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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS – FACULDADE DE DIREITO

ANELISE SIQUEIRA MACHADO

CONDOMÍNIO EDILÍCIO:
UMA ANÁLISE CRÍTICA DA FRAÇÃO IDEAL COMO CRITÉRIO DE
RATEIO DE DESPESAS CONDOMINIAIS

Belo Horizonte
2015
ANELISE SIQUEIRA MACHADO

CONDOMÍNIO EDILÍCIO:
uma análise crítica da fração ideal como critério de rateio das despesas
condominiais

Monografia apresentada ao curso de Graduação em


Direito da Universidade Federal de Minas Gerais
como requisito parcial para obtenção de grau de
bacharel em Direito.

Professor Orientador: Dr. Marcelo de Oliveira


Milagres.

Belo Horizonte
2015
ANELISE SIQUEIRA MACHADO

CONDOMÍNIO EDILÍCIO:
UMA ANÁLISE CRÍTICA DA FRAÇÃO IDEAL COMO CRITÉRIO DE
RATEIO DE DESPESAS CONDOMINIAIS

Monografia apresentada ao curso de Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas


Gerais como requisito parcial para obtenção de grau de bacharel em Direito.

Data de aprovação: Belo Horizonte,

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________
Prof. Dr. Marcelo de Oliveira Milagres
Orientador

__________________________________________________
Prof(a). Dr(a)...............................................................................
Examinador(a)

___________________________________________________
Prof(a) Dr.(a) ...............................................................................
Examinador(a)
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar gostaria de agradecer ao Professor Marcelo de Oliveira Milagres


pela valiosa orientação na construção deste trabalho.
Aos meus pais pelo apoio e pelo carinho. Mesmo com toda a distância que nos separa,
vocês conseguiram me consolar nos momentos mais difíceis.
E aos meus colegas de classe Isadora, Guilherme, Jéssica, Bernardo, Amanda, Tamara,
Bárbara, Igor e Gabriela pelo companheirismo e grande amizade formada no decorrer do
curso.
RESUMO

O objetivo geral do presente trabalho é analisar o problema da aplicação da fração ideal como
critério de divisão de despesas condominiais. Os principais exemplos da inadequação da
fração ideal são os moradores de cobertura e proprietários de lojas localizadas em pavimento
térreo. A partir desses exemplos e do estudo da natureza jurídica do condomínio edilício, é
possível demonstrar que a diferença das taxas pagas pelos condôminos é desarrazoada e gera
o enriquecimento sem causa. O cálculo da fração ideal está intrinsecamente ligado à área da
unidade autônoma, contudo, a área não guarda relação direta com as despesas do condomínio.
O pressuposto lógico de que uma maior unidade autônoma gera mais despesas ao condomínio
deve ser combatido, pois comporta exceções. As despesas condominiais estão ligadas à
utilização das áreas e serviços comuns a que todos os condôminos têm igual direito. O atual
trabalho propõe-se a examinar outros critérios para o rateio de despesas com fundamento nas
características gerais da propriedade horizontal. Não se pode olvidar que a fração ideal gera
desigualdades nas taxas pagas pelos condôminos. Faz-se necessária, portanto, a análise crítica
deste critério com o fim último de alcançar a igualdade, além da proporcionalidade e
razoabilidade das relações condominiais.

PALAVRAS-CHAVE: Condomínio edilício. Fração ideal. Rateio. Despesas condominiais.


Igualdade
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 7

1. NATUREZA JURÍDICA. ORGANIZAÇÃO E DESPESAS ......................................... 10

2. DESPESAS ORDINÁRIAS E EXTRAORDINÁRIAS. ANÁLISE DA LEI 4.591/64 E


DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. O PROBLEMA DO CRITÉRIO DA FRAÇÃO IDEAL
.................................................................................................................................................. 14

3. A REALIDADE DAS LOJAS, SOBRELOJAS E UNIDADES EM EDIFICAÇÕES


COM MEDIDORES INDIVIDUAIS DE CONSUMO. FRAÇÃO IDEAL E
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. CRITÉRIOS DE PROPORCIONALIDADE E
RAZOABILIDADE ................................................................................................................ 23

4. ANÁLISE DE PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS (TJMG, TJSP, TJRS, STJ) 29

5. CONCLUSÃO..................................................................................................................... 34

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 36


7

INTRODUÇÃO

A crise habitacional no Brasil não é problema recente. Desde o início do século XX é


possível visualizar algumas consequências desta problemática, como o surgimento de
barracos e favelas, principalmente nas grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro.

O espaço urbano tem sido reconstruído, concretizando o rápido processo de


urbanização vivenciado nas grandes e médias cidades brasileiras. O processo de urbanização
contribuiu para melhorar as condições de vida de parcela da população, propiciado pelo êxodo
rural e o movimento migratório entre as regiões.

Em decorrência da concentração da população nos centros urbanos, surgem os


primeiros edifícios, como forma de aproveitamento dos terrenos e acomodação do maior
número de pessoas possível numa mesma área. A verticalização emergia, assim, como
solução técnica necessária para a questão da habitação.

Contudo, a figura do edifício em apartamentos não é oriunda da era moderna. Há


historiadores que remontam à civilização pré-romana dos caldeus, no segundo milênio antes
de Cristo, a divisão de prédio em planos horizontais. A legislação, por outro lado, embora
reconhecesse o instituto, não disciplinou a matéria. Foi a partir do século XX, com o
crescimento vertical das cidades, que foi desenvolvida a disciplina jurídica deste novo
conceito de vida em comum.

No direito brasileiro, já as Ordenações do Reino faziam menção a ideia, referindo-se a


casa que de dois senhorios fosse, a um pertencendo o sótão e a outro o sobrado. A
Consolidação das Leis Civis de Teixeira de Freitas dizia em seu art. 946 que se uma casa for
de dois donos, pertencendo a um as lojas e ao outro o sobrado, não pode o dono deste fazer
janela, ou outra obra, sobre o portal daquelas (PEREIRA, 1994, p. 64).

O primeiro diploma legislativo brasileiro a regular a propriedade horizontal foi o


Decreto-Lei nº 5.481, de 25 de junho de 1928, que considerou unidades autônomas sujeitas às
limitações previstas em lei, podendo ser alienadas no todo ou em partes, desde que constante
de edifícios de mais de cinco andares, construídos de cimento armado ou matéria similar
incombustível, guardando a forma de apartamentos isolados, contendo cada uma no mínimo
8

três peças, fossem destinados a escritórios ou residência particular. Pela mesma lei ficou
disciplinada que tanto o terreno, onde foi construído o edifício, como as instalações comuns
são inalienáveis e indivisíveis, pertencendo a todos os proprietários do prédio (SILVA, 1981,
p. 33).

Posteriormente, a Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, revogou o Dec.-Lei nº


5.481 e forneceu uma abordagem mais ampla criando, assim, um conjunto de regras muito
mais abrangente e detalhado. Atualmente, o corpo normativo que regula os condomínios
edilícios é composto principalmente pela Lei 4.591/64 e o Código Civil de 2002.

O objetivo deste trabalho é analisar a natureza jurídica do condomínio edilício bem


como os instrumentos legislativos que o regulam a fim de identificar e analisar criticamente o
problema da fração ideal como parâmetro de rateio das despesas condominiais.

Uma vez que os condôminos são coproprietários das áreas comuns, tal condição os
sujeita a uma série de obrigações, sendo a principal delas, a contribuição com as despesas do
condomínio que, segundo a lei, serão divididas de acordo com a fração ideal, salvo se a
convenção dispuser de outra forma.

Entretanto, a fração ideal não se mostra como o critério mais adequado para a divisão
de despesas, sendo os principais paradigmas desta inadequação os moradores de cobertura e
os proprietários de lojas no térreo, que na maioria das vezes pagam uma taxa muito maior de
despesas condominiais, comparado aos demais condôminos.

Esta diferença entre as taxas pagas têm gerado certa indignação em alguns
condôminos e, via de consequência, o aumento do número de ações judiciais que objetivam a
alteração da convenção para a mudança do critério de rateio de despesas.

Embora a jurisprudência ainda não tenha se debruçado detidamente sobre o tema, é


necessária uma análise mais profunda com o fim de coibir, inclusive, o enriquecimento sem
causa.

