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COMUNICAÇÃO
autora
ARCÂNGELA AUXILIADORA GUEDES DE SENA
1ª edição
SESES
rio de janeiro 2017
Conselho editorial roberto paes e luciana varga
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2017.
isbn: 978-85-5548-417-9
cdd 302.2
4. Estudos culturais 69
Formação dos Estudos Culturais 70
Estudos Culturais na América Latina 72
Prezados(as) alunos(as),
Bons estudos!
5
1
Origem e história:
Uma perspectiva
científica da
Comunicação Social
Origem e história: Uma perspectiva científica
da Comunicação Social
capítulo 1 •8
No mosteiro apareceu uma prática que recebeu o nome de communicatio, que é o ato
de “tomar a refeição da noite em comum”, cuja peculiaridade evidentemente não recai
sobre a banalidade do ato de “comer”, mas de fazê-lo “juntamente com outros”, reunin-
do, então, aqueles que se encontravam isolados. A originalidade dessa prática fica por
conta dessa ideia de “romper o isolamento” e nisto reside a diferença entre commu-
nicatio eclesiástica e o simples jantar da comunidade primitiva. (Martino, 2010, p.13)
capítulo 1 •9
6. Comunicação de espaços (passagem de um lugar a outro), circulação,
transporte de coisas;
7. Disciplina, saber, ciência.
capítulo 1 • 10
Ao pensarmos a significação da comunicação no sentido de disciplina, saber,
ciência ou grupo de ciências, referimo-nos não a uma prática, e sim a um determi-
nado saber, que pode ser ou não científico. O processo comunicativo, portanto, é
objeto desse saber, o que torna significativa e vital a importância da comunicação
para a vida humana.
Martino (2010, p.20) nos faz perceber, portanto, o quanto que essa análise
das significações do dicionário sobre o termo comunicação nos traz, em condições
históricas outras, diferentes vozes e conceitos, a que ele chama de polissemia.
Todos os sistemas de troca de força ou de energia podem ser descritos como pro-
cessos comunicativos: emissor (1ª bola), receptor (2ª bola), mensagem (força/calor)
e efeito (deslocamento/dilatação). Temos aí, por analogia, todos os elementos que
tradicionalmente são utilizados na descrição do processo de comunicação humana.
(Martino, 2010, p.21)
capítulo 1 • 11
No domínio do Homem, a comunicação assume forma simbólica, implican-
do intervenções de cultura no processo seletivo. E, nesse ponto, o pesquisador nos
aponta para a necessidade de entendermos que, ao trabalharmos a cultura, esta-
mos falando de uma transmissão de um patrimônio através das gerações. Até mes-
mo a noção de Homem está na ordem do simbólico, em oposição ao ser biológico
(animal homem). A representação do mundo não é apresentada ao homem sem se
levar em consideração a mediação do desejo, o conhecimento e o reconhecimen-
to de outrem. A comunicação, neste domínio, toma sentido de similaridade, de
simultaneidade às afecções presentes em duas ou mais consciências. “Comunicar
é simular a consciência de outrem, tornar comum (participar) um mesmo objeto
mental (sensação, pensamento, desejo, afeto). (Martino, 2010,p.23)
Essa polissemia sobre as diversas significações do termo comunicação reve-
lam taxionomias que afetam sobremaneira os diferentes tipos de saberes da área.
Portanto, faz-se necessária a busca do sentido que se pretende empregar sobre o
significado da comunicação, o que para Martino (2010) somente será possível le-
vando-se em conta as diferenças de abordagem em relação ao fenômeno humano
da comunicação.
capítulo 1 • 12
... a natureza dos estudos em Ciências Humanas, que tem no homem, um ser essen-
cialmente comunicativo, seu objeto comum – faz com que a análise dos processos
comunicativos seja um ponto de passagem quase que obrigatório, o que dificulta a
delimitação mais precisa do objeto da comunicação, uma vez que ele se encontra
misturado às análises de outras disciplinas. (Martino, 2010,p.28)
capítulo 1 • 13
se opõem nem se reduzem um ao outro. Eles exigem uma relação de reciprocidade
e complementação.
Para Martino (2010), isso já seria suficiente para caracterizar o objeto da co-
municação. Devendo, contudo, levar em consideração o caráter pertinente deste
objeto, ou seja, as questões de necessidade de se comunicar, de natureza correlata
ao processo comunicativo.
A principal dificuldade, então, colocada à fundamentação de um saber co-
municativa está no estabelecimento de “fronteiras” para guiar um objeto próprio
à nossa disciplina. O processo comunicativo também é psicológico, sociológi-
co, filosófico, político, mas isso não inviabiliza o estabelecimento da disciplina
Comunicação. “Todo problema reside então em se definir um interesse e um ob-
jeto que possam caracterizar os estudos de comunicação” (Martino, 2010, p.36)
A emergência da nossa disciplina reside na compreensão das condições de pos-
sibilidades históricas dos processos comunicativos e das práticas que envolvem a
utilização dos meios de comunicação e o seu objeto de estudo, o que para Martino
caracteriza o objeto dos estudos em comunicação.
Para França (2010, p. 39), não se trata apenas de “um objeto que está à nossa
frente disponível aos nossos sentidos, materializado em objetos e práticas que po-
demos ver, ouvir e tocar”.
Para a pesquisadora, seria reducionista ou simplista demais estabelecer o obje-
to da comunicação como algo que se compreende das possíveis formas exploradas
pela sociedade contemporânea, desde os meios até as trocas simbólicas (da produ-
ção dos corpos às marcas de linguagem).
capítulo 1 • 14
Portanto, ao voltarmos nosso olhar sobre o objeto da comunicação e tomando
as proposições de França (2010), nós o percebemos como a forma de identificar,
de falar ou de construir conceitualmente os objetos comunicativos do mundo.
Construções construídas pelo próprio processo de conhecimento, a partir de suas
ferramentas e de seu grau de experimentação disponível.
Conhecimento x Objeto
capítulo 1 • 15
analíticas, objetiva, cuidadosa e disciplinar, portanto menos imediatista que o co-
nhecimento do senso comum.
Vale salientar que Vera França também chama a atenção para o conhecimento
como um fenômeno social e histórico, ou seja, sujeito a condicionamentos e in-
fluências. “O que significa: é também parcial e sujeita a erros” (França, 2010, p.44).
Ou melhor, o conhecimento científico por vezes não ultrapassa o senso co-
mum e, portanto, pode ser atravessado pelo viés dos interesses de posições de
poder. A diferença, porém, reside na constante tentativa da objetividade, pela au-
tocrítica de métodos e resultados, pela constante validação.
Essa vinculação com a realidade não é – ou não pode ser – uma retórica vazia na dis-
cussão sobre o conhecimento. Vinculada às outras formas de conhecimento, a ciência
pretende alcançar um maior refinamento, um maior alcance. Outras diferentes formas
de conhecimento atendem a diferentes objetivos (sobreviver, viver bem, experimentar,
melhorar nossa posição etc.) num processo em que o conhecimento é apenas fator
subsidiário ou decorrente. (França, 2010, p.45)
capítulo 1 • 16
Teoria ou Teorias da Comunicação: surgimento e dificuldades
capítulo 1 • 17
Uma delas é a natureza instrumental da demanda. Enquanto atividade essencialmente.
Enquanto atividade essencialmente envolvida com o processo produtivo da sociedade,
a comunicação está sempre às voltas com a qualidade de seu desempenho- confi-
gurando uma demanda operacional e consequente orientação pragmática de muitas
pesquisas empreendidas. Com frequência o estudo da comunicação se desenvolve
voltado para a obtenção de determinados resultados, guiado por finalidades específi-
cas – o que certamente compromete o distanciamento crítico necessário ao conheci-
mento (França, 2010, p. 48).
São distintos o tempo da reflexão e o tempo da prática; mais ainda essa distinção se
faz sentir num campo onde a prática se renova quase anualmente. O que impossibilita
o acompanhamento mais próximo e torna rapidamente ultrapassados muitos esforços
investigativos (França, 2010, p. 49).
capítulo 1 • 18
apresenta recortes possíveis de serem investigados por várias disciplinas” (França,
2010, p.49). Daí a heterogeneidade inicial das teorias da comunicação, resultado
de proposições descontínuas, insipientes, e de enunciados advindos de saberes
debruçados na sociologia, antropologia, psicologia, entre outros, que refletiam um
olhar conceitual e metodológico da disciplina de origem.
Esse processo, segundo França, tanto enriquece os olhares quanto dificulta a
integração teórica e metodológica do campo.
Por fim, além do panorama apresentado até aqui, os estudos sobre a comuni-
cação apresentam uma forte tendência ao modismo, sem, contudo, o aprofunda-
mento e maturação necessários para o campo.
Para França, o corpo das teorias da comunicação ainda apresenta um quadro
fragmentado, muito em função da falta de uma tradição de estudo científico na
área. O campo da comunicação ainda não constitui claramente o seu objeto e
metodologia. Para a pesquisadora, ainda hoje o campo da comunicação encon-
tra-se espalhado em outros campos. Por conta disso, ela propõe pensar o campo
da comunicação enquanto domínio ou espaço interdisciplinar. Isso possibilita a
composição de referências, estabilidades que geram um estoque de conhecimento
maior e “robusto”, e assim o surgimento de um domínio novo.
capítulo 1 • 19
Os estudos sobre a comunicação tanto foram provocados pela chegada dos novos
meios, como foram também e sobretudo demandados por uma sociedade que ne-
cessitava usar melhor a comunicação para a consecução de seus projetos. O conhe-
cimento da comunicação surge marcado pelas questões colocadas pela urbanização
crescente do mundo, pela fase de consolidação do capitalismo industrial e pela ins-
talação da sociedade de consumo, pela expansão do imperialismo (notadamente o
imperialismo norte-americano), pela divisão política do globo entre capitalismo e co-
munismo (França, 2010, p.53).
capítulo 1 • 20
político-ideológica e combinação de formas interpessoais e massivas, pela utiliza-
ção máxima dos meios disponíveis.
No contexto da Guerra Fria e na política intervencionista americana havia um
aperfeiçoamento e maior análise na utilização dos meios que têm papel de infor-
mação à difusão de produtos culturais.
capítulo 1 • 21
França lembra que, na América Latina, na primeira metade do século XX,
foram desenvolvidos alguns estudos esporádicos sobre a história e a legislação dos
meios de comunicação, contudo os trabalhos tinham influência americana, con-
tundente, tanto pelo modelo teórico como pela formulação de temas a serem
investigados. Somente a partir da década de 1970 “o pensamento no campo das
ciências sociais é atravessado por um profundo sentimento crítico e anti-imperia-
lista” (França, 2010, p.57).
capítulo 1 • 22
Há 30 anos, quando o mundo ainda era dividido em dois grandes blocos e os con-
ceitos de “direita” e “esquerda” encontravam referentes mais nítidos, adotou-se uma
classificação mais global e ainda bastante grosseira que dividia e agrupava os estudos
e correntes teóricas de acordo com dois grandes paradigmas: o da ordem (nomeando
a chamada pesquisa administrativa, desenvolvida pelos americanos) e o paradigma do
conflito (perspectiva crítica, de viés marxista) (França 2010, p. 58).
capítulo 1 • 23
na percepção de um objeto que converse de maneira uniforme num pensamento
homogêneo sobre a comunicação.
RESUMO
Neste capítulo, você pôde acompanhar, a partir da perspectiva acadêmico-científica, que
deslocou os teóricos Luiz C. Martino e Vera França a epistemologia e origem histórica do
fenômeno comunicação , entendendo o lugar de onde se fala, bem como o caráter interdis-
ciplinar de um campo e a forma de modelagem do objeto de estudo desse campo, primeiro
sob a égide hegemônica de outros saberes e depois se constituindo de um caráter mais
independente, mas que ainda está construindo as subjetividades teórico-metodológico para
o estudo de sua empiria.
Num primeiro momento do capítulo, trabalhamos o pensamento de Martino (2010),
acompanhando a evolução do termo “comunicação” e entendendo a partir de que momento
essa comunicação se cristaliza a partir de uma prática social e as diferenças que embasam
as significações dessa comunicação, a partir das relações estabelecidas em diferentes uti-
lizações e efeitos e como esse caráter polissêmico tem no estudo do Ser, as ações do pro-
cesso comunicacional, a partir de três grandes domínios: seres brutos, orgânicos e o homem.
Em outro momento do capítulo, deslocamos as teorizações de Martino sobre a interdis-
ciplinaridade e novamente falamos do objeto de estudo da comunicação, que ainda carece,
na visão do pesquisador, de definições conceituais mais elaboradas e da possibilidade de se
identificar, no estudo dos meios de comunicação, um fio condutor que permitiria ao pesquisa-
dor da comunicação atravessar os vários níveis de uma problemática complexa, utilizando-se
de uma gama bastante variada de saberes, sem, no entanto, perder de vista a integralidade
de um objeto próprio.
Com outras formas de olhar o objeto, o capítulo expressa o pensamento e as proposi-
ções da pesquisadora Vera França, que trabalha na perspectiva do objeto da comunicação
e da própria comunicação como objeto, entendendo-a inicialmente como uma construção
histórica e social e que precisa ser entendida sob a égide e reflexão do próprio processo de
conhecer para, assim, perceber, no ato do conhecimento, a tensão entre o objeto empírico do
mundo e a modelagem de apreensão.
Vimos, com o pensamento da pesquisadora, que a construção das teorias, e em especial
da comunicação, ainda tem no seu alicerce bases heterogêneas, descontínuas e complexas,
mas que começa a ganhar corpo e estoques de conhecimento que podem levar à tradição,
tão necessária à fala legitimada da ciência no reconhecimento dos campos de saberes.
capítulo 1 • 24
REFLEXÃO
• Luiz Claudio Martino – Professor Titular em Teorias e Epistemologia da Comunicação da
Universidade de Brasília e Pesquisador 1C do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimen-
to Científico e Tecnológico - Ministério da Ciência e Tecnologia). Chercheur invité au GRICIS,
l?UQÀM, Montréal. Tem graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Ja-
neiro (1989), Especialização em Filosofia pela UFRJ-Universidade Federal do Rio de Janeiro
(1991), Mestrado em Escola de Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(1992), Mestrado em Psicologia pela Fundação Getúlio Vargas e Universidade Federal do
Rio de Janeiro (1992), DEA En Sciences Sociales: Cultures et Comportaments - Université
de Paris V (René Descartes) (1993) e Doutorado em Sociologia - Université de Paris V
(René Descartes) (1997). Membro de Comitê de Assessoramento CAPES (2000 a 2009).
Consultor ad hoc CAPES e CNPq. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase
em Estudo de Meios, atuando principalmente nos seguintes temas: teoria da comunicação,
epistemologia da comunicação, história da comunicação, meios de comunicação, tecnologia
da comunicação.
