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Amós vive o período do «milagre econômico» israelita, no século VIII aC, e tem
a coragem de denunciar-lhe a podridão subterrânea. No Reino de Samaria é capaz de
ver por dentro dos palácios, por debaixo dos leitos de marfim, no fundo dos copos de
vinho dos banquetes dos ricos: «violência e rapina». E sua palavra perturba o rei, a
alta sociedade, os sacerdotes... sua presença de homem livre passando por entre
homens vinculados ao status quo é profundamente perturbadora e ofensiva. É crítica
e, por isso mesmo, insuportável: subversiva (cf. Am 7,10-17).
1
Cf. Neste caderno o artigo de Marcelo Augusto Veloso da Silva, Elias — o Juízo sobre a
Monarquia ou a Desfeita de BaaI.
o último dos juizes, e vai até Elias e Eliseu (século IX). As grandes crises políticas, o
estabelecimento das dinastias de Saul e Davi, o cisma após a morte de Salomão, a
sucessiva derrubada das dinastias no Reino do Norte, tudo isso tem sua origem nos
círculos proféticos onde se acham associados homens inspirados de envergadura
bastante medíocre e certas personalidades particularmente fortes — Samuel, Gad,
Nata, Aias, Elias, Eliseu, Miquéias filho de Jemla».2
Samuel vive o momento decisivo da luta para manter a posse da terra contra o
projeto «imperialista» dos filisteus. Tomou partido contra a instituição da monarquia e
teve de ceder à pressão dos fatos. Concordou com a aclamação de Saul e, em
seguida, com ele rompeu. É o grande símbolo desse momento de transição política
em Israel.
Natã opta politicamente por Salomão contra Adonias, outro filho de Davi (cf.
1Rs 1) e tem a coragem de, mesmo sendo assessor da corte, enfrentar o rei
denunciando-lhe a prepotência (cf. 2Sm 12) e opondo-se, em nome da memória
popular, à construção do santuário real em Jerusalém (cf. 2Sm 7).
Eliseu. Que dizer deste homem, comprometido até os cabelos com o golpe de
estado levado a efeito pelo general Jeu, e cuja influência sobe até o reino da Síria? (cf.
2Rs 9; 8,7-15).
2
L’Essence du Prophétisme, Paris, 1972, p. 13.
Finalmente foi uma das vítimas do golpe de estado que se tramou contra o poder
babilônico (cf. Jr 41-43).
Por isso, suas palavras vão sempre soar a certos ouvidos como
verdadeiramente escandalosas. Chamar as excelentíssimas senhoras da alta
sociedade de «vacas bem nutridas» (cf. Am 4,1) assenta a um homem de Deus?
Parece coisa de comunista panfletário e fanático. E, no entanto, Amós teve essa
ousadia. Avisar, inflamado de ira contra o rei Acab, ira que é a outra face do amor
apaixonado ao pobre Nabot, avisar que os cachorros iriam lamber o sangue do rei e
devorar as carnes da rainha, e fazê-lo no tom de quem roga uma praga merecida, será
que é comportamento de santo? É, para surpresa de nossas covardes delicadezas e
de nosso interclassismo cúmplice dos poderosos. É do santo profeta Elias (cf. 1Rs
21,17-24).
3
Cf. Elza Tamez, A Bíblia dos Oprimidos (A Opressão na Teologia Bíblica). São Paulo, Ed.
Paulínas 1980; José Porfírio Miranda. Marx y Ia Biblia, Salamanca, Ed. Sígueme, 1972; Idem,
El ser y el Mesias, Salamanca, Ed. Sígueme, 1973.
é Ele, na verdade, «o pai dos órfãos e protetor das viúvas» (SI 67,6; cf. Ex 22,23-24;
Lv 25,17; Ml 3,5)? Daí por que Jesus e Paulo vão dizer sem rodeios que o segundo
mandamento já está contido no primeiro, interpretando, assim, o Decálogo, segundo
uma visão na qual Deus não aliena do próximo, mas, ao contrário, e afirmado como
fundamento de novas relações inter-humanas: «Toda a Lei está contida numa só
palavra: Amarás a teu próximo como a ti mesmo» (Gl 5,14; cf. Mc 12,28-34). Aliás,
esta será a experiência dos santos: Francisco de Assis, João Bosco, Vicente de Paulo,
Marcelino Champagnat, Paola Frassinetti... Para todos eles, experimentar Deus é
simultaneamente abraçar a causa dos necessitados. Os dois termos se implicam
irresistivelmente (cf. Mt 25,31-46).
