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INTRODUÇÃO

As ideias que ajudaram a modelar o pensamento teológico do


século vinte

Teologia é um vocábulo que encontra sua origem na junção de duas


palavras gregas: “Theos”, que significa Deus, e “logos”, que significa discurso ou
razão. Logo, a teologia é o estudo de Deus e de sua relação com o universo. Ela
é também o estudo das doutrinas religiosas e das questões de divindade. Toda
dissertação ou raciocínio sobre Deus, constitui uma teologia.

O estudo de Deus é da máxima importância. Como disse o reformador


João Calvino: “Quase toda sabedoria que possuímos, ou seja, a sabedoria
verdadeira e sadia, consiste em duas partes: o conhecimento de Deus e de nós
mesmos”.

O homem é irremediavelmente um animal religioso. Desde a antiguidade,


Deus tem sido a principal preocupação do escrutínio humano. Sócrates, Platão,
Aristóteles e todos os pensadores gregos importantes formularam teorias
teológicas especulativas sobre Deus. A existência de Deus para esses homens
era algo totalmente racional e necessário.

Diferentemente da teodicéia Socrática, Platônica ou Aristotélica, o


cristianismo apresenta-se como religião revelada. Há pouca necessidade de
especulações e elucubrações metafísicas, pois ele já parte do pressuposto de
que Deus se revelou em sua Palavra, e na plenitude dos tempos nos falou por
meio do seu filho Jesus, que andou entre nós pregando e fazendo milagres,
sendo crucificado no tempo em que Pôncio Pilatos era governador da Judéia. Os
apóstolos, encarregados por ele de pregar a sua mensagem ao mundo,
escreveram sua biografia e eventos relacionados ao cristianismo. Esses
registros documentais começaram a surgir após um breve hiato, não maior que
trinta anos. É interessante notar que quando os primeiros relatos começaram a
circular, muitas das testemunhas oculares dos fatos por eles narrados ainda
estavam vivas. Ora, caso a narrativa apresentada por eles fosse considerada
fantasiosa ou mítica, não faltariam pessoas para desmascará-los. No entanto,
nos dias apostólicos não houve alguém que pudesse por em dúvida a
historicidade de Jesus. Nem mesmo o Talmude, em todo o seu zelo judaico,
nega que Jesus de Nazaré tenha feito milagres.

Ainda segundo a narrativa bíblica, esse Jesus nasceu de uma virgem,


exatamente como vaticinara o profeta Isaías cerca de setecentos anos antes do
seu nascimento. Ele era da descendência de Davi, e ressuscitou ao terceiro dia,
havendo aparecido aos seus apóstolos e a uma multidão de mais de quinhentas
pessoas (1Coríntios 15.6). Sua morte não foi um evento fortuito, contingente –
ela foi providencial. Através do seu sacrifício, todos nós podemos chegar perto
de Deus e, confessando as nossas iniquidades, receber o seu imerecido perdão.

Os dois últimos parágrafos são um resumo do cristianismo bíblico e


ortodoxo. Por ortodoxo, entende-se o bojo essencial do cristianismo histórico.
Essa visão ortodoxa das Escrituras foi preservada ao longo dos anos, embora
em alguns períodos da história não faltassem grupos para elaborar uma teologia
diferente, apresentando novos e estranhos pressupostos sob os quais a Bíblia
deveria ser interpretada.

As primeiras controvérsias surgiram quando o cristianismo ainda era uma


religião recente: Primeiro os judaizantes, depois os docetistas, no século
segundo foram os gnósticos, no século terceiro, Ário, e nos séculos seguintes
também não faltaram homens controversos cujo exacerbado intento era
comprometer a ortodoxia. O auge da controvérsia ocorreu na idade média e no
início da era moderna quando o romanismo, em seu afã de arrecadar fundos
para a construção da basílica de São Pedro, espoliou o povo europeu sob
promessa de livrar as pobres almas do purgatório, e isso sem falar na
comercialização de ícones, tais como espinhos da coroa de Cristo, pedaços da
cruz na qual ele morreu, crânios (isso mesmo, plural – crânios) de João Batista,
e tantas outras invencionices humanas que o “infalível” Papa e a “Santa” Igreja
Católica homologavam sem nenhuma inibição. Tal era o abandono da Bíblia.

Caso a situação continuasse assim, seria realmente o fim da ortodoxia.


Porém, nesse mesmo tempo houveram homens impulsionados pelo zelo
ardoroso da verdade, que assumiram a tarefa de lutar pela manutenção da
ortodoxia. Foi então que surgiram nomes como Martinho Lutero, João Calvino,
Felipe Melanchton e Zuínglio, que não temendo a fúria de Roma, expuseram os
abusos do clero católico e iniciaram o movimento que hoje conhecemos como a
Reforma. Sua alcunha era Sola Fide, Sola Gratia, Sola Scriptura e Soli Deo
Gloria. Desde então o movimento protestante, oriundo da Reforma religiosa, tem
sido o principal preservador da ortodoxia.

Desde a época da Reforma, o mundo passou por uma série de


transformações, e porque não dizer, pelas maiores transformações de toda a
nossa história. Das caravela ao ônibus espacial, da bússola ao GPS, o mundo
sentiu o impacto da tecnologia e essa mudança teve grande influência no
pensamento ocidental. O Renascimento no século dezesseis, o Racionalismo do
século dezoito, o Romantismo do século dezenove e todas as mudanças pela
qual o mundo passou tiveram seu impacto sobre a teologia. O Renascimento
trouxe de volta a ortodoxia, o Racionalismo, por sua vez, introduziu a crítica, a
teologia liberal e o deísmo, e o Romantismo foi o portão de acesso para o
existencialismo cristão, ou neo-ortodoxia.

Todo pensador está de certo modo envolvido com as ideias do seu tempo.
Esse é um axioma antigo, porém válido. O contexto sociocultural, os conceitos
filosóficos, o progresso tecnológico, a economia e os conflitos mundiais
interferem indubitavelmente na maneira de pensar, e desde a Reforma até os
nossos dias, não faltaram mudanças. Isso ocorreu de tal maneira e em tão
grande quantidade que, se fossemos enumerá-las uma a uma, milhares de
páginas seriam escritas, e isso não é nenhuma hipérbole.

Embora não seja possível listar de forma exaustiva os pensadores que


exerceram influência no cenário teológico contemporâneo, faz-se necessário
mencionar ao menos três deles: Immanuel Kant, Charles Darwin e Karl Marx.

O pensamento de Immanuel Kant é, sem dúvida, o grande divisor de


águas da filosofia moderna, de modo que seu nome representa para a filosofia
o mesmo que Copérnico representa para a ciência. Sua formação é um pouco
eclética, para não dizer estranha: começou seu estudo dentro do pietismo, sendo
depois influenciado pelo Iluminismo, em especial por Jean-Jacques Rousseau e
Christian Wolff. Um dos filósofos da sua época, G.E. Lessing, propôs que “os
eventos contingentes da história não podem servir de base para o conhecimento
do mundo transcendente, eterno”. Segundo essa concepção, existe um abismo
intransponível entre nós e Deus, e nós simplesmente não podemos passar para
o outro lado e conhecê-lo. Ele é Todo-Transcendente. É nesse contexto que Kant
aparece. A própria ideia de Deus como “Todo-Transcendente” ocorre inúmeras
vezes em sua obra, sendo um dos principais postulados da sua filosofia. Essa
ideia se transformaria no paradigma principal da neo-ortodoxia.

O nome Charles Darwin é comumente associado à teoria evolucionista.


Embora já houvesse muitos modelos evolucionistas antes dele e tenham surgido
muitos outros depois, é quase impossível ouvir seu nome sem associá-lo a teoria
da evolução das espécies.

Em 1831 Darwin partiu para uma viagem ao redor do mundo para fazer
observações científicas, levando na viagem o livro de Charles Lyell, Princípios
de Geologia. Em 1839 ele começou a escrever a obra que se tornaria o seu
legado, concluindo-a em 1844. Não se sabe ao certo por que, mas o fato é que
Darwin levou 15 anos para imprimi-lo. É possível que a razão da demora resida
no temor da indignação que seu livro poderia lançar. Em Origem das Espécies,
Darwin faz a polêmica afirmação de que todos nós procedemos de um ancestral
comum e animalesco, não havendo essencialmente nada que confira dignidade
ao homem. O acaso nos gerou, portanto, não há Deus. Essa é a consequência
lógica da sua cosmovisão.

Filho de judeus, Karl Marx nasceu em Trier, na Alemanha, em 1818. Foi,


sem dúvida, um gênio intelectual, obtendo seu doutorado em filosofia aos 23
anos. Ele foi muito influenciado pelas ideias de Ludwig Feuerbach, o qual dizia
que o homem não foi criado à imagem de Deus, mas Deus foi criado à imagem
do ser humano. Sua filosofia lançou as bases do Socialismo. O pensamento de
Marx é um pensamento voltado para o trabalho. Para Marx, não é o
conhecimento espiritual que transforma a existência e, consequentemente, a
vida social, mas exatamente o contrário: com a revolução, o corpo social
transforma também a sua subjetividade. Esse pensamento servirá de base do
movimento da “teologia da libertação”, na segunda metade do século vinte.
Embora seja útil apontar todos os ascendentes do pensamento teológico
do século vinte, tal tarefa seria muito pesarosa e fugiria ao escopo da nossa
pesquisa. Certamente há muitas outras vertentes que influenciaram o
pensamento teológico no século passado e contribuíram para o abandono da
teologia ortodoxa no século vinte. Mas não foi só o pensamento renascentista,
iluminista ou evolucionista que exerceu influência sobre a teologia do século
passado: a intempérie do início do século vinte também contribuiu para as
diversas variações ocorridas na teologia contemporânea. Só na sua primeira
metade, houve duas guerras mundiais. Esse processo de guerras consecutivas
contribuiu de certo modo para uma perda de identidade do homem do século
vinte. Essa perda de identidade e falta de objetividade resultante do pós-guerra
foi a coluna principal do existencialismo. Em um mundo desorganizado e
desumanizado, a única certeza que o homem tem está relacionada a sua própria
existência. Desde então houve um grande desenvolvimento da uma filosofia
centrada no “Eu”, e nomes como Martin Heidegger e Jean-Paul Sartre ganharam
projeção mundial. Os pressupostos existencialistas destes pensadores também
tiveram grande influência no pensamento teológico contemporâneo.

Esta obra não é fruto de toda uma vida de esmero teológico e nem
tampouco nenhum grande logro acadêmico. Ela é muito simples e até limitada,
oferecendo apenas uma pequena introdução à matéria de teologia
contemporânea. “TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA: Uma análise do
desenvolvimento do pensamento teológico no século vinte”, encontra sua
justificativa na necessidade de conhecermos as mudanças históricas que vêm
acontecendo no cenário teológico mundial. Ela certamente servirá de guia no
estudo da Teologia Contemporânea, podendo ser utilizada por professores nos
seminários.

A perspectiva adotada é conservadora, como entendemos ser também a


teologia apostólica, porém, conservadorismo não é sinônimo de ignorância ou
apatia intelectual. Muitas pressuposições da teologia contemporânea nos são
úteis, principalmente no campo da crítica textual, mas não podemos jamais
sacrificar as nossas crenças fundamentais no altar do pós-modernismo.
A pós-modernidade não tem influenciado apenas os teólogos em sua
maneira de pensar, mas também os pastores e líderes das nossas
denominações. A Bíblia tem sido abandonada, e quando aparece, é permutada.
Que ao examinar as correntes teológicas que serão apresentadas nessas
páginas, ninguém assuma uma postura indiferente. Nosso desejo é que ao ler o
conteúdo programático dessa dissertação, o leitor, seja teólogo, pastor ou leigo,
possa assumir uma postura de apologeta e juntar-se a nós na luta pela
manutenção da ortodoxia bíblica, por aquela unidade fundamental que havia em
nossos irmãos primitivos.
CAPÍTULO 1

A influência de Immanuel Kant na Teologia Contemporânea

A revolução teológica do século passado que ficou conhecida pelo nome


de teologia existencialista ou contemporânea, tem as suas raízes nas ideias do
filósofo Immanuel Kant. Embora já tenha sido mencionado na introdução, esse
filósofo merece, sem nenhuma dúvida, um capítulo à parte. Kant logrou
sistematizar a confiança do homem moderno na capacidade da razão para tratar
de tudo o que diz respeito ao mundo material, e sua incapacidade para ocupar-
se de tudo o que está além do nosso mundo. Ao fazer isso, Kant não se projetou
apenas sobre o século dezenove, mas também sobre o século vinte.

1. Um novo conjunto de pressupostos religiosos para o homem


moderno

O mundo grego havia elaborado algumas normas religiosas básicas em


torno do paradoxo entre a forma e a matéria. Na idade média, o homem do
ocidente havia assimilado algumas dessas ideias, reorganizando-as em torno do
conceito de natureza e graça. De certa forma, a síntese de Tomás de Aquino era
de origem pagã e aristotélica, e privava a graça de seu caráter puramente cristão,
fazendo dela um elemento aperfeiçoador da superestrutura, ao invés de ser um
ato transformador de Deus.

Kant e sua ideia de autonomia fizeram dessa privação da graça mais que
uma simples moldura teológica: pela primeira vez na história da civilização
ocidental, a natureza foi separada da graça de forma elaborada, consequente e
consciente. No pensamento do homem moderno, a graça foi suplantada pela
ideia de emancipação; o homem tinha que nascer de novo como pessoa
completamente livre e autônoma, emancipada de qualquer pensamento
preconizado. De acordo com essa nova maneira de pensar, até mesmo o
conceito de natureza – conservado da síntese medieval aquiniana – se
transformou, passando a ser uma esfera microcósmica dentro da qual a
personalidade humana podia exercer sua autonomia. A natureza era agora
interpretada como um terreno infinito que o pensamento matemático autônomo
devia controlar.

A história do pensamento e da teologia ocidental desde Kant nos mostra


como esses pressupostos religiosos, trabalhando com ideias tomadas do
cristianismo, modelaram uma nova teologia e um novo mundo.

2. A autonomia do homem e sua influência no pensamento


religioso moderno

A autonomia preconizada por Kant, isto é, a emancipação de valores


exteriores, produziu uma avaliação muito elevada da capacidade humana,
sobretudo da razão humana como autoridade final e como crivo para a verdade.
A razão, e somente a razão, poderia julgar o mundo do fenômeno e o mundo do
número. Para Kant, essa autonomia representava a substituição do conceito de
revelação do cristão – que tem sua expressão máxima em Cristo e na Bíblia –
pela razão autônoma do homem. Em um sentido ulterior, Kant entroniza a razão
como sendo o princípio supremo. A verdadeira religião, na filosofia kantiana, não
consiste em conhecer o que Deus tem feito para a nossa salvação, e sim em
conhecer o que devemos fazer para chegarmos a ser dignos dela. Essa
moralidade religiosa, segundo Kant, pode ser alcançada sem a necessidade de
nenhum aprendizado bíblico.

Não há muita distância entre esse pensamento de Kant e o pensamento


posterior dos teólogos contemporâneos, tal como em Bultmann e sua ideia de
desmitologização, nem está longe da ideia da razão autônoma como juíza da
revelação na análise racional de Pannenberg, que apresenta os relatos da
ressurreição como estando contaminados de lendas, nem da negativa de
Cullmann de considerar os relatos da criação de Gênesis como história
autêntica.
3. O relativismo de David Hume e sua influência na filosofia
kantiana

David Hume, filósofo escocês, havia lançado dúvida em quanto à


possibilidade de alguém provar alguma coisa, tanto dentro como fora de si
mesmo. Causa e efeito, Deus como origem de todas as coisas, o homem como
ser contingente, tudo isso era para ele completamente evasivo. Segundo ele,
não conhecemos a coisa em si, mas apenas aquele conhecimento que os
sentidos nos proporcionam.

Kant tomou emprestado de Hume o problema do conhecimento proposto


por ele e o reformulou, como se isso fosse, pudesse resolver o problema
epistemológico. Kant criou dois mundos, à saber, o mundo dos fenômenos e o
mundo dos números, sendo um percebido pela razão e pelos sentidos, e o outro,
o mundo de Deus, da imortalidade, da liberdade e das ideias reguladoras que a
razão não pode explicar, mas que devem ocupar um lugar na vida como se
fossem objetos reais ao alcance da razão.

O efeito de tudo isso foi em parte, devastador. Kant, ao colocar Deus em


um outro mundo, o aprisionou com um muro à prova de som; seu único vínculo
com o mundo dos fenômenos se daria por meio da necessidade que o homem
tem da ideia de Deus para o seu mundo ético. Com isso, Kant não fechou
totalmente a porta do nosso mundo para Deus, mas a diminuiu de tal forma que
o Deus soberano, cujas vestes enchiam o templo (Isaías 6.1), não pode entrar.
Da mesma forma, uma vez que o homem não pode perceber as coisas como
são na realidade – tanto no mundo dos fenômenos como no mundo dos números
– não pode introduzir-se por essa porta para conhecer a Deus. Ele ficou isolado
no mundo dos fenômenos e Deus no mundo numeral.

4. O confinamento de Deus na teologia contemporânea

Esse confinamento de Deus no mundo dos números é o tema favorito da


teologia contemporânea. Tal confinamento se reforça com a insistência
crescente do existencialismo na liberdade, e reaparece de forma modificada nos
primeiros escritos de Karl Barth acerca de Deus como “Totalmente Outro”, como
“Aquele que não pode ser explicado como se explica um objeto”. Ele reaparece
na divisão neo-ortodoxa entre História e Geschichte, na diferenciação de
Bultmann entre o Jesus histórico e o Cristo kerigmático, ou, usando uma
linguagem kantiana, entre o Jesus fenomenal e o Cristo noumenal. Esse
confinamento do mundo espiritual é o fator preponderante da insistência
contemporânea na “humanidade” da Bíblia e da definição barthiana de revelação
como sendo o encontro divino-humano, o numeral que toca o fenomenal, porém,
sem entrar nele. Ele também produz em Moltmann uma teologia da esperança,
completamente cética quanto a qualquer fim escatológico na história fenomenal,
ainda que capaz de falar de um futuro noumenal. Nesse ínterim, quase ninguém
se atreve a buscar o Jesus histórico; ele é simplesmente irrelevante.

2.5- As idéias deístas presentes na filosofia da emancipação e sua


influencia na teologia contemporânea.

O conceito deísta que fez parte do processo de florescimento da


autonomia não dava nenhum lugar à intervenção divina na criação por meio de
algo sobrenatural e revelador. Da mesma forma, a autonomia do método sobre
o texto bíblico estabeleceu certos pressupostos que o método histórico-crítico
ainda mantém, como o abandono da doutrina da inspiração verbal. Começa-se
então a fazer distinção entre a Palavra de Deus e a Bíblia, e junto com o
pressuposto metodológico, ressurge a idéia de que há erros na Bíblia e que esta
deve ser tratada como qualquer conjunto de documentos do passado.

Essa idéia de humanização da Bíblia veio a ser uma das características


distintivas da crítica bíblica, quer seja em sua forma mais conservadora (como
se encontra em Oscar Cullmann e Wolfhart Pannenberg), ou em suas
expressões mais radicais (como em Paul Tillich, John Robinson e nos teólogos
seculares). Também Barth e Bultmman, apesar de todo o seu debate interno,
seguem unidos no emprego dessa metodologia.

2.6- Uma separação radical entre história e fé.


A divisão entre história e fé também se tornou mais tarde um pressuposto
da teologia contemporânea. O Jesus histórico parecia cada vez mais distante do
Cristo da fé. Acerca desse impasse, G.E. Lessing afirmou que “o verdadeiro valor
de qualquer religião não depende da história, senão de sua capacidade de
transformar a vida através do amor”. Os teólogos contemporâneos apresentam
repetidas vezes essa dissociação do Jesus histórico e do Jesus da fé, afirmando
que ainda que a história escrita do cristianismo não se possa aceitar, o ensino
de Cristo pode e deve ser aceito. A historicidade da Bíblia parece menos
importante que aquilo que ela diz. Barth fará isso ao ser indagado sobre se a
serpente realmente falou no jardim do Édem, dizendo que isso não tem a menor
importância diante do que a serpente disse. Bultmann fará o mesmo ao rejeitar
os relatos evangélicos como sendo produtos historicamente duvidosos por um
lado, e aceitando-os, por outro lado, por causa da sua compreensão existencial
do “Eu”. Moltmann o utilizará ao burlar-se da noção clássica de escatologia
cumprindo-se na história, e ao mesmo tempo falará sobre a igreja orientada para
o futuro. Também John Robinson, ao mesmo tempo em que rejeita a idéia de
céu como sendo um “lugar lá em cima”, fala de uma nova dimensão de vida como
ser em profundidade, e de Deus como o Fundamento do ser.

Não há duvida de que Immanuel Kant teve grande influência sobre o


pensamento teológico contemporâneo. Na verdade, desde Kant que a história
do pensamento e da teologia ocidental é a história de como seus pressupostos
religiosos, associados a muitas idéias cristãs, deram origem a um mundo novo.
Embora sua filosofia encarasse com valentia as questões pleiteadas por Hume,
ele enclausurou os seres humanos no mundo dos fenômenos, não havendo
modo da mente fenomenal conhecer o numeral. Entre tantas objeções que se
pode fazer a Kant, uma é a mais óbvia: Se o nosso entendimento acerca de Deus
não é ao menos alegórico, como pode o homem conhecer a Deus? A filosofia de
Kant transforma Deus em um ser incognoscível, e esse pressuposto será um
grande dilema para a teologia dialética de Karl Bath, bem como de outros
teólogos contemporâneos.
Capítulo 2

A teologia dialética de Karl Barth e a revolta contra o Liberalismo


Teológico

Tendo já comentado a influência da filosofia kantiana para a teologia do século


vinte, passemos agora a discorrer sobre a teologia contemporânea em si.

Em 1919, um jovem pastor de uma pequenina igreja da Suíça escreveu um


comentário tão radical que certo escritor disse que Karl Barth pegou uma carta
escrita em grego do primeiro século e transformou em uma carta urgente para
o homem do século vinte. Um teólogo católico disse que esse comentário aos
Romanos foi uma revolução copernicana na teologia protestante que acabou
com o predomínio do liberalismo teológico. Ele foi, de fato, uma bomba que
Barth lançou no cenário teológico contemporâneo.
Diz-se da segunda versão do comentário aos Romanos, totalmente revisada e
publicada em 1921, que ela foi ainda mais revolucionária que a primeira.
Porém, de qualquer forma, 1919 tem sido para muitos o ponto de partida da
teologia contemporânea.

A influência da obra de Karl Barth nessa nova era da teologia é enorme. Ele
transformou a teologia do século vinte em teologia da crise. Foi ele quem
dominou o ambiente teológico, formulou os problemas e apresentou as
hipóteses de maior relevância, e desde então tem estado no centro da teologia
moderna. Não há nenhuma dúvida de que o pensamento de Barth dominou o
pensamento teológico do seu tempo. Ele produziu um impacto tão grande na
teologia protestante, que todo teólogo do nosso século que quiser estudar
teologia a sério, pode se opor à sua teologia ou acolher suas idéias, mas não
pode jamais ignorá-la se quiser conhecer a situação teológica contemporânea.

O que havia nesse comentário do pastor Barth que sacudiu os alicerces


teológicos do século vinte? Quais foram os princípios que Barth apresentou e
que se converteram no legado de uma nova era teológica? Harvie M. Conn,
aluno do Dr. Cornelius Van Til, esboça alguns princípios que emanam do
comentário de Karl Barth aos Romanos e que parecem ter desempenhado o
papel mais influente na formação das novas variantes teológicas. Esses
princípios serão abordados nos tópicos a seguir.

3.1- A revolta teológica contra o liberalismo teológico foi uma das mais notórias
características da teologia barthiana.
Barth havia aprendido teologia aos pés de dois grandes teólogos liberais, à
saber: Harnack e Herrmann. O Jesus do mentor de Barth, Harnack, não era o
filho de Deus único e sobrenatural, mas a encarnação do amor e dos ideais
humanistas. A Bíblia do mentor de Barth, Herrman, não era a Palavra infalível
de Deus, e sim um livro extraordinário, ainda que ordinário, cheio de erros e
que exigia uma crítica radical para encontrar a verdade. A medida de toda a
verdade era a experiência, o sentimento. A teologia desses dois mestres e
também a de Barth era o Idealismo teológico, caracterizado por uma profunda
veia de pietismo e de preocupação pela prática da experiência religiosa cristã.
Em 1919, e com muito mais força em 1921, Barth se encarregou de repudiar
grande parte desse liberalismo clássico.

A primeira guerra mundial e seus horrores acabaram por soterrar o idealismo


teológico liberal. A culta Alemanha, a liberal Inglaterra e a civilizada França
lutavam como animais ferozes. Nesse ínterim, os mestres liberais de Barth se
uniram com outros teólogos para declarar seu apoio à Alemanha, o que
demonstrou que eles eram mestres de uma religião atada a uma cultura, e não
a Deus. O comentário de Barth aos Romanos surgiu então como repúdio de
seus antigos mestres liberais. O liberalismo fazia de Deus algo imanente ao
mundo; Barth se opôs a isso e apresentou Deus como “Totalmente Outro”. O
subjetivismo do liberalismo do século 19 havia colocado o homem no lugar de
Deus; Barth exclamou: “Seja Deus, e não o homem!”. O liberalismo havia
exaltado o uso aculturado da religião; Bart condenou a religião como o pecado
máximo. O liberalismo edificou a teologia sobre a base da ética, Barth quis
edificar a ética sobre a base da teologia.

