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BOWLBY, John.

Formação e rompimento dos laços


afetivos. São Paulo: Martins Fontes,
1982.

Formação e rompimento dos laços afetivos. Série Psicologia e Pedagogia.


Coordenação editorial: Luis Lorenzo Rivera.
Aprender a Sentir – Sentir para Aprender – Harold C. Lyon Jr. Orientação
Vocacional – A Estratégia Clínica – Rodolfo Bohoslavsky. Carl Rogers: O
Homem e suas Ideias – Richard I. Evans
Tornar-se Pessoa – Carl R. Rogers.
O Primeiro Ano de Vida – René A. Spitz. O Não e o Sim – René A. Spitz.
A Entrevista de Ajuda – Alfred Benjamin.
O Tratamento clínico da Criança-Problema – Carl R. Rogers.
Grupos de Encontro – Carl R. Rogers. Sobre o Poder Pessoal – Carl R. Rogers.
Ciência e Comportamento Humano – B. F. Skinner. A Família como Paciente –
Horst E. Richter.
A Formação do Ego – René A. Spitz. Temas de Psicologia – José Bleger.
A Imagem do Corpo – Paul Schilder.
O Processo Psicodiagnóstico e as Técnicas Projetivas – M. L. S. de Ocampo, M.
E. G. Arzeno, E. G. de Piccolo e colaboradores. Cuidados Maternos e Saúde
Mental – John Bowlby.
Teoria do Vínculo – E. Pichon-Rivière.
Formação e Rompimento dos Laços Afetivos – John Bowlby.
O Processo Grupal – E. Pichon-Rivière. John Bowlby.
Formação e rompimento de laços afetivos. Tradução – Álvaro Cabral.
Revisão – Luis Lorenzo Rivera. Livraria Martins Fontes Editora Ltda.

Título original: The Making and Breaking of Affectional Bonds © 1979 R. P. L.


Bowlby and others.

1a edição brasileira: outubro de 1982.

CIP-Brasil. Catalogação na Publicação, Câmara Brasileira de Livro. SP.


Bowlby, John. 1907
Formação e rompimento dos laços afetivos / John Bowlby; tradução Álvaro
Cabral; revisão Luiz Lorenzo Rivera. São Paulo: Martins Fontes, 1982.
(Psicologia e pedagogia).
1. Crianças – Desenvolvimento 2. Pais e filhos 3. Psicologia infantil 4. Relações
interpessoais 5. Separação (Psicologia) 1. Título.
82-1553 CDD-155.418.
Índices para catalogo sistemático:
1. Crianças: Desenvolvimento afetivo: Psicologia infantil 155.418.
2. Crianças: Relações familiares: Psicologia infantil 155.418.
3. Laços afetivos: Crianças: Influencia no desenvolvimento: Psicologia infantil
155.418.
4. Pais e filhos: Relações: Psicologia infantil 155.418.
5. Rompimento afetivo: Crianças: Influência no desenvolvimento: Psicologia
infantil 155.418.
6. Separação familiar: Crianças: Influência no desenvolvimento: Psicologia
infantil 155.418.

Produção gráfica: Nilton Thomé.


Assistente de produção: Carlos Tomio Kurata.
Composição: Lúcia Spósito.
Revisão tipográfica: Gilda Tomiko Hara.
Paste-up: José Saris Jr. Capa: Vitonno C. Martins.

Todos os direitos desta edição reservados à LIVRARIA MARTINS FONTÉS


EDITORA LTDA. Rua Conselheiro Ramalho, 330/340
01325 – São Paulo – SP – Brasil.

A MEUS COLEGAS DE PESQUISA.


Mary Salter Ainsworth.
Anthony Ambrose. Mary Boston.
Dorothy Heard. Christoph Heinicke.
Colin Murray Parkes. James Robertson.
Dina Rosenbluth.
Rudolph Schaffer.
Ilse Westheimer.
Prefácio.

De tempos em tempos, ao longo dos últimos vinte anos, fui convidado


para falar a colegas, ou a um público mais numeroso, em alguma ocasião formal.
Esses convites proporcionaram-me uma oportunidade para um reexame crítico
dos resultados de pesquisas e para descrever, em linhas gerais, o pensamento
atual.
No presente volume, foram selecionadas para reimpressão algumas
dessas conferências e contribuições para simpósios, na esperança de que possam
fornecer uma introdução às ideias que são expostas sistematicamente nos três
volumes recém-concluídos sob o título geral de Attachment and Loss (*1). Como
cada conferência ou contribuição foi dirigida a um público particular numa
ocasião particular, achei preferível reeditá-las em sua forma original, em vez de
tentar qualquer revisão substancial. Portanto, cada uma delas é publicada numa
forma próxima daquela em que foi originalmente divulgada, com um parágrafo
introdutório que descreve a ocasião e o público. Aproveitou-se a oportunidade
para corrigir a gramática e padronizar a terminologia e as referências; e foram
acrescentadas algumas notas explicativas entre colchetes, sempre que pareceram
necessárias. Toda vez que uma afirmação exigia modificação ou ampliação, à
luz de novas provas ou novos estudos, acrescentei um comentário e forneci
referências complementares (remetendo frequentemente o leitor para um dos
volumes de Attachment and Loss) numa anotação no final do capítulo. Foi
omitida uma seção do Capítulo 3 por razões explicadas no texto.

Nota de rodapé:
(*1). A ser publicado por esta editora sob o título de Ligação e Perda. VII
Meu interesse pelos efeitos de diferentes formas de experiência familiar
sobre uma criança em desenvolvimento começou em 1929, quando trabalhei
durante seis meses no que hoje se chamaria uma escola para crianças
desajustadas. Uma década depois, após completar minha formação psiquiátrica
e psicanalítica, e trabalhar durante três anos na London Child Guidance Clinic,
apresentei algumas observações num artigo intitulado “The Influence of Early
Environment on the Development of Neurosis and Neurotic Character” [A
Influência do Meio Ambiente Inicial no Desenvolvimento da Neurose e do
Caráter Neurótico] (1940); e estava também coligindo material para a
monografia “Forty-Four Juvenile Thieves” [Quarenta e Quatro Delinquentes
Juvenis] (1944, 1946). Foram muitas as razões pelas quais, depois da guerra,
escolhi como campo especial de estudo a remoção de uma criança do lar para
uma creche ou hospital, e não mais o amplo campo da interação pais-filhos. Em
primeiro lugar, era um evento que, acreditava eu, poderia ter efeitos perniciosos
sobre o desenvolvimento da personalidade de uma criança. Em segundo lugar,
não poderia haver dúvidas sobre o fato, o que contrasta enormemente com a
dificuldade em obter informação válida sobre como os pais tratam uma criança.
Em terceiro lugar, parecia ser um campo onde poderiam ser possíveis medidas
preventivas.
Embora nessa pesquisa tenha me esforçado constantemente para aplicar
o método científico, estive sempre profundamente cônscio de que, como em
outros campos da medicina, quando um psiquiatra empreende um tratamento ou
tenta a prevenção, ele deve ir, com frequência, além do que é cientificamente
aceitável. A distinção entre os critérios necessários em pesquisa e os aceitáveis
em terapia e prevenção nem sempre é entendida, e resulta em muita confusão.
Numa conferência recente, “Psychoanalysis as Art and Science” [Psicanálise
como Arte e Ciência] (1979), tentei deixar clara a minha posição.
A minha dívida para com muitos colegas que colaboraram comigo ao
longo dos anos, e a quem este volume é dedicado, será salientada nas próprias
conferências que se seguem. Estou profundamente grato a todos eles. Também
estou muito grato à minha secretária, Dorothy Southern, que trabalhou desde o
início em cada uma dessas conferências, em suas numerosas versões e rascunhos,
e o fez com infatigável cuidado e inquebrantável entusiasmo.
Índice.

1. Psicanálise e cuidados com a criança (1956-8) 1.


2. Abordagem etológica da pesquisa sobre desenvolvimento infantil (1957) 23.
3. O luto na infância e suas implicações para a psiquiatria (1961) 41.
4. Efeitos sobre o comportamento do rompimento de um vínculo afetivo (1967-8) 63.
5. Separação e perda na família (1968-70) 77.
6. Autoconfiança e algumas condições que a promovem (1970-3) 97.
7. Formação e rompimento de vínculos afetivos (1976-7) 119.
Referências 151.
Índice de nomes 163.
1. Psicanálise e cuidados com a criança *(1).

Em abril e maio de 1956, como parte das comemorações do centenário


do nascimento de Freud, membros da Sociedade Psicanalítica Britânica
promoveram seis conferências públicas em Londres sobre “Psicanálise e
Pensamento Contemporâneo”. Fui convidado a proferir uma delas sobre
“Psicanálise e Cuidados com a Criança”. As conferências foram publicadas dois
anos depois.
Talvez nenhum outro campo do pensamento contemporâneo mostre mais
claramente a influência da obra de Freud do que o que se refere aos cuidados
com a criança. Embora sempre tenha havido aqueles que sabem ser a criança o
pai do homem e o amor materno algo indispensável ao bebê em crescimento,
antes de Freud essas verdades antiquíssimas nunca tinham sido temas de
investigação científica; portanto, eram prontamente postas de lado como sendo
sentimentalismo sem fundamento válido. Freud não só insistiu no fato óbvio de
que as raízes de nossa vida emocional mergulham na infância, como também
procurou explorar de um modo sistemático a ligação entre acontecimentos dos
primeiros anos de vida e a estrutura e funcionamento da personalidade adulta.
Embora, como todos sabemos, as formulações de Freud tenham
encontrado muita oposição – ainda recentemente, em 1950, psiquiatras
eminentes nos diziam não haver provas de que o que acontece nos primeiros
anos de vida é importante para a saúde mental –, muitas de suas proposições
básicas são tomadas como certas.

Nota de rodapé:
*(1). Originalmente publicado em Sutherland, J. D. (org.), Psychoanalysis and Contemporary
Thought. Londres: Hogarth Press. Reproduzido com autorização da Hogarth Press.

1
Não só vemos revistas populares, como Picture Post *(1), informarem
seu público de que “a criança infeliz se converte no infeliz adulto neurótico” o
que importa é “o comportamento daqueles entre os quais uma criança cresce...
e, nos primeiros anos, especialmente o comportamento da mãe”; mas essas
opiniões tiveram eco nas publicações oficiais. O Home Office [do Ministério do
Interior britânico] (1955), ao descrever o trabalho do seu Departamento da
Criança, assinala que “as experiências passadas de uma criança desempenham
um papel vital em seu desenvolvimento, e continuam sendo importantes para
ela... e adverte que “a finalidade deve se garantir, tanto quanto possível, que cada
bebê seja regularmente cuidado pela mesma pessoa”. Finalmente, existe um
relatório preparado por uma comissão nomeada pelo Ministro da Educação que
trata, de um modo abrangente, de todos os problemas da criança desajustada
(Ministério da Educação, 1955). Baseia suas recomendações, inflexivelmente,
em proposições tais como “A pesquisa moderna sugere que as influências mais
formativas são aquelas que a criança recebe antes de iniciar a sua escolaridade,
e que, por essa época, certas atitudes que podem afetar decisivamente todo o seu
desenvolvimento subsequente já adquiriram forma”; e “A felicidade e
estabilidade de uma criança nesse período (o estágio final da infância) ou sua
infelicidade e desajustamento na sociedade ou na escola dependem
predominantemente de uma coisa: a adequação de sua formação nos primeiros
anos de vida”. Ao celebrar-se o centenário do nascimento do fundador da
psicanálise, é apropriado registrarmos essa revolução no pensamento moderno.
Existe hoje, entre os psicanalistas e aqueles que são por eles
influenciados, uma ampla área de concordância, pelo menos quanto a algumas
das questões cruciais que se referem aos cuidados com a criança. Todos
reconhecem, por exemplo, a importância vital de uma relação estável e
permanente com uma mãe (ou mãe-substituta) amorosa durante toda a infância,
e a necessidade de aguardar a maturação antes de arriscar intervenções tais como
o desmame e o treinamento de hábitos pessoais de higiene – e, na verdade, todas
as outras etapas na “educação” de uma criança. Sobre outras questões,
entretanto, existem diferenças de opinião e, em virtude da complexidade e da
relativa novidade do estudo científico desses problemas, seria surpreendente que
não existissem.

Nota de rodapé:
*(1). [Um semanário de grande circulação, subsequentemente suspenso.]

2
Isso causa, com frequência, confusão e perplexidade nos pais,
especialmente os “ávidos de certezas nesta vida”. Como seria bem mais fácil
para todos nós se conhecêssemos s todas ou, pelo menos, a maioria das respostas
ao problema de como criar os nossos filhos! Mas isso está longe de ser a situação
atual e não desejo, nem por um instante, dar a impressão de que é. Entretanto,
acredito que a obra de Freud nos dotou de alguns conhecimentos sólidos e, além
disso, o que talvez seja ainda mais importante, mostrou-nos um modo fecundo
de considerar os problemas que envolvem os cuidados com a criança e procurar
uma compreensão mais profunda dos mesmos.

Ambivalência e sua regulação.

Donald Winnicott, em sua conferência sobre psicanálise e culpa *(1),


discutiu o papel vital, no desenvolvimento humano, do desenvolvimento de uma
capacidade saudável para sentir culpa. Deixou claro que a capacidade para
experimentar um sentimento de culpa constitui atributo necessário da pessoa
saudável. Embora seja desagradável, como a dor física e a ansiedade, é
biologicamente indispensável e constitui parte do preço que pagamos pelo
privilégio de sermos seres humanos. Mostra, depois, como a capacidade para
sentir culpa “implica que a ambivalência seja tolerada” e uma aceitação da
responsabilidade pelo nosso amor e o nosso ódio. Estes temas têm merecido o
profundo interesse dos psicanalistas britânicos, em virtude da influência
preponderante exercida por Melanie Klein. E minha intenção ampliar agora o
exame do papel da ambivalência na vida psíquica – essa tendência inconveniente
que todos possuímos para ficarmos com raiva e, por vezes, com ódio da mesma
pessoa que nos é mais querida – e considerar aqueles procedimentos nos
cuidados com a criança que parecem tomar mais fácil ou mais difícil a uma
criança crescer capaz de regular esse conflito de um modo maduro e construtivo.
Pois acredito que um critério principal para se julgar o valor de diferentes
procedimentos nos cuidados com a criança reside nos efeitos, benéficos ou
adversos, que eles têm sobre a capacidade em desenvolvimento de uma criança
para regular seu conflito de amor e ódio, e, através disso, a capacidade para sentir
de um modo saudável sua ansiedade e culpa.
Façamos uma descrição sucinta das ideias de Freud sobre o tema da
ambivalência. Dos inúmeros temas que são ventilados em toda a sua obra,
nenhum é mais brilhante nem mais persistente do que esse.

Nota de rodapé:
*(1). [Uma conferência anterior na série.]

3
Ele surgiu logo no início da psicanálise. Durante sua investigação dos
sonhos, Freud (1900) percebeu que um sonho em que a pessoa amada morre
indica frequentemente a existência de um desejo inconsciente de que essa pessoa
morra – uma revelação que, embora menos surpreendente do que quando foi
exposta pela primeira vez, talvez não seja hoje menos perturbadora do que há
meio século. Em sua busca da origem desses desejos inoportunos, Freud voltou-
se para a vida emocional da criança e formulou a hipótese – que era, na época,
audaciosa – de que, em nossos primeiros anos de vida, é regra, e não exceção,
sermos impelidos por sentimentos de raiva e ódio, tanto quanto de interesse e
amor, em relação a nossos pais e nossos irmãos. De fato, foi nesse contexto que
Freud apresentou ao mundo, pela primeira vez, os temas, hoje familiares, de
rivalidade entre os irmãos e de ciúme edipiano.
Nos anos que se seguiram à publicação de sua grande obra sobre sonhos,
o interesse de Freud pela sexualidade infantil fez com que o tema da
ambivalência passasse a ocupar um lugar menos proeminente em seus escritos.
Reaparecerá em 1909 quando, num artigo sobre neurose obsessiva, lembra-nos
que “em todas as neuroses, deparamo-nos com os mesmos instintos reprimidos
por trás dos sintomas... o ódio mantém-se reprimido no inconsciente pelo
amor...” Alguns anos depois, a fim de enfatizar o significado fundamental desse
conflito, Freud (1912) introduziu o termo ambivalência, que fora criado
recentemente por Bleuler.
O significado clínico que Freud atribuiu à ambivalência reflete-se em
suas construções teóricas. Na primeira de suas duas principais formulações, o
conflito intrapsíquico tem lugar entre os instintos sexuais e os do ego. Como
nessa época considerava os impulsos agressivos parte integrante dos instintos do
ego, Freud resumiu sua proposição afirmando que “os instintos sexuais e os do
ego desenvolvem facilmente uma antítese que repete a do amor e ódio” (1915).
O mesmo conflito básico reflete-se de novo na segunda de suas formulações – a
que se refere ao conflito entre os instintos de vida e de morte. Nesta terminologia,
verificamos que a ambivalência com que um paciente neurótico se defronta é
considerada por Freud como resultante de uma falha no processo de fusão dos
instintos de vida e de morte, ou a um colapso ulterior da fusão, ou seja, a defusão
(1923). Conclui, portanto, que o problema clínico e teórico crucial está em
compreender como o conflito entre amor e ódio chega a ser satisfatoriamente
regulado ou não.
As opiniões sobre os méritos dessas formulações metapsicológicas de
Freud variam, e continuarão variando ainda por muitas décadas. Por vezes,
pergunto-me se as controvérsias teóricas que essas formulações suscitaram e
estimularam, e a linguagem abstrata em que se expressam, não terão obscurecido
a nudez crua e a simplicidade do conflito que oprime a humanidade – o de se
encolerizar com a pessoa que é mais amada e desejar magoá-la. Essa é uma

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disposição da humanidade que sempre ocupou uma posição central na teologia
cristã, e que é bem conhecida de todos nós em frases coloquiais como “morder
a mão que nos alimenta” e “matar a galinha dos ovos de ouro”. E o tema da
Balada da Prisão de Reading, de Oscar Wilde, da qual um trecho diz:

Yet each man kills the thing he loves, By each let this be heard,
Some do it with a bitter look, Some with a flattering word,
The coward does it with a kiss,
The brave man with a sword! *(1).

É graças a Freud que o significado desse conflito na vida do homem foi


percebido de novo, e é também graças a ele que pela primeira vez é objeto de
investigação científica. Sabemos hoje que o medo e a culpa provenientes desse
conflito estão subjacentes a muitas doenças psicológicas, e a incapacidade para
enfrentar esse medo e essa culpa está subentendida em muitos distúrbios de
caráter, incluindo a delinquência persistente. Embora nosso trabalho deva dar
um grande passo à frente quando as questões teóricas estiverem mais claras,
acredito que, em muitos casos, poderemos progredir bastante usando conceitos
do dia-a-dia, como amor e ódio, e conflito – o inevitável conflito que se
desenvolve em nós quando amor e ódio são dirigidos para uma só e mesma
pessoa.
Ficará claro que os passos dados pelo bebê ou a criança ao avançar no sentido
da regulação dessa ambivalência têm importância decisiva para o
desenvolvimento de sua personalidade. Se a criança seguir um caminho
favorável, ela crescerá consciente de que existem, em seu íntimo, impulsos
contraditórios, mas estará apta a dirigi-los e controlá-los, e a ansiedade e culpa
que eles engendram será suportável. Se o seu progresso for menos favorável, a
criança será assediada por impulsos sobre os quais sente não ter controle ou ter
um controle inadequado; em consequência disso, sofrerá uma ansiedade aguda
com relação à segurança das pessoas que ela ama e também temerá o revide que,
acredita ela, não deixará de cair sobre sua própria cabeça.

Nota de rodapé:
*(1). Tradução literal: “No entanto, mata cada homem a coisa que ama, / Que isto seja ouvido por todos eles, / Alguns
matam com um olhar amargo, / Outros com uma palavra de adulação, / O covarde o faz com um beijo, / O valente com
uma espada!” (N. do T.).

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É nesse caminho que está o perigo – o perigo de a personalidade recorrer
a uma série de manobras, cada uma das quais cria mais dificuldades do que
resolve. Por exemplo, o medo da punição que é esperada como resultado de atos
hostis – e também, é claro, de intuitos hostis, pois nunca é fácil para uma criança
distinguir claramente uns dos outros – acarreta frequentemente mais agressão.
Assim, vemos em inúmeros casos uma criança agressiva agir baseada em que o
ataque é a melhor defesa. Do mesmo modo, a culpa pode levar a uma exigência
compulsiva de demonstrações de amor que a tranquilizem e, quando essas
exigências não são satisfeitas, a novos sentimentos de ódio e, por conseguinte, a
mais culpa. São esses os círculos viciosos que resultam quando a capacidade de
regular o amor e o ódio se desenvolve de modo desfavorável.
Além disso, quando a criança pequena não tem confiança em sua aptidão
para controlar seus impulsos ameaçadores, há o risco de que, inadvertidamente,
recorra a um ou mais dos incontáveis mecanismos psíquicos primitivos e
bastante ineficazes destinados a proteger seus entes queridos de danos e ela
própria da dor de um conflito que parece insolúvel por outros meios. Esses
mecanismos psíquicos, que incluem a repressão de um ou dos dois componentes
do conflito – ora o ódio, ora o amor, e, por vezes, ambos – o deslocamento, a
projeção, a supercompensação e muitos mais, têm, todos, uma coisa em comum:
em vez de o conflito ser trazido para campo aberto e enfrentado pelo que é, todos
esses mecanismos de defesa são evasões e negações de que o conflito existe. Não
admira que sejam tão ineficazes!
Antes de chegarmos ao nosso tema principal – as condições que, na
infância, favorecem ou retardam o desenvolvimento da capacidade de regular o
conflito – quero enfatizar mais uma coisa: não existe nada de mórbido no
conflito. Muito pelo contrário: conflito é, em todos nós, a condição normal de
nossas transações. Todos os dias redescobrimos em nossas vidas que, se
adotarmos um determinado curso de ação, teremos de renunciar a outros que
também são desejados; descobrimos, de fato, que não podemos comer o doce e
ficar com ele. Portanto, em cada dia de nossas vidas, cabe-nos a tarefa de decidir
entre interesses rivais em nosso próprio íntimo, e de regular conflitos entre
impulsos irreconciliáveis.
Outros animais têm o mesmo problema. Lorenz (1956) mostrou que,
antes, pensava-se que somente o homem era vítima de impulsos conflitantes,
mas que hoje sabe-se que todos os animais são constantemente acossados por
impulsos que são mutuamente incompatíveis, como ataque, fuga e abordagem
sexual.
Um excelente exemplo é o pintarroxo no período de acasalamento. *(1)
O macho e a fêmea têm plumagem idêntica – ambos têm o papo vermelho. Na
primavera, o macho delimita um território para si mesmo e tem propensão a
atacar todos os intrusos que tenham papo vermelho. Isso significa que, quando

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uma esposa potencial penetra em seu território, o primeiro impulso do macho é
atacá-la, e o primeiro impulso da fêmea é fugir. Somente quando ela se mostra
arisca é que os impulsos hostis do macho são inibidos e suas respostas de corte
suscitadas. Portanto, nas fases iniciais do namoro, ambos os sexos se encontram
num estado de conflito, o macho dividido entre o ataque e o avanço sexual, a
fêmea entre o flerte e a fuga.
Toda a pesquisa recente em psicologia e biologia demonstrou
incontestavelmente que o comportamento, seja no próprio homem ou em outros
organismos, é resultante de um conflito quase contínuo de impulsos
interatuantes: nem o homem como espécie nem o homem neurótico como um
subgrupo atormentado têm o monopólio do conflito. O que caracteriza o
indivíduo psicologicamente doente é a sua incapacidade para regular
satisfatoriamente seus conflitos.

Condições que geram dificuldade.


O que sabemos, pois, das condições que geram a dificuldade? Não pode
haver dúvida de que uma característica principal do conflito que toma difícil
regulá-lo é a magnitude de seus componentes. No caso de ambivalência, se o
impulso para obter satisfação libidinal *(2) ou o impulso para magoar e destruir
a pessoa amada for extraordinariamente forte, aumentará o problema de regular
o conflito. Freud percebeu isso desde o começo. Logo no início de sua obra,
rejeitou a ideia de que aquilo que distinguia os indivíduos mentalmente sãos dos
menos afortunados era a existência ou a natureza dos conflitos experimentados;
ele sugeriu, pelo contrário, que a diferença reside no fato de os neuróticos
apresentarem, “em escala ampliada, sentimentos de amor e ódio por seus pais, o
que ocorre de modo menos evidente e menos intenso nas mentes da maioria das
crianças” (1900). Este é um ponto de vista que foi abundantemente confirmado
pelo trabalho clínico dos últimos cinquenta anos.
Portanto, uma chave para os cuidados com a criança é tratá-la de tal maneira que
nenhum dos dois impulsos que põem em perigo a pessoa amada – a voracidade
libidinal e o ódio – se tome demasiado intenso.

Nota de rodapé:
*(1). [Referência ao pintarroxo europeu, n5o ao americano.]
*(2). Neste parágrafo e nos seguintes, uso a terminologia tradicional quando em refiro a “existências libidinais” ou
“necessidades libidinais”. Hoje, prefiro referir-me ao desejo de ligação de uma criança ou, talvez, á “busca de uma
ligação segura” da criança.