Neste contexto, o atual trabalho monográfico propõe-se a demonstrar que a fração


ideal é um critério injusto para a divisão das despesas condominiais e apresentar um novo
9

parâmetro para o rateio com base nas características gerais dos condomínios existentes no
Brasil.

Busca-se realizar ainda uma nova leitura sobre o condomínio edilício de modo a
analisar suas especificidades em relação ao condomínio tradicional com o fim de indicar a
inaplicabilidade da fração ideal diante da realidade vivida dentro dos edifícios em
apartamentos.
10

1. NATUREZA JURÍDICA. ORGANIZAÇÃO E DESPESAS

A natureza jurídica é definida por Maria Helena Diniz como a "afinidade que um
instituto tem em diversos pontos, com uma grande categoria jurídica, podendo nela ser
incluído o título de classificação" (DINIZ, 1996, p.101). Portanto, determinar a natureza
jurídica de um instituto consiste em determinar sua essência para classificá-lo dentro do
universo de figuras existentes no Direito.

Constitui tarefa árdua ao jurista fixar a natureza jurídica da propriedade horizontal, eis
que abrange uma série de especificidades que a diferenciam do condomínio tradicional, ao
mesmo tempo que a ideia deste instituto está contida na figura do condomínio edilício.

Segundo Clóvis Bevilaqua, condomínio ou copropriedade é “o direito de propriedade,


exercido por mais de uma pessoa, conjuntamente sobre uma coisa, cabendo a cada uma o
mesmo poder jurídico, idealmente na totalidade e nas mínimas partes da coisa”.
(BEVILAQUA, 1956, p. 211).

Esta é a definição de condomínio tradicional, regulado nos arts. 1.314 e seguintes do


Código Civil e se aplica às áreas comuns do edifício. Nas palavras de Caio Mário da Silva
Pereira:

[...] no condomínio a ideia mestra está no exercício conjunto das faculdades inerentes
ao domínio pela pluralidade de sujeitos, por tal arte que cada um deles tenha um poder
jurídico sobre a coisa inteira, em projeção de sua quota ideal, sem excluir idêntico
poder nos consócios ou coproprietários1

Contudo, o condomínio tradicional é insuficiente para definir o condomínio edilício,


pois este apresenta características além do condomínio geral. Assim, o condomínio edilício
abrange além das áreas comuns, reguladas pelos institutos do condomínio tradicional, as
unidades privativas, que se regulam pelo direito de propriedade. Nas suas linhas fundamentais
diverge a propriedade horizontal da comunhão pro indiviso tradicional, e coincidentemente
insurge-se contra os seus princípios cardeais (PEREIRA, 1994, p. 77).

1
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e incorporações. 10. ed. /atual. segundo a legislação vigente e
elaboração jurisprudencial. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 76
11

Pode-se dizer, então, que a ideia de condomínio tradicional está inserida no conceito
de condomínio edilício. E pelo mesmo motivo de o condomínio tradicional não abranger
completamente a figura do condomínio edilício é que se pode estatuir que este é de natureza
complexa ou, ao menos, ambivalente, uma vez que é formado por dois espaços diferentes: as
áreas comuns, regidas pelas regras de condomínio tradicional e as unidades autônomas, sob as
quais os condôminos exercem domínio exclusivo. O art. 1.331, §§ 1º e 2º do Código Civil
reflete esta noção:

Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes
que são propriedade comum dos condôminos.

§ 1o As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos,


escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas
outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e
gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não
poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo
autorização expressa na convenção de condomínio.

§ 2o O solo, a estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de distribuição de água,


esgoto, gás e eletricidade, a calefação e refrigeração centrais, e as demais partes
comuns, inclusive o acesso ao logradouro público, são utilizados em comum pelos
condôminos, não podendo ser alienados separadamente, ou divididos.

Sobre o caráter complexo da propriedade horizontal, Caio Mário acentua que: “no
deslindar o problema de sua natureza jurídica, é essencial ter em vista que dois tipos de
propriedade aí coexistem: a propriedade individual e a propriedade coletiva. Não se pode
conceber o domínio sobre a unidade autônoma sem o condomínio das partes comuns”
(PEREIRA, 1994, p. 79)

Everaldo Augusto Cambler define-o como uma situação jurídica complexa entre
copropriedade e domínio exclusivo.

Ao contrário do condomínio em geral, o condomínio edilício pressupõe uma situação


jurídica de natureza complexa, onde o titular do direito conjuga em si o exercício da
copropriedade sobre as partes comuns e do domínio exclusivo sobre as partes
privativas, domínio este exercido nos limites da existência de diversas propriedades
confinantes. 2

No edifício, portanto, há partes de uso comum e partes exclusivas. São consideradas


comuns as coisas destinadas ao serviço do edifício: o solo, as escadas, as paredes mestras, os

2
CAMBLER, Everaldo Augusto. Condomínio edilício. Estudos em homenagem ao Acadêmico Ministro
Moreira Alves. São Paulo: Fiuza Ed.; Academia Paulista de Magistrados, 2003, p. 178
12

pátios, os elevadores, a portaria, a fachada, etc. As áreas de uso exclusivo são constituídas
pelas unidades autônomas.

O condomínio edilício pode ser classificado em residencial, comercial ou misto,


quanto à sua finalidade. Será residencial se as unidades privativas forem apartamentos;
comercial, se forem salas, lojas, sobrelojas, consultórios, escritórios, clínicas, etc. e misto o
edifício que contiver ambos. Os condomínios de edifícios não residenciais ainda podem ter
por objeto os prédios para garagens, mercados, estações rodoviárias, etc.

O condomínio edilício é ente despersonificado, contudo, assiste-lhe a capacidade


processual e ativa. O síndico é a pessoa eleita em assembleia para representar o condomínio
judicial e extrajudicialmente, praticando todo e qualquer ato em defesa dos interesses comuns.
Pode ou não ser condômino, de modo que o condomínio pode proceder à contratação de
empresa administradora, que presta serviços especializados, o chamado “síndico
profissional”, encarregado da gerência do condomínio. Além da representação, as demais
atribuições do síndico estão previstas no art. 22 da Lei 4.591/64 e 1.348 do Código Civil.

A convenção constitui-se de um instrumento escrito que se destina a disciplinar as


relações entre os condôminos no tocante a propriedade comum, estabelecendo-se direitos e
deveres e obrigando de um modo geral aos condôminos e aos terceiros a participarem do
condomínio. Em suma, a convenção regula a vida do condomínio e, com exceção das normas
contidas no art. 9º, §3º da Lei 4.591/64, as demais disposições da convenção podem ser
livremente elaboradas e discutidas entre os condôminos. A convenção é instrumento
obrigatório que por sua natureza contratual sujeita todos os condôminos a respeitá-la e, uma
vez registrada, adquire natureza erga omnes, aplicando-se a condôminos e não condôminos.

Conforme art. 24 da Lei 4.591/64, obrigatoriamente, será realizada uma vez ao ano
Assembleia Geral para deliberar sobre as despesas ordinárias e decidir as matérias de interesse
geral do condomínio. A todos os condôminos é atribuído o direito de participar, manifestar e
votar nas assembleias gerais, desde que esteja adimplente com suas obrigações. Ressalte-se
que este direito não é exclusivo do proprietário de unidade autônoma, mas ao condômino, ou
seja, aquele que participa ativamente da vida do condomínio. Nesse sentido, o não
proprietário, a exemplo do locatário, tem o direito de participar das assembleias gerais. A
Assembleia Extraordinária, por sua vez, não tem a obrigatoriedade de ser realizada
13

anualmente, mas poderá ser convocada para deliberar sobre despesas extraordinárias,
alteração da convenção, destino do condômino nocivo, entre outros assuntos.

Na propriedade horizontal, a copropriedade das partes de uso comum e a propriedade


individual da unidade autônoma garantem uma condição única ao condômino. Somente esta
simbiose orgânica dos dois conceitos, na criação de um direito complexo, é que oferece
justificativa precisa aos direitos e aos deveres dos condôminos (PEREIRA, 1994, p. 93).