3.2- O comentário de 1921 de Barth propôs uma nova idéia de revelação.


Em oposição ao antigo liberalismo, Barth enfatizou a necessidade que o
homem tem da revelação, e chamou suas idéias de Teologia da Palavra de
Deus. Barth, porém, insistiu na distinção entre a Bíblia e a Palavra de Deus.
Este era seu legado kantiano.

Segundo Barth, pode-se ler a Bíblia sem ouvir a Palavra de Deus. A Bíblia é
simplesmente um livro, mas, pelo menos, um livro através do qual nos pode
chegar a Palavra de Deus. A relação entre Deus e a Bíblia é real, porém
indireta. A Bíblia, diz Barth, “é a Palavra de Deus enquanto Deus fala por meio
dela […] a Bíblia se transforma em palavra de Deus nesse momento”. Para
ele, até que a Bíblia se torne real para nós, até que ela nos fale da nossa
situação existencial, ela não é Palavra de Deus. Esse é o conceito barthiano de
revelação.

3.3- A dialética de Barth, ou teologia do paradoxo.

O comentário de Barth também introduziu um novo método para explicar a


teologia, a dialética. Esse termo ficou rapidamente associado à obra de Barth,
ainda que o método tenha sido tomado por empréstimo do teólogo
existencialista Soren Kierkgaard. Kierkgaard havia dito que toda afirmação
teológica era paradoxal, não podendo ser sintetizada. O homem devia somente
conservar ambos os elementos do paradoxo. É esse ato de sustentação do
paradoxo que Kierkgaard chama de “salto de fé”.

Tal conceito influenciou muito a teologia barthiana, de maneira que quando


preparava o comentário aos Romanos, Barth afirmava que “enquanto estamos
na terra, não podemos fazer outra coisa em teologia a não ser utilizar o método
de afirmação e contra-afirmação. Não nos atrevemos a pronunciar em forma
absoluta a palavra definitiva […] O paradoxo não é acidental na teologia cristã.
Ele pertence, em certo sentido, ao coração do pensamento doutrinário”. A
própria natureza da revelação, segundo Barth, é um paradoxo: Deus é o oculto
que se revela; conhecemos a Deus e conhecemos o pecado; todo homem é
escolhido e também reprovado em Cristo; o homem é justificado por Cristo,
mas ainda é pecador. Certo comentarista observou que, segundo a teologia
dialética de Barth, a revelação que vem de cima para o homem, ao encontrar a
contradição do pecado e finitude humana, só pode ser assimilada pela mente
humana como sendo um paradoxo.

3.4- O comentário de Barth veio reafirmar a transcendência absoluta de Deus.

Um dos pressupostos de Barth, que também é um legado kantiano, é que Deus


é sempre sujeito, nunca objeto. Deus não é simplesmente uma unidade no
mundo dos fenômenos; ele é infinito e soberano, “Totalmente Outro”, e só pode
ser conhecido quando nos fala. “Ele não pode ser explicado como qualquer
outro objeto pode ser, apenas podemos nos dirigir a Ele […] Por esta razão,
não cabe à teologia medí-lo em uma forma de pensamento direto ou unilinear”.
Não podemos falar a respeito de Deus. Apenas falamos a Deus. Segundo
Barth, a própria natureza de Deus exige que as afirmações que lhe dirigimos
sejam revestidas de contradição: “Não podemos considerá-lo perto, a não ser
que o consideremos longe”.

Sem dúvida o grande tema de Barth, em oposição declarada ao liberalismo, foi


a “infinita diferença qualitativa” entre eternidade e tempo, céu e terra, Deus e o
homem. Não se pode identificar Deus com nada no mundo, nem sequer com
as palavras da Escritura. Deus chega ao homem como a tangente que toca o
círculo, mas na realidade não o toca. Deus fala ao homem como a bomba
explode na terra. Depois da explosão, tudo o que resta é uma cratera abrasada
no terreno, e essa cratera é a igreja.
3.5- O comentário de Barth também demarcou a fronteira entre a história e a
teologia.

A teologia do século dezenove se dedicou a procurar o Jesus histórico por


detrás do Cristo sobrenatural da Bíblia. Os liberais clássicos como o professor
de Barth, Harnack, se dedicaram a buscar nos evangelhos – os quais eles
condenavam como não-confiáveis – os fatos históricos sobre Jesus. Barth
asseverou que essa busca é um a busca sem importância, pois, segundo ele, a
revelação não entra na história, apenas a toca como uma tangente toca um
círculo. Segundo Barth, não há nada na história sobre o que possamos basear
a fé. A fé é um vazio preenchido não pela história, mas pela revelação.

Profundamente influenciado pelos conceitos de história de Kierkgaard e de


Franz Overbeck, Barth dividiu a história em dois níveis: Historie e Geschichte.
Ainda que ambos os termos possam ser traduzidos por história, no alemão, a
conotação que essas duas palavras têm é bem diferente. Historie é a totalidade
dos fatos históricos do passado, podendo ser comprovada objetivamente.
Geschichte se ocupa daquilo que une essencialmente, que exige algo de mim e
requer meu compromisso. Segundo Barth, a ressurreição de Jesus pertence ao
âmbito de Geschichte, não de Historie. Para ele, o âmbito da Historie de nada
vale para o crente. Jesus deve ser confrontado no âmbito de Geschichte.

Mais uma vez a influência do pensamento de Immanuel Kant sobre a teologia


de Karl Barth, principalmente no que concerne ao mundo dos fenômenos e dos
números é muito grande, podendo-se até dizer que a teologia contemporânea
tem sua raiz em Konigsberg, na Prússia. Ao longo do desenvolvimento da
teologia contemporânea, as idéias kantianas de fenomenal e numenal “volta e
meia” reaparecem com uma nova roupagem. Alguns tomam o tema e o
ampliam, porém sua influência continua sendo grande a ponto de podermos
designar o século dezoito e o pensamento de Kant como protótipo da teologia
contemporânea.

3.6- Objeções à teologia dialética de Karl Barth.

Há, sem dúvida, algumas críticas que se pode fazer à obra de Barth. Ele
mesmo reconheceu alguns de seus excessos e poliu boa parte dos argumentos
que enfatizou a princípio, e até certo ponto, pode-se dizer que ele suavizou
algumas idéias mais incisivas. O que passo a expor agora, são algumas
críticas que se podem fazer ao pensamento de Barth.

Em primeiro lugar, ainda que as idéias de Barth representem uma revolta


contra o liberalismo clássico, suas idéias podem ser chamadas de novo
liberalismo. Barth não conseguiu se livrar do ponto de vista crítico liberal das
Escrituras. Por causa dos seus pressupostos liberais, Barth não aceita a
inerrância da Bíblia, chegando mesmo a afirmar que toda a Bíblia é um
documento humano falível e que buscar partes infalíveis nas Escrituras é
“simples capricho pessoal e desobediência”. A inerrância das escrituras é uma
das diferenças cruciais entre o liberalismo e o cristianismo ortodoxo, e o
posicionamento de Barth nada mais é que uma opção por ficar em cima do
muro.

Sua idéia de revelação, em última instancia, é puramente subjetiva. Para Barth,


a diferença entre a Bíblia como meramente um livro e a Bíblia como a Palavra
de Deus depende exclusivamente da reação humana frente a este livro.
Embora em uma atitude de revolta contra o liberalismo ele tenha exclamado:
“Seja Deus e não o homem”, na prática, dentro da sua teologia dialética, o
homem é entronizado no centro da experiência religiosa.

O resultado final da dialética de Barth é a destruição da verdade objetiva. Se


toda comunicação histórica e toda experiência direta com Deus se encaixa em
uma concepção pagã de Deus, como poderemos aproximar-nos da verdade
sobre Deus? Também a sua insistência em descrever Deus como “Totalmente
Outro” faz de Deus um ser indescritível. Como Deus não é um objeto no tempo
e no espaço, e visto que a “inescrutabilidade e recondidez formam parte da
natureza de Deus”, o homem não pode conhecê-lo diretamente, afirma ele. A
questão é: se Deus é assim tão indescritível e insondável, de que maneira o
homem pode conhecê-lo?

A separação que Barth faz da Historie e da Geschichte, traz à tona a


problemática concernente à historicidade da obra redentora de Cristo como
fundamento do cristianismo. Ela argumenta na tradição de Nietzche e
Overbeck, separando o cristianismo da história, e ao fazê-lo, acaba por solapar
a base do cristianismo. É claro que o propósito de Barth foi tirar do liberalismo
o monopólio quanto ao método de interpretação, mas ao fazê-lo, também
privou o cristianismo do seu lugar na história.

Ao que vemos, embora a teologia de Barth tenha sido responsável por uma
prática religiosa em que os valores evidenciam a religiosidade do cristão, ele
jamais conseguiu se libertar completamente do liberalismo teológico de seus
mestres Herrmann e Harnack. Ele revoltou-se contra o liberalismo teológico,
argumentou contra ele, mas não pode livrar-se de seus pressupostos. Tal como
Kant, Barth confina Deus ao mundo dos números e apresenta a dialética – a
teologia do paradoxo – como sendo à única teologia possível. Ele exclui a
razão a priori e deixa a porta fechada à percepção humana.
Sua teologia é de suma importância para o século vinte e, de fato, quase todo o
pensamento teológico moderno até a década de setenta envolverá a
perspectiva de Barth. Podemos aceitar seus pressupostos ou acirrar-nos contra
ele, mas nenhum teólogo de nossa época poderá jamais ignorar a teologia
dialética de Karl Barth e sua influência no cenário teológico contemporâneo.

1. Neo-ortodoxia: Analisando os pressupostos teológicos do novo


liberalismo

Karl Barth havia desencadeado uma tremenda revolução com seu comentário
aos Romanos, e nos anos que se seguiram, a revolução se ampliou
consideravelmente, se avolumando sob a égide de um novo movimento
teológico denominado “neo-ortodoxia”. Emil Brunner talvez tenha sido um dos
nomes mais conhecidos dessa nova escola, depois, é claro, de Barth.

Brunner foi um teólogo suíço residente nos Estados Unidos que também teve
participação importante no desenvolvimento da teologia neo-ortodoxa. Nascido
em 1889, estudou em Zurich, Berlim e também no Union Theological Seminary,
em Nova Iorque. Tornou-se professor de teologia em Zurich em 1924, e em
1953 deixou a Suíça para tornar-se professor na Universidade Cristã do Japão.

Desde os primeiros anos do comentário aos Romanos, a neo-ortodoxia – às


vezes chamada de barthianismo – cruzou muitas fronteiras, tendo exercido
influência no oriente. No Japão, por exemplo, apesar da influencia de Brunner,
foi Barth quem foi apelidado de “o papa teológico”. Enquanto nos Estados
Unidos ele era recebido como um dos mais importantes teólogos, no Japão ele
era conhecido como o único teólogo. Essa influência de Barth no Japão, deve-
se principalmente aos escritos de Tokutaro Takahura, por volta de 1925. Na
verdade, o mundo inteiro sentiu o abalo da teologia barthiana, tanto que ao final
da década de cinqüenta, as três principais correntes teológicas já eram
mencionadas como sendo a conservadora ou ortodoxa, liberal e neo-ortodoxa.
Temos que reconhecer que existe muita rivalidade no movimento. A ferrenha
diferença de opiniões entre Barth e Brunner quanto à realidade do nascimento
virginal e da revelação geral, as criticas de Barth à Bultmann e as críticas que
Bultmann devolveu à Barth, a discordância de Pannenberg acerca do conceito
barthiano de história, são indicativos de que as vozes dentro do movimento
neo-ortodoxo nem sempre foram unânimes. Emil Brunner aceita a revelação
geral, e a mesma é negada por Barth. Barth aceita o nascimento virginal,
conceito que é negado por Brunner. Ele foi duramente criticado por Barth por
afirmar que a imagem de Deus se encontra ainda no homem pecador e que
Deus se revela na natureza, mas se defendeu argumentando que se o homem
pecador não é mais a imagem de Deus e se não há nenhuma revelação de
Deus na natureza, então o homem não pode ser responsabilizado pelo pecado
que comete.

A teologia de Brunner, assim como a de Barth, é extremamente subjetiva.


Buscando inspiração nos escritos dos filósofos Martin Bubber e Soren
Kierkgaard, ele define o cristianismo e a teologia em termos mais relacionais
que racionais. Ele argumenta que Deus não pode ser tratado como um objeto
de estudo, ou um “isso”, mas devemos nos relacionar com ele apenas como
um “Tu”. Essa insistência em que Deus é sempre sujeito e nunca objeto será
um tema bastante recorrente na teologia contemporânea.

Em um capítulo anterior, indicamos alguns dos pressupostos, bem como a


metodologia da estrutura teológica neo-ortodoxa. Agora, cabe a nós
destacarmos os temas comuns. O esboço que demonstraremos a seguir está
baseado principalmente na obra Dogmática da Igreja, de Barth.

4.1- O tema mais debatido pela neo-ortodoxia é o conceito de revelação.


A revelação, segundo Barth, é uma perpendicular que vem de cima, e que por
isso não pode se comparar com as melhores intuições humanas. A revelação é
um evento no qual Deus toma a iniciativa. Também é dito que a revelação não
pode comparar-se com a Bíblia, pois é superior a ela. A Bíblia e suas
afirmações são testemunhas, são sinais indicadores da revelação, mas não é a
revelação em si. A Escritura não é a Palavra de Deus, e nem as afirmações da
Escritura são revelação. Segundo Barth, comparar a Bíblia com a Palavra de
Deus é objetivar e materializar a revelação.

Nesse mesmo terreno, Brunner definiu a revelação como sendo uma ocasião
de diálogo em que Deus se encontra com o homem. Não se pode dizer que a
revelação tenha acontecido, à não ser que ambos os participantes do encontro
– a saber, Deus e o homem – se encontrem.

4.2- O coração da revelação da Palavra de Deus, segundo a perspectiva neo-


ortodoxa, é Jesus Cristo.

De fato, Barth insiste tanto nessa idéia que chega ao ponto de negar a
existência de qualquer outra revelação, à parte de Cristo. Para ele, a história da
revelação e a história da salvação vêm a ser a mesma coisa. No Cristo de
Barth, Deus revelou que não queria deixar o homem existir em pecado. Por
isso, Barth insiste em que nunca deveríamos mencionar o pecado, a não ser
que agreguemos imediatamente que o pecado foi derrotado, esquecido e
vencido por Jesus. A reconciliação entre Deus e o homem se efetua por meio
de Cristo. Jesus Cristo é o próprio Deus, isto é, é Deus que se humilha a si
mesmo. Em sua liberdade, Deus cruza o abismo aberto e mostra que ele é
verdadeiramente Senhor.
Na encarnação, Deus se humilha a si mesmo. Barth não quer admitir a
humilhação do homem Jesus. Segundo ele, dizer que a humilhação se refere
ao homem é uma mera tautologia. Que sentido haveria em falar de um homem
humilhado? A humilhação é algo natural no homem. Porém, dizer que Deus se
humilhou a si mesmo, segundo Barth, é entender o verdadeiro significado de
Jesus Cristo como Deus. Ele é o Deus que se humilha, que se revela, e é
também a própria essência da revelação.

4.3- Barth afirma que Cristo, embora haja se humilhado como Deus, foi
exaltado como homem.

Ele se nega a admitir a idéia tradicional dos dois estados de Cristo, humilhação
e exaltação, referindo-se à totalidade do Deus-homem em ordem cronológica.
Para Barth, Deus se humilhou a si mesmo e o homem (a humanidade de
Jesus) foi exaltada. Dizer que o estado de exaltação se refere a Deus também
é mera tautologia. Que sentido haveria em falar em um Deus exaltado? A
exaltação é algo natural em Deus. Segundo Barth, “em Cristo, a humanidade é
humanidade exaltada, assim como a divindade é divindade humilhada. E a
humanidade é exaltada com a humilhação da Divindade”.

4.4- A doutrina de Barth traz implícito o universalismo.

Outro problema bastante polêmico dentro da neo-ortodoxia é a ambigüidade de


seus proponentes no que concerne à possibilidade de salvação universal. Barth
desde o início repudiou o conceito supralapsariano – que é a dupla
predestinação – afirmando que a eleição não diz respeito a pessoas, e sim à
Cristo. Ele afirma que a tarefa da igreja é proclamar que os homens já foram
eleitos em Cristo, e que portanto, devem viver como escolhidos. Para Barth, a
eleição não é um estado que adquirimos em Cristo, e sim uma vida de ação e
serviço a Deus.

Esse conceito barthiano implica em universalismo? Barth não afirmou, mas


também jamais negou essa hipótese. Em uma de suas últimas conferências
sobre a humanidade de Deus, ele disse que “não temos o direito teológico de
estabelecer quaisquer limites à misericórdia de Deus que se manifesta em
Jesus Cristo”.

4.5- Objeções à neo-ortodoxia.

Como se pode observar, muitos pressupostos da neo-ortodoxia são resultantes


da influência do liberalismo, o que torna algumas de suas propostas
inaceitáveis para os teólogos ortodoxos. Há ainda muita polêmica dentro da
neo-ortodoxia, não sendo difícil levantar objeções a essa corrente teológica. O
que apresentamos a seguir são algumas objeções mais freqüentes que são
levantadas contra a neo-ortodoxia.

Primeiramente, a neo-ortodoxia coloca a experiência subjetiva acima da


revelação objetiva. Para a neo-ortodoxia, a revelação não é simplesmente uma
declaração de Deus ao homem, e sim um encontro divino-humano, uma
confrontação e um diálogo existencial. De acordo com essa premissa, a Bíblia
não pode ser a Palavra de Deus. Ela se transforma em Palavra de Deus à
medida que Deus fala conosco por meio dela. Reconhece-se nessa premissa a
dívida que a neo-ortodoxia tem com a escola de filosofia existencialista.
A neo-ortodoxia conserva a linguagem teológica ortodoxa, porém a
reinterpreta, e muitas vezes o resultado desta reinterpretação é tão nocivo
quanto veneno no leite. As doutrinas do pecado original, da queda de Adão, da
redenção, da ressurreição e da segunda vinda de Cristo são chamadas de
mitos por Brunner e de saga por Barth. A interpretação que a neo-ortodoxia dá
a essas passagens é acima de tudo existencial, quase nunca literal, sob
alegação de que essas doutrinas não descrevem eventos na história, e sim
condições históricas sob as quais todos os homens vivem. Gênesis 3, por
exemplo, não deve ser tomado como história literal, sendo apenas uma forma
simbólica de explicar a realidade do pecado e do orgulho na vida humana.
Esse conceito de teologia não deixa nenhuma porta pela qual possa entrar a
pregação da vinda do Filho de Deus como evento a ocorrer na história, por
exemplo.

A insistência de Barth em Jesus Cristo como o coração da revelação é tão forte


que o leva a negar a existência de qualquer outra revelação de Deus. Essa
idéia é contrária a Bíblia, pois esta afirma que Deus se revela através da sua
criação (Atos 14.17 e Romanos 1.19-20). O conceito barthiano e neo-ortodoxo
de revelação também é contrário à doutrina bíblica da inspiração, e acaba por
destruir o caráter bíblico de revelação canônica.

Alguns acusam Barth de fazer uma interpretação dualista da encarnação de


Cristo, pois ele parece fazer distinção entre as duas naturezas, repudiando por
completo o credo da Calcedônia. Ora, Cristo não nos salvou apenas por meio
da sua divindade, mas também por meio da sua humanidade. Nós temos paz
por meio do sangue da cruz (Colossenses 1.20, Efésios 2.16) e não há nada
mais humano que o sangue de uma pessoa.

Ainda que Barth diz que nem afirma e nem nega a teoria da salvação universal,
sua idéia de “eleição universal em Cristo” parece uma espécie de neo-
universalismo. Além disso, seu repúdio pelas descrições do céu e do inferno
parecem um conceito de salvação bem diferente do que é apresentado nas
Escrituras. O resultado dessa postura “neo-universalista” é a destruição da
gravidade da incredulidade, e deste modo a neo-ortodoxia destrói as
advertências bíblicas contra a apostasia, bem como o chamado ao
arrependimento e à fé.

Por várias razões, muitos teólogos têm entendido mal a neo-ortodoxia. Essa
corrente teológica pretende, entre outras coisas, ser um retorno ao ensino dos
reformadores. A razão de ser da neo-ortodoxia é atacar o otimismo do
liberalismo clássico e as corrupções da teologia católica romana. É sua
intenção por em evidência a centralidade absoluta da pessoa de Cristo, a
transcendência de Deus e a necessidade de revelação. Naturalmente, todos
esses pontos básicos estão em harmonia com o conceito evangélico. Apesar
disso, como se pode observar, a neo-ortodoxia se separa da fé cristã histórica
não somente em algumas esferas pouco relevantes, mas também em seus
conceitos básicos. Recomendamos as obras de Barth, Bultmann e Brunner –
bem como de outros teólogos neo-ortodoxos – por sua influência e contribuição
para o cenário teológico contemporâneo, mas a apreciação dessas obras deve
ser feita com cautela e com espírito crítico.

2. Crítica da Forma: O método investigativo de Rudolf Bultmann

No mesmo ano em que Karl Barth publicou seu comentário aos Romanos,
apareceram mais dois livros acerca de temas neotestamentários que
anunciavam uma nova mudança nos estudos críticos. O livro Die
Formgeschichte des Erxrngeliums, de Martin Dibelius (1883-1947), foi o
responsável por popularizar o jargão teológico crítica formal. Outro livro, Der
Ráhmen der Geschichte Jesus (1919), de Karl L. Schimidt, pretendia ser o
golpe de misericórdia dos liberais contra a confiabilidade do Evangelho de
Marcos. Porém, mais que a estes dois nomes, a coluna vertebral dessa nova
mudança estaria associada a um outro nome: Rudolf Bultmann. O livro de
Bultmann que revolucionou a história dos estudos da Bíblia foi History of the
Synoptic Tradition (História da tradição dos Sinóticos), escrito em 1921. A
influência de Bultmann no campo da crítica sobrepujou a de Dibelius.
O método crítico de Bultmann é de fato, importante. Até mesmo os seus
críticos, tais como Oscar Cullmann e Joachim Jeremias, ao refutar as
conclusões de Bultmann, usam uma adaptação do seu método crítico. Aos
poucos, Inglaterra e Estados Unidos, bem como outros países com tradição no
estudo da teologia, ainda que receosos quanto à nova matéria que estava
associada principalmente ao nome de Bultmann, acolheram vários
pressupostos da crítica formal.

5.1- O método investigativo da crítica formal.

O labor do crítico formal é mostrar que a mensagem de Jesus, tal como temos
nos sinóticos, é em grande parte espúria, tendo sofrido acréscimos por parte da
comunidade cristã primitiva. Com respeito à confiabilidade da Bíblia, Bultmann
vai mais além, e afirma que a Bíblia não é a Palavra inspirada de Deus em
nenhum sentido objetivo. Para ele, a Bíblia é o produto de antigas influências
históricas e religiosas, e deve ser avaliada como qualquer outra obra literária
religiosa antiga.

A premissa fundamental da crítica formal é que os evangelhos são o produto


do labor da igreja primitiva. Os autores dos evangelhos procuraram unir várias
tradições orais independentes e contraditórias que existiam na igreja antes que
fosse escrito o Novo Testamento. Essas tradições orais também não são
dignas de confiança, consistindo basicamente de ditos e relatos individuais
referentes a Jesus e aos seus discípulos. A igreja ajuntou essas tradições e
usou em forma de narrativa, inventando lugares, tempos e enlaces para unir as
tradições independentes. Frases como as dos Evangelhos, “em um barco”,
“imediatamente”, “no dia seguinte”, “em uma viagem” – são apenas meros
recursos literários usados pelos compiladores dos Evangelhos para unir todas
as narrativas, inclusive histórias independentes acerca de Jesus. Como disse
K.L. Shimidt, um dos pioneiros no campo da crítica, nós “não possuímos a
história de Jesus, temos apenas histórias sobre Jesus”.

O propósito da crítica formal é encontrar o Evangelho por detrás dos


Evangelhos. Segundo os seus proponentes, os quatro Evangelhos que
dispomos servem apenas como “matéria prima” na nossa busca pelo
verdadeiro Evangelho, que teria sido anterior aos quatro Evangelhos canônicos
e diferente dos mesmos, partindo da premissa de que a igreja primitiva
compilou, editou e organizou os livros canônicos de forma artificial, de acordo
com seus próprios propósitos apologéticos e evangelísticos. Para dar aos
Evangelhos um detalhe harmônico, teriam sido acrescentados detalhes quanto
à seqüência, cronologia, lugares, etc. Segundo a crítica formal, tais detalhes
não são confiáveis. A Bíblia, tal como a temos hoje seria apenas uma
compilação de lendas e ensinos isolados que foram ardilosamente inseridos
como sendo parte da história original. Milagres, histórias controvertidas e
profecias cumpridas seriam nada mais que uma tradição proveniente de uma
fonte tardia e menos confiável.

Por fim, o resultado dessa metodologia é essencialmente anti-sobrenaturalista.


