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Transinformação

ISSN: 0103-3786
transinfo@puc-campinas.edu.br
Pontifícia Universidade Católica de
Campinas
Brasil

Moacir Francelin, Marivalde


Abordagens em epistemologia: Bachelard, Morin e a epistemologia da complexidade
Transinformação, vol. 17, núm. 2, agosto, 2005, pp. 101-109
Pontifícia Universidade Católica de Campinas
Campinas, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=384334739001

Como citar este artigo


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ABORDAGENS EM EPISTEMOLOGIA 101

ARTIGO

Abordagens em epistemologia: Bachelard, Morin


e a epistemologia da complexidade1

Approaches to epistemology: Bachelard, Morin and the


epistemology of complexity

Marivalde Moacir FRANCELIN2

RESUMO

Apresenta uma revisão das distintas concepções de epistemologia, partindo


da epistemologia enquanto palavra. Em seguida, aborda sua estrutura enquanto
campo de investigação e disciplina do conhecimento, chegando ao seu
desdobramento em epistemologias. Argumenta que a epistemologia da
complexidade comporta, e é comportada, por essas epistemologias. Procura
reconstituir um itinerário móvel e flexível da epistemologia até sua relação com
a complexidade a partir de Gaston Bachelard e Edgar Morin.
Palavras-chave: epistemologia, epistemologia da complexidade, Gaston
Bachelard, Edgar Morin, perspectivismo.

ABSTRACT

This article presents a review of the distinct conceptions of epistemology, departing


from the concept of epistemology as a word. It approaches the structure of
epistemology, taken as both, a research field and the discipline of knowledge,
and considers its developments into plural epistemologies. Furthermore, the
author argues that the epistemology of complexity circumscribes, and is itself

1
Texto elaborado a partir de uma das seções da dissertação de mestrado defendida pelo autor em 2004.
2
Mestre em Biblioteconomia e Ciência da Informação, Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Docente, Curso Ciência
da Infomração com Habilitação emn Biblioteconomia, Faculdade de Biblioteconomia, Centro de Ciências Sociais Aplicadas,
Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Rua Marechal Deodoro, 1099, Centro, 13020-904, Campinas, SP,
Brasil. E-mail: <mfrancelin@yahoo.com.br>.
Recebido em 22/2/2005 e aceito para publicação em 19/5/2005.

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circumscribed, by such epistemologies. In short, the article aims to establish a


mobile and flexible itinerary regarding epistemology, up to its relationship with
the complexity, as posed by the works of Gaston Bachelard and Edgar Morin.
Key words: epistemology, epistemology of complexity, Gaston Bachelard, Edgar
Morin, perspectivism.

