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ESCOLA LATINO-AMERICANA

DE COMUNICAÇÃO: EQUÍVOCO
TEÓRICO E POLÍTICO

Luiz C. Martino
Doutor em Sociologia pela Sorbonne, Paris V.
Professor da Faculdade de Comunicação da Uni-
versidade de Brasília (UnB), pesquisador do CNPq.
Email: martino@unb.br

102
RESUMO
O presente artigo analisa a fundamentação teórica da escola latino-americana de comuni-
cação. Traça as linhas gerais de sua emergência e critica a idéia de sua caracterização pela
incorporação das condições estruturais do subdesenvolvimento na análise da ação dos
meios. Também analisa criticamente a tese de que o subdesenvolvimento proporciona-
ria uma vantagem epistemológica. Procura refletir sobre a influência dessa visão sobre a
produção teórica e os equívocos da oposição entre teoria e política.

PALAVRAS-CHAVE: ESCOLA LATINO-AMERICANA DE COMUNICAÇÃO, CAMPO COMUNICACIONAL,

INTERDISCIPLINARIDADE, TEORIA DA COMUNICAÇÃO.

ABSTRACT
This article analyzes the theoretical basis of the Latin American school of communication,
introducing its emergence and criticizing its characterization through the incorporation
of the structural conditions of the underdevelopment in the analysis of mass media ac-
tion. In addition, the article probes into the thesis according to which underdevelopment
provides an epistemological advantage. The article discusses the influence of this view on
the theoretical production and the problems resulting from the opposition of theory and
politics.

KEYWORDS: LATIN AMERICAN SCHOOL OF COMMUNICATION, COMMUNICATIONS FIELD, INTERDISCI-

PLINARITY, COMMUNICATION THEORY.

103
RESUMEN
El presente artículo analiza las bases teóricas de la escuela latinoamericana de comunica-
ción. Remonta las líneas generales de su emergencia y critica la idea de su caracterización
a través de la incorporación de las condiciones estructurales del subdesarrollo en el análi-
sis de la acción de los medios. También analiza críticamente la tesis de que el subdesarro-
llo proporcionaría una ventaja epistemológica. Investiga la influencia de esta visión en la
producción teórica y los errores de la oposición entre la teoría y la política.

PALABRAS CLAVES: ESCUELA LATINO-AMERICANA DE COMUNICACIÓN, CAMPO COMUNICACIONAL,

INTERDISCIPLINARIDAD, TEORÍA DE LA COMUNICACIÓN.


Desde seu início a comunicação se instaurou ro). Tudo isso indica a preocupação da região com
como um saber voltado para o estudo dos meios seus sistemas de circulação de informação. Mas é a
e a influência que exercem na cultura. Na Améri- partir do final dos anos 1960 que a produção teó-
ca Latina o debate sobre a comunicação coincide rica latino-americana começa a ganhar volume e
com a entrada de capital estrangeiro no setor de a se desmarcar da influência estadunidense para
comunicação, particularmente com a chegada da alcançar um perfil próprio, o que vai despertar a
TV e dos grandes grupos de Comunicação por questão sobre sua caracterização e originalidade.
volta dos anos 1960. Um momento importante desta história se en-
Tratava-se, na época, da luta política pelo recon- contra na iniciativa da Unesco de promover o
hecimento da natureza extremamente estratégica, desenvolvimento dos meios de comunicação de
do ponto de vista nacional, das empresas ligadas às massa no mundo, criando dois centros de estudos
atividades de comunicação social (jornais, rádio, para a formação de jornalistas. Um na França, em
TVs, redes...). O problema de fundo era a influên- 1957, (Instituto Universitário de Estrasburgo) e
cia estadunidense sobre o continente e tentava-se outro em Quito, no Equador. A criação do Ciespal
situar as intervenções empresariais dentro de um - Centro Latinoamericano de Enseñanza Superior
quadro mais amplo, a fim de interpretá-las como de Periodismo, em 1959, foi um marco decisivo.
um segundo momento da colonização. Foi dessa Sob seus auspícios a pesquisa se desenvolve e a co-
forma que os anos 1960 se constituíram como municação social começa a tomar os contornos de
um momento decisivo para a produção do pen- uma área de conhecimento. Na mesma época foi
samento comunicacional latino-americano, que se fundado o Instituto Venezuelano de Investigacio-
instaurou como uma forte reação contra a intro- nes de Prensa (1959) com uma orientação filosófi-
dução e a livre ação de grupos privados no setor de ca francamente diferente. O confronto dessas duas
comunicação de massa. tendências se faria sentir em 1973, quando da pri-
Dentro desse quadro, o problema teórico que se meira reunião dos pesquisadores em comunicação
104 apresentava era de explicitar as técnicas e métodos realizado na Costa Rica. O Ciespal foi então dura-
empregados neste processo de dominação políti- mente criticado, visto como um ponto de apoio
ca. A prática da denúncia acabaria sendo o objeti- à política de intervenção dos Estados Unidos no
vo imediato de grande parte da produção teórica continente. Esta data também marca um redire-
dessa época e o estatuto do saber comunicacional cionamento de suas atividades e coincide com a
parecia estar intimamente ligado ao da práxis po- emergência de uma escola latino-americana.
lítica, se confundindo com a militância política Christa Berger (2001) resume muito bem a sin-
(Berger, 1999). gularidade desse movimento assinalando que