O Código Civil de 2002 dispõe nos arts. 1.335 e 1.336 o rol dos direitos e deveres dos
condôminos, sendo que entre os principais deveres figura o de concorrerem para as despesas
de condomínio, expressão ampla que abrange não somente as verbas dispendidas com a
conservação ou manutenção do edifício, mas também as destinadas a obras ou inovações
aprovadas pela assembleia de condomínio. O estudo dessas despesas será feito
detalhadamente no capítulo seguinte.
14

2. DESPESAS ORDINÁRIAS E EXTRAORDINÁRIAS. ANÁLISE DA LEI 4.591/64 E


DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. O PROBLEMA DO CRITÉRIO DA FRAÇÃO IDEAL

Jorge Tarcha e Luiz Antônio Scavone Junior definem despesas de condomínio como
sendo aquelas necessárias ao funcionamento do edifício, seu embelezamento e manutenção
(TARCHA; JUNIOR, 2000, p. 1).

As despesas condominiais são realizadas nas partes de uso comum do condomínio e se


classificam em ordinárias e extraordinárias. Por despesas ordinárias, além das expressamente
discriminadas no art. 23, § 1º da Lei 8.245/19913, entendem-se aquelas de manutenção e
aquelas necessárias à administração do condomínio. Englobam salários de empregados e
demais encargos trabalhistas, água, energia elétrica, limpeza e conservação das áreas comuns,
manutenção e conservação de elevadores, entre outras.

Exemplificadas no art. 22, parágrafo único da Lei 8.245/19914, as despesas


extraordinárias são aquelas que não se referem a gastos de manutenção, nem são necessárias
para a administração do condomínio, mas interessam à estrutura do edifício ou, de alguma

3
§ 1º Por despesas ordinárias de condomínio se entendem as necessárias à administração respectiva,
especialmente:
a) salários, encargos trabalhistas, contribuições previdenciárias e sociais dos empregados do condomínio;
b) consumo de água e esgoto, gás, luz e força das áreas de uso comum;
c) limpeza, conservação e pintura das instalações e dependências de uso comum;
d) manutenção e conservação das instalações e equipamentos hidráulicos, elétricos, mecânicos e de
segurança, de uso comum;
e) manutenção e conservação das instalações e equipamentos de uso comum destinados à prática de
esportes e lazer;
f) manutenção e conservação de elevadores, porteiro eletrônico e antenas coletivas;
g) pequenos reparos nas dependências e instalações elétricas e hidráulicas de uso comum;
h) rateios de saldo devedor, salvo se referentes a período anterior ao início da locação;
i) reposição do fundo de reserva, total ou parcialmente utilizado no custeio ou complementação das
despesas referidas nas alíneas anteriores, salvo se referentes a período anterior ao início da locação.
4
Parágrafo único. Por despesas extraordinárias de condomínio se entendem aquelas que não se refiram aos
gastos rotineiros de manutenção do edifício, especialmente:
a) obras de reformas ou acréscimos que interessem à estrutura integral do imóvel;
b) pintura das fachadas, empenas, poços de aeração e iluminação, bem como das esquadrias externas;
c) obras destinadas a repor as condições de habitabilidade do edifício;
d) indenizações trabalhistas e previdenciárias pela dispensa de empregados, ocorridas em data anterior ao
início da locação;
e) instalação de equipamento de segurança e de incêndio, de telefonia, de intercomunicação, de esporte e de
lazer;
f) despesas de decoração e paisagismo nas partes de uso comum;
g) constituição de fundo de reserva.
15

forma, aumenta seu valor. Envolvem a estrutura do prédio ou serviços comuns, no interesse
de toda comunidade, bem como as inovações introduzidas no edifício.

As despesas ordinárias decorrem do orçamento aprovado pela assembleia anual do


condomínio, consistindo em obrigação do síndico solvê-las para garantir o funcionamento
ordinário do condomínio, sob pena de sua responsabilização. Por outro lado, as despesas
extraordinárias são fixadas apenas esporadicamente e por esse motivo devem ser discutidas e
deliberadas em Assembleia Geral Extraordinária.

Os diplomas legais vigentes em matéria de propriedade horizontal são o Código Civil


de 2002 e a Lei 4.591, de 16 de dezembro de 1964, baseada em um anteprojeto do Professor
Caio Mário da Silva Pereira, que dispõe, não só sobre o condomínio em edificações, mas
também sobre as incorporações imobiliárias.

Em matéria de condomínio, o Código Civil inovou, passando a destacar e tratar em


capítulos distintos, os Condomínio Geral (Capítulo VI) e o Condomínio Edilício (Capítulo
VII) , sendo certo que esta matéria não era tratada no Código Civil de 1916. A estrutura da
disciplina trazida pelo Código Civil de 2002 divide as regras sobre o condomínio edilício em
três seções: “Disposições Gerais”; “Da administração do condomínio” e “Da extinção do
condomínio”. Ao longo dos arts. 1.331 a 1.358, verificam-se regras que tratam da estrutura
básica da propriedade condominial, dos requisitos básicos da convenção de condomínio, dos
direitos e deveres dos condôminos, da administração do condomínio (atribuições do síndico e
da assembleia geral de condôminos) e da extinção do condomínio.

A matéria foi regulada no Brasil originalmente pelo Dec. 5.481/1928, que só permitia
a propriedade fracionada em edifícios com mais de cinco pavimentos, sendo posteriormente
reduzido para três pavimentos pelo Dec.-Lei 5.234/1943.

Posteriormente, a matéria veio a ser tratada de forma mais próxima à realidade social
pela Lei 4.591/64, que acabou por inovar ao regular questões como a configuração dos
encargos condominiais e acessórios como obrigações de natureza propter rem; a necessidade
de uma convenção de condomínio, entre inúmeros outros direitos, obrigações e deveres.
16

Com a entrada em vigor do novo Código Civil, iniciou-se um debate a respeito da


possível derrogação dos artigos 1º ao 27 da Lei 4.591. Porém, prevaleceu o entendimento pelo
aparente conflito de normas, sob o fundamento de que as regras estabelecidas quanto ao
condomínio edilício do Código Civil devem ser aplicadas diretamente e em detrimento das
regras estabelecidas na Lei 4.591/64, que passam a ter uma força puramente subsidiária para
as hipóteses de omissões e para as questões em que não ocorra o conflito de normas.

Traçando um quadro comparativo entre as duas disciplinas normativas, conclui-se que,


na verdade, a maior parte da Lei 4.591/64 é perfeitamente compatível com o novo Código
Civil, mesmo porque os regramentos são em grande parte idênticos.

O novo Código Civil não se limitou a trazer disposições gerais, nem trazer novas
disposições especiais sobre condomínio edilício. A intenção foi regular inteiramente a
matéria, embora tenham permanecido algumas lacunas. De acordo com a crítica de Arnoldo
Wald, o Código Civil acabou por perder a oportunidade de tratar especificamente de temas
como os shopping centers, os apart-hotéis e as propriedades compartilhadas com o time
sharing. (WALD, 2009, p. 162-163).

Em resumo, pelo princípio da unidade e da coerência da ordem jurídica, a experiência


legislativa anterior deve ser considerada, não pelos dispositivos que produziu, mas pela
maturação dos conceitos e concretização dos valores que promoveu. Dessa forma, a Lei
4.591/64 é de suma importância para a regulação dos condomínios edilícios e deve ser
aplicada complementarmente ao Código Civil.

O Código Civil de 2002 dispõe em art. 1.331, §3º sobre a fração ideal:

§ 3o A cada unidade imobiliária caberá, como parte inseparável, uma fração ideal no
solo e nas outras partes comuns, que será identificada em forma decimal ou ordinária
no instrumento de instituição do condomínio.

Da leitura do dispositivo, observa-se a obrigatoriedade de estipular a fração ideal. O


Código Civil é cogente ao determinar que os condomínios em edifícios tenham a
obrigatoriedade de possuir um documento onde esteja prevista a fração ideal correspondente a
cada unidade (apartamento, sala, loja, vaga de garagem, etc.).
17

A fração ideal tem como função identificar a parcela de propriedade de cada


condômino sobre as partes comuns e sobre o solo no qual se erigiu o edifício. Dessa forma, a
cada unidade autônoma corresponde uma fração ideal representativa do direito de propriedade
sobre o edifício como um todo. É a fração ideal o índice do direito do respectivo proprietário
sobre o conjunto do edifício. (PEREIRA, 1994, p. 97).

