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Paola Bisaccioni
São Carlos
2005
Resumo
O presente estudo teve como finalidade investigar a atuação do professor para descrever e
analisar como os professores de Educação Infantil e do Ensino Fundamental desenvolvem
seu trabalho quando um aluno com deficiência se encontra inserido em suas turmas;
identificar e descrever práticas pedagógicas inclusivas e situações-problemas vivenciadas
pelos educadores de classes inclusivas; descrever e analisar como ocorre a transição da
pré-escola para a primeira série do Ensino Fundamental. A pesquisa teve como
participantes dois professores e uma criança com deficiência e foi realizada em duas
escolas públicas de São Carlos. O delineamento de estudo de caso envolveu três etapas:
investigação do discurso, investigação da prática e investigação de mudanças no discurso
dos professores. A primeira etapa consistiu em entrevistar os dois professores antes do
início da investigação da prática. Um roteiro de entrevista foi utilizado nessa fase. Na
segunda etapa, foram efetuadas dez sessões de observação participante de quatro horas
cada, nas duas turmas. Um inventário serviu como guia e todas as sessões de observação
foram registradas em diário de campo. Através da observação da atuação dos professores,
foram identificados episódios que ilustram situações-problemas e práticas pedagógicas
inclusivas. Na terceira etapa, os professores foram novamente entrevistados ao final das
sessões de observação. Um roteiro de entrevista também foi utilizado nessa fase. Todas as
entrevistas passaram por um procedimento de análise de conteúdo. Posteriormente, foram
formulados dois estudos de caso através da triangulação dos dados das diferentes fontes.
Os resultados encontrados no estudo indicam um equilíbrio no número de situações-
problemas e práticas pedagógicas inclusivas na pré-escola e um predomínio de situações-
problema na primeira série. As professoras tiveram dificuldade para lidar com o aluno com
deficiência e utilizaram poucas adaptações nas atividades propostas para ele. De forma
geral, apresentaram coerência entre o discurso e a prática. A transição da pré-escola para a
escola caracterizou-se como um momento crítico na escolarização do aluno, que requer
estudos que aprofundem o tema. Além disso, é imprescindível que se produza
conhecimento científico sobre a questão da formação continuada do professor do ensino
regular.
Palavras-chave: Inclusão Escolar, Transição, Educação Infantil, Ensino Fundamental,
Atuação de Professores, Estudo de Caso .
Apoio: CNPq
2
Índice
Introdução.......................................................................................................................... 04
Contexto do estudo.............................................................................................................. 13
Objetivos............................................................................................................................. 14
Método................................................................................................................................ 15
Participantes........................................................................................................................ 15
Local.................................................................................................................................... 15
Instrumentos........................................................................................................................ 16
Procedimento de coleta de dados........................................................................................ 16
Etapa Preliminar - Condução dos procedimentos éticos.................................................. 16
Etapa I - Investigação do discurso dos professores.......................................................... 17
Etapa II -Investigação da prática dos professores........................................................... 18
Etapa III - Investigação de mudanças no discurso dos professores................................. 20
Procedimento de análise dos dados.................................................................................... 21
Entrevista.......................................................................................................................... 21
Registros do diário de campo........................................................................................... 21
Relato de estudo de caso.................................................................................................. 23
Resultados.......................................................................................................................... 26
Parte I - Relatos dos Casos.................................................................................................. 26
Caso 1 – Felipe com a professora Márcia na escola de Ensino Infantil............................26
Caso 2 – Felipe com a professora Fátima na escola de Ensino Fundamental...................32
Parte II - Percepções das professoras sobre a inclusão escolar........................................... 36
a) considerações da professora Márcia sobre a experiência de ter Felipe como aluno.... 36
b) considerações da professora Fátima sobre a experiência de ter Felipe como aluno.... 46
Parte III- Episódios inclusivos e situações-problemas nas duas escolas............................. 49
Discussão............................................................................................................................ 54
Considerações Finais........................................................................................................ 58
Referências Bibliográficas................................................................................................ 59
Anexos................................................................................................................................ 61
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Introdução
A educação inclusiva é uma proposta de aplicação prática ao campo da educação de
um movimento mundial, denominado como Inclusão Social. Segundo Sassaki (1997), por
inclusão social entende-se:
“(...) o processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em
seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades educativas
especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis
na sociedade. A inclusão social constitui, então, um processo bilateral no
qual as pessoas, ainda excluídas, e a sociedade buscam, em parceria,
equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de
oportunidades para todos” (p. 3).
Martínez (2005) também ressalta que, apesar das diferenças existentes entre os
diversos autores sobre o conceito de inclusão, há um consenso em considerar a inclusão
escolar como estando dentro de uma concepção mais ampla de inclusão que se expressa em
diversas esferas sociais. Tal posição ainda é encontrada nas Diretrizes Nacionais para a
Educação Especial na Educação Básica (Brasil, 2001), instituída pela Resolução 02/2001,
que afirma que:
“A construção de uma sociedade inclusiva é um processo de fundamental
importância para o desenvolvimento e a manutenção de um estado
democrático. Entende-se por inclusão a garantia, a todos, do acesso
contínuo ao espaço comum da vida em sociedade, sociedade essa que
deve estar orientada por relações de acolhimento à diversidade humana,
de aceitação das diferenças individuais, do esforço coletivo na
equiparação das oportunidades de desenvolvimento, com qualidade em
todas as dimensões da vida. Como parte integrante desse processo e
contribuição essencial para a determinação de seus rumos, encontra-se a
inclusão educacional” (p.20).
No movimento pela inclusão social e, particularmente no âmbito da educação, a
Conferência Mundial de Educação para Todos, que ocorreu na Tailândia, em 1990, é tida
como o marco mundial que reuniu todos os países para garantir o direito à educação de
qualidade para todos (MENDES, 2005).
A Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais: Acesso e
Qualidade, realizada pelo governo da Espanha e pela UNESCO, em 1994, que resultou na
4
elaboração da Declaração de Salamanca, foi outro importante marco mundial na difusão da
filosofia da Educação Inclusiva.
No Brasil, o movimento pela Educação Inclusiva tem tido seu maior impacto na
discussão das políticas públicas educacionais para crianças e jovens com necessidades
educacionais especiais ou no contexto da Educação Especial, uma vez que essa parcela da
população vem sendo historicamente excluída da escola e da sociedade.
Bailey, McWilliam, Buysse e Wesley (1998) definem a inclusão escolar como a
completa participação da criança com necessidades educacionais especiais em programas e
atividades disponíveis para crianças com desenvolvimento típico. Apontam que, embora
não necessariamente limitada à participação em salas de aula, as salas inclusivas
constituem o lugar em que esse construto é normalmente operacionalizado.
O’Donogue e Chalmers (2000) utilizam o termo inclusão escolar para descrever
situações em que o professor da classe regular é responsável pelo programa educacional
tanto das crianças com alguma necessidade educacional especial como daquelas que não
têm dificuldades e essa educação acontece numa sala de aula regular.
Rogers (1993, apud IVERSON, 1999) pontua que a inclusão envolve a inserção de
uma criança que tem mais necessidades que a maioria das outras crianças da classe, mas
que elas nem sempre são diferentes das necessidades dos outros alunos da turma.
Mittler (2004) aponta que “embora não haja uma definição de comum acordo,
existe um consenso de que a inclusão exige uma reorganização fundamental das escolas e
salas de aulas regulares para atender uma maior diversidade de necessidades das
crianças da comunidade” (p. 9). Para o autor, a inclusão envolve alterações em três níveis:
1) todas as crianças freqüentando a escola local, na sala de aula regular com o devido
apoio; 2) todas as escolas reestruturando seu programa de ensino, avaliação e sistemas de
agrupamento para garantir acesso e sucesso a todas crianças da comunidade; 3) todos os
professores aceitando a responsabilidade pelo aprendizado de todas as crianças, recebendo
treinamento contínuo, apoio do diretor, de seus colegas e da comunidade.
Segundo Bueno (2001), a Declaração de Salamanca define que: “(...) a expressão
‘necessidades educativas especiais’ refere-se a todas as crianças e jovens cujas
necessidades decorrem de suas capacidades ou de suas dificuldades de aprendizagem” (p.
23).
5
O autor ressalta que o termo necessidades educativas especiais abrange, com
certeza, a população deficiente, mas não se restringe somente a ela, e que o princípio
fundamental da filosofia da inclusão é o de que:
“As escolas devem acolher a todas as crianças, independentemente de
suas condições físicas, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras. Devem
acolher crianças com deficiência e crianças bem dotadas; crianças que
vivem nas ruas e que trabalham; crianças de populações distantes ou
nômades; crianças de minorias lingüísticas, étnicas ou culturais e
crianças de outros grupos ou zonas desfavorecidos ou marginalizados”
(p. 23).
O referido autor aponta que a escola atual não consegue dar conta das diferenças,
sejam elas de origem pessoal, social, cultural ou política, e que a inclusão demanda
alterações estruturais na escola para que ela seja capaz de oferecer uma educação de
qualidade a todas as crianças. O princípio de inclusão escolar estabelece que as diferenças
humanas são normais e que é a escola que tem que se adaptar às necessidades da criança.
Mittler (2004) também enfatiza que “deve-se reconhecer que os obstáculos à
inclusão estão na escola e na sociedade e não na criança” (p. 9). O autor afirma que a
elaboração de um plano de inclusão individual requer mais do que a tradicional avaliação
das dificuldades da criança, com o questionamento de quais mudanças ambientais são
necessárias para permitir que as necessidades de cada aluno sejam atendidas na sala de aula
regular.
Stainback (2004) pontua que a padronização dos programas de ensino, da avaliação
e dos métodos é prejudicial não apenas para o movimento de inclusão, mas para toda a
educação, pois os alunos não são todos iguais.
As mudanças na instituição escolar são vistas como um elemento central para a
inclusão escolar por diversos autores. Mantoan (1997, apud MARTÍNEZ, 2005) afirma
que:
“...a inclusão é um motivo para que a escola se modernize e os
professores aperfeiçoem suas práticas e, assim sendo, a inclusão escolar
de pessoas deficientes torna-se uma conseqüência natural de todo um
esforço de atualização e de reestruturação das condições atuais de ensino
básico“ (p.17).
Além disso, Martínez (2005) ressalta que são necessárias mudanças na
representação da escola como instituição e não apenas no processo pedagógico para
6
favorecer o processo de inclusão. A autora acrescenta que:
“A compreensão da aprendizagem como um processo complexo e,
conseqüentemente, singularizado da subjetividade humana, do espaço
escolar como um sistema social complexo, assim como uma concepção
social e não fatalista da deficiência e de outras características e
condições das crianças devem orientar o conjunto de ações do
profissional (...) no contexto escolar” (p.104).
Fox, Farrel e Davis (2004) indicam que há duas questões-chave interligadas que
parecem ser centrais para a efetiva inclusão de crianças com necessidades especiais. A
primeira delas refere-se às percepções e experiências de professores do ensino regular; a
segunda consiste no modo pelo qual os apoios e as adaptações estão sendo oferecidos aos
alunos com deficiência nas salas de aula.