Alguns marcos objetivos nos ajudam a balizar É entre o final dos anos 60 e início dos 70
o processo, tal como a fundação da primeira es- que se inaugura uma reflexão efetivamente
cola de jornalismo do continente sul-americano, latino-americana sobre a comunicação, pois
que remonta a 1934 (Universidad de La Plata, Ar- as condições estruturais do subdesenvolvimen-
gentina); a regulamentação da profissão, com a to passam a ser consideradas e incorporadas na
obrigatoriedade do diploma universitário (1969, análise dos meios [grifos nossos].
no Brasil) ou a formação dos primeiros cursos
de pós-graduação (1972, na Universidade de São Como outros investigadores – e não obstante
Paulo e na Universidade Federal do Rio de Janei- o reconhecimento da debilidade teórica da pro-
dução desta época –, ela aponta a relação visceral constitui um obstáculo significativo. Não se pode
entre a teoria comunicacional e a atividade polí- esquecer, ao analisar uma matéria como esta que
tica como o traço mais característico da reflexão para muitos, inclusive os partidários da tese da
latino-americana, sendo nítida a supremacia dos existência da escola latino-americana, a Comuni-
aspectos político-econômicos em detrimento dos cação é vista como um saber demasiado amplo e
elementos comunicacionais. vago, a ponto de ser considerada apenas um cam-
A própria crítica feita ao Ciespal – reação que po de aplicação de teorias provenientes das diver-
desperta o pensamento latino-americano – se con- sas ciências sociais (Berger, 1991). Por conseguinte,
centrava na alegação de tratar-se de um centro de traçar a linha que separa a comunicação de outras
importação de teorias estrangeiras, portanto, não disciplinas – e, portanto, que identifica um dado
adaptadas à realidade do terceiro mundo (Beltrán, trabalho como sendo um trabalho em comuni-
1985). É curioso notar que esta crítica aos modelos cação – não é tarefa das mais fáceis. Estranhamen-
estrangeiros se deu sob a influência de um mode- te tal dificuldade parece ter agido como um an-
lo não menos estrangeiro, o marxismo. Também é tídoto em relação aos problemas epistemológicos,
curioso que a proveniência geográfica de uma teo- esconjurando os “demônios” da reflexão sobre os
ria tenha sido usada como argumento (aliás, nada fundamentos teóricos, de modo que acabou fun-
convincente) no plano da discussão científica. Mas cionando como uma pseudo-liberação, dispen-
a afirmação mais importante (e a única que vale a sando qualquer tentativa de caracterizar e situar a
pena ser retida), dizia respeito à singularidade da Comunicação em relação a outros saberes (Marti-
escola latino-americana, que emergia no contraste no, 2001; 2005). Isto permitiu que a idéia de uma
com os modelos estrangeiros. O ponto em questão “área” interdisciplinar convivesse lado a lado com
era o de saber até que ponto a incorporação das a idéia de uma escola latino-americana de comu-
condições externas ao trabalho científico, no caso nicação, reunindo dois movimentos antitéticos.
em questão, a incorporação das condições estrutu- Contudo, quaisquer que sejam as razões desse
rais do subdesenvolvimento, podem efetivamente paradoxo, o certo é que seus teóricos inegavelmen- 105
servir de critério suficiente para a constituição de te se afastaram da tarefa de procurar a base episte-
uma escola de pensamento comunicacional. Não mológica sobre a qual se fundamentavam suas ati-
que estas condições não tenham valor em si mes- vidades de pesquisadores e mestres. A idéia de que
mas, ao contrário, a referência ao contexto é um a Comunicação seria de fato um saber infundado
quesito básico de qualquer planejamento teórico, rapidamente avançou para o princípio de que se-
daí sua incorporação necessária à teoria e a razão ria “infundável”, como uma espécie de direito, ou
de não poder ser o traço distintivo de uma escola, licença, que a necessidade e a importância da aná-
