individual e coletiva. Esse caminho, a meu ver realmente promissor, foi entretanto
abandonado por Honneth nos anos seguintes. Assim, em 2014, já no paradigma da liberdade
social, saem de cena tanto as injustiças quanto as patologias sociais, as quais dão lugar para o
que o autor chamada de doenças da sociedade. Ainda mais que as anomalias sociais presentes
em O direito da liberdade, as doenças da sociedade apontam na direção de um desequilíbrio
nas competências funcionais que garantem a manutenção e a reprodução das sociedades,
vistas aqui nos moldes de um organismo. Com essa virada funcionalista, Honneth põe a
perder, acredito, precisamente aquele impulso que o motivou a desenvolver um modelo crítico
próprio, isto é: a superação, no pensamento crítico, das tendências funcionalistas que
impediam que se revelasse, na própria vida social, um potencial latente de resistência à
dominação.
I
RECONHECIMENTO
33
27
Título original: Kritik der Macht: Reflexionsstufen einer kritischen Gesellschaftstheorie (abreviado daqui em
diante como KdM).
28
Honneth reconhece, no posfácio de 1988, que desenvolve nesse livro, indiretamente, um modelo de conflito
social apoiado em uma teoria da comunicação; esse desenvolvimento é indireto porque se dá via uma
reconstrução da história da teoria (KdM: 380de; XIIIen ss).
34
29
O livro é composto por nove capítulos, seis dos quais constituem a tese de doutorado de Honneth apresentada
à Freie Universität-Berlin em 1983 (os capítulos sobre Horkheimer, Adorno e Foucault). Os três capítulos
sobre Habermas foram incorporados quando da publicação da tese em forma de livro, dois anos depois.
35
30
A ordem de exposição adotada nesse capítulo observa o grau de proximidade dos autores abordados com
relação ao projeto teórico de Honneth, começando com o mais distante (Althusser) e concluindo com o mais
próximo (Habermas).
31
Título original: “Geschichte und Interaktionsverhältnisse. Zur strukturalistischen Deutung des Historischen
Materialismus” (abreviado daqui em diante como GuI). Vale notar que o texto de Honneth foi publicado um
ano antes de The Poverty of Theory, livro de E. P. Thompson que se tornaria uma importante referência para
a crítica do estruturalismo (cf. Thompson, 1978).
36
Honneth não procura nesse texto restaurar qualquer forma de filosofia da história
que pressuponha um macrossujeito, ideia à qual ele permanece crítico. O problema da censura
estruturalista ao historicismo, porém, reside em borrar a diferença entre uma concepção de
continuidade temporal que é simplesmente uma pressuposição histórico-filosófica e outra que
é reconstruída a partir do desenvolvimento histórico material e cultural das sociedades
humanas. A unificação da história apenas no primeiro caso pode ser imputada a um
macrossujeito, a um “espírito”, ao passo que a segunda concepção de desenvolvimento
orienta-se por relações históricas em que uma pluralidade de sujeitos se engaja em lutas e
conflitos interpretativos. O estruturalismo não é, portanto, a única alternativa possível ao
historicismo: para Honneth, uma abordagem mais interessante consiste em tomar o domínio
dos objetos histórico-sociais como constituído de modo intersubjetivo, conflituoso e
normativo.33
32
Esta questão é fundamental para a teoria crítica porque tem consequências não apenas teóricas, mas também
prático-políticas: como o materialismo histórico de Althusser concebe o processo histórico apenas como a
reprodução da formação socioestrutural capitalista, e não como um processo experiencial de grupos e classes
sociais que processam subjetivamente as contradições sociais objetivas, torna-se para ele muito custoso, se
não impossível, estabelecer uma conexão com a autointerpretação dos movimentos sociais emancipatórios.
33
O argumento é semelhante àquele mobilizado na interpretação da obra de Michel Foucault em Crítica do
poder, abordado adiante (cf. item 1.1.2.). No texto de 1977, entretanto, em lugar de descartar a ideia de um
sujeito da história, Honneth desloca sua interpretação de um pressuposto ontológico para uma projeção
37
normativa, na qual a integração historicamente possível das variadas unidades de ação seria tematizada em
termos de uma “humanidade consciente de si própria” (GuI: 420de; 84en).
34
Título original: “Reproduktion und Interaktion. Grundfragen einer materialistischen Sozialisationstheorie –
und wie man sie nicht beantwortet” (abreviado daqui em diante como RuI).
38
35
A ideia de assumir a perspectiva do outro é emprestada por Honneth e Paris da tradição do interacionismo
simbólico desde G. H. Mead e seu conceito de role-taking, de acordo com o qual assumir o papel do outro é
uma condição fundamental para a possibilidade das interações sociais como tais.
39
A necessidade de que o teórico adote o ponto de vista dos atores sociais aparece
também em “Para uma análise interacionaista da política”,36 resenha na qual Honneth e Paris
saúdam a tradução alemã de The Symbolic Uses of Politics – livro de Murray Edelman que
consideram poder contribuir para mitigar o “déficit teórico-interacionista e social-psicológico
das teorias políticas das crises” (IvP: 138). Isto porque a obra fornece subsídios importantes
para uma compreensão da dimensão interativa e simbólica dos mecanismos ideológicos de
implementação das políticas estatais, seus mitos e rituais de legitimação, bem como a conexão
entre experiências de crise e reações sociais de recusa. Honneth e Paris ressalvam entretanto
que não basta, para uma crítica adequada da ideologia, analisar a funcionalidade da imposição
de determinadas políticas e dos rituais que as acompanham. A esta perspectiva formal, “de
cima”, deve ser acrescentado o ponto de vista informal, “de baixo”, que procura entender
também as diferenças e peculiaridades específicas de classe na recepção de tais políticas. O
livro de Edelman falharia, portanto, ao tomar os sujeitos empíricos quase que apenas sob a
perspectiva do Estado (como destinatários de uma práxis político-simbólica de dominação) e
ao não se debruçar sobre as condições interativas (comunicativas) de recepção do simbolismo
político (IvP: 141). Se a interação política aparece unicamente como interação entre
macrossujeitos organizados, permanece fora da visão a relevância política da interação
quotidiana entre os indivíduos, bem como suas possíveis transformações em conexão com
movimentos sociais (IvP: 141). Se, por um lado, Edelman discute a ausência de organização
formal e liderança política explícita em levantes de massa, “no entanto, não são por ele
tematizadas as estruturas interativas da esfera pública construídas de início informalmente e
que são, mais tarde, institucionalmente asseguradas” (IvP: 141).
*
36
Título original: “Zur Interaktionsanalyse von Politik” (abreviado daqui em diante como IvP).
41
Nessa primeira fase de sua obra, Foucault está preocupado em analisar a formação
do pensamento europeu moderno a partir de um ponto de vista externo a ele. Para tanto, diz
Honneth, Foucault pretende utilizar um método semelhante à etnologia – uma disciplina
tradicionalmente associada à investigação de culturas alheias, distintas daquela do
investigador. Seria assim preciso tomar distância com relação aos pressupostos centrais do
pensamento europeu, de forma que eles apareçam como estranhos ao olhar do etnólogo da
própria cultura. E o pressuposto que Foucault toma como decisivo nesse contexto é a posição
central que a ideia de sujeito ocupa na ciência e na cultura europeias: o sujeito é aquela
entidade que, mesmo estando submetida às leis objetivas da natureza, detém ao mesmo tempo
a capacidade para a agência e a transformação do seu entorno; em outras palavras, pode-se
atribuir a ele ações eficazes e intencionais. A chamada filosofia da reflexão ou filosofia do
sujeito constitui, então, a novidade da modernidade europeia, e é desse paradigma que
Foucault procura manter-se distante.
42
37
O estruturalismo semiótico mira, com sua crítica, a autocerteza do eu que é o cerne da filosofia da
consciência, e o faz por meio da ideia de que todo ato individual atribuidor de sentido depende sempre de um
sistema de signos que constitui uma entidade autônoma, que opera a despeito das intenções do sujeito – que é
então, por assim dizer, conformado por uma lógica externa a ele próprio. Como consequência, temos que o
sujeito é somente o autor fictício de seus atos de sentido (KdM: 140de; 123en). Com a ideia de que os
sujeitos individuais estão subordinados a regras linguísticas abrangentes, Foucault pretende ter alcançado
uma forma de proceder distanciada da centralidade atribuída pela cultura europeia ocidental ao papel ativo do
sujeito.
43
38
Nas palavras de Honneth: “no lugar de uma tentativa tornar estranha a cultura que lhe é própria e familiar,
tentativa na qual são metodologicamente colocadas entre parênteses as convicções fundamentais e as
concepções de racionalidade que são inerentes a essa cultura, surge a tentativa de compreender a própria
cultura como um evento social de fato não-intencional, regulado de forma anônima. Afirmações ontológicas
acerca da constituição da realidade linguística acabam, então, explicando o domínio do objeto que deveria,
originalmente, somente ser observado como se ele pudesse aparecer como independente das suas próprias
referências de sentido” (KdM: 167de; 147-8en).
39
KdM: 137de; 120en. Contra a hermenêutica, que vê a história como um documento a ser interpretado,
Foucault propõe uma história como monumento, o qual só pode ser decifrado por meio de uma atividade
arqueológica, ou seja: o material histórico não é constituído de um texto, de um contexto de símbolos
44
seria do que a sequência diacrônica de suas ações significativas; Honneth, por sua vez,
defende que essa pressuposição de um sujeito único não é algo necessário à hermenêutica:
uma outra forma de ver a questão seria considerar o documento histórico como fruto da
interação de pelo menos dois sujeitos – algo que Foucault não toma em consideração em sua
crítica às propostas metodológicas que têm por base alguma variação da filosofia da reflexão
(KdM: 137de; 120en). Por conseguinte, uma alternativa para explicar o princípio de
funcionamento da formação dos discursos seria explicar a unidade de um discurso por meio
da referência às realizações cognitivas que os atores sociais levam a cabo intersubjetivamente.
Este não é o caminho seguido por Foucault. Porém, mesmo se não toma
explicitamente as relações intersubjetivas como o centro de sua teoria, como gostaria
Honneth, Foucault não obstante se afasta do paradigma do estruturalismo semiótico e, nas
obras posteriores a Arqueologia do saber, substitui gradativamente sua teoria do
conhecimento baseada na análise do discurso por uma teoria do poder informada por uma
interpretação mais determinada da realidade social. Nesta nova fase, o contexto das estruturas
sociais extradiscursivas, que antes aparecia de forma muito vaga, passa a ocupar o primeiro
plano. A história humana surge, então, não mais como a história da linguagem e dos signos,
mas como a história dos conflitos e das lutas estratégicas.
providos de significado, mas de uma estrutura de signos empiricamente dados, sem intencionalidade, que
deve ser analisada sob uma perspectiva mais funcionalista que interpretativa. Com isso, ele pretende afastar o
perigo no qual incorre a hermenêutica ao permanecer na superfície, no mundo aparente de um sujeito
consciente e no domínio de suas próprias intenções. Para Honneth, contudo, isso significa subestimar a
importância da hermenêutica no próprio paradigma arqueológico: não é possível reconstruir de forma
inteligível um “monumento” em seus aspectos funcionais, como pretende Foucault, sem referência ao
contexto de significado e de intenção de cada elemento do todo.
40
No mesmo sentido, Foucault se coloca também contra uma concepção centralizada do exercício do poder,
desenvolvendo em seu lugar o que ele chama de uma microfísica do poder.
45
que o poder assegurado numa situação não pode ser estabilizado definitivamente em
instituições fixas, mas depende da sua confirmação em uma luta social permanente.
como meros meios de um domínio unilateral da força, mediante os quais um sistema social
“ao mesmo tempo controla, seleciona, organiza e redistribui a produção de discursos”
(Foucault, L’Archéologie du savoir, apud KdM: 163de; 144en).
41
Honneth destaca que se trata de uma solução diferente da de Talcott Parsons para a insuficiência do par
violência/ideologia para explicar a estabilidade de uma ordem social marcada pela dominação. Para Parsons,
que se inspira em Durkheim, é preciso lembrar que as ações dos membros da sociedade se conectam com
base em valores conjuntamente reconhecidos. Assim, enquanto Foucault se volta para as normas de conduta
corporal com vistas ao controle dos sujeitos, Parsons se detém nas normas morais que perpassam as atitudes
(inclusive as conflituosas) dos indivíduos em sociedade (KdM: 182-3de; 163-4en). Evidentemente, Honneth
considera a saída de Parsons mais adequada, retomando-a recentemente em seu livro O direito da liberdade.
47
O que importa para Honneth, aqui, pode ser formulado da seguinte maneira: se,
para Foucault, a integração social nas sociedades modernas é fruto de relações unidirecionais
e sistêmicas de poder, o próprio processo de individuação e socialização dos sujeitos só pode
ser o resultado de uma disciplinarização levada a cabo por instituições adequadas a tal função.
Honneth encontra uma série de deficiências nessa concepção da formação da subjetividade:
em primeiro lugar, ele considera problemático pretender explicá-la somente a partir de
42
KdM: 199de; 179en. Foucault define o tipo de integração social das sociedades modernas segundo o modelo
de instituições totais sem levar em conta as realizações universais do direito burguês, por exemplo, porque
para ele a lei (assim como a moral, os valores socialmente aceitos, a orientações culturais normativas etc.)
não é mais que um meio para esconder objetivos estratégicos numa situação de luta (KdM: 219de; 197en).
49
A dimensão da luta social também fica de fora deste quadro teórico: “os conflitos sociais,
então, em lugar de constituírem o fundamento prático da institucionalização de formas de
dominação, são os vales cotidianos por sobre os quais o processo sistêmico abre o seu
caminho” (KdM: 216de; 195en).
43
Honneth destaca que, para Foucault, parece suficiente identificar dois processos que ocorreram no século
XIX como propulsores da formação das instituições disciplinares: o crescimento demográfico e o
desenvolvimento das forças produtivas.
50
Dito de outro modo: tivesse se detido com mais detalhe e de forma mais plural na
ideia de conflito social como o processo gerador de ordens de dominação, considerando
outros tipos de luta que não apenas a estratégica, Foucault poderia ter descoberto um outro
leque de motivações que levam os atores ao confronto social. Motivações, aliás, fundamentais
para explicar a estabilização de sistemas de poder – a qual não pode ser unilateral, mas tem
que se dar com a participação mais ou menos ativa de todos os envolvidos no conflito.
44
Esse movimento é visível sobretudo nos textos por ele publicados durante esse período na revista do Instituto
de Pesquisa Social: “Die gegenwärtige Lage der Sozialphilosophie und die Aufgaben eines Instituts für
Sozialforschung” (1931), “Geschichte und Psychologie” (1932), “Zum Problem der Voraussage in den
Sozialwissenschaften” (1933), “Autorität und Familie ” (1936) e “Traditionelle und kritische Theorie”
(1937).
52
momento de forma bastante ampla: Honneth cita uma passagem da fala inaugural de
Horkheimer no Instituto de Pesquisa Social em que ele afirma que a cultura não se restringe
aos conteúdos intelectuais da ciência e da religião, mas engloba também a ética, a moda, a
opinião pública, o esporte, o lazer, os estilos de vida etc.45 A partir disso, o caminho que
Horkheimer poderia ter tomado seria o de considerar que as normas e os valores comuns
produzidos intersubjetivamente nesse âmbito social da cultura (e que são objetivados em
instituições da vida cotidiana e passados adiante por meios de exteriorizações simbólicas)
funcionam como um filtro, como um meio que refrata tanto as forças econômicas de
reprodução social (as quais são impostas aos sujeitos “de fora”) quanto o potencial
motivacional dos instintos humanos (que os impelem “a partir de dentro”). Com a ajuda desse
conceito de cultura, Horkheimer poderia preencher teoricamente o vácuo entre as exigências
do sistema econômico e a formação das motivações individuais (KdM: 35de; 25-6en) e
abarcar as autointerpretações tanto cognitivas quanto normativas dos sujeitos implicados na
ação social. O âmbito do social, representado aqui por esta noção ampla de cultura, permitiria
uma mediação entre os dois polos, de modo que os valores estabelecidos de forma
intersubjetiva, coletiva e conflituosa (KdM: 36de; 26en) ensejariam uma reinterpretação
sempre renovada dos imperativos econômicos com base nas práticas cotidianas dos sujeitos.
No quadro desta concepção do social, que foi esboçada porém não desenvolvida
nessa fase da produção teórica de Horkheimer, o acordo comunicativo que forma o horizonte
de valores de uma sociedade é, portanto, ao mesmo tempo frágil e eficaz: ele tem um efeito
decisivo na interpretação dos motivos externos e internos da ação e torna-se assim
relativamente cristalizado em normas e instituições; mas tal acordo depende, por sua vez, de
sua contínua renovação por parte dos membros da sociedade, num contexto marcado por uma
distribuição desigual de poder, recursos materiais e reconhecimento. A partir desse quadro
conceitual, afirma Honneth, seria possível desenvolver uma compreensão da luta social como
contrapartida conflituosa da ação cultural (KdM: 39de; 28en). Na medida em que dependem
da sua confirmação por parte dos membros de grupos com uma posição desigual na
sociedade, os consensos sociais são frágeis e, consequentemente, novos eventos ou mesmo o
45
Horkheimer (1993 [1931]) apud KdM: 35de; 25en. Honneth observa que essa forma de conceber a cultura
lembra a apropriação da sociologia inglesa da classe trabalhadora (E. P. Thompson e Raymond Williams,
entre outros) feita posteriormente na Alemanha.
53
aumento das informações disponíveis podem levar a uma “interrupção da ação cotidiana
culturalmente assegurada e protegida”, o que “força o membro do grupo a corrigir e
expandir o horizonte tradicional de orientação diante da realidade desmascarada; por isso o
comportamento crítico é a continuação reflexiva de uma comunicação cotidiana abalada em
seu autoentendimento” (KdM: 39de; 29en). A reinterpretação das orientações estabelecidas de
ação, organizada coletivamente, desemboca assim em uma luta social:
A luta social pode ser concebida, nessa base, como a organização cooperativa
dessa crítica cotidiana: seria a tentativa de grupos sociais impelidos pelas
condições específicas de classes da divisão do trabalho e a imposição de ônus
excessivos de tentar implementar as suas normas de ação – adquiridas na
experiência reiterada de injustiça sofrida – na estrutura normativa de um contexto
de vida social (KdM: 39de; 29en).
Este é um caminho que poderia ter sido explorado pela primeira geração da teoria
crítica, afirma Honneth, se seus pensadores centrais não estivessem ainda presos ao
paradigma do trabalho e da ação instrumental. Sem uma concepção de ação social que leve
em conta, além da dimensão da ação instrumental, aquela da ação normativamente orientada
por valores intersubjetivamente construídos, Horkheimer se vê impossibilitado de tomar
seriamente a cultura – entendida aqui de forma ampla – como um verdadeiro campo de
mediação. É precisamente por isso, segundo a interpretação de Honneth, que Horkheimer
acaba deixando paulatinamente de lado esta concepção de cultura, apenas esboçada nos seus
escritos iniciais, em favor de uma visão da cultura como formada por instituições
cristalizadas, concebidas como se não fizessem parte e não fossem o resultado das práticas
cotidianas dos sujeitos. Religião, escola, mídia etc. seriam então elementos estabilizadores
que atuam sobre os indivíduos, mobilizando seus impulsos internos de forma favorável à
reprodução social exigida pelo sistema econômico. Horkheimer passa, assim, de uma possível
teoria da ação social para uma teoria das instituições de tendência funcionalista. A sociologia
aparece cada vez mais como uma ciência auxiliar, sem uma intenção crítica imanente.
interna do homem, mas este domínio, exercido por meio da razão instrumental, é agora
concebido também como um processo de destruição da própria razão. 46 A ideia de cultura,
nessa obra, já não pode ter nenhum papel mediador e tampouco está em condições de
constituir o locus dos conflitos sociais e da possibilidade de resistência a situações vividas
como injustiças. Não se tem mais a cultura como domínio social, ou mesmo como conjunto
de instituições: ela é entendida, a partir de então, no sentido mais estreito dos produtos
estéticos – os quais Adorno e Horkheimer veem, no contexto do capitalismo monopolista e da
administração política centralizada, como produzidos em escala industrial para os propósitos
de dominação em uma sociedade que tende à administração total. É como se a cultura não
fosse um meio próprio, isto é, como se as demandas dos sistemas econômico e político,
centralizados sob o signo da administração burocrática, não sofressem qualquer tipo de
refração ao serem operacionalizadas no âmbito da ação social. Sem exercer nenhuma forma
de resistência às demandas do sistema de dominação, a cultura serve perfeitamente à função
de condicionar a psique dos indivíduos a tais demandas. Assim, os bens culturais produzidos
industrialmente fazem parte de um conjunto de medidas que visam à repressão dos instintos
internos dos sujeitos que não sejam funcionais para as performances instrumentais do trabalho
social. Para Honneth, também no que tange à formação do ego, Horkheimer e Adorno levam
em conta somente a relação do sujeito com o seu entorno natural, deixando de lado as
interações sociais e intersubjetivas que condicionam, também e decisivamente, o processo
social de individualização. Assim, não há para os autores uma instância intermediária, um
campo em que a ação social faria a mediação entre os impulsos orgânicos dos indivíduos e as
demandas do sistema econômico-político, ficando os primeiros à mercê do segundo. Desta
maneira, o grande problema que Honneth vê na Dialética do esclarecimento é o fato de
Horkheimer e Adorno generalizarem o paradigma da ação instrumental, a ação que visa ao
controle de um objeto – e portanto o paradigma da ação de dominação sobre a natureza – para
todo tipo de ação humana. Tanto a relação entre os sujeitos quanto a relação do sujeito com os
seus próprios impulsos internos são concebidas segundo o modelo da razão objetificadora. Se
há apenas relações sujeito-objeto, e não sujeito-sujeito, torna-se difícil incorporar
teoricamente a ideia de um campo do social, isto é, um âmbito de relações intersubjetivas cujo
46
Honneth destaca que essa reconstrução histórica não é feita com recurso à história social, mas sim lançando
mão de testemunhos indiretos da história intelectual, como a Odisseia, os romances do Marquês de Sade e
ensaios de Kant e Nietzsche (KdM: 49de; 37en).
55
parâmetro não é a meta de autopreservação por meio do controle sobre um objeto, mas sim
normas e padrões de ação estabelecidos coletivamente.
Este modo de ver as coisas, diz Honneth, tem diversas consequências para além
da supressão do campo do social. Uma delas é que a dominação social, por analogia com a
dominação da natureza, é concebida unicamente em termos do exercício da força: assim como
o pensamento objetificador impõe sua lógica identitária aos objetos da natureza, a dominação
social seria exercida por determinados grupos sociais sobre outros por meio de uma ação
violenta que, no limite, não encontra resistência nos sujeitos oprimidos. Para Honneth, ao
contrário, é decisivo ter em vista uma forma de dominação social que seja consensualmente
garantida – o que só pode ser compreendido se se toma em consideração o campo mediador
da ação social onde os grupos interagem criativamente: “Nesse outro caso, não é a prontidão
para obedecer, produzida direta ou indiretamente, mas os horizontes normativos de
orientação dos próprios grupos oprimidos que fornece a base sobre a qual repousa a
dominação social dos grupos privilegiados” (KdM: 67de; 54en). Surge, assim, um consenso
que “é capaz de garantir um grau suficiente de reconhecimento normativo para uma
desigualdade institucionalizada na distribuição de ônus sociais” (KdM: 67de; 54en). A
principal questão da teoria social passa a ser, então, a seguinte: como funciona uma sociedade
em que a manutenção da dominação e das desigualdades institucionalizadas entre grupos
sociais é garantida por meio de um reconhecimento consensual? Para responder a tal
pergunta, diz Honneth, é necessário identificar e compreender os
47
Honneth recebeu algumas críticas a esta interpretação de Adorno, considerada por vezes muito simplista. O
próprio autor reconhece posteriormente que o pensamento adorniano é mais complexo do que o que foi
apresentado em Crítica do poder (cf., por exemplo, o posfácio de 1988 à segunda edição alemã do livro e
Honneth, 2007 [2005]).
57
48
Honneth reconhece que há uma passagem em que Adorno concede a possibilidade de que as pessoas não
aceitam tão direta e passivamente a realidade construída pela indústria cultural (presente no texto “Freizeit”,
de 1969). A importância do trecho, contudo, é minimizada por Honneth.
49
Nesse sentido, há aqui uma zona de intersecção com o modelo teórico de Foucault: para ambos, a integração
social nas sociedades modernas se dá independentemente de grupos sociais específicos e de suas orientações
normativas, sendo direcionada unicamente por fontes externas aos atores sociais – com a diferença de que,
para Adorno, esse direcionamento é realizado pelas atividades manipuladoras de uma administração
centralizada, enquanto que para Foucault quem produz os controles disciplinares é um conjunto coeso de
organizações e instituições dispersas pelos vários âmbitos da vida social. Nas palavras de Honneth: “Como
58
Apesar de que uma nova realidade política na Alemanha do pós-guerra poderia tê-
lo convencido da urgência da tarefa de investigar as condições institucionais da
formação social de consensos, [Adorno] dirigiu o olhar de sua teoria unicamente
para as técnicas manipuladoras e os pressupostos intrapsíquicos de uma pressão,
exercida de cima, para a conformidade. […] Com a possibilidade do consenso
social que sustenta normativamente um sistema estabelecido de desigualdade social,
Adorno teve de negar também a sua contraparte: a possibilidade da luta social,
como diria Horkheimer nos seus escritos iniciais (KdM: 110de; 95en).
Adorno, também Foucault parece por fim ver o processo da racionalização técnica como culminando nas
organizações “totalitárias” de dominação das sociedades altamente desenvolvidas: de fato, ambos os
teóricos concebem a sua estabilidade somente como uma consequência dos efeitos da atividade dominadora
unilateral de instituições organizadas administrativamente de forma altamente sofisticada” (KdM: 220de;
199en). Para ambos os autores, “os grupos sociais, as convicções normativas e as orientações culturais dos
sujeitos socializados não tomam parte alguma na integração social das sociedades capitalistas tardias – ela
é obra unicamente dos direcionamentos de uma organização que se tornou sistematicamente independente”
(KdM: 220de; 199en).
59
Honneth procura, nos três capítulos dedicados ao autor, mostrar que Habermas
formula dois modelos de história da espécie humana – os quais, por sua vez, redundam em
dois paradigmas distintos do “social” – e que, por fim, ele acaba optando por um modelo mais
próximo da teoria dos sistemas, o que o impediu de captar justamente aqueles elementos da
experiência dos sujeitos que seriam fundamentais para uma concepção crítica das patologias
sociais contemporâneas. Honneth trata, inicialmente, da palestra inaugural de Habermas em
Frankfurt, de 1965, intitulada “Erkenntnis und Interesse”, para indicar que, já ali, ele procura
distanciar-se das aporias presentes na Dialética do esclarecimento. Habermas não se afasta
tanto do diagnóstico da primazia crescente de uma racionalidade instrumental voltada para a
dominação da natureza – a chamada “tese da tecnocracia” –, mas coloca à vista uma
concepção alternativa de racionalidade, algo em nome do que se pode fazer a crítica do
domínio da técnica. Habermas elabora diferentes formulações desta concepção alternativa ao
longo do tempo, mas o que importa para Honneth, aqui, é que ele abre esse caminho.
Habermas critica, por exemplo, a unilateralização positivista da teoria científica a partir da
possibilidade de se conceber uma outra forma de se pensar a ciência, e não somente como o
campo da técnica, da dominação da natureza, e da racionalidade instrumental. Nas palavras de
Honneth:
Honneth sublinha que Habermas, em seu trajeto intelectual, passa do nível de uma
teoria do conhecimento para o de uma teoria da sociedade, desenvolvida em termos
comunicativos desde Mudança estrutural da esfera pública (mesmo que embrionariamente).
Neste livro, a formação das instituições da esfera pública liberal é concebida como o resultado
de um consenso moral no seio da burguesia que, por sua vez, é fruto de um processo de
aprendizado intersubjetivo no qual a comunicação não coagida aparece como princípio
normativo central e, nessa medida, representa uma forma histórica concreta de ação
comunicativa, de interação simbolicamente mediada (KdM: 272de; 246en). A partir de uma
generalização da dinâmica de constituição da esfera pública burguesa, Habermas considera o
desenvolvimento histórico em geral como caracterizado por um conflito que se dá entre o
princípio normativo comunicativo e as restrições objetivas impostas a ele num determinado
momento histórico: “Habermas concebe o acordo intersubjetivo acerca das normas sociais
como uma força motivadora que é capaz de impelir o desenvolvimento histórico até aqueles
limites que são dados a cada momento pelas condições objetivas das relações sociais de
trabalho e de dominação” (KdM: 272de; 246en). Assim, Habermas confere às experiências
de ação comunicativa – e portanto à normatividade moral, aquilo que ultrapassa os limites do
61
mero autointeresse – uma eficácia e um poder motivacional que estava ausente (ou presente
de modo muito tênue) nas formulações anteriores da teoria crítica.
e não constitutiva (KdM: 295-6de; 268en). Isso é problemático para Honneth porque, em
primeiro lugar, não é plausível pensar seja em uma esfera sistêmica totalmente neutralizada de
normas e demandas morais, seja em uma esfera comunicativa livre de conflitos ou relações de
poder; e em segundo lugar, por conseguinte, porque os problemas próprios da dominação
social e da formação do poder acabam ficando em segundo plano, uma vez que os conflitos se
dariam entre distintas esferas de ação e não entre grupos e classes sociais no próprio processo
comunicativo.
50
KdM: 296de; 269en (grifos no original). Honneth se refere aqui, apoiado em Cornelius Castoriadis (The
Imaginary Institution of Society) a duas vertentes interpretativas da dialética do desenvolvimento histórico
em Marx: a que tem como centro a luta de classes, e a que privilegia a dinâmica entre o desenvolvimento das
relações de produção e o das forças produtivas (uma visão mecanicista do processo histórico que, segundo
Honneth, anima também – numa outra roupagem – a tentativa de Horkheimer de fundamentar uma teoria
crítica da sociedade, KdM: 16de; 9en).
Segundo Albrecht Wellmer, por outro lado, há aqui uma tensão entre um modelo teórico freudiano (centrado
na ideia de luta social) e um modelo piagetiano (ligado ao dualismo entre sistema e mundo da vida). Diz
Honneth: “o ponto de referência primário a partir do qual os distintos conceitos da racionalização prática
tomam seu ponto de partida, no caso do modelo de pensamento orientado por Freud, é representado pelas
distorções no contexto da interação social, e no caso do modelo de pensamento emprestado, ao contrário,
pelos déficits de um desenvolvimento logicamente determinável da consciência” (KdM: 399-400de; XXXen).
Isto implica em diferenças nas tarefas que se atribui à teoria crítica: “no contexto do primeiro modelo, a
teoria permanece sempre hermeneuticamente ligada à consciência dos sujeitos concernidos, porque é por
meio do esboço de interpretações alternativas dos desenvolvimentos históricos que se deve chegar a uma
ampliação do insight deles sobre as condições da comunicação distorcida, ao passo que, no contexto do
segundo modelo, de início os problemas sistêmicos ‘objetivamente’ dados são aqueles para os quais a teoria
procura uma solução no caminho de uma análise formal de déficits de racionalidade” (KdM: 400de,
XXXen). Para Honneth e Wellmer, a concepção de evolução histórica presente em Conhecimento e interesse
contém um modelo de sociedade capaz, ao dar ênfase aos conflitos morais, de evitar o dualismo entre sistema
e mundo da vida: “no contexto desse quadro conceitual, que Wellmer chamou de ‘modelo freudiano’, as
formas institucionais de organização da produção e do Estado ainda são concebidas como o respectivo
resultado de uma luta ‘moral’ entre grupos e classes sociais, de modo que, em princípio, não é possível
surgir uma autonomização histórica de sistemas de ação puramente estratégicos” (KdM: 400-1de;
XXXIen).
63
A consequência desse movimento para uma teoria social crítica é clara: ela não
deve se pautar (como a Dialética do esclarecimento, por exemplo) na tese da tecnocracia, isto
é, no diagnóstico de uma primazia da ação racional com respeito a fins em todas as esferas da
vida social. Cabe a ela, diz Honneth, desvendar as formas de dominação social específicas de
nosso tempo (que se dão entre indivíduos ou grupos, e não entre tipos de ação ou
racionalidade), de maneira que se possa colocar novamente em movimento os processos
intersubjetivos que se encontram suspensos ou limitados por conta destas relações de
dominação.
51
KdM: 299de; 271en. Honneth faz uma importante ressalva quanto a essa forma de conceber os conflitos
sociais: os sujeitos desses conflitos são sujeitos coletivos, é verdade, mas não se pode reificar a sua
identidade ou tratá-los como macrossujeitos, nos mesmos moldes dos sujeitos individuais. Estes sujeitos
coletivos são grupos cuja identidade é produto do processo de socialização entre os indivíduos, um resultado
que é delicado e portanto sempre mutável. Honneth encontra elementos para tal conceito de grupo social em
pensadores tão diferentes quanto Lucien Goldman, Karl Mannheim e os autores da sociologia inglesa da
cultura – especialmente E. P. Thompson, Raymond Williams e John Clarke (KdM: 304de; 275-6en).
64
314de; 285en). Além disso, o processo de racionalização da ação é visto agora como o
descentramento do mundo da vida, no decorrer do qual Habermas observa que a ação
comunicativa é gradualmente liberada das restrições impostas pelas orientações de valor
tradicionais, como visões religiosas de mundo, por exemplo. Há, assim, um número cada vez
maior de visões de mundo distintas e um âmbito mais amplo para diferentes formas de
entendimento linguístico. Mas separam-se também neste processo as orientações para a
realização de fins, isto é: a ação estratégica. E o sistema, o campo da ação estratégica, é o
domínio em que a integração da ação – uma vez que ela não é social, mas sistêmica – se dá
por meios não linguísticos. Honneth vê na ideia parsoniana de que a comunicação linguística
não é imprescindível para a coordenação das ações sociais a inspiração para que Habermas
introduza na sua teoria os meios “deslinguistificados” de comunicação que são o dinheiro e o
poder (KdM: 326de; 296en). Estes meios substituem a comunicação propriamente linguística
na medida em que ocorre uma generalização simbólica de recompensas e punições, a qual
leva a um consentimento geral atingido de forma não linguística. Neste sentido, o mundo da
vida não seria mais necessário para a coordenação da ação nos sistemas de ação racional com
respeito a fins. Estes subsistemas seriam, destaca Honneth, livres de normas.
Assim, Honneth quer pôr em relevo que, apesar das diferenças com relação às
obras anteriores, o problema central permanece: não obstante Habermas utilizar um conceito
historicamente relativizado de sistema, se mantém aqui o dualismo entre sistema e mundo da
vida, um dualismo que não é apenas metodológico, entre os pontos de vista do observador e
do participante, como inicialmente foi proposto por Habermas (KdM: 324de; 294en). Deste
modo são criadas, nas palavras de Honneth, duas “ficções”: a existência de organizações de
ação livres de normas, e a existência de esferas de comunicação livres de poder. Ambas são
ficções pelos motivos já levantados: em primeiro lugar, as estruturas organizacionais de
administração econômica e estatal somente podem ser compreendidas como uma combinação
de princípios da ação racional com respeito a fins e princípios normativos, prático-políticos,
que são o produto de um processo contínuo de interação comunicativa. São esses princípios
normativos que fornecem as condições sob as quais se alcança, por meio da ação racional com
respeito a fins, os objetivos administrativos estabelecidos, já que as regras da ação racional
são indeterminadas, e sua aplicação social não pode prescindir das regras da ação prático-
política (KdM: 328-9de; 298-9en). A administração (tanto de empresas quanto de instituições
65
políticas) depende, portanto, do acordo normativo dos sujeitos envolvidos. Em segundo lugar,
Honneth argumenta que o mundo da vida social não se reproduz independentemente da
influência de ações estratégicas, que se manifesta sob as diversas formas do exercício de
poder: físico, psicológico e cognitivo (KdM: 330de; 300en). Sem levar isto em conta, diz
Honneth, perdem-se de vista os processos cotidianos (pré-políticos, por exemplo) do
estabelecimento e da reprodução de relações de dominação.
Com isso, Habermas perde acima de tudo […] o potencial para um entendimento da
ordem social como uma relação comunicativa institucionalmente mediada entre
grupos culturalmente integrados, relação que se dá, na medida em que as
prerrogativas sociais de poder são assimetricamente distribuídas, por meio da luta
social (KdM: 334de; 303en).
52
Honneth aborda este déficit de seus antecessores em diversos textos. A expressão “déficit sociológico”
aparece em Crítica do poder no título do capítulo sobre Horkheimer e na análise de Foucault (KdM: 170de;
151en).
66
feita dos autores em causa. Quando aponta os elementos que faltam nos modelos críticos
anteriores, Honneth deixa entrever que o que está em jogo quando se fala do mundo social
pode ser decomposto em dois aspectos constitutivos e irredutíveis: normatividade e luta.53 As
críticas formuladas nos anos 1970 e 1980 são certamente de naturezas distintas (inclusive
quando se trata de diferentes períodos de um mesmo autor), mas todas elas podem ser
consideradas como objeções que apontam ou a ausência de normatividade, ou uma carência
de conflito – ou ambas – nas concepções de sociedade subjacentes aos modelos críticos em
questão. O objetivo de Honneth é contrapor-se respectivamente às vertentes utilitaristas da
análise das lutas sociais, que ignoram as motivações normativas dos indivíduos ou grupos
sociais que entram em conflito, e às tendências sistêmicas que examinam o funcionamento da
sociedade mediante o recurso às normas morais nela inscritas mas que menosprezam,
contudo, o caráter intrinsecamente conflituoso do processo histórico, privilegiando assim o
aspecto da reprodução em detrimento das lutas e transformações sociais. A seguir, discutimos
estes dois aspectos tendo em vista não apenas as análises críticas apresentadas acima, como
também os comentários de Honneth acerca de outros autores relevantes para o debate.
53
Cf. Basaure, 2011: 106-7. Honneth afirma que pretende desenvolver “um modelo conflituoso da sociedade”
(ein Konfliktmodell der Gesellschaft), KdM: 385de; XVIIen.
54
Título oliginal: “Die verletzte Ehre. Zur Alltagsform moralischer Erfahrungen” (abreviado daqui em diante
como DvE).
67
dedica o artigo “O mundo dilacerado das formas simbólicas”.55 Nesse texto, escrito em 1984,
o autor descreve como o resultado de pesquisas empíricas de cunho etnográfico conduziram à
passagem de Bourdieu de um quadro estruturalista, influenciado por Lévi-Strauss, para sua
própria concepção de sociedade, a qual até certo ponto se aproxima de um “funcionalismo
sociocientífico” (DzW: 179de; 185-6en). Isto significa que Bourdieu se deixou guiar, na
superação do estruturalismo, por motivos utilitaristas: ele parte do pressuposto de que “as
construções simbólicas sobre as quais o etnólogo concentra sua atenção para poder estudar
a ordem social das sociedades tribais também devem ser concebidas como atividades sociais
que se realizam sob o ponto de vista da maximização da utilidade” (DzW: 180de; 186en).
Para poder falar em capital econômico e capital simbólico, as categorias utilizadas para
descrever o domínio das práticas simbólicas foram adaptadas ao quadro teórico
tradicionalmente projetado apenas para as relações econômicas (DzW: 181de; 187en). Como
consequência, Bourdieu é levado a subsumir todas as formas de conflitos sociais à luta por
distribuição de bens escassos, “embora a luta pela validade social de modelos morais
claramente obedeça uma outra lógica” (DzW: 200de; 200en). O sociólogo francês interpretou
de modo tão estrito o padrão de comportamento de cada classe social a partir de um ponto de
vista funcionalista – isto é, da perspectiva da adaptação cultural às situações específicas da
classe – que a busca quotidiana moralmente motivada de grupos sociais pelo estabelecimento
de uma identidade coletiva (tema da história cultural da época) fica de fora do escopo teórico
bourdieusiano (DzW: 192de; 194-5en). Para Honneth, apenas se pode falar em estilos de vida
concorrentes, como faz Bourdieu, se considerarmos que os grupos sociais não veem em seu
estilo de vida apenas um meio de melhorar sua própria posição social, mas o tomam antes
como uma expressão simbólica de seus complexos de valores e orientações morais (DzW:
199-200de; 200en).
55
Título original: “Die zerrissene Welt der symbolischen Formen. Zum kultursoziologischen Werk Pierre
Bourdieus” (abreviado daqui em diante como DzW).
68
no qual ele apoiou seus estudos empíricos poderia tê-lo protegido desse grave
equívoco (DzW: 200-2de; 200-1en).56
Honneth faz uma importante crítica do funcionalismo, por fim, em seu texto de
1985 sobre a teoria social de Cornelius Castoriadis,57 para quem a infraestrutura simbólica da
sociedade não permite que se explique a origem e a estabilização de instituições sociais com
referência unicamente à sua contribuição funcional para a manutenção da ordem social. Não
se pode ignorar que a própria constituição desta ordem apenas pode ser assegurada mediante
interpretações sociais (EoR: 152de; 174en). Assim, Honneth considera, com Castoriadis, que
não é possível encontrar na realidade social funções que sejam como tais indispensáveis para
a sobrevivência da sociedade e que possam servir, portanto, para definir “objetivamente” a
continuidade de um sistema social. Tais critérios de sobrevivência – e, consequentemente,
também as instituições sociais – dependem sempre de interpretações e visões de mundo que
conferem constitutivamente sentido e ordem (Sinn und Ordnung) à vida social. Assim, para
Honneth, as instituições de uma sociedade devem ser vistas não como instâncias
funcionalmente adequadas para a autoconservação do sistema, mas antes, se a constituição
simbólica da sociedade for levada em consideração, como corporificações únicas de esquemas
históricos de sentido (historische Sinnentwürfe; EoR: 152de; 174-5en).
56
Uma crítica semelhante é endereçada a Jean-Paul Sartre na medida em que ele teria levado a ideia hegeliana
de uma luta ética por reconhecimento de volta ao paradigma hobbesiano da luta por sobrevivência,
considerada, em uma interpretação existencialista, como “a abertura vazia do para-si” (Honneth, 1988:
174de; 165en).
57
Título original: “Eine ontologische Rettung der Revolution” (abreviado daqui em diante como EoR).
69
do caráter conflituoso do desenvolvimento histórico: “there is a strong tendency built into the
conceptual scheme of Habermas’ work to undervalue the meaning of conflicts and social
struggles in the reproduction of the social order” (Basaure, 2011: 107). A influência da teoria
dos sistemas é considerada um aspecto decisivo desta transformação do pensamento
habermasiano.58 Na obra de Habermas, então, a introdução da dimensão comunicativa do
entendimento mútuo no processo de racionalização social não foi suficiente para suprir o
déficit sociológico, porque a questão da normatividade foi assim solucionada, mas a vantagem
dessa virada intersubjetiva na teoria crítica é “conquistada com a desvantagem de se ignorar,
do ponto de vista de uma teoria da ação, o conteúdo de conflito das formas de trabalho
social” (AiH: 214de; 40en).
*
Na contraluz das críticas que Honneth dirige às tendências estrutural-
funcionalistas, utilitaristas e sistêmicas das teorias sociais de sua época, é possível entrever
aqueles aspectos considerados pelo autor como indispensáveis para uma teoria crítica: a ideia
de conflito social, e o caráter normativo da ação social. Se as correntes sistêmicas
negligenciam o conflito e as utilitaristas a normatividade, o estruturalismo aparece como
objeto privilegiado de crítica, já que negligencia ambos. A consequência mais grave desse
menoscabo para a teoria crítica é a incapacidade de tematizar, compreender e dialogar com os
atores e grupos sociais que experienciam situações de opressão, dominação e outras formas de
limitações importantes às suas possibilidades de autorrealização e que resistem – com graus
diferentes de articulação, consciência, efetividade, etc. – a tais situações. O que, deve
perguntar o teórico crítico, motiva esses sujeitos a se arriscarem em lutas e enfrentamentos?
