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Teoria do valor e vida cotidiana: o tempo1

Mônica Hallak Martins da Costa2

O debate em torno da validade da teoria do valor para compreender o


capitalismo nos dias atuais coloca em questão a vigência da análise de O capital na
apreensão da especificidade da reprodução da vida social. Isso ocorre em um momento
em que a tecnologia domina o espaço produtivo e o mercado mundial modifica as
relações de poder entre os países, penetrando o cotidiano a ponto de chegar às nossas
casas todos os dias. Vários aspectos da vida cotidiana podem ser analisados para
demonstrar a pertinência da lei do valor na análise da vida social contemporânea. Aqui,
somente um deles será desenvolvido: o tempo de trabalho.
Com a diminuição do tempo de trabalho necessário para a reprodução, grande
parte do investimento produtivo pode migrar para setores não necessariamente voltados
para a perpetuação direta da vida (como Marx mostra na análise dos livros II e III de O
capital). Isso significa efetivamente aumento de consumo e, portanto, de necessidades
sociais. Estas tendem a se ampliar e a transformar o supérfluo em necessário e, na
verdade, a ampliação do consumo torna impossível distinguir com clareza as
mercadorias que podem ser classificadas em uma ou outra categoria, pois são
necessidades criadas historicamente e não fundadas na natureza ou meramente na
necessidade de sobrevivência. Como afirma Marx (2011, p. 435), a “remoção do solo
natural sob o solo de toda indústria e a transposição de suas condições de produção para
fora dela em uma conexão universal – por conseguinte, a transformação daquilo que
aparece supérfluo em algo necessário, em necessidade historicamente produzida – é a
tendência do capital”. O autor demonstra, assim, que o “desenvolvimento da indústria
abole essa necessidade natural, assim como aquele luxo” (MARX, 2011, p. 435),
tornando uma e outra necessidades sociais, mesmo que na sociedade burguesa isso só
possa ocorrer “de um modo antitético” pois impõe-se uma “certa norma social como a
norma necessária frente ao luxo” (MARX, 2011, p. 435) . Com isso pretende-se que
haja uma medida natural para as necessidades em um momento em que elas já foram há
muito superadas pela forma produtiva. A questão é que, sob o domínio do capital, a vida
humana continua sempre limitada à necessidade de sobrevivência e, por isso, a medida

1
Este artigo sintetiza parte da conclusão tese de doutorado “Das categorias de O capital à vida cotidiana”
defendida pela autora em agosto de 2010 no Programa de Pós graduação em Serviço Social da UFRJ.
Disponível no site: www.dominiopublico.gov.br.
2
Professora da Escola de Serviço Social da PUC Minas.
natural, aquela da reprodução material mínima, continua operando como referência da
vida social. Na forma social capitalista, a reprodução da vida humana se mantém, para
todos os homens, presa às necessidades de sobrevivência, pois mesmo os responsáveis
por encarnar o querer do valor (os capitalistas), como caracteriza Marx nos Manuscritos
1861-63, não podem se distanciar de suas determinações.
O aumento do valor, que é o interesse do capitalista, expande, portanto, o
consumo que sustenta a reprodução dessa forma social reafirmando o acesso aos bens
produzidos de forma exterior ao processo produtivo e às possibilidades individuais - ou
seja, no mercado de compra e venda, que inclui e pressupõe compra e venda de força de
trabalho. O fato é que mesmo sob essas condições, a diminuição do tempo de trabalho
para a reprodução da vida material significa aumento de tempo para outras atividades,
pois, como afirma Marx nos Grundrisse (2011 p. 119):

Quanto menos tempo a sociedade precisa para produzir trigo, gado, etc.
Tanto mais tempo ganha para outras produções, materiais ou espirituais. Da
mesma maneira que para um indivíduo singular, a universalidade de seu
desenvolvimento, de seu prazer e de sua atividade, depende da economia de
tempo. Economia de tempo, a isso se reduz afinal toda economia. Da mesma
forma, a sociedade tem de distribuir apropriadamente seu tempo para obter
uma produção em conformidade com a totalidade de suas necessidades; do
mesmo modo como para o indivíduo singular, tem de distribuir seu tempo de
forma correta para adquirir conhecimentos em proporções apropriadas ou
para desempenhar suficientemente as variadas exigências de sua atividade.

