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Direito da Responsabilidade

(casos práticos resolvidos)

1. A e B são comproprietários de um prédio que confina com o prédio C.

Todos os dias A acende o forno de lenha que tem instalado na sua garagem para cozer o
pão que depois vende na pastelaria que mantém noutra localidade.

O fumo resultante da sua exploração é conduzido através de um tubo de alumínio


directamente para o prédio de C. Isto causou o enegrecimento das paredes exteriores da casa de
que este último é proprietário, bem como a impossibilidade de fazer a secagem, no exterior, da
roupa lavada. Acresce que o filho menor de C sofre de asma e o referido fumo agrava-lhe os
sintomas da doença.

a) Verifique, justificando, se os pressupostos da responsabilidade civil se encontram


presentes e que espécies de danos estariam eventualmente produzidos.

Tópicos de correcção:

Pressupostos:

- conduta activa de A

- danos patrimoniais e danos morais

- nexo de causalidade por força da adequação da emissão de fumos para a produção dos
danos patrimoniais identificados; já não seria tão segura a afirmação relativamente aos
alegados danos na saúde do filho de C
De todo o modo, caberia ao A a prova da (eventual) falta de adequação
(causalidade adequada na vertente negativa)

- ilicitude pela violação de “direitos de outrem” (n,º 1 do artigo 483º)

o disposto no artigo 1346º é irrelevante na medida em que neste estão em causa as


emissões indirectas (a propagação) e não as directas (como as que surgem no caso da
hipótese), as quais são sempre proibidas e, portanto, ilícitas

Danos:

- patrimoniais (enegrecimento das paredes) e pessoais (agravamento dos sintomas de


asma do filho de C)

- reais (os descritos na hipótese) e de cálculo (conjunto de despesas indispensáveis, pelo


menos, à realização da pintura das paredes)

- danos emergentes (v.g. enegrecimento das paredes) e lucros cessantes (não antecipáveis
na hipótese)

- danos presentes (v.g. enegrecimento das paredes) e danos futuros (v.g. as despesas a
realizar para o tratamento da saúde do filho de C)

b) Quem seriam as pessoas responsáveis por eles e em que medida?

Tópicos de correcção:

Não obstante o prédio pertencer em compropriedade a A e B, e na medida em que não se


trata de um caso de responsabilidade objectiva, só o primeiro é autor do facto ilícito e,
por isso, só ele responde pelos danos causados
2. A ao conduzir um automóvel de que era proprietário colidiu, num cruzamento, com um
outro automóvel pertencente à sociedade B e conduzido por C, seu funcionário. Do acidente
resultaram danos em ambos os veículos.

Quem responderá pelos referidos danos nas três seguintes situações que devem ser
consideradas separadamente:

1ª: Ficou provado que a colisão se deveu ao facto de A ter sofrido um ataque cardíaco
enquanto conduzia;

Tópicos de correcção:

Trata-se de colisão de veículos provocada pelo risco de utilização associado ao uso dos
mesmos. De acordo com o 506º CC, a responsabilidade reparte-se na proporção do risco que
cada um dos detentores em causa tiver posto para a verificação da mesma.

A possibilidade de o condutor de algum veículo sofrer um ataque cardíaco enquanto o


dirige está compreendida nos riscos próprios ligados à sua utilização. Nessa medida, dando este
único facto como provado, a colisão imputa-se exclusivamente à concretização de um risco
colocado por A e, por isso, apenas ele é responsável pelos danos provocados no veículo da
sociedade B (503º/n.º1).

2ª: Ficou provado que C estava sob o efeito do álcool no instante da colisão, situação aliás
frequente e do conhecimento da sociedade B;

Tópicos de correcção:

Por força do disposto no artigo 165º CC, existe uma espécie de relação de comissão entre
a sociedade B e C, seu funcionário.

Os requisitos exigidos pelo artigo 500º para a responsabilização do comitente pelos danos
causados pelo comissário estariam, em princípio, verificados:

1º relação de subordinação;
2º danos causados no exercício da função;

3º obrigação de indemnizar por factos ilícitos a cargo de C (os requisitos estabelecidos


pelo n.º 1 do artigo 483º estariam preenchidos, incluindo a imputabilidade de C, uma vez que a
acção deste é “libera in causa”).

Em tal caso, a sociedade B teria depois direito de regresso contra C, caso lhe fosse exigido
o cumprimento da obrigação de indemnizar.

Convém sublinhar, no entanto, dois aspectos:

- por um lado, não se pode concluir automaticamente que o facto de C conduzir alcoolizado
é “causa adequada” à produção do dano concretamente verificado; o referido C sujeitar-se-á
certamente às consequências da contra-ordenação ou do crime ligado à condução sob efeito do
álcool, mas daí não se pode retirar de imediato que tem a obrigação de indemnizar pelos danos
causados no veículo de A – tudo dependeria do estabelecimento do nexo de causalidade, cuja
demonstração pertenceria ao lesado (A);

- por outro lado, caso a colisão fosse imputável a C, a sociedade B poderia responder não
a título de comitente mas como co-responsável (por factos ilícitos) pelo dano provando-se “culpa
in eligendo” ou “culpa in vigilando” (e existindo nexo de causalidade entre condução sob efeito
do álcool e o dano causado).

3ª: Nada ficou provado quanto à culpa dos intervenientes.

Tópicos de correcção:

Nada se tendo demonstrado quanto à culpa dos intervenientes na colisão, entraria em


funcionamento a presunção legal estabelecida pelo n.º 3 do artigo 503º CC: partir-se-ia então do
princípio de que a C actuou com culpa, pelo que entraria (de novo) em funcionamento o disposto
no artigo 500º CC. Por isso, a sociedade B responderia como comitente, a menos que algum dos
dois (comitente ou comissário) conseguisse fazer a prova do contrário (ou seja, a prova de que
não houve culpa de C).
Caso a referida prova fosse feita, a sociedade B responderia como detentora do veículo
(nos termos do n.º 1 do artigo 503º CC), o mesmo sucedendo com A, repartindo-se entre eles a
obrigação de indemnizar na proporção dos riscos colocados por cada qual.

3. A é veterinário e dono de algum gado. O seu vizinho B, também criador, teve os seus
animais infectados com carbúnculo, mas não tomou as medidas necessárias para impedir a
propagação da doença, nem sequer avisou A, de modo que vários animais deste foram afectados.
A administrou-lhes o tratamento adequado, mas, porque se tratava de uma estirpe rara e não
identificada da bactéria, esse tratamento veio a agravar a doença. A perdeu assim 50% do gado
infectado, quando as mortes não costumam exceder 30%, se for aplicado o tratamento devido.

Quid juris?

Tópicos de correcção:

Está-se perante um caso de responsabilidade subjectiva por factos ilícitos nos termos
gerais do artigo 483º/n.º 1 CC. Caberia, portanto, antes de mais, identificar os respectivos
pressupostos:

- acção/omissão;

- ilicitude;

- culpa,

- nexo de causalidade;

- dano.

O mais saliente seria, porém, a avaliação do terceiro e do quarto requisitos.


No que toca à culpa, haveria que discutir sobre a existência de algum dever imposto a B
de 1) tratar convenientemente o gado infectado e de 2) informar A: só assim se poderia afirmar a
existência de negligência da sua parte e, assim, da correspondente culpa. Crê-se que:

- estando em causa a saúde pública,

- e sendo ambos criadores de gado (ainda para mais vizinhos),

os referidos deveres existiriam. Ora, como não foram cumpridos, existiria culpa.

Quanto ao nexo de causalidade, adoptando-o na sua vertente negativa (ou seja, como
afirmação de que ele se encontra estabelecido a menos que a ligação causa/efeito ocorra por
razões absolutamente extraordinárias, fora de qualquer controlo humano), o requisito estaria
igualmente preenchido (pois foi em virtude de o gado de B estar infectado que o de A também
ficou).

Caberia a A fazer a demonstração da ocorrência de todos os requisitos a que se aludiu.

Por outro lado, não obstante a conduta de A ter contribuído para a maior dimensão do
dano, não se pode falar em culpa do lesado (artigo 570º CC) na medida em que a sua conduta
(tratamento inadequado dos animais) não é censurável. Os danos acrescidos sofridos por A são
ainda imputáveis à omissão negligente de B.

4. A passeava pela obra de B destinada à construção de um edifício com o consentimento


deste. Sem a sua autorização, porém, aventurou-se por uma zona onde viria a sofrer com a queda
de um andaime, que fora deficientemente armado por B.

Quid juris?

Tópicos de correcção:

Trata-se (novamente) de um caso de responsabilidade civil subjectiva por factos ilícitos.


Caberia, portanto, outra vez, identificar os respectivos pressupostos:
- acção / omissão;

- ilicitude;

- culpa,

- nexo de causalidade;

- dano.

O ponto mais saliente seria, agora, a avaliação do terceiro requisito; e sob duas vertentes
possíveis – a existência de 1) presunção de culpa contra B e de 2) culpa do lesado (A).

No que toca ao primeiro aspecto, a subsunção da hipótese ao disposto no artigo 492º


dependeria de qualificar o andaime como edifício ou obra e, dependeria, também, de considerar
o empreiteiro (B) como pessoa obrigada, por lei ou negócio, à conservação do dito andaime. A
verificação da primeira condição será, pelo menos, muito discutível. Entendendo-se diversamente,
contudo, haveria uma presunção legal de culpa estabelecida contra B, a qual caberia a este
(eventualmente) ilidir.

No que respeita ao segundo aspecto, uma vez A entrou por um local para o qual B o não
tinha autorizado, haveria um comportamento censurável que lhe seria imputável e, portanto
haveria culpa do lesado. Ora, sucede que, havendo colisão entre culpa efectivamente provada (de
A) e culpa presumida (de B), esta cede sempre (artigo 570º/n.º 2 CC). Pelo que, assim sendo, o
dano seria exclusivamente imputável ao próprio lesado.

5. A contratou B para lhe construir uma vivenda. No decurso da obra tornou-se necessário
destruir uma rocha com explosivos. Para o efeito, B contratou uma empresa especializada (C). A
detonação daqueles causou danos (fissuras, telhas partidas, vidros estalados) na vivenda vizinha
pertencente a D.

Poderá D responsabilizar A, B ou C?
Tópicos de correcção:

B é empreiteiro e C é subempreiteiro. É o primeiro que responde perante A, porque é ele


que deve a este uma certa prestação (realizar a obra).

C torna-se, assim, um auxiliar contratado por B. O devedor (B) executa os actos materiais
em que se cifra o adimplemento recorrendo ao apoio de terceiros que com ele cooperam. Pelos
danos que estes culposamente causem ao credor, é responsável o devedor como se tivesse sido ele
próprio a incumprir ou a cumprir defeituosamente. Nesta medida, quem responde é B, ainda que
C haja actuado com culpa (embora, se for o caso, este responda ante aquele, mas não diante de
A ou de D). Mas esta responsabilidade tem em vista apenas os danos contratuais (ou seja, os
danos causados a A).

Perante D, todavia, é C o único responsável na medida em que é ele quem, nos termos do
artigo 493º, n.º 2, desenvolve uma actividade perigosa (sendo indiferente que o faça em prédio
alheio). A menos que consiga elidir a presunção de culpa que contra si incide.

6. A é dono de um terreno onde existe um caminho, aberto à circulação pública, que se


apresenta cortado, em toda a sua largura, por uma vala com três metros de largura e um metro e
meio de profundidade. Esta não se encontra por qualquer forma sinalizada, o que já sucede há
vários anos.

Quando circulava com o seu automóvel, B caiu com o veículo dentro da dita vala, o que
provocou a respetiva destruição.

Poderá B responsabilizar A pelos danos? Com que fundamento?

Tópicos de correcção:

A responsabilidade extracontratual, uma vez que pressupõe um dever de não ingerência


na esfera jurídica alheia, surgirá sempre que esse dever seja violado, isto é, sempre que se
pratique a acção que devia ter sido omitida. Por consequência e por regra, a responsabilidade
civil extracontratual decorre da execução de uma conduta activa.

Há, porém, a possibilidade de alguém incorrer em responsabilidade civil extracontratual


através de um comportamento omissivo. Todavia, como, em geral, a omissão de um
comportamento é juridicamente indiferente, ela somente pode gerar responsabilidade quando
exista o dever jurídico de praticar certa acção e este não tenha sido cumprido. É a omissão do
comportamento juridicamente devido que engendra a responsabilidade.

De harmonia com o disposto no artigo 486º, o dever de actuação pode resultar da lei ou
de negócio jurídico (no qual tanto se pode fundamentar um novo dever de actuação, como
transferir para outra pessoa um já existente). Não é de excluir, todavia, a possibilidade de o dever
de actuação surgir a partir de outras fontes. Designadamente, ao menos no âmbito do Direito
Privado, o dever geral de prevenção do perigo. É este precisamente o caso da hipótese: se o
caminho, embora privado, está aberto ao público, existe o dever de o respectivo proprietário
praticar os actos que se revelem indispensáveis à preservação dos direitos – pessoais e
patrimoniais – dos respectivos utentes.

7. Por causa de um violento temporal, oitocentas ovelhas pertencentes a A fugiram


assustadas do redil onde pernoitavam, depois de destruírem a rede que o delimitava. Após se terem
imobilizado sobre os carris da Linha do Minho, um comboio pertencente aos «Caminhos de Ferro
Portugueses (EP)» embateu nelas o que provocou o seu descarrilamento.

Pelos danos daí decorrentes será A responsável? A que título?

Tópicos de correcção:

Enquanto o disposto no artigo 493º tem por objecto a responsabilidade daqueles sobre os
quais recai o dever de vigiar animais (entre outras coisas) seus ou alheios, o disposto no corrente
preceito dirige-se exclusivamente ao utente ou utilizador de qualquer animal. De facto, nesta
última disposição, estão em causa apenas os danos que “resultem do perigo especial que envolve
a sua utilização”. No caso de o utente haver incumbido alguém da vigilância dos animais, poderão
cumular-se as duas responsabilidades (a prevista no artigo 493º e a fixada no artigo 502º) perante
o terceiro lesado, caso o facto danoso provenha da presuntiva culpa do vigilante.

É responsável por tais danos quem no “seu próprio interesse” utilizar quaisquer animais.
Alcança-se, portanto, o proprietário, o usufrutuário, o usuário, o comodatário, o locatário, em
geral, o titular de qualquer direito pessoal de gozo, o possuidor, etc. É o caso de A a título de
proprietário.

Não se aplica o disposto no artigo 493º:

– porque não está em causa, na hipótese, o exercício de qualquer dever de guarda;

– e porque o A é utente.

8. A foi submetido a uma intervenção cirúrgica, em 29 de Novembro, na Clínica X.

B, outro doente internado na mesma Clínica, agrediu-o com uma bengala, entre as 3 e as 4
da madrugada, no dia 2 de Dezembro, espancando-o na cabeça, costas e região lombar, causando-
lhe ferimentos em diversas partes do corpo, dores, pânico e sofrimentos psicológicos, sem que
alguém acorresse em seu socorro.

Provou-se que o agressor sofria de demência senil progressiva grave, com frequentes
alterações de comportamento e períodos de agressividade, que se agravaram após a intervenção
cirúrgica a que foi submetido em 30 de Novembro.

A intentou acção de indemnização contra a sociedade proprietária da referida Clínica com


fundamento na violação do «contrato de internamento» celebrado entre ambos. A Ré contestou
que, no plano contratual, o contrato celebrado com a autora tinha unicamente por objecto o
«tratamento e assistência clínica operatória, internamento de doentes, fornecimento de refeições
aos mesmos e produtos dietéticos»”.
Quid Juris?

Tópicos de correcção:

A questão básica consistia em saber se o caso seria de responsabilidade contratual ou


extracontratual. Como foi celebrado um contrato de internamento, haveria que esclarecer se no
conteúdo das obrigações contraídas pela Clínica X entraria algum dever de cuidar da segurança
do paciente. Em princípio, a resposta seria afirmativa: tal vinculação faria parte do chamado
conteúdo acessório ou secundário de tal contrato.

Nesta medida, tornar-se-ia necessário, de seguida, verificar se os requisitos de que


depende o surgimento da obrigação de indemnizar a este título estariam presentes: conduta ilícita
culposa adequada à produção do dano. Seria indispensável demonstrar ainda a ressarcibilidade
dos danos pessoais no âmbito da responsabilidade contratual.

Entendendo-se, em alternativa, que o caso seria de responsabilidade extracontratual,


haveria, de novo, que demonstrar a ocorrência dos referidos requisitos. Sendo certo, aliás, que
tal como na sub-hipótese de responsabilidade contratual (por via do disposto no artigo 799º),
também aqui a culpa se presumiria por força do que se estabelece no artigo 491º. Mas com duas
diferenças assinaláveis:

– primeiro, a presunção contida no artigo 491º pode ser afastada não apenas por elisão
da presunção, mas também por demonstração da relevância negativa da causa virtual;

– segundo, os danos pessoais são aqui indubitavelmente compensáveis nos termos do


artigo 496º.

9. A, condutor do veículo automóvel pesado de mercadorias pertencente à Sociedade


Transportadora Y, durante uma viagem ordenada por esta, ausentou-se dele por alguns minutos,
deixando no seu interior, o seu ajudante – não habilitado nem sabendo conduzir – e a chave de
ignição.
Este, decidindo efectuar sozinho uma manobra de marcha-atrás, danificou dois veículos
estacionados, ambos propriedade de B.

De quem poderá B exigir a competente reparação?

Tópicos de correcção:

A era comitente da Sociedade Transportadora Y: havia uma relação de subordinação


daquele perante esta.

Além disso, em princípio, estaria no exercício das suas funções (não há, pelo menos,
indícios do contrário).

Já o último requisito da responsabilidade do comitente (artigo 500º), não é seguro que


esteja presente: que A tenha causado danos no património de B pelos quais deva ser
responsabilizado. Na verdade: primeiro, o ajudante também seria, tipicamente, comissário da
Sociedade Transportadora Y; e, segundo, em geral, A não estaria obrigado a vigiar o ajudante, o
que significa que, nem se presume a sua culpa (artigo 491º), nem sequer dá para afirmar
negligência da sua parte (o simples facto de deixar no interior do veículo a chave de ignição não
constitui quebra de algum dever de cuidado conjecturável).

O ajudante, porém, mesmo que fosse comissário, não o era para efeitos de condução do
veículo. Assim sendo, a presunção de culpa instituída pelo n.º 3 do artigo 503º, não funcionaria,
nem contra o A, nem contra o respectivo ajudante; e o disposto no artigo 500º também não teria
aplicação contra o ajudante porque ele estaria fora das suas funções. Por consequência, das duas,
uma:

– ou há culpa do ajudante, e é ele que responde, por si, nos termos gerais do n.º do artigo
483º;

– ou, menos provavelmente, inexiste a referida culpa, e a Sociedade Transportadora Y


responderia como detentora do veículo se os danos estivessem ligados aos riscos de utilização do
veículo (artigo 503º, n.º 1).
10. A foi detido por dois agentes da PSP (B e C) por conduzir o seu automóvel com uma
taxa de álcool no sangue superior à permitida. Na esquadra foi-lhe apreendida a carta de condução
que foi substituída por uma guia. Informaram-no ainda de que, em qualquer caso, não poderia
conduzir durante as doze horas seguintes.

Assim que saiu da esquadra, A sentou-se no referido automóvel, conduziu-o durante mais
dois quilómetros e acabou por embater num muro de um terreno pertencente a D. Ao local foi
chamada a PSP, tendo comparecido precisamente os mesmos agentes B e C.

a) D intentou acção contra A pedindo a competente indemnização. Estariam preenchidos


os respectivos pressupostos?

Tópicos de correcção:

Encontravam-se presentes todos os pressupostos da responsabilidade delitual (artigo


483º/n.º 1):

(i) conduta activa


(ii) ilicitude (violação do direito de propriedade de D)
(iii) culpa (podendo discutir-se, em função da quantidade álcool no sangue, se não se
trataria de uma actio libera in causa)
(iv) nexo de causalidade (o comportamento de A é apropriado ao dano provocado)
(v) e dano (destruição do muro)

b) Para o caso de não estarem preenchidos ou para o caso de A não ter seguro que por ele
respondesse, D intentou acção também contra B e C. Poderiam estes ser responsabilizados?

Tópicos de correcção:

A questão situa-se no âmbito da responsabilidade delitual por omissão (artigo 486º).


Como, em geral, a omissão de um comportamento é juridicamente indiferente, ela somente
pode gerar responsabilidade quando exista o dever jurídico de praticar certa acção e este não
tenha sido cumprido. É a omissão do comportamento juridicamente devido que gera a
responsabilidade.

De harmonia com o disposto no artigo 486º, o dever de actuação pode resultar da lei ou
de negócio jurídico (no qual tanto se pode fundamentar um novo dever de actuação, como
transferir para outra pessoa um já existente). Segundo a doutrina, o dever de actuação pode
surgir, porém, a partir de outras fontes. Designadamente: a ingerência; a estreita relação vital;
os casos de protection of the vulnerable; e também, ao menos no âmbito do Direito Privado, o
unanimemente reconhecido dever geral de prevenção do perigo.

Em princípio, os agentes policiais não têm o dever de controlar o cumprimento do dever


de conduzir durante o referido periodo de doze horas. Importa apenas que tenham avisado o
infractor. A cada qual cabe, depois, assumir as respectivas responsabilidades. Mas se porventura,
por exemplo, se provasse que algum daqueles (B ou C) se havia apercebido de que A havia
iniciado de novo a condução do veículo, já lhes incumbiria o dever de intervir.

c) O terreno de D encontrava-se há vários anos sem qualquer utilização, quase ao abandono.


Como se situava ao lado do estádio do MonçãoFC, o vizinho E, prevendo uma enchente, decidiu
aproveitá-lo para parque de estacionamento no dia em que o clube recebia a visita do FCPorto.
Cobrou três euros a cada automóvel, tendo parqueado cerca de quatrocentos. Poderá D, na mesma
acção de responsabilidade, exigir-lhe a entrega do correspondente montante?

Tópicos de correcção:

Há dano quanto o ofendido, por causa da conduta alheia, fica em pior situação actual do
que aquela em que se encontraria caso ela não tivesse sido desencadeada (situação actual virtual
ou hipotética). Ora, se o terreno de D se encontrava “quase ao abandono”, quando E o decide
aproveitar para parque de automóveis não provoca com isso, em princípio, qualquer prejuízo.
Com efeito, D não fica em pior situação do que aquela em que se encontraria caso E não fizesse
o que fez. O que não quer dizer que E não se encontre obrigado a entregar ao D o lucro que
obteve. Deve certamente fazê-lo, mas não através da responsabilidade civil (antes pelo
enriquecimento sem causa).

11. O empresário de espectáculos A contratou os Eagles para um concerto em Lisboa, no


dia 1 de Junho do corrente ano. O contrato foi assinado em 12/12/2015. O cachet exigido pela
banda foi de € 500.000,00, entretanto já pagos. Com a morte (ocorrida na semana transacta) de um
dos seus guitarristas, a banda decidiu cancelar a world tour que a traria ao concerto de Lisboa,
disso dando o conveniente conhecimento a todos os interessados.

Defina os direitos de A ante a perspectiva de não realização do espetáculo programado.

Tópicos de correcção:

Ao lado dos casos clássicos de incumprimento (impossibilidade, perda de interesse do


credor, conversão da mora em não cumprimento definitivo) acrescenta-se, no mínimo, uma outra
hipótese de inadimplemento definitivo e absoluto: quando, antes do vencimento da obrigação, o
devedor tiver peremptória e indubitavelmente manifestado (por via expressa ou tácita –v.g. nos
casos em que o empreiteiro abandona a obra ou o trabalhador foge do local de trabalho), perante
o credor, o propósito de não cumprir a prestação principal a que se encontra vinculado.

Esta conjuntura suscita dificuldades especiais na medida em que estando o devedor a


proferir a referida declaração antes de a obrigação se tornar exigível, poderá depois,
eventualmente, arrepender-se, decidindo executar a prestação a que primitivamente se encontrava
vinculado. Mas, por outro lado, afigura-se despropositado forçar o credor a esperar pelo
vencimento para atestar a falta de cumprimento. A solução consiste em assimilar a hipótese, no
que toca aos seus efeitos, àquela em que se procede à interpelação admonitória. Nesta, a
inexecução da obrigação dentro do prazo da admoestação, não é incumprimento definitivo,
apenas a tal se equipara. O que significa que o credor, querendo, ainda pode receber a prestação
mesmo após a aludida interpelação ter produzido o seu efeito. O mesmo se diga, assim, para a
situação ora em causa: se o devedor declara previamente, de modo incontroverso, que não irá
cumprir, isso vale como inadimplemento definitivo; mas se, entretanto, resolver cumprir, o credor
pode, se assim o entender, receber a prestação, extinguindo-se a correspondente obrigação pelo
adimplemento.

O não cumprimento definitivo provoca:

i) A obrigação de indemnizar o credor colocando-o na situação em que este provavelmente


se encontraria caso a obrigação inexecutada tivesse sido cumprida. É a chamada indemnização
pelo interesse positivo (artigos 801º/n.º 1, 562º e 566º/n.º 2, Cód.Civil).

ii) Em alternativa, quando a obrigação não cumprida tiver por fonte um contrato
sinalagmático, a sua resolução com a consequente extinção do vínculo e com a (eventual)
obrigação de indemnizar pelo interesse negativo (artigo 801º/n.º 2, Cód.Civil). A reparação
destina-se aqui a (re)colocar o lesado na situação em que ele provavelmente se encontraria no
momento anterior à celebração do contrato (isto é, como se este jamais tivesse sido outorgado).

Assim, na falta de acordo entre os Eagles e o empresário A, seriam estes os direitos do


segundo, dado que o referido anúncio da banda equivale a uma declaração antecipada de não
cumprimento.

12. A, condutor de uma pick-up da empresa Resinas Ld.ª, estacionou-a num terreno com
forte inclinação para ir cortar algumas árvores. Depois de sair do carro, inesperadamente, o veículo
resvalou pela terra molhada indo entalar B (agricultor que se encontrava a colher os seus morangos)
contra uma árvore. Conduzido ao hospital, foi-lhe amputada de imediato uma perna, mas acabou
por falecer, uma semana depois, com uma infecção generalizada.

a) Poderiam os respectivos herdeiros responsabilizar alguém?

Tópicos de correcção:

Existiria uma relação de comissão entre A e Resinas Ld.ª. Haveria, portanto, uma
subordinação daquele perante esta.
Como se trata de comissão para condução de veículo automóvel, funciona contra A a
presunção de culpa que se retira do artigo 503º/n.º 3. Apesar de não se encontrar “ao volante”,
a pick-up está sob o seu controlo e ele está a exercer as suas funções. Portanto:

- não se refutando aquela presunção, A responderia perante B por factos ilícitos (a título
negligente) nos termos do artigo 483º/n.º 1 e a Resinas Ld.ª responderia pelo mesmo dano a título
de comitente nos termos do artigo 500º;

- ao invés, se ela fosse ilidida, A isentar-se-ia de responsabilidade mas a Resinas Ld.ª


permaneceria obrigada à indemnização nos termos do artigo 503º/n.º 1 porque a possibilidade de
o veículo resvalar só por si, especialmente nas condições do caso, é um perigo próprio associado
à utilização de veículos automóveis.

b) Provou-se que a pick-up deslizou por ter ocorrido um sismo que, embora de pequena
intensidade, foi o suficiente para provocar a deslocação da pick-up. Teria este facto alguma
relevância?

Tópicos de correcção:

A responsabilidade pelo risco fundada no disposto no artigo 503º/n.º 1 cessa quando


(artigo 505º) o dano resultar “de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo”.

A força maior ou caso fortuito “há-de ser um evento inevitável, isto é um acontecimento
que o devedor não pode obstar a que se produza e a cujos efeitos não se pode furtar, por se tratar
dum facto imprevisível (…); há-de ser ainda irresistível, o que significa que os efeitos dêle devem
ser insuperáveis para o devedor, ainda que êste, nos limites das suas fôrças e da diligência que
lhe é exigida, faça tudo para os impedir”. Acentua-se que para este efeito somente releva a força
maior não articulada com o desempenho do veículo. Ao invés, a que se encontrar ligada ao seu
funcionamento considera-se (ainda) compreendida nos riscos próprios de utilização. Um sismo é
força maior desde que se prove ser causa adequada à produção do dano.
13. A estava grávida de seis meses quando B, seu companheiro, descobriu que a criança
esperada não era sua. Fora de si, tentou que A abortasse, agredindo-a.

Tanto a mãe quanto o feto sofreram danos pessoais graves, mas a gravidez prosseguiu.

Quando A deu à luz, C nasceu com deformações que, no parecer dos médicos, seriam
consequência da agressão de B. Antónia, em seu próprio nome e em nome de C, propôs uma acção
de responsabilidade civil contra o agressor.

a) A acção deveria ser julgada procedente?

Tópicos de correcção:

- trata-se de um caso de wrongful birth: a criança nasceu com deformidades devido a uma
acção de terceiro; não cabe, todavia, dentro do modelo típico pois as deficiências de que ela
padece não são imputáveis a um erro médico

- de todo o modo, os requisitos da responsabilidade subjectiva estão preenchidos: 1)


conduta; 2) ilicitude; 3) culpa; 4) dano; 5) nexo de causalidade a primeira e este

- os danos ressarcíveis tanto podem ser patrimoniais como pessoais (496º), por isso a mãe
poderia pedir compensação pelas deficiências físicas suas e do filho

b) Admita que a gravidez prosseguiu durante dois meses, mas o feto veio a morrer antes do
nascimento. Quid juris?

Tópicos de correcção:

- a diferença desta sub-hipótese para a anterior reside no facto de o feto não ter nascido

- para quem entenda que o nascituro tem personalidade, o não nascimento é irrelevante

- para quem mantenha o entendimento inverso, não tendo ocorrido o nascimento o pedido
de wrongful birth carece de fundamento
14. B faz pesca submarina num local autorizado.

Existe para o efeito uma boia de sinalização demarcando o local apropriado.

A boia foi destruída por um golfinho.

Quando A passeava pelo local na sua mota de água, entrou na zona destinada à pesca
submarina. Por isso, acabou por acertar em B, provocando-lhe diversos ferimentos.

a) B intentou acção de indemnização pedindo a A uma compensação de 25.000 € por danos


pessoais e patrimoniais. Teria fundamento para tanto?

Tópicos de correcção:

- Há uma conduta ilícita por parte de A – violou o direito à integridade física de B

- há adequação entre a conduta de A e o dano causado a B

- provavelmente a conduta de A não era censurável: ao não existir boia de marcação, ele
não actuou descuidadamente e, portanto, não haverá negligência da sua parte

- contudo, quem usa uma mota de água utiliza um instrumento perigoso por natureza pelo
que, nos termos do n.º 2 do artigo 493º, se presume a culpa de A – caber-lhe-ia, por isso, provar
que a sua conduta não era passível de reprovação

b) A ambulância que transportou B para o hospital teve um acidente no percurso ao embater


um automóvel mal estacionado. Por isso, B, além dos demais ferimentos, ainda partiu um braço.
Também pode responsabilizar A pelo sucesso.

Tópicos de correcção:

- a conduta A é condição sine qua non do dano (braço partido) de B


- mas não adequação entre uma e outro: segundo as regras de experiência comum não é
previsível que um atropelamento com mota de água leve a ambulância que transporta a vítima a
ter um acidente capaz de incrementar os danos por ela sofridos

- portanto, A responde pelos ferimentos causados pelo atropelamento mas não pelo braço
partido

15. A (mãe), por si e em representação do seu filho menor, instaurou acção contra um
centro de radiologia, o respectivo director clínico e a médica obstetra alegando essencialmente:

– que o filho nasceu com síndroma polimalformativo às trinta e oito semanas de gestação,
designadamente sem mãos nem braços, e com deformação dos pés, da língua, do nariz, das orelhas,
da mandíbula e do céu-da-boca;

– durante a gravidez, a autora realizou, nas instalações da primeira ré, as ecografias


obstétricas medicamente indicadas, onde foi assistida pelo seu director clínico, o qual elaborou os
relatórios correspondentes às ecografias realizadas;

– sempre foi dito e mostrado a A que o bebé seria perfeitamente normal;

– que o referido director clínico incorreu em erro de apreciação e diagnóstico, pois, de


acordo com as actuais exigências das leges artis e com os conhecimentos científicos existentes na
época, seria visualizável a qualquer médico radiologista, pela análise das películas em causa, que
existiam já determinadas patologias ou, pelo menos, indícios delas, que deveriam constar dos
relatórios elaborados.

a) Identifique a espécie de dano que terá ocorrido.

Tópicos de correcção:

Uma wrongful birth action é intentada pela mãe e/ou pelo pai em seu próprio nome. Nela,
os progenitores alegam essencialmente terem perdido o direito de tomar uma decisão informada
sobre a manutenção da gravidez relativa a um filho marcado por defeitos congénitos,
eventualmente capazes até de provocar a respectiva morte à nascença (v.g. hérnia diafragmática
congénita). Por outras palavras, argumentam que caso lhes tivesse sido propiciado o devido
conhecimento, e não fora a falta de diligência médica, a mãe teria muito provavelmente decidido
realizar aborto eugénico. Em todo o caso, tendo, porém, ocorrido o nascimento de pessoa com
deformidades, pretendem agora ser compensados por se ter tornado necessário criar uma criança
deficiente. Nisto se cifra o respectivo dano. Na linguagem própria da responsabilidade civil, os
lesados serão, assim, os próprios pais e o direito infringido será o de ter filhos (ou, portanto, o de
não os ter) sãos e saudáveis.

Uma wrongful life action é proposta pelo filho, tipicamente (quando seja incapaz) por
intermédio dos pais em seu nome (nos termos gerais do artigo 1878º, n.º 1, Código Civil). Dado
que o lesado é a criança, eles actuam, portanto, como representantes (legais) e não em nome
próprio. Neste contexto, o autor sustenta (por si ou através do substituto), que, se não fosse a
negligência médica, os progenitores teriam presumivelmente recorrido à interrupção voluntária
da gravidez. O dano concretamente sofrido consiste, por isso, em ter que existir com uma
deficiência que jamais se produziria caso o nascimento não tivesse sobrevindo: é o chamado dano
de viver resultante da violação do apelidado “right not to be born”. A acção não apresentaria
especialidades de maior se o filho se limitasse a pedir compensação pecuniária para fazer frente,
durante o resto da sua vida, às despesas especiais que o seu estado de saúde demanda. Mas,
diferentemente, o que ele reclama é o ressarcimento pelo facto de ter de existir. O direito violado
será, assim (pese embora a discordância quanto a este ponto), o de não viver.

b) Os pressupostos para responsabilização das referidas pessoas estariam preenchidos?

Tópicos de correcção:

A constituição da obrigação de indemnizar pressupõe quatro requisitos: conduta lesiva


(abrangendo momentos subjectivos – os relativos ao dolo ou à negligência – e incorporando
também o nexo de causalidade, o juízo de imputação objectiva, como um sub-capítulo), ilicitude,
culpa e dano (sendo que deste já se tratou no capítulo relativo à obrigação de indemnizar).

No caso concreto:
a) A conduta lesiva consiste na actuação dos médicos consubstanciada na realização e
análise dos exames preordenados;

- a negligência infere-se a partir da falta de atenção ou de cuidado na respectiva


avaliação;

- a causalidade dá-se pela ligação entre a referida actuação e o nascimento com


deficiência (se não fosse a deficiente actuação dos médicos o nascimento poderia não ter
ocorrido)

b) A ilicitude decorre da violação do direito a ter filhos saudáveis (wrongful birth) e do


direito a não viver (wrongful life);

c) A culpa resulta da reprovação de que é passível aquela conduta.

e) O dano ficou identificado na alínea anterior: wrongful birth e wrongful life, na medida
em que sejam viáveis.

c) A sua responsabilidade seria conjunta? Por quê?

Tópicos de correcção:

Ante a mãe a responsabilidade dos médicos é contratual. Ante o seu filho é extracontratual.
Em conformidade a obrigação de indemnizar é solidária nesta segunda situação (artigo 497º) e é
conjunta na primeira (artigo 513º/a contrario).

16. A é concessionária da autoestrada A79. Celebrou com B, empreiteiro, um contrato


tendo em vista a construção do troço de autoestrada entre Lagarelhos e Vilar de Andorinhas.

Na execução do troço foram usados explosivos para o desmonte dos maciços rochosos
existentes no local.
A utilização dos referidos explosivos, ao detonar, transmitiu vibrações às fundações das
casas pertencentes a C e a D situadas a cerca de cem metros. O que lhes causou oscilações,
vibrações das portas, janelas e estores e a queda de objectos das prateleiras e dos móveis.

Os fenómenos vibratórios decorrentes do uso de explosivos provocaram naquelas casas:

− a fractura de placas e pedras de revestimento;

− a abertura de junções entre as placas;

− a fissuração de rebocos;

− a fissuração em paredes exteriores e interiores da casa, anexos e muros;

− fissuras em pavimentos e tectos, bem como nas escadarias exteriores.

A reparação destes danos ascende a € 65.500,00.

A degradação das suas habitações motivou-lhes desassossego e incómodo.

Identifique e classifique os danos e determine o seu responsável.

Tópicos de correcção:

B é comissário de A e este, portanto, é comitente. Respondem ambos por danos


patrimoniais e por danos morais provocados pela actuação de B.

Para que de um comitente se possa falar é necessário que exista um comissário e, por isso,
indispensável se torna também a presença de uma relação de comissão entre ambos.

Uma relação de comissão é um qualquer vínculo entre duas pessoas do qual resulte uma
subordinação daquele que é encarregado do exercício de uma função àquele que disso o
encarrega (artigo 500º, n.º 1). Quer dizer isto dizer que o comissário actua por conta e sob a
direcção do comitente. Juridicamente, tal subordinação pode traduzir-se num contrato de
trabalho, num contrato de mandato, numa relação familiar, etc.

Em segundo lugar, é necessário que o comissário tenha causado um dano a terceiro “no
exercício da função que lhe foi confiada” (artigo 500º, n.º 2, in fine), sendo irrelevante, no entanto,
se, em tal momento, estava a cumprir as instruções que, eventualmente, lhe tenham sido conferidas
ou se, ao invés, causou tal dano intencional ou negligentemente.

Em terceiro lugar, é imprescindível ainda que sobre o comissário “recaia também a


obrigação de indemnizar” (artigo 500º, n.º 1, in fine). Querendo isto dizer que a responsabilidade
do comitente supõe que, não fora a relação de comissão, o comissário responderia exclusivamente
pelo dano causado a terceiro. Por outras palavras, torna-se fundamental que os requisitos da
responsabilidade civil estejam preenchidos contra o comissário, para que o comitente seja
igualmente responsável; e, ao menos por regra, que os referidos requisitos sejam os da
responsabilidade extracontratual (ainda que se não afigure inconcebível tratar-se de
responsabilidade pelo risco ou por factos lícitos em que o comissário, nessa qualidade, tenha
incorrido).

Preenchidos estes pressupostos – verificados na hipótese –, o comitente (A) responde


objectivamente perante terceiro pela indemnização que ao comissário (B) cabe também realizar.
Na verdade, ambos respondem solidariamente (artigo 497º, por força do disposto no artigo 499º):
o comitente, independentemente de censura; o comissário, por factos ilícitos culposos (em
princípio).

O comitente responde, porém, como garante, isto é, assegurando ao terceiro lesado a


indemnização devida pela conduta lesiva do comissário; de facto, “o comitente que satisfizer a
indemnização tem o direito de exigir do comissário o reembolso de tudo quanto haja pago” (artigo
500º, n.º 3). Trata-se de uma hipótese paradigmática de direito de regresso, como é próprio, aliás,
do regime a que se submetem as obrigações solidárias (artigo 524º). De todo o modo, uma vez
que o comitente não assume definitivamente o perigo de o comissário lesar terceiro no exercício
da função que lhe foi confiada, o fundamento da sua responsabilidade não se situa no risco, mas
apenas na necessidade de salvaguardar a consistência prática do direito de indemnização do
lesado.

17. A foi detido por dois agentes da PSP (B e C) por conduzir o seu automóvel com uma
taxa de álcool no sangue superior à permitida. Na esquadra foi-lhe apreendida a carta de condução
que foi substituída por uma guia. Informaram-no ainda de que, em qualquer caso, não poderia
conduzir durante as doze horas seguintes.

Assim que saiu da esquadra, A sentou-se no referido automóvel, conduziu-o durante mais
dois quilómetros e acabou por embater num muro de um terreno pertencente a D. Ao local foi
chamada a PSP, tendo comparecido precisamente os mesmos agentes B e C.

a) D intentou acção contra A pedindo a competente indemnização. Estariam preenchidos


os respectivos pressupostos?

Tópicos de correcção:

Encontravam-se presentes todos os pressupostos da responsabilidade delitual (artigo


483º/n.º 1):

(vi) conduta activa


(vii) (ii) ilicitude (violação do direito de propriedade de D)
(viii) (iii) culpa (podendo discutir-se, em função da quantidade álcool no sangue, se não
se trataria de uma actio libera in causa)
(ix) (iv) nexo de causalidade (o comportamento de A é apropriado ao dano provocado)
(x) (v) e dano (destruição do muro)

b) Para o caso de não estarem preenchidos ou para o caso de A não ter seguro que por ele
respondesse, D intentou acção também contra B e C. Poderiam estes ser responsabilizados?

Tópicos de correcção:
A questão situa-se no âmbito da responsabilidade delitual por omissão (artigo 486º).

Como, em geral, a omissão de um comportamento é juridicamente indiferente, ela somente


pode gerar responsabilidade quando exista o dever jurídico de praticar certa acção e este não
tenha sido cumprido. É a omissão do comportamento juridicamente devido que gera a
responsabilidade.

De harmonia com o disposto no artigo 486º, o dever de actuação pode resultar da lei ou
de negócio jurídico (no qual tanto se pode fundamentar um novo dever de actuação, como
transferir para outra pessoa um já existente). Segundo a doutrina, o dever de actuação pode
surgir, porém, a partir de outras fontes. Designadamente: a ingerência; a estreita relação vital;
os casos de protection of the vulnerable; e também, ao menos no âmbito do Direito Privado, o
unanimemente reconhecido dever geral de prevenção do perigo.

Em princípio, os agentes policiais não têm o dever de controlar o cumprimento do dever


de conduzir durante o referido periodo de doze horas. Importa apenas que tenham avisado o
infractor. A cada qual cabe, depois, assumir as respectivas responsabilidades. Mas se porventura,
por exemplo, se provasse que algum daqueles (B ou C) se havia apercebido de que A havia
iniciado de novo a condução do veículo, já lhes incumbiria o dever de intervir.

c) O terreno de D encontrava-se há vários anos sem qualquer utilização, quase ao abandono.


Como se situava ao lado do estádio do MonçãoFC, o vizinho E, prevendo uma enchente, decidiu
aproveitá-lo para parque de estacionamento no dia em que o clube recebia a visita do FCPorto.
Cobrou três euros a cada automóvel, tendo parqueado cerca de quatrocentos. Poderá D, na mesma
acção de responsabilidade, exigir-lhe a entrega do correspondente montante?

Tópicos de correcção:

Há dano quanto o ofendido, por causa da conduta alheia, fica em pior situação actual do
que aquela em que se encontraria caso ela não tivesse sido desencadeada (situação actual virtual
ou hipotética). Ora, se o terreno de D se encontrava “quase ao abandono”, quando E o decide
aproveitar para parque de automóveis não provoca com isso, em princípio, qualquer prejuízo.
Com efeito, D não fica em pior situação do que aquela em que se encontraria caso E não fizesse
o que fez. O que não quer dizer que E não se encontre obrigado a entregar ao D o lucro que
obteve. Deve certamente fazê-lo, mas não através da responsabilidade civil (antes pelo
enriquecimento sem causa).

18. O empresário de espectáculos A contratou os Eagles para um concerto em Lisboa, no


dia 1 de Junho do corrente ano. O contrato foi assinado em 12/12/2015. O cachet exigido pela
banda foi de € 500.000,00, entretanto já pagos. Com a morte (ocorrida na semana transacta) de um
dos seus guitarristas, a banda decidiu cancelar a world tour que a traria ao concerto de Lisboa,
disso dando o conveniente conhecimento a todos os interessados.

Defina os direitos de A ante a perspectiva de não realização do espetáculo programado.

Tópicos de correcção:

Ao lado dos casos clássicos de incumprimento (impossibilidade, perda de interesse do


credor, conversão da mora em não cumprimento definitivo) acrescenta-se, no mínimo, uma outra
hipótese de inadimplemento definitivo e absoluto: quando, antes do vencimento da obrigação, o
devedor tiver peremptória e indubitavelmente manifestado (por via expressa ou tácita –v.g. nos
casos em que o empreiteiro abandona a obra ou o trabalhador foge do local de trabalho), perante
o credor, o propósito de não cumprir a prestação principal a que se encontra vinculado.

Esta conjuntura suscita dificuldades especiais na medida em que estando o devedor a


proferir a referida declaração antes de a obrigação se tornar exigível, poderá depois,
eventualmente, arrepender-se, decidindo executar a prestação a que primitivamente se encontrava
vinculado. Mas, por outro lado, afigura-se despropositado forçar o credor a esperar pelo
vencimento para atestar a falta de cumprimento. A solução consiste em assimilar a hipótese, no
que toca aos seus efeitos, àquela em que se procede à interpelação admonitória. Nesta, a
inexecução da obrigação dentro do prazo da admoestação, não é incumprimento definitivo,
apenas a tal se equipara. O que significa que o credor, querendo, ainda pode receber a prestação
mesmo após a aludida interpelação ter produzido o seu efeito. O mesmo se diga, assim, para a
situação ora em causa: se o devedor declara previamente, de modo incontroverso, que não irá
cumprir, isso vale como inadimplemento definitivo; mas se, entretanto, resolver cumprir, o credor
pode, se assim o entender, receber a prestação, extinguindo-se a correspondente obrigação pelo
adimplemento.

O não cumprimento definitivo provoca:

i) A obrigação de indemnizar o credor colocando-o na situação em que este provavelmente


se encontraria caso a obrigação inexecutada tivesse sido cumprida. É a chamada indemnização
pelo interesse positivo (artigos 801º/n.º 1, 562º e 566º/n.º 2, Cód.Civil).

ii) Em alternativa, quando a obrigação não cumprida tiver por fonte um contrato
sinalagmático, a sua resolução com a consequente extinção do vínculo e com a (eventual)
obrigação de indemnizar pelo interesse negativo (artigo 801º/n.º 2, Cód.Civil). A reparação
destina-se aqui a (re)colocar o lesado na situação em que ele provavelmente se encontraria no
momento anterior à celebração do contrato (isto é, como se este jamais tivesse sido outorgado).

Assim, na falta de acordo entre os Eagles e o empresário A, seriam estes os direitos do


segundo, dado que o referido anúncio da banda equivale a uma declaração antecipada de não
cumprimento.

19. A, condutor de uma pick-up da empresa Resinas Ld.ª, estacionou-a num terreno com
forte inclinação para ir cortar algumas árvores. Depois de sair do carro, inesperadamente, o veículo
resvalou pela terra molhada indo entalar B (agricultor que se encontrava a colher os seus morangos)
contra uma árvore. Conduzido ao hospital, foi-lhe amputada de imediato uma perna, mas acabou
por falecer, uma semana depois, com uma infecção generalizada.

a) Poderiam os respectivos herdeiros responsabilizar alguém?

Tópicos de correcção:
Existiria uma relação de comissão entre A e Resinas Ld.ª. Haveria, portanto, uma
subordinação daquele perante esta.

Como se trata de comissão para condução de veículo automóvel, funciona contra A a


presunção de culpa que se retira do artigo 503º/n.º 3. Apesar de não se encontrar “ao volante”,
a pick-up está sob o seu controlo e ele está a exercer as suas funções. Portanto:

- não se refutando aquela presunção, A responderia perante B por factos ilícitos (a título
negligente) nos termos do artigo 483º/n.º 1 e a Resinas Ld.ª responderia pelo mesmo dano a título
de comitente nos termos do artigo 500º;

- ao invés, se ela fosse ilidida, A isentar-se-ia de responsabilidade mas a Resinas Ld.ª


permaneceria obrigada à indemnização nos termos do artigo 503º/n.º 1 porque a possibilidade de
o veículo resvalar só por si, especialmente nas condições do caso, é um perigo próprio associado
à utilização de veículos automóveis.

b) Provou-se que a pick-up deslizou por ter ocorrido um sismo que, embora de pequena
intensidade, foi o suficiente para provocar a deslocação da pick-up. Teria este facto alguma
relevância?

Tópicos de correcção:

A responsabilidade pelo risco fundada no disposto no artigo 503º/n.º 1 cessa quando


(artigo 505º) o dano resultar “de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo”.

A força maior ou caso fortuito “há-de ser um evento inevitável, isto é um acontecimento
que o devedor não pode obstar a que se produza e a cujos efeitos não se pode furtar, por se tratar
dum facto imprevisível (…); há-de ser ainda irresistível, o que significa que os efeitos dêle devem
ser insuperáveis para o devedor, ainda que êste, nos limites das suas fôrças e da diligência que
lhe é exigida, faça tudo para os impedir”. Acentua-se que para este efeito somente releva a força
maior não articulada com o desempenho do veículo. Ao invés, a que se encontrar ligada ao seu
funcionamento considera-se (ainda) compreendida nos riscos próprios de utilização. Um sismo é
força maior desde que se prove ser causa adequada à produção do dano.
20. – A é uma sociedade comercial que se dedica à fabricação e comercialização de moldes.

– B é uma sociedade comercial que se dedica à comercialização de máquinas industriais.

– Em 7.10.2008, por causa de um contrato de compra e venda, B entregou a A um centro


de maquinação de alta velocidade para moldes, modelo GTV-97G, pelo preço de € 145.000,00.

– Na sequência de um bloqueio da máquina, A solicitou, por carta datada de 27.04.2012,


o envio do código de desbloqueio.

– B respondeu, por carta datada de 15.07.2012, informando que apenas procederia à


intervenção solicitada após A satisfazer uma dívida no valor de cerca de € 90.000,00 relativa a
assistência técnica e acessórios para a referida máquina.

– Dentro deste período, A subcontratou trabalhos que poderia ter efetuado com a máquina,
no que despendeu € 21.000,00.

– A tinha dois trabalhadores afetos àquela máquina, os quais, após o seu bloqueio,
permaneceram inativos na empresa.

1. Teria B justificação para atuar como atuou?

Tópicos de correcção:

Trata-se de uma questão de cumprimento contratual.

Seria necessário saber, antes de mais, se B tinha a obrigação de fornecer o código de


desbloqueio ao abrigo da compra e venda. Em caso afirmativo, entraria em não cumprimento no
instante em que não o forneceu depois de interpelado por A.

A ser assim, por outro lado, os € 90.000 devidos por A fundam-se em outro contrato – o
de assistência técnica. Pelo que B não poderia invocar excepção de não cumprimento por falta de
reciprocidade entre a obrigação de entregar esta quantia e a obrigação de fornecer o código de
desbloqueio. Seriam obrigações emergentes de distintos contratos.

Não seria impossível, porém, que B invocasse direito de retenção. Os gastos com a
assistência são despesas feitas por causa da coisa. O que, nos termos do 754º, lhe conferiria
retenção.

2. Caso não tivesse, deveria responder por danos? A que título e quais?

Tópicos de correcção:

Os danos de A seriam os emergentes:

- da impossibilidade de laborar com a referida máquina;

- de ter que pagar ao subcontratado pelas tarefas que ele próprio poderia ter
realizado se a máquina funcionasse;

- da necessidade de pagar salários a trabalhadores inactivos.

Seriam igualmente os lucros cessantes decorrentes da diminuição da produção e,


consequentemente, das vendas.

21. A, ao entrar na água de um rio/albufeira, juntamente com os dois filhos menores (estes
em cima de um colchão de água), e caminhando sobre a crosta arenosa, foi avançando alguns
metros para “dentro” da albufeira, sempre afastando e aproximando de si o colchão onde estavam
os filhos. Ao recuar mais uma vez, desapareceu na água, afundando-se, vindo o seu cadáver a ser
recuperado, mais tarde, num lugar de profundidade superior à sua altura.

O curso de água em causa resulta do enchimento da albufeira da barragem contígua.

A profundidade do rio/albufeira é sempre muito variável, dependendo da topografia natural


e da cota máxima a que estiver a albufeira.
As margens da albufeira não se encontram vedadas por forma a impedir o acesso ao público
em geral.

A não sabia nadar.

A albufeira faz parte de um complexo hidroelétrico explorado pela EDP.

1. Poderia a EDP ser responsabilizada?

Tópicos de correcção:

Além da análise dos pressupostos da responsabilidade civil subjectiva, as questões centrais


seriam duas:

- omissão de prevenir o perigo por parte da EDP;

- culpa do lesado em relação a A.

Segundo o entendimento dominante, retira-se de diversas disposições do Cód.Civil (v.g.


493º, n.º 2) que aquele que explorar meios perigosos ou actividades perigosas tem o dever de as
controlar de modo a evitar a concretização de danos na esfera jurídica de terceiros. Uma
albufeira é um local perigoso. A EDP deveria, pelo menos, avisar acerca da existência da sua
profundidade variável. Ao não o fazr, incorreria em responsabilidade por omissão (486º).

Por outro lado, nos termos do artigo 570º, deve entender-se que a conduta de A é adequada
a, no mínimo, contribuir para o dano. Acresce que é culposa porque, para quem não sabia nadar,
revela descuido. O que serviria para atenuar a responsabilidade da EDP.

2. Em caso afirmativo, identifique os danos pelos quais deveria responder?

Tópicos de correcção:

A EDP deveria responder pelo menos por danos morais (496º) e, designadamente:

- pela morte de A;
- pelo seu sofrimento, caso se provasse que teve percepção do seu próprio decesso;

- pelo sofrimento psicológico dos seus familiares.

22. No dia 22.10.2011, pelas 08h:45, entre os quilómetros 48,350 e 48,400 da autoestrada
A1 ocorreu um acidente de viação em que intervieram os veículos Hyundai e Audi conduzidos,
respetivamente, por A e por B. Este fazia-o no desempenho das tarefas que lhe haviam sido
atribuídas enquanto trabalhador da sociedade C. Aquele tinha alugado o carro num rent-a-car.

Supondo que ambos os veículos sofreram danos, como se repartiriam as


responsabilidades?

Tópicos de correcção:

(i) Na falta de prova relativa à culpa dos intervenientes, presume-se a de B (503º, n.º 3)
dado que é comissário. Nesse caso, Este responderia por factos ilícitos e A responderia como
comitente, nos termos do artigo 500º, com direito de regresso (no pressuposto de não haver
também culpa da sua parte).

(ii) Se, eventualmente, esta presunção fosse ilidida, seria necessário saber se, do outro
lado, A actuou com culpa. Em caso afirmativo, responderia ele exclusivamente.

(iii) Se ela não se provasse, dever-se-ia avaliar a proporção de risco que cada um dos
veículos colocou para produção do dano. Pelo Audi responderia C a título de seu detentor (503º,
n.º 1). Pelo Hyundai responderia apenas A, para quem entenda que ele é o único interessado na
sua utilização; ou A e a rent-a-car, para quem entenda que, nestas circunstâncias, o interesse é
partilhado.
23. A e B, cada qual montado na sua mota de cross, ambas muito ruidosas, passaram a
grande velocidade por C que vagarosamente conduzia uma carruagem puxada a cavalo por um
caminho rural. Por causa disso, o animal assustou-se, fugiu e atirou-se para uma ravina lateral.

O incidente provocou uma lesão óssea na perna direita de C, bem como a destruição da
carruagem.

Durante o consequente internamento hospitalar, ao realizar-se uma intervenção cirúrgica


destinada a colocar uma placa metálica naquela perna, C, que desconhecia padecer de diabetes,
acabou por falecer devido a falta de insulinoterapia (necessária em todas as cirurgias envolvendo
anestesia geral do doente diabético).

a) A e B poderiam ser responsabilizados por todos os danos sofridos por C?

Tópicos de correcção:

Analiticamente, a responsabilização de A e de B depende do preenchimento dos seguintes


requisitos:

(i) conduta: condução das motocicletas a alta velocidade e ruidosamente

(ii) ilícita: por violar o direito de C à integridade física e à propriedade sobre a carruagem

(iii) culposa: por revelar incúria resultante da violação do dever de cuidado que a
proximidade de A e de B com C lhes impunha

(iv) danosa: pelas lesões pessoais e patrimoniais que provoca a C

(v) adequada à lesão.

No caso concreto, dois problemas especiais se suscitam.

1.º: Haverá adequação da conduta ao dano? Poderá sustentar-se que o ruído das motas é
apto a determinar o resultado lesivo?
Certa conduta é causa de determinado dano sempre que este se apresente como sua
consequência normal ou típica. O que se deve avaliar por força da própria experiência ordinária,
segundo as regras conhecidas de relação entre causa e efeito (conditio sine qua non), num juízo
de prognose póstuma ou posterior.

É igualmente habitual salientar-se que as regras de experiência a que cabe atender são:

(i) primeiro, aquelas que decorrem do traquejo comum e que, por isso, devem ser
observadas pela generalidade das pessoas;

(ii) mas também, segundo, quando for caso disso, aquelas que derivarem de especiais
conhecimentos técnicos ou de outra ordem de que o autor seja porventura dotado.

Uma vez que, neste entendimento, somente existe causalidade atendível para efeitos de
responsabilização civil no que tange “aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se
não fosse a lesão” (artigo 563.º, Cód.Civil), isto significa também que, atendendo ao sentido
literal do preceito, inexistem obstáculos suscetíveis de atalhar o recurso ao reverse approach.
Torna-se exequível, por outras palavras, a adoção da teoria da adequação na sua chamada
formulação negativa. O que alarga potencialmente o respetivo campo de aplicação e, sobretudo,
simplifica o seu manuseamento.

Em vez de averiguar (positivamente) se a conduta é fonte normal ou típica do dano,


constrói-se a relação causal do seguinte modo:

(i) desde que a ação/inação imputável ao agente se tenha posto como sua conditio sine qua
non, o nexo de causalidade encontra-se instituído;

(ii) a menos que a lesão se haja concretizado por circunstâncias manifestamente


excecionais.

A conduta só não será assim causa do dano quando, tendo colocado uma condição para a
sua produção, ela não se tenha revelado decisiva para o efeito. Isto é, quando se trate, no fundo,
de consequências absolutamente imprevisíveis e/ou imponderáveis.
Será o caso da presente hipótese. Até prova do contrário, o cavalo assustou-se devido ao
ruído provocado pela utilização das motas. A destruição da carruagem e a lesão na perna de C
são danos atribuíveis às condutas de A e de B. Já, ao invés, a morte daquele não lhes é imputável.
Não é o acidente viário em si, que a provoca, mas a falta de insulinoterapia (ainda que
eventualmente ninguém por isso seja responsável, salvo o próprio C).

2.º: Qual dos dois (A ou B) causou o dano?

A chamada autoria (singular) concorrente ou paralela sucede sempre que vários


intervenientes coloquem, por si só (ou seja, individualmente), condições suficientes para a
produção do – único e mesmo – dano, todos para ele contribuindo (total ou parcialmente), mas
cada qual independentemente dos demais. Na autoria paralela há, portanto, several concurrent
tortfeasors e não joint tortfeasors. Há um aglomerado inorgânico de diversas autorias individuais.

Se o dano se revela indivisível e não se torna exequível, consequentemente, individualizar


o respetivo autor, sobrevirá, nos termos do disposto nos artigos 490.º e 497.º do Cód.Civil, um
caso de pluralidade de responsáveis. Os autores tornam-se assim devedores solidários ante o
lesado e presume-se idêntica a sua medida de participação na produção do resultado lesivo. Não
obstante faltar a decisão comum, mas encontrando-se presente aquilo que essencialmente
qualifica a coautoria – a execução conexionada –, dá-se, para este efeito, suficiente proximidade
entre ambas as figuras, capaz de justificar a extensão do mesmo exato regime. Imprescindível é
que a conduta imputável a cada participante seja, só por si, apta à produção do resultado que
efetivamente adveio. A realização do but for test torna-se viável, então, em relação ao universo
dos tortfeasors em virtude de ele se encontrar perfeitamente delimitado e determinado. Sendo
impraticável individuar especificadamente o autor do dano sabe-se, contudo, que este resultou
necessariamente da ação de certo grupo de pessoas e que cada uma delas pôs causa suficiente
para tanto. O test faz-se para todas em conjunto como se de coautores se tratasse, despontando
da sua realização, contra cada qual, uma presunção (ainda que ilidível) de autoria.

É o que sucede na hipótese. Quer A, quer B, puseram condições para a produção do dano.
Não se sabe exatamente qual dos dois o causou. Mas só eles o poderiam ter provocado. São,
portanto, solidariamente responsáveis como autores concorrentes.
b) Suponha, em alternativa, que no caminho por onde C passava se realizava um raid TT,
devidamente autorizado e sinalizado, no qual A e B eram participantes. Quid Juris?

Tópicos de correcção:

A sub-hipótese sugere uma questão de culpa do lesado.

No cálculo da compensação compete ao tribunal averiguar “se a indemnização deve ser


totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída” quando para a produção do dano tiver
eventualmente concorrido um facto culposo imputável ao próprio lesado e apto para tanto (artigo
570.º, n.º 1, Cód.Civil). Se o lesado contribui para o dano, ele verdadeiramente não o sofre, ao
menos sempre que lhe seja exclusivamente atribuível.

Um comportamento passível de reprovação imputável ao lesado pode, portanto, suprimir


ou afrouxar a responsabilidade do autor do dano. Justifica-se a solução na medida em que, neste
contexto, as razões que justificam a responsabilização do segundo perdem intensidade –
chegando, eventualmente, ao ponto de a sua importância cessar – por compensação com algum
grau de censurabilidade de que é suscetível o comportamento do próprio lesado. Indispensável é
que:

(i) a atuação do lesado se deva considerar reprovável;

(ii) ela cumpra o but for test, mostrando-se a sua contribuição adequada à produção do
dano.

Como, na hipótese, o raid TT se encontraria devidamente sinalizado, haverá descuido por


parte de C quando, sem a atenção necessária, utiliza o referido caminho.

Por outro lado, a culpa de A e de B encontrar-se-ia presumida nos termos do artigo 493.º,
n.º 2, do Cód.Civil. Por terem causado danos a terceiro no desenvolvimento de uma atividade
perigosa pela índole dos instrumentos utilizados.
Ora, se, porventura, a culpa do autor do dano resultar da entrada em funcionamento de
alguma presunção legal – como sucedia em relação a A e a B –, a atuação censurável C
igualmente apta a gerá-lo excluiria a responsabilidade daqueles (artigo 570.º, n.º 2, Cód.Civil).

Em princípio, portanto, A e B isentar-se-iam de responsabilidade.

24. Cerca das 15:40 do dia 10/03/2010 ocorreu um acidente de viação na EN103, ao km
56,150, em que intervieram os veículos: 55-66-IZ, pesado de passageiros, propriedade de A, e 33-
44-DE, ligeiro de passageiros, propriedade de B. O acidente deveu-se ao facto de este último, ao
sair de um parque de estacionamento, não ter obedecido à paragem imposta por um sinal de STOP
aí existente.

Em 25/03/2010, o perito contratado por B – que, entretanto, havia assumido a


responsabilidade pelos danos causados – deslocou-se à oficina onde estava o veículo IZ, mas não
conseguiu proceder à sua avaliação em virtude de ele ainda não se encontrar desmontado. O perito
voltou em 09/04/2010, data em que o veículo permanecia por desmontar. A peritagem acabou por
se fazer em 30/06/2010.

Pelo que antecede, o veículo IZ apenas ficou reparado dois meses depois da data
inicialmente prevista. A exige agora, por isso, uma indemnização agravada.

Quid Juris?

Tópicos de correcção:

Cabe a A disponibilizar o veículo para peritagem. É ele quem tem o crédito à


indemnização. Não pode invocar perante B a eventual falta de diligência da oficina pois foi ele
quem a contratou (princípio da relatividade contratual). Consequentemente, se a peritagem não
foi feita atempadamente, o atraso não se deve certamente ao devedor da indemnização (B) e este
não pode por ele ser responsabilizado. O caso seria, portanto, de mora do credor.
Quando a impossibilidade temporária for atribuível a uma conduta do próprio sujeito ativo
ocorre então a chamada mora do credor (artigos 813.º a 816.º, Cód.Civil).

Sucede quando, sem motivo justificado, o credor:

(i) “não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais”;

(ii) “não pratica os atos necessários ao cumprimento da obrigação”.

O preenchimento de cada uma das hipóteses – ou seja: a fixação dos termos em que o
credor devia ter recebido ou a determinação dos atos que devia ter praticado – faz-se atendendo
às regras que, para o caso concreto, forem ditadas pela aplicação do princípio da boa-fé (n.º 2
do artigo 762.º, Cód.Civil).

Mesmo verificado este circunstancialismo, a verdade é que, para todos os efeitos, o


devedor não executou a prestação. Mas uma vez que o seu oferecimento infrutífero lhe é
inimputável, tal torna-o não apenas irresponsável pela falta de cumprimento (aplicando-se-lhe
assim, em geral, o regime contido entre os artigos 790.º e 797.º do Cód.Civil), como
inclusivamente pode minimizar a respetiva (eventual) obrigação de indemnizar por danos
atribuíveis à sua própria atuação (artigo 814.º, Cód.Civil).

Como consequência da mora creditoris dá-se:

a) A atenuação da responsabilidade debitória (artigo 814.º, Cód.Civil).

b) A imputação ao credor do “risco de impossibilidade superveniente de prestação”


(artigo 815.º, Cód.Civil).

c) O agravamento da responsabilidade creditória por causa do (eventual) acréscimo de


despesas que o devedor haja sido “obrigado a fazer com o oferecimento infrutífero da prestação
e a guarda e conservação do respetivo objeto” (artigo 816.º, Cód.Civil).
25. A, motorista particular de B, ao conduzir na EM365 o automóvel pertencente ao
segundo, deparou-se repentinamente com um burro a circular a sua faixa de rodagem, mas em
sentido contrário. Para evitar o embate, desviou-se para a berma direita. Com a atrapalhação,
porém, atropelou um peão, que circulava num caminho pedonal paralelo à estrada, causando-lhe a
morte.

Quid Juris?

Tópicos de correcção:

A responsabilidade pelo risco fundada no disposto no artigo 503.º, n.º 1, do Cód.Civil não
desponta em alguma das seguintes três hipóteses (artigo 505.º, Cód.Civil):

(i) quando o dano se deva exclusivamente a uma conduta do próprio lesado;

(ii) quando o dano for imputável a um comportamento de terceiro;

(iii) quando o dano resultar “de causa de força maior estranha ao funcionamento do
veículo”, no pressuposto de ela ser adequada à sua produção.

Nestas hipóteses, taxativamente enumeradas, o nexo de causalidade considera-se não


estabelecido daí resultando a não responsabilização.

Daqui retira-se, a contrario, que todos os demais riscos de utilização de veículos de


circulação terrestre que não se liguem a estas três espécies de eventos correm por conta do
respetivo detentor. Com a consequente responsabilização por danos se eles sobrevierem. O
surgimento de um animal na faixa de rodagem é, em princípio, um risco que aquele assume. A
menos que – nos termos de (ii) – o pudesse imputar ao utente do animal (o qual, todavia, na
hipótese se desconhece).

Resta, portanto, determinar entre A e B quem responderia pelo dano da morte.


A seria comissário de B. A responsabilidade do comitente supõe a existência de um
comissário. Para que de um comitente se possa falar é indispensável que exista um comissário e,
por isso, imprescindível se torna também a presença de uma relação de comissão entre ambos.

(i) Uma relação de comissão é um qualquer vínculo entre duas pessoas do qual resulte
uma subordinação daquele que é incumbido do exercício de uma função àquele que disso o
encarrega (artigo 500.º, n.º 1, Cód.Civil). O comissário atua, por isso, por conta e sob a direção
do comitente. Tal sujeição pode traduzir-se, juridicamente, num contrato de trabalho, em certas
modalidades de prestação de serviços, numa relação familiar, etc.

(ii) Em segundo lugar, é indispensável que o comissário tenha causado algum dano a
terceiro “no exercício da função que lhe foi confiada” (artigo 500.º, n.º 2, in fine, Cód.Civil).
Sendo irrelevante se, em tal ocasião e contexto, estava a dar cumprimento às instruções que
eventualmente lhe haviam sido conferidas ou se causou tal dano intencional ou negligentemente.

(iii) Em terceiro lugar, é imprescindível ainda que sobre o comissário “recaia também a
obrigação de indemnizar” (artigo 500.º, n.º 1, in fine, Cód.Civil). Querendo isto dizer que a
responsabilidade do comitente supõe que, não fora a relação de comissão, o comissário
responderia exclusivamente pelo dano causado a terceiro. Para que o comitente se encontre
igualmente adstrito a indemnizar, torna-se fundamental, por isso, que os requisitos de alguma
espécie de responsabilidade civil estejam preenchidos contra o comissário. E, ao menos por regra,
que os referidos requisitos sejam os da responsabilidade aquiliana, ainda que se não afigure
inconcebível tratar-se de alguma modalidade de responsabilidade pelo risco ou por factos lícitos
em que o comissário, nessa qualidade, tenha incorrido. Pelo se v.g. este puder alegar estado de
necessidade ou culpa do lesado, o comitente disso tirará proveito imediato.

Quando exista uma relação de comissão para a utilização de um veículo de circulação


terrestre, para além da imputação pelo risco estabelecida contra o comitente, embora a título de
detentor do veículo nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 503.º do Cód.Civil, pode dar-se, em
alternativa, a sua adstrição à obrigação de indemnizar, bem como a do comissário, nos termos
do n.º 3 do mesmo preceito. De acordo com esta última disposição, “aquele que conduzir o veículo
por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da
sua parte”. Daqui se extrai uma presunção de culpa instituída contra o comissário que a este ou
ao seu comitente cabe ilidir, se for caso disso.

(i) Não sendo refutada a presunção instituída pelo n.º 3, entra em funcionamento o regime
geral da responsabilidade do comitente, ou seja, o regime instituído pelo referido artigo 500.º do
Cód.Civil. Pelo que o comissário (A) responderá por factos ilícitos culposos nos termos do artigo
483.º, n.º 1, do Cód.Civil (no pressuposto de as demais condições de responsabilização por este
enunciadas se encontrarem igualmente verificadas), e o comitente (B) responderá como garante,
com o competente direito de regresso (artigo 500.º, Cód.Civil).

Esta responsabilização adquire natureza solidária, nos termos dos artigos 499.º e 497.º do
Cód.Civil, já que nada impede que os devedores solidários respondam a diferentes títulos.

(ii) Ao invés, ilidida a presunção estabelecida pelo n.º 3 (mediante v.g. a demonstração da
existência de culpa do lesado – artigo 570.º, n.º 2, Cód.Civil), só o comitente (B) responderá nos
termos do n.º 1, a título de detentor do veículo, tornando irrelevante, por isso, a referida
qualidade. Tudo se passa como se inexistisse comissário.

Princípios Gerais de Direitos Reais


Hipótese nº 1

Ilustração 1

A, proprietário do automóvel X, acorda com B a venda do mesmo a este pelo preço de

10.000€.

Nos termos acordados, o preço seria pago 3 meses depois e a entrega da coisa efectuada 30

dias após a conclusão do contrato.

A entrega o automóvel a B no prazo acordado, mas este não pagou o preço.


Entretanto, B doou o automóvel ao seu sobrinho C, que desconhecia o contrato entre A e B.

A pretende agora que C lhe entregue o carro, alegando que o contrato de compra e venda

celebrado com B não foi cumprido.

Esclareça quem é o proprietário do automóvel.

Aspectos a considerar:

1. Da validade do contrato entre A e B

2. Da validade do contrato de doação entre B e C

3. Da pretensão de A relativamente a C

1. Da validade do contrato entre A e B

A e B celebraram entre eles um contrato de compra e venda do automóvel

874. O negócio é

lícito, física e legalmente possível, não contrário à ordem pública e aos bons costumes, tendo

por objecto coisa presente e determinada

280, 400.

A tinha legitimidade para alienar o automóvel, uma vez que era seu proprietário

892 a

contrario.

Trata-se de um contrato real quanto aos efeitos (quoad effectum)


879/a), pelo que, tendo o

negócio eficácia real, a propriedade transmite-se no momento da celebração do contrato

408/1 e 879/a (princípio da consensualidade).

O B não pagou o preço, no entanto, a falta de pagamento do preço não dá ao A o direito de

resolução do contrato

886.

Conclusão: B adquiriu a propriedade do automóvel no momento em que celebrou o contrato,

independentemente de não ter pago o preço

408/1 e 879/a).

2. Da validade do contrato de doação entre B e C

B tinha legitimidade para doar o carro a C, uma vez que era seu proprietário desde que

celebrou o contrato de compra e venda com o A

408/1 e 879/a).

A eficácia real da doação de coisa móvel, quando não tiver a forma escrita, exige a tradição da

coisa (sendo um contrato real quoad constitutionem).

O enunciado é omisso quanto à forma da doação de B a C: oral ou por escrito. No entanto,

independentemente deste aspecto, podemos concluir que houve tradição da coisa, uma vez

que A vem exigir de C (e não de B) a entrega do carro.


Tendo havido tradição da coisa de B para C, houve aceitação da coisa doada

945º, pelo que C

adquiriu o direito de propriedade sobre o carro no momento da entrega deste,

independentemente do momento da celebração do contrato

954/a).

Logo, o carro é de C.

3. Da pretensão de A relativamente a C

A pretensão de A não tem razão de ser: ele não pode exigir de C a restituição do automóvel,

uma vez que este é o titular do direito real de propriedade sobre o mesmo. O que ele tem é

um direito de crédito sobre B por falta do pagamento do preço, a exigir nos termos do art.

817º e não através da acção de reivindicação prevista no art. 1311º (aplicável apenas a direitos
reais).

Já não seria assim se o negócio entre A e B não tivesse produzido o efeito real de transferência

da propriedade, caso em que C não poderia opor ao A o princípio da

“posse vale título”, pois

este não vigora em Portugal (ao contrário da França e outros ordenamentos jurídicos…)

Bastaria ao A, neste caso, fazer prova da sua propriedade para que o carro lhe devesse ser

entregue, independentemente dos negócios e vicissitudes que levaram a coisa a entrar na

posse do C.

Hipótese nº 2

A e B celebram um contrato de doação de um anel. Com efeito, Abel, fabricante de anéis,

possui 3 anéis consigo e decidiu doar um a B. Contudo, não ficou esclarecido entre as partes

qual dos 3 anéis era o doado.

Dois dias depois, antes que A procedesse à entrega do anel a B, o primeiro vendeu a C um

dos anéis que tinha na sua posse. B reclama que esse anel é seu e prepara-se para interpor

uma acção de declaração de nulidade com fundamento em venda de bens alheios.

Esclareça se B tem razão.

Aspectos a considerar:

1. Da validade do contrato de doação

2. Da modalidade da obrigação

3. Do momento da transmissão da propriedade

4. Da pretensão de B

***

1. Da validade do contrato de doação


A doação de coisa móvel que não seja acompanhada da tradição da coisa só pode ser feita por

escrito (947). Logo, a presente doação só não será nula por vício de forma (220) se tiver sido

feita por escrito. Admitamos que assim é, para efeitos académicos.

2. Da modalidade da obrigação

Em que modalidade de obrigações se integra a doação sub judice?

A obrigação é indeterminada, regendo nesta matéria as regras do art. 400. Mas será ela

genérica? Ou alternativa?

Não é modalidade de obrigações alternativas (543), uma vez que existe apenas uma e não

duas ou mais prestações alternativas de natureza diferente.

Não se oferece clara a distinção, mas a explicação do assistente relativamente aos cinco

quadros de Vieira da Silva é uma situação paralela e que este classificou como “o

brigação

genérica de género limitado”. Sendo assim, a transferência da propriedade do anel doado não

segue o regime do art. 408/1 (princípio da consensualidade), integrando-se antes numa das

excepções do nº 2 deste artigo, que manda aplicar o regime previsto nos artigos 539 e ss.

3. Do momento da transmissão da propriedade

Nas obrigações genéricas a transferência de propriedade verifica-se apenas com a

concentração da obrigação e esta dá-se com o cumprimento, cuja regra é a entrega da coisa

(540 e 541).

Não tendo sido entregue a B qualquer dos três anéis antes da venda de um deles a C, não se

dera ainda a concentração, permanecendo o direito de propriedade sobre os três anéis na

esfera jurídica do doador (A). Logo, A não vendeu bens alheios, mas próprios, não se

verificando a nulidade prevista no art. 892


540.

Mas já não poderia vender o terceiro, pois no momento em que vendesse o segundo o género

extinguir-se-ia ao ponto de restar apenas uma das coisas nele compreendidas (um anel) e este

ser o número exigido à satisfação do credor, considerando-se, neste caso, que se deu a

concentração antes do cumprimento (541).

4. Da pretensão de B

B não tinha razão ao afirmar que o anel que o A vendeu a C era o seu, tanto mais que a escolha

cabia ao devedor (A) e a propriedade só transitava para a sua esfera jurídica com a

concentração, não tendo esta ocorrido até então.

Hipótese nº 3

A celebrou com B um contrato de compra e venda do imóvel X pelo preço de 500.000€. No

contrato convencionou-se a reserva de propriedade a favor de A enquanto o preço não fosse

pago e a entrega do prédio no momento da conclusão do contrato.


O preço deveria ser pago em 3 prestações, a última das quais 6 meses após a conclusão do

contrato. Este contrato foi registado, incluindo a cláusula de reserva de propriedade.

Três meses depois, A vende a C o direito de propriedade, obrigando-se a entregar o prédio 6

meses depois.

Uma semana depois do contrato celebrado entre A e C, B vende a propriedade do prédio a D.

No prazo de vencimento da última das prestações, B cumpre, pagando a parte do preço em

dívida.

a) Quem é o proprietário do prédio X e desde que momento?

b) Supondo que B não pagasse a última prestação e estivesse impossibilitado de o fazer,

quem seria então o proprietário do imóvel?

Esquema dos negócios:

Aspectos a considerar:

1. Dos efeitos da reserva de propriedade

2. Da validade do contrato entre A e C

3. Da resposta à questão da alínea b)

1. Dos efeitos da reserva de propriedade

O contrato de compra e venda A

B tem eficácia real diferida, mantendo-se o direito de

propriedade sobre o imóvel na esfera jurídica do vendedor até ao pagamento integral do


preço, a realizar seis meses após a celebração do contrato, por efeito da reserva de

propriedade

409.

Sendo o preço pago, como o veio a ser, a reserva de propriedade a favor de A extingue-se, o

que desencadeia a transferência do direito de propriedade para a esfera jurídica de B.

A questão que importa agora dilucidar é a de saber a partir de que momento se deve reportar

a transferência da propriedade: se ao momento em que se verifica o cumprimento total da

obrigação de B, se à data em que este celebrou o contrato com A. Ou seja, a pedra de toque é

saber se a eficácia real resultante do pagamento do preço, que põe fim à reserva de

propriedade, opera a partir de então ou retroage ao momento da celebração do contrato.

II

O Prof. defende a retroactividade; Menezes Leitão nega-a:

Para Menezes Leitão, o que sucede é que B, comprador com reserva de propriedade, é titular

de um direito real de aquisição oponível a C, que adquiriu o direito depois dele. A eficácia real

dá-se apenas com o fim da reserva de propriedade e opera apenas para o futuro. Isto gera,

segundo o Prof. Coelho Vieira, um efeito inconveniente: quer B quer C tornam-se proprietários

da mesma coisa imóvel!

Para o Prof. Coelho Vieira, pelo contrário, a verificação do evento de que depende a reserva de

propriedade faz retroagir os efeitos da compra e venda ao momento da celebração do


contrato, operando-se então a transmissão da propriedade nos termos do art. 408/1 e 879/a).

B passa a ser proprietário do imóvel com efeitos reportados ao momento da celebração do

contrato de compra e venda com A.

O evento a que as partes subordinam a reserva de propriedade, embora não o sendo em

sentido técnico (desde logo por não se tratar de facto futuro incerto

270), funciona como

uma condição suspensiva.

2. Da validade do contrato entre A e C

Este contrato é nulo por falta de legitimidade do vendedor (892), uma vez que quando A

vendeu a C já não era proprietário da coisa. Sendo o contrato nulo, nada foi transmitido da

esfera jurídica de A para C, tanto mais que nada havia para transmitir.

Em contrapartida, o contrato de compra e venda entre B e D é perfeitamente válido e produz

efeitos no momento da celebração do contrato (por retroactividade).

3. Da resposta à questão da alínea b)

Uma vez que a resposta à primeira questão já foi dada, resta ver o que sucederia se a hipótese
da alínea b) se verificasse.

Se o B não tivesse pago o preço e estivesse impossibilitado de o fazer, então a propriedade

manter-se-ia na esfera jurídica do A, sendo a venda deste a C perfeitamente válida e

produzindo os seus efeitos à data da celebração do contrato

408/1 e 879/a

mas só depois

de confirmada a não verificação do evento de que dependia a reserva de propriedade e a

impossibilidade de tal verificação vir a ocorrer no futuro.

Nesse caso, o contrato entre A

B seria válido mas ineficaz, não chegando a produzir os

efeitos esperados, enquanto que o contrato entre B

D seria nulo, por falta de legitimidade do

vendedor

892.

Hipótese nº 4

Por contrato de compra e venda, A vendeu a B um direito de enfiteuse pelo prazo de 20

anos.

No contrato, as partes estipularam que o direito em causa, não obstante ter sido revogado
em 1977, se regularia pelo regime em vigor até essa altura.

a) Esclareça a validade deste contrato;

b) Suponha agora que o direito de enfiteuse era admitido pelo ordenamento português, mas

com conteúdo diverso daquele que as partes estipularam.

Quid juris?

Aspectos a considerar:

Alínea a)

1. Da tipicidade dos direitos reais

Alínea a)

1. Da tipicidade dos direitos reais

(apontamentos da Marina)

O contrato é nulo nos termos do art. 280

violação da tipicidade legal.

Há conversão legal do negócio nos termos do art. 1306/1: o negócio é nulo como real, mas

subsiste como direito obrigacional

direito de crédito. Esta conversão opera se houver

natureza creditícia no contrato.

Art. 1306/1

O Princípio da tipicidade dos direitos reais implica que as partes não possam criar

novos tipos de direitos reais por contrato.


Direito real de habitação periódica

direito real de gozo não tipificado no CC.

Direito do locatário: será um direito real ou um direito de crédito?

Prof. Menezes Cordeiro e Oliveira Ascensão defendem a sua qualificação como direito real,

com base na interpretação e não do legislador. Daí que possam ser qualificados como direitos

reais sem haver uma especificação.

Direitos reais menores, como figuras decompostas do direito de propriedade.

Colocação sistemática do preceito em relação à propriedade.

A interpretação do art. 1306 tem de ser feita ora restritivamente ora extensivamente.

Fora do catálogo legal as partes não podem criar direitos reais.

(apontamentos do Renato)

Nulo como negócio real, subsiste como direito de crédito, ficando a ser regulado pelo regime

do direito das obrigações, por força do art. 1306/1 in fine.


O titular de um direito de propriedade pode constituir direitos reais menores e não ao

desmembramento do direito de propriedade. À criação de um direito real menor sobre um

direito real menor chama-se oneração.

Alínea b)

O princípio da tipicidade (que abrange quer a escolha do direito real quer do seu conteúdo)

não assenta na escolha de um direito real não constante do catálogo. Cada direito real tem um

conteúdo injuntivo que permite autonomizá-lo face aos outros.

As partes não podem escolher um direito real e não estabelecer o seu conteúdo. As

consequências são as mesmas da alínea a).

Tem a ver com o tipo de direito real. As partes não podem estabelecer um negócio com

conteúdo diverso do tipo de direito real consagrado na lei. Princípio da tipicidade outra vez de

outra perspectiva. Respeito pelo conteúdo de aproveitamento da coisa de acordo com o tipo

de direito real.

Hipótese nº 5

A, proprietário e possuidor do automóvel X, foi vítima de furto praticado por B. Este, com o

carro em seu poder, vendeu o mesmo a C, que desconhecia o furto.

Dois meses depois do furto, C doou o automóvel X ao seu sobrinho D.

Em Novembro de 2005, A vem a saber que o carro se encontra com D e pretende reavê-lo.

a) Quem é o proprietário do automóvel?

b) Fundamente com os princípios jurídico-reais conhecidos a possibilidade de A fazer valer a

sua propriedade contra D, nomeadamente se A tem de impugnar os negócios jurídicos

celebrados entre B e C e entre C e D.

Aspectos a considerar:
1. Da figura da “posse vale título”

2. Do princípio da absolutidade

1. Da figura da “posse vale título”

Desde já, diga-se que o automóvel continua a ser propriedade de A, independentemente

dos negócios jurídicos de que foi objecto, celebrados após o furto do mesmo. Isto sucede

assim porque em Portugal não vigora o princípio da posse vale título: caso contrário, C, que

adquiriu a posse de boa fé, poderia opor este princípio ao proprietário do automóvel.

A aquisição de um direito real depende de um facto jurídico válido

princípio da causalidade.

Logo, neste caso não há transferência de propriedade, sendo a boa ou má fé irrelevantes.

Quer o contrato B

C quer o C

D são nulos, por violação do princípio da causalidade.

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