INTRODUÇÃO mológica. Pode-se dizer que a própria


epistemologia, enquanto disciplina, comporta, ao
Discutir o que venha a ser ou se tornar longo de seu desenvolvimento um caráter
epistemologia está longe de qualquer tipo de interdisciplinar direcionando-se para a complexi-
facilidade aparente. Suas ramificações e con- dade. Como termo, a epistemologia parece ser
ceitos, além de uma etimologia que remonta aos muito utilizada no cotidiano científico, mas, como
gregos, parecem imprimir maior grau de disciplina ou como uma metodologia de análise,
dificuldade no trato com o tema. Porém, pode necessita de maiores estudos. Por isso e pelo
ser essa mesma dificuldade um dos principais seu conceito inexato procura-se recorrer, com
incentivos para se tentar revigorar a discussão certa constância, aos estudiosos e pesquisa-
em torno da epistemologia. Diante de uma dores deste campo. Talvez não seja possível
vertente clássica e, aparentemente, ultrapassa- traçar um “itinerário” sobre a epistemologia sem
da, surgem distinções em seus aspectos sobrecarregá-lo de citações, procurando eviden-
conceituais, teóricos e metodológicos, possibi- ciar que este “itinerário” não seguiu uma rota pré-
litando o desenvolvimento de epistemologias. estabelecida e única, mas conturbada, ruidosa
Portanto, as reflexões a seguir não e, por vezes, sutil. Esse é o panorama do segun-
procuram eleger a melhor epistemologia, mas do item de discussão deste texto Abordagens
proporcionar subsídios para novas discussões em epistemologia.
em torno do caráter complexo das epistemo- O item três, Bachelard, Morin e a
logias que, na contemporaneidade, revigoram- epistemologia da complexidade, procura
se sob a égide de um espírito científico identificar, a partir da própria proposta de Edgar
transformado e em transformação. Inicialmente, Morin, as estruturas constitutivas da epistemo-
procurou-se abordar a epistemologia como logia da complexidade, partindo de Gaston
epistemologia e não como episteme, ou seja, a Bachelard. Neste caso, discute-se um novo
epistemologia em seu sentido científico e conceito de epistemologia complexa, que não
disciplinar. Isto implica uma breve menção às parece ser tão novo assim, ou seja, o foco é
suas origens e etimologia e uma discussão sobre a discussão de um campo de estudo e de
sobre sua emergência, características e obje- uma atuação metodológica já constituídos e,
tivos, sem a pretensão de se esgotar o assunto aparentemente, presente em boa parte das
e, muito menos, de se tomar como conclusão disciplinas científicas contemporâneas. Assim,
uma epistemologia melhor. Objetiva-se sim, entende-se que o item dois, Abordagens em
discutir uma epistemologia que possa dar epistemologia, além de panorâmico e reflexivo
respostas e que, mesmo não as dando, possa (nos dois sentidos do termo), é perspectivista
contemplar uma ciência em expansão interdisci- (não no sentido filosófico, mas no sentido de
plinar e metodológica. A discussão, já bem lançar bases) em relação ao item três, Bachelard,
avançada, da interdisciplinaridade nas disciplinas Morin e a epistemologia da complexidade, por
científicas contemporâneas, acaba por apontar seu fundamento distintivo e variado. O processo
para uma outra discussão, a discussão episte- de criar nunca foi visto com tanta complexidade,