Os autores sinalizam que não há uma fórmula para garantir o sucesso da inclusão,
mas que há certos fatores importantes que determinam a extensão com que a criança com
deficiência será incluída na classe e na escola como um todo. Os dados de pesquisa
encontrados por eles sugerem, primeiramente, que a inclusão tem mais chances de ter
sucesso quando o professor regular assume um papel central no manejo das adaptações e
na organização da rotina educacional da criança com necessidades especiais. Em segundo,
que os resultados estão diretamente relacionados com o modo pelo qual o professor regular
trabalha com a equipe escolar e com outros profissionais envolvidos. Por último, que a
qualidade da depende de quanto o currículo é adequado à criança e se ela é vista como
central no processo de aprendizagem. Além disso, os autores indicam a necessidade de que
toda a equipe escolar se responsabilize por atender as necessidades do alunos e compartilhe
as informações, como por exemplo, sobre as dificuldades, potencialidades, o progresso
acadêmico dos alunos e as estratégias que tiveram bons resultados.
7
(BRASIL, 1998), o Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2000) e as Diretrizes Nacionais
para a Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001).
A base moral tem como pressuposto que crianças com dificuldades têm o direito de
participar de programas e atividades cotidianos que estejam disponíveis para as outras
crianças. Esse argumento moral está baseado na suposição de que a inclusão é a coisa certa
a se fazer.
Apesar da força dos argumentos que apóiam a inclusão, existe uma considerável
variabilidade nos modos e extensão com que cada comunidade tem implementado práticas
inclusivas, e ainda existem controvérsias sobre a conveniência da inclusão de todas as
crianças. Assim, o debate acerca da educação inclusiva vem sendo um assunto freqüente
em nosso país, mas a matrícula de alunos com necessidades educacionais especiais em
8
classes comuns das escolas regulares, uma garantia legal alcançada há cerca de 17 anos,
parece estar avançando muito lentamente.
Bueno (2001) defende realisticamente que a inclusão escolar em nosso país deva
ser um processo gradativo, contínuo, sistemático e planejado. Também defende que o
estabelecimento de diretrizes e ações políticas inclusivas exige, por um lado, ousadia e
coragem, mas, por outro, prudência e sensatez, de tal forma que ela vá, efetivamente,
constituindo-se numa realidade de fato.
Stainback e Stainback (1999) também afirmam que “...a mudança só pode ocorrer
em pequenos avanços... a aceleração do processo pode fazer com que os indivíduos
rejeitem as novas práticas e sabotem os esforços de reforma” (p.264).
Portanto, o grande desafio dos sistemas de ensino é implementar procedimentos
pedagógicos que respeitem a diversidade social e cultural dos alunos e que contemplem as
diversas formas como cada um deles incorpora e expressa o “saber escolar” (BUENO,
2001).
9
usar métodos de ensino para promover a aprendizagem e usar uma variedade de métodos
que envolvam os alunos na correção dos comportamentos inadequados.
Os professores que têm um amplo conhecimento e técnicas para ensinar, mas que
não têm capacitação para o manejo adequado da sala, muitas vezes ficam frustrados com
os alunos, com o trabalho, alteram seus tons de voz, reclamam bastante, enfrentam um
estresse intenso e usam muita punição (IVERSON, 1999).
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incluir procedimentos para garantir de imediato a segurança a todos, o envolvimento dos
pais, a manutenção de registros, a determinação da necessidade de apoio e ensino do aluno
a lidar com seu próprio comportamento.
Stainback e Stainback (1999) apresentam algumas estratégias para estruturar a sala
de aula de modo a evitar a ocorrência de problemas disciplinares. Primeiramente eles
indicam que é importante aumentar o tempo do aluno na tarefa, pois isso evita problemas
de disciplina e mantém o engajamento nas atividades acadêmicas. Apontam também a
necessidade de que as atribuições sejam claras, relacionadas aos interesses dos alunos,
estruturadas para que os alunos tenham oportunidade de obter sucesso e retornos e
reconhecimentos imediatos. Sugerem ainda que alunos com problemas de comportamento
sejam agrupados com alunos que apresentam comportamentos adequados em atividades de
natureza mais cooperativa.
De maneira geral, os referidos autores orientam o professor para se manter calmo
diante de comportamentos inadequados, atrair o mínimo de atenção possível para esses
comportamentos, ajudar os alunos a terem comportamentos adequados, tentar resolver ele
mesmo os problemas da turma de forma privada e discreta e ser consistente em suas
reações aos comportamentos.
Flavey, Givner e Kimm (1999) afirmam que em estabelecimentos educacionais
inclusivos, o ensino deve estar concentrado nas potencialidades, nos interesses e nas
necessidades dos alunos. Elas indicam que, depois das avaliações iniciais para identificar
as potencialidades e as necessidades educacionais mais críticas dos alunos e seu grau de
desempenho atual, é importante manter uma avaliação contínua sobre o que ensinar, como
ensinar e quando mudar o ensino. Para isso, as autoras enfatizam o uso das avaliações
informais para obter informações importantes na tomada de decisões educacionais.
As autoras fazem a ressalva de que, algumas vezes, mesmo com o uso de várias
estratégias de ensino, o aluno pode não entender as disciplinas acadêmicas, sendo
necessário o uso de alternativas. As estratégias de ensino alternativas são freqüentemente
chamadas de ensino em multiníveis, elas são planejadas individualmente e podem incluir:
1) ensino do mesmo currículo, mas em um nível menos complexo; 2) ensino do mesmo
currículo, mas com aplicação funcional ou direta às rotinas diárias; 3) ensino do mesmo
currículo, mas com redução dos padrões de desempenho; 4) ensino do mesmo currículo,
mas em um ritmo mais lento; 5) o ensino de um currículo diferente ou substituto.
A seguir, no Quadro I, são listadas algumas estratégias de ensino, acomodações ou
oportunidade de ensino em multiníveis que os professores podem utilizar quando um aluno
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está com dificuldades de aprendizagem (adaptado de FALVEY ET AL, 1999).
Quadro I - Opções para facilitar o acesso dos alunos à aprendizagem.
12
Continuação do Quadro I
Contexto do estudo
A presente proposta de investigação é parte de um projeto de pesquisa mais amplo,
desenvolvido no âmbito do Grupo de Pesquisa “Formação de Recursos Humanos em
Educação Especial - FOREESP”. O GP-FOREESP foi formado em 1997, tendo sido
cadastrado no Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq a partir desse mesmo ano. O
grupo integra as atividades de ensino, pesquisa e extensão, de alguns docentes e seus
orientandos, que compreendem alunos de graduação e da Pós-Graduação em Educação
Especial da UFSCar. A missão do grupo tem sido a de tentar produzir conhecimento
científico que contribua para a universalização do acesso e melhoria da qualidade do
ensino oferecida a crianças e jovens com necessidades educacionais especiais na realidade
brasileira.
Dando continuidade ao programa de pesquisa, essa proposta de trabalho tem por
objetivo avançar na produção do conhecimento na área da formação de professores,
especificamente de professores do ensino regular, tendo em vista a perspectiva da inclusão
escolar no processo de transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental. Trata-se
de um projeto de continuidade a um estudo anterior voltado para a investigação do
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processo de inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais em creches
(MENDES, 2005).
Objetivos
A fim de delimitar o problema do presente estudo, foi escolhido como tema a
investigação da atuação dos professores regulares do último ano da Educação Infantil e do
primeiro ano do Ensino Fundamental, levando em consideração a perspectiva da inclusão
escolar. A presente pesquisa teve como objetivos específicos:
1. Descrever e analisar como os professores de Educação Infantil e do Ensino
Fundamental desenvolvem seu trabalho quando um aluno com deficiência
se encontra inserido em suas turmas;
2. Identificar e descrever práticas pedagógicas inclusivas e situações-
problemas vivenciadas pelos educadores de classes inclusivas, que possam
ser úteis para se criar material didático em programas de formação de
professores.
3. Descrever e analisar como ocorre a transição da pré-escola para a 1ª série do
ensino fundamental.
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Método
Participantes
O estudo teve como participantes dois professores, sendo um da Educação Infantil e
o outro do Ensino Fundamental, e uma criança com deficiência que esteve inserida nas
turmas desses professores.
Felipe1, a criança-alvo do estudo, tinha oito anos, Síndrome de Down e, em 2004,
freqüentava a pré-escola regular, juntamente com a sala de recurso (três vezes por semana).
No primeiro semestre de 2005, ingressou na primeira série do ensino regular e também
freqüentava a sala de recurso. No segundo semestre, passou a freqüentar uma escola
especial no período contrário ao da escola. A sua transição da pré-escola para a escola foi
um momento delicado, de difícil adaptação. Devido a esses problemas, durante o primeiro
semestre, o aluno faltou muito das aulas e chegou a sair da escola por um tempo.
Sua professora da pré-escola, Márcia, fez magistério, era graduada em Letras e
estava terminando o curso de Pedagogia em 2004. A professora, de 33 anos, tinha 8 anos
de experiência na Educação Infantil, 16 anos no Ensino Fundamental e nenhuma
experiência em Educação Especial. Antes de Felipe, ela já havia tido uma aluna com
autismo em sua turma. Márcia foi professora de Felipe por dois anos na pré-escola.
Fátima, professora de Felipe na primeira série, tinha 63 anos, era aposentada,
trabalhou muitos anos como professora no Estado, foi professora do CEFAM e diretora de
duas escolas de Educação Infantil de São Carlos. A professora já teve uma aluna com
necessidades especiais em sua turma.
Local
O estudo foi realizado na rede municipal de ensino da cidade de São Carlos. Na
UFSCar, o Laboratório de Currículo Funcional (do Departamento de Psicologia) sediou o
projeto.
A primeira parte coleta de dados foi realizada na turma da escola de Educação
Infantil que a criança-alvo freqüentava durante o ano de 2004, que será denominada de EI.
Em 2005, a coleta continuou na turma da escola de Ensino Fundamental na qual a criança-
alvo ingressou, que será denominada de EF.
1
Os nomes mencionados no estudo são fictícios para preservar o anonimato dos participantes da pesquisa.
15
Instrumentos
Foram utilizados para a coleta dos dados um roteiro de entrevista e um inventário
de observação. Os modelos de tais instrumentos encontram-se nos Anexos I e II. Tais
instrumentos foram desenvolvidos, validados e testados em pesquisas anteriores
(MENDES, 2005).
16
Quadro II - Diagrama do delineamento do estudo.
Escolas Estudos de Etapas do Procedimento
Caso estudo de coleta
Investigação do Entrevista inicial
discurso
Escola de 10 sessões de
Educação Felipe e Investigação da observação em
Infantil professora prática sala de aula
(EI) Márcia (4h/sessão)
Investigação de
mudanças no Entrevista final
discurso
Entrevista inicial
Investigação do (não foi possível
discurso realizar)
Escola de 10 sessões de
Ensino Felipe e Investigação da observação e
Fundamental professora prática colaboração em
(EF) Fátima sala de aula
(4h/sessão)
Investigação de
mudanças no Entrevista final
discurso
17
seguida, tentar arranjá-las. Uma vez esclarecidos sobre os processos da inclusão, inicia a
fase da “aceitação”, na qual o professor irá analisar as implicações deste novo fato. Em
seguida, inicia-se a fase do “compromisso”, que é formada por três sub-processos: decisão,
racionalização e explicação. É através desses sub-processos que o professor forma uma
opinião consistente sobre a inclusão, a qual justifica seu engajamento nas diversas ações e
interações. O “ajustamento”, a próxima fase, é a categoria central da adaptação seletiva,
pois é ao redor dela que todas as outras categorias estão integradas. A quinta e última
categoria, a da “avaliação”, consiste em duas categorias maiores: apreciação e julgamento.