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Ao contrário de alguns analistas que são pessimistas quanto ao vigor
inato dos impulsos de uma criança, acredito que essa condição é, na maioria das
crianças, resolvida com relativa facilidade, contanto que elas tenham pais
carinhosos. Se um bebê tem o amor e a companhia de sua mãe e logo também a
de seu pai, ele crescerá sem uma pressão exagerada de anseios libidinais e sem
uma propensão irresistível para odiar. Se não tiver essas coisas, seus anseios
libidinais provavelmente serão muito elevados, o que significa que o bebê estará
procurando constantemente amor e afeição, e será continuamente propenso a
odiar aqueles que não conseguem – ou lhe parecem não conseguir – dar-lhe o
afeto que ele tanto deseja.
Embora a necessidade irresistível que uma criança tem de amor e
segurança seja hoje um fato muito conhecido, há quem proteste contra isso. Por
que haveria um bebê de fazer tais imposições? Por que não pode ficar satisfeito
com menos cuidados e atenções? Como poderemos arranjar as coisas de modo
que os pais tenham tempos mais tranquilos e menos sobrecarregados? Talvez um
dia, quando soubermos mais a respeito das necessidades libidinais de uma
criança pequena, estejamos aptos a descrever de um modo mais preciso os seus
requisitos mínimos. Entrementes, será aconselhável respeitar as suas
necessidades e compreender que negá-las equivale frequentemente a gerar na
criança forças poderosas de exigências libidinais e a propensão para odiar; e isso
pode, mais tarde, causar grandes dificuldades tanto para ela como para nós.
Não minimizemos os problemas que a necessidade de satisfazer as
exigências de seus bebês cria para as mulheres. Em tempos idos, quando a
educação superior lhes era vedada, havia menos conflito entre as exigências da
família e da carreira, embora a frustração para mulheres competentes e
ambiciosas fosse grande. Hoje, as coisas são muito diferentes. As mulheres
ingressam em profissões onde passaram a desempenhar um papel indispensável.
Com efeito, em todos os campos ligados à saúde e ao bem-estar infantil, elas têm
figurado entre os nossos líderes. Esse progresso, entretanto, como todo o
crescimento e desenvolvimento, acarretou suas próprias tensões, e muitas
leitoras conhecerão pessoalmente o problema das exigências conflitantes de
família e carreira. A solução não é fácil e – nem fica bem para aqueles que, entre
nós, têm a sorte de não se defrontarem com o problema – ditar as leis com que o
outro sexo deveria resolvê-lo. Esperemos que, com o correr do tempo, a nossa
sociedade, ainda predominantemente organizada segundo as conveniências dos
homens e pais, se ajuste às necessidades das mulheres e mães, e que as tradições
sociais evoluam de modo a guiar os indivíduos num rumo esclarecido de ação.
Voltemos agora ao nosso tema e vejamos o que acontece quando, por
qualquer razão, as necessidades de um bebê não são suficientemente satisfeitas
no momento certo. Há alguns anos venho investigando os efeitos nocivos que
acompanham a separação de crianças pequenas de suas mães, depois que entre

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elas se formaram relações emocionais. Foram muitas as razões pelas quais
escolhi esse tópico para as minhas pesquisas: em primeiro lugar, os resultados
têm aplicação imediata e valiosa; em segundo lugar, é uma área em que podemos
obter dados comparativamente sólidos e, assim, mostrar àqueles que ainda são
hiper-críticos da psicanálise que esta possui boas razões para reivindicar o status
científico; finalmente, a experiência de uma criança pequena, ao ser separada de
sua mãe, fornece-nos um exemplo dramático, quando não trágico, desse
problema central da psicopatologia – a geração de um conflito de tal envergadura
que os meios normais para resolvê-lo são destroçados.
Parece existir agora uma razoável certeza de que é por causa da
intensidade da demanda libidinal e do ódio gerados que a separação de uma
criança de sua mãe, depois que formou com ela uma relação emocional, pode
acarretar efeitos tão devastadores para o desenvolvimento de sua personalidade.
Conhecemos há vários anos a saudade intensa e a agitação que tantas crianças
pequenas manifestam quando da internação num hospital ou instituição
residencial, e o modo desesperado como, mais tarde, depois que seus
sentimentos acalmaram com o regresso ao lar, se agarram a suas mães e as
seguem obstinadamente. O aumento de intensidade de suas exigências libidinais
não precisa ser enfatizado. Também tomamos conhecimento do modo como
essas crianças rejeitam suas mães quando voltam a vê-las pela primeira vez, e as
acusam amargamente por as terem abandonado.
Muitos exemplos de intensa hostilidade contra a figura mais amada
foram registrados por Anna Freud e Dorothy Burlingham nos relatórios das
Hampstead Nurseries durante a guerra. Um exemplo particularmente pungente
é o de Reggie, que, com exceção de um intervalo de dois meses, passou toda a
sua vida em creches desde os cinco meses de idade. Durante a sua estada, ele
formara “duas relações apaixonadas com duas jovens assistentes que cuidaram
dele em diferentes períodos. A segunda ligação foi subitamente quebrada aos
dois anos e oito meses, quando a ‘sua’ assistente casou. Reggie sentiu-se
completamente perdido e desesperado quando ela saiu, e recusou-se a olhá-la
quando, quinze dias depois, ela o visitou. Virou a cabeça para o outro lado
quando ela lhe falou, mas fixou os olhos na porta, que a moça fechou ao sair. À
noite, sentou-se na cama e disse: ‘Minha, muito minha Mary-Ann! Mas não
gosto dela’”. (Burlingham e Freud, 1944:51.)
Experiências como essa, especialmente se repetidas, levam a um
sentimento de desamor, abandono e rejeição. São esses sentimentos que se
expressam nos poemas tragicômicos de um delinquente de onze anos cuja mãe
morreu quando ele estava apenas com quinze meses de idade e que, a partir de
então, conhecera numerosas mães-substitutas. Eis alguns dos seus versos (não
estou certo se originais ou não), escritos durante o seu tratamento com a minha

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colega, Yana Popper, os quais parecem expressar o que ele achava ser a razão
de ter passado sucessivamente de uma figura materna para outra:

Jumbo had a baby dressed in green,


wrapped it up in paper and sent it to the Queen.
The Queen did not like it because it was too fat, She cut it up in pieces
and gave it to the cat.
The cat did not like it because it was too thin, She cut it up in pieces and
gave it to the King.
The King did not like it because he was too slow, Threw it out the
window and gave it to the crow. *(1).

Mais tarde, quando a sua terapeuta saiu de férias, ele exprimiu, na letra
de uma canção tradicional, o seu desespero por não ser amado:

Oh, my little darling, 1 love you;


Oh, my little darling, 1 don ‘t believe you do.
If you really loved me, as you say you do,
You would not go to America and leave me at the Zoo. *2).

Dificilmente surpreenderá que um desespero tão intenso esteja


conjugado com um ódio igualmente intenso. Quanto mais Reggie se sentia
ligado à sua terapeuta, mais propenso era a explosões de ódio violento, algumas
das quais chegavam a ser quase perigosas. Parecia evidente que as repetidas
separações em seus primeiros anos de vida tinham gerado nesse menino a
tendência a uma intensa ambivalência, de tal amplitude, que o seu equipamento
psíquico imaturo fora incapaz de regular harmoniosamente, e que os padrões
patológicos de regulação adotados em seus primeiros anos persistiram.

Nota de rodapé:
(1). Tradução literal: “Jumbo teve um bebê vestido de verde / embrulhou-o e mandou-o à Rainha. / A Rainha não gostou
dele por ser muito gordo, / Cortou-o em pedacinhos e deu-o ao gato. / O gato não gostou porque ele era muito magro, /
Cortou-o em pedacinhos e deu-o ao Rei. / O Rei não gostou porque ele era muito lento, /Jogou-o pela janela e deu-o ao
corvo.” (N. do T.).
*(2). Tradução literal: “Oh, meu benzinho, eu te amo;/ Oh, meu benzinho, não acredito que você me ame. / Se realmente
me amasse como diz, / Não iria para a América, deixando-me no zoo”. (N. do T.).

10
Outras provas do modo como a separação da mãe provoca numa criança
pequena intensa necessidade libidinal e ódio são fornecidas por um estudo do
meu colega Christoph Heinicke (1956). Ele comparou as respostas de dois
grupos de bebês entre 15 e 30 meses de idade; um grupo estava numa instituição
residencial, o outro, numa creche diurna. Embora as crianças de ambos os grupos
mostrassem preocupações em recuperar os pais perdidos, os da instituição
residencial expressaram seus desejos com muito mais choro – em outras
palavras, mais intensamente; do mesmo modo, as crianças da instituição
residencial, e não as da creche, foram as que, em várias situações, se mostraram
propensas a agir de forma violentamente hostil. Embora seja apenas uma
inferência que essa hostilidade é inicialmente dirigida contra os pais ausentes,
certos dados desse estudo estatisticamente fundamentado são compatíveis com
a hipótese, formulada há alguns anos (Bowlby, 1944), de que um dos principais
efeitos da separação mãe-criança é uma grande intensificação do conflito de
ambivalência.
Até aqui, ao considerarmos o que concorre para dificultar a regulação da
ambivalência, nos primeiros anos da infância, concentramos a atenção em
experiências, como a privação materna, que conduzem ao anseio libidinal e ao
ódio em níveis particularmente elevados. Existem muitos outros eventos, além
desse, que podem, naturalmente, ocasionar problemas. A vergonha e o medo,
por exemplo, também podem gerar grandes dificuldades. Nada ajuda mais uma
criança do que poder expressar francamente, de um modo direto e espontâneo,
seus sentimentos de hostilidade e ciúme; e não existe, creio eu, tarefa parental
mais válida do que ser capaz de aceitar com serenidade expressões de devoção
filial tais como “Detesto você, mamãe”, ou “Papai, você é um bruto”. Ao
tolerarmos tais explosões, mostramos aos nossos filhos que não tememos essas
manifestações hostis e que confiamos em que podem ser controladas; além disso,
propiciamos à criança a atmosfera de tolerância e compreensão em que o
autocontrole pode desenvolver-se.
Alguns pais acham difícil que tais métodos sejam eficazes ou sensatos, e
pensam que se deveria inculcar nas crianças que o ódio e o ciúme não são apenas
coisas ruins, mas potencialmente perigosas. Há dois métodos comuns para fazer
isso. Um deles é a expressão veemente de reprovação por meio do castigo; o
outro, mais sutil e explorando o sentimento infantil de culpa, consiste em incutir
na criança a certeza de que está sendo ingrata, e indicar-lhe o sofrimento, físico
e moral, que tal comportamento causa em seus dedicados pais. Embora ambos
os métodos pretendam controlar as paixões malignas da criança, a experiência
clínica sugere que nem um nem outro é muito bem-sucedido na prática, e que
ambos acarretam um pesado ônus de infelicidade.

11
Os dois métodos tendem a fazer com que a criança receie seus
sentimentos e se culpe por eles, levando-a a recalcá-los e, assim, tornando-lhe
mais (e não menos) difícil controlá-los. Ambos tendem a criar personalidades
difíceis: o primeiro – a punição – gerando rebeldes e, se for muito severo,
delinquentes; o segundo – a vergonha – neuróticos carregados de sentimento de
culpa e de ansiedade. Assim é na política, assim é com as crianças: a longo prazo,
a tolerância da oposição paga belos dividendos.
Sem dúvida, muito do que foi dito até aqui é terreno conhecido: as
crianças necessitam de amor, segurança e tolerância. Tudo isso está muito certo,
dirão, os leitores, mas quer dizer que nunca podemos frustrar nossos filhos e
devemos deixar que eles façam tudo o que quiserem? Toda essa evitação da
frustração somente levará, dirão ainda, a que eles cresçam como filhos bárbaros
de pais espezinhados e oprimidos. Acredito que isso seja uma conclusão que
nada tem a ver com as premissas; mas como se trata de uma conclusão usada tão
comumente, vale a pena ocuparmo-nos dela em maior detalhe.
Em primeiro lugar, as frustrações realmente importantes são as que
dizem respeito à necessidade que a criança tem de amor e atenção por parte dos
pais. Desde que essas necessidades sejam satisfeitas, as frustrações de outras
espécies importam muito pouco. Não que sejam particularmente boas para a
criança. Com efeito, uma das artes de ser um bom pai ou uma boa mãe reside na
habilidade para distinguir as frustrações evitáveis das inevitáveis. Uma
quantidade imensa de atrito e raiva em crianças pequenas, e de perda de
paciência por parte dos pais, pode ser evitada por procedimentos simples como
apresentar um brinquedo atraente antes de intervir para retirar das mãos da
criança a melhor peça de porcelana da mãe, ou atraí-la para a cama com
insinuante bom humor em vez de exigir a pronta obediência, ou permitir-lhe que
escolha a sua própria dieta e coma ao seu próprio jeito, incluindo, se ela assim o
desejar, o uso da mamadeira até os dois anos de idade ou mais. A quantidade de
ansiedade e irritação que resultam da expectativa de que crianças pequenas se
conformem às nossas próprias ideias sobre o que, como e quando devem comer
é ridícula e trágica – ainda mais por dispormos hoje de tantos estudos minuciosos
que demonstram a eficiência com que bebês e crianças pequenas podem regular
suas próprias dietas, e a conveniência e comodidade que resultam para os pais
quando esses métodos são adotados (Davis, 1939).
Admitido, entretanto, que existem muitas situações em que a frustração
de uma criança pode ser evitada sem inconvenientes para nós e com efeitos
benéficos sobre o estado de ânimo de todos, há outras situações em que não pode.
O fogo é perigoso, a porcelana quebra, a tinta mancha tapetes, uma faca pode
ferir uma outra criança e ferir também a própria criança. Como evitaremos essas
catástrofes? A primeira regra é organizar a casa de modo que os fósforos e outros
artigos combustíveis estejam sempre guardados, e que as porcelanas, facas e

12
tintas fiquem sempre fora do alcance. A segunda é a intervenção cordial, mas
firme. É curioso como tantos adultos inteligentes pensam que a única alternativa
para deixar uma criança correr solta é infligir-lhe castigos. Uma política de
intervenção firme, mas amistosa, sempre que uma criança estiver fazendo
alguma coisa que queremos impedir, não só cria menos azedume do que uma
punição, mas, a longo prazo, é muito mais eficaz. Creio que uma das grandes
ilusões da civilização ocidental é a eficácia do castigo como um meio de
controle. Para crianças mais velhas e adultos, a punição tem seus usos como
auxiliar de outros métodos; acredito que, nos primeiros anos, o castigo é
despropositado por ser desnecessário e porque pode criar, através da ansiedade
e do ódio, males muito maiores do que aqueles que pretendia curar.
Felizmente, com os bebês e as crianças de pouca idade, que são muito
menores do que nós, a intervenção amistosa é fácil; num abrir e fechar de olhos,
podemos agarrar uma criança e levá-la para longe do lugar de perigo. O preço
que isso exige é a nossa presença quase constante, um preço que aconselhamos
os pais a pagarem. Em todo caso, não tem qualquer fundamento a ideia de que
as crianças pequenas podem ser disciplinadas para obedecer a regras, de modo
que se mantenham na linha, mesmo em nossa ausência. As crianças rapidamente
aprendem a saber do que é que nós gostamos e não gostamos, mas não possuem
o equipamento psíquico necessário para satisfazer sempre os nossos desejos em
nossa ausência. A menos que se aterrorize uma criança ao ponto de levá-la à
inércia, o disciplinamento de nossos filhos está fadado ao fracasso, e aqueles que
o tentam só podem esperar frustração e exaustão. Um modelo que exemplifica a
prática da intervenção firme, mas amigável é a professora talentosa de jardim de
infância, e os pais podem aprender muito com os métodos que ela usa.
Cumpre assinalar que essa técnica de intervenção amistosa não só evita
a estimulação da raiva e do azedume, ainda que inconscientes, que acredito
serem inseparáveis da punição, mas fornece à criança um modelo para a
regulação efetiva de seus conflitos. Mostra-lhe que a violência, o ciúme e a
voracidade podem ser dominados por meios pacíficos e que não há necessidade
de recorrer a métodos drásticos de condenação e punição que, quando copiados
por uma criança, podem sofrer distorções e converter-se, por causa de sua
imaginação primitiva, em culpa e implacável autopunição patológicas. Trata-se,
é claro, de uma técnica baseada na concepção que Donald Winnicott nos expôs,
de acordo com os ensinamentos de Melanie Klein – a concepção segundo a qual
existe nos seres humanos a semente de uma moralidade inata que, se tiver
oportunidade de germinar, proporciona à personalidade da criança os alicerces
emocionais do comportamento moral. É uma noção que coloca a par do conceito
de pecado original, do qual a psicanálise descobre tantas provas no coração
humano, o conceito de preocupação original pelo nosso semelhante ou de
bondade original, a qual, se beneficiada por circunstâncias favoráveis, acabará

13
por ganhar a primazia. É uma concepção cautelosamente otimista da natureza
humana, que acredito ser justificada.

Problemas emocionais dos pais.

Vimos até aqui algumas das condições para o cuidado com crianças que
parecem suscetíveis de promover o desenvolvimento saudável da capacidade de
regular o conflito. E o momento adequado para considerar o problema do ponto
de vista dos pais. Poder-se-á perguntar se estamos aconselhando os pais a serem
eternamente amorosos, tolerantes e controladores amistosos. Penso que não... e,
como pai, espero que não. Nós, pais, também temos nossos sentimentos de raiva
e ciúme; e, quer isso nos agrade ou não, é inevitável que eles por vezes se
exprimam, quando não de um modo deliberado, pelo menos inadvertidamente.
É minha convicção, e certamente minha esperança, que, se os antecedentes
gerais de sentimento e relacionamento são bons, uma explosão ocasional de mau
humor ou uma palmada eventual não podem causar sérios danos; isso tem a
vantagem, por certo, de aliviar os nossos próprios sentimentos e, talvez, de
mostrar também aos nossos filhos que temos os mesmos problemas que eles.
Tais expressões espontâneas de emoção, talvez com um pedido subsequente de
desculpas se tivermos ido longe demais, podem distinguir-se nitidamente da
punição, com seu pressuposto formal sobre o certo e o errado. O aforismo de
Bernard Shaw, de nunca bater numa criança, a não ser quando se estiver com a
cabeça quente, é um bom conselho.
Um ponto que aqueles que não são pais devem ter em mente é que sempre
foi muito mais fácil cuidar dos filhos dos outros do que dos próprios. Em virtude
do vínculo emocional que liga a criança aos pais e os pais à criança, as crianças
sempre se comportam de um modo mais “infantil” com seus pais do que com
outras pessoas. Ouve-se com frequência pessoas bem-intencionadas comentarem
que uma certa criança se comporta maravilhosamente com elas, e que o seu
comportamento difícil com a mãe se deve à maneira insensata como esta lida
com o filho; a acusação usual é que a mãe a estraga com mimos! Tais críticas
geralmente são injustificadas e constituem, com muito mais frequência,
manifestações da ignorância de quem critica do que de incompetência dos pais.
Isto é verdadeiro até no mundo das aves. Jovens tentilhões perfeitamente capazes
de se alimentarem por si mesmos, começam imediatamente implorando comida,
de um modo infantil, assim que avistam seus pais.
Os pais, especialmente a mãe, são, pois, pessoas muito caluniadas; receio
que caluniadas sobretudo pelos profissionais, tanto médicos como profissionais
de outras áreas afins. No entanto, seria absurdo pretender que os pais não
cometam erros. Alguns erros nascem da ignorância, mas talvez mais numerosos
sejam os que são fruto dos problemas emocionais inconscientes que têm origem

14
em nossa própria infância. Quando examinamos crianças numa clínica de
orientação infantil, pode parecer que, num certo número de casos, as suas
dificuldades resultam da ignorância dos pais sobre coisas tais como os efeitos
nocivos da privação materna ou da punição prematura e excessiva, mas, com
frequência muito maior, os problemas surgem porque os próprios pais têm
dificuldades emocionais de que só estão parcialmente conscientes e que não
podem controlar. Por vezes, eles leram todos os livros mais recentes sobre
cuidados com crianças e assistiram a todas as conferências de psicólogos, na
esperança de descobrirem a melhor maneira de lidar com seus filhos, mas, apesar
disso, as coisas continuam saindo erradas. De fato, o fracasso de muitos pais
cheios de “ideias psicológicas” na realização de um bom trabalho na criação dos
filhos deixou-os céticos, desvalorizando as ideias. Isso é um erro. O que devemos
entender, contudo, é que o importante não é apenas o que fazemos, mas o modo
como o fazemos. Se a mãe é ansiosa e ambivalente, amamentar quando o bebê
pede acarretará provavelmente mais problemas do que a amamentação rotineira,
regulada pelo relógio, quando a mãe é uma pessoa descontraída e feliz. O mesmo
acontece com os métodos modernos versus métodos antiquados de treinamento
de hábitos de higiene. Isso não significa que os métodos modernos não sejam
melhores; quer dizer que eles são apenas uma parte daquilo que importa, e que
os seres humanos, desde a infância, são mais sensíveis às atitudes emocionais
daqueles que os cercam do que a qualquer outra coisa.
Não há mistério nisso; nem há necessidade de invocar um sexto sentido.
Os bebês são mais sensíveis e estão mais atentos ao significado de tons de voz,
gestos e expressões faciais do que os adultos; e, desde os primeiros dias de vida,
são profundamente sensíveis ao modo como são manipulados *(1). Uma mãe
extremamente ansiosa, de quem estou tratando, disse-me como descobriu que
seu bebê de dezoito meses, de quem se queixa por ser muito chorão e apegado a
ela, reage de maneira muito diferente conforme a maneira como vê a mãe sair
do quarto. Se ela se levanta de um salto e sai correndo para evitar que a panela
que está fervendo derrame, o bebê chora e exige que ela volte. Mas se a mãe sai
do quarto calmamente e sem estardalhaço, ele mal se apercebe de que ficou
sozinho. Além da compreensão intelectual, que eu não menosprezo, é sobretudo
da sensibilidade dos pais para as reações de seu bebê e da capacidade, sobretudo
da mãe, para se adaptar intuitivamente às necessidades dele que nasce uma
prática eficaz de cuidar das crianças.
Isto não constitui novidade nenhuma. Ouvimos frequentemente de
professores e outros profissionais que uma criança está sofrendo por causa da
atitude de um de seus pais, geralmente a mãe. Dizem-nos que a mãe é uma
criatura excessivamente ansiosa ou repressora do bebê, super-possessiva ou
propensa à rejeição, e tais comentários são repetidamente justificados. Mas o que
os críticos geralmente não levam em conta é a origem inconsciente dessas

15
atitudes desfavoráveis. Por conseguinte, os pais desorientados veem-se alvo de
uma mistura de exortação e críticas, cada uma delas mais inútil e ineficaz do que
as outras.
Uma abordagem psicanalítica esclarece a origem das dificuldades
parentais e, ao mesmo tempo, fornece uma base racional para ajudar os pais.
Muitas das dificuldades com que os pais se defrontam, o que não chega a causar
surpresa a ninguém, resultam da sua incapacidade para regular a própria
ambivalência. Quando nos tornamos pais para uma criança, poderosas emoções
são despertadas, emoções tão fortes quanto as que vinculam um bebê à mãe ou
um amante a outro. Nas mães, em particular, existe o mesmo desejo de possessão
completa, a mesma devoção e a mesma renúncia a outros interesses. Mas,
lamentavelmente, a par de todos esses sentimentos deliciosos e ternos, ocorre
também, com excessiva frequência, uma mistura – hesito em dizê-lo – de
ressentimento, e até de ódio. A intrusão de hostilidade nos sentimentos de uma
mãe ou de um pai pelo seu bebê parece tão estranha, tão chocante e, muitas vezes,
tão horripilante, que muita gente terá dificuldade em acreditar. Entretanto, é uma
realidade e, por vezes, uma sombria realidade para um dos pais e para a criança.
Qual é a sua origem?

Nota de rodapé:
*(1). Ver, por exemplo, o relato de Stewart et al. (1954) sobre bebês que choram excessivamente. Verificaram que era
uma resposta às dificuldades que as mães experimentavam em lidar com os filhos de um modo coerente.

16
Embora ainda seja difícil explicar essa hostilidade, parece evidente que
os sentimentos que são despertados em nós quando nos tornamos pais têm muito
em comum com os sentimentos que foram suscitados em nós, quando crianças,
por nossos pais e irmãos. A mãe que sofreu privação pode, se não se tomou
incapaz de sentir afeição, experimentar uma intensa necessidade de possuir o
amor do bebê e fazer tudo o que estiver ao seu alcance para assegurar-se de que
o obtém. A mãe que, quando criança, tinha ciúmes de um irmão mais novo,
poderá experimentar agora uma hostilidade absurda e exorbitante pelo novo e
pequenino “estranho” que veio instalar-se na família. Esse sentimento,
entretanto, é mais comum no pai. A mãe (ou o pai) cujo amor pela própria mãe
era impregnado de antagonismo pelo modo autoritário como, em criança, foi por
ela tratada(o), será passível de irritar-se e abominar o modo como o bebê faz
valer e impõe suas exigências.
Acredito que o problema não reside na simples repetição de antigos
sentimentos – talvez uma certa dose desses sentimentos esteja presente em todos
os pais – mas, sobretudo, na incapacidade parental para tolerar e regular esses
sentimentos. Aqueles que, na infância, experimentaram intensa ambivalência em
relação aos pais ou irmãos, e que recorreram então, inconscientemente, a um dos
muitos mecanismos primitivos e precários de resolver o conflito a que me referi
antes – repressão, deslocamento, projeção, etc. – estão despreparados para a
renovação do conflito quando se tomam pais. Em vez de reconhecerem a
verdadeira natureza de seus sentimentos em relação à criança e de ajustarem seu
comportamento, veem-se instigados e impelidos por forças que ignoram, e
mostram-se perplexos por serem incapazes de agir com todo o amor e paciência
que desejam. A dificuldade deles reside em que o ressurgimento dos sentimentos
ambivalentes está sendo enfrentado, sem que o saibam, pelos mesmos métodos
primitivos e precários a que recorreram em sua própria infância, numa época da
vida em que não dispunham de melhores métodos. Assim, a mãe que está
constantemente apreensiva com a possibilidade de que seu bebê morra, não tem
consciência do impulso em seu próprio íntimo para matá-lo *(1) e, adotando a
mesma solução que adotou na infância em relação a seus desejos de morte contra
a própria mãe, esforça-se obstinadamente, de um modo incessante e infrutífero,
por afastar todos os perigos que possam vir de outros lados: acidentes, doenças,
negligência de vizinhos. O pai que se ressente do monopólio do bebê sobre a
mãe – sua esposa – e insiste em que as atenções dela são escassas, não tem
consciência de que está sendo motivado pela mesma espécie de ciúme que sentiu
na infância quando nasceu um irmão mais novo.
Nota de rodapé:
*(1). Existem muitos e diferentes estados de espírito que podem levar uma mãe a estar constantemente apreensiva temendo que seu bebê
morra, sendo que o desejo inconsciente de matar a criança é apenas um deles. Entre outros estão a perda anterior de um filho pequeno, a
perda de um irmão durante a infância e o comportamento violento do pai da criança. Ver a discussão das fobias nos capítulos 18 e 19 de
Attachment and Loss [Ligação e Perda], volume2.