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e por isso, o item quatro Considerações finais, panha a emergência e a consolidação da so-
apenas considera a possibilidade da episte- ciedade industrial e assiste ao desenvolvimento
mologia da complexidade fazer parte desse espetacular da ciência e da técnica.” (SANTOS,
processo, o que parece ter sido um dos principais 2000, p.17). Para outros, como Bunge (1980), o
objetivos da epistemologia desde o seu campo epistemológico emergiu, para o
surgimento. pensamento contemporâneo, a partir de meados
do século XX. Com o próprio desenvolvimento
científico e tecnológico surgem estudiosos que,
Abordagens em epistemologia preocupados com esse processo, começam a
formular uma teoria epistemológica e a “resgatar”
Muitos questionamentos existem em pensadores que já haviam tratado do tema em
torno do termo epistemologia. Esses questiona- períodos anteriores.
mentos vão desde seus domínios, enquanto
Para Bunge, a epistemologia, ou “filosofia
disciplina científica (BLANCHÉ, 1983; JAPIASSU,
da ciência”, “[...] é o ramo da Filosofia que estuda
1986), até seu aparecimento e etimologia
a investigação científica e seu produto, o conhe-
(CARRILHO; SÀÁGUA, 1991).
cimento científico.” Considera a epistemologia
Blanché diz que a epistemologia significa como importante componente (“ramo”) da
teoria da ciência e não se trata de uma palavra Filosofia (“árvore”) que começa a se destacar nas
muito antiga. Surge nos dicionários “franceses” primeiras décadas do século XX (BUNGE, 1980,
por volta de 1906 (BLANCHÉ, 1983, p.9). No p.5). Talvez, em função dessa importância, seja
entanto, o autor diz que no século XIX já havia tão difícil conceituá-la, pois, “[...] da epistemologia
obras tratando do tema, inclusive com a palavra sabemos muito sobre aquilo que ela não é, e
epistemologia presente no título (BLANCHÉ, pouco sobre aquilo que é ou se torna [...]”,
1983, p.11). Para Japiassu, etimologicamente, justamente por causa de sua recente emergência
epistemologia significa “discurso (logos) sobre enquanto disciplina (JAPIASSU, 1986, p.23). Tal
a ciência (episteme)” e surge no século XIX dificuldade também é expressa nas obras de
(JAPIASSU, 1986, p.24). Não obstante, Carrilho Blanché (1983) e Carrilho e Sàágua; estes
e Sàágua remetem o aparecimento da palavra últimos referem-se ao termo epistemologia como
epistemologia, “em língua francesa”, ao ano de “nebuloso” (CARRILHO; SÀÁGUA, 1991, p.7).
1901. Dizem que a “[...] epistemologia, entendida Assim, a epistemologia pode ser tomada
como filosofia da ciência, surge no século XIX como uma “[...] disciplina, ou tema, ou pers-
[...]” e creditam o seu aparecimento ao desenvol- pectiva de reflexão cujo estatuto é duvidoso, quer
vimento científico, procurando “[...] explicitar o em função do seu objeto, quer em função do
segredo do seu progresso e legislar sobre o seu seu lugar específico nos saberes.” (SANTOS,
valor e objetivos [...].” (CARRILHO; SÀÁGUA, 2000, p.20). Parece também seguir esta pre-
1991, p.12). missa, Japiassu, quando diz que definir episte-
A palavra epistemologia começou a figurar mologia não é uma tarefa fácil, devido à condição
no vocabulário filosófico3 a partir do século XIX. “flutuante” de seus domínios investigativos, não
Para Santos, a reflexão epistemológica “moder- existindo “[...] sequer um acordo quanto à
na” origina-se, enquanto filosofia, no “[...] século natureza dos problemas que ela deve abordar
XVII e atinge um dos seus pontos altos em fins [...]”, além de seu campo de pesquisa ser “[...]
do século XIX, ou seja, no período que acom- imenso, supondo grande intimidade com as

