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"Berlim seria destino ideal para Snowden"
Autor de livro sobre delator da NSA, jornalista britânico relata pressão sofrida por publicar segredos sobre espionagem e
afirma que, embora Alemanha fosse bom lugar para o americano, Merkel dificilmente o aceitará.

Mostrar a verdade e o que aconteceu nos bastidores das ações de Edward Snowden, um dos homens mais procurados do mundo, foi o
objetivo do jornalista britânico Luke Harding ao escrever Os Arquivos Snowden (Editora Leya, 2014).

O jornalista faz parte da equipe do jornal The Guardian, um dos principais divulgadores dos documentos obtidos por Snowden, e viveu na
pele as pressões de estar envolvido em um caso tão polêmico e controverso.

Em entrevista à DW, Harding fala sobre sua experiência pessoal com o escândalo envolvendo a Agência de Segurança Nacional (NSA), as
posições políticas de Snowden e o futuro do delator americano.

DW:Há uma série de especulações sobre os reais motivos de Snowden. São, de fato, suas convicções libertárias que o levaram a fazer
tudo isso?

Luke Harding: Não há dúvidas de que Snowden veio politicamente da direita, um conservador de tradição libertária. Documentos
mostram que ele doou dinheiro para Ron Paul, um dos políticos libertários mais famosos dos Estados Unidos. Ele posta na internet desde
muito jovem, e algumas dessas mensagens deixam claro que alguns de seus pontos de vista são o que um liberal europeu consideraria
repulsivo. Ele é contra o controle de armas, contra ações afirmativas e não acredita em segurança social, entre outras coisas.

Em seu recente depoimento no Parlamento Europeu, Snowden disse que os programas de espionagem, que ele chama de "vigilância sem
justa causa", são ilegais e ineficazes. Esse é um ponto importante. Ele se vende como um patriota que acredita na necessidade da
espionagem. Ele diz amar seu país, mas acredita que a espionagem deve ser dirigida contra determinados indivíduos. Ele é basicamente
um patriota de direita.

Você cita no livro que ele tem o apoio de alas da direita nos Estados Unidos, mas
não apenas delas. Na realidade, ele encontra apoio em todas as facções políticas.
Se ele fosse um cidadão britânico, você acredita que ele estaria recebendo o mesmo
tipo de apoio e incentivo?

Acho que não. Houve a união bastante improvável de dois grupos: os democratas
que apoiam a liberdade civil e um tipo clássico republicano libertário. Estou nos
EUA no momento, e a cultura política aqui é de uma parceria ritualista. As opiniões
O jornalista Luke Harding sobre Snowden estão divididas, mas não de maneira convencional. A maioria dos
jovens, assim como ativistas do Tea Party, são a favor de Snowden, algo incomum.
Nos primeiros cinco ou seis meses que começamos a publicar textos sobre o caso, houve uma espécie de silêncio [no Reino Unido]. A
maioria dos jornais ignorou a história. Os políticos estavam hostis ou silenciosos a respeito do assunto. Acredito que nos últimos meses a
situação mudou.

Em toda essa história, o "Guardian" foi meio deixado de lado pelo governo e pela mídia britânica. O que isso pode realmente dizer sobre
liberdade de imprensa, quando um governo consegue exercer tanta pressão sobre os meios de comunicação?

Várias coisas estão acontecendo. Primeiramente, o silêncio político não é difícil de explicar porque tanto os liberais, do governo anterior,
quanto a atual coalizão, comandada pelos conservadores, foram responsáveis por autorizar esses ultrainvasivos programas secretos.

Outro ponto, sobre o qual eu escrevo no livro, é como o governo britânico pressionou o Guardian. Eles
estavam descontentes por termos esse material, e eles queriam de volta. O premiê David Cameron disse ao
Jeremy Heywood, seu mais alto colaborador no governo, que intimidasse Alan Rusbridger, editor­chefe
do Guardian.