A elaboração do roteiro passou pela construção de um instrumento semi-
estruturado preliminar cujas questões foram derivadas das categorias da teoria da
adaptação seletiva. A seguir, o roteiro foi submetido a seis diferentes juízes, todos
pesquisadores da área de Educação Especial que analisaram a validade semântica e de
conteúdo do instrumento. Após a reformulação chegou-se a versão final do instrumento.
A entrevista inicial com a professora Márcia, da Educação Infantil, foi feita no
início do segundo semestre de 2004. Apesar da entrevista inicial com a professora do
Ensino Fundamental também estar prevista no procedimento, não foi possível realizá-la
devido à troca de professoras na sala de Felipe durante o primeiro semestre de 2005 e à
incerteza da continuidade da professora no segundo semestre (houve duas trocas de
professoras).
18
• A criança-alvo podia participar desta atividade da mesma maneira que os outros
alunos?
• A criança-alvo estava ou não participando da atividade? Se sim, como? Se não estava
participando, fazia atividades alternativas? Quais?
• A criança-alvo era incapaz de participar plenamente da atividade sem acomodação e
precisa de apoio e/ou modificações para sua plena participação nesta aula?
• Tais modificações envolviam que tipos de adaptações (do ambiente de aprendizagem,
dos materiais de aprendizagem ou a provisão de tecnologia de apoio)?
• Os apoios estavam sendo oferecidos?
• Que mudanças poderiam ser feitas para garantir a plena participação do aluno nesta
atividade:
- na maneira como o aluno demonstrava o que sabia;
- na quantidade ou no padrão de trabalho esperado;
- nos objetivos da aprendizagem prioritários para esta aula;
• Ocorrem mudanças e acomodações:
- No ambiente físico? Quais?
- No ritmo para a tarefa? Quais?
- Nos objetivos da atividade? Quais?
- No tipo de ensino (coletivo, pequenos grupos, individual)? Quais?
- No tipo de atividade? Quais?
- Na variação dos tipos de instruções (verbal oral, escrita, modelação, ajuda física,
combinada, etc)? Quais?
- No tipo de conseqüenciação para acertos e erros? Quais?
- Na tentativa de motivar os alunos? Quais?
- No material didático? Quais?
- Nas formas de comunicação? Quais?
- Nas formas de avaliar o desempenho? Quais?
- Nas formas de mediar as interações entre o aluno com necessidades educacionais
especiais e as outras crianças? Quais?
Um inventário desenvolvido para orientar a observação serviu como guia para essa
etapa (MENDES, 2005).
19
Após as sessões de observação, foram registradas, em um diário de campo, as
anotações referentes ao inventário e os episódios envolvendo a criança com necessidades
educacionais especiais e os professores. Também foram registradas informações que
ocorriam em qualquer outro ambiente sobre eventos relacionados à criança com
necessidades educacionais especiais.
Na realização dessa etapa com o professor do Ensino Fundamental, além das
observações, foram feitas colaborações com a prática desse professor, na tentativa de
favorecer a inclusão do aluno, pois sua adaptação à primeira série foi bem difícil. A
colaboração com a prática do professor consistiu em um acompanhamento da criança-alvo,
com a preparação de atividades adaptadas para seu repertório, como por exemplo,
atividades envolvendo nomeação, identificação e escrita com pontilhado de letras, números
e de seu nome, para melhorar o conhecimento desses pré-requisitos acadêmicos básicos e
sua coordenação motora fina. Foram incluídas também atividades de leitura de livros de
histórias, identificação e nomeação de figuras variadas, utilização de calendário e atividade
de pareamento de cores.
Além disso, foram dadas orientações gerais à professora e algumas também às
crianças. Foi recomendado que a professora e as crianças ignorassem (não dessem atenção)
aos comportamentos inadequados de Felipe na sala de aula, como por exemplo, jogar-se no
chão e mexer nas coisas dos colegas. Para a professora, também foi indicado redirecionar a
atenção das crianças nesses momentos e dar atenção e elogios à Felipe quando ele estivesse
se comportando bem, como por exemplo, fazendo alguma atividade.
Também foi utilizada, com a segunda professora da turma, a estratégia de tutoria de
colegas, na tentativa de facilitar o engajamento de Felipe na tarefa e aumentar seus
contatos sociais com os colegas. Com Fátima, não foi sugerida a tutoria de colegas, pois
ela não gostava que as crianças saíssem dos seus lugares e fizessem atividades juntas.
Em anexo, estão alguns exemplos de atividades que Felipe fez na pré-escola e na
primeira série (Anexo V e VI).
Em função dos problemas ocorridos na transição do aluno para a primeira série e,
conseqüentemente de suas constantes faltas durante o primeiro semestre de 2005, a coleta
de dados na escola de Ensino Fundamental teve que ser estendida para o segundo semestre,
não sendo possível realizá-la em um semestre, como foi previsto anteriormente.
20
ETAPA III - Investigação de mudanças no discurso dos professores
Entrevistas
21
alimentação. O Quadro IV apresenta as definições das diferentes situações dos episódios
identificados.
Quadro III – Categorias e subcategorias utilizadas para análise dos dados das entrevistas.
ENTREVISTA INICIAL
1. Ingresso do aluno-alvo
1.1 Consulta prévia
1.2 Conhecimento prévio sobre as necessidades do aluno-alvo
1.3 Possibilidade de escolha sobre a inserção de um aluno com necessidades educacionais
especiais (NEEs)
1.4 Pensamentos e sentimentos a respeito da inserção do aluno com NEEs
1.5 Experiências anteriores de ingresso de alunos com NEEs
2. Preparação
2.1 Orientações e informações prévias sobre a inclusão de alunos com NEEs
2.2 Busca de informações a respeito da criança-alvo e/ou a respeito da inclusão
2.3 Sugestões de serviços
3. Aceitação
3.1 Opinião/ percepção sobre a inclusão antes e depois de ter recebido um aluno com NEEs
3.2 Expectativas/impacto (positivos e negativos) da inclusão para o aluno com NEEs
3.3 Expectativas/impacto (positivos e negativos) da inclusão para a turma
3.4 Expectativas/impacto (positivos e negativos) da inclusão para o educador
3.5 Impacto (positivo e negativo) da política de inclusão para o sistema educacional
4. Compromisso
4.1 Expectativas a respeito do desenvolvimento do aluno com NEEs
4.2 Tratamento do aluno inserido
ENTREVISTA FINAL
5. Ajustamento
5.1 Mudança na rotina de trabalho
5.2 Mudança no agrupamento dos alunos
5.3 Mudança na forma de ensinar
5.4 Apoios recebidos
5.5 Alteração que mais auxiliou na prática
6. Avaliação da experiência
6.1 Resultados da inclusão para o aluno-alvo
6.2 Resultados da inclusão para a professora
6.3 Resultados da inclusão para a turma e para os funcionários
6.4 Resultados da inclusão para o sistema educacional
6.5 Dificuldades enfrentadas
7. Sugestões
7.1 Alterações na política de inclusão escolar do município
7.2 Sugestões para um professor que fosse receber um aluno com NEEs
22
Quadro IV - Definições das situações em que ocorreram os episódios registrados.
Situação Definição
Atividades Inclui as atividades de contar histórias, fazer teatro, atividades com letras
acadêmicas e números, pintura, recorte, ensaio do hino nacional etc.
Brincadeira A criança que escolhe o tipo de brinquedo ou brincadeira. O professor
livre intervém pouco. Inclui atividades no parquinho e na brinquedoteca.
Brincadeira O professor fornece o brinquedo ou escolhe uma brincadeira, dá
dirigida instruções, interage e supervisiona as atividades.
Higiene Inclui atividades de escovar dentes, lavar mãos, usar o banheiro, etc.
Alimentação Inclui horários de almoço, lanches e beber água.
23
Quadro V– Exemplos de quatro episódios da EI registrados no diário de campo.
24
Quadro VI- Exemplos de quatro episódios da EF registrados no diário de campo.
25
Resultados
Os resultados da pesquisa foram divididos em três partes, sendo “Parte I - Relatos
dos casos”, “Parte II - Percepções das professoras da Educação Infantil e do Ensino
Fundamental sobre inclusão escolar” e “Parte III- Episódios inclusivos e situações
problemas nas duas escolas”
Na primeira parte dos resultados, foram descritos os dois estudos de caso,
envolvendo, no primeiro, Felipe e Márcia no Ensino Infantil e, no segundo, Felipe e
Fátima no Ensino Fundamental.
Na segunda parte foram apresentados os dados obtidos com a investigação do
discurso das professoras. Primeiramente foram descritos os dados das entrevistas inicial e
final da professora Márcia e, em seguida, a entrevista final feita com a professora Fátima.
Na terceira parte foram apresentados os dados obtidos com as observações das
práticas das duas professoras. Os dados das duas escolas foram colocados juntos para
facilitar as análises e comparações entre eles.
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Márcia descreveu o aluno-alvo como: “ele é uma criança que possui a Síndrome de
Down (...) e ele também... é um dos mais agitados na rede municipal”, que foi a
informação que ela recebeu da Coordenadoria de Educação Especial antes de conhecê-lo.
Márcia relatou que ficou um pouco apreensiva quando soube que iria ter um aluno especial
em sua turma por não saber como ele iria se comportar. Ficou em dúvida se a inserção
daria certo, pois Felipe, conforme descreveu a professora, vinha com “uma história de
fracasso na outra escola”, pois o aluno não se adaptou à escola anterior.
Quanto às informações sobre a política de inclusão escolar, Márcia informou ter
feito um curso oferecido pela prefeitura sobre Educação Inclusiva em 2003. Para conhecer
mais sobre a deficiência do aluno, ela procurou informações na internet. Além disso,
recebeu um material de uma profissional da Coordenadoria de Educação Especial, que
fazia visitas regulares à sua classe para orientá-la a lidar com Felipe e ajudá-la nas
adaptações das atividades. No entanto, a professora avaliou que: “o que me ajudou mesmo
foi a prática, entendeu? As informações assim, eu acho que só pra conhecimento mesmo,
né? (...) Mas, assim, o restante mesmo é na prática”.
Antes de ter alunos com deficiência em sua turma, ela achava que eles “viriam pra
escola só para socialização”, mas com a sua experiência descobriu que “não é assim, que
não é verdade, então que ela [a criança com NEEs] também passa por processos de
aprendizagem quanto à língua oral, língua escrita, matemática”.
Sobre o tratamento dado ao aluno com necessidades especiais, ela afirmou que todo
professor deveria “tratar de forma igual, eu acho que a primeira coisa que tem que ser
feita (...) não enfocar assim que é diferente... porque, na verdade, é... na verdade, não é
diferente, tá? Ele tem que ser tratado igual aos outros”.
Quanto às expectativas de Márcia com relação ao desenvolvimento de Felipe, ela
considerou que: “o lado social dele, a socialização dele vai estar assim muito mais
avançada do que a parte de alfabetização”. Em seguida, ela relatou que: “a minha
expectativa é que ele saia sabendo pedir para ir ao banheiro para a professora da
primeira série, pedir água para a professora, que ele saiba contar que uma criança bateu
nele, que ele saiba se comunicar com as outras crianças, que ele saiba respeitar algumas
regras dentro da sala de aula...”.