Para Bultmann, o que temos nos Evangelhos canônicos são apenas resíduos
do Jesus histórico. Não há dúvida que Jesus viveu e realizou muitas das obras
que lhe são atribuídas, mas ele se mostra extremamente cético, principalmente
quanto à possibilidade do sobrenatural e do chamado “Jesus histórico”. Ele
disse: “Creio que não podemos saber quase nada acerca da vida e
personalidade de Jesus, já que as fontes cristãs primitivas não se interessam
por isso, sendo fragmentadas e lendárias, e não existem outras fontes acerca
de Jesus”. É claro que o comentário de Bultmann é preconceituoso e
tendencialista, pois há menção da pessoa de Cristo nos escritos dos Pais
apostólicos, Flávio Josefo e Tácito, entre outros.
5.2- Consenso com os cristãos ortodoxos.

Os cristãos ortodoxos aceitam, de forma quase consensual, alguns dos pontos


sustentados pela neo-ortodoxia, e até mesmo com alguns pressupostos de
Bultmann.

A crítica formal nos lembra que o evangelho se conservou oralmente durante


pelo menos uma geração, antes de adquirir a forma escrita do Novo
Testamento. Ela também nos recorda que os Evangelhos não são relatos
neutros ou imparciais, sendo antes disso um testemunho da fé dos crentes.
Além disso, por maiores que foram os esforços de Bultmann, ele não
conseguiu demonstrar objetivamente o Jesus “não-sobrenatural”. Todos os
documentos do Novo Testamento, não importa a forma em que a crítica formal
os selecione, continuam refletindo o Jesus sobrenatural, filho de Deus.

A crítica formal também nos recorda o caráter ocasional dos Evangelhos. Cada
um deles foi escrito com uma idéia, em uma ocasião histórica específica, como
por exemplo, Mateus para os judeus, e Marcos e Lucas para os gentios. Como
tais, expressam em primeiro lugar uma preocupação vital com a problemática
da época. E por último, a crítica formal nos lembra que os Evangelhos não se
interessavam grandemente por detalhes geográficos e cronológicos, como a
comunidade cristã ortodoxa havia pensado e praticado anteriormente.

5.3- Objeções ao método crítico de Rudolf Bultmann.


É claro que esses pontos consensuais são superficiais. Assim como a teologia
dialética de Barth, o método crítico de Rudolf Bultmann é demasiadamente
injusto com a natureza do Novo Testamento. Há várias objeções que se pode
fazer ao criticismo de Bultmann, dentre as quais destacaremos cinco, por
considerá-las principais.

A primeira delas está relacionada com a história. Não há embasamento sólido


para a teoria da inconfiabilidade histórica dos Evangelhos. Os críticos da
tradição de Bultmann argumentam que, por se tratar de uma crônica de
contínuos sucessos, eles não podem ser um esquema historicamente confiável
sobre a vida de Cristo. O que eles não levam em conta é que dentro dos limites
de um esquema histórico amplo, cada evangelista distribuiu seu material
histórico de acordo com seus propósitos. Eles também ignoram que o Novo
Testamento, a pesar dos muitos sucessos, narra também alguns fatos
embaraçosos, como a ausência de sinais de Cristo em sua terra natal (Mateus
13.54-58) e a sua agonia no Getsêmani. Além disso, a crítica de Bultmann é
exagerada porque exige dos escritores dos Evangelhos algo que eles não
quiseram fazer. Eles eram testemunhas oculares, mas não eram historiadores
treinados. Porém, apesar disso, várias vezes eles se mostram cautelosos com
os dados históricos, como no prólogo de Lucas (Lucas 1.1-4).

A crítica formal também é injusta com os escritores dos relatos evangélicos.


Eles reduzem Mateus, Marcos e Lucas a meros compiladores de documentos,
e os Evangelhos a relatos contraditórios. Isso tudo viola injustamente a unidade
do relato evangélico. Os Evangelhos possuem uma unidade básica de
testemunhos confiáveis de Cristo, e ainda nos apresentam marcos diferentes
da vida de Jesus. Na verdade, cada Evangelho é um marco histórico de certos
aspectos da vida de Cristo, mas a crítica formal não reconhece a diversidade
de transmissão oral dentro da unidade dos relatos evangélicos.
O método crítico de Bultmann separa o cristianismo de Cristo. A grande
premissa deste método de estudo é que a comunidade cristã, e não Cristo,
exerceu o papel mais importante na produção dos Evangelhos. A verdade,
porém, é que a mensagem neotestamentária está centrada na pessoa de
Cristo e no que ele fez (2Coríntios 4.5), e não na comunidade cristã. A igreja a
qual Paulo e seus companheiros testemunharam não foi criadora (2Coríntios
4.1-2), mas apenas receptora da verdade. Sua maior responsabilidade não foi
a criação de novas tradições, e sim a preservação e proclamação das antigas
tradições.

Segundo a crítica formal, o cristianismo dos apóstolos não passava de versões


falhas sobre Cristo e sua mensagem. Diferente do que dizem estes críticos, os
apóstolos eram uma fonte autorizada de informação com respeito dos atos e
doutrinas de Cristo. Em Atos 4.1.21-22, está claro que os apóstolos exerciam
um controle estratégico da mensagem oficial da igreja durante os anos de
transmissão oral. Sua presença tinha como finalidade impedir que surgissem
versões deturpadas do Evangelho, e não criar uma versão mitológica e
deturpada do Evangelho.

A crítica formal parece esquecer que o lapso de tempo entre os fatos históricos
e os documentos escritos é mínimo. Quando Bultmann e outros críticos da
Bíblia dizem que a narrativa evangélica está repleta de fábulas que se
acumularam durante o período entre a tradição oral e a palavra escrita, eles
esquecem que o intervalo entre os fatos acontecidos e o registro desses fatos é
muito pequeno. O primeiro relato documental foi feito por Marcos e as
evidências demonstram que ele foi escrito cerca de vinte e cinco anos após os
eventos por ele narrados. O problema em dizer que o NT está repleto de
material lendário é que vinte e cinco anos é muito pouco tempo para se formar
uma lenda. Quando as primeiras versões evangélicas começaram a circular,
muitas das testemunhas oculares estavam vivas e poderiam facilmente
desmascarar os escritores, caso estes fossem impostores e estivessem
inserindo mitos na narrativa. O que ocorre, porém, é justamente o contrário: os
Evangelhos foram recebidos com muita alegria e divulgados pelas igrejas.

De tudo isso, segue-se irrefragavelmente que a crítica da Bíblia tal como


aparece em Rudolf Bultmann, é uma analise preconceituosa do relato
evangélico, está demasiadamente comprometida com os pressupostos do
liberalismo para que possa ser considerada uma analise imparcial dos fatos,
como os críticos desejam que seja. Mas a crítica formal não foi a única
contribuição de Bultmann à teologia contemporânea. Outras idéias dele
também permearam o cenário teológico do século vinte, entre as quais está a
desmitologização, assunto que abordaremos com maior amplitude no próximo
capítulo.

3. Desmitologização: O método interpretativo de Rudolf Bultmann

Uma das palavras chaves para entender a teologia do século vinte é a


“desmitologização”. Essa palavra cacofônica é uma terminologia que foi
popularizada por Bultmann em um ensaio escrito em 1941, tornando-se a partir
daí um jargão teológico. O impacto desse conceito na Europa foi tremendo, e
se por um lado a Alemanha perdeu pouco a pouco o interesse pelos
pressupostos da desmitologização, a idéia recebeu um novo estímulo quando o
John Robinson discorreu sobre o tema em seu livro Honest to God, de 1963.

Não é possível sintetizar todo o pensamento de Bulmann em uma única


palavra. No capítulo anterior, apresentamos uma parte muito importante da
influência atual de Bultmann. Apesar disso, a teologia da desmitologização é
sem dúvida uma parte importantíssima da teologia contemporânea e merece
destaque entre as idéias que Bultmann ajudou a preconizar, além de ser ainda
hoje a parte de sua formulação teológica mais controversa.
O que será que há de tão controverso e ao mesmo tempo tão atraente nesse
conceito de Bultmann, a ponto de instigar consideravelmente os teólogos dos
Estados Unidos, Europa e da Ásia, e continuar exercendo influência no
pensamento teológico contemporâneo ocidental? É isso que estaremos
analisando neste capítulo.

6.1- O programa de desmitologização.

No centro do programa de desmitologização de Bultmann consta na afirmação


de que no Novo Testamento encontram-se duas coisas:

O Evangelho cristão, por um lado.

A cosmogonia do século primeiro, de índole mitológica, de outro lado.

Sendo assim, o teólogo contemporâneo precisa separar o kerigma


(transliteração da palavra grega que significa “conteúdo da pregação”), de sua
envoltura mitológica. O kerigma seria a entranha irredutível na qual o homem
moderno deve crer.

A idéia de mito, para Bultmann, tem sua origem no pensamento pré-científico


do século primeiro. O propósito do mito seria expressar a maneira como o
homem vê a si mesmo, e não apresentar um quadro objetivo e histórico do
mundo. O mito emprega imagens e termos tomados deste mundo para
transmitir convicções acerca do enfoque que o homem tem de si mesmo. No
século primeiro, o judeu entendia o seu mundo como um sistema aberto a
Deus e aos poderes sobrenaturais. Nessa era pré-científica, acreditava-se que
o universo tinha três níveis, com o céu acima, a terra no centro e o inferno
debaixo da terra. Bultmann insiste que essa é a visão de mundo encontrada na
Bíblia.

Esta inserção mítica, segundo Bultmann, também foi utilizada para transformar
Jesus. A pessoa histórica de Jesus, segundo esse professor, se converteu
rapidamente em um mito do cristianismo primitivo, e é por isso que Bultmann
argumenta que o conhecimento histórico de Jesus não tem valor para a fé
cristã primitiva, pois o quadro apresentado pelo Novo Testamento é de índole
essencialmente mítica. Os fatos históricos acerca de Jesus se transformaram
em uma história mítica de um ser divino e preexistente que se encarnou e
expiou com seu sangue os pecados de todos os homens, ressuscitando
também dentre os mortos e subindo ao céu e, segundo se cria, regressaria
rapidamente para julgar o mundo e iniciar uma nova era. Esta história também
foi embelecida com histórias milagrosas, vozes celestes e triunfos sobre
demônios. Bultmann afirma que toda essa apresentação que o Novo
Testamento faz de Jesus não passa de mito., isto é, do reflexo do pensamento
pré-científico das pessoas do século primeiro, que criaram esses mitos para
entenderem melhor a si mesmos. Esses mitos, segundo ele, não tem nenhuma
validade para o homem do século vinte, que acredita em hospitais, e não em
milagres; em penicilina, e não em orações. Para transmitir com eficácia o
evangelho ao homem moderno, devemos despojar o Novo Testamento dos
mitos e encontra o Evangelho por trás dos Evangelhos. É este processo de
descobrimento que Bultmann chama de desmitologização.

O processo de desmitologização, segundo o próprio Bultmann, não significa


negar a mitologia, e sim interpretá-la existencialmente, em função da
compreensão que o homem tem de sua própria existência. Bultmann busca
fazer essa interpretação existencialista dos mitos utilizando conceitos do
filósofo existencialista alemão Martin Heidegger (1889). Assim, ele afirma que o
suposto nascimento virginal de Cristo é uma tentativa humana de expressar o
significado de Jesus para a fé. A cruz de Cristo também perde seu significado
expiatório. Cristo na cruz não está fazendo nenhuma substituição vicária: ela
tem significado apenas como símbolo de que o homem assumiu uma nova
existência, renunciando toda a segurança material por uma vida que se vive
apoiado no transcendente.

6.2- Características básicas da mitologia do Novo Testamento.

Em ultima análise, Bultmann diz que as características básicas da mitologia do


Novo Testamento se concentram em duas categorias de autocompreensão: a
vida fora da fé e a vida de fé.

A vida fora da fé.

Nesse sentido, os termos conhecidos como pecado, carne, temor e morte são
apenas explicações míticas da vida fora da fé. Em termos existenciais, pode-se
dizer que significam uma vida escrava das realidades tangíveis, visíveis e que
perecem.

A vida de fé.

A vida de fé, por outro lado, consiste em abandonar completamente esta


adesão às realidades tangíveis. Significa ainda a libertação do próprio passado
e a abertura para o futuro de Deus. Para Bultmann, essa abertura ao futuro de
Deus é o único significado real da escatologia. A implicação desse pensamento
é que o viver escatológico genuíno é viver em constante renovação através da
decisão de obedecer.
6.3 – Objeções à doutrina de Bultmann.

A teologia de Bultmann é anti-cristã e herética, e o nosso juízo sobre ela deve


ser negativo por vários aspectos:

Primeiro, a desmitologização, assim como a neo-ortodoxia, tem grande dívida


com a filosofia existencialista, que está em desacordo com o Novo Testamento.
No existencialismo, assim como na neo-ortodoxia e na teologia da
desmitologização, o enfoque central é o próprio homem, quando na Bíblia o
enfoque é Deus. Sob influência do existencialismo, Bultmann coloca o homem
no centro das atenções, cometendo uma injustiça e porque não dizer, sendo
desonesto para com o caráter teocêntrico do Novo Testamento. O verdadeiro
propósito do Novo Testamento é proclamar que o Deus soberano veio ao
mundo na pessoa de Jesus para restaurar a natureza humana e resgatar a
humanidade. O coração do Novo testamento continua sendo Deus, e não o
Homem.

A desmitologização destrói a objetividade do NovoTestamento, portanto, é anti-


cristã. Ela converte a Bíblia em uma religiosidade baseada no irreal e pré-
científico. A religião cristã se transforma em um aglomerado de mitos e a
historicidade dos eventos milagrosos é logo descartada. Herman Riddebos
nota que, segundo Bultmann, Jesus “não foi concebido pelo Espírito Santo,
nem nasceu da virgem Maria. Sofreu sob Pôncio Pilatos e foi crucificado, mas
não desceu ao hades, não ressuscitou dos mortos e nem subiu aos céus.
Também não está assentado à direita de Deus Pai e não voltará para julgar os
vivos e os mortos”. Segundo Bultmann, ressurreição, inferno e nascimento
virginal são palavras desprovidas de significado real, não sendo literais. São
dogmas mitológicos e não expressam nenhuma realidade objetiva. O mesmo
ocorre com a trindade, com a expiação vicária e com a obra do Espírito Santo.
O cristianismo primitivo está marcado pelo impacto da pessoa e da obra de
Cristo. Não existe outra justificativa capaz de explicar o nascimento da igreja e
da sua teologia, porém Bultmann reduz sua influência à zero. Ele
preconceituosamente assume uma postura anti-sobrenaturalista e presume,
com base em seus conceitos tendenciosos e sem nenhuma evidência
plausível, que todos os relatos confiáveis acerca de Jesus ficaram suprimidos
ou destruídos no breve período que transcorreu entre sua vida terrenal e o
início da pregação evangélica. Seu ceticismo é insustentável. Será que 50 dias
é tempo suficiente para que os discípulos viessem a esquecer tudo o que
ouviram e viram?

Não foi só Heidgger que influenciou a teologia de Bultmann. As idéias de David


Hume, o cético escocês, haviam influenciado o mundo e seu legado se
estendia à época de Bultmann. É injustificável a negação de Bultamann dos
relatos sobrenaturais e a classificação arbitrária desses relatos como sendo
essencialmente mitológicos. Também podemos perceber várias
pressuposições do liberalismo clássico na obra de Bultmann, razão pela qual
tanto o seu método crítico como sua teologia da desmitologização ganharam o
apelido de neo-liberalismo. Bultmann é totalmente incoerente ao basear suas
idéias nas Escrituras, pois o que ele chama de mito, a Bíblia chama fato. Seu
antropocentrismo pode estar bem de acordo com a filosofia existencialista, mas
é totalmente oposto ao caráter teocêntrico do Novo Testamento.

O desvendamento das Escrituras pela desmitologização é herético. Ao


contrário do que Bultmann pretende, não é a desmitologização que desvendará
de modo compreensível as Escrituras para o homem moderno, e sim o Espírito
Santo. Somente ele, segundo a Bíblia, é que pode dissipar as trevas da
incredulidade levando o pecador a ver o Evangelho.
Com seu método interpretativo, Bultmann nos desafia a compreender o homem
moderno, quando pregamos a ele. Esse enfoque é digno e necessário, mas
não é “desmitologizando” o Evangelho e interpretando-o existencialmente que
nós solucionaremos os problemas da humanidade. Ao apresentar a mensagem
cristã ao homem moderno, devemos ter em mente que por mais moderno que
ele seja, ele ainda é homem natural, e portanto “não pode compreender as
coisas que são do Espírito de Deus, porque lhe parece loucura” (1 Coríntios
2.14). Creio que esse versículo, mais que qualquer outro, pode ser aplicado ao
método interpretativo de Rudolf Bultmann.

4. Heilsgeschichte: A escola teológica do Dr. Oscar Cullmann

Parte do mundo teológico do século vinte gira em torno de uma palavra alemã,
Heilsgeschichte, que pode ser traduzida para a língua portuguesa como história
da salvação. A palavra ganhou um significado mais pleno dentro da teologia
ocidental contemporânea após os escritos do teólogo suíço, perito no Novo
Testamento, o Dr. Oscar Cullmann. Ainda que o significado e origem de
heilsgeschichte remonta aos teólogos alemães do século dezenove, como
J.C.K. von Hofmann e Adolf Schlater, o Dr. Cullmann é a pessoa que
popularizou o termo no século vinte.

Introduzir neste ponto nosso estudo sobre Cullmann e a Heilsgeschichte é


intencional, porque parte da obra de Cullmann foi escrita de modo a refutar e
interagir algumas idéias de dois importantes teólogos contemporâneos, cujos
pressupostos já foram apresentados, a saber: Barth e Bultmann. De Karl Barth,
a Heilsgeschichte de Cullmann tomou muitas idéias básicas para um novo
enfoque da história. Também foi influenciado pela compreensão cristocêntrica
do barthianismo e pelo conceito definitivo do papel da fé na revelação divina.
De Rudolf Bultmann, Cullmann tomou os métodos exegéticos da crítica formal
para aplicá-lo em sua reconstrução da história do Novo Testamento. Devido a
essa relação com os escritos de Barth e Bultmann, é sábio referir-se as idéias
de Oscar Cullmann como sendo neo-ortodoxas em sua orientação.
O mais interessante na obra de Cullmann é que, ao mesmo tempo em que
Cullmann manteve algumas idéias de Barth e Bultmann, ele não temeu
desassociar-se desses homens. Ele diz que Barth e Bultmann assimilaram
noções filosóficas estranhas “que corromperam sua percepção da mensagem
espontânea do Novo Testamento”. Segundo Cullmann, o impulso de Bultmann,
principalmente ao fazer distinção entre os elementos essenciais e acidentais da
mensagem do Novo Testamento, é arbitrário e ingênuo. O Novo Testamento,
segundo ele, deve ser a chave para a compreensão de si mesmo.

Esta diferença entre Cullmann e seus contemporâneos pode explicar porque


muitas de suas idéias têm sido aceitas aos evangélicos ocidentais, ao passo
que as idéias de Barth têm sido rejeitadas. Seus escritos são menos
dependentes do existencialismo e de outros pressupostos filosóficos, e mais
dependentes da exegese bíblica do que a obra de Barth e Bultmann. Diferente
desses dois homens, ele submeteu suas interpretações ao contexto que lhe
oferecia a própria Escritura, se opondo fortemente a muitas características
radicais da crítica formal e da desmitologização. Neste mesmo sentido,
enfatizou a importância da história para a compreensão adequada da Bíblia.
Ainda que seu conceito de história está bastante renhido com o evangélico, sua
ênfase na idéia central da história da salvação, de que Deus atua na história,
comunga muito bem com a teologia ortodoxa. Outro ponto importante na
teologia do Dr. Cullmann é a ênfase cristológica de seus escritos. Um dos livros
mais inteligentes de Cullmann é um estudo exegético dos títulos de Cristo no
Novo Testamento. Neste livro ele afirma que a teologia cristã primitiva é quase
exclusivamente cristologia.

7.1- Principais postulados da escola Heilsgeschichte de teologia.

A Heilsgeschichte (daqui por diante nos referiremos a ela apenas por história
da salvação), como escola de interpretação teológica insiste principalmente na
história e na revelação de Deus na história. O tempo, para Cullmann, é algo no
qual Deus atua para realizar a salvação do homem em Cristo. A revelação e a
redenção divina estão baseadas em realidades históricas bem objetivas, e não
em mitos levantados pela igreja, como afirma Bultmann, porém, ao enfatizar a
história como veículo da revelação, Cullmann consequentemente está privando
a Escritura de ser o dado básico da religião cristã. O dado básico passa a ser a
história santa e a Escritura passa a ser apenas uma constante desse dado
definitivo, e não uma realidade em si mesma. Como afirmou George Ernest
Wright, perito em Antigo Testamento da mesma escola, “a revelação se dá em
fatos históricos, não em palavras. Devemos entender o Novo Testamenticomo
testemunho dos atos reveladores de Deus”.

A ação central na história da salvação é a primeira vinda de Jesus Cristo como


Salvador. Toda a história e todo o tempo, segundo Cullmann, são um drama
mundial e Jesus é a figura principal neste drama. Os judeus no tempo do Novo
Testamento aguardavam a vinda do Messias-Salvador como o anuncio
iminente do fim do mundo, o centro da história, depois do qual viriam as glórias
da era vindoura. A Bíblia dá testemunho que Jesus é o messias e que ele deu
início a essa nova era.

Isso implica em uma nova perspectiva escatológica. Para Cullmann, a


escatologia inclui todos os sucessos salvadores a partir da encarnação e
concluirá com a segunda vinda. As bênçãos da era vindoura começaram com a
obra e o testem,unho de Cristo, mas sua finalização está reservada para o
tempo da segunda vinda, quando o Reino de Deus estará presente de modo
pleno, em todo o seu poder e glória. A igreja, portanto, apareceu na história da
salvação na fase final do plano de redenção divino. A batalha que decide a
vitória final já teve seu lugar, de modo que a história se encontra em um drama
cósmico, sendo ela mesma a chave de ação na linha estreita da história bíblica.
A razão pela qual Cullmann não admite que o Evangelho seja revelação é
justamente essa: aceitar o Evangelho seria limitar a ação de Deus a essa linha
estreita.

Quanto à revelação, Cullmann afirma que o interprete somente conhece a


história quando se identifica com ela. Obviamente que essa é uma idéia neo-
ortodoxa. A história, quando o interprete a conhece, passa a ser revelação, e o
estudioso participa dessa história pela fé. A pesar da forte insistência na
historicidade dos relatos bíblicos, Cullman e os outros teólogos da história da
salvação ainda têm dificuldades em considerar o significado da salvação como
algo objetivamente acessível, e continua falando da experiência religiosa como
ponto de apoio da revelação.

7.2- O pensamento de Cullman e a ortodoxia teológica.

Apesar da crítica que Cullmann faz do uso da crítica formal por parte de
Bultmann, em última análise, o uso que ele mesmo faz do criticismo faz
distinção entre a Bíblia e a palavra de Deus. Cullmann chama o relato Bíblico
da criação e a segunda vinda de mitos, o que mostra que ele não está
totalmente disposto a admitir a realidade da revelação como verdade infalível
contida na Escritura.

Com relação ao conceito de Cullmann sobre a revelação, também deveríamos


advertir que ele continua dependendo muito do subjetivismo da neo-ortodoxia.
A teologia da reforma sempre insistiu na necessidade da iluminação do Espírito
Santo para compreender a revelação de Deus (1Coríntios 2.14). O maior
propagador da história da salvação crê que, a menos que o homem a entenda,
ela nem mesmo é revelação.
Por último, sua ênfase exclusivamente cristológica acaba por converter o
cristianismo em cristomonismo – para usar uma terminologia barthiana – , pois
ao enfatizar demais o cristocentrismo, ele acaba por negligenciar as
formulações cristãs históricas da doutrina da trindade. É verdade que a teologia
da igreja primitiva estava marcada pela cristologia (2Coríntios 13.13), mas era
também uma teologia trinitariana (Romanos 8.31-39; João 1.18 e 1Coríntios
15.28).

Como já foi esposado anteriormente, a teologia da Heilsgeschichte se parece


muito com a teologia ortodoxa. Sua forte insistência na salvação como um
sucesso histórico centrado em Cristo é muito útil como defesa apologética e
refuta a contento o programa de desmitologização de Bultmann. Suas idéias
acerca da relação entre a escatologia e a primeira vinda de Cristo, têm se
demonstrado especialmente úteis, inclusive para corrigir certa insistência
ortodoxa do passado. Suas idéias exegéticas a respeito das escrituras também
são parte significativa de sua contribuição para a teologia. Junto com isso, o
leitor evangélico deve ter sempre presente que os pressupostos básicos de
Cullmann são os de Barth e Bultmann e consequentemente essas mesmas
idéias às vezes são um estorvo para o exame e compreensão da história da
salvação.

5. Teologia Secular: Robinson, Cox e Buren: Uma teologia do mundo


para o homem moderno.

Na idade média houve uma forte tendência eclesiástica de sacramentalizar a


sociedade, de tal forma que o pensamento teológico acerca do Reino de Deus
se mesclou com as pretensões do papado. A intenção era trazer o Reino de
Deus através da força militar e plantar suas idéias na sociedade. Em meados
do século vinte, a tendência parecia ser a oposta. Desde Karl Barth, havia um
forte clamor por um cristianismo menos dogmático e mais vivenciável, e no
período pós-guerra esse clamor se intensificou e se homogeneizou com
algumas idéias extremamente sociais e humanistas. Começava a nascer então
a teologia da secularização.

