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1580-1768
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Editora Casemiro
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São Paulo
2014
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BARROCO BRASILEIRO E PORTUGUÊS
1580-1768
Copyright @ 2014:
Charles Borges Casemiro
Editoração eletrônica:
Editora Casemiro 3
Capa:
Michelângelo di Caravaggio. A Crucificação de São Pedro. Óleo sobre Tela, 1600-01.
Preparação de Texto:
Charles Borges Casemiro
Ieda Ferreira Banqueri Casemiro
Revisão:
Charles Borges Casemiro
Ieda Ferreira Banqueri Casemiro
Editora Casemiro
@
2014
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Charles Borges Casemiro
Editora Casemiro
@
São Paulo
2014
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BARROCO EM PORTUGAL (1580/1756) E NO BRASIL
(1601/1768)
Em 1580, Portugal perdeu sua autonomia política, submetendo seus desígnios aos da Coroa
Espanhola. A morte do rei D. Sebastião, na Batalha de Alcácer Quibir, em 1578, pôs fim à 5
trajetória de sucesso da política expansionista portuguesa. Filipe II da Espanha assumiu o trono
português e governou Portugal entre 1580 e 1640, período que ficou conhecido como do Filipismo.
No ano em que teve início o Filipismo, morreu o poeta Luís Vaz de Camões (1524*/1580),
símbolo da cultura clássico-pagã lusitana, o que deu ocasião a um período de fortes influências da
cultura espanhola sobre a cultura portuguesa. A cultura maneirista espanhola – originada,
sobretudo, dos contrastes entre a religiosidade contrarreformista e o paganismo materialista do
expansionismo renascente – espalhou-se também por Portugal.
O Brasil, na virada do século XVI para o XVII, era a principal colônia portuguesa.
Atravessava o ciclo econômico da cana-de-açúcar e, socialmente, restringia-se à formação de
pequenos núcleos de povoamento, criados em função das atividades econômicas colonizadoras.
Durante o século XVII, a economia canavieira nordestina declinou, sobretudo, por conta da
concorrência do açúcar holandês, e o litoral nordestino cedeu seu lugar de importância a um novo
núcleo civilizatório no Sudeste, região das Minas Gerais, ligado à exploração do ouro.
Sob o mando de Filipe II de Espanha e de Portugal, e, posteriormente, sob o mando dos reis da
“Restauração Portuguesa”, a começar por D. João IV, o Conde de Bragança, reproduzia-se, na
América, a cultura que marcava a Península Ibérica: de um lado, os ideais contrarreformistas e
inquisitoriais; de outro lado, os ideais burgueses do lucro, do luxo e da luxúria, fazendo do Brasil
uma mera extensão do Maneirismo Ibérico.
5
A construção formal requintada e o raciocínio tortuoso e enviesado foram adotados como
possibilidades de representação das nuances de um mundo também contraditório e retorcido, cheio
de movimentos visuais e sonoros – cromatismos que, não poucas vezes, resultaram em produções
artísticas carregadas de exagero, de pomposidade e de detalhismo, repetindo os caminhos
espanhóis.
O uso abusivo de imagens e figuras literárias: denunciam a fixação barroca pelo detalhe, pela
minúcia, pelo enfeite estético; denunciam a atração barroca pelo luxo, pela pomposidade
literária, colocados acima da clareza e da lógica.
Ainda em Portugal, casou-se e passou a frequentar a corte de D. Pedro II. No entanto, depois
da morte de sua mulher, retornou ao Brasil (1681).
Texto I
Observar no texto:
Observar no texto:
LIRISMO
Ao lado da sátira desenfreada, que conferiu ao poeta, o apelido de “Boca do Inferno”, Gregório
de Matos construiu também sua “lira”, em que registrou várias angústias do homem de seu tempo.
Fazendo uso do soneto, como modelo formal predileto, levou a cabo o estilo e o conteúdo lírico-
filosófico, o lírico-religioso e o lírico-amoroso.
LIRISMO FILOSÓFICO
Texto III
Observar no texto:
Texto IV
Observar no texto:
Lirismo Religioso
Observar no texto:
d) A construção sintática retorcida e culta, como resultado das inúmeras inversões sintáticas
(hipérbatos), do paralelismo de estruturas sintáticas (analogias entre construções sintáticas),
das construções anafóricas (anáforas: recuperação e reiteração de termos já utilizados em
versos anteriores), do uso de segunda pessoa do plural e apóstrofes (intensa presença de
vocativos).
f) O jogo verbal que expressa a emoção religiosa – a angústia e o desejo de salvação do eu-
lírico pecador, colocado diante de Cristo, o Salvador.