Em relação às mudanças em sua rotina de trabalho, ela relatou que adaptava as
atividades para Felipe e utilizava bastante a música, pois ele gostava muito. Sobre a
disposição da sala, ela descreveu que continuou com a estratégia que sempre utilizou, que
era colocar as crianças sempre em grupinhos ou em círculo. No entanto, ela disse: “tem
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dias em que eu tenho que pôr ele sentado perto de mim, porque ele não quer ninguém
perto dele e, ao mesmo tempo, você fala, mas se eu tirar ele de lá, eu tô excluindo, mas é
melhor ele estar perto de mim do que lá fora, entendeu?”.
Sobre as dificuldades enfrentadas, Márcia comentou que alguns pais tinham muito
preconceito e expressavam isso pedindo a ela para que a criança com NEEs não se sentasse
perto do filho deles ou então quando explicavam ao filho que a criança com deficiência era
doente. Márcia relatou que: “... eu tenho mãe que fala até hoje, na frente da criança, que:
‘Não, mas tem que perdoar o Felipe que ele pegou seu lápis porque ele é doente, eu já
falei isso pra você’, né? Então é muito difícil, é uma coisa assim que... teria que ser
trabalhado com as mães, os pais da escola toda, tá?”.
Portanto, Márcia sugeriu que seria muito necessário ter uma equipe para orientar os
pais a respeito da inclusão e das necessidades especiais das crianças.
Apesar das dificuldades, numa avaliação geral da experiência, Márcia considerou
haver muitos aspectos positivos na inserção de alunos com NEEs na escola regular, tanto
para o aluno incluído, como para professora, para as crianças da turma e para os
funcionários. Ela ainda defendeu que: “a inclusão deve ser implantada desde a creche até,
sei lá, o colegial, entendeu? Porque dá certo, né?”.
Márcia referiu que todos os professores deveriam passar pela experiência de ter um
aluno com necessidades educacionais especiais e descreveu que, da próxima vez que tiver
um aluno especial, “eu vou ficar calma, tranqüila, sossegada... não vou ter tanta
ansiedade”.
A professora avaliou que o apoio da prefeitura para a inclusão escolar melhorou,
mas que ainda precisa de mais estrutura, de uma equipe de profissionais que possam dar
suporte ao professor regular.
Quando questionada se todas as crianças com NEEs teriam condições de freqüentar
a escolar regular, a professora ficou em dúvida e condicionou a possibilidade de freqüentar
a escola ao grau de necessidade da criança, dizendo:“por exemplo, uma criança que
praticamente ela... vamos supor assim, ela não tem comunicação nenhuma, ela, vamos
supor, vive como se fosse um vegetal mesmo, eu já não sei se mudaria alguma coisa,
entendeu?” .
Sobre a possibilidade de freqüentar a escolar regular e a sala de recursos, a
professora defendeu que a criança “deveria freqüentar as duas escolas”, argumentando que
“aqui, ele aprende coisas que na sala de recursos ele não aprende” e que “quando ele
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[Felipe] ficava só na sala de recursos, ele imitava muito as outras crianças que tinham
outras necessidades”.
Quanto à aceitação da turma, a professora ponderou que “essa turma aceita menos
ele do que a turma do ano passado”. Ela atribuiu isso ao fato das crianças dessa turma já
conhecerem Felipe quando estavam na sala de cinco anos e relatou que: “quando o Felipe
entrou na sala, a primeira coisa que eles perguntaram é por quê que o Felipe estava de
novo aqui e não estava na primeira série... tá? Então, eu acho que isso dificultou um
pouco, mas a rejeição não é total, porque tem algumas crianças que chamam ele pra
brincar, mas tem outras também que não chamam, que não querem”.
Na turma de Márcia havia 20 crianças de seis anos. A sala era decorada com letras
coloridas do alfabeto em cima da lousa, folhas de sulfite com desenhos de animais e
números e produções das crianças nas paredes, havia inclusive atividades de Felipe
expostas. A professora, de maneira geral, era muito paciente e tratava todas as crianças
com muito carinho.
A sala era composta pela mesa e cadeira da professora, as carteiras das crianças e
dois armários no fundo da sala, nos quais as professoras que utilizavam aquela sala
guardavam seus materiais. A sala era bem iluminada e ventilada. O ambiente não era tão
silencioso, pois muitas crianças mais velhas iam para a escola à tarde nos programas de
recreação, para brincar na área externa (na quadra ou na piscina).
A pré-escola tinha, na parte interna, 9 salas de aula, sala da diretoria, sala dos
professores, cozinha e refeitório, sala de vídeo, brinquedoteca, sala de materiais, banheiro
e bebedouro. Na parte externa, haviam jardins, uma piscina, uma quadra poliesportiva e
um parquinho com balanços, gira-giras, gangorras, tanques de areia, motocas,
escorregadores, etc. Na entrada da escola havia uma rampa com corrimão para facilitar o
acesso. O bebedouro, as pias e vasos dos banheiros e as mesas e cadeiras do refeitório eram
adequados ao tamanho das crianças.
As crianças chegavam à pré-escola entre 13h e 13h15. Assim que todas as crianças
chegavam, a professora pedia para que elas pegassem o calendário que elas tinham colado
no caderno e pedia ao aluno ajudante do dia para fazer a contagem dos colegas presentes.
Em seguida, perguntava que dia era, como estava tempo e quantos alunos estavam
presentes. A professora escrevia e desenhava na lousa e as crianças, em seus cadernos.
Após escrever na lousa, Márcia sempre sentava com Felipe e o ajudava, indicando qual era
o dia da semana no seu calendário, passando o dedo de Felipe sobre o número e o
incentivando a desenhar um sol no caderno. Depois disso, a professora dava uma outra
29
atividade, que poderia envolver desenhos, histórias, sílabas ou números. Quando propunha
qualquer atividade para a classe, a professora adaptava a tarefa para Felipe, usando
pontilhados ou então substituindo a tarefa por algum desenho ou jogo.
Às 14h15, a professora ia para a sala dos professores tomar café e Felipe ia para a
diretoria (ao lado da diretoria havia uma salinha com vários materiais e brinquedos, onde
ele ficava brincando). Enquanto isso, algum funcionário tomava conta das crianças e elas
terminavam a atividade ou desenhavam. Logo que Márcia e Felipe voltavam, a turma saia
para lavar a mão e comer a merenda. Quando chegavam da merenda, escovavam os dentes
e voltavam para a sala. Na sala, a professora dava uma nova atividade. Às 16h, a turma
toda ia para o parquinho brincar até 16h40. Terminado o horário do parque, elas voltavam
para a classe e esperavam seus pais para irem embora.
Durante as observações, verificou-se que a professora Márcia sempre tentava
favorecer e incentivar a participação de Felipe nas atividades. Os episódios a seguir
ilustram algumas das práticas pedagógicas inclusivas da professora.
A professora dividiu os alunos em grupos de quatro (Felipe também pertencia a um
grupo) e perguntou a eles se eles lembravam de algumas palavras que eles tinham
visto na história da Cigarra e da Formiga e, junto com eles, foi escrevendo as
palavras na lousa. Após cada palavra ser escrita na lousa, a professora deixou
Felipe com a função de passar em todos os grupos com a figura da palavra.
Depois, ela distribuiu saquinhos com várias sílabas e os grupos teriam que formar
aquelas palavras que foram escritas na lousa com as sílabas do saquinho.
30
professora, em todos os momentos, elogiou o aluno e, numa dessas vezes, ela até
pediu à classe para que fizesse um “viva” para Felipe e todas crianças bateram
palmas e disseram: “viva Felipe!”.
Além disso, através das observações constatou-se também que Márcia resolvia as
situações-problemas com muita calma e conversando com as crianças. Abaixo estão
exemplos de algumas resoluções de situações-problemas.
No refeitório, Felipe e Júlia (aluna de outra sala de seis anos) atracaram-se. Logo
as professoras dos dois os separaram. A professora de Felipe pediu que ele se
sentasse, sentou do seu lado e disse a ele que ele tinha que fazer carinho e não
brigar e demonstrou passando levemente a mão sobre o braço de Felipe. Depois
disso, Márcia pediu que a professora de Júlia a trouxesse para que Felipe fizesse
carinho nela. Felipe, de fato, fez carinho na menina conforme a professora havia
feito e até deu um beijo em sua mão.
Felipe passou de fileira em fileira com seu caderno aberto para mostrar aos
colegas o desenho que tinha feito. Ao passar por Aline, Felipe passou a mão em
seu cabelo e começou a bagunçá-lo; como ele não soltou, Aline o empurrou.
Depois disso, ela abaixou a cabeça na carteira. A professora segurou Felipe e o
levou para fora da sala. Quando voltaram, a professora o levou até a carteira de
Aline e percebeu que a aluna estava chorando. A professora pediu para ela
levantar a cabeça, mas ela não atendeu; a professora apontou para a menina e
falou: “Tá vendo Felipe? Você machucou a Aline, tá doendo e ela tá chorando.
Não pode bater, tem que fazer carinho”. Felipe fez carinho na cabeça de Aline e a
professora os levou para conversar fora da classe. Quando voltaram, Aline não
estava mais chorando.
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Caso 2 – Felipe com a professora Fátima na escola de Ensino Fundamental
Fátima tinha 63 anos, era aposentada e tinha muitos anos de experiência como
professora no Estado. Começou sua carreira dando aulas na pré-escola e depois foi para o
Ensino Fundamental, dando aulas de 1ª a 4ª série. Ela também foi professora substituta do
CEFAM e diretora de duas pré-escolas de São Carlos por sete anos e meio. Sobre sua
experiência profissional ela comenta: “então, a bagagem é muito grande, a experiência é
muito grande”.
Fátima foi a terceira professora da classe de Felipe, assumindo em maio de 2005 e
afirmando não saber se ficaria até o final do ano. A primeira professora da turma afastou-
se, no final de março, por problemas de saúde relacionados com a dificuldade da
professora em lidar com Felipe. Numa conversa inicial com essa professora, ela relatou
que não sabia como alfabetizá-lo e também não sabia “como chegar até ele”. A professora
queixou-se dos comportamentos indisciplinares do aluno (jogava tudo no chão, brigava e
puxava o cabelo dos colegas, tentou subir na cortina, estragou sua mochila, não fazia
atividades). Ela avaliou que Felipe estava só “fisicamente incluído”. Nessa conversa, a
professora pareceu bem apreensiva e preocupada com a situação de Felipe em sua turma.
A segunda professora da classe era formada em Biblioteconomia e dava aulas na
mesma escola no período da tarde. Ela comentou que não queria pegar essa substituição
por causa de Felipe e só pegou “porque não tinha mais ninguém”. A professora não tinha
nenhuma experiência com alunos com NEEs e comentou ainda que sabia que era uma
“tendência mundial”, mas achava que a inclusão “deveria ser feita só em alguns
momentos, em algumas atividades, porque na sala de aula é muito difícil” Ela ficou um
mês com a turma e saiu porque foi chamada num concurso que havia prestado para
bibliotecária.
Durante o mês de maio e junho, Felipe quase não foi às aulas. A escola pediu uma
avaliação do aluno numa escola especial e ele faltou vários dias para fazer as avaliações. A
situação era de impasse, pois não se sabia se ele continuaria na escola. Ele saiu por um
tempo da escola e foi matriculado na escola especial. A situação de Felipe só se resolveu
no segundo semestre, quando ficou decidido que ele continuaria na escola e, no período
contrário, iria para a escola especial.
Fátima considerava que o problema da classe era a indisciplina. Ela era bem rígida
com relação à disciplina e os alunos consideravam que ela era brava. A professora
comentou que a classe de Felipe era a “pior 1ª série da escola, porque nas outras já está
todo mundo lendo”.