As exigências variadas dos indivíduos e grupos humanos não se restringem às


necessidades materiais exteriores, mas ao desenvolvimento das habilidades e da
convivência humana. Como produto histórico, a diversidade das necessidades se afirma
como substância da riqueza, pois “as necessidades são elas próprias o resultado da
produção e relações sociais, postas como necessárias, tanto mais elevado é o
desenvolvimento da riqueza social” (MARX, 2011, p. 435 – grifo do autor). A maior
necessidade é, portanto, a necessidade de tempo livre e é justamente do tempo do
trabalhador, como força de trabalho, que o capital se apropria, como Marx mostra no
livro I de O capital.
Ou seja, Marx não trata simplesmente da economia de tempo com vistas à
análise da ampliação do valor nos marcos da produção capitalista. Na verdade, ele
aponta para a dimensão transcendente dessa possibilidade que se desenvolve na
sociedade burguesa. Poucos autores exploraram essa perspectiva da obra de Marx como

2
Lucien Sève (1972) em Marxismo e teoria da personalidade3 e mais recentemente
Moishe Postone (2003) em Tempo, trabalho e dominação social4. Ambos buscam em
passagens dos Grundrisse e de O capital referências para discutir o aspecto temporal da
teoria do valor e seu significado para a organização da vida social e, portanto, da própria
experiência individual no decorrer da existência. Por isso ambos também reforçam a
compreensão de Marx de que a sociedade organizada em torno da produção de valor
proporciona, ao mesmo tempo, a perspectiva de superação do valor como medida da
riqueza social. Segundo Postone (2003, p. 27):
[...] para Marx, a superação do capitalismo envolve a abolição do valor como
a forma social de riqueza, a qual, por sua vez, exige a superação do modo
determinado de produzir desenvolvido sob o capitalismo. Explicitamente
afirma que a abolição do valor significa que o tempo de trabalho não mais
serviria como medida de riqueza, e que a produção de riqueza não mais seria
efetuada primordialmente pelo trabalho humano direto aplicado ao processo
de produção.

Ele cita os Grundrisse para confirmar sua afirmação: "Tão logo o trabalho na sua
forma imediata deixa de ser a grande fonte de riqueza, o tempo de trabalho deixa, e tem
de deixar, de ser sua medida e, em consequência, o valor de troca deixa de ser [a
medida] do valor de uso." (MARX, 2011, p. 588). A crescente redução do tempo de
trabalho necessário para a produção, portanto, não só propicia efetivamente a ampliação
do acesso de grande parte da população aos valores de uso, como torna mais e mais
miserável o fundamento sobre o qual repousa o trabalho atual: o “roubo de tempo de
trabalho alheio” (MARX, 2011, p. 588 – grifos do autor). E isso por que:
O trabalho não aparece mais tão envolvido no processo de produção quando
o ser humano se relaciona ao processo de produção muito mais como
supervisor e regulador [...] Não é mais o trabalhador que interpõe um objeto
natural modificado como elo mediador entre o objeto e si mesmo; ao
contrário, ele interpõe o processo natural, que ele converte em processo
industrial, como meio entre ele e a natureza inorgânica, da qual se assenhora.
Ele se coloca ao lado do processo de produção, em lugar de ser o seu agente
principal. Nessa transformação, o que aparece como a grande coluna de
sustentação da produção e da riqueza não é mais nem o trabalho imediato
que o próprio ser humano executa nem o tempo que ele trabalha, mas a

3
Para Sève: “cada personalidade humana se nos apresenta antes de tudo como uma enorme acumulação
de atos muito diversos no tempo” (SÈVE, 1972, p. 279).
4
Outros autores identificam a perspectiva de tempo livre como questão importante principalmente nos
Grundrisse. É o caso, por exemplo, do sétimo capítulo de A formação do pensamento econômico de Karl
Marx de Enest Mandel (1978). O referido capítulo intitula-se Os Grundrisse ou a dialética do tempo de
trabalho e tempo livre. Também Mészáros (2007) em O desafio e o fardo do tempo histórico recorre
principalmente ao esboço de 1857-8 para relacionar tempo livre e emancipação. Outro titulo que merece
destaque, apesar de não tratar diretamente da perspectiva do tempo livre, é o instigante Condição Pós-
moderna, no qual Harvey (1992) trata da compressão espaço-temporal como característica da chamada
pós-modernidade.

3
apropriação de sua própria força produtiva geral, sua compreensão e seu
domínio da natureza por sua existência como corpo social – em suma o
desenvolvimento do indivíduo social.(MARX, 2011, p. 588).