Texto VI
Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,
Da vossa alta clemência me despido;
Porque quanto mais tenho delinquido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.
Se basta a vos irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa que vos tem ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.
b) As ambiguidades presentes nos quartetos, que apontam, ao mesmo tempo, para o homem
pecador e para o Deus perdoador.
LIRISMO AMOROSO
O lirismo amoroso, de Gregório de Matos, revela-nos como era visto o amor na época barroca.
Reflexo de um momento de ambiguidades, que colocava o homem entre os prazeres do corpo e os
prazeres do espírito, os poemas de Gregório tomam como ponto de partida a antítese entre a matéria
e o espírito. Tratam o tema amoroso e o objeto amado como um complexo de contradições e
ambiguidades: a dúvida entre o ascetismo e a sensualidade, entre a paixão e o refreamento, entre a
solidão e a comunhão, entre o amor carnal e o amor platônico construindo um conceito de amor
angustiado, paradoxal, incerto.
Texto VII
Observar no texto: 13
a) A visão contraditória sobre o amor, expressa por metáforas: símbolos; antíteses: aproximação
de opostos; e paradoxos: fusão de opostos; anáforas: repetição e reiteração de termos já
usados em versos anteriores; paralelismo de estruturas.
e) A intertextualidade com o soneto “O amor é um fogo que arde…” de Luís Vaz de Camões.
Texto VIII
a) A visão paradoxal sobre o amor e sobre o objeto amado: dividido entre o prazer do corpo e a
contemplação do espírito.
O Padre António Vieira é uma referência indiscutível para todos aqueles que apreciam o uso
inteligente e elegante da palavra: sua retórica constitui um dos melhores exemplos da conjunção
entre a beleza discursiva e o poder de persuasão e convencimento.
Nascido em Portugal (1608), viveu pelo menos dois terços de sua vida no Brasil. Chegou à
Bahia com seis anos de idade e, aos 21 anos, tornou-se professor de Teologia no Colégio de
Salvador.
Quando D. João IV assumiu o trono português em 1640, Vieira retornou a Portugal e pôde
viver alguns anos de grande prestígio na corte, sob as proteções do rei. No entanto, por defender,
abertamente, os judeus, passou a sofrer a perseguição da Inquisição, o que o obrigou a voltar ao
Brasil em 1652.
Com a morte de D. João IV, o padre caiu nas mãos da Inquisição, acusado de heresia. Segundo
apontavam, defendia o mito sebastianista, o advento do Quinto Império e os judeus — assim, foi
conduzido à prisão por dois anos e proibido de pregar por oito anos.
A pena, no entanto, foi interrompida em 1668, porque foi aceito seu pedido de anistia. Passou
um tempo na Itália até que, em 1681, recebeu o perdão do Papa, que o isentou definitivamente das
acusações da Inquisição. Regressou ao Brasil, onde exerceu o cargo superior das missões na Bahia,
até sua morte em 1697. Nesse período de recolhimento, dedicou-se ao acabamento de suas obras
sacro-literárias: epístolas, profecias e sermões.
Invocação: um pedido de inspiração, de modo geral, feito aos santos ou às santas (Nossa
Senhora), ao Cristo ou a Deus.
Texto I
(…)
Fazer tão pouco fruto a palavra de Deus no Mundo, pode proceder de um dos três
princípios: ou da parte do pregador, ou da parte do ouvinte, ou da parte de Deus. Para uma alma
se converter por meio de um sermão, há de haver três concursos: há de concorrer o pregador com
a doutrina, persuadindo; há de concorrer o ouvinte com o entendimento, percebendo; há de
concorrer Deus com a graça, alumiando. Para um homem ver a si mesmo são necessárias três
coisas: olhos, espelho e luz. Se tem o espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem
espelho e olhos, e é de noite, não se pode ver por falta de luz. Logo há mister luz, há mister
espelho e há mister olhos. Que coisa é a conversão de uma alma senão entrar um homem dentro
em si e ver-se a si mesmo? Para esta vista são necessários olhos, é necessária luz, e é necessário
espelho. O pregador concorre com o espelho, que é a doutrina; Deus concorre com a luz, que é a
graça; o homem concorre com os olhos, que é o conhecimento. Ora suposto que a conversão das
almas por meio da pregação depende destes três concursos: de Deus, do pregador e do ouvinte,
por qual deles devemos entender que falta? Por parte do ouvinte, ou por parte do pregador, ou por
parte de Deus?
Primeiramente, por parte de Deus, não falta nem pode faltar. Esta proposição é de fé,
definida no concílio tridentino, e no nosso Evangelho a temos. Do trigo que deitou à terra o
semeador, uma parte se logrou e três se perderam. E por que se perderam estas três? – A primeira
perdeu-se, porque a afogaram os espinhos; a segunda, porque a secaram as pedras; a terceira,
porque a pisaram os homens e a comeram a aves. Isto é o que diz Cristo; mas notai o que não diz.