• Vera Regina Veiga França – Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação
da UFMG; coordenadora do GRIS (Grupo de Pesquisa em Imagem e Sociabilidade da FAFI-
CH/UFMG). Atua nas áreas de Teorias da Comunicação, Comunicação e Cultura Midiática,
Metodologia de Pesquisa em Comunicação. É formada em Comunicação Social / Jornalismo
pela PUC-MG, com mestrado em Comunicação pela UnB, DEA e doutorado em Ciências So-
ciais na Université René Descartes - Paris V (1989-1993). Fez estágio de pós-doutorado em
Sociologia junto ao CEMS (Centre d'Etudes des Mouvements Sociaux) da Ecole des Hautes
Etudes en Sciences Sociales (EHESS), na França (2005-2006). Foi presidente da Asso-
ciação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (COMPÓS) no biênio
2001-2003. Pesquisadora 1-B do CNPq, tem desenvolvido e orientado projetos em torno
dos processos interativos midiáticos, com ênfase na televisão; na relação popular/midiático;
na construção do acontecimento e no conceito de público enquanto forma e experiência.
ATIVIDADES
01. Em equipe de até cinco pessoas, reflita e apresente para a turma três diferenças e três
semelhanças do pensamento sobre o objeto da comunicação presentes nas proposições dos
pesquisadores Luiz C. Martino e Vera França.
capítulo 1 • 25
02. Em equipe de até três pessoas, escolha um tema/objeto que poderia ser alvo de estudo
e apresente para a turma as condições que o levariam a ser um estudo da comunicação e
identifique qual saber interdisciplinar trafegaria na pesquisa.
03. Explique, a partir dos pressupostos do professor Luiz C. Martino, a evolução conceitual
do termo comunicação.
04. Identifique e justifique, de acordo com as proposições da professora Vera França, a dife-
rença entre o conhecimento do senso comum e o conhecimento científico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MARTINO,L. C. De qual comunicação estamos falando? In: HOLFELDT, Antonio e outros (orgs). Teoria
da Comunicação: Conceitos, Escolas e Tendências. 9 ed. Petrópolis: Ed. Vozes, 2010.
_________, Interdisciplinaridade Objeto de estudo da comunicação. In: HOLFELDT, Antonio e outros
(orgs). Teoria da Comunicação: Conceitos, Escolas e Tendências. 9ª edição. Petrópolis: Ed. Vozes,
2010.
FRANÇA, Vera V. O objeto da comunicação/A comunicação como objeto. In: HOLFELDT, Antonio e
outros (orgs). Teoria da Comunicação: Conceitos, Escolas e Tendências. 9 ed. Petrópolis: Ed. Vozes,
2010.
WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. Lisboa: Editorial Presença, 1995.
capítulo 1 • 26
2
Modelos e escolas:
A comunicação e o
paradigma
Modelos e escolas: A comunicação e o
paradigma
Para Polistchuk e Trinta (2003, p.55), “em plano filosófico, paradigma serve à
afirmação de uma identidade, a qual, sem renegar diferenças possíveis, opõe-se e
contrasta, por ser unitária e uniforme, a toda dispersão pela multiplicidade”.
No entanto, um paradigma também pode dar conta da redução efetiva de
uma complexidade manifesta, traduzido, assim, como um conjunto de normas
que, pela interposição ativa de teorias, resultam na elaboração de modelos.
Sá Martino (2014, p.26) diz que “um modelo é uma representação visual do
relacionamento entre os elementos de um determinado processo”. Portanto, os
modelos de comunicação são criados com base em dados específicos, atuando,
assim, como retrato analítico de uma situação. Permite, então, ao pesquisador ter
uma visão nítida dos dados e variáveis observados.
capítulo 2 • 28
Para muitos teóricos, a utilização de modelos limita o alcance teórico das pes-
quisas. A justificativa é a retratação restrita no tempo e espaço. Ao tentar ampliá-
-los, corre-se o risco de engessar as pesquisas futuras.
Contudo, entre as questões que norteiam o campo comunicacional, uma tal-
vez encabece todas as dúvidas e complexidades de pensamentos dos pesquisadores
da área: há realmente teorias da comunicação?
A resposta à questão requer reflexões que permeiam o estado da arte das cha-
madas teorias da comunicação.
Optamos por iniciar com as reflexões dos pesquisadores norte-americanos
Charles R. Berger e Robert T. Craig sobre o estado da arte das chamadas teorias
da comunicação.
No texto Por que existem tão poucas teorias da comunicação?, Charles R. Berger
busca explicações que passam, principalmente, pela tentativa muitas vezes equi-
vocada e egocêntrica de pesquisadores na formulação do que propõem chamar de
teorias da comunicação. Para Berger, a tentativa e erro de estabelecer teorias da
comunicação limita o campo epistemologicamente, por isso convoca os estudio-
sos da área a produzir teorias que verdadeiramente respondam a questões sobre a
comunicação humana e assim incentivar o mesmo aos estudantes1.
Berger, ao discutir as possíveis razões para o estágio de limitado desenvol-
vimento teórico das chamadas teorias da comunicação, aponta quatro questões
que contribuem para a proposição: heranças históricas, obsessão metodológica,
aversão ao risco e autoinclusão.
De heranças históricas, podemos falar de duas influências presentes no campo
de estudos: uma relacionada ao ato dos estudantes serem encorajados a desenvol-
ver seus trabalhos de pesquisa em áreas afins à da comunicação; a segunda refere-se
ao desenvolvimento da ideia de que a pesquisa em comunicação é uma ciência
social aplicada e, dessa forma, sugere aos pesquisadores da área que a pesquisa é
meramente a aplicação de teorias de outras disciplinas nos estudos de área e que,
portanto, não há necessidade de desenvolvimento de teorias próprias do campo.
Pela obsessão metodológica, Berger (2007) explica que os pesquisadores em
comunicação são treinados com competência para a utilização de técnicas de cole-
ta e análise de informações nos programas de pós-graduação e não há espaço para
cursos úteis que proponham o aprendizado de princípios de construção de teorias.
Na aversão ao risco, há uma preocupação de pesquisadores e estudiosos em
apresentar estudos mais teóricos e que, após a apresentação da teoria, haja a
1 Ler: <www.insite.pro.br/2010/fevereiro/resenha_teoriasdacomunicacao_raquel.pdf>
capítulo 2 • 29
possibilidade de haver refutação. Isso gera um grande desconforto ao pesquisador,
ao perceber que cometeu erros.
Na autoinclusão, alguns pesquisadores e alunos cursam os cursos de pós-gra-
duação como uma tentativa de se inserirem no meio acadêmico, não tendo o
menor interesse em desenvolver teorias – apenas querem ser capacitados como
pesquisadores.
Para Berger, as quatro questões são os pontos que dificultam a criação e o
desenvolvimento de novas teorias da comunicação. Há ainda a falta de motivação
de alunos e pesquisadores em seguir a pesquisa e a produção de elementos teóricos
que contribuam com a evolução da área da comunicação.
Já Robert T. Craig indica dois pontos de reflexão para entender o porquê de
existirem tantas teorias: os gêneros misturados, o que significa dizer que a área da
comunicação, diante de proposições interdisciplinares com áreas afins, consegue
produzir cada vez mais conhecimentos teóricos; e o segundo, o binômio teoria
-prática, indica que os estudos práticos embasados na sua teoria promovem novos
resultados científicos e acrescentam mais interpretações. Craig acredita que a teo-
ria “é um objeto de um grande número de interpretações” (2007, p.93).
Em resumo, Berger aponta a dificuldade na promoção de estudos mais teóri-
cos focados na construção de teorias, isso porque a interdisciplinaridade e a falta
de embasamento sobre o que é uma teoria e suas bases de estruturação não são
apresentadas aos pesquisadores. Craig afirma que todos os estudos produzidos na
área aumentam a massa crítica e faz com que sejam possíveis teorias que contri-
buam com o seu desenvolvimento.
Para o pesquisador brasileiro Luiz C. Martino (2007, p.15-20), existem dois
motivos que facilitam a ideia de teorias da comunicação entre pesquisadores, es-
tudantes e professores da comunicação. Refere-se ao aparecimento dos primeiros
cursos de pós-graduação no início da década de 1970 cuja proposta é a produção
sistemática de conhecimentos teóricos e práticos, e o segundo é a literatura que se
formou em torno das teorias da comunicação por manuais, livros introdutórios,
artigos, que oferecem visibilidade e a formação da ideia de teorias da comunica-
ção. Isso gera a crença na existência.
A discussão levantada pelos teóricos reforça a dificuldade em identificar as teo-
rias da comunicação, talvez em função da falta de uma definição elaborada sobre
o que são comunicação e teorias, assim como definir os critérios que estabelecem
uma teoria como sendo da comunicação e por quais motivos.
capítulo 2 • 30
Contudo, partindo do pressuposto de que a comunicação se configura a partir
de uma troca de mensagens e deslocando o pensamento de Hohlfeldt (2010), tra-
ta-se de um processo comunicacional, constituído de uma práxis objetiva.
capítulo 2 • 31
tecnologias, dos avanços culturais e fenômenos sociais, Hohlfeldt aponta cinco
diferentes momentos.
1. Grécia, século V a.C. – Foram os gregos que refletiram no Ocidente,
pela primeira vez, a respeito da civilização humana, a partir dos chamados
filósofos pré-socráticos, ou sofistas, que exerciam a comunicação como prá-
tica de poder. Destacam-se, nesse período, as figuras de Aristóteles e Platão.
2. Roma, entre o século I a.C. e o século I d.C. – Os processos de comu-
nicação, durante o Império Romano, serviram, essencialmente, para con-
trole social, para garantia de poder, para o exercício político. Para Antonio
Hohlfeldt, os governantes romanos salientaram que uma das funções bási-
cas da comunicação é garantir a informação e também a opinião consen-
sual. Destacam-se, nesse período, Júlio César e César Augusto.
3. Itália, entre os séculos XV e XVI – A fase em que os processos comu-
nicacionais tornaram-se enriquecidos com a invenção do tipo móvel (ou
prensa móvel – dispositivo que aplica pressão numa superfície com tinta,
transferindo-a para uma superfície de impressão, que pode ser papel ou
tecido) e a conquista do papel. Conquistas que permitiam a difusão das
novidades num ritmo veloz. Essa, portanto, foi a nova função dos processos
comunicacionais desse período, a popularização de novidades. Destaca-se o
alemão Johanes Guttenberg.
4.' França, a partir do final do século XVIII e primeira metade do
século XX – Período de nascimento, desenvolvimento e implementação de
um novo patamar de funcionamento da comunicação, a chamada massifi-
cação. Fenômeno que se deve às conquistas industriais e ao imenso alarga-
mento dos públicos, que aos poucos se desdobravam e especializavam. A
imprensa torna-se mercadoria no sistema capitalista de produção.
5. Europa e Estados Unidos, a partir da segunda década do século XX até
o momento – Condições de possibilidades históricas que se apresentam
pelas conquistas tecnológicas. Há um retorno, de certo modo, como enfa-
tiza Hohlfeldt (2010), à condição da comunidade grega e à mesma função
comunicacional. A característica e a função da comunicação entre nós é,
uma vez mais, a de concretização da comunidade.
capítulo 2 • 32
Esses momentos mencionados acima têm subjetividades e paradigmas que
atravessam os fenômenos comunicacionais, conforme veremos nas escolas a seguir.
Escolas norte-americanas
capítulo 2 • 33
Escola de Chicago
Contudo, o que permite dar unidade a esse conjunto de estudos são quatro caracte-
rísticas comuns. A primeira delas é a orientação empiricista dos estudos, tendendo, na
maioria das vezes, para enfoques que privilegiam a dimensão quantitativa. A segunda é
a orientação pragmática, mais política do que científica, que determinou a problemática
de estudos. As pesquisas de comunicação dessa tradição de estudos têm origem em
demandas instrumentais do Estado, das Forças Armadas ou dos grandes monopólios
da área da comunicação de massa e tem por objetivo compreender como funcionam
os processos comunicativos com o objetivo de otimizar os resultados. A terceira ca-
racterística é o objeto de estudos: Tratam-se de estudos voltados, prioritariamente, a
comunicação mediática. Por fim, a quarta diz respeito ao modelo comunicativo que
fundamenta todos os estudos (Araújo, 2010, p.120).
Para Araújo (2010), mesmo com toda a variedade de correntes que este grande
campo de estudos abriga, podemos dividi-los em três grandes grupos:
1. O primeiro deles é a Teoria Matemática da Comunicação, também co-
nhecida como Teoria da Informação, elaborada por dois engenheiros ma-
temáticos, Shannon e Weaver, em 1949. Uma teoria que se destaca por ser
uma sistematização do processo comunicativo, a partir de uma perspectiva
técnica, com ênfase nos aspectos quantitativos.
capítulo 2 • 34
O trabalho realizado por Claude Shannon e descrito por Weaver apresenta a
seguinte representação de um sistema de comunicação:
capítulo 2 • 35
Uma das principais contribuições da corrente funcionalista para a consolida-
ção dos Mass Communication Reasearch é a formalização do processo comunica-
tivo, a partir do estudo proposto em 1948 por Lasswell. O texto “A estrutura e a
função da comunicação da sociedade” se mantém como um dos clássicos da co-
municação. O modelo de Lasswell problematiza e soluciona o processo comunica-
tivo, apontando que a maneira conveniente para descrever o ato da comunicação
consiste em responder às seguintes perguntas:
• Quem? • Para quem?
• Diz o quê? • Com que efeito?
• Em que canal?
capítulo 2 • 36
muitas das teorias/denominações citadas acima são, em muitos casos, criações “re-
trospectivas”, ou seja, alguns nem encontrados na bibliografia do período inicial.
As principais características da Teoria Hipodérmica:
• Estudos ancorados nas teorias da sociedade de massa, onde se via a so-
ciedade industrial do século XX como multidão de indivíduos isolados física
e psicologicamente;
• Nas teorias behavioristas, que entendiam a ação humana como resposta a
um estímulo externo.
Araújo (2010) destaca, ainda, que os estudos mais numerosos dessa época
são aqueles que procuraram relacionar a quantidade de mensagens de violência
nos meios a atitudes violentas por parte do público, principalmente o público
infanto-juvenil.
Os estudos subsequentes no âmbito da Escola Americana dos Efeitos, a partir
da década de 1940, apresentaram proposições distintas, intercaladas em alguns
aspectos ou sobrepostas. No entanto, todas trouxeram contribuições ao modelo
comunicativo da Teoria Hipodérmica.
O primeiro movimento de estudo a promover a superação do modelo hipo-
dérmico foi a investigação empírico-experimental, conhecida como “abordagem
da persuasão” – entre a ação dos meios e os efeitos, atuava uma série de processos
psicológicos, tais como o interesse em obter determinada informação, a prefe-
rência por determinado tipo de meio, a predisposição a determinados assuntos,
as diferentes capacidades de memorização. Os estudos de Carls Hovland sobre a
eficiência da propaganda junto a soldados americanos se destacam nesse ramo de
estudo. Isso quebra a ideia de linearidade do processo.
capítulo 2 • 37
Ainda nesse movimento de estudo, outra proposição procurou estabelecer fa-
tores que garantissem uma organização otimizada das mensagens para atender às
finalidades persuasivas. Entre os fatores, podemos destacar como exemplos: cre-
dibilidade do comunicador, a ordem da argumentação, a integralidade das argu-
mentações e a explicitação de conclusões. Exemplos que interferem na eficiência
do processo e na natureza dos efeitos obtidos.
Outro movimento de estudos denomina-se Teoria dos Efeitos Limitados.
Abriga diferentes abordagens, tanto psicológicas quanto sociológicas.
Pela abordagem psicológica, o principal representante é Kurt Lewin e seus
estudos sobre as relações dos indivíduos dentro de grupos e seus processos de de-
cisão, nos efeitos das pressões, normas e atribuições do grupo no comportamento
e nas atitudes de seus membros. Leon Festinger, discípulo de Lewin, desenvolveu
em 1957 a Teoria da Dissonância Cognitiva – conjunto de pressupostos envolven-
do a natureza do comportamento humano, suas motivações em relação ao mundo
que é experienciado por cada indivíduo.
Pela abordagem sociológica, temos os estudos desenvolvidos por Paul Lazarsfeld,
pesquisador de enorme influência nos Estados Unidos. O estudioso iniciou os es-
tudos preocupado com as reações imediatas da audiência dos conteúdos da comu-
nicação de massa. Anos mais tarde, desenvolveu estudos de abordagem empírica
do campo, com o fim de estudar fatores de mediação existentes entre os indivíduos
e os meios de comunicação de massa. Dois deles foram decisivos para a evolução
da teorização norte-americana: The People´s Choice, em 1944, e Personal Influence:
The part Played by People in the Flow of Mass Communication, em 1955.
capítulo 2 • 38
comunicação não são causa única dos efeitos, mas se acham envolvidos no meio
de muitos outros fatores, o que obriga a incorporação de mais fatores extramedia
nos estudos e também da vivência das pessoas, da rede de relações interpessoais em
que cada indivíduo está envolvido.
Percebe-se que a evolução por que passa a investigação sobre os efeitos, nos
Estados Unidos, até os anos 1960, deve-se principalmente aos resultados contradi-
tórios e complexos encontrados nas pesquisas empíricas, que levavam a reformula-
ções dos quadros teóricos utilizados pelos pesquisadores da época.
Somente a partir da década de 1960 é que esse movimento de estudo começa
a dialogar de forma mais consistente com diversos outros movimentos de estudo,
tanto norte-americanos (interacionismo simbólico, semiótica, Escola de Palo Alto
e outras como a sociologia do conhecimento) como europeus (corrente culturoló-
gica francesa, semiologia, Cultural Studies de Birmingham), o que resulta em no-
vas abordagens problemáticas dos efeitos, apontando para um quadro explicativo
diferente do primeiro modelo que orienta os estudos da década de 1930.
Uma dessas abordagens é a corrente dos “Usos e Gratificações”, em que se des-
taca Katz, discípulo de Lazarsfeld, nos anos 1970. Além dele, outros pesquisadores
fizeram parte desse movimento, como Blummer e Elliott. Os estudos giravam em
torno do questionamento “o que os meios fazem com as pessoas” – ou seja, pensar
o uso que as pessoas fazem do meio – e se aperfeiçoaram com as pesquisas dos anos
1990. É trabalhada a ideia de uma “leitura negociada”. Investiga-se a atividade de
apropriação promovida pelos receptores das mensagens mediáticas. A partir de
então, o receptor é um sujeito agente, com práticas de processos de interpretação
e satisfação de necessidades.
Outra abordagem a se destacar é a hipótese do agenda setting, também
conhecida como “Teoria dos efeitos a longo prazo”. Deslocando os estudos de
Araújo (2010, p.129), essa abordagem “parte da construção teórica que pensa a
ação dos meios não como formadores de opinião, causadores de efeitos diretos,
mas como alteradores da estrutura cognitiva das pessoas”. Para os pesquisadores
desse movimento, o modo dos indivíduos de conhecer o mundo é modificado a
partir da ação dos meios de comunicação de massa, é o agendamento de temas e
assuntos na sociedade. Essa corrente substitui, portanto, a ideia dos efeitos ime-
diatos por efeitos percebidos num período maior de tempo.
Em suma, podemos dizer que o movimento evolutivo da pesquisa
norte-americana, segundo Araújo (2010), é marcado pela consolidação de
uma grande perspectiva teórica informalizada pela teoria matemática e pela
capítulo 2 • 39
questão-programa de Lasswell, estudos preocupados com as funções da comu-
nicação e, sobretudo, com as questões dos efeitos, que têm origem no modelo
hipodérmico e alcançam sua superação.
Correntes de estudos exteriores à Mass Communication Research possibilitaram
que as pesquisas norte-americanas desconstruíssem o paradigma hipodérmico,
reabilitando correntes de estudos com pressupostos diversos (Escola de Chicago e
Palo Alto) e inaugurando novas frentes de estudo (proposições do agenda setting
e dos usos e gratificações).
capítulo 2 • 40
proposta por Shannon Weaver, e o modelo comunicacional de forma linear. Para
eles, a teoria da informação deve ser deixada de lado, e a comunicação deve ser
vista e observada a partir de um modelo circular.
Para os pesquisadores de Palo Alto, o receptor é tão importante quanto o
emissor dentro do processo comunicativo.
Santos (2008, p.63) apresenta três hipóteses formuladas por esses estudiosos:
• A essência da comunicação reside em processos relacionais e interacionais, o
que implica dizer que a comunicação acontece na relação com o outro, e por meio
da interação entre ambos;
• Todo comportamento humano tem valor comunicativo, ou seja, tanto a
comunicação verbal quanto a não verbal geram uma possibilidade comunicativa;
• As perturbações psíquicas remetem a perturbações da comunicação do indi-
víduo com o seu meio, logo o comportamento humano é influenciado e pode ser
uma indicação do meio social em que está inserido.
capítulo 2 • 41
A Escola de Frankfurt é formada por um grupo de pensadores e cientistas
sociais alemães, tais como: Theodor Adorno, Walter Benjamin, Max Horkheimer,
Erich Fromm, Hebert Marcuse, entre outros.
Devemos levar em conta que esses estudiosos não pertenciam ao campo da co-
municação. Todos foram pensadores independentes, cujos interesses se estendiam
por diversos campos do saber.
Esses estudiosos trataram de vários assuntos que compreendiam os processos
civilizadores modernos e o destino do ser humano na era da técnica até a política,
a arte, a música, a literatura e a vida cotidiana.
A transformação da cultura em mercadoria e a difusão da ideologia pelos meios
de reprodução técnica são duas das reflexões teóricas propostas por esses autores.
Deve-se entender o primeiro aspecto, a cultura transformada em mercadoria,
compreendendo dois conceitos criados por Adorno e Horkheimer: a dialética do
esclarecimento e a indústria cultural.
Para entender a dialética do esclarecimento, sob a ótica dos dois pesquisa-
dores, é importante compreender que, para eles, os tempos modernos criaram
a ideia de liberdade dos seres humanos. Isso significa que cada um pode auxiliar
na criação de uma sociedade capaz de permitir uma vida justa a todos. Essa ideia
estava condicionada, segundo Santos (2008, p.88), ao uso racional da técnica de
produção e, em vez de ser usada a serviço da felicidade, tornou-se uma forma de
explorar o homem.
A técnica é a essência desse saber, que não visa conceitos e imagens, nem o prazer do
discernimento, mas o método, a utilização do trabalho de outros, o capital. As múltiplas
coisas que, segundo Bacon, ele ainda encerra nada mais são do que instrumentos: o
rádio, que é a imprensa sublimada; o avião de caça, que é uma artilharia mais eficaz; o
controle remoto, que é uma bússola mais confiável. O que os homens querem apren-
der da natureza é como empregá-la para dominar completamente a ela e aos homens
(ADORNO, HORKHEIMER, 1985, p.05).
capítulo 2 • 42
Para ele, todas as obras de arte sempre foram passíveis de cópia, de reprodução.
Defendia que as tecnologias de comunicação surgidas depois da fotografia se ca-
racterizam pela sua reprodutividade.
Para os frankfurtinianos, os conteúdos veiculados pelos meios de comunica-
ção produzem uma alienação que esconde a verdadeira intenção de uma socieda-
de capitalista.
Sá Martino (2014, p. 262) começa suas reflexões acerca desse período nos cha-
mando a atenção para o fato de que a vida contemporânea passa por tecnologias e
imagens digitais mediando a relação do indivíduo com o meio ambiente.
Podemos dizer que o foco de estudo da Escola Canadense é a reflexão sobre
a relação do indivíduo com o ambiente, através das tecnologias de comunicação.
A posição dessa Escola é centrada nos meios de comunicação.
Essa centralidade das tecnologias de comunicação deu origem a algumas das prin-
cipais teorias da comunicação, baseada em uma centralidade baseada nos meios de
comunicação, elemento-chave no trabalho de pensadores da chamada Escola cana-
dense de Mídia ou Escola de Toronto, pela referência à origem geográfica (Sá Martino,
2014, p.262).
capítulo 2 • 43
Os trabalhos pioneiros de Harold Innis abriram espaço para as proposições
eletrônicas dos estudos de Marshall McLuhan.
O professor de literatura e diretor do Centre for Culture and Technology da
Universidade de Toronto Marshall McLuhan se destaca pelas análises realizadas
sobre os meios de comunicação e, principalmente, pelos efeitos causados por eles
sobre um indivíduo e a coletividade.
Segundo ele, as novas tecnologias criam novas formas de ser e pensar dentro
de uma determinada organização da sociedade, sendo os meios como extensões
do corpo humano e assim aumentando a sua percepção na forma de sentir. Isso
significa dizer que a invenção e a adoção de uma nova ou outra tecnologia causam
transformações sociais, culturais, políticas em uma determinada condição históri-
ca e gera um novo mundo no qual as comunicações causam impacto nas catego-
rias de tempo e espaço e modificam as relações sociais dentro da sociedade.
Duas obras, porém, rendem até hoje a Marshall McLuhan um importante
destaque nas discussões acadêmicas científicas internacionais. São elas:
1. A Galáxia de Gutemberg, a criação do homem tipográfico, escrita em
1962, mostra as relações sociais alteradas pelas mídias existentes nas di-
versas épocas da história. “MacLuhan entende a ‘Galáxia de Gutemberg’
como o auge de uma técnica de comunicação baseada na escrita, do século
XV — invenção da imprensa — até o século XX com os audiovisuais” (Sá
Martino, 2014, p. 265). O pesquisador indica ainda que a interdependên-
cia eletrônica recria o mundo em uma aldeia global, entendida como uma
representação de um mundo interconectado, e assim não há distâncias e
todos os indivíduos estão conectados.
2. Os Meios de Comunicação como extensões do Homem, escrito em
1964, apresenta três proposições, de acordo com Martino, 2010.
• O meio é a mensagem – um determinado meio condiciona a
mensagem a ser transmitida. Isso ocorre porque cada meio de comu-
nicação se utiliza de uma forma, um conteúdo e um significado, isto
é, uma linguagem específica.
• Os meios como extensões do homem – cada meio técnico e tec-
nológico pode ser compreendido como extensões do homem à me-
dida que ampliam a capacidade de percepção de um determinado
sentido humano. Exemplo: Os óculos são extensão dos olhos; de
certa forma a internet é uma extensão da mente humana.
• Meios quentes e meios frios
capítulo 2 • 44
O meio quente é aquele que tem uma expressiva quantidade de informação e
que, por conta disso, exige do receptor certa atenção, além do seu apelo para um
determinado sentido. Exemplo: o livro, o rádio, o olho, o ouvido.
O meio frio é aquele que requer do receptor a utilização de vários sentidos
ao mesmo tempo, o que tende a diminuir o tempo de compreensão e atenção da
palavra, da mensagem. Exemplo: a televisão, o cinema.
É a ideia de aldeia global de McLuhan que ganha atualmente novo fôlego e
força diante das transformações causadas pelo uso da internet e, como ela, cria
uma nova cultura tecnológica, um novo ambiente de sociabilidade e interação, o
ciberespaço.
As reverberações das ideias de McLuhan apresentam-se, ainda hoje, nas dis-
cussões acerca do que chamamos de Ecologia dos Meios ou Media Ecology.
A fenomenologia das mudanças tecnológicas é um dos principais objetos de
estudo da Ecologia dos Meios. Destaca-se por dar ênfase ao estudo do impacto
cultural das tecnologias e dos meios de comunicação nas sociedades, por meio
da história. As teses de Marshall McLuhan representam o principal fundamento
teórico e epistemológico dessa Escola, que também é conhecida como Escola de
Toronto, Escola de Nova York, Mediologia, Escola de São Luís ou Escola Norte-
americana da Comunicação.
Pode-se dizer que é na Ecologia dos Meios que a natural transição das mu-
danças tecnológicas admite ser compreendida como princípio “ecológico”. Para
McLuhan, qualquer meio afeta em seguida o campo inteiro dos sentidos.
Entre os principais teóricos da Media Ecology destacam-se, além de McLuhan,
Harold Innis, Walter Ong, Neil Postman, Jacques Ellul e Elizabeth Eisenstein, en-
tre outros.
capítulo 2 • 45
Para Silva (2010), podemos classificar as perspectivas comunicacionais france-
sas atuais em três eixos:
1. A comunicação como fenômeno de dominação;
2. A comunicação como fenômeno extremo;
3. A comunicação como vínculo social complexo.
capítulo 2 • 46
Morin insere o conceito de indústria cultural nas reflexões da pesquisa em
comunicação no âmbito francês. Dentro de uma cultura de massa existem duas
lógicas que estão em tensão, de forma quase que simultânea: produção padroniza-
da e produção inovadora.
Silva (2010, p.174) amplia o olhar sobre as referências de pesquisadores dessa
escola ao falar de Guy Debord e Jean Baudrillard. Para o pesquisador, “Debord
radiografou a “Sociedade do Espetáculo” – visão de mundo, relação entre as pes-
soas – e Baudrillard dissecou a “Sociedade de Consumo”, as “maiorias silencio-
sas” e, finalmente, as “estratégias fatais”. No entender de Baudrillard, a Escola de
Frankfurt sempre acreditou na recuperação da mídia, no bom uso dos meios de
comunicação de massa.
Além desses autores, Silva (2010) amplia, de maneira aleatória, o número de
pesquisadores franceses que de alguma maneira atravessaram os estudos da comu-
nicação, mesmo que este não fosse o alvo principal. Para ele, “existiu uma perspec-
tiva estruturalista, uma corrente derivada da Escola de Frankfurt, uma tendência
culturalista etc.”
Deslocando o olhar do pesquisador Juremir Machado da Silva, listaremos a
seguir alguns outros nomes, conhecidos entre os pesquisadores brasileiros, e suas
contribuições a partir da Escola francesa.
Pierre Bourdieu e a investigação sobre o campo jornalístico; Paul Virilio inver-
teu um dos pilares da crítica tradicional aos midia: a geração de isolamento; Michel
Maffesoli, mesmo antes da explosão da internet, já tratava do “estar junto”, da efer-
vescência coletiva, do tribalismo e do lúdico. “Para ele, a imagem funciona como um
totem em torno do qual comungam os espectadores.” (Silva, 2010, p.176).
Entre Morin, Baudrillard e Maffesoli há, entre tantos desencontros, um fio comum: a
descrença no mito do progresso linear impulsionado pelo racionalismo. Com ênfase e
conclusões diferentes, os três diminuem o lugar da mídia na construção da sociedade
(Silva, 2010, p. 177).
capítulo 2 • 47
processo comunicacional todos-todos. Segundo Silva (2010, p. 176), a comunica-
ção sai do estigma da manipulação para entrar na utopia da mediação.
A lista não acaba com os autores citados, mas é importante que se entenda
do pensamento francês sobre a comunicação é que o discurso polissêmico não
entrega uma teoria pronta e irretocável sobre o campo, mas recortes e cruzamen-
tos interdisciplinares.
RESUMO
Neste capítulo, trabalharam-se os modelos e as escolas para um paradigma
da comunicação.
O capítulo começa a partir da evolução da humanidade ocidental e seu relacionamento
com a comunicação.
Partimos do entendimento de paradigmas que resultam na elaboração de modelos, ao
que Sá Martino (2014, p.26) conceitua como “um modelo é uma representação visual do
relacionamento entre os elementos de um determinado processo”. Portanto, os modelos de
comunicação são criados com base em dados específicos, atuando, assim, como retrato
analítico de uma situação.
Apresentaram-se as reflexões dos pesquisadores norte-americanos Charles R. Berger e
Robert T. Craig sobre o estado da arte das chamadas teorias da comunicação, e do pesqui-
sador brasileiro Luiz C. Martino (2007, p.15-20), que afirma existirem dois motivos que faci-
litam a ideia de teorias da comunicação entre pesquisadores, estudantes e professores da
comunicação. Refere-se ao aparecimento, no início da década de 1970, dos primeiros cursos
de pós-graduação, cuja proposta é a produção sistemática de conhecimentos teóricos e
práticos, e o segundo é a literatura que se formou em torno das teorias da comunicação,
por manuais, livros introdutórios, artigos, que oferecem visibilidade e a formação da ideia de
teorias da comunicação. Isso gera a crença na existência.
Em seguida, o capítulo trafegou pelas escolas de pensamento comunicacional.
Tomou-se como parâmetro a civilização ocidental para uma abordagem do fenômeno
comunicacional em sua relação com o desenvolvimento das tecnologias, dos avanços cultu-
rais e dos fenômenos sociais, e destacaram-se os cinco momentos apontados por Hohlfeldt:
1) Grécia, século V a.C.; 2) Roma, entre o século I a.C. e o século I d.C.; 3) Itália, entre os
séculos XV e XVI; 4) França, a partir do final do século XVIII e primeira metade do século XX;
5) Europa e Estados Unidos.
O capítulo também aborda as matrizes teóricas das Escolas Norte-americanas, que leva-
ram à criação de vários modelos teóricos desenvolvidos principalmente ao longo do século
capítulo 2 • 48
XX, na tentativa de compreender as relações entre a comunicação e a sociedade. Começa-
mos com a Escola de Chicago, de tradição sociológica, que se desenvolveu entre o fim do
século XIX e as primeiras décadas do século XX, nos Estados Unidos. Dentro dessas condi-
ções de possiblidades históricas, os estudos dessa escola contribuíram para refletir sobre a
constituição dos grupos na cidade e as relações interpessoais configuradas.
Para ajudar na sistematização das variações de correntes teóricas dessa Escola, des-
locamos os estudos do pesquisador Carlos Alberto Araújo e a divisão sistêmica dos grupos
que compõem os estudos norte-americanos. O primeiro deles é a Teoria Matemática da
comunicação (Shannon e Weaver); o segundo grande grupo, segundo Araújo (2010), é
a corrente funcionalista, originada dos estudos de Lasswell; o terceiro e talvez principal
grupo que compõe a Mass Communication Research é a corrente voltada para os estudos
da comunicação. As pesquisas desenvolvidas nessa época e nas duas décadas seguintes
têm um modelo teórico comum, denominado por vários autores “Teoria Hipodérmica”. Outro
movimento de estudos denomina-se Teoria dos Efeitos Limitados. Abriga diferentes abor-
dagens, tanto psicológicas quanto sociológicas, além da Teoria dos Usos e Gratificações..
Abordam-se também o Modelo Cibernético e a Escola de Palo Alto. O modelo ciberné-
tico tem como objetivo desenvolver a linguagem acessível a uma série de técnicas para en-
frentar o controle das comunicações em geral, ou seja, os meios de comunicação controlam
as informações e são uma ameaça à ordem social, porque ele visualiza a informação livre
como uma forma de organização da sociedade de maneira muito mais eficaz. A informação
deve circular livremente, sem nenhuma barreira.
A Escola de Palo Alto surgiu nos anos 1940, nos Estados Unidos. É formada por um
grupo distinto de pesquisadores com diferentes formações (antropologia, linguística, mate-
mática, psicologia). Vale ressaltar que este grupo de estudiosos adota uma posição contrária
à teoria matemática da comunicação proposta por Shannon Weaver e ao modelo comuni-
cacional de forma linear. Para eles, a teoria da informação deve ser deixada de lado, e a
comunicação deve ser vista e observada a partir de um modelo circular.
O capítulo também traz Adorno e Horkheimer – Escola de Frankfurt e a indústria cultural.
O foco dos primeiros estudos desenvolvidos pela Escola era a análise da economia capitalis-
ta e a história do movimento operário.
A Escola de Frankfurt é formada por um grupo de pensadores e cientistas sociais ale-
mães que abrange Theodor Adorno, Walter Benjamin, Max Horkheimer, Erich Fromm, Hebert
Marcuse, entre outros.
Foram apresentados os pensamentos de Escola Canadense, cujo foco de estudo é a
reflexão sobre a relação do indivíduo com o ambiente, através das tecnologias de comunica-
ção. A posição dessa Escola é centrada nos meios de comunicação. Destacam-se Marshall
McLuhan e Harold Innis.
capítulo 2 • 49
O Capítulo se encerra com o pensamento francês sobre a comunicação e as proposições
de teóricos como Barthes, Morin, Boudrillard, Bourdie, Foucault e os estudos influenciados
pela Escola de Frankfurt, mas que viam a comunicação, a partir das suas matrizes de saberes.
ATIVIDADES
01. Em equipe de até 5 pessoas, apresente as diferenças e as semelhanças dos autores apre-
sentados no capítulo que discorre sobre a existência ou não de uma teoria da Comunicação.
02. Em equipe de até 5 pessoas, escolha uma escola de pensamento comunicacional para
discorrer sobre os principais conceitos apresentados, nomes que se destacaram e a relação
de estudo com a comunicação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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de Janeiro: Ed. Zahar, 1985.
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CRAIG, Robert T. Porque Existem tantas Teorias da Comunicação?. In: MARTINO, Luiz C. (org.).
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HOLFELDT, Antonio. As origens antigas: A comunicação e as civilizações. Teoria da Comunicação:
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capítulo 2 • 50
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POLISTCHUK, Ilana e TRINTA, Aluízio Ramos. Teorias da Comunicação, Rio de Janeiro: Campus,
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SÁ MARTINO, Luiz Mauro. Teoria da comunicação – Ideias, conceitos e métodos. 5 ed. Rio de
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HOLFELDT, Antonio e outros (orgs). Teoria da Comunicação: Conceitos, Escolas e Tendências. 9 ed.
Petrópolis: Ed. Vozes, 2010.
WIENER, N. Cibernética e sociedade. O uso humano dos seres humanos. 7 ed. São Paulo: Cultrix,
2000.
capítulo 2 • 51
capítulo 2 • 52
3
Discussões
clássicas e
contemporâneas
das teorias da
comunicação
Discussões clássicas e contemporâneas das
teorias da comunicação
OBJETIVOS
O objetivo do capítulo é proporcionar as diferentes visões sobre os aspectos da socie-
dade e da mídia, apresentados a partir dos posicionamentos propostos à luz, ou, por assim
dizer, da Teoria crítica.
Para nos ajudar nessa empreitada acadêmico-científica, foram deslocadas as contribui-
ções de estudiosos como Luiz Mauro Sá Martino (2014), Francisco Rüdiger (2010) e Wol-
gang Leo Maar (2014).
capítulo 3 • 54
Apocalípticos e Integrados – Cultura de Massa X Umberto Eco
Eco deixa clara a ideia de que a cultura de massa faz parte do cotidiano e pode
ser criticada, mas não evitada. Sá Martino (2014) ressalta que, em 1960, a cultura
de massa já fazia parte do repertório cultural do planeta. Os meios de comuni-
cação, como rádio, jornal, cinema, televisão, fazia parte do dia a dia das pessoas.
Eco identifica duas possibilidades de crítica, de acordo com Sá Martino (2014,
p.136):
1. Ligada às pesquisas em comunicação norte-americanas, a mass commu-
nication research. Estes estudos eram vinculados às produções da indústria
de comunicações e não faziam uma crítica do processo em si, mas estuda-
vam os processos e os efeitos da comunicação. Por essa lógica, as proposi-
ções que compunham a defesa da cultura de massa estariam alinhadas a
uma defesa do sistema social e econômico, no qual ela era produzida e do
qual ela era o principal elemento de diversão, ou seja, os integrados.
capítulo 3 • 55
2. A segunda, com bases oriundas do outro lado do Atlântico. Trata-se dos
críticos das culturas de massa, ou seja, uma referência à Escola de Frankfurt,
em particular a Theodor Adorno. Eco (2001) acredita que a cultura de mas-
sa representava o fim da cultura e sua transformação em simples mercadoria
de consumo, no colapso da última barreira contra a ação da civilização
industrial. Nas palavras de Sá Martino (2010, p.136), “os ensaios teóricos
procuravam mostrar a destruição da cultura pela indústria cultural, ou seja,
os apocalípticos”.
capítulo 3 • 56
• Os valores humanos são deixados de lado, enquanto futilidades ganham
status de arte e política;
• Na indústria cultural, os artistas são transformados em operários. A cria-
tividade é substituída por fórmulas e padrões, e a invenção é sempre vista com
desconfiança, ou seja, sucesso significa lucro.
capítulo 3 • 57
Sá Martino (2014, p.144) lembra que “essa contradição era a dialética da
produção cultural, a partir do século XX e a força específica dessa dinâmica não se
resolve, exceto em seu estudo e compreensão”.
A novidade dos estudos da Cultura de Massas, a partir de 1960, foi estudá-la
de maneira crítica, tomando como base a leitura dela própria.
Tomando emprestado o pensamento de Sá Martino (2014), podemos dizer
que Morin identifica, na cultura de massa, as novas formas do imaginário do sécu-
lo XX, por isso a noção de “espírito do tempo”.
O objetivo do “espírito do tempo” é encontrar as fórmulas e as estruturas
geradoras da produção cultural.
No começo do século XX, o poder industrial estendeu-se por todo o globo terrestre. As
colonizações da África, a dominação da Ásia, chegam ao seu apogeu. Eis que come-
çam nas feiras de amostras e máquinas de níqueis a segunda industrialização, a que se
processa nas imagens e nos sonhos. A segunda colonização não mais horizontal, mas
desta vez vertical, penetra na grande reserva que é a alma humana (Morin, 2002, p.13).
Ou seja, para o pesquisador francês, a indústria cultural não está ligada exclu-
sivamente ao capitalismo, mas a todo e qualquer sistema de colonização e, por isso
mesmo, parte de uma produção controlada por questões externas à simples criação
artística. Isso fica evidente na primeira parte do livro, a que Morin denomina de
“a integração Cultural”.
Para Sá Martino (2014, p.15), a intenção deste momento do livro é de-
monstrar que, tanto nos países do então bloco comunista, liderados pela União
Soviética, quanto nos EUA ou na Europa Ocidental, a produção da cultura era
controlada. O que faz a diferença é a origem desse controle: de onde ele surge,
quem o administra, se as empresas ou o estado.
Para Morin (2002, p. 15), a cultura de massas “constitui um corpo de símbo-
los, mitos e imagens concernentes à vida prática e à vida imaginária, um sistema
de projeções e de identificações específicas”. Ou seja, é muito mais da mentalidade
do século XX do que de um regime econômico específico.
O estudioso acredita que essa cultura é construída pelas variações de um gru-
po de temas. Implica que o consumidor saia satisfeito do entretenimento, mesmo
que para isso seja necessário alterar fatos históricos, ou ainda, como menciona Sá
Martino (2014), na falta de outra saída, elevar a tragédia a uma redenção.
O pesquisador francês também trabalha, em O Espírito do Tempo, o concei-
to de “Olimpianos”. Ele recupera o termo olimpiano da mitologia grega para
capítulo 3 • 58
empregar nos personagens que habitavam o mundo mágico do cinema, os novos
olimpianos, a reprodução da lógica do consumo da indústria cultural, que é inti-
mamente ligada à forma de produção capitalista.
Esses olimpianos propõem o modelo ideal da vida de lazer, sua suprema aspiração. Vi-
vem segundo a ética da felicidade e do prazer, do jogo e do espetáculo. Essa exaltação
simultânea da vida privada, do espetáculo, do jogo é aquela mesma do lazer, e aquela
mesma da cultura de massa (MORIN, 2002, p.105).
Uma cultura, afinal de contas, constitui uma espécie de sistema neurovegetativo que irri-
ga, segundo seus entrelaçamentos, a vida real do imaginário, e o imaginário da vida real.