como pretendem aqueles que desejam caracteri- lise dos processos comunicacionais lhes garantia.
zar a “escola latino-americana” de comunicação. Estabeleceu-se, dessa forma, uma estranha opo-
Tal reivindicação parece pouco razoável e deveria sição entre a urgência das análises de um setor
ser recebida com mais cuidado, embora seja uma considerado estratégico e a fraqueza teórica pela
visão corrente em nossa área. qual o tema era abordado. A convicção de que a
Comunicação seria um saber interdisciplinar, sub-
Na verdade, a caracterização de uma escola de alterno (por exemplo, Moragas, 1993) e submetido
pensamento não é uma tarefa muito fácil. Além às determinações da economia e da política, entre
da variedade temática e de perspectivas possíveis, outras, levou ao abandono de toda discussão epis-
a própria indefinição da área de conhecimento temológica, ao mesmo tempo em que dissolvia a
discussão nos mais variados âmbitos da realidade. característicos de um certo saber particular. Tra-
Para Moragas (1985, p.9-10): ta-se simplesmente da redução da comunicação
a outros fatores: os processos comunicacionais
A los distintos problemas de las ciencias socia- não constituem o elemento explicativo, mas algo
les en el terreno de los compromisos políticos que pode ser elucidado por elementos mais fun-
e ideológicos, la investigación de la comu- damentais e, por conseguinte, mais significativos.
nicación de masas añade el hecho de no ser Visão que é sintetizada por Dan Schiller ao afirmar
definida, propiamente, como una disciplina, que “estudiar comunicación consiste, más bien, en
o ciencia social particular, sino de ser definida elaborar argumentos sobre las formas y determi-
de manera horizontal, por su objeto: la comu- naciones del desarrollo socio-cultural como tal”
nicación de masas, propuesta y pregunta que (apud Fuentes Navarro, 2005, p.59).
genera históricamente una tarea científico- Por conseguinte, embora defendam a particu-
social específica, de amplios intereses políticos, laridade de uma escola de comunicação, o saber
económicos y sociales. comunicacional é subtraído de qualquer especi-
ficidade, sendo identificado com a generalidade
Mesmo autores pioneiros como Daniel Lerner do objeto das ciências sociais como um todo. Cu-
e W. Schramm, que se encontram nas raízes mais riosamente, a tal dispersão da comunicação nas
antigas da influência norte-americana, já expres- ciências sociais deu-se o nome de “abertura da co-
sam esta tendência interdisciplinar. Este último, municação”, quando na verdade ela simplesmente
muitas vezes apontado como um dos pioneiros significa a mais veementemente negação de um
da reflexão epistemológica da comunicação, não saber comunicacional, já que a priva da principal
hesita em admitir a redução dos problemas comu- condição necessária a sua caracterização como sa-
nicacionais a outras esferas: ber autônomo.
Festejada (por exemplo: Cambiasso, Grieco,
106 No es sorprendente hallar que las estrategias Bavio, apud Amadío & Escobar, 1999) ou perdi-
realmente básicas de comunicación para el da (por exemplo: Machado, 2002), em todo caso
desarrollo no constituyen del todo estrategias saudada como um grande mérito dos estudos
meramente de comunicación sino que son comunicacionais, tal abertura abre caminho para
económicas y políticas y están profundamente posições anti-teóricas em defesa de um estatuto
arraigadas en la naturaleza de la sociedad interdisciplinar para a comunicação que chegam a
(Schramm, 1965). fazer a apologia da indefinição como traço carac-
terístico e distintivo do saber comunicacional.
Note-se que, para as duas correntes principais,
a análise comunicacional é deslocada em prol de Quizás sea tiempo de admitir que la pregunta
fatores econômicos e políticos, o que representa sobre el estatuto epistemológico de la comunica-
uma maneira muito direta de se dizer que não se ción conduce a un callejón sin salida. (...) Que