17
O mesmo é verdade a respeito da mãe impelida a possuir todo o amor de
seu bebê e que, por sua abnegação incansável, tenta assegurar-se de que não é
dada ao bebê nenhuma desculpa para alimentar quaisquer outros sentimentos que
não sejam de amor e gratidão. Essa mãe, que à primeira vista parece ser tão
carinhosa, gera em seu bebê, inevitavelmente, um grande ressentimento em face
de tamanha exigência de amor; e também uma grande culpa em razão das
alegações dela de que é uma mãe tão boa, que não se justifica nenhum outro
sentimento além da gratidão. Comportando-se desse modo, é claro que ela não
tem consciência de que é digna de amor – o amor que ela nunca teve quando era
criança. Quero repetir que, em minha opinião, não é simplesmente o fato de os
pais terem essas motivações que cria as dificuldades para os filhos; o que causa
problemas é os pais ignorarem seus próprios motivos, e recorrerem
inconscientemente à repressão, à racionalização e à projeção, para lidar com seus
próprios conflitos íntimos.
Provavelmente não existe nada mais prejudicial para uma relação do que
uma parte atribuir suas próprias falhas e defeitos à outra, convertendo-a em bode
expiatório. Infelizmente, os bebês e as crianças pequenas são perfeitos bodes
expiatórios, pois manifestam de forma nua e crua todos os pecados de que a
carne é herdeira; são egoístas, ciumentos, sujos, interessados em sexo e
propensos a explosões coléricas, à obstinação e à voracidade. Os pais que
carregam consigo um sentimento de culpa em relação a uma ou outra dessas
fraquezas podem tornar-se extremamente intolerantes diante de suas
manifestações num filho pequeno. Atormentarão a criança com suas tentativas
fúteis para erradicar o vício. Lembro-me de um pai, atormentado a vida inteira
pela masturbação, que tentou impedi-la em seu filho colocando-o sob um
chuveiro frio sempre que o encontrava com a mão nos órgãos genitais. Agindo
desse modo, o pai apenas conseguiu intensificar o sentimento de culpa da
criança, e também o seu medo e aversão à autoridade. Algumas das relações
entre pais e filhos mais envenenadas que levam a graves problemas nas crianças
resultam do fato de os pais verem ciscos nos olhos de seus filhos para não verem
toras nos seus.
Ninguém com orientação psicanalítica que tenha trabalhado numa clínica
de orientação infantil pode ter deixado de se impressionar com a frequência com
que esses e outros problemas emocionais comparáveis ocorrem nos pais de
crianças que foram encaminhadas para tratamento, ou com o elevado grau em
que os problemas dos pais parecem ter criado ou exacerbado as dificuldades das
crianças. Com efeito, são tão frequentes, que em muitas clínicas é dada tanta
atenção aos pais, ajudando-os a resolverem seus problemas emocionais, quanto
às crianças, ajudando-as a resolverem os delas. Portanto, não deixa de ser
interessante pensar que esse é um aspecto da doença psicológica que parece ter
sido quase desconhecido para Freud e, talvez por essa razão, um dos aspectos a

18
que, em minha opinião, os psicanalistas ainda têm que prestar a devida atenção.
Entretanto, acredito que seja um dos mais promissores para o futuro. A limitada
experiência que temos sugere que a ajuda especializada aos pais no s meses
críticos, antes e depois do nascimento, e nos primeiros anos de vida de uma
criança pode ser extremamente importante para ajudá-los a desenvolverem as
relações afetivas e compreensivas, que quase todos eles desejam com o bebê.
Sabemos que os primeiros anos de um bebê, quando, sem que ele o saiba, os
alicerces de sua personalidade são assentados, constituem um período crítico de
seu desenvolvimento. Analogamente, parece que os primeiros meses e anos após
o nascimento de um bebê são um período crítico no desenvolvimento de uma
mãe e de um pai. Na fase inicial, os sentimentos dos novos pais parecem mais
acessíveis do que em outros períodos, a ajuda é frequentemente procurada e bem
recebida, e, como as relações na família ainda são plásticas, essa ajuda é eficaz.
Mesmo que seja relativamente modesta, se for uma ajuda qualificada e oportuna
poderá ter efeitos duradouros. Se o nosso pensamento é correto, então a família
com um novo bebê é um ponto estratégico para quebrar o círculo maligno de
crianças perturbadas que, ao crescerem, convertem-se em pais perturbados que,
por sua vez, lidam com seus filhos de tal modo que a geração seguinte
desenvolverá as mesmas perturbações ou outras semelhantes. As vantagens do
tratamento de crianças pequenas são hoje muito conhecidas; estamos advogando
agora que também os pais deveriam ser ajudados logo depois que tenham
“nascido”.
O pensamento contemporâneo talvez ainda não tenha reconhecido como
uma das principais causas dos erros dos pais a distorção que os conflitos
inconscientes oriundos de sua própria infância acarretam aos sentimentos que
eles nutrem em relação aos filhos. Isso não é apenas perturbador e alarmante
para os pais muitos dos quais têm a esperança natural de ver as dificuldades
familiares em alguma outra parte que não em seus próprios corações –, mas
também é desconcertante para os médicos e outros investigadores profissionais
– que descobrem que muitos dos problemas com que se defrontam situam-se
num domínio aparentemente intangível, sobre o qual não possuem
conhecimentos, nem são treinados para ajudar a resolvê-los. Não obstante, é
evidente que essa é a realidade e, se os pais têm que receber a ajuda esclarecida
que os capacite a se tornarem os bons pais que ambicionam ser, os profissionais
terão que ter uma compreensão maior do conflito inconsciente e do papel que
esse conflito desempenha na criação de distúrbios nos cuidados que os pais
dispensam a seus filhos. Isto suscita um problema de primeira ordem –
demasiado amplo para que possamos considerá-lo neste capítulo.

19
Conflito extrapsíquico e conflito intrapsíqiuco.

O ponto de vista que estou defendendo, como se verá, baseia-se na


convicção de que muita infelicidade e muita enfermidade mental se devem a
influências ambientais, as quais está a nosso alcance mudar. Em psicanálise,
como em outros ramos da psiquiatria, de fato, em todas as ciências biológicas,
discute-se constantemente sobre as contribuições da hereditariedade e da
aprendizagem, sobre o que é inato e o que é adquirido. O nosso problema é
entender por que razão um indivíduo cresce sem grandes dificuldades em sua
vida impulsiva, enquanto um outro é flagelado por esses impulsos. Não pode
haver dúvidas de que variações na dotação hereditária e na influência do meio
ambiente desempenham importantes papéis. O próprio Freud, entretanto, talvez
em razão de sua primeira hipótese ambiental (a referente à influência da sedução
infantil) estar comprovadamente errada, foi cauteloso em incluir variações
ambientais na explicação das dificuldades de seus pacientes; e, à medida que foi
envelhecendo, parecia acreditar cada vez mais que pouco podia ser feito em
termos de mudanças ambientais para mitigar a força do conflito infantil. Muitos
psicanalistas o seguiram nessa noção. Alguns, de fato, não só sustentaram que
aqueles dentre nós que se mostram mais esperançosos estão equivocados, mas
também manifestaram suas apreensões, temendo que a ênfase sobre o significado
do meio ambiente nos faça desviar as atenções do fato crucial do conflito
intrapsíquico. Cumpre admitir que esse perigo existe e que analistas escreveram
livros sobre os cuidados com a criança focalizando principalmente o conflito
extra psíquico, ou seja, o conflito entre as necessidades da criança e as
oportunidades limitadas que o meio ambiente proporciona para a satisfação
dessas necessidades. Embora, como já assinalei, eu acredite que esse conflito
extra psíquico entre necessidades internas e oportunidades externas para
satisfazê-las é bastante real, quero deixar claro que, em minha opinião, ele tem
em si mesmo, importância limitada para o desenvolvimento psíquico. Quanto ao
meio ambiente externo, o que importa é saber em que medida as frustrações e
outras influências impostas por ele desenvolvem o conflito intrapsíquico de tal
forma e com tanta intensidade que o equipamento psíquico imaturo do bebê não
possa regulá-la satisfatoriamente. É com este critério que devemos avaliar os
méritos ou deméritos dos cuidados com crianças, e é abordando o problema
desse modo, creio eu, que a psicanálise tem sua principal contribuição a dar.
Embora eu seja um adepto convicto e entusiasta da noção segundo a qual
as situações concretas que um bebê experimenta têm importância crucial para o
seu desenvolvimento, repito que não desejo dar a impressão de que sabemos hoje
como habilitar todas as crianças a crescerem sem perturbações emocionais. Creio
que já sabemos muita coisa e que, se pudermos aplicar nossos conhecimentos
atuais (e em virtude da escassez de profissionais qualificados receio que esse

20
seja um grande “se”), ocorrerá um aumento substancial da felicidade humana e
uma tremenda redução das doenças psicológicas. Entretanto, seria absurdo supor
que já temos tantos conhecimentos que podemos garantir que uma criança, se
tiver tal ou tal experiência, crescerá sem maiores dificuldades. Existem
problemas espinhosos a resolver, como os que decorrem do efeito deturpador
das fantasias de uma criança e sua interpretação errônea do mundo que a rodeia
*(1), assunto que não abordei neste capítulo; mas, além disso, também podem
existir dificuldades sobre cuja origem nada sabemos atualmente. Mesmo sobre
aquelas de que já temos alguma compreensão, os nossos conhecimentos ainda
são escassos e não têm uma base suficiente de dados sistematicamente coletados.
Só o futuro revelará as linhas de pesquisa mais fecundas. Toda pesquisa
é um jogo de azar, e temos que jogar o nosso dinheiro nos cavalos em que
tivermos palpite. Num campo tão vasto, a minha tendência é apostar nos
mestiços. Parece-me provável que estudos de motivação em crianças pequenas,
especialmente o estudo do modo como a mãe e o bebê desenvolvem suas
relações impregnadas de alta carga emocional, uma preocupação tão central da
psicanálise, ganharão muito em clareza e precisão se lhes aplicarmos conceitos
e métodos de pesquisa derivados da escola europeia de estudos do
comportamento animal, liderada por Lorenz e Tinbergen e frequentemente
conhecida como etologia. Penso também que o nosso insight do mundo
cognitivo que uma criança pequena constrói para si, depois habita e finalmente
modela, progrediria bastante com os conceitos e métodos de pesquisa que
tiveram Piaget como pioneiro. Também é lícito esperar que a teoria da
aprendizagem esclareça o processo de aprendizagem que ocorre nos meses e
anos críticos em que uma nova personalidade nasce. Entretanto, ainda que eu
considere as contribuições desse tipo indispensáveis, elas serão estéreis se não
forem constantemente interpretadas à luz dos conhecimentos adquiridos pelo
contato íntimo com a vida emocional de crianças e pais num contexto clínico,
usando métodos como os introduzidos por Melanie Klein e Anna Freud, entre
outros psicanalistas de crianças, e indo buscar sua inspiração última no homem
cujo centenário de nascimento celebramos esta semana.

Nota de rodapé:
*(1). Acredito que o caráter deturpador das fantasias infantis foi muito exagerado pela teoria psicanalítica tradicional.
Quanto mais detalhes se conhecer sobre os acontecimentos da vida de uma criança e sobre aquilo que lhe foi dito, aquilo
que ela ouviu ou observo u mas se espera que não saiba, mais claramente se poderão ver suas ideias sobre o mundo e
sobre o que acontecerá no futuro como construções perfeitamente razoáveis. Os dados que demonstram esse ponto de
vista são apresentados nos capítulos finais do segundo volume e em todo o terceiro volume de Attachment and Loss.

21
Pós-Escrito.

A maioria dos temas esboçados na conferencia reproduzida neste capitulo foram


retomados em conferencias subsequentes desta coletânea. Para uma descrição
dos trabalhos mais recentes sobre o desenvolvimento das relações mãe-bebê, ver
Stern (1977).

22
Abordagem etológica da pesquisa sobre desenvolvimento infantil *(1).

Em sua conferência anual na primavera de 1957, a Sociedade Britânica


de Psicologia organizou um simpósio sobre “A Contribuição de Teorias Atuais
para uma Compreensão do Desenvolvimento da Criança”. Fui convidado a fazer
uma palestra sobre a contribuição que se poderá esperar da etologia; e outras três
sobre teoria da aprendizagem associativa, sobre psicanálise e sobre os
construtores de sistemas, Piaget e Freud. Todas as quatro contribuições foram
publicadas no fim desse ano.
Um problema central tanto para a psicologia clínica quanto para a
psicologia social é a natureza e o desenvolvimento das relações de uma criança
com outras pessoas. Em sua abordagem desse problema, a tendência dos
psicólogos é adotar um de dois enfoques: se tiverem uma orientação acadêmica
e experimental, tenderão a privilegiar uma ou outra forma de teoria da
aprendizagem; se tiverem orientação clínica, seguirão uma ou outra forma de
psicanálise. Ambos os enfoques levaram à realização de valiosos trabalhos.
Entretanto, as tentativas de relacionar uma perspectiva com a outra têm sido
poucas e não muito bem-sucedidas, ao passo que a desconfiança e as críticas
mútuas entre adeptos de uma e outra têm sido comuns.
Os psicanalistas foram os primeiros a conceber as relações sociais no
homem como sendo mediadas por instintos que emanam de raízes biológicas e
impelem o indivíduo à ação.

Nota de rodapé:
*(1). Originalmente publicado em British Journal of Medical Psychology (1957), 30: 230-40.

23
Grande parte da teoria psicanalítica tem levado em conta esses instintos,
seu surgimento sucessivo e gradual na ontogenia, sua organização gradativa, e
nem sempre bem-sucedida, em totalidades mais complexas, os conflitos que
surgem quando dois ou mais instintos estão ativos e são incompatíveis, a
ansiedade e culpa a que dão origem, as defesas chamadas a agir para enfrentá-
las. Preocupados com essas paixões humanas primitivas que, em virtude da
rudimentariedade dos mecanismos existentes para governá-la, são capazes,
como sabemos por termos pago o preço da experiência, de nos levar à realização
de atos que mais tarde lamentamos, os psicanalistas têm frequentemente
manifestado impaciência para com a abordagem dos teóricos da aprendizagem.
Em sua teorização, parece haver muito pouco lugar para o sentimento humano
ou para a motivação que jorra das profundezas inconscientes e irracionais. Ao
analista e ao psicólogo clínico, sempre pareceu que o teórico da aprendizagem
está tentando meter à força um litro de natureza humana rebelde dentro de um
dedal de rígida e pretensiosa teoria.
Inversamente, os teóricos da aprendizagem criticam os psicanalistas. As
definições de instinto são notoriamente insatisfatórias e suscetíveis de degenerar
em alegórico. Embora as descrições clínicas sejam volumosas, os relatos de
observação sistemática continuam sendo escassos. O método experimental se faz
notar por sua ausência. Pior que tudo, as hipóteses são frequentemente
formuladas de tal maneira que é impossível testá-las – um defeito fatal para o
progresso científico. A teoria da aprendizagem, sustenta-se corretamente, define
os seus termos, formula as suas hipóteses operacionalmente e passa a testá-las
mediante experimentos adequadamente planejados.
Como alguém que se esforça por ser um clínico e um cientista, tenho sido
agudamente sensível a esse conflito. Como clínico, considero a abordagem de
Freud a mais recompensadora; não só ele atraiu a atenção para problemas
psicológicos de importância clínica imediata, como também a sua série de
conceitos invocadores de um inconsciente dinâmico constitui na prática um
modo útil de ordenação de dados. Entretanto, como cientista, sinto-me muitas
vezes contrafeito em face do status precário de muitas de nossas observações, da
obscuridade de muitas de nossas hipóteses e, sobretudo, da ausência de qualquer
tradição que exija que as hipóteses sejam testadas. Esses defeitos são
responsáveis, creio eu, pelas controvérsias – com excessiva frequência
acaloradas e estéreis – que têm caracterizado a história psicanalítica. Tenho
perguntado a muitos colegas como poderemos submeter a psicanálise a uma
maior disciplina científica, sem sacrificar as suas inigualáveis contribuições.

24
Foi nesse estado de espírito que me deparei, há alguns anos, com a obra
que vem sendo realizada pelos etologistas. Fiquei imediatamente empolgado. Aí
estava uma comunidade de biólogos dedicados ao estudo do comportamento de
animais em seu habitat natural, que não só usavam conceitos como os de instinto,
conflito e mecanismo de defesa, extraordinariamente semelhantes aos que são
empregados em nosso trabalho clínico do dia-a-dia, como faziam descrições
maravilhosamente detalhadas do comportamento e haviam criado uma técnica
experimental para submeter suas hipóteses a provas. Continuo hoje tão
impressionado quanto estava então. A etologia, creio eu, está estudando os
fenômenos relevantes de um modo científico. Na medida em que estuda o
desenvolvimento do comportamento social e, especialmente, o desenvolvimento
de relações familiares em espécies inferiores, acredito que está estudando um
comportamento análogo, e talvez, por vezes, homólogo, a muito do que nos
preocupa clinicamente; na medida em que usa a descrição de campo, hipóteses
com conceitos operacionalmente definidos e experimentos, está empregando um
rigoroso método científico. É verdade que somente depois de ser provada no
cadinho da atividade de pesquisa saberemos se a etologia é, de fato, uma
abordagem tão fecunda com seres humanos quanto o é com espécies inferiores.
Basta dizer que se trata de uma abordagem que se impõe mais vivamente a mim,
porque acredito que ela pode fornecer o repertório de conceitos e dados
necessários, se quisermos que os dados e insights proporcionados por outras
abordagens, notadamente os da psicanálise, da teoria da aprendizagem e de
Piaget, sejam explorados e integrados.
Recapitulando sucintamente as principais características do enfoque
etológico, comecemos pela obra de Darwin (1850), não só porque ele foi um
etologista antes da palavra ter sido inventada, mas também porque uma
preocupação básica da etologia é a evolução do comportamento através do
processo de seleção natural.
Em A Origem das Espécies, escrito exatamente há um século, Darwin
dedica um capítulo ao instinto, no qual assinala que cada espécie é dotada de seu
próprio repertório peculiar de padrões de comportamento, do mesmo modo que
é dotada de suas próprias peculiaridades de estrutura anatômica. Enfatizando que
“os instintos são tão importantes quanto a estrutura corporal para o bem-estar de
cada espécie”, Darwin formula a hipótese de que “todos os instintos mais
complexos e maravilhosos” se originaram através do processo de seleção natural,
tendo preservado as variações continuamente acumuladas que são
biologicamente vantajosas. Ilustra a sua tese com referências às características
do comportamento de várias espécies de insetos, como as formigas e as abelhas,
e de aves, como o cuco.

25
Depois de Darwin, os zoólogos têm-se empenhado em descrever e
catalogar os padrões de comportamento que são característicos de uma
determinada espécie e que, embora variáveis e modificáveis em certo grau, são
marcas tão distintivas da espécie quanto o papo vermelho do pintarroxo ou as
estrias da pele do tigre. Não podemos confundir a atividade da fêmea do cuco na
época da postura com a da gansa, a micção do cavalo com a do cão, a corte do
mergulhão com a do galo de capoeira. Em cada caso, o comportamento exibido
tem o cunho da espécie particular e, portanto, é específico da espécie, para usar
um termo conveniente embora um tanto desajeitado. Como esses padrões se
desenvolvem de um modo característico em quase todos os indivíduos de uma
espécie e até em indivíduos criados em isolamento, é evidente que são, em
grande medida, herdados e não aprendidos. Por outro lado, encontramos
indivíduos em que tais padrões não se desenvolveram ou adquiriram formas
peculiares, e poderemos concluir, portanto, que o meio ambiente também tem
certa influência. Isto lembra-nos que, em organismos vivos, estrutura e função
só podem desenvolver-se num determinado meio ambiente e que, embora a
hereditariedade seja poderosa, a forma exata que cada um adquire dependerá da
natureza desse meio ambiente.
Os padrões de comportamento específicos da espécie em que estamos
interessados são, com frequência, espantosamente complexos. Considere-se, por
exemplo, o desempenho de um chapim-real na construção de seu belo ninho em
cúpula e recoberto de liquens. Compreende a escolha de um local, a coleta
primeiro de musgo e depois de fios de teia de aranha para formar uma plataforma
e, gradualmente, por movimentos laterais, enquanto permanece sentado na
plataforma, o musgo é tecido até formar uma taça. Esta cresce de maneira regular
e uniforme à medida que o pássaro vai tecendo o ninho à sua própria volta, até
que, como resultado de continuar tecendo por cima da cabeça, o ninho ganha
uma cobertura em abóbada. Entrementes, foram adicionados liquens à parede
externa e foi deixado apenas um orifício aberto para a entrada. Finalmente, as
paredes laterais da entrada são reforçadas e o ninho é revestido interiormente
com uma profusão de penas macias. Neste desempenho surpreendente existem
catorze tipos distintos de movimento e combinações de movimento, alguns
comuns a outras espécies, outros específicos desta espécie, cada um deles
adaptado ao meio ambiente particular do casal e tudo tão bem organizado no
tempo e no espaço que o resultado é uma estrutura coerente, distinta de tudo o
que se encontra na natureza e que concorre para uma função vital na
sobrevivência da raça dos chapins-reais (Tinbergen, citado por Thorpe, 1956).
Outros padrões são muito mais simples. Quando sacudimos o ninho de
um melro, numerosas cabecinhas feias se espicham para fora, cada uma delas
com uma gigantesca boca escancarada; quando colocamos um pinto de 24 horas
numa mesa com grãos de comida, ele debica logo, de modo preciso, em cada um

26
deles. Mas até mesmo esses padrões mais simples estão longe de ser
rudimentares. A resposta de bico escancarado dos filhotes de melro é suscitada
e orientada por uma Gestalt visual, assim como pelo estremecimento do ninho;
as bicadas do pinto estão organizadas de tal modo no espaço e no tempo que
cada grão é alcançado com exatidão impecável. É evidente que tais padrões de
comportamento não podem ser simples reflexos. Em primeiro lugar, sua
organização é mais complexa e dirigida para o comportamento em um nível
global; em segundo lugar, parece que, uma vez ativados, possuem
frequentemente um ímpeto motivacional próprio que só cessa em circunstâncias
especiais.
Os etologistas estudam esses padrões de comportamento específicos da
espécie; o termo ethos deriva do grego e significa “da natureza da coisa *(1).
Desde os tempos de Darwin, uma finalidade principal desse estudo permaneceu
taxonômica, ou seja, a classificação das espécies com referência às suas relações
mais próximas, vivas e mortas. Verificou-se que, apesar da variabilidade
potencial, a fixidez relativa desses padrões nas diferentes espécies de peixes e
aves é tal, que eles podem ser usados para fins de classificação com um grau de
confiabilidade não inferior ao das estruturas anatômicas. Uma visita à estação de
pesquisas de Konrad Lorenz, na Alemanha, demonstra rapidamente o interesse
permanente de Lorenz em rever a classificação taxonômica de patos e gansos
por referência aos seus padrões de comportamento. Do mesmo modo, um dos
principais objetivos de Niko Tinbergen é fazer um completo inventário
descritivo em termos de comportamento de muitas espécies de aves marinhas.
Enfatizo isto para mostrar o grau em que esses padrões de comportamento são
específicos para cada espécie, são herdados e fazem parte da natureza do
organismo, tanto quanto seus ossos.
Neste ponto, dou-me conta de que alguns leitores talvez estejam um pouco
impacientes. Sim, poderão dizer alguns, tudo isso é muito interessante e pode ser
verdadeiro quanto a peixes e aves, mas quem nos garante que se aplica também
aos mamíferos, para não falar do homem?

Nota de rodapé:
*(1). Para uma discussão dos termos, ver Tinbergen (1955).