(E, correlatamente: o que impede que eles o façam?) Para Honneth, apenas quando assume o
ponto de vista do participante, em vez de manter-se na distância segura do observador, o
teórico está em condições de exercer um comportamento crítico.
A partir dessas reflexões, não fica claro por que Honneth chamou de déficit
sociológico o caráter problemático que ele identifica na teoria crítica. Afinal, sociologias há
várias – muitas inclusive de tendências utilitaristas, sistêmicas ou estrutural-funcionalistas.
Sobre isso diz Marcos Nobre: “Corretamente compreendido, portanto, o ‘déficit’ não provém
58
Cf. McCarthy (1985) e Joas (1991).
70
Na segunda parte deste capítulo, são apresentados textos de Honneth escritos nos
anos 1980 que procuram indicar caminhos para superar os déficits da teoria crítica. Para tanto,
ele recorre a uma série de investigações não apenas sociológicas, mas também históricas e
etnográficas que procuravam se contrapor às vertentes estruturalistas e economicistas do
marxismo e ficaram conhecidas como estudos culturais.
Honneth encontra nos estudos culturais uma saída para os impasses detectados
nos escritos de Althusser (e no estruturalismo marxista de inspiração althusseriana), Foucault,
Horkheimer, Adorno e Habermas. Para apreciar a contribuição dos estudos culturais para uma
teoria crítica atenta à imbricação entre normatividade e conflito, é preciso ter em vista o
quadro geral de reavaliação crítica do marxismo – e de conceitos marxistas centrais, como o
de trabalho – no qual os estudos culturais podem ser alocados.
59
Título original: “Logik der Emanzipation. Zum philosophischen Erbe des Marxismus” (daqui em diante
abreviado como LdE).
71
60
Título original: “Moralbewusstsein und soziale Klassenherrschaft. Einige Schwierigkeiten in der Analyse
normativer Handlungspotentiale” (daqui em diante abreviado como MsK).
61
A este respeito, Honneth remete ao estudo de Mooser (1983).
72
não apenas cognitiva, mas também moral. No texto “Trabalho e ação instrumental”,62 de
1980, o autor afirma que:
Contra esse estreitamento conceitual Marx defende então, de maneira não clara, o
excedente emancipatório da atividade de trabalho que ele afirma com Hegel: pois a
libertação da situação social de alienação apenas deve ser bem sucedida nas
mesmas atividades em que os potenciais humanos da espécie são reprimidos e
também, ao mesmo tempo, manifestamente preservados, isto é, no trabalho social
(AiH: 191-2de; 21en).
Neste contexto, diz Honneth, Marx não hesita em recorrer às ideias de respeito e
de dignidade humana e em pressupor que ambos dependem do trabalho autônomo que torna
visíveis as capacidades dos sujeitos. Diz Honneth: “É esta concepção de uma estética da
produção que subjaz, como quadro de referência normativo, ao diagnóstico marxiano da
alienação e da reificação” (LdE: 100de; 12en). Este é um processo, importa para Honneth
destacar, que envolve um aprendizado não apenas técnico, mas principalmente moral, já que
Marx pressupõe “um potencial de formação prático-moral do trabalho que esclarece
normativamente as relações capitalistas de injustiça” (AiH: 196de; 25en). Este processo
62
Título original: “Arbeit und instrumentales Handeln. Kategoriale Probleme einer kritischen
Gesellschaftstheorie” (daqui em diante abreviado como AiH).
63
Mesmo se ele não chega a vinculá-lo diretamente, como Marx, à emancipação humana (cf. Voirol, 2007).
73
Ou seja: a ênfase passa a recair muito mais sobre o caráter técnico e disciplinar do
aprendizado adquirido na fábrica do que sobre o caráter moral que se conecta à indignação
que as condições de trabalho sob o capitalismo podem gerar. Assim, no período tardio de sua
produção intelectual, Marx:
noção metodológica fundamental que permitiria a tradutibilidade mútua entre uma análise
sistemática do capital e uma teoria da revolução orientada para a prática (AiH: 185de; 15en).
Honneth atribui essa diminuição radical do seu potencial emancipatório à racionalização e à
fragmentação do processo de trabalho fomentadas pelo taylorismo: “A tensão conceitual
subterrânea na qual o jovem Marx procura interpretar o trabalho social como um processo
de aprendizagem prático-moral perde, do mesmo modo, com a globalização de formas
mecanizadas de trabalho, toda a sua vivacidade original” (AiH: 200de; 28en). O conceito de
trabalho, que era considerado o cerne categorial da conexão entre a crítica da economia
política e uma teoria materialista da revolução, é assim normativamente neutralizado:
A tensão categorial que havia na obra de Marx entre trabalho alienado e não
alienado é, deste modo, gradualmente reduzida em favor de uma interpretação unilateral que
apenas reflete a situação atual do trabalho social:
distinção entre ação instrumental e ação comunicativa) permite evitar interpretações limitadas,
baseadas apenas no modelo produtivista de ação, dos processos de aprendizado social com
potencial emancipatório. Ao mesmo tempo, contudo, a categoria do trabalho é por isso
colocada numa posição teórica tão marginal que “a moralidade prática inscrita nas ações
instrumentais, com a qual os sujeitos trabalhadores reagem à experiência de uma
instrumentalização capitalista total, é completamente excluída de seu quadro conceitual”
(AiH: 219de; 44en). Na teoria habermasiana, à categoria do trabalho cabe “apenas a tarefa de
designar o substrato de ação do desenvolvimento social de forças produtivas do qual se
distinguem os processos de libertação comunicativa” (AiH: 218de; 42-3en). Ou seja: aqui, o
mundo do trabalho permanece normativamente neutro, já que o potencial moral para a
emancipação estaria apenas no mundo da vida comunicativamente integrado. Habermas
empresta a ideia de ação instrumental de uma tradição da filosofia social que a neutralizou de
maneira tão ampla que ela passa a designar qualquer atividade relacionada ao manuseio de um
objeto (AiH: 221de; 46en). Honneth defende que é preciso poder distinguir, mediante uma
concepção crítica de trabalho, tipos diferentes da ação instrumental a partir do grau de
autonomia que os atores sociais detêm ao exercê-la:
de trabalho (AiH: 222de; 46-7en).66 Nas palavras de Honneth: “A demanda normativa que é
assim expressa resulta de uma vulnerabilidade moral que não se origina na repressão de
modos comunicativos de entendimento, mas antes da expropriação da própria atividade de
trabalho” (AiH: 223de; 47en). Este tipo de experiência leva à formação de um conhecimento
moral materializado em atividades de trabalho que reclamam seu caráter autônomo “na
própria realidade organizatória de relações heterônomas de trabalho”. A lógica normativa
interna do trabalho a que se faz referência aqui não corresponde nem “à lógica das ações
comunicativas, que visa à coordenação orientada ao entendimento de intenções de ação, nem
à lógica das ações instrumentais, que visa ao controle técnico de processos naturais” (AiH:
223de; 47en).
66
Honneth se apoia aqui, sem se comprometer com pretensões sistemáticas, no conceito de apropriação
utilizado na sociologia francesa “para designar esse tipo de lógica de ação que é ligada a processos
instrumentais de ação, mas que vai além deles” (AiH: 222de; 46-7en).
79
se a teoria não quiser afirmar de modo meramente apelativo os critérios morais que
ela põe na base de sua crítica da sociedade, então ela precisa poder comprovar
formas empiricamente efetivas de moralidade nas quais ela possa justificadamente
se apoiar (MsK: 182de; 205en).
Para mostrar que este é o pano de fundo do trajeto intelectual de Honneth até a
formulação do paradigma da luta por reconhecimento no livro homônimo de 1992,
recorreremos inicialmente à pesquisa sociológica levada a cabo pelo autor e colaboradores
ainda em 1979, na qual a presença dos estudos culturais se mostra crucial para uma concepção
do mundo social que, pela valorização das dimensões culturais e morais dos conflitos
estruturais de classe, procura escapar à aporia entre estruturalismo e subjetivismo. O exame da
relevância da vertente sociológica e historiográfica dos estudos culturais é aprofundado, em
seguida, mediante a análise de textos publicados pelo autor ao longo da década de 1980.
67
Muitos desses autores estiveram em algum momento ligados ao Center for Contemporary Cultural Studies de
Birmingham, um importante núcleo de produção e difusão dos estudos culturais fundado em 1964 por
Richard Hoggart e dirigido também por estudiosos como Stuart Hall. Para uma apresentação desta tradição
cf. Hall (1980).
80
68
Título original: “Zur ‘latenten Biographie’ von Arbeiterjugendlichen” (daqui em diante abreviado como ZlB).
69
Sobre como esse conceito de cultura de classe é construído com base nos escritos de Richard Hoggart em The
Uses of Literacy e na categoria de “classe social” desenvolvida por E. P. Thompson em The Making of the
English Working Class, cf. Piromalli, 2012.
70
Cf. Oevermann et al. (1976). Esse estudo, apresentado também em uma Conferência da Associação Alemã
de Sociologia, faz parte de um conjunto maior de pesquisas desenvolvidas no Max-Planck-Institut für
Bildungsforschung sob o título “Elternhaus und Schule” (“A casa dos pais e a escola”), cujo objetivo era
desenvolver uma perspectiva de análise no campo da psicologia social que fosse mais ligada à sociologia do
que a vertentes da psicologia consideradas reducionistas: a psicologia comportamental e determinados usos
feitos de teorias do desenvolvimento cognitivistas ou psicanalíticas, que utilizam a sociologia apenas como
uma ciência auxiliar, uma fonte de dados, e não como capaz de fornecer explicações relevantes sobre os
processos de socialização (Oevermann et al., 1976: 274). É provável que a ideia de chamar o método
desenvolvido no estudo de Honneth et al. de “biografia latente” venha do conceito de “estrutura latente de
sentido” presente nesse texto (cf. Oevermann et al., 1976: 275).
81
incrustada nos meios sociais de uma cultura de classe que os indivíduos não podem senão
adquirir padrões de identidade específicos de sua classe.
71
Aqui, a referência são os estudos sobre o tema realizados desde essa época por Martin Kohli na Freie
Universität, em Berlim. Cf. Kohli (1978 e 1979).
72
O termo “reconstrução” já é utilizado por Honneth et al. em diversas ocasiões nesse texto: evidentemente
ainda sem os mesmos contornos sistemáticos que o conceito ganharia posteriormente em seu modelo crítico,
mas certamente já com parte do insight que lhe será tão caro a partir dos anos 2000. A ideia de reconstrução
será retomada no Capítulo 6.
82
culturais de classe somente por meio das autointerpretações biográficas dos sujeitos – sem
com isso precisar assumi-las acriticamente. Segundo os autores,
73
Honneth, Mahnkopf e Paris apoiam-se aqui no estudo de Osterland et al. (1973) sobre a situação de vida e de
trabalho dos operários industriais na Alemanha Ocidental.
74
Os autores de referência aqui são, respectivamente: Parkin (1975), Hoggart (1971) e Tolson (1977).
83
75
Os autores se apoiam aqui em Clarke et al. (1977).
84
autorreflexivo, na medida de sua própria ação” (ZlB: 938). A pesquisa não vai além,
entretanto, para mostrar como efetivamente se dá a rearticulação de elementos da cultura de
classe da juventude trabalhadora com aqueles provenientes da cultura burguesa dominante,
nem como esse potencial crítico veio ou pode vir a se expressar concretamente em casos
específicos.
Honneth afirma em entrevista recente a Robin Celikates que essa pesquisa foi
importante para indicar, de forma ainda preliminar, que a busca por reconhecimento é uma
categoria central para a teoria social interessada em analisar as experiências de injustiça.76 Se
esta afirmação pode parecer um pouco exagerada – enquanto leitura teleológica da pesquisa
de 1979 a partir dos desenvolvimentos ulteriores da teoria honnethiana –, pode-se ao menos
conceder que, na investigação realizada junto a Mahnkopf e Paris, buscou-se trazer para o
primeiro plano as dimensões culturais e morais da dominação de classe e da resistência a ela –
dimensões que constituem um pressuposto básico para a construção da teoria do
reconhecimento. O papel de pesquisas empíricas na formação intelectual de Honneth é,
contudo, relativizado pelo autor na mesma entrevista. Ele afirma que:
76
Honneth & Boltanski, 2008: 88-9.
77
Honneth afirma também, na sua crítica à concepção habermasiana da relação entre trabalho e ação
instrumental, ter podido reunir (indiretamente, por meio do trabalho de Birgit Mahnkopf – “Geschichte und
Biographie in der Arbeiterbildung”) sugestões interessantes oriundas das investigações em sociologia da
cultura realizadas no âmbito do Center for Contemporary Cultural Studies de Birmingham (AiH: 232de;
284en, nota 73). Vale aqui destacar também Alf Lüdtke, um estudioso que foi importante na recepção alemã
85
O recurso a diversos representantes desta vertente teórica para a elaboração do modelo crítico
de Honneth mostra que o autor privilegia, em lugar de uma reconstrução que lida diretamente
com os dados empíricos da pesquisa social, uma forma mais indireta de reconstruir a realidade
social. Dito de outro modo: Honneth demonstra desde então uma preferência por partir de
pesquisas e teorias sociais realizadas por outros autores – as quais ele reconstrói à sua maneira
– para acessar a realidade social em lugar de proceder ele próprio à coleta e concatenação de
dados empíricos.
No texto analisado, os próprios autores justificam o recurso a tais obras por elas
adotarem uma perspectiva teórica que procura decifrar o sentido dos padrões de
comportamento dos trabalhadores em uma tensa relação entre estruturas sociais e formas
culturais de expressão. E aqui, “cultura”, em contraste com o conceito tradicionalmente
restrito a manifestações intelectuais e artísticas e em sintonia com a interpretação
antropológica do conceito, remete ao processo coletivo no qual as classes e os grupos sociais
estabelecem e passam adiante uma forma própria de vida: são incluídas desde as relações
familiares e de produção, as formas de comunicação verbais e não verbais, as normas internas
aos grupos, até as produções culturais em sentido mais estrito (ZlB: 933-4).
Essa diversificada vertente teórica chamou muito cedo a atenção de Honneth por
oferecer uma alternativa frente às análises sociológicas que reduzem a ação social dos
trabalhadores à dimensão cognitiva ou instrumental da consciência de classe. A partir do
da sociologia inglesa da cultura, citado por Honneth no estudo de 1979. Ele foi o fundador da linha da
“Alltagsgeschichte” (“história do cotidiano”) da micro-história, que se tornaria forte entre historiadores
alemães ao longo da década de 1980.
78
Honneth refere-se ao conceito de cultura presente em Horkheimer, 1993.
86
contato com o marxismo cultural, Honneth desenvolve a ideia de que uma teoria crítica da
sociedade deve manter um estreito laço com as motivações normativas dos indivíduos
presentes na realidade social de modo pré-teórico. Isto significa que o pesquisador filiado à
tradição crítica tem como tarefa procurar a possibilidade de crítica na própria vida cotidiana
dos atores sociais. Essa é uma das carências das outras versões da teoria crítica, como ele
aponta no livro de 1986, e é por isso que em diversos textos da década de 1980 Honneth se
pergunta acerca dos conflitos morais velados (verborgen) que subjazem às ações e decisões
dos sujeitos comuns. Honneth afirma, na introdução à versão em inglês da coletânea em que
foi reunida a maior parte destes textos, que:
Assim, com a ajuda dos estudos culturais, Honneth procura mostrar “Trabalho e
ação instrumental” que, mesmo em espaços de atividade laboral amplamente
racionalizados e fragmentados, existem lutas por um trabalho satisfatório que envolvem
distintas formas de resistência e reapropriação do controle dos sujeitos sobre as operações
produtivas. Honneth menciona a este respeito autores da sociologia inglesa do trabalho como
Moore e Braverman, mas sua referência principal aqui é a investigação empírica de Philippe
Bernoux publicada na revista Sociologie du travail (Bernoux, 1979), em que o sociólogo
francês documenta as estratégias cooperativas utilizadas pelos trabalhadores para resistir à
expropriação de suas capacidades de iniciativa e à utilização do seu conhecimento tácito:
79
Honneth cita também, em diferentes momentos de seu artigo, trabalhos de George Rudé, Michael Mann,
William Goode, Harry Braverman e Frank Parkin.
87
Se, contudo, [...] os resultados aduzidos pelo estudo de Philippe Bernoux não forem
completamente enganosos, o trabalho industrial taylorizado e esvaziado de sentido
é sempre acompanhado de um processo de ação contrário no qual os sujeitos do
trabalho procuram cooperativamente recuperar o controle sobre sua própria
atividade (AiH: 225de; 48en).
80
Nicolas Smith afirma, sobre essa apropriação, que: “Da maneira que Honneth os interpreta, os estudos de
Bernoux mostram que, na negatividade de sua experiência, os trabalhadores podem vir a perceber o papel
crítico da autonomia, da iniciativa e do conhecimento prático em seu trabalho, que eles procuram, então,
incorporar indiretamente” (Smith, 2009: 51, tradução MT).
81
Honneth se apoia aqui em Hoffmann (1979 e 1981).
88
Contra o autoengano tenaz que assim se expressa, é sensato lembrar das formas
quotidianas de juízo moral; apenas uma teoria que pode mostrar o quanto a práxis
social quotidiana é perpassada por sentimentos éticos e expectativas normativas
pode de fato abrir os olhos para o conteúdo de realidade social da moral (DvE: 84-
5de; 121it).
82
Honneth defende que há, nas reações morais afetivas a violações de normas implícitas, uma conexão entre
uma noção de justiça centrada na individualidade dos atores sociais e uma concepção de solidariedade que
leva em consideração primariamente os processos intersubjetivos de socialização dos indivíduos: “Exigências
de justiça e obrigações de solidariedade formam, se essas reflexões foram convincentes, o cerne normativo
de nossas reações morais emocionais; as normas morais às quais nos referimos implicitamente quando
reagimos com vergonha ou revolta exigem um respeito equitativo pela individualidade intransferível do
sujeito singular da mesma forma requerem um cuidado solidário no tratamento dos demais seres humanos”
(DvE: 89de).
90
sentimentos morais de injustiça encontram uma expressão inequívoca (untrüglich) nas reações
emocionais negativas em questão (DvE: 89de). No mesmo sentido, ele defende que o saber
intuitivo acerca de normas geralmente aceitas “não surge, por sua vez, independentemente
das reações emocionais correspondentes; ele não precede a situação da ação, escrutando-a,
mas apenas se manifesta em situações de sentimentos morais” (DvE: 87de). Por isso, diz
Honneth, cognição e emoção estão inseparavelmente imiscuídas nas reações afetivas morais:
“nossas concepções morais quotidianas possuem de início apenas a forma de um saber de
fundo que é sensível, porém implícito, e que se expressa nos sentimentos espontâneos de
vergonha, indignação ou revolta” (DvE: 87-8de).
A importância dos sentimentos de injustiça que se expressam na forma de
sofrimento moral também aparece em “Um mundo de dilaceração”, ensaio que Honneth
publica em 1986 sobre o jovem Lukács.83 Aqui, o filósofo húngaro aparece como uma figura
importante para a teoria crítica menos por sua abordagem teórico-social específica do que por
oferecer um verdadeiro “registro sismográfico” dos distúrbios característicos dos padrões de
integração cultural da época (WdZ: 22dew; 58en). Em que pese não considerar que o núcleo
do paradigma teórico lukácsiano seja plausível nos dias de hoje, Honneth afirma não poder
negar que Lukács demonstra, em parte em decorrência do romantismo anticapitalista que
informa sua obra de juventude, uma aguçada sensibilidade para perceber, nos processos de
diferenciação que acompanham o capitalismo industrial, aquelas condições que seriam
satisfeitas apenas em um desdobramento vital completamente integrado: “a racionalização
capitalista da atividade de trabalho se apresenta a ele como uma destruição das
possibilidades de exteriorização individual, e ele experiencia o simultâneo aumento da
divisão do trabalho como um colapso da sociedade em sujeitos atomizados, isolados” (WdZ:
15de; 54en).84 A interpretação filosófica da dilaceração do mundo moderno sociologicamente
registrada apoia-se sobre um modelo de externalização típico da filosofia vitalista alemã do
início do século passado (WdZ: 17de; 55en), e por isso Honneth põe em dúvida sua
aplicabilidade para o presente. O que importa, entretanto, é que Lukács foi coerente ao
83
Título original: “Eine Welt der Zerrissenheit. Zur untergründigen Aktualität von Lukács’ Frühwerk”
(abreviado daqui em diante como WdZ).
84
A tese de Honneth neste texto reside na ideia de que justamente o anticapitalismo romântico permitiu que a
sensibilidade teórica de Lukács para os distúrbios da integração cultural fosse intensificada e sua consciência
de patologias sociais fosse aguçada, o que confere relevância nos dias atuais às suas obras de juventude
(WdZ: 10de; 51en).
91
Assim, sob essa perspectiva se dá uma série de ações sociais às quais à primeira
vista parecem faltar intenção e direção prático-normativas, mas que podem ser reconhecidas
como formas de expressão da consciência moral de injustiça.
85
Honneth se refere aqui à ideia de “deslinguistificação” (Entsprachlichung) presente em Kluge e Negt, 1972.
94
86
Honneth procura distinguir processos de exclusão cultural de processos de individualização institucional para
descrever o mecanismo da dominação normativa de classe. Esses processos de controle social cumprem sua
tarefa na medida em que limitam seja as possibilidades simbólicas e semânticas de expressão, seja as
condições espaciais e socioculturais de comunicação para as experiências de privação e injustiças específicas
de classe. O primeiro processo visa subtrair aos dominados as possibilidades linguísticas de articulação, ao
passo que o segundo visa à individualização da consciência de injustiça específica de classe.
95
mesmo ensaio, Honneth destaca que a prática de reapropriação do trabalho que é objeto de
investigações da sociologia industrial “é manifestamente tão inconspícuo no quotidiano do
processo capitalista de trabalho que ela se localiza de modo duradouro abaixo do limiar de
articulação acima do qual a sociologia pode começar a registrar comportamentos conflituosos
ou violações de normas” (AiH: 225de; 48en). Por isso, Honneth sugere que a arte, e
especialmente a literatura, tiveram e ainda têm uma importância crucial para documentar esse
campo de resistência prática, tendo por vezes um alcance maior e mais preciso que a pesquisa
social empírica (AiH: 225de; 48en). A mesma ideia aparece em “A honra ferida”, onde
Honneth afirma que
O instrumental conceitual escolhido é grosseiro demais para poder decodificar a
moralidade interna de um contexto comunicativo de vida; ele falha face às formas
silenciosas de reação nas quais os sentimentos de injustiça sofrida ou de ofensa
infligida alcançam expressão. Seria preciso de início uma hermenêutica que
pudesse trazer à consciência o conteúdo moral daquelas reações emocionais e
sentimentos de injustiça que perpassam profundamente a práxis social quotidiana
(DvE: 86de).
O autor recorre, neste texto, ao romance de Heinrich Böll intitulado Die verlorene
Ehre der Katharina Blum para mostrar como uma indignação inicial pode transformar-se em
uma revolta moral com consequências práticas decisivas. Trata-se do processo que leva de
injúrias e ofensas (Kränkungen), de uma indignação silenciosa (lautloser Empörung) e de um
ressentimento mudo (stummer Entrüstung) a uma revolta moral (moralische Wut). Honneth
completa: “Exemplos literários desse tipo podem ser encontrados muitos; neles é comum o
bastante apreender, de modo ao mesmo tempo mais sensível e mais exato que na pesquisa
sociológica, a medida na qual a práxis social quotidiana é perpassada por sentimentos éticos
que aderem a um saber implícito acerca da validade geral de normas morais” (DvE: 88de).
87
Não por acaso, essa corrente teórica conferiu uma importância inaudita às expressões artísticas e literárias
produzidas no âmbito da (e sobre a) cultura da classe trabalhadora.
88
Título original: “Moralischer Konsens und Unrechtsempfindung. Zur Barrington Moores Untersuchung
Ungerechtigkeit” (abreviado daqui em diante como MKU).
96
questão, tão cara a Moore, acerca dos motivos que levam os indivíduos ora a aceitarem
determinadas ordens sociais desvantajosas para si, ora a empregar toda sua energia para
transformar sua situação.89 Moore considera que em toda sociedade existe um consenso
elementar, na forma de uma série de acordos não verbalizados, no qual é implicitamente
estabelecido como as tarefas e ônus sociais devem ser “justamente” distribuídos. Esta teoria
do contrato social implícito é fruto da hipótese sociológica que guia o estudo de Moore, qual
seja: que as experiências e sentimentos morais dos grupos sociais são de importância primária
no processo de integração da sociedade (MKU: 114it). Como esse contrato não é
explicitamente codificado, mas sim tacitamente renovado de modo quotidiano, o consenso
moral que está na base da integração social é relativamente frágil, pois está continuamente
aberto a um processo permanente de reelaboração social (MKU: 115-6it). Em toda sociedade,
portanto, se dá uma luta moral entre grupos sociais, incessante e difusa por todos os lugares,
sobre a legitimidade do consenso existente.
Moore defende, desta maneira, a tese forte de que apenas a expectativa moral de
uma distribuição justa de deveres e ônus sociais – e não a simples resignação ou o mero
cálculo oportunista – pode motivar a disponibilidade de obediência dos grupos socialmente
oprimidos (MKU: 117it). Como consequência, seria preciso admitir que mesmo os
ordenamentos sociais mais repressivos e baseados na desigualdade contaram, pelo menos por
um curto período de tempo, com o consenso moral de todos os grupos sociais.90 Assim,
Moore considera que existe um mínimo moral em toda sociedade, de modo que as classes
baixas podem questionar se as classes dominantes estão respeitando o compromisso que é
objeto de um acordo considerado por todos de modo geral como válido (MKU: 116it). Neste
sentido, duas questões se impõem: 1. por que os grupos socialmente subordinados estão
89
O livro de Moore é composto por três partes que podem ser descritas, em linhas gerais, do seguinte modo: a
primeira parte corresponde ao nível sociológico da análise dos motivos que levam à obediência ou à revolta;
na segunda parte, Moore se dedica à história concreta das revoltas populares, baseando-se em autobiografias,
análise de fontes e de situações históricas; e na terceira e última parte o autor procura aduzir mais uma prova
para o seu argumento, na qual o fenômeno histórico do nazismo é analisado como um uso tão eficaz quanto
perigoso de percepções morais de injustiça pré-existentes em vista de objetivos bem definidos (MKU: 113-
4it).
90
Aqui é possível perceber uma diferença com relação a “Consciência moral e dominação social de classe”,
onde Honneth considera que os postulados hegemônicos de legitimação têm uma aceitação pragmática: “essa
consciência de injustiça relativamente fixa, próxima da experiência e que repousa sobre concepções não
articuladas e não coordenadas de justiça, permite pragmaticamente que as normas hegemônicas – porque
ela não possui um sistema alternativo de normas comparavelmente abstrato – valham, sem, entretanto
[freilich] ter aceitado normativamente sua pretensão de validade” (MsK: 195de; 215en).
97
dispostos a aceitar um contrato social opressor? 2. Sob quais circunstâncias particulares e com
base em que critérios os estratos mais baixos da sociedade passam a considerar que o mínimo
de consenso que garante o acordo não está sendo cumprido pelas classes dominantes? (MKU:
116-7it). A hipótese central de Moore consiste em que existem formas de violação deste
contrato que são geralmente capazes de suscitar a revolta ou cólera moral (moralische Wut) e
o senso de injustiça entre aqueles que são submetidos à autoridade (MKU: 116it). As
violações que geram reações morais negativas não atingem, segundo esta perspectiva,
simplesmente os interesses materiais, mas sim os sentimentos morais e as frustrações das
expectativas normativas dos grupos sociais.
O contato com tais autores foi importante para que Honneth voltasse sua atenção
para o fenômeno do reconhecimento já no início da década de 1980, mais de dez anos antes
da publicação de Luta por reconhecimento. É verdade que a referência central para construção
do quadro teórico do reconhecimento nesse livro são os escritos do jovem Hegel, mas as suas
bases já começam a ser construídas muito tempo antes. Tanto os fundamentos da teoria da
luta por reconhecimento quanto a censura de Honneth ao déficit sociológico dos modelos
98
críticos que lhe são anteriores estão vinculados a uma perspectiva centrada no campo do
social, das expectativas morais e das concepções intuitivas de justiça – perspectiva que lhe foi
aberta principalmente pela leitura dos autores pertencentes ao campo dos estudos culturais. A
partir da exposição precedente, podemos arrolar uma série de conceitos advindos dessa
corrente intelectual que exerceram um papel mais ou menos central no trajeto intelectual de
Honneth: senso ou consciência de injustiça e contrato social implícito (Barrington Moore);
injustiças ocultas de classe e contracultura de respeito compensatório (Richard Sennett e
Jonathan Cobb); cultura de classe (Richard Hoggart); e classe social e economia moral (E. P.
Thompson).
A apropriação de resultados dos estudos com um forte componente cultural e
normativo produzidos pela sociologia inglesa e americana do mundo do trabalho permitiu a
Honneth, então, tanto afastar-se das vertentes mais mecanicistas do marxismo da época (que
derivam a cultura de classe diretamente da posição ocupada por seus membros no processo de
produção, sem levar em consideração a sua capacidade de reelaborar de forma específica – e,
assim, enriquecer – os conteúdos culturais obtidos na divisão objetiva de classes) quanto se
contrapor ao diagnóstico formulado por Habermas em 1975 no texto “Para a reconstrução do
materialismo histórico”, segundo o qual o potencial emancipatório inscrito nas classes mais
baixas teria sido absorvido pelo Estado, de forma que só determinados grupos – como o
movimento estudantil, por exemplo – comportariam agora este potencial crítico.91 Ao
sobrevalorizar ou subestimar o papel das classes sociais na atualidade, ambas as abordagens
têm como efeito, de acordo com a perspectiva honnethiana, não apenas uma desconsideração
da moralidade latente das classes mais baixas como também um reforço das estratégias de
dominação que impedem suas demandas e seus conflitos de adquirirem visibilidade na arena
pública. Igualmente importante é o fato de que é precisamente nessa época de estreito contato
com a perspectiva sociológica e histórica oferecida pelos estudos culturais que Honneth passa
a colocar no centro de seus interesses teóricos a ideia de que os conflitos sociais de classe não
ocorrem somente devido à distribuição desigual de bens materiais: por detrás desses embates,
91
MsK: 184de; 206-7en. Cf. também Piromalli, 2012: 251 e 253; Voirol, 2007: 252. Nas palavras de Honneth:
“O interesse prático em uma forma mais alta de justiça social concentra-se, se seguirmos essas premissas,
apenas nos grupos socialmente privilegiados que, a partir de uma incompreensão baseada em princípios
éticos acerca do grau de instrumentalização da sociedade capitalista tardia, exigem uma sociedade liberada
da dominação excessiva” (MsK: 184de; 207en).
99
por assim dizer, é possível entrever a demanda por uma redefinição da dignidade humana e,
portanto, por uma outra forma de reconhecimento social (MsK: 200de; 219en).
92
Sobre a aproximação com relação a Hegel e Habermas, Eleonora Piromalli afirma: “A atenção de Honneth
está, nessa fase, devotada principalmente a garantir a articulação interna de seu paradigma do
reconhecimento – uma finalidade que o aproxima do modelo hegeliano – enquanto, simultaneamente,
preserva o grau de formalidade requisitado por nossas sociedades pós-tradicionais, internamente
diferenciadas – uma tarefa para a qual ele encontra uma de suas referências primárias na teoria
habermasiana” (Piromalli, 2012: 259).
93
Título original: Kampf um Anerkennung: Zur moralischen Grammatik sozialer Konflikte (abreviado daqui em
diante como KuA).
94
A presença explícita dos dois últimos autores em Luta por reconhecimento é mais discreta, limitando-se à
alusão, na seção sobre o terceiro padrão de reconhecimento intersubjetivo, ao conceito de “contracultura de
respeito compensatório” proposto pelos autores em The Hidden Injuries of Class (KuA: 202pt).
100
95
Aqui já está dada a base para a formulação da ideia do capitalismo como “ordem de reconhecimento”, que
Honneth irá defender dez anos mais tarde em seu debate com Nancy Fraser (cf. Redistribution or
Recognition? e, nesta tese, o Capítulo 3).
96
Honneth elogia o livro de Moore como capaz de seduzir o leitor e causar transformações em seu pensamento.
Isto se deve, em parte, ao fato de que o trajeto intelectual de Moore começa na sociologia, passa para a
ciência política, inclui a colaboração com Marcuse, passa pela história social e pela teoria moral e chega à
obra Injustice colocando em comunicação estas diversas disciplinas, tecendo assim um “impressionante
enredo de reflexões de teoria social com análises histórico-empíricas” (MKU 111-2it).
101
Se, como dito anteriormente, as referências explícitas a essa corrente não são tão
frequentes nos escritos de Honneth da década de 1990 em diante, sua relevância e
longevidade na formação do projeto intelectual do autor não pode, entretanto, ser
subestimada. A ideia geral de uma moralidade implícita nos conflitos sociais, que os
representantes dos estudos culturais procuraram demonstrar empiricamente, permeia a obra de
Honneth desde o seu início, em fins dos anos 1970, até os trabalhos posteriores a Luta por
reconhecimento, na década de 2000. Para ficar em apenas um exemplo, podemos citar o
debate com Nancy Fraser, publicado em livro em 2003, no qual Honneth mobiliza novamente
os argumentos presentes nos trabalhos de Thompson, Moore, Sennett e Cobb para demonstrar
que as lutas por reconhecimento, ao contrário do que pensa Fraser, não são algo recente,
trazido à luz pelos novos movimentos sociais, mas sim a lógica própria de todo conflito social
– inclusive os conflitos de classe (UoA: 155-8de; 131-3en). Fica claro, portanto, a
importância do papel exercido por essas investigações históricas e sociológicas na concepção
de Honneth acerca do caráter moral constitutivo dos conflitos sociais, que foi, aliás, o que o
levou a censurar o déficit sociológico e motivacional dos representantes da própria teoria
crítica.
97
A respeito do caráter geral do sofrimento e do sentimento moral de injustiça, cf. por exemplo a seguinte
passagem (Moore, 1978: 9): “O fracasso em suprir uma necessidade ou um imperativo social genuíno tem a
consequência de que todos os membros da sociedade sofrem severamente, ainda que o sofrimento não seja
distribuído igualmente” (tradução MT).
102
De um lado, não há dúvidas de que Honneth acredita ter encontrado nas pesquisas
oriundas do campo dos estudos culturais uma forma de constatação empírica para sua teoria
da gramática moral dos conflitos sociais. Já em Luta por reconhecimento, Honneth afirma:
“De investigações dessa espécie pode-se extrair material ilustrativo o suficiente a fim de
obter pelo menos as primeiras comprovações empíricas para a tese de que os confrontos
sociais se efetuam segundo o padrão de uma luta por reconhecimento” (KuA: 264-5pt).98 A
apropriação dessas pesquisas deve, contudo, passar por um processamento por parte do
teórico crítico, dado que elas carecem da força universalizante que é fornecida apenas por
uma filosofia social. “Uma grave desvantagem” das investigações realizadas no âmbito dos
estudos culturais consiste, diz Honneth, em que eles concedem “à especificidade estrutural da
relação de reconhecimento um lugar demasiado pequeno para estar em condições de algo
mais do que uma apreensão histórica de mundos da vida particulares” (KuA: 265pt). O
resultado de tais investigações tem um caráter “meramente episódico” na medida em que as
lutas sociais analisadas (revoltas e greves, formas espontâneas, passivas ou organizadas de
resistência) não são articuladas e inseridas no desenvolvimento moral da sociedade. Para
Honneth, “O abismo entre os processos singulares e o processo evolutivo abrangente só pode
ser fechado quando a própria lógica da ampliação de relações de reconhecimento vem a ser
o sistema referencial das exposições históricas” (KuA: 265pt).
98
Jean-Philippe Deranty é enfático quanto a esse ponto: “A partir desse primeiro contato com os famosos
estudos de Barrington Moore e E. P. Thompson sobre as classes trabalhadoras alemã e inglesa, Honneth
jamais renunciará à ideia de que o núcleo moral dos conflitos sociais foi demonstrado empiricamente. O
progresso histórico, moral, e o seu estudo sociocientífico demonstraram, como um fato inquestionável, que
os sujeitos modernos esperam formas específicas de reconhecimento como condições de seu bem-estar
próprio. […] Todos eles [esses estudos, MT] convergem em direção ao estabelecimento de fatos
metodologicamente falíveis mas empiricamente confirmados: o tecido moral dos sentimentos de injustiça e o
cerne moral dos movimentos sociais” (Deranty, 2009: 281).
103
esta limitação em sua produção teórica da década de 1990 e especialmente em Luta por
reconhecimento mediante o recurso ao que chama de “antropologia formal”.
Outra limitação dos estudos culturais está ligada à ênfase conferida às concepções
normativas implícitas das classes subalternas que se tornam manifestas no desenrolar de
conflitos sociais decorrentes do que é percebido como uma violação de princípios de justiça
previamente estabelecidos. Como vimos, Moore é um dos autores que defende o caráter
eminentemente defensivo das revoltas sociais: para ele, as lutas das classes trabalhadoras têm
como ponto de partida não a ideia de uma sociedade mais justa que a atual, mas o receio de
que o consenso moral vigente, considerado minimamente justo, venha a perder validade. Dito
de outro modo: as revoltas das classes baixas são consideradas mais atos de resistência do que
tentativas de colocar em curso uma revolução normativa.
antropológica à capacidade humana de dar sempre novas respostas a situações que são em si
mesmas constantes (EoR: 149de; 172en). Assim, Castoriadis se coloca firmemente contra a
separação entre base e superestrutura, e em favor de um potencial de projeção e criação que
aparece como inerente às realizações culturais humanas. A ideia de ação social tem em seu
centro aqui, portanto, “a dimensão da produção criativa de um sentido simbolicamente
mediado” (EoR: 149de; 172en) – dimensão cuja existência não está ligada nem à observação
empírica nem à construção racional, mas sim a um ato de criação, um mundo de referência
imaginado, um imaginário (EoR: 155de; 176en). A tese de Castoriadis, segundo Honneth,
reside em que:
Para Castoriadis, a linguagem e a vida dos instintos humanos são marcadas por
uma criatividade extremamente rica, que se expressa em inovações linguísticas quotidianas e
na formação de fantasias – as quais podem ser vistas como “as prefigurações inconspícuas de
um poder social de imaginação que irrompe extraordinariamente em atos de criação coletiva
de sentido. Honneth continua: “em tais momentos historicamente raros de produção
inovadora de novos horizontes de significado, de fundação de novas estruturas institucionais,
toma a forma de uma práxis coletiva tornada consciente aquilo que, do contrário, ocorre
implicitamente em toda a vida social” (EoR: 164de; 183en).
É preciso notar, contudo, que tanto a crítica ao caráter defensivo dos conflitos
sociais na teoria do consenso moral e da consciência de injustiça de Moore quanto o elogio do
aspecto criativo das realizações humanas na obra de Castoriadis acabam sendo deixados de
lado no trajeto intelectual de Honneth. Até o fim da década de 1980, ambos os
posicionamentos perdem sistematicamente sua radicalidade, de forma que já em “Luta por
reconhecimento: sobre a teoria da intersubjetividade de Sartre”,99 um texto de 1988, Honneth
atribui a expansão das relações de reconhecimento a um processo interno de diferenciação,
luta, e estabelecimento de um consenso mais abrangente. Na esteira de Hegel, aqui toda
interação significativa é considerada como capaz de “levar processualmente para além de si
99
Título original: “Kampf um Anerkennung: Zu Sartres Theorie der Intersubjektivität”.
106
mesma porque os sujeitos, sabendo terem sido reconhecidos, podem alcançar também
autointerpretações sempre mais exigentes” (Honneth, 1988: 174de; 165en).
No período que precede Luta por reconhecimento, isto é, desde o fim dos anos
1970 e durante toda a década de 1980, os escritos de Honneth revelam um vivo interesse pela
pluralidade de formas que os conflitos sociais puderam assumir ao longo do tempo e em
diferentes lugares e contextos. Sua preocupação está em não negligenciar aquelas formas de
resistência que permanecem abaixo do limiar de articulação e verbalização perceptível para a
teoria social caso ela tenha como foco apenas o funcionamento e a manutenção de situações
de poder e dominação.
100
Sobre os termos presentificação e atualização, além de reatualização e reconstrução, cf. Capítulo 6.
108
101
Trata-se de crítica semelhante, portanto, à que ele dirige em Crítica do poder a Adorno e Horkheimer da
Dialética do esclarecimento em diante, à segunda fase da obra foucaultiana e à neutralização normativa do
sistema operada por Habermas a partir da década de 1970.
109
voltada para estratégias que favoreçam a manutenção da posição privilegiada dos detentores
do poder.
Tanto para Maquiavel quanto para Hobbes, assim, o objetivo supremo da ação
política é a estabilização de um conflito permanente que deve ser imposta sobre as tendências
“naturais” dos indivíduos, concebidas segundo o contexto funcional de relações instrumentais
ou estratégicas.
papel é o fato de que Hegel retoma Aristóteles a partir do ponto de vista agonístico que é fruto
da filosofia social moderna, isto é: ele procura combinar o modelo conceitual hobbesiano de
uma luta entre os sujeitos com uma antropologia aristotélica antifuncionalista. Pode-se dizer,
portanto, que Honneth considera o empreendimento hegeliano nos anos iniciais do século
XIX uma tentativa profícua de conciliar normatividade e conflito – a qual tem a vantagem,
ainda, de oferecer um alto potencial de universalização.
41pt). Isso requer uma concepção da vida pública como algo que não demanda a restrição,
mas sim a realização da liberdade individual de todos os membros da sociedade; e o meio
para esta integração deve ser procurado precisamente naqueles costumes cristalizados nas
instituições da coletividade. Hegel escolhe termo Sitten (costumes, hábitos, conduta) para
diferenciá-lo tanto das leis positivas prescritas pelo Estado quanto das convicções morais de
indivíduos isolados, referindo-se em vez disso às práticas intersubjetivas mais ou menos
institucionalizadas na sociedade. Para além da perspectiva ética aristotélica e a partir do
contato com a economia política inglesa, entretanto, Hegel considera que a sociedade civil
burguesa – apesar de fazer parte do sistema da eticidade – é uma zona por assim dizer
negativa, onde predomina um embate autointeressado por benefícios individuais. Isto
significa, diz Honneth, que a passagem da eticidade natural representada pela família para a
totalidade ética do Estado não se dá mediante a imposição de condutas limitantes prescritas de
forma externa à coletividade pelo contrato social ou pelo exercício vinculante da razão
prática, mas sim de maneira orgânica, via repetidas negações e reintegrações do equilíbrio
destruído que compõem, a partir da “existência da diferença”, um processo interno, negativo e
conflituoso no qual ocorre uma superação progressiva do que é meramente subjetivo. Assim,
o vir-a-ser da eticidade diz respeito, neste momento da obra de Hegel, à universalização
conflituosa de potenciais morais cujas sementes estão inscritas na eticidade natural como algo
“envolto e não desdobrado” (Hegel apud KuA: 44pt).
102
Aqui, a eticidade natural compreende tanto o âmbito da família quanto o da sociedade civil (a qual é
caracterizada pelo estabelecimento de uma liberdade negativa mediada por preceitos jurídicos).
103
Hegel usa a expressão “intuição mútua” para falar das relações de uma eticidade absoluta, um termo que ele
empresta de Schelling para referir-se à forma de relação recíproca entre sujeitos que é superior ao mero
reconhecimento cognitivo (KuA: 58pt).