Não diz que parte alguma daquele trigo se perdesse por causa do sol ou da chuva. A causa por
que ordinariamente se perdem as sementeiras, é pela desigualdade e pela intemperança dos
tempos, ou porque falta ou sobeja a chuva, ou porque falta ou sobeja o sol. Pois por que não
introduz o Cristo na parábola do Evangelho algum trigo que se perdesse por causa do sol ou da
chuva? – Porque o sol e a chuva são influências da parte do Céu, e deixar frutificar a semente da
palavra de Deus, nunca é por falta do Céu, isso nunca é, nem pode ser. Sempre Deus está pronto
da sua parte, com o sol para aquentar e com a chuva para regar; com o sol para alumiar e com a
chuva para amolecer, se os nossos corações quiserem: Qui solem suum oriri facit super bonos et
malos, et pluit super justos et injustus (Math. V – 45) Se Deus dá o seu sol e a sua chuva aos bons
e aos maus; aos maus que se quiserem fazer bons, como a negará. Este ponto é tão claro, que não
há para que nos determos em mais prova. Quid debui facere vineae meae et non feci? – disse o
mesmo Deus por Isaías (Isaí. V – 4). 16
Sendo pois certo que a palavra divina não deixa de frutificar por parte de Deus, segue-se que
ou é por falta do pregador, ou por falta dos ouvintes. Por qual será? Os pregadores deitam a culpa
aos ouvintes; mas não é assim. Se fora por parte dos ouvintes, não fizera a palavra de Deus muito
grande fruto, mas não fazer nenhum fruto e nenhum efeito, não é por parte dos ouvintes. Provo.
Os ouvintes, ou são maus ou são bons; se são bons, faz neles grande fruto a palavra de Deus; se
são maus, ainda que não faça neles fruto, faz efeito. No Evangelho o temos. O trigo que caiu nos
espinhos nasceu, mas afogaram-no: Simul exortae spinae suffocaverunt illud. O trigo que caiu
nas pedras nasceu também, mas secou-se: et natum aruit. O trigo que caiu na terra boa nasceu e
frutificou com grande multiplicação: Et natum fecit fructum centuplum. De maneira que o trigo
que caiu na boa terra, nasceu e frutificou; o trigo que caiu na má terra, não frutificou, mas nasceu;
porque a palavra de Deus é tão fecunda que nos bons faz muito fruto e é tão eficaz que nos maus,
ainda que não faça fruto, faz efeito; lançada nos espinhos, não frutificou, mas nasceu até nos
espinhos; lançada nas pedras, não frutificou, mas nasceu até nas pedras. Os piores ouvintes que
há na Igreja de Deus são as pedras e os espinhos. E por quê? – Os espinhos por agudos, as pedras
por duras. Ouvintes de entendimentos agudos e ouvintes de vontades endurecidas são os piores
que há. Os ouvintes de entendimentos agudos são maus ouvintes, porque vêm só a ouvir
sutilezas, a esperar galantarias, a avaliar pensamentos, e às vezes também a picar a quem os não
pica. Aliud cecidit inter spinas: O trigo não picou os espinhos, antes os espinhos o picaram a ele;
e o mesmo sucede cá. Cuidais que o sermão vos picou a vós, e não é assim, vós sois os que picais
o sermão. Por isso são maus ouvintes os de entendimentos agudos. Mas os de vontades
endurecidas ainda são piores, porque um entendimento agudo pode-se ferir pelos mesmos fios, e
vencer-se uma agudeza com outra maior; mas contra vontades endurecidas, nenhuma coisa
aproveita a agudeza, antes dana mais, porque quanto as setas são mais agudas, tanto mais
facilmente se despontam na pedra. Oh! Deus nos livre de vontades endurecidas, que ainda são
piores que as pedras. A vara de Moisés abrandou as pedras e não pôde abrandar uma vontade
endurecida: Percutiens virga bis silicem; et egressae sunt aquae largissima. (Num. XX – 11)
Induratum est cor Pharaonis. (Exod. VII – 13). E com os ouvintes de entendimentos agudos e os
ouvintes de vontades endurecidas serem os mais rebeldes, é tanta a força da divina palavra, que,
apesar da agudeza, nasce nos espinhos, e apesar da dureza, nasce nas pedras. Pudéramos argüir
ao lavrador do Evangelho de não cortar os espinhos e de não arrancar as pedras antes de semear,
para que se visse a força do que semeava. É tanta a força da divina palavra, que, sem contar nem
despontar espinhos, nasce entre espinhos. É tanta a força da divina palavra, que, sem arrancar
nem abrandar pedras, nasce nas pedras. Corações embaraçados como espinhos, corações secos e
duros como pedras, ouvi a palavra de Deus e tende confiança; tomai exemplo nessas mesmas
pedras e nesses mesmos espinhos. Esses espinhos e essas pedras agora resistem ao semeador do
Céu; mas virá tempo em que essas mesmas pedras o aclamem e esses mesmos espinhos o
coroem. Quando o semeador do Céu deixou o campo, saindo deste Mundo, as pedras se
quebraram para lhe fazerem aclamações, e os espinhos se teceram para lhe darem coroa. E se a
palavra de Deus até dos espinhos e das pedras nasce, não triunfar dos alvedrios hoje a palavra de
Deus, nem nascer nos corações, não é por culpa, nem por indisposição dos ouvintes.