27
O comportamento do mamífero não se distingue por sua variabilidade e
pela parte que cabe à aprendizagem? Estamos certos de que existem padrões
herdados de comportamento nos mamíferos? O etologista responderá: Sim, é
verdade que no mamífero o comportamento é mais variável e que a
aprendizagem desempenha um papel importante, mas, não obstante, cada
espécie exibe um comportamento que lhe é peculiar – por exemplo, a respeito
da locomoção, alimentação, corte e acasalamento, e cuidados com os filhotes –
e parece muito improvável que esses padrões sejam inteiramente aprendidos.
Além disso, como Beach demonstrou com ratos, e Colhas e Blauvelt com cabras,
é produtivo estudar esse comportamento pelos mesmos métodos e conceituar os
dados do mesmo modo que provou ser tão compensador no caso dos vertebrados
inferiores. No que se refere aos padrões de comportamento, não há qualquer sinal
de que exista uma ruptura entre peixes, aves e mamíferos, que seja mais
acentuada do que no tocante à anatomia. Pelo contrário, apesar da introdução de
novas e importantes características, existem todos os sinais de uma sequência
evolucionária. Padrões inatos de comportamento parecem tão importantes para
mediar os processos biológicos básicos de mamíferos quanto de outras espécies;
e, na medida em que o Homem compartilha dos componentes anatômicos e
fisiológicos desses processos com os mamíferos inferiores, seria estranho que
não compartilhasse também, pelo menos em certa medida, de seus componentes
comportamentais.
Para fins taxonômicos, a descrição minuciosa de padrões de
comportamento pode ser suficiente. Para uma ciência do comportamento,
entretanto, precisamos saber muito mais. Em especial, precisamos conhecer o
máximo possível sobre a natureza das condições internas e externas do
organismo que regem o padrão.
Os etologistas deram uma importante contribuição para o nosso
conhecimento das condições externas relevantes para o organismo. Heinroth foi
um dos primeiros a assinalar que os padrões de comportamento específicos da
espécie são frequentemente ativados pela percepção de Gestalten visuais ou
auditivas bastante simples a que elas são inatamente sensíveis. Exemplos muito
conhecidos disso, analisados por meio de experimentos que usam bonecos de
vários formatos e cores, são a resposta de acasalamento do macho do esgana-
gato, a qual é suscitada pela percepção de uma forma que se assemelha a uma
fêmea grávida, a resposta de bico escancarado do filhote da gaivota falcoeira,
suscitada pela percepção de um ponto vermelho semelhante ao que se observa
no bico de uma ave adulta, e a resposta de ataque de um pintarroxo, suscitada
pela percepção em seu próprio território de um tufo de penas vermelhas
semelhante ao que existe no peito de um macho rival.

28
Em todos os três casos, a resposta parece ser provocada pela percepção
de uma Gestalt muito simples, conhecida como um “estímulo de sinal”.
Uma parte considerável do trabalho etológico tem sido dedicada à
identificação dos estímulos de sinal que suscitam os vários padrões de
comportamento específicos das espécies em peixes e aves. Na medida em que
muitos desses padrões de comportamento são mediadores do comportamento
social – corte, acasalamento, alimentação dos filhotes pelos pais e seguimento
dos pais pelos filhotes – muita coisa foi elucidada sobre a natureza da interação
social. Em dezenas de espécies, foi demonstrado que o comportamento
propiciador do acasalamento e parentalidade é controlado pela percepção de
estímulos-sinais apresentados por outros membros da mesma espécie, como a
envergadura de uma cauda ou a cor de um bico, ou um trinado ou um
chamamento, cujas características essenciais são as de Gestalten relativamente
simples. Tais estímulos-sinais são conhecidos como “detonadores sociais”.
Os necessários estímulos externos são tão simples nos mamíferos quanto
em peixes e aves? Essa questão foi recentemente discutida pelo psicólogo norte-
americano Beach, cujos trabalhos sobre o comportamento de acasalamento do
rato macho e o de recuperação de filhotes por ratas se baseiam em métodos e
conceitos semelhantes aos da escola européia de etologia, com suas raízes
zoológicas. Após numerosos experimentos, Beach e Jaynes (1956) chegaram a
conclusões de que, à primeira vista, parecem colocar os ratos numa categoria
diferente dos pintarroxos; ambas as respostas, concluíram eles, dependem de um
padrão de estímulo que é de natureza multissensorial. No entanto, mostram-se
cautelosos, e, numa comunicação pessoal, Beach sublinhou a possibilidade,
apresentada por Tinbergen, “de que, se fragmentarmos a resposta maternal total
da fêmea adulta em seções ou segmentos, é possível concluir que cada elemento
no padrão sequencial era, de fato, controlado por uma simples pista sensorial”.
Além disso, na mesma comunicação, Beach observou que “o comportamento de
mamíferos muito jovens poderia perfeitamente ser governado por controles
sensoriais mais simples do que aqueles que operam na idade adulta” e que é mais
do que provável que alguns deles sejam suscitados por algo que se aproxima de
um estímulo - sinal. Opiniões deste gênero, provenientes de um investigador do
gabarito de Beach, em nada contribuem para corroborar o ponto de vista de que
uma abordagem etológica é inaplicável a mamíferos.
Também podem ser usados experimentos para elucidar as condições
internas do organismo que são necessárias à ativação de um padrão de
comportamento.

29
Tais condições incluem a maturação do corpo e do sistema nervoso
central, como no caso do voo de pássaros no período de crescimento, e o
equilíbrio endócrino, como no caso do comportamento sexual da grande maioria
dos vertebrados, senão todos. Também incluem a recente ativação ou não do
padrão, pois sabe-se que muitas atividades instintivas são menos facilmente
evocadas depois de terem estado recentemente em ação do que depois de um
período de quiescência. Após a cópula, poucos animais são sexualmente
excitados com tanta facilidade quanto eram antes. Essas mudanças e outras
comparáveis devem-se claramente a uma mudança no estado do próprio
organismo e, em muitos casos, os experimentos demonstram que essa mudança
reside no sistema nervoso central. Para explicar essas mudanças, Lorenz (1950)
fez a hipótese de uma série de reservatórios, cada um deles cheio de “energia
específica de reação” apropriada a um determinado padrão de comportamento.
Concebeu cada reservatório como controlado por uma válvula (o IRM – innate
releasing mechanism *(1) que pode ser aberta pela percepção do estímulo -sinal
apropriado, de modo que a energia específica de reação será descarregada na
realização do comportamento específico. Quando a energia se esgota no
reservatório, o comportamento cessa. Supôs que, subsequentemente, com a
válvula fechada, a energia acumula-se de novo e, após um certo tempo, o
processo está pronto para repetir-se. Este modelo psico-hidráulico de instinto,
com seu reservatório e acumulação de “energia”, apresenta uma semelhança
óbvia com a teoria dos instintos exposta por Freud, e não parece improvável que
Freud e Lorenz fossem levados a propor modelos semelhantes como resultado
de terem tentado explicar comportamentos semelhantes.
Seja como for, esse modelo psico-hidráulico está hoje desacreditado.
Deixou de ser adotado por Lorenz e por Tinbergen; e, de minha parte, espero
que chegue o dia em que seja também abandonado pelos psicanalistas. Pois não
só é mecanicamente rudimentar, como não faz jus aos dados existentes.
Numerosos trabalhos experimentais em anos recentes demonstraram que os
padrões de comportamento cessam porque foram “amortecidos” ou
“desligados”, não porque tenham sido esvaziados de alguma energia hipotética.
Vários processos psicológicos podem levar a esse resultado. Um deles, que afeta
o comportamento a longo prazo, é a habituação. Um outro, que o afeta a curto
prazo, é ilustrado por experimentos que usam cães submetidos a esofagotomia.

Nota de rodapé:
*(1). IRM – mecanismo inato de desencadeamento. (N. do T.)

30
Estas experiências demonstraram que os atos de comer e beber são
encerrados por meio de estímulos proprioceptivos e (ou) interoceptivos que se
originam na boca, esôfago e estômago, e que, no animal intato, são a
consequência da própria realização desses atos; em outras palavras, existe um
mecanismo para o feedback negativo. Tal cessação não se deve à fadiga nem à
saciação da necessidade de comida e bebida; pelo contrário, o próprio ato origina
os estímulos de feedback que lhe põem termo. [Para discussão desse processo,
ver Deutsch (1953) e Hinde (1954).]
Igualmente interessantes são as observações de etologistas segundo as
quais o comportamento tanto pode ser ativado por estímulos exteroceptivos,
quanto ser terminado por eles. Moynihan (1953), por exemplo, demonstrou que
o impulso da chapalheta para chocar só se reduz quando ela se senta sobre uma
ninhada completa de ovos arrumados de forma adequada. Enquanto essa situação
persistir, a ave permanecerá tranquilamente sentada. Se os ovos forem retirados
ou desarrumados, a chapalheta ficará irrequieta e tenderá a fazer todos os
movimentos de nidificação. Esse desassossego prossegue até que ela
experimente de novo os estímulos provenientes de uma ninhada completa de
ovos arrumados de forma apropriada. Hinde (1954) também observou que, no
começo da primavera, a simples presença de um tentilhão fêmea leva a uma
redução do comportamento de corte do macho, como cantar e procurar. Quando
a fêmea está presente, ele se mantém quieto e calado, quando ela está ausente, o
tentilhão torna-se imediatamente ativo. Neste caso, onde um padrão de
comportamento socialmente relevante é suprimido por estímulos-sinais,
poderíamos talvez falar de um “supressor social” como um termo paralelo de um
detonador social.
Parece provável que os conceitos de detonador social e supressor social
sejam valiosos no estudo da interação social não-verbal em seres humanos,
sobretudo a interação que contiver uma carga emocional; voltarei a fazer
referência a eles quando examinar a possível aplicação dessas ideias à pesquisa
sobre o desenvolvimento infantil.
O nosso modelo básico para o comportamento instintivo é, pois, uma
unidade que compreende um padrão de comportamento específico da espécie
governado por dois mecanismos complexos, um que controla a sua ativação e o
outro a sua terminação. Verifica- se, não raras vezes, que um certo número de
padrões distintos, cada um dos quais merece um estudo detalhado, estão
conjugados de tal maneira que resulta um comportamento tão complexo quanto
o de cortejar e construir ninhos. A função biológica desses padrões e de sua
organização superior é concorrer para os processos vitais básicos do
metabolismo e da reprodução; são as contrapartes, ao nível global do
comportamento, dos processos fisiológicos igualmente envolvidos no

31
metabolismo e na reprodução, os quais são desde longa data o objeto de estudo
da fisiologia. Tal como estes últimos, suas principais formas em cada espécie
são herdadas e, como sugeriu Darwin há um século, suas variações
hereditariamente transmissíveis estão sujeitas à seleção natural, tanto quanto
qualquer outra característica herdada.
Naturalmente, esse modelo não é exclusivo da etologia. Um modelo
análogo foi proposto independentemente por, pelo menos, um psicólogo
experimental (Deutsch, 1953), e boa parte dos dados experimentais referentes ao
papel dos estímulos interoceptivos foi coletada por psicólogos e fisiologistas.
Isso ilustra a natureza complementar dos enfoques etológico e psicológico. Não
são complementares apenas; depois de William James não faltaram psicólogos
profundamente atentos aos fenômenos estudados por etologistas e alguns, como
Yerkes e Beach, deram contribuições notáveis. As principais contribuições dos
etologistas têm sido a análise de uma sequência complexa de comportamento
instintivo, como cortejar e construir ninhos, num certo número de padrões
complexos, cada um deles governado por seu próprio e complexo mecanismo e
organizados conjuntamente num todo maior; o isolamento daquelas
características do padrão que são herdadas; e a descoberta de que tanto em sua
ativação como em sua terminação os estímulos exteroceptivos desempenham um
papel importante.
Antes de considerarmos a aplicação desses conceitos à pesquisa do
desenvolvimento infantil, quero referir-me rapidamente a dois outros conceitos
para os quais etologistas e psicólogos têm dado contribuições – os de fases
sensíveis do desenvolvimento *(1) e de regulação do conflito. Ambos os
conceitos são centrais para a psicanálise e a nossa crescente compreensão de
ambos se reveste de particular interesse para os clínicos.
Foi apurado que, no indivíduo em crescimento, os padrões de
comportamento específicos da espécie passam frequentemente por fases
sensíveis de desenvolvimento, durante as quais algumas de suas características
são determinadas permanentemente, ou quase. As fases sensíveis, que ocorrem
comumente, embora não necessariamente, no início do ciclo vital, afetam o
desenvolvimento em, pelo menos, quatro aspectos diferentes:
(a) se, de fato, a resposta se desenvolve ou não;
(b) a intensidade com que é posteriormente exibida;
(c) a forma motora precisa que assume; e
(d) os estímulos que a ativam ou terminam.
Nota de rodapé:
*(1). Na versão original, usei a expressão então corrente “fase crítica do desenvolvimento”. Esta, porém, tem a
desvantagem de implicar que a ocorrência ou não de um determinado desenvolvimento tem um caráter de tudo-ou-nada,
o que está longe de ser o caso. Por isso, depois foi adotada a expressão “fase sensível do desenvolvimento” para indicar
que, durante essa fase, o curso do desenvolvimento em questão não é mais do que especialmente sensível a condições
ambientais.

32
(a) Os padrões que se desenvolvem em todos os membros de uma espécie quando
criados num meio ambiente “normal” podem deixar inteiramente de aparecer se
o meio ambiente foi restringido de alguma forma especial. Assim, foi verificado
que a resposta de dar bicadas, que é evidente em todos os pintos de um dia de
idade num meio ambiente comum, nunca se desenvolve se o pinto for confinado
num recinto escuro durante os seus primeiros catorze dias de vida (Padilla,
1935). Analogamente, a tendência do patinho putrião para seguir um objeto em
movimento, que está em sua fase mais sensível cerca de dezesseis horas após
sair da casca, não se desenvolve se o patinho não tiver, em suas primeiras
quarenta horas, qualquer objeto para seguir (Weidman, 1956). Em cada caso,
faltou o período sensível para a “mobilização” da resposta e, portanto, a resposta
esteve inteiramente ausente.
(b) Em outros casos, o padrão pode desenvolver-se do modo usual mas, em
virtude de uma experiência particular na infância, manifestar-se no adulto com
intensidade incomum. Um exemplo muito conhecido é a variação no
comportamento de entesouramento, dos ratos adultos, após alguns dias de
frustração alimentar. Os ratos que foram submetidos, po uco depois de nascer, a
um período de frustração alimentar intermitente, tendem, quando adultos, a
armazenar muito mais pelotas de comida do que os ratos que não passaram por
tal experiência. Essa pesquisa, é claro, foi realizada por um psicólogo
experimental, Hunt (1941).
(c) Em muitos casos, a parte motora do padrão é suscetível de processos de
aprendizagem e, em alguns, apurou-se que essa suscetibilidade está confinada a
um período limitado. Um dos exemplos mais bem estudados é a aprendizagem
do canto dos tentilhões. Thorpe (1956) mostrou que, embora certas
características do canto se desenvolvam mesmo num tentilhão criado em
isolamento, outras são aprendidas, e essa aprendizagem está confinada a
períodos especiais do primeiro ano do pássaro. O canto que ele aprende então é
o que cantará o resto de sua vida.
(d) Os estímulos que ativam ou terminam um padrão de comportamento podem,
no começo, ser gerais, e mais tarde, através de um processo de aprendizagem,
tornar-se restritos. Esse processo de restrição, segundo se apurou, também pode
ser confinado a um breve período do ciclo vital. O famoso trabalho de Lorenz
(1935) sobre o “imprinting” nos filhotes de ganso é muito conhecido; enquanto
que, no começo, um gansinho seguirá qualquer objeto em movimento que esteja
dentro de certos e amplos limites de tamanho, após alguns dias ele somente
seguirá a espécie de objetos a que está acostumado, seja a mãe gansa ou um
homem; e faz isso independentemente de ter recebido alimento ou conforto do
objeto.

33
Um outro exemplo muito conhecido é o do cordeiro órfão criado na
fazenda, que contrai uma fixação em seres humanos e deixa, daí em diante, de
ter relações sociais com ovelhas e carneiros.
Finalmente, desejo chamar a atenção para a descoberta de que, na vida
cotidiana comum do animal, surgem constantemente situações de conflito.
Acabaram os tempos em que se supunha que só o Homem carregava o peso de
impulsos conflitantes; sabemos hoje que aves e animais de todas as espécies
também estão sujeitos a eles. Aprendemos, além disso, que o desfecho de tais
conflitos varia muito e, por vezes, é tão mal adaptado, quanto pode sê-lo nos
seres humanos. Não é necessário confrontar animais com tarefas insuperáveis
para que eles façam coisas absurdas; uma ligeira distração da mãe mamífera,
pouco depois de ter dado à luz, deslocará o mecanismo sensitivo que regula os
impulsos potencialmente conflitantes de, por um lado, comer as secundinas e,
por outro, cuidar da cria, e isso leva-a a continuar comendo de modo que
devorará não só as secundinas como o próprio filhote. Muito mais será
aprendido, creio eu, com o estudo dos modos como o conflito é regulado em
animais e as condições que levam um indivíduo a adotar um ou outro padrão
desajustado. A minha expectativa pessoal é de que, também nesse aspecto,
descobriremos que existem fases sensíveis de desenvolvimento, cujo resultado
determina que modo de regulação cada animal adotará habitualmente daí em
diante. E para esse problema – fases sensíveis no desenvolvimento de modos de
regular o conflito – que eu gostaria particularmente de ver dirigida a pesquisa;
pois estou confiante em que a solução desse problema nos fornecerá uma chave
para a compreensão das origens das neuroses. Até onde me é dado saber, ainda
não foi dada atenção a isso.

Aplicação de conceitos etológicos à pesquisa do desenvolvimento da criança.

São esses, pois, os principais conceitos propostos pelos etologistas. Em


seu conjunto, fornecem-nos uma abordagem muito diferente daquelas da teoria
da aprendizagem e da psicanálise; entretanto, não são incompatíveis, em
absoluto, com os componentes substanciais desses dois outros enfoques. Falta
ver, ainda, se a abordagem etológica leva à melhor compreensão dos dados do
desenvolvimento da criança e se fornece um estímulo para mais e melhores
pesquisas. Parece indubitável, porém, que nos fornece uma perspectiva diferente
para observarmos as coisas e nos leva a empreender diferentes tipos de pesquisa.
Ilustrarei isso considerando duas características muito conhecidas do
comportamento social dos bebês: o sorriso e a tendência deles, a partir dos seis
meses de idade, para se ligarem à sua figura materna familiar.

34
James Barrie disse-nos que, quando o primeiro bebê sorriu, o sorriso
desfez-se em mil fragmentos e cada um deles converteu-se num duende. Posso
acreditar piamente nisso. Os sorrisos de bebês são coisas poderosas e fascinantes,
deixando suas mães enfeitiçadas e escravizadas. Quem irá duvidar de que o bebê
que mais prontamente retribui um sorriso à sua mãe é o mais bem-amado e o
mais bem cuidado?
Nestas observações preliminares aventurei-me diretamente numa
descrição e exploração etológica do sorriso do bebê. Apresentei a vocês o sorriso
infantil como um detonador social – um padrão de comportamento,
provavelmente específico da espécie, no Homem, que, em circunstâncias
normais, amadurece nas primeiras semanas de vida e que tem como uma das
funções suscitar na mãe o comportamento maternal. Além disso, mencionei a
possibilidade de que se tenha desenvolvido na evolução da espécie humana uma
taxa diferencial de sobrevivência favorecendo os bebês que sorriem bem. Visto
por esse prisma, estarei interessado, é claro, em identificar as condições, internas
e externas ao bebê, que são necessárias para provocar um sorriso, e as condições
que levam à sua terminação. Em especial, tentarei apurar se responde a
estímulos-sinais visuais e auditivos, e se está ou não sujeito, sob qualquer
aspecto, às fases sensíveis do desenvolvimento. Além disso, espero vê-lo
atuando como um componente na organização superior de padrões de
comportamento que compreendem o “comportamento de ligação” no bebê
ligeiramente mais velho, ou seja, o complexo de comportamento que liga a
criança à figura materna. Pesquisas nesse sentido estão sendo empreendidas em
Tavistock pelo meu colega Anthony Ambrose *(1).
Essa abordagem, que pode ser facilmente integrada à teoria da
aprendizagem, contrasta com a que é rigorosamente confinada pela teoria da
aprendizagem.
Há cerca de 20 anos, Dennis (1935) notou que os bebês (de sete a
dezesseis semanas) sorriam a um rosto e uma voz humanos. Como teórico da
aprendizagem, acreditava que o rosto e a voz não podiam ser os estímulos não-
condicionados e, assim, realizou experimentos para ver se podia identificar o
estímulo não-condicionado. O seu método consistiu em criar os bebês de tal
modo que, tanto quanto possível, sua amamentação e outros cuidados fossem
realizados de forma que eles não pudessem ver um rosto humano e que não lhes
fosse dirigida a palavra; a sua expectativa era de que, com o passar do tempo,
seria possível determinar para o que é que os bebês sorriam naturalmente.

Nota de rodapé:
*(1). Ver o estudo de Ambrose (1974).

35
Os resultados que obteve, entretanto, não confirmaram suas expectativas;
os bebês criados desse modo ainda sorriam para um rosto humano e nenhuma
outra condição de estímulo era mais eficaz do que essa. Por conseguinte, Dennis
declarou que não obtivera provas da existência de um estímulo não-
condicionado para a resposta de sorrir à qual o rosto humano pudesse ter ficado
condicionado.
Não obstante, Dennis não podia crer no que seus olhos viam.
Desconhecendo os trabalhos de Heinroth e Lorenz, continuou rejeitando a
possibilidade de que o próprio rosto humano seja um eficaz estímulo não-
aprendido, usando o argumento (errado) de que não havia provas de uma
especificidade semelhante no controle sensorial de respostas não - aprendidas
em animais. Preferiu, pelo contrário, apresentar uma teoria especulativa segundo
a qual esse sorriso acaba sendo provocado mediante um processo de
condicionamento “por qualquer estímulo que anuncia o término da aflição a que
o bebê estava sujeito”. E evidente que um apoio exclusivo e irrestrito na teoria
da aprendizagem, embora inspirando experimentos interessantes, tinha tomado
difícil para Dennis conceder o devido peso tanto às suas próprias descobertas
quanto a explicações alternativas.
Dez anos depois, Spitz e Wolf (1946) publicaram mais alguns trabalhos
experimentais sobre o sorriso do bebê. Numa série de experimentos usando
máscaras, eles demonstraram que em bebês entre dois e seis meses de idade,
oriundos de diferentes origens raciais e culturais, o sorriso é evocado pela
qualidade configurativa visual do rosto humano. Afirmaram ainda que essa
configuração deve incluir como elementos dois olhos na posição frontal do rosto
em movimento. Essas observações foram amplamente confirmadas e ampliadas
por Ahrens (1954), que também mostrou como a configuração necessária para
suscitar o sorriso torna-se mais complexa com a idade. Parece irrefutável, e esses
dois pesquisadores concordam, que pelo menos um dos estímulos exteroceptivos
que evocam um sorriso no bebê de dois para três meses é uma Gestalt visual
relativamente simples. Portanto, é uma surpresa descobrir que, ao examinar o
componente motor do sorriso, Spitz não o considera um padrão inato e específico
da espécie. Deixou claro, em comunicações pessoais, que o considera, pelo
contrário, uma resposta motora aprendida em resultado do condicionamento
instrumental. Equiparando-a à aprendizagem da linguagem através da seleção e
uso especializado de fonemas naturalmente dados, Spitz escreve:
“Uma seleção ocorre pela supressão progressiva (ou abandono) dos padrões não
- adaptados aos fins e pelo reforço dos padrões de comportamento adaptados aos
fins.

36
Foi isso que eu pretendi significar quando disse que a resposta de sorriso
é um padrão de comportamento adquirido em resposta aos cuidados maternos;
ele está presente desde o começo, como uma de muitas dezenas de padrões de
comportamento fisionômico; é cristalizado, dentre todos eles, em resposta à
solicitude da mãe, ou seja, ao início da relação objetal”.
Spitz não admite facilmente a noção de que o padrão pode ser, pelo
contrário, inato no bebê humano e de que, por volta das seis semanas de idade,
está organizado e pronto a ser provocado pelos estímulos apropriados.
Entretanto, nada seria mais provável. No fim das contas, grandes riscos
foram assumidos durante a evolução do Homem. Em seu equipamento, o fiel da
balança inclinou-se acentuadamente em favor da flexibilidade de
comportamento e, portanto, da aprendizagem, em oposição à fixidez inata. Seria,
no entanto, muito estranho que a segurança biológica resultante de padrões fixos
fosse completamente abandonada. Suponho que chorar, chupar e sorrir sejam
alguns dos nossos muitos padrões motores inatos e representem a garantia da
natureza contra deixar tudo ao acaso da aprendizagem.
Reconheço, no entanto, que o caso não está provado e talvez nunca seja
provado de um modo absoluto. Além disso, quero enfatizar que nada existe no
quadro que apresentei que seja incompatível com o fato de o sorriso ser
influenciado pela aprendizagem. Com efeito, temos boas razões para acreditar
que seja. Recentemente, Brackbill (1956) relatou um experimento em que dois
grupos de bebês entre 14 e 18 semanas de idade foram submetidos, durante 15
dias cada, a “recompensas” de dois graus diferentes por seus sorrisos, sendo a
“recompensa” uma atenção extra por parte da experimentadora. No final do
período, os dois grupos divergiam significativamente, no sentido esperado,
quanto à frequência e persistência de seus sorrisos. A conclusão de que o sorriso
é influenciado pelo condicionamento instrumental parece estar bem baseada nas
provas apresentadas por Brackbill. Qualquer outra suposição de que o sorriso
deva ser entendido exclusivamente em termos de condicionamento instrumental
não é justificada pelos dados oferecidos pela autora e, como já disse, parece
improvável. Andar e correr são aperfeiçoados pela prática, e nem por isso
concluímos que esses comportamentos sejam adquiridos unicamente por
aprendizagem – e se o fizéssemos estaríamos certamente errados!
Muita coisa depende do modo como conceituamos o sorriso do bebê; as
questões sobre desenvolvimento social para as quais procuramos respostas na
pesquisa serão formuladas de modo diferente, é possível que todas as nossas
concepções da interação social humana sejam diferentes, e as técnicas
educacionais e clínicas com as quais concordamos terão ênfases diferentes.
Examinemos brevemente como isso afetará a pesquisa sobre o desenvolvimento
social nos primeiros anos de vida.