32
Quando questionada sobre a possibilidade de inclusão de crianças com qualquer
deficiência na escola, Fátima ponderou que “a inclusão deve estar no Ensino Fundamental,
a gente deve receber o aluno, mas aquele aluno que ele possa contribuir com alguma coisa
dele nas atividades”. Especificamente sobre Felipe, a professora acrescentou que: “agora,
o Felipe não, o Felipe não contribui nada, nada, ele não se interessa pelas atividades da
classe”. Além disso, comentou: “elas [da Secretaria de Educação] dizem que a gente tem
que dar as atividades iguais, você pode dar atividade igual, ele não acompanha, ele
amassa, ele rasga as folhas. Então, não tem atividade que chame atenção dele. Ele quer
uma coisa fora da sala de aula”.
Fátima sugeriu que as atividades para Felipe fossem dadas fora da sala, “num lugar
mais calmo, como a biblioteca”, argumentando que “lá ele iria aproveitar mais”.
Sobre a aceitação de Felipe na classe, a professora relatou que “mesmo tendo o
Felipe, a gente conversa muito com a classe, pra que eles ajudem, ele é uma criança
diferente, eles ajudam, eles gostam dele, né? Eles participam, eles levam ele no banheiro,
eles limpam nariz dele”..
Na classe de Felipe havia 25 alunos. A sala era ampla, bem iluminada, mas pouco
ventilada, pois batia sol de um lado da sala, tornando-a abafada. A sala era composta pela
mesa e cadeira da professora, as carteiras dos alunos e um armário no fundo. Em cima da
lousa havia um relógio e um alfabeto colorido. Nas paredes, havia alguns textos escritos
em cartolinas, fotos de animais e folhas com palavras; na parede do fundo havia um mapa.
A escola tinha na área interna: cozinha, refeitório, sala dos professores, secretaria,
sala da diretora e da vice, almoxarifado, 9 salas de aula e um pátio interno na entrada da
escola. Na área externa, havia jardins, um amplo gramado, uma quadra e uma biblioteca
com sala de vídeo. Os bebedouros, as pias e vasos sanitários do banheiro, as mesas e
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cadeiras do refeitório eram apropriados para o tamanho das crianças. A entrada da escola
era inclinada em forma de rampa.
As crianças chegavam entre 7h e 7h15. Logo após a entrada, os alunos que queriam
iam tomar café da manhã no refeitório. Em seguida a professora dava, na maioria das
vezes, atividades de português, com um pequeno texto, perguntas de interpretação e
leituras em voz alta do texto. As crianças copiavam e faziam os exercícios até a hora do
intervalo, às 9h30, e às vezes até depois do intervalo. No intervalo, as crianças tinham
merenda e podiam brincar no pátio interno da escola ou na área externa. Depois do
intervalo, a professora dava atividades variadas, como de matemática, ciências, desenho,
música ou história. As crianças saiam aproximadamente 12h. Felipe ia embora todos os
dias entre 11h10 e 11h30, pois ele ia para a escola especial à tarde.
Durante as observações, verificou-se que a professora Fátima favoreceu e
incentivou pouco a participação do aluno-alvo nas atividades e, nos cinco episódios
inclusivos, foi Felipe que teve a iniciativa de se aproximar da professora. Os episódios a
seguir ilustram algumas práticas inclusivas.
Felipe levantou, foi até o armário da professora, pegou uma régua e foi até a
lousa. Ele apontava a régua em direção à lousa exatamente como fazem os alunos
e a professora na hora da leitura. Em seguida, ele pegou um giz para escrever na
lousa. Fátima indicou um lugar na lousa para ele escrever, foi segurando sua mão
e fazendo junto com ele alguns exercícios de coordenação motora. Diante disso, a
professora disse para a classe: ”ele também quer escrever na lousa, pensam que é
só vocês”. Depois, Felipe pegou de novo a régua, apontando-a para a lousa e disse
1,2,3,4,5. A reação da professora foi dizer: “vou ensinar matemática só para ele”.
A turma reagiu com espanto e riso às atitudes de Felipe. Ele escreveu na lousa
mais um pouco e depois sentou em seu lugar.
Depois de ter terminado a atividade que estava fazendo (escrever com pontilhado
as vogais), ele levou a sua folha para a professora, que o elogiou e carimbou um
patinho no verso de sua folha.
Além disso, através das observações constatou-se também que Fátima, muitas
vezes, lidava com as situações-problemas mandando Felipe sentar e chamando a inspetora
para tirá-lo da sala. Abaixo estão exemplos de como a professora agiu em alguns dos
problemas que surgiram em sala de aula.
34
Logo depois do intervalo Felipe levantou, foi para o meio da sala, deitou no chão e
começou a levantar as pernas para cima, gritar e mexer nos materiais dos colegas
ao redor; as crianças riam e ficavam olhando para Felipe. A professora foi até ele
e disse: “levanta daí, eu não vou fazer esforço com você”. Orientei as crianças
para não rirem e nem ficarem olhando, mas elas não seguiram as recomendações.
Passado um tempo, Fátima ficou irritada e o puxou até sua carteira. Segundos
depois, ele voltou ao mesmo lugar e continuou a puxar as coisas de uma menina
que estava do seu lado. A professora chamou a inspetora, que o pegou no colo e o
tirou da sala, levando-o para a diretoria. Em seguida, a professora desabafou:
“essa classe não rende por causa dele... eu não agüento mais... eu vou desistir
dessa classe... tá acabando com minha saúde”. Depois comentou: “a primeira
professora não agüentou, a segunda também não e, se continuar assim, eu também
não vou agüentar”. Depois desse dia bem agitado, logo que a mãe de Felipe
chegou para buscá-lo, a professora reclamou do seu comportamento, dizendo que
estava difícil dar aula com ele. A mãe respondeu dizendo: “então não vou mais
trazer ele”. Assim que a mãe de Felipe saiu, a professora falou “então não traz” e
depois disse “o lugar dele não é aqui”.
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Parte II - Percepções das professoras sobre a inclusão escolar
1. Ingresso de Felipe
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“Eu optaria por receber porque é uma questão de cidadania, mas também... eu gostaria
que tivesse uma equipe de apoio por trás de mim pra me ajudar”.
2. Preparação
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“Com o Felipe, ah... eu procurei também, tá? Da mesma forma, as famílias que têm
crianças com Síndrome de Down dentro da escola, os comportamentos mais comuns de
uma criança com Síndrome de Down, né? O que é a Síndrome de Down?”.
3. Aceitação
3.1 Opinião/ percepção sobre a inclusão antes e depois de ter recebido alunos
com NEEs
A professora avaliou que antes de receber um aluno com NEEs em sua turma, ela
considerava que eles iriam para a escola somente com o objetivo de socialização. No
entanto, com a experiência de trabalho, reconheceu que eles também vão para a escola para
aprender.
“Eu achava que... eles só viriam pra escola só para socialização, né? Eu acho que... é um
mito até que todo professor tem, né? Que a criança, esse tipo de criança, só vem na escola
para socializar, mas eu acabei descobrindo que não é verdade, né? Pela experiência eu
descobri que não é assim e... também a criança, ela passa dentro da escola por processo
de alfabetização, então vai melhorar a linguagem dela, ah... que nem eu falei pra você,
né? Que eu fiquei super contente quando o Felipe, ele fez um sol no caderno e veio
mostrar pra mim que era um sol. Então esse mito, essa idéia que eu tinha de que a criança
vinha só para socializar então caiu por... por terra, entendeu? Não é... agora eu sei que
não é assim, que não é verdade, então que ela também passa por processos de
aprendizagem quanto à língua oral, à língua escrita, à matemática”.
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“Eu acho que só efeitos positivos, né? Então, por exemplo, melhora a linguagem oral, tá?
Principalmente, a comunicação dele com as outras crianças, essa parte social, de
aprender a brincar, de aprender a trocar um brinquedo, de aprender a emprestar, de
respeitar uma fila; por exemplo, um dia aprender a lavar a mão, um dia aprender a
comer, vendo até mesmo as outras crianças, né? De saber se defender quando alguém
bater, entendeu? E saber também que tá errado brigar, tá? Então só vejo aspecto
positivo, negativo eu não vejo nenhum não”.
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quê? Porque eles ficavam afastados, longe da gente, né? E eu acho que só tende a
melhorar porque cada vez mais que vão chegando crianças assim na escola, as pessoas
vão se acostumando, vão vendo que não é uma coisa do outro mundo, né? Que dá pra
trabalhar com essas crianças, que dá pra se comunicar, que dá pra conversar e todo
mundo da escola adora o Felipe, como gostava também da Bruna, entendeu?”.
4. Compromisso
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A etapa final do estudo envolveu uma nova entrevista com a professora, com o
intuito de fazer um balanço sobre a experiência, tendo sido a professora Márcia convidada
a descrever como foi seu ajustamento a situação de ter Felipe na classe. Além disso, ela foi
convidada a fazer uma avaliação da experiência e a oferecer sugestões sobre o processo e a
política de inclusão escolar. A seguir serão apresentadas as conclusões desta etapa de
acordo com as categorias e subcategorias do roteiro de entrevista.
5. Ajustamento
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5.3. Mudanças na forma de ensinar
A educadora afirmou que, além de fazer alterações no conteúdo ensinado, foi
necessário também esclarecer algumas dúvidas das crianças sobre o desenvolvimento de
Felipe.
“Sim, não só em relação ao conteúdo, mas em relação aos valores das crianças, né?
Porque, na verdade, eu fiquei com o Felipe dois anos, né? (...) Então, quando eles vieram
para cá, eles tinham essa idéia de que ele era doente, de que ele é doente; então, você tem
que conversar, e que ele fez xixi, porquê que ele faz xixi, que ele fez cocô, porquê ele fez
cocô, porquê que ele é pequeninho desse jeito, né? E ele tem oito anos e é pequeninho, né?
Por que que ele não consegue fazer as coisas e a gente consegue? Mas tem que explicar,
mas não é sempre que a gente consegue fazer, tem gente que tem dificuldade também de
fazer as atividades, né? Tem criança que tem dificuldade também de fazer as atividades
dentro da sala de aula”.
2
Referência aos estagiários do projeto SOS Inclusão, coordenado pela professora Enicéia G. Mendes em
2003.
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6. Avaliação da experiência
“(...) nossa, o desenvolvimento dele foi muito grande, entendeu? Muito grande, muito
grande. Ele é menor em relação às outras crianças, elas se desenvolvem muito mais
rápido, né? Mas... é... se você comparar aos pouquinhos, né? Ele foi se desenvolvendo e
chegar, por exemplo, a reconhecer a letra ‘a’, né? Ou falar, pedir pra ir beber “água”,
né? (...) Quer dizer, é um desenvolvimento assim muito grande pra ele, uma criança sem
estímulo nenhum, que veio sem estímulo nenhum, que praticamente não ficou na outra
escola, né? Teve que sair da outra escola porque não tava dando certo”.
43
uma criança autista, eu via como diferente mesmo; e hoje, eu percebo assim que eles
podem tá dentro da escola, acompanhando normalmente uma turma, que eles se
desenvolvem, que eles aprendem e antes, eu pensava que eles vinham só para a
socialização, eu imaginava isso”.
44
7. Sugestões
“Eu acho que todos deveriam participar, entendeu? Todos, todos os professores deveriam
trabalhar um dia com uma criança assim...”.