Supostas estas duas demonstrações; suposto que o fruto e o efeito da palavra de Deus não
fica, nem por parte de Deus, nem por parte dos ouvintes, segue-se, por conseqüência clara, que
fica por parte do pregador. E assim é. Sabeis, cristãos, por que não faz fruto a palavra de Deus? –
Por culpa dos pregadores. Sabeis, pregadores, por que não faz fruto a palavra de Deus? – Por
culpa nossa.
(…)
Será por ventura o estilo que hoje se usa nos púlpitos? Um estilo tão empeçado, um estilo
tão dificultoso, um estilo tão afetado, um estilo tão encontrado a toda a arte e a toda a natureza?
Boa razão é também esta. O estilo há de ser muito fácil e muito natural. Por isso Cristo comparou
o pregar ao semear: Exiit, qui seminat, seminare. Compara Cristo o pregar ao semear, porque o 17
semear é uma arte que tem mais de natureza que de arte. Nas outras artes tudo é arte; na música
tudo se faz por compasso, na arquitetura tudo se faz por regra, na aritmética tudo se faz por conta,
na geometria tudo se faz por medida. O semear é assim. É uma arte sem arte; caia onde cair.
Vede como semeava o nosso lavrador do Evangelho. Caía o trigo nos espinhos e nascia: Aliud
cecidit inter spinas, et simul exortae spinae. Caía o trigo nas pedras e nascia: Aliud cecidit super
petram, et ortum. Caía o trigo na terra boa e nascia: Aliud cecidit in terram bonam, et natum. Ia o
trigo caindo e ia nascendo.
Assim há de ser o pregar. Hão de cair as coisas e hão de nascer; tão naturais que vão caindo,
tão próprias que venham nascendo. Que diferente é o estilo violento e tirânico que hoje se usa!
(…)
Já que falo contra os estilos modernos, quero alegar por mim o estilo do mais antigo
pregador que houve no Mundo. E qual foi ele? – O mais antigo pregador que houve no Mundo
foi o Céu. Caeli enarrant gloriam Dei et opera manuum e jus annuntiat firmamentum – diz David
(Psal. XVIII – 1).
(...)
As palavras são as estrelas, os sermões são a composição, a ordem, a harmonia e o curso
delas. Vede como diz o estilo de pregar do Céu, com o estilo que o Cristo ensinou na Terra. Um e
outro é semear; a Terra semeada de trigo, o Céu semeado de estrelas. O pregar há de ser como
quem semeia e não como quem ladrilha ou azuleja. Ordenado, mas como as estrelas: Stellae
manentes in ordine suo (Jud. V –20). Todas as estrelas estão por sua ordem; mas é ordem que faz
influência, não é ordem que faça lavor. Não fez Deus os Céus em xadrez de estrelas, como os
pregadores fazem o sermão em xadrez de palavras. Se de uma parte está branco, da outra há de
estar negro; se de uma parte está dia, da outra há de estar noite; se de uma parte dizem luz, da
outra hão de dizer sombra; se de uma parte dizem desceu, da outra hão de dizer subiu. Basta que
não havemos de ver num sermão duas palavras em paz? Todas hão de estar sempre em fronteira
com o seu contrário? Aprendamos do Céu o estilo da disposição, e também o das palavras. Como
hão de ser as palavras? – Como as estrelas. As estrelas são muito distintas e muito claras. Assim
há de ser o estilo da pregação – muito distinto e muito claro. E nem por isso temais que pareça o
estilo baixo; as estrelas são muito distintas e muito claras e altíssimas. O estilo pode ser muito
claro e muito alto; tão claro que o entendam os que não sabem, tão alto que tenham muito que
entender os que sabem. O rústico acha documentos nas estrelas para sua lavoura e o mareante
para sua navegação e o matemático para as suas observações e para os seus juízos. De maneira
que o rústico e o mareante, que não sabem ler nem escrever, entendem as estrelas; e o
matemático, que tem lido quanto escreveram, não alcança a entender quanto nelas há. Tal pode
ser o sermão – estrelas, que todos vêem e muito poucos as medem. (…)
(Sermão da Sexagésima, ou A Palavra de Deus in: Vieira, Pe. Antônio. Sermões. 2ª edição. Rio de
Janeiro: Agir, 1960, p. 107)
Observar no texto:
a) Sermão proferido em 1655, na Capela Real de Lisboa, que define, conforme a exposição do
próprio Vieira, o verdadeiro estilo de pregar. É considerado o sermão de entrada para
compreensão da obra de Vieira, por conta de seu caráter metalinguístico.