Tanto Sève quanto Postone valorizam5 em suas análises o desenvolvimento do


indivíduo social como resultado da produção da riqueza. Mas Postone chama também a
atenção para o fato de a dinâmica capitalista, a partir do trabalho e tempo abstratos –
duas dimensões do mesmo processo – impor um determinado ritmo temporal à vida
social. Ritmo que ele denomina “efeito rotina” (treadmill effect) pois torna o tempo
homogêneo e divisível em unidades constantes “abstraídas da realidade sensorial da luz,
da escuridão, das estações” (POSTONE, 2003, p. 213) assim como “a igualdade e
divisibilidade relativa do valor, expressa na forma dinheiro, é uma abstração da
realidade sensorial dos diferentes produtos” (POSTONE, 2003, p. 13). Para a reflexão
desenvolvida aqui essa discussão é mais do que oportuna, pois reafirma a análise do
livro II de O capital, de que na sociedade que se reproduz produzindo mercadoria, a
vida social só pode transcorrer de forma enfadonha e repetitiva6. Postone identifica,
assim, a “tirania do tempo” na sociedade capitalista como uma dimensão central da
análise de Marx, pois “o gasto de tempo de trabalho é transformado em uma norma
temporal” (POSTONE, 2003, p. 214) que está acima da ação individual e a determina.
O autor mostra que isso ocorre “justamente quando o trabalho se transforma de ação dos
indivíduos em princípio alienado geral da totalidade à qual os indivíduos estão
submetidos” (POSTONE, 2003, p. 214) e assim “o gasto de tempo se transforma de um
resultado da atividade em uma medida normativa para a atividade (POSTONE, 2003, p.
215). Mas é claro que essa medida envolve toda a vida social pois, como afirmam Braga
e Contesini (2009, p. 14), o tempo de trabalho “torna-se um tipo de dominação coisal
que submete os produtores e sua vida cotidiana” visto que essa “imposição não se
restringe aos domínios da produção e constitui o efeito rotina” (grifos do autor) que
organiza a existência diária dos indivíduos. A temporalidade capitalista é então
entendida como a relação entre tempo concreto e tempo abstrato que gera a dialética
tempo-trabalho.
O efeito rotina é explicado por Postone a partir da referência à dupla dimensão
do valor que expressa o duplo caráter do trabalho no capitalismo: simultaneamente

5
Além de muitos outros como, por exemplo, Agnes Heller e Henri Lefebvre e Lukács.
6
Paulo Netto (2007) caracteriza a vida cotidiana no capitalismo como “eterno retorno, uma plena
tautologia” (CARVALHO & NETTO, 2007, p. 88).

4
atividade produtiva ou trabalho concreto e atividade social mediadora, trabalho abstrato.
Segundo ele, a “relação dinâmica entre valor e valor de uso está intimamente ligada à
interação entre produtividade e valor, que só pode ser plenamente desenvolvida quando
a forma dominante na produção é a mais-valia relativa” (POSTONE, 2003, p. 215).
Nesta forma, como se sabe, o incremento da produtividade, de modo a reduzir o tempo
de trabalho socialmente necessário para a reprodução da força de trabalho, é o meio
determinante de aumentar o tempo de trabalho produtor de mais valor. Quando ocorre a
generalização da mais valia relativa na produção social são gerados mais valores de uso
por unidade de tempo e assim “o tempo de trabalho socialmente necessário para a
produção de uma dada mercadoria é reduzido”, o que modifica a “magnitude do valor
de cada mercadoria individual” (POSTONE, 2003, p. 216). Mas, o tempo de trabalho
continua o mesmo, apenas cabendo a cada unidade de tempo uma quantidade maior de
mercadorias. Para Postone, o efeito rotina ocorre porque a cada novo nível de
produtividade socialmente estabelecido observamos um retorno do valor ao seu ponto
de partida, ou seja, há uma tendência à homogeneização quando um novo patamar de
produtividade é atingido já que os capitalistas que primeiro alcançam o novo nível de
produtividade tem seus ganhos aumentados no curto prazo e os demais precisam se
adequar a esse novo padrão se quiserem se manter no mercado. Por isso, Postone afirma
que há um movimento à frente no tempo na base da produtividade capitalista, pois
“cada nível de produtividade, uma vez convertido em socialmente geral, não somente
re-determina a hora de trabalho social como [...] é re-determinado por essa hora como o
„nível básico‟ da produtividade” (POSTONE, 2003, p. 289). Braga e Contesini (2009, p.
17) afirmam que esse “movimento à frente no tempo [...] exprime a interação entre as
dimensões do trabalho na mercadoria e a produtividade, ou melhor, entre a medida do
valor e o valor de uso”.
Postone caracteriza o efeito rotina como uma objetivação social “que necessita
[portanto] da ação humana para existir” embora seja “independente da vontade dos
homens” (BRAGA & CONTESINI, 2009, p. 17), o que significa que apesar de se
sustentar no movimento do eixo temporal abstrato, ele só pode, de fato, ocorrer a partir
das mudanças efetivas da produtividade do trabalho, ou seja, no espaço. Por isso, no
entender de Postone, as modificações qualitativas no tempo não podem ser expressas no
tempo abstrato, pois este tempo é quantitativo, vazio, sem qualquer manifestação
qualitativa. A categoria tempo histórico, desenvolvida por Postone, é a expressão do
movimento do tempo através da transformação qualitativa permanente do trabalho, da