113
racional”). É claro que esta leitura já é em boa medida influenciada pelos propósitos que
Honneth persegue em seu livro, o que ele reconhece ao afirmar que está ausente ainda neste
modelo não apenas uma teoria da subjetividade capaz de ir além da ontologia aristotélica e
explicar a diferenciação entre os estágios de formação dos sujeitos, mas também uma
discussão mais elaborada, com maior exatidão teórica e categorial acerca da estrutura interna
da motivação do criminoso, o que poderia conferir ao crime ou à luta uma posição sistemática
e uma função produtiva, e não apenas um papel negativo e transitório.
intersubjetividade prévia da vida humana, e a teoria política da eticidade perde o caráter geral
de uma história da sociedade, “tomando aos poucos a forma de uma análise da formação do
indivíduo para a sociedade” (KuA: 52de; 66pt). Paradoxalmente, o enfoque na consciência
individual tem efeitos negativos, diz Honneth, para conceber justamente a formação dos
sujeitos como portadores de particularidades próprias. Isso porque apenas no System der
Sittlichkeit a luta não é unicamente um processo de socialização, mas também medium de
individualização e desenvolvimento das capacidades do eu, de modo que estão entrelaçadas a
emancipação e a “comunização” dos sujeitos individuais. No novo contexto, Hegel não pode
mais compreender a individualização como um desligamento (conflituoso) do indivíduo com
respeito às relações comunicativas existentes, já que aquele é prévio a estas e também, por
isso, em certo sentido indeterminado em seu conteúdo.
Mas ela não é suficiente. Para ampliar a relação prática dos sujeitos com o mundo
e chegar à pessoa de direito, Honneth lança mão da luta por reconhecimento como meio
teórico. A ideia de “estado de natureza” é mobilizada para descrever uma situação em que há
uma concorrência por posses entre famílias como unidades éticas singulares; diferentemente
da filosofia social moderna, entretanto, os direitos e deveres intersubjetivos não são impostos
ao estado de natureza hegeliano a partir de fora. O contrato, portanto, surge da situação social
de partida não de modo contingente, mas necessariamente, já que existe, desde o início e
antes de qualquer conflito, um consenso normativo mínimo, um acordo implícito entre os
104
Honneth critica en passant o caráter misógino (nas palavras do autor) da caracterização hegeliana da natureza
feminina segundo a ideia de “astúcia”, que ele abandona. Outros aspectos tradicionais da família nuclear
burguesa (como a heteronormatividade e a obrigatoriedade formal da monogamia) não são colocadas em
questão. Em O direito da liberdade, de 2011, Honneth chega a questionar a heteronormatividade do modelo
hegeliano, mas o faz também de forma breve e aparentemente sem consequências decisivas.
116
Para Honneth, o potencial normativo que dá origem ao crime nessa etapa jurídica
é a percepção por parte do sujeito de que ele não é reconhecido na particularidade de sua
vontade individual, específica. Isto ocorre porque o direito é caracterizado aqui por um falso
formalismo. O autor propõe duas interpretações dessa tese: o formalismo jurídico pode se
referir tanto à aplicação das normas quanto ao próprio conteúdo delas. O aprendizado que
deveria advir dessas críticas consiste, respectivamente, em um ganho de sensibilidade para o
contexto de aplicação das normas jurídicas e uma ampliação da dimensão da sua igualdade
material de chances.105 Para Hegel, no entanto, a etapa jurídica não pode, por sua própria
natureza enquanto esfera na qual todos devem ter os mesmos direitos e o mesmo respeito,
fornecer as condições para o reconhecimento da vontade singular dos indivíduos. O direito,
portanto, não é capaz de proporcionar os sentimentos de participação social necessários para o
105
Honneth reconhece, no entanto, que Hegel não seguiu nenhum desses caminhos, limitando-se a ver, como
implicação do crime, apenas uma reestruturação institucional do direito, isto é: a passagem do direito natural,
informal, para o positivo, organizado pelo Estado. (O elo entre o direito natural e o direito positivo é
politicamente constituído pela pena: a punição do criminoso faz com que seja restabelecida a relação
destruída de reconhecimento. Na execução da pena, os sujeitos se deparam com o seu ser comum
[Gemeinsamkeit] normativo na forma objetivada de uma lei. Sob pressão do crime, então, as normas jurídicas
se tornam prescrições legais publicamente controladas, contando com o poder de sanção do Estado). As
novidades práticas oriundas do crime não podem, contudo, se limitar à dimensão institucional. Honneth
insiste que é imprescindível proceder a uma consideração social. Neste sentido, ele volta a sugerir que a meta
oculta e decisiva do crime consiste na superação do formalismo abstrato do conteúdo e da aplicação das
normas jurídicas.
118
106
O abandono de uma concepção exigente de intersubjetividade no período final de sua estadia em Jena torna-
se evidente na caracterização que Hegel faz do indivíduo como bourgeois e como citoyen. Ao passo que o
primeiro diz respeito ao sujeito que age racionalmente com respeito a fins e que busca a realização de seus
interesses próprios, o segundo refere-se ao indivíduo que participa de forma ativa na formação política da
vontade. (Trata-se do mesmo sujeito, o qual, no entanto, assume esses diferentes papéis ou funções em uma
coletividade política juridicamente estabelecida) Mas o que chama a atenção de Honneth é que o estatuto do
bourgeois como aquele que se tornou apto para a relação contratual advém diretamente da relação
intersubjetiva do reconhecimento jurídico, enquanto que o cidadão se constitui na reflexão solitária com a
parte de si mesmo que representa objetivamente para ele a ideia do todo ético. Seu status advém da relação
com o universal superior representado pelo Estado, de modo que ele não é percebido como uma pessoa
social, com capacidades e propriedades particulares oriundas de uma “interação bem-sucedida com
indivíduos que se sabem igualmente citoyens” (KuA: 101-2de; 111-2pt).
107
Exatamente por isso é tão surpreendente a retomada que Honneth realiza a partir da década de 2000 da
Filosofia do direito hegeliana (cf. Sofrimento de indeterminação e O direito da liberdade).
120
mediadas pelo trabalho, já que, separados dos meios de produção, os trabalhadores perdem a
possibilidade de controlar autonomamente a sua atividade produtiva. O conflito histórico que
daí advém (isto é: a luta de classes) não pode ser visto como um confronto estratégico por
bens ou instrumentos de poder, devendo ser considerado um conflito moral pela libertação do
trabalho, que é a condição decisiva para a autorrealização humana. Aqui, a teoria de Marx
está ainda em grande medida apoiada sobre os pressupostos de uma filosofia da história
centrada na estética de produção, os quais resultam da confluência entre elementos da
antropologia romântica expressivista, do conceito feuerbachiano de “amor” e da economia
política inglesa (KuA: 233pt). Para Honneth, esse modelo estético de objetivação de forças
internas essenciais é problemático na medida em que “desperta a impressão errônea de que
todas as propriedades e capacidades individuais seriam algo dado intrapsiquicamente e
desde sempre de maneira integral, que depois pode expressar-se de forma apenas secundária
na efetuação da produção” (KuA: 233pt), além de representar uma relação limitada e
unilateral de reconhecimento recíproco, pois na relação entre produtores e consumidores
apenas a dimensão da satisfação material de carências é levada em consideração.
Honneth identifica nos escritos de Marx sobre história e política, no entanto, uma
ampliação de seu enfoque explicativo que resulta “do propósito metodológico de expor em
seus estudos históricos, de modo narrativo, o curso fatual daquele processo histórico que ele
havia investigado em sua análise econômica apenas da perspectiva, de certa maneira
funcionalista, da imposição das relações capitalistas” (KuA: 237pt, trad. mod.). Esse
posicionamento implica a necessidade de levar em conta todos os fatores que exercem algum
tipo de influência, no processo histórico concreto, sobre o modo como os grupos concernidos
vêm a conhecer e experienciar (erfahren) sua respectiva situação e como se dá, em
decorrência disso, o seu comportamento político (KuA: 237pt). Adentram, assim, na
exposição de Marx, precisamente os estilos de vida transmitidos pelas culturas cotidianas
específicas das diferentes camadas sociais, os quais marcam o tipo de experiência das
circunstâncias e das privações sociais. Com isto, “modifica-se necessariamente para Marx
também o padrão segundo o qual se deve explicar o próprio comportamento político no
conflito”: ele passa a depender de convicções de valor que se sedimentam nas formas de vida
culturalmente compartilhadas e que estão ligadas à formação e expressão da identidade dos
sujeitos individuais e coletivos. Ora, por conseguinte, “o puro pesar de interesses não pode
mais decidir quais finalidades os diversos grupos perseguem nos confrontos políticos” (KuA:
237pt).
cisão ética na qual “defrontam-se atores coletivos orientados por valores diferentes, em
virtude de sua situação social” (KuA: 238pt).
Embora mais próxima, essa caracterização dos processos sociais conflituosos (que
Marx “relata com ênfase dramatúrgica”) não implica propriamente em uma luta por
reconhecimento nos moldes adotados por Honneth, pois refere-se a um confronto em torno de
formas coletivas de autorrealização no qual “não se trataria propriamente de um processo
moral que admitiria a possibilidade de uma resolução social, mas de um trecho social
daquela luta eterna entre valores incompatíveis por princípio” (KuA: 239pt). Por isso, Marx
não pode aqui reservar para o confronto aquele papel de força motora do desenvolvimento
histórico-social.
Honneth conclui afirmando que Marx não conseguiu, ao cabo, mediar os dois
modelos de conflito presentes em sua obra de maturidade: o utilitarista econômico, e o
expressivista histórico. Ademais, é importante sublinhar que, mesmo no segundo caso, Marx
não concebeu a luta de classes como um conflito moralmente motivado. Não à toa, como visto
no capítulo anterior, o marxismo observou no século XX o surgimento de vertentes
estruturalistas e utilitaristas, focadas exclusivamente seja nos sistemas de poder econômico e
político que conformam a sociedade capitalista, seja nas lutas estratégicas que os sujeitos
autointeressados travam entre si por bens escassos e posições de autoridade.
Honneth justifica a escolha de Sorel de dois modos. Em primeiro lugar está a sua
manifesta intenção de superar o utilitarismo como obstáculo que impede o marxismo de se
tornar consciente de suas próprias finalidades éticas. Honneth destaca a convicção teórica
fundamental de Sorel segundo a qual a ação humana não pode ser igualada à persecução de
interesses mediante uma racionalidade com respeito a fins, pois são assim encobertos os
impulsos morais que orientam os atores sociais em suas atividades produtivas, entendidas de
modo amplo. Em segundo lugar está o “conceito de ação social orientado pelo modelo da
124
interpretativo oferecido pela ideia de uma luta por reconhecimento com o material empírico
dos sentimentos morais” (KuA: 244pt).
visto que o ser humano possui, como ser primariamente afetivo, um acesso intuitivo
mais a imagens concretas do que a argumentações racionais, o que melhor pode
transformar o ‘sentimento ardente de indignação’ em princípios jurídicos positivos
são os mitos sociais, nos quais está construído figurativamente um futuro
indeterminado em seu curso (KuA: 244pt).
A concepção soreliana de direito é, no entanto, segundo a perspectiva de Honneth,
muito reduzida, pois ele é tido apenas como a expressão institucional das normas positivas
que são a corporificação dos sentimentos particulares de desrespeito e injustiça social da
126
classe que, em determinado momento, detém certa primazia na correlação política de forças.
Trata-se para Sorel, portanto, eminentemente de uma técnica de poder, de modo que o
potencial universalista do reconhecimento jurídico tem que permanecer fora de seu campo de
visão.
Se, por um lado, a teoria de Sorel interessa a Honneth por combater as correntes
utilitaristas do pensamento marxista, por outro lado a importância dos processos de criação de
novas normas jurídicas mostra que o conceito soreliano de “mito social”, a exemplo das
“sociedades imaginadas” de Castoriadis, poderia ser empregado para corrigir o caráter
meramente defensivo dos conflitos sociais vistos sob a ótica dos estudos culturais. Trata-se,
no entanto, de um caminho aberto como possibilidade, mas não seguido de fato. Assim, a
preocupação do autor com o déficit de criatividade normativa parece ser minimizada em favor
da tentativa de solucionar o déficit de normatividade.
A questão que então se coloca diz respeito ao estatuto daquilo que nos seres
humanos deve ser reconhecido pelos seus pares. Do mesmo modo que na obra de Sorel,
também nos escritos de Sartre sobre o colonialismo percebe-se uma confusão entre o
reconhecimento (jurídico) universalista de direitos fundamentais elementares e o
reconhecimento (solidário) de formas específicas de autorrealização. Honneth considera
decisivo na modernidade, contudo, diferenciar formas jurídicas e extrajurídicas de
reconhecimento, como veremos adiante.
plausibilidade dos pressupostos teóricos do idealismo alemão, a filosofia não pôde mais
sustentar um conceito metafísico de espírito e passou a ter seus argumentos examinados frente
à realidade empírica e a um conceito mundanizado de razão (KuA: 118pt). Por isso, toda
tentativa de revitalizar a filosofia hegeliana encontra-se “de agora em diante na obrigação de
estabelecer um contato com as ciências empíricas [Erfahrungswissenschaften], para estar a
salvo, desde o início, do perigo de uma recaída na metafísica” (KuA: 118pt). Se Honneth
pretende retomar a luta por reconhecimento na perspectiva de uma teoria social de teor
normativo, isto é, se ele procura “fazer das pressuposições normativas da relação de
reconhecimento também o ponto de referência de uma explicação dos processos de
transformação histórica e empírica da sociedade”, torna-se necessária uma “sociologização”
(Soziologiesierung) do modelo conceitual hegeliano (KuA: 109de; 119pt, nota 2).
Numa primeira etapa, Honneth discute o exame epistemológico que Mead leva a
cabo acerca do objeto de estudo da psicologia a fim de explicar como essa ciência tem acesso
ao psíquico. Inicialmente, Mead se apoia sobre a ideia fundamental do pragmatismo segundo
a qual é a tematização, diante de problemas práticos quotidianos, de ações habituais que
129
108
Um ponto que aparece no texto mas não recebe muita atenção de Honneth é o importante papel que a
criatividade assume na formação dos sujeitos bem como nas transformações sociais. Isso porque os
indivíduos possuem uma força interna individual espontânea que gera exigências e expectativas direcionadas
a seus parceiros de interação concretos e generalizados, isto é, ao seu entorno social. A realização dessas
expectativas e exigências depende, é importante frisar, da antecipação de uma situação social futura na qual
os indivíduos gozam de uma rede mais ampla de direitos. O recurso a Mead – assim como a Castoriadis e
Sorel – poderia portanto auxiliar Honneth a superar o déficit de criatividade normativa que ele identifica, por
exemplo, no marxismo dos estudos culturais. Entretanto, o fato de Mead não definir se os impulsos do Eu
nascem “da natureza pulsional pré-social, da imaginação criadora ou da sensibilidade moral” não contribui
para o esclarecimento do caráter dessa força espontânea interna aos indivíduos (KuA: 140pt).
130
tem de mim, aquele é a fonte não regulamentada de todas as minhas ações atuais. O Eu
precede e acompanha o Me, e é responsável pela resposta criativa a problemas práticos com
os quais o sujeito se depara, mas nunca aparece no campo de visão. Para Mead há, entre eles,
na nossa experiência interna, uma relação comparável à que existe entre parceiros de um
diálogo.
ação e torna-se assim capaz de participar nas interações normativamente reguladas de seu
meio e de se conceber como membro de uma coletividade. O reconhecimento em questão diz
respeito, entretanto, não apenas às minhas obrigações perante a comunidade, mas também aos
meus direitos, que Honneth define aqui como “as pretensões individuais das quais posso
estar seguro que o outro generalizado as satisfará” (KuA: 137pt). A dignidade que advém
desta compreensão do indivíduo como pessoa de direito significa que ele pode contar
legitimamente com o respeito a algumas de suas exigências fundamentais para estar seguro do
valor social de sua identidade (KuA: 137pt).
É importante, além disso, notar que o Eu só aparece, e em parte, como desvio dos
padrões de comportamento normativamente exigidos, como divergências criativas. No
posfácio a Luta por reconhecimento escrito em 2002, Honneth afirma, referindo-se à sua
apropriação de Mead no livro: “se entendemos, com Mead, a experiência do reconhecimento
132
109
Há dois sentidos de uma ampliação das relações de reconhecimento jurídico: trata-se ora de um acréscimo
material na autonomia pessoal de todos os membros da comunidade, ora de uma expansão do círculo de
pessoas que compõem a comunidade jurídica.
133
A compreensão prática que um semelhante ator tem de si mesmo, seu ‘Me’ portanto,
será nesse caso constituída de tal sorte que ela o faz compartilhar com os outros
membros de sua coletividade não só as normas morais, mas também as finalidades
éticas: se ele pode entender-se, à luz das normas comuns de ação, como uma pessoa
que possui determinados direitos em face de todos os demais, então, à luz das
convicções axiológicas comuns, ele pode entender-se como uma pessoa que tem
importância única para eles todos (KuA: 144de; 152pt).
Mead deixa em aberto, entretanto, a grande questão que se coloca nos dias de
hoje: como determinar as convicções éticas de um outro generalizado de modo que sejam
substantivas o suficiente para garantir o reconhecimento, mas formais o bastante para não
restringir o espaço livre de possibilidades para a autorrealização (KuA: 152pt)? Para Honneth,
apenas uma forma de eticidade “por assim dizer democrática” poderia abrir “o horizonte
cultural no qual os sujeitos, com direitos iguais, poderiam reconhecer-se reciprocamente em
sua particularidade individual pelo fato de que cada um deles é capaz de contribuir, à sua
136
própria maneira, para a reprodução da identidade coletiva” (KuA: 153pt). É preciso que
haja, portanto, um equilíbrio entre autonomia e autorrealização, de modo que todos os sujeitos
possam conceber igualmente seu valor para a coletividade enquanto portadores de direitos,
sem que isso os impeça de se autorrealizarem de modo particular:
2.2. Fenomenologia
Honneth vê uma coincidência em Hegel e Mead na “tentativa de localizar os
diversos modos de reconhecimento nas respectivas esferas da reprodução social”: Hegel, por
um lado, “distingue em sua filosofia política a família, a sociedade civil e o Estado”; e Mead,
por outro, mostra um “tendência de destacar das relações primárias do outro concreto as
relações jurídicas e a esfera do trabalho enquanto duas formas distintas de realização do
outro generalizado” (KuA: 158pt). No capítulo sobre os padrões de reconhecimento, então,
Honneth se coloca como tarefa mostrar empiricamente (isto é, mediante uma concordância
aproximativa com os resultados das pesquisas empíricas de ciências particulares) a
plausibilidade da tripartição das formas de reconhecimento de Hegel e Mead. Esta tarefa toma
a forma, então, de uma “tipologia fenomenológica” empiricamente controlável (KuA: 156pt).
Trata-se, nas palavras de Honneth, da “tentativa de reconstruir o conteúdo concretamente
dado do amor, do direito e da solidariedade, até o ponto em que se estabelece uma conexão
produtiva com os resultados das pesquisas científicas particulares” (KuA: 159pt). Uma
137
segunda tarefa (ausente nos escritos Mead e Hegel) consiste em identificar, na experiência dos
atores sociais, as formas de desrespeito que, como equivalente negativo das relações de
reconhecimento, exercem uma pressão que faz surgir a luta por reconhecimento e impulsiona,
assim, o desenvolvimento histórico. Em ambos os casos, é preciso poder contar com a
comprovação pelo material de investigações empíricas.
110
Hegel (System der Sittlichkeit) apud KuA: 154de; 160pt.
138
entre pulsões libidinais e capacidades do Eu, Honneth adota a teoria das relações de objeto
como uma ampliação necessária do quadro conceitual da psicanálise para abranger aquela
dimensão de interações sociais e relações emotivas com outros sujeitos nas quais a criança
aprende a se conceber como sujeito autônomo. Assim, o sucesso das relações afetivas
depende da capacidade que os atores sociais desenvolvem desde a infância para equilibrar
simbiose e autoafirmação.
Honneth destaca que a teoria das relações de objeto parte, para identificar as
condições que podem conduzir a uma forma bem-sucedida de ligação afetiva com outros
sujeitos, do aspecto negativo, isto é: daquilo que é identificado nos relacionamentos, segundo
uma análise terapêutica, como patológico (KuA: 161pt). São as observações empíricas acerca
de desvios experienciados como patológicos que formam a base para corrigir as tendências
monológicas da teoria freudiana:
pelo lado terapêutico, veio ao encontro dessa conclusão teórica a descoberta de que
um número crescente de pacientes sofria de enfermidades psíquicas que já não
podiam mais ser atribuídas a conflitos intrapsíquicos entre os componentes do Eu e
do Isso, mas somente a distúrbios interpessoais no processo de desligamento da
criança; tais formas de patologia, como as existentes no caso dos sintomas de
borderline e de narcisismo, forçaram os terapeutas a recorrer em forte medida a
abordagens incompatíveis com as concepções ortodoxas, visto que buscavam
conferir um significado independente às ligações recíprocas entre as crianças e as
pessoas de referência (KuA: 157de; 163pt, trad. mod.).
Segundo a teoria das relações de objeto, então, há nos primeiros meses de vida
uma intersubjetividade indiferenciada entre o indivíduo e a mãe, uma unidade originária de
comportamento reciprocamente vivenciada. A questão que Winnicott se coloca diz respeito,
então, a como mãe e bebê podem se separar e passar a se aceitarem e se amarem como
pessoas independentes. A solução para este problema não pode ser individual, mas deve ser
encontrada de modo conjunto. Assim, num primeiro momento, mãe e criança se encontram
em um estado de dependência absoluta que impede a delimitação entre eles como indivíduos
separados: “Não estando em condições de uma diferenciação cognitiva entre ela mesma e o
ambiente, a criança se move, nos primeiros meses de vida, num horizonte de vivências cuja
continuidade só pode ser assegurada pelo auxílio complementário de um parceiro da
interação” (KuA: 166pt). Quando ambas as partes obtêm um pouco mais de autonomia,111
111
Diz Honneth: “Para a mãe, esse empuxo de emancipação principia no momento em que ela pode voltar a
ampliar seu campo de atenção social, porque sua identificação primária e corporal com o bebê começa a
fluidificar […]. A essa ‘desadaptação graduada’ da mãe corresponde, pelo lado do bebê, um
139
a criança pode reconciliar sua afeição pela mãe, ainda alimentada de forma
simbiótica, com a experiência da autonomia desta. […] Se, pelo caminho assim
traçado, um primeiro passo de delimitação recíproca é bem-sucedido, a mãe e a
criança podem saber-se dependentes do amor do respectivo outro, sem terem de
fundir-se simbioticamente uma na outra (KuA: 169-70pt).
O amadurecimento dessa conexão afetiva se mostra, então, na capacidade de estar só, que a
criança adquire a partir da sua confiança na continuidade da dedicação materna mesmo após a
separação, isto é, sua confiança “na satisfação social de suas próprias demandas ditadas pela
carência” (KuA: 173pt). No momento em que o sujeito se sente amado por uma pessoa
independente, que ele por sua vez também ama, expressa-se praticamente uma forma de
autorrelação individual que Honneth chama de autoconfiança e que dá o padrão interativo das
relações afetivas do adulto.112
Assim como na relação entre criança e mãe, também na relação entre parceiros
amorosos e nas relações de amizade, o desejo de cada sujeito de estar fundido com o outro “só
se tornará o sentimento do amor se ele for desiludido a tal ponto pela experiência inevitável
da separação, que daí em diante se inclui nele, de modo constitutivo, o reconhecimento do
outro como uma pessoa independente” (KuA: 174-5pt). Diz Honneth, com base em
Winnicott:
desenvolvimento intelectual que provoca, juntamente com a ampliação dos reflexos condicionados, a
capacidade de diferenciar cognitivamente o próprio Eu e o ambiente” (KuA: 167pt, trad. mod.).
112
Honneth sublinha que a capacidade de estar só é um pressuposto fundamental para a criatividade infantil e
para a faculdade humana de imaginação, de forma que entre criatividade e reconhecimento há um nexo
profundo (KuA: 172pt). O autor não desenvolve, contudo, esta ideia em mais detalhes aqui ou em outra parte
do livro.
140
Ainda de acordo com Winnicott, portanto, as relações amorosas são amadurecidas pela
desilusão mútua que estimula um equilíbrio, após a quebra da simbiose inicial, entre
delimitação e deslimitação entre os sujeitos. As patologias sociais podem ser consideradas,
inversamente, como o desequilíbrio entre os polos dessa balança. Jessica Benjamin é uma das
autoras que examina tais unilateralizações, nas quais ao menos um dos sujeitos não consegue
se desligar seja da autonomia egocêntrica, seja da dependência simbiótica, o que leva a
desfigurações das relações amorosas (os exemplos que ela aborda são o sadismo e o
masoquismo). Ainda sem entrar no mérito da investigação de patologias na esfera amorosa,
Honneth aponta contudo que a pertinência empírica do conceito de amor derivado da teoria do
reconhecimento é revelada na medida em que a reciprocidade malsucedida é considerada o
critério para a identificação de desvios patológicos nas relações afetivas (KuA: 176-7pt).
Por isso, as relações afetivas são a base para a autoconfiança individual, e também para a
participação autônoma na vida pública.
(KuA: 178pt). O reconhecimento jurídico, por sua vez, tem que se dar de forma universal,
independentemente de afetos particulares – caso contrário não é possível diferenciar o
estatuto jurídico de um indivíduo em pé de igualdade moral com os demais sujeitos da estima
social que ele detém por conta de suas características particulares. Nas sociedades
tradicionais, onde rege o que Honneth chama de eticidade convencional, os direitos e deveres
dos atores sociais estão vinculados a tarefas concretas e expectativas específicas ligadas aos
papéis sociais dos indivíduos no interior de uma estrutura social de cooperação. Honneth
defende que, com a passagem para a modernidade, as pretensões legítimas do indivíduo à
igualdade jurídica são ancoradas em princípios universalistas de uma moral pós-convencional,
afastada da estima social e aplicada virtualmente a todos os sujeitos na mesma medida, de
modo que exceções e privilégios deixam de ser aceitáveis e passam a ser vistos como
arbitrários e injustificáveis. Trata-se da diferença, que não mais pode ser ignorada, entre o
reconhecimento do sujeito enquanto pessoa (igual) e a estima pelo indivíduo em sua
particularidade. São duas formas de respeito: o jurídico, segundo o qual todo ser humano deve
ser considerado, sem distinções, como um fim em si; e o social, que salienta o “valor” de um
indivíduo, medido por critérios intersubjetivamente estabelecidos. Enquanto o primeiro se
pergunta o que caracteriza as pessoas como tais, o segundo questiona como se constitui um
sistema valorativo de referência. Com essa distinção, que Honneth empresta dos escritos de
Rudolph von Ihering do final do século XIX, torna-se claro o fato de que podemos reconhecer
um ser humano como pessoa sem ter de estimá-lo por suas realizações ou por seu caráter
(KuA: 185pt).
Ora, reconhecer todo outro ser humano como pessoa significa tratá-lo de forma
moralmente consistente com as propriedades que se atribui a uma pessoa de direito. Segundo
a argumentação de Honneth, assim, apenas podemos nos reconhecer como pessoas de direito
na medida em que reconhecemos também nossos deveres para com o outro generalizado,
concebido igualmente como um sujeito de direito. Surge, deste modo, “uma nova forma de
reciprocidade, altamente exigente: obedecendo à mesma lei, os sujeitos de direito se
reconhecem reciprocamente como pessoas capazes de decidir com autonomia individual
sobre normas morais” (KuA: 182pt). Uma importante questão então se coloca: já que o
reconhecimento jurídico não é uma atitude diretamente ligada às emoções dos atores sociais,
consistindo ao contrário em uma operação do entendimento acima de tudo cognitiva, como
142
este tipo de respeito pode ter força motivacional capaz de orientar o comportamento
individual? Para Honneth, o reconhecimento jurídico tem um elemento cognitivo e um
elemento normativo, visto que é preciso aplicar a norma, universal, a situações específicas:
É nessa zona de disputa entre diferentes interpretações da situação particular que pode ser dar
a luta por reconhecimento no campo jurídico. Se a imputabilidade moral dos indivíduos
depende dos pressupostos subjetivos que os capacitam a participar num processo racional de
formação da vontade, de modo que “quanto mais exigente é a maneira pela qual se pensa um
semelhante procedimento, tanto mais abrangentes devem ser as propriedades que, tomadas
em conjunto, constituem a imputabilidade moral de um sujeito” (KuA: 188pt), resulta desta
indeterminidade fundamental do estatuto de uma pessoa imputável “uma abertura estrutural
do direito moderno para ampliações e precisões gradativas” (KuA: 182pt).
Honneth considera que, quanto ao reconhecimento jurídico, não há, como no caso
do amor, a garantia teórica fornecida por um ramo de pesquisa empírica, mas apenas a ajuda
de uma análise conceitual empiricamente sustentada (KuA: 183pt). O autor passa, então, a
uma reconstrução histórica do desenvolvimento fático do direito, visto como um processo
impulsionado por uma luta por reconhecimento no qual se amplia passo a passo o teor do
reconhecimento jurídico. Com a ajuda de Thomas H. Marshall, ele reconstrói o caminho que
leva dos direitos civis ou individuais de liberdade (século XVIII) aos direitos políticos de
participação (século XIX) e, destes, aos direitos sociais de bem-estar (século XX). A tentativa
de Marshall consiste em “reconstruir o nivelamento histórico das diferenças sociais de classe
como um processo direcionado de ampliação de direitos individuais fundamentais” (KuA:
186de; 190pt, trad. mod.). Segundo essa perspectiva, a imposição de cada nova classe de
direitos fundamentais é historicamente o fruto de uma luta na qual os argumentos mobilizados
referem-se à exigência de que cada indivíduo seja um membro com igual valor na
coletividade política, isto é, que a todos sejam garantidas as condições necessárias para a
participação paritária em um acordo racional compartilhado.
143
Mediante esta inflexão histórica, Honneth pretende mostrar que, sob pressão dos
grupos desfavorecidos, a “institucionalização dos direitos civis de liberdade inaugurou como
que um processo de inovação permanente, o qual iria gerar no mínimo duas novas classes de
direitos subjetivos” (KuA: 192pt), inovação impulsionada pelo fato de que ainda não haviam
sido garantidos a todos os implicados os requisitos para a participação como sujeitos
imputáveis moralmente. Os confrontos práticos decorrentes da experiência do reconhecimento
denegado são lutas em torno da ampliação tanto do conteúdo material quanto do alcance
social das relações de reconhecimento jurídico: “O impulso adiante pelo caminho assim
traçado é o impulso em direção a uma medida maior de igualdade, a um enriquecimento da
substância de que é feito o status e a um aumento do número daqueles a quem é conferido o
status” (Marshall apud KuA: 193pt). Isto significa que o reconhecimento jurídico não se
limita, hoje, à capacidade abstrata de orientar-se por normas morais, como no começo do
desenvolvimento do direito moderno, mas se estende também à necessidade concreta de
condições mínimas para o exercício daquela capacidade, em termos de participação política
bem como de nível material de vida (KuA: 193pt). Para utilizar a distinção clássica de Isaiah
Berlin, são com isso acrescentadas liberdades positivas à liberdade meramente negativa dos
direitos civis liberais.
Hegel, assim como Mead, distingue do amor e do direito uma terceira forma de
reconhecimento, tendo em vista que os atores sociais necessitam, além da experiência da
dedicação afetiva e do reconhecimento jurídico, de uma certa medida de estima social para
que sua autorrelação possa abarcar uma referência positiva às suas capacidades e propriedades
específicas e concretas. Este tipo relação de reconhecimento – a que Hegel chama “eticidade”
e Mead “divisão democrática ou cooperativa do trabalho” – apenas torna-se possível se se
considera que há um horizonte de valores intersubjetivamente partilhado como pressuposto. O
reconhecimento solidário da estima social surge como forma independente quando, com o
desacoplamento moderno entre o reconhecimento jurídico e as formas de respeito social, o
princípio básico universalista do direito se separa da confirmação do valor socialmente
definido das propriedades particulares que caracterizam os seres humanos e os grupos sociais
em suas diferenças individuais e culturais. A autocompreensão cultural de uma sociedade,
entendida como o quadro aberto e permeável de orientações simbolicamente articuladas no
qual se formulam os valores e finalidades éticas, é a mediação social que conforma os
critérios da estima segundo os quais os atores são avaliados intersubjetivamente. O valor
social específico de cada indivíduo ou grupo é medido de acordo com a sua contribuição na
implementação de valores culturalmente definidos.
113
Referindo-se ao termo emprestado de The Hidden Injuries of Class, de Richard Sennett e Jonathan Cobb,
Honneth reconhece, mesmo nessa “ordem de reconhecimento relativamente estável”, a “possibilidade de que
alguns grupos sociais optem pelo caminho especial de uma counterculture of compensatory respect, a fim de
145
retificar a apreciação do valor de suas propriedades coletivas, sentida como injustificada, através de
estilizações enfáticas” (KuA: 202pt).
114
Na modernidade, a interpretação historicamente determinada dos objetivos éticos abstratos da sociedade é
feita de modo geral por grupos sociais, mas a reputação é atribuída ou medida individualmente.
146
115
A simetria que caracteriza as relações solidárias de estima social não distorcidas não diz respeito a uma
atribuição quantitativa (e portanto hierárquica) de valor, mas ao fato de que todo sujeito pode experienciar a
si mesmo como valioso para a sociedade, isto é, pode saber suas próprias capacidades e propriedades, sem
graduações, como significativas para a reprodução social de uma comunidade plural e democrática.
Diferentemente de Hegel (e também de sua própria argumentação vinte anos depois, em O direito da
liberdade), Honneth considera que os conflitos econômicos “pertencem constitutivamente a essa forma de
luta por reconhecimento”, e isto porque “as relações da estima social, como já havia visto Georg Simmel,
estão acopladas de forma indireta com os padrões de distribuição de renda” (KuA: 208pt).
147
vulnerabilidade particular dos atores sociais frente a atitudes de desrespeito.116 Assim como os
padrões de reconhecimento, as diferentes formas de desrespeito também podem ser
classificadas em três categorias. As diferenças operadas até aqui perfazem, como pano de
fundo, uma base positiva de comparação:
116
Para Honneth, o comportamento lesivo caracterizado pelo desrespeito constitui uma injustiça social, e não
apenas porque prejudica a liberdade de ação dos indivíduos, mas principalmente porque os fere em sua
autocompreensão positiva adquirida de maneira intersubjetiva. O desrespeito representa portanto um perigo
que ameaça desmantelar todo o conjunto da identidade pessoal dos indivíduos afetados.
148
outro modo, os indivíduos degradados não estão mais em condições de manter sua autoestima
pessoal.117
117
Para Honneth, as duas últimas formas de desrespeito, a privação de direitos e degradação, são ambas
historicamente variáveis, assumindo distintas roupagens em diferentes épocas e formando, assim, o trajeto
evolutivo das lutas por reconhecimento. Se, por outro lado, o reconhecimento nas relações primárias tem um
caráter que não é histórico, o mesmo ocorre com a forma de desrespeito correspondente: “Visto que essas
formas de autoconfiança psíquica estão encadeadas às condições emotivas que obedecem a uma lógica em
boa parte invariante do equilíbrio intersubjetivo entre fusão e delimitação, essa experiência de desrespeito
não pode variar simplesmente com o tempo histórico ou com o quadro cultural de referências” (KuA: 215-
6pt).
118
Título original: “Integrität und Missachtung. Grundmotive einer Moral der Anerkennung” (daqui em diante
abreviado como IuM).
149
teórica pela linguagem comum dos atores que se sentem maltratados e injustiçados. Após
sistematizar as formas de desrespeito identificadas na linguagem comum em três categorias
distintas, o autor procura levar sua tarefa teórica adiante mediante uma reorientação do
problema em direção ao positivo, afinal, “A distinção das três formas de desrespeito já
contém a referência indireta àquelas relações intersubjetivas de reconhecimento cuja
existência, tomadas em conjunto, forma a precondição para a integridade do ser humano”
(IuM: 1048de; 192en). Como se sabe, Honneth chega então à ideia de que a dignidade
humana depende da “reciprocidade do amor, [d]o universalismo dos direitos e [d]o
igualitarismo da solidariedade”, que devem ser protegidos do perigo representado pela força
violenta e pela repressão social (IuM: 1051-2de; 196en). Se um ou mais desses requisitos
encontra-se ausente no desenvolvimento do indivíduo, rasga-se, por assim dizer, uma fissura
psíquica na sua personalidade, a qual ele procura expressar mediante “reações emocionais
negativas de vergonha ou ira, ofensa ou desprezo” (IuM: 1052de; 197en).
versão de Jessica Benjamin), tem como ponto de partida justamente aquelas patologias que
decorrem de uma falha na relação de reconhecimento amoroso (KuA: 175-6pt). O
autorrespeito, por sua vez, apenas torna-se um fenômeno perceptível, diz Honneth na seção
sobre o reconhecimento jurídico, “em forma negativa – a saber, quando os sujeitos sofrem de
maneira visível com a sua falta. Por isso”, ele continua, “só podemos inferir a existência
fática do autorrespeito indiretamente, empreendendo comparações empíricas com grupos de
pessoas, de cujo comportamento geral é possível obter ilações acerca das formas de
representação simbólica da experiência de desrespeito” (KuA: 197pt).120 Por fim, a
identificação da estima social ou solidariedade como expectativa de reconhecimento distinta
do respeito jurídico tornou-se possível a partir da observação histórica da luta da burguesia
contra o sentimento de desrespeito que crescentemente advinha das concepções aristocráticas
de honra (KuA: 204pt).
120
Honneth considera de grande valia, neste contexto, os movimentos sociais impulsionados por grupos
oprimidos nos quais se debate publicamente “a privação de direitos fundamentais, sob o ponto de vista de
que, com o reconhecimento denegado, se perderam também as possibilidades do autorrespeito individual”.
Nessas situações históricas excepcionais, diz Honneth, “vem à superfície da linguagem o significado psíquico
que o reconhecimento jurídico possui para o autorrespeito de grupos excluídos: sempre se discute nas
publicações correspondentes que a tolerância ao subprivilégio jurídico conduz a um sentimento paralisante
de vergonha social” (KuA: 198pt). A libertação desta situação pode vir unicamente do protesto e da
resistência ativos.
151
Honneth chama a atenção para o fato de que os efeitos negativos das experiências
de desrespeito são frequentemente descritos “com metáforas que remetem a estados de
abatimento do corpo humano” (KuA: 218de; 135en; 218pt), tais como morte (Tod), ofensa
(Kränkung),121 e padecimento (Erleiden). Trata-se de uma analogia entre formas de
desrespeito e doenças ou patologias físicas:
121
O tradutor para o português preferiu verter Kränkung por “vexação” – termo que, apesar de
etimologicamente apropriado, não é muito utilizado na linguagem corrente. Por esse motivo, optamos por
utilizar o termo “ofensa”, que mantém a ambiguidade entre o sentido etimológico literal (físico ou corporal) e
o sentido figurado (psicológico) e é mais familiar ao falante do português.
152
A primeira questão a ser abordada nesse contexto diz respeito ao potencial de cada
padrão de reconhecimento para suscitar conflitos sociais. Honneth defende, a partir da
“fenomenologia empiricamente controlada” levada a cabo na parte II do livro, que os três
âmbitos da experiência – relações primárias, jurídicas e solidárias – apenas podem ser
compreendidos mediante a referência a um conflito internamente inscrito, o qual vem
acompanhado por uma fissura, uma brecha para a articulação de novas expectativas: “sempre
esteve inserida na experiência de uma determinada forma de reconhecimento a possibilidade
de uma abertura de novas possibilidades de identidade, de sorte que uma luta pelo
reconhecimento social delas tinha de ser a consequência necessária” (KuA: 256pt). Como
visto de passagem, entretanto, Honneth não considera que todas as esferas de reconhecimento
contêm o potencial de provocar lutas propriamente sociais. Os conflitos que se dão no
domínio das relações afetivas primárias não produziriam, segundo o autor, experiências
morais que pudessem levar a lutas sociais porque seus objetivos não seriam generalizáveis
para além do horizonte das intenções individuais. Já as lutas que se dão em torno do
reconhecimento jurídico e da estima social podem ser consideradas sociais na medida em que
põem em marcha um “processo prático no qual experiências individuais de desrespeito são
interpretadas como vivências cruciais típicas de um grupo inteiro, de forma que elas podem
influir, como motivos diretores da ação, na exigência coletiva por relações ampliadas de
reconhecimento” (KuA: 257pt, trad. mod.).
Essa definição das lutas sociais é marcada por uma abertura descritiva segundo a
qual não cabe ao teórico determinar previamente sejam os meios de resistência (força material
ou simbólica, por exemplo), seja a intencionalidade do conflito (os sujeitos concernidos
podem estar mais ou menos conscientes dos motivos morais de sua ação122). Contraposta à
abertura descritiva da noção de luta social está a sua regularidade explicativa: a resistência e a
rebelião são vistas como frutos da experiência moral de uma violação de expectativas
arraigadas de reconhecimento que estão, por sua vez, ligadas de modo profundo à formação
da identidade pessoal e coletiva dos atores sociais. Os sujeitos, para se conceberem como
seres simultaneamente autônomos e individuados (condição fundamental da formação da
identidade pessoal na modernidade), dirigem ao seu entorno social expectativas
122
Afinal, diz Honneth, “não é difícil imaginar casos em que de certo modo os movimentos sociais
desconhecem intersubjetivamente o cerne moral de sua resistência, pelo fato de interpretarem-no por si
mesmos segundo a semântica inadequada das meras categorias de interesses” (KuA: 257pt).
154
Honneth expõe ainda uma motivação secundária da luta por reconhecimento: ela
não é apenas um meio de exigir, para o futuro, padrões ampliados de reconhecimento
recíproco, mas permite também, por si só, um alívio ao menos parcial da “situação
paralisante” da degradação até então tolerada passivamente pelos sujeitos afetados,
proporcionando-lhes a possibilidade de exercitar uma autorrelação nova e positiva. Essa
função direta do engajamento em ações políticas de resistência está documentada, segundo
Honneth, em reflexões filosóficas, obras literárias e de história social,124 e vincula-se à própria
estrutura da experiência de desrespeito:
123
Honneth volta a esse tópico em “Crítica social reconstrutiva sob ressalva genealógica” (RGV: 55de).
124
São mencionadas apenas, no entanto, as fontes de caráter filosófico (Bernard R. Boxbill, Thomas E. Hill Jr., e
Andreas Wildt).
155
assim para o indivíduo uma forma de manifestação com base na qual ele pode
convencer-se indiretamente do valor moral ou social de si próprio (KuA: 259pt).
Portanto, assim que ideias dessa espécie obtêm influência no interior de uma
sociedade, elas geram um horizonte subcultural de interpretação dentro do qual as
experiências de desrespeito, até então desagregadas e privadamente elaboradas,
podem tornar-se os motivos morais de uma ‘luta coletiva por reconhecimento’
(KuA: 258-9pt).
Está ausente na reflexão de Honneth, porém, uma especificação ulterior do
reconhecimento assim alcançado em termos dos padrões previamente discriminados. A
autorrelação positiva que o sujeito obtém mediante a ação política conjunta certamente não se
refere, segundo a perspectiva de Honneth, à autoconfiança característica das relações
primárias bem-sucedidas. Seu raciocínio aqui é contudo bastante ambivalente no que diz
respeito ao autorrespeito e à autoestima. Afinal, para o autor, tanto a privação de direitos
quanto a degradação social detêm um potencial motivacional para o engajamento em
movimentos e lutas sociais. Surgem assim algumas questões cuja solução poderia contribuir
de forma relevante para uma teoria política da luta por reconhecimento: existe uma
diferenciação significativa entre a dinâmica das lutas por igualdade jurídica e a das lutas por
estima social? Como de dá a interação entre elas? Elas se reforçam mutuamente, são
independentes, ou podem vir a se prejudicar reciprocamente? Que formas concretas essas
lutas assumiram historicamente? Honneth parece, no entanto, se deter precisamente diante do
limiar em que as motivações morais para a resistência tomam forma e se convertem em
estruturas institucionalizadas, mais ou menos articuladas. Ele foi amplamente criticado por
não ter lidado satisfatoriamente com estas questões, de modo que alguns de seus intérpretes
defendem que sua obra sofre de um déficit político.125 Honneth aponta – e não apenas em Luta
por reconhecimento, mas em outros textos das décadas de 1980 e 1990 – indícios de como
surge a resistência política a situações vividas como injustiças sociais. No entanto, esses
indícios não são apropriadamente desenvolvidos, e os escritos de Honneth não nos fornecem
125
Cf. a Introdução, nota 18. Apesar de esta ser uma crítica relativamente comum à obra de Honneth, a ideia
de déficit político não é empregada exatamente no mesmo sentido pelos diversos autores que dela fazem uso.