trata de um estudo de comunicação propriamente postularle un objeto de estudio privilegiado y
dito. A matriz explicativa se encontra em outros un campo específico no hacen más que minar
domínios. Neste caso, o que temos são estudos de sus potencialidades. Tal vez en esta seminal in-
economia e de política sobre processos comunica- capacidad para definir sus coordenadas radique
cionais (entendidos como “instrumentos” para o su fuerza. En el hecho de que requiera de múl-
desenvolvimento) e não estudos de comunicação, tiples disciplinas sin consustanciarse del todo
con ninguna (Cambiasso, N.; Grieco; Bavio, A. mento, a modernização, o multiculturalismo ou
apud Amadío & Escobar, 1999). a globalização, tudo isso feito a partir de pontos
de vista e conceitos igualmente amplos e variados
Este viés de dispersão, que também poderia ser (veja-se, por exemplo, os trabalhos de J. Martín-
considerado uma verdadeira carta de demissão em Barbero). A absorção de modelos estrangeiros não
relação ao compromisso com uma teoria da comu- é um fato primordial, como parece dar impor-
nicação, foi herdado tal e qual pela “escola latino- tância Beltrán (1985), ele é apenas um derivado,
americana”, que não operou uma crítica das teorias uma conseqüência natural dessa atitude frente à
precursoras, nem da visão que predominava sobre formulação dos problemas comunicacionais. Não
a área de conhecimento, compreendida apenas que a riqueza de perspectivas seja um defeito em
como um campo estratégico para a aplicação de si mesma, não se trata disto, mas que esta gran-
conhecimentos de outras áreas de conhecimento.
Aliás, a consolidação da vertente de esquerda, nos Se há um traço que pode ser apontando como
anos 1970, que paulatinamente foi conseguindo
se afirmar enquanto hegemônica, não represen- característico da produção latino-americana
tou um verdadeiro enfrentamento neste âmbito é justamente a facilidade pela qual os estudos
e apenas reforçou a compreensão interdisciplinar
que se tinha da área. Por razões diferentes, a cha- comunicacionais absorvem problemáticas difusas (…)
mada tendência administrativa também entendia
a comunicação como um espaço interdisciplinar, de versatilidade se deu às expensas da elaboração
já que definia seu estatuto como a contribuição de teórica. A teoria foi, e em grande medida continua
diversas disciplinas (particularmente a psicologia, sendo, o grande ponto fraco da produção latino-
a sociologia e a ciência política). A convergência americana – de onde o paradoxo de classificá-la
de tendências antagônicas sobre este mesmo pon- como uma escola.
to geraria um “efeito de realidade”, deixando a for- Uma prova disso é que autores de outras disci- 107
te impressão de que a ausência de discussão vale plinas freqüentemente são apontados como pais
como verdade. Afinal, não era nada fácil encon- fundadores ou como os grandes de teóricos de
trar pontos de consenso entre as duas correntes, nossa área (Schramm, 1965). Paulo Freire, por
de modo que qualquer elemento comum poderia exemplo, bastante reconhecido como pedagogo,
ser dado como certo, ainda que, na realidade, não acaba se tornando um dos quatro principais teó-
passasse de um aspecto simplesmente impensado, ricos latino-americanos da comunicação (Ronca-
como foi o caso. Para além de toda coloração ideo- gliolo, 1986; Berger, 2001), ainda que a real con-
lógica e das diferentes correntes teóricas, a falta de tribuição deste autor seja bastante discutível: sua
especificidade do saber comunicacional aparecia visão humanista e filosófica da comunicação se
como uma constante, imutável e imune, acima de deixa melhor expressar em uma teologia que toma
qualquer suspeita epistemológica. o amor divino como fundamento e critério último
da comunicação (Marques de Melo, 1999). Claro
De fato, se há um traço que pode ser apontando que isto só pode se dar com a entrada em cena de
como característico da produção latino-america- um conceito de comunicação com abrangência