Além da função de identificação da parcela de propriedade sobre o todo, a fração ideal


é critério de rateio de despesas e divisão de receitas que, ocasionalmente, o condomínio venha
a receber, como em casos de desapropriação, indenização, repetições de indébito, etc.
Ademais, a quota parte ideal também obtém relevância em outros aspectos da vida
comunitária, merecendo destaque a contagem dos votos em assembleias gerais, que serão
proporcionais, em regra, às frações ideais, conforme previsão do art. 1.352, parágrafo único
do Código Civil.

A característica fundamental da fração ideal é existir em função da unidade autônoma,


sem que da mesma possa se desvincular. Ela resulta da fusão indissociável da propriedade
exclusiva do apartamento com o condomínio das partes comuns.

A antiga redação do § 3º do art. 1.331 preceituava que a fração ideal “é proporcional


ao valor da unidade imobiliária, o qual se calcula em relação ao conjunto da edificação”. O
anterior critério fixado pela lei sofreu severas críticas, principalmente no que diz respeito à
vinculação do valor da unidade como único critério para o cálculo da fração ideal. Alguns
ainda apontaram que não havia entendimento claro sobre como deduzir o valor de cada
unidade que pode ser definido pelo valor venal, pelo valor da construção ou pelo valor de
mercado, sendo que, na maioria das vezes, não há coincidência entre eles.

Em decorrência desses fatores, o dispositivo foi alterado pela Lei 10.931 de 02 de


agosto de 2004. Com a redação atual, a fração ideal deixou de ser atrelada exclusivamente ao
valor da unidade. A única exigência da lei é a sua demonstração expressa na forma decimal ou
ordinária.

Normalmente, as quotas ideais são obtidas através de cálculo realizado pelo


incorporador e guardam uma razão de proporcionalidade com o tamanho da unidade
autônoma. Definidas as áreas comuns do condomínio, a soma das áreas comuns é dividida
18

pela quantidade de unidades autônomas, cujo resultado é somado com a área de cada da
unidade autônoma, resultando em um número fracionário que será equivalente à fração ideal.
Desse modo, unidades autônomas com área de construção idênticas receberão a mesma fração
ideal. Em contrapartida, aos apartamentos com áreas edificadas distintas, serão concebidas
frações ideais diferentes.

Para visualizar a aplicação de frações ideais distintas, toma-se como exemplo a


cobertura do condomínio, que por ocupar uma área maior, é-lhe atribuída fração ideal maior
do que o restante das unidades autônomas da edificação.

Entretanto, o cálculo da fração ideal proporcional à área da unidade autônoma é


contestada por alguns doutrinadores, a exemplo de Caio Mário da Silva Pereira que pontua:

Não é tão simples fazer-se o cálculo, como seria se se dividisse o prédio pelo número
de apartamentos e se atribuísse a cada um, como cifra representativa da fração ideal, o
quociente respectivo. Não pode ser assim, como não pode ser adotado puramente o
critério da área, e, em razão da quadratura de cada unidade, apurar-se o valor da quota
ideal. É que vários fatores concorrem na composição do valor, dos quais podemos,
sem dúvida, mencionar a área mesma, pois é evidente que dentro de um critério
relativo as comodidades decorrentes de área maior importam em maior valorização.5

O respeitável autor defende a alteração da distribuição das frações ideais quando


ocorrer fatos exteriores à relação condominial: “Pela intercorrência de eventualidades
posteriores (...), o valor venal da unidade pode mudar, devendo a assembleia de condôminos
alterar a estimativa das frações” (PEREIRA, 1994, p. 101).

O Código Civil de 2002 preceitua que a fração ideal de cada unidade deve ser
determinada no ato de instituição do condomínio edilício:

Art. 1.332. Institui-se o condomínio edilício por ato entre vivos ou testamento,
registrado no Cartório de Registro de Imóveis, devendo constar daquele ato, além do
disposto em lei especial:
[...]
II - a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e
partes comuns;

Portanto, em princípio, mesmo que a unidade imobiliária sofra desvalorização ou


valorização no transcorrer do tempo, não é alterada a fração ideal inicialmente atribuída a

5
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., p. 98
19

cada unidade, exceto, se comprovado algum equívoco no ato que atribuir as frações ideais a
cada unidade.

Acreditamos que a fração ideal é uma divisão fictícia do edifício em cotas especiais e
individualizadas e por ser fixada no ato de constituição do condomínio não deve sofrer
variações conforme a valorização ou desvalorização das unidades autônomas. Embora um
apartamento possa ser mais valorizado do que outro, ambos têm os mesmos benefícios do
condomínio e, portanto, as mesmas responsabilidades.

De um modo geral baseiam-se as contribuições do condomínio em razão da fração


ideal do terreno da unidade, sob o princípio lógico de quem usufrui maior parcela deva
contribuir mais do que aquele que disponha de uma menor ou menos valorizada. Nas linhas
de argumentação que defendem a legalidade da cobrança por fração ideal, sustenta-se que a
potencialidade de maior uso das áreas comuns e a maior parcela de propriedade sobre o todo
justificam o pagamento de taxas maiores.

Na opinião de Antônio José Ferreira Carvalho, “o critério do rateio com base nas
frações ideais é o melhor e também o mais justo, pois quem possui um maior quinhão da
coisa, evidentemente deve pagar proporcionalmente, mais do que quem possui uma menor
parcela” (CARVALHO, 1985, p. 58).

Para Marco Aurélio S. Viana, a contribuição para as despesas condominiais deve


repousar no princípio do direito correlativo de gozo e no princípio da intensidade de uso, uma
vez que os moradores não utilizam as partes e coisas comuns com a mesma intensidade.

Se é possível estabelecer a intensidade do uso, o rateio deverá ser feito na proporção


em que cada unidade efetiva seu uso; se o serviço ou coisa comum só interessa a
algumas unidades, que aqueles que não se utilizam sejam exonerados [...]. O que
sustentamos é que não se deve impor, ao morador, participação em despesa para
atender a serviços que não lhe diz respeito, ou que lhe serve em intensidade demos
que a outros, ou ainda, aquelas relativas a coisas e partes que, embora sejam tidas
como comuns, não lhe têm nenhum proveito. O rateio deve se processar de maneira a
que cada morador pague pelo que usa, na proporção desse uso. 6

6
VIANA, Marco Aurélio S. Propriedade horizontal. Belo Horizonte: Del Rey, 1990, p. 96
20

Igualmente, a doutrina de João Nascimento Franco e Nisske Gondo preceitua que o


critério da fração ideal só deve ser adotado quando todas unidades autônomas podem utilizar-
se igualmente das coisas e serviços comuns:

Por isso, se um condômino não tem, em razão do tipo ou localização de sua unidade,
ensejo de utilizar-se de um serviço ou coisa de propriedade comum, a ele não deve ser
atribuído, na Convenção, encargo algum nas respectivas despesas [...]. Logo, onde não
existe o uso ou gozo da coisa ou bem comum não há obrigação de suportar as
correspondentes despesas de manutenção.7

Ousa-se divergir dos referidos doutrinadores, pois consideramos que a fração ideal não
é o critério mais adequado para a divisão de despesas. Em relação ao critério de uso e gozo
das partes comuns, apresentaremos nossas ressalvas no capítulo seguinte.

Especialmente nos condomínios residenciais, o pressuposto de que o proprietário de


maior fração ideal gera mais despesa e, por conseguinte, deverá arcar com maior encargo cai
por terra, na medida em que as despesas comuns se destinam a possibilitar a manutenção das
estruturas e serviços necessários para a moradia dos titulares das unidades autônomas. Na
prática, unidades menores podem contribuir mais do que as maiores para a elevação das
despesas comuns, nem por isso se justifica a diferença na cobrança das despesas.

A tese que se sustenta é que o fundamento da obrigação de contribuir para as despesas


comuns está no próprio sentido da palavra comum, que indica despesas com serviços que
aproveitam a todos.