e) A sobriedade das construções, que aproximam, com estilo exuberante e pomposo, certa ironia
da indignação religiosa do palestrador.
Texto II
Navegava Alexandre em uma poderosa armada pelo mar Eritreu a conquistar a Índia: e
como fosse trazido à sua presença um pirata, que por ali andava roubando os pescadores,
repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau ofício: porém ele, que não era medroso nem
lerdo, respondeu assim: Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós,
porque roubais em uma armada, sois imperador. Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito
é grandeza: o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres. O
ladrão que furta para comer, não vai nem leva ao inferno: os que não só vão, mas levam, de que
trato, são outros ladrões de maior calibre e de mais alta esfera; os quais debaixo do mesmo nome
e do mesmo predicamento distingue muito bem São Basílio Magno. Não só são ladrões, diz o
santo, os que cortam bolsas, ou espreitam os que vão banhar para lhes colher a roupa; os ladrões
que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os
exércitos e legiões, já com força roubam e despojam os povos. Os outros ladrões roubam um
homem, estes roubam cidades e reinos; os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor
nem perigo; os outros se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam.
Diógenes, que tudo via com mais aguda vista que os outros homens, viu que uma tropa de
varas e ministros levavam a enforcar uns ladrões, e começou a bradar: Lá vão os ladrões grandes
a enforcar os pequenos. Ditosa Grécia que tinha tal pregador! E mais ditosa as outras nações, se
nelas não padecera a justiça as mesmas afrontas. Quantas vezes se viu em Roma ir a enforcar um
ladrão por ter roubado um carneiro; e no mesmo dia ser levado em triunfo um cônsul, ou ditador,
por ter roubado uma província. E quantos ladrões teriam enforcado estes mesmos ladrões
triunfantes? (...)...
b) A riqueza vocabular e sintática do texto; o uso da parábola, das comparações, das analogias,
das antíteses.
Leitura Complementar
Texto I
Em certa idade de Espanha, uma Religiosa tinha por devoto a um secular com cujas
freqüentes visitas, conversações e regalos se acendeu no peito de ambos um tão sacrílego fogo,
que ela se determinou a dar-lhe entrada pela janela. Apontou-lhe hora em que o esperaria e, para
maior dissimulação, advertiu à criada, que dormia em outro aposento mais interior, que se não
inquietasse ainda que ouvisse algum ruído, porque ela andava indisposta e não podia dormir.
Naquela mesma noite, antes da hora concertada, entrou o demônio no aposento da Freira e lhe
apertou a garganta com tanta força que a deixou afogada. E se bem a criada a ouvia gemer e
estrebuchar quando o inimigo lhe estava dando garrote, não se moveu julgando que eram efeitos
da indisposição de sua ama, conforme lhe tinha avisado. Porém, como o demônio arremessasse
depois aquele miserável corpo no meio da casa com grande ruído, levantou-se a criada e o viu já
destituído do vital alento e desfigurado com um aspecto horrendo. Ao mesmo ponto subiu o
devoto à janela e chamou com voz baixa a Religiosa pelo seu nome. Ouviu a criada, abriu a
janela e lhe disse:
(Padre Manuel Bernardes. Apud Cereja, W. et alii. Panorama da Literatura Portuguesa, São
Paulo, Atual, 1991, p. 44)
Texto II
20
Carta
Que vai ser de mim, e que queres tu que eu faça? Estou longe de tudo o que futurei!
Contava que me escrevesses de todas as terras por onde passasses e que as tuas cartas fossem
muito grandes. Cuidava que desses alento à minha paixão com a esperança de tornar-te a ver-te;
que uma confiança completa na tua fidelidade me trouxesse algum sossego, e que assim eu
ficasse numa situação mais aliviada sem dores ainda maiores. Chegara até a formar uns leves
projetos de empregar todos os esforços de que fosse capaz para me sarar, se viesse a ter a certeza
de que me esqueceras de todo.