A interpretação desta tese aproxima-se mais da abordagem de Basaure (2001b).
157
uma concepção de política ou uma teoria do poder mais substanciais. 126 Trata-se de uma
deficiência de Luta por reconhecimento que não pode ser negligenciada.
As ciências sociais emergentes não ajudam muito a alcançar este objetivo. Isto
porque elas carecem ora do elemento moral, ora do elemento conflituoso das relações sociais
ao longo da história. O caso mais evidente de déficit normativo são as vertentes teóricas
126
Por vezes, a argumentação de Honneth parece assumir a forma de um círculo vicioso: “somente quando o
meio de articulação de um movimento social está disponível é que a experiência de desrespeito pode tornar-
se uma fonte de motivação para ações de resistência política” e, inversamente, “só uma análise que procura
explicar as lutas sociais a partir da dinâmica das experiências morais instrui acerca da lógica que segue o
surgimento desses movimentos coletivos” (KuA: 225de; 224pt).
158
Honneth não pode se contentar, porém, com um modelo de conflito que fornece
apenas um quadro explicativo acerca da emergência de lutas sociais, mas deve almejar além
disso a uma interpretação dos processos morais de formação. É preciso implementar, então,
um “alargamento radical” da perspectiva histórica de base utilizada até então, de modo a
127
Comprova-se mais uma vez, portanto, a relevância da vertente sociológica e historiográfica dos estudos
culturais: apesar da relativa diminuição, em Luta por reconhecimento, das referências diretas aos autores que
dominaram as atenções do autor ao longo da década anterior, o insight presente em seus trabalhos a respeito
da existência de um sentimento moral de injustiça perpassando os conflitos sociais é uma ideia de longo
alcance na produção teórica de Honneth.
159
128
O papel da negatividade é reforçado no seguinte trecho: “A moral pode encontrar um apoio prático na
realidade social não em fontes motivacionais positivas como o altruísmo ou o respeito, mas antes na
experiência do desrespeito social que se manifesta repetidamente de forma involutária” (IuM: 1052de; 196-
7en).
160
Para que a luta por reconhecimento possa ser reconstruída como parte de um
processo histórico de desenvolvimento moral, é imprescindível estabelecer critérios
normativos capazes de funcionar como pedra de toque para definir a direção evolutiva deste
processo e o caráter progressivo ou regressivo dos eventos históricos. Os critérios podem ser
obtidos, afirma Honneth, mediante a “antecipação hipotética de um estado final [Endzustand]
aproximado” (KuA: 266pt, trad. mod.). Ele reconstrói então a sucessão idealizada de lutas ao
longo da qual se considera que o potencial normativo do reconhecimento pôde se realizar –
mediante a aquisição cumulativa por parte dos atores sociais de autoconfiança, autorrespeito e
autoestima. Essa tripartição se deve a uma “retroprojeção teórica” de diferenciações
modernas sobre um estado inicial (Ausgangszustand) hipotético, no qual se supõe que
“aqueles três padrões de reconhecimento estavam ainda entrelaçados uns nos outros de
maneira indistinta” (KuA: 266pt). Segundo esse modelo interpretativo, o processo de
aprendizado moral em questão se deu por intermédio de dois processos distintos, porém
simultâneos: 1) a diferenciação entre os padrões ou esferas de reconhecimento e 2) a
liberação, fruto do impulso das lutas sociais, dos potenciais internamente inscritos em cada
esfera. Isso significa que, na medida em que as relações sociais se distinguem segundo os
padrões do amor, do respeito jurídico e da estima social, a estrutura interna de cada esfera se
desenvolve e torna efetiva – e, no caso do direito e da estima, são liberados gradativamente,
mediante o surgimento e a resolução de conflitos, seus potenciais evolutivos específicos.130
No quadro interpretativo proposto por Honneth há, portanto, um “contexto objetivo-
intencional” no qual os processos históricos perdem o seu caráter de meros eventos isolados e
tornam-se etapas de um percurso conflituoso de formação e desenvolvimento moral. “O
significado que cabe às lutas particulares se mede”, diz o autor, pela “contribuição positiva
ou negativa que elas puderam assumir na realização de formas não distorcidas de
129
Esse processo não tem um télos porque as relações de reconhecimento, assim como conceitos críticos
similares, “are never finished but have to be constructed, deconstructed, and reconstructed in ever-changing
circumstances” (McCarthy, 1993: 140).
130
Sobre tais potencias, cf. o seguinte trecho: “Só agora estão embutidas na relação jurídica, com as
possibilidades de universalização e materialização, e na comunidade de valores, com as possibilidades de
individualização e igualização, estruturas normativas que podem tornar-se acessíveis através da experiência
emocionalmente carregada do desrespeito e ser reclamadas nas lutas daí resultantes” (KuA: 267pt).
161
Como dito no início deste capítulo, a teoria da luta por reconhecimento formulada
por Honneth em 1992 representa sua tentativa de construir um modelo crítico capaz de
superar tanto os déficits teóricos identificados na teoria crítica (devido às suas tendências
estruturalistas) quanto aqueles que afetam os estudos culturais (devido ao seu caráter
episódico, contingente). Se o primeiro foi chamado de “déficit sociológico”, poderíamos
chamar o segundo, analogamente, de “déficit filosófico”. De saída, Honneth considera que o
caráter moral dos conflitos sociais foi suficientemente demonstrado nas décadas anteriores,
tanto por ele quanto por outros autores e investigações empíricas. O que ainda havia de ser
feito, contudo, era alçar os resultados dessas investigações a um nível mais alto de
generalidade e, ao mesmo tempo, torna-los mais determinados a partir de uma diferenciação
das dimensões da experiência que são mobilizadas em diferentes tipos de conflito social.
Honneth encontra no jovem Hegel o impulso universalizante que falta nos estudos culturais,
bem como um primeiro esboço da categorização de diferentes padrões de reconhecimento. O
interacionismo simbólico de Mead serve, nesse contexto, para tornar as intuições de Hegel
plausíveis em um contexto pó-metafísico, já que coincide com elas em diversos pontos mas,
162
uma etapa passageira na direção de um aprendizado quase que inevitável, isto é, como uma
figura no processo contraditório que leva a uma reconciliação, é preciso poder conceber uma
situação em que esse movimento, esse aprendizado é travado, e a experiência de padecimento
é perpetuada sem dar lugar a um nível mais alto de reflexividade. É preciso compreender
como o interesse emancipatório dos sujeitos concernidos pode ser bloqueado, de modo que o
vínculo potencial entre sofrimento e resistência é rompido. É para dar conta dessa dimensão
do diagnóstico dos conflitos sociais do presente que Honneth recorre à ideia, que assumirá
sentidos diferentes em momentos distintos de sua obra – de patologias sociais.
164
diferentemente da filosofia política, ela [a filosofia social, MT] não perguntava mais
pelas condições de uma ordem social correta ou justa, mas investigava as
limitações que a nova forma de vida impõe à autorrealização humana (PdS: 14de;
5en).
Trata-se, portanto, de uma crítica da modernidade que tem como objeto não
apenas injustiças sociais, mas toda forma de vida considerada patológica.133 Assim, para
Honneth, Rousseau pode ser considerado o pai da filosofia social menos pelo conteúdo de seu
diagnóstico crítico do que pelo tipo de investigação e questionamento e pela forma
metodológica de sua resposta: ele criou a ideia filosófica (mesmo se não o conceito) de
“alienação”, que permitiu à filosofia social ir além da mera investigação de uma forma social
de vida com vistas à sua legitimidade político-moral e procurar as limitações estruturais que
132
Título original: “Pathologien des Sozialen. Tradition und Aktualität der Sozialphilosophie” (abreviado daqui
em diante como PdS).
133
Em Luta por reconhecimento, como visto, é Hegel, e não Rousseau, quem fornece o quadro teórico a partir
do qual o utilitarismo hobbesiano pode ser criticado por sua insistência nas metas humanas de
autopreservação e reprodução, em detrimento da motivação moral dos conflitos sociais.
165
ela impõe à meta de autorrealização dos sujeitos. Por incluir em seu procedimento critérios
éticos para a identificação de patologias, a filosofia social se afasta decisivamente tanto da
filosofia moral quanto da filosofia política em sentido clássico.
É preciso reconhecer que, se Hegel não deixa de conectar esse estado de coisas ao
desenvolvimento da troca capitalista de mercadorias, é apenas com Marx que as preocupações
econômicas passam ao primeiro plano da filosofia social, de modo que os fenômenos
representados pela miséria econômica e pelo desenraizamento social dão o ímpeto de sua
134
Rousseau destaca, no que chama de “estado de natureza”, duas características primárias do ser humano: o
impulso para a autopreservação (amour de soi), e capacidade de compaixão (pitié). É a partir de tal imagem
do estado de natureza que temos um pano de fundo de contraste para poder focar nas patologias da forma
moderna de vida.
166
teoria. Situações degradantes, consideradas ultrajantes e patológicas, não são vistas como
meras consequências sociais de uma injustiça moral, e sim – do mesmo modo que Rousseau e
Hegel – como desenvolvimentos que vão na contramão da autorrealização humana. Contra
Hegel e Rousseau, entretanto, Marx considera que os sujeitos humanos alcançam a
autorrealização apenas mediante um processo autodeterminado de trabalho:
O diagnóstico crítico que ele [Marx, MT] se colocou como meta deve, por isso,
empreender a tentativa de identificar no capitalismo aquelas condições que
obstruem estruturalmente o desdobrar de uma tal forma [Form] de trabalho. Em
seus escritos de juventude, Marx dá a esta empresa a forma [Gestalt] de uma crítica
da alienação social (PdS: 26de; 13en).
135
Esta perspectiva é especialmente desenvolvida nos Manuscritos econômico-filosóficos de 1844 e nas Notas
sobre James Mills.
167
socialmente estabelecido, pode levar a severos transtornos sociais. A sociologia podia, então,
ser vista como uma tentativa de resposta a tais patologias,
Com base nos traços comuns compartilhados pelos diferentes estágios e vertentes
que compõem a história da filosofia social desde seus primórdios, com Rousseau, até seus
desenvolvimentos na segunda metade do século XX, Honneth passa à caracterização mais
precisa da tarefa fundamental dessa disciplina teórica. A trajetória da filosofia social mostra
concretamente que, como dito de início, ela é marcada pela primazia da negatividade:
136
Em alemão, respectivamente: “Versachlichung der persönlichen Beziehungen”, “Auflösung sozialer
Gemeinschaftsbindungen”, “radikale Entzauberung der Welt”, e “Herausbildung von Formen der
organischen Solidarität” (PdS: 35de).
168
que implícita, de saúde. A “noção clínica de saúde” é frequentemente considerada, por uma
questão de simplicidade, como a mera capacidade de funcionamento do corpo (die bloße
Funktionstüchtigkeit des Körpers).137 Mas a transposição dessas metáforas oriundas do campo
médico não se dá sem impasses. Honneth destaca dois aspectos que podem trazer dificuldades
e requerem mediações adequadas – as quais, entretanto, nem sempre estão à disposição do
teórico.
137
PdS: 56de; 34en. A conexão entre a autorrealização individual não transtornada, como reverso das patologias
sociais, e o funcionamento intacto de um organismo é uma ideia que será central, duas décadas depois,
quando Honneth volta a tratar do vocabulário das patologias sociais: em “Doenças da sociedade” (2014), o
autor se mostra convicto de que a teoria crítica tem como objeto distúrbios funcionais que acometem não os
sujeitos individuais, mas a própria sociedade, concebida nos moldes de um organismo (cf. Excurso III).
169
138
Honneth pretende, assim, dar conta também do déficit motivacional das teorias liberais de justiça, já que o
bloqueio ou distorção da autorrealização individual mostrou-se historicamente um fator decisivo no
engajamento dos sujeitos em conflitos e lutas sociais.
139
A produção teórica de Honneth nos anos 1980 e na primeira metade da década de 1990 – que inclui, além de
uma série de artigos, os livros Crítica do poder e Luta por reconhecimento – pode ser considerada como uma
tentativa de traçar um caminho alternativo à contraposição entre liberalismo e comunitarismo que, à época,
dominava o debate teórico no campo da filosofia política. Para tanto, Honneth lança mão, em Luta por
reconhecimento, de um “conceito formal de eticidade” (ein formales Konzept der Sittlichkeit), o que
corresponde, no ensaio sobre as patologias do social, à ideia expressa pelo termo “ética formal” (formale
Ethik). Nesse contexto, a ideia de patologias do social é mobilizada por Honneth como um instrumento
teórico capaz de dar conta dos distúrbios sociais que acometem as sociedades modernas para além da
violação de princípios liberais de justiça, mas aquém do que seria exigido por uma concepção universalista
de vida boa. Em outras palavras: o autor procura, mediante o diagnóstico de patologias sociais, abordar os
transtornos ligados à limitação ou deformação das condições de autorrealização humana sem fazer, com
isso, violência aos fins que os sujeitos individuais colocam a si mesmos segundo sua concepção particular de
vida boa.
170
II
PASSAGEM
171
140
Título original: Umverteilung oder Anerkennung? Eine politisch-philosophische Kontroverse (daqui em
diante abreviado como UoA).
172
3.1. Crítica da teoria da luta por reconhecimento (as objeções de Nancy Fraser)
Na primeira parte do livro, composta por uma versão ampliada de suas Tanner
Lectures de 1996, Nancy Fraser apresenta o diagnóstico segundo o qual ocorre, na passagem
do século XX para o XXI, uma transformação no paradigma dos conflitos políticos: o
incentivo para a mobilização política deixa de estar localizado nos interesses de classe e passa
a focar nas demandas pelo reconhecimento das diferenças identitárias de grupos sociais. Do
mesmo modo, a representação fundamental da injustiça não segue mais o modelo da
exploração material, mas sim o da dominação simbólica. Dito de outro modo: a autora
identifica – e considera problemática – a passagem do paradigma da redistribuição
socioeconômica para o do reconhecimento cultural. A partir desse diagnóstico, Fraser
desenvolve então sua concepção de reconhecimento baseada em um “modelo de status”,
procurando mostrar sua superioridade com relação à concepção honnethiana. Não serão
abordadas aqui, entretanto, as particularidades do modelo proposto por Fraser. 141 Será
suficiente apontar, dentre as objeções que ela faz ao paradigma honnethiano da luta por
reconhecimento, aquelas que trazem à tona deficiências e questões não esclarecidas que
impulsionaram Honneth a elucidações e elaborações ulteriores.
(1) No contexto da primeira objeção que dirige a Honneth, Fraser defende que as
lutas por reconhecimento referem-se a uma questão de justiça, e não de autorrealização. Seu
objetivo é combater a ideia de que as patologias do reconhecimento estão ligadas a uma
deformação psíquica ou um impedimento da autorrealização ética, ou a de que elas implicam
que os sujeitos sofram de uma identidade distorcida ou de uma subjetividade danificada. Em
lugar de indicadores que considera subjetivos, Fraser acredita encontrar na posição relativa
dos atores sociais segundo seu status um critério suficientemente objetivo para determinar os
obstáculos à emancipação social, entendidos aqui como padrões institucionalizados de relação
que impedem a participação paritária de todos os membros da sociedade nas diversas esferas
de ação. Essa abordagem tem, para Fraser, uma série de vantagens.
(1.a) O modelo de status, por ser deontológico e “não sectário”, permite justificar
pretensões de reconhecimento sob condições modernas de pluralismo de valores. Nas
141
Limitamo-nos a mencionar a análise feita em Thompson (2006) na qual o autor apresenta o debate de forma
clara e, a nosso ver, aponta os problemas centrais da posição de Fraser (bem como da de Honneth, apesar de
ser um pouco mais favorável a este); bem como a defesa do modelo de Honneth presente em Neculau (2012).
173
(1.c) O modelo de status evita a visão de que todos os indivíduos têm igual direito
à estima social – o que seria contraditório com o próprio conceito –, na medida em que prevê
que todos tenham direito e oportunidades iguais de buscar esse tipo de reconhecimento.
(1.d) Ao considerar o desrespeito uma violação da justiça (entendida por sua vez
como paridade de participação), Fraser acredita poder integrar mais facilmente, sob este
guarda-chuva teórico-normativo, problemas de redistribuição e de reconhecimento. Evita-se,
assim, uma “esquizofrenia filosófica” entre os dois paradigmas (Fraser, 2003a: 33).
(2) Não deixa de ser curioso, então, que a segunda objeção de Fraser a Honneth
diga respeito ao “reducionismo culturalista” que ela atribui à teoria da luta por
reconhecimento. Contra tal monismo reducionista, que submeteria as reivindicações de cunho
174
(3) Fraser também considera, em terceiro lugar, que a teoria de Honneth não nos
permite diferenciar pretensões justificadas e injustificadas de reconhecimento. É preciso, para
a autora, evitar a dicotomia entre perspectivas “populistas” e “autoritárias” para tratar do
desrespeito, já que ambas são monológicas: quem define o critério de justificação é ora apenas
sujeito concernido, ora apenas o teórico. Consequentemente, o conteúdo do critério defendido
por Fraser (a paridade de participação) não pode ser definido a priori. Não há um sinal
evidente e objetivo que indique precisamente o que é a paridade de participação e qual o seu
grau atual de realização; estas são questões a serem definidas dialogicamente, mediante
processos democráticos de debate público (Fraser, 2003a: 43 e 2003b: 230), de modo que os
destinatários podem, assim, se reconhecer como os autores dos princípios de justiça.143
(4) Por fim, Fraser considera que o reconhecimento não diz respeito à satisfação
de uma necessidade humana geral, mas é antes apenas um “remédio” para determinadas
formas de injustiça social. Favorecendo um “pragmatismo informado por insights de teoria
social” em detrimento da antropologia formal elaborada por Honneth, Fraser afirma que a
forma de reconhecimento que a ideia de justiça exige em cada caso (isto é: reconhecimento da
igualdade ou da diferença entre os atores sociais) depende do caráter do desrespeito a ser
combatido: “In every case, the remedy should be tailored to the harm” (Fraser, 2003a: 46).
Assim, o reconhecimento reivindicado pode referir-se tanto à universalidade quanto à
142
Basaure (2011b e 2011d) endereça à teoria honnethiana do reconhecimento uma crítica diametralmente
oposta: Honneth teria inopinadamente introduzido um dualismo em sua perspectiva ao tratar a dimensão
política do reconhecimento em termos bourdieusianos, isto é, segundo uma visão utilitarista das lutas sociais
simbólicas. Para Basaure, Honneth não foi consequente em seu monismo moral.
143
Ao mesmo tempo, porém, Fraser afirma que a paridade de participação é também a linguagem própria da
razão pública, da contestação e da deliberação sobre questões de justiça. Isto é: trata-se também do meta-
nível da deliberação sobre a deliberação, o que se costuma chamar “second-order claims”. Fraser reconhece a
circularidade de sua proposta: a paridade de participação é tanto o pressuposto quanto o objetivo do debate
público em torno das reivindicações – sejam distributivas, sejam de reconhecimento – dos movimentos
sociais. Não se trata para ela, entretanto, de algo problemático: a circularidade não seria viciosa, mas apenas
refletiria uma contradição real a ser combatida na prática, e não teoricamente.
Note-se que a autora, no entanto, não leva adiante de forma consequente a ideia de que o importante é o
diálogo entre o ponto de vista do observador e do participante, na medida em que separa estes dois
momentos: Fraser primeiramente define (observador) qual é o princípio de justiça adequado para o presente,
e depois joga para o debate público (participante) a resolução dos problemas decorrentes de sua proposta
teórica.
175
particularidade dos atores sociais concernidos – o que definirá a forma mais adequada é a
natureza do desrespeito sofrido.
144
É preciso chamar atenção para o emprego inadequado do termo “esquizofrenia”, uma escolha discriminatória
a ser evitada pela teoria crítica.
145
Cabe questionar, ainda, qual seria a diferença entre o dualismo proposto por Fraser e o que ela chama de
esquizofrenia filosófica.
176
minorias como candidatas à mesma estima social de que goza a cultura dominante.146 Isto é:
ele expressa concordância com a elucidação de Fraser relativa a esta questão.
expectativas dos sujeitos comuns. Para não colar a normatividade imediatamente na realidade
institucional dada, porém, Honneth tira do foco as disputas políticas do presente e se
concentra em um estrato independente de experiência moral, isto é, as experiências
quotidianas de sofrimento que ainda não foram politizadas. A partir da reconstrução dessas
experiências, Honneth chega à ideia de que a expectativa moral básica dos sujeitos, que
também funciona como motivação para a ação e o conflito, é o reconhecimento de sua
identidade. Para Fraser, essa perspectiva é problemática porque, com ela, o foco da teoria
crítica deixa de ser a sociedade e passa a ser o self individual, o que tem como consequência
uma concepção excessivamente personalizada do senso de injustiça (sense of injury) e
redunda no que Fraser chama de “misreading of prepolitical suffering” (Fraser, 2003b: 204).
Além disso, diz a autora, o sofrimento quotidiano não é inócuo, vale dizer: não
está isento do vocabulário normativo político do julgamento público. Assim, as experiências
quotidianas de sofrimento são apolíticas apenas na aparência. No mesmo sentido, Fraser
considera que nunca se pode ter acesso à experiência moral dos sujeitos sem a mediação de
discursos normativos, os quais necessariamente infiltram-se tanto na experiência dos atores
quanto na perspectiva do teórico (Fraser, 2003b: 204-5). Acreditar ser possível recorrer a um
estrato de experiência que é ao mesmo tempo empírico e primordial é, portanto, algo
incoerente e recai em um “myth of the given”, ideia que Fraser empresta de Wilfrid Sellars
(Fraser, 2003b: 204). A autora opta por tomar, como ponto de partida, movimentos sociais já
institucionalizados, porque eles representam uma forma auto-organizada (e não articulada
pelo teórico) justamente daqueles sentimentos de injustiça pré-políticos que afetam os atores
sociais (Fraser, 2003b: 234, nota 8). Fraser pretende estabelecer assim uma separação entre o
que merece o título de injustiça e o que é meramente experienciado como injustiça – e o
teórico crítico deve poder fazer esta distinção a partir da observação dos movimentos sociais
de sua época. Nenhum conjunto de experiências pode ser isolado do escrutínio crítico e seus
mecanismos de prova – especialmente no caso das experiências subjetivas, as quais Honneth
aceita, segundo Fraser, prima facie. Diz a autora:
A questão que se coloca aqui de modo premente para Fraser – e da qual ela
considera que Honneth não teria dado conta – diz respeito a como identificar as pretensões de
reconhecimento que podem ser consideradas genuinamente emancipatórias. Neste contexto,
ela defende critérios mais objetivos e estruturais para avaliar as experiências dos atores
sociais. Honneth, ao contrário, não se disporia a colocar essas experiências à prova: segundo
Fraser, ele atribui à psicologia moral a tarefa de definir tais questões de maneira prévia. Ao
imputar à motivação subjetiva uma prioridade sobre a explanação social e a justificação
normativa, Honneth teria além disso se aproximado demasiadamente de uma teoria
tradicional, na qual a psicologia moral funda e injustificadamente limita a sociologia política,
a teoria social e a filosofia moral, obstruindo de modo ilegítimo tais investigações e violando
sua autonomia relativa (Fraser, 2003b: 206).
148
Fraser utiliza o termo cunhado por John Rawls sem especificar se o utiliza no mesmo sentido que ele.
179
149
Fraser parece ir mais longe, contudo, e defender que o teórico crítico deve abandonar o ponto de vista do
participante e se ater à perspectiva do observador. De que outra forma pode ser interpretado o trecho
seguinte? “Contra Honneth, these injustices [gender injustices associated with marriage, MT] are not best
conceived psychologically, as violations of personal identity rooted in a lack of sensitivity to individual need
in the sphere of intimacy, which is governed by the principle of care. Rather, they are better conceived
socially, as forms of subordination rooted in an androcentric status order, which pervades society and is
imbricated with its economic structure, systematically disadvantaging women in every sphere. Contra
Honneth, moreover, marriage has never been regulated by the principle of care. For most of history, rather,
it has been a legally regulated economic relation, concerned more with property accumulation, labor
organization, and resource distribution than with care. In fact, what Honneth calls affective care is actually
women’s labor, ideologically mystified and rendered invisible. It follows that the status subordination of
wives in marriage cannot be remedied by further individualizing care. What is required, rather, is
deinstitutionalizing androcentric value patterns throughout society in favor of alternatives that promote
gender parity. Participatory parity, not care, is the key to reforming the institution of marriage” (Fraser,
2003b: 219-20).
180
compreende” (Fraser, 2003b: 224). Com isso, a dialética entre imanência e transcendência
fica seriamente prejudicada: de acordo com Fraser, Honneth invoca o sofrimento pré-político
dos atores sociais como um pretexto para defender uma psicologia moral “quase
transcendental” e, consequentemente, uma primazia antropológica do reconhecimento
enquanto categoria moral por excelência. Fraser censura, assim, o posicionamento das
reivindicações por reconhecimento abaixo do nível de contingência histórica. Isto é: ela
questiona o fato de que os desenvolvimentos históricos parecem nunca poder gerar novas
categorias morais que não sejam variantes do reconhecimento. Para a autora, isto significa
subordinar a dimensão da imanência àquela da transcendência. Ora, se este for o caso, é
necessário afirmar que a teoria honnethiana da luta por reconhecimento não consegue dar
conta do requisito de não sectarismo, devendo ser apontada como autoritária.
Virtually all societies contain more than one kind of societal integration. Above and
beyond the moral integration privileged by Honneth, virtually all include some form
of system integration, in which interaction is coordinated by the functional
interlacing of the unintended consequences of a myriad of individual strategies
(Fraser, 2003b: 214).
goes from the true premise that markets are always culturally embedded to the false
conclusion that their behavior is wholly governed by the dynamics of recognition.
Likewise, he goes from the valid insight that the capitalist economy is not a purely
technical, culture-free system to the untenable proposition that it has no economic
dynamics worth analyzing in their own right (Fraser, 2003b: 216).
150
A ênfase de Fraser, porém, acaba recaindo sobre o aspecto autoritário, na medida em que ela caracteriza a
teoria de Honneth como um “liberalismo teleológico forte” ou “sectarismo teleológico” contraposto ao
“liberalismo procedimental fraco” (ou “formalismo procedimentalista”) de Habermas e Rawls (Fraser,
2003b: 230). A proposta de Fraser para superar este impasse, por sua vez, é descrita como um “liberalismo
deontológico forte”. Como a própria Fraser pode sair deste dilema é algo que não fica claro em sua
exposição.
182
Thus, far from successfully incorporating the best insights of the cultural turn,
Honneth capitulates to the latter’s worst excesses. Instead of passing beyond
economism to arrive at a richer theory that encompasses both distribution and
recognition, he has traded one truncated paradigm for another, a truncated
economism for a truncated culturalism (Fraser, 2003b: 216).
Uma análise de conjunto das reflexões críticas de Fraser evidencia que seus textos
nesse volume apresentam diferentes formulações para as mesmas discordâncias básicas entre
seu modelo teórico e o de Honneth. Deixando de lado neste momento aqueles
questionamentos mais circunstanciais, é possível remeter grande parte das críticas de Fraser,
por um lado, aos problemas por ela imputados a um paradigma teleológico de filosofia social,
que considera que os atores sociais são motivados em suas ações quotidianas por concepções
éticas de vida boa, e, por outro lado, às vantagens que ela vincula a um paradigma de cunho
deontológico, no qual o “justo” tem precedência sobre o “bom”. Dito de outro modo: uma das
principais divergências entre os autores reside na contraposição entre condições de
autorrealização e princípios de justiça como ponto de referência para o diagnóstico de
patologias sociais. Acrescenta-se a isso, como visto, a censura de Fraser à consideração
especial de Honneth pelas experiências subjetivas inarticuladas dos atores sociais, bem como
à sua concepção do capitalismo como integrado moral e socialmente, isto é, como perpassado
por normas e valores.
Chama atenção, aqui, o fato de que Fraser parece dirigir a Honneth, ao mesmo
tempo, críticas conflitantes: na dialética entre imanência e transcendência, a teoria da luta por
reconhecimento privilegiaria ora a imanência (já que aceita prima facie as experiências pré-
políticas dos atores sociais), ora a transcendência (uma vez que adota uma psicologia moral
“quase transcendental” centrada na autorrealização como fundação da teoria), e ora seria
incapaz de dar conta de qualquer dessas dimensões (na medida em que esvazia o conteúdo de
significado de suas categorias centrais). Uma interpretação possível dessas críticas consiste
em afirmar que a uma filosofia social que privilegia a ideia de autorrealização pessoal
estariam vinculados três momentos problemáticos. De um lado, (a) esse posicionamento
parece estimular uma atitude teórica acrítica, de simples aceitação dos sentimentos pré-
183
políticos de injustiça dos atores sociais, o que tem como resultado um subjetivismo excessivo
e que compromete a independência do teórico crítico com relação às experiências particulares
de seus destinatários. Neste contexto, aparecem como reais os perigos decorrentes da
psicologização da teoria social, entre os quais se destaca a ausência de critérios para
identificar demandas por reconhecimento justificadas e injustificadas. Soma-se a isso a
dificuldade representada pelo caráter não articulado e pré-teórico das concepções e
experiências quotidianas e subjetivas de injustiça. De outro lado, e exatamente para evitar este
resultado problemático, (b) apresenta-se a alternativa oposta, isto é: passa a caber ao teórico
determinar, como “necessidades humanas”, as condições ao mesmo tempo necessárias e
suficientes para a autorrealização individual, de modo que é imposta aos sujeitos,
autoritariamente, uma concepção ética de vida boa. Um terceiro passo, igualmente
questionável, parece ser, então, (c) esvaziar de seu conteúdo próprio todas as categorias
normativas utilizadas na etapa anterior, tornando-as formais a ponto de não comprometerem a
autonomia dos sujeitos concernidos. Sem substância, porém, elas tornam-se indeterminadas e,
portanto, supérfluas. Em resumo: uma teoria crítica da justiça focada nas condições de
autorrealização e baseada nas experiências quotidianas de desrespeito compromete-se com
enunciados acríticos (pura imanência), autoritários (pura transcendência) ou indeterminados
(nem uma, nem outra). Resta saber se este emaranhado de posições teóricas não apenas
condenáveis por elas próprias, mas também contraditórias umas com as outras, representa de
modo plausível a formulação honnethiana da luta por reconhecimento.
151
Honneth considera que Fraser está de acordo com a tendência atual de idealizar os movimentos sociais
organizados, visto que, para ela, a legitimidade do quadro normativo da teoria crítica mede-se segundo sua
capacidade de expressar os objetivos políticos desses movimentos (UoA: 138de; 116en).
185
na esfera pública burguesa que funcionam como filtros e garantem que apenas demandas
político-sociais de nível organizacional relativamente alto possam ser tomadas seriamente
como formas relevantes de conflito social. Para Bourdieu, assim como para Honneth, é
preciso levar em consideração também expectativas e esperanças difusas, tomadas geralmente
como privadas e que, devido a um entendimento muito restrito do âmbito político, são
excluídas do debate público. Para tanto, fazem-se necessárias considerações de psicologia
moral – precisamente aquilo que Fraser quer evitar.
O autor não deixa dúvidas, logo, de que vai defender sua convicção de que a
teoria tem de estar aberta para a perspectiva moral dos atores sociais. Sem essa abertura
categorial para o ponto de vista normativo a partir do qual os próprios sujeitos avaliam a
ordem social, a teoria permanece perigosamente isolada de uma dimensão importante do
descontentamento social (UoA: 158de; 134en). Diferentemente do que afirma Fraser, no
entanto, Honneth não considera possível acessar esse ponto de vista normativo sem
mediações. Ao contrário: ele considera que há uma obstrução sistemática do acesso às
experiências quotidianas de injustiça, o que torna ainda mais complexo o trabalho do teórico.
Honneth esclarece aqui, ademais, que não considera que os sentimentos de desrespeito nos
são dados imediatamente, sem serem conformados política e historicamente. A importância
dos sentimentos de desrespeito para a legitimidade normativa do ordenamento social aparece
186
em seu texto antes de sua caracterização propriamente histórica (isto é: ligada a princípios de
reconhecimento estabelecidos a cada momento) apenas por conta da lógica de sua
exposição.152 Assim, o que conta como reconhecimento altera-se a cada vez, de forma que as
expectativas de reconhecimento socialmente constitutivas variam historicamente com os
princípios normativos que definem em quais aspectos ou sentidos seus membros podem
contar socialmente com o assentimento recíproco de seus parceiros de interação. Mediante
essa guinada historicizante, Honneth pretende definir um ponto de partida social-
antropológico para sua teoria sem com isso recair na ideia de uma moralidade cristalizada
antropologicamente em um conjunto estável ou transcendental de “necessidades de
reconhecimento” (“Anerkennungsbedürfnisse”; UoA: 285de).
152
Cf. o seguinte trecho: “É apenas devido à lógica de minha exposição que, no texto, eu primeiro esboço a
importância de tais sentimentos para a legitimidade normativa das ordens sociais, antes que eu, então, em
uma segunda parte, explique sua conformação semântica pelos princípios de reconhecimento estabelecidos a
cada vez; e apenas em um terceiro passo eu trato da questão de como a justificabilidade moral se coloca em
face das demandas sociais que nascem de sentimentos de desrespeito historicamente impregnados” (UoA:
282de; 245en). Note-se que aqui, assim como em Luta por reconhecimento, a fenomenologia começa pelo
positivo, pelas formas de reconhecimento. Tanto que Honneth afirma: “Como em muitos contextos
normativos, também aqui é de início útil reformular negativamente o critério positivo e, em conformidade
com isso, tomar como ponto de partida a ideia da remoção dos obstáculos correspondentes” (UoA: 222de;
187-8en).
187
Os dados empíricos obtidos como resultado das pesquisas históricas sobre modos
quotidianos de resistência, porém, mesmo quando generalizados para uma série de grupos
sociais, fornecem apenas um “material ilustrativo cru” (UoA: 156de; 132en) que precisa
passar por um processo categorial pra poder funcionar como base para uma tese generalizável.
Afinal, não basta mostrar que os atores sociais se rebelam contra medidas institucionais
percebidas como um desrespeito a algum dos aspectos de sua personalidade – é preciso
também explicar teoricamente o vínculo entre as expectativas de reconhecimento social,
centradas nas ideias de integridade e dignidade da identidade pessoal, e os padrões de
153
É importante esclarecer que, quando fala em identidade, Honneth não se limita à identidade cultural
específica a grupos internos à sociedade, como é o caso nas identity politics. Para o autor, a formação da
identidade individual depende do reconhecimento não só das propriedades ou contribuições singulares, mas
também das necessidades (particulares) e do estatuto como pessoa de direito (igual, universal) de todos os
membros da sociedade.
154
Tivesse Honneth desenvolvido essa linha de pensamento – e tivesse ele recorrido ao amplo campo da
literatura acadêmica acerca de formas de resistência anticoloniais e feministas –, seu argumento certamente
seria fortalecido.
188
3.2.2. Autorrealização
Depois da crítica de Fraser centrada na suposição de que Honneth oscilaria entre
uma concepção autoritária de vida boa e um entendimento ingênuo das experiências
subjetivas dos atores sociais, o autor volta a defender sua noção pluralista de justiça a partir de
uma relação determinada entre história e normatividade. Segundo suas considerações
metateóricas, Honneth sugere tomar a reconstrução inicialmente apenas descritiva da ordem
de reconhecimento da sociedade moderna como o ponto de partida para uma concepção
normativa de justiça, de forma a estabelecer uma ponte entre teoria normativa e análise da
sociedade.156 Para Honneth é importante, portanto, passar da descrição da estrutura
normativa das instituições sociais modernas, cujo objetivo foi delinear os traços dos conflitos
por reconhecimento, para uma avaliação moral das lutas sociais do presente. Essa virada
normativa não é fruto dos requisitos funcionais objetivos de uma forma idealizada de
155
Em Luta por reconhecimento (capítulo 8), o esforço foi vincular sistematicamente tais estudos histórico-
sociológicos a uma teoria moral mediante o foco nas experiências de desrespeito social como a motivação
real para a resistência. Em Redistribuição ou reconhecimento?, Honneth procura clarificar ulteriormente esse
vínculo levando em consideração o discurso moral público acerca das experiências de desrespeito.
156
Já aparece aqui, portanto, a ideia que ganhará uma importância crucial nas obra recente de Honneth: “ein
Brückenschlag zwischen normativer Theorie und Gesellschaftsanalyse” (UoA: 285de).
189
nessa medida, a instância ou práxis que poderia valer como garantia social de uma
transcendentabilidade da ordem dada teria de ser da mesma ‘racionalidade’ ou
normatividade que, mais tarde, em geral mediante sublevações antecipadas pela
teoria, viria a irromper em larga escala no todo da sociedade (UoA: 276de; 240en).
157
Com o declínio do marxismo tradicional, novos modelos de teoria crítica passaram a procurar outras
instâncias, experiências e práticas capazes de fornecer alguma garantia da possibilidade de se superar a
ordem social dada (UoA: 275de; 239en). Honneth identifica quatro alternativas à desintegração o paradigma
da produção que buscam fundar a transcendência na imanência, centradas nos seguintes autores: 1) Cornelius
Castoriadis (e sua valorização da ação criativa e do surgimento de novos valores, apoiada na ideia de que os
impulsos humanos conduzem a uma fantasia de onipotência que tem uma relação recíproca com o
desenvolvimento da autonomia e da criatividade dos sujeitos; Honneth também inclui Hans Joas nesta
primeira alternativa); 2) Herbert Marcuse (para quem os impulsos humanos obedecem ao princípio do prazer
e conduzem à transgressão do princípio da realidade institucionalmente corporificado); 3) Jürgen Habermas
(que defende um intersubjetivismo no qual a interação linguisticamente mediada contém um excedente
normativo de validade que renova energias e motivações que transbordam os limites do sistema); e 4) Michel
Foucault e Judith Butler (que consideram a performance de uma operação subversiva e decodificadora como
a experiência que pode colocar as regras existentes em questão e realizar a crítica). Honneth considera a
190
O que temos de mais próximo, hoje, do legado da esquerda hegeliana pode ser
encontrado, segundo Honneth, na ideia de “interesse emancipatório” desenvolvida por
Habermas em Conhecimento e interesse. Nesta obra publicada em 1968, trata-se da suposição
de que a espécie humana teria um interesse profundo em reagir, com esforços autorreflexivos
posição de Habermas superior às demais porque, além de ter um poder sociológico explicativo maior, ela
implica atribuir ao potencial moral da comunicação o motor (Antriebsquelle) do progresso social ao mesmo
tempo em que indica sua direção. Entre os continuadores da perspectiva habermasiana Honneth destaca Seyla
Benhabib, Thomas McCarthy e Maeve Cooke (além do próprio Honneth, é claro). Ele vê as teorias de
Castoriadis, Marcuse, Foucault e Butler como dependentes de hipóteses psicanalíticas acerca da ideia de uma
psique humana estruturalmente voltada contra as imposições não razoáveis da sociedade, de modo que a
prática da transgressão é tida como necessária (UoA: 280de; 243en). Habermas, ao contrário, é o único
dentre os autores citados que procurou uma saída do paradigma da produção e do trabalho social não em um
carregamento normativo da psique e das pulsões humanas, mas sim mediante a reabilitação de uma outra
forma de ação – a interação linguisticamente mediada. Para Honneth, contudo, permanece assim uma
ambiguidade que precisa ser superada: afinal, o que abriga doravante as expectativas normativas são as
interações intersubjetivas mesmas ou a linguagem que permite a comunicação? Honneth defende a primeira
opção, tendo em vista que nem tudo o que subjaz normativamente à comunicação humana pode assumir uma
forma linguística. O próprio reconhecimento, por exemplo, está muitas vezes ligado, em primeiro lugar, a
gestos ou formas de expressão puramente corporais (cf. Honneth, 2003 [2001]).
191
elevada, podendo portanto ser tratada como ponto de partida legítimo para construir uma
concepção de justiça. “De fato”, diz Honneth “parece fazer pleno sentido conceber o
desenvolvimento do conceito de igualdade nos últimos duzentos anos como um processo de
aprendizado no qual, sob a pressão de lutas sociais, ele é saturado passo a passo com
conteúdos novos e dificilmente recusáveis” (UoA: 301de; 261en). Para o autor, aceitar a
legitimidade da ordem social moderna como superior à das formas pré-modernas de
organização societária (como teriam feito também Hegel, Marx e Durkheim, entre outros;
UoA: 218de; 184en) implica reconhecer como legítimos os dois princípios modernos de
fundo, obtidos retrospectivamente em acordo com “uma série de teorias sociais”: o princípio
de individualização, que é o resultado da ampliação das oportunidades dos atores sociais
articularem legitimamente diferentes partes de sua identidade, e o de inclusão social, que se
realiza mediante a inserção crescente de sujeitos no círculo de membros plenos da sociedade
(UoA: 218de; 184-5en). Estes são, portanto, os critérios que definem um aumento na
qualidade da integração social na modernidade.159 Diz Honneth:
Certamente, uma tal crítica apenas pode alcançar uma perspectiva que lhe permita
a distinção entre formas justificadas e injustificadas de particularização se ela tiver
traduzido o critério universal de progresso anteriormente esboçado na semântica
das respectivas esferas de reconhecimento: o que pode valer aqui como uma
demanda legítima, racional, mostra-se na possibilidade de compreender as
consequências de sua implementação possível como um ganho de individualidade
ou inclusão (UoA: 220-1de; 187en).
159
Honneth recorre aqui a uma ideia desenvolvida por Maeve Cooke: “For the evaluation of contemporary
social conflicts requires, as Maeve Cooke has recently shown very clearly, a judgment of the normative
potential of particular demands with regard to transformations that promise not only short-term
improvement, but also allow us to expect a lasting rise in the moral level of social integration” (UoA: 217de;
183en). Cf. Cooke, 2000.
194
sociedade como fundadas, ambas, no reconhecimento, Honneth pode afirmar, então, que “A
justiça ou o bem-estar de uma sociedade se medem pelo grau de sua capacidade de garantir
condições de reconhecimento recíproco sob as quais a formação pessoal da identidade – e,
com isso, a autorrealização individual – pode ocorrer de modo suficientemente satisfatório”
(UoA: 206de; 174en). A formação da identidade pessoal é tida, portanto, como um
pressuposto para a autorrealização individual (UoA: 209-10de; 177en).