3
Para uma discussão sobre “filosofia-enquanto-epistemologia” ver Rorty (1994, p.144 et seq.).

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ciências, cujo princípio e resultados ela deveria que permite a descoberta e a análise de “[...]
estar em condições de criticar. Donde a variedade problemas tais como eles se colocam ou se
de conceitos em epistemologia.” (JAPIASSU, omitem, se resolvem ou desaparecem, na prática
1986, p.23). efetiva dos cientistas”. Portanto, o objeto a ser
Dessa maneira, a epistemologia estudado é a práxis científica e não o seu produto,
preocupa-se com as histórias da ciência e da ou seja, a epistemologia à qual se refere Japiassu
“inteligência”, com a “arqueologia” e as “[...] (1981) tem como função refletir não sobre a
relações da ciência com a sociedade que a “ciência feita, acabada, verdadeira”, mas, sobre
produz, interferindo tanto em sua organização o processo de desenvolvimento científico
interna quanto em suas aplicações.” (JAPIASSU, (JAPIASSU, 1981, p.96).
1986, p.11). Ainda, a epistemologia é a reflexão, Ainda, segundo Japiassu, há uma “flexibi-
o estudo de propósito crítico sobre uma ciência lidade” no emprego do conceito epistemologia.
constituída ou, segundo Japiassu (1981), em Esta flexibilidade depende de vários fatores.
processo de constituição. Um estudo epistemo- Ideologias, filosofias, costumes, culturas, vão
lógico pode visar à discussão de determinados determinar se o conceito de epistemologia será
princípios estruturais de uma respectiva discipli- de “natureza” filosófica, estando assim, próximo
na científica. Pode-se dizer que serve para a uma “teoria geral do conhecimento”, ou de
reorganizar ou reencaminhar determinada natureza mais restrita, levantando questões
disciplina ao trajeto científico, ou seja, tenta acerca da “gênese e estrutura das ciências”.
“delimitar” o campo de estudo dessa disciplina. Também podem fazer parte do conceito de
Por este motivo, a palavra epistemologia é epistemologia a “análise lógica da linguagem
encontrada em dicionários de filosofia como científica” e o “exame das condições reais de
análoga à teoria do conhecimento e gnosiologia produção dos conhecimentos científicos”.
(ABBAGNANO, 1982). Pode-se também encon- Nenhum dos conceitos que possam ser utiliza-
trá-la como a teoria do conhecimento científico. dos terão, como princípio, uma imposição
Mora (1994) diz que, por algum tempo, na “língua dogmática. A dispersão do conceito de episte-
espanhola”, usava-se gnosiologia (teoria do mologia afasta de vista lingüístico, sociológico,
conhecimento) ao invés de epistemologia. ideológico, etc.” Japiassu considera a epistemo-
A gnosiologia logo passou a significar teoria do logia uma ciência interdisciplinar. Portanto, “[...]
conhecimento em seu sentido mais abrangente. cabe à epistemologia perguntar-se pelas relações
À epistemologia coube o estudo do conhecimento existentes entre a ciência e a sociedade, entre
científico. Porém, com a influência da filosofia a ciência e as instituições científicas, entre as
“anglo-saxônica”, a epistemologia é cada vez diversas ciências, etc.”. (JAPIASSU, 1986, p.38).
mais usada em “quase todos os casos” e não A epistemologia fundamenta-se nos
apenas no campo científico. conhecimentos que são produzidos e estão
Para Japiassu (1986) a epistemologia relacionados à ciência. É responsável pelo
deve ser entendida como uma disciplina que não processo de discernimento entre o conhecimento
se interessa tanto pelos aspectos metodo- científico já superado e aquele que se considera
lógicos, “os resultados ou a linguagem ‘da’ atual (JAPIASSU, 1986, p.32). Ou seja, parte
ciência, ou da ‘razão’ nas ciências”. Isto não dos estudos epistemológicos a iniciativa para a
significa que a espistemologia ignore tais discussão dos paradigmas científicos. Entendida
questões, apenas não parecem ser prioritárias como “teoria do fundamento da ciência”, é
em suas investigações. O estudo epsitemo- responsável pela distinção entre objeto científico
lógico está relacionado a uma “reflexão crítica” e objeto da “história das ciências”, além da

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manutenção da consciência do real através dos transfigura em uma “ilusão necessária”