“... eu acho que ainda não tem uma estrutura ainda para receber, entendeu? Mas em
relação ao ano da Bruna, melhorou bastante, né?”.
7.2 Sugestões para um professor que fosse receber um aluno com NEEs
Márcia sugeriu para os professores que terão um aluno com NEEs em suas turmas
que o recebam de “coração aberto”, que o tratem de forma igual aos outros alunos e que
sempre peçam ajuda.
“Eu acho assim que não existe uma dica ou falar uma receitinha, ah, você faz isso que isso
dá certo, né? Medo vai sentir mesmo, eu acho que todo mundo vai sentir medo, um certo
receio de receber... (...) Então, eu não daria uma receita, eu acho assim, a pessoa tem que
tentar de tudo, tudo que der certo, entendeu? E tem coisas que não vão dar certo,
entendeu? Que, por um momento, eu acho assim, que devem ser realmente abandonadas,
por um certo momento e tentar outras, que vão dar certo, e depois voltar naquelas que não
deram certo, entendeu?”.
“E assim receber de coração aberto e sempre tá pedindo ajuda, pedir ajuda, porque o
professor precisa de ajuda... (...) Então, é... receber de coração, entendeu? Mesmo assim
coração aberto, pedir ajuda, que precisa; se o diretor não ajudar, se o inspetor não
ajudar, se a merendeira não ajudar, não vai dar certo. (...) Então, o professor precisa de
45
bastante ajuda. Eu acho que mais que dar uma dica assim, é o professor tá realmente
cobrando da escola, que ele tenha mais ajuda em relação à criança”.
“... daria a sugestão desse professor receber a criança como se fosse uma criança como as
outras que estivessem dentro da sala de aula. Ah... agora... e tratar igualmente, sabe? Tipo
assim... ah... o que um não pode fazer, ele também não pode, entendeu?”.
46
2. Sugestão de serviços
A professora Fátima sugeriu que tivesse uma pessoa que ficasse só com a criança
com NEEs.
“Sugestão de alguma pessoa. Como ele tinha o Renato duas vezes por semana, uma ele ia
na natação e outra ele estava com o Renato fazendo Física, brincadeiras. Então, aquilo
para ele era uma satisfação ver o Renato, era uma alegria muito grande. Aí eles retiraram
o Renato, não sei se foi só aqui da escola, mas ele saiu daqui. Então, já ficou um dia a
mais que o Felipe ficou sem essas atividades que ele gosta, né?”.
“... ele [Felipe] deveria ter na escola pessoas com especialidade que viessem ficar
somente trabalhando com ele”.
3. Tratamento de Felipe
Fátima afirmou que se a criança com NEEs tem algum “rendimento” escolar, o
tratamento e as atividades dados a ela devem ser iguais ao dos outros alunos.
“Não, se for uma criança diferente do Felipe, como tem aqui o da Elisa [professora da
mesma escola], né? Um exemplo, o da Josiane [outra professora da mesma escola]
também já deixa tudo em branco, as atividades que ela dá, né? Então, eu acho assim, se é
uma criança que consegue ter um rendimento, eu acho que deveria ser tudo igual, não há
diferença nenhuma... (...) Então, eu acho que se a criança rende alguma coisa, então ela
deve fazer atividades normais”.
5. Avaliação da experiência
47
“... então, até que ele teve uma melhora. Ele melhorou, mas o dia que ele vem, né? Então,
não sei, a minha preocupação é ele ir pra segunda e na segunda também ele não vai
encontrar, ele não vai encontrar, vai passando...”.
“A minha preocupação sabe qual que é? Porque você vê, passou o tempo, passou o ano,
né? Ele vai para a segunda série, então minha preocupação ah... que eu fico assim
nervosa, fico preocupada, porque ele vai para uma segunda série, então eu queria alguma
coisa dele e eu não tô conseguindo. Não tô conseguindo, mesmo que você faça, a
professora efetiva não conseguiu, até ela se afastou, né? Então, a minha tristeza é essa: de
não ter conseguido dele aquilo também que eu desejava conseguir, né?”.
Fátima considerou que a turma foi prejudicada com a inserção de Felipe nesta
classe de primeira série.
“... a classe foi muito prejudicada. Por quê? Ele fazendo, ele empurrando carteira, ele
brincando, ele chama atenção de todas as crianças. Então, aquilo para eles também gera
uma brincadeira, eles querem brincar justamente, eles aproveitam o tempo que ele está
fazendo alguma coisa errada, uma algazarra ou jogando carteira ou batendo em alguém,
então aquilo é uma oportunidade deles também ficarem desinteressados pela aula”.
48
6. Alterações na política de inclusão escolar no município
A professora afirmou que deveria existir um apoio maior à inclusão das crianças
com NEEs no ensino regular.
“Não é porque a lei manda, agora a lei deveria ter então um respaldo, por exemplo,
crianças que acompanham, aquelas que não acompanham, então vamos fazer outra coisa.
Agora eles jogam para você, se vira, né? Tanto é que você vê, eu sou a terceira professora
que passo pela classe, olha como eles foram prejudicados, foram muito prejudicados”.
47% Situações-
Problemas
53% Práticas
Inclusivas
Figura 1 – Freqüência dos tipos de episódios registrados nas duas escolas (turma de pré-
escola na Educação Infantil - EI, e turma de 1ª série do Ensino Fundamental - EF).
49
A Figura 2 apresenta a freqüência dos episódios registrados para cada um dos cinco
tipos de situações observadas, nas duas escolas.
Na turma da pré-escola, a maior proporção de episódios foi encontrada na situação
de atividade acadêmica, na qual foram identificados 22 dos 36 episódios (61%). Na
situação de higiene foram identificados 5 episódios (14%), enquanto que na situação de
alimentação, 3 episódios (8%). Nas atividades de brincadeira dirigida e brincadeira livre
foram observados, respectivamente, dois (6%) e quatro episódios (11%).
Legenda:
AA = atividades acadêmicas ALIM = alimentação BL = brincadeira livre
HIG = atividades de higiene BD = brincadeira dirigida
Figura 2 – Freqüência dos tipos de episódios registrados em cada uma das situações
observadas na sala da pré-escola (EI) e na escola de ensino fundamental (EF).
50
higiene, alimentação e brincadeira livre não foi registrado nenhum episódio. Na situação de
brincadeira dirigida, foi identificado apenas um episódio.
Quanto aos tipos de episódios na turma de pré-escola observou-se que:
• na situação de atividade acadêmica predominaram as práticas pedagógicas inclusivas,
situação na qual se identificou 13 episódios (77%);
• nas situações de higiene e alimentação, predominou as situações-problemas, com 4 e 3
episódios respectivamente, ou seja, 21% e 16%;
• nas situações de brinquedo dirigido e brinquedo livre, foram equivalentes os números
de episódios de situações-problemas e práticas inclusivas, sendo que na primeira
situação encontra-se um episódio de cada categoria e na segunda situação, dois de cada
categoria.
Dos episódios categorizados como situação-problema na turma de 1ª série todos
(100%) ocorreram em atividades acadêmicas. Dos episódios de práticas pedagógicas
inclusivas, 80% ocorreram na situação de atividade acadêmica e 20% na situação de
brincadeira dirigida.
Dentro da categoria de situações-problemas observados na turma de pré-escola
observou-se de maneira geral: episódios de desentendimento entre Felipe e seus colegas,
muitos episódios nos quais ele fez xixi e/ou cocô na sala de aula, na brinquedoteca ou no
parquinho, episódios de tratamento inadequado e de agitação/inquietação dele dentro da
sala.
Na 1ª série, as situações-problemas ocorreram em situações nas quais Felipe fez
xixi na sala de aula, quando ele não queria entrar na sala, recusava-se a fazer a atividade,
deitava-se no chão da classe e mexia nos materiais dos colegas.
Dentro da categoria de práticas pedagógicas inclusivas na turma de Márcia, da pré-
escola, identificou-se: episódios em que a professora favoreceu a participação de Felipe na
atividade, nos quais a professora incentivou/elogiou a participação dele nas atividades e
episódios em que ela encorajava colegas a ajudarem e/ou interagirem com Felipe. Na
categoria de práticas pedagógicas inclusivas observadas na turma de 1ª série identificou-se
um episódio em que a professora Fátima favoreceu a participação de Felipe na atividade e
situações em que ela o elogiou por ter participado.
Em relação à freqüência dos tipos de episódios segundo os agentes principais das
interações, constatou-se que em situações-problemas da pré-escola, os principais
envolvidos foram os colegas e Felipe, enquanto que nas práticas pedagógicas inclusivas, a
professora Márcia foi a principal protagonista. Na escola de Ensino Fundamental,
51
constatou-se que o principal protagonista dos dois tipos de episódios foi Felipe, inclusive
nas práticas pedagógicas, pois em todas as situações inclusivas a iniciativa foi da criança,
que ia até a professora, como por exemplo, para mostrar a atividade que estava fazendo.
As principais estratégias utilizadas por Márcia, a professora da pré-escola, para
lidar com as situações-problema foram: conversar com Felipe e outros alunos envolvidos,
chamar uma funcionária para trocá-lo quando ele fazia xixi ou cocô na sala, deixar o aluno
pegar um brinquedo e trocar Felipe de lugar na sala. Dentre essas estratégias, a mais
utilizada foi a de conversar com Felipe e os colegas envolvidos nas situações-problema.
As principais estratégias utilizadas pela professora Fátima lidar com as situações-
problemas envolvendo Felipe, na 1ª série, foram: mandar o aluno sentar, ficar brava,
chamar sua atenção, ignorar, arrastar a criança até o seu lugar, tirar fotos, fazer um livro de
ocorrências e chamar a inspetora para tirar o aluno da sala. A professora ignorava
principalmente as situações em que o aluno fazia xixi na sala, pois ele espontaneamente
saia da sala e procurava a inspetora para ser trocado. As atividades de tirar fotos e fazer um
livro de ocorrência tinham como finalidade formar material para a professora levar para a
Secretaria de Educação do município. Dentre todas essas estratégias, mandar o aluno sentar
e chamar a inspetora para tirá-lo da sala foram as mais utilizadas pela professora Fátima.
Cabe ressaltar que o número de episódios classificados como situações-problema,
apontados na figuras 1 e 2 foram aqueles que ocorreram na presença da professora, pois a
definição de situação-problema utilizada nessa pesquisa incluía aquelas situações nas quais
surgia um obstáculo ou problema, cuja superação iria requerer a mobilização de
conhecimentos por parte do professor, que deveria tomar decisões para que suas metas
fossem alcançadas.
No entanto, na 1ª série outras 8 situações-problema forma registradas, que
ocorreram na escola, mas na ausência da professora. Esses episódios ocorreram na
merenda (1), no recreio (4), na entrada da sala (2) e no bebedouro (1), situações em que a
professora não estava presente, mas que necessitaram a mobilização das inspetoras e
algumas vezes da vice-diretora e da diretora.
Na merenda observou-se um episódio no qual Felipe, quando viu a inspetora
carregando as bolas e abrindo a porta que daria acesso ao gramado, imediatamente jogou
fora sua comida antes de terminar. Segundo a inspetora, isso sempre ocorria e não era
porque ele estaria sem fome.
52
No recreio, os problemas envolveram brigas e agressões de Felipe com os colegas;
num episódio no bebedouro, Felipe cuspiu água nas pessoas e na entrada da sala, ele não
queria entrar, deitava no chão e segurava nos pés da inspetora.