Poucos sabem, mas o secularismo tão presente e difundido em nossa era, já


esteve organizado em um forte sistema religioso. A princípio, os secularistas
conservaram alguma forma moderada de religião, talvez por medo de se
oporem ao amor e ao culto cristão, mesmo quando pensavam que a idéia de
Deus era obsoleta. Esse tipo de concessão, porém, está mudando
vertiginosamente, tanto que se cumpre hoje o que foi dito por certo
comentarista: “no fim do século vinte, os cristãos consagrados serão uma
minoria consciente no ocidente, rodeados por um paganismo agressivo e
arrogante, que é o desenvolvimento lógico da nossa tendência secularista”. De
fato, o final do século vinte e início do século vinte e um, foram marcados por
uma forte tendência secular, apostasia deliberada e oposição aberta ao
sagrado.

Uma das manifestações mais abertas e nocivas dessa “deserção secularista de


Deus” que caracteriza a apostasia, encontra sua versão religiosa no que
passou a chamar-se teologia secular. Sendo esse um movimento com muitas
posições extremas, resiste a toda definição, ainda que exige atenção. O
conhecido movimento da morte de Deus talvez tenha já morrido como moda
teológica, porém, como ramificação da teologia secular, ele continua
influenciando a igreja e seus ensinos sadios. Esse radicalismo ateológico
ganhou proporções gigantescas no best-seler de John Robinson, Honest to
God (1963). O livro de Robinson começa com o convencimento de que a idéia
de um Deus “lá em cima”, tão transcendente como na teologia de Kierkgaard,
de Barth e na filosofia de Kant deve ser deixada de lado por se tratar de uma
idéia antiquada e errônea. O problema é que ao invés de buscar a moderação
entre a transcendência e a imanência de Deus, ele parte para a idéia de um
Deus no nosso interior, algo totalmente imanente. Robinson reafirma que Deus
é o fundamento do nosso ser, e acrescenta que a igreja nunca deveria ser uma
organização para homens religiosos; não deve haver uma distinção entre igreja
e mundo. O lema desses novos “crentes”, cristãos secularistas é “ama a Deus
e faça o que quiser”.

Em outro livro, escrito em 1965, se percebem as mesmas exigências


teológicas. A Cidade Secular, de Harvey Cox, apresenta o secularismo não
como inimigo da igreja, mas como fruto do evangelho. Por secularismo, Cox
entende o processo histórico pelo qual a sociedade se liberta do controle da
igreja e dos sistemas metafísicos fechados. O centro de interesse dessa nova
teologia não é a igreja, mas sim o mundo e as suas necessidades. O Deus da
Bíblia, segundo ele, deve ser redefinido como sendo o Deus deste mundo (cf. 2
Coríntios 4.4).

8.1- A postura da teologia secular.

Quais seriam os pressupostos dessa teologia do mundo? Que idéias os


chamados teólogos seculares defendem? O que apresentamos à seguir são as
principais idéias esposadas pela teologia do mundo.

Em primeiro lugar, os teólogos seculares estão de acordo que os problemas


deste mundo deveriam ser uma das preocupações vitais da igreja.Eles
reclamam que a igreja tem se esquivado e racionalizado quanto as suas falhas
em não enfrentar-se com os males sociais e políticos. Com respeito a isso, a
voz mais eloqüente foi Dietrich Bonhoeffer, pastor alemão executado pelos
nazistas durante a Segunda Guerra Mundial por participar de um complô contra
a vida de Hitler. O espírito ativista de Hitler é o espírito da teologia secular, e
talvez seja essa a razão pela qual ele chegou a ser considerado uma espécie
de patrono do secularismo teológico. Muitos dos valores desse movimento
teológico foram retiradas do diário e das cartas de Bonhoeffer, escritas na
prisão, enquanto este aguardava a execução.

A conduta de Bonhoeffer é reprovável e anti-cristã. A Bíblia nos instrui a amar


nossos inimigos (Mateus 5.44), não a assassiná-los; a orar pelas autoridades
(1 Timóteo 2.2), e não lutar contra elas. Porém, seus pressupostos nos trazem
à mente uma verdade que foi expressa pelo próprio Bonhoeffer, a de que “não
se pode encerrar a Cristo na sociedade sagrada da igreja”. O campo é o
mundo, e a nossa teologia não deve ser confinada às quatro paredes da nave
de um templo.

Os teólogos seculares também afirmam que nossa teologia deve expressar um


espírito de secularização. Harvey Cox diz que devemos deixar de falar da
ontologia antiquada para começarmos a falar de funções e de ativismo
dinâmico. Nas palavras de Robinson, a pergunta “Como posso encontrar um
Deus benigno?” deve ser substituída por “Como encontrar um próximo
benigno?”. Sem dúvida, o mais radical dos teólogos seculares é Paul Van
Buren. Buren, em seus razoamentos teológicos afirma que o próprio Deus deve
ser excluído do cenário teológico. O cristianismo, segundo ele, deve ser
reconstruído sem Deus, e Cristo deve ser visto como o paradigma da
existência humana. Na teologia secular, não há espaço para o Jesus salvador.
Ele é, no máximo, um bom exemplo.

A terceira objeção diz respeito à possibilidade do sobrenatural. Existe na


teologia secular um esforço para minimizar o sobrenaturalismo. A idéia liberal
de que Jesus foi apenas um homem bom que viveu perto de Deus ganhou vida
dentro da teologia secular. Robinson fala da expiação como “a entrega
completa de Jesus em amor”, no qual ele “revela que o fundamento do ser
humano é o amor”. Ele, assim como Cox e Buren, repudia a idéia de uma
expiação sobrenatural e perdoadora. É uma teologia totalmente naturalista,
cujo Deus é literalmente o Deus deste mundo (2 Coríntios 4.4). Assim também,
os teólogos seculares rejeitaram totalmente o reino sobrenatural e a segunda
vinda de Cristo. O único mundo real é o aqui e agora, e a idéia do céu é
chamada por eles de “escotilha de escape”.

8.2- Avaliação da teologia secular.

Há quem creia que a teologia da secularização tenha trazido apenas prejuízo à


teologia ortodoxa, mas, apesar do prejuízo causado ter sido maior que o bem
que ela tem feito, uma da suas contribuições para a teologia ortodoxa foi
plantar algumas perguntas que os teólogos, encerrados em seus sistemas
dogmáticos, não tinham pensado em fazer, e muitas delas têm repercussão
missionária e verdadeira importância na contextualização da mensagem cristã
para o mundo.

Qual deve ser a reação da igreja perante essas doutrinas? Certamente


reconhecemos que esses homens captaram o espírito de nosso tempo. O
problema é que eles não somente captaram, senão que deixaram dominar-se
por ele. A teologia secular é radical e anti-bíblica. É verdade que Jesus
recomendou que preocupássemos com os males do nosso mundo e
buscássemos corrigi-los (Mateus 25.31-46), mas os teólogos seculares
confundem o serviço no mundo com serviço para o mundo; estamos no mundo
para servir nele, e não para servir a ele. Além do mais, eles esquecem que o
amor de Deus escolhe filhos, e não apenas servos. A vida cristã é um viver
com Deus, é uma vida em adoração e não somente uma vida de trabalhos
humanitários. Os teólogos seculares vestem seu humanismo de jargões
teológicos e nos ensinam a viver no mundo de Marta, quando uma coisa só é
necessária.
A teologia secular, em seu repúdio pela metafísica e a ontologia, demonstram
seu preconceito quanto ao mundo fenomenal. Eles não querem uma Bíblia
sobrenaturalmente inspirada, não querem crer em um Deus ativo na criação, e
não esperam um reino futuro. Tal como Bultmann, eles ignoram o sobrenatural.
Sua teologia é a essência da apostasia descrita na Bíblia como característica
do tempo do fim. A teologia secular fala de um reino centralizado na obra e no
futuro de um homem autônomo. O único reino que a Bíblia conhece está
centralizado no poder e na obra de Cristo, nunca no homem (cf. Mateus 11.11
ss.; 12.22 ss.).

A teologia secular demonstra o desejo de uma reformulação do cristianismo em


termos que sejam aceitáveis para o pensamento moderno e que possa ser
traduzido em termos compreensíveis para o homem do século vinte. A teologia
secular é uma teologia mundana elaborada para responder à incredulidade
arrogante de um homem que não ama a Deus, mas a si mesmo.

6. Ética Situacional: Joseph Fletcher e um novo conjunto de valores


para o homem moderno

Não demorou muito para que o ocidente abandonasse as idéias éticas


tradicionais do cristianismo. O homem moderno distanciou-se de Deus, e ao
distanciar-se perdeu também seus valores éticos, e consequentemente teve
que partir em busca de uma nova moralidade. É esse novo conjunto de valores
do homem moderno que nós denominamos ética situacional.

Com raízes que penetram os princípios éticos de homens como Karl Barth,
Rudolf Bultmann e Paul Tillich, com princípios teológicos mais existencialistas
que puritanos, mais neo-ortodoxos do que propriamente ortodoxos, o
movimento chamou a atenção da opinião publica em 1966, quando o Dr.
Joseph Fletcher, professor de ética social no Seminário Episcopal de
Cambridge, Massachusetts, publicou o livro Situation Ethics. O livro de
Robinson, Honest to God, também ajudou a propagar as idéias do movimento.

A popularidade da ética situacional como sistema teológico não teve tanta


influência nos seminários teológicos protestantes do Brasil, embora como
sistema filosófico, suas idéias tenham sido rapidamente implantadas nas
universidades brasileiras. Quanto aos pressupostos da ética situacional,
Fletcher definiu esses pressupostos como sendo:

Pragmatismo – Doutrina segundo a qual o valor da verdade é determindado


pela funcionabilidade.

Relativismo – Conceito filosófico segundo a qual a verdade é um valor


subjetivo, não havendo imposição moral absoluta.

Positivismo – Segundo essa cosmovisão, as declarações de fé são


voluntaristas e não racionais.

Existencialismo – Filosofia que coloca o homem no centro do universo. O


importante não são os valores objetivos, mas a maneira como o ser humano
experimenta esses valores.

Essa nova moralidade religiosa, ou ética situacional, se opõe grave e


abertamente a muitas formas da “ética tradicional”. Ela é uma reação às leis,
normas e princípios morais da velha moralidade, sustentada como modo ideal
de conduta. Robinson diz que a velha moralidade é dedutiva, começando a
partir de normas absolutas, eternamente validadas e imutáveis. A nova
moralidade, por sua vez, é indutiva, começando com a própria pessoa, o que
denota, segundo ele mesmo, a prioridade da pessoa sobre os princípios. Com
isso, a ética situacional exalta o homem sobre a lei.
O critério fundamental e único de conduta para o situacionista, não é um código
ético, e sim o amor ágape, um amor desinteressado e sacrificado, porém tal
amor é impossível dentro de uma teologia pragmática, em que os fins justificam
os meios. Para Robinson e Fletcher, o único mal intrínseco é a falta de amor e
o único bem e virtude é exclusivamente o amor. A nova moralidade da qual o
homem moderno se vê vestido tende a ver toda a moralidade cristã como um
conjunto de tabus que devem ser quebrados a todo custo. Não há nela
nenhuma menção a pureza sexual, ao contrário, ela promove a sensualidade.
Ao afirmar que aquilo que é feito com amor não é pecado, a nova ética
transforma o amor ágape em eros.

A principal característica da ética situacional é que o fim justifica os meios.


Pode um bom fim ser anulado por um meio mau? Para a ética situacional, a
resposta é não. Certo e errado dependem da nossa decisão neste mundo
relativista. Por exemplo: “se o bem estar emocional e espiritual do casal e dos
filhos será promovido com a separação do casal, então, neste caso, o amor
exige o divórcio”.

O certo e o errado, segundo a cosmovisão situacionista, é uma questão


subjetiva, pragmática, existencial e deve estar baseada no amor. Em outras
palavras, para Fletcher e os demais teólogos da situação, ao avaliar a
veracidade de um determinado comportamento a pergunta a ser feita não é “o
que a Bíblia diz?”, mas: “o que eu acho disso?”, “de que forma isso pode me
dar prazer?”, “dará certo?” e por último “eu estou fazendo por amor?”. É claro
que esses conceitos são demasiadamente ingênuos e conduzem fatalmente à
imoralidade.
9.1- Conhecendo os pressupostos da nova moralidade.

Quanto ao pragmatismo como tendência evangélica, John F. McArthur diz o


seguinte: “Oponho-me ao pragmatismo tão freqüentemente defendido por
especialistas em crescimentos de igreja, que colocam o crescimento numérico
acima do crescimento espiritual, crendo que podem induzir esse crescimento
numérico por seguirem quaisquer técnicas que parecem produzir resultados
naquele momento”. O pior de tudo não é quando as tendências pragmáticas
são usadas para construir o crescimento de igrejas – ainda que o pragmatismo
já seja um conceito escandaloso em si mesmo – mas sim, quando a ética cristã
é comprometida no afã alcançar as massas, conforme diz C. Peter Wagner,
que também é um pragmático: “A Bíblia não nos consente pecar, a fim de que
a graça seja mais abundante, ou não permite usarmos quaisquer meios que
Deus tenha proibido, a fim de alcançarmos os fins que Ele nos recomendou”. É
justamente esse tipo de pragmatismo imoral e anti-cristão que Fletcher propõe
em sua teologia. É tolice pensar que alguém pode ser bíblico e pragamático, ao
mesmo tempo. O pragmatista deseja saber o que produzirá resultados. O
pensador bíblico, por outro lado, se importa tão-somente com o que a Bíblia
ordena. As duas filosofias se opõem mutuamente no nível mais básico.

O pragmatismo também foi a maior tendência da igreja ocidental na segunda


metade do século vinte. Em 1955, de um modo quase profético, o estudioso
A.W. Tozer discorreu sobre o futuro da igreja nestes termos: “Digo sem
hesitação que uma grande parte das atividades existentes hoje nos círculos
evangélicos não são apenas influenciadas pelo pragmatismo, mas parecem
totalmente dominados por ele”. Este mesmo escritor acrescenta, em tom de
desabafo: “A filosofia pragmática […] não faz perguntas embaraçosas a
respeito da sabedoria daquilo que estamos realizando ou a respeito de sua
moralidade. Aceita como corretos e bons nossos alvos escolhidos, buscando
meios e maneiras eficientes para alcançá-los”.
Qualquer filosofia de ministério do tipo “fins-que-justificam-os-meios”
inevitavelmente comprometerá a doutrina, a despeito de qualquer proposição
em contrário. Se a eficácia se tornar o indicador do que é certo ou errado, sem
a menor dúvida nossa doutrina será diluída. Em última análise, o conceito de
verdade para um pragmatista é moldado pelo que parece ser eficaz e não pela
revelação objetiva das Escrituras.

Assim como o pragmatismo, o relativismo também é uma afronta ao


cristianismo. Não há nenhuma possibilidade de ser um indivíduo cristão e ao
mesmo tempo relativista, visto que as duas cosmovisões são mutuamente
excludentes. Além disso, o relativismo deve ser rejeitado por várias questões.
Se todas as reivindicações de verdade são de um mesmo valor, todas as
proposições de verdade são verdadeiras, e consequentemente, não há
verdade nenhuma. Dentro de um sistema relativista o assassínio, o estupro e o
genocídio possuem o mesmo valor dos ideais cristão da caridade, perdão e
respeito mútuo. Se a verdade é apenas uma questão relativa, não há razão
nenhuma no estudo da verdade. Do mesmo modo, se a verdade em
moralidade é uma questão pragmática e relativa, a única razão para ser bom é
a vantagem que eu posso tirar da situação. Porém, ao contrário do que ensina
o relativismo, a verdade não é uma questão relativa, mas extremamente
absoluta que tem seu ápice na pessoa de Jesus (João 14.6). A Bíblia nos
apresenta um conjunto de imposições morais que devem ditar o nosso modo
de viver, e não apenas idéias pragmáticas e relativas (Mateus 5.44-48).
Qualquer tentativa de conciliar o relativismo com o cristianismo constitui
irracionalidade e fraude.

O existencialismo é uma filosofia centrada no eu, portanto, como doutrina


teológica ela comete erros graves. Ao propor um antropocentrismo teológico, o
existencialismo se descaracteriza completamente como proposta bíblico-
teológica. Deus é a pessoa central para quem todas as coisas convergem, e
não o homem (Romanos 11.36). Essa tendência de interpretar a Bíblia em
termos existenciais tem sua origem muito antes de Fletcher, no pensamento do
dinamarquês Soren Kierkgaard, bem como na teologia de Friedrich
Scheleiermacher, e está sempre reaparecendo na teologia contemporânea.
Com idéias que remontam ao Romantismo, o existencialismo é uma forte
tendência na teologia contemporânea. O positivismo, por sua vez, é um
fideísmo exagerado e anti-bíblico. Como corrente teológica, tem sua maior
abrangência nos círculos místicos, onde às vezes a ignorância pretensamente
se veste de autoridade espiritual.

9.2 – Uma análise da nova moralidade religiosa.

A ética situacional elabora seu programa sem dar nenhuma atenção ao


arrependimento, ao juízo, à fé e à redenção. Robinson deixa a impressão de
que o homem moderno é tão maduro que precisa de muito pouca – e talvez
nenhuma – ajuda espiritual fora dos seus próprios recursos naturais,
expressando, sem nenhuma dúvida, a religiosidade idealizada pelo homem
moderno. O sistema ético situacional é um sistema que não pede nada em
termos éticos e teológicos. As implicações surgem em vários aspectos, desde
desonestidade a imoralidade sexual. Poderia haver sistema melhor para o
homem natural?
A conclusão quanto ao referido capítulo é aparentemente óbvia: qualquer
teologia do tipo “fins-que-justificam-os-meios” inevitavelmente comprometerá a
doutrina, a despeito de qualquer proposição em contrário. Se a eficácia se
tornar o indicador do que é certo ou errado, sem a menor dúvida nossa
doutrina será diluída. Em última análise, o conceito de verdade para um
pragmatista/relativista é moldado pelo que parece ser eficaz e não pela
revelação objetiva das Escrituras.

7. Teologia da Esperança: Jurgen Moltmann e a análise escatológica


existencial

Em 1965, um jovem teólogo alemão da Universidade de Tubinga fez ressoar a


sua voz através de seu livro The Theology of Hope (A Teologia da Esperança),
que saiu em inglês em 1967, cujo teor repercutiu grandemente no mundo
acadêmico. Há quem relacione ao movimento outros dois nomes: Wolfhart
Pannenberg, de Munique, e Ernst Benz, de Marburg, porém, em nosso estudo,
entendemos que Pannenberg se encaixa melhor em outro movimento, que
apresentaremos no capítulo seguinte. Porém, ainda que seja possível fazer
essa distinção, não há como negar que esses homens possuem muitos
aspectos em comum. No ano de 1969, foi publicada a sua segunda obra,
Religion, Revolution and the Future (Religião, revolução e o Futuro). Os
teólogos receberam entenderam o livro de Jurgen Moltmann como sendo um
chamado refrescante a uma maior valorização da escatologia, dentro da
teologia cristã, além de ser um ataque devastador aos teólogos existencialistas
que argumentavam na linha de Bultmann.

10.1 – Entendendo a teologia futurista de Moltmann.

A chave central para entender a teologia futurista de Moltmann é sua idéia de


que Deus está sujeito ao processo temporal. Neste processo, Deus não é
plenamente Deus, porque ele é parte do tempo que avança para o futuro. No
cristianismo tradicional, Deus e Jesus Cristo aparecem fora do tempo, no
atempo. Na teologia de Moltmann, a eternidade se perde no tempo. Para
Moltmann, o futuro é a natureza essencial de Deus. Deus não revela quem ele
é, e sim quem ele será no futuro. Desta forma, Deus está presente apenas em
suas promessas. Deus está presente na esperança. Todas as afirmações que
fazemos sobre Deus, são produto da esperança. Nosso Deus será Deus
quando cumprir suas promessas e com isso estabelecer o seu reino. Deus não
é absoluto; ele está determinado pelo futuro.

Segundo Moltmann, toda teologia cristã deve modelar-se através da


escatologia. Acontece que a escatologia para ele não significa a previsão
tradicional da segunda vinda de Jesus. Moltmann interpreta como aberta ao
futuro, aberta à liberdade do futuro. Deus entrou no tempo, e
consequentemente o futuro se tornou algo desconhecido tanto para o homem
como para Deus.

O cristianismo evangélico relaciona intimamente a ressurreição de Cristo com a


escatologia. O Cristo ressuscitado é “as primícias” da ressurreição (1Coríntios
15.23; At 4.2). A morte e ressurreição de Cristo são a garantia que Deus dá de
que haverá ressurreição futura, e por isso, o começo da ressurreição final. A
ressurreição de Cristo é um fato histórico que atribui pleno significado ao nosso
futuro. Porém, para Moltmann, a questão da historicidade da ressurreição
corporal de Jesus não é válida. Jesus ressuscitou dentre os mortos há quase
dois mil anos com seu corpo físico? Para Moltmann essa é uma questão sem
importância. Não devemos olhar desde o Calvário para a Nova Jerusalém, e
sim olhar o nosso futuro ilimitado para o Calvário. Afirma-se tradicionalmente
que a ressurreição de Cristo é a base histórica da ressurreição final. Moltmann
porém diria que a ressurreição final é a base da ressurreição de Jesus.

Ainda quanto ao futuro, Moltmann diz que o homem não deve olhá-lo
passivamente; ele deve participar ativamente na sociedade. A tarefa da igreja é
não é apenas se informar sobre o passado para mudar o futuro. É também
“pregar o Evangelho de tal forma que o futuro se apodere do indivíduo e lhe
impulsione a agir de modo concreto para mudar o seu próprio futuro. O
presente em si mesmo não é importante. O importante é que o futuro se
apodere da pessoa no presente”.

Para que o futuro se realize na sociedade, as categorias do passado devem ser


descartadas, pois não existem formas ou categorias fixas no mundo. O futuro
significa liberdade e liberdade é relatividade.

O principal propósito da igreja é ser o instrumento por meio do qual Deus trará
a “reconciliação universal e social”. A participação da igreja na sociedade
poderá utilizar a revolução como meio apropriado, mesmo que ela não seja
necessariamente o único meio. Neste avançar para o futuro, o problema da
violência versus não-violência recebe o nome de “problema ilusório”. A questão
não é a violência em si, e sim se o uso da violência foi justificado ou
injustificado. Essa tendência pragmática em que os fins justificam os meios é
uma tendência muito forte dentro da Teologia da Esperança.

Assim como na “Teologia Secular”, aqui também pode ser vista uma profunda
consciência para com o mundo. A idéia de Moltmann de considerar a Bíblia
desde o começo como um livro escatológico pode parecer um atrativo para o
cristão ortodoxo. Realmente um assunto tão importante quanto a escatologia
não deveria ocupar as últimas páginas em nossos livros de teologia
sistemática. Porém, qualquer conservador certamente saberá reconhecer os
erros patentes de Moltmann, bem como os horrores que traria a sua visão
ética.

10.2- Objeções à Teologia da Esperança.


Moltmann critica muitos conceitos neo-ortodoxos, mas ele acaba levando os
conceitos barthianos muito mais longe. Barth havia transcedentalisado a
escatologia por meio do emprego da distinção entre Historie e Geschichte, mas
Moltmann foi ainda mais além, e rejeitou todo o conceito objetivo da história. Se
por um lado a dialética de Barth acabou com a possibilidade da relação entre
história e fé, a teologia de Moltmann destruiu até mesmo a possibilidade de
haver história.

Ainda que Moltmann revista sua escatologia de conceitos bíblicos, seu sistema
está mais fundamentado no marxismo do que em Cristo. O primeiro livro de
Moltmann, “Teologia da Esperança” nasceu de um dialogo com o ateu alemão
Ernst Bloch, e quando lemos o seu segundo livro, vemos que nesse
intercâmbio, Moltmann assimilou muitas idéias de Bloch.

A idéia que Moltmann tem da escatologia é destituída de base bíblica. Apesar


de todo esforço de Moltmann para produzir uma teologia bíblica, no final, seu
sistema nada mais é do que uma teologia centralizada no homem, em um
homem que observa o futuro e age na sociedade. A meta do futuro de
Moltmann não é a plena manifestação da glória de Cristo; ela é a edificação da
utopia na terra. Para ele, o Reino de Deus se introduz na terra por meio da
política e da revolução. Para o apóstolo Paulo, no entanto, o Reino de Deus é,
e será introduzido por meio da proclamação do poder salvador de Jesus Cristo
(Atos 28.30-31). Para Moltmann, esse reino é também uma realidade terrenal e
tangível; o Reino de Deus, no entanto, é descrito na Bíblia como celestial. Para
Moltmann, o Reino de Deus é trazido por meio da revolução; no entanto,
segundo a Bíblia, o Reino de Deus traz a paz, e não a guerra (Romanos 14.7).
Quanto ao conceito de Deus, ele não admitia nenhum Deus eterno ou infinito.
Ao entrar no tempo, segundo ele, Deus se tornou finito e aberto a um futuro
desconhecido. O Deus da Bíblia existe de eternidade a eternidade; o de
Moltmann, porém, só existe no futuro, pois no presente ele sequer é Deus.
Como observou certo escritor: “No monte sinai, Deus disse a Moisés: Eu sou o
que sou, mas Moltmann não permitua que Deus lhe dissesse o mesmo.

A teologia de Moltmann tem maior dívida com Nietzche, com Overback e com
Feurbach do que com Paulo, Pedro ou João. Ela é mais marxista que bíblica, e
mais filosófica que teológica. Em seu afã de refutar as teologias não-ortoxas do
seu tempo, Moltmann ultrapassou o limite do bom senso e acabou por propor
uma teologia quase tão nociva quanto aquela a que ele se dedicou a refutar.
Essa teologia do Deus finito e temporal, e que ainda incita a rebeldia e a
revolução, não pode ser teologia bíblica. Ela é antes, um tropeço, um
escândalo e uma nociva ameaça à sã doutrina.