5
produção, da vida social. O tempo histórico corresponde ao acúmulo de riqueza
material, expresso tanto na produção presente (que envolve o trabalho passado) quanto
(crescentemente) no nível de conhecimento científico e técnico do processo produtivo.
Na compreensão de Postone, “a crescente desproporção entre a força produtiva
do trabalho e o valor por ela criado [...] só pode ser apreendida quando se distingue o
tempo histórico – que revela as alterações da riqueza material pelo efeito da elevação da
produtividade – do tempo abstrato – determinante do valor” (POSTONE, 2003, p. 293).
Como vimos anteriormente, o trabalho imediato tende a perder a “função de motor do
processo produtivo e a dar lugar ao trabalho concentrado (acumulação de conhecimento
e experiências da humanidade)” (BRAGA & CONTESINI, 2009, p. 19). Mas esse
deslocamento não se completa automática e espontaneamente, pois “o tempo histórico
não suprime o tempo abstrato, uma vez que é a expressão das modificações na
produtividade engendradas pela lógica do valor” (POSTONE, 2003, p. 295). Na
realidade, portanto, o “tempo histórico afirma o tempo abstrato enquanto medida da
riqueza, embora contenha a possibilidade da superação da sociedade organizada em
torno do tempo abstrato por uma sociedade estruturada com base no tempo histórico”
(POSTONE, 2003, p. 295). Assim, a interação entre tempo histórico e tempo abstrato
não pressupõe a superação do segundo pelo primeiro, mas afirma o tempo abstrato e, no
limite, o valor como modo de estruturação social. Por isso, “ao mesmo tempo em que o
desenvolvimento da produtividade eleva a quantidade de valores de uso também re-
determina o tempo de trabalho social – o tempo abstrato – e, por conseguinte,
naturaliza a forma de trabalho no capitalismo” (BRAGA & CONTESINI, 2009, P.
19, grifos nossos). Braga e Contesini sustentam que, desse modo, o valor é reafirmado
“como conector social que emerge para os sujeitos como algo natural” (BRAGA &
CONTESINI, 2009, p. 19). Ou, nas palavras de Postone (2003, p. 299):
Cada novo nível de produtividade é estruturalmente transformado na
assunção concreta da hora de trabalho social, permanecendo a quantidade de
valor produzida por unidade de tempo constante. Neste sentido, o
movimento do tempo é continuamente transformado em tempo presente. Na
análise de Marx, a estrutura básica das formas sociais capitalistas é tal que a
acumulação de tempo histórico não debilita [...] a necessidade representada
pelo valor, isto é, a necessidade do presente. Desta forma a necessidade
presente não é “automaticamente” negada senão paradoxalmente reforçada, é
lançada adiante no tempo como presente perpétuo, como uma aparente
necessidade eterna.

É, em síntese, naturalizada.