Essa irrigação se efetua segundo o duplo movimento de projeção e de identificação... O
imaginário é um sistema projetivo que se constitui no universo espectral e que permite a
projeção e a identificação mágica religiosa ou estética (MORIN, 2002, p.121).
capítulo 3 • 59
O agir comunicacional – Jürgen Habermas
capítulo 3 • 60
dos frankfutinianos a partir da aceitação do projeto de realização humana de
uma sociedade.
O diagnóstico sobre a situação social e a história criada por esta situação são o
ponto de partida para explicar a crise da vida política que ocorre em nossas socie-
dades. Deslocando, mais uma vez, os estudos de Rüdiger (2014) para Habermas,
a crescente apatia ou desinteresse da população com a ação política é correlata à
destruição da cultura como processo de formação libertadora e de liberação de
potenciais cognitivos que têm lugar na era de sua conversão em mercadoria.
As obras Mudança Estrutural da Esfera Pública, de 1962, e Teoria da Ação
Comunicativa, de 1981, apresentam a sua teoria social.
A obra de 1962 é um estudo sobre a formação e o declínio da esfera pública
burguesa. Mostra que uma parcela importante das conquistas e liberdades que
desfrutamos hoje se deveu à formação de uma esfera pública, em que sujeitos, em
princípio livres, reúnem-se para discutir e deliberar sobre seus interesses comuns.
Para ele, a origem da esfera pública burguesa está ligada ao surgimento da impren-
sa no século XVIII. Portanto, o conceito de esfera pública se refere a dois termos:
o espaço público e a opinião pública. Conclui-se, então, que a esfera pública é
o conjunto de espaços no qual ocorrem os debates e as discussões sociais, com a
finalidade de estabelecer um consenso.
Essa discussão, segundo Habermas, acontece em meio ao livre trânsito de
informações e ideias promovidas pelos veículos de comunicação. Isso permitiu à
burguesia desenvolver uma consciência crítica em relação às autoridades tradicio-
nais, encarnadas no Estado e na Igreja.
A expansão do aparelho de Estado e do poder econômico, que ocorrera no
último século, rompeu com o equilíbrio em que se sustentava essa forma de so-
ciabilidade, o que transformou o papel da mídia e de maneira simultânea a sua
base tecnológica.
Daí a esfera pública ser colonizada pelo consumismo promovido pelos inte-
resses mercantis e pela manipulação da propaganda dos partidos políticos, dos
Estados pós-liberais, como nazifascismo, e dos regimes democráticos de massa.
O conteúdo crítico que essa esfera tinha de início cedeu terreno ao surgimento
de novas realidades. O cidadão deu lugar ao consumidor e contribuinte. A busca
do consenso político pelo livre uso da razão individual retrocedeu diante da utili-
zação da mídia a serviço da razão de estado e a conversão da atividade política em
objeto de espetáculo.
capítulo 3 • 61
Na obra de 1981, Teoria da Ação Comunicativa, Habermas defende a razão
comunicativa como parte que integra a racionalidade humana, sendo a comuni-
cação uma ação que constrói a vida social e facilita a interação, a compreensão e o
entendimento mútuo entre as pessoas.
Para Habermas, era preciso focar as estruturas e as regras que tornam possíveis
as interações entre sujeitos apoiados em seu reconhecimento mútuo. Estes são
pressupostos como características gerais pela aptidão discursiva e comunicativa
dos atores sociais, ou seja, pela sua competência interativa.
No entanto, para que a comunicação possa acontecer de forma adequada,
Habermas parte da noção de que a linguagem seja utilizada de forma clara, o que
garante o entendimento. Destaca que, para isso, a racionalidade instrumental deve
ser abandonada, uma vez que remete à busca do poder, e deve-se utilizar, com pre-
caução, a razão comunicativa que valoriza a interação entre os indivíduos.
Maar (2014, p.19) pontua que, na Teoria da Ação Comunicativa, o impor-
tante era mostrar o que seriam, conforme Habermas, as tendências de desenvolvi-
mento social e as possibilidades de intervenção que nesse se abrem.
Vale notar, de acordo com Maar (2014), que Habermas não separa, no con-
junto de sua obra, processos e sujeitos, mas privilegia processos de emancipação
na formação de sujeitos coletivos.
capítulo 3 • 62
Partindo dessas premissas, o paradigma hermenêutico entende que há sem-
pre a necessidade de uma interpretação. Esse processo, para Gumbrecht (1995,
p.13), demanda ao paradigma hermenêutico o paradoxo expressão/interpretação.
Interpretação cuja necessidade nascia da insuficiência intrínseca a toda expressão.
A metodologia do pesquisador alemão para maior compreensão da teoria
materialista da comunicação começa pela análise das características da pós-mo-
dernidade, período de desintegração teórico-epistemológica, em que já não são
mais possíveis pensamentos fechados e totalizantes. Portanto, as configurações da
pós-modernidade quebram a centralização hermenêutica na figura do sujeito, es-
pecialmente ao tomarmos de aceitação os conceitos de Gumbrecht, que propõe
três características da condição histórica contemporânea:
1. A destemporalização – consiste em tornar o presente mais extenso,
através de uma reconstituição constante do passado pelos meios de repro-
dução e também pelo receio do futuro;
2. A destotalização – a impossibilidade de afirmações filosófico-concei-
tuais universalizantes;
3. A desreferencialização – impressão de estarmos em um espaço de repre-
sentações que não têm referenciais materiais.
capítulo 3 • 63
a partir do objeto, mesmo que, em alguns casos, os estudos não estejam direta-
mente relacionados com a teoria da materialidade ou até mesmo com o campo
da comunicação.
Pode-se dizer que a Teoria das Materialidades traz para as ciências da comu-
nicação, dentro das perspectivas epistemológicas, a apreciação de uma lógica da
imediação, foco, em aspectos da “corporeidade” das Tecnologias de Informação e
da Comunicação, ao discutir as possíveis transformações em nossa forma de lidar,
por exemplo, com a informação digital, que necessariamente envolve mudanças
nas relações físicas e cognitivas do usuário com os seus dispositivos digitais. Não
só isso, mas também o ato de desvendar questões, consideradas paradoxais, como
da relação corpórea na interação homem-máquina.
A teoria das Materialidades proposta por Gumbrecht, com sua valorização
dos processos corpóreos e das instâncias materiais das mídias, objetiva maior com-
preensão do paradoxo presente na intepretação dos estudos sobre a imediação, a
valorização e a desvalorização do corpo e dos aspectos materiais dos meios, a partir
dos procedimentos comunicacionais. Isso permite, portanto, abrir novas perspec-
tivas, em tempos pós-modernos, na forma de lidar com as interfaces e outros
possíveis ambientes digitais.
Portanto, as aplicações da Teorias das Materialidade para a comunicação são
vastas, uma vez que cobrem toda a produção cultural e contemplam o avanço
eletrônico e informativo atual.
CONEXÃO
Os pesquisadores brasileiros Erick Felinto e Vinícius Pereira também se destacam nas
reflexões quanto à Teoria das Materialidades.
Felinto, por exemplo, fala da utilização, no campo da teoria da comunicação ou dos estu-
dos sobre a interação humano-máquina, de conceitos da teoria das materialidades.
O pesquisador Vinícius Pereira, em suas proposições, fala que a imposição ao sistema
humano vem através de diferentes meios, revelando um conjunto de referências em que o
sistema realiza operações de recortes específicos das informações. Ao tratar da rede digital
de comunicação, afirma que a ideia de aldeia global em McLuhan já antevia preocupações
que passam pela ultravelocidade e por identidades movediças e transformações das subje-
tividades dos sujeitos.
capítulo 3 • 64
Recomenda-se a leitura de dois artigos:
1. Materialidades da comunicação, memória e cognição: o meio e as novas práticas sociais
- AZAMBUJA, Patrícia ; FRANÇA, Anderson Romério Rosas
2. <http://www.historiadamidiasudeste.com/uploads/8/0/3/0/80305748/md09.pdf>
RESUMO
O capítulo contemplou as abordagens sobre os fenômenos comunicacionais, a partir dos
estudos sobre Cultura de Massa(s), Sociedade de Massa e Teorias da Materialidade.
O fenômeno da popularização no acesso à comunicação gera, segundo muitos autores
e os estudos pautados, principalmente na Teoria Crítica, o que chamam de massificação
da cultura.
Adorno e Horkheimer acreditam que a intensa verticalização do processo e seu caráter
doutrinador podem ser mais bem apreendidos pela ideia de indústria cultural. Nesse sentido,
entende-se a crítica ao caráter paralisador das proposições frankfurtianas, proferidas por
Umberto Eco, que opta pelo termo Cultura de Massa.
O estudioso italiano se divide entre o escritor, autor do livro O nome da Rosa e A ilha do
dia anterior, e o teórico da comunicação, autor de obras sobre estética, mídia e semiótica,
entre elas Apocalípticos e Integrados diante da Cultura de Massa.
Eco deixa clara a ideia de que a cultura de massa faz parte do cotidiano e pode ser criti-
cada, mas não evitada.
Já o pesquisador francês Edgar Morin dedicou boa parte de seus estudos à Cultura de Mas-
sas. Uma de suas principais obras é o livro O Espírito do Tempo, publicado em 1965. Sá Martino
(2014, p.144) lembra que no Brasil, o livro ganhou o título de Cultura de Massas no século XX.
Morin (2002, p. 15) acredita que a cultura de massas “constitui um corpo de símbolos,
mitos e imagens concernentes à vida prática e à vida imaginária, um sistema de projeções e
de identificações específicas”. Ou seja, é muito mais da mentalidade do século XX do que de
um regime econômico específico.
Para Jürgen Habermas, o período posterior à Segunda Guerra Mundial é entendido como
sociedade de massas. Habermas rompe com a perspectiva crítica ao optar por reconstruir
a teoria crítica, tendo como base os conceitos como a razão comunicativa e a comunidade
ideal de comunicação.
O estudioso acredita que a comunicação serve como forma de auxiliar a reconstrução da
vida social, ao organizar seus fundamentos e ajudar na construção do desenvolvimento da
capítulo 3 • 65
sociedade, ou seja, ele foge da visão pessimista dos frankfutinianos, a partir da aceitação do
projeto de realização humana de uma sociedade.
A partir de um movimento epistemológico das Teorias de Comunicação na pós-moder-
nidade, o capítulo é finalizado com as proposições da Teoria das Materialidade, de Hans
Ulrich Gumbrecht.
Essa teoria pode ser vista como uma proposta possível ao paradigma teórico herme-
nêutico, uma vez que busca questionar o caráter atribuído à tradição intelectual do Ocidente.
As aplicações da Teorias das Materialidade para a comunicação são vastas, uma vez
que cobrem toda a produção cultural e contemplam o avanço eletrônico e informativo atual.
REFLEXÃO
• Luis Mauro Sá Martino é jornalista, professor universitário e doutor em Ciências Sociais
pela PUC-SP. Estudou, durante um ano, como pesquisador-bolsista da Universidade de Esta
Anglia, no Reino Unido. É autor dos livros Mídia e Poder simbólico, O habitus na comunicação
(em conjunto com Clóvis de Barros Filho), Comunicação: Troca Cultural (Paulus) e Estética
da Comunicação (Vozes).
• Francisco Rüdiger é Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo, Mestre
em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Autor de 15 obras relacio-
nadas com seu campo de especialização, colabora regularmente em revistas acadêmicas
e é parecerista de periódicos como Galáxia (PUCSP), Comunicação, Mídia e Consumo
(ESPM-SP), Estudos de Sociologia (Unesp), Comunicação & Sociedade (Metodista SBC) e
Fronteiras (Unisinos).
• Wolfgang Leo Maar – Professor Titular concursado na Universidade Federal de São Carlos
(2004), onde leciona desde 1979. Estudou na Escola Politécnica – USP – e fez Graduação
em Filosofia pela Universidade de São Paulo, Mestrado e Doutorado em Filosofia pela Univer-
sidade de São Paulo (1988). Pós-doutorado na Universität Kassel – Alemanha (1992; 2000-
2001; 2003). Foi professor visitante na Unicamp (1996), na Universidade de São Paulo (1997,
1998, 1999) e na PUC-SP (2012). Pesquisador Colaborador do Cenedic-USP. Experiência na
área de Filosofia e Teoria Política, com ênfase em História da Filosofia Contemporânea, prin-
cipalmente nos seguintes temas: Idealismo Alemão, Dialética, Marx e Marxismo, Teoria Crítica,
Adorno, Habermas, Teorias Políticas Contemporâneas. Tradutor do alemão.
capítulo 3 • 66
ATIVIDADES
01. Em equipe de no máximo três alunos, exemplifique e contextualize a ideia de Cultura
de Massa e Cultura de Massas, proposta a partir das formulações de Umberto Eco e Ed-
gar Morin.
03. Desenvolva um texto analítico dissertativo e leia para os seus colegas de classe, ex-
plicando sobre as relações frankfurtianas existentes no agir comunicacional de Habermas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ECO, Umberto. Apocalípticos e Integrados. São Paulo: Perspectiva, 2001
MARTINO, Luís Mauro Sá. Teoria da Comunicação – Ideias, conceitos e métodos. 5 ed. Rio de
Janeiro: Vozes, 2014.
MAAR, Wolfgang Leo. Dicionário de Comunicação – escolas, teorias e outros. In: CITELLI, Adilson e
outros (org). São Paulo: Contexto, 2014.
MORIN, Edgar. Cultura de Massa no século XX – O Espírito do Tempo – Neurose 1. 9 ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2002
GUMBRECHT, Hans Ulrich. O campo não-hermenêutico. Cadernos da Pós. Rio de Janeiro: UERJ/
IL, n. 5,1995.
RÜDIGER, Francisco. A Escola de Frankfurt. In: HOLFELDT, Antonio e outros (orgs). Teoria da
Comunicação: Conceitos, Escolas e Tendências. 9 ed. Petrópolis: Ed. Vozes, 2010.
capítulo 3 • 67
capítulo 3 • 68
4
Estudos culturais
Estudos culturais
Neste capítulo abordaremos os Estudos Culturais, tomando como base as pro-
posições da professora da PUC-RS Ana Carolina Escosteguy, que os analisou sob
a ótica que se desloca a partir dos estudos das teorias da comunicação. Toma-se,
portanto, um caráter teórico-metodológico, em que se desenha o privilégio de
conexões, como a própria pesquisadora defende, com os mass media e a cultura
popular dentro do universo que tais estudos compreendem.
Escosteguy (2010, p. 151) afirma ser equivocada a ideia de reduzir o projeto
dos Estudos Culturais a um modelo de comunicação, uma vez que “os questiona-
mentos propostos por essa tradição extrapolam o campo da comunicação”.
Também se leva em consideração os estudos desenvolvidos pelo pesquisador
Luiz Mauro Sá Martino e as indagações sobre o que se considera, atualmente,
como “Estudos Culturais”.