O teu afastamento, alguns rebates de devoção; o receio de estragar sem remédio a pouca
saúde que me resta com tantas vigílias e apoquentações; a minguada esperança no teu regresso, a
frieza da tua feição e dos teus últimos adeuses, a tua partida fundamentada em pretextos fracos, e
mil outras razões boas demais e demasiado simples pareciam oferecer-me um amparo firme, se
dele necessitasse. Só e tendo de batalhar comigo mesma, mal podia desconfiar de todas as minhas
fraquezas, nem adivinhar tudo o que hoje padeço.
Pobre de mim! Digna de lástima que sou por não poder partilhar contigo as minhas penas e
ser eu só a desgraçada! Tira-me a vida este pensamento. Morro de desgosto ao imaginar que
nunca gozaste verdadeiramente os nossos enlevos. Sim, conheço agora a má fé de todas as tuas
intenções. Atraiçoavas-me todas as vezes que me dizias que o teu maior contentamento era estar
a sós comigo. Somente às minhas importunações devo os teus transportes e afagos... Formaste de
caso pensado a tenção de me entontecer. Consideraste a minha paixão uma vitória tua sem que o
teu coração nela entrasse em coisa nenhuma. És assim tão vil e tens tão pouca delicadeza que não
soubeste tirar melhor proveito dos meus arrebatamentos? E como é possível que com tanto amor
eu não conseguisse dar-te uma felicidade perfeita? Lamento, por amor de ti apenas, as venturas
sem par que perdeste. Que mal sestro te levou a não as querer gozar? Ai, se as provaras, verias
que eram mais gostosas que a satisfação de me haveres seduzido, e reconhecerias que se é mais
feliz e que é bem mais agradável amar com ardor do que ser amado.(...)
(Sóror Mariana Alcoforado. Terceira Carta. Apud Tufano, Douglas. Estudos de Literatura
Portuguesa, São Paulo, Moderna, 1981, pp.128 e 129)
Texto III
Delírios da Natureza
(Dom Francisco Manuel de Melo. Apud Medina Rodrigues et alii. Literatura Portuguesa, São
Paulo, Ática, 1994, p. 103)
Exercícios
Texto I
(in: MATOS, Gregório de. Obra Poética, 2ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1990, vol. I, p. 129-30)
Texto II
O SONETO 22
Era magro, feio, merecia o superlativo: era magérrimo e feíssimo. Usava óculos, fumava de
piteira, a voz rachada, andava mal vestido, mas tinha – milagre jamais explicado – um carrinho
inglês que sempre estava de bateria arriada e precisava ser empurrado.
Trabalhava num vespertino, seu texto era barroco, cobria festividades cívicas e religiosas.
Era – segundo meu pai – uma boa alma, embora fosse ruim de corpo. Um dia, me levou para um
canto da redação e recitou-me um soneto de sua lavra, os olhos faiscando de lascívia contrariada.
Esqueci o soneto minutos depois. Guardei por uns tempos o final, aquilo que os parnasianos
chamavam de “chave de ouro”. Transcrito em papel talvez não impressione.
Dito por ele, num canto empoeirado da redação, com sua voz rachada, a piteira nas mãos
trêmulas, era uma apoteose da dor: “Passei bem junto a ela. E decerto / ela me soube que eu
passei tão perto / e nem suspeita que eu segui chorando!”. O verso quebrado e a exclamação final
faziam parte da poética e das redações daquele tempo.
Chamava-se Cardim. Domingos da Silva Cardim se não me engano. Casara-se com uma
viúva tão feia e magra como ele, também boníssima alma. Não tinham filhos.
Por isso ou aquilo, Cardim apaixonava-se com freqüência e, quanto menos correspondido,
mais apaixonado ficava. Deve ter feito outros sonetos, circulou pela redação um poema
pornográfico e anônimo que desde o redator-chefe até o contínuo que ia buscar café na esquina
atribuíram ao estro do Cardim.
(in: CONY, Carlos Heitor, Folha de S. Paulo. Cad. 1, p. 2 – Opinião,
6/7/97.)
a) No primeiro verso, o poeta declara que o soneto se destina a louvar o Conde, mas acaba
tratando de outro assunto, para com isso caracterizar uma atitude de desprezo e deboche. Que
assunto real é desenvolvido pelo poeta em seu poema?
b) Com base nas informações verificáveis nos dois textos dados, defina, sob o ponto de vista da
versificação, as características fundamentais da forma poemática “Soneto”.