Se o uso das partes indivisas e o serviço são comuns a todos, as despesas são da
totalidade dos coproprietários. Quando as partes indivisas são de uso de todos e o serviço é
um só para todo o edifício, as despesas devem ser rateadas igualmente. Se os condôminos
usam os serviços na mesma proporção, devem suportar os encargos em igual proporção.

Um morador de unidade maior e que, portanto, detém cota ideal maior, não pode
utilizar-se das coisas e serviços comuns desrespeitando o direito dos demais condôminos. A
fração ideal não lhe confere maior direito sobre as partes comuns. Em princípio, a utilização

7
FRANCO, J. Nascimento (João Nascimento); GONDO, Nisske. Condomínio em edifícios. 5. ed. rev. e
ampliada. São Paulo: R. dos Tribunais, 1988, p. 101.
21

das partes e coisas comuns é assegurada a todos os condôminos e ocupantes do edifício. Ela é
igual para toda a comunidade, independente das dimensões da unidade autônoma e de sua
respectiva fração ideal.

No condomínio o terreno no qual forem edificadas as unidades ainda que fragmentado


em quotas ideais para estimativa da porção cabível como propriedade comum, perdura como
um todo pertencente aos coproprietários, não sendo lícito a qualquer deles aproveitá-lo
individualmente sem o consentimento dos demais. O princípio geral adotado pelo art. 3º da
Lei 4.591/64 é o de que aquilo que sirva a uso comum pertence a todos, e em consequência
não se deve destinar a uso exclusivo de condômino e nem criar-se obstáculo a que os demais o
desfrutem.

O direito de cada proprietário tem por objeto o conjunto, e não uma porção
determinada da coisa comum. A coisa permanece indivisa, de modo que o domínio de cada
um dos condôminos não versa sobre uma parte material da coisa, tampouco sobre uma parte
ideal, porque a parte ideal da coisa é nada, não tem existência real nem significação prática
(MALUF, 1989, p. 39).

Num condomínio todos os seus integrantes possuem ao menos um objetivo em


comum, a saber: de reunir esforços para manutenção das partes comuns do edifício, através do
rateio das despesas efetuadas com a conservação e manutenção da coisa que a todos pertence.

Os condôminos utilizam os mesmos serviços e têm os mesmos benefícios do


condomínio. Se as despesas condominiais são realizadas nas partes comuns, sobre as quais
todos os condôminos têm direitos qualitativamente iguais, não nos afigura justo a diferença de
pagamento das despesas em razão da fração ideal.

Igualmente, embora a lei preveja que nas deliberações das assembleias os votos serão
proporcionais às frações ideais (art. 1.352, parágrafo único do Código Civil8), tal critério, por
si só, não é motivo razoável para ensejar a diferença no valor dos votos. Na medida em que a
todos os condôminos são atribuídos direitos iguais, essa situação deve refletir também no
momento de deliberação das assembleias, em que todos os votos devem possuir igual valor.

8
Parágrafo único. Os votos serão proporcionais às frações ideais no solo e nas outras partes comuns pertencentes
a cada condômino, salvo disposição diversa da convenção de constituição do condomínio.
22

Por todo o exposto, defendemos a inaplicabilidade da fração ideal como critério de


divisão de despesas condominiais e sustentamos que a forma de distribuição mais adequada é
o rateio igualitário das despesas entre o número de unidades. Dessa forma, todos pagariam a
mesma cota, independentemente do tamanho do imóvel ou da fração ideal.
23

3. A REALIDADE DAS LOJAS, SOBRELOJAS E UNIDADES EM EDIFICAÇÕES


COM MEDIDORES INDIVIDUAIS DE CONSUMO. FRAÇÃO IDEAL E
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. CRITÉRIOS DE PROPORCIONALIDADE E
RAZOABILIDADE

Para defender o princípio do direito correlativo de gozo e intensidade de uso


exemplifica-se o caso do proprietário de loja no térreo, que não utiliza os elevadores, serviços
de vigilância interna, nem do abastecimento de água, luz e força do edifício e, por isso, estaria
isento das respectivas despesas.

Em um condomínio unicamente residencial, o critério do uso e gozo das partes e


coisas comuns não deve ser aplicado de forma indiscriminada aos condôminos, pois, ainda
que não se utilize de determinado bem ou serviço, estes ficarão à disposição do morador.
Nesse contexto, proprietários de apartamentos localizados em andares mais baixos não podem
se comprometer a utilizar as escadas se ficarem excluídos de contribuir para as despesas de
manutenção do elevador. Da mesma forma, um condômino não pode requerer a isenção das
taxas de manutenção e limpeza da piscina ou salão de festas, alegando que nunca irá utilizá-
los.

O art. 12, § 5º da Lei 4.591/64 é claro ao determinar que não haverá isenção ou
redução das despesas pagas pelo condômino que renunciar ao direito de utilizar o bem ou
serviço comum:

§ 5º A renúncia de qualquer condômino aos seus direitos, em caso algum valerá como
escusa para exonerá-lo de seus encargos.

Quando interessam à estrutura integral do edifício, todos os condôminos devem


contribuir para sua conservação e manutenção.

Em certos condomínios mistos, os apartamentos compõem a edificação vertical e as


lojas se localizam no térreo. Quanto às lojas térreas, omissa a convenção, segue-se a
necessidade de analisar se a parte térrea é perfeitamente independente do restante do edifício,
pagando suas taxas próprias e não usufruindo dos serviços comuns, para poder pleitear
eximir-se da contribuição para benefícios que não lhe atingem. Ainda assim, não ficam
24

desobrigados os proprietários de lojas a contribuírem para as parcelas destinadas a


conservação ou segurança do edifício em seu todo.

Nesse sentido, João Nascimento Franco e Nisske Gondo defendem que:

Nas construções de edifícios de dois pavimentos contendo lojas no andar térreo e


apartamentos na parte superior, tendo as lojas acesso direto à via pública e contando
com ligações diretas aos serviços de utilidade pública, tais como água e esgoto, gás,
luz, telefone, etc., em comum com as demais unidades do edifício são apenas o
terreno, o telhado, as paredes externas e divisórias das unidades autônomas e outras
coisas ou áreas que, por sua natureza e destinação, pertencem a todos os condôminos.
Nesse caso, as lojas participam somente nas despesas de seguro contra incêndio ou de
reparação das coisas e áreas de que se utilizam, na proporção estabelecida pela
Convenção ou pela Assembleia Geral.9

As lojas térreas são mais um exemplo que prova a impropriedade da fração ideal.
Assim como as demais unidades autônomas, é-lhes atribuída uma fração ideal, contudo, esta
quota é apenas representativa, não servindo para justificar as taxas condominiais pagas pelas
lojas, uma vez que estas não usufruem do conjunto arquitetônico do condomínio e todos os
atributos que lhes são inerentes, como o elevador, limpeza, serviços de portaria, etc., de modo
que as lojas deveriam ser isentas destas despesas. Não usufruindo tais serviços, comuns, ao
proprietário não cabe contribuir para sua manutenção.

Doutrina e a jurisprudência consagram o princípio de que os condôminos devem


suportar, na proporção de sua participação no condomínio, exclusivamente as despesas de
conservação das coisas e serviços comuns, de cuja utilização efetivamente participem.

As despesas devem ser correlativas a um direito próprio de gozo. Disso resulta que as
partes excluídas dos benefícios de determinados serviços prestados à totalidade das unidades
dos edifícios não obrigam seus proprietários pelas despesas de tais benefícios decorrentes.
Não se podem atribuir ônus de despesas a comunheiros que nada têm, direta ou indiretamente,
com serviços que nenhuma utilidade lhes prestam (PEREIRA, 1994, p. 117).

Dessa forma, o proprietário da loja deve contribuir para as despesas relativas à


segurança, estrutura e conservação de todo o prédio. A isenção da contribuição em favor de
lojas inteiramente independentes do edifício nos parece justa. No entanto, se tem a

9
FRANCO, J. Nascimento (João Nascimento); GONDO, Nisske. Op. Cit., p. 04.
25

possibilidade de utilizar-se de partes comuns, a exemplo do elevador, cumpre contribuir para


a referida despesas, pois ao direito de uso deve corresponder a obrigação de o manter.