Honneth não recusa, logo, o conteúdo da crítica de Fraser segundo a qual seu
modelo de reconhecimento estaria ligado a uma concepção ética acerca da vida boa. O
problema é que a importância deste aspecto acaba sendo “superdramatizada”, de forma que
Fraser deixa de levar em consideração que se trata antes de tudo de uma concepção fraca do
bem, sem a qual mesmo um autor como John Rawls admite não fazer sentido falar de uma
teoria da justiça (UoA: 297de). Honneth quer partir da ideia, que considera plausível, de que a
justiça (assim como as relações sociais no seu todo) tem um caráter constitutivamente
intersubjetivo. Em sentido próprio, isto significa que se atribui aos sujeitos um interesse geral
na liberdade daqueles de quem eles esperam reconhecimento: “pois aos sujeitos em cujo
interesse relações sociais justas devem ser alcançadas é atribuída uma consciência acerca da
dependência de sua autonomia com relação à autonomia de seus parceiros de interação”
(UoA: 298de; 259en).160 Por outro lado, Honneth questiona se o princípio de paridade de
participação de Fraser não pressupõe também uma versão, fraca que seja, de vida boa. Em
certo sentido, a noção de justiça de ambos tem um ponto comum: a ideia de que “O
desenvolvimento e o exercício da autonomia individual apenas são possíveis onde a todos os
sujeitos estão disponíveis as precondições sociais para realizar suas metas de vida sem
desvantagens injustificadas e da forma mais livre possível” (UoA: 298de). Diferentemente de
Fraser, no entanto, que considera o princípio da paridade de participação como uma derivação
deontológica do conceito de pessoa autônoma, Honneth vê tal formulação da concepção de
justiça como fruto de um desenvolvimento histórico que conduziu à modernização social na
medida em que levou da hierarquia e da exclusividade à igualdade e à inclusão social como
princípios normativos que possibilitam a integração da sociedade.
160
Note-se a semelhança com as concepções de liberdade comunicativa e social, presentes em Sofrimento de
indeterminação e O direito da liberdade e discutidas nos próximos capítulos.
195
envergonhada (UoA: 210de). Todas as teorias da justiça dependem, portanto, de linhas gerais
antecipatórias de vida boa – trata-se, no entanto, de uma generalização de caráter hipotético,
já que nosso conhecimento a esse respeito nunca está completo, e tampouco pode ser exaurido
seja com descobertas empíricas, seja com deduções teóricas. Afasta-se, assim, a exigência
supostamente inscrita na teoria do reconhecimento de pressupor a existência de uma
concepção de vida boa universalmente aceita: o fato de Honneth reconhecer que os atores
sociais mobilizam, nos conflitos sociais por reconhecimento, o vocabulário ou a linguagem da
autorrealização não implica que haja uma e apenas uma concepção ética de vida boa. 161 A
concepção de autorrealização como dependente da formação não coagida da identidade não
determina a priori qual deve ser essa identidade, e por isso pode ser considerada formal o
suficiente para não levantar a suspeita de arbitrariedade de valores que comumente se dirige
aos comunitaristas mais aguerridos.
modo, de um início liberal para colocar a qualidade do reconhecimento como o centro da ética
política (por isso Honneth chama tal perspectiva teórica de “liberalismo teleológico”163). É
preciso, então, generalizar a sociologia moral da formação da identidade pessoal na direção de
uma “teoria igualitária da eticidade” (UoA: 210de; 177-8en). Honneth pretende, assim, ter
alcançado uma concepção que expõe ao mesmo tempo em que justifica os objetivos
normativos em nome dos quais se considera que a busca por justiça social é uma tarefa
política eticamente bem fundamentada.
Contudo, uma dimensão mais profunda da objeção de Fraser não atinge apenas a
suposta a-historicidade da concepção de experiência de desrespeito, mas refere-se à própria
possibilidade de se falar de uma “estrutura elementar” dos sentimentos de injustiça de uma
época (UoA: 283de; 246en). Honneth, neste caso, defende que se pode tentar identificar a
experiência de base dos sentimentos de injustiça social como o resultado falível da
generalização de nosso próprio horizonte atual (isto é: moderno) de experiências. Desse
modo, certamente arriscado, Honneth pode chegar à conclusão de que o cerne das percepções
de injustiça reside nos sentimentos de violação (Verletzung) de expectativas de
reconhecimento tidas pelos concernidos como legítimas. Assim, por um lado, o
reconhecimento não é para Honneth apenas um “remédio” mais ou menos circunstancial para
163
Em outro momento, Honneth afirma que defende “uma concepção teleológica de justiça social” (cf. UoA:
213de; 180en).
198
uma determinada forma de injustiça social (como quer Fraser), mas um pressuposto
intersubjetivo da integração social moderna que se revela para os sujeitos no momento de sua
negação. Por outro lado, é preciso ter em mente que tampouco se trata de uma necessidade
humana transcendental, mas antes apenas de um conjunto de considerações plausíveis, das
quais, entretanto, é difícil discordar sob as condições sociais do presente.164
164
Sobre isso diz Simon Thompson: “According to this way of responding to Fraser’s criticism, it is difficult to
imagine how serious doubt could be cast on any of these propositions. How could one deny that humans are
social creatures who need to enjoy others’ care and love if they are to flourish? This is not to say that these
are in any way transcendental truths about the human condition; they are simply empirical claims about
human beings from which it would be difficult to dissent (Thompson, 2006: 36).
199
Por isso, as expectativas de reconhecimento atribuídas aos sujeitos não podem ser
tratadas como uma grandeza antropológica num sentido forte (UoA: 161de; 137en), assim
como não podem ser derivadas de uma teoria antropológica do conceito de pessoa (UoA:
163de; 138en). Ao mesmo tempo, porém, essas expectativas têm um conteúdo histórico
suficientemente determinado para não corresponder a uma categoria “formal” no sentido
liberal e abstrato do termo. Afinal, para Honneth, “toda forma de perspectivismo
metodológico permanece vazia enquanto não estiver ancorada em concepções de teoria
social acerca de como deve ser de fato concebida a reprodução social das sociedades
capitalistas” (UoA: 186de; 156en).165
165
Aos olhos de Honneth, a diferença fundamental entre Fraser e Habermas reside, a este respeito, em que a
teoria habermasiana repousa sobre um robusto edifício teórico-social – mesmo que Honneth discorde de seus
alicerces –, ao passo que Fraser rejeita apoiar seu dualismo sobre considerações substanciais em termos de
teoria social. Note-se também que, de modo geral, Fraser não se ampara em investigações teóricas ou
empíricas sobre os assuntos tratados, limitando-se a fazer referência a um determinado senso comum teórico-
político a respeito das lutas travadas pelos movimentos sociais contemporâneos.
166
Também o título escolhido para o livro e mesmo a introdução ao debate, assinada por ambos os autores, estão
em consonância com a perspectiva dualista de Fraser, o que certamente contribuiu para uma difundida
incompreensão da posição teórica de Honneth, acusado com frequência de preterir os conflitos econômicos
distributivos em favor de lutas “culturais” pelo reconhecimento das identidades coletivas.
200
Assim, no que diz respeito à crítica de que não daria conta dos conflitos
distributivos, Honneth sustenta que a teoria crítica apenas pode evitar uma dicotomia
teoricamente intransponível entre o material e o simbólico ao se orientar por um quadro
conceitual unificado (em termos de reconhecimento, por exemplo) e, ao mesmo tempo,
suficientemente diferenciado (em termos das dimensões da personalidade dos sujeitos a serem
reconhecidas). Em lugar de uma contraposição, o autor defende que as experiências de
injustiça, assim como as reações a elas, sejam concebidas ao longo de um continuum de
formas de desrespeito cujas diferenças são determinadas por quais propriedades ou
capacidades os afetados tomam como injustificadamente desrespeitadas (UoA: 160de; 135-
6en). Para Honneth, a distinção entre desvantagem econômica e degradação cultural é
fenomenologicamente secundária porque diz respeito apenas a uma especificação ulterior da
perspectiva sob a qual os sujeitos experienciam o desrespeito e a humilhação social. Mais do
que considerada secundária, tal distinção é manifestamente desaconselhada por Honneth,
apoiando-se em pesquisas cujos resultados mostraram que a esfera econômica também está
inscrita em um (ou mais de um) horizonte cultural de valor:
Nessa mesma linha, Honneth recorre mais uma vez aos estudos culturais para
contestar a ideia, defendida por Fraser, bem como por Charles Taylor, de que as lutas por
reconhecimento são uma novidade histórica. Como vimos, autores como E. P. Thompson
(1971) e Barrington Moore (1978) procuraram justamente mostrar ser falso considerar que os
167
Honneth refere-se aqui, no campo da antropologia, a Marshall Sahlins (1976). Não há nenhuma referência
aos estudos feministas que Honneth tem em mente.
201
168
Este papel não é exercido apenas pelos autores dos estudos culturais, mas também pelos já mencionados
(ainda que não explicitamente nomeados) estudos sobre as consequências do colonialismo e da opressão das
mulheres.
169
Cf. Honneth (2000 [1998] e 2000 [1995]).
202
econômicas e sociais e, assim, se abrem para o sentimento de afeição mútua” (UoA: 164de;
139en).
170
A palavra alemã Leistung é de difícil tradução para o português, podendo abarcar o sentido não só de
desempenho, mas também de realização, performance, rendimento, mérito e contribuição.
203
171
Desse modo, o vínculo entre hierarquia de status e distribuição de recursos materiais é mais orgânico do que
a relação externa entre superestrutura e base, entre “ideologia” e “realidade objetiva”.
204
Para levar a cabo uma crítica desse tipo, é necessário pôr em operação uma
imaginação categorial com cuja ajuda é possível mostrar por que determinadas atividades, até
então ignoradas, devem ser alçadas à categoria de “trabalho” e dotadas do reconhecimento
social correspondente.172 Qualquer atividade social considerada injustamente menosprezada
tem que ser, deste modo, apresentada sob uma nova luz, em um horizonte transformado de
valores, para mostrar que o sistema vigente de avaliação é unilateral e restritivo, e que
portanto a hierarquia ou ordem estabelecida de distribuição não possui legitimidade suficiente
de acordo com seus próprios princípios de fundo, mais gerais (UoA: 184de; 154-5en). Diz
Honneth:
Está claro, logo, que Honneth conecta os conflitos distributivos, por um lado, à
disputa pela interpretação e avaliação do princípio do desempenho. Mas esta é apenas parte do
quadro institucional dos princípios de distribuição de recursos na sociedade capitalista. As
lutas distributivas são, na realidade, duplas: podem se dar tanto por meio de esforços para
reavaliar as definições hegemônicas de desempenho ou contribuição quanto mediante a
mobilização de argumentos legais, vinculados ao princípio de igualdade. Nas palavras do
autor: “Lutas distributivas, portanto, quando não seguem o caminho de uma mobilização por
direitos sociais, são confrontos de definição acerca da legitimidade da aplicação do princípio
do desempenho praticada a cada vez” (UoA: 183de; 154en). Assim, diz Honneth, todas as
lutas por reconhecimento se desdobram em uma “dialética moral entre o universal e o
particular” (UoA: 180-1de).174 Há espaço na teoria da luta por reconhecimento, portanto, para
a diferença assim como para a igualdade. Os atores sociais podem lutar por mais
reconhecimento e, logo, por mais recursos referindo-se ao princípio da igualdade legal
(momento universal) ou à valorização de suas realizações como específicas e merecedoras de
um grau maior de estima (momento particular).
Desse modo, Honneth procura mostrar que se deve evitar tomar as lutas por
redistribuição como dadas de maneira não problemática, como se fossem a projeção imediata
174
Mais adiante, Honneth afirma que esta dialética pode ser colocada em movimento em cada esfera de
reconhecimento “na medida em que, sob o apelo do princípio universal de reconhecimento (amor, direito,
desempenho), é reclamado um ponto de vista particular (necessidade, circunstância de vida, contribuição)
[Bedürfnis, Lebenslage, Beitrag] que ainda não encontrou consideração adequada sob as condições de
aplicação praticadas até o momento” (UoA: 220de; 186en).
206
de princípios não disputados de justiça distributiva sobre a realidade social. Não é evidente,
ademais, o papel motivacional de tais considerações de teoria distributiva.175 Em acordo com
sua perspectiva geral, Honneth considera que é preciso problematizar e reconstruir o conceito
de conflitos distributivos de modo que ele não corresponda unicamente ao nível estatal de
medidas redistributivas, permitindo portanto levar em conta espaços não institucionalizados
nos quais têm início esforços individuais e coletivos para deslegitimar o padrão distributivo
dominante (UoA: 179de; 151en). Nesse contexto, a ideia de luta social apenas alcança seu
sentido profundo quando não se resume a debates parlamentares sobre políticas de impostos
ou à negociação pública de salários, por exemplo, mas estende-se àqueles conflitos
quotidianos em que os afetados procuram, mediante seus próprios esforços simbólicos e
práticos, alterar uma ordem distributiva que eles sentem ou percebem (empfinden) como
injusta. Para o autor, a experiência do desrespeito é a base motivacional de todos os conflitos
sociais – sejam eles de caráter “econômico” ou “cultural”.
Por tudo isso, Honneth fala em um monismo moral (no nível normativo), e não
cultural (no nível teórico-social, como entende Fraser): uma vez que as instituições centrais
das sociedades capitalistas precisam ser racionalmente legitimadas do ponto de vista de seus
membros por meio de princípios generalizáveis de reconhecimento recíproco, a sua
reprodução depende sempre da existência e manutenção de um consenso moral mínimo,
conflituosamente alcançado e que serve de base para as expectativas normativas e para a
motivação para novos conflitos. A integração moral da sociedade tem, assim, primazia com
relação aos demais mecanismos de integração (UoA: 186de; 156-7en).
175
A centralidade que Honneth confere à ideia de motivação moral dos conflitos sociais não ignora que existem,
com a passagem para a modernidade, diversos novos padrões de comunicação; mas implica admitir que
apenas as três relações distinguidas pelo autor possuem princípios normativos internos que estabelecem
diferentes formas de reconhecimento mútuo, isto é, modelos normativamente substantivos de interação que
não podem ser praticados sem que seus princípios subjacentes sejam minimamente respeitados. Somente as
formas de relação fundadas sobre o reconhecimento mútuo contribuem para o estabelecimento de uma
autorrelação prática positiva dos sujeitos consigo mesmos, a partir de uma participação ativa nas relações de
interação com os demais membros da sociedade. As transformações que acompanham a modernização da
sociedade – especialmente a diferenciação do reconhecimento recíproco em três padrões conectados, porém
distintos – permitem aos atores sociais “ampliar experimentalmente seus horizontes de experiência” e, desse
modo, aumentam as possibilidades de se alcançar uma maior individualização (UoA: 143de).
207
para as representações sociais de caráter moral é limitado pelos princípios que regulam, em
dado momento, a legitimidade de demandas por reconhecimento social. Este conceito não é
suficiente para esclarecer e explicar a dinâmica dos processos de desenvolvimento do
capitalismo contemporâneo, mas isto não é um problema para Honneth uma vez que seu
objetivo reside apenas em “tornar claras as restrições normativas nas quais tais processos
estão inscritos na medida em que os sujeitos lhes defrontam com determinadas expectativas
de reconhecimento” (UoA: 287-8de; 250en).176
Em sua análise, assim, Honneth confere uma ampla primazia à integração social
(ou “moral”) sobre a integração sistêmica da sociedade. Mesmo transformações estruturais na
esfera econômica não podem ser consideradas, segundo seu ponto de vista,
independentemente das expectativas normativas dos concernidos, contando, ao menos, com o
seu consentimento tácito. Em todas as esferas, a econômica inclusive, a integração social
ocorre na forma de um processo simbolicamente mediado de negociação acerca da
interpretação de princípios normativos subjacentes (UoA: 288de; 250-1en). De acordo com o
quadro teórico desenvolvido por Honneth, e contra qualquer tipo de funcionalismo, então, a
legitimidade das atividades de mercado depende – do ponto de vista dos participantes – tanto
da conformidade com certas normas legais (igualitárias) historicamente conquistadas quanto
do cumprimento de princípios (específicos) de desempenho também alcançados mediante
lutas sociais historicamente determinadas.
Nesse sentido, ademais, Honneth critica a visão funcionalista que Fraser tem do
direito na medida em que o considera meramente como um instrumento (“neutro”) para
garantir conquistas alcançadas em outras esferas. Acontece, diz Honneth, que os direitos
subjetivos já expressam a ideia (normativa) de que nos consideramos reciprocamente como
membros autônomos de uma comunidade legal democrática, e, como consequência, sua
176
Em acordo com Fraser, é preciso destacar, Honneth considera que a percepção de injustiças sociais é sempre
perpassada e conformada por discursos públicos regidos pelo universo semântico em operação na sociedade.
Contra Fraser, porém, ele julga que tais discursos não surgem e se modificam como que fortuitamente, mas
podem ser conectados a um repertório de princípios normativos profundos que compõem o horizonte
linguístico dos pensamentos e sentimentos de caráter moral em dada formação social. O conceito de “ordem
de reconhecimento” refere-se, então, a essa camada de fundo composta pela gramática historicamente
específica da justiça e das injustiças sociais (UoA: 287de; 250en). Diz o autor: “Os sentimentos de injustiça
que podem ser provocados pelas transformações estruturais mais recentes no mundo do trabalho
assalariado são cunhados semanticamente pelos princípios de reconhecimento que regem a esfera da divisão
social do trabalho na forma de interpretações historicamente conquistadas [erkämpft]” (UoA: 288de;
250en).
209
ele apenas se torna um tal ‘subsistema’ de ação social quando encontra aceitação
normativa suficiente para, com a ajuda de regulações jurídicas, formar uma
instituição na qual uma complexa rede de ações individuais são coordenadas de
modo aparentemente automático pela interação de considerações meramente
utilitárias (UoA: 294de; 255-6en).
Honneth reconhece que seria necessário desenvolver suas sucintas reflexões para
mostrar como a ideia do primado da integração moral pode ser usada para fins explicativos,
de modo a permitir uma interpretação dos processos atuais de acelerada mercantilização nas
178
Aqui Honneth parece querer dizer que a integração social ou moral não diz respeito apenas ao ponto de vista
de seus membros, mas também ao do observador que procura explicar o funcionamento estrutural do
capitalismo contemporâneo.
211
179
Segundo esse ponto de vista, portanto, o questionamento de Fraser é, desde o início, colocado de forma
inadequada. Enquanto ela defende que é preciso estabelecer relação equilibrada – de acordo com o critério
fornecido pelo princípio normativo da paridade de participação – entre economia e cultura, Honneth tem que
rejeitar, de saída, a própria cisão entre um polo material e outro simbólico.
212
Note-se ainda que, para Honneth, a teoria da justiça pode ser concebida, no
contexto crítico, como uma articulação dos objetivos de seus destinatários que são passíveis
de justificação. A tarefa da teoria não consiste apenas, assim, em tornar visível uma camada
profunda dos conflitos moralmente motivados (UoA: 161de). Para além disso, “uma teoria
213
crítica da sociedade desdobra sua força normativa no presente na medida em que é capaz de
articular de modo advocatório tais experiências” (UoA: 304de; 264en), isto é, na medida em
que procura conceitualizar reflexivamente os movimentos emancipatórios da época e
trabalhar perspectivamente no sentido de realizar seus objetivos. Para isso, é preciso não
apenas uma interpretação sociologicamente rica das pretensões normativas implícitas nos
conflitos sociais, mas também, como os pesquisadores do Instituto de Pesquisa Social de
Frankfurt mostraram, uma justificação (mesmo que indireta) dos objetivos morais
identificados (UoA: 131de; 110en).
A abordagem objetivista de Fraser, por outro lado, não chega ao menos a tocar no
“problema que consiste na obstrução sistemática do acesso às experiências quotidianas de
injustiça” (UoA: 158de; 134en). Se a resposta de Honneth for convincente, não parece
exagerado, então, o requisito de que a teoria crítica deva ao menos mostrar uma abertura
categorial para perspectiva moral (muitas vezes implícita) dos atores sociais e suas
experiências.
Há aqui, no entanto, pelo menos uma diferença importante com relação ao livro de
1992: o fundamento antropológico da luta por reconhecimento não se apoia mais na
psicologia social de Mead, mas antes em uma concepção histórica de processos de
aprendizado característicos da modernidade. Como Honneth argumenta em detalhe no
posfácio a Luta por reconhecimento (“O fundamento do reconhecimento”),180 o naturalismo
de Mead “é de certa forma forte demais para que seja possível conceber o reconhecimento
como um comportamento habitualizado que se dá em um espaço historicamente desenvolvido
180
Texto publicado originalmente sob o título “Der Grund der Anerkennung: Eine Erwiderung auf kritische
Rückfrage” na revista Inquiry, em 2002 (daqui em diante abreviado como GdA). Ao passo que Honneth
explicita, no posfácio, os motivos pelos quais se afasta da psicologia de Mead, em Redistribuição ou
reconhecimento? as referências ao autor estão de todo ausentes.
214
de razões morais” (GdA: 313de; 503en). É correto afirmar, portanto, que Honneth recua
frente às críticas de sua antropologia filosófica e modifica sua posição inicial.181 Nas palavras
do autor:
Honneth admite que a própria oposição entre integração social e sistêmica é problemática,
pois a reprodução das sociedades capitalistas modernas depende sempre de um consenso
moral mínimo, capaz de satisfazer ao menos algumas das demandas normativas enraizadas na
interação social. Assim, a tese de Honneth não é a de que a teoria crítica pode prescindir de
considerações sobre mecanismos sistêmicos de integração, mas que não faz sentido falar em
integração sistêmica como tal.182 Isso porque “o social”, para o autor, está inextricavelmente
ligado a um aspecto moral:
182
Isso não significa que não existam ações estratégicas, mas antes que elas não contribuem de modo
significativo para a integração da sociedade.
216
4. Patologias da liberdade
O livro Sofrimento de indeterminação é fruto em grande parte das “Spinoza
Lectures”, duas palestras conferidas por Honneth em 1999 na Universidade de Amsterdam.
Pode causar estranheza, portanto, apresentar a discussão desse volume depois da análise de
Redistribuição ou reconhecimento?, livro publicado em 2003. A escolha se fundamenta,
porém, se atentarmos para os fatos de que o debate entre Honneth e Fraser se deu
anteriormente à publicação do livro (o primeiro texto de Fraser foi apresentado em 1996, por
exemplo), e de que as palestras realizadas em Amsterdam compõem as duas primeiras partes
do livro, que ganhou posteriormente, na versão alemã, uma terceira parte dedicada à
“doutrina da eticidade como teoria normativa da modernidade”.183 Além desses dados
cronológicos, há também que se considerar que, em termos de conteúdo, Sofrimento de
indeterminação representa um maior distanciamento com relação ao modelo crítico da luta
por reconhecimento e um ponto de transição para o modelo centrado na liberdade que ganhou
forma sistemática em 2011 – ao passo que as contribuições de Honneth a Redistribuição e
reconhecimento? oferecem modificações mais tímidas com relação ao livro de 1992.
183
As palestras foram publicadas primeiro em inglês (Suffering from Indeterminacy: An Attempt at a
Reactualization of Hegel’s Philosophy of Right, em 2000) e no ano seguinte saiu a versão em alemão (Leiden
an Unbestimmtheit: Eine Reaktualisierung der Hegelschen Rechtsphilosophie, 2001, acrescida de dois
capítulos ausentes nas palestras). Na edição brasileira, publicada em 2007, o termo Unbestimmtheit foi
traduzido por “indeterminação” em vez de “indeterminidade”. Daqui em diante, a obra é abreviada como
LaU.
217
uma atualização da Filosofia do direito de Hegel é retomado e desenvolvido nas seções que se
seguem.
184
Honneth não esclarece em sua argumentação o que pode significar a formulação “perseguir reciprocamente
interesses egoístas” (LaU: 19de; 55pt). Parece que nela se reflete o caráter um pouco ambíguo que tem na
obra do autor a ideia da existência de ações estratégicas autointeressadas no seio da eticidade.
219
que a liberdade optativa conduz ao “dualismo kantiano entre dever e inclinação, entre a lei
moral ideal e a natureza meramente externa do impulso” (LaU: 59pt). Hegel quer
desenvolver um modelo mais complexo de vontade livre, do qual são removidos todos os
vestígios de heteronomia na medida em que o material da autodeterminação individual é
entendido como resultado da liberdade. Para tanto, a vontade tem que ser pensada como uma
relação reflexiva. Nos termos de Hegel: a vontade livre tem que querer a si mesma como livre
(LaU: 60pt). Para compreender essa formulação, Honneth lança mão da descrição que Hegel
faz do afeto na forma da amizade e do amor como modelo paradigmático da liberdade:
realização da vontade livre de cada sujeito individual (LaU: 64pt).185 A grande questão passa a
ser, portanto, quais são esses pressupostos. Entre eles destacam-se, para Honneth, as relações
comunicativas, que possibilitam ao sujeito um ser-consigo-mesmo-no-outro. A concepção
hegeliana, ampla de direito repousa, ademais, sobre uma transformação dos portadores de
direitos, que não são mais os indivíduos, e sim relações e estruturas sociais, “formas de
existência sociais”:
185
Ao direito em sentido amplo, concebido como a apresentação ética das condições sociais da autorrealização
individual, opõe-se naturalmente uma concepção mais restrita, caracterizada juridicamente e que é um
momento particular e formal (Kant e Fichte, por exemplo teriam compreendido a noção de direito como “a
ordem estatal de uma vida comum regulada pelo direito”, destacando “com isso o momento da
coercibilidade do Estado”; LaU: 64pt).
186
Na versão em inglês do texto, publicada anteriormente, lê-se ao final da citação: “and the addressees of the
rights of the various spheres, institutions, and systems of practices are all the members of modern societies”
(LaU: 30en; grifo M.T.).
221
imprescindíveis para a realização da ‘vontade livre’” (LaU: 68pt). É preciso, ainda, atribuir
às outras formas de liberdade, a negativa e a optativa, o seu lugar legítimo na ordem
institucional da modernidade, na medida em que elas representam “condições necessárias,
porém ainda não suficientes – e nessa medida incompletas – da autorrealização individual”
(LaU: 68-9pt). Para Hegel, aqueles modelos de liberdade “não são meras ideias abstratas ou
representações teóricas, mas já influenciaram de tal modo o processo social no mundo
moderno que devem ser tratados sem problema como ‘formas’ do espírito objetivo e
regulados segundo seus ‘direitos’ correspondentes” (LaU: 70-1pt). As liberdades negativa e
optativa possuem pressupostos constitutivos para a participação individual nas esferas
comunicativas. Isso explica, diz Honneth, a tripartição da Filosofia do direito em “direito
abstrato” (que corresponde ao modelo negativo de vontade livre, igualando a liberdade à
fruição de direitos subjetivos), “moralidade” (que corresponde ao modelo optativo de vontade
livre, igualando a liberdade à capacidade de autodeterminação moral), e “eticidade” (que
corresponde ao modelo comunicativo de vontade livre e é tripartida, por sua vez, em
“família”, “sociedade civil” e “Estado”).
É preciso, então, mostrar que, quando for determinado adequadamente o seu lugar
na estrutura social moderna, os dois momentos incompletos da liberdade são necessários para
a sua forma completa, comunicativa. Hegel o faz de modo indireto e negativo, “no sentido de
que tenta circunscrever o ‘lugar’ adequado, o ‘direito’ específico de ambos os modelos
incompletos de liberdade mediante a demonstração dos danos sociais a que levaria o
emprego totalizante de cada um deles” (LaU: 73pt). Tais danos são “rejeições patológicas”
com os quais a realidade social responde à absolutização de uma das versões incompletas da
liberdade individual. Trata-se de um indicador “preciso e ‘empírico’” de que foram violados
os limites (Grenzen) do âmbito de legitimidade social do direito abstrato e da moralidade
(LaU: 73pt). Hegel analisa, em sua argumentação, tanto os perigos da autonomização da
moralidade quanto os efeitos negativos da limitação da liberdade a suas formas constituídas
apenas juridicamente (LaU: 81-2pt). Ao observar os efeitos negativos dessa autonomização
das concepções deficientes de liberdade, é possível entrever o seu lugar legítimo. A tarefa de
Hegel consiste, assim, em mostrar a função necessária das liberdades jurídica e moral em
222
187
Se esse modo de proceder é capaz de demarcar os limites para além dos quais o exercício da liberdade em
suas formas negativa ou optativa torna-se patológico, parece-nos, contudo, que ele não é suficiente para
determinar se, no interior do âmbito definido por estes limites, o direito abstrato e a moral são não apenas
aceitáveis, já que não causam patologias sociais, mas também representam de fato condições necessárias
para o exercício da liberdade comunicativa.
223
concepção de justiça, para então explicitar “o diagnóstico que o ajudou a determinar o local
exato daquelas duas representações da liberdade em uma teoria das liberdades
comunicativas”, isto é, em uma teoria da eticidade (LaU: 84pt).188 O primeiro momento pode
ser chamado, por isso, diz Honneth, de uma teoria ética do direito e da moral.
Por isso, quando todas as necessidades e intenções dos indivíduos são articuladas
nas categorias estratégicas – e, portanto, limitadas – do direito formal, eles tornam-se
incapazes de participar plenamente da vida social como parceiros em uma relação
intersubjetiva eticamente determinada. A patologia social que assim se instaura corresponde
ao sofrimento de indeterminidade causado por esse estado de coisas.
No capítulo sobre a moralidade, por sua vez, os objetivos perseguidos por Hegel
são vários. Honneth se atém a dois deles: a tentativa de estabelecer o valor ético e os limites
da ideia de autonomia moral; e a fundamentação do fato de que as condições de realização da
vontade livre se encontram completas nas esferas comunicativas da eticidade (LaU: 91pt). A
entrada no “ponto de vista moral” parte da objeção à liberdade jurídica que diz que, para essa
concepção, é completamente irrelevante aquilo que se entende como meta de uma ação livre.
Na autonomia moral, ao contrário, só vale como ação livre o que é considerado como
resultado da autodeterminação reflexiva e racional. Apenas na autonomia moral a liberdade
188
Segundo a ordem de investigação, portanto, parte-se de um diagnóstico de patologias sociais para chegar à
delimitação do domínio legítimo das formas incompletas de liberdade, ainda que, na apresentação, o seu
valor ético preceda as patologias causadas pela sua unilateralização.
224
individual é uma relação do sujeito consigo mesmo, uma autorrelação, e “apenas quando um
sujeito de fato avalia reflexivamente como deve agir, podemos então falar propriamente de
liberdade individual” (LaU: 92pt). Seu valor ético reside, portanto, em permitir uma avaliação
reflexiva de cada sujeito em face de si mesmo, de modo que possa “conceber suas atividades
e interações como expressão da liberdade” (LaU: 93pt). Trata-se do direito de tornar o
consentimento para as práticas sociais dependente da avaliação de argumentos racionais
obtidos mediante processos de autorreflexão.
Leere, LaU: 70de; 98pt), “um estado torturante de incompletude, de indeterminidade” (ein
quälender Zustand des Unausgefülltseins, der Unbestimmtheit; LaU: 74de; 102pt), “o
tormento da vacuidade e da negatividade” (die Qual der Leerheit und der Negativität; LaU:
69de; 98pt), “sofrimento de indeterminidade e de esvaziamento” (Leiden an Unbestimmtheit,
an Unerfülltsein; LaU: 80de; 106pt).
que o autor compreende o vínculo entre um diagnóstico de época (aspecto negativo) e uma
teoria da justiça (aspecto positivo).
190
A conexão entre realização individual e reconhecimento recíproco se expressa no conceito de “dever”.
Diferentemente de Kant, Hegel considera que os deveres ou determinações éticas são caracterizados como
relações necessárias, pois são elementos internos do padrão de ação correspondente. A execução da ação não
é sentida como um dever, mas é ao mesmo tempo experienciada como evidente e vinculante (LaU: 111pt).
229
A sociedade civil, por sua vez, enquanto esfera da circulação mediada pelo
mercado entre sujeitos econômicos, representa o meio tanto de uma destruição da eticidade
imediata e de um isolamento extremo (pois rompe o laço intersubjetivo entre os atores), como
da viabilização da realização dos interesses individuais (já que a troca permite o acesso a uma
multiplicidade de bens). Nas relações de troca expressam-se “carências sempre crescentes
cuja satisfação o adulto já não pode mais esperar alcançar a partir do círculo da família”
(LaU: 119pt). Trata-se, portanto, não de carências intersubjetivas reciprocamente
manifestadas, mas antes de interesses autorreferidos de pessoas privadas. A superioridade
relativa da sociedade civil frente à família na esfera ética se dá pelo fato de que, na sociedade
191
Note-se que se trata da família “em sua forma dada, ou seja, a pequena família burguesa” onde pode ocorrer
a “satisfação intersubjetiva dos impulsos individuais” na forma da “relação sexual entre os parceiros” e o
“potencial ainda desorganizado da carência da criança é formado pela primeira vez por meio da educação
dada pelos pais” (LaU: 118pt).
230
civil, o sujeito já se apresenta como pessoa de direito individualizada, podendo perseguir seus
interesses egocêntricos e com isso tendo uma certa reflexividade diante dos espaços de
comunicação da família, onde o sujeito aparecia antes como membro dependente de uma
comunidade que não escolheu (LaU: 120pt).
Em sua análise da esfera do Estado, por seu turno, Honneth vai contra a leitura
corrente de que nela Hegel não estaria mais preocupado com a liberdade individual dos
sujeitos enquanto cidadãos. O autor indica que há trechos na Filosofia do direito que
permitem a interpretação de que os sujeitos conseguem uma individualização ainda maior no
Estado, porque nele são capazes de “uma atividade universal” (LaU: 121pt) na medida em
que participam ativamente na reprodução da coletividade, tornando suas habilidades
particulares úteis a um fim comum. Desse modo, o indivíduo “chega à existência pública
como um cidadão dotado de razão”: “não em sua carência natural, nem em seu interesse
sempre individual, mas em seus talentos e habilidades formados racionalmente é que o
sujeito se tornou, na esfera do Estado, membro da sociedade” (LaU: 121-2pt).
diferentes esferas, então, se deduz de modo progressivo a estreita relação entre modo
cognitivo, forma de reconhecimento e autorrealização (LaU: 124pt).
sem o espaço próprio do direito positivo, a eticidade não poderia oferecer uma
condição de liberdade estável que tivesse de ser garantida a todos os sujeitos; para
poder falar então que determinadas relações de comunicação em sociedades
modernas representam esferas de realização da liberdade, elas têm de poder manter
uma estabilidade social para além dos motivos subjetivos da ação e ser garantidas
apenas por meio de sanções legais (LaU: 132-3pt).
O argumento, contudo, não convence Honneth. Ele recusa a tese de que uma
suposta capacidade de instaurar ou gerar socialmente práticas de ação “segundo intervenções
controladas” deve levar Hegel a “ater-se à representação de uma inserção estatal da
eticidade” (LaU: 134pt). Segundo tal visão, as esferas da eticidade são abertas para a
participação ilimitada de todos os membros da sociedade somente como “bens públicos”
controlados pelo estabelecimento do direito por meio do Estado. Essa não é a única
233
Hegel acaba tendo, então, uma visão reducionista da primeira esfera ética na
medida em que não distingue entre as ideias de que (a) uma esfera ética necessita do
estabelecimento de pressupostos jurídicos apropriados e que (b) uma instituição deve sua
existência a um contrato sancionado pelo Estado. Por isso Honneth pode afirmar, em
consonância com a posição que viria a defender em O direito da liberdade, que:
O que antes foi chamado de ‘reconstrução normativa’ não significaria então, sob
essas condições revisadas, reconstruir realidades juridicamente institucionalizadas,
mas reconstruir as esferas sociais de valor da modernidade que se caracterizam
pela ideia de uma combinação determinada de reconhecimento recíproco e
autorrealização individual. Hegel poderia representar, com outras palavras, a
sociedade moderna também como um complexo de esferas de reconhecimento que
oferecem espaço de ação suficiente para formas distintas de institucionalização
social (LaU: 136pt).
Para Hegel, como visto, a segunda esfera ética é o lugar da satisfação – via trocas
mediadas pelo mercado entre realizações (Leistungen) e mercadorias – dos interesses privados
dos sujeitos individuais, dos desejos que puderam se formar para eles sem consideração pela
carência e pelos desejos de seus parceiros de interação (LaU: 117de; 136pt). Nesse sentido, a
sociedade civil vincula-se a uma universalidade apenas indireta, pois nela “se encontram
sujeitos individuais isolados com a finalidade de estabelecerem contratos mútuos sobre
transações cujo cumprimento lhes proporciona meios individuais para a realização de
interesses que não são mais tão relevantes quando considerados reciprocamente”; nela “cada
192
Honneth apoia-se em Arnold Gehlen para falar de um conceito antropológico e cultural de “instituição”
(referência que volta em O direito da liberdade).
234
corporações no âmbito da sociedade civil, Hegel acaba fazendo com que as esferas não
tenham um só padrão de interação cada uma, pois a troca capitalista e as corporações
implicam formas de reconhecimento inteiramente distintas: “a primeira está ligada às
transações mediadas pelo mercado, mas a segunda a interações orientadas por valores”
(LaU: 141pt). Isso acontece, diz Honneth, porque o ponto de vista hegeliano está muito
fortemente voltado para as formas concretas de organização, ainda que sua intenção formal
fosse atribuir às três esferas apenas um padrão de interação capaz de garantir a liberdade.
Hegel misturaria, assim, duas tarefas: (a) uma análise normativa da estrutura das sociedades
modernas para identificar as condições historicamente produzidas da liberdade individual e
(b) uma análise das instituições para legitimar as formas de organização que se
desenvolveram ancoradas no direito (LaU: 142pt). A sugestão de Honneth consiste em
abandonar essa segunda tarefa e, como consequência, deixar somente o mercado na segunda
esfera, e na terceira, a do Estado, tratar das corporações, entendidas como uma forma
diferenciada de liberdade pública, como uma “indicação da necessidade de uma divisão de
trabalho democrática, publicamente mediada, que fornece aos sujeitos um sentido para a
universalidade de suas atividades individuais” (LaU: 142pt).
autoritário (no qual os cidadãos teriam os direitos fundamentais tradicionais, mas lhes seria
subtraída toda chance de configuração política autônoma). De todo modo, em nenhuma das
alternativas estão previstos quaisquer fóruns ou arenas em que os sujeitos, enquanto cidadãos,
pudessem se reunir e deliberar em conjunto, por meio de procedimentos de deliberação
pública e da formação da opinião, sobre quais fins devem ser qualificados como “universais”:
“não se encontra na doutrina do Estado de Hegel o menor vestígio da ideia de uma esfera
pública política, da concepção de uma formação democrática da vontade” (LaU: 144pt). A
ideia de uma formação democrática da vontade e de uma esfera pública política teria, diz
Honneth, se coadunado perfeitamente com o projeto de uma teoria da justiça esboçado na
Filosofia do direito, na medida em que proporcionaria um arremate democrático da doutrina
hegeliana da eticidade: “enquadrada no contexto de uma ordem moral capaz de assegurar a
liberdade, formada em conjunto pelas três esferas éticas como relações de reconhecimento, a
tarefa da formação da vontade democrática na última esfera, a esfera propriamente política,
teria sido decidir sobre a configuração institucional dos espaços de liberdade” (LaU: 127de;
145pt, trad. mod.).
193
Cf. o seguinte trecho: “Somos efetivamente livres apenas quando sabemos formar nossas inclinações e
carências de tal modo que estas sejam orientadas para o universal das interações sociais e cuja realização,
por sua vez, possa ser experienciada como expressão da subjetividade irrestrita” (LaU: 78pt).
238
Os resultados de uma comparação entre a composição das esferas éticas com a dos
padrões de reconhecimento, especialmente entre o amor e a família e entre a estima e o
Estado, podem ser compreendidos nessa chave. Assim, por exemplo, em Luta por
reconhecimento, a esfera do amor diz respeito antes de tudo à relação de delimitação e
deslimitação entre mãe e criança nos primeiros anos de vida, a qual, se bem-sucedida, permite
ao indivíduo o desenvolvimento de sua autoconfiança (fundamental, por sua vez, para a
vivência de relações amorosas e de amizade na vida adulta, as quais dependem de sentimentos
de simpatia e atração). Já em Sofrimento de indeterminação, ganha destaque na primeira
esfera ética uma concepção de família que, embora não necessariamente conformada pelo
direito positivo mediante a regulamentação jurídica do matrimônio e das relações de
paternidade, está apoiada ao menos sobre costumes e hábitos e pode ser considerada, portanto,
uma instituição que possui “firmeza e estabilidade” precisamente na medida em que não está
submetida ao sabor dos afetos e dos sentimentos, entendidos aqui de certo modo como
caprichos subjetivos e transitórios. É verdade que Honneth insiste na inserção da amizade na
primeira esfera ética, e argumenta até no sentido de que ela poderia ser considerada o caso
exemplar do ser-consigo-mesmo-no-outro. Mas mesmo a amizade tem que ser concebida
“como uma ‘segunda natureza’ e, com isso, algo inteiramente estável” (LaU: 133pt) para
poder fazer parte da eticidade.
239
A segunda esfera ética (a sociedade civil), por sua vez, não corresponde, tal como
é caracterizada em Sofrimento de indeterminação, à segunda dimensão do reconhecimento,
isto é, ao direito como fonte de autorrespeito. A sociedade civil, como esfera ética que sucede
a família na Filosofia do direito de Hegel e nas obras de Honneth que nela se baseiam (isto é:
Sofrimento de indeterminação e O direito da liberdade), corresponde antes à esfera do
mercado que à do direito. O âmbito da troca de mercadorias (incluindo a mercadoria trabalho)
240
Em primeiro lugar, cabe lembrar que Honneth se viu impelido a tratar da esfera
econômica a partir das críticas à teoria da luta por reconhecimento que nela apontavam a
ausência de considerações sobre as relações de reconhecimento sob o sistema capitalista e a
consequente escamoteação das injustiças de cunho econômico-distributivo. Como foi
discutido no capítulo anterior, Honneth insiste, em Reconhecimento ou Redistribuição?, na
inserção moral do mercado, e o faz apoiando-se sobre o argumento de que a própria distinção
entre um âmbito econômico livre de valores e uma forma normativa de integração social é
fictícia e enganosa.194 No volume conjunto com Nancy Fraser, portanto, como dito
anteriormente, Honneth aprofunda a tendência presente em Luta por reconhecimento de opor-
se a paradigmas funcionalistas de teoria social, recusando todo tipo de caracterização
instrumental da ação social, inclusive a de caráter econômico. Em Sofrimento de
indeterminação, por outro lado, o mercado aparece na esfera da sociedade civil como um
momento vinculado apenas indiretamente à universalidade, visto que os indivíduos nele se
inserem de modo isolado, “com a finalidade de estabelecerem contratos mútuos sobre
transações cujo cumprimento lhes proporciona meios individuais para a realização de
interesses que não são mais tão relevantes quando considerados reciprocamente” (LaU:
137pt). Em nenhum momento isso fica tão claro quanto na distinção que Honneth faz entre a
lógica do mercado e a das corporações com o objetivo de defender a inserção destas na esfera
do Estado ou do que se pode chamar de “liberdade pública”. Como visto, o autor afirma que
“a primeira está ligada às transações mediadas pelo mercado, mas a segunda a interações
orientadas por valores” (LaU: 141pt). A lógica do mercado, portanto, não é regulada
normativamente. Ela gira em torno da busca pela satisfação de interesses privados,
autorreferidos ou egocêntricos dos indivíduos, e envolve um processo de aprendizagem de
194
Se atentarmos para o fato de que a estima social está ligada, nesse contexto, à escala de valoração da divisão
social do trabalho, podemos dizer que a esfera do mercado está mais próxima da terceira dimensão do
reconhecimento, a estima ou solidariedade, enquanto que a segunda dimensão aproxima-se de uma
concepção política de igualdade e participação.
241
195
Além disso, em Luta por reconhecimento a indeterminidade fundamental inerente ao estatuto de pessoa
moralmente imputável não redunda em sofrimento e patologias sociais, mas em “uma abertura estrutural do
direito moderno para ampliações e precisões gradativas” (KuA: 182pt).
242
concepção de eticidade torna-se, assim, diversificada, pois inclui a liberdade negativa como
um momento de seu processo de desenvolvimento.
196
Não fica claro como precisamente esse processo se diferencia daquilo que Habermas, na linha teórica
herdada de Kant e seu projeto crítico, chamou de “colonização”.