na é justamente a facilidade pela qual os estudos estratosférica e pouco propício à discussão cien-
comunicacionais absorvem problemáticas difusas, tífica. Não obstante, ele encontra sua versão laica
abordando temas complexos como o desenvolvi- em Antonio Pasquali, outro nome bastante citado
como um dos grandes teóricos. Em síntese, a “crí- vimento se encontram, assim, inextricavelmente
tica” operada por estes autores se assenta na recusa ligados na produção intelectual dos anos 1960 e
dogmática de aceitar a mediação tecnológica como 1970 e ainda estão bastante presentes no horizon-
comunicação. Se Freire chega a se remeter a Deus, te de teóricos importantes, mas sem que os fun-
Pasquali procura desclassificar a comunicação de damentos dessa premissa básica tenham passado
massa, pois para ambos, apenas uma comunicação pelo crivo de uma análise crítica ou de uma re-
“horizontal”, democrática, imediata e simétrica, visão necessária.
pode e deve ser considerada comunicação. Suas Dessa forma, estudar a comunicação na Amé-
análises giram em torno dessa premissa que invo- rica Latina se tornaria equivalente a encontrar as
ca noções como “amor”, “autenticidade”, “igualda- soluções para os países subdesenvolvidos, gerar
modelos alternativos para o desenvolvimento do
Para largos setores da pesquisa terceiro mundo ou qualquer coisa semelhante.
Evidentemente, esta compreensão da problemática
latino-americana a vinculação da comunicacional não podia deixar de ter repercus-
comunicação com temas complexos não sões sobre a produção teórica, que se empobrece
à medida mesmo que os problemas comunica-
sofreu a devida revisão crítica (...) cionais se dissolvem nas múltiplas facetas da rea-
lidade. Penso que é importante reconhecer que o
de” e outros termos que servem para introduzir a alargamento da problemática não foi questionado
idéia de verdade no âmbito da comunicação. Estes pela tendência de esquerda, que operou a crítica
autores preparam a velha oposição entre o bem e dos modelos norte-americanos. Pelo contrário, a
o mal para apontar o que seria uma “verdadeira” falta de um exame das condições de possibilidade
e uma “falsa” comunicação – ou seja, a comuni- dessa associação demasiado vaga entre economia,
cação através de meios tecnológicos. Apesar de cultura, política e comunicação foi agravada pela
108 toda a fragilidade, o pressuposto de estigmatização tendência interdisciplinar própria à filosofia mar-
da tecnologia e sua associação direta e mecânica xista e a muitos de seus interlocutores 1.
com o uso de um poder central representado pelo
Estado, estes autores ainda são retomados e cita- Nos anos 1990 este movimento é renovado. Para
dos quando se busca fundamentar o pensamento Fuentes Navarro as condições ligadas ao subdes-
latino-americano. envolvimento (“necessidade histórica”) não ape-
Para largos setores da pesquisa latino-ameri- nas caracterizam, mas teriam gerado condições
cana a vinculação da comunicação com temas propícias ao saber comunicacional, uma vez que
complexos não sofreu a devida revisão crítica, ela teria atenuado o efeito do processo de disciplina-
simplesmente foi implantada a partir de perspec- rização do saber. Isto teria permitido às ciências
tivas que saltavam diretamente da teologia para sociais latino-americanas tomarem a dianteira dos
a economia ou para a política. Isto porque havia movimentos mais avançados da ciência moderna.
uma premissa não questionada, segundo a qual a Segundo o autor,
comunicação seria a chave para o desenvolvimen-
to (mais ou menos como hoje vemos os homens
1 As correntes posteriores, como a semiologia, o estruturalismo, os
políticos se revezarem na afirmação simplista de
estudos culturais, que proliferaram nos anos 1980 e 1990, apenas
que a educação seria a salvação para nos tirar do prolongaram um espaço interdisciplinar já aberto pelas primeiras
subdesenvolvimento). Comunicação e desenvol- tendências.
a difícil e nunca consolidada constituição dis- desses países não pôde passar em branco (o com-
ciplinar do estudo da comunicação, que tantas bate às ditaduras que se instalaram no continente,
desvantagens nos ocasionou, é precisamente a assim como a invasão da indústria cultural estran-
condição de possibilidade de seu novo desenvol- geira nos anos 1960-70 certamente reclamavam
vimento dentro do processo de estabelecimento atitudes legitimas de indignação e luta), não pode-
de uma nova síntese para as ciências sociais mos, no entanto, fechar os olhos para o fato de que
(Fuentes Navarro, p. 64). isto se deu em detrimento do elemento propria-
mente teórico, que foi pronta e sistematicamente
Desta ótica radical e inusitada, o subdesenvolvi- esvaziado como instrumento de resistência. Mais
mento passa a ser uma vantagem em um mundo que isto, criou-se uma quase oposição entre políti-
onde o saber teria sido corrompido pelas estrutu- ca e teoria, como se as únicas formas de combate,
ras sócio-políticas, resultando em sua disciplinari- tal como a militância e a denúncia (Berger, 1999),
zação (conseqüência direta do capitalismo sobre a passassem necessariamente pela anulação da pro-
produção do conhecimento). dução teórica.
Não temos condições aqui de apontar os enga- Que esta tenha sido, em grande parte – mas não
nos embutidos nas premissas dessa leitura equivo- exclusivamente – a história do campo comunica-
cada da história da ciência, simplesmente desta- cional em nosso continente, não significa que de-
quemos que são razões de ordem sócio-histórica vamos simplesmente ignorar as confusões e equí-
que são invocadas para explicar a ausência de con- vocos que a constituem, muito menos aceitarmos
solidação disciplinar dos estudos de comunicação. sua idealização dando-lhe um status de “escola”,
Mais uma vez o elemento epistemológico é colo- ainda mais quando temos em conta o rechaço à
cado em segundo plano, reduzido e explicado por dimensão teórico-epistemológica tão claramente
fatores de outra ordem. marcado e ainda hoje não totalmente superado.
Insistindo na matriz do subdesenvolvimento, a
idéia da constituição de uma “escola latino-ameri- De outra parte, é preciso analisar com cuidado 109
cana” de comunicação vai se afastando como a lin- as palavras pelas quais Antonio Pasquali em seu
ha de um horizonte teórico jamais realizado, mas livro El Orden Reina sintetiza o período inicial do
suspendido utopicamente por alicerces de uma pensamento comunicacional, fazendo o balanço
filosofia pós-moderna da ciência (Boa-Ventura, da hegemonia teórica do pensamento de esquer-
Wallerstein), que renovam e se misturam a antigos da em nossa área. Para ele, não há dúvida que
preceitos de correntes marxistas, os quais nunca se se tratou de um fracasso. E de certo modo não
preocuparam exatamente com os problemas co- seria possível negar: se o objetivo era impedir o
municacionais. estabelecimento da indústria cultural, é mister ter
que admitir que todo o movimento de esquerda
Contudo, uma leitura menos extravagante per- ligado à comunicação social não obteve o sucesso
cebe que o subdesenvolvimento não compõe o esperado.
elemento teórico. Ao contrário, o contexto geopo- De minha parte não compartilho desse diagnós-
lítico muito contribui para o enfraquecimento tico, nem no plano político, nem no plano teórico.
teórico da produção latino-americana e a deixou Primeiramente porque creio que é muito difícil se
longe de uma contribuição original (o que não sig- falar em derrota política, se por política entende-
nifica dizer que não tenha seu valor). Se a história mos a adoção da correta atitude ética frente aos
de dominação, colonialismo e pós-colonialismo fatos e aos movimentos sociais.
(...) uma leitura menos extravagante percebe que o
subdesenvolvimento não compõe o elemento teórico. Ao contrário,
o contexto geopolítico muito contribui para o enfraquecimento
teórico da produção latino-americana (...)