“discursos críticos e progressivos” que se (SANTOS, 2000, p.27).
transformam em ciência. É ainda a epistemologia A epistemologia, por estar relacionada às
que “[...] faz com que o objeto da história das disciplinas científicas, não pode ter uma definição
ciências seja um objeto não dado, mas um objeto ou conceito que a enquadre em um campo
construído, um objeto cujo inacabamento é específico do conhecimento ou que a vincule a
essencial” (JAPIASSU, 1986, p.33). A episte- uma única disciplina, pois uma de suas principais
mologia forma-se a partir da reflexão sobre os características enquanto disciplina científica,
processos de construção científica de deter- segundo Japiassu (1986), é a interdisciplina-
minada disciplina; portanto, é através do estudo ridade. Para Blanché, a epistemologia não
do estatuto científico de tal disciplina que se dá depende do que é “verdadeiro ou falso”, mas, de
início ao estudo epistemológico. um estado de “conveniência”. Ao se chegar a
Para Japiassu existem classificações este “estado”, tem-se o “domínio” epistemológico
entre as ciências. Essas classificações são delimitado, porém, “[...] as fronteiras traçadas
“necessárias” epistemologicamente para tentar permanecerão móveis, porque os problemas da
identificar relações e diferenças entre as disci- epistemologia abrangem muitas vezes domínios
plinas científicas. Tal classificação pode criar situados para lá dessas fronteiras.” (BLANCHÉ,
disparidades como forma de conferir superiori- 1983, p.17).
dade a determinados grupos científicos sobre Japiassu (1986) não restringe o campo
outros. “[...] podemos perceber, por detrás de de atuação epistemológica à filosofia ou à
toda classificação, a idéia de uma hierarquia e sociologia da ciência, pelo contrário, aborda esse
de uma valorização de certas ciências em campo de atuação da maneira mais abrangente
detrimento das outras.” (JAPIASSU, 1981, possível, considerando, entre outras caracte-
p.101). rísticas, leis, costumes, ideologias, filosofias,
Nesse sentido, cita as disciplinas ligadas aspectos lingüísticos e pragmáticos, além de
à experimentação e, especificamente, a Física. influências históricas e políticas. Cabe, pois,
As Ciências Humanas não seriam reconhecidas considerar a epistemologia como uma epistemo-
no meio científico, pois, neste momento, as logia complexa.
Ciências Naturais é que teriam o estatuto O pensamento epistemológico é polê-
científico a seu favor, estando “[...] apoiadas mico. Existem tipos de epistemologias. Elas não
numa valorização por demais excessiva dos se diferenciam apenas pelo objeto que estudam,
métodos e dos resultados das chamadas mas por vários fatores. O modo de abordagem,
ciências naturais.” (JAPIASSU, 1981, p.103). o contexto do objeto e do observador e as
Entende-se que esta proposição não tira o caráter especificidades do objeto acrescidas da inter-
científico da área de Humanas, pois, a ciência pretação do observador, são os principais
“[...] é um processo histórico dependente, não aspectos que podem condicionar as diferentes
do ser, mas do devir. E é exatamente por isso abordagens epistemológicas. A não diferenciação
que não temos o direito de negar às Ciências do objeto não significa que o desenvolvimento
Humanas sua existência e sua legitimidade.” científico deve ser visto como estacionário.
(JAPIASSU, 1981, p.104). A epistemologia chega A constante movimentação do “universo”
a apresentar, realmente, em determinados científico é compreendida como um conjunto de
contextos, um caráter ambíguo, podendo ser eventos em múltiplas relações. Às epistemo-
considerada falsa e até como uma ilusão, porém, logias cabe a consciência desse conjunto de
torna-se “[...] verdadeira na sua falsidade” e se eventos científicos, ao mesmo tempo único e

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múltiplo.. Partindo-se dessa concepção, as pensamento científico contemporâneo que,


