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Fica o escrito por não escrito – ou o casamento do editor com o autor, até que a

literatura os separe

Luiz Schwarcz

A relação entre editor e autor, em muitos casos, só pode ser comparada com as
relações amorosas ou familiares. Max Perkins, cuja história já citei em outro post, dizia
que Thomas Wolfe era como o filho que nunca teve. No entanto, a relação dos dois
misturava o paternalismo que Perkins citava com alguns aspectos da relação típica de
um casal. Assim, o fim do relacionamento entre os dois pode tanto parecer a história de
um filho querendo se libertar do pai, como a de um amante buscando se livrar do seu
par, de quem tanto depende ou dependeu. Embora Perkins tenha tido uma participação
fundamental na vida e na obra de Scott Fitzgerald e de Ernest Hemingway, além de
muitos outros autores, nenhuma se compara com o vínculo que o grande editor
desenvolveu com Thomas Wolfe.
Foi principalmente a partir dessa história que se criou o mito do editor americano,
um profissional superinterventor e com participação ativa no resultado final dos livros.
Uma cena bastante citada é a de Perkins e Wolfe fechados todas as noites, por meses a
fio, numa mesma sala, onde o escritor datilografava novas páginas para completar a
trama de seus livros, previamente cortados por Perkins. Segundo o folclore editorial,
essas mesmas páginas eram jogadas desordenadamente no chão e depois recolhidas pelo
editor, para serem, então, decupadas e montadas, em outra ordem, e com novos cortes,
compondo-se assim o texto final. É claro que esse é um exemplo extremo. São poucos
os autores caóticos como Wolfe, assim como raros são os editores com o talento criativo
de Perkins.
Além disso, tal fama atribuída aos editores americanos é tão longínqua como imerecida.
Atualmente, muitos editores americanos e ingleses interferem pouco nos originais,
principalmente de autores consagrados, que passaram a ter como interlocutores
privilegiados, e primeiros leitores profissionais, seus próprios agentes literários, pouco
dispostos a enfrentá-los com críticas ou a requisição de mais trabalho criativo. Assim,
sobram nos dias de hoje autores famosos, enquanto faltam editores talentosos. A força
política dos agentes literários e a disputa selvagem pela conquista de autores de renome
inibem os editores, que deixam de fazer sugestões importantes em livros cruciais para
suas editoras, bem como tornam os autores famosos menos afeitos ao diálogo criativo.
Nos poucos e volumosos livros de Wolfe, Perkins, de fato, teve papel fundamental.
Montou, a partir de material bruto, e formatou, tendo como origem o caos criativo do
tumultuado escritor, textos que marcaram a cultura da América. Scott Berg, o biógrafo
de Perkins, conta que os originais dos livros de Wolfe eram tão extensos que, certa feita,
tiveram que ser apanhados pela Scribner com uma caminhonete. Para que seu primeiro
livro, intitulado Look Homeward, Angel, viesse à luz, Perkins trabalhou meses, cortou e
cortou, arrumou o texto pedindo a Wolfe emendas que conferissem sentido à obra, o que
resultou num livro de 1100 páginas. No caso do segundo livro, que em sua primeira
versão tinha um milhão de palavras, os dois trabalharam juntos no escritório do editor,
seis noites por semana e não por pouco tempo. Perkins via mais o “lobo solitário”
(apelido que cunhou para Wolfe, em alusão ao seu sobrenome) do que a sua família. O
milhão de palavras inicias de Of Time and the River foi reduzido a 450 mil, e o romance
acabou sendo publicado quase à revelia de Wolfe, que ainda queria melhorar o texto. O
escritor, dessa vez, tinha certa razão, pois na pressa final escaparam mais de duzentos
erros de revisão e de continuidade.
Além de trabalhar por anos em dois originais imensos, o editor assumiu inúmeras