6
Braga e Contesini mostram que Postone, na passagem acima, “deixa claro como
a realidade capitalista se constituiu em dois momentos muito diferentes. Por um lado,
uma constante transformação da vida social em todas as suas múltiplas facetas; por
outro, a reafirmação do valor como uma inalterável condição da vida social” (BRAGA
& CONTESINI, 2009, p. 20). A realidade só pode ser adequadamente compreendida na
apreensão simultânea dessas duas dimensões, o que, segundo Postone, dificilmente
ocorre, pois, apesar de as estruturas sociais mudarem em uma velocidade vertiginosa,
esta mudança conserva estruturas fundamentais da sociabilidade capitalista que
aparecem como formas naturais do ser e da vida sociais. Com efeito, as posições em
relação às transformações do capitalismo frequentemente se apresentam em dois vieses:
Um puramente otimista, que destaca as maravilhas da sociedade do consumo e da livre
iniciativa a cada nova perspectiva que se abre na vida social – e muitas se abrem de fato
– e outro negativista, que só vê a estagnação do capitalismo por baixo de seu aparente
dinamismo. Mas, será que se pode afirmar que toda a base geradora da dinâmica social
está submetida da mesma forma à lei do valor ou que ela é só conservadora? Postone
afirma que a dificuldade em se apreender a dupla dimensão do tempo no capitalismo
tem como possível resultado que “as possibilidades de um futuro qualitativamente
diferente na sociedade moderna podem ser veladas” (POSTONE, 2003, p.301). Isso não
significa que as mudanças no capitalismo sejam só aparentes, mas que elas não se
apresentam imediatamente em sua potência transformadora. Para Postone (2003, p.
300):
[...] esses dois momentos – a progressiva transformação do mundo e a
reconstituição da estrutura valor-determinado – são mutuamente
condicionados e intrinsecamente relacionados: ambos se enraízam nas
relações sociais alienadas constitutivas do capitalismo e juntos eles definem
essa sociedade.

E ambos são reais, fazem parte do mesmo processo contraditório de afirmação do


mundo humano na forma capitalista de produção, na qual, de acordo com o autor, há
uma “interação alienada entre passado e presente” (POSTONE, 2003, p. 301), já que a
própria atividade só se realiza de forma exterior aos indivíduos que a executam. Deste
modo, o trabalho passado é tão exterior e indiferente em relação ao produtor quanto o
trabalho presente. Para Postone, aliás, a “alienação é o processo de objetivação do
trabalho abstrato” (POSTONE, 2003, p. 162). Na forma produtiva atual, “a necessidade
do trabalho humano direto se perpetua [...] independente do nível de desenvolvimento
tecnológico e da acumulação material de riqueza” (POSTONE, 2003, p. 302), o que,

7
como Marx mostra na passagem reproduzida a seguir, naturaliza a condição do
indivíduo como trabalhador:
O tempo de trabalho como medida da riqueza põe a própria riqueza como
riqueza fundada sobre pobreza e o tempo disponível como tempo existente
apenas na e por meio da oposição ao tempo de trabalho excedente, ou
significa pôr todo o tempo do individuo como tempo de trabalho, e daí a
degradação do individuo a mero trabalhador, sua subsunção ao trabalho. Por
isso a maquinaria mais desenvolvida força o trabalhador a trabalhar agora
mais tempo que o fazia o selvagem ou que ele próprio com as ferramentas
mais simples e rudimentares. (MARX, 2011, p. 591 – grifos do autor).

Neste pequeno trecho, a interpretação de Postone encontra apoio em mais de um


aspecto. Não só em relação ao tempo de trabalho, como visto acima, mas também
quanto à superação da condição de trabalhador como dimensão central da análise de
Marx. Na citação dos Grundrisse, Marx considera claramente uma degradação7
transformar todo o tempo de um indivíduo em tempo de trabalho, o que, na lógica da
produção do valor e mais valor, continua a ocorrer com o aperfeiçoamento da
maquinaria.
A teoria do valor, portanto, ao contrário de ser negada ou inadequada para
caracterizar o capitalismo nos dias atuais, nos ajuda a entender o que nos mantêm na
repetitiva e enfadonha rotina cotidiana, ao mesmo tempo em que a vida social se torna
cada vez mais dinâmica e diversificada. Superar a forma social torna-se, assim, superar
a fragmentação histórica, a ela inerente, de alocação de tempo entre tempo de trabalho e
tempo livre, algo além de romper as relações de propriedade ou de mercado.

7
Em Salário, preço e lucro (1980) encontra-se uma afirmação similar. Diz Marx: “Nas tentativas de
reduzir a jornada de trabalho [...] e de contrabalançar o trabalho excessivo por meio de um aumento de
salário [...] os operários não fazem mais que cumprir um dever para com eles mesmos e a sua raça.
Limitam-se a refrear as usurpações tirânicas do capital. O tempo é o campo do desenvolvimento humano.
O homem que não dispõe de nenhum tempo livre, cuja vida, afora as interrupções puramente físicas do
sono, das refeições, etc., está toda ela absorvida pelo seu trabalho para o capitalista, é menos que uma
besta de carga” (MARX & ENGELS, 1980, p. 371).

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