Tais episódios não foram contabilizados nos gráficos, mas merecem ser
considerado para que se possa retratar melhor a difícil transição de Felipe para a escola de
Ensino Fundamental.
53
Discussão
Os resultados encontrados apontam que a professora de Educação Infantil
conseguiu lidar melhor com o aluno com deficiência do que a professora da 1ª série. Tal
constatação pode possivelmente ser explicada pelo fato de que, quando os dados foram
coletados na classe da pré-escola, já fazia um ano e meio que Márcia estava com Felipe em
sua turma. Isso também pode ser atribuído às próprias características da Educação Infantil,
em que há mais atividades lúdicas do que no Ensino Fundamental, onde predominam
atividades acadêmicas. Além disso, observou-se através das práticas e dos discursos, que a
professora da pré-escola estava bem mais comprometida com o ideal de inclusão do que a
professora da 1ª série.
Quanto à utilização de adaptações, mudanças e apoios nas atividades propostas para
o aluno com necessidades educacionais especiais, verifica-se que a professora da pré-
escola utilizou algumas adaptações, como, por exemplo, o pontilhado nas atividades que
incluíam letras e números, para que o aluno desenvolvesse sua coordenação-motora, se
familiarizasse com esses pré-requisitos acadêmicos básicos e pudesse participar do
exercício proposto. Utilizou muito a música em suas aulas, pois Felipe gostava bastante.
Quando a atividade proposta envolvia muitos repertórios que a criança não possuía, a
professora mudava a atividade para ela, dando, por exemplo, um desenho ou algum jogo.
Com a professora da 1ª série, não foi observada nenhuma adaptação nas atividades
que ela propôs para a turma; algumas vezes, ela deu folhas para a criança-alvo desenhar e
poucas vezes proporcionou reforço verbal e não-verbal para o aluno.
Os dados encontrados sobre as adaptações das atividades e as mudanças nas rotinas
de trabalho das professoras corroboram um dos aspectos indicados na teoria da adaptação
seletiva de Donoghue & Chalmers (2000), na qual os autores afirmam que os professores
não costumam realizar grandes modificações nos métodos de ensino e/ou conteúdos
curriculares ao receberem um aluno com necessidades educacionais especiais.
Verificou-se ainda que a professora Márcia utilizou algumas das estratégias indicadas por
Falvey et al (1999), como por exemplo: adotar o ensino em pequenos grupos, usar apoio e
orientação dos colegas, usar os interesses do aluno, proporcionar reforço e não-verbal, usar
instruções por sinais, estruturar atividades para criar oportunidades de interação social,
entre outras.
As estratégias que a professora Fátima utilizou para lidar com as situações-problemas não
estavam de acordo com aquelas indicadas por Stainback (1999), que sugeriam que o
professor deveria atrair pouca atenção aos comportamentos inadequados, ajudar seus
54
alunos a terem comportamentos adequados, tentar resolver o problema sozinho e de
maneira discreta. Fátima dava muita atenção aos comportamentos inadequados dos alunos,
principalmente aos de Felipe, não os ensinava a ter comportamentos mais adequados e
lidava com os problemas, muitas vezes, de forma não discreta e chamando a inspetora da
escola para resolvê-los.
Em relação à comparação entre o discurso e a prática, de maneira geral, as
professoras apresentaram coerência entre o que falavam e o que faziam. Somente quanto
ao tratamento do aluno-alvo, a professora da pré-escola foi algumas vezes incoerente, pois
afirmava que o tratamento dado ao aluno com NEEs tinha que ser igual ao das outras
crianças e o que as outras não podiam, ela também não poderia. No entanto, a criança-alvo
tinha alguns “privilégios” em comparação com as demais crianças, como por exemplo:
todos os dias ela podia sair da sala uns 15 ou 20 minutos para ficar na diretoria (onde tinha
uma salinha com materiais e brinquedos), ela podia ficar com brinquedos na sala, tinha
mais oportunidades de brincar com jogos enquanto as outras crianças tinham que fazer
atividades acadêmicas, ela podia pegar leite mais de uma vez na merenda, sendo que os
outros alunos não podiam.
No entanto, apesar de Felipe estar mais integrado na pré-escola, participando mais
das atividades do que na primeira série, ele não foi preparado adequadamente para fazer a
transição para o Ensino Fundamental, devido aos privilégios que eram dados a ele, que
também contribuíram para dificultar sua passagem.
O menor número total de episódios registrados na 1ª série em comparação com os
que foram registrados na pré-escola pode ser atribuído à presença mais constante da
professora do Ensino Infantil nas atividades de seus alunos, acompanhando inclusive
atividades fora da sala de aula, como por exemplo, na merenda, no parquinho, na hora de
escovar os dentes, lavar as mãos, além das situações acadêmicas. Cabe lembrar que a
definição dos dois tipos de episódios envolvia a presença da professora. Isso explica
também o maior número de situações-problemas da EI, pois na EF vários episódios de
situação-problema ocorreram em momentos em que a professora não estava presente.
O menor número de práticas inclusivas na 1ª série em comparação com os
episódios da pré-escola talvez possa ser em parte explicado pela presença da pesquisadora,
que acompanhava a criança-alvo, levando atividades adaptadas para ela.
Os comportamentos inadequados de Felipe na primeira série foram muito
freqüentes provavelmente porque eles eram efetivos para o aluno conseguir se esquivar das
atividades acadêmicas e, conseqüentemente, da situação de sala de aula. Quando ele se
55
comportava mal, ele saia da sala, ficava na diretoria, com a inspetora no almoxarifado ou
numa mesinha que tinha no corredor da escola ou então na sala de outra professora. Os
comportamentos inadequados em outros contextos, como no recreio, talvez pudessem ser
atribuídos ao pouco desenvolvimento da linguagem de Felipe e à falta de repertório social
para lidar com os colegas.
Quanto à transição de Felipe para a 1ª série, constata-se que foi um processo difícil,
com muitos problemas de aceitação e adaptação à nova escola, às novas professoras e à
nova turma. A passagem pode ter sido dificultada pela falta de repertório acadêmico básico
do aluno (como o conhecimento das letras do alfabeto e dos números), pelo pouco
desenvolvimento de sua linguagem e pela falta de controle de esfíncteres. No entanto, foi
dificultada principalmente pela concepção tradicional da equipe escolar que focalizava o
problema da dificuldade de aprendizagem na criança e não na estrutura escolar e pelo
pouco comprometimento da escola com o ideal de inclusão.
A professora ainda mantinha uma concepção bem tradicional do processo de
ensino-aprendizagem, das dificuldades de aprendizagem e uma visão fatalista da
deficiência, conforme indica em sua entrevista. Ela tinha também como objetivo a
homogeneização em sua classe, ou seja, que os todos os alunos aprendessem da mesma
maneira e no mesmo ritmo. Conforme indica Fox et al (2004), as percepções do professor
do ensino regular são centrais para a efetividade da inclusão e, segundo Martínez (2005), é
necessário mudanças na representação da escola como instituição e nas concepções
dominantes no meio escolar para favorecer a inclusão, mas a professora da primeira série
mantinha concepções que não contribuíam para o processo de inclusão.
Um outro fator que pode ter dificultado a transição do aluno foi o fato da professora
não ter assumido um papel central na programação das atividades e apoios para a criança-
alvo, deixando claro na entrevista que ela esperava que algum profissional acompanhasse
Felipe. Conforme indica Fox et al (2004), o papel central do professor no manejo das
adaptações e na organização da rotina escolar aumenta as chances de sucesso da inclusão.
Portanto, a dificuldade de adaptação do aluno pode também ser atribuída à postura da
professora. Além disso, segundo os autores, outros fatores que aumentam a probabilidade
de sucesso da inclusão são: adaptação do currículo à criança e a concepção de que ela é
central na aprendizagem, que também não estavam presentes na EF.
Fátima tinha muita experiência como professora, mas não conseguiu manejar
adequadamente a sala para favorecer o engajamento de Felipe e contornar as situações-
problemas, sentindo-se desapontada, conforme indica na entrevista, por não ter alcançado
56
seus objetivos. Isso é apontado por Iverson (1999), que afirma que mesmo os professores
que têm um amplo conhecimento e técnicas para ensinar, mas que não têm um preparo
para o manejo adequado da sala, muitas vezes, se sentem frustrados com os alunos e com o
trabalho, reclamam, alteram seus tons de voz, sofrem um intenso estresse e usam muita
punição. Fátima, além de sentir frustrada com o trabalho por não ter atingido suas metas,
também alterava seu tom de voz e reclamava bastante de Felipe e da turma, principalmente
diante de situações-problemas.
57
Considerações Finais
O presente estudo teve como objetivo descrever e analisar como os professores
lidam com um aluno com necessidades especiais inserido em suas turmas e como ocorre a
transição da pré-escola para a escola dessa criança. Pode-se considerar que a opção
metodológica adotada se mostrou adequada aos objetivos do estudo, pois permitiu
investigar como as escolas e os professores respondem à inserção de alunos com NEEs.
O referencial etnográfico permite uma variedade de técnicas que garantiram uma
maior aproximação do fenômeno a ser estudado. Além disso, a prolongada estadia do
pesquisador na escola, como observador participante, assegurou maior familiaridade com o
contexto investigado; a coleta de dados permanente permitiu registrar dados que
eventualmente podem não aparecer em situações mais estruturadas ou planejadas.
Os dados coletados permitiram uma grande variedade de análises, mas pretende-se
aprofundar a análise dos estudos de casos, a fim de se criar material didático para ser usado
em programas de formação de professores, para possibilitar discussões sobre os
fundamentos teóricos e reflexões sobre a prática.
Na pré-escola, houve um equilíbrio entre o número de situações-problemas e
práticas pedagógicas inclusivas, com o uso de algumas adaptações e poucas alterações na
rotina de trabalho. Na turma de primeira série, houve um predomínio de situações-
problemas (contabilizando os episódios dessa classe que ocorreram na ausência da
professora), o uso de nenhuma adaptação ou alteração na rotina de trabalho. Através da
comparação entre o discurso e a prática, constatou-se, de maneira geral, que as professoras
foram coerentes e que a professora da pré-escola estava bem mais comprometida com o
ideal de inclusão do que a professora da primeira série.
A transição do Ensino Infantil para o Ensino Fundamental caracterizou-se como um
momento crítico na escolarização do aluno com deficiência. Tal tema demanda estudos que
aprofundem a questão e que possam aumentar as probabilidades de permanência e sucesso
das crianças com necessidades educacionais especiais no ensino regular.
De forma geral, é imprescindível para o sucesso da proposta de inclusão que se
produza conhecimento científico sobre a questão da formação do professor do ensino
regular para fazer frente aos desafios que emergem durante o processo de inclusão escolar.
58
Referências Bibliográficas
FALVEY, M. A.; GIVNER, C.C.; KIMM, C. O que eu farei segunda-feira pela manhã?
In: S.B. Stainback; W. Stainback. Inclusão: um guia para educadores. Porto Alegre: Artmed,
1999.
FOX, S.; FARREL, P.; DAVIS, P. Factors associated with the effective inclusion of
primary-aged pupils with Down’s syndrome. British Journal of Special Education, 31 (4), 184-
190, 2004.
59
IVERSON, A. M. Estratégias para o Manejo de uma sala de aula inclusiva. In: S.B.
Stainback; W. Stainback. Inclusão: um guia para educadores. Porto Alegre: Artmed, 1999.
MANTOAN, M. T. E. A integração de pessoas com deficiência: contribuições para uma
reflexão sobre o tema. São Paulo: Mennon/ SENAC, 1997.