2. (VUNESP) Em sua crônica, Carlos Heitor Cony apresenta, com fino humor, um antigo colega
e poeta, um tipo bastante curioso, dado a cultivar sonetos. O cronista, num processo de
reminiscência, aborda a personalidade do poeta, as características de seu estilo e suas
produções poéticas. Observe, numa releitura do texto, esse processo de caracterização da
personagem e, em seguida responda:
a) Ao referir-se ao discurso da personagem, o cronista afirma que “seu texto era barroco”.
Considerando as características do estilo de época denominado barroco, em que se inscreve a
poesia de Gregório de Matos, explique o que Cony quis dizer a respeito do estilo de
Domingos da Silva Cardim.
b) Semelhantemente ao que fez Gregório em seu poema, embora de modo mais direto, ao
apresentar e descrever Domingos da Silva Cardim, o cronista assume uma atitude de
deboche, que por vezes beira ao escárnio. Transcreva duas frases da crônica em que se
caracteriza tal atitude.
23
3. Leia os textos abaixo:
II
III
IV
4.
Nasce o sol e não dura mais que um dia.
Depois da luz, segue-se a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.
24
No quarteto acima, de Gregório de Matos, podemos encontrar um tipo de raciocínio típico do
Barroco. Que tipo de raciocínio é este? Que tipo de figura de linguagem o facilita?
5. (PUC/SP)
a) o caráter de jogo verbal próprio do estilo barroco, a serviço de uma crítica, em tom de sátira,
do perfil moral da cidade da Bahia.
b) o caráter de jogo verbal próprio da poesia religiosa do século XVI, sustentando piedosa
lamentação pela falta de fé do gentio.
c) o estilo pedagógico da poesia neoclássica, por meio da qual se investe das funções de um
autêntico moralizador.
d) o caráter do jogo verbal próprio do estilo barroco, a serviço da expressão lírica do
arrependimento do poeta pecador.
e) o estilo pedagógico da poesia neoclássica, sustentando em tom lírico as reflexões do poeta
sobre o perfil moral da cidade da Bahia.
a) um refinado jogo verbal para expressar as ansiedades religiosas do eu-lírico pecador diante
do Cristo Salvador.
b) um refinado jogo verbal para expressar as ansiedades da vida pecaminosa do eu-lírico que
recusa a salvação do Cristo.
c) um refinado jogo verbal para expressar os sofrimentos do Cristo na cruz e o castigo do
pecador.
d) a simplicidade do jogo verbal para expressar os sofrimentos do Cristo e o mistério
inalcançável da salvação.
e) a simplicidade do jogo verbal para expressar as ansiedades da vida pecaminosa do eu-lírico
diante do Cristo.
7. (FATEC)
O trecho ilustra:
a) a poesia erótica de Gregório de Matos, inspirada na vida dos prostíbulos da cidade da Bahia e
que deu origem à alcunha do poeta, "Boca do Inferno".
b) a poesia lírica de Gregório de Matos, voltada para a temática filosófica, em linguagem
marcada pelos recursos da estética barroca.
c) a poesia satírica de Gregório de Matos, dedicada à descrição fiel da sociedade da época,
utilizando recursos expressivos característicos do barroco português.
d) a poesia erótica de Gregório de Matos, caracterizada pela crítica aos comportamentos e às
autoridades baianas da época colonial.
e) a poesia satírica de Gregório de Matos, que representa, no conjunto de sua obra, uma espécie
de fuga aos moldes barrocos portugueses e ataca, no linguajar baiano da época, costumes e
personalidades.
8. (FATEC)
Quando jovem, Antônio Vieira acreditava nas palavras, especialmente nas que eram ditas
com fé. No entanto, todas as palavras que ele dissera, nos púlpitos, nas salas de aula, nas
reuniões, nas catequeses, nos corredores, nos ouvidos dos reis, clérigos, inquisidores, duques,
marqueses, ouvidores, governadores, ministros, presidentes, rainhas, príncipes, indígenas, desses 26
milhões de palavras ditas com esforço de pensamento, poucas - ou nenhuma delas - havia surtido
efeito. O mundo continuava exatamente o de sempre. O homem, igual a si mesmo. (Ana
Miranda, Boca do Inferno)
A expressão “...milhões de palavras ditas com esforço de pensamento.” faz referência a um traço
da linguagem barroca presente na obra de Vieira; trata-se do:
9. O trecho de Vieira possui uma dimensão ambígua: ao passo que discute uma questão social,
utiliza esta questão para revelar “verdades sagradas”.
b) Que “verdade sagrada” podemos visualizar como pano de fundo da questão social?
c) Retire um trecho que comprove esta relação entre as questões históricas e religiosas na obra
de Vieira.
d) Aponte três recursos literários utilizados na construção do texto de Vieira, que fazem parte do
ideário barroco.