A abordagem do governo foi totalmente desastrada, já que o material sobre o Snowden estava distribuído
em diferentes jurisdições. Partes estavam no Brasil com Glenn Greenwald, outras estavam em Berlim com
Laura Poitras e também nos Estados Unidos. Mas o governo não queria ouvir. Toda campanha de
pressão e intimidação eu descrevo no livro como algo entre a Stasi (polícia secreta da antiga Alemanha
Oriental) e uma comédia pastelão. Por um lado foi quase cômico: dois espiões britânicos de meia idade
assistindo jornalistas destruindo seus computadores e tirando fotos em seus iPhones. Mas por outro lado,
para quem se preocupa com a liberdade de expressão e o direito dos jornais de investigar suas histórias,
que são vergonhosas para o governo, foi uma cena deprimente.
O livro de Luke Harding já foi lançado
Você escreve no livro que havia uma sensação de que no Reino Unido as pessoas são sujeitos, não no Brasil
cidadãos.

Isso era algo que eu pensei e relutei quando estava escrevendo o livro e também porque grande parte do livro foi escrito na Alemanha.
Conheço muito bem o país, passei quatro anos em Berlim como correspondente. Os alemães são intuitivamente um povo privado. Eles não
precisam ser ensinados sobre a importância da privacidade por causa de sua experiência ao longo da história. As memórias sobre a Stasi
são reais. Há toda uma geração que ainda está viva e cresceu nesse cenário. No Reino Unido, me parece que ainda estamos completamente
complacentes em relação aos nossos direitos. Mas talvez tenha a ver com o fato de que, apesar de alguns ataques terroristas e o conflito
com a Irlanda do Norte, vivemos séculos de estabilidade. Isso nos deixou um pouco devagar em relação a assuntos como privacidade.

A Alemanha e a chanceler Angela Merkel foram um dos principais alvos das operações de espionagem. Você acredita que a Alemanha
deveria se arriscar, se afastar dos Estados Unidos e, em algum momento, aceitar Snowden como asilado?

Acredito que a Alemanha seria o destino perfeito para Snowden. A situação dele em
Moscou é complicada e pouco invejável. Ironicamente, devido a sua história, Berlim
Oriental se tornou uma espécie de imã para profissionais da mídia que querem fugir
de problemas. Eu encontrei com Jake Appelbaum (do site Wikileaks) em Berlim. A
cineasta Laura Poitras está editando o filme sobre Snowden na cidade. Há uma
grande, plural e florescente mídia na Alemanha, o que cria uma interessante
discussão.

Berlim seria o lugar perfeito para Snowden, mas sejamos realistas. Mesmo que
Segundo o jornalista, a Alemanha não deverá enfrentar os
Merkel esteja indignada com o fato que seu telefone estava grampeado por uma
EUA e conceder asilo a Snowden
década, ela é pragmática. Oferecer asilo a Snowden causaria grandes danos para
sua parceria transatlântica. Essa é uma conta que nem ela nem qualquer outro
político alemão estão preparados para pagar. Outro ponto interessante é que não sabemos o quanto os espiões da União Europeia são
cúmplices da NSA.

O que você acha que acontecerá com Snowden quando seu asilo na Rússia terminar?

Acredito que ele será renovado. Ele não tem para onde ir e é claro que ele é um trunfo de propaganda para o Kremlin, o que não quer
dizer que ele é um espião russo. Evidentemente, ele é uma maneira que Vladimir Putin encontrou de constranger o Ocidente, em um
momento, com a invasão da Ucrânia, em que estamos cada vez mais próximos do cenário de uma nova Guerra Fria. Snowden é uma peça
útil nesse jogo.
L EIA M AIS

Crise na Crimeia testa política externa de Obama
Criticado internamente e com imagem arranhada por conflito na Síria e escândalo de espionagem, presidente americano tem desafio de, com poucas
opções, pôr Moscou sob pressão e evitar aumento da tensão na Ucrânia. (05.03.2014)  

Acordo de não espionagem entre Alemanha e EUA não deve sair
Em Washington, ministro alemão do Exterior diz que EUA e Alemanha têm concepções distintas de segurança e liberdade e que é melhor trocar o acordo
por mais diálogo. (28.02.2014)  

Serviço secreto britânico armazenava imagens de webcams
Em mais uma revelação de Snowden, GCHQ espionava, com o apoio da NSA, usuários do Yahoo! durante videochats. Grande parte das imagens
armazenadas eram sexualmente explícitas. (27.02.2014)  

Data 02.04.2014

Autoria Rob Mudge (mas)

Assuntos relacionados Snowden, NSA, Edward Snowden, Ferreira Gullar, Nélida Piñon

Palavras­chave Luke Harding, Edward Snowden, NSA, espionagem, Os Arquivos Snowden, jornalista, escuta, privacidade

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