8. Teologia da história: Wolfhart Pannenberg e a teologia histórica da


ressurreição

No final da década de cinqüenta se podia facilmente perceber o surgimento de


uma nova escola de interpretação teológica. Esta nova ênfase podia ser
claramente percebida nas teses de doutorado de jovens professores como
Ulrich Wilckens, Klaus Koch e Rolf Rendtorff. Porém, o maior nome dessa nova
escola foi sem dúvida o de Wolfohart Pennenberg, tanto que esse grupo de
jovens teólogos e a nova escola ganhou o epíteto de “círculo de Pannenberg”.

Wolfhart Pannemberg, jovem professor de teologia sistemática da Universidade


de Mainz, na Alemanha, foi o responsável por dar uma forma mais sistemática
ao que posteriormente se convencionou chamar Teologia da História, ou
Teologia da Ressurreição.
Apesar do caráter particular da sua obra, há quem associe a este círculo o
nome de Jurgen Moltmann. É verdade que Pannenberg compartilhem algumas
idéias comuns, como o interesse pela relação entre a história e a fé, o desejo
de uma orientação teológica escatológica e principalmente a ressurreição de
Cristo, além do esforço por refutar os pressupostos existencialistas de
Bultmann. Porém, mesmo com tal similaridade de interesses, seria incorreto
agrupar os dois na mesma escola de pensamento, isso porque, se por um lado
há um ponto de contado entre os dois, por outro lado há diferenças importantes
entre esses dois esquemas teológicos. Por exemplo: Moltmann não está tão
interessado em alicerçar a fé na história. Outra diferença entre ambos está no
modo de entender a fé: Para Pannenberg, a fé está relacionada com o
passado, enquanto Moltmann a relaciona com o futuro. Neste sentido,
Moltmann está muito mais vinculado a Bultmann que a Pannenberg. Os dois
também falam da ressurreição de cristo como um tema central da fé cristã,
porém, enquanto Moltmann descarta qualquer interesse pela ressurreição
corporal como sendo algo impertinente, Pannenberg reconhece a realidade
histórica da ressurreição como algo crucial para a compreensão do Novo
Testamento. Pannenberg também não compartilha dos pressupostos marxistas
de Moltmann, nem com suas idéias de revolução social.

11.1- A questão da fé relacionada à história.

Em sua teologia, Pannenberg apresenta uma forte resistência às idéias de


Rudolf Bultmann, principalmente por seu conceito de redução da história à
experiência individual. Ele também se opõe à Karl Barth, acusando-o de
proteger sua teologia, escondendo-a dos ataques da história.
As idéias de Pannenberg foram revolucionárias em seu tempo, ao ponto de
certo crítico afirmar que ele foi o primeiro teólogo alemão contemporâneo a
romper totalmente com os pressupostos dialéticos barthianos. Ele não
consegue assimilar as idéias dialéticas. As supostas diferenças entre Historie e
Geschicthe, entre o Jesus histórico e o Cristo Kerigmático, e ainda os dois
mundos propostos por Kant: o dos fenômenos e o mundo numenal , na visão
de Pannenberg são “um clamor sem sentido”. A pregação da “Palavra de Deus”
é uma afirmação vazia se não estiver relacionada com aquilo que realmente
aconteceu. A fé não pode ser separada de sua base e conteúdo histórico.

11.2- O conceito de revelação e fé em Pannenberg.

Pannenberg insiste em que a revelação de Deus não chega ao homem de


forma imediata, e sim mediata, por meio dos sucessos históricos. Ele afirma
ainda que esta história na qual se dá a revelação, não é uma revelação
especial que só pode ser compreendida pela fé, como afirma a escola
Heilsgeschichte. Segundo ele, não devemos fazer distinção entre história
salvífica e história secular ou profana (distinção comum tanto na
Heilsgeschichte como nas teologias existencialistas contemporâneas), uma vez
que os atos salvíficos de Deus realmente aconteceram e tem o seu lugar na
história. Para ele, a revelação se dá exclusivamente por meio de atos
históricos.

Não existem partes específicas na história, ou ramificações dentro da história,


antes, toda história é algo plenamente conhecido e até mesmo ordenado por
Deus. Esta revelação histórica está ao alcance de todo aquele que tenha olhos
para ver. O conhecimento histórico é a única base da fé. A fé é, portanto, o
conhecimento da verdade histórica.
11.3- Pannenberg e a ressurreição de Cristo.

Difernte de Moltmann e dos outros teólogos existencialistas, Pannenberg não


busca desmitologizar a ressurreição, isso porque, para Pannenberg, a
ressurreição foi um fato histórico. Ele diz estar convencido não só de que a
crença da igreja na ressurreição não é um mito pré-fabricado, como ensinou
Bultmann, como também de que ela é historicamente demonstrável, em
oposição clara e aberta com a escola Heilsgeschichte. Ele se recusa a explicar
os relatos evangélicos da ressurreição como fruto da imaginação dos
apóstolos, pois estes estavam muito desanimados após a morte de Cristo para
chegarem sozinhos à conclusão de que Cristo ressuscitou. Eles também não
teriam nenhum benefício em inventar uma mentira de tamanha proporção. A
única explicação satisfatória para a repentina mudança que ocorreu nos
apóstolos é exatamente a ressurreição corporal de Cristo. Além disso, a
comunidade cristã primitiva não teria conseguido sobreviver, caso o túmulo de
Jesus não estivesse, de fato, vazia. A explicação inventada pelos judeus para
refutar a ressurreição é que os discípulos roubaram o corpo, mas ninguém se
atreve a questionar a realidade do túmulo vazio. O túmulo vazio é um fato
histórico e aliado à mudança repentina que ocorreu nos discípulos, é uma forte
evidência de que Jesus realmente ressuscitou corporalmente.

11.4- Objeções à teologia de Wolfhart Pannenberg.

Ainda que Pannemberg ataque as posições de Barth e Bultmann no que


concerne à relação entre fé e história, há muitos aspectos em que ele parece
mais um herdeiro da neo-ortodoxia que seu oponente. Ele não confere à toda
Bíblia o status de revelação divina, dando a entender que algumas partes são
mais importantes que outras. Embora o mesmo ocorra no pensamento de
Agostinho e até mesmo de Lutero, essa visão que ele possui da Bíblia tem
levado muitos a relacionar o seu nome com a crítica histórica e com o próprio
Bultmann. Uma e outra vez ele insiste em que o nascimento virginal é um mito.
Ele também está de acordo com Bultmann em que os títulos que expressam a
divindade de Jesus foram criados pela igreja primitiva.

Ao fazer que a fé dependa exclusivamente da história, Pannenberg leva-nos a


concluir que as pessoas simples e sem condições para efetuar uma pesquisa
investigativa, não são capazes de crer por si mesmas; elas apenas podem crer
quando ouvem e confiam no relato de um perito em história cristã. Com isso,
ele parece tirar a fé das mãos do crente simples e colocá-la nas mãos do
teólogo experiente, que garante a confiabilidade da informação.

Os críticos de também parecem indicar que, sobre esta base, Pannenberg não
pôde explicar de modo satisfatório a razão da incredulidade. Se a fé está
baseada exclusivamente no conhecimento da história e esta é o seu único
fundamento, Porque foi que quando Paulo pregou em Atenas uns creram e
outros zombaram?

A teologia de Pannenberg é muito mais do que uma simples escola de


interpretação. Ela é uma brilhante defesa apologética em favor do cristianismo
histórico. Seu sistema é mais ortodoxo que o proposto pelos existencialistas e
nos faz lembrar que, embora Barth e Bultmann hajam tido debates acirrados,
não existe grande diferença entre seus sistemas. Ambos advogam uma
teologia dialética que sufoca tanto a revelação histórica como o caráter
universal do cristianismo. Além disso, Pannemberg também ressalta que a falta
de uma revelação objetiva da neo-ortodoxia é, de fato, uma ameaça à própria
revelação. Sua teologia também é importante porque ressalta ao mundo que a
fé cristã é a única verdade universal. Ao refutar a idéia neo-ortodoxa de que a
revelação só se transforma em verdade para as pessoas por meio de uma
aceitação pessoal, Pannenberg destaca que a revelação não se torna
revelação quando é compreendida, ela é revelação, mesmo quando o homem
não se interessa ou busca compreendê-la.

9. Teologia da Evolução: Teilhard de Chardin e o darwinismo


teológico

Um dos acontecimentos religiosos que mais despertaram o interesse dos


teólogos no fim da década de cinqüenta foi a popularidade póstuma do cientista
e místico jesuíta Pedro Teilhard de Chardin (1881-1955), fundador de um
sistema teológico que ficou conhecido como teologia da evolução. Durante sua
vida, este teólogo foi impedido de publicar seus livros, considerados pela igreja
católica como sendo nocivos e de conteúdo herético. Porém, quinze anos
depois da sua morte, esses livros suprimidos durante toda a sua vida
começaram a aparecer.

Embora ele tenha sido um teólogo católico, alguns dos seus comentaristas
mais apaixonados são cientistas e teólogos protestantes. Sua influência pode
ser percebida até mesmo nos países que compõem o nosso terceiro mundo.
Francisco Bravo, estudioso equatoriano, publicou uma obra meticulosa sobre
Teilhard. Suas idéias lograram arrancar elogios até mesmo de Dom Hélder
Câmara, arcebispo do Recife.

Muitos fatores ajudam a explicar a repentina popularidade que alcançou a


teologia de Teilhard. Sua destacada personalidade e seu caráter humanitário
podem ser percebidos por qualquer pessoa que o tenha conhecido ou lido algo
acerca da vida deste destacado sacerdote católico, que apesar das restrições
que o Vaticano impôs aos seus livros, permaneceu fiel a sua ordem durante
toda vida. Seus conhecimentos de geólogo e paleontólogo são grandes
atrativos para o mundo científico.

12.1- Conhecendo a proposta teológica de Teilhard de Chardin.

O ponto de partida do pensamento teológico de Telhard é a evolução, a qual


ele chama de “luz que ilumina todos os fatos, curva a que devem seguir todas
as linhas”. A terra, segundo ele, foi formada ente cinco e dez milhões de anos e
desde então vem se desenvolvendo através da evolução. Este processo
evolutivo avança segundo o que Teilhad chama de “lei da consciência e da
complexidade”, com o que ele alude que na evolução existe uma tendência por
parte da matéria, que a faz tornar-se cada vez mais complexa. O processo,
segundo ele, pode ser resumido como consta no seguinte esquema: Partículas
elementares (chamadas de Ponto Alfa) => Átomos => Moléculas => Células
Vivas => Organismos Pluricelulares. Ele admite que a terra veio a existir por
meio de um lento processo, que pode ser descrito na seguinte ordem: Barisfera
(época da “terra derretida”) => Formação da crosta => Formação da água e do
ar => Formação da atmosfera. Esta é a fase da história evolutiva da terra
aparece a vida biológica na terra, ou biosfera. Para descrever a etapa seguinte,
em 1920, Chardin criou o termo noosfera, que significa a “camada mental” da
terra. Essa noosfera nada mais é do que o surgimento do homem pensante
sobre a terra. Esta é a etapa mais importante na história do mundo, e também
é chamada de hominização. Nesta fase, o processo evolutivo adquire
consciência de si mesmo.

Nessa etapa de sua teoria evolutiva, Teilhard começa a se apoiar na teologia


para predizer o futuro da evolução. Ele vê todo o processo evolutivo que
começa com as partículas, o ponto Alfa; e converge no que ele chama de
Ponto Ômega, ou seja, a união sobrenatural de todas as coisas em Deus.
Assim sendo, Deus vem a ser a causa final, mais que a causa eficiente do
universo, dando a perfeição a todas as coisas. Nesta etapa, Deus será tudo em
todos (1Coríntios 15.28), numa forma superior de panteísmo, a expectativa da
unidade perfeita, na qual cada um dos elementos alcançará sua consumação,
ao mesmo tempo que o universo.

Na teologia darwiniana de Teilhard, Cristo é o centro do processo evolutivo e o


seu princípio básico. O Cristo de Teilhard é o reflexo no coração do processo
do ponto Ômega, e se encontra no final do processo. Por meio de um ato
pessoal de comunhão, Cristo incorpora em si o “psiquismo” total da terra, e o
universo se auto-realiza em Cristo. Esse movimento para o centro, para
Teilhard, é o processo de amor. O amor, segundo ele, não é exclusividade
humana, e sim propriedade geral de toda a vida, sendo ele a afinidade do “ser”
com o “ser”. Movidos pelas forças do amor, os fragmentos do mundo se
buscam para que o mundo possa chegar a “ser”.

12.2- Principais objeções a teologia evolucionista de Chardin.

Os princípios de Teilhard de Chardin apresentam várias dificuldades para o


crente ortodoxo. Sua linguagem é obliqua e seu esforço hercúleo para fazer de
Cristo o centro da evolução é desonesto e contraditório. Sua teologia é o
reflexo do pensamento naturalista do seu tempo. Sua ênfase na personalidade
autônoma que, desde Kant aparece e reaparece na teologia contemporânea, é
também contrária a Bíblia.

Dessa síntese filosófico/naturalista procedem as demais divergências de


Teilhard com a teologia ortodoxa. Assim como as teorias evolutivas seculares,
a teologia evolucionista deste teólogo descaracteriza a criação, tal como
aparece na Bíblia. Há muitos teólogos contemporâneos que concordam com a
teoria da antiguidade da terra, e com a evolução das espécies à partir das
espécies criadas por Deus (Gênesis 1.21-25), fazendo diferenciação entre
microevolução e macroevolução. Microevolução é a mutação que ocorre dentro
das espécies e seria o fator responsável pelas diferentes raças de cães,
diferentes tons de pele, etc., mas nenhuma dessas concessões desabilita o
esquema de criação conforme narrado em Gênesis. Ao contrário disso, a teoria
de Teilhard é macroevolucionista e negligencia completamente o ponto mais
básico da criação que é Deus fazendo todas as coisas do nada pela sua
palavra, e criando cada ser em conformidade com a sua espécie. Assim como
todas as teorias evolucionistas seculares, a teologia de Teilhard Chardin parte
do pressuposto de que o homem alcança sua verdadeira dignidade e plenitude
espiritual por meio do processo evolutivo. Isso também é contrário a doutrina
da graça, segundo a qual o aperfeiçoamento advém da comunhão com Cristo
Jesus.

Como todas as teorias evolucionistas, a teologia da evolução de Teilhard é


demasiado otimista. Ele divaga pela senda do universalismo e do panteísmo,
prometendo um final feliz para todos, sem fazer nenhuma alusão à graça de
Deus. Talvez essa seja uma das razões da sua difusão rápida. O homem
moderno está disposto a aceitar qualquer tipo de droga entorpecente que se
apresente sob o pseudônimo de ciência.

A teologia de Chardin não permite que a graça seja graça, e nem permite que o
pecado seja pecado. A proclamação da evolução constante por parte de
Chardin nunca se vê alterada pela realidade bíblica do pecado no homem. Por
essa mesma razão, a doutrina bíblica do juízo quase não se vê na obra de
Teilhard. O mal, para ele, é uma superabundância da estrutura de um mundo
em evolução, que se manifesta em planos diferentes, através da desordem
material, morte, solidão e angústia.
A ideia de Teilhard de união do universo com Cristo, sendo que o universo
representa o corpo orgânico de Cristo ainda em evolução, apresenta dois
grandes inconvenientes: Primeiro, tal união tem como consequência lógica a
deificação da criação (panteísmo). Em segundo lugar, a cristologia de Chardin
transforma o Cristo da Bíblia em um Cristo cósmico. Em última análise, o
resultado de tal união é a perda tanto do mundo, como de Cristo.

A teologia da evolução, bem como as teorias evolucionistas seculares, é


antagônica a Bíblia. Não há como sustentar esse sistema teológico sem perder
a identidade cristã. Teilhard foi um homem totalmente deslumbrado com as
teorias científicas do seu tempo, chegando ao ponto de afirmar que a evolução
é “o sucesso mais prodigioso que a história jamais se referiu”. Ele se emociona
tanto com a evolução que se esquece que, segundo a fé cristã, o maior
sucesso da história é a vinda de Cristo, e não a teoria da evolução.

10. Teologia do Processo: Dr. Charles Hartshorne e a Teologia do Deus


Finito

De origem norte-americana, essa nova escola teológica tem como seu maior
expositor o professor Dr. Charles Hartshorne, da Universidade de Chicago. A
teologia do processo como escola teológica é uma tentativa de restabelecer a
doutrina de Deus em um mundo extremamente cético. Assim como as outras
teologias radicais surgidas no século vinte, a teologia do processo também
toma por empréstimo alguns pressupostos de uma vertente filosófica
contemporânea, a saber, a filosofia do processo, elaborada pelo famoso
matemático e filósofo, Alfred North Whitehead (1861-1947), que por sua vez,
elaborou sua filosofia em torno de algumas idéias de Charles Darwin.

13.1- Pressuposições da Teologia do Processo.


Os filósofos antigos desenvolveram seus sistemas em torno da idéia de que o
mundo era algo fixo, em que o ser incluía o porvir. Whitehead desenvolveu seu
sistema ao redor da idéia de que o mundo é dinâmico, estando sempre em
constante processo de transformação. Segundo ele, até Deus está sujeito ao
porvir (um conceito semelhante ao do teísmo aberto e da teologia da
esperança). A religião, para ele, “é a visão de algo que está além, atrás e
dentro do fluxo passageiro das coisas imediatas; algo que é real e ao mesmo
tempo espera por realizar-se, algo que é uma possibilidade remota e mesmo
assim é o maior de todos os atos presentes, possuí-la é o bem último, e
mesmo assim, está além do nosso alcance”. O legado kantiano, como se pode
observar, está bem latente na filosofia de Whitehead.

Harthshorne desenvolveu ainda mais a filosofia de Whitehead e aplicou suas


conclusões no cenário teológico. Associado com teólogos radicais de língua
inglesa como Norman Pittenger, Daniel Day Willlians, Schubert Ogden e John
Coob Jr., o grupo está convencido que para responder à “Teologia da Morte de
Deus”, devemos demonstrar a realidade objetiva de Deus através de uma
metafísica racional. Nesse sentido, Whitehead lhes serve como ponto de
partida. As idéias de Chardin também são muito parecidas com a dos teólogos
do processo, isso porque tanto ele quanto Whitehead assimilam idéias
evolucionistas.

13.2- Objeções à teologia do processo.

Deus, segundo a teologia do processo, “não é um ser, e sim uma força


dinâmica por detrás da evolução, emergindo sempre em tudo, tanto na história
como na natureza”. Com isso, a teologia do processo descaracteriza Deus,
reduzindo-o a um mero conceito panteísta. Assim como na filosofia kantiana,
na teologia do processo também há um grande apelo à autonomia e a
liberdade humana. Os teólogos do processo também comprometem a
soberania de Deus. Deus, segundo Whitehead, é “co-criador” do universo. A
criação de Deus é um processo contínuo, uma coexistência de ordem e
liberdade na qual o homem participa para criar o futuro. Essa tendência
teológica torna injustificável a escatologia, pois uma vez que não há um Deus
soberano e onisciente, não há certeza alguma quanto aos eventos futuros.
Desse modo, o livro de apocalipse e as profecias bíblicas perdem todo o
sentido.

Assim como na teologia de Paul Tillich, a teologia do processo tende à dissipar


a idéia de Deus como ser pessoal, reduzindo Deus à uma força que existe
como o aspecto principal de todas as coisas, o que reduz o cristianismo bíblico
a uma mera versão panteísta de religião. Nas palavras de Hartshorne, o
teólogo do movimento, “Deus literalmente contém o universo”.

Ainda que muitos teólogos do processo se neguem a admitir que descrevem


Deus em termos panteístas, em sua teologia o mundo se torna necessário para
que Deus exista. Além disso, o mundo também condiciona as atividades de
Deus. Dessa forma, o Deus pessoal da Bíblia que se auto-revela, fala e atua
por conta própria, e manifesta seus designos de forma inteligente, dentro da
teologia do processo é “uma seqüência de experiências pessoalmente
ordenada”, um conceito mental tomado à partir de analogias da experiência
humana.

Mesmo que a teologia do processo tenta dar um “toque bíblico” em sua


teologia, esse biblicismo é apenas aparente. Como disse Carl Henry: “apesar
de todo esforço, [na teologia do processo] a criação se transforma em
evolução, a redenção se transforma em relação e a ressurreição se transforma
em renovação. Há um abandono do sobrenatural, os milagres desaparecem, e
o Deus vivo da Bíblia fica submerso em termos imanentes”. Como podemos
ver, também na teologia do processo há uma tendência em reinterpretar os
milagres da Bíblia em termos existenciais.

Sua cristologia também é bastante confusa. Cristo aparece mais como um


“símbolo” da atividade divina na terra do que como uma intervenção divina no
curso desse mundo. Ele é um homem em quem Deus atuou, mas suas
conclusões o dissociam do Deus encarnado.

A doutrina da ressurreição, segundo os teólogos do processo, também é


insustentável porque tal ato seria uma coerção divina, uma intervenção direta
no livre-arbítrio humano. Um evento tal como esse acabaria por forçar nossa
vontade. Como se pode perceber, a teologia do processo está muito mais
fundamentada em hipóteses filosóficas do que naquilo que a Bíblia realmente
diz.

Ao negar o conhecimento que Deus possa ter de fatos ainda não ocorridos, a
teologia do processo põe em risco a credibilidade das Escrituras, pois se Deus
não tem nenhum conhecimento dos fatos ainda não ocorridos, como pode fazer
predições sobre o futuro? A conseqüência lógica do seu sistema é que não
pode haver predição ‘cem por cento’ segura na Bíblia, pois parece altamente
improvável que um ser que não tenha presciência plena dos contingentes
futuros saiba o que acontecerá. A Bíblia na afirma categoricamente: “Deus não
é homem para que minta”, mas se Deus é ignorante em relação a grandes
períodos da história futura, de que maneira qualquer uma das profecias
preditivas das Escrituras poderia ser qualquer coisa além de probabilidades?
A teologia do processo aniquila a fé que o crente tem em Deus, e não somente
isso mas também retira o próprio Deus Soberano do cenário e introduz em seu
lugar uma divindade caricata, impotente, penteísta e consequentemente, finita.

11. Teologia do Ser: Paul Tillich e a fronteira entre o liberalismo


racionalista e a teologia existencialista

Há pelo menos três grandes vultos teológicos do século vinte. Já apresentamos


dois deles, à saber: Barth e Bultmann. Queremos agora apresentar o terceiro
deles, Paul Tillich.

Tendo fugido da tirania de Hitler em 1933, Paul Tillich se tornou professor do


Union Theological Seminary, em Nova Iorque. Embora fosse um homem de
grande erudição, sua intelectualidade não o privou de prestar importantes
serviços sociais e religiosos. Exerceu capelania durante os quatro anos da
Primeira Guerra Mundial e participou do Movimento Socialista Religioso na
Alemanha. Sua experiência como capelão no período da guerra fez com que
ele tivesse uma vívida impressão dos problemas sociais. Há quem pense que
seu existencialismo teológico tenha surgido nesse período e especificamente
por causa dos horrores da guerra, mas tal comentário será sempre
especulação. Ao chegar nos Estados Unidos, dedicou seu tempo para ajudar
os refugiados da Europa.

Tillich é mesmo uma figura controversa. Na Europa ele é considerado um


liberal e ferrenho opositor de Barth e Brunner. Na América do Norte, no
entanto, ele é considerado como pertencendo a escola neo-ortodoxa e em
alguns círculos teológicos, ele é mencionado em conjunto com Barth e Brunner.
Porém, apesar das semelhanças, Tillich desenvolveu um sistema teológico que
resiste a qualquer rótulo, e talvez, por essa razão, não formou especificamente
uma escola teológica específica. O fato é que Tillich se valeu das elucubrações
de ambas as partes, neo-ortodoxa e liberal, coletando “supostamente” o que
havia de melhor nessas duas escolas. O teólogo Willian H. Hordern define a
teologia de Paul Tillich como sendo “a fronteira entre o liberalismo e a neo-
ortodoxia”, e é isso mesmo que ela é. Ele se situa exatamente no centro, entre
a crítica destrutiva da desmitologização e o existencialismo neo-ortodoxo.

Apesar de não ter formado uma escola específica, é provável que somente
Rudolf Bultmann tenha exercido uma influencia igual no cenário teológico
mundial. Sua profunda erudição e seus conhecimentos de história, filosofia,
psicologia, arte e análise política, além de sua especialidade, a teologia, lhe
renderam o título de “teólogo dos teólogos”, apelido pelo qual é conhecido hoje
nos círculos acadêmicos.

14.1 – Pressupostos da teologia de Paul Tillich.

Parte da popularidade de Tillich nos círculos acadêmicos deve-se a sua


profunda preocupação em encontra alguma forma de relacionar a mensagem
da Bíblia com as necessidades do século vinte. Falando do “princípio de
correlação”, ele argumenta que deve haver uma correlação entre os problemas
do homem e a fé cristã. Se por um lado a filosofia naturalista não pode
responder os questionamentos do homem, por outro lado, segundo ele, o
“sobrenaturalismo do cristianismo histórico” é muito transcendente para que o
homem possa encontrar nele a resposta. A mensagem do cristianismo surge
como “um conjunto de verdades sagradas que apareceram em meio à situação
humana como corpos estranhos procedentes de um mundo estranho”. Como
encontrar a verdade? E de que modo podemos construir uma teologia?

Para Tillich, começamos definindo a religião. A religião não é apenas uma


questão de ter determinada crença ou praticar certas ações. Para Tillich, o
homem é religioso quando está “essencialmente preocupado”. A preocupação
essencial é aquela que tem prioridade sobre todas as preocupações da vida.
Essa preocupação, segundo ele, tem o poder de elevar o homem sobre si
mesmo. Ela se resume na entrega total de nosso ser. Essa preocupação
essencial é o que determina nosso ser ou o não-ser. Nós nos preocupamos
essencialmente quando ponderamos sobre aquilo que tem o poder de destruir
ou de salvar-nos. Nossa preocupação é essencial quando ponderamos sobre
aquilo que é a soma da nossa realidade e a estrutura e objetivo da nossa
existência. O essencial é o próprio Ser, ou aquilo que tradicionalmente
chamamos de Deus.

Este Ser (com maiúscula), paradoxalmente não é nem uma coisa nem um ser.
Ele esta além do ser ou das coisas. Deus não é apenas o Ser, mas também o
poder de Ser por si mesmo, e isso foge a nossa compreensão. Não podemos
compará-lo a nada a fim de defini-lo, pois mesmo que o considerássemos
como o ser mais elevado, o estaríamos reduzindo a um objeto e uma criatura.
Por isso, para Tillich, afirmar a existência de Deus é tão ateu quanto negá-la,
isso porque o Ser transcende à existência. Ele é a resposta simbólica do
homem para a sua busca de bravura para superar as situações que o limitam,
tais como o ser e o não-ser que tanto o angustiam.

Quanto ao pecado, Tillich o define em função do ser e da alienação do Ser. A


responsabilidade pelas tensões da vida moderna não está relacionada a um
conceito clássico de pecado, o que seria uma explicação superficial e simplória.
O pecado é a alienação do fundamento do nosso ser.

Em sua cristologia, ele define Jesus como o símbolo no qual se supera a


alienação, em que se rompe a distância. Cristo é o símbolo do “Novo Ser”, no
qual se dissolve toda alienação que tenta diluir a unidade do homem com
Deus. A palavra “símbolo” é resultado do repúdio de Tillich por qualquer
interpretação ortodoxa acerca da pessoa e da obra de Cristo. Segundo ele, a
afirmação “Deus se fez homem” é uma afirmação não apenas paradoxal, mas
também sem sentido. O relato da crucificação é mencionado como lendário e
contraditório. A ressurreição, segundo ele, significa simplesmente que Jesus foi
restituído à sua dignidade na mente dos discípulos.

As descrições da salvação em seus aspectos, tais como justificação,


regeneração e santificação também estão sujeitas à reinterpretações. A
regeneração é descrita por ele como “ser incorporado na Nova Realidade
manifesta em Jesus”, como portador do “Novo Ser”. A justificação também não
é um ato soberano de um Deus pessoal, e sim uma palavra simbólica que
indica que o homem é aceito apesar de si mesmo. A santificação é o processo
através do qual o Novo Ser transforma a personalidade e a comunidade fora da
igreja.

14.2 – Objeções à teologia de Paul Tillich.

Quando nos deparamos pela primeira vez com a obra de Paul Tillich, temos a
impressão de estar diante de um incrível tratado teológico produzido por uma
mente enciclopédica, precisa, sutil e tremendamente criativa. No entanto, sua
teologia não é especificamente cristã, e sim uma “tradução” da linguagem
teológica em termos teosóficos e ontológicos. As vezes essa tradução nos
ajuda a ver as coisas sob uma luz mais clara e profunda, porém na maioria das
vezes, sua tradução faz violência tanto ao Espírito quanto à letra que ele
traduz.

Há várias objeções que se pode fazer à teologia de Tillich, entre elas a sua
rejeição da Bíblia como palavra de Deus. Seguindo os moldes neo-ortodoxos e
liberais, ele argumenta que a Bíblia, interpretada da maneira tradicional, não é
aplicável aos problemas da nossa época. Por esta causa, Tillich utiliza a
filosofia para analisar os problemas mais profundos da existência do homem
contemporâneo. No entanto, a maior falta dele não foi substituir a teologia pela
filosofia. Como escreveu o crítico Kenneth Hamilton, “sua maior falha foi
substituir a Palavra de Deus pela palavra do homem”.

O “princípio da correlação” de Tillich afirma que a filosofia pode dar-nos uma


analise adequada da situação humana. A Bíblia, nesse caso, pode até
aparecer, mas estará sempre em plano secundário.

Sua doutrina definitivamente não é doutrina bíblica. Não entendemos o porquê


Paul Tillich insiste em empregar a palavra Deus com sentido cristão. Sua idéia
de Deus não é trinitária e nem pessoal. Deus é um poder racional que penetra
a profundidade do ser, mas não é uma pessoa que se comunica ou com quem
possamos ter comunhão. O conceito de “Ser” que Tillich apresenta se
assemelha muito mais a um aspecto desse mundo do que existe por si só e
independe de sua criação. No sistema dele, não há mais distinção entre
Criador e criatura. Também não conseguimos entender que tipo de Deus pode
estar além da transcendência, e que não é nem sobrenatural nem natural.

Sua cristologia também é uma fraude. Tillich reduz Jesus a um mero símbolo, o
que faz dele um absoluto nada. Essa teologia diluída poderia ser bastante
aceitável para um budista ou um hindu. Religiosos de ambos os grupos
certamente abraçariam com alegria seus pressupostos, exceto pela sua
afirmação de que só ele foi e é o Cristo. A soteriologia de Tillich não tem
significado concreto, exceto como um símbolo a mais para descrever uma
situação existencial que não tem relação com o Deus Vivo.

Vemos em Paul Tillich um sério compromisso com a filosofia existencialista, ao


mesmo tempo em que podemos perceber seu particular descaso para com a
Palavra de Deus. Ao negar a historicidade dos fatos narrados no Novo
Testamento, a ocorrência literal dos milagres e o maior milagre do cristianismo:
a ressurreição, Tillich remove o fundamento e a esperança da fé cristã. Imagino
o que diria o apóstolo Paulo a um pregador como Paul Tillich: “E, se não há
ressurreição de mortos, então, Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não
ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã, a vossa fé; e somos tidos por falsas
testemunhas de Deus, porque temos asseverado contra Deus que ele
ressuscitou a Cristo, ao qual ele não ressuscitou, se é certo que os mortos não
ressuscitam. Porque, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não
ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda permaneceis
nos vossos pecados. E ainda mais: os que dormiram em Cristo pereceram. Se
a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais
infelizes de todos os homens”(1Coríntios 15.13-19). Não sei ao certo como
Paulo argumentaria com Tillich, mas creio que seria algo assim.

Se por um lado Tillich é considerado excelente erudito (e eu diria até um bom


filósofo), sua interpretação meramente existencial do cristianismo faz dele um
teólogo ruim, da perspectiva ortodoxa. Assim como Bultmann, ele lança tantas
dúvidas acerca dos milagres e da ressurreição que de nenhuma maneira,
segundo os princípios paulinos, sua teologia pode ser chamada cristã.

12. Teologia da Libertação: Uma resposta teológica à crise econômica


e social Latino-Americana

Até aqui a nossa abordagem tem sido principalmente teórica, passando pelas
principais escolas teológicas da era contemporânea. Temos analisado as
doutrinas dessas escolas e em nenhum momento fugimos da responsabilidade
de apresentar o nosso parecer. A análise que fazemos dessas propostas
teológicas encontra seus pressupostos na ortodoxia bíblica, conforme já foi dito
no capítulo primeiro. Apesar da relevância dos problemas até aqui levantados,
a influência dessas escolas teológicas na nossa teologia e em nossas
denominações é pequena, ou quase nula. Muitos dos programas teológicos até
aqui apresentados foram postos em caráter de informação, e talvez o leitor
nunca se depare com os problemas aqui levantados, salvo nas esferas
seculares, onde o liberalismo teológico e o naturalismo têm estado ativo e
presente. Nas comunidades eclesiásticas brasileiras, quase não vemos
influência desses movimentos, a não ser um ou outro incidente recente de
pastores que abraçaram a teologia relacional, apresentada por nós no capítulo
dez sob o título de “teologia do processo”. Porém, à partir desse capítulo,
abordaremos três correntes teológicas cuja presença é marcante no Brasil, e
cujos pressupostos tem de alguma maneira modelado a forma de fazer teologia
no Brasil. A primeira dessas três escolas, de origem netamente Latina, é a
Teologia da Libertação.

15.1 – Contextualizando a teologia da libertação.

Nas décadas de 60 e 70, o ambiente teológico da América Latina passou por


sérias transformações. O ambiente no Brasil e na Argentina era de ditadura. Os
teólogos que viveram esse período foram levados a formular uma teologia que
fosse menos acadêmica e teórica, e mais laica e prática, que pudesse sanar os
problemas sociais e econômicos de então. Em meio a uma estrutura social em
que um homem velho morre aos vinte e oito anos, onde quinhentos em cada
mil crianças morrem antes de completar um ano de idade, onde os estudantes
que protestam são torturados, e oitenta por cento da população vive com uma
renda de oitenta dólares por ano, a voz revolucionária começou a clamar em
favor das massas. Católicos romanos como Juan Luís Segundo, Hugo Assman
e Gustavo Gutiérrez Merino, animados pela política mais aberta do Vaticano II;
protestantes como Rubem Alves, Emílio Castro, José Míguez Bonino e o então
missionário no Brasil, Richard Shaull, se empenharam em buscar uma teologia
que pudesse resolver os conflitos sociais da América Ibero Hispana.

As palavras chaves para entender essa teologia social são “revolução”,


“libertação”, “exploração”, “dominação estrangeira”, “capitalismo” e
“proletariado”. Qualquer semelhança com os conhecidos jargões do
comunismo não é mera coincidência. Ele foi a maior fonte de inspiração e o
impulso motor dessa nova tendência teológica.

Sob a palavra “libertação”, não está subentendida a obra de Cristo por nós, e
sim os ideais do marxismo. A palavra, dentro desse movimento teológico
significa:

Libertação política das pessoas e setores socialmente oprimidas.

Libertação social para melhores condições de vida, uma mudança radical nas
estrutura, resultante da criação contínua de uma nova maneira de ser e de uma
revolução permanente.

3. Libertação pedagógica para uma consciência crítica através do que o


pedagogo brasileiro Paulo Freire chamou de “conscientização”, sendo o cerne
dessa conscientização o despertar da consciência das massas miseráveis que
vivem a cultura do silêncio, para se interarem da dominação social, política e
econômica que lhes é imposta.

15.2 – A teologia da libertação e a revolução social.

Os teólogos da libertação se declararam várias vezes favoráveis a luta armada,


ao ponto de alguns considerarem Camilo Torres, sacerdote colombiano que
morreu em um tiroteio como membro da guerrilha de Che Guevara, como o
santo patrono da causa. O padre Camilo costumava dizer que “cada católico
que não é revolucionário e não está do lado da revolução comete pecado
mortal”. Na questão da violência, como se pode deduzir dessas linhas, os
teólogos da libertação são bem pragmáticos. Para eles, o problema da
violência e da não-violência é um problema ilusório. Apenas existe a questão
do uso justificado ou injustificado da força, e se o fim é nobre, os meios se
fazem necessário. Essa atitude violenta foi de fato uma proposta aberta aos
religiosos para que tomem lugar nas barricadas e lutem em prol do
desenvolvimento social e econômico da América Latina. No Brasil, Dom Hélder
Câmara, então arcebispo do Recife, promove uma revolução pacífica, por não
se contentar com as reformas triviais.

15.3 – Leonardo Boff, a principal voz do movimento no Brasil.

Embora Hugo Assman e Dom Hélder Câmara sejam dos nomes que
representam o pensamento da teologia da libertação no Brasil, atualmente é o
Dr. Leonardo Boff que está no centro do debate sobre a teologia da libertação.
Como membro do conselho editorial da Editora Vozes entre 1970 e 1985, Boff
participou da coordenação e publicação da coleção “Teologia da Libertação”.
Em 1984, em razão de suas teses ligadas à teologia da libertação,
apresentadas no livro “Igreja: Carisma e Poder”, foi submetido a um processo
no Vaticano. Em 1985, foi interrogado pelo cardeal Joseph Ratzinger (o atual
papa Bento XVI), então prefeito da Congregação da Doutrina e da Fé, órgão
herdeiro da Inquisição, e condenado a um ano de “silêncio obsequioso”, sendo
também deposto de todas as suas funções editoriais e de magistério no campo
religioso. Dada a pressão mundial sobre o Vaticano, a pena foi suspensa em
1986, podendo retomar algumas de suas atividades.

Em 1992, sendo de novo ameaçado com uma segunda punição pelas


autoridades de Roma, “apostatou” de sua condição de padre e da própria Igreja
Católica para se unir com uma mulher. “Mudou de trincheira para continuar a
mesma luta”: continua como teólogo da libertação, escritor, professor e
conferencista nos mais diferentes auditórios do Brasil e do exterior, assessor
de movimentos sociais de cunho popular libertador, como o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra e as Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s),
entre outros. Curiosamente a cúpula da CNBB parece continuar com boas
relações com Boff, apesar de sua “apostasia” e de seu marxismo.

15.4- Os pressupostos da Teologia da Libertação e as objeções à doutrina.

O ponto de partida para a elaboração da teologia da libertação, segundo o


peruano Gutiérrez, “é o esforço do ser humano para ser parte do processo
através do qual o mundo será transformado”, o que faz da teologia da
libertação mais um movimento político que um movimento netamente teológico.
Tal ponto de partida deve ser contextual, com raízes na dimensão humana e
política, e a teologia deve ser elaborada à partir de elucubrações sócio-
políticas. Como movimento político, ela tem sido um brado a favor da dignidade
humana, de uma sociedade mais justa e fraterna. Porém, o que eles admitem
na teoria, foi negado por eles mesmos muitas vezes na prática.

A salvação, dentro da cosmovisão libertária, se resume em “um processo que


abarca o homem e a história”, e o evangelho, em nossa época, deve ter uma
transcrição e aplicação política. O encontro com Deus é descrito como “o
compromisso com o processo histórico da humanidade”. Essa concepção de
salvação talvez corresponda à idéia judaica de messianismo na época de
Cristo, mas pouco tem a ver com o conceito tal como utilizado por Jesus e por
Paulo. A responsabilidade social é um dever do cristão, mas a salvação não se
restringe a essa responsabilidade: salvação significa perdão e cancelamento
dos pecados cometidos contra Deus (Hebreus 9.28, 1João 3.5). Nesse
processo de teologia libertária, a missão da igreja acaba por confundir-se com
confrontamento político e adesão e exposição de idéias sociais, mas a missão
do cristão, segundo a Bíblia, é proclamar que o filho de Deus ressuscitou e tem
poder de perdoar pecados.

É preciso ressaltar que as afirmações de violência não são de nenhum modo


característica de todos os teólogos da libertação. Toda rotulação é pobre, e
nesse sentido, há de se admitir a classificação do movimento da teologia da
libertação como um movimento violento é falha. Ainda assim, não podemos
deixar de aludir que, ainda que não totalmente, a teologia da libertação é
fortemente um movimento violento. Como disse, Rubem Alves, também teólogo
libertário, “a violência se converte na força que move a história no caminho
para conduzir à sociedade perfeita”. Em outras palavras, é justo empregar a
violência contra a violência, pois neste caso, os fins justificam os meios. Ele
também afirma que o “amor para os oprimidos significa cólera contra os
opressores”. Como é difícil associar todo esse discurso com as palavras de
Jesus no Sermão da Montanha!

Como o evangelicalismo deve responder a essa “revolução teológica”? É óbvio


que o cristão não deve viver alienado de qualquer idéia política ou deva se
conformar a uma mentalidade status quo. O problema é que, conforme temos
exposto em tese, a tendência da teologia cristã é polarizar: Ou a experiência,
ou a razão; ou a história, ou a fé; e no caso da Teologia da Libertação, ou o
marxismo, ou não somos cristãos. Não é preciso polarizar para ter
responsabilidade social, nem é preciso forçar a exegese ou fazer eisegese para
defender pressupostos sociais.

Devido à repressão ao movimento, hoje não há muitos grupos ou indivíduos


que mantém a Teologia da Libertação. Atualmente o movimento se reduz a
algumas “comunidades de base”, que tentam colocar em prática as idéias
sociais da mesma, mas a influência nas faculdades ainda é grande.
A teologia da libertação está fundamentada em uma postura na qual a presente
práxis histórica se transforma em norma canônica para descobrir a vontade de
Deus. Ao refletir algo parecido com a ética situacional, a teologia da libertação
não pode escapar das mesmas acusações levantadas contra ela: moralidade
relativista e pragmática. Ela foge totalmente a ortodoxia reformada, e não há
nenhuma possibilidade de um crente evangélico sustentá-la sem cair em
contradição, isso porque a “Sola Scriptura” não admite nenhum “somado a”, ou
“junto com”.

13. Pentecostalismo: Parham, Seymour e o avivamento místico-pietista


do século vinte

Segundo o Dr. Gary B. McGee, teólogo pentecostal das Assembléias de Deus,


pelo menos dois reavivamentos do século XIX podem ser considerados
precursores do moderno movimento pentecostal. O primeiro teria ocorrido na
Inglaterra, ao redor de 1830, tendo como caudilho o ministério de Edward
Irving, e o segundo teria ocorrido no sul da Índia, sob a liderança de J. C.
Aroolappen.

O movimento também tem suas raízes na Doutrina da Perfeição Cristã, de


John Wesley. Em seu livro A Short Account of Christian Perfection, em 1760,
Wesley conclama os crentes à buscarem uma segunda obra de graça,
posterior à conversão, que livraria os crentes de sua natureza moral imperfeita.
Essa doutrina chegou na América do Norte, e inspirou o Movimento de
Santidade, cuja ênfase estava voltada à vida santificada. Porém, quando o
pregador Wesleyano radical da Santidade, Benjamin Hardin Irwin começou, em
1895, a ensinar sobre três obras de graça, a dissidência teológica começou a
surgir. Segundo Irwin, a segunda obra de graça iniciava a santificação e a
terceira trazia o “batismo do amor ardente”, que é o batismo no Espírito Santo.
A maior parte do Movimento de Santidade condenou essa terceira obra da
graça como sendo heresia. Mesmo assim, porém, a noção que Irwin possuía
de uma terceira obra de graça, o revestimento de poder para o serviço cristão,
firmou-se como alicerce do Movimento Pentecostal.

Outros três livros que proporcionaram as bases sobre a qual foi construído o
movimento pentecostal foram Guia para a Santidade e A Promessa do Pai, da
irmã Phoebe Palmer, uma das principais líderes metodistas, e Tongue of Fire
(Língua de Fogo), de William Arthur. Aos que procuravam receber a segunda
obra de graça, era ensinado que cada cristão precisa esperar pela promessa
do batismo no Espírito Santo, fazendo uma interpretação pessoal de Lc 24.49.

A crença na segunda obra de graça não ficou confinada ao metodismo. O


advogado e pregador cristão Charles G. Finney, por exemplo, acreditava que o
batismo no Espírito Santo provesse revestimento de poder para se obter a
perfeição cristã. Outros pregadores de renome, tais como Dwight L. Moody e
R.A. Torrey, também acreditavam que uma segunda obra de graça revestiria o
cristão com o poder do Espírito.

Dois eventos marcaram definitivamente a chegada do moderno movimento


pentecostal. O primeiro deles é datado de 1º de Janeiro de 1901, quando
Agnes Ozman, aluna da Escola Bíblica Betel de Charles Fox Parham, em
Topeka, no estado americano do Kansas, teve uma experiência mística e
começou a falar em outras línguas. Charles Parham era um pregador do
Movimento de Santidade, que influenciado por Irwin e convencido pelos seus
próprios estudos dos Atos dos Apóstolos, testemunhou um grande
reavivamento na Escola Bíblica Betel. Depois de Agnes Ozman, muitos outros
alunos foram batizados com o “novo” batismo, e falaram em outras línguas
(xenolalia). Aqueles que presenciavam esses acontecimentos, faziam
rapidamente um paralelo com os eventos do livro de Atos dos Apóstolos, e
muitos diziam que o movimento era a restauração da fé apostólica. De fato,
quando Bennett Freeman Lawrence escreveu a primeira história do movimento
pentecostal, em 1916, deu ao movimento o título de The Apostolic Faith
Restored (Fé Apostólica Restaurada).

À princípio, os cristãos pentecostais achavam que as línguas faladas por eles


eram, de fato, xenolalia, isto é, línguas inteligíveis – idiomas pátrios. Depois de
1906, porém, cada vez mais pentecostais estavam de acordo em que as
línguas por eles faladas eram glossolalia, isto é, línguas desconhecidas e não
identificáveis pela inteligência humana. Parham, porém, continuava crendo que
as línguas faladas pelos pentecostais eram xenolalia e que essas línguas eram
expressões idiomáticas de outras nações. Sendo assim, o fenômeno das
línguas auxiliaria como uma ferramenta nas mãos dos missionários
transculturais, que seriam capacitados sobrenaturalmente para falarem outros
idiomas. Essa tese perdeu força com o decorrer dos anos e hoje é crença
quase comum em círculos pentecostais que as línguas faladas por eles não
são idiomas estrangeiros.

A grande contribuição teológica de Parham ao movimento acha-se na sua


insistência de que o falar noutras línguas é a evidência bíblica vital da terceira
obra de graça: o batismo no Espírito Santo. Suas asserções estão baseadas
nos relatos de Atos dos Apóstolos, capítulos 2, 10 e 19, e desde então o falar
em outras línguas tem sido destacado pelos pentecostais como sendo a
evidência física inicial do batismo no Espírito e a prova cabal do mesmo.

Posteriormente, Parham mudou-se para Houston, e um de seus alunos, um


homem negro chamado William Seymour, após ter passado pela mesma
experiência mística, tornou-se líder de uma igreja na rua Azuza, em Los
Angeles, no ano 1906. Foi então que o movimento pentecostal explodiu. A
partir da rua Azuza, a mensagem pentecostal, que incluía o falar noutras
línguas como sinal do batismo no Espírito Santo, divulgou-se pelos Estados
Unidos e pelo resto do mundo.
Na verdade, experiências semelhantes, incluindo o falar noutras línguas, já
haviam ocorrido em fins do século XIX, tanto nos Estados Unidos quanto no
exterior, em lugares bem distantes entre si, como na já mencionada Índia e na
Finlândia, porém até então esses eram apenas casos isolados. Foi à partir do
início do século vinte que o pentecostalismo ganhou projeção mundial.

O Dr. Gary B. McGee também menciona as conferências de Keswick, na Grã-


Bretanha como tendo uma grande influência sobre o Movimento de Santidade
na América do Norte, e consequentemente sobre o pentecostalismo. Os
conferencistas de Keswick acreditavam que o batismo no Espírito Santo
produzia uma vida contínua de vitória, uma vida mais profunda, caracterizada
pela plenitude do Espírito. Essa sentença está alicerçada no conceito
wesleyano, que afirmava que o batismo no Espírito produzia a perfeição cristã.

16.1 – Os principais pressupostos da doutrina pentecostal.

No início do movimento houve muitos debates acerca da doutrina, e logo nos


primeiros dezesseis anos de existência, houve quatro grandes controvérsias. A
primeira, sobre o valor teológico da literatura narrativa, em especial o livro de
Atos e os últimos versículos de Marcos, para fundamentar o falar noutras
línguas como a evidência inicial do batismo no Espírito Santo. A segunda
controvérsia já foi mencionada, e diz respeito à natureza das línguas faladas.
Um grupo acreditava tratar-se de expressões idiomáticas inteligíveis (línguas
pátrias) enquanto outro acreditava que as línguas faladas eram expressões de
mistério, portanto, ininteligíveis por meios naturais. Outro debate girava em
torno da segunda obra da graça: a santificação. Seria ela progressiva ou
instantânea? Os pentecostais de tendências wesleyanas asseguravam que a
santificação era uma obra instantânea, enquanto os pentecostais de tendências
reformada defendiam a santificação progressiva. A quarta controvérsia é de
ênfase cristológica. Em um sermão pregado em Arroyo Seco, R.E. McAlister
observou que os apóstolos batizavam apenas em nome de Jesus (At 2.38) ao
invés da fórmula trinitariana (Mt 28.19). Os que deram crédito à pregação de
McAlister foram “rebatizados” em nome de Jesus. Houve então uma cisma no
movimento e os que enfatizaram o batismo apenas no nome de Jesus
acabaram por propor uma doutrina modalística da trindade, que é uma variação
do unitarismo. As Assembléias de Deus, no entanto, não acompanharam as
tendências modalísticas.

Vemos, portanto, o quanto resulta difícil fazer generalizações doutrinárias


acerca do movimento. Apesar disso, destacamos à seguir aquilo que
consideramos ser as crenças mais universais dos pentecostais. A lista não é
exaustiva, podendo haver outros itens não relacionados nessa pesquisa. Todos
os cristãos pentecostais crêem:

a) No Batismo no Espírito Santo como experiência subseqüente e distinta


da salvação.

b) Na atualidade dos dons espirituais, tais como cura, profecias, línguas e


interpretação de línguas e operação de milagres.

c) Que o batismo pentecostal reveste o crente com poder do alto


capacitando-o para exercer seu ministério ao mundo.