10.No trecho, percebemos o abundante uso de interrogações. Que função desempenha esse tipo
de pontuação no texto?
Tarefa 27
(…)
Goza, goza a flor da mocidade
Que o tempo trata a toda ligeireza
e imprime em toda a flor sua pisada.
T1. Nessas estrofes de um soneto lírico de Gregório de Matos, dedicado a Maria dos
Povos, vemos a pregação:
T2. No texto podemos observar um verso que se constrói sobre o recurso da gradação.
Qual?
T3.
Não vira em minha vida a formosura,
Ouvia falar nela cada dia,
E ouvida me incitava, e me movia
A querer ver tão bela arquitetura:
Ontem a vi por minha desventura
Na cara, no bom ar, na galhardia
De uma mulher, que em Anjo se mentia;
De um Sol, que se trajava em criatura:
a) Com base no texto, que imagem poderíamos atribuir à mulher (objeto do amor) e ao próprio
amor na poesia barroca?
T4. Podemos afirmar que a poesia de Gregório de Matos divide-se em quatro diferentes grupos.
Quais são? Caracterize-os sinteticamente.
T5. (UFRS) Sobre a poesia de Gregório de Matos Guerra é correto afirmar que:
T8. Assinale a alternativa que não podemos associar à obra de Padre Antônio Vieira.
T9. (FCC/SP) Assinale o texto que, pela linguagem e pelas ideias, pode ser considerado
como representante da corrente barroca.
a) “Brando e meigo sorriso se deslizava em seus lábios; os negros caracóis de suas belas
madeixas brincavam, mercê do zéfiro, sobre suas faces... e ela também suspirava.”
b) “Estiadas amáveis iluminavam instantes de céus sobre ruas molhadas de pipilos nos arbustos
dos squares. Mas a abóboda de garoa desabava os quarteirões.”
c) “Os sinos repicavam numa impaciência alegre. Padre António continuou a caminhar
lentamente, pensando que cem vezes estivera a cair, cedendo à fatalidade da herança e à
influência do meio que o arrastavam para o pecado.”
d) “De súbito, porém, as lancinantes incertezas, as brumosas noites pesadas de tanta agonia, de
tanto pavor de morte, desfaziam-se, desapareciam completamente como tênues vapores de
um letargo...”
e) “Ah! Peixes, quantas invejas vos tenho a essa natural irregularidade! A vossa bruteza é
melhor que o meu alvedrio. Eu falo, mas vós não ofendeis a Deus com as palavras: eu
lembro-me, mas vós não ofendeis a Deus com a memória: eu discorro mas vós não ofendeis a
Deus com o entendimento: eu quero, mas vós não ofendeis a Deus com a vontade.”
T10.
“Olhai, Senhor, que já dizem. Já dizem os Hereges insolentes com os sucessos prósperos,
que vós lhes dais, ou permitis: já dizem que porque a sua, que eles chamam Religião, é a
verdadeira, por isso Deus os ajuda, e vencem; e porque a nossa é errada, e falsa, por isso nos
desfavorece, e somos vencidos. Assim o dizem, assim o pregam, e ainda mal porque não faltará
quem os creia. Pois é possível, Senhor, que hão de ser vossas permissões argumentos contra a
vossa Fé? É possível que se hão de ocasionar de nossos castigos blasfêmias contra vosso nome?
Que diga o Herege (o que treme de o pronunciar a língua), que diga o Herege que Deus está
holandês? Oh não permitais tal, Deus meu, não permitais tal, por quem sois. (...) Abrasai,
destruí, consumi-nos a todos; mas pode ser que algum dia queirais Espanhóis e Portugueses, e
que os não acheis. Holanda vos dará os apostólicos conquistadores, que levem pelo Mundo os
estandartes da cruz; Holanda vos dará os pregadores evangélicos, que semeiem nas terras dos
Bárbaros a doutrina católica e a reguem com o próprio sangue; Holanda defenderá a verdade de
vossos Sacramentos e autoridade da Igreja Romana; Holanda edificará templos, Holanda
levantará altares, Holanda consagrará sacerdotes e oferecerá o sacrifício de vosso Santíssimo
Corpo; Holanda, enfim, vos servirá tão religiosamente, como em Amsterdão, Meldesburgo e
Flisinga e em todas as outras colônias daquele frio e alagado inferno que se está fazendo todos os
dias.”
(Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda. Apud Gonzaga, Sergius.
Manual de Literatura Brasileira, Porto Alegre, Mercado Aberto, p. 22)
No plano terreno, podemos dizer que Vieira conseguiu, neste trecho, mostrar a proximidade e 30
cooperação entre: