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CORPO MASCULINO
Leit...r,
Irei compartilhar com você um incômodo que surgiu após algumas leituras que
fiz acerca da ideia de corpo-sexualidade e de arte. Corpos – Devires – Sexualidades –
Desterritorializações – Artes - Multiplicidades – Filosofia - Decodificações – Nômades
–Rizomas – Linhas – Imanências - Máquinas... Algumas poucas palavras que surgiram
e que me afetaram de maneira única.
Essas leituras fizeram parte da minha rotina assim que ingressei no programa de
pós-graduação. Caí de “paraquedas” no mundo Deleuzo-Guattari, ou, para os amantes
das individualizações, Delezeu e Guattari. Mas como havia dito no parágrafo anterior,
algo me incomodou. Percebi a necessidade de incitar todo esse alvoroço no meu corpo,
sentir percorrer pelos meus sentidos, não apenas pela voz ou pensamento. Trazer para o
corpo atravessamentos conceituais, mesmo que sozinho, sem olhares. Um verdadeiro
corpo a corpo materializado a partir de leituras poéticas, que foge das compreensões
analíticas, busca para si interpretações que materializam no próprio corpo num
entrelaçamento de palavras, sensações, perceptos e afectos...
1
Mestrando em Educação em Ciências pela Universidade Federal do Pará, Belém. E-mail:
carlosaugusto.s02@gmail.com.
2
Licenciada em Pedagogia, Bacharel em Filosofia, pós-doutora em Filosofia da Educação pela
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professora da Universidade Federal do Pará (UFPA),
Instituto de Educação Matemática e Científica (IEMCI). E-mail: mrb@ufpa.br; mrdbrito@hotmail.com
Dar espaço para aquelas palavras entrelaçado numa dança poética salte do livro
e encontre espaço para interagir no próprio corpo não é algo tão simples. Tudo começa a
partir de uma leitura e se torna concreto. Cada corpo reage singularmente, constrói
possibilidades corpóreas para sentir aquilo que está concebendo com a leitura, seja de
um livro, desenho, cena, filme...
No entanto, percebi que mesmo com todas essas uniformizações, a dança como
arte tornava-se uma possibilidade de rachar essas fixações pragmáticas. Principalmente
ao ver a potência expressiva de um corpo ao deixar-se levar pelos múltiplos bailados
que o meio artístico pode proporcionar.
Incomodado com esse conservado padrão que por muitas vezes foi imposto a
mim e na possibilidade de experimentar novas configurações artísticas, propus sentir o
Devir-mulher que é citado nas obras de Deleuze e Guattari, configurando numa arte
performática.
***
Duas esculturas moldadas por uma sociedade ao longo das suas existências
através de engessamentos hierárquicos. Em suas bases estão fincados dizeres que lhes
identificam: “homem forte viril” e “mulher frágil feminina”. Dizeres que lhes conduzem
a quem és o que serás, até que num determinado dia, essa mesma sociedade lhes diga
em que essas mesmas esculturas devem (re) moldar-se.
Uma escultura é facilmente manipulada, esta, em si, não tem vida, não possui
articulações, muito menos possibilidades de movimentar-se. É, portanto, um objeto de
adorno num determinado ambiente, nada mais que isso, uma simples junção de
elementos formam-na, porém, antes disso existe um outrem que lhe define, e lhe prende
numa determinada posição engessada.
Portanto é necessário perfurar, pois através destas brechas as forças da vida são
liberadas. É esse rompimento violento que transgride e traz o novo, pois “não há,
porém, transmutação, criação/invenção sem destruição” (LINS, 2012, p. 23).
A resistência faz parte do ato de criação, pois “criar não é comunicar e sim
resistir” (DELEUZE, 2002, p.45). Resistir aos sistemas de controle que ditam as regras
de um jogo, o qual possuem apenas duas peças, sendo que destas o rei majoritário é que
se encontra na posição de destaque.
Macho
Heterossexual
Branco
Adulto
Másculo
Sensato
Provedor
Reprodutor
Detentor
...
Identidades de um “homem modelo”, um semideus dominador. Ser humano que
disponibiliza uma parte do seu corpo, a costela, para a criação de outro corpo mulher,
menor, um segundo plano, um ser frágil, dependente, que tem como função a servidão,
seguir as pegadas deixadas pelo homem masculino.
Um corpo feminino que por muito tempo foi exonerado de vivenciar os prazeres
de seu próprio corpo, alegando que este foi criado apenas para conceber, para a
maternidade.
Essa recusa por um prazer unicamente para o homem seria uma afronta a
falocracia. A culpa certamente recairia sobre a mulher pervertida que foi instituída
unicamente para satisfazer os desejos masculinos, não de outras mulheres ou
simplesmente, os seus.
É nesse sentido que Deleuze e Guattari sinalizam que não existe um devir
homem, pois este “é majoritário por excelência enquanto que os devires são
minoritários, todo devir é um devir-minoritário. […] Maioria supõe um estado de
dominação” (DELEUZE; GATTARI, 1997, p.87). Esses autores apresentam o devir-
mulher como a primeira linha de fuga, uma linha capaz de mover-se contra moldes
estabelecidos.
O devir que pode ser mulher, louco, criança, animal... Não se detém a
transcrição idêntica destes devires minoritários, “mas torna-se tudo isso, para inventar
novas forças ou novas armas” (DELEUZE; PARNET, 1988, p. 13). Destarte, o devir-
mulher não busca aniquilação do corpo masculino, muito menos toma para si formas
exclusivamente feminina. Este devir-mulher percorre para a invenção do novo, novas
possibilidades de criação, de embaralhar o corpo do homem masculino, que, em relação
à mulher, sempre está disposto numa posição privilegiada e destaque.
Moldes que normatizam a vida dos corpos através de essências que os seduzem,
transformando-os em máquinas trágicas, robôs com funções determinadas, que
padronizam um sexo, aliás, dois sexos... Feminino ou masculino, não tem para onde
correr, ou um ou outro. Tudo que foge desse padrão biológico social é cotado como uma
abnormidade.
Essas padronizações atuam como uma chave dominadora, que além de docilizar
os corpos, castram para que haja de fato a constituição de uma ordem civilizatória
universal, que procura formar corpos que recusam as pluralidades existentes.
Um homem que abre caminhos para um devir mulher certamente ruirá muralhas
estabelecidas pelas sociedades reguladoras, arrebenta com o negativismo falocrático,
cria para si novas configurações de vida. Vislumbra o mundo e suas constantes
movimentações, tudo isso não mais numa marcha imperial rítmica, mas sim numa dança
desengonçada, sendo que nesta, este homem pode sentir novos corpos, outros corpos,
sentir e viver sua sexualidade de maneira arrebatadora. Portanto, “não se trata mais de
ser homem ou mulher, mas de inventar sexos” (DELEUZE, 2004, p. 215).
Pensando juntamente com Guattari (1985) que afirma há de se procurar-se “o
que há de homossexual em um grande escritor, mesmo que ele seja, além disso,
heterossexual”. É importante também pensar na busca por marcas ou pistas femininas
no corpo masculino, aflorando multiciplidades e não mais a dualidade produzida nesses
corpos-homens.
Alan, um jovem sonhador que nasceu em Londres em 1912, sua paixão pela ciência era
notório, adorava conversar com seu amigo Christopher. O tempo passou, e com ele
trouxe uma notícia lastimável, a morte do seu grande amigo, fato este que motivou o
jovem sonhador a debruçar-se ainda mais nos seus estudos...
Alan, como qualquer outro rapaz também era enredado por desejos. Sua atração por
outros rapazes era algo delirante, uma pena, Alan estava infligindo à lei que dizia: ato
homossexual é ilegal, é crime!!!
Alan agora não era mais um jovem sonhador que adorava matemática, Alan é um
criminoso...
Alan morreu em 1954. E a causa de sua morte? Auto envenenamento após inúmeras
sessões terapêuticas...
Medo, angustia, pudor, pecado... Essas são apenas algumas palavras que povoam
a mente de um homossexual. Palavras que lhe atravessam e ditam modos de ser, de
viver e existir no mundo. Um mundo que ao invés de trazer lâmpadas para iluminarem
corpos marginalizados ou não, utilizam-nas para desfigura-los, numa brutalidade
excessiva, gratuita pelas ruas das cidades. A castração nem sempre é dócil.
***
Trajo-me de macho
Trajo-me de fêmea
Trajo-me de labor
Trajo-me de lar
Trajo-me de viril
Trajo-me de frágil
Trajo-me de mãe
Trajo-me de fornecer
Trajo-me de receber
Trajo-me de azul
Trajo-me de rosa
...
Trajam-me
Trajar-me-ei um dia dos destrajes
Corpos orgânicos são constantemente reproduzidos. Produtos de uma conduta
social pragmática e reguladora do sexo, das vontades criativas. Entretanto, há aqueles
que procuram trilhar caminhos por entre linhas desejantes, resistem ao preconceito, ao
medo. Corpos que fissuram seus próprios corpos dóceis, em busca de um corpo sem
órgãos, que negam suas vísceras originais que engendram numa máquina orgânica. Para
Deleuze e Guattari o CsO:
Corpos que rasgam seus trajes (ultra) trágicos num ato artístico, ato este de
resistência, força e intrepidez. Trajes e mais trajes. Trajes que se limitam apenas a
homens ou mulheres... machos ou fêmeas... Costurados na carne, sobre a pele dos
corpos. Trajes que para serem arrancadas, certamente desencadearão no rompimento de
corpos para potência de criação, na invenção do novo. Tornando-se não mais um ou
duplo, mas sim múltiplo, rizomático conectivo, imergindo novas possibilidades de estar
no mundo.
Negando as definições que são impostas por uma sociedade normatizadora que
tende a regular e docilizar os corpos, corpos que não possuem sexo. Corpos que negam
o orgânico, ou seja, seus próprios órgãos, embaralhando-os. Sem identidades ou
essências que indicam o que são esses órgãos, desfazendo suas funções, e buscando por
um corpo molecular periférico, menor, “um corpo afetivo, intensivo, anarquista, que só
comporta polos, zonas, limiares e gradientes” (DELEUZE, 1997, p.23).
Portanto, seremos corpos artistas envergados para a resistência, descodificadres
de sexos. Corpos sem sexo, bailarinos sem sexo, pintores sem sexo, professores sem
sexo, músicos sem sexo, trovadores sem sexo, prostitutas sem sexo, leitores sem sexo,
artistas sem sexo, bichas sem sexo...
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REFERÊNCIAS
DELEUZE, G. Crítica e clínica. Tradução. Peter Pál Pelbart. São Paulo: Ed. 34, 1997.