Além disso, a maioria dos cristãos pentecostais também crê:

a) Na vinda de Jesus pré-milenista e pré-tribulacionista.


b) No falar em línguas como evidência física inicial do batismo no Espírito.

c) São dispensacionalistas.

16.2 – Razões que contribuíram para crescimento do Movimento Pentecostal.

No final do século dezenove e início do século vinte, a medicina avançava à


duras penas e oferecia pouca ajuda aos que se achavam gravemente
enfermos. Consequentemente, a fé no miraculoso para a cura física começou a
ressurgir nos círculos evangélicos. Na Alemanha do século dezenove, os
ministérios que ressaltavam a importância da oração pelos enfermos atraía a
atenção dos crentes estadunidenses, ao mesmo tempo que a teologia pietista,
com sua crença na purificação instantânea do pecado ou no revestimento do
poder do Espírito produziu um ambiente receptivo aos ensinos da cura
mediante a fé.

No Brasil, na época em que Daniel Berg e Gunnar Vingren aportaram em


nosso país, a medicina era ainda mais precária, havia em nossas terras um
grande número de leprosos e muita gente morria apenas por falta de higiene ou
por efeito de uma desinteria. A promessa de uma cura instantânea veio de
encontro com as necessidades básicas do nosso povo, de modo o movimento
teve ampla aceitação. A crença mística do povo brasileiro, sobretudo no norte
do país, também foi um fator decisivo para a recepção das doutrinas pregadas
pelos missionários suecos. Não queremos dizer com isso que o
pentecostalismo somente se instaurou no Brasil por causa da influência dos
cultos afros e do xamanismo. Lembremos que o mundo greco-romano nos dias
apostólicos também tinha suas religiões de mistério, e ainda que isso tenha
contribuído para a aceitação do evangelho, esse não foi o fator decisivo.

16.3 – Objeções à doutrina pentecostal.

Muitos cessacionistas têm se empenhado para desacreditar o pentecostalismo


e a atualidade dos dons espirituais. Porém, nenhuma exegese por eles
apresentada justifica o anti-sobrenaturalismo presente em sua teologia. Os
cessacionistas argumentam que se a inspiração profética é atual, então
teremos duas fontes inspiradas: a Bíblia e a profecia. Os restauracionistas
pentecostais, por outro lado, dizem que as profecias só são válidas se
estiverem em comum acordo com a Bíblia sagrada e terão valor apenas após o
seu cumprimento. Outra questão diz respeito aos milagres. Alguns
cessassionistas dizem que a ocorrência de sinais fantásticos seria mais que
persuasão e violaria incondicionalmente o livre-arbítrio humano. A isso os
pentecostais dizem que Jesus e os discípulos também faziam sinais, e nem por
isso aqueles que se convertiam tinham seu livre-arbítrio violado. Muitos
presenciaram a multiplicação dos pães, mas nem por isso se tornaram crentes.

Muitas foram as contribuições do pentecostalismo. Em meio ao cenário árido


da teologia do início do século vinte, surgiu um movimento com ênfase na
santificação, na leitura e pregação devocional da Bíblia e com uma visão de
ministério às nações. As Assembléias de Deus, filha desse reavivamento
espiritual, tornou-se uma das maiores denominações do mundo.

É interessante perceber que nesses cem anos de controvérsias teológicas,


enquanto os teólogos alemães e norteamenricanos patenteavam jargões como
geschichte, desmitologização, faziam estudos sobre o Jesus histórico
desassociando-o do Jesus da fé, criavam teologias com ênfase em teorias
naturalistas e evolucionistas, surgiu também um movimento de restauração da
fé apostólica. Talvez minha observação pareça arrebatada ou até mesmo
apaixonada demais, mas o fato é que o pentecostalismo foi uma das principais
reações contrárias ao secularismo teológico que surgiu no século vinte. Se por
um lado os demais movimentos estavam associados ao desejo de amoldar a fé
cristã aos padrões filosóficos e científicos do homem moderno, o
pentecostalismo por sua vez surgiu do desejo de reencontrar a fé cristã
primitiva e de desassociar-se do sistema secular.

Não faltam porém objeções às práticas do movimento, entre as quais


destacamos algumas. Em muitas igrejas evangélicas, a excessiva ênfase na
inspiração sobrenatural da fala, ou dom de profecia, tem substituído a pregação
da palavra de Deus.

É comum em nossos dias ver pregadores pentecostais trazendo novas e


estranhas revelações acerca de anjos, visões e da conduta cristã, a ponto de
ter se tornado praxe de certo pregador televisivo, invocar serafins antes de
fazer sua preleção. Essa prática definitivamente não é cristã. Jamais vimos
Jesus ou os seus apóstolos invocando a presença de anjos antes de trazer
uma mensagem aos fiéis. E os exageros não param por aí: a Bíblia também,
volta e meia desaparece dos púlpitos nos congressos, e quando reaparece, é
permutada. Esse mesmo pregador gosta de dizer a Deus em suas “fervorosas”
orações: “se tenho crédito no céu…”. Crédito no céu? Onde está a mensagem
da graça, do favor de Deus? Outro pregador pentecostal que há anos se
identificava como homem ortodoxo tem se rendido fatalmente à práticas neo-
pentecostais, mercadejando as bênçãos de Deus e enfatizando muito mais o
presente que o porvir. Virou já um ícone do evangelho da prosperidade. De
modo quase geral, a pregação catequética e com embasamento escriturístico
tem sido substituída por empolgados shows evangélicos, promovidos por
pregadores que mais parecem animadores de auditório.

Isso, porém, não significa que não haja pentecostais sérios e ortodoxos. Há
muitos que ainda prezam pela pregação bíblica e que mantém o perfeito
equilíbrio entre a unção, a erudição e o conhecimento teológico. Conhecemos
muitos assim, e enquanto existirem esses, creio que o movimento contará com
certa credibilidade. No entanto, o atual quadro do pentecostalismo, sobretudo
no cenário nacional, faz-nos pensar na necessidade e porque não dizer,
urgência de uma nova reforma religiosa dentro do próprio movimento: uma
nova restauração da fé apostólica.

O pentecostalismo surge no cenário contemporâneo na contramão da teologia


moderna liberal e neo-ortodoxa. Enquanto Barth, Bultmann, Tillich e Brunner
agitavam o cenário teológico mundial com inovações e com suas tendências
filosóficas, obviamente influenciados pelo existencialismo de Kierkgaard, pelo
ceticismo de David Hume e pelos apelos filosóficos de Immanuel Kant, surgiu
no cenário mundial um movimento que buscava justamente o oposto. Se por
um lado Paul Tillich buscava amoldar a Bíblia às necessidades do homem,
William Seymour e os demais pregadores do movimento pietista pentecostal
instavam para que os homens se amoldassem à Palavra de Deus. Enquanto
Barth apresentava Deus como “Totalmente-Outro”, os pregadores pentecostais
insistiam na possibilidade de um relacionamento pessoal com Deus e definiam-
no como aquele que habita os céus e que paradoxalmente, vive em nós.

Muitos excessos têm sido cometidos desde então, mas isso não desqualifica o
movimento. Na verdade, esses excessos ocorrem bem na fronteira de dois
movimentos contemporâneos com muita força em nosso país: o
pentecostalismo e o neo-pentecostalismo. Apesar da semelhança semântica,
quero ressaltar que a dissimile é maior que qualquer afinidade que estes dois
nomes possam sugerir.

14. Neopentecostalismo: Misticismo, pragmatismo e culto à Mamom

Na década de 70, chegou no Brasil o movimento que ficou conhecido como


neopentecostalismo. Este movimento se originou a partir de denominações
históricas, tais como a Igreja Presbiteriana Renovada, em 1975; as Igrejas
Pentecostais Livres: Sinais e Prodígios, fundada em 1970, e Socorrista, em
1973; as Igrejas com pouca estrutura eclesiástica, como a Igreja Universal do
Reino de Deus (IURD), fundada em 1977; e os Pentecostais Carismáticos,
Renovação Carismática, originária da Igreja Católica Romana, fundadas em
1967. Como já foi dito no capítulo anterior, embora seja possível estabelecer
uma símile entre o pentecostalismo e o neopentecostalismo, as diferenças
entre esses dois grupos protestantes são maiores que qualquer semelhança
que possam ter. Nos nossos dias, juntamente com as doutrinas
neopentecostais têm surgido muitas doutrinas paralelas, como a chamada
Confissão Positiva (Evangelho da Saúde e da Prosperidade, Quebra de
Maldições, Maldições Hereditárias, Maldição de Família e Pecado de Geração,
Nova Unção); apregoadas por supostos avivalistas em acampamentos cristãos,
em congressos, em escolas bíblicas de férias e na televisão; e por mentores
católicos carismáticos no exercício do Toque do Dom, da Cura Diferencial e do
Exorcismo. Todos estes, evangélicos ou não, sem nenhuma consulta à
exegese bíblica, alicerces ou filtro teológico, ensinam sempre sob a orientação
filosófica de seu pai, Essek William Kenyon e de seus principais porta-vozes,
Kenneth Hagin, Marilyn Hickey, Kenneth Copeland, Robert Schüller, Jorge
Tadeu e outros.

Temos buscado nessas páginas, além de apresentar as principais doutrinas do


século vinte, defender com muita submissão os valores do Evangelho e a
imaculada Igreja de Nosso Senhor Jesus, à qual fomos chamados. Muitos
obreiros e ministérios são envolvidos em assuntos aparentemente simples
como os que temos abordado, pensando estar fazendo o melhor para Deus,
quando na verdade estão sendo instrumentos para erosão perniciosa contra a
vida espiritual da Igreja. Estes, sejam pregadores ou leigos, vivem em busca de
“sinais” de Deus, de novas manifestações, mas lembremos-nos: o sinal sempre
foi sinal para incrédulos! Em toda a história, homens e mulheres no decorrer de
sua incansável busca por um toque religioso, sempre buscaram um sinal e uma
materialização do imaterial. Jesus chamou essa multidão que de um lado para
o outro em busca de uma experiência, de multidão má e incrédula (cf. Mateus
12.38-39).

17.1 – História do Movimento Neopentecostal

Muitas pessoas no movimento da confissão positiva consideram Kenneth Hagin


como o pai do movimento, de tal forma que muitos pregadores da prosperidade
– inclusive os brasileiros – se consideram discípulos de Hagin. Porém, quando
se investiga o desenvolvimento histórico do movimento, chega-se à conclusão
de que o verdadeiro pai da confissão positiva é Essek William Kenyon.

Kenyon nasceu no condado de Saratoga, Nova York, Estados Unidos, em


1867. Em 1892, mudou-se para Boston, onde freqüentou várias escolas, entre
elas a Faculdade Emerson de Oratória, fundada por Charles Emerson. Ésse
Charles Emerson, segundo se sabe, foi uma mente muito confusa e sincretista,
e chegou a abraçar inclusive muitos ensinos de seitas heréticas, como por
exemplo a Ciência Cristã, que à bem da verdade, não é nem ciência nem
cristã. É muito importante saber quem foi Charles Emerson para se
compreender a hermenêutica de Kenyon.
Em Super Crentes, O professor do Makenzie e apologista do ICP, Paulo
Romeiro, escreve o seguinte acerca de Emerson: Charles Emerson foi uma
figura um tanto contriversa. Em seus 40 anos de ministério, a teologia de
Emerson evoluiu do congregacionalismo para o universalismo, para o
unitarismo, para o transcendentalismo, para o Novo Pensamento (Nova Idéia),
e terminou, finalmente, nas mais rígidas e dogmáticas de todas as seitas
metafísicas, a Ciência Cristã. Emerson uniu-se à Ciência Cristã em 1903 e nela
permaneceu envolvido até sua morte, em 1908. Sua conversão à Ciência
Cristã foi a última progressão lógica na sua evolução metafísica do ortodoxo
para o sectário”.

No dia 19 de março de 1948, faleceu Kenyon, com a idade de 80 anos. Antes


de sua morte, encarregou sua filha Rute de continuar o seu ministério e
publicar os seus escritos, o que ela cumpriu fielmente. Mais tarde, alguém
utilizaria as idéias e os escritos de Kenyon para dar forma ao que viria a ser um
dos maiores e mais controvertidos movimentos dentro do corpo de Cristo da
atualidade. Esta pessoa é Kenneth Erwin Hagin.

Duas experiências polêmicas teriam afetado toda a sua vida e ministério. A


primeira foi Hagin ter sido “levado ao inferno”, onde supostamente viu e sentiu
coisas que o deixaram perplexo. Hagin conta ter descido outras duas vezes “ao
inferno” para ali contemplar os seus horrores, sendo assim levado a tomar uma
decisão quanto a sua vida espiritual. Depois da terceira “visita ao inferno”,
Hagin aceitou a Cristo como seu Salvador.

No início do seu ministério, Hagin foi um jovem pregador batista (1934-1937) e


pastoreou uma igreja da comunidade onde morava. Devido à sua crença em
cura divina, começou a associar-se com os pentecostais e em 1937, recebeu o
batismo com Espírito Santo e falou em línguas. Neste mesmo ano foi licenciado
como ministro da Assembléia de Deus (1937-1949) e pastoreou várias igrejas
dessa denominação no Estado do Texas. Tendo passado por essas duas
denominações, finalmente fundou, em 1962, seu próprio ministério.

O ministério de Kenneth Hagin é hoje um dos maiores do mundo e sua


influência tem se espalhado por muitas partes do globo. Fundou em Tusla, em
1974, a Escola Bíblica por Correspondência Rhema e o Centro de Treinamento
Bíblico Rhema em Tulsa. Segundo o professor Paulo Romeiro, a Escola Bíblica
de Hagin já formou cerca de 6.600 alunos. A revista Word of Faith (Palavra da
Fé), que também pertence ao movimento, é enviada para 190 mil lares
mensalmente e calcula-se que cerca de 20 mil fitas cassete de estudos são
distribuídas a cada mês. Já foram vendidos cerca de 33 milhões de cópias de
seus 126 livros e panfletos. Os bens da organização estão avaliados em 20
milhões de dólares. R. R. Soares, líder da Igreja Internacional da Graça de
Deus, responsável pela publicação da maioria dos livros de Kenneth Hagin no
Brasil.

Além de Essek W. Kenyon e Kenneth Hagin, os nomes mais conhecidos


ligados à confissão positiva são Ken Hagin Jr. (filho de Kenneth Hagin),
Kenneth e Glória Copeland, T. L. Osborn, Fred Price, Hobart Freeman, Charles
Capps, Jerry Savelle, John Osteen, Benny Hinn e Lester Sumrall. Outra pessoa
que tem influenciado muitos no Brasil é o engenheiro Jorge Tadeu, hoje pastor
e líder das igrejas Maná, em Portugal. Pode ser citado ainda o ministério de
Miguel Ângelo da Silva Ferreira, pastor da Igreja Evangélica Cristo Vive, no Rio
de Janeiro, o já mencionado Edir Macedo e o líder da Igreja Internacional da
Graça de Deus, R.R. Soares.

17.2 – Pressuposições da Doutrina da Prosperidade..


É muito difícil enumerar os pressupostos do neopentecostalismo, visto que
existem diversas denominações neopentecostais e todas possuem sistema
doutrinario eclético. Nos limitaremos, portanto, a destacar algumas práticas dos
principais grupos neopentecostais.

A marca registrada das igrejas neopentecostais no Brasil tem sido a ávidez por
dinheiro. Escandalos envolvendo o Bispo da IURD, Edir Macedo e
recentemente com o bispo Estevão Hernandes e com a ua esposa, a também
bispa Sônia Hernandes, da igreja Renascer, têm se tornado corriqueiros. Não é
nossa intenção inquerir até que ponto a arrecadação feita nas denominações é
lícita. Apenas queremos chmar a atenção para algo que se tornou o principal
enfoque do neopentecostalismo: a teologia da prosperidade.

Segundo essa abordagem teológica, pobreza e enfermidade são


características de uma vida sem fé. A doença tem sua origem na falta de
comunhão com Deus, de modo que um indivíduo realmente convertido nunca
deve ficar doente, baseando a cura divina na expiação e usando para isso o
texto de Isaías 53.4-5. A prosperidade financeira também é um direito do
crente, sendo a pobreza uma maldição. Para justificar o disparate, afirmam que
Jesus era rico – bem como os seus discípulos – mas até onde sabemos, o
Filho do Homem muitas vezes não tinha sequer onde reclinar a cabeça. Para o
Dr. Serafim Isidoro, em seu pequeno, porém inteligente livro Considerações à
Doutrina da Prosperidade, o Novo Testamento traz em seu cerne uma
mensagem de abnegação, enquanto no Antigo Testamento a promessa é de
prosperidade advinda da obediência. Ele também diz que “a busca do
sensacionalismo e da prosperidade facil afasta o homem da ordem antiga:
Comerás o pão do suor do teu rosto”.
Os porta-vozes da doutrina da prosperidade não medem esforços para
conseguir arrecadações. Bob Tilton, que já esteve no Brasil acompanhado de
Rex Humbard, é uma figura extremamente controvertida hoje nos Estados
Unidos, principalmente pelos seus métodos de levantamento de fundos,
chegando até mesmo a chorar e a profetizar enquanto pede dinheiro no seu
programa de televisão.

Não há dúvida de que o movimento da fé tem em Benny Hinn, pastor do Centro


Cristão de Orlando, na Flórida, é um de seus nomes mais famosos. Seu livro,
Bom Dia, Espírito Santo, é um dos mais vendidos hoje na América do Norte.
Porém, tanto o livro de Hinn como seus ensinos têm levantado muita polêmica,
como, por exemplo, o estudo acerca do “corpo” do Espírito Santo. Não faz
muito tempo, Hinn levou os membros de sua igreja a repetir depois dele a
seguinte frase: “Eu sou um deus-homem”. O vídeo consta nos arquivos do ICP
e o episódio é citado por Paulo Romeiro em Super Crentes. O boletim The
Berean Call (O Chamado dos Bereanos), de Oregon, em setembro de 1992,
publicou os seguintes comentários de Hinn a respeito de Adão e Eva: “Adão
era um ser sobre-humano quando Deus o criou. Não sei se as pessoas
chegam a saber disso, mas ele foi o primeiro super-homem que já existiu. Adão
não só voava [como os pássaros], mas também voava para o espaço (…) com
um pensamento ele estaria na Lua (…) podia nadar [debaixo d’água] sem
perder o fôlego, e sua esposa fazia o mesmo (…) Ambos eram sobre-
humanos”. A capacidade imaginativa de Hinn é tão perspicaz que não
exitariamos em recomendar sua “história” à Walt Disney Pictures. No ano de
1992, o jornal Mensageiro da Paz publicou uma nota sobre Benny Hinn: “O livro
Bom Dia, Espírito Santo, de Benny Hinn, está causando celeuma nos Estados
Unidos. Ele passa a idéia de que existem nove deuses na Trindade. O autor se
justifica afirmando que não soube explicar bem o que queria dizer. A confissão
positiva já alcançou repercussão significativa nos meios de comunicação,
especialmente na televisão.
Na Igreja Universal do Reino de Deus, fundada pelo bispo Edir Macedo,
podemos encontrar muitos pressupostos do “movimento da fé”. A ênfase sobre
a prosperidade financeira é bastante acentuada, mas a semelhança com as
práticas iconoclasticas da idade média é evidente: Substituindo a idolatria por
metodologias visuais e palpáveis, a denominação faz uso de rosas, copos com
água, medalhas com inscrições, cruzes, lenços, retalhos dos ternos usados
pelos pastores (será que eles rasgam o Armani do Bispo Macedo também?),
lenços, portais da felicidade, réplicas da Arca do Concerto, além de objetos
sem nenhum valor financeiro, supostamente importados de Israel, tais como
água do Jordão e azeite para unção.

Valnice Milhomens também tem aderido à muitas práticas neopentecostais.


Entre seus ensinos mais controversos está o seu comentário de Is 53:9, onde
afirma que Jesus morreu duas vezes, física e espiritualmente; bem como a
afirmação de que o número dos salvos será maior do que o número dos
perdidos; a guarda do sábado. Ela também defende a maldição de família e a
necessidade de ruptura das mesmas. Além destas, há ainda questões
escatológicas, como a volta de Jesus num dia de sábado no ano 2007, quando
a Bíblia diz que “aquele dia e hora ninguém sabe”.

Os pregadores neopentecostais também ensinam que a fé e o recebimento das


bençãos de Deus está relacionada com a confissão que fazemos, de modo que
a fé é reduzida à uma mera confissão positiva. Por causa disso, muitos
membros dessas igrejas vivem frustrados, pois temem pronunciar maldições
que interfiram em seu progresso espiritual. A cura física também deve ser
pronunciada, ou ainda, utilizando um jargão próprio do neopentecostalismo,
“decretada”. É comum assistir na TV pregadores da Prosperidade ensinando os
crentes a dar ordens em Deus. O Senhor Soberano foi substituído por um Deus
vassalo, sempre disposto à acatar ordens e tudo sem reclamar.
17.3 – Objeções ao neopentecostalismo.

John Ankerberg e John Weldon nos ajudam a interpretar o texto de Isaías 53:4-
5 com o seguinte comentário: “No hebraico a palavra “sarar” (em hebraico,
rapha), pode-se referir à cura física ou à cura espiritual. O contexto deve
determinar se um dos sentidos ou ambos são empregados. Por exemplo, em 1
Pedro 2:24, Pedro se refere à cura espiritual (citando a Septuaginta), e em
Mateus 8:17, Mateus se refere à cura física (citando o texto hebraico
massorético). Segundo Paulo Romeiro, do ICP (Instituto Cristão de Pesquisas),
“não podemos esquecer também que, quando Jesus curou a sogra de Pedro
(Mateus 8:14-17), a expiação de Cristo ainda não havia acontecido. Portanto,
usar esta passagem para dizer que a cura divina, total e perfeita, está garantida
na expiação com base em Isaías 53:4, 5 é forçar o texto e não reflete uma boa
exegese”. Ele também afirma que dizer que a enfermidade é conseqüência da
falta de fé ou pecado na vida do crente constitui-se numa falácia bíblica. “Basta
examinar as Escrituras para notarmos que verdadeiros servos de Deus
passaram privações e dificuldades em suas trajetórias a serviço do Senhor”.
Para ratificar sua asserção, ele menciona o profeta Eliseu, que apesar de ter
sido um grande profeta de Deus e de ter tido um ministério marcado por muitos
feitos sobrenaturais, morreu em conseqüência de sua enfermidade. Será que
ele não tinha fé ou estava em pecado? Muito pelo contrário, pois a Bíblia diz
que um soldado morto, após ser colocado na sepultura de Eliseu, tocou em
seus ossos e ressuscitou (2 Reis 13:14-21). Um outro exemplo citado por ele é
o de Jó. Seu sofrimento não foi causado por confissões pessimistas, pecados
ocultos ou falta de fé, nem tampouco foi o diabo quem decidiu provar Jó. A
iniciativa partiu de Deus.
Muitos pregadores da confissão positiva declaram que toda enfermidade
procede do diabo. O pastor Jorge Tadeu, líder das igrejas Maná, em Portugal,
afirma que “Deus só pode dar o que Ele tem. Para Deus lhe dar uma doença
teria que pedi-la emprestada ao diabo, o que é uma idéia absurda”, mas o
ensino de Jorge Tadeu é contrário ao que diz a Bíblia. Por acaso Deus teve
que tomar a lepra emprestada do diabo para colocá-la em Miriã? A lepra de
Miriã foi provocada por Deus (cf. Números 12:10).

Existe nos Estados Unidos muitos casos documentados de mortes causadas


pela pretensa fé. Supostamente baseados nas promessas de Deus, muitos
pais perderam seus filhos para enfermidades que poderiam ser facilmente
medicadas. O ministério das igrejas Maná, não tem escapado das críticas da
imprensa em Portugal. O jornal Tal & Qual, na edição de 30 de agosto a 5 de
setembro de 1991, faz uma séria denúncia, na primeira página, sobre as
circunstâncias que levaram ao falecimento do pequeno Nelson Marta, de oito
anos, ocorrido em 13 de maio de 1991. “Mas que Grande Seita! Deixem de
tomar remédios! — aconselha a seita religiosa Maná. Mas a morte de uma
criança acaba de pôr em causa o insólito “mandamento”.

17.4 – Logos e Rhema, a polêmica da semântica.

Segundo Michael Horton, não existe nenhuma grande diferença entre estes
dois vocábulos, que seriam como os sinônimos “enorme” e “imenso” no
português. Ele declara que “os ensinadores da fé inventavam uma falsa
distinção de significado entre essas duas palavras gregas. Rhema, dizem eles,
é a “palavra’” que os crentes usam para “decretar” ou “declarar” a fim de trazer
prosperidade ou cura para esta dimensão”. Em uma linguagem mais coloquial,
o vocábulo rhema é o “abracadabra” que os neopentecostais pronunciam para
materializar o objeto desejado. Depois vem logos, ou “a palavra de revelação”
que é a palavra mística, direta, que Deus fala aos iniciados. O termo pode-se
referir também à Bíblia, mas é geralmente empregado no contexto de sonhos,
visões e comunicações particulares entre Deus e seu “agente”. Dessa forma,
podemos perceber no movimento neopentecostal duas fontes de autoridade:
uma objetiva – a Bíblia, e outra subjetiva, a revelação ou palavra da fé. Assim,
quando alguém lê uma referência na literatura do pregador da fé à “Palavra de
Deus”, ou “agir sobre a Palavra” e outras, o autor pode não está mais se
referindo à Palavra de Deus escrita, a Bíblia, mas ao seu próprio “decreto”
(rhema) ou uma palavra pessoal de Deus para ele (logos).