O capítulo começa com uma introdução à origem dos Estudos Culturais,
passando pelos fundadores (William, Hoggart, Thompson). Em seguida falaremos
das questões de identidade com Stuart Hall e, por fim, abordaremos as estratégias
de John Fiske para ler televisão.
capítulo 4 • 70
(CCCS), diante da alteração dos valores tradicionais da classe operária da Inglaterra
pós-guerra”.
Richard Hoggart, inspirado na sua pesquisa The Uses of Literacy (1957), funda
em 1964 o Centro. A composição do eixo chave de observação do CCCS centra-se
nas relações entre a cultura contemporânea e a sociedade, suas formas culturais,
instituições, práticas culturais, bem como as mudanças sociais.
No período da formação do grupo de pesquisa, há o nascimento e a consoli-
dação da TV como “força cultural sem precedentes” (Sá Martino, 2014, p. 245).
O surgimento, no final dos anos 1950, dos textos de Richard Hoggart –
The Uses of Literacy (1957), Raymond Willliams – Culture and Society (1958) e
E.P. Thompson com The Making of the English Working-Class (1963) serve como
fonte dos Estudos Culturais.
The Uses of Literacy (1957) é em parte autobiográfico e em parte história cul-
tural do meio do século XX. Já o Culture and Society (1958) constrói um histórico
do conceito de cultura e culmina com a noção de que a “cultura comum ou ordi-
nária” pode ser vista como um modo de vida em condições de igualdade de exis-
tência com o mundo das artes, da literatura e da música. Por fim, The Making of
the English Working-Class (1963) refaz uma parte da história da sociedade inglesa
de um ponto de vista particular – a história “dos de baixo”.
É importante destacar que os “Estudos Culturais” beberam da fonte das ideias
de Marx, a partir da concepção cultural de Gramsci, Althusser e Luckás, sem
esquecer a influência do estruturalismo francês, sobretudo de Roland Barthes e
dos pensadores da pós-modernidade como Foucault e Derrida, além de Saussure
e Pierce pelo viés semiótico.
Os temas escolhidos pelo movimento, normalmente, eram negligenciados pe-
las práticas acadêmicas da época, da cultura popular à cultura de massa.
Deslocando as proposições de Escosteguy (2010, p.153), podemos ressaltar
que Hoggart, em suas pesquisas, tinha como foco de atenção materiais cultu-
rais, antes desprezados, da cultura popular e dos meios de comunicação de massa,
através de metodologia qualitativa. O trabalho do pesquisador inaugura, segundo
Escosteguy (2010), o olhar de que, no âmbito popular, não existe apenas submis-
são, mas também resistência, o que mais tarde será recuperado pelos estudos de
audiência dos meios massivos.
Já Williams traz uma contribuição teórica importante para os Estudos Culturais
a partir do seu olhar diferenciado sobre a história literária, mostrando que cultura
é uma categoria-chave que conecta a análise literária com a investigação social.
capítulo 4 • 71
Em Thompson há uma influência, segundo Escosteguy (2010), ao desen-
volvimento da história social britânica dentro da tradição marxista. Tanto para
Williams como para Thompson, cultura era uma rede vivida de práticas e relações
que constituíam a vida cotidiana, dentro da qual o papel do indivíduo estava em
primeiro plano. Contudo, Thompson resistia, de certa forma, à ideia de cultura
enquanto uma forma de vida global, preferia compreendê-la enquanto enfrenta-
mento entre modos de vida diferentes.
O olhar sobre temas relativos à cultura de massa e sua influência, a partir dos
meios de comunicação, permitiu, segundo Sá Martino (2014), uma nova com-
preensão da comunicação em suas mais variadas formas. “ Acultura da televi-
são passou a ser compreendida de uma maneira mais crítica” (Sá Martino, 2014,
p. 246). Além da televisão, outras manifestações, como a literatura popular, os
vídeos musicais, a música pop e o cinema de Hollywood passaram a ser objeto de
estudos, por ser popular, ou seja, um espaço de apropriações dessa cultura.
Em suma, destacam-se três aspectos dos Estudos Culturais que repercutem na
pesquisa em comunicação. O primeiro associado ao desenvolvimento de um de-
terminado tipo de investigação sobre as audiências ou sob o processo de recepção;
o segundo, à crítica a uma compreensão da comunicação como um fenômeno
centrado nas próprias tecnologias de comunicação, e o terceiro, ao questionamen-
to do enfoque fragmentado e esquemático do processo comunicativo predomi-
nante na área.
capítulo 4 • 72
Os principais autores dos Estudos Culturais na América Latina são Jesús
Martín-Barbero, Néstor Garcia Canclini e Guilherme Orozco.
No Brasil, por exemplo, os Estudos Culturais ganharam força com os estu-
dos da recepção, destacando-se, nessa abordagem, o colombiano Jesús Martín-
Barbero, que questionou o olhar supervalorizado para as mídias em detrimento
das práticas, situações, contextos, usos e modos de apropriação, destacando, assim,
os sujeitos no processo comunicativo. É bom ressaltar, também, que a problemá-
tica de suas proposições extrapola o âmbito da recepção, configurando-se numa
imersão integral do processo de comunicação.
Quanto ao argentino Néstor Garcia Canclini, o foco de sua investigação cen-
tra-se na existência de uma necessidade de se identificar, a partir da cultura, quais
produtos materiais e simbólicos podem ajudar a melhorar as condições da popu-
lação da América Latina. Para ele, os países mais desenvolvidos poderiam auxiliar
os menos favorecidos em prol da inclusão social e da qualidade de vida. Para
Canclini, só há eficácia na comunicação quando há um entendimento das relações
de colaboração e transação entre emissores e receptores, uma vez que não existe
um sentido fixo e sim uma colaboração e interação entre ambos nesse processo.
Quanto a Orozco, seus estudos têm como objetivo promover uma leitura es-
truturada e consciente do discurso televisivo. Lança o conceito de “televidência”,
em quese busca “telever” o que está por trás, ou seja, colocar em evidência aquilo
que não está sendo dito na televisão. Para ele, o processo comunicativo não se
limita à questão da emissão, mas também da recepção, na audiência, no momen-
to em que é realizada a experiência com aquilo que foi vivenciado no momento
da comunicação.
Segundo Escosteguy (2014, p.255), hoje, no contexto acadêmico brasileiro, as
contribuições dos Estudos Culturais estão além dos estudos de recepção, voltan-
do-se a estudos de culturas juvenis, de gêneros e formatos midiáticos, de questões
estéticas, entre outras pesquisas com influência teórico-metodológica às mais dis-
tintas áreas disciplinares, assim como para diferentes objetos de estudo.
MULTIMÍDIA
Para entender melhor o conceito de “televidência” proposto por Orozco, vale a pena as-
sistir: "Videodrome", David Cronenberg ou "O Show de Truman", de Peter Weir.
capítulo 4 • 73
Williams, Hoggart, Thompson – Trabalhos fundadores
Escosteguy (2010) ressalta que existe uma ligação coordenada entre os três
autores citados como fundadores dos Estudos Culturais, contudo existem preo-
cupações em comum que abrangem as relações entre cultura, história e sociedade.
O entendimento particular de cultura é o que gera um movimento singular no
campo dos Estudos Culturais e seu enfoque sobre a dimensão cultural contemporâ-
nea, ou seja, há uma análise das práticas culturais como formas materiais e simbóli-
cas. “Logo, postula-se que a criação cultural se situa no espaço social e econômico,
dentro do qual a atividade criativa é condicionada” (Escosteguy, 2010, p. 156).
Pelos Estudos Culturais, a cultura tem um papel que não é totalmente expli-
cado pelas determinações da esfera pública.
capítulo 4 • 74
Ao publicar, em 1957, The Uses of Literacy, Richard Hoggart queria com-
preender como as pessoas usavam as informações da mídia na vida cotidiana,
partindo do princípio de que a capacidade de leitura é a possibilidade de as pes-
soas relacionarem o que leem ou veem em sua vida cotidiana. Aos olhos do pes-
quisador, o espectador é uma pessoa comum, trabalha, tem amigos, família. Isso
tudo interfere no uso que ele faz da mensagem da mídia. “A mídia era discutida,
pensada e mesmo negada pelo leitor: seu poder se diluía na articulação com a
vida cotidiana do receptor, era parte desse cotidiano, mas não o dominava” (Sá
Martino, 2014, p. 246).
De todos os estudiosos da primeira geração dos Estudos Culturais, Raymond
Williams, segundo Sá Martino (2014), foi um dos que mais prestou atenção aos
problemas da comunicação. Suas bases em torno da concepção de cultura estão
em Culture and Society, de 1958. Para ele, a “cultura” havia perdido o sentido de
“cultivo”, no século XIX, partir de 4 preposições:
1. Para designar o estado geral ou hábito de mente;
2. O estado de desenvolvimento intelectual de uma sociedade, pensada
como um todo;
3. O conjunto das artes;
4. Um modo de vida material e intelectual.
Williams articula essas proposições aos estudos de mídia. Para ele, não existe
uma teoria da comunicação desvinculada de uma teoria da comunidade, uma vez
que a teoria da comunicação busca compreender os usos da mensagem na vida
cotidiana de indivíduos vinculados à comunidade.
Edward Thompson publicou, em 1963, o The Making of the English Working
Class. A classe trabalhadora se definia pela atividade, mas também por causa de
suas práticas culturais. “A cultura não era apenas arte, algo para ser admirado ou
que se vê nos momentos de folga, mas todas as práticas que davam a identidade
para um grupo – no caso, a classe trabalhadora” (Sá Martino, 2014, p.247).
Sá Martino (2014) aponta alguns conceitos dos Estudos Culturais, que deslo-
caremos a seguir, neste capítulo:
1. O espaço das apropriações dos meios de comunicação pela sociedade
é o receptor, ou seja, o público. A compreensão dos usos feitos pelos in-
divíduos diante da mídia passa pela compreensão da comunicação. Essa
compreensão passa por entender as subjetividades das sociedades com suas
diferentes relações.
capítulo 4 • 75
Todo espaço de cultura é um espaço político de construção de hegemonia – e, se os
meios de comunicação de massa transformam a cultura em produto, a disseminação
em larga escala dos produtos culturais, é o momento também de pensar os jogos da
política cultural a partir da mídia (Sá Martino, 2014, p.247).
A cultura popular – entendida aqui como a cultura pop produzida pelos meios de co-
municação – é uma das responsáveis pela articulação de identidades cotidianas na
medida em que é um dos principais elementos de definição do mundo (Sá Martino,
2014, p. 247).
Sua ideia de “cultura” não está vinculada apenas às “produções do espírito”, mas a
qualquer produção simbólica a partir da qual o ser humano entende seu mundo. Em
uma cultura pontuada pelos meios de comunicação, entender a cultura de massas é a
chave para entender o cotidiano.
capítulo 4 • 76
Stuart Hall não é citado como um dos fundadores dos Estudos Culturais, mas
terá papel fundamental à medida que assume o cargo de Hoggart na direção do
Centro, de 1968 a 1979. O período em que o pesquisador estava no cargo é mar-
cado pelo incentivo ao desenvolvimento da investigação de práticas de resistência
de subculturas e de análises dos meios massivos, identificando seu papel central na
direção da sociedade, conforme veremos no tópico seguinte.
capítulo 4 • 77
A seguir, o modelo Encoding/Decoding proposto por Hall.
ESTRUTURAS DE ESTRUTURAS DE
SIGNIFICADO I SIGNIFICADO II
QUADROS DE QUADROS DE
REFERÊNCIA DE REFERÊNCIA DE
CONHECIMENTO CONHECIMENTO
RELAÇÕES DE RELAÇÕES DE
PRODUÇÃO PRODUÇÃO
INFRAESTRUTURA INFRAESTRUTURA
TÉCNICA TÉCNICA
capítulo 4 • 78
A recepção está muito longe de ser passiva – e isso é uma premissa clara desde os
fundadores dos Estudos Culturais. A ideia de que o povo constrói e reconstrói sua
própria cultura está longe de ser ingênua, mas baseia-se na noção de cultura como
prática dotada de sentido. Trata-se de mostrar um público ativo, imerso em um conjun-
to de práticas e consumo cultural influenciado pelas condições econômicas e sociais
(Sá Martino, 2014, p. 250).
capítulo 4 • 79
Na primeira geração dos Estudos Culturais, destacamos o pesquisador
Raymond Williams, que propôs a dupla natureza da televisão: uma tecnologia de
comunicação e um elemento de produção cultural.
No entanto, foi com John Fiske e as obras Television Culture, de 1987, e Reading
Television, de 1993, que se desenvolveram estratégias de leitura da televisão.
Para Fiske, antes de ser um sujeito textual, os telespectadores são sujeitos so-
ciais que vivem uma formação social particular (uma mistura de classes, gêne-
ros, idades...) o que constituem uma história cultural complexa. Assim, os textos
televisivos têm uma dimensão convencional que deva aparentar naturalidade e,
portanto, promover a identificação.
Fiske esclarece o que considera televisão e o que entende como cultura. Para
ele, a televisão é um apoiador, provocador de sentidos e prazeres variados cuja
geração e circulação dentro da sociedade ficaria a cargo da cultura. Televisão como
cultura é uma parte crucial da dinâmica social pela qual a sociedade se estrutura e
se mantém num processo constante de produção e reprodução.
O modo como a textualidade da televisão torna-se significativa e prazerosa
para seus espectadores, situados em várias condições, sem deixar de levar em conta
sua dimensão e status como uma mercadoria na economia; é o foco principal da
abordagem de Fiske.
Para o pesquisador, a análise do texto televisivo consiste em compreender os
códigos usados pelas mensagens e suas relações: códigos são vínculos entre produ-
tores, textos e audiências e são os agentes da intertextualidade através dos quais os
textos se inter-relacionam numa rede de sentidos que constituem nosso mundo
cultural. Como esses códigos trabalham numa estrutura hierárquica complexa,
suas categorias são arbitrárias e escorregadias.
Fiske apresenta os códigos em três níveis:
capítulo 4 • 80
Através desses códigos se evidenciam e são definidas
as representações convencionais de narrativas, conflitos,
REPRESENTAÇÕES personagens, ação, diálogo, cenário, elenco e etc. Exem-
(CÓDIGOS TÉCNICOS) plo: câmera, enquadramento, iluminação, edição, música,
som. Ou seja, ações que, por sua vez, são organizadas no
nível seguinte;
capítulo 4 • 81
A perspectiva de ler as produções da TV procurando seu significado parece esbar-
rar em uma questão técnica: até que ponto é possível encontrar espaços para con-
testação na TV se ela obedece a lógica da indústria? Fiske responde sublinhando a
natureza da produção da TV: a televisão cria programas em escala industrial que se
transformam em textos no momento em que atingem o receptor. Assim, a TV exibe o
mesmo programa em toda a parte; em cada lugar o público lerá textos diferentes. O
produto se transforma em texto quando é apropriado pelas pessoas em uma leitura
particular e ganha um novo sentido (Sá Martino, 2014, p. 252).