Ainda que os acontecimentos possam frustrar tudo devemos situá-la no plano teórico. Porque foi
ou contradizer nossas expectativas, o sentimento como área de estudo, como imobilidade teórica ou
de serenidade proporcionada pela atitude ética como cegueira epistemológica que várias décadas
não é e nem pode ser anulada pelo desfecho dos se passaram. Não exatamente por não ter havido,
acontecimentos. Se nos desembaraçamos da idéia aqui e ali, desenvolvimentos importantes, mas
de que os resultados são a medida e o critério de porque a redução e identificação dos processos co-
avaliação de nossas práticas, a política passa a ser municacionais com a política nos privou de mui-
vivida como uma atitude, e nesse sentido ela não tas coisas, tais como avaliações mais justas sobre
é um jogo, nem uma guerra. Tal compreensão a produção da área, o trabalho de sistematização
nos permite dizer que não há e nem pode haver das teorias, o incentivo à produção teórica e outros
propriamente derrota, pois, se existe na política elementos importantes que certamente levariam a
uma dimensão de jogo ou guerra, ela também se uma maior consolidação e fortalecimento da área.
instaura como um desafio de cada um para con- No plano político, de outra parte, pouco se en-
sigo mesmo e não apenas em relação aos fatos, os tendeu o papel do desenvolvimento teórico como
quais, em última instância, seguem seu curso. Seria apoio capital para o desenvolvimento da sensi-
muita pretensão poder achar que os controlamos, bilidade e conscientização sobre a ação atividade
mesmo se isto apareça sob a forma da responsabi- mediática. Diversas lutas sociais, como a luta an-
110 lidade ou, a posteriori, sob a forma da mea-culpa. titabagismo, por exemplo, procuraram na ciência
Longe de ter sido em vão, a crítica desenvolvi- o instrumento para levar a cabo seus objetivos,
da por setores de esquerda não somente foi im- enquanto que na área de comunicação social o ca-
portante no que tinha a dizer, mas acabou se in- minho trilhado pela chamada escola latino-ame-
corporando na visão sobre os efeitos dos meios e ricana, entre outras, seguiu a linha de uma opção
no papel da imprensa, penetrando até mesmo no por começar “desmontando” a ciência. Não bastou
senso comum. Dessa forma ela acaba servindo de se afastar do pensamento científico, o movimento
parâmetro para a compreensão dos fenômenos de crítico – e nisto a versão pós-moderna apenas dá
mediação tecnológica. Mesmo que não chegue a continuidade às tendências iniciais – simplesmente
se impor como uma política pública, ela mostra identifica o pensamento científico com o capitalis-
outras dimensões do problema; tempera e regula mo ou a dominação. A posição anti-teórica ganha
a visão sobre o setor de comunicações na área de um matiz mais radical e se desdobra na forma de
atuação do Estado. A formação desta sensibilidade uma negação do próprio pensamento científico,
não é pouca coisa e não deve ser desprezada, mes- paradoxalmente exercida dentro do espaço acadê-
mo porque ela prepara e dá suporte ao combate mico e com pouco apoio argumentativo.
para uma conscientização da importância e da ne- Estamos convencidos de que o avanço no pla-
cessidade de uma regulamentação para o setor. no teórico passa pela reconsideração de certas
Se for o caso de se falar em derrota, antes de premissas, tal como a interdisciplinaridade, que
vêm orientando boa parte do trabalho intelectual. desenvolvidos para outros objetos e em outras di-
Também a identificação tout court da comuni- mensões da realidade social. Mas é preciso tirar a
cação com o Poder (por exemplo, Pasquali, 1990, lição e partir do começo, discutindo seriamente
p.23-24) se mostrou pouco operante e mesmo uma fundamentação apropriada.
pouco válida, pois não permitiu uma análise mais É preciso ter claro que seremos cobrados não
ajustada aos desafios e demandas colocados pela enquanto economistas, cientistas políticos ou so-
nova arquitetura comunicacional. Talvez o afã de ciólogos, mas como estudiosos da comunicação, e
tentar entender a novidade tenha levado esses teó- é nessa dimensão que devemos trabalhar e trazer
ricos a identificá-la com processos já conhecidos, nossa contribuição, a contribuição da perspectiva
aplicando esquemas de luta e resistência política comunicacional.

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