Em um condomínio unicamente residencial, a lógica que escusa as lojas térreas de


contribuírem para determinados serviços não deve ser aplicada indistintamente a todos os
condôminos. As coisas e serviços comuns do prédio podem não ser utilizados pelos
moradores, porém, isso não significa que deixarão de contribuir para as despesas
condominiais. Ainda que não utilizados, as áreas e serviços comuns ficarão à disposição do
condômino para quando bem entender usufrui-los.

Ademais, nem todo serviço ou coisa de propriedade comum pode ser contabilizada
pela quantidade e/ou intensidade do uso. Exemplo disso é o serviço de limpeza e zeladoria,
que beneficia igualmente a todos os condôminos. O direito de uso e gozo sobre as partes e
serviços comuns está sujeito ao princípio da igualdade, de modo que se a todos os
condôminos compete igual direito, corresponde-lhes o dever de contribuir em igual medida.

Não obstante, o critério da efetiva utilização não deve ser inteiramente


desconsiderado. Com efeito, certos benefícios podem ser contabilizados de forma
individualizada em cada unidade autônoma, como água, gás, energia elétrica e até mesmo
internet. Através de medidores individuais, é possível quantificar o uso desses serviços por
cada morador, contribuindo, assim, para a divisão das despesas condominiais de forma mais
justa.

A noção de justiça implica, inevitavelmente, na ideia de certa igualdade. Contudo, a


igualdade perfeita é irrealizável e só pode constituir um ideal para o qual se pode tender, um
limite do qual se pode tentar aproximar-se na medida do possível. Uma fórmula de justiça
deve conter um elemento indeterminado, uma variável que possibilitará a aplicação da justiça
concreta. (PERELMAN, 2005, p. 15).

Concebida no período da Antiguidade Clássica, a ideia de justiça ainda é vinculada à


máxima aristotélica “tratar os iguais igualmente e os desiguais desigualmente na medida de
suas desigualdades”. Essa ideia pode ser facilmente visualizada e aplicada à prática dos
condomínios edilícios, na medida em que o elemento comum entre os condôminos é a própria
condição de comunheiro, que lhes assegura os mesmos direitos e deveres, e o elemento
26

diferenciador seria a vida privada de cada morador, dentro de sua respectiva unidade
autônoma.

A aplicação da justiça se daria, portanto, no rateio das despesas condominiais,


proporcionalmente ao grau de intensidade e de uso de certos serviços. Dessa forma, a
proporcionalidade (verificada através dos medidores individuais) e a razoabilidade seriam os
princípios norteadores para a concretização da justiça e atuariam como instrumento de
proteção de direitos, assegurando o equilíbrio e a moderação no caso concreto.

Se um condômino usa das coisas ou serviços comuns em medida mais intensa,


indiretamente, os demais arcarão com os custos desse uso. O que é razoável é que todo
serviço seja retribuído pelo seu justo valor e na exata proporção em que é utilizado, sendo
absolutamente desarrazoado que o condômino seja obrigado a pagar mais ou menos do que o
utilizado. O justo então seria que cada condômino respondesse pelas despesas de manutenção
na medida proporcional ao uso que o aproveita.

Defendemos o critério da efetiva utilização quando for possível medir o uso de


determinado bem ou serviço com razoável precisão. Esses bens e serviços “quantificáveis”
através dos medidores individuais seriam as exceções à regra geral de divisão igualitária das
despesas condominiais defendida no capítulo anterior e, concomitantemente, teriam como
finalidade evitar o enriquecimento sem causa do condomínio.

A vedação do enriquecimento sem causa é regra expressa no art. 884 do Código Civil:

Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado
a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a
recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará
pelo valor do bem na época em que foi exigido.

O enriquecimento sem causa pode ser definido como transferência patrimonial sem
causa justificadora.

Tanto o enriquecimento sem causa quanto o abuso de direito, além de serem regras
positivadas no ordenamento, são princípios informadores do direito privado e orientadores da
27

hermenêutica jurídica. Sobre o enriquecimento sem causa como princípio geral do Direito,
Hugo Evo Magro Corrêa Urbano leciona:

O reconhecimento do instituto do enriquecimento sem causa como princípio é de


fundamental importância para sua valorização e construção de seu conteúdo jurídico.
Assim, ele pode ser aplicado a situações adequadas às suas diretrizes e com a
finalidade de atender aos seus verdadeiros propósitos: equilíbrio patrimonial nas
relações entre sujeitos e distribuição de bens em conformidade com as disposições
normativas estabelecidas pelo Direito objetivo.10

O enriquecimento sem causa tem reconhecida natureza de fonte de obrigações, uma


vez que seu objeto é uma prestação, qual seja, restituir bem ou vantagem cuja aquisição
ocorreu sem causa jurídica.

Para a configuração de um enriquecimento sem causa apto a gerar uma obrigação de


restituição é necessária a presença concomitante de três elementos: um enriquecimento; a
ausência de causa e a obtenção à custa de outrem.

No âmbito dos condomínios edilícios, pode-se ser verificada a presença dos requisitos
que configuram o enriquecimento sem causa no rateio das despesas condominiais pela fração
ideal.

Quando um morador de cobertura paga taxa maior do que os demais condôminos ou o


proprietário de loja térrea contribui para o custeio e manutenção de coisas e serviços comuns
que nenhuma utilidade lhe presta haverá o enriquecimento sem causa do condomínio.

Considera-se enriquecimento a obtenção de uma vantagem de caráter patrimonial


decorrente da aquisição ou incremento de valor, sem uma desvantagem equivalente. O
enriquecimento do condomínio se dá pelo aumento da receita adquirida da cobrança das
despesas condominiais. A obtenção desses valores ocorre às custas de determinados
condôminos que pagam além do que deveriam.

10
URBANO, Hugo Evo Magro Corrêa.; OLIVEIRA, Amanda Flávio de. Repensando o instituto do
enriquecimento sem causa no direito brasileiro : da teoria unitária à teoria da divisão. 2013. Tese (doutorado)
- Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Direito, p. 47
28

A obrigação de restituir restaria configurada pela ausência de causa justificativa, o que


deslegitima o enriquecimento. No enriquecimento sem causa, a conduta praticada é lícita,
embora careça de causa jurídica para a manutenção da vantagem.

O enriquecimento sem causa ainda é frequentemente relacionado com a equidade, com


a finalidade de se realizar a própria justiça que a lei tinha por escopo. Contudo, o instituto do
enriquecimento sem causa não pode servir de simples corretivo subsidiário das regras de
Direito (URBANO, 2013, p. 33).

Mediante o de enriquecimento sem causa é possível potencializar a aplicação do


instituto para resolução de conflitos resultantes de transferências patrimoniais ocorridas fora
dos quadros do contrato e da responsabilidade civil e como modo satisfatório de
recomposição patrimonial.

Verificados os requisitos que configuram o enriquecimento sem causa, o condômino


que se sentir prejudicado pode formular pretensão buscando ser restituído nos valores pagos
indevidamente pela imposição da fração ideal como critério de rateio de despesas.

Tem-se no enriquecimento sem causa um meio de combater desequilíbrios e


desigualdades, que no caso concreto, estariam caracterizadas nas diferenças de taxas
condominiais pagas entre os condôminos e que muitas vezes se mostram desarrozoadas.

Como cláusula geral e como princípio do ordenamento jurídico brasileiro, o


enriquecimento sem causa visa assegurar a garantia de equilíbrio e comutatividade nas
relações obrigacionais. No âmbito do condomínio edilício, sua finalidade precípua está
vinculada a divisão equânime das despesas entre os condôminos, independentemente de suas
respectivas frações ideais.
29

4. ANÁLISE DE PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS (TJMG, TJSP, TJRS, STJ)

Em matéria de condomínio edilício, especificamente sobre a fração ideal como critério


para o rateio das despesas, ainda não há jurisprudência consolidada sobre o tema. Entretanto,
observa-se o crescente número de ações que visam alterar a convenção e, por conseguinte, o
parâmetro de divisão de despesas. A seguir serão colacionadas decisões de tribunais estaduais
e do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria.

AÇÃO DECLARATÓRIA - PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA -


REQUISITOS DO ART.273 DO CPC - CONFIGURAÇÃO - RATEIO DAS
DESPESAS CONDOMINIAIS - CRITÉRIO DAS FRAÇÕES IDEAIS -
INADEQUAÇÃO. Segundo dispõe o art. 273 do CPC, o deferimento da tutela
antecipatória está adstrito à conjugação de dois requisitos: a prova inequívoca da
verossimilhança das alegações e o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação
ou o abuso do direito de defesa. Considerando-se taxa de condomínio a obrigação
resultante de despesas como manutenção e conservação das áreas comuns, limpeza,
despesas de portaria, iluminação, taxas de água e esgoto, salários, dentre outras, não se
deve aplicar o rateio baseado no critério das frações ideais. Tratando-se de áreas que
possuem um uso igualitário por todos os condôminos e de benefícios igualmente
distribuídos, há de se convir que a soma das despesas deve ser igualmente
rateada, não havendo que se falar em proporcionalidade às frações
ideais. (TJMG - Agravo de Instrumento 1.0024.08.248868-5/001, Relator(a):
Des.(a) Elpídio Donizetti , 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 09/06/2009,
publicação da súmula em 30/06/2009) [grifamos]

EMENTA: CONDOMÍNIO - RATEIO DAS DESPESAS - EXPRESSAMENTE


PREVISTO – CONVENÇÃO - POSSIBILIDADE
-Salvo disposição em contrário na Convenção, a fixação da quota no rateio
corresponderá à fração ideal de terreno de cada unidade.
V.V APELAÇÃO CÍVEL - CONDOMÍNIO - DIVISÃO DAS DESPESAS
CONFORME A FRAÇÃO IDEAL - IMPOSSIBILIDADE - ENRIQUECIMENTO
ILÍCITO DOS DEMAIS CONDÔMINOS - SENTENÇA PARCIALMENTE
REFORMADA. 1. As despesas condominiais, com exceção da água, devem ser
divididas em proporções iguais entre os condôminos, uma vez que os
apartamentos maiores gastam o mesmo que os apartamentos tipo, tendo em vista
que o que gera o rateio de despesas decorre do uso das áreas comuns que são
utilizados de forma igual, independentemente do tamanho interno dos
apartamentos. 2. A não observância do critério de rateio igualitário acarretaria o
enriquecimento ilícito dos demais condôminos, de acordo com o art. 884 do
CC. (TJMG - Apelação Cível 1.0024.12.198370-4/001, Relator(a): Des.(a) Mariza
Porto , 11ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 26/06/2014, publicação da súmula em
07/07/2014) [grifamos]

Em ambos os acórdãos, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais decidiu favoravelmente


ao rateio igualitário das despesas condominiais sob o fundamento de que o uso igualitário por
todos os condôminos e de benefícios igualmente distribuídos devem implicar em despesas
igualmente rateadas.
30

Cumpre destacar o uso incorreto do termo enriquecimento ilícito na segunda ementa


citada. Com efeito, o enriquecimento ilícito não se confunde com o instituto do
enriquecimento sem causa. No primeiro, o agente comete ato ilícito para auferir qualquer
espécie de vantagem pessoal, enquanto no segundo o enriquecimento é alcançado sem causa
justificadora.

O enriquecimento ilícito é figura do Direito Administrativo e tipificado como ato de


improbidade administrativa, de acordo com a Lei 8.429/92. Já o enriquecimento sem causa
pertence ao Direito Civil, especificamente, ao direito das obrigações e não se perquire, neste
instituto, acerca da violação de normas, mas sobre a existência ou não de causa jurídica para a
manutenção de determinada vantagem (URBANO, 2013, p. 59).

O emprego dos termos “enriquecimento sem causa” e “enriquecimento ilícito” como


sinônimos é visto no acórdão do STJ:

DIREITO CIVIL. DESPESAS CONDOMINIAIS. CRITÉRIO DE RATEIO NA


FORMA IGUALITÁRIA ESTABELECIDO EM CONVENÇÃO CONDOMINIAL.
ADMISSIBILIDADE.
A assembléia dos condôminos é livre para estipular a forma adequada de fixação da
quota dos condôminos, desde que obedecidos os requisitos formais, preservada a
isonomia e descaracterizado o enriquecimento ilícito de alguns condôminos.
O rateio igualitário das despesas condominiais não implica, por si só, enriquecimento
sem causa dos proprietários de maior fração ideal.
Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.
(REsp 541.317/RS, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA,
julgado em 09/09/2003, DJ 28/10/2003, p. 294)

O caso em questão é paradigmático porque é diverso do que se costuma ver na prática.


Tratava-se de condomínio cuja convenção previa o rateio igualitário das despesas
condominiais e um dos condôminos alegou que a igualdade geraria o enriquecimento ilícito
do morador que detém maior fração ideal.

Em seu voto, o Ministro César Asfor Rocha admitiu o rateio igualitário e apresentou
justificativa que respeitosamente citamos:

[...] os gastos mais substanciais suportados pelo condomínio - v.g. o pagamento dos
funcionários, a manutenção das áreas comuns e os encargos tributários incidentes
sobre essas áreas - beneficiam de forma equivalente todos os moradores,
independentemente de sua fração ideal. Assim, não prevalece a presunção do aresto
hostilizado de que os proprietários de menores economias "acarretam menor despesa
", porquanto os custos, em sua maior parte, não são proporcionais aos tamanhos das
31

unidades, mas das áreas comuns, cujos responsabilidade e aproveitamento são de


todos os condôminos indistintamente.

A decisão evidencia que a aplicação da fração ideal para cobrar taxas condominiais
não correspondentes ao uso e gozo da unidade autônoma fere o princípio da isonomia,
acarreta cobrança abusiva e contraria a boa-fé.

Em outra demanda, o STJ decidiu o caso de proprietário de loja no pavimento que


contestava o critério da fração ideal:

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO ANULATÓRIA DESTINADA A ANULAR


CLÁUSULA DE CONVENÇÃO CONDOMINIAL QUE TRATA DA
PARTICIPAÇÃO DOS CONDÔMINOS NO RATEIO DAS DESPESAS
CONDOMINIAIS, SOB O FUNDAMENTO DE QUE A UNIDADE LOCALIZADA
NO PAVIMENTO TÉRREO (LOJA COMERCIAL) NÃO USUFRUI DE
DETERMINADOS SERVIÇOS - DEMANDA JULGADA PROCEDENTE PELAS
INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS - A CONVENÇÃO CONDOMINIAL, POR
REFLETIR A VONTADE MAJORITÁRIA DOS INTEGRANTES DA
COLETIVIDADE E POR SE AMOLDAR NECESSARIAMENTE À LEI, É
SOBERANA PARA DEFINIR OS CRITÉRIOS DE RATEIO DAS DESPESAS
CONDOMINIAIS - RECURSO ESPECIAL PROVIDO. INSURGÊNCIA DO
CONDOMÍNIO DEMANDADO.
Hipótese em que se pretende a anulação de cláusula da convenção condominial
alusiva ao rateio das despesas condominiais, ao argumento de que a loja comercial
situada no pavimento térreo, com saída própria à via pública, não usufrui de
determinados serviços, razão pela qual não deveria participar do rateio dos
correspondentes gastos.
Demanda julgada procedente pelas instâncias precedentes.
[...]
2. A lei de regência dos condomínios em edificações (lei n. 4.591/64) é expressa em
atribuir à cada condômino a obrigação de arcar com as respectivas despesas, em
proporção à quota-parte que lhe couber no rateio. O diploma legal sob comento
pontua, ainda, que, não dispondo a convenção condominial em sentido diverso, a
quota-parte corresponderá à fração ideal do terreno de cada unidade.
3. Ressai evidenciada a relevância da convenção condominial para a definição do
critério de rateio das correlatas despesas, notadamente porque esta reflete a vontade,
como um todo, dos condôminos. No ponto, não se pode deixar de destacar o caráter
normativo da convenção, a reger o comportamento de todos aqueles que
voluntariamente integrem ou venham a compor determinado condomínio, não se
restringindo às pessoas que participaram da constituição de tal agrupamento.
3.1. Por transcender à vontade daqueles instituíram o condomínio, de modo a regrar os
direitos, deveres e comportamentos dos integrantes de uma coletividade, a convenção
condominial deve, ainda, conformar-se com a lei, impositivamente.
4. Cabe, portanto, ao instrumento normativo sob comento regular o critério a ser
adotado para o rateio das despesas do condomínio.
Para este escopo, é salutar - e disso não se diverge - que os custos de determinadas
despesas devem, em tese, ser atribuídos apenas aos comunheiros que se beneficiem,
direta ou indiretamente, dos serviços prestados pelo condomínio. Não obstante, a
convenção condominial é soberana para definir parâmetro diverso do ora apontado.
[...]
7. Recurso especial provido, para julgar improcedente a ação anulatória.
(REsp 784.940/MG, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, Rel. p/ Acórdão Ministro
MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 20/03/2014, DJe 16/06/2014)
32

Discordamos da respeitável da decisão, pois o fundamento adotado é inadequado. No


aresto ficou consignado que não haveria ilegalidade ou abusividade na cláusula que determina
o rateio pela fração ideal, uma vez que a convenção é cogente e reflete a vontade, como um
todo, dos condôminos.