37
Se adotarmos, sem restrições, o ponto de vista da teoria da aprendizagem,
conceberemos o Homem como um animal sem respostas sociais inatas.
Estaremos, então, como Heathers (1955) e Gewirtz (1956) reconhecem, diante
do problema de explicar como é que, aos sete ou oito meses de idade, um bebê
desenvolveu uma forte ligação emocional com sua mãe. Grande parte do nosso
trabalho experimental terá por objetivo, nesse caso, elucidar como esse
desenvolvimento ocorreu através de processos de aprendizagem baseados na
satisfação de necessidades fisiológicas.
Se, por outro lado, adotamos um ponto de vista etológico, procederemos
de um modo muito diferente. Em primeiro lugar, estaremos atentos a numerosos
padrões de comportamento específicos da espécie em bebês, como o sorriso, que
concorrem para a interação com a mãe. (Dois que podem ser considerados desse
tipo e que esperamos estudar na Tavistock são o choro e a tendência dos bebês
para estenderem os braços, o que parece ser sempre interpretado pelos adultos
como um desejo de ser apanhado no colo.) Tendo identificado esses padrões,
tentaremos analisar os estímulos detonadores e supressores a que eles são
sensíveis. Esperamos encontrar que esses estímulos sejam comumente
apresentados pela mãe e iremos procurá-los em coisas tais como a sua aparência,
o tom de sua voz e a pressão de seus braços. Além disso, estaremos atentos às
fases sensíveis pelas quais essas respostas podem passar (tanto quanto à sua
maturação como quanto a seus componentes aprendidos), ao processo mediante
o qual as numerosas respostas sociais são integradas num todo mais complexo,
às situações em que conflitam com respostas incompatíveis, como hostilidade
ou fuga, às situações de estresse suscetíveis de acarretar sua desintegração
temporária ou, possivelmente, permanente, a seus efeitos sobre o
comportamento materno, etc.
É evidente que se trata de dois programas de pesquisa muito diferentes.
Além de sua adequação às concepções oriundas da experiência psicanalítica e
outras experiências clínicas, uma razão principal para se preferir o programa
etológico é que ele já provou ser fecundo na análise do desenvolvimento e da
interação social em outras espécies, ao passo que a teoria da aprendizagem, como
o próprio Gewirtz sublinhou, foi desenvolvida para explicar fenômenos que são
relativamente mais simples e que, por conseguinte, ainda precisa demonstrar sua
pertinência.
Espero não ser necessário repetir que, ao preferir a abordagem etológica
não estou descartando a teoria da aprendizagem. Pelo contrário, para se entender
muitos dos processos de mudança a que estão sujeitos os componentes de
padrões instintivos, a teoria da aprendizagem é indispensável e, portanto,
complementar da etologia.
Analogamente, a obra de Piaget (1937) também é complementar da
etologia. Mesmo que estejamos certos ao considerar que, nos primeiros meses

38
de vida do bebê, os estímulos detonadores e supressores de padrões de
comportamento social são da natureza de simples Gestalten, isto logo deixa de
ser verdade. Já por volta dos seis meses de idade os estímulos mediadores do
comportamento social do bebê incluem complexas imagens mentais, ao passo
que no segundo ano ele está desenvolvendo a capacidade de pensamento
simbólico que aumenta consideravelmente os estímulos que se revestem de
significação social. Para compreender essa mudança, parece provável que os
conceitos de Piaget se mostrem indispensáveis. Entretanto, não precisamos
supor que, pelo fato de um indivíduo ter-se tornado capaz de utilizar objetos de
percepção e conceitos mais complexos, ele deixe necessariamente de ser
influenciado por estímulos mais primitivos. Pelo contrário, não parece
improvável que, à semelhança dos chimpanzés, descritos com tanta
compreensão por Yerkes (1943: 35-6), continuemos sendo influenciados por tais
estímulos e que, em condições de ansiedade e estresse, sejamos particularmente
sensíveis a eles.
Isso nos leva à relação entre a etologia e a psicanálise. É evidente que,
na medida em que se ocupa do Homem como um animal que usa símbolos,
dotado de extraordinárias capacidades para aprender e, portanto, para protelar,
distorcer e disfarçar a expressão de respostas instintivas, a psicanálise está
explorando uma região adjacente e complementar da etologia. Contudo, na
medida em que se ocupa das próprias respostas instintivas, parece provável que
as duas disciplinas coincidam em muitos pontos. Nesse contexto, é interessante
refletir sobre a convicção expressa por Freud há mais de 40 anos (Freud, 1915)
de que, para uma compreensão mais profunda do instinto, a psicologia precisaria
da ajuda da biologia. Em consequência do desenvolvimento da ciência da
etologia, que tem suas raízes mergulhadas na biologia, acredito ter chegado
agora o momento em que a teoria psicanalítica do instinto pode ser reformulada.
Não é esta a ocasião para tentarmos um tão vasto e polêmico empreendimento.
Entretanto, será evidente que noções tais como as de narcisismo primário e de
controle do instinto como resultados exclusivos da aprendizagem social não
merecerão muita atenção, ao passo que as de relações humanas primárias,
inevitabilidade do conflito intrapsíquico, defesas contra o conflito e modos de
regulá-lo, serão noções centrais. Um dos resultados dessa reformulação poderá
ser um corpo teórico mais parcimonioso e coerente.
O desenvolvimento de todas essas linhas de pensamento pela pesquisa
empírica será tarefa de uma geração. Se isso será empreendido ou não, dependerá
de um clima de opinião na psicologia britânica que valorize todas essas
abordagens, reconheça-as como reciprocamente complementares e, assim, leve
os estudantes de graduação e pós-graduação a receberem instrução sobre os
princípios que as regem.

39
Pós-Escrito.

A abordagem defendida foi adotada com notável êxito por Mary Salter
Ainsworth, de quem numerosas publicações são indicadas nas Referências do
presente volume, e também por Nicholas Blurton Jones (1972). Para uma
exposição atualizada dos conceitos e dados etológicos em relação ao homem, ver
Hinde (1974).

40
3. O luto na infância e suas implicações para a psiquiatria *(1).

Todos os anos, a Associação Psiquiátrica Americana convida para as


suas reuniões anuais um conferencista, usualmente um psiquiatra de fora dos
Estados Unidos, para fazer uma palestra em honra de Adolf Meyer. Fui
convidado para falar na reunião realizada na primavera de 1961, em Chicago. O
texto foi publicado mais tarde, nesse mesmo ano.
Durante meio século ou mais, existiu uma escola de pensamento que
acreditava que as experiências da infância desempenham um importante papel
na determinação da propensão de um indivíduo para, ao crescer, contrair ou não
uma doença mental. Adolf Meyer deu uma grande contribuição para o
desenvolvimento dessa escola. Ao insistir que o paciente psiquiátrico é um ser
humano e que seu pensamento, seu sentimento e seu comportamento perturbados
devem ser examinados no contexto do ambiente em que está vivendo e em que
viveu, Adolf Meyer convidou-nos a prestar atenção a todos os complexos
detalhes da biografia do paciente como possíveis pistas para a sua doença. “A
mais valiosa característica determinante é, via de regra, a forma de evolução do
complexo [sintoma], o tempo, a duração e as circunstâncias de seu
desenvolvimento. ” Embora eu não encontre provas de que o próprio Adolf
Meyer estivesse grandemente interessado em experiências sobre os primeiros
tempos da infância, elas situam-se obviamente em seu campo de visão e
constituem, de fato, uma extensão lógica de seu trabalho.

Nota de rodapé:
*(1). Publicado originalmente em American Journal of Psychiatry (1961) 118: 481-98. Copyright, 1961, The American
Psychiatric Association. Reimpresso com autorização.
41

41
Com o passar dos anos, fortaleceu-se a convicção de que as experiências
da infância se revestem de grandes consequências para o desenvolvimento da
doença psiquiátrica. Entretanto, a hipótese básica sempre foi objeto de viva
controvérsia. Alguns afirmaram que a hipótese está errada – que a doença
psiquiátrica não tem suas raízes nos primeiros anos da infância, mas em algum
outro lugar; enquanto que aqueles que acreditam que a hipótese é fecunda ainda
continuam, nas décadas de 1960 e 1970, procurando descobrir, precisamente,
quais são as experiências relevantes. Boa parte da controvérsia decorre da
dificuldade em realizar pesquisas satisfatórias nessa área – dificuldade que
decorre, principalmente, do longo intervalo de tempo entre os acontecimentos
considerados importantes e o início da doença declarada. Portanto, para a ciência
da psicopatologia, o problema que se coloca é como explorar melhor a área a fim
de se alcançar um terreno mais sólido. O meu plano é fornecer aqui uma
descrição dos progressos recentes numa linha de investigação – aquela que se
propõe compreender o efeito que a perda dos cuidados maternos nos primeiros
anos da infância tem sobre o desenvolvimento da personalidade.
Nos últimos vinte anos, acumularam-se muitas provas que indicam a
existência de uma relação causal entre a perda dos cuidados matemos nos
primeiros anos de vida e o desenvolvimento da personalidade perturbada
(Bowlby, 1951). Muitos desvios comuns parecem resultar de uma experiência
desse gênero – desde a formação do caráter delinquente até uma personalidade
propensa aos estados de ansiedade e à doença depressiva. Embora haja ainda
alguns psiquiatras que contestam essa conclusão geral, uma atitude mais usual
consiste em aceitar que existe, provavelmente, alguma coisa nessa relação e
pedir informações mais minuciosas. Uma solicitação particular tem sido para
que se formule uma hipótese capaz de fornecer uma explicação plausível de
como os efeitos perniciosos atribuídos à separação e privação resultam de tais
experiências. Nas linhas que se seguem apresentarei um esboço do caminho para
onde as provas parecem estar nos conduzindo.
Esta investigação não obedece à prática usual da pesquisa psiquiátrica,
que começa com uma síndrome clínica mais ou menos definido e depois tenta
delinear a patologia subjacente. Começa, pelo contrário, com um determinado
tipo de experiência, a perda da figura materna na infância, e tenta em seguida
descrever os processos psicológicos e psicopatológicos que dela resultam
comumente. Uma mudança desse tipo na orientação da pesquisa ocorreu há
muito tempo na medicina fisiológica. Por exemplo, nos estudos sobre a patologia
da infecção pulmonar crônica, o investigador já não começa com um grupo
apenas de casos de infecção crônica, para descobrir o agente (ou agentes)
infeccioso que está atuando. É muito mais provável que comece com um agente
específico, talvez o bacilo de Koch ou algum vírus recém-identificado, a fim de
estudar os processos fisiológicos e fisiopatológicos a que ele dá origem. Assim

42
fazendo, ele poderá descobrir muitas coisas que não são imediatamente
relevantes para as condições pulmonares infecciosas crônicas. Não só ele poderá
elucidar certas infecções agudas e condições subclínicas, mas é quase certo que
descobrirá (e esclarecerá) quais são as infecções de outros órgãos, além dos
pulmões, provocadas pelo organismo patogênico que escolheu para estudo. O
investigador deixou de ter como interesse central a pesquisa de um determinado
síndrome clínico, passando a interessar-se mais pelas múltiplas sequelas de um
agente patogênico específico.
O agente patogênico que nos interessa é a perda da figura materna
durante o período compreendido entre, aproximadamente, seis meses e seis anos
de idade. Durante os primeiros meses de vida, o bebê aprende a discriminar uma
certa figura, usualmente a mãe, e desenvolve um grande prazer em estar na sua
companhia. Depois dos seis meses de idade, aproximadamente, o bebê mostra
suas preferências de modo inconfundível (Schaffer, 1958). Durante a segunda
metade do primeiro ano de vida, e a totalidade do segundo e terceiro, a criança
está intimamente ligada à sua figura materna, o que significa que fica contente
na companhia dela e aflita quando ela está ausente. Mesmo separações
momentâneas levam frequentemente a criança a protestar; e as mais demoradas
sempre envolvem os mais vigorosos protestos. Após o terceiro ano, o
comportamento de ligação é suscitado um pouco menos prontamente do que
antes, embora a mudança seja apenas de grau *(1). A partir do primeiro
aniversário, outras figuras, como o pai ou uma avó, também podem tornar -se
importantes para a criança, de modo que a sua ligação não se limita mais a uma
única figura. No entanto, existe usualmente uma preferência bem marcada por
uma determinada pessoa. À luz da filogenia, é provável que os vínculos
instintivos que ligam o bebê humano a uma figura materna sejam construídos de
acordo com o mesmo padrão geral presente em outras espécies mamíferas
(Bowlby, 1958; Rollman-Branch, 1960; Harlow e Zimmermann, 1959).
A maioria das crianças não passa por qualquer desintegração dessa
ligação primária em seus primeiros anos de vida. Elas vivem com sua figura
materna e, durante os períodos relativamente breves em que a mãe está ausente,
são cuidadas por uma figura secundária familiar. Por outro lado, uma minoria
sofre tais desintegrações. A mãe pode abandonar o lar ou morrer; a criança pode
ser deixada num hospital ou instituição; pode ser transferida de uma figura
materna para uma outra.

Nota de rodapé:
*(1). Na versão original da conferência que forma este capítulo, referi-me a uma mudança na “força” da ligação.
Entretanto, ficou provado que é extremamente enganador conceber a ligação como algo que varia de acordo com sua
força, e a ideia foi abandonada por pesquisadores esclarecidos. Com frequência, é útil pensar que a ligação varia segundo
u ma dimensão “segurança-ansiedade”. Ver a minha análise da questão nos parágrafos iniciais do Capítulo 15 de
Attachment and Loss [Ligação e Perda], Vol. 2.

43
A interrupção pode ser longa ou breve, acontecer uma única vez ou
repetir-se. As experiências englobadas sob a designação geral de privação
materna são, pois, múltiplas e nenhuma investigação pode estudá-las todas.
Portanto, para que a pesquisa seja eficaz, a experiência a ser estudada deve ser
definida com muita precisão em cada projeto.
Quanto às estratégias de pesquisa, o investigador tem uma escolha
(Ainsworth e Bowlby, 1954). Uma possibilidade óbvia é examinar uma amostra
de crianças mais velhas e adultos que em seus primeiros anos de vida tenham
passado por essa experiência, para ver se eles diferem ou não de uma amostra
comparável de pessoas que não tenham passado pela experiência. Embora
adotada com brilhantismo por Goldfarb (1955), essa estratégia apresenta muitas
dificuldades práticas. As principais são: a localização de uma amostra adequada;
a seleção e o exame dos controles apropriados; a utilização de instrumentos
idôneos para medir as características da personalidade que se espera que
apresentem diferenças. Uma abordagem alternativa consiste em estudar as
respostas da criança durante a experiência e no período imediatamente posterior.
Depois de passar vários anos não muito produtivos usando a primeira estratégia,
o meu grupo de pesquisa concentrou-se, durante a maior parte da década
passada, na segunda. Isso tem dado resultados muito mais gratificantes.

Separação da mãe e luto na infância.

Os dados que nos interessam basicamente são as observações do comportamento


de crianças saudáveis de uma idade definida, ou seja, no segundo e no terceiro
ano de idade, expostas a uma situação igualmente definida, a saber, uma estada
de duração limitada numa creche residencial ou enfermaria de hospital, onde
foram assistidas da maneira tradicional. Isto significa que a criança foi retirada
dos cuidados de sua figura materna e de todas as figuras secundárias, assim como
de seu ambiente familiar, e passou a ser cuidada num lugar estranho por uma
série de pessoas desconhecidas. Outros dados surgiram de observações do
comportamento da criança em seu lar nos meses subsequentes ao seu regresso, e
dos depoimentos de seus pais sobre esse período. Graças ao trabalho de James
Robertson e Christoph Heinicke, dispomos agora de um considerável acervo de
observações. Algumas delas já foram publicadas (Robertson e Bowlby, 1952;
Robertson, 1953a, b; Bowlby, 1953; Heinicke, 1956), mas outras ainda estão por
divulgar *(1).

Nota de rodapé:

*(1). Ver especialmente o estudo relatado por Heinicke e Westheimer (1966), do qual algum dados e conclusões são por
nós apresentados no Capítulo 4.

44
Estamos bastante confiantes nos modelos comuns porque as observações
feitas por outros investigadores (Burlingham e Freud, 1942, 1944; Prugh e
outros, 1953; Illingworth e Holt, 1955; Roudinesco, Nicolas e David, 1952;
Aubry, 1955; Schaffer e Callender, 1959) registram sequências de respostas
substancialmente semelhantes.
No contexto descrito, um bebê de quinze a trinta meses que venha tendo
uma relação bastante segura com sua mãe e nunca se tenha separado dela antes,
mostrará, via de regra, uma sequência previsível de comportamento. Essa
sequência pode ser decomposta em três fases, de acordo com a atitude dominante
da mãe. Descrevemo-las como as fases de protesto, desespero e desligamento
*(1). Primeiro com lágrimas e raiva, o bebê exige que sua mãe regresse e parece
ter esperança de conseguir reavê-la. Esta é a fase de protesto, e pode durar vários
dias. Depois torna-se mais calmo, mas, para um observador perspicaz, é evidente
que o bebê continua tão preocupado quanto estava antes com a ausência da mãe
e ainda anseia pelo seu regresso; mas suas esperanças dissiparam-se e ele entra
na fase de desespero. Essas duas fases se alternam frequentemente: a esperança
converte-se em desespero e o desespero em renovada esperança. Finalmente,
porém, ocorre uma mudança maior. O bebê parece esquecer sua mãe, de modo
que, quando ela regressa, permanece curiosamente desinteressado e, inclusive,
pode parecer que não a reconhece. Esta é a terceira fase – a do desligamento. Em
cada uma dessas fases a criança é propensa a birras e episódios de
comportamento dest rutivo, muitas vezes de um tipo inquietantemente violento.
O comportamento da criança ao voltar para casa depende da fase atingida
durante o período de separação. Usualmente, durante um certo tempo, mostra-se
indiferente e nada pede; em que grau e por quanto tempo, depende da duração
da separação e da frequência das visitas. Por exemplo, quando esteve fora e sem
receber visitas durante semanas ou meses, e atingiu assim os primeiros estágios
do desligamento, é possível que a indiferença persista durante um período que
vai de uma hora a um dia ou mais. Quando finalmente se desfaz, torna-se
manifesta a intensa ambivalência de seus sentimentos pela mãe. Desencadeia-se
uma tempestade de sentimentos, intenso apego à mãe e, sempre que esta se
afasta, nem que seja por instantes, uma intensa ansiedade e raiva. Daí em diante,
por semanas ou meses, a mãe poderá estar sujeita a solicitações ansiosas de sua
presença constante e a recriminações furiosas quando se ausenta.

Nota de rodapé:
*(1). Em alguns artigos anteriores, foi usada a palavra “negação” para designar a terceira fase. Ela tem, contudo, muitas
desvantagens e foi abandonada.

45
Entretanto, quando a criança esteve fora por um período superior a seis
meses ou quando houve separações repetidas, de modo a ter sido alcançado um
estágio avançado de desligamento, há o perigo de que a criança fique
permanentemente desligada e nunca mais recupere sua afeição pelos pais *(1). Ora,
na interpretação desses dados e em seu relacionamento com a psicopatologia, um
conceito-chave é o de luto. Existem, de fato, boas razões para acreditar que a
sequência de respostas descrita – protesto, desespero e desligamento – é uma
sequência que, numa variante ou outra, é característica de todas as formas de luto.
Após uma perda inesperada, parece haver sempre uma fase de protesto, durante a
qual a pessoa que sofreu a perda se empenha, na realidade ou em pensamento e
sentimento, em recuperar a pessoa perdida *(2) e a recrimina por sua deserção.
Durante esta fase de desespero e a seguinte, os sentimentos são ambivalentes,
enquanto que o estado de ânimo e a ação variam entre uma expectativa imediata,
expressa numa intimação raivosa para que a pessoa regresse, até um profundo
desespero, expresso em suspiros contidos – ou até mesmo inexprimido. Embora a
esperança e o desespero alternados possam continuar por muito tempo, acabará por
desenvolver-se um certo grau de desligamento emocional da pessoa perdida. Após
ter passado pela desorganização da fase do desespero, o comportamento nesta fase
se reorganiza com base na ausência permanente da pessoa. Embora este quadro do
luto sadio não seja inteiramente familiar aos psiquiatras, as provas de sua veracidade
parecem convincentes (Bowlby, 1961b).
Se este ponto de vista é correto, as reações de crianças pequenas ao serem
removidas para um hospital ou instituição devem ser simplesmente consideradas
como variantes de processos básicos de luto. Parece que os mesmos tipos de
respostas ocorrem, na mesma sequência, independentemente da idade. Tal como os
adultos, bebês e crianças pequenas que perderam uma pessoa amada sentem pesar e
passam por períodos de luto (Bowlby, 1960b). Parece haver apenas duas diferenças
inter-relacionadas. Uma, é que na criança a escala de tempo é abreviada, embora
muito menos do que, por vezes, se pensava. A outra, que é significativa para a
psiquiatria, é que na infância os processos que culminam no desligamento têm
condições para se desenvolverem prematuramente, tanto mais que coincidem (e
mascaram) com um forte anseio residual pela pessoa perdida e raiva contra ela; estes
sentimentos persistem, prontos para manifestar-se, em nível inconsciente.
Nota de rodapé:
*(1). Numerosas variáveis influenciam o comportamento da criança durante e depois da separação, e isso torna difícil
uma breve exposição esquemática. A descrição feita aplica-se especialmente ao comportamento de uma criança que não
recebe visitas e é cuidada por enfermeiras ou outras pessoas que manifestam pouca compreensão ou compaixão pela
aflição dela. Parece provável que visitas livres e uma assistência mais esclarecida podem mitigar os processos descritos,
mas existe muito pouca informação confiável sobre isso.
*(2). Na versão original deste capítulo (e em alguns lugares dos dois anteriores), segui a tradição psicanalítica de
referência a “relações objetais”, “o objeto amado” e “o objeto perdido”. Abandonei esse uso pouco tempo depois. Não
só ele decorre de um paradigma teórico que mesmo em 1961 eu já não mais sustentava, como considero seriamente
errôneo mencionar uma outra pessoa como um objeto, pois implica a relação com algo inerte e não com outro ser humano
que desempenha um papel igual ou talvez dominante na determinação de como a relação se desenvolve. Portanto, ao
voltar agora a publicar o que foi a conferência original, alterei a redação e passei a mencionar sempre uma “pessoa
amada” ou uma “pessoa perdida”, em vez de “objeto amado” ou “objeto perdido”.

46
Em virtude desse início prematuro do desligamento, os processos de luto na
infância geralmente tomam um curso *(1) que seria considerado patológico em
crianças mais velhas e nos adultos.
Uma vez que reconhecemos que a separação de uma criança pequena de sua
amada figura materna precipita comumente processos de luto de tipo patológico,
estamos aptos a relacionar os nossos dados com os obtidos em muitas outras
investigações. Temos, por um lado, as conclusões de estudos de investigadores que
partiram do estudo do sentimento de pesar dos adultos para uma investigação de
psicopatologia (Lindemann, 1944; Jacobson, 1957; Engel, 1961): por outro, temos
as investigações dos pesquisadores – muito mais numerosos – que seguiram o
modelo tradicional de pesquisa psiquiátrica, que começa com um paciente e tenta
descobrir quais foram os eventos anteriores com significação causal, e formularam
a hipótese de que a perda de uma pessoa amada é, de algum modo, patogênica.
As pesquisas que apontaram a perda de uma pessoa amada como
provavelmente patogênica são elas mesmas de diversos tipos. Em primeiro lugar,
existem os numerosos estudos, dos quais Luto e Melancolia (1917), de Freud, é o
protótipo, que relacionam uma síndrome psiquiátrica de início relativamente agudo
– como um estado de ansiedade, doença depressiva, ou histeria – com uma perda
mais ou menos recente, e propõem que o quadro clínico deve ser entendido como o
resultado do fato de o luto ter seguido um curso patológico. Em seguida, temos os
estudos, quase tão numerosos, que relacionam uma síndrome psiquiátrica de grau
mais crônico, como a tendência para a depressão episódica o u uma dificuldade para
experimentar sentimentos, com uma perda que ocorreu na infância ou adolescência
do paciente. Em terceiro lugar, cita-se a extensa literatura psicanalítica que procura
relacionar a propensão para a doença psiquiátrica na idade adulta com alguma falha
no desenvolvimento psíquico durante a infância. Em quarto lugar, há uma série
crescente de estudos que mostram que na vida de pessoas que contraíram doença
psiquiátrica houve, durante a infância, uma incidência elevada de perdas; e,
finalmente, registre-se a observação impressionante de que há indivíduos que são
suscetíveis de contrair uma doença psiquiátrica numa idade que parece ser
determinada por um episódio de sua infância, quando sofreram a perda de um dos
pais – as chamadas reações de aniversário.
Ora, é certamente impossível discutir de modo sistemático, num único
artigo, a pertinência das provas fornecidas por cada uma dessas fontes. O máximo
que podemos fazer é apoiarmo-nos em alguns estudos típicos de cada um desses
campos (mas excluindo as reações de aniversário) e mostrarmos de modo sucinto
como esses dados parecem conjugar-se.