RESUMO
Neste capítulo você pôde conhecer um pouco das contribuições dos Estudos Culturais
para o campo da comunicação.
O capítulo começa abordando a origem dos Estudos Culturais, a partir da fundação do
Centro de Estudos Culturais contemporâneos (CCCS), fundado por Richard Hoggart, em
1964, na Universidade de Birmingham.
Os pesquisadores do Centro também são referenciados como Escola de Birmingham,
pela reação à produção e reflexão realizada no CCCS, dedicado à pesquisa de pós-graduação.
Além de Hoggart, são considerados pioneiros dos Estudos Culturais, na Inglaterra, Ri-
chard Hoggart, Raymond Williams e E. P. Thompsom. No entanto, outra figura se destaca no
cenário britânico, que é Stuart Hall e, posteriormente, a partir da leitura semiótica da televi-
são, John Fiske.
Além dos estudos culturais ingleses, é recorrente na literatura de comunicação a divisão
dos Estudos Culturais em dois momentos. O primeiro trata da questão inglesa dos Estudos
capítulo 4 • 82
Culturais com enfoque no cultural local e regional; no segundo momento, temos a divisão
desses estudos com enfoque na cultura latino-americana. Os principais autores dos Estudos
Culturais na América Latina são: Jesús Martín-Barbero, Néstor García Canclini e Guiller-
mo Orozco.
Pode-se dizer que as contribuições dos Estudos Culturais, tanto ingleses quanto na Amé-
rica Latina, estão na preocupação ao conteúdo que o receptor entende, isso porque é na
recepção que efetivamente a comunicação acontece. Isso é importante de se perceber, já
que a leitura que o produtor de comunicação tem não necessariamente condiz com a leitura
promovida pelo receptor.
De modo pouco mais específico, entendemos que três aspectos destacam-se nas pesqui-
sas em comunicação a partir dos Estudos Culturais: o desenvolvimento de um tipo de inves-
tigação sobre as audiências ou sobre o processo de recepção; a crítica a uma compreensão
da comunicação como um fenômeno centrado nas próprias tecnologias de comunicação; e o
enfoque fragmentado e esquemático do processo comunicativo, predominante na área.
Vale ressaltar que os Estudos Culturais ingleses dão enfoque ao cultural local e regional;
na América Latina, temos a divisão desses estudos com enfoque na cultura latino-americana.
Vimos também, nesta unidade, os estudos do pesquisador jamaicano Stuart Hall, que
viveu na Inglaterra e acreditava que a leitura feita pelo receptor é sempre diferente da leitura
pretendida pelo produtor, embora ambos estejam dentro da mesma cultura. O receptor é
um ser social e histórico, e sua maneira de ver televisão ou ler uma revista está ligada a seu
desenvolvimento nesse sentido.
Por fim, vimos as proposições de Fiske. Para o pesquisador, antes de serem sujeitos tex-
tuais, os telespectadores são sujeitos sociais que vivem uma formação social particular (uma
mistura de classes, gêneros, idades...), o que constitui uma história cultural complexa. Assim,
os textos televisivos têm uma dimensão convencional que deva aparentar naturalidade e,
portanto, promover a identificação.
REFLEXÃO
• Richard Hoggart – nasceu em 1918, passando sua influência no meio operário, sua ori-
gem. No final da Segunda Guerra, ingressou na docência, trabalhando com formação de
adultos do meio operário. Influenciado por Leavis e a revista Scrutiny, dedicou-se às culturas
populares de um modo mais condescendente. Fundados do Centro (CCCS).
capítulo 4 • 83
• Raymond Williams – nasceu no País de Gales (1921-1988), filho de um ferroviário. No
final da Segunda Guerra, passou a ser tutor na Oxford University Delegacy for Extramural
Studies, devido à sua formação em literatura. Sua posição teórica foi sintetizada em Marxism
and Literature (1977), quando reivindicou a construção de um materialismo cultural.
• E.P. Thompson – (1924-1922) – Iniciou sua vida como docente de um Centro de Educa-
ção permanente para adultos. Foi militante do partido comunista, mas em 1956 rompeu com
o partido, convertendo-se em um dos fundadores da New Left Review.
ATIVIDADES
01. Desenvolva um texto analítico-dissertativo, com no máximo uma lauda, falando sobre as
proposições em torno dos Estudos Culturais Ingleses e dos Estudos Culturais da América
Latina, destacando os principais autores.
03. Qual a importância das proposições dos Fundadores dos Estudos Culturais para o cam-
po da comunicação?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ECOSTESGUY, Ana Carolina. Os Estudos Culturais. In: HOLFELDT, Antonio e outros (orgs). Teoria
da Comunicação: conceitos, escolas e tendências. 9 ed. Petrópolis: Ed. Vozes, 2010.
MARTINO, Luís Mauro Sá. Teoria da Comunicação – Ideias, conceitos e métodos. 5 ed. Rio de
Janeiro: Vozes, 2014.
MAAR, Wolfgang Leo. Dicionário de Comunicação – Escolas, teorias e outros. In: CITELLI, Adilson e
outros (org). São Paulo: Contexto, 2014.
capítulo 4 • 84
5
Mediações e
estudos de
recepção
Mediações e estudos de recepção
A segunda metade do século XX apresenta, no cenário acadêmico científico,
uma mudança de olhar sobre o processo comunicacional, que descentraliza a ob-
servação, de maneira funcional, do emissor da mensagem e passa a compreender o
papel do receptor não mais como um agente sem possibilidade de ação na resposta.
Enxerga-se o sujeito nos estudos de comunicação. Estuda-se, a partir de en-
tão, muito mais o que as pessoas fazem com os meios do que os meios fazem com
as pessoas.
Neste capítulo, pretende-se mostrar como o estudo de recepção, a partir do
olhar iniciado nos Estudos Culturais ingleses, orientou a vertente latino-america-
na, mais conhecida como “teoria das mediações”, e as pesquisas acadêmicas brasi-
leiras no campo comunicacional.
A “Teoria das Mediações” é vista por muitos teóricos – como Sá Miranda, de
quem iremos deslocar algumas preposições – como resultado de um deslocamento
teórico e geográfico. Um dos principais expoentes desse olhar sobre o Hemisfério
Sul é Jésus Martin-Barbero, com a obra Dos meios às Mediações, de 1987.
O capítulo encerra uma perspectiva sobre a história das teorias que atraves-
saram e ainda atravessam o campo de saber da comunicação. Contudo, espera-se
evoluir olhares ou abrir novos métodos de investigação sobre as empirias contem-
porâneas, a partir do lastro deixado pelos precursores.
capítulo 5 • 86
Um pouco da história nas pegadas da pesquisa comunicacional na América Latina
capítulo 5 • 87
Em 1959, na Venezuela, surgiu o Instituto Venezuelano de Investigaciones
de Prensa de La Universidad Central, cuja primeira pesquisa buscou saber Qué
publicó la prensa venezolana durante la ditadura?, comprovando, segundo Berger
(2010, p. 244) a procedência oficial do noticiário.
Vale ressaltar que esse centro teve origem no ININCO (Instituto de
Investigaciones de la Comunicación), fundado em 1973, cujo objetivo centrava na
pesquisa da comunicação social ou de massas, que compreende tanto o estudo teó-
rico e metodológico dos problemas da comunicação como a análise permanente
dos diferentes meios e de sua incidência no âmbito nacional. Antonio Pasquali foi
o nome mais importante do Instituto.
Pode-se concluir que Venezuela e Equador são as primeiras sedes da pesquisa
em comunicação na América Latina.
Em 1970, surgiu o CEREN (Centro de Estudos da Realidade Nacional), vin-
culado à Universidade Católica do Chile. O Centro era coordenado por Armand
Mattelart e integrado por Héctor Schmucler, Hugo Assmann, Michele Mattelart,
Mabel Piccini e Ariel Dorfman. O centro se destacou na pesquisa sobre o domí-
nio das multinacionais na comunicação latino-americana, desde uma perspecti-
va marxista, introduzindo conceitos como ideologia, relações de poder, conflitos
de classe.
O grupo se desfez com o golpe militar chileno. Alguns de seus membros vol-
taram a se encontrar no México, através do Instituto Latinoamericano de Estudios
Transnacionales – ILET. O núcleo do ILET era formado por pesquisadores chile-
nos, argentinos e peruanos. A orientação do Instituto era de informação interna-
cional e estrutura transnacional, com livre fluxo de informação, democratização
da comunicação.
A reflexão latino-americana sobre a comunicação se instaurou entre os anos
1960 e 1970. As condições estruturais do chamado “subdesenvolvimento” passa-
ram a incorporar a análise dos meios. O panorama político da região era o que
caracterizava a reflexão do momento. Era o momento, na América Latina, de
oposição ao American Way of Life.
capítulo 5 • 88
Portanto, foi nessas condições históricas, com possibilidades de luta pelo so-
cialismo, de intervenção militar e a convivência com o capital norte-americano,
que a comunicação de massa foi introduzida e sedimentada na América Latina.
Deslocando as proposições da pesquisadora Berger (2010), essa comunicação é
identificada com a televisão e com o financiamento norte-americano, formando
o pano de fundo e a motivação para a produção de uma pesquisa crítica sobre a
comunicação massiva eminente.
A “pesquisa-denúncia” dos anos 1970 foi substituída pela “pesquisa ação”, nos
anos 1980, o que Berger (2010) ressalta como uma observação não só comprome-
tida como também militante para o trabalho acadêmico.
Ao que se convencionou denominar pensamento latino-americano podem-se
destacar autores como Antonio Gramsci, Walter Benjamin e os que militaram sob
a égide dos estudos culturais ingleses, como Raymond Williams. Martín Barbero,
por exemplo, recuperou em Benjamin e Williams as proposições advindas da ex-
periência para trazer o popular, cujo conceito precisava para ele permanecer ligado
à singularidade dos fenômenos ao sentido das práticas.
Apesar de termos visto vários autores e vários países na origem do proces-
so de debates sobre comunicação na América Latina, destacam-se três obras que
concentram e são responsáveis em grande medida pela circulação do debate: De
los médios a las mediaciones (Martín-Barbero, 1987); Culturas Híbridas (Canclini,
1997) e Más (+) Cultura(s): ensayos sobre realidades plurales (Gonzáles, 1994).
Barbero, por exemplo, em 1984, identificou, no surgimento do interesse pelo
estudo da comunicação popular, não somente os limites de um modelo, a que
Berger (2010) chama de hegemônico, mas também a pressão dos acontecimentos
e processos sociais que foram transformando a relevância social dos objetos de
estudo desde os parâmetros sobre os quais era possível pensar um novo objeto.
As pesquisas desse período pautam-se na problemática da cultura e da recep-
ção esclarecidas pela noção de mediação. A lógica do poder absoluto dos meios de
comunicação é rompida a partir da discussão sobre cultura como base do desen-
volvimento alcançado pelas teorias.
Barbero, Canclini e Orozco são, inclusive, autores consagrados pelas teses
e dissertações que adotaram, no Brasil, a perspectiva sociocultural da recepção,
embora já tenhamos um cabedal de conhecimento produzido por pesquisado-
res brasileiros.
capítulo 5 • 89
Teoria das Mediações
O debate sobre a recepção midiática na América Latina deve ser visto, levan-
do-se em consideração a importância dos Estudos Culturais.
Como citado na introdução, a figura de Jesus Martin-Barbero é um ponto de
referência para a área. Pode-se dizer que a construção do trabalho intelectual de
Martín-Barbero está identificada em dois momentos particulares que demarcam
pontos de partida: um primeiro período marcado por matrizes vinculadas à filoso-
fia e semiologia; um segundo, pelo contato com o pensamento crítico da cultura.
Pelo pensamento crítico da cultura, há uma atenção às teorias do discurso e
da linguagem para aprofundar questões que emergem dos conflitos e movimentos
sociais e da problemática da cultura popular e da comunicação de massa. Questões
que tomaram importância e maior densidade com os estudos sobre a televisão, em
que a telenovela é o objeto mais significativo e conceituado como expressão do
popular massivo.
A partir da obra Dos meios às mediações, Barbero (1987) propõe um deslo-
camento dos estudos de comunicação, ou seja, no lugar de se preocupar com os
meios e suas condições específicas de produção ou mensagem, era preciso pensar
nas mediações, nos processos culturais, sociais e econômicos que enquadravam
tanto a produção quanto a recepção das mensagens da mídia.
capítulo 5 • 90
Entende-se, portanto, que se trata de um deslocamento da análise do meio de
comunicação propriamente dito para onde o sentido é produzido, para o âmbito
dos usos sociais, as mediações culturais da comunicação.
Barbero aponta três lugares fundamentais na mediação: a cotidianidade fa-
miliar, a temporalidade social e a competência cultural. A família é uma situação
primordial de conhecimento, e o bairro pode ser visto como “lugar” de reconheci-
mento – trata-se dos processos de reconhecimento com “lugares” de constituição
de identidades, o que permitiu melhor entendimento das mediações que reconfi-
guram os processos de recepção ao longo dos tempos.
O lugar privilegiado para a análise do processo de recepção é o cotidiano,
dentro da lógica de Barbero, pois está na relação com o próprio corpo até o uso
do tempo, o habitar e a consciência do que é possível ser alcançado por cada um.
Estudar os conflitos, o hegemônico e o subalterno, o moderno e o tradicional,
as mutações e as fragmentações dos públicos, sem que se deixe cair em dualismo,
é a implicação do fenômeno coletivo, ao qual chamamos recepção.
Boa parte da recepção está de alguma forma, não programada, mas condicionada,
organizada, tocada, orientada pela produção, tanto em termos econômicos como em
termos estéticos, narrativos, semióticos (Barbero, 1997, p. 56).
capítulo 5 • 91
televisão. Firmou-se no campo da comunicação como um dos maiores pesquisa-
dores dos processos de recepção. A obra do pesquisador mexicano sintetiza um
esforço de aproximação entre o campo da comunicação e o da educação.
A obra Televisión y producción de significados (três ensayos) é considerada um
ponto de inflexão na trajetória acadêmica de Orozco, colocando-o na vanguarda
dos estudos qualitativos de recepção, uma vez que conjuga o pensamento comu-
nicacional latino-americano com a visão anglo-americana sobre os processos pe-
dagógicos e os estudos sobre as audiências.
Na genealogia de sua obra latino-americana, tem-se como uma das bases a
noção de mediação proposta por Jésus Martín-Barbero.