244
possibilidade que se abre para caracterizar determinados estados de coisas como propriamente
patológicos, isto é: como condições sociais que representam obstáculos à emancipação e cuja
superação, portanto, deve estar no horizonte da teoria crítica. Afinal, quando o sofrimento
causado pelo desrespeito enquanto violação de expectativas de reconhecimento é concebido
como algo que faz parte do desenvolvimento por assim dizer saudável das sociedades
modernas, não cabe considerar a sua ocorrência como manifestações de uma patologia social.
O sofrimento de indeterminidade, por outro lado, é fruto de processos sociais que não contêm
em si, a princípio, o impulso para a sua própria superação num estágio posterior de
desenvolvimento, nem apontam para brechas e possibilidades de transformação da realidade
social. A indeterminidade consiste, ao contrário, na própria ausência de tensão, na apatia, na
incapacidade de ação, no isolamento e na solidão. Essa incapacidade de articular o sofrimento
caracteriza, então, o que há de patológico na sociedade.197
197
É difícil não remeter essa contraposição entre desrespeito e indeterminidade (sendo que ambos causam
sofrimento) à oposição se pode implementar entre o crime e a anomia, tal como concebidos por Durkheim
(1991 [1893], 1895 e 2000 [1897]). Tanto o crime quanto o desrespeito são “normais”, ao passo que a
anomia e a indeterminidade são “patológicos”. A comparação é ainda reforçada se lembrarmos que o crime
tinha um papel central no desenvolvimento da luta por reconhecimento nos escritos do jovem Hegel
mobilizados por Honneth no livro de 1992.
245
A teoria crítica aparece aqui, então, como uma força contrária a essa tendência,
pois ela requer um posicionamento mais substancial do teórico frente à realidade criticada.199
198
Título original: “Eine soziale Pathologie der Vernunft. Zur intellektuellen Erbschaft der Kritischen Theorie”
(abreviado daqui em diante como PdV).
199
Diferentemente do texto de 1994, aqui Honneth considera a detecção de patologias sociais como
característica específica da teoria crítica, e não da filosofia social em geral. Há também uma maior
delimitação do que deve ser entendido como fenômeno patológico: ao passo que o título do ensaio de 1994,
ao utilizar a expressão no plural, faz referência a uma multiplicidade de patologias do social, agora trata-se
de uma patologia social da razão. Correspondentemente, a reconstrução da história da tradição crítica não vai
mais de Rousseau a Butler, ficando restrita ao caminho que leva de Hegel a Habermas. Isso porque a teoria
246
Na medida em que se exige um alto grau de entendimento intersubjetivo, “na teoria crítica é
pressuposto um ideal normativo de sociedade que é incompatível com as premissas
individualistas da tradição liberal” (PdV: 38de; 27en). Nos termos de Horkheimer em
“Teoria tradicional e teoria crítica”, trata-se de uma comunidade de homens livres (1975
[1937]). Por outro lado, entretanto, a teoria crítica não se alinha ao comunitarismo, na medida
em que considera que “a orientação para a práxis libertadora da cooperação não deve
resultar de sentimentos de pertencimento ou consonância, mas antes de um discernimento
racional” (PdV: 39de; 28en). O tipo de universalidade presente no quadro teórico crítico é
submetido, desse modo, aos critérios da justificação racional. Com isso, Honneth procura se
afastar do particularismo ético característico das concepções comunitaristas de filosofia
política.
Aqui, contudo, o que unifica as diferentes vozes da teoria crítica não é apenas o
fato de que todas se colocam como tarefa identificar patologias sociais que impedem, limitam
ou deformam as possibilidades de autorrealização humana: para Honneth todos os autores do
campo crítico consideram, mais especificamente, haver uma relação entre as patologias
sociais e uma racionalidade deficiente. Deste modo, a teoria crítica defende uma mediação
entre teoria e história que se expressa em um conceito de “razão socialmente efetiva” (sozial
wirksame Vernunft; PdV: 30de). O objetivo do autor reside, então, em recuperar o potencial
contestatório da ideia de uma patologia social da razão: se “o passado histórico deve ser, com
crítica ainda se apoia sobre a possibilidade de ver, de alguma forma, a razão como fio condutor da história
(PdV: 28de; 20en).
247
uma intenção prática, entendido como um processo de formação cuja deformação patológica
[...] apenas é superável quando se dá início, entre os envolvidos, a um processo de
esclarecimento” (PdV: 30de; 21en), a teoria crítica pode ter um papel fundamental na
superação prática de situações patológicas. Teoria e prática estão, aqui, necessariamente
vinculadas uma à outra.
É preciso destacar que, como de costume, Honneth procura se afastar dos aspectos
mais idealistas da filosofia de Hegel. Nesse texto, é a introdução definitiva da sociologia no
quadro teórico de referência da teoria crítica que propicia o abandono não só da linguagem
hegeliana da filosofia do espírito, como também da filosofia especulativa da história que
ainda informava, na visão de Honneth, os modelos teóricos de autores como Marx e Lukács.
A teoria crítica precisa, para o autor, apoiar-se na pesquisa social empírica como instrumento
imprescindível para avaliar, por exemplo, a incidência de patologias em determinada
sociedade e a disposição dos atores sociais para engajar-se, na arena pública, em conflitos
sociais para superá-las (PdV: 50de; 37en). Uma abordagem propriamente sociológica da
deformação da racionalidade social permite a Honneth, também, tomar distância com relação
à tendência liberal predominante na filosofia moral e política, para a qual parece ser suficiente
expor determinadas injustiças na sociedade com base em valores e normas bem
fundamentados, porém sem lastro na experiência quotidiana dos atores sociais.
A pergunta que então deve se colocar diz respeito ao conteúdo concreto dessa
ideia de racionalidade. Honneth reconhece que, de Horkheimer a Habermas, há uma grande
200
Coerentemente com a publicação, pouco tempo antes, de Sofrimento de indeterminação, Honneth recorre
aqui não mais aos escritos hegelianos de Jena, mas sim à Filosofia do direito de Hegel, onde o autor afirma
encontrar as raízes da ideia ética que pretende atualizar e fundamentar nos termos da teoria social
contemporânea.
248
variedade de concepções, mas indica também que há um ponto em comum não só entre os
autores considerados membros da teoria crítica em sentido estrito, mas também entre estes e
Hegel, qual seja: a efetivação da racionalidade historicamente latente se manifesta em uma
espécie cooperativa de liberdade, segundo a qual a autorrealização individual apenas pode ser
bem-sucedida se estiver conectada, em seus fins, com a autorrealização de todos os outros
membros da sociedade. Essa ideia, que se tornará central em O direito da liberdade, não é,
contudo, levada adiante no texto. Mais à frente, Honneth conecta a ideia de racionalização a
um grau crescente de reflexividade na superação de problemas sociais, de modo que “devem
ser distinguidos tantos aspectos de racionalidade quantos são os desafios socialmente
perceptíveis na reprodução (condicionada ao assentimento) das sociedades” (PdV: 44de;
32en). Isso não impede que a efetivação da razão seja vista como um “processo conflituoso e
estratificado de aprendizagem [...] no qual um conhecimento generalizável é forjado apenas
muito gradativamente, no curso de soluções aprimoradas para problemas e contra a
resistência dos grupos dominantes” (PdV: 43de; 31en), mas certamente restringe a ideia de
racionalidade ao aspecto funcional da reprodução social. A tensão entre essas duas formas de
conceber a “racionalidade historicamente efetiva” perpassa todo o texto – e também boa parte
do modelo crítico de Honneth.
Esse novo modo de colocar a questão das patologias sociais tem implicações
importantes. Honneth destaca a conexão que mormente existe entre a ocorrência de injustiças
ou patologias sociais e a falta de respostas a elas no espaço público: “a injustiça [Mißstand]
social possuiria então, entre outras, a propriedade de originar por seu turno precisamente
aquele silêncio ou aquela apatia que ganha expressão na ausência de reações públicas”
(PdV: 40de; 29en). A teoria crítica deve, de fato, “Diferentemente das abordagens que hoje
alcançaram dominância, vincular a crítica das injustiças sociais a um esclarecimento dos
processos que contribuíram para o seu ofuscamento geral” (PdV: 41de; 30en). Apesar de não
utilizar a expressão “crítica da ideologia”,201 Honneth dela se aproxima ao reconhecer que a
ideia do “obscurecimento da injustiça” é retirada da obra de Marx (tendo raízes nos conceitos
de fetichismo da mercadoria e de reificação) e está presente, com diferentes roupagens, em
diversos modelos críticos – nas categorias, por exemplo, de contexto de ofuscamento
201
Parece-nos que os autores da teoria crítica que vieram depois de Habermas não abandonaram a crítica da
ideologia, mas passaram a chamá-la de “distúrbios de segunda ordem”. Cf., por exemplo, Stahl (2013), Zurn
(2011) e Celikates (2009), entre outros.
249
Ora, se o que pode levar à superação das patologias sociais é justamente aquilo
que elas impedem, como se pode pensar a possibilidade da emancipação? Para Honneth, a
resposta a essa questão deve ser procurada com a ajuda de teorias sociais e psicanalíticas que
buscam “revelar as raízes motivacionais que mantêm viva no sujeito individual, apesar de
todo dano racional, a disposição para a cognição moral” (PdV: 51de; 38en). É preciso
explicar, então, de onde podem emergir as forças subjetivas que teriam a capacidade de
oferecer aos sujeitos a oportunidade de converter o conhecimento crítico em prática
emancipatória apesar de toda a “cegueira, unidimensionalidade ou fragmentação” (PdV:
49de; 36en). A saída de Honneth consiste em reconhecer que a patologia social do presente
distorce, deforma e limita a racionalidade social que é a única possibilidade de superação das
injustiças sociais – mas não a destrói inteiramente (PdV: 50de; 37en).
202
Essa ideia está de acordo com a sugestão de Freud de que “a pressão do sofrimento compele à cura mediante
precisamente as mesmas forças racionais cuja função foi prejudicada pela patologia” (PdV: 53de; 39-40en).
250
social da razão – mas não explica o que os impele nessa direção. Dito de outro modo: está
dada até o momento a possibilidade dos atores se engajarem na luta emancipatória, mas não
foi discutida a motivação para fazê-lo. É por isso que Honneth considera importante
estabelecer a conexão entre a distorção da razão como patologia social e o sofrimento
individual dela decorrente. Diz o autor: “todo desvio do ideal assim esboçado deve conduzir a
uma patologia social na medida em que os sujeitos sofrem reconhecivelmente de uma perda
de metas universais, comunais” (PdV: 34de; 24en). É o sofrimento causado pela patologia
social da razão que compele os atores sociais a se rebelarem contra a sua condição e a se
engajarem em uma luta para superá-la.
Antes de passar para o segundo passo do argumento, cabe sublinhar que está
sendo defendida aqui a tese antropológica de que os seres humanos não podem ficar
203
Diz Honneth: “nenhum indivíduo pode evitar se ver como prejudicado [beeinträchtigt] ou se deixar descrever
como prejudicado pelas consequências de uma deformação da razão porque com a perda de um universal
racional afundam também as chances de uma autorrealização bem-sucedida, apoiada sobre a cooperação
recíproca” (PdV: 51de; 38en).
204
Honneth lamenta que, apesar disso, essa ideia não foi suficientemente discutida e desenvolvida pelos autores
da teoria crítica.
251
indiferentes a uma restrição de suas capacidades racionais: “uma vez que sua autorrealização
está vinculada ao requisito de um exercício cooperativo de sua razão, eles não podem evitar
sofrer, em um sentido psíquico, com a deformação dela” (PdV: 52-3de; 39en). Essa é uma
ideia que tem origem, diz o autor, nos escritos de Freud apropriados por diversos autores do
campo crítico que foram fortemente influenciados pelo insight freudiano acerca da conexão
interna que deve existir entre um estado psicológico intacto e uma forma não distorcida de
racionalidade (PdV: 53de; 39en). Nas palavras de Honneth:
É por isso que Honneth considera essencial, para a teoria crítica, esperar de seus
destinatários um interesse latente em explicações razoáveis e interpretações racionais que
205
Nesse texto, portanto, permanece a tensão ou ambiguidade entre sofrimento subjetivamente experienciado e
sofrimento objetivamente atribuível: “Na teoria crítica, não é sempre claro se se pode falar dessa pressão do
sofrimento [Leidensdruck] que busca a cura apenas no sentido de uma experiência subjetiva ou também no
sentido de um evento ‘objetivo’” (PdV: 53de; 40en). Neste momento ainda sem muita centralidade, essa
questão será importante para a discussão das “doenças da sociedade”, que Honneth traz à tona dez anos
depois.
252
contribuem para reconstruir uma racionalidade social que pode, por sua vez, satisfazer o
desejo pela libertação do sofrimento (PdV: 54de; 40en).206
206
Uma consequência do modelo crítico defendido por Honneth é um afastamento da tradição marxista no que
se refere ao destinatário da teoria: aqui, o destinatário da teoria não é mais o proletariado, mas o conjunto dos
membros da sociedade, os quais são todos virtualmente aptos (em termos motivacionais) a buscar reativar
uma capacidade racional que se encontra reprimida, submersa. Esse pressuposto tem ainda efeitos relativos à
própria relação entre autores e destinatários da teoria: “os representantes da teoria crítica não compartilham
com os seus destinatários os mesmos objetivos ou projetos políticos, mas antes um espaço de razões
potencialmente comuns que mantém o presente patológico aberto para a possibilidade de uma
transformação mediante discernimento racional” (PdV: 54de; 40en).
253
III
LIBERDADE
254
207
Título original: Das Recht der Freiheit: Grundriss einer demokratischen Sittlichkeit (abreviado doravante
como RdF).
208
Trata-se da parte A (Presentificação histórica: o direito da liberdade), que abordaremos no item 5.1.
209
Parte B (A possibilidade da liberdade), tematizada no item 5.2.1.
210
Parte C (A realidade da liberdade), objeto dos itens 5.2.2. e 5.2.3.
211
Cf. item 5.2.4.
255
5.1.1. Direito
Segundo a história conceitual apresentada por Honneth, a liberdade negativa ou
jurídica surge com as guerras civis-religiosas dos séculos XVI e XVII na Europa. O grande
representante desta concepção filosófica de liberdade é, em sua origem, Thomas Hobbes, para
quem a autodeterminação individual repousa sobre a ausência de oposição à vontade do
sujeito. Aqui, não importa o tipo de fim perseguido pelos indivíduos; o que vale é que não
haja obstáculos externos para que ele seja alcançado.212 Com essas poucas determinações,
Hobbes considera estar suficientemente caracterizada a liberdade natural dos seres humanos.
Nas palavras de Honneth:
Não é necessário nenhum passo adicional na reflexão, uma vez que para a
realização da liberdade não cabe uma justificação dos propósitos em virtude de
pontos de vista de grau superior. “Negativa” é essa classe de liberdade, já que não
se deve voltar a questionar seus objetivos quanto à sua capacidade de satisfazer ou
não suas condições de liberdade; tampouco o devem ser quanto à escolha
existencial e aos desejos que serão satisfeitos, bastando o ato puro e desimpedido
do decidir para que a ação resultante seja qualificada como “livre” (RdF: 49de;
49pt; 40es).
Independentemente do uso político que esta concepção de liberdade pode ter tido
na época de Hobbes,213 o que permaneceu dela foi um núcleo bastante estreito que podemos
sintetizar como a capacidade de assegurar aos sujeitos uma margem de ação protegida para
212
Diz o autor: “uma vez que a liberdade do homem deve consistir em fazer tudo o que seja de seu interesse
próprio imediato, não devem ser tomadas como restrições às ações livres mesmo as complicações
motivacionais que resultam, no mais amplo sentido, de uma falta de clareza sobre suas próprias intenções”
(RdF: 45de; 44pt; 37es).
213
Trata-se afinal, segundo Quentin Skinner, de fazer oposição à crescente influência do republicanismo político
na guerra civil inglesa (RdF: 46de; 37es).
256
A teoria da justiça que parte de um conceito negativo de liberdade deve, por sua
vez, identificar os arranjos institucionais capazes de garantir um âmbito privado de ações
autointeressadas. Ela assume a forma, de modo geral, de um experimento intelectual no qual o
estabelecimento consensual de um contrato permite a abolição de um estado natural fictício,
no qual as vontades egocêntricas dos sujeitos encontrar-se-iam livres de quaisquer amarras, e
passa-se assim a um estado civil ou político no qual a liberdade individual (negativa) de cada
um é garantida mediante um acordo recíproco de não violência. E é aqui que começam a
aparecer os limites desta primeira concepção de liberdade:
Numa ordem jurídica desse tipo, os indivíduos não contam com a possibilidade de
revisar (isto é: avaliar e, dependendo do caso, renovar ou rejeitar) conjuntamente sua
214
Ele procede, então, a um rastreamento deste núcleo de sentido até os dias atuais, passando por John Locke e
John Stuart Mill até chegar em Jean-Paul Sartre e Robert Nozick. Em Nozick, há uma radicalização da ideia
negativa de liberdade somada a uma adaptação às sociedades pluralistas e altamente individualizadas do
presente: aqui, nem mesmo a racionalidade da vontade como interesse próprio é mantida como requisito para
a autonomia individual; uma vez que os seres humanos são, nesta chave interpretativa, impenetráveis uns aos
outros devido à enorme complexidade de suas pulsões e inclinações, o único critério que limita a liberdade é
a compatibilidade externa com os objetivos dos demais sujeitos (RdF: 50-1de).
257
aceitação às decisões estatais, pois não há procedimentos para a criação e revisão dos
princípios jurídicos. Como consequência, os atores sociais apenas podem medir a
legitimidade da ordem estatal de modo individual, tendo como padrão somente seus próprios
interesses (RdF: 55de; 44es).
5.1.2. Moralidade
Partir de uma liberdade apenas negativa não permite, então, conceber os cidadãos
como autores de, e capazes de revisar, seus próprios princípios jurídicos – posto que para isso
seria necessário conceitualmente acrescentar, no desejo por liberdade do indivíduo, um ponto
de vista de nível superior, segundo o qual se justificaria atribuir a ele um interesse na
cooperação com todos os demais. Para que a liberdade individual seja concebia também como
autonomia ou autodeterminação, é necessário que a própria definição dos fins almejados
possa ser considerada como um ato livre: “o que o indivíduo realiza quando age ‘livremente’
deveria poder ser visto como resultado de uma determinação que ele próprio realiza para si”
(RdF: 57de; 57pt; 45es). Sem isso, a determinação dos propósitos dos indivíduos é sempre
heterônoma, referida a forças causais.215
A liberdade reflexiva ou moral aparece no texto, então, como uma forma (mesmo
que preliminar) de superar esses limites. No entanto, ao contrário da liberdade negativa, que é
uma conquista da modernidade, a forma reflexiva remonta aos antigos. Seu cerne consiste
sobretudo em pensar uma autorrelação do sujeito: é livre aquele que se deixa guiar apenas
pelos seus próprios fins, que são determinados reflexivamente – e essa determinação não é
prévia, mas parte constituinte da própria liberdade. É o momento da autorreflexão que está
ausente na forma anterior (lógica, e não cronologicamente) de liberdade. O representante
maior dessa figura da liberdade é Jean-Jacques Rousseau, cuja obra deu origem às duas
vertentes da liberdade reflexiva na modernidade: uma fundada na ideia de autonomia e outra
215
Nas palavras de Honneth: “o conceito de liberdade negativa se refere inteiramente à liberdade ‘externa’ da
ação, enquanto seus objetivos são confiados às forças que operam de maneira causal: em Hobbes era a
natureza contingente do interesse próprio individual; em Sartre, a espontaneidade da consciência pré-
reflexiva; e em Nozick, por fim, o acaso de desejos e preferências pessoais que decidem por quais objetivos o
sujeito vai orientar sua ação”. O autor continua: “Em nenhum desses casos a liberdade do sujeito adentra a
possibilidade de estabelecer seus próprios fins, que ele deseja realizar no mundo; é sempre a causalidade,
seja da natureza interna, seja do espírito anônimo que conduz o sujeito, por detrás de suas costas, à escolha
de seus objetivos de ação” (RdF: 57de; 57pt; 45-6es).
258
No que tange à relação dessas concepções de liberdade com a ordem social justa,
o procedimento metodológico permanece o mesmo: “a partir dos conceitos que servem de
pressupostos à liberdade reflexiva, seja o da autodeterminação, seja o da autorrealização,
derivam noções a respeito de quais realidades institucionais seriam necessárias para
possibilitar o exercício da própria liberdade a todos os indivíduos” (RdF: 79de; 79pt; 40en).
216
As variedades atuais dessa vertente, dissociadas a partir das críticas de Freud e Nietzsche, consistem na que
foca na autorrealização como processo construtivo que necessita de outros padrões de medida, e na que se
dedica à autenticidade não como a descoberta introspectiva de um self imutável, mas como a combinação
entre vontades de primeira e de segunda ordem que haviam sido separadas (Harry Frankfurt).
259
nenhum dos conceitos de liberdade abordados até o momento – nem a negativa nem a
reflexiva – interpreta as condições sociais que permitem o exercício da liberdade como
elementos da própria liberdade. Trata-se, apenas, de circunstâncias sociais adicionadas
externamente, como constituintes da justiça social, mas não como inerentes à liberdade
mesma.
217
Essa ideia não é, contudo, inspirada apenas em Hegel, mas também em John Dewey, na medida em que este
indica que a experiência de um jogo mútuo e não coagido entre a pessoa e o ambiente intersubjetivo no qual
ela está inserida representa o padrão de toda liberdade individual para todo ser que, como o ser humano, é
orientado para interações com os seus semelhantes (Dewey apud RdF: 113-4de).
261
sujeitos que possuem fins autônomos, porém complementares. É neste sentido que ele fala em
desejos “universais”: trata-se de um processo de socialização por meio do qual os indivíduos
aprendem a limitar seus desejos àqueles que podem ser satisfeitos mediante a ação
complementar dos outros indivíduos. Nas palavras de Honneth: “uma vez que os sujeitos
dispõem de fins desse tipo, eles podem experienciar, nas relações de reconhecimento
correspondentes, o fato de que estão ‘a um só tempo consigo mesmos na objetividade’” (RdF:
92de; 93pt; 72es; 183-4en-2009).
218
Marx aparece aqui como um defensor da liberdade social na tradição pós-hegeliana: “Para Marx, a produção
cooperativa representa o meio institucionalizado entre as liberdades individuais de todos os membros de
uma comunidade. [...] tão logo as atividades produtivas dos indivíduos já não são mais coordenadas umas
com as outras de maneira direta pela instância mediadora da cooperação, mas sim pelo ‘mediador
estranho’ do dinheiro, assim argumenta Marx, também são perdidas de vista as relações de reconhecimento
recíproco, de modo que, ao final, cada qual se vê a si mesmo apenas como um ser acumulador,
‘autointeressado’, solitário” (RdF: 96-7de; 97-8pt; 75es; 186en2009).
219
O que diferencia as concepções hegeliana e gehleniana das instituições – e torna a primeira mais interessante
para os propósitos de Honneth – é a existência, no caso de Hegel, de um critério para determinar quais
instituições podem ser consideradas como promotoras de liberdade, enquanto que Gehlen não distingue entre
diferentes tipos de instituições, desde que elas cumpram sua função de oferecer aos atores sociais um sistema
262
Outro ponto que merece relevo diz respeito ao fato de que as instituições sociais
que regulam essas práticas não são suplementos ou condições externas para a liberdade
individual, mas o seu próprio meio interno. É aqui que Honneth procura situar a diferença da
abordagem hegeliana da vontade livre com relação à concepção de liberdade reflexiva
inspirada em Kant: este pode ficar satisfeito com a pluralidade potencial de fins individuais
desde que esses fins satisfaçam as condições da reflexividade moral, ao passo que Hegel não
pode se furtar a delimitar quais tipos de fins individuais podem ser realizados apenas graças à
mediação institucional em uma reciprocidade não coagida. Isso significa que as teorias
procedimentais da justiça, frutos da concepção reflexiva de liberdade, são compostas por dois
momentos qualitativa e logicamente distintos: 1) o estabelecimento dos critérios que tornam
uma ação livre, isto é, racional e reflexiva (a universalizabilidade das máximas de ação, por
exemplo); e, posteriormente, 2) a definição das condições sociais sob as quais a liberdade
formulada no momento anterior pode se realizar. Ou seja: aqui, a teoria da justiça depende de
uma justificação preliminar de princípios normativos e de sua subsequente aplicação a
contextos sociais concretos.220 Ora, se a liberdade social se diferencia das formas logicamente
anteriores de liberdade por incluir em si mesma, necessariamente e de saída, as condições
estável de orientação ou condução da vida e de lhes retirar, assim, o peso de uma demanda excessiva de
estímulos e instintos: “Enquanto em Hegel o ‘social’ da liberdade consiste em que instituições do ‘espírito
objetivo’ abrem para os sujeitos caminhos e estações onde eles podem realizar conjuntamente seus objetivos
em reciprocidade, a Gehlen nada interessa quanto a essa ausência de coerção do sistema de ordenamento
social; para ele, o ‘social’ da liberdade manifesta-se ao contrário precisamente em que as instituições
exercem uma pressão disciplinar, somente por meio da qual se constitui a liberdade individual do indivíduo”
(RdF: 102de; 103pt; 79es).
220
O mesmo acontece na liberdade jurídica e na concepção de justiça social correspondente.
263
sociais e institucionais que permitem a sua realização, a teoria da justiça como análise da
sociedade que Honneth pretende desenvolver a partir das reflexões críticas de Hegel não
requer um passo posterior de aplicação, separado da justificação da concepção social de
liberdade. Diz Honneth: “Se o conceito pressuposto de liberdade já contém em si as
indicações de relações institucionais, de sua exposição deve resultar, quase que por si só, o
epítome de um ordenamento social justo” (RdF: 105de; 106pt; 81es; 189en-2009). Hegel
pretende tornar a concepção da ordem social justa equivalente à soma das instituições sociais
que são necessárias para a realização da liberdade intersubjetiva dos indivíduos mediante a
garantia da possibilidade de tomar parte em relações de reconhecimento socialmente
corporificadas. Assim, diz Honneth, “toda a teoria da justiça de Hegel resulta em uma
apresentação de relações éticas, em uma reconstrução normativa daquele ordenamento
graduado de instituições nas quais os sujeitos podem realizar sua liberdade social na
experiência do reconhecimento recíproco” (RdF: 109de; 110pt; 84es; 192en-2009). Como
consequência, a teoria da justiça correspondente se torna mais robusta: se se parte do requisito
de que os indivíduos têm que estar aptos a participar em instituições de reconhecimento,
“para o centro da ideia de justiça social move-se a concepção de que determinadas
instituições, que são normativamente substantivas e, portanto, denominadas ‘éticas’
demandam garantia jurídica, proteção estatal e apoio da sociedade civil” (RdF: 115de;
117pt; 88es; 196en-2009).
Isso tem ainda outras implicações para a peculiaridade da liberdade social com
relação aos dois modelos anteriores. Neles, diz Honneth, o próprio agir é uma condição
suficiente para a liberdade – seja pelo fato de não encontrar um limite externo (liberdade
jurídica), seja por se dar no interior de uma situação reflexiva (liberdade moral). Os atores
sociais podem ser pensados, então, como suficientemente livres antes de qualquer ligação
com uma ordem ou contexto social. Essa situação é invertida na concepção social de
liberdade, na qual o sujeito só pode ser considerado livre naquele espaço em que seus fins são
preenchidos ou realizados. Inverte-se, assim, a relação entre o processo de legitimação e a
ideia de justiça social, de forma que os atores sociais precisam ser pensados como já ligados a
certas estruturas ou instituições sociais que garantem a sua liberdade antes que eles possam
ser considerados livres em um processo que protege a legitimidade da ordem social. Essa
264
uma vez que a geração de um consenso desse tipo (seja celebrando um contrato,
seja na construção da vontade democrática) se daria sob precondições segundo as
quais, por falta de vinculação institucional, os sujeitos ainda não seriam
suficientemente livres para efetivamente poderem já dispor de uma opinião e uma
perspectiva bem ponderadas (RdF: 110-1de; 112pt; 85es; 193en-2009).
Desse modo, Hegel foi levado a colocar a construção de uma ordem social justa e
de um sistema de instituições que protejam a liberdade em primeiro plano, sem o que não há
como acessar as decisões individuais ou coletivas dos atores sociais. Na leitura que Honneth
faz de Hegel, portanto, o reconhecimento em instituições precede a liberdade tanto de sujeitos
individuais isolados quanto de deliberações discursivamente formuladas. O procedimento de
legitimação não é assim simplesmente descartado, mas assume nova função: ele deve ser
aplicado ao quadro de uma ordem social já considerada minimamente justa (pelo menos em
seus ideais normativos geralmente aceitos), na qual, ao invés de fundamentar a ordem social,
o procedimento funciona como “guardador de lugar” (Platzhalter) para a prova de
legitimidade de cada indivíduo (RdF: 109de; 111pt).221
221
Consequentemente, não se extrai a ideia de justiça do procedimento, mas o procedimento é que é extraído de
ideia de justiça.
265
filósofo (e assim “delinear de maneira puramente conceitual os objetivos que todo sujeito
humano racionalmente deveria adotar”) quanto na do teórico social (“para então ajustá-los
às intenções empíricas dadas, às quais os indivíduos aspiram com base em seu crescimento
na cultura moderna”). O resultado dessa comparação corretiva, diz Honneth, são as metas
“que os sujeitos historicamente situados perseguem enquanto seres razoáveis na
modernidade” (RdF: 106-7de; 108pt; 82es; 190en-2009).
224
É importante ter sempre em vista que a apresentação hegeliana da ordem ética – isto é, das instituições de
reconhecimento que formam a eticidade – não é apenas uma construção, mas sim uma reconstrução, de
forma que não pode haver uma distância grande demais entre o ideal da ordem justa inscrito nas instituições
sociais e os valores reais de sujeitos historicamente situados. Afinal, Honneth vem pondo em relevo desde há
muito que não se trata da projeção de um ideal, mas antes de uma descrição posterior (Nachzeichnung) –
porém crítica – de relações historicamente já dadas. Desse modo, Hegel introduz um “índex histórico” na
concepção de justiça que torna impossível reduzi-la a princípios ou procedimentos universais.
267
225
Leve-se em consideração, também, a crítica que Honneth endereça a David Miller, em texto recente,
exatamente por não problematizar sua tripartição da “eticidade” em esfera pública política, mercado e
comunidade (cf. item 6.2.4.).
226
O autor se contrapõe aqui à interpretação de Marx do direito liberal como instrumento ideológico das classes
dominantes.
268
autonomia privada” (RdF: 143de; 143pt; 109es).227 A relação entre os direitos políticos e os
direitos liberais de primeira geração é mais difícil estabelecer. Enquanto as duas primeiras
formas discutidas de direito permitiam ao indivíduo se retirar do âmbito comunicativo da
justificação pública de normas de ação, o próprio conceito de direitos políticos “remete a uma
atividade que só pode ser exercida em cooperação ou, ao menos, em um intercâmbio com os
demais partícipes do direito” (RdF: 144de; 110es). Segundo essa distinção, que lembra a
distinção de Isaiah Berlin entre a liberdade negativa dos modernos e a liberdade positiva dos
antigos, os sujeitos podem então assumir dois papeis: destinatários (direitos civis individuais
e sociais) e autores (direitos políticos) das leis que instituem e garantem os direitos
subjetivos.
Nesse sentido, podemos dizer que a ordem jurídica igualitária moderna tem duas
funções intimamente conectadas: a proteção tanto da autonomia privada quanto da autonomia
coletiva. E é nessa dupla função que Honneth identifica o sentido ético e, portanto, a “razão
de ser” (Daseinsgrund) da liberdade jurídica. Nas palavras do autor,
227
Essa redução da categoria dos direitos sociais a pré-condições materiais dos direitos civis liberais vai de par
com a redução do ideal de igualdade a uma mera predicação da liberdade, tomada como o valor moderno por
excelência.
270
Se compararmos a posição que o direito (no sentido jurídico mais estreito) ocupa
em Luta por reconhecimento com seu papel em O direito da liberdade, ficará claro que ele foi
como que expulso da eticidade. No livro de 1992, o direito corresponde ao segundo padrão
das relações de reconhecimento, permitindo que os sujeitos construam seu autorrespeito e sua
autonomia como pessoas de direito mediante o respeito a todos os outros como pessoas de
direito. Além disso, a imposição de cada nova classe de direitos representada pela passagem
dos direitos civis de liberdade individual para os direitos políticos de participação e deste para
os direitos sociais de bem-estar (segundo a classificação de Marshall) é vista como imposta
historicamente numa luta por reconhecimento centrada na exigência de ser um membro com
igual valor da coletividade política (KuA: 191). Já na obra de 2011, Honneth concebe o
direito de forma muito mais limitada, como o âmbito unicamente do exercício de uma
229
Essa patologia é ilustrada pela disputa judicial descrita no filme “Kramer vs. Kramer”, de 1979.
230
Honneth ilustra a segunda patologia com a figura do indeciso, que aparece em diversos romances
contemporâneos.
273
Mas a liberdade moral tem, também, um sentido positivo. Ela não pressupõe
apenas que possamos recusar expectativas de papéis com base em razões compreensíveis
universalmente, mas também que devamos orientar nossas ações de acordo com uma
autolegislação que parte da interioridade do sujeito, mediante uma reflexão acerca da sua
aceitabilidade geral. Honneth analisa duas maneiras de interpretar esta tese, partindo para
tanto da tradição kantiana da autonomia e de suas interpretações por parte de Christine
Korsgaard e Jürgen Habermas: a verificação deliberativa da orientação da ação medida pela
274
universalizabilidade de motivos normativos racionais pode ser compreendida (a) como uma
coerção transcendental ou racional de nossa autoconfirmação ética (Korsgaard) ou (b) como o
resultado de uma transformação de nossas ideias morais mediante um processo histórico de
aprendizagem sociocultural (Habermas).
Para Honneth, o valor ético dessa ideia de liberdade está na inseparabilidade que
ela implica entre distanciamento radical e acordo geral, entre desprendimento do que é dado e
275
consenso universalista, entre respeito pelo indivíduo e sua inclusão na comunidade social, em
suma: entre individualidade e generalidade. O autor afirma, então, que a liberdade reflexiva
“promete ao indivíduo ou grupo cooperante que não perderá o consenso com o restante da
humanidade ao colocar entre parênteses o mundo da vida social e orientar-se segundo a lei
ética” (RdF: 190de; 191pt; 142es). Em resumo, podemos dizer que a ideia da liberdade moral
ocupa um lugar legítimo na estrutura institucional de sociedades modernas porque reconhece
e garante que todo indivíduo possa justificadamente se recolher a uma atitude reflexiva
quando recusa imposições sociais de papéis e normas estabelecidas de ação.
Honneth nota que essa objeção coincide com a crítica de Hegel à filosofia prática
de Kant, segundo a qual o procedimento kantiano de verificação das máximas apenas pode
ocorrer sob a condição de regras de convivência social aceitas previamente (RdF: 151es). Isso
não significa que devamos aceitar tais regras como fatos imutáveis, mas que tampouco
podemos ignorar que elas existem. Nas palavras de Honneth:
orientadas, é criada a ilusão de uma posição não situada, imparcial. Esse “ofuscamento
[Ausblendung] ilusório de toda facticidade normativa” pode levar a duas formas patológicas
distintas da liberdade moral: o tipo moralista de personalidade e as formas de terrorismo
fundamentadas na moral (RdF: 207de; 153-4es).
Mas, tão logo o contexto limitador é posto entre parênteses, tão logo se tenha
procedido como se já não fôssemos previamente obrigados por normas de ação
elementares, surge a ficção de um sujeito desvinculado, que tem de obter todos os
seus princípios pela perspectiva abstrata de uma humanidade universal; os
objetivos de vida que tal sujeito pode ser propor carecem ao fim de toda coloração
pessoal, pois no exercício da autonomia individual, é preciso se abstrair de todas as
obrigações concretas que, como pressupostos normativos de nossas relações
intersubjetivas, compõem o núcleo de nossa identidade (RdF: 210de; 213pt; 156es).
A segunda patologia da liberdade reflexiva consiste no surgimento de ideologias
terroristas fundamentadas na moral. Neste caso, o que pode ter começado como uma boa
intenção acaba se convertendo, na medida em que evoca apenas os interesses anônimos da
parte oprimida da humanidade em geral, em violência revolucionária:
Honneth não dedica muito espaço a esta segunda patologia, afirmando que se trata
de “algo que se pode, antes que reconstruir, apenas intuir em uma distância retrospectiva”
(RdF: 161es).
*
Assim como no caso da liberdade negativa ou jurídica, o valor da liberdade
reflexiva ou moral reside em uma “tomada de distância puramente negativa com respeito a
um contexto de práticas já estabelecido” (RdF: 204de; 152es). Quando ocorrem conflitos de
ação causados pelas tensões presentes em um mundo da vida ético, os sujeitos – como
indivíduos ou membros de uma comunidade discursiva – podem verificar os princípios de
suas atitudes a partir da análise de sua universalizabilidade e, assim, apontar uma solução que
possa ser tanto defensível racionalmente quanto aceita individualmente. A liberdade moral é,
assim, empregada por aqueles que procuram tomar distância das práticas institucionalizadas
no mundo da vida ética para poder voltar a se vincular a elas sendo capaz de justificar
publicamente a adoção de determinadas práticas sociais ou a rejeição de demandas
consideradas inaceitáveis ou incompatíveis. Desse modo, a liberdade moral tem, como a
279
A negatividade inerente aos dois tipos de liberdade pode ter, não obstante,
interpretações distintas. Enquanto que no exercício da liberdade jurídica o indivíduo faz uso
de seus direitos subjetivos ao se retirar do contexto da vida ética para poder, assim, adquirir
para si um âmbito livre de intervenções externas para determinar seus objetivos de vida
pessoais, a adoção dos mecanismos reflexivos que caracterizam a autonomia moral tem como
finalidade última a retomada (crítica, pois envolve uma recusa racional e discursivamente
justificada) dos laços suspensos durante a prova de universalizabilidade. A negatividade da
liberdade moral tem, portanto, uma força transformadora que não está presente na liberdade
jurídica, cuja negatividade reside não em criticar racionalmente, mas em suspender o juízo
acerca das demandas normativas da ordem ética. Na liberdade moral, diz Honneth:
Se, na discussão dos limites das formas negativa e reflexiva da liberdade, Honneth
descreve as patologias sociais como “desenvolvimentos sociais que levem a uma notável
deterioração das capacidades racionais dos membros da sociedade de participar de formas
231
Uma outra diferença consiste em que o direito é garantido pelo Estado, enquanto as condições para o
exercício da reflexão moral não são necessariamente sancionadas de forma estatal, mas dependem de sanções
informais (do sentimento de culpa e de vergonha, por exemplo) que compõem o arcabouço de um sistema de
ação institucionalizado socialmente.
280
decisivas da cooperação social” (RdF: 157de; 157pt; 119es; 86en), elas se diferenciam da
ideia de injustiças sociais porque estas consistem em condições não necessárias de exclusão e
vilipêndio das oportunidades de participação paritária, enquanto que as patologias
propriamente ditas operam em um nível mais alto da reprodução social, isto é, no nível
reflexivo que permite o acesso aos sistemas primários de normas, práticas e ações sociais.
232
É importante destacar que esse fenômeno tem causas sociais, isto é: “aquele que não está em condições de
compreender o uso racional de uma determinada prática socialmente institucionalizada não está
psiquicamente doente, mas apenas desaprendeu, em razão de influências sociais, a praticar adequadamente
a gramática normativa de um sistema de ação que, no fundo, é conhecido intuitivamente”(RdF: 157de;
158pt; 119es). Os sintomas dessas patologias tampouco se expressam individualmente, como
“extravagância” ou “desvio de caráter”, por exemplo.
233
Honneth apoia-se aqui em Zurn, 2011. Para uma crítica convincente da interpretação de Zurn sobre a obra de
Honneth e da influência que ela acabou tendo em escritos mais recentes do autor, cf. Freyenhagen, 2015.
234
Não é fácil, segundo Honneth, chegar a uma descrição acurada de tais fenômenos: “No entanto, apenas
raramente encontramos sintomas desse tipo diretamente sob a forma de resultados de levantamentos
empíricos: instrumentos de análise da pesquisa sociológica são, mesmo quanto empregados
qualitativamente, por demais grosseiros para poder trazer à luz estados de ânimo difusos ou sensibilidades
coletivas desse tipo” (RdF: 158de; 159; 119-20es).
281
análise da sociedade, esta ideia praticamente desaparece no restante do texto. Para se ter uma
ideia, a palavra “injustiça” (Ungerechtigkeit) aparece apenas duas vezes nas mais de
seiscentas páginas que compõem o livro. Honneth não esclarece a interação concreta possível
entre injustiças e patologias sociais (isto é, entre distúrbios de primeira e de segunda ordem),
ou entre injustiças e anomalias sociais (são ambas de primeira ordem? O que difere uma da
outra?), e tampouco discute as causas e as formas de manifestação peculiares das injustiças
sociais. Tivesse Honneth seguido esse caminho, poderiam ter sido articuladas produtivamente
as perspectivas da injustiça (experiência de desrespeito) e da patologia (sofrimento de
indeterminidade).
correspondente. Nas liberdades jurídica e moral, as práticas normativas que decorrem das
regras de ação correspondentes carecem de autonomia e dependem de uma complementação
por parte dos complexos de ação do mundo da vida. Isso não é visível quando elas são
colocadas em prática, de modo que o caráter parcial de tais formas de liberdade aparece como
o seu contrário, isto é, como absoluto. Por isso, diz Honneth, tais patologias podem ser
atribuídas a um “convite” do sistema de ação subjacente à forma de liberdade em questão a
considerar a mera possibilidade da liberdade como toda a sua realidade (RdF: 231de; 172es).
Já nas esferas éticas de realização da liberdade social, as regras normativas de ação
subjacentes não demandam a inclusão de práticas externas, pois o seu uso racional não precisa
ser aperfeiçoado por uma reconexão com o mundo da vida – de modo que não há, aqui, a
tentação de tomar a parte pelo todo. Por sua própria natureza, a concepção social de liberdade
não pode ser unilateralizada, absolutizada, exagerada de alguma forma para fora dos seus
limites. Sendo uma forma mais desenvolvida, encarnada, por assim dizer, a liberdade social é
limitada apenas externamente, ao contrário das formas negativa e reflexiva, cujos limites
internos é que levam à passagem para uma forma mais abrangente. Assim, diz Honneth, os
desenvolvimentos anômalos com os quais nos topamos nas instituições relacionais “não são
desvios induzidos pelo sistema, não são ‘patologias’ em sentido estrito; tratam-se, antes, de
anomias cujas fontes não podem ser encontradas nas regras constitutivas dos respectivos
sistemas de ação, mas em outros lugares” (RdF: 231de; 234pt; 172es). Mas que lugares são
esses?
Uma vez que o próprio Honneth não procurou apresentar as anomalias sociais de
modo sistemático, a busca por uma estruturação dos argumentos por ele utilizados torna-se
não apenas custosa, como também arriscada. Assumindo o risco de atribuir à obra um arranjo
que não está nela presente de forma intencional, procuramos reorganizar o texto de Honneth
de acordo com nossa hipótese de interpretação: a partir de uma leitura detida da terceira parte
do livro, foram identificadas três anomalias fundamentais e três críticas correspondentes: a
exclusão (socioeconômica), a desagregação (sociocultural) e a alienação (sociopolítica), que
são objeto, respectivamente, das críticas social-distributiva, cultural-relacional e político-
reflexiva.235 Todas elas se manifestam em cada uma das esferas da eticidade (ver tabela 1).
235
Nossa estruturação é em parte influenciada pela distinção entre “crítica social” e “crítica artista” de
Boltanski & Chiapello (1999).