Nota de rodapé:
*(1). Está agora claro que o processo de luto em crianças não necessita adotar um curso que leve à patologia, se bem que
tal aconteça com bastante frequência. O advérbio “habitualmente” usado no texto, aqui e em outros pontos do capítulo,
é, portanto, desorientador. As condições que influenciam o desfecho são examinadas por Furman (1974) e tratadas em
detalhe também na Parte III de Attachment and Loss, Vol. 3.

47
Entretanto, como a tese gravita toda ela em torno da natureza dos
processos que entram em ação no luto e, especialmente, os que estão presentes
na primeira fase, é necessário dispensar-lhes mais atenção.

Impulsos para recuperar e para recriminar a pessoa perdida: seu papel na


psicopatologia.

Nem sempre se percebe que a raiva constitui uma resposta imediata à


perda, comum e talvez invariável. Em lugar da raiva indicando que o luto está
seguindo um curso patológico – uma opinião sugerida por Freud e comumente
sustentada – as provas existentes evidenciam que a raiva, incluindo a raiva com
relação à pessoa perdida, é parte integrante da reação de pesar. A função dessa
raiva parece ser a de reforçar o ímpeto dos esforços vigorosos tanto para reaver
a pessoa perdida como para dissuadi-la de uma nova deserção, que são marcas
distintivas da primeira fase do luto. Como até hoje não se tem prestado muita
atenção a essa fase e como, além disso, ela parece ser crucial para um
entendimento da psicopatologia, toma-se necessário explorá-la mais
completamente.
Como nos casos de morte um esforço carregado de raiva para recuperar
a pessoa perdida é tão obviamente inócuo, há uma tendência para considerá-lo
patológico em si mesmo. Acredito que isso é um erro. Longe de ser patológica,
as provas sugerem que a expressão manifesta desse impulso irresistível, por mais
fora da realidade e inútil que seja, é uma condição necessária para que o luto siga
um curso saudável. Somente depois que todos os esforços foram feitos para
reaver a pessoa perdida é que, segundo parece, o indivíduo adquire um estado de
ânimo capaz de fazê-lo admitir a derrota e de reorientá-lo para um mundo em
que a pessoa amada é aceita como irreparavelmente ausente. O protesto,
incluindo uma exigência raivosa do retomo da pessoa e uma recriminação contra
ela por ter desertado faz parte da resposta à perda, tanto por parte de um adulto
(especialmente quando se trata de uma perda súbita) como por parte de uma
criança.
Isso poderá parecer desconcertante. Como explicar que tais exigências e
recriminações sejam feitas mesmo quando a pessoa já não pode ser trazida de
volta? Por que um irrealismo tão gritante? Acredito existir uma boa resposta,
originada na teoria da evolução.
Em primeiro lugar, um exame das respostas comportamentais à perda
que são manifestadas por espécies não-humanas – aves, mamíferos inferiores e
primatas – sugere que essas respostas têm antigas raízes biológicas. Embora não
estejam registradas em toda a sua extensão, as informações existentes mostram,
contudo, que muitas (senão todas) as características descritas para seres humanos

48
– ansiedade e protesto, desespero e desorganização, desligamento e
reorganização – também são a regra em muitas outras espécies *(1).
Em segundo lugar, não é difícil perceber que essas respostas devem ter
evoluído. Na existência primitiva e natural, perder o contato com o grupo
familiar imediato é extremamente perigoso, sobretudo para os filhotes. Portanto,
é do interesse da segurança individual e da reprodução da espécie que existam
fortes laços unindo os membros de uma família ou de uma família extensa; e isso
requer que toda a separação, ainda que breve, seja respondida por um esforço
imediato, automático e vigoroso para recuperar a família, especialmente o
membro com quem a ligação é mais forte, e para desencorajar esse membro a
uma nova separação. Por essa razão, sugere-se que as determinantes herdadas do
comportamento (frequentemente qualificadas de instintivas) evoluíram de tal
modo que as respostas padronizadas à perda de pessoas amadas são sempre, em
primeiro lugar, impulsos para reavê-las e, depois, para recriminá-las. Entretanto,
se os impulsos para recuperar e recriminar são respostas automáticas inerentes
ao organismo, conclui-se que elas entrarão em ação como resposta a toda e
qualquer perda, sem discriminar entre aquelas que são realmente recuperáveis e
aquelas, estatisticamente raras, que não o são. É uma hipótese desse tipo, creio
eu, que explica por que uma pessoa que sofreu uma perda experimenta
comumente um impulso irresistível para reaver a pessoa, mesmo sabendo que a
tentativa é infrutífera, e para recriminá-la por ter partido, mesmo quando sabe
que a recriminação é irracional.
Logo, se tanto o esforço inútil para recuperar a pessoa perdida como as
recriminações furiosas contra ela por ter desertado não são sinais de patologia,
poder-se-á perguntar: então, de que modo se distingue o luto patológico do luto
saudável? O exame dos elementos de demonstração sugere que uma das
principais características do luto patológico é a incapacidade para expressar
abertamente esses impulsos para reaver e recriminar a pessoa perdida, com toda
a saudade do desertor e toda a raiva contra ele que esses impulsos implicam. Em
vez de sua expressão aberta que, apesar de ser tempestuosa e estéril, leva a um
resultado saudável, os impulsos de recuperação e recriminação, com toda a sua
ambivalência de sentimentos, cindem-se e são reprimidos

Nota de rodapé:

*(1). As demonstrações foram reexaminadas por Bowlby (1961b) e Pollock (1961). Para dar um exemplo citado por
Pollock: um chimpanzé que tinha perdido sua companheira fez repetidos esforços para reanimá-la. Guinchou
raivosamente e, algumas vezes, expressou sua cólera arrancando tufos de pêlo de sua própria cabeça. Depois, houve
choro e luto. Com o tempo, ficou mais intimamente ligado ao seu tratador e mostrava-se mais irritado do que antes
quando o tratador ia embora.

49
Daí em diante, continuam como sistemas ativos na personalidade, mas, incapazes
de encontrar uma expressão direta e manifesta, passam a influenciar os sentimentos
e o comportamento de um modo estranho e distorcido. Daí as numerosas formas de
perturbação de caráter e doença neurótica.
Darei um breve exemplo ilustrativo de uma dessas formas, extraído de um
caso relatado por Helene Deutsch (1937). Quando veio para uma análise, esse
homem, com trinta e poucos anos, não apresentava dificuldades neuróticas
aparentes. O quadro clínico, entretanto, era de um caráter inexpressivo e carente de
afetividade. Helene Deutsch descreve como o paciente “mostrou um completo
bloqueio de emoções e sentimentos, sem o menor insight... Não tinha relações
amorosas, nem amigos, nem interesse real por qualquer coisa. Em todos os tipos de
experiências mostrava a mesma reação apagada e apática. Não havia empenho nem
desapontamento... Não havia reações de pesar pela morte de pessoas próximas, nem
sentimentos inamistosos ou impulsos agressivos”. Como se desenvolveu essa
personalidade estéril e mutilada? À luz de uma hipótese a respeito do luto na
infância, a história, em conjunto com o material proveniente da análise, pudemos
construir uma explicação plausível.
Primeiro, a história: Quando o paciente tinha cinco anos de idade, sua mãe
falecera, e disseram que ele tinha reagido a essa perda sem qualquer emoção (3).
Daí por diante, além disso, ele não tinha conservado lembrança de nenhum evento
anterior à morte da mãe. Segundo, o material proveniente da análise: O paciente
descreveu como, durante os últimos anos de sua infância, costumava deixar aberta
a porta de seu quarto, “na esperança de que um grande cão se aproximasse dele,
fosse muito carinhoso com ele e satisfizesse todos os seus desejos”. Associada a
essa fantasia estava uma vívida recordação da infância de uma cade la que deixara
suas crias sozinhas e desamparadas, ao morrer pouco depois de dar à luz. Embora
nessa fantasia a saudade oculta da mãe que ele perdeu pareça plenamente evidente,
ele não a expressa de modo simples e direto. Pelo contrário, todas as recordações de
sua mãe tinham desaparecido da consciência e, na medida em que podiam ser
percebidos, os afetos conscientes em relação a ela eram hostis.
Para explicar o curso de desenvolvimento neste caso, a hipótese que estou
apresentando (e que não é muito diferente da de Helene Deutsch) é que, após a morte
da mãe, em lugar de haver uma expressão plena do impulso para recuperar sua mãe
e da raiva pela deserção dela, o luto do paciente tinha-se deslocado precipitadamente
para uma situação de desligamento.

Nota de rodapé:
*(1). Na versão original deste capítulo (e em alguns lugares dos dois anteriores), segui a tradição psicanalítica de
referência a “relações objetais”, “o objeto amado” e “o objeto perdido”. Abandonei esse uso pouco tempo depois. Não
só ele decorre de um paradigma teórico que mesmo em 1961 eu já não mais sustentava, como considero seriamente
errôneo mencionar uma outra pessoa como um objeto, pois implica a relação com algo inerte e não com outro ser humano
que desempenha um papel igual ou talvez dominante na determinação de como a relação se desenvolve. Portanto, ao
voltar agora a publicar o que foi a conferência original, alterei a redação e passei a mencionar sempre uma “pessoa
amada” ou uma “pessoa perdida”, em vez de “objeto amado” ou “objeto perdido”.

50
Assim fazendo, a saudade e a raiva tinham-se trancado no íntimo do
paciente, potencialmente ativo, mas fechado para o mundo, e só o remanescente
de sua personalidade tinha ficado livre para desenvolvimento subsequente. Por
conseguinte, ele cresceu gravemente empobrecido. Se esta hipótese é válida, a
tarefa do tratamento consiste em ajudar o paciente a recuperar sua saudade
latente da mãe que perdeu e sua raiva latente por ela o ter abandonado; em outras
palavras, a regressar à primeira fase do luto com toda a sua ambivalência de
sentimento e que, na época da perda, tinha sido omitida ou contornada. A
experiência de muitos analistas, bem ilustrada num artigo de Root (1957), sugere
que, de fato, só assim uma tal pessoa pode voltar a ter uma vida de sentimento e
ligação.
Essa hipótese é fortemente confirmada por nossas observações de
crianças separadas de suas mães e que não recebem visitas, especialmente por
aquilo que sabemos sobre os estágios iniciais do desligamento que se seguem ao
protesto e desespero. Quando uma criança separada ingressa na fase de
desligamento, ela parece já não se preocupar com sua mãe ausente e ter-se
adaptado satisfatoriamente ao seu novo ambiente. Quando a mãe reaparece para
levá-la de volta para casa, em vez de recebê-la efusivamente e de se agarrar a
ela, a criança mantém-se distante e indiferente; é uma situação que a maioria das
mães acha deprimente e incompreensível. Contudo, se a separação não durou
tempo demais, essa situação é reversível, e o interesse especial está naquilo que
acontece após a reversão.
Algumas horas ou alguns dias depois de estar de novo com sua mãe, o
comportamento de desligamento é substituído não só por toda a antiga ligação,
mas também por uma ligação muito mais intensa. Isso mostra que, durante o
período de desligamento, os laços que vinculam a criança à mãe não se
dissiparam por completo, como foi sugerido por Anna Freud (1960) *(1), nem
houve um simples esquecimento. Pelo contrário, os dados mostram que, durante
a fase de desligamento, as respostas que ligam a criança à mãe e a levam a
empenhar- se para reavê-la estão sujeitas a um processo defensivo. São de algum
modo, removidas da consciência, mas permanecem latentes e prontas a serem
reativadas, com elevada intensidade, quando as circunstâncias mudam *(2).

Nota de rodapé:

*(1). Numa publicação anterior (Burlingham e Freud, 1942), entretanto, Anna Freud adotou um ponto de vista
semelhante ao adotado aqui.
*(2). A mudança de circunstância requerida varia com o estágio para o qual o desligamento progrediu. Quando a criança
ainda está nas fases iniciais, a renovação da ligação segue logo há nova união com a mãe; quando a criança atingiu um
estágio avançado, talvez seja necessário um tratamento psicanalítico.

51
Isto significa que, em bebês e crianças pequenas, a experiência de separação
inicia habitualmente processos defensivos que levam à saudade da pessoa perdida e
a recriminações pela deserção, tornando-se uns e outros inconscientes. Em outras
palavras, na infância o indivíduo reage à perda com processos de luto que
habitualmente *(1) enveredam por um caminho que, nos adultos, é considerado
patológico.
A questão que surge agora é saber se os processos defensivos que são tão
impressionantes após uma perda na infância são de natureza diferente do que ocorre
no luto saudável ou se eles também ocorrem no luto saudável, mas apresentando
alguma diferença de forma ou de timing. As evidências sugerem que, de fato, eles
ocorrem (Bowlby, 1961b) mas que, no processo saudável, o seu desencadeamento
é protelado. Por conseguinte, os impulsos para recuperar a pessoa perdida e para
recriminá-la têm tempo suficiente para se expressarem, de modo que, através da
repetida omissão, eles são gradualmente abandonados ou, em termos da teoria da
aprendizagem, extintos. O que parece acontecer na infância (e no luto patológico de
anos ulteriores), por outro lado, é a aceleração do desenvolvimento de processos
defensivos. Como resultado disso, os impulsos de recuperação e recriminação não
tem uma oportunidade de extinguir-se e, pelo contrário, persistem, com sérias
consequências.
Voltemos a aplicar, em poucas palavras, essas ideias ao paciente de Helene
Deutsch. Após a morte de sua mãe, quando ele tinha cinco anos, segundo parece,
saudade e raiva desapareceram do eu consciente do paciente. Contudo, a fantasia da
visita do cão mostra que, não obstante, ambos os sentimentos persistem a nível
inconsciente. Isto e as provas oriundas de outros casos evidenciam que, embora
imobilizados, tanto o seu amor quanto a sua raiva permaneceram dirigidos para a
recuperação da mãe morta. Assim, bloqueados a serviço de uma causa irrealizável,
esses sentimentos acabaram por se perder para uma personalidade em
desenvolvimento. Com a perda da mãe também se perdera a vida emocional e
sentimental do paciente *(2).
Dois termos técnicos comuns são usados para designar os processos em
ação: fixação e repressão. Inconscientemente, a criança permanece fixada à mãe que
perdeu: seus impulsos para reavê-la e recriminá-la, e as emoções ambivalentes a eles
ligados, sofreram repressão.
Um outro processo defensivo, estreitamente relacionado com a repressão e
alternativo para esta, também pode ocorrer em consequência da perda. Trata-se da
“divisão do ego” (Freud, 1938).

Nota de rodapé:
*(1). Está agora claro que o processo de luto em crianças não necessita adotar um curso que leve à patologia, se bem que
tal aconteça com bastante frequência. O advérbio “habitualmente” usado no texto, aqui e em outros pontos do capítulo,
é, portanto, desorientador. As condições que influenciam o desfecho são examinadas por Furman (1974) e tratadas em
detalhe também na Parte III de Attachment and Loss, Vol. 3.
*(2). Não raras vezes, uma criança não responde com emoção à morte de um dos pais porque recebeu pouca ou nenhuma
informação sobre o que aconteceu e, mesmo que seja informada, não lhe é dada a oportunidade de expressar seus
sentimentos e emoções, ou de fazer perguntas a um adulto compreensivo. Para referências, ver a nota 4 acima.

52
Em tais casos, uma parte da personalidade, secreta, mas consciente, nega
que a pessoa tenha realmente desaparecido e afirma que ela ainda está em
comunicação com o paciente, ou que em breve ela reaparecerá;
simultaneamente, uma outra parte da personalidade compartilha com os parentes
e amigos o conhecimento de que a pessoa está irremediavelmente perdida, para
sempre. Por mais incompatíveis que sejam, as duas partes coexistem durante
muitos e muitos anos. Tal como no caso da repressão, as divisões do ego também
culminam em doença psiquiátrica.
Por que, em alguns casos, a parte que ainda anseia por reaver a pessoa perdida
seria consciente e, em outros, seria inconsciente? Essa é uma questão que não
está esclarecida. Tampouco são claras as condições que levam algumas crianças
órfãs a se desenvolverem de modo satisfatório e outras não *(1). Este problema
tem sido estudado por Hilgard (Hilgard, Newman e Fisk, 1960). O que parece
certo, entretanto, é que a precipitação do início dos processos defensivos,
repressão ou divisão, com a fixação resultante, o corre muito mais facilmente na
infância do que em anos mais maduros. Nesse fato reside, a meu ver, a
explicação principal de por que e como as experiências de perda nos primeiros
anos da infância acarretam o desenvolvimento defeituoso da personalidade e a
propensão para a doença psiquiátrica.
Portanto, a hipótese que estou formulando é de que, na criança pequena, a
experiência de separação da figura materna é especialmente suscetível de evocar
processos psicológicos tão cruciais para a psicopatologia quanto a inflamação e
seu resultante tecido cicatricial para a fisiopatologia. Isso não significa que o
resultado inevitável seja uma mutilação da personalidade; mas significa que,
como no caso de, digamos, uma febre reumática, forma-se com muita frequência
um tecido cicatricial que leva, mais tarde, a uma disfunção mais ou menos séria.
Segundo parece, os processos em questão são variantes patológicas daquelas que
caracterizam o luto saudável.
Embora esta posição teórica esteja muito próxima de outras já existentes no
campo, ela parece, não obstante, ser diferente de todas. Sua força reside no fato
de relacionar as respostas patológicas com que nos deparamos em pacientes mais
velhos com as respostas à perda que são realmente observadas nos primeiros
anos da infância, fornecendo assim um elo mais sólido entre as condições
psiquiátricas da vida adolescente e adulta e a experiência infantil. Passemos
agora a comparar essa formulação com algumas das que a precederam.

Nota de rodapé:

*(1). Sabe-se hoje muito mais sobre as condições relevantes; ver as notas 4 e 5 acima.

53
Duas tradições na teorização psicanalítica.

Durante o século atual, numerosos psicanalistas e psiquiatras procuraram


relacionar doença psiquiátrica, perda de uma pessoa amada, luto patológico e
experiência infantil.
Já passaram mais de sessenta anos desde que Freud apresentou pela primeira
vez a ideia de que a histeria e a melancolia são manifestações de luto patológico, em
consequência de uma morte mais ou menos recente (Freud, 1954), e mais de
quarenta anos desde que, em Luto e Melancolia, ele apresentou a hipótese de um
modo sistemático (Freud, 1917). Daí em diante, não faltaram estudos que, de modos
diferentes, corroborassem a hipótese freudiana *(1). A experiência clínica e uma
leitura das demonstrações deixam poucas dúvidas sobre a verdade da principal
proposição – a de que muitas doenças psiquiátricas são uma expressão de luto
patológico – ou a de que tais doenças incluem muitos casos de estado de ansiedade,
depressão e histeria, e também mais de um tipo de distúrbio de caráter. É evidente
que um vasto e importante campo foi aqui descoberto; para que seja completamente
explorado, são necessários novos e minuciosos trabalhos.
A controvérsia começa quando passamos a considerar por que alguns
indivíduos reagem à perda com esses modos patológicos, e outros, não; e a hipótese
que estou propondo pertence ao grupo de hipóteses que procuram explicar a origem
de tais respostas diferenciais.
Uma hipótese que influenciou todos os investigadores subsequentes de
orientação psicológica foi delineada por Abraham (1924). Em consequência de ter
analisado numerosos pacientes melancólicos, chegou à conclusão de que “em última
instância, a depressão melancólica deriva de experiências desagradáveis que
ocorreram na infância do paciente”. Sugere, portanto, que esses melancólicos,
durante a infância, sofreram do que Abraham chamou uma “paratimia primordial”.
Nessas passagens, entretanto, ele nunca usou as palavras pesar e luto; nem está claro
que ele tenha reconhecido que, para a criança pequena, a experiência de perder a
mãe (ou de perder o amor dela) seja, na verdade, um sofrimento profundo, como
que de orfandade.
Depois de Abraham, muitos outros psicanalistas, ao procurarem descrever
as raízes infantis da doença depressiva e das personalidades propensas a desenvolvê-
la, têm chamado a atenção para as experiências infelizes nos primeiros anos de vida
de seus pacientes. Contudo, excetuando-se a tradição teórica iniciada por Melanie
Klein, poucos conceituaram as experiências em termos de perda e luto patológico.
Entretanto, quando estudamos as experiências a que se referem, parece evidente ser
esse o quadro de referência a que elas melhor se ajustam.

Nota de rodapé:

*(1). Ver especialmente os livros de Parkes (1972), e Glick, Weiss e Parkes (1974).

54
Darei como exemplos três pacientes descritos na literatura.

Em 1936, Gero descreveu dois pacientes que sofriam de depressão. Um


deles, concluiu o autor, tinha sido “carente de amor” quando criança; o outro
fora enviado para uma creche residencial e só voltara para casa quando tinha três
anos de idade. Ambos mostraram intensa ambivalência em relação a qualquer
pessoa que era amada, uma condição que, acreditava Gero, podia ser atribuída à
experiência infantil. No segundo caso, ele se refere a uma fixação à mãe e a uma
incapacidade para perdoá-la pela separação. Edith Jacobson, em sua extensa obra
sobre a psicopatologia da depressão, apóia-se regularmente numa paciente,
Peggy, cuja analise descreve em dois estudos (1943, 1946). Quando foi
encaminhada para tratamento, Peggy, de 24 anos de idade, encontrava-se num
estado de grave depressão, com impulsos suicidas e despersonalização; esses
sintomas tinham sido precipitados por uma perda atual, a perda do homem a
quem amava. A experiência infantil a que Edith Jacobson atribui maior ênfase
ocorreu quando Peggy tinha três anos e meio. Nessa época, a mãe foi
hospitalizada para ter um novo bebê, enquanto Peggy e seu pai ficaram em casa
com a avó materna. Começaram as brigas entre a sogra e o genro, e o pai de
Peggy foi embora. “A criança ficou sozinha, decepcionada com o pai e
aguardando ansiosamente o regresso da mãe. Entretanto, quando a mãe voltou
da maternidade trazia o bebê.” Peggy lembra-se de ter sentido, nessa época, que
“Essa não é minha mãe, é uma pessoa diferente” (um sentimento que sabemos
não ser incomum em crianças pequenas que estiveram separadas de suas mães
por algumas semanas). Foi pouco depois desse episódio, acredita Edith
Jacobson, que “a menina teve sua primeira depressão profunda”.
Ora, poder-se-á perguntar se os acontecimentos na infância desses
pacientes foram recordados com exatidão e também se os analistas estão certos
em atribuir-lhes tanto significado para o desenvolvimento emocional de seus
pacientes. Mas, se aceitarmos, como estamos inclinados a fazer, tanto a validade
dos acontecimentos quanto o seu significado *(1), creio que o conceito de luto
patológico é o que melhor se ajusta à descrição da reação do paciente na época
e ao relacionamento do acontecimento na infância com a doença psiquiátrica na
vida adulta. Porém, nenhum dos dois autores, Gero e Jacobson, utiliza esse
conceito.

Nota de rodapé:

*(1). No caso de Peggy, há razões para crer que a separação aos três anos e meio foi apenas a culminação de uma série
de distúrbios em seu relacionamento com a mãe, descrita como uma mulher dominadora que disciplinava a criança com
severidade.

55
Ambos preferiram usar conceitos tais como “desapontamento” e “desilusão”,
que parecem ter um significado diferente.
Muitos outros analistas, embora atentos em maior ou menor grau para o
papel patogênico desses eventos na infância, tampouco identificam a resposta da
criança à perda com o luto. Um desses autores é Fairbairn (1952). Um segundo
é Stengel que, em seus estudos sobre o devaneio compulsivo (1939, 1941, 1943),
chama especial atenção para o impulso de recuperação do objeto perdido. Um
terceiro autor sou eu mesmo, em meus primeiros estudos (Bowlby, 1944, 1951).
Outros são Anna Freud (1960) e René Spitz (1946); ao contestarem a noção de
que bebês e crianças pequenas sentem pesar, rejeitam como uma possibilidade a
hipótese de que o desenvolvimento do caráter neurótico e psicótico seja, por
vezes, o resultado de um sentimento de luto na infância ter enveredado por um
caminho patológico.
Uma razão principal pela qual a resposta da criança à perda não é tão
frequentemente identificada com o luto parece ser uma tradição que limita o
conceito de “luto” a processos que têm um desfecho saudável. Embora esse uso,
como qualquer outro, seja legítimo, tem uma séria desvantagem: logicamente,
toma-se impossível discutir quaisquer variantes do luto que possam parecer
patológicas.
As dificuldades a que esse uso dá origem estão ilustradas no artigo de
Helene Deutsch, “Absence of Grief” [Ausência de Pesar] (1937), já citado. Em
suas considerações, vemos que a autora reconhece com vigor o lugar central que
a perda da pessoa amada na infância ocupa na produção de sintomas e de desvios
de caráter, assim como de um mecanismo de defesa que, em consequência da
perda, poderá redundar em ausência de emoção e sentimento. Contudo, embora
a autora relacione esse mecanismo ao luto, ele é representado mais como uma
alternativa do que como uma variante patológica do luto. Se bem que, à primeira
vista, essa distinção possa parecer meramente de terminologia, seu significado é
mais profundo; com efeito, considerar o processo defensivo que resulta de uma
perda na infância como uma alternativa do luto significa omitir aqueles
processos defensivos de espécies semelhantes mas de menor grau e início mais
tardio que também participam do luto saudável, e esquecer também que o que é
patológico não são tanto os próprios processos defensivos mas, sobretudo, a sua
intensidade e o seu início prematuro.
Do mesmo modo, embora Freud estivesse, por uma parte, profundamente
interessado no papel patogênico do luto e, por outra, especialmente em seus
últimos anos, também tivesse consciência do papel patogênico da perda na
infância, ele nunca apontou o luto infantil e sua predisposição para adotar um
curso patológico como conceitos que conjugam esses dois conjuntos de ideias.
Isso ficou bem ilustrado em sua discussão sobre a divisão do ego no processo
defensivo, à qual estava dedicando especial atenção no final de sua vida (1938).