abordagens são transformadas de acordo com distanciando-se do “agnosticismo positivista” e
os contextos relacionais e com a parcialidade do “realismo filosófico tradicional”, aproxime-se
observacional (ideologias, filosofias e culturas). “[...] dum realismo de segunda posição, dum
Dessa maneira, surge o que se conhece como realismo em reação contra a realidade habitual,
a epistemologia genética de Jean Piaget, a de razão experimentada.” E prossegue: “[...] o
epistemologia histórica de Gaston Bachelard, a real que lhe corresponde não é relegado ao
epistemologia “racionalista crítica” de Karl Popper domínio da coisa em si incognoscível.”
e a epistemologia “arqueológica” de Michel (BACHELARD, 1978, p.93). Essa realidade
Foucault (JAPIASSU, 1986). cognoscível é formada e desenvolve-se a partir e
Finalmente, é necessário interrogar-se através das relações de complexidade. Tais
sobre o conhecimento, sobre o saber, sobre a relações se estendem há séculos, como o
ciência, sobre o pensamento, de forma geral e “diálogo entre o Mundo e o Espírito” e não se
específica ao mesmo tempo. Essas interro- pode mais ignorá-las ou caracterizá-las como
gações podem ser interpretadas de várias “experiências mudas”. A abordagem das relações
maneiras, dependendo de onde, de como e por entre a realidade e a racionalidade, entre o
quem estão sendo observadas. Podem tanto “Mundo e o Espírito” conduz, inevitavelmente, a
estar sendo observadas desde a perspectiva do pensar a complexidade que envolve essas
observador, como desde o interior de uma relações.
disciplina, como até desde ambas ou nenhuma Isso se verifica através do próprio pensar
dessas perspectivas, ou ainda, como se verá na a “ação científica”, em que “[...] percebe-se que
epistemologia da complexidade, desde a o realismo e o racionalismo permutam sem fim
perspectiva de todos e desde nenhuma ao seus pareceres.” (BACHELARD, 1978, p.95).
mesmo tempo. Não se prevê um fim. A idéia de finitude associa-
se à imobilidade. A complexidade apenas existe
porque os sistemas que a compõem nunca
Bachelard, Morin e a epistemologia da param, estão em constante movimentação,
complexidade interna e externa, em processos de relações e
inter-relações. “Assim, parece-nos que se devem
A epistemologia da complexidade tem
introduzir na filosofia científica contemporânea
suas raízes, segundo Edgar Morin, no pensa-
princípios epistemológicos verdadeiramente
mento epistemológico de Gaston Bachelard. “[...]
novos.” (BACHELARD, 1978, p.98).
houve um filósofo que falou da complexidade e,
na minha opinião, muito profundamente: foi Há a necessidade de uma epistemologia
Gaston Bachelard em O Novo Espírito Científico.” que se disponha a estudar a “[...] síntese mais
(MORIN, 1996, p.13). ou menos móvel da razão e da experiência
mesmo que esta síntese se apresente filosofica-
A complexidade essencial da filosofia
mente como um problema desesperado.”
científica, é o título da introdução de O Novo
(BACHELARD, 1978, p.98). Assim como a
Espírito Científico. Em alguns trechos dessa
noção de simplificação torna-se insuficiente e
obra, o autor deixa claro a sua idéia de filosofia
inconsistente em sua redução, a relação entre
da ciência: “[...] não há nem realismo nem
racionalismo absolutos [...]”, nem preceitos extremos é quase obrigatória, pois, “[...] o
filosóficos universais e únicos (BACHELARD, pensamento científico contemporâneo perma-
1978, p.91). Dessa maneira, o que propõe nentemente opera entre o a priori e o a posteriori
Bachelard é um estudo sobre o (espírito) [...].” Esses eventos movimentam-se e alternam-