Não é mero acaso que o Evangelho se abra com a figura de João Batïsta no
Deserto, convidando todos a deixarem as cidades e a caminharem em busca de
recomeçar. Como não é por acaso que o núcleo de sua pregação seja o julgamento
que pesa sobre uma sociedade fundada na desigualdade e presidida por um poder
que tem a imagem da serpente venenosa (cf. Mt 3,7) e tenta abafar no calabouço a
voz que a desmascara (cf. Lc 3,1-2.19-20): converter-se é dividir o pão e os vestidos,
acolher o anúncio de que «montanhas e vales estão para ser nivelados» (cf. Lc 3,5.8-
14). Seu projeto é proclamar a partir do Deserto o «Ano da Remissão das Dívidas» (cf.
Mc 1,4; Lv 25,8-55).6
4
Cf. Joseph Comblin, Théologie de Ia Ville, Ed. Universitaires, Paris, 1968.
5
André Neher, op. cit., p. 158.
6
A palavra empregada pelo Evangelho para dizer remissão é, em grego, àphesis, termo que,
na Bíblia dos LXX, serve de maneira constante para designar o Ano do Jubileu, é o «Ano da
Os acontecimentos fundadores do Cristianismo têm de ser vistos na
continuidade da Profecia bíblica, na continuidade de sua Palavra de contestação e de
anúncio do Novo (cf. Mc 1,2-9: o aparecimento de João e de Jesus se dá «conforme
está escrito» nos profetas Malaquias e Isaías).
Se, como vimos, para eles a causa de Deus é a causa dos necessitados, dos
pobres e oprimidos, se conhecer a Deus não é contemplá-lo no vazio de nossa
imaginação, mas experimentá-lo em nossa relação de solidariedade (hesed) com o
outro, se é assim, então as religiões idealistas e ritualistas devem ser denunciadas
como idolátricas, desviantes, ópio e alienação das massas. Bem antes de Karl Marx,
são os profetas os arautos da denúncia da alienação religiosa, os grandes críticos que
têm a coragem de negar os deuses. O «ateísmo» é dimensão interna da Profecia,
como, aliás, de toda sã Teologia («Teologia negativa»). Não foram os cristãos
chamados «ateus» no Império Romano? A fé bíblica é libertação do homem mediante
a negação de todos os deuses, para que o homem permaneça em busca de Deus,
movido pela atração de uma irresistível saudade. «Ninguém jamais viu a Deus» (Jo
1,18). Seu Nome Ele se recusa a revelar. Garante somente que deixará experimentar
com a Presença Libertadora que está aí (Yahweh - Eu Sou, Cf. Ex 3-12-18), como
Dinamismo, vendaval impetuodo que não se sabe donde vem, nem para onde vai
arrasta os seus (cf. Jo 3,8)
Remissão», ideia que nos primeiros tempos da ocupação da Terra, quand a estrutura social
não se baseava na apropriação privada e, consequentemente, não havia classes sociais.
7
Cf. Gerhard Von Rad, Teologia del Antigno Testamento, I. Teologia de Ias Tradiciones
Históricas de Israel, Salamanca, Ed. Sígueme, 1972 (edição brasileira da ASTE); Vários, A
Luta dos Deuses (Os ídolos da Opressão e a busca do Deus Libertador), São Paulo, Ed.
Paulinas, 1982; Franz Hïnkelammert, As Armas Ideológicas da Morte, São Paulo, Ed. Paulinas,
1983.
vivo é obediente escuta do Mistério envolvente da Vida, é engajamento e luta para
resgatar a Existência e redimi-la. Por isso nos diz a Escritura que só há uma imagem
em que Ele se deixa contemplar, aquela que não é produto do homem, mas o próprio
homem feito por Deus (cf. Gn 1,26s).
«Buscai-Me e vivereis!
Não busqueis o santuário (...)
Betel será degradada de 'casa de Deus' em 'casa do vazio'
Buscai o Senhor e vivereis! (...) Buscai o bem e não o mal e vivereis (...)
Detestai o mal, amai o bem e fazei reinar a justiça em vossas instituições»
(Am 5,4-15).
8
Karl Marx, Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844.