56
Num dos seus artigos sobre o assunto (1927), Freud descreve dois
pacientes nos quais uma divisão do ego se seguira à perda do pai. Escreveu ele:
“Na análise de dois jovens, tomei conhecimento de que ambos – um em seu
segundo ano de vida e o outro aos dez anos – tinham-se recusado a reconhecer a
morte do pai... e, no entanto, nem um nem outro haviam contraído uma psicose.
Um segmento muito importante de realidade tinha sido assim negado pelo
ego...”. Mas, continua Freud, “fora somente uma corrente dos processos mentais
que não reconhecera a morte do pai; havia uma outra que tinha plena consciência
do fato; aquela que era coerente com a realidade [ou seja, a morte do pai]
manteve-se lado a lado com a que correspondia a um desejo” [o de que o pai
ainda vivesse] (1927). Entretanto, nesse e em outros artigos sobre o mesmo tema,
Freud não relaciona a descoberta de tais divisões do ego com a patologia do luto
em geral nem com o luto infantil em particular. Reconheceu-as, porém, como
sequelas não incomuns de perdas sofridas no começo da vida. Quando discute
suas conclusões, Freud observa:
“Suspeito de que ocorrências semelhantes não são raras, em absoluto, na
infância”. Estudos estatísticos recentes mostram-nos que a suspeita de Freud era
fundamentada.
Assim, um exame da literatura mostra que, apesar do significado
fortemente patogênico atribuído à perda de um dos pais e à perda de amor, na
tradição principal da teorização psicanalítica a origem do luto patológico e da
consequente doença psiquiátrica no adulto não está ligada à predisposição dos
processos de luto para adotarem um curso patológico quando ocorrem após uma
perda sofrida na infância.
Acredito que uma importante contribuição de Melanie Klein (1935,
1940) foi ter estabelecido essa relação. Afirma que bebês e crianças pequenas se
afligem e passam por fases de depressão, e que seus modos de responder em tais
períodos são determinantes da maneira como, no resto da vida, responderão a
novas perdas. Certos métodos de defesa, acredita Klein, devem ser entendidos
como “dirigidos contra a prostração por causa do objeto perdido”. Sob esse
aspecto, minha abordagem é semelhante à dela. Surgem diferenças, entretanto,
a respeito dos acontecimentos considerados importantes, da idade em que eles
ocorrem, e da natureza e origem da ansiedade e agressão.
As perdas de que fala Melanie Klein são patogênicas, situando-se todas no
primeiro ano de vida e, em sua grande maioria, relacionadas com a amamentação
e o desmame. A agressão é considerada uma expressão do instinto de morte, e a
ansiedade o resultado de sua projeção. Nada disso me parece convincente. Em
primeiro lugar, as provas que ela apresenta a respeito da importância decisiva do
primeiro ano de vida e do desmame, quando minuciosamente examinadas,
deixam de ser convincentes (Bowlby, 1960b). Em segundo lugar, as hipóteses
sobre agressão e ansiedade dificilmente se ajustam a um quadro de referência

57
baseado em teoria biológica (Bowlby, 1960a). Creio que em razão dos detalhes
intrincados com que Melanie Klein envo lveu a hipótese sobre o papel do luto
infantil, detalhes esses que muitos consideram pouco plausíveis, a própria
hipótese acabou sendo desprezada. É uma pena.
Portanto, embora não considere que nos pormenores a teoria de Melanie
Klein sobre a posição depressiva explique de modo satisfatório por que os
indivíduos se desenvolvem de modos tão diversos que, enquanto alguns reagem
à perda ulterior com um luto saudável outros o fazem com uma ou outra forma
de luto patológico, a minha posição é que, apesar disso, a teoria kleineana
contém os germes de um modo muito produtivo de ordenamento dos dados. A
meu ver, os dados apontam para um outro desdobramento segundo o qual o
objeto mais significativo que pode ser perdido não é o seio materno, mas a
própria mãe (e, po r vezes, o pai); o período vulnerável não está limitado ao
primeiro ano mas estende-se por vários anos da infância (como sustentou Freud,
1938); e a perda de um dos pais dá origem não só à ansiedade e ao pesar
primários de separação, mas a processos de luto em que a agressão, cuja função
é realizar a reunião, desempenha um papel importante. Embora atendo -se
rigorosamente aos dados, esta formulação tem o mérito adicional de se ajustar
facilmente à teoria biológica.
Embora as diferenças entre o ponto de vista de Melanie Klein e o meu
sejam substanciais, a área de concordância também é substancial. Ambos
sustentamos como hipótese principal que os processos de luto que ocorrem
nesses primeiros anos de vida são mais suscetíveis do que quando ocorrem na
adolescência e na idade adulta de adotar um curso patológico e, portanto, de
deixar daí em diante o indivíduo mais propenso do que outros a responder de
maneira análoga a uma nova perda. A versão dessa teoria que estou agora
propondo parece ser coerente com boa parte do material clínico publicado na
literatura e já mencionado. Inclui os casos de Freud de divisões do ego, os casos
de Stengel de devaneio compulsivo, os pacientes depressivos descritos por
Abraham, Gero e Edith Jacobson, e os pacientes com desvios de caráter descritos
por Helene Deutsch, Melanie Klein, Fairbairn e eu próprio. Também é coerente
com os numerosos estudos publicados nas duas últimas décadas que mostram
que a incidência de perdas na infância, nas vidas de pacientes que sofrem de
doença psiquiátrica e de desvios de caráter, é significativamente mais elevada do
que na população geral. [Como os dados estatísticos até 1967 são apresentados
no próximo capítulo, os que constavam da versão original deste foram omitidos.
Parte dos comentários, entretanto, foi mantida.]
No entanto, dada a importância que os dados estatísticos têm para a
minha argumentação, é possível que surjam algumas dúvidas. Em primeiro
lugar, devemos estar atentos para a falácia post hoc ergo propter hoc. Em
segundo lugar, mesmo que estejamos certos ao afirmar a existência de uma

58
relação causal entre a perda prematura e a doença subsequente, não se segue que
ela seja sempre mediada pelos processos patológicos anteriormente descritos. De
fato, existem duas outras espécies de processos que, em alguns casos, quase
certamente dão origem à patologia. Uma delas consiste no processo de
identificação com os pais, o qual é parte integrante do desenvolvimento saudável
mas leva, frequentemente, à dificuldade após a morte de um deles *(1). A outra
espécie é evocada pelo membro sobrevivente do casal, viúvo ou viúva, cuja
atitude para com a criança poderá mudar e tomar-se patogênica.
Há uma outra dificuldade que a hipótese deve enfrentar. Embora seja
verdade que há uma incidência maior de morte de pais na infância de indivíduos
que, mais tarde, são propensos a desenvolver certos tipos de personalidade e
certas formas de doença, a incidência absoluta é, no entanto, baixa. Perguntar-
se-á: como explicar os outros casos? Existe mais de uma explicação possível.
Em primeiro lugar, a fim de basear a minha tese em provas sólidas,
restringi deliberadamente a maior parte da discussão à incidência da morte de
um dos pais. Quando são incluídas outras causas de perda dos pais nos primeiros
anos, a percentagem de casos afetados aumenta consideravelmente. Além disso,
em muitos dos casos em que não houve nenhum episódio de separação real no
espaço entre a criança e um dos pais, existem frequentemente provas de que
houve, não obstante, separação de outro tipo e mais ou menos grave. Rejeição,
perda de amor (talvez com a chegada de um novo bebê ou em virtude de
depressão da mãe), perda de afeição de um dos pais pelo outro e situações
semelhantes, têm todas como fator comum a perda pela criança de um ente a
quem ama e a quem está ligada. Se o conceito de perda for ampliado para cobrir
a perda de amor, esses casos deixarão de constituir exceções.

Nota de rodapé:

*(1). Distúrbios psiquiátricos cm que a identificação com o pai (ou mãe) que se perdeu desempenha um papel
significativo vêm sendo estudados há muito tempo por analistas. São particularmente claros nas reações de aniversário
(Hilgard e Newman, 1959).

59
Parece improvável, contudo, que tal ampliação abranja os casos incluídos
nas síndromes psiquiátricas em questão. Se esse for comprovadamente o caso,
então será necessário procurar alguma outra explicação para os que não são
considerados pela presente hipótese. Talvez num exame mais apurado o quadro
clínico de tais casos se mostre substancialmente diferente daqueles que são
relatados. Também pode acontecer que as condições clínicas se mostrem
essencialmente semelhantes, mas os processos patológicos em ação em casos
não relatados tenham sido iniciados por eventos de uma espécie diferente.
Enquanto essas e outras possibilidades não forem exploradas, os problemas
subsistirão. Entretanto, como raramente existe uma relação simples entre
síndrome, processo patológico e experiência patogênica, os problemas não são
diferentes dos que ocorrem constantemente em outros campos da pesquisa
médica.

Conclusão.

É provável que a maior parte da pesquisa no campo da psiquiatria ainda


comece hoje com um produto final, um paciente doente, e procure desvendar a
sequência de acontecimentos, psicológicos e fisiológicos, que parecem ter
culminado em sua doença. Isso resulta em muitas e sugestivas hipóteses, mas,
como qualquer outro método de investigação, tem algumas limitações. Uma das
características preponderantes de uma ciência em progresso é a exploração de
tantos métodos quantos puderem ser criados. Quando na medicina fisiológica a
pesquisa foi ampliada para incluir a investigação sistemática de um ou outro
agente patogênico e seus efeitos, colheu-se uma enorme quantidade de
conhecimentos. Talvez não esteja distante o dia em que o mesmo seja possível
em psiquiatria.
Por causa de suas implicações práticas e científicas, o estudo de respostas à perda
da figura materna nos primeiros anos de vida é um dos mais promissores. No
aspecto prático, existe a probabilidade de nos tornarmos capazes de desenvolver
medidas para impedir, pelo menos, algumas formas de enfermidade mental. Sob
o aspecto científico, há oportunidades que são proporcionadas pela identificação
de um evento da infância, que é provavelmente patogênico, que pode ser
claramente definido e cujos efeitos sobre a personalidade em desenvolvimento
podem ser sistematicamente estudados por observação direta.
Existem, é claro, muitos outros acontecimentos na infância, além de uma perda,
que constituem uma boa razão para acreditar que também contribuam para o
desenvolvimento da personalidade perturbada e da doença psiquiátrica. Um
exemplo é a criança estar exposta a uma ou outra das várias espécies de atitude
parental que há muito são objeto de preocupação e esforço terapêutico nas
clínicas psiquiátricas infantis. Para cada uma delas, a tarefa de pesquisa consiste,

60
primeiro, em definir o evento ou a sequência de eventos; segundo, em localizar
uma amostra de casos em que o evento ou a sequência de eventos está ocorrendo,
de modo que os seus efeitos sobre o desenvolvimento psicológico possam ser
estudados; e, finalmente, relacionar os processos que se apurou serem
desencadeados por tal evento ou eventos com os processos presentes em
pacientes com doença declarada. As consequências de tal ampliação dos limites
da pesquisa são do maior alcance.

61
62
4. Efeitos sobre o comportamento do rompimento de um vínculo afetivo
*(1).

Durante vários anos, a Eugenics Society organizou simpósios sobre a


interação de fatores genéticos e ambientais no desenvolvimento humano. O
quarto simpósio, realizado em Londres no outono de 1967, ocupou-se de
“Influências Genéticas e Ambientais Sobre o Comportamento”. O estudo que se
segue foi uma contribuição para o simpósio, e foi publicado no ano seguinte.

Médicos de família, sacerdotes e leigos perceptivos sabem, há muito


tempo, que existem poucos golpes para o espírito humano tão grandes quanto a
perda de alguém próximo e querido, O senso-comum tradicional sabe que
podemos ser esmagados pelo pesar e morrer por causa de um grande sofrimento,
e também que um amante repudiado é capaz de fazer coisas que são insensatas
ou perigosas para ele mesmo e para os outros. Sabe ainda que não sentimos amor
e nem pesar por um ser humano qualquer, mas apenas por um ou alguns sere s
humanos em particular. O núcleo daquilo que eu chamo de “vínculo afetivo” é a
atração que um indivíduo sente por um outro indivíduo.
Até décadas recentes, a ciência teve pouco a dizer sobre esses assuntos.
Cientistas experimentais nas tradições da psicologia seja fisiológica seja da
teoria hulliana da aprendizagem da psicologia nunca mostraram interesse pelos
vínculos afetivos e, por vezes, falaram e agiram como se eles não existissem.

Nota de rodapé:
*(1). Publicado originalmente em Thoday, J. M. e Parker, A. S. (orgs.) (1968), Genetic and Environmental Influences
on Behaviour. Edimburgo: Oliver & Boyd. Reimpresso com autorização de The Eugenics Society.

63
Os psicanalistas, pelo contrário, há muito reconheceram a importância
imensa dos vínculos afetivos nas vidas e problemas de seus pacientes, mas
demoraram para desenvolver uma estrutura científica adequada, dentro da qual
a formação, manutenção e rompimento de tais vínculos possam ser entendidos.
A lacuna foi preenchida pelos etologistas, começando com o estudo clássico de
Lorenz, The Companion in the Bird’s World (1935), prosseguindo com
inúmeros experimentos sobre imprinting (Bateson, 1966; Sluckin, 1964) até aos
estudos do comportamento de ligação em primatas não-humanos (Hinde e
Spencer-Booth, 1967; Sade, 1965), e inspirando os psicólogos a realizarem
estudos semelhantes com seres humanos (Ainsworth, 1967; Schaffer e Emerson,
1964). Prevalecimento da vinculação.
Antes de examinarmos os efeitos do rompimento de vínculos, é
conveniente uma nota sobre a vinculação e seu prevalecimento. O trabalho a que
nos referimos mostra que, mesmo que não sejam universais em aves e
mamíferos, vínculos fortes e persistentes entre indivíduos são a regra em
numerosas espécies. Os tipos de vínculos que são formados diferem de uma
espécie para outra, sendo os mais comuns aqueles que existem entre os pais e
sua prole, e entre adultos de sexos opostos. Nos mamíferos, incluindo os
primatas, o primeiro e mais persistente de todos os vínculos é geralmente entre
a mãe e seu filho pequeno, um vínculo que frequentemente persiste até a idade
adulta. Como resultado de todos esses trabalhos, é possível, agora,
considerarmos os fortes e persistentes vínculos afetivos estabelecidos por seres
humanos a partir de um ponto de vista comparativo.
A vinculação afetiva é o resultado do comportamento social de cada
indivíduo de uma espécie, diferindo conforme o outro indivíduo de sua espécie
com quem ele esteja tratando; isso implica, é claro, uma aptidão para reconhecer
indivíduos. Enquanto que cada membro de um par vinculado tende a manter-se
na proximidade do outro e a suscitar, no outro, o comportamento de manutenção
da proximidade, os indivíduos que não estão assim vinculados não mostram tais
tendências; com efeito, quando dois indivíduos não estão vinculados,
frequentemente um deles resiste vigorosamente a qualquer abordagem que o
outro possa tentar. São exemplos disso as atitudes dos pais diante da
aproximação de filhotes que não são os seus, e as atitudes de um macho frente à
aproximação de um outro macho.
A característica essencial da vinculação afetiva é que os dois parceiros
tendem a manter-se próximos um do outro. Quando, por qualquer razão, se
separam, cada um deles procurará o outro, mais cedo ou mais tarde, a fim de
reatar a proximidade. Qualquer tentativa, por parte de terceiros, para separar um
par vinculado encontrará vigorosa resistência; não é raro o mais forte dos
parceiros atacar o intruso enquanto o mais fraco trata de fugir ou, talvez, de se
agarrar ao parceiro mais forte. Exemplos óbvios são as situações em que um

64
intruso tenta tirar os filhotes de perto de uma mãe, por exemplo, o bezerro da
vaca, ou separar a fêmea de um par heterossexual vinculado, por exemplo, ganso
e gansa.
De uma forma um tanto paradoxal, o comportamento de tipo agressivo
desempenha um papel decisivo na manutenção de vínculos afetivos. Assume
duas formas distintas: primeiro, ataques e afugentamento de intrusos e, segundo,
a punição de um parceiro errante, seja ele esposa, marido ou filho. Há provas de
que boa parte do comportamento agressivo de um tipo desconcertante e
patológico tem origem em uma ou outra dessas formas (Bowlby, 1963).
Os vínculos afetivos e os estados subjetivos de forte emoção tendem a
ocorrer juntos, como sabem todos os romancistas e autores teatrais. Assim,
muitas das mais intensas emoções humanas surgem durante a formação,
manutenção, rompimento e renovação de vínculos emocionais. Em termos de
experiência subjetiva, a formação de um vínculo é descrita como “apaixonar-
se”, a manutenção de um vínculo como “amar alguém”, e a perda de um parceiro
como “sofrer por alguém”. Analogamente, a ameaça de perda gera ansiedade e
a perda real causa tristeza; ao passo que ambas as situações podem despertar
raiva. Finalmente, a manutenção incontestada de um vínculo é experimentada de
segurança, e a renovação de um vínculo como uma fonte de júbilo. Assim,
qualquer pessoa interessada na psicologia e psicopatologia da emoção, seja em
animais ou no homem, não tardará em deparar-se com problemas de vinculação
afetiva: o que faz com que os vínculos se desenvolvam e para que existem, e,
especialmente, as condições que afetam a forma assumida pelo seu
desenvolvimento.
Na medida em que psicólogos e psicanalistas tentaram explicar a
existência de vínculos afetivos, quase sempre foram invocadas as razões de
alimento e sexo. Assim, na tentativa de explicarem por que uma criança se liga
à mãe, teóricos da aprendizagem (Dollard e Miller, 1950; Sears, Maccoby e
Levin, 1957) e psicanalistas (Freud, 1938) supu seram, cada um por seu lado,
que isso se deve ao fato de a mãe alimentar o bebê. Na tentativa de
compreenderem por que adultos se ligam uns aos outros, o sexo foi comumente
considerado a explicação óbvia e suficiente. Entretanto, quando as provas são
minuciosamente examinadas, verifica-se que essas explicações são insuficientes.
Atualmente, há provas abundantes de que, não só entre as aves, mas também
entre os mamíferos, os filhos ligam-se a objetos maternos apesar de não serem
alimentados por essa fonte (Harlow e Harlow, 1965; Cairns, 1966), e de que os
vínculos afetivos entre adultos não são, de modo algum, necessariamente
acompanhados por relações sexuais; ao passo que, inversamente, relações
sexuais ocorrem, com frequência, independentemente de quaisquer vínculos
afetivos persistentes.

65
O que se sabe hoje acerca da ontogenia dos vínculos afetivos sugere que
estes se desenvolvem porque a criatura nasce com uma forte inclinação para se
aproximar de certas classes de estímulos, notadamente os que lhe são familiares,
e para evitar outras classes de estímulos – os estranhos. Quanto à função, a
observação de animais em seu habitat natural sugere nitidamente que a função
biológica de quase toda, senão de toda a vinculação entre indivíduos da mesma
espécie é a proteção contra predadores – uma função tão importante quanto a
nutrição ou a reprodução para a sobrevivência de uma população, mas que
geralmente tem sido menosprezada por investigadores confinados entre as
quatro paredes de um laboratório e preocupados apenas com o homem que vive
em sociedades economicamente desenvolvidas.
Sejam essas hipóteses corroboradas ou não por pesquisas subsequentes,
a capacidade de um indivíduo para estabelecer vínculos afetivos de um tipo
adequado a cada fase do ciclo vital de sua espécie e ao seu próprio sexo constitui,
obviamente, uma capacidade tão típica de indivíduos da espécie mamífera
quanto as capacidades, por exemplo, de ver, ouvir, comer e digerir. E é muito
provável que uma capacidade de vinculação tenha um valor de sobrevivência
para uma espécie, tão grande quanto qualquer dessas outras capacidades
estudadas desde longa data. E comprovadamente produtivo considerar muitos
distúrbios psiconeuróticos e da personalidade nos seres humanos como um
reflexo de um distúrbio da capacidade para estabelecer vínculos afetivos, em
virtude de uma falha no desenvolvimento na infância ou de um transtorno
subsequente.

Rompimento de vínculos e doença psiquiátrica.

Aqueles que padecem de distúrbios psiquiátricos – psiconeuróticos,


sociopáticos ou psicóticos – manifestam sempre deterioração da capacidade para
estabelecer ou manter vínculos afetivos, uma deterioração que, com frequência
é grave e duradoura. Embora, em alguns casos, tal deterioração seja claramente
secundária em relação a outras mudanças, em muitos é provavelmente primária
e deriva de falhas no desenvolvimento, que terão ocorrido numa infância vivida
num ambiente familiar atípico. Embora, sob esse aspecto, o rompimento dos
vínculos que ligam uma criança a seus pais não seja a única adversidade que o
meio ambiente pode apresentar, é a forma que tem sido registrada de um modo
mais confiável e sobre cujos efeitos mais sabemos *(1).
Ao examinarem as causas possíveis de distúrbio psiquiátrico na infância,
os psiquiatras infantis perceberam desde cedo que as condições antecedentes de
incidência significativamente elevada são a ausência de oportunidade para
estabelecer vínculos afetivos ou então as prolongadas e talvez repetidas rupturas
de vínculos que foram estabelecidos (Bowlby, 1951; Ainsworth, 1962). Embora

66
seja amplamente sustentado o ponto de vista de que tais condições não só estão
associadas ao distúrbio subsequente, mas também causam tal distúrbio, essa
conclusão continua sendo, no entanto, discutível.
Estudos sobre a incidência de perdas na infância em diferentes amostras
de populações psiquiátricas têm-se multiplicado nos últimos anos. Em virtude
das amostras e dos grupos de controle serem tão diferentemente constituídos,
dos critérios de perda serem definidos de modos diferentes, e de uma série de
acasos demográficos e estatísticos, a sua interpretação não é fácil. No entanto,
algumas descobertas, inclusive numerosos estudos recentes bem controlados
relatados por investigadores independentes, têm apresentado tanta coerência,
que podemos confiar razoavelmente neles. Foi sistematicamente apurado que
dois síndromes psiquiátricos e duas espécies de sintomas associados são
precedidos por uma elevada incidência de vínculos afetivos desfeitos durante a
infância. As síndromes são a personalidade psicopática (ou sociopática) e a
depressão; os sintomas persistentes, a delinquência e o suicídio.
O psicopata (ou sociopata) é uma pessoa que, embora pão sendo psicótica
ou mentalmente subnormal, realiza persistentemente: (i) atos contra a sociedade,
por exemplo, crimes; (ii) atos contra a família, por exemplo, negligência,
crueldade, promiscuidade sexual ou perversão; (iii) atos contra a própria pessoa,
por exemplo, toxicomania, suicídio ou tentativa de suicídio, abandono repetido
do emprego.
Em tais pessoas, a capacidade para estabelecer e manter vínculos afetivos
é sempre desordenada e, não raro, ausente.

Nota de rodapé:
*(1). Também existem valiosos estudos sobre a reação de adultos à morte de um ente querido e as relações entre as
reações de perda e a doença mental (Parkes, 1965). Numa exposição sucinta como esta é impossível incluir uma discussão
de todos esses dados.

67
Apurou-se que frequentemente a infância de tais indivíduos foi
seriamente perturbada pela morte, divórcio ou separação dos pais, ou por outros
eventos que resultam na ruptura de vínculos afetivos, sendo que a incidência de
tais perturbações é muito mais elevada do que em qualquer outro grupo
comparável, quer seja de pessoas da população geral, quer seja de pessoas que
apresentem quadros psiquiátricos de outras espécies. Por exemplo, num estudo
de bem mais de mil pacientes de ambulatório psiquiátrico, com menos de 60
anos de idade, Earle e Earle (1961) diagnosticaram 66 como sociopatas e 1357
como portadores de algum outro distúrbio. Adotando como critério a ausência
da mãe durante seis meses ou mais, antes dos seis anos de idade, Earle e Earle
apuraram uma incidência de 41 % para os sociopatas e 5 % para os restantes.
Quando o critério é ampliado, a incidência aumenta. Assim, Craft,
Stephenson e Granger (1964) adotaram como critério a ausência da mãe ou do
pai (ou de ambos) antes de dez anos de idade. Dos 66 internos do sexo masculino
em hospitais especiais para psicopatas agressivos, nada menos de 65 % tinham
tido essa experiência. Num estudo de vários grupos de controle, Craft mostra
como a incidência desse tipo de experiência infantil se eleva com o grau de
conduta anti-social manifestada pelos membros de um grupo.
Outros que divulgaram conclusões estatisticamente significativas do
mesmo tipo para grupos de psicopatas e delinquentes persistentes foram Naess
(1962), Greer (l964a), e Brown e Epps (1966); e para alcoólatras e toxicômanos,
Dennehy (1966).
Nos psicopatas, a incidência de ilegitimidade e de transferência da
criança de um “lar” para outro é elevada. Não é por mero acaso que Brady, dos
assassinatos “Moors”, era um psicopata com essas características.
Um outro grupo psiquiátrico que mostra uma incidência muito alta de
perda na infância é o dos Pacientes suicidas, tanto os que tentaram o suicídio
como os que o consumaram *(1). O mais provável é que as perdas tenham
ocorrido durante os primeiros cinco anos de vida e tenham sido causadas não só
pela morte de um dos pais, mas também por outras causas permanentes,
principalmente a ilegitimidade e o divórcio. Nesses aspectos, os pacientes
suicidas tendem a assemelhar-se aos sociopatas e, como se verá mais adiante, a
diferir dos depressivos.