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-se constantemente e “[...] estão ligados, no dos eventos do conhecimento, para estudar o
pensamento científico, por um estranho laço, tão próprio conhecimento: o conhecimento do
forte como o que une o prazer à dor.” conhecimento. É a partir do conhecimento do
(BACHELARD, 1991, p.9). O que autor quer dizer conhecimento que se constitui a epistemologia
com o a priori e o a posteriori são as maneiras da complexidade, um conhecimento que pensa
como os cientistas e os filósofos se utilizam do, e conhece os limites do próprio conhecimento.
ou concebem o, pensamento científico: os Para Morin (1997), o conhecimento não reflete o
primeiros, reduzindo a filosofia das ciências aos “mundo objetivo”, mas o traduz e o constrói, dado
fatos; os segundos, descartando a possibilidade que a produção, a reprodução e o desenvol-
de a filosofia da ciência relacionar-se aos fatos. vimento do conhecimento fazem parte de um
Portanto, a idéia do a priori e do a posteriori
constante construir-desconstruir-construir no
aproxima-se das noções de determinismo e
universo do próprio conhecimento. Não há
indeterminismo propostas por Bachelard (1978).
imparcialidade e, muito menos, neutralidade
Para Bachelard, “[...] todas as revoluções nesse processo. A construção, a desconstrução,
frutuosas do pensamento científico são crises a reprodução e o desenvolvimento do conheci-
que obrigam a uma reclassificação profunda do mento estão “impregnados” pelo conhecimento
realismo.” Porém, essas crises “frutuosas” não do observador que os concebe. “Não há
são produzidas (provocadas) pelo pensamento conhecimento sem autoconhecimento.” (MORIN,
realista; o “[...] impulso revolucionário vem de
1997, p.201).
outra parte; nasce no reino do abstrato.”
(BACHELARD, 1978, p.157). A previsão de ruptura está implícita no
conhecimento. Acontece que os movimentos de
Independência e relação, determinismo e
ruptura se dão no mesmo instante em que
indeterminismo, a priori e a posteriori em suas
ocorrem os movimentos de relação. A relação
relações e inter-relações, infinito e indefinição, e
desses eventos se dá em função dos movimentos
o princípio da incerteza, são alguns dos pontos
que relacionam e estão relacionados ao conheci-
observados por Bachelard no pensamento
mento. A liberdade de conhecer é o limite do
científico, os quais fazem dele, segundo Edgar
conhecimento. Assim, o conhecimento se
Morin, um dos filósofos da ciência que “falou” da
condiciona, se determina e se limita pelo não-
complexidade com maior profundidade. Por outro
-condicionamento, pelo indeterminismo e pela
lado, pode-se dizer que foi através de Edgar Morin
condição ilimitada em sua gênese, que é
que o pensamento complexo se desenvolveu.
justamente o seu limite. O ilimitado, o
Morin (1996) chama a atenção para a indeterminismo, o incondicionável e o infinito são
seguinte questão: o complexo não é o mesmo o que Morin (1997) chama de as “fontes de
que o complicado. Portanto, a epistemologia da incerteza”. São essas fontes de incerteza que,
complexidade não pode ser entendida como uma enquanto dão origem a uma epistemologia
epistemologia da complicação, uma epistemo- complexa, a partir dela se originam. É nas
logia da dificuldade. questões relativas às incertezas que permeiam
A complexidade moriniana não traz em o conhecimento em sua formação, desenvolvi-
si complicadores, pelo contrário, traz a possibi- mento ou gênese, que se desenvolve a epistemo-
lidade de pensar o ser em si, sua relação com o logia da complexidade. A epistemologia da
mundo, as relações do mundo com o mundo e complexidade não se restringe aos limites do
do ser com o ser. Nesse caso, a epistemologia determinismo e do reducionismo que se
proposta por Morin é uma epistemologia aberta, processam por vias certas, mutiladoras e
sem um princípio rígido norteador. Esta, parte simplificadas. A proposta de Edgar Morin para