Os apologistas da confissão positiva fazem um cavalo de batalha sobre as


palavras gregas logos e rhema que significam palavra, dizendo que há uma
distinção entre eles no sentido de que logos é a Palavra escrita, revelada de
Deus, e que rhema é a palavra dita, expressa de Deus, que faz com que as
coisas sejam realizadas. A palavra rhema seria uma espécie de “vara de
condão” capaz de materializar o objeto da nossa cobiça. Desta forma, eles
afirmam que podemos usar a palavra rhema para realizarmos no mundo
espiritual e físico tudo aquilo que desejamos. Entretanto, na Palavra de Deus
não há sequer uma distinção teológica entre estes dois termos. O Dr. Russel
Shedd afirma que Pedro não fez distinção sobre estes termos em sua primeira
carta, capítulo 1.23-25: “Sendo de novo gerados, não de semente corruptível,
mas da incorruptível, pela palavra (Gr. Logos) de Deus, viva que permanece
para sempre. Porque toda a carne é como a erva, e toda a glória do homem
como a flor da erva. Secou-se a erva, e caiu a sua flor; Mas a palavra (Gr.
Rhema) do Senhor permanece para sempre; e esta é a palavra (Gr. Rhema)
que entre vós foi evangelizada”. Como se pode ver, na mente do apóstolo não
havia distinção entre estas palavras. Sendo assim fica desfeita a pretensão
daqueles que querem forçar uma interpretação e aplicação errônea destes
termos.
O neopentecostalismo, à luz da ortodoxia, é uma teologia mal elaborada,
eclético-pragmática que busca os resultados mais que a pureza doutrinaria. Ela
desvirtua o crente, levando-o a buscar a prosperidade terrena, quando a
prioridade dele deveria ser “buscar as coisas que são do alto”. Cristo,
alardeado pelos teólogos da prosperidade como um homem abastado, nasceu
humilde e pobre, em um estábulo emprestado. Entrou no mundo desassistido
de bens materiais e proferiu suas pregações em um barco emprestado. Entrou
em Jerusalém montado em um jumento emprestado, e foi sepultado em um
túmulo emprestado. Só a cruz era dele.

Em sua mensagem ele nos falou sobre a necessidade de negar-se a si mesmo


e tomar a cruz. Foi ele quem disse: “No mundo, tereis aflições”. Temos depois
o apóstolo Paulo escreveria aos coríntios: “se esperamos em Cristo só nessa
vida, somos os mais miseráveis de todos os homens”. A mensagem triunfalista
dos pregadores da prosperidade podem até caber em um discurso político
onde a avareza prima sobre o caráter, mas não cabe nos lábios de Cristo ou
dos apóstolos, e nem na verdadeira igreja evangélica.

Conclusão: Qual será a cara da teologia do século XXI?

Neste trabalho apresentamos as principais escolas teológicas do século vinte e


seus respectivos arautos. É claro que nessa abordagem, alguns nomes
inevitavelmente ficaram de fora, e outros, como Emil Brunner, não puderam ser
apresentados em um capítulo próprio. Não tivemos com isso nenhuma intenção
de reduzir a importância Brunner ou qualquer outro teólogo contemporâneo,
apenas tentamos apresentar os nomes associados às respectivas escolas, e
nesse aspecto, o nome de Brunner está bem associado ao de Karl Barth e à
teologia dialética.

Nossa exposição começou com uma abordagem panorâmica do pensamento


de Kant, Marx e Darwin, e da influência desses pensadores sobre a teologia
contemporânea. Apesar de ser mencionado já na introdução, demos também a
Immanuel Kant um capítulo à parte, pois temos considerado que sua influência
sobre a teologia do século vinte é maior que o de qualquer outro. Um
contemporâneo de Kant que também influenciou a teologia do século vinte foi
Soren Kierkgaard, mas não lhe dedicamos um capítulo especial porque
entendemos que ele foi um teólogo cristão e não especificamente um filósofo
secular como Kant e Marx. Também entendemos que seu nome caberia melhor
em um ensaio sobre a teologia do século dezenove, o que um dia faremos, se
Deus permitir.

O teólogo de maior projeção dentro da teologia contemporânea é Karl Bath.


Consideramos injusto que nomes como Barth, Bultmann e Tillich, tenham tanta
repercussão quando outros como Pannemberg e Cullmann, muito mais
ortodoxos que os três primeiros, são quase ignorados. Parece que a
popularidade de um teólogo está mais relacionada ao grau de inovação que ele
apresenta do que com a coerência lógica, bíblica e sistêmica de seus escritos.
A grande lição que o século vinte nos ensinou foi: “saia da linha ou seja
esquecido”. Ainda bem que não escrevemos nossas obras para obter lisonjas
dos homens.

Barth inspirou-se na filosofia existencialista e principalmente em Kant para


elaborar o seu conceito teológico de Deus, definindo-o como Totalmente-Outro.
Ao fazê-lo, inevitavelmente isola Deus do outro lado do abismo, tornando difícil
conhecê-lo e relacionar-se com ele. Seguindo Kant, ele faz distinção entre
Historie e Geschichte, alegando que a primeira diz respeito à história objetiva e
secular, enquanto o segundo diz respeito à história subjetiva e sacra, sendo
equiparada à própria fé. Os milagres, a ressurreição e outros atos
sobrenaturais narrados na Bíblia não são Historie, e sim Geschichte, portanto,
não devem ser confrontados na esfera secular. Em suma, tais acontecimentos
não são eventos históricos. Uma distinção semelhante ocorre em Bultmann,
que propõe uma distinção entre história e fé, entre o Jesus histórico e o Cristo
kerigmático. Para Bultmann, o Jesus descrito nos evangelhos não é o Jesus
histórico, e sim uma mera narrativa mítica. Ele insiste que a Bíblia está cheia
de mitos, e que deve ser desmitificada por nós. Bultmann também nega todo
valor objetivo da Bíblia como Palavra de Deus, equiparando-a a qualquer
narrativa antiga. Quanto aos milagres, ele é cético: todas as narrativas
miraculosas não passam de mitos.

Para refutar a teologia de Bultmann, surge o Dr. Oscar Cullmann com a


Heilsgeschichte, ou simplesmente “História da Salvação”. Para Cullman não
existe duas histórias, uma cristã e uma secular, aliás, ele sequer admite uma
história secular. Para ele, toda história é História da Salvação. A história
abrange os atos portentosos de Deus em favor da nossa redenção. Uma
característica interessante de Culmann é que ele aceita o desafio de Bultmann
e apresenta suas elucubrações partindo de alguns pressupostos da crítica
formal, porém, discordando dele quanto às conclusões. A sua ênfase é
extremamente cristológica, o que levanta inclusive algumas objeções sobre a
sua teologia. De qualquer forma, a teologia de Cullman é uma ponta de
esperança para o pensamento teológico contemporâneo, bem como
Pannemberg, que construiu a sua teologia tendo por base a história. Em uma
época em que os teólogos faziam questão de distinguir entre teologia e história,
Wolfhart Pannenberg construiu uma teologia sobre o alicerce da história,
salvando assim a historicidade do cristianismo.

Porém, apesar de Cullmann e Pannemberg terem prestado um relevante


serviço á ortodoxia (ainda que nenhum deles é considerado literalmente
ortodoxo), nem todos os teólogos contemporâneos assumiram a mesma
postura. A maioria deles parecia estar mais ligada às idéias de seu tempo do
que à Palavra de Deus, aliás, a própria expressão “Palavra de Deus” caiu em
desuso no decorrer do século vinte.
Na década de sessenta, surge um grupo de teólogos cujo exacerbado esforço
era elaborar uma teologia que estivesse mais próxima dos problemas da
humanidade. O problema é que essa idéia foi levada ao extremo. O patrono da
teologia secular, Dietrich Bonhoeffer ficou conhecido por participar de um
complot contra a vida de Hitler. É essa teologia ativista que os teólogos
secularistas propõem. A Cidade Secular, de Harvey Cox, Honest to God, do
“bispo” John Robinson, foram as principais obras desse movimento. Outro
importante teólogo secularista foi Paul Van Buren. Ele foi sem dúvida o mais
radical deles. Nessa mesma época surge na América Latina a Teologia da
Libertação, com pressupostos bastante semelhantes. Buscando inspiração não
na Bíblia, mas na filosofia socialista de Karl Marx, essa nova escola teológica
agitou o cenário teológico nas décadas de sessenta e setenta. No Brasil, o
principal expoente dessa nova e estranha doutrina é o ex-padre e
posteriormente professor da PUC-SP, Leonardo Boff. A heresia fomentada por
católicos romanos como Juan Luís Segundo, Hugo Assman e Gustavo
Gutiérrez Merino; e protestantes como Rubem Alves, Emílio Castro, José
Míguez Bonino e o então missionário no Brasil, Richard Shaull, buscava
consolidar uma teologia que pudesse oferecer respostas ao clima ditatorial e à
crise econômica latino-americana. A resposta por eles é uma afronta à teologia,
sobretudo à teologia protestante, pois faz do marxismo o maior dos atos de
Deus na história.

Várias outras tentativas de amoldar a teologia à praxe modernista também


foram elaboradas. Joseph Fletcher afirmou que a moral não é absoluta. Nossos
atos não deveriam ser julgados por padrões absolutos e uma ética relativa se
infiltrou na teologia contemporânea. Usando pressupostos do existencialismo,
do pragmatismo e das filosofias relativista e positivista, a Ética Situacional
apregoa uma teologia na qual os fins justificam os meios. Não há conduta
errada quando se quer alcançar um fim nobre. Esse pragmatismo também está
presente na Teologia da Libertação e na Teologia Secular, mas nada tem a ver
com a Bíblia, que nos ensina que melhor é o sofrer fazendo o bem do que fazer
o mal para que os advenham bens. Pecar deliberadamente para que a graça
seja mais abundante, militância contra governos que se oponham aos nossos
valores, tudo isso soa dissonante ao supremo às palavras de Jesus no sermão
do monte. Somos bem-aventurados quando somos perseguidos e
vilipendiados, e não o contrário. A Ética Situacional, assim como outras
teologias modernas, nega o sobrenaturalismo das escrituras e se esforça para
reinterpretar as narrativas miraculosas em termos existenciais. Desse modo, a
morte de Cristo não foi substitutiva, e sim uma demonstração de amor.

Em seu afã de apresentar uma teologia que pudesse se adequar aos padrões
mundanos e às crenças seculares, muitos teólogos do século vinte perderam
completamente o senso de direção. Como homens loucos, eles corriam
desesperados em busca de uma associação que pudesse “salvar” à teologia. A
Bíblia cada vez mais parecia um livro ultrapassado e cada vez mais os teólogos
procuravam muletas seculares para amparar à Bíblia. Vemos isso na teologia
do padre católico Teilhard Chardin. Esse teólogo católico teve a mente tão
doutrinada pelas teorias evolucionistas que chegou a apresentar o próprio
Deus, aquele que a Bíblia descreve como imutável, como um Ser em evolução.
Não é preciso dizer que ele teve que fazer um esforço hercúleo e muita
eisegese para conciliar o criacionismo bíblico e o evolucionismo, duas teorias
totalmente opostas uma à outra.

Outra mostra desse desespero é a teologia de Jurgen Moltmann, conhecida


como Teologia da Esperança. Essa teologia é de ênfase escatológica, mas a
escatologia de Moltmann nada tem a ver com a noção tradicional que envolve o
retorno de Cristo e a entrada dos crentes no estado eterno. Na perspectiva de
Moltmann, nem mesmo Deus é eterno, uma vez que ele decidiu entrar no
tempo, tornando-se um ser meramente temporal. Esse conceito tem suas base
na filosofia ateísta de Nietzche e aparece também na Teologia do Processo. O
“Deus Finito” não é o único problema da teologia de Moltmann: ele também
nega que a ressurreição de Cristo seja um fato histórico. Ora, “se Cristo não
ressuscitou, é vã a nossa fé”. A moralidade de Molmann, assim como a de
Fletcher, é relativa e pragmática. Para ele não existe o problema da violência
versus não-violência. A questão central não é a violência em si, e sim se a
violência é justificável ou injustificável. Para Cristo, porém, a violência é
desaconselhável em qualquer situação.

Charles Hatshorne é o preconizador da Teologia do Processo. A característica


principal dessa teologia é a afirmação de que Deus é um ser temporal e está
sujeito ao tempo, bem como a mudanças e a evolução moral. É fácil fazer um
paralelo entre Moltmann e Chardin: assim como Moltmann, ele afirma que
Deus tornou-se finito e temporal, e como Chardin, ele assevera que Deus está
em constante processo evolutivo. Contudo, apesar da semelhança com as
teologias de Moltmann e Chardin, a principal influência de Hatshorne foi o
matemático e filósofo Alfred North Whitehead. Essa teologia também é
conhecida pelo nome de Teísmo Aberto e Teísmo do Livre-Arbítrio. Deus,
segundo essa concepção, não é um Ser Onisciente, mas um ser finito e
limitado ao tempo. Ele fatalmente não pode prever o futuro. A conseqüência
direta dessa teologia é simples: se Deus não tem o controle dos contingentes
futuros, não há nenhuma razão para depositarmos nele alguma confiança.
Esse teísmo anti-bíblico mina toda confiança que o crente deposita na Bíblia, e
deve ser logo descartado.

O teólogo mais controverso do século passado, no entanto, não foi Hatshorne,


Bultmann ou Barth, mas um que se posicionou bem na fronteira entre esses
dois pensadores: Paul Tillich. Valendo-se de pressupostos existencialistas e
liberais, Tillich elaborou uma teologia que ficou conhecida pelo nome Teologia
do Ser. Ele propõe reinterpretações da Bíblia, muito das quais beiram o
absurdo. Entre as doutrinas por ele modificadas estão a encarnação, a
natureza do pecado e a própria salvação. Sua própria teologia está baseada
em um ser impessoal, reduzido à mera força racional e criadora. A ressurreição
também é reinterpretada por ele, retirando assim a base da esperança cristã
(cf. 1Co 15.13-19). Embora em alguns círculos Paul Tillich seja citado como o
“teólogo dos teólogos”, da perspectiva conservadora ele não passa de um
herege.

Reservamos os dois últimos capítulos para abordar dois movimentos que estão
em acelerado crescimento em nosso país, à saber, o pentecostalismo e o
neopentecostalismo. Nascido na Califórnia, o moderno movimento pentecostal
teve como principal pregador o pastor William Seymour, e o principal teólogo e
sistematizador das doutrinas pentecostais foi Charles Parham. Não foi apenas
a importância dessas duas teologias no cenário brasileiro que lhe renderam um
lugar especial neste trabalho, mas também a dissociação dessas dois
movimentos das demais escolas contemporâneas de intrepretação teológica. O
pentecostalismo, como já vimos, encontra suas raízes no Movimento de
Santidade e tem em John Wesley seu principal antecessor. Trata-se de uma
tentativa de voltar à fé cristã primitiva, de tal forma que o movimento foi
chamado em seus primórdios de Restauração da Fé Apostólica. Muitos
excessos foram cometidos nessa tentativa de retorno ao modo de culto
primitivo, mas isso não desqualifica o movimento como um todo. De modo
geral, podemos perceber no pentecostalismo certo frescor. Ele surge como
chuva serôdia em meio ao árido cenário teológico do século vinte e mantém-se
na contramão de Bultmann, Barth, Tillich e dos demais teólogos de influência
no século vinte. Hoje, mais de um século depois, olhamos ao nosso redor e
indagamos pelas igrejas liberais e neo-ortodoxas. Como disse o Rev.
Hernandes Dias Lopes em palestra no congresso Vida Nova de Teologia, “as
igrejas liberais nasceram fadadas ao fracasso”. É simplesmente impossível
encontrar uma só igreja liberal com membresia superior a cem membros. As
igrejas pentecostais, ao contrário, vivem abarrotadas e há constante
necessidade de se construir novos templos.

O neopentecostalismo surge na década de setenta como uma deturpação do


movimento pentecostal e como reflexo de uma cultura capitalista. O próprio
neopentecostalismo é um materialismo disfarçado de cristianismo, prostrado
ante Mamon em adoração. A tendência dos “poderosos” sempre foi usar o
poder em benefício próprio, e não demorou para que um grupo de
pentecostais, esquecendo do exemplo de Jesus na tentação de Mateus
capítulo quatro, estabelecesse uma teologia para verter as bênçãos espirituais
em materiais e essas sobre si mesmos. Kenyon, Cooperland e Hagin formam a
ala mais materialista do movimento, enquanto Benny Him endossa a fileira
espiritualista. No Brasil, os principais expositores desse movimento pragmático-
mercantil são RR. Soares e Edir Macedo. Atualmente há também pregadores
pentecostais aderindo à idéias do movimento neopentecostal, como por
exemplo o Pr. Silas Malafaia, da Assembléia de Deus, que inclusive escreve
livros sobre prosperidade e promove a Bíblia de estudo do Morris Cerrullo, a
Bíblia da Batalha Espiritual e Vitória Financeira, que já ganhou o apelido de
Bíblia do Milhão.

É difícil enumerar uma a uma as diversas conclusões à que chegamos, haja


vista que ao final de cada capítulo são apresentadas várias objeções às
respectivas escolas, e repeti-las agora seria uma tarefa enfadonha e pouco
proveitosa. A análise da teologia do século vinte nos ensina pelo menos três
coisas. A primeira é que do ponto de vista conservador, nem sempre há justiça
em teologia. Parece que para ganhar projeção no meio evangélico é preciso
romper com os antigos padrões e fomentar o erro no seio da cristandade.

A segunda conclusão à que chegamos é que mui dificilmente um pensador


escapará às idéias do seu tempo. Os teólogos do século vinte foram
grandemente influenciados pelas idéias teológicas e filosóficas de pensadores
anteriores a eles. Quer seja por Immanuel Kant, Sheleiermacher e Soren
Kierkgaard, como no caso de Brunner, Barth, Tillich e outros tantos teólogos
neo-ortodoxos, ou por Nietzche e Overback, como é o caso de Jurgen
Moltmann, o certo é que nenhum deles escapou das influências do seu tempo.
Qualquer que leia a obra de Teilhard Chardin logo se dará conta de que o
evolucionismo para ele está acima da teologia e que as idéias de Darwin são
mais aludidas por ele que os portentosos atos de Cristo. Até no
pentecostalismo podemos perceber as idéias previamente concebidas por John
Wesley e no neopentecostalismo, vemos de cara a influência da filosofia
pragmatista norte-americana e até mesmo idéias da seita Ciência Cristã. Tudo
isso torna o trabalho do teólogo muito árduo, aumentando a necessidade de
apologistas cristãos entre nós. A verdade é que herdamos uma teologia
deturpada, fruto do casamento da teologia com a filosofia existencialista. Isso
porém, não significa que toda filosofia seja ruim; há também a boa filosofia e
como disse C.S. Lewis, “se não há razão para existir a filosofia, que ela exista
ao menos para refutar a filosofia ruim”. O problema é quando a filosofia ruim ou
irracional arroga para si o status de verdade universal.

A terceira conclusão é que embora seja muito difícil escapar do nosso invólucro
cultural, não devemos sujeitar a nossa teologia às novas tendências, correntes
filosóficas e modismos pós-modernistas, à fim de agradar as mentes
contemporâneas. Essa tentativa foi feita no século passado por neo-ortodoxos
e liberais, e fracassou. No entanto, aquelas igrejas que permaneceram fiéis à
tradição reformada e ao cristianismo histórico, permanecem até hoje. A razão
disso é que o homem não está simplesmente buscando uma doutrina para
concordar; ele está em busca de uma fé para viver. A necessidade do homem
ainda é a salvação. É por isso que um evangelho sem cruz, sem salvação,
ressurreição ou imposições morais, ainda que pareça agradável aos ouvidos no
início, logo será abandonado: Ele fatalmente fracassa por não pode satisfazer
às exigências da alma humana.

Diante de tudo o que temos exposto, ainda permanece uma pergunta: Até que
ponto nós somos ortodoxos? Muitos teólogos do século passado se perderam
nas idéias do seu tempo de tal forma que as suas abordagens dificilmente
podem ser consideradas cristãs. E a nossa teologia? Ela ainda pode ser
considerada cristã? Ora, hoje estamos analisando a teologia do século vinte,
mas amanhã serão analisados os pressupostos teológicos do século vinte e
um. O que dirão da nossa teologia? Ou será que nós não temos pressupostos?
Sim, os temos. E na verdade, nós analisamos e julgamos a teologia
contemporânea à luz das nossas pressuposições, isso porque, como bem
afirmou o controverso Rudolf Bultmann, “é impossível exegese sem
pressupostos”. Portanto, nesse início de século, faz-se necessária a avaliação
dos nossos paradigmas e não apenas a simples adequação dos mesmos à
interpretação bíblica. Precisamos olhar para os erros do passado e com muita
cautela construir a teologia do futuro. Devemos nos esforçar ao máximo para
fazer da Bíblia o nosso pressuposto básico, se quisermos construir um edifício
teológico bem alicerçado para o futuro.

Terminamos assim a nossa introdução à difícil matéria de teologia


contemporânea. Não foi possível apresentar uma obra completa ou fazer uma
analise dos pormenores dentro de cada escola. Entendemos que tal esforço
cabe mais a uma enciclopédia que a um ensaio de teologia. A nossa principal
intenção, além de introduzir estudantes de teologia no panorama teológico do
século vinte, é levá-los a refletir sobre as bases sobre a qual a teologia do
século passado foi edificada, incitá-los a pensar de modo crítico e com isso
propor uma analise concernente ao fundamento sobre o qual construiremos a
teologia do século vinte e um. Agora, cabe a cada teólogo fazer a sua parte
nesse edifício, e amanhã, com certeza, saberemos o resultado dessa
construção. No momento, uma música do cantor evangélico João Alexandre
parece representar bem o quadro do protestantismo brasileiro. Esperamos que
o que hoje é um fato, amanhã seja apenas história.

É proibido Pensar – João Alexandre


Procuro alguém pra resolver meu problema

Pois não consigo me encaixar nesse esquema

São sempre variações do mesmo tema

Meras repetições

A extravagância vem de todos os lados

E faz chover profetas apaixonados

Morrendo em pé, rompendo a fé dos cansados,

Em suas canções

Estar de bem com a vida é muito mais que Renascer

Deus já me deu sua palavra e é por ela que ainda guio o meu viver!

Reconstruindo o que Jesus derrubou


Recosturando o véu que a cruz já rasgou

Ressuscitando a lei, pisando na graça

Negociando com Deus

No Show da Fé milagre é tão natural

Que até pregar com a mesma voz é normal

Nesse evangeliquês Universal

Se apossando dos céus

Estão Distantes do Trono, caçadores de Deus, ao som de um shofar

E mais um ídolo importado dita as regras para nos escravizar…

É proibido pensar.

Bibliografia consultada
ALMEIDA, Abraão de. Teologia Contemporânea – Rio de Janeiro: CPAD

BARTH, Karl. Comentário aos Romanos. São Paulo: Novo Século, 2000.

_______, Igreja Dogmática. São Paulo: Editora Novo Século.

_______, A Proclamação do Evangelho, Tradução: Eduardo G. de Faria E


Moysés C. de A. Netto. São Paulo: Editora Novo Século, 1965.

CHAMPLIN, Russel N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia – Editora


Hagnos, 2006.

CONN, Harvie M. Teologia Contemporânea.

COX, Harvey. A Cidade Secular – Macmillian, 1965.

DUFFIELD, Guy P., CLEAVE, Nathaniel M. Van. Fundamentos da Teologia


Pentecostal, Tradução de Neyd Siqueira, São Paulo – Editora Quadrangular,
2000, 2ª. Edição.
CRAIG, William L. A veracidade da fé cristã: uma apologética contemporânea;
tradução: Hans Udo Fuchs – São Paulo: Vida Nova, 2004.

GEISLER, Norman. Enciclopédia de Apologética: Respostas aos críticos da fé


cristã, Tradução Lailah de Noronha, São Paulo: Editora Vida, 2002.

HEIDGEER, Martin. O que é metafísica? E-Books; Enciclopédia Magister,


2004.

_______, O que é Filosofia? E-Books; Enciclopédia Magister, 2004.

HODERN, William. Teologia Contemporânea; tradução Roque Monteiro de


Andrade – São Paulo: Editora Hagnos, 2003.

HORTON, Stanley M. Teologia Sistemática: Uma perspectiva Pentecostal, Rio


de Janeiro: CPAD, 2002, 7ª. Edição.

ISIDORO, Serafim. Considerações à Doutrina da Prosperidade, Edições


Archês.

KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. E-Books; Enciclopédia Magister,


2004.

_______, El único argumento. Buenos Aires, Prometeo libros: 2004.


PIPER, John, et al; Teísmo aberto: uma teologia além dos limites bíblicos;
tradução Emirson Justino – São Paulo: Editora Vida, 2006.

ROMEIRO, Paulo. Super-Crentes: O Evangelho Segundo Kenneth Hagin,


Valnice Milhomens e os Profetas da Prosperidade – São Paulo: Mundo Cristão,
1998. 7ª Edição.

TILLICH, Paul. Teologia Sistemática. Rio Grande do Sul: Editora Sinodal e


Edições Paulinas.

[…] Também foram utilizadas várias resenhas dos livros de Barth, Brunner,
Bultmann, John Robinson, Paul Tillich, Teilhard Chardin, Leonardo Boff, entre
outros, bem como artigos compilados da internet.

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