236
Apesar de reconhecer a ameaça representada pelos imperativos do mercado capitalista para as relações de
amizade, o autor questiona o alcance empírico de tal afirmação e mantém uma visão otimista dessa
instituição social. Para Honneth, a amizade “pode ser, dentre todas as relações pessoais de nossos dias,
aquela que possui a maior força de persistência em meio aos acelerados processos de individualização e
flexibilização. Se, além disso, se considerar que esse tipo de amizades se estende hoje, mais fortemente que
284
↑ Competição
↓ Tempo para cultivar Ø
Amizade amizades ↓ Relações
desinteressadas
↓ Disposição para
Relações ↓ Tempo para cultivar aceitar
papéis
obrigações de
Ø
Amor relações íntimas
pessoais complementares e
laços duradouros
↓ Segurança
financeira ↓ Reconhecimento das ↓para
Preparação das crianças
a participação na
Famílias ↓ Tempo para a atividades de cuidado comunidade política
convivência familiar
Mercado
↑ Mecanização
↑ Individualização da ↑ Controle da classe
↑ Pauperização social responsabilidade trabalhadora
↑ Instabilidade ↑ Competição ↓ Sindicatos
Trabalho ↓ Mecanismos discursivos de
↓ Salários ↑ Estratificação
articulação coletiva de
↓ Cooperação interesses
↓ Reconhecimento
↑ Desacoplamento esfera
Esfera ↑ Exclusão cultural- pública x aparato estatal
identitária (racismo,
pública discriminação de ↑ Impermeabilidade do
↑ Exclusão sócio- Estado
econômica gênero, xenofobia)
Esfera ↑ Corporativismo liberal
Política ↑ Estratificação entre ↑ Nacionalismo
classes sociais ↑ Competição ↑ Desencantamento e apatia
Estado de com a política
↓ Horizonte cultural
direito comum ↓ Esferas públicas
alternativas
antes, para além de todas as fronteiras das classes sociais, que mal se detém a diferenças étnicas e que
perdem, cada vez mais, também a vinculação a um lugar em comum, então talvez se possa reconhecer nelas
o fermento mais elementar de toda eticidade democrática” (RdF: 252de; 255-6pt).
285
240
A relação entre as três esferas éticas será abordada em detalhe mais adiante (cf. item 5.3.2.).
287
b) Anomalias do mercado
241
Note-se que nenhuma destas críticas diz respeito exclusivamente à esfera do consumo ou à esfera do
trabalho; tampouco as anomalias que lhes correspondem afetam de forma suficientemente diferente
trabalhadores (os quais Honneth chama frequentemente de “produtores”) e consumidores.
288
Mas Honneth aponta ainda uma série de outras anomalias que acometem o âmbito
distributivo e estão direta ou indiretamente relacionados à pauperização social, tais como a
instabilidade no emprego (que gera sentimentos de injustiça e impotência nos sujeitos
atingidos), a desvalorização dos salários (que conecta-se não apenas à deterioração das
condições objetivas de vida dos trabalhadores, mas também a uma diminuição correspondente
do reconhecimento social de suas atividades laborais), e a exploração econômica do trabalho
(já que, como sabemos desde Marx, os trabalhadores são obrigados, por suas condições
sociais, a firmar contratos que são invariavelmente abusivos, na medida em que os colocam
em grande desvantagem com relação aos empregadores e que os compelem, muitas vezes, não
só à aceitação da exploração de sua força de trabalho como ao exercício de atividades laborais
degradantes).242 O autor destaca também os graves efeitos negativos da especulação
financeira e da destruição ambiental, frutos do caráter não regulado da comercialização do
dinheiro e da terra – bens que, de acordo com Polanyi, precisam ser introduzidos no mercado
sob estrita supervisão.
242
É preciso destacar que Honneth diferencia sua abordagem daquela de Marx na medida em que procura tomar
como desafios os déficits de liberdade que este aponta, o que implica em reconhecer na falta de liberdade nos
contratos e na exploração do trabalho não a existência de déficits estruturais que só podem ser eliminados
com a abolição do sistema capitalista, mas sim desafios colocados pela própria promessa normativa do
mercado, que devem então poder ser resolvidos no interior do sistema de mercado mesmo.
243
Essa é a dimensão a que Honneth dedicou mais atenção ao longo de sua obra, de modo que alguns intérpretes
acabaram por considerá-la como o todo do conceito de reconhecimento.
289
244
Segundo a interpretação de Polanyi, isso é resultado de não incluir o trabalho (como o dinheiro e a terra, já
mencionados) no rol de bens cuja inserção no mercado deve ser supervisionada de perto para evitar
distorções graves e os distúrbios sociais que delas decorrem.
245
É importante destacar que os fenômenos de individualização da responsabilidade e da flexibilidade no
ambiente de trabalho (e para além dele), que são aqui consideradas anomalias denunciadas pela crítica
cultural-relacional, aparecem na teoria de Boltanski & Chiapello (1999) precisamente como respostas à
crítica artista. Na medida em que conduzem a novos distúrbios nas relações sociais, essas respostas podem
ser consideradas paradoxais, no sentido desenvolvido por Honneth nos textos acerca dos paradoxos da
modernização capitalista (cf. Honneth 2001 e 2002, e Honneth & Hartmann, 2004).
290
246
Para Honneth, as cooperativas de consumo que surgiram na Inglaterra a partir das ideias de Richard Owen,
bem como as corporações descritas por Hegel e as cooperativas de produção que surgiram posteriormente são
verdadeiras “escolas de socialização moral” (RdF: 370de), nas quais os indivíduos compartilham
publicamente táticas para burlar a lógica de lucratividade das empresas capitalistas e que representam a
tentativa (ao final, malsucedida) de socialização do mercado a partir de baixo.
291
desapareceram, os sindicatos não apenas continuaram a existir, como até ganharam força e
aumentaram sua taxa de adesão nos trinta anos gloriosos que caracterizaram o pós-guerra,
tendo assistido apenas a partir da década de 1990 a uma pronunciada decadência. O problema,
no caso dos sindicatos, é que eles ficaram, mesmo em seu auge, virtualmente restritos ao
papel de organização de interesses no sentido mais limitado do termo, vale dizer, à articulação
de demandas imediatas e muitas vezes apenas monetárias, falhando assim na tarefa crucial de
promover espaços e mecanismos de fomento de solidariedade entre os trabalhadores, bem
como de fortalecimento de sua autoconsciência coletiva. Contribui para esse processo a
“domesticação” das tentativas de realizar reformas sociais mais substanciais, fruto de uma
conjunção de fatores econômicos e culturais.247 O mercado parece ter a capacidade de
transformar as contestações de sua lógica subjacente em ideologias que levam a restruturações
não hostis, mas sim amigáveis e até mesmo favoráveis ao capitalismo.248 Assim, por exemplo,
apesar de os trabalhadores encontrarem-se mais protegidos e valorizados sob o Estado de
bem-estar do que em toda a existência do sistema de mercado, as políticas sociais do período
tenderam a atomizá-los, tratá-los como sujeitos jurídicos monológicos e autocentrados, e a
excluí-los das comunidades das quais faziam parte. Por outro lado, as estratégias de marketing
cada vez mais elaboradas utilizadas pelas empresas passaram a ter um poder crescente sobre
as preferências, os costumes e a autoimagem dos consumidores, tornando-os mais suscetíveis
aos imperativos do mercado e à lógica da valorização capitalista. O indivíduo isolado torna-
se, assim, menos apto a se ver como membro de uma classe autoconsciente, deixando de
realizar esforços para exercer influência sobre os rumos da esfera produtiva e, assim, alcançar
um grau mais elevado de codeterminação no mercado (o que é potencializado pela a ausência
de mecanismos discursivos de participação real nas empresas). Como resultado, observa-se a
pacificação e o controle dos trabalhadores, além de um acentuado desequilíbrio de poder entre
estes e a elite econômica e política (os empregadores e proprietários dos meios de produção).
Honneth confere destaque aos sentimentos de injustiça manifestados pelos atores sociais
quando algum processo é por eles percebido como uma violação de expectativas normativas
legítimas. Nesse sentido, o autor reconhece uma série de formas não verbais de resistência,
como a subversão quotidiana de determinados imperativos do mercado e o desenvolvimento
de estratégias silenciosas de evasão de exigências consideradas excessivas. À diferença de
seus escritos mais antigos (especialmente os que vão da década de 1980 até Redistribuição ou
reconhecimento?), entretanto, Honneth põe em relevo também o caráter amplamente
inadequado das tentativas de tradução propriamente política dos sentimentos de injustiça e
desrespeito que afloram em tais práticas individualizadas e privatizadas de resistência. Sem
fóruns apropriados para tematizar de forma reflexiva as diferenças que os separam e sem os
mecanismos discursivos para negociar conjuntamente soluções para os problemas que lhes
afetam, os indivíduos são privados da possibilidade de articular uma revolta coletiva e
discursivamente estruturada.
Se o próprio mercado não parece ter sido capaz, até o presente momento, de
fornecer os dispositivos que permitiriam a conversão política daquilo que Hegel chamou de
“indignação” (Empörung) em assuntos públicos e sujeitos às exigências de justificação moral
e comunicativa, eles precisam ser buscados alhures. Isto não implica que o mercado seja
desprovido de orientações normativas de valor, mas sim que ele carece dos meios adequados
para fazê-las valer:
Para que o mercado seja concebido como uma esfera da liberdade social, é preciso
que tais normas sejam “em geral” respeitadas (RdF: 241es). Honneth considera, contudo, que
somente a problematização das anomalias do mercado no discurso público pode levar às
transformações almejadas.
249
Em Redistribuição ou reconhecimento?, Honneth chega a afirmar que o capitalismo é uma “ordem de
reconhecimento”.
250
Honneth considera que a expressão não é suficiente para descrever a desorganização da economia capitalista
nos países ocidentais; por isso ele evita o termo e, quando o utiliza, o faz sempre entre aspas.
294
quanto a do Estado constitucional, o terceiro diz respeito justamente à relação (ou a falta dela)
entre estes dois âmbitos.
251
Esse quadro difere dramaticamente do período anterior à Segunda Guerra, quando havia o que Honneth
chama de “vida pública proletária”, contrária à ordem dominante. Há um século, existia na Inglaterra, na
França e na Alemanha uma esfera pública midiática autônoma das classes despossuídas, na qual uma
“consciência de classe” podia ser articulada comunicativamente em uma imprensa organizada, mesmo
permanecendo restrita a tais espaços alternativos.
296
252
Nesse sentido, a exclusão denunciada como anomalia pela crítica social-distributiva mostra que ela não trata
unicamente da distribuição de bens econômicos ou materiais, mas também de poder e reconhecimento (ponto
de vista que aproxima nosso autor da concepção de “poder simbólico” e Bourdieu e da noção de autoestima
como parte dos “bens básicos” de Rawls, ao mesmo tempo que o afasta da ideia de “políticas de identidade”
de Iris Young, autora que considera que poder e reconhecimento não podem ser objeto de distribuição,
requisitando a utilização de uma gramática inteiramente diversa do vocabulário econômico).
253
Considerado o desenvolvimento anômalo por excelência da esfera política, o regime nacional-socialista na
Alemanha expôs o quão frágeis são as conquistas e avanços reconstruídos em termos de liberdade social.
Trata-se, para Honneth, de uma anomalia tão estranha ao desenvolvimento da liberdade individual na esfera
da formação da vontade democrática que tal período é considerado um “outro” impossível de reconstruir
normativamente.
297
Para Honneth, aliás, essa uma das anomalias mais acentuadas que afetam a esfera
política: a exclusão fundada nas desigualdades socioeconômicas. De acordo com a
interpretação desenvolvida no livro, o Estado constitucional moderno foi marcado desde seus
primórdios por uma seletividade classista mediante a qual os extratos sociais mais altos
procuraram garantir seus interesses econômicos em face do restante da sociedade – em que
pese a função declarada do sistema político de representar a vontade geral da população em
seu conjunto. Na medida em que são contrariados os princípios normativos que estão na sua
base, o exercício seletivo, parcial, opressor e muitas vezes violento do poder de controle do
Estado representa um uso ilegítimo da autoridade que lhe é outorgada sob determinadas
condições. Exemplos bastante ilustrativos desse fenômeno são a proibição histórica e
marginalização atual de organizações trabalhistas em diversos países considerados
democráticos, de um lado, e, de outro, a ocupação de boa parte das posições do aparato
burocrático do Estado por membros das classes economicamente dominantes, o que conduz a
uma arbitrariedade (classista) na implementação das deliberações alcançadas na arena pública.
Essa situação anômala apenas pareceu ser mitigada pelo acordo característico do
pós-guerra entre governos, elites econômicas (mediantes associações patronais) e a classe
trabalhadora (mediante associações trabalhistas e sindicatos). Tal corporativismo liberal é
problemático porque, em primeiro lugar, a melhoria das condições de vida dos trabalhadores
encontra seu limite nos imperativos de lucratividade do mercado (o que ficou patente nas
298
crises econômicas a partir dos anos 1970), e, em segundo, porque sendo articulados em um
âmbito extraparlamentar, tais acordos acabam por evadir e, assim, solapar os mecanismos
constitucionais de deliberação política característicos das sociedades democráticas. O quadro
atual não é muito diferente daquele do fim do século passado: com o estabelecimento do
consenso neoliberal, ficou cada vez mais claro que, apesar de contar com canais e
mecanismos democráticos, o sistema político continuou a privilegiar as demandas da elite
econômica, obstruindo o exercício da autonomia legislativa de grandes parcelas da população
– o que deu ensejo ao conceito crítico de “pós-democracia”.
A esfera política, assim como a das relações pessoais, é acometida por graves
anomalias quando os imperativos de lucratividade capitalista se sobrepõem às expectativas
normativas específicas dessas esferas. A priorização das exigências impostas pelo mercado
299
não apenas ocasionou uma parcela bastante significativa dos desenvolvimentos anômalos
observados pelo autor, como se associou historicamente a formas já existentes de
desenvolvimentos anômalos – tais como o racismo, a xenofobia, o nacionalismo e a
discriminação de gênero – reforçando e potencializando-as reciprocamente.
Por um lado, Honneth admite que a autolegislação que ocorre nas complexas
estruturas da formação da vontade democrática é frequentemente reconhecida como o centro
ativo da ordem institucional como um todo, já que se espera que ela produza uma regulação
político-jurídica das outras esferas sociais. É preciso tomar cuidado, por outro lado, para não
atribuir um poder criativo exagerado ao processo democrático, uma vez que as medidas
tomadas no âmbito do Estado de direito não conseguem influenciar por completo as demais
instituições relacionais (RdF: 613de; 329en; 438es). O autor considera ter mostrado que tanto
as relações pessoais quanto o sistema econômico de mercado têm normas autorreferenciais
próprias, que são ligadas, por sua vez, a formas independentes de liberdade social e não
prescindem forçosamente, para sua realização, de intervenções jurídico-políticas. Os avanços
que observamos ao longo do tempo devem ser considerados, ao contrário, fruto de conflitos
sociais que transformam a percepção coletiva e que mobilizam os princípios de liberdade
correspondentes. Muitas vezes, assim, o direito apenas tornou juridicamente vinculantes
melhorias que já haviam sido conquistadas mediante lutas sociais. 254 Para Honneth, portanto,
254
Isso leva o autor a questionar as teorias da justiça contemporâneas que se guiam quase que exclusivamente
pelo paradigma legal: é preciso, ao contrário, levar em conta a sociologia e a historiografia, já que estas
disciplinas têm, segundo Honneth, uma maior sensibilidade para transformações cotidianas no
comportamento moral dos sujeitos.
300
Ainda assim, existem duas razões pelas quais a terceira esfera ética possui um
caráter especial. Em primeiro lugar, de acordo com princípios constitucionais modernos, os
órgãos estatais estão autorizados de forma legítima a tornar os avanços alcançados mediante
301
Na esfera política há, portanto, uma reflexividade institucionalizada que pode ser
mobilizada para colocar em evidência e trazer para a discussão temas que, por conta de
desenvolvimentos anômalos e processos de dominação, acabam sendo retirados do debate. É
nessa esfera, portanto, que podem ser combatidas diretamente as anomalias de segunda
ordem. Isso porque as normas autorreferenciais do próprio processo democrático instauram
sobre os cidadãos de uma comunidade política a coerção de ter que tomar partido de tudo
aquilo que, em determinado momento histórico, contribui para a realização dos princípios
institucionalizados de liberdade. O autor reconhece, contudo, que critérios normativos
compartilhados apenas podem ser alcançados se houver, na sociedade, um horizonte cultural
comum, um sentimento conjunto de pertença – que é o que permite o próprio processo de
construção da vontade na esfera pública democrática. A partir dessa consciência histórica,
255
Não fica claro se Honneth relaciona essa discussão na seção final do livro com o que foi dito anteriormente
sobre a liberdade jurídica. Este poderia ser, aliás, um caminho para integrar as duas reconstruções realizadas
no livro: mostrar histórica e concretamente a medida em que a orientação jurídica das ações tem um efeito
positivo ou negativo para a realização da liberdade social. Note-se, no trecho que segue, a semelhança com a
função da liberdade jurídica tal como descrita na seção B.I.1 de O direito da liberdade.
302
Ao longo de toda a terceira parte do livro, contudo, o destaque fica por conta da
autonomização dos imperativos de lucratividade do mercado como desenvolvimento anômalo
da esfera econômica, e sua penetração nas esferas vizinhas como causa de uma série de novas
anomalias e a potencialização das já existentes. Trata-se, para Honneth, de uma força
dessocializante muito poderosa que afeta decisivamente as relações sociais, seja privando os
indivíduos das condições básicas para o exercício adequado de suas funções complementares,
seja transformando a própria forma deles interagirem entre si no sentido de satisfazer as
demandas cada vez mais exigentes do mercado capitalista. São prejudicadas, assim, tanto as
relações desinteressadas e afetuosas entre parceiros amorosos, amigos e membros da família
quanto a capacidade dos cidadãos de, em conjunto, formular discursiva e politicamente
respostas para os problemas sociais que lhes afetam como um todo.
256
Como visto na análise da esfera política, estamos diante de um processo de esvaziamento da força normativa
representada pelo paradigma da nação, sem que tenha, até o momento, aparecido uma alternativa viável no
horizonte político. Honneth encerra o livro contrapondo-se à ideia de patriotismo constitucional, solução
proposta por Habermas, entre outros, para consolidar um sentimento comum de solidariedade que pudesse
capacitar os cidadãos para uma participação ativa e engajada na esfera pública política. O patriotismo
constitucional permanece, diz o autor, muito estreitamente ligado ao meio do direito, e a narrativa de triunfos
e derrotas na luta compartilhada por liberdade é algo que abarca muitos mais eventos históricos do que as
lutas pela efetivação de normas constitucionais. As demandas morais dos movimentos sociais que lutam por
liberdade não podem ser resumidas às demandas legais das constituições europeias.
303
257
Apesar do autor afirmar, de certa forma, que a esfera das relações pessoais detém uma posição privilegiada
(RdF: 276de), essa ideia não encontra eco no restante do livro. Como visto, Honneth destaca o caráter
peculiar tanto do mercado quanto da esfera pública política, sendo que às relações familiares, de amizade e
de amor (mais uma vez) cabe um espaço reduzido tendo-se em vista o conjunto da obra.
304
É preciso destacar, então, que tanto quando se trata das patologias quanto dos
desenvolvimentos anômalos estamos diante da perda do caráter social da liberdade. As
305
258
Existem, ainda, uma série de problemas relacionados à distinção da origem – interna ou externa – dos
fenômenos sociais negativos. Em primeiro lugar, há contraexemplos dessa distinção no próprio livro de
Honneth. Assim, por exemplo, as patologias da moralidade não são causadas apenas pela extrapolação (no
tempo e nos campos de ação) dos limites da verificação da autonomia moral, mas também por um exercício
falho da liberdade moral dentro de seus próprios limites, que é o que acontece quando o indivíduo se alça à
posição de legislador universal e imparcial do mundo social como um todo. A liberdade moral, por um lado,
produz sua própria unilateralidade e é, assim, limitada internamente; por outro lado, entretanto, ela não pode
ser considerada a causa do exercício falho e unilateral pelos indivíduos, o que complica a distinção entre
causas externas e internas das patologias e anomalias sociais. Outro exemplo são os distúrbios causados pelo
nacionalismo, analisados na parte C do livro, que podem ser atribuídos ao excesso de um princípio interno à
liberdade social, já que o desenvolvimento da esfera pública democrática contou com a ajuda da formação
dos Estados nacionais e das culturas nacionalistas (cf. Freyenhagen, 2015). Outra questão, não menos
importante, que se deve colocar neste contexto diz respeito à complexidade dos nexos causais que estão na
base dos distúrbios sociais, o que torna especialmente custoso, se não impossível, diferenciar a origem (em
sentido forte) de uma patologia ou desenvolvimento anômalo da sua forma de manifestação. Um exemplo
pode tornar isso mais claro: todos os distúrbios que assumem a forma de uma legislação vinculante são
necessariamente frutos de uma patologia da liberdade jurídica, ou pode se tratar de um fenômeno que tem
origem na liberdade moral ou mesmo na liberdade social mas que é implementado mediante instrumentos
legais? Esta e outras questões do gênero não são problematizadas por Honneth e não parece fácil encontrar
uma resposta a elas a partir de O direito da liberdade.
306
Por que tipo de sofrimento cada uma é responsável? Como alocar as patologias que não são
rigorosamente internas e as anomalias que não são propriamente externas? Como o autor não
chega a abordar estes problemas, o argumento do livro acaba sendo enfraquecido por uma
cisão que não é suficientemente justificada. Nos parece que a distinção feita por Honneth na
segunda parte do livro e posteriormente abandonada, aquela entre patologias de primeira e de
segunda ordem (entre injustiças sociais e patologias sociais “propriamente ditas”), poderia
oferecer um caminho mais produtivo.
Cabe também notar que tampouco o sentido ético das formas anteriores de
liberdade é substancialmente examinado na “análise da sociedade” da terceira parte do livro.
Afinal, as formas anteriores de liberdade não são apenas fontes de patologias (o que acontece
quando elas são unilateralizadas e tomadas como o todo da liberdade), mas também têm a sua
razão de ser (quando permanecem dentro dos limites de seu âmbito de ação). Para além das
passagens em que o direito exerce timidamente o papel de institucionalização jurídica de
conquistas em termos de liberdade social (como no caso das transformações jurídicas acerca
do estatuto das relações amorosas e familiares ou da legalização de procedimentos
democráticos de participação popular), não se faz referência a precisamente como os
processos de suspensão (temporária) das obrigações comunicativas – seja para a criação de
um espaço privado de experimentação da vontade, seja na avaliação reflexiva das normas
sociais existentes – podem contribuir para a realização da liberdade individual. Em que
sentido, então, se pode dizer que as liberdades negativa-jurídica e reflexiva-moral formam a
possibilidade da liberdade? Parece, ao contrário, que a liberdade social não subsume (no
sentido de aufheben) as outras duas, mas que as abandona e parte do início novamente.
Desse modo, o direito abstrato e a moralidade (as liberdades jurídica e moral) não
aparecem como partes da eticidade – ao contrário, elas apenas permitem aos sujeitos tomar
distância com relação a esta. Mesmo que sejam liberdades objetivadas em instituições, elas
não estão corporificadas nas instituições específicas da eticidade moderna (família ou
relações pessoais; sociedade civil ou ações econômicas de mercado; e Estado ou formação da
vontade democrática), o que nos leva a questionar se Honneth não incorre no mesmo tipo de
posicionamento pelo criticou Habermas e sua cisão entre sistema e mundo da vida: em lugar
de uma distinção meramente analítica entre concepções de liberdade que, de resto, convivem
em um mesmo ambiente social, ele parece considerar que há domínios sociais distintos nos
quais valem diferentes normas de ação, segundo os distintos ideais de liberdade. Faltam,
assim, mediações entre o diagnóstico de tempo e a reconstrução conceitual; as patologias que
aparecem aqui não têm efeitos lá. Sem um laço que una ambos os momentos da reconstrução,
o livro de Honneth na verdade parece ser dois: de um lado, uma sistematização dos diferentes
sentidos que o ideal da liberdade assumiu na era moderna (Parte B) e sua genealogia filosófica
(Parte A), e, de outro, um diagnóstico de tempo de longo alcance (do século XVIII até os dias
308
de hoje) centrado no grau de efetivação da liberdade social nas três esferas da eticidade (Parte
C).
Trata-se, aqui, de uma fragilidade teórica que tem entre suas causas o fato de
Honneth não observar adequadamente as exigências que ele mesmo havia conectado ao
método reconstrutivo. Se, de um lado, o núcleo racional dos ideais dominantes na
modernidade não é destilado do mundo empírico mediante um cuidadoso trabalho conjunto
entre filósofos e teóricos sociais, e se, de outro lado, as esferas e instituições que compõem a
eticidade moderna não são, por sua vez, extraídas da realidade social mediante uma
semelhante comparação corretiva entre conceito e história, não é de se surpreender que, no
resultado final, a reconstrução conceitual e a reconstrução histórica (diagnóstico de época)
encontrem-se desacopladas.
No texto em causa, Honneth considera que, para que se possa falar em doenças da
sociedade, é preciso poder atribuir “um princípio interno de funcionamento intacto” não
apenas a indivíduos, mas também à própria comunidade (KdG: 45de). O autor reconhece,
contudo, que esse vocabulário pode ser utilizado arbitrariamente para depreciar determinados
grupos sociais – encontramos um bom exemplo disto, é claro, na história da Alemanha no
século XX – e por isso deve ser empregado de forma criteriosa. Outra dificuldade que surge
quando se procura transpor o conceito de “doença”262 para o todo da sociedade diz respeito ao
fato de que não é suficientemente claro, de saída, quem deve estar de fato doente (erkrankt):
trata-se (a) da soma de uma quantidade suficientemente ampla de pessoas individuais e suas
enfermidades; (b) de coletivos ou grupos homogêneos entendidos como grandes sujeitos
portadores de um conjunto de sintomas (Krankheitsbild) que caracterizam uma enfermidade
social (como é o caso de Sartre e seu conceito de neurose coletiva); ou (c) da própria
sociedade que, por meio de uma determinada organização anômala das instituições sociais, é
260
Título original: “Die Krankheiten der Gesellschaft. Annäherung an einen nahezu unmöglichen Begriff”
(abreviado daqui em diante como KdG). A tradução foi feita por Arthur Bueno e revisada pela autora. A
primeira parte do título corresponde ao de um texto de Alexander Mitscherlich (1983 [1957]): “Die
Krankheiten der Gesellschaft und die psychosomatische Medizin”.
261
Já no livro, Honneth diz ser favorável a um “funcionalismo normativo” (RdF: 334, 336, 339 e 344de). No
ensaio de 2014, ele volta a falar em um “funcionalismo normativamente ampliado” (KdG: 53de), o que não
parece se diferenciar de uma teoria sistêmica que leve e consideração a existência e a eficácia de valores
morais no funcionamento dos subsistemas que compõem a sociedade (não é à toa que Honneth aproxima-se
cada vez mais de Durkheim e Parsons). Cf. McNay (2015) para uma crítica semelhante ao funcionalismo
(mas mais focada na noção teleológica que lhe acompanha) de O direito da liberdade.
262
Note-se que, apesar de Honneth referir-se às “doenças” da sociedade sempre entre aspas, ele afirma estar em
busca de defini-las “em um sentido não meramente figurativo [übertragen], mas literal [buchstäblich]” (KdG:
46de).
310
membros sofre sintomas de uma anormalidade psíquica de modo suficientemente forte para
buscar em grande quantidade consultas com médicos ou terapeutas” (KdG: 48de). Dois são
os motivos pelos quais Honneth discorda dessa tese: (1) existem casos em que podemos
inferir distúrbios na vida social conjunta a partir de indicações muito vagas, como situações
difusas de mal-estar ou de indisposição, por exemplo, “sem que estas devam ter se
precipitado como transtornos funcionais experienciados pelos indivíduos como sofrimento e
assim perceptíveis como ‘doença’” (KdG: 48de); (2) e, inversamente, a mera consideração de
um aumento, nos indicadores médicos, de determinados sintomas psíquicos não é suficiente
para atribuir ao ambiente social dos indivíduos afetados uma patologia social ou um
transtorno funcional social propriamente ditos (em certo sentido porque os próprios médicos
podem se enganar quanto à interpretação, que nunca é inequívoca, de um dado conjunto de
sintomas psíquicos).
emocionais (seelisch).263 É certo que tais suspeitas e observações iniciais têm que ser,
posteriormente, comprovadas em sua capacidade de fornecer uma chave interpretativa,
própria da teoria social, para só então tornar-se possível alcançar “um diagnóstico convincente
de transtornos funcionais na engrenagem social” (KdG: 51de).
(isto é, como negativas), mas apenas para o que pode ser considerado pelo bom observador
como um distúrbio de comportamento. Trata-se de um posicionamento prenhe de
consequências: enquanto o distúrbio comportamental é detectado unicamente pelo teórico,
que aqui assume o papel externo de observador, a apreensão do sofrimento exige uma
capacidade interativa e dialógica de escuta e interpretação das manifestações de dor e
padecimento dos atores sociais. Tais manifestações podem se dar de diversas maneiras, e não
somente mediante a articulação discursiva de demandas por parte de movimentos sociais
organizados – é preciso estar atento também a formas não verbais, não institucionalizadas e
pré-políticas de expressões de sofrimento e sentimentos de injustiça. Tais expressões de
sofrimento podem ser identificadas, por exemplo, em estudos historiográficos e sociológicos,
em pesquisas etnográficas, obras literárias ou cinematográficas, bem como outros tipos de
manifestações artísticas e mecanismos de apreensão de fenômenos sociais sutis e sentimentos
coletivos difusos – como o próprio autor tantas vezes empenhou-se em colocar em relevo.
O raciocínio desenvolvido por Honneth no texto mostra assim que sua concepção
de patologias sociais está, neste momento, muito mais próxima de uma teoria social
funcionalista do que se poderia imaginar lendo seus escritos de juventude. Afinal, de acordo
com a visão defendida atualmente pelo autor, as doenças sociais devem “sempre consistir no
fracasso ou no transtorno de uma função cuja realização é importante para a sobrevivência
da ordem social; e, de modo correspondente, poderíamos concluir […] que podem existir não
apenas uma, mas tantas doenças da sociedade, quantas nela estão dadas funções que
asseguram a sua existência [bestandssichernde Funktionen]” (KdG: 58de). O que importa,
então, é o bom funcionamento da sociedade, sua sobrevivência, manutenção e reprodução.
Honneth decerto ressalva que o que conta como exigências funcionais nunca está
definitivamente dado, já que é algo culturalmente determinado e depende sempre da
autocompreensão de uma sociedade, de modo que as doenças sociais aparecem quando a
sociedade “fracassa, em seu arranjo institucional, em uma das tarefas que ela se colocou a si
mesma no interior do círculo funcional de socialização, elaboração da natureza e regulação
das relações de reconhecimento de acordo com as convicções de valor nela dominantes”
(KdG: 58de). O autor também expõe a reserva de que não se deve abandonar por completo a
intuição de que as patologias sociais têm a ver “com um comprometimento experienciado de
314
desdobramento desimpedido ou ‘livre’” (KdG: 59de). Por um lado, Honneth parece conceber
esse organicismo de forma tão ampla e abstrata que pode ser atribuído não só a Parsons, mas
também a Hegel e até mesmo Marx.264 Por outro lado, seu texto é inequívoco em defender
uma interpretação funcionalista mais estrita da sociedade: o foco teórico é aqui
completamente deslocado dos processos conflituosos que levam a transformações sociais para
os aspectos funcionais necessários para a manutenção da ordem social. Isso fica evidente nas
escolhas terminológicas de Honneth: ele favorece, de um lado, termos como harmonia,
competência funcional intacta, equilíbrio, bom funcionamento, sobrevivência e reprodução
social; de outro lado, os termos usados para designar condições sociais patológicas incluem
atritos, tensões, desequilíbrios, estranhezas e anormalidades. Fica patente, assim, que a
normatividade subjacente a tal concepção de patologia ou doença social não visa a
transformações sociais voltadas para a emancipação: se as patologias ou doenças da
sociedade são compreendidas como processos mediante os quais “as soluções institucionais
dos domínios funcionais singulares se bloqueiam mutuamente e impedem um desdobramento
frutífero” (KdG: 59de), elas só podem conceber seu reverso como uma harmonia entre os
diversos subsistemas sociais de acordo com os valores e normas dominantes, aspirando à
“reprodução não transtornada das sociedades” (KdG: 59-60de). No horizonte da crítica
social não está mais a vida (boa), mas antes a sobrevivência.
264
Honneth afirma que essa ideia foi utilizada por Hegel na suposição, presente na Filosofia do direito, “de uma
atuação conjunta [Zusammenwirken], direcionada a um fim, de todas as esferas sociais”; por Marx “quando
ele pressupõe tacitamente, em sua análise de um conflito entre forças produtivas e relações de produção, um
ideal do jogo [Zusammenspiel] orgânico entre ambos”; e por Parsons “quando ele compreende a reprodução
não transtornada das sociedades como um processo no qual os diferentes subsistemas servem,
interconectadamente, à meta da realização de valores superiores” (KdG: 59-60de).
316
265
Etimologicamente, o termo “Krankheit” seria melhor traduzido para o português por “enfermidade”, visto
que ambos remetem à ideia de debilidade.
266
Parece apontar nessa direção também a preferência de Honneth em utilizar, em alemão, o termo
gesellschaftlich em detrimento de sozial (ambos significando “social”, mas o primeiro mais concreto e
vinculado à ideia de “sociedade”, podendo ser também traduzido por “societário”, e o segundo mais abstrato;
note-se como o termo aparece substantivado nas décadas de 1980 e 1990 – “o social” – como um conjunto de
relações de reconhecimento que forma a infraestrutural moral da socidade).
267
Trata-se aqui de defender não um individualismo metodológico, mas, nos termos de Freyenhagen, um
individualismo normativo: se algo não é, em algum nível, prejudicial para os indivíduos, não há motivos para
que seja considerado prejudicial em geral. Assim, “Applied to the issue of social pathology: society can only
be ill if, in some broad sense, individuals within it (or affected by it) are ill (in the broad sense that their
well-being and/or self-realisation is detrimentally affected)” (Freyenhagen, 2015: 30).
317
afirmar que “Sem a reabilitação de uma tal representação do organismo, há muito tempo
declarada morta, dificilmente deixa-se fundamentar, assim o temo, a tese de que também
sociedades, como tais, podem ser acometidas por doenças” (KdG: 60de), Honneth é
inequívoco a respeito do caráter incontornável desse funcionalismo organicista e que as
implicações desse deslocamento são mais significativas do que o autor parece disposto a
reconhecer.
318
IV
RECONSTRUÇÃO
319
268
Cf., por exemplo, o seguinte trecho: “A virada linguística não deve com isso ser revertida, mas sim
diferentemente formulada” (Honneth & Boltanski, 2008: 89).
269
Cf., entre outros: Celikates (2009), Kavoulakos (2005), Nobre (2008a), Nobre & Repa (2012a, 2012b),
Pedersen (2008), Repa (2008a, 2008b), Voirol (2012).
320
cujo potencial de estímulo não chegou ainda a se esgotar (Habermas, 1983 [1976]:
11).
Ora, a reconstrução foi aplicada por Habermas não apenas ao materialismo
histórico: na Teoria do agir comunicativo, por exemplo, o objeto da reconstrução é a história
das teorias da sociedade, o que inclui autores tão distantes do marxismo quanto Max Weber,
G. H. Mead, Émile Durkheim e Talcott Parsons. A reconstrução tampouco foi aplicada
exclusivamente a teorias: as ciências reconstrutivas, que Habermas propõe ao longo da
década de 1970, têm por objeto as “estruturas do agir e do entendimento inscritas no saber
intuitivo de membros competentes das sociedades modernas” (Habermas apud Nobre & Repa,
2012: 31). Tais estruturas profundas, que compõem as condições de possibilidade de uma
comunicação não distorcida, podem ser analisadas então dos pontos de vista sincrônico e
diacrônico – mediante, respectivamente, o desenvolvimento de uma pragmática formal e de
uma teoria da evolução social. Se o objeto da reconstrução pôde variar de tal maneira, o que
resta de elemento comum? A nosso ver, o modo reconstrutivo de proceder é um componente
básico constante em meio às demais transformações: trata-se de tomar o objeto da
reconstrução (seja um corpo teórico, sejam determinadas condições de possibilidade ou
estruturas do agir) e decompô-lo para, então, recompô-lo de modo novo, a fim de explorar o
seu potencial de estímulo ainda não esgotado. Apesar de bastante simplificada, nos parece que
essa leitura da ideia de reconstrução em Habermas coloca em relevo aqueles aspectos que
puderam exercer uma influência de longo alcance no pensamento de Honneth.
270
Cf. Capítulo 4.
322
objetivo e eticidade não podem ser deixados de fora para que a reatualização indireta que ele
privilegia possa ser considerada uma “reconstrução adequada e justa” da obra de Hegel
(LaU: 19en; 14de; 51pt). Logo adiante, Honneth reforça o recado: “quem renuncia à
reconstrução racional dos conceitos de ‘espírito objetivo’ e de ‘eticidade’ sacrifica seu teor
substancial em favor de uma plausibilidade superficial do texto” (LaU: 20en; 16de; 52pt).271
Em ambos os casos citados, trata-se da reconstrução da teoria hegeliana e de seus conceitos
fundamentais, isto é: trata-se de uma reconstrução eminentemente teórica. Em obras
anteriores, Honneth utiliza os termos “atualização”, “presentificação” e “reatualização” para
referir-se ao procedimento reconstrutivo no sentido específico da reconstrução de teorias:
note-se a presentificação histórica da filosofia de Hegel do período de Jena (na primeira parte
de Luta por reconhecimento), bem como a presentificação histórica das diferentes concepções
filosóficas de liberdade (negativa, reflexiva e social) em O direito da liberdade; a atualização
sistemática da filosofia hegeliana de Jena em termos das relações sociais de reconhecimento
(na segunda parte de Luta por reconhecimento); e a reatualização da filosofia do direito de
Hegel em Sofrimento de indeterminação (aparecendo, aliás, no subtítulo da obra).
Essa discussão diz respeito, contudo, apenas a um dos sentidos reconstrutivos que
podem ser encontrados em Sofrimento de indeterminação e na obra de Honneth de modo
geral. Em diversas outras ocasiões em que o termo é usado, não se trata de reconstruir um
determinado arcabouço teórico, mas antes propor uma interpretação da própria realidade
social a partir de diferentes aspectos que a compõem. A este tipo de reconstrução chamaremos
reconstrução social. Vejamos a primeira ocorrência do termo com esse emprego alternativo:
271
Uma terceira ocorrência do termo “reconstrução” com esse sentido aparece quando Honneth trata do capítulo
sobre a moralidade da Filosofia do direito e afirma que irá se limitar, em sua “breve reconstrução”, a apenas
duas das quatro metas colocadas originalmente por Hegel (LaU: 52en; 61de; 91pt).
323
32en; 37de; 70pt). Parece repetir-se em Honneth, portanto, aquela diferenciação presente na
obra de Habermas entre reconstrução teórico-conceitual (do materialismo histórico e da
história das teorias da sociedade, para Habermas, e da filosofia hegeliana, para Honneth) e o
que chamamos de reconstrução histórico-social (respectivamente, das condições de
possibilidade da comunicação não distorcida e das condições de possibilidade da
autorrealização individual).272
Nobre procura mostrar em seu texto que Honneth não se vincula somente ao
campo da teoria crítica, mas também ao paradigma reconstrutivo da teoria crítica que foi
inaugurado por Habermas.273 Para o autor, podem ser identificados na obra habermasiana dois
momentos distintos no que tange à concepção de reconstrução: na década de 1970, é
destacada a proposta habermasiana das ciências reconstrutivas, as quais deveriam poder dar
conta, mediante reconstruções de tipo vertical (diacrônica) e horizontal (sincrônica), dos
elementos que compõem as estruturas profundas capazes de gerar os sistemas de regras e
competências fundamentais para a comunicação. No entanto, visto que as ciências
reconstrutivas assim concebidas não tiveram desenvolvimentos significativos, Habermas
propõe, já na década de 1980 (e especialmente na Teoria da ação comunicativa), um outro
tipo de reconstrução: nas palavras de Luiz Repa, trata-se de uma “reconstrução sistemática da
272
Existe ainda um terceiro sentido, mais frouxo, do termo: em diversas situações Honneth declara que vai
reconstruir os argumentos de um determinado autor, querendo, com isso, dizer que pretende simplesmente
retomar o passo-a-passo argumentativo, e não sistemática e normativamente reconfigurar um corpo teórico
com potenciais de desenvolvimento não exauridos.
273
Nobre considera que a ideia de paradigma crítico está vinculada ao mesmo tempo a um modelo crítico e a um
diagnóstico de tempo: “Pode-se falar em um ‘paradigma crítico’ quando um modelo crítico estabiliza
formulações determinadas para os problemas teórico-críticos fundamentais, formulações que passam a ser,
a partir daí, pressupostas por modelos críticos posteriores. Essas formulações, por sua vez, estão
internamente vinculadas, como em qualquer modelo crítico, a diagnósticos de tempo determinados. O que
significa dizer, portanto, que também os diagnósticos de tempo de modelos críticos vinculados a um
paradigma têm estruturas comuns determinadas, formulações pressupostas que cabe explicitar a cada vez”
(Nobre, 2013b: 13).
324
história da teoria da sociedade tendo por finalidade uma teoria da racionalização social”
(Repa [2008a: 139] apud Nobre, 2013b: 18). De início, Nobre enuncia a tese de que foi o
segundo tipo de reconstrução – a reconstrução indireta, da história da teoria – que se
estabilizou como o paradigma crítico ao qual se filiaria não apenas Honneth, como também
boa parte dos representantes da mais nova geração da teoria crítica (Nobre, 2013b: 20). Na
terminologia adotada neste capítulo, isso significa dizer que, para Nobre, a versão teórica de
reconstrução presente na obra de Habermas teria prevalecido sobre a reconstrução social nos
desdobramentos posteriores da teoria crítica. Assim formulada, tal caracterização parece
descolar-se da hipótese deste trabalho: procuraremos sustentar que, no modelo crítico de
Honneth, está presente a tentativa de uma reconstrução social, e não apenas teórica, na medida
em que permanece em seu horizonte de intenções uma reconstrução de “estruturas geradoras
de normas” – entendidas não mais no sentido comunicativo habermasiano, por certo, mas
como vinculadas aos pressupostos que compõem a infraestrutura moral das relações de
reconhecimento necessárias para a autorrealização individual. Honneth não pretende fazê-lo
mediante uma tentativa de reabilitar a proposta habermasiana de um novo campo disciplinar,
as ciências reconstrutivas, mas antes com apoio na apropriação do resultado de investigações
de cunho teórico-social ou empírico já existentes. A discordância se mostrará, no entanto,
mais terminológica e sistemática do que propriamente interpretativa.
a reconstrução inaugural modelar que diz respeito à teoria crítica (no caso de
Habermas, a do projeto da teoria crítica da década de 1930, tal como conceituada
nos escritos de Max Horkheimer) tem precedência (lógica, ao menos) sobre todos os
325
275
Cf. Crissiuma (2013) e, nesta tese, o item 3.3.