vezes a responsabilidade de resolver a vida amorosa e emocional do seu autor,
incentivando-o continuamente a não abandonar tudo. Perkins ainda acompanhou Wolfe
em longas bebedeiras e périplos por bares de Nova York, ou nas cidades em que se
encontravam. Duas vezes teve que cumprir um dos passatempos preferidos do “lobo
solitário”: voltar aos apartamentos onde escrevera suas obras-primas, mesmo que para
entrar nesses locais fosse necessário subir pelas escadas de incêndio externas e pular a
janela em moradias, na ocasião ocupadas por terceiros.
Com tudo isso, o amor entre duas pessoas tão diversas quanto complementares
terminaria em briga – com um rompimento unilateral; claro, por parte de Wolfe. Antes
disso, o autor de Look Homeward, Angel dedicará a Perkins seu segundo livro, Of Time
and the River, com um parágrafo afetivo que o editor gostaria de ter rejeitado, por duas
razões: em primeiro lugar, por modéstia; mas também por pressentir que aquela
dedicatória representava um sinal de que, em seguida, Wolfe iria se voltar contra ele. O
“lobo solitário” já havia feito isso com Aline Bernstein, uma mulher mais velha que
Wolfe teve como amante por muitos anos e que fora muito importante em momentos
difíceis da vida do escritor.
Numa relação tão peculiar, onde há uma entrega ilimitada por parte do editor e onde
este tem a obrigação de tornar invisíveis ou pretender inexistentes suas contribuições, a
chance de problemas e rompimentos futuros é enorme. Há também a dificuldade de
alguns autores de reconhecer que um editor, muitas vezes mais jovem (esse não é o caso
de Wolfe e Perkins), assumiu papel tão paternal e protetor na vida deles, e durante tão
longo tempo. A interpretação do que seria a relação com um pai mais jovem poderia dar
um nó na cabeça dos psicanalistas, ou mesmo ser assunto para as mais intrincadas
reuniões de psicólogos de todos os matizes.
A reverência à importância do autor e do leitor – como os polos que devem, de fato,
ter voz na cadeia de edição de um livro – gera uma obrigação de humildade por parte
dos editores que é tão fundamental como também difícil de ser digerida. Quando é o
editor que não aguenta o anonimato ou não possui a humildade necessária à função, o
problema caminhará inexoravelmente para uma só direção. Por não saber cumprir o seu
papel de intermediário e não saber controlar seu ego, o editor em questão perderá o
principal patrimônio da sua editora num prazo curto e ponto final. Verá seus autores
partirem, procurando um local em que a competição se dá entre iguais e não entre editor
e editado. Mas o curioso é que muitas vezes a dificuldade vem da parte dos autores, já
que aceitar a entrega de um editor – no modelo de Max Perkins, por exemplo – nem
sempre é fácil. Implica o exercício da modéstia e o espírito de grupo, justamente numa
arte produzida individualmente, nos recônditos da mais profunda solidão. Foi este o
caso de Wolfe com Perkins. O escritor se voltou contra o pai, ou contra a amante, de
quem não aguentava mais receber tanto.
A Perkins foi perguntado, mais de uma vez, por que nunca pensara em se tornar
escritor, depois de um trabalho criativo tão intenso junto a seus autores. A resposta veio
direta:
– Porque sou editor!
No entanto, não há mais muitos exemplos como esse, que tenho citado aqui quase à
exaustão. Ou talvez não tenham existido tantos Perkins através dos tempos, espalhados
pelo mundo editorial.
Alberto Manguel questiona, em um artigo incluído em sua coletânea de ensaios
intitulada No bosque do espelho, se a participação de um editor, nos moldes de Perkins,
é favorável aos livros ou não. Manguel – um escritor com quem, em geral, tenho mais
concordâncias do que discordâncias – não fala apenas do editor de Fitzgerald, mas
destaca o caso dos versos que Ezra Pound, enquanto editor, eliminou do grande poema
épico de T.S. Eliot The Waste Land. Com base nos trechos suprimidos, Manguel afirma