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uma epistemologia complexa é que esta busque em si, mas viáveis e necessárias ao pensamento
não apenas através do possível, mas do impossí- que pensa esse processo.
vel, as relações mais profundas do conhecimento Edgar Morin não traz idéias prontas, nem
do conhecimento, mesmo que essas relações mesmo possui, como ele mesmo diz, um
não possam ser conhecidas. O processo que paradigma em seu “bolso”. Não se deve entender
permite conhecer o que é desconhecido em tais o pensamento complexo como uma via de mão
relações de conhecimento faz parte da epistemo- única, sistêmica, totalizante e/ou suficiente em
logia da complexidade. si mesma. A idéia de complexidade não é uma
A epistemologia da complexidade vê via de mão única, “[...] ela contém em si a
complementaridade nos antagonismos, ou seja, impossibilidade de unificar, a impossibilidade de
a relação e a complementação mútua de posi- acabamento, uma parte de incerteza, uma
ções opostas ou contrárias, sendo ao mesmo parte de indecisibilidade e o reconhecimento
tempo a disciplina que engloba e é englobada do tête-à-tête final com o indizível.” (MORIN,
pelo objeto sem, necessariamente, isolar ou estar 1996, p.98).
isolada. Nesse caso, a epistemologia complexa O pensamento complexo é uma grande
“[...] terá uma competência mais vasta que a contribuição dada, por Edgar Morin, ao próprio
epistemologia clássica, sem todavia dispor de pensamento. Mesmo não sendo ele o precursor
fundamento, de lugar privilegiado, nem de poder da complexidade, foi quem mais a desenvolveu.
unilateral de controle.” (MORIN, 1999, p.31). A maior parte de sua obra está baseada no
O autor reúne em sua epistemologia complexa pensamento complexo. Morin considera como
as epistemologias bachelardiana e piagetiana. um dos eventos fundamentais para a comple-
A epistemologia histórica e filosófica de xidade a própria informação. A informação é um
Bachelard é chamada por Morin de “complexa” dos eventos primeiros na constituição da vida e
e a epistemologia genética de Piaget é tratada do cosmos (MORIN, 2002a), isto é, a informação
como “[...] a biologia do conhecimento, a
está na origem da vida, em sua gênese, onde
articulação entre lógica e psicologia, o sujeito
gera-se, regenera-se, auto-regenera-se e se
epistêmico.” (MORIN, 1999, p.31). Uma episte-
auto-organiza. Passa, dessas relações de infor-
mologia desse tipo transcende a concepção
mações “genésicas” às relações da vida (MORIN,
apenas científica ou filosófica do conhecimento.
2001), às relações do conhecimento (MORIN,
Lança uma multiplicidade de abordagens
1999), às relações das idéias (MORIN, 1998) e
epistemológicas que, além de “contemplar” os
às relações humanas (MORIN, 2002b). Todas
aspectos biológicos, sociais, culturais e psico-
lógicos, os relaciona. Essa abordagem propõe essas relações são relações de complexidade.
a análise dos “instrumentos” de produção do
conhecimento, ou seja, os instrumentos CONSIDERAÇÕES FINAIS
neurocerebrais.
A complexidade e a epistemologia que a Os percursos e as discussões descritos
representa são fundamentais para se estudar e neste texto tiveram como uma de suas principais
pensar o pensamento, o conhecimento e o funções tentar evidenciar uma epistemologia
próprio desenvolvimento científico, seja através relacionada e distintiva (não separativa) como
de uma filosofia, de uma sociologia ou de uma condição a uma epistemologia complexa. Isso
teoria científica, desde que não redutora e pode parecer confuso e redundante diante de um
determinista. São características difíceis - quase olhar apressado. Por outro lado, a redundância
impossíveis - de serem captadas ou incorpo- aparente do discurso da complexidade traz, na
radas ao processo de desenvolvimento científico realidade, um tom renovador. É a repetição que

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não exclui, porém, renova. A epistemologia da A epistemologia da complexidade apare-


complexidade confia, de certa maneira, no olhar ce em função dessas distinções de perspectivas,
do outro. Parte desse para constituir-se como ou seja, o pensamento que pensa um objeto não
metodologia. Isso significa comportar, em seus subestima a capacidade de re-criar o próprio
objeto. Não há soberania nesse processo, pois,
processos e procedimentos, jogos de raciona-
não se pode identificar como e quando isso
lidade promovidos pela presença e pela ausência
ocorre, visto a necessidade de uma consciência
do ser enquanto ser consciente. Aspectos da
possível.
mente ou self ou, especificamente, da própria
Portanto, uma proposta reiterada é uma
cognição, parecem renovar as abordagens sobre
proposta nova. A necessidade de respeitar os
a informação. Neste caso, os padrões metodoló-
limites do conhecimento pressupõe também
gicos se repetem a partir de perspectivas distin- conhecer o que há além desses limites. Conhe-
tas. O novo apenas é novo se partir do que é cer a partir do mesmo é uma das formas mais
antigo. elevadas de conhecimento.

REFERÊNCIAS

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