A convenção tem natureza contratual e obriga a todos os condôminos, contudo, isso


não significa que pode adotar cláusulas que ferem os princípios gerais do Direito. O caso das
lojas localizadas no pavimento térreo é exemplo que demonstra a inadequação da fração ideal.
Isentar do pagamento as despesas que não trazem nenhuma utilidade para as lojas apresenta-
se como a medida mais justa. Porém esse entendimento foi refutado pelo citado acórdão.

No mesmo sentido, encontra-se este aresto do Tribunal de Justiça de São Paulo:

Ementa: CONDOMÍNIO – Despesas condominiais – Cobrança – Lojas localizadas no


térreo – Alegação de não utilização das áreas comuns – Descabimento – Previsão na
convenção condominial de rateio das despesas na proporção da fração ideal de cada
unidade, independentemente da efetiva utilização dos serviços – Pretendida redução
da prestação que exige prévia alteração na convenção condominial – Sentença mantida
– Recurso não provido.
(Apelação 1013250000 - São Paulo – 32ª Câmara de Direito Privado – Relator
Francisco Occhiuto Júnior – 27/05/2010 – Votação: Unânime – Voto nº: 6201)

O Relator interpretou que a convenção condominial tem força de lei perante os


condôminos e não pode ser descumprida ao argumento de desfavorecimento. Previsto o rateio
pelos condôminos, não há que se falar em não pagamento ante a alegação de não utilização
dos serviços comuns do condomínio.

Novamente, discordamos do referido posicionamento, pois a convenção não pode


adotar critério injusto e distanciado da realidade.

A propósito:

CONDOMÍNIO EDILÍCIO. CRITÉRIOS PARA O RATEIO DAS DESPESAS.A


soberania da assembléia geral não autoriza que se locupletem os demais
apartamentos tipos pelo simples e singelo fato de o apartamento do autor possuir
uma área maior, já que tal fato, por si só não aumenta a despesa do condomínio,
não confere ao proprietário maior benefício do que os demais e finalmente, a
área maior não prejudica os demais condôminos. A ressalva legal, salvo disposição
em contrário, deixou à assembléia geral na elaboração da Convenção de Condomínio
ou em deliberação extraordinária a fixação da contribuição fora do critério da fração
ideal para que fosse adotado com justiça o princípio do uso e gozo efetivo dos
33

benefícios ofertados com a despesa - inteligência dos artigos 12, § 1º da Lei 4.591/64
e artigo 1336, inciso I do Código Civil, com a redação dada ao inciso pela Lei nº
10.931, de 02/08/2004. A cobrança de rateio de despesas de condomínio de
unidade com fração ideal maior, sem se observar o princípio do proveito efetivo
revela enriquecimento sem causa abominado pelo artigo 884 do Código
Civil. (TJMG - Apelação Cível 1.0024.04.504058-1/001, Relator(a): Des.(a)
Sebastião Pereira de Souza , 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 30/01/2008,
publicação da súmula em 07/03/2008) [grifamos]

Pela análise dos precedentes jurisprudenciais, é possível constatar que não há


entendimento pacificado sobre o tema. O próprio Superior Tribunal de Justiça que tem como
uma de suas funções a unificação da jurisprudência apresenta poucas decisões sobre a matéria
e diverge ora admitindo o rateio igualitário, ora defendendo a cobrança legítima das despesas
condominiais pela fração ideal.

Infelizmente o tema ainda não foi discutido em sede de embargos de divergência e


creia-se que ainda levará algum tempo até que possa ser feito.

Não obstante, são dignos de celebração o acórdão do STJ e os arestos dos tribunais
estaduais que admitem o rateio igualitário. Esperamos com esse trabalho o aumento de
decisões nesse sentido, de modo que o Poder Judiciário possa assegurar a justiça e a igualdade
através de uma interpretação sistemática e concreta da lei.
34

5. CONCLUSÃO

Com o processo de verticalização das cidades verifica-se o aumento exponencial do


número de condomínios. Morar em apartamento tornou-se uma escolha muito mais viável,
econômica e segura para muitos brasileiros.

Pode-se dizer que o condomínio edilício é um microssistema em que um determinado


número de pessoas decide viver em comunhão. Dentro da propriedade horizontal é possível
visualizar um conjunto de indivíduos que contribuem para manutenção e organização da
estrutura que os une, sendo representados por um síndico responsável pela administração e
regidos por uma convenção que regula a vida do condomínio.

A convenção é o instrumento que regulamenta os direitos e deveres entre os


condôminos e, embora possa ser livremente deliberada entre os condôminos, ela
frequentemente adota cláusulas tais quais previstas em lei, sem que haja um efetivo debate a
respeito da matéria.

O principal exemplo é a cláusula que define o rateio das despesas condominiais pela
fração ideal, conforme previsão do art. 1.336, I do Código Civil. Historicamente, este é o
critério fixado na maioria das convenções e prevalece até os dias atuais. Não obstante, faz-se
necessária uma discussão profunda a respeito da adoção da fração ideal como critério de
rateio e suas implicações.

Buscou-se com esse trabalho demonstrar que a fração ideal não é o parâmetro mais
adequado para a divisão de despesas condominiais, uma vez que gera desigualdades entre as
taxas pagas pelos condôminos e, muitas vezes, acarreta em enriquecimento sem causa do
condomínio.

Através da análise de outros critérios aplicáveis, concluímos que a melhor forma de


distribuição de despesas condominiais é o rateio puro e simples entre o número de unidades
autônomas, em que todos os condôminos pagam a mesma cota independentemente do
tamanho do imóvel ou da fração ideal, respeitadas as exceções nas quais certas coisas e
serviços serão pagos pelo efetivo uso, que será contabilizado pelos medidores individuais.
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A taxa condominial decorre de uma contraprestação de serviços e uso das áreas


comuns e não tem (ou não deveria ter) ligação com a área do imóvel ou a fração ideal. O
serviço é uno para os condôminos e todos têm iguais direitos de uso das áreas comuns. O
pressuposto de que unidades maiores geram mais despesas ao condomínio pode ser facilmente
refutado por uma série de exemplos práticos. Recomenda-se, na verdade, a realização de
perícia para elucidar a situação de cada caso concreto.

A ideia de justiça consiste numa certa aplicação da ideia de igualdade e o rateio


igualitário nos afigura como a forma mais adequada para a concretização da justiça na vida
condominial. Se a todos incumbem direitos iguais, logicamente, deveriam incumbir deveres
iguais.

A revisão da fração ideal e evocação do enriquecimento sem causa servem como meio
de vedar situação injusta entre os condôminos e o desequilíbrio patrimonial. Respeitados os
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, é possível realizar o rateio das despesas
condominiais de forma equânime e justa.

Por fim, conclui-se o critério defendido não deve ser aplicado sem restrições a todo e
qualquer condomínio. A convenção deve adotar o sistema que melhor atender à situação
peculiar do edifício. Ressalvamos, apenas, que a escolha da divisão não poderá acarretar
enriquecimento sem causa ou prejuízo injusto para nenhum dos condôminos.
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