preferir o poema de Eliot em sua forma original, sem a intervenção de Pound. Ao optar
por tal exemplo e basear-se também na postura intelectualmente frágil de alguns
editores da atualidade, o ensaísta argentino despreza o que de melhor um editor pode
dar aos seus autores: a entrega total, desde a mais minuciosa leitura, até a resolução de
problemas muitas vezes externos à literatura, sem os quais os escritores não conseguem
criar. É bem verdade que um editor cheio de vontade autoral pode muito bem atrapalhar
livros que dele não precisam, e que a empáfia com que muitos colegas encaram a
profissão é preocupante. Mas tenho que partir dos bons exemplos e defender quem sabe
desempenhar a profissão com plenitude e sensibilidade.
O caso dos versos cortados por Pound do poema de Eliot me fez lembrar que este
último, depois de breve experiência na vida bancária, foi convidado por George Faber a
se transformar em editor da Faber & Faber, cargo que exerceu por largo tempo. Não
existem tantas histórias sobre o Eliot editor, a não ser a famosa recusa dos originais de
Orwell, que já mencionei em outro post. Eliot foi majoritariamente um editor de poesia,
mas acabou, de forma involuntária, tendo papel fundamental para que a sua editora
vivesse muito bem, por décadas a fio. Não que ele tenha legado livros excepcionais na
área comercial ou que tivessem assegurado o futuro dessa casa, que é das últimas
editoras independentes do mundo anglo-saxão. O futuro da Faber foi garantido no
momento em que Andrew Lloyd Weber, o mago dos musicais da Broadway, muitos
anos após a morte de Eliot, resolveu levar para a Broadway um livro de poemas sobre
felinos escrito pelo autor, criando o mega-hit Cats. A Faber & Faber manteve-se
independente num ambiente dominado pelas grandes corporações e grande parte de seus
ganhos, até poucos anos atrás, vieram dos royalties advindos da bilheteria de Cats,
pagos diretamente à editora.
Há ainda uma anedota curiosa acerca desta importante editora inglesa que gostaria
de contar. George Faber era inicialmente sócio de sir Maurice e lady Gwyer na Faber &
Gwyer. Com a saída da família Gwyer, resolveu rebatizar sua editora com dois Fabers e
não apenas um. Segundo a lenda, ele teria feito isso para dar a impressão de que tinha
outro sócio, em quem poderia jogar a culpa da recusa dos originais que decidiria não
publicar.
De volta ao tema deste post, me ocorre que, em muitos casos em que rompimentos
acontecem, eles se dão porque não há mais tanta empatia entre a obra do autor e a linha
da editora em questão. Como numa relação amorosa, o editor, acostumado à entrega
quase incondicional, não percebe que seu amor não é mais o mesmo e continua, mesmo
assim, desejando publicar a obra do autor. Ou quer mantê-la, menos pelos livros que
estão por vir, do que pelo que já foi feito em comum no passado. Ou ainda, por conta do
ciúme de ver seu autor em outra editora, onde eventualmente terá mais êxito do que
aquele que pôde lhe proporcionar em sua casa de publicações. É difícil para o
editor/amante reconhecer que o amor murchou, ou que este depende mais do passado do
que do presente. Essa talvez seja uma das razões por que boa parte dos rompimentos
se dê por iniciativa do autor. Não estou referindo-me aqui a rompimentos puramente
comerciais, que acontecem por iniciativa dos dois lados. A saída do autor é dolorosa,
mas o dia seguinte nem sempre é tão difícil como havia imaginado o editor. Em muitos
casos, a literatura já havia abandonado o casal, não havendo qualquer outro desejo
capaz de mantê-los unidos para todo o sempre.

Disponível em: http://www.blogdacompanhia.com.br/conteudos/visualizar/Fica-o-escrito-por-nao-escrito-


ou-o-casamento-do-editor-com-o-autor-ate-que-a-literatura-os-separe. Acesso em 2/1/2017.

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