MARTÍNEZ, A. M. Inclusão Escolar: desafios para o psicólogo. In: A. M. Martínez
(org.), Psicologia Escolar e compromisso social: novos discursos, novas práticas. Campinas:
Editora Alínea, 2005.
MENDES, E. G. A formação de educadores de creches para a inclusão escolar:
identificando situações-problemas. Relatório Final do Projeto de Pesquisa CNPq Processo Nº
520288/02 (NV), 2005.
MITTLER, P. O futuro das escolas especiais. Pátio Revista Pedagógica, ano VIII, nº 32,
novembro de 2004/janeiro de 2005, Artmed Editora, 2004.
ROGERS, J. The inclusion revolution. Research Bulletin, 11.Bloomington, IN: Center for
Evaluation, Development and Research, 1993.
SASSAKI, R. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA,
1997.
60
ANEXO I
PARTE A – IDENTIFICAÇÃO
Data da Entrevista:
Escola:
Professor (a):
Data de Nascimento:
Idade:
FORMAÇÃO:
( ) 1° grau incompleto ( ) 1° grau completo ( ) 2° grau incompleto
( ) 2° grau completo ( ) Magistério
Curso Superior? ( ) NÃO ( ) SIM
Qual (is)?
61
• Você já teve anteriormente a experiência de ter em sua turma crianças com
necessidades educacionais especiais? ( ) NÃO ( ) SIM
• Quem é (são) atualmente seu (s) aluno (s) com necessidades educacionais especiais?
Faça uma breve descrição sobre o que você sabe a respeito dele (s).
FORMAÇÃO CONTINUADA:
• Relação dos cursos feitos
Nome do Curso Carga Horária Ano
62
9. Quando ficou sabendo que teria um aluno com necessidades educacionais especiais em
sua turma procurou informações a respeito do assunto?
( ) Sim ( ) Não
OBS: Se a resposta à pergunta for positiva, vá para a questão 10.
10. Onde ou com quem procurou estas informações (outros professores, diretor, outros
alunos, conhecidos, família do aluno, etc.)?
11. Essas informações auxiliaram na sua prática? Como?
12. Na sua opinião, quais foram as fontes de informações mais importantes?
13. Dentre as informações obtidas, quais foram as mais significativas? Quais foram
irrelevantes?
14. Dentre as informações obtidas, quais foram as que auxiliaram quando da recepção do
aluno? Quais não auxiliaram?
2a categoria: ACEITAÇÃO
15. Qual a percepção que você tinha do aluno com necessidades educacionais especiais
antes de passar pela experiência de ter um desses alunos na sua turma?
16. De modo geral, o que você acha da inclusão de crianças com necessidades educacionais
especiais na escola?
17. Você pensa que a escola deve atender a todos sem distinção ou algumas crianças com
necessidades educacionais especiais não teriam condições de freqüentar a escola?
18. Você pensa que é justo e certo educar o aluno com necessidades especiais na escola
comum ou você pensa que justo seria ele ter uma educação separada? Por quê?
19. Você acha que a inserção do aluno com necessidades educacionais especiais nas escolas
traria algum aspecto positivo para este aluno? Quais? Você acha que traria algum efeito
negativo? Quais?
20. Você acha que a criança com necessidades educacionais especiais foi ou não aceita
pela turma? O que você acha que vai acontecer com ela na turma? Você acha que sua
inserção terá algum efeito positivo para a turma? Quais? Você acha que terá algum
efeito negativo? Quais?
63
21. Você acha que a inserção do aluno com necessidades educacionais especiais terá algum
efeito positivo para você? Quais? Você acha que terá algum efeito negativo? Quais?
22. Você acha que esta experiência (de ter um aluno com necessidades educacionais
especiais em sua sala) afetará sua carreira? Como? Que impacto você acha que a
política de inclusão escolar poderá ter na sua vida pessoal?
23. Na sua opinião, a inclusão escolar de crianças com necessidades educacionais especiais
poderá melhorar ou piorar o sistema educacional? Por quê?
3a categoria: COMPROMISSO
24. Quais são as expectativas com relação ao aluno ____________ na sua turma?
25. Quais as vantagens você imagina que ele poderá ter em sua turma?
26. Quais as desvantagens você imagina que ele poderá ter em sua turma?
27. Você pensa que o fato de ter um aluno com necessidades educacionais especiais
implicará ou não em mudanças na sua rotina de trabalho? Em caso positivo, quais?
28. Quais são suas metas e alvos para a turma a serem atingidos até o final do ano?
29. Você modificou seu planejamento em função do aluno com necessidades educacionais
especiais? Em caso afirmativo, qual (is) modificação (modificações) fez?
30. Você pretende desenvolver um programa diferenciado para o aluno com necessidades
educacionais especiais?
31. Você acha que ele deverá ser tratado igual ou diferente dos demais? Você acha que
deve esperar que ele faça as mesmas coisas, coisas diferentes ou menos que os outros?
32. Em caso de pretender fazer mudanças, o que pensa fazer de diferente?
33. Você tem condições de fazê-las ou precisaria de ajuda de um profissional
especializado?
34. No caso de achar que precisaria de ajuda, que profissional (is) você acha que poderia
(am) te ajudar?
64
PARTE C - ENTREVISTA FINAL
4a categoria: AJUSTAMENTO
35. Algum aspecto do seu trabalho mudou com a experiência de ter o aluno_________ em
sua turma? ( ) Sim ( ) Não
- para você;
- para a criança com necessidades educacionais especiais;
- para as outras crianças da turma;
- para o diretor (a) da escola;
- para a família da criança.
44. Houve alguns fatores que dificultaram o seu trabalho? Se sim, quais?
65
45. A política de inclusão escolar fez com que melhorasse ou piorasse sua capacidade de
administrar/realizar seu trabalho na escola? Justifique sua resposta apontando
vantagens e/ou desvantagens se for o caso.
46. Como você avalia no momento sua experiência pessoal e profissional para lidar com a
criança com necessidades educacionais especiais? Você se considera ou não capaz de
lidar com elas?
47. Como você avalia a qualidade das suas ações quanto à inclusão? Na sua opinião suas
ações contribuem para o processo de efetivação da inclusão?
48. Você considera que suas ações tiveram efeito sobre o aluno com necessidades
educacionais especiais? Em caso afirmativo, qual (is)?
49. Você considera que suas ações poderiam ser melhoradas? Em caso afirmativo, em que
aspectos?
50. Você pensa que a política de inclusão escolar deve continuar sendo implementada?
51. Na sua opinião, esta experiência (de ter alunos com necessidades educacionais
especiais) poderá aumentar as possibilidades de melhoria no sistema educacional ou
não?
52. A experiência de ter o aluno com necessidades educacionais especiais alterou sua
atitude em relação a receber no futuro outras crianças, em sua turma? Por quê?
53. Qual o impacto que a experiência da inclusão teve para você?
54. A experiência influenciou na mudança de algum valor que você possuía antes?
55. Qual a percepção que você tem hoje do aluno com necessidades educacionais especiais?
56. O que você diria a outros professores que fossem passar pela experiência de ter no
futuro um aluno com necessidades educacionais especiais em sua sala de aula?
57. Se você pudesse escolher no próximo ano entre uma turma com ou sem alunos com
necessidades educacionais especiais, o que faria?
66
ANEXO II
ESPAÇO FÍSICO
Acesso
A escola possui uma estrutura de fácil acesso e segura para todos, ou seja, os
percursos possíveis são sinalizados, bem iluminados e livres de qualquer obstáculo,
bem como devidamente adaptados, com rampas de acesso, portas largas e ganchos na
parede ao alcance das crianças.
Sala de aula
O local é arejado, iluminado, com baixo nível de ruído, amplo e limpo, com áreas
definidas por carpetes e estantes.
O tamanho e a posição dos móveis são adequados, e estes são dispostos de modo a
facilitar a movimentação e o posicionamento das crianças nas várias atividades que
elas realizam.
São feitos ajustes no espaço físico para que se evitem possíveis acidentes como
manter a porta fechada ou a tomada tampada.
67
Banheiro
As crianças têm acesso ao sabonete, papel higiênico e toalhas de papel para enxugar
as mãos.
Refeitório
O número de crianças por mesa e o espaço da mesa por criança são adequados.
68
Há promoção de atividades e jogos que possam incluir as crianças com
necessidades educacionais especiais.
Estabelecimento de regras
Comunicações diversas são utilizadas (verbal, não-verbal, sinais, gestos, etc), a fim
de instruir a todos efetivamente.
Rotina
As crianças sabem das rotinas das atividades, de forma que percebem claramente
quando uma atividade começa e termina.
69
O horário das refeições, de brincar, de chegada e saída da pré-escola é programado e
mantido todos os dias da semana, de modo que a rotina não se torne estressante para
as crianças.
A professora tenta incluir as crianças com NEEs no grupo das outras crianças (por
exemplo, para sentar junto, responder às perguntas feitas pela professora, etc).
A estimulação dos alunos com NEEs é feita de modo a atender suas necessidades.
70
Os alunos com necessidades educacionais especiais têm o mesmo tratamento dado
aos outros estudantes, de modo que os alunos estão incluídos na rotina e
procedimentos da classe.
Existe preocupação por parte dos professores com as crianças que possuem
deficiências severas e múltiplas que exigem um determinado posicionamento para
facilitar sua função motora, para que tenham um tônus muscular normal, estabilidade
corporal e mantenham o alinhamento de corpo.
Está disponível um profissional que provê apoio não só à criança como também a
classe inteira.
Cuidados médicos
A pré-escola dispõe dos telefones de contato das famílias das crianças em caso de
necessidade emergencial.
71
Há a presença de uma equipe multidisciplinar, ambulatórios e medicamentos.
Apresentação de atividades
A professora dá uma explicação clara sobre o que o que deve ser feito na tarefa, o
que é esperado e quais são os objetivos dos alunos nas atividades.
As atividades são escolhidas de modo que as crianças com NEEs possam participar.
A professora envolve os colegas para participar das atividades com as crianças com
NEEs, utilizando os colegas como modelo de como utilizar o brinquedo.
A professora responde às perguntas das outras crianças sobre a criança com NEEs de
forma clara, simples e verdadeira.
Administração do tempo
72
A atenção das crianças numa atividade é mantida pela professora pelo máximo
tempo possível.
O começo e o fim das tarefas são claramente visualizados de modo que a criança tem
como predizer quanto tempo uma atividade durará ou quando lhe pedirão para fazer
algo.
A professora oferece opção de escolha dos objetos para a criança realizar a tarefa e a
criança sabe quando ela poderá escolher uma atividade.
COMPORTAMENTO DA CRIANÇA
Comunicação
73
A professora alterna estratégias de linguagem como comunicação multimodal.
Comportamentos desafiadores
Avaliações individuais
74
É analisado se existem causas típicas de comportamentos problema.
Treinamento de habilidades
75
ANEXO III - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E INFORMADO
(Via dos professores)
________________________________ _______________________________
Assinatura do Professor Profa Dra Enicéia Gonçalves Mendes
76
ANEXO IV - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E INFORMADO
(Via dos pais ou responsáveis)
________________________________ _________________________________
Assinatura do Responsável Profa Dra Enicéia Gonçalves Mendes
77
ANEXO V
Exemplos de atividades que Felipe fez na pré-escola (EI)
78
ANEXO VI
Exemplos de atividades que Felipe fez na primeira série (EF)
79