Contudo, esse conceito tem uma dimensão pedagógica, através da ideia de
que ser audiência tem uma dimensão educativa intrínseca. Portanto, para ele, os
estudos de recepção sobre a televisão devem abarcar uma compreensão mais inte-
gral da interação entre audiência, televisão e educação.
A obra de Orozco apresenta a multiplicidade de representações e reconfigura-
ções sociais, políticas e culturais que emergem de um ecossistema comunicativo,
cada vez mais amplo, segundo Peres-Neto (2010, p. 358), tanto o estar como o re-
conhecer-se audiência que transforme a construção da identidade dos indivíduos,
suas interações sociais e vínculos espaço-temporais. “O encontro dos sujeitos com
a televisão, de fato, os transforma em sujeitos-audiência”.
Orozco parte do pressuposto de que a interação entre televisão e audiência
se constrói de modo complexo, multidirecional e multidimensional, a partir de
múltiplas mediações, definindo, assim, mediação como o processo de estruturação
vindo de ação concreta ou intervenção no processo de recepção midiática, sendo
que estas mediações se manifestam por meio do discurso e das ações.
Sá Martino (2014, p. 184) lembra que, para Orozco, a mediação entre TV e
público, por exemplo, acontece nas práticas sociais, ou seja, o cotidiano e a histó-
ria são mediações fundamentais.
capítulo 5 • 92
O olhar do pesquisador mexicano entende a polissemia da programação. A re-
cepção estabelece a comunicação, segundo Orozco. Para ele, a audiência comporta
um desafio pedagógico que nada mais é do que dar sentido a essa multiplicidade
de elementos, de mediações que contribuem, simultaneamente, tanto para enten-
der os sujeitos-audiências como para sua emancipação.
Orozco acredita que é possível alargar as fronteiras do conhecimento, fomen-
tando uma alfabetização televisiva que permita aos sujeitos-audiência esgarçar seus
horizontes referenciais, mas esse processo só ocorrerá se articulado com um segun-
do âmbito, que ele define como a “mediacidade” televisiva, ou seja, as audiências
só constroem vínculos ou interatuam com a linguagem televisiva a partir dos flu-
xos próprios desse meio. Portanto, é a partir dos formatos, gêneros, grades e ofer-
tas de programas que a audiência definirá o tempo empregado e as condições deste
para o consumo da televisão. Parte importante das audiências, em certa medida, é
definida pelas propriedades do meio televisivo.
Vale ressaltar que a base para a construção das audiências ou processo de
“televidência”, segundo Orozco, é formado por um quadrilátero, constituído da
linguagem televisiva, a mediacidade da televisão, sua tecnicidade e a instituciona-
lização. Tem-se então, a partir disso, uma proposta teórico-metodológica que se
propõe explicar com clareza a complexidade das audiências, bem como oferece
uma ampla gama de possibilidades instrumentais para a pesquisa em comunica-
ção, sem esquecer os aspectos críticos essenciais.
É importante entender que não é o simples ato de receber a mensagem, mas
reconstituí-la a partir das mediações. Os valores, as ideias, os gostos acompanham
o receptor. “Essas diferenças de mediações estão no meio do espaço entre o indi-
víduo e a tela. As mediações atuam decisivamente na recepção da mensagem” (Sá
Martino, 2014, p. 184).
Tal âmbito não pode ser visto separadamente da problematização da tecnicidade tele-
visiva e da sua dimensão institucional, que completam o mencionado quadrilátero que
dá forma ao processo de “televidência”. A primeira alude à tecnologia que constitui a
televisão e, no entender de Orozco, vai muito além da sua materialidade. Representa
um espaço de oportunidade, posto que o avanço tecnológico do meio – como a digitali-
zação, por exemplo, permite explorar novas capacidades perceptivas e de aprendizado
da audiência. Por sua vez, a ideia de institucionalidade põe manifestamente a dimen-
são política da televisão (Peres-Neto, 2010, p.361).
capítulo 5 • 93
A partir da interconexão desses quatros pontos, o pesquisador mexicano cons-
trói as noções de macro e micromediações dos “televidentes”, ou seja, os sujeitos
-audiências estão constituídos por um processo de inter-relações baseadas no qua-
drilátero, que, por sua vez, estabelece mediações (macro/micro). Daí a existência
de sujeitos-audiências passar pelo entendimento do ato de ver a televisão (“televi-
dência”), a partir de um consumo muito além da materialidade do ver, do ato de
assistir à televisão. “As audiências são um constructo, edificado com o cimento do
consumo mediado do meio televisivo” (Peres-Neto, 2010, p. 362).
O pensamento de Orozco reverbera no trabalho de inúmeros pesquisadores
brasileiros, como Maria Immacolata Vassalo, Maria Aparecida Baccega, Adilson
Citelli, Ismar Oliveira e Nilda Jacks.
O pesquisador mexicano apresenta a televisão como um meio aliado dos edu-
cadores e, em suma, reivindica a importância da construção de uma educação
para o consumo da televisão, razão pela qual defende a necessidade de situar os
receptores na transitoriedade dos sujeitos-audiências, cujo processo de atribuição
de sentido ao televisivo vai além do mero ato de assistir à televisão.
Pela Teoria das Mediações, é possível compreender ou perceber como as con-
dições de possibilidades históricas latino-americanas interferem no processo de
recepção. Pela Teoria, o receptor não existe como massa ou público, mas como
indivíduo que vive em sociedade. A questão está em pensar mecanismos de uma
cultura híbrida, como propõe Garcia-Canclini, outro importante nome das pes-
quisas latino-americanas.
Em Canclini, há uma preocupação, a partir da Teoria das Mediações, em per-
ceber o diálogo entre a cultura popular, de massa e erudita. O pesquisador argen-
tino examina os modos de negociação do popular no processo cultural e político
hegemônico para avançar a discussão sobre as hibridizações culturais, no sentido
de afirmar uma autonomia relativa das culturas populares. Para Canclini, a cultura
popular não se deduz da cultura dominante. Com forte influência de Antonio
Gramsci e Pierre Bourdieu em suas proposições, acredita que a constituição do
habitus não se reduz à socialização na escola, na família, e as classes populares
possuem modos próprios de ressemantizar a cultura hegemônica.
Pode-se dizer que as mediações são complexas negociações de sentido entre a
hegemonia de uma indústria cultural protegida, que representa interesses econô-
micos e um público mais ou menos preparado para enfrentá-la. A negociação se
configura num confronto entre hegemonia e resistência na definição do sentido
de uma mensagem.
capítulo 5 • 94
Néstor Garcia-Canclini propõe, em Consumidores e Cidadãos (1999), como o
consumo é o código de uma das principais mediações.
O consumo, de natureza simbólica ou material, ganha importância por ser a
referência ao principal elemento, a mercadoria.
Para Canclini, a transformação do ato consumista no centro do modelo capi-
talista fez com que todas as outras práticas sociais se estruturassem pelo consumo
de bens materiais e simbólicos. Uma das principais mediações é o efeito da posse
de uma mercadoria nas outras pessoas.
Na obra Deslocados, desplugados, desconcetados, Canclini afirma que a mídia
cria novas formas de pensar a própria noção de infância.
Com a televisão existe, de certa forma, a diluição nas fronteiras simbólicas
entre as idades e as fases dos sujeitos. Há uma imersão no universo dos sonhos,
segundo Sá Martino (2014, p. 186), que é o consumo das imagens.
A importância de Canclini na área da comunicação reside na introdução do
debate sobre a importância da articulação entre comunicação e cultura, em termos
tanto conceituais quanto empíricos. O impacto de suas teorizações está nas análi-
ses e estudos sobre as relações entre comunicação e identidade cultural e de ambas
vinculadas com o consumo cultural.
Duas décadas de pesquisas culminaram com uma de suas obras mais impor-
tantes: Culturas Híbridas: estratégias para entrar y salir de la modernidade (1990),
que fora traduzida para vários idiomas.
Na sua proposta de discussão para a modernidade em âmbito latino-america-
no, repensa as mestiçagens e as intersecções entre as culturas, a partir da noção de
hibridização. Para Canclini, é no processo de “des-colecionamento” (quando não
mais se apartam rigidamente as coleções de artes tidas como cultas e os objetos
populares, em diversos locais, como museus, repertórios públicos etc.) que se trava
um diálogo intenso entre a cultura erudita, a popular, a de massa, o que possibilita
focalizar suas intersecções. Nesse sentido, reorganizam-se vínculos entre grupos
e sistemas simbólicos, e os “des-colecionamentos” e hibridizações não permitem
mais uma associação rígida entre classes sociais e estratos culturais.
Essa negociação entre o legítimo e o ordinário, proposto no âmbito das con-
venções sociais e, principalmente, no que tange a reconsideração das identidades
e dos produtos culturais, abriu para os estudos de Canclini uma nova proposta
de análise das realidades e dos processos culturais que se distancia da noção de
pureza, antes imposta, para um olhar com interferência e relação com os meios
de comunicação.
capítulo 5 • 95
O livro culmina numa fragmentação e na multiplicidade de combinações que
originam as tais culturas híbridas que defende.
Tanto no Brasil como em outros países da América Latina, as proposições
de Canclini seguem dando norte a gerações de pesquisadores. Suas teorizações
constroem as bases para um pensamento de pesquisa latino-americano e tam-
bém por se voltarem, mais recentemente, para a problemática da cultura virtual.
Dentre os muitos trabalhos marcados por sua obra, destaca-se, no âmbito brasi-
leiro, o livro Cartografias dos Estudos Culturais, que, juntamente com o itinerário
de Martín-Barbero, traça as conexões com a tradição britânica da qual é parcial-
mente tributária.
Segundo Schmitz e Jacks (2010), as repercussões de sua obra na pesquisa bra-
sileira de comunicação ainda estão por ser avaliadas de maneira sistemática. São os
artigos e as pesquisas que atravessam suas proposições, quase sempre as articulan-
do com outros autores, destacando-se a apropriação dos conceitos de hibridização
e identidade culturais, além do modelo conceitual de consumo cultural.
Por fim, atravessando as proposições de Sá Martino (2014), a Teoria das
Mediações, com base nos autores aqui apresentados, propõe uma substituição do
aspecto linear “produção-recepção” por uma complexa dialética do processo de
recepção, em que a imagem é compreendida como parte de um fluxo maior de
mensagens e práticas.
RESUMO
Neste capítulo, você acompanhou a reunião de pesquisadores e proposições acerca dos
estudos de recepção e mediações.
Pela extensão das proposições reunidas, optou-se por uma trajetória histórica para me-
lhor entendimento das teorizações contemporâneas na América Latina e do caráter genea-
lógico evolutivo desses saberes.
O capítulo mostra os estudos, a partir da década de 1930, que abordam o jornalismo
vinculado à discussão sobre liberdade de imprensa e legislação.
Nesse início institucional da pesquisa na América Latina, apresentamos os Centros de
Pesquisa organizados, a partir do final da década de 1950 até os anos 80, e as diferentes
orientações propostas por eles, a partir de condições de possibilidades históricas. Destacam-
se, portanto, Ciespal em Quito, Instituto Venezuelno de Investigaciones de Prensa, ININCO,
na Venezuela, CEREN, no Chile e ILET, no México.
capítulo 5 • 96
A partir da década de 1980, a proposta de repensar as peculiaridades do contexto-histó-
rico cultural latino-americano em que se inserem os processos comunicacionais, bem como a
aproximação entre comunicação e cultura, resultou em um interesse por receptores, públicos
e audiências, mudando o olhar da investigação e dos estudos da comunicação na Améri-
ca Latina.
Essas proposições são fruto de cenários críticos na política, do fortalecimento dos movi-
mentos sociais e das indústrias culturais, que geraram uma organização do campo, seja por
exílio ou por realização de congressos, seja por outras formas de intercâmbio.
Destacam-se conceitos como cultura popular, mediações, identidades e hibridações cul-
turais, numa perspectiva de reconhecer que os processos comunicacionais estão relaciona-
dos de maneira intrínseca com os socioculturais.
Na origem do processo de debates sobre comunicação na América Latina, vimos que
se destacam três obras que concentram e são responsáveis em grande medida pela circula-
ção do debate: De los médios a las mediaciones ( Martín-Barbero, 1987); Culturas Híbridas
(Canclini, 1997) e Más(+) Cultura (s): ensayos sobre realidades plurales (Gonzáles, 1994).
No centro dos objetos de estudo estão a televisão e a constante tentativa de entender
suas múltiplas ramificações e seus efeitos sobre o imaginário. Uma alternativa, a partir desse
entendimento, para uma recepção mais ativa e nas palavras de Sá Martino (2014) “mais pre-
parada para enfrentar de maneira coerente os desafios da imagem e da mercadoria.”
REFLEXÃO
• Jésus Martín-Barbero nasceu em 1937, em Ávila, Espanha. Transferiu-se para a Colômbia
em 1963, onde passou a realizar sua obra teórica, cuja influência no Brasil se dá desde os
anos de 1980. Semiólogo, antropólogo e filósofo.
• Guillermo Orozco Goméz nasceu em Guadalajara, no México. Obteve sua graduação em
comunicação, em 1974, no Instituto Tecnológico de Estudios Superiores de Occidente (Ite-
so). Realizou especialização em educação, em 1977, na Universidade da Colônia, na Alema-
nha. O doutorado foi em Harvard, EUA, em 1988.
• Néstor García Canclini era filósofo por formação. Nascido na Argentina em 1939 e radi-
cado no México em 1976, quando se exilou. Cientista político por atuação, nos campos da
arte e da cultura, é um dos expoentes do pensamento latino-americano no que tange aos
estudos culturais.
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01. Explique como se dá a primeira fase do cenário institucional dos estudos da comunica-
ção na América Latina.
02. Em grupo de no máximo três alunos, discutam e apontem as proposições sobre os estu-
dos da televisão de Jésus Martín-Barbero e depois apresente para a turma.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHRISTA, Berger. A pesquisa em comunicação na América Latina. In: HOLFELDT, Antonio e outros
(orgs). Teoria da Comunicação: Conceitos, Escolas e Tendências. 9 ed. Petrópolis: Ed. Vozes, 2010.
GARCIA-CANCLINI, Nestor. Consumidores e cidadãos. Rio de Janeiro: UFRJ, 1999.
MARTIN-BARBERO, Jésus. Dos Meios às mediações. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997.
MAAR, Wolfgang Leo. Dicionário de Comunicação – Escolas, teorias e outros. In: CITELLI, Adilson e
outros (org). São Paulo: Contexto, 2014.
SÁ MARTINO, Luiz Mauro. Teoria da comunicação – Ideias, conceitos e métodos. 5 ed. Rio de
Janeiro: Vozes, 2014.
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