276
Em Luta por reconhecimento, diz Nobre, Honneth reconstrói a teoria hegeliana de Jena que foi abandonada
pelo autor e permaneceu em estado fragmentário, procurando aprofundá-la e torná-la sólida, consistente, de
modo que pudesse contribuir do forma decisiva para compreender a gramática moral dos conflitos sociais do
presente. Toda a primeira parte do livro de 1992 é dedicada a essa empreitada, ao passo que, em O direito da
liberdade, Honneth considera que essa tarefa já foi suficientemente cumprida na introdução, mediante a
327
do texto – o que não impede que Nobre rastreie os seus aspectos reconstrutivos presentes na
substância da obra. Assim, a reatualização presente em O direito da liberdade é semelhante à
de Sofrimento de indeterminação, isto é: em ambos os casos, a Filosofia do direito de Hegel
serve de objeto de uma reconstrução de segundo nível apenas se condicionada ao abandono
das premissas metafísicas que marcam o sistema hegeliano.277 A atualização, por sua vez,
parece se fazer com a ajuda de Durkheim e Parsons como mediadores teóricos, uma vez que a
psicologia social de Mead já havia sido deixada de lado pelo menos desde Sofrimento de
indeterminação (Nobre, 2013b: 35).
apresentação das quatro premissas do método reconstrutivo que ele propõe em substituição às premissas
idealistas de Hegel (voltaremos a essa questão adiante). Assim, “a ‘presentificação histórica’ que também dá
título a toda a primeira parte se aplica agora à discussão moderna e contemporânea sobre a liberdade e seu
vínculo com uma teoria da justiça, culminando com a apresentação da noção de ‘liberdade social’” (Nobre,
2013b: 45). Nobre ressalva, contudo, que ambas as presentificações têm um aspecto em comum: ambas têm
caráter polêmico, na medida em que confrontam as concepções (seja de concepção intersubjetivista de
conflito social, seja de liberdade social) inspiradas na obra hegeliana com alternativas filosóficas
consideradas insuficientes ou incompletas (a redução do conflito social à luta por autoconservação e a
restrição da liberdade individual às modalidades negativo-jurídica e reflexivo-moral; Nobre, 2013b: 45).
277
Para Nobre, no entanto, Honneth se esquiva em O direito da liberdade de fazer o esforço de liberar de suas
premissas idealistas o procedimento metódico hegeliano utilizado. Isso causa dificuldades que aparecem ao
longo do texto, sendo que a mais evidente é a a demarcação de antemão, nos limites do conceito, do existente
a ser reconstruído. Nas palavras de Nobre: “Mesmo com uma interpretação não conservadora da
correspondência de conceito e efetividade (ou seja, sem fazer de Hegel um mero apologeta de instituições e
de formas de vida existentes), o conceito continua a colocar os limites de uma formação histórica racional”
(Nobre, 2013b: 32).
278
Cf. também Nobre, 2013b: 41, 43 e 47. O autor destaca que, enquanto Habermas caminha cada vez mais em
direção à abstração, representada em sua obra recente pela ideia de procedimento, Honneth faz o contrário
em O direito da liberdade, procurando dar mais concretude ao paradigma reconstrutivo.
328
279
Cf. o seguinte trecho, citado pelo autor: “Para ser possível perfazer, portanto, a ‘efetividade’ da liberdade
nas relações sociais de nosso tempo, é necessária agora uma reconstrução das esferas de ação nas quais os
comprometimentos de papéis mutuamente complementares cuidam para que os indivíduos possam
reconhecer nas livres atividades de seus parceiros de cooperação a condição para a efetivação de seus
próprios fins” (Honneth [RdF] apud Nobre, 2013b: 47).
329
Neste ponto cabe a pergunta: como se pode caracterizar a relação entre os dois
níveis da reconstrução? É certo que há uma interdependência entre eles. Mas seria possível
afirmar a precedência de um sobre o outro? A primeira dimensão (a reconstrução teórico-
conceitual) precede logicamente a segunda (reconstrução histórico-social)? Quando se presta
atenção ao modo de apresentação, este parece sem dúvida ser o caso, ao menos no modelo
crítico de Honneth: as investigações teórico-sociais mediadoras são mobilizadas, aqui, na
medida em que se considera que elas são capazes de oferecer pistas ou saídas para algumas
das aporias às quais a teoria crítica de primeira e segunda geração acabou sendo levada. Por
331
outro lado, contudo, é possível dizer inversamente que os déficits ou aporias de que sofre a
teoria crítica apenas puderam ser identificados por Honneth, de início, a partir das leituras
empiricamente informadas do tempo presente que contribuem para a formulação de um
diagnóstico de época. Em certo sentido, portanto, as reconstruções de segundo nível podem
fornecer o impulso para as de primeiro nível.
o procedimento de que Hegel lança mão na terceira parte de sua Filosofia do direito
para identificá-la com as esferas da eticidade não pode ser concebido segundo o
padrão de uma construção, da formação de uma teoria ideal; antes, seu
procedimento é adequadamente compreendido se for interpretado como a tentativa
de fazer uma “teoria da sociedade” em que os dados sociais da modernidade
liberam justamente aquelas esferas de ação que parecem corresponder aos critérios
anteriores indiretamente esboçados (LaU: 115-6pt).
É nesse momento de Sofrimento de indeterminação, aliás, que o autor introduz o
termo “reconstrução normativa”:
282
O termo é retomado em um trecho que só aparece na versão em inglês das Spinoza Lectures: “In accord with
the idea developed in the division on ‘morality’ that the social contexts of our moral deliberation already
embody the outlook of practical reason, the method employed by Hegel consists in a kind of normative
reconstruction: given conditions of social life are to be scrutinized for well-stablished, habitual practices,
which possess an inner normativity in the sense that they can be reproduced only when certain duties and
rights are customarily accepted; and perhaps here it would be better and more fitting to speak of practices
and institutions that owe their entire facticity solely to their following certain moral rules” (LaU: 59en,
ênfases MT).
332
284
Honneth afirma que seu propósito é apreender a ideia geral de crítica nessa tradição, sem se comprometer
com as premissas de teoria social ou com os resultados concretos das pesquisas da Escola de Frankfurt. Desse
modo, o autor estende a reconstrução normativa para toda a teoria crítica.
285
Honneth baseia-se aqui em uma versão modificada da distinção formulada por Walzer (1993) a partir do tipo
de justificação a que cada tipo de crítica social recorre (cf. RGV: 61de; 47en).
334
286
Nas palavras de Honneth: “agora, contudo, com o estabelecimento do sistema de dominação nacional-
socialista mostrou-se que sob a validade dos mesmos ideais poderia se desenvolver uma práxis social que
estava extremamente distante de seu conteúdo de sentido moral original” (RGV: 67de; 52en).
336
Quando se assume acerca dos critérios internos, ao contrário, que eles têm um
significado apenas “implícito” para os destinatários, então a situação se torna
consideravelmente mais complicada e exige uma “crítica interna” que Kauppinen
chama de “reconstrutiva”; pois as normas que devem estar na base da crítica
devem agora ser obtidas interpretativamente na forma de uma “reconstrução” a
partir da rede de significado da práxis social existente antes que elas possam ser
consideradas como critérios implícitos (GdA: 334de; 514en).
A interpretação de Kauppinen se mostra interessante porque com a expressão
“crítica interna” ele já dá conta do fato de que a crítica tem que partir de padrões avaliativos
que estão ancorados na realidade social, em oposição à crítica externa, e assim o termo
“reconstrutivo” passa a ser utilizado para enfatizar que tais padrões avaliativos não estão
prontos à disposição para o observador, mas estão presentes no mais das vezes de modo
implícito e desarticulado nos discursos, reações emocionais e práticas quotidianas dos atores
sociais, devendo por isso ser cuidadosamente reconstruídos pelo teórico, em diálogo com os
atores concernidos.287 Influenciado pelo pragmatismo americano, especialmente por Robert
Brandom e seu Making it Explicit, Kauppinen defende que:
287
De acordo com essa interpretação, a posição que Nancy Fraser defende em Redistribuição ou
reconhecimento? corresponderia à crítica interna simples, já que ela toma como ponto de partida empírico as
demandas articuladas pelos movimentos sociais – posição que Honneth considera um “atualismo míope”
(UoA: 217de).
337
Isso significa que a crítica social que reconstrói as normas de reconhecimento que
estão implícitas nas relações sociais entre os membros de uma dada sociedade deve procurar
mostrar, em um diálogo com seus destinatários, como suas práticas e instituições estão muitas
288
Mesmo que estejam presentes estes dois elementos (experiências negativas e uma linguagem compartilhada),
nada garante que irá surgir um movimento social de resistência – o que não invalida a abordagem
honnethiana, mas apenas torna evidente que a realidade social e histórica está sempre aberta à disputa. A
teoria crítica não pretende explicar os fenômenos sociais no sentido de prever seu desdobramento, mas antes
de compreender suas condições de possibilidade e seus potenciais de desenvolvimento.
338
vezes em contradição com os seus ideais implicitamente praticados. Mas significa mais do
que isso: para Honneth, “mesmo quando entre a práxis concreta e as normas implícitas não
parece haver nenhum abismo, os ideais das distintas formas de reconhecimento exigem
sempre graus maiores de comportamento moralmente apropriado do que é praticado a cada
vez na realidade particular” (GdA: 341de; 517en). Há na abordagem honnethiana, assim, a
pressuposição de que as normas do reconhecimento sempre possuem em sua estrutura um
excedente de validade, isto é: elas demandam “a partir de si mesmas uma perfeição ulterior
de nosso agir moral, de modo que no processo histórico existe uma pressão permanente de
aprendizagem” (GdA: 341de; 517en). Do contrário, Honneth “dificilmente poderia esclarecer
como pôde haver aquele progresso nas transformações históricas das relações de
reconhecimento” que devem estar na base do modelo forte de crítica que ele pretende
defender (GdA: 341de; 517en).
289
Título original: “Gerechtigkeitstheorie als Gesellschaftsanalyse: Überlegungen im Anschluss an Hegel”
(abreviado daqui em diante como GaG). O texto foi apresentado no ano de 2007 em um seminário na
Universidade de Potsdam e publicado no ano seguinte em Menke & Rebentisch (2008).
339
da análise social e, com isso, sua fixação em princípios puramente normativos” (GaG: 14de).
Isso não implica, contudo, que se deva abandonar o ponto de vista normativo, sem o qual as
questões acerca da legitimidade das ordens sociais não podem encontrar ressonância na
reflexão teórica; mas uma concepção puramente normativa de teoria, diz Honneth, cujos
princípios de justiça são formulados isoladamente com relação às instituições e práticas
existentes, vê-se confrontada com a dificuldade de ter que aplicar seus resultados à realidade
social de forma retroativa – isto é, de maneira externa e artificial. Trata-se da crítica forte
discutida e rejeitada já no início de “Crítica social reconstrutiva sob ressalva genealógica”.
Tal procedimento não apenas torna mais problemática a sua aplicação ao material empírico,
mas levanta dúvidas sobre a própria possibilidade da aplicação: afinal, sem um ancoramento
na própria realidade, não há nada que garanta a plausibilidade dos princípios formulados
teoricamente. Isso significa que há aqui, também, um déficit motivacional, já que não fica
claro porque os atores sociais poderiam ser levados a pôr em prática princípios de justiça que
lhe são alheios.
Walzer (2003) David Miller (2001) e Alasdair MacIntyre (2007 [1981]) – apesar de
procurarem superar o kantismo predominante na filosofia política, tampouco teriam cumprido
inteiramente o projeto esboçado por Hegel de uma construção imanente de princípios
normativos, pois lhes falta a etapa adicional que consiste na avaliação desses princípios com
vistas à sua justificação racional.290 Dito de outro modo: enquanto que no liberalismo político
falta a dimensão da imanência, falta aqui a dimensão da transcendência, que é precisamente
aquilo que permite a crítica do real.
290
Neste sentido, a obra dos autores em questão se enquadraria, segundo a distinção de Antti Kauppinen aceita
por Honneth no posfácio de Luta por reconhecimento, no método reconstrutivo fraco, sendo que a teoria
crítica exigiria um método reconstrutivo forte (cf. item 6.2.2.).
291
Trata-se da necessidade, portanto, de reconstruir – no sentido de presentificar e reatualizar – a teoria
hegeliana.
292
Cf. o seguinte trecho: “Suponhamos, pois, mesmo sem admitir, que a investigação contemporânea tenha
provado a inexatidão prática de cada afirmação de Marx. Um marxista ‘ortodoxo’ sério poderia reconhecer
incondicionalmente todos esses novos resultados, rejeitar todas as teses particulares de Marx, sem, no
entanto, ser obrigado, por um único instante, a renunciar à sua ortodoxia. O marxismo ortodoxo não
significa, portanto, um reconhecimento sem crítica dos resultados da investigação de Marx, não significa
uma ‘fé’ numa ou noutra tese, nem a exegese de um livro ‘sagrado’. Em matéria de marxismo, a ortodoxia se
refere antes e exclusivamente ao método” (Lukács, 2003: 64).
341
Normatividade
293
Marcos Nobre mostra que “Honneth não se dedicou neste último livro a expor longamente a ‘ideia de
liberdade’ em Hegel e seu vínculo interno com a ‘análise social’. […] essa tarefa foi sublimada na forma da
apresentação, na ‘Introdução’ de quatro premissas substitutivas àquelas do idealismo hegeliano” (Nobre,
2013b: 45).
342
que os sujeitos mobilizam, na sua interação recíproca, não apenas os imperativos de uma luta
por bens escassos, mas especialmente as variadas expectativas normativas que eles mantêm
com relação ao seu próprio reconhecimento.
No texto em causa, um dos autores nos quais Honneth se apoia para defender tal
posicionamento é Talcott Parsons. O que ele considera marcadamente frutífero no paradigma
parsoniano, caracterizado aqui como um “modelo sistêmico de uma teoria da ação” (GaG:
18de), é a ideia de que os valores éticos, por serem dotados da capacidade de orientar as ações
dos indivíduos, formam a “realidade última” de todas as ordens sociais e, por conseguinte,
penetram em todos os subsistemas da sociedade. Tal penetração se dá de forma distinta em
cada subsistema; porém, como todos eles, sem exceção, estão ancorados nas ações dos
sujeitos e estas, por sua vez, dependem sempre em alguma medida da existência de normas e
convicções compartilhadas e institucionalizadas em práticas sociais, essa perspectiva não
permite que se conceba âmbitos sociais livres de valores éticos, que funcionariam unicamente
com base em exigências sistêmicas de reprodução social. Mesmo a esfera econômica, não raro
considerada como o campo da ação racional estratégica por excelência, é incluída aqui no
quadro dos subsistemas cuja integração social ocorre normativamente, e com isso Honneth
distancia-se não apenas de representantes clássicos da teoria de sistemas como Niklas
Luhmann, mas também do próprio Habermas, na medida em que sua distinção entre sistema e
mundo da vida impede (ao menos na Teoria da ação comunicativa) uma apreciação da
dimensão moral fundamental presente no mercado, assim como no campo político da
administração estatal.
nos processos sociais que há, nas sociedades crescentemente complexas e diferenciadas, uma
pressão contínua para que tais valores sejam cada vez mais compreensivos e gerais. Por esse
motivo, chamamos de premissa da normatividade o pressuposto inicial do conceito
honnethiano de método reconstrutivo.
Imanência
294
Habermas (2000 [1985]: 12) afirma, a esse respeito: “a modernidade não pode e não quer tomar dos modelos
de outra época os seus critérios de orientação, ela tem de extrair de si mesma a sua normatividade. A
modernidade vê-se referida a si mesma, sem a possibilidade de apelar para subterfúgios”.
344
multiplicação das esferas culturais de valor – descrita por Weber como o surgimento de um
politeísmo de valores – não há mais um quadro de referência unívoco que permita justificar,
racionalmente, a introdução, na argumentação, de critérios exógenos, supostamente
universais, que carecem de justificação e que por isso correm sempre o risco de serem
completamente irrealizáveis.
Seletividade
serem normativamente reconstruídas não são obtidas mediante uma descrição geral, mas antes
por meio de uma concatenação criteriosa do material empírico. Se simplesmente tomarmos as
análises sociais disponíveis como descrições acabadas do concreto e aplicarmos
normativamente tais descrições de novo à realidade, permanecerá intocada a divisão de tarefas
entre a filosofia (teoria normativa) e as ciências sociais (investigações empíricas), entre quem
descreve e analisa o ser e quem formula o dever-ser. Nas palavras de Honneth: “Para evitar o
perigo de simplesmente reaplicar os princípios da justiça adquiridos de forma imanente de
volta à realidade dada, essa realidade social mesma não deveria ser pressuposta como um
objeto já suficientemente analisado” (GaG: 25de). Uma teoria crítica da justiça deve, na
concepção de Honneth, evitar portanto tomar os dados sociológicos disponíveis tais como eles
se apresentam à primeira vista e deve, ao contrário, tomar uma posição ativa quanto à
concatenação desses dados e pôr abaixo, deste modo, a rígida cisão entre teoria normativa e
análise social. Quais são os critérios, porém, para selecionar aquilo que faz parte da eticidade
e deve, portanto, ser normativamente reconstruído?
Transcendência
que não apenas a reconstrução, mas também a crítica tem que ser interna às práticas ou
estruturas dadas, sem se referir, portanto, a um estado ideal imaginado, mas antes às
possibilidades latentes contidas no próprio real. Assim, a crítica de práticas existentes está
ligada ao “delineamento prévio de vias de desenvolvimento ainda não exauridas” (GaG:
27de), de caminhos que foram abertos pela própria generalização e estabilização de valores
normativos nas sociedades modernas – valores que são efetivados, contudo, de maneira
sempre incompleta. Dito de outro modo: é preciso “interpretar a realidade existente com
vistas aos potenciais de práticas nos quais os valores gerais poderiam ser efetivados melhor,
isto é, de maneira mais abrangente ou mais fiel” (GaG: 27de). Nesse contexto, pode ser
compreendido aquilo que é chamado por Honneth de “excedente de validade normativa”
(normativer Geltungsüberschuss) dos princípios morais.297
Essa premissa adquire uma importância decisiva no campo da teoria crítica, uma
vez que permite um comportamento justificadamente não conformado perante a realidade
social. Ao apontar a contradição entre os valores gerais compartilhados e a sua realização
apenas parcial nas práticas e instituições que lhes correspondem, o teórico crítico abre o
caminho para uma antecipação plausível (porque não utópica) de alternativas às condições do
presente consideradas patológicas. Honneth resume da seguinte maneira essa premissa da
transcendência:
O autor continua:
Por fim, é preciso destacar também que Honneth parece diferenciar aqui, de forma
sutil, reconstrução normativa e crítica reconstrutiva. A primeira é levada a cabo mediante as
três primeiras premissas (tanto que o autor usa o termo “reconstrução normativa” para se
referir à terceira premissa, que depende das duas anteriores), e Honneth a atribui não só a
Hegel, mas também a autores como Durkheim e Parsons. O que falta a ela é precisamente o
elemento crítico, que é como que acrescentado ao procedimento reconstrutivo já colocado em
movimento. Afinal, Honneth afirma que a reconstrução normativa sempre oferece também a
oportunidade de um emprego crítico (GaG: 28de). Se esta for realmente a intenção do autor,
podemos dizer que, ao separar reconstrução e crítica, Honneth corre o risco de reproduzir em
seu texto precisamente o desacoplamento entre teoria social e ponto de vista crítico contra o
qual ele estava inicialmente direcionado.
Uma vez que a teoria crítica, enquanto distinta das abordagens tradicionais, [tem]
que ser consciente de seu contexto de desenvolvimento, assim como de sua
aplicação política e, portanto, [deve] representar uma espécie de autorreflexão do
processo histórico, as normas ou princípios aos quais a crítica se [refere podem] ser
apenas aqueles que, de alguma forma, [estão] ancorados na própria realidade
histórica (RGV: 64de; 49en).
O pressuposto fundamental para que essa exigência seja cumprida é uma intensa
colaboração entre teoria social e filosofia normativa. Mas como exatamente se dá essa
colaboração? Como os resultados das pesquisas no campo das disciplinas das ciências sociais
podem ser articulados sob uma perspectiva eminentemente normativa? Seu papel limita-se a
fornecer os dados concretos sobre os quais se aplica a crítica? Em outras palavras: a análise
social está restrita a uma fonte de dados para as premissas da normatividade, da imanência e
da seletividade, restando para o teórico de perspectiva normativa o momento da
transcendência (crítica)?
apoio na realidade para que possam contribuir para os debates que se dão entre os atores
políticos acerca de dilemas de justiça no nível empírico. Assim, “é preciso extrair outras
normas, ainda não justificadas filosoficamente, antes que se abra a visão para uma solução
‘justa’” (PaS: 8de).
O livro de Miller se apresenta como um esforço para superar essa situação porque
questiona o desacoplamento prevalente na atualidade entre as concepções liberais de justiça
que se tornaram consensuais, de um lado, e o mundo pré-científico das convicções, de outro.
Miller questiona a generalização da igualdade como princípio único da justiça para todos os
contextos sociais, ao passo que são preteridas as demais concepções de justiça dos sujeitos
concretos e é, assim, eliminada a diversidade de princípios realmente existente.299 Tal
“esquecimento com relação à empiria” (Empirievergessenheit) das teorias da justiça
predominantes na atualidade reflete-se na sua baixa ressonância quanto à resolução dos
desafios concretos presentes no discurso público. A proposta de Miller é fazer jus à
pluralidade de concepções pré-teóricas validadas pelos destinatários de sua teoria, isto é, pelos
próprios sujeitos concernidos (PaS: 9de).
Honneth reconhece que Miller não é único autor que propõe uma pluralidade de
princípios de justiça. Tanto Michael Walzer quanto Luc Boltanski e Laurent Thévenot
notoriamente trabalham com essa diversidade, por exemplo.300 Mas há, para Honneth, uma
diferença fundamental entre esses autores e David Miller: em lugar de definir – seja
hermeneuticamente (Walzer), seja empiricamente (Boltanski e Thévenot) – quais são os
princípios de justiça que coordenam a distribuição em uma sociedade a partir dos bens a
serem distribuídos, ele realiza uma espécie de combinação entre pesquisa sociológica e
filosofia política que o permite observar os diferentes princípios de distribuição a que os
sujeitos recorrem dependendo do tipo de relação que estabelecem entre si. A questão não se
299
O grande exemplo aqui é, mais uma vez, a teoria da justiça de John Rawls: apesar de afirmar que chega a
seus princípios de justiça em consonância com as concepções básicas dos cidadãos comuns, ele não se
preocupa, diz Miller, com os estudos empíricos nos quais essas convicções foram de fato pesquisadas. À
diferença da apropriação escrupulosa das pesquisas no campo da psicologia moral, da teoria econômica e de
outras disciplinas, a sociologia moral não tem espaço em Uma teoria da justiça. Se Rawls tivesse levado
essas pesquisas acerca das sensibilidades cotidianas de justiça em consideração, acredita Miller, ele não teria
confinado os princípios de justiça aos limites da ideia de equidade.
300
Cf. Walzer (2003); Boltanksi & Thévenot (1991). O autor aborda especificamente esses pensadores em
Honneth (1991) e Honneth (2008), respectivamente.
351
limita, portanto, à constatação concreta da pluralidade de bens sociais, mas abrange a tentativa
de interpretação do sentido das relações sociais entre os atores.
O que vale em uma direção para a pesquisa empírica da justiça, vale segundo
Miller na direção oposta também para a teoria filosófica da justiça; assim como o
sociólogo se apoia nas clarificações conceituais do filósofo político, também este
depende, inversamente, das investigações daquele acerca da cultura moral
cotidiana (PaS: 11de).
352
Uma vez, no entanto, que as pesquisas empíricas carecem na maioria das vezes de
clarificações filosóficas preliminares, faz-se necessário realizar não apenas a triagem do
material empírico, mas também um processamento interpretativo e categorial, que Honneth
chama nesse texto de “reconstrução filosófica” (PaS: 163de). O modo como isso é realizado
no livro de Miller é considerado por Honneth uma obra-prima, uma “joia” (Glanzstück) da
combinação entre pesquisa social e filosofia (PaS: 12de).301 O procedimento se dá da seguinte
maneira: os resultados que, à primeira vista, têm a aparência de um conjunto caótico de todas
as posturas possíveis com relação a situações distributivas e não parecem tomar quase
nenhuma forma sistemática, ganham uma ordenação na medida em que as respostas são
agrupadas de acordo com critérios que são teoricamente formulados sem violentar o material
coletado (PaS: 12de) – o que dá a entender que tais critérios não estão já prontos antes de se
iniciar a análise do material, mas são formulados em sua versão mais acabada justamente ao
longo dessa análise, numa relação de efeitos recíprocos com os dados empíricos. Assim,
Miller consegue não apenas inferir conclusões sobre se os envolvidos utilizam regras
consistentes para a resolução de problemas de justiça, mas também filtrar ou destilar
(herausdestillieren) gradualmente, da multiplicidade das tomadas de posição, uma
regularidade na utilização de regras de distribuição.
No caso de Miller, o principal resultado dessa reconstrução aponta não para um,
mas para três princípios mobilizados quotidianamente pelos concernidos em questões de
justiça, dependendo do contexto social no qual eles são tocados por um problema de
distribuição:302 o princípio da igualdade (nas relações entre cidadãos na esfera pública e
301
Miller realiza essa triagem no capítulo 4 de seu livro, intitulado “Distributive Justice: What the People
Think”.
302
Ao defender essa concepção tripartite e, portanto, pluralista de justiça, Honneth se contrapõe à noção de que
há apenas um princípio ou um procedimento legítimos de justiça. Esta concepção monista da justiça se
encontraria não apenas em Rawls, mas também em outros autores criticados por Honneth, como Fraser (para
quem tanto a redistribuição quanto o reconhecimento são meios para o princípio mais alto da paridade de
353
Para dar conta dessa exigência, Miller desenvolve no segundo capítulo de seu
livro as linhas gerais de uma concepção de justiça cuja única fonte de justificação são as
nossas “crenças intuitivas compartilhadas”, de forma que se considera que uma teoria da
justiça bem fundamentada é aquela na qual os juízos encontrados empiricamente entram em
uníssono com nossas – isto é, do ponto de vista do teórico – convicções intuitivas
teoricamente refinadas (PaS: 15de; 125en). Tal refinamento consiste em identificar os
elementos que podem ser considerados relevantes com referência ao tipo de relação que é
estabelecida entre os sujeitos em questões de justiça, separando-os dos inúmeros outros que
constroem a realidade social em seu conjunto. É isso que significa uma reconstrução reflexiva
de nossas concepções intuitivas, que se distingue de forma sutil – mas decisiva – de uma
descrição de nossas concepções factuais de justiça. Com razão, Honneth reconhece nesse
procedimento uma semelhança com o mecanismo rawlsiano do “equilíbrio reflexivo”, com a
diferença de estabelecer um vínculo com os resultados das pesquisas sociológicas de cunho
empírico. Ao passo que Rawls pretende encontrar um equilíbrio entre princípios de justiça
filosoficamente assegurados (pelo teórico) e as intuições quotidianas bem refletidas (também
pelo teórico, apesar de ele visar encontrar intuições “razoáveis”, que os concernidos possam
aceitar), Miller procura a interseção entre as intuições de justiça socialmente estabelecidas
mas teoricamente depuradas (pelo teórico) e os juízos factuais de justiça (dos atores sociais;
PaS: 166de).
participação) e autores que partem da ética do discurso, como Rainer Forst (que considera as diferenças entre
contextos da justiça o resultado da aplicação diversificada de um mesmo princípio procedimental, ligado à
ideia de justificação).
354
Nesse sentido, Miller parece flutuar entre duas interpretações do seu próprio
procedimento, ora argumentando de maneira meramente imanente e histórica, ora
querendo inserir adicionalmente uma justificação normativa; por isso seu livro
permanece, em seu conjunto, indecidido quanto a esse ponto, isto é, quanto ao que
diz respeito à fundamentação de uma teoria da justiça como contrapeso aos
achados empíricos (PaS: 11de; 128en).
O que pode, portanto, ser extraído desse texto para clarificar o posicionamento
honnethiano sobre o vínculo entre filosofia normativa e análise social deixa-se resumir na
seguinte formulação: a única forma de evitar seja a introdução de critérios heterônomos na
crítica social empiricamente informada, seja o seu oposto, a mera reafirmação dos padrões de
356
É preciso destacar nessa discussão que, mesmo quando ainda não havia sido
elevada ao estatuto de conceito metodológico consciente e central da teoria de Honneth, a
ideia de reconstrução já se fazia presente – especialmente no sentido formulado pelo autor no
posfácio a Luta por reconhecimento, isto é: no sentido de procurar reconstruir aquelas normas
orientadoras da ação que não são explícitas, articuladas e organizadas formalmente, mas
transparecem apenas mediante um trabalho de desvelamento das atitudes, discursos, estruturas
emocionais e comportamentos práticos presentes no quotidiano dos atores sociais. É nessa
direção que deve ser compreendida a reconstrução biográfica que caracteriza a proposta de
uma metodologia intersubjetivista e processual para a realização de investigações empíricas
de teoria social feita por Honneth (et al.) no texto sobre a biografia latente, ainda no final dos
anos 1970. Na sua produção teórica posterior, se Honneth não procurou dar continuidade ao
método reconstrutivo da biografia latente, os mesmos objetivos foram perseguidos mediante a
apropriação das pesquisas sociais de uma série de vertentes conceituais – historiográficas,
sociológicas, psicanalíticas e etnográficas – bem como da sensibilidade não conceitual de
apreensão da realidade representada pela arte.
358
Essa similaridade não deve nos impedir de notar que o modo de investigação de
um livro parece ser o inverso do outro. A escrita de Luta por reconhecimento foi motivada,
como uma análise de seus textos da década de 1980 mostra (cf. o Capítulo 1), pelo esforço
de compreender por que os atores sociais demonstram uma disposição para se engajar em
diferentes tipos de lutas sociais. Suas reações negativas aos sentimentos de injustiça e às
experiências de desrespeito são tidas como algo que pode revelar a violação de princípios
normativos implícitos que, do contrário, permaneceriam velados, invisíveis na esfera pública
304
Note-se que, ao contrário do que acontece em O direito da liberdade, Honneth não desenvolve em Luta por
reconhecimento consequências sociais negativas da fixação na concepção insuficiente – centrada no
autointeresse – de motivação dos conflitos sociais; e tampouco está presente uma consideração do papel
positivo que essa concepção poderia exercer, quando integrada de modo adequado, na compreensão da
realidade social. Esta parece ser uma consequência do fato de que Honneth procura se contrapôr de forma tão
intensa à tese da tecnocracia que marca os modelos de teoria crítica que lhe precedem, que a própria ideia de
ação estratégica, instrumental ou autointeressada sai decisivamente de cena.
359
bem como para a teoria social (e, inclusive, para os próprios atores sociais). Honneth defende,
portanto, em seu livro de 1992 (cf. o Capítulo 2), que os conflitos sociais são colocados em
movimento por diferentes formas de desrespeito, que levam ao desvelamento (Erschliessung),
tanto pelo teórico quanto pelos atores sociais, da infraestrutura de reconhecimento que está na
base da sociedade. Assim, é a partir de uma violação, de uma negação, que é alcançado o
conceito positivo de reconhecimento. Para cada forma de desrespeito há, portanto, uma forma
correspondente de reconhecimento cuja violação impele os sujeitos a engajarem-se em uma
luta social. É precisamente essa luta, essa negatividade que fornece o ímpeto para um
alargamento das relações de reconhecimento e, ao mesmo tempo, produz novas – e mais
exigentes – expectativas de reconhecimento. Esse processo de aprendizagem pode ser
concebido como uma sucessão “dialética” de desrespeito, experiência de injustiça, luta por
reconhecimento, superação da luta, criação de novas expectativas de reconhecimento,
emergência de uma nova negação de reconhecimento que leva a uma nova experiência de
injustiça e a uma nova luta, e assim por diante. As lutas sociais, portanto, permitem não
apenas o desvelamento, mas também o desdobramento das expectativas de reconhecimento. O
sofrimento, então, é importante para a ação e, portanto, para o reconhecimento. Não há
reconhecimento antes ou sem desrespeito e sofrimento. Não há reconhecimento antes ou sem
uma luta por reconhecimento. E essa luta é de vida ou morte. O caminho para o
reconhecimento é, portanto, não apenas um processo conflituoso, mas também violento – o
qual pode levar à destruição mútua, mas também, dadas as condições sociais adequadas, a um
nível mais alto do desenvolvimento moral da sociedade mediante processos de
aprendizagem.305 A cristalização das relações de reconhecimento em figuras institucionais –
isto é, o momento em que um dado conflito alcança uma resolução (provisória) e a luta é
temporariamente suspensa – não parece tão importante para Honneth quanto a dinâmica
colocada em movimento no mundo pré-institucional do social.
305
Abordagens que consideram frutífero o vínculo entre sofrimento e motivação para a resistência podem ser
encontradas – não sem críticas ao projeto teórico de Honneth – em Basaure (2011b), Bernstein (2010), Foster
(1999), Iser (2008 e 2013) e Pilapil (2011 e 2013). V. d. Brink (2007) estabelece uma conexão entre o papel
dessa noção de interesse emancipatório nos escritos de Honneth com uma “ética da resistência” que ele
identifica na Minima moralia de Adorno. Apesar de, em sua réplica ao texto de v. d. Brink, Honneth recusar
essa interpretação, suas reflexões em “Uma fisiognomia da forma de vida capitalista: esboço da teoria social
de Adorno” parecerm oferecer elementos para corroborá-la (Honneth, 2007 [2005]).
360
306
Se essa é uma questão ainda em aberto no livro de 2011 (afinal, há momentos em que Honneth aponta que os
valores ou ideais a serem reconstruídos devem poder ser justificados racionalmente e ser considerados mais
avançados que os valores historicamente anteriores em termos de inclusão e generalização), os
desenvolvimentos posteriores ao livro indicam que o autor tomou o caminho do funcionalismo.
361
O deslocamento teórico levado a cabo por Honneth nos vinte anos que separam
um livro do outro poder ser visto então como uma transmutação do questionamento do “Por
quê?” hermenêutico para o do “Para quê?” funcionalista acerca da infraestrutura moral da
sociedade. A pergunta de partida de Luta por reconhecimento – “Por que determinados
valores ou ideais normativos impelem os indivíduos e grupos a se engajarem em lutas
sociais?” – é substituída, em O direito da liberdade, pela seguinte: “Quais valores ou ideais
normativos são funcionais para a reprodução social não transtornada?”. Tomando em
consideração a própria concepção honnethiana do déficit sociológico da teoria crítica – isto é,
o insucesso em levar em conta adequadamente seja o caráter conflituoso, seja o caráter
normativo da integração social –, parece que O direito da liberdade sofre ao menos
parcialmente de uma deficiência similar. Afinal, em que pese o fato de que a normatividade
continue central para a abordagem de Honneth, a noção de transformações sociais que
acontecem como o resultado de conflitos e lutas sociais perde gradual mas decisivamente
espaço para uma concepção de reprodução social cujos mecanismos funcionam apesar das
anomalias sociais que acometem, como transtornos de funcionamento, primordialmente a
relação harmoniosa entre instituições ou esferas éticas. Essa tendência é reforçada com a
posterior adoção do vocabulário em torno das doenças ou enfermidades da sociedade, vista
como doravante como um organismo ontologicamente diferenciado dos indivíduos que a
compõem e analisável a partir da perspectiva do observador (cf. o Excurso 3).
Não é claro, então, se o livro de 2011 pode reconciliar essa visão com sua
contraparte necessária: o ponto de vista dos atores sociais concernidos. Ao tentar superar o
que foi por vezes visto como uma fragilidade da teoria da luta por reconhecimento, Honneth
parece ter debilitado uma dimensão decisiva de sua força: a capacidade de extrair da dinâmica
da luta, e não da estática do instituído, o material daquilo que podemos chamar de “o social”.
contudo, entram no campo de visão ganhos críticos cruciais do deslocamento teórico que leva
de Luta por reconhecimento a O direito da liberdade.307
Tendo apenas os escritos de Honneth dos anos 1990 em vista, não fica claro como
o sofrimento individual se traduz em uma espécie de resistência que pode ser coletivamente
articulada e resultar em reivindicações políticas de movimentos sociais;308 Honneth tampouco
fornece indícios explicativos que possam ajudar a entender por que é tão frequente que essa
tradução ocorra de modo distorcido ou simplesmente não aconteça. O autor foi amplamente
criticado por não ter lidado de forma satisfatória com estas questões. Assim, uma série de
autores ressaltou o que parece ser a maior fragilidade do modelo crítico honnethiano da luta
por reconhecimento: o menoscabo das condições estruturais de poder e dominação
característicos das sociedades capitalistas contemporâneas que impedem os atores sociais de
articular suas experiências negativas e de resistir ao desrespeito injustificado. De certa forma
preso a uma concepção hegeliana do movimento dialético, que enfatiza o lugar da
reconciliação das contradições, Honneth não se mostrou em condições de incluir em sua
abordagem os travamentos estruturais e sistemáticos que impedem o transcorrer paulatino
(ainda que conflituoso e não linear) dos processos sociais de aprendizagem, concebidos como
a realização de uma racionalidade social latente na modernidade. Essa crítica a Honneth
assumiu diferentes formas na pena de seus comentadores, como foi sugerido na Introdução
desta tese. Ela foi concebida muitas vezes como a reprovação de uma visão essencialmente
positiva da ideia de reconhecimento e mesmo da luta por reconhecimento, que não atenta para
fenômenos de opressão inscritos no ordenamento social (déficit de negatividade), como falta
de análises focadas nas instituições (déficit institucional), como ausência de uma teoria do
poder e de análises de problemas como a submissão e o autoritarismo (déficit político), ou
como negligência dos fenômenos da exploração e da desigualdade social (déficit econômico).
O resultado dessa perspectiva foi enunciado também, finalmente, como um déficit
normativo.309
307
Nosso capítulo sobre Honneth em The Palgrave Handbook of Critical Theory apenas discute em detalhes as
perdas, e não os ganhos representados por esse percurso (cf. Teixeira, 2016).
308
Exatamente este é o ponto criticados por Basaure (2011b), que sugere a categoria de “reconhecimento
político” para sar conta dessa deficiência.
309
Enquanto boa parte dessas críticas levanta importantes questões a serem enfrentadas por Honneth, uma parte
delas é fruto, por certo, de uma profunda incompreensão do modelo crítico da luta por reconhecimento.
363
livremente sua concepção de vida boa, acrescentando que essa perda de perspectivas para a
autorrealização intersubjetiva é necessariamente acompanhada de algum tipo de sofrimento
social (PdV: 35de; 25en). Honneth atribui a Freud a noção, apropriada pela teoria crítica, de
que as patologias sociais devem expressar-se sempre em um tipo de sofrimento que mantém
vivo o interesse no poder emancipatório da razão (PdV: 49de; 36en). Essa experiência é
dolorosa porque, para Honneth, os seres humanos não podem permanecer indiferentes diante
de uma restrição injustificada de suas capacidades racionais.
310
Se Honneth não houvesse acrescentado a ressalva de que a racionalidade social é assim apenas distorcida, e
não eliminada, seu modelo crítico estaria no entanto fadado às mesmas aporias que caracterizam parte da
teoria crítica da primeira geração.
365
311
Em termos de diagnóstico, aliás, o percurso de Honneth faz sentido: a importância de uma noção realista de
interesse emancipatório é enfatizada nos anos 1980 e início dos 1990, tendo em vista a efervescência política
dos anos 1960 e 1970; com a posterior apatia e hegemonia neoliberal, a partir da década de 1990 até os anos
2000, a possibilidade de que o sofrimento ou o desrespeito, as patologias ou injustiças impulsionem
movimentos de resistência ativa e coletiva parece minguar drasticamente.
312
Cf. Honneth (2001 e 2002).
313
Cf. Honneth & Hartmann (2010 [2004]).
366
314
Isso significa reconhecer que, apesar de Honneth ter dedicado a introdução de O direito da liberdade para
uma apresentação da reconstrução normativa como método da teoria crítica que permitiria estabelecer a ponte
entre teoria da justiça e análise social, o livro de 2011 não representa necessariamente a melhor
implementação prática de tal método na obra de Honneth.
O propósito aqui não é, entretanto, recomendar um retorno aos escritos mais antigos de Honneth e o
abandono de qualquer desenvolvimento a partir de meados da década de 1980. Minha intenção é muito mais
modesta (e plausível) na medida em que se limita a sugerir que alguns dos impasses da obra de Honneth
podem se beneficiar das respostas ao debate conceitual entre teoria da ação e teoria sistêmica que o autor
mesmo formulou em seus escritos de juventude.
367
capaz de identificar aqueles potenciais críticos sem, de um lado, tomar a autocompreensão dos
jovens trabalhadores de forma acrítica, como se ela correspondesse imediatamente e
completamente à sua realidade profunda, mas também evitando, de outro lado, atribuir essa
realidade profunda a fatores heterônomos, externos ao atores sociais mesmos. A ideia de
biografia latente é desenvolvida, então, precisamente para superar a aporia entre o relativismo
de um método estritamente hermenêutico e o objetivismo das teorias estrutural-funcionalistas
das classes sociais. O pressuposto básico, aqui, é o de que formas de vida cultural específicas
de classe conformam um contexto simbólico que delineia o repertório de modos possíveis de
afirmação da identidade pessoal. Transmitido mediante a cultura de classe, esse repertório
silenciosamente ajuda a conformar as histórias de vida dos sujeitos, suas atitudes e decisões
biograficamente significativas. Modos de autocompreensão pessoal são, assim, sempre
levadas a cabo individualmente, mas são também estruturadas no interior do contexto
simbólico circunscrito pela cultura de classe (ZlB: 931-2). Isso apenas vem à tona, contudo,
no próprio processo de reconstrução biográfica realizado pelos atores sociais mesmos em
diálogo com um observador – nesse caso, o teórico social – que lhes pede que recontem
narrativamente suas histórias de vida, suas lutas e desejos. “Uma teoria crítica da sociedade
desdobra sua força normativa no presente”, Honneth afirma posteriormente, “na medida em
que é capaz de articular de modo advocatório tais experiências” (UoA: 304de; 264en). A
crítica apenas pode se transformar em uma práxis social, contudo, se os atores sociais dela
participam: “O conteúdo de crítica social dos padrões culturais específicos de classe que
adentram as autocompreensões biográficas permanece latente enquanto os sujeitos não o
transformarem, de modo autorreflexivo, na medida de sua própria ação” (ZlB: 938).
Uma vez que não se trata de um procedimento estático, ademais, mas sim algo
que acontece no decorrer do tempo e se renova continuamente, a noção de crítica
reconstrutiva permite um interplay concreto entre diferentes perspectivas na forma de uma
troca interativa onde ambos, observador e participante, buscam uma compreensão mais
profunda e complexa das contradições da realidade social, seus potenciais emancipatórios, e
315
Uma tentativa bastante interessante de identificar o lugar da criatividade na teoria da luta por reconhecimento
a partir de uma leitura alternativa da psicologia social de Mead pode ser encontrada em Markell (2007).
Markell aponta para a origem intersubjetiva da criatividade, em lugar de localizá-la em uma potencialidade
misteriosa do “Eu” como força pré-social.
316
Cf. a interpretação de Celikates (2009) e Repa (2008a) acerca do modelo reconstrutivo de Habermas em
Conhecimento e interesse
317
Cf. Pilapil (2011) e Ventura (2011). Pilapil propõe uma aproximação entre o modelo de Honneth e a proposta
de Iris Youg de incluir uma linguagem narrativa nos processos de justificação, de modo a dar uma expressão
pública ao sofrimento individual (cf. Young, 1996 e 2000). Para o autor, as linguagens normativa (teórica) e
narrativa (pré-teórica) se informam reciprocamente, sem primazia de uma sobre a outra.
369
seu próprio papel prático nesse contexto.318 Aqui, deve-se ter em mente que o teórico é
sempre, também, um participante (na medida em que está engajado no tecido das relações
sociais que procura entender), e que o participante é sempre, também, um observador (na
medida que articula narrativas para suas experiências de vida). O diálogo ou a conversa entre
eles assume uma forma mediada no entrelaçamento da teoria social e da filosofia normativa
com a historiografia, a sociologia e a etnografia.319 Apenas mediante a revitalização e ulterior
desenvolvimento dessa colaboração a teoria crítica pode fazer justiça às suas intenções
práticas.
318
O problema é bem colocado, mesmo se não necessariamente bem resolvido, por Celikates (2009) e Cooke
(2006).
319
A defesa do caráter imprescindível dessa cooperação entre teoria filosófica e pesquisas de cunho empírico é
uma constante nos escritos de Olivier Voirol (cf., por exemplo, Voirol 2007, 2012a e 2012b).
370
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