Nota de rodapé:

*(1). Embora qualquer grupo de suicidas e de indivíduos que tentaram o suicídio contenha alguns sociopatas e alguns
depressivos, a maioria será provavelmente diagnosticada como sofrendo de neurose ou distúrbio de personalidade (Greer,
Gunn e Koller, 1966) e constitui, portanto, um grupo psiquiátrico bastante distinto.

68
Quadro 1. Incidência de perda ou ausência contínua de um ou de ambos os pais
naturais durante pelo menos 12 meses antes de completar 15 anos.

Idade da perda Pacientes não- Pacientes Indivíduos que


psiquiátricos % psiquiátricos tentaram o
não-suicidas % suicídio %
0-4 anos 9 9 26
5-9 anos 12 10 11
10-14 anos 7 7 11
Duvidoso 0 2 1
0-14 anos 28 28 49

Dos numerosos estudos que relatam uma incidência muito alta de perda
na infância entre os indivíduos que tentam o suicídio – por exemplo, Bruhn
(1962), Greer (1964b) e Kessel (1965) –, um estudo recente de Greer, Gunn e
Koller (1966) é um dos mais bem controlados. Uma série de 156 indivíduos que
tentaram o suicídio foi comparada com amostras da mesma grandeza, de
pacientes psiquiátricos não-suicidas e de pacientes de cirurgia e obstetrícia sem
história psiquiátrica; ambos os grupos de controle se equiparavam ao de suicidas
potenciais quanto à idade, sexo, classe e outras variáveis relevantes. Tomando
como critério de perda a ausência contínua de um ou ambos os pais durante, pelo
menos, doze meses, Greer apurou que tais eventos tinham ocorrido antes dos
cinco anos de idade com frequência três vezes maior no grupo de suicidas
potenciais do que em qualquer dos grupos de controle – uma incidência de 26 %
contra 9 % para cada um dos outros grupos (Quadro 1).
Além disso, as perdas no grupo de suicidas potenciais tendiam mais
frequentemente a ser permanentes e de ambos os pais, ao passo que nos outros
grupos diziam respeito, com maior frequência, a apenas um dos pais e eram
perdas temporárias, causadas por exigências tais como doença ou trabalho *(1).
Num outro estudo sobre o mesmo grupo de indivíduos que tentaram o suicídio
(Greer e Gunn, 1966), verificou-se que aqueles que tinham sofrido a perda dos
pais antes de completar quinze anos diferiam significativamente, em certos
aspectos, dos que não tinha m. Uma dessas diferenças, em concordância com as
outras conclusões, é o fato de que aqueles que haviam sofrido uma perda na
infância tinham maior probabilidade de ser diagnosticados como sociopatas do
que aqueles que não tinham sofrido uma perda na infância (18% contra 4%).
Nota de rodapé:

*(1). Ver também um estudo subsequente das relações entre a orfandade na infância e as ideias de suicídio, de autoria
de Adam (1973).

69
Uma outra condição que está associada a uma incidência significativamente
maior de perda na infância é a depressão. Entretanto, o tipo de perda experimentada
tende a ser de uma espécie diferente da deterioração familiar geral, que é típica da
infância de psicopatas e de indivíduos que tentam o suicídio. Em primeiro lugar, na
infância de depressivos, a perda deve-se mais frequentemente à morte de um dos pais
do que à ilegitimidade, divórcio ou separação. Em segundo lugar, nos depressivos, a
incidência de orfandade tende a ser maior durante o segundo quinquênio da infância e,
em alguns estudos, também no terceiro. Resultados desse tipo foram relatados por F.
Brown (1961), Munro (1966), Dennehy (1966) e Hill e Price (1967). As indicações são
de que a perda de um dos pais por morte ocorre com frequência duas vezes maior num
grupo de depressivos do que na população total *(1).
Assim, parece agora razoavelmente certo que, em numerosos grupos de
pacientes psiquiátricos, a incidência de rompimento de vínculos afetivos durante a
infância é significativamente elevada. Embora estes últimos estudos confirmem as
conclusões anteriores a respeito da maior incidência de perda da mãe durante os
primeiros anos da infância, eles também as ampliam. Para vários tipos de condições,
sabe-se agora que as maiores incidências de vínculos afetivos desfeitos incluem tanto
os vínculos com os pais como com as mães, e são observados entre os cinco e os catorze
anos, tanto quanto nos primeiros cinco anos. Além disso, nas condições mais extremas
– sociopatia e tendências suicidas – não só é provável que uma perda inicial tenha
ocorrido nos primeiros anos de vida, mas também é provável que tenha sido uma perda
permanente, seguida da experiência de repetidas mudanças de figuras parentais.
No entanto, demonstrar uma incidência maior de algum fator é uma coisa;
demonstrar que ele desempenha um papel causal é outra coisa muito diferente. Embora
a maioria dos autores que apresentaram esses dados conclusivos acima referidos
acredite que a maior incidência de perdas na infância tem uma relação causal com o
subsequente distúrbio psiquiátrico – e existem inúmeros relatos clínicos apontando
nessa direção (para referências, ver Bowlby, 1963) –, explicações alternativas ainda são
possíveis. Como exemplo, a maior incidência de morte materna e paterna em pacientes
psiquiátricos poderia ser resultado do fato de as diferenças entre as idades dos pacientes
e de seus pais serem maiores do que a média para a população.

Nota de rodapé:
*(1). Dados estatísticos a respeito da incidência de perda dos pais durante a infância em adultos deprimidos têm sido
frequentemente contraditórios, e eu simplifiquei a versão original deste parágrafo a fim de harmonizá-lo com o
pensamento atual. O estudo mais recente e abrangente do problema (embora confinado a mulheres) é o de George Brown
e Tirril Harris (1978). Eles concluem que a perda na infância contribui, de três maneiras distintas, para a depressão
clínica. Em primeiro lugar, as mulheres que perderam a mãe por morte ou separação, antes dos 11 anos de idade, são
mais propensas a reagir à perda, ameaça de perda e outras dificuldades e crises na vida adulta mediante o
desenvolvimento de um distúrbio depressivo do que as mulheres que não experimentarem essa perda na infância. Em
segundo lugar, se uma mulher sofreu uma ou mais perdas de membros da família por morte ou separação antes dos 17
anos de idade, qualquer depressão que se desenvolva subsequentemente é suscetível de ser mais grave do que numa
mulher que não tenha sofrido perdas desse tipo. Em terceiro lugar, a forma assumida pela perda na infância afeta a forma
de qualquer doença depressiva que possa desenvolver-se mais tarde. Quando a perda na infância foi devida à separação,
é provável que qualquer doença que seja subsequentemente contraída mostre características de depressão neurótica, com
sintomas de ansiedade. Quando a perda se deve a morte, qualquer doença que se desenvolva subsequentemente poderá
apresentar características de depressão psicótica, com muito retardamento.
Brown e Harris também chamam a atenção para alguns dos problemas, antes não reconhecidos, de obtenção de números
válidos quando se fazem comparações entre um grupo de pacientes psiquiátricos e um grupo de controle.

70
Sendo assim, não só a morte de um dos pais ocorreria mais cedo, mas
também haveria maior probabilidade de o filho nascer com uma carga genética
adversa. Assim, o que parece ser um determinante ambiental poderia, no fim das
contas, ser um determinante genético.
Não é fácil testar essa possibilidade. Para que ela seja corroborada, é
preciso: primeiro, que se verifique se as médias das diferenças entre as idades
dos pacientes psiquiátricos e as de suas mães (e/ou pais) são, de fato, superiores
às médias para a população total; e, segundo, que se possa demonstrar que a
idade mais elevada dos pais na época do nascimento dos filhos tem um efeito
adverso sobre a dotação genética do filho, de tal modo que aumente a
probabilidade de distúrbios psiquiátricos. O primeiro requisito pode ser
perfeitamente satisfeito: provas recentes (Dennehy, 1966) sugerem que as
médias das diferenças entre as idades dos pacientes psiquiátricos e as dos seus
pais podem situar-se acima das médias para a população da qual eles provêm.
Do segundo requisito, porém, é mais difícil obter provas. Em termos claros,
talvez leve ainda algum tempo para que a questão seja resolvida.
No entanto, aqueles que acreditam ser causal a relação entre o rompimento de
vínculos afetivos durante a infância e a deterioração da capacidade para manter
vínculos afetivos, típica das perturbações da personalidade na vida adolescente
e adulta, apontam outras provas que sustentam sua hipótese. Tais provas
envolvem o modo pelo qual jovens primatas humanos e sub-humanos se
comportam quando um vínculo afetivo é rompido por separação ou morte.

Efeitos a curto prazo de vínculos desfeitos.

Quando uma criança pequena se vê entre estranhos e sem suas figuras


parentais familiares, ela não só se mostra intensamente aflita no momento, mas
suas relações subsequentes com os pais ficam comprometidas, pelo menos
temporariamente. O comportamento observado em crianças de dois anos de
idade, durante e após uma breve estada numa creche residencial, é o objeto de
um sistemático estudo descritivo e estatístico empreendido na Tavistock por
Heinicke e Westheimer (1966). A parte do relatório para a qual chamo a atenção
é aquela em que eles comparam o comportamento, em relação à mãe, de dez
crianças que tinham estado na creche e agora voltaram para casa, com o de um
grupo de controle formado por dez crianças que permaneceram em casa o tempo
todo.
Nas crianças separadas observaram-se duas formas de distúrbio do
comportamento afetivo, nenhuma das quais foi observada no grupo de controle
de crianças não-separadas. Uma forma é a de desligamento emocional; a outra,
aparentemente oposta, é uma implacável exigência para estar perto da mãe.

71
(1) No primeiro encontro com a mãe, após ter estado fora de casa com estranhos
por duas ou três semanas, uma criança de dois anos mantém-se
caracteristicamente distante e desligada. Enquanto que, durante seus primeiros
dias fora de casa, é comum uma criança chorar pateticamente pela mãe, quando
finalmente regressa parece não a reconhecer ou evitá-la. Em vez de se precipitar
para a mãe e ficar agarrada às suas saias, como provavelmente faria caso se
perdesse numa loja durante meia hora, a criança frequentemente a fica estudando
e recusa-se a dar-lhe a mão. Todo o comportamento de busca de proximidade,
típica de um vínculo afetivo, está ausente, usualmente para consternação intensa
da mãe; e continua ausente – às vezes apenas por alguns minutos, mas outras
vezes durante dias, o reatamento da ligação pode ser repentino, mas, com
frequência, é lento e gradual. O tempo em que o desligamento persiste está
positivamente correlacionado com o tempo de separação (Quadro 2).
(2) Quando – como é usual – o comportamento de ligação é reatado, uma criança
mostra-se comumente muito mais apegada do que antes da separação,
Desagrada-lhe que a mãe a deixe sozinha e tende a chorar ou a segui-la pela casa
toda. O modo como essa fase evolui depende muito de como sua mãe reage. Não
raras vezes sobrevém um conflito, uma criança exigindo a constante companhia
de sua mãe e esta recusando a tal recusa evoca prontamente na criança um
comportamento hostil e negativo, capaz de desafiar ainda mais a paciência da
mãe. Das dez crianças separadas que foram observadas por Heinicke e
Westheimer, seis delas apresentaram um comportamento hostil intenso e
persistente em relação à mãe, e negativismo após a volta para casa; tal
comportamento não foi observado nas crianças não-separadas (Quadro 3).
É claro que ainda há uma grande distância entre mostrar que os vínculos
de uma criança com sua mãe, e frequentemente também com seu pai, sofrem um
desequilíbrio em virtude de uma breve separação, e demonstrar de um modo
inequívoco que separações longas ou repetidas estão causalmente relacionadas
com os subsequentes distúrbios de personalidade. Entretanto, o comportamento
de desligamento tão típico de crianças pequenas, após uma separação, não tem
mais do que uma semelhança passageira com o comportamento de desligamento
de alguns psicopatas, embora seja difícil distinguir o comportamento
agressivamente exigente de muitas crianças recentemente reunidas à mãe do
comportamento agressivamente exigente de muitas personalidades histéricas.

72
Quadro 2. Número de crianças separadas e não-separadas que mostraram
desligamento durante os 3 primeiros dias após a reunião (ou durante período
equivalente).

Nenhum desligamento: Separadas: -. Não-separados: 10.

Desligamento durante um único dia: Separados: 1. Não-separados: -.

Desligamento alterado com agarramento: Separados: 4. Não-separados: -.

Desligamento persistente durante 3 dias: Separados: 5. Não-separados: -.

Total: Separados 10. Não-separados 10.

Grau de desligamento correlacionado com a duração da separação: r: 0,82;


p:0,01.

É comprovadamente útil o postulado de que, em cada tipo de caso, o


comportamento perturbado do adulto representa uma persistência, ao longo dos
anos, de padrões desviantes do comportamento de ligação que se estabeleceram
em consequência do rompimento de vínculos afetivos durante a infância. Por um
lado, ajuda a organizar os dados e a orientar o prosseguimento da pesquisa; por
outro, fornece diretrizes para o trato cotidiano com esse tipo de pessoa.
Para ampliar os nossos conhecimentos nesse campo, seria obviamente de
valor incalculável realizar uma longa série de experimentos a fim de investigar
os efeitos, a curto e a longo prazo, sobre o comportamento, do rompimento de
um vínculo afetivo, levando em conta a idade do indivíduo, a natureza do
vínculo, a extensão e a frequência dos rompimentos, além de muitas outras
variáveis.

Quadro 3. Número de crianças separadas e não-separadas que mostraram forte e


persistente hostilidade à mãe após a reunião (ou durante período equivalente).

Pouco ou nenhum comportamento hostil ou negativismo em relação à mãe:


Separados: 4. Não-separados: 10.

Forte e persistente comportamento hostil e negativismo em relação à mãe:


Separados: 6. Não-separados: 0.

Total: Separados – 10. Não - separados – 10. P: 0,01

73
Quadro 4.
Consternação pela separação temporária da mãe, do pai ou irmão, em meniscos
anóxicos e não anóxicos no nascimento.

2° ano:
Anóxicos: Consternados: 8. Não-consternados: 2.
Não-anóxicos: Consternados: 2. Não-consternados: 12.
Significância P: 0,01.

3° ano:
Anóxicos: Consternados: 9. Não-consternados: 2.
Não-anóxicos: Consternados: 4. Não-consternados: 7.

Significância P: 0,1.

O total de amostras compreende 29 pares de meninos equiparados por classe,


ordem de nascimento e idade da mãe.

Igualmente óbvio, entretanto, é que quaisquer experimentos desse tipo


com sujeitos humanos são rejeitados por motivos éticos. Por essas razões, é
muito bem-vindo o fato de estarem sendo agora empreendidos experimentos
análogos usando primatas não-humanos. Dados preliminares sugerem que, em
bebês rhesus de seis meses de idade, os efeitos de uma perda temporária da mãe
(seis dias) não são, durante e após a separação, diferentes dos verificados em
crianças de dois anos (Spencer-Booth e Hinde, 1966) - por exemplo, aflição e
nível reduzido de atividade durante a separação, e uma tendência
excepcionalmente forte para apegar-se à mãe depois que voltaram a reunir-se.
Além disso, as reações da mãe rhesus a esse comportamento não diferem das da
mãe humana. Até agora, porém, não há registro de que nenhum bebê-macaco
tenha mostrado desligamento, e isso poderá representar uma diferença própria
da espécie.
Tanto em bebês humanos como em macacos, verifica-se uma vasta gama
de variações individuais na reação ao rompimento de um vínculo. Parte dessa
variação deve-se, provavelmente, aos efeitos sobre um bebê de eventos que
ocorrem durante a gravidez e o parto. Assim, Ucko (1965) apurou que meninos
que no parto tinham sofrido um período de asfixia são muito mais sensíveis à
mudança ambiental, inclusive separação da mãe, do que meninos que não
sofreram asfixia (Quadro 4). Por outro lado, é bem provável que uma outra parte
dessa variância seja geneticamente determinada. Com efeito, é uma hipótese
razoável a de que uma das principais formas pelas quais os fatores genéticos
atuam para influenciar o desenvolvimento da saúde mental e da doença mental

74
é através de seu efeito sobre o comportamento de vinculação: em que grau e
forma, e em que circunstâncias, pode um indivíduo estabelecer e manter vínculos
afetivos, e como reage ele ao rompimento desses vínculos? Realizando estudos
desse tipo, talvez seja possível no futuro conjugar as pesquisas ambientais e
genéticas sobre distúrbios de comportamento.

75
76
5. Separação e perda na família *(1).

Na primavera de 1968, quando eu estava na Califórnia, a Sociedade


Psicanalítica de São Francisco organizou uma conferência para profissionais das
diversas áreas de saúde mental sobre o tema “Separação e Perda”. Fui convidado
a contribuir e apresentei então uma versão do presente estudo, o qual foi
posteriormente ampliado com a ajuda de meu colega, Colin Murray Parkes, e
publicado em 1970 sob nossa autoria conjunta. É reeditado aqui com a sua
permissão.
Provavelmente, todos nós estamos profundamente conscientes da
ansiedade e consternação que podem ser causadas por separações de entes
queridos, do profundo e prolongado pesar que se pode seguir à morte de um
deles, e dos riscos que esses eventos constituem para a saúde mental. Uma vez
atentos para esses fatos, não será difícil ver que muitos dos problemas que somos
chamados a tratar em nossos pacientes devem ser atribuídos, pelo menos em
parte, a uma separação ou uma perda que ocorreu, seja recentemente, seja em
algum período anterior da vida. Ansiedade crônica, depressão intermitente ou
suicídio são alguns dos tipos mais comuns de problemas que hoje sabemos serem
atribuíveis a tais experiências. Além disso, sabe-se que as interrupções
prolongadas ou repetidas do vínculo entre a mãe e o filho pequeno, durante os
primeiros cinco anos de vida da criança, são especialmente frequentes em
pacientes diagnosticados mais tarde como personalidades psicopáticas ou
sociopáticas.

Nota de rodapé:

*(1). Publicado originalmente em Anthony, E. J. e Koupernik, C. (orgs.) (1970), The Child in His Family, Vol. 1. Nova
Iorque: John Wiley, Copyright © 1970 John Wiley & Sons, Inc. Reproduzido com permissão .

77
Os dados que comprovam essas afirmações, especialmente as que se
referem à maior incidência de perda de um dos pais durante a infância em
amostras de pacientes com tais problemas, quando comparados com amostras de
controle são examinados em outro lugar
*(1). Um Ponto que desejamos enfatizar particularmente é que, embora
as perdas ocorridas durante os primeiros cinco anos sejam, provavelmente, muito
perigosas para o futuro desenvolvimento da personalidade as perdas ocorridas
mais tarde na vida também são potencialmente perigosas.
Embora esteja estatística e clinicamente comprovada a existência de uma
relação causal entre distúrbio psicológico e uma separação ou perda ocorrida em
alguma fase da infância, adolescência, ou até mesmo mais tarde, subsistem
numerosos problemas na compreensão dos processos em atividade e também das
condições exatas que determinam se o resultado é bom ou mau. Contudo, não os
ignoramos inteiramente. O nosso plano neste artigo consiste em dar atenção
especial aos métodos por meio dos quais poderemos ajudar os nossos pacientes.
Quer sejam crianças ou adultos, quer a perda seja recente ou tenha ocorrido há
muito tempo, acreditamos que podemos discernir agora certos princípios em que
basear a nossa terapia.
Começaremos por descrever o pesar e o luto tal como ocorrem em
adultos, e a partir daí para a infância.

Pesar e luto na vida adulta.

Contamos hoje com uma soma Considerável de informações idôneas


sobre o modo pelo qual adultos reagem a uma perda importante. Elas provêm de
numerosas fontes, notadamente os estudos de Lindemann (1944) e Marris
(1958), ampliados por um recente estudo, ainda inédito em sua maior parte, de
Parkes (1969, 1971b) *(2). Embora a intensidade do pesar varie
consideravelmente de indivíduo para indivíduo, e a duração de cada fase também
varie, existe um padrão geral básico.
Num estudo anterior (Bowlby, 1961b), sugeriu-se que o curso do luto
pode dividir-se em três fases principais, mas sabemos hoje, que essa divisão
omitiu uma importante primeira fase, a qual é usualmente bastante breve.

Nota de rodapé:

*(1). [Notadamente, os Capítulos 3 e 4 deste volume.]


*(2). As informações foram obtidas de uma amostra bastante representativa de 22 viúvas entre os 26 e 65 anos de idade,
durante o ano que se seguiu à perda do marido. Houve nada menos do que Cinco longas entrevistas clínicas com cada
viúva, aos 1, 3, 6, 9 e 18 meses após o falecimento do cônjuge. Obteve-se um bom contato e muita gratidão foi expressa
pela compreensão oferecida em dez casos, a morte do marido tinha sido repentina; em três, rápida; e em nove tinha sido
prevista com antecedência de, pelo menos, uma semana.

78
O que antes era enumerado como fases 1, 2 e 3, foi reordenado, portanto,
como fases 2, 3 e 4. As quatro fases agora reconhecidas são:
1. Fase de torpor ou aturdimento, que usualmente dura de algumas horas
a uma semana e pode ser interrompida por acessos de consternação e (ou) raiva
extremamente intensas.
2. Fase de saudade e busca da figura perdida, durando alguns meses e,
com frequência, vários anos.
3. Fase de desorganização e desespero.
4. Fase de maior ou menor grau de reorganização.

Fase de torpor.

Em nosso estudo, a reação imediata à notícia da morte do marido variou muito


de uma viúva para outra. A maioria delas mostrou-se aturdida e, em graus
variáveis, incapaz de aceitar a notícia. Um caso em que a fase de torpor durou
mais do que o geral foi o de uma viúva que disse que, ao ser informada da morte
do marido, permaneceu calma e “não sentiu absolutamente nada” e ficou muito
surpreendida, portanto, quando percebeu que estava chorando copiosamente.
Disse que evitou consciente e deliberadamente seus sentimentos, porque temia
ser vencida pela dor ou enlouquecer. Durante três semanas, continuou
relativamente calma e controlada, até que, finalmente, desmoronou na rua e
desfez-se em pranto. Refletindo sobre essas três semanas, descreveu-as mais
tarde como sendo algo parecido com “caminhar à beira de um poço negro e sem
fundo”.
Muitas outras viúvas relataram que as notícias as tinham deixado inteiramente
impassíveis no começo. No entanto, essa calma que antecede a tempestade era
quebrada, às vezes, por acessos de emoção extrema, usualmente de medo, mas,
com frequência, de raiva e, em um ou dois casos, de exaltação.

Fase de saudade e procura da figura perdida.

Alguns dias, ou uma ou duas semanas depois da perda, ocorre uma mudança, e
a pessoa começa, embora apenas episodicamente, a dar-se conta da realidade da
perda que sofreu; isso leva a espasmos de intensa aflição e a crises de choro.
Entretanto, quase ao mesmo tempo, há grande desassossego, preocupações com
pensamentos sobre a pessoa perdida, muitas vezes acompanhados por uma
sensação de sua presença real, e uma tendência acentuada a interpretar sinais ou
sons como uma indicação de que a pessoa perdida está agora de volta. Por
exemplo, ouvir o som do trinco da porta às 5 horas da tarde é interpretado como
sendo o marido regressando do trabalho, ou um homem na rua é erroneamente
percebido como o marido ausente.

79
Apurou-se que algumas dessas características, ou todas elas, ocorrem na
grande maioria das viúvas entrevistadas. Como as mesmas características são
também relatadas por muitos outros pesquisadores, não pode haver dúvida de
que são um traço regular do comportamento de luto e não são, em absoluto,
características anormais.
Quando as provas desse tipo foram reexaminadas há alguns anos
(Bowlby, 1961b), sugerimos que, durante essa fase do luto, a pessoa é dominada
por um impulso para buscar e reaver a figura perdida. Por vezes, a pessoa tem
consciência desse impulso, se bem que, com maior frequência, não tenha;
algumas vezes, a pessoa deixa-se levar por ele voluntariamente, como quando
visita a sepultura ou outros lugares estreitamente associados à figura perdida,
mas outras vezes esforça-se por sufocar tal impulso por ser irracional e absurdo.
Entretanto, seja qual for a atitude que uma pessoa adote em relação a esse
impulso, ela se vê impelida a buscar e, se possível, recuperar o ente perdido.
Esse ponto de vista foi enunciado em 1961. Até onde nos é dado saber,
até agora não foi questionado, embora duvidemos de que já tenha sido
geralmente aceito. Seja como for, as provas de que dispomos hoje mostram que
ele está bem fundamentado.
O texto seguinte é extraído de um estudo recente, onde ficam claras as
provas da hipótese da busca:
“Embora sejamos propensos a conceber a busca em termos do ato motor de
movimento inquieto no sentido das possíveis localizações do objeto perdido, [a
busca] também tem componentes perceptivos e ideacionais... Sinais do objeto só
podem ser identificados por referência a lembranças do objeto como ele era.
Portanto, a busca de sinais do objeto no mundo externo inclui o estabelecimento
de uma ‘disposição’ perceptiva interna derivada da prévia experiência do
objeto.” (Parkes, 1969).
É dado o exemplo de uma mulher buscando seu filho pequeno que
morreu: ela movimenta-se incansavelmente pelos locais prováveis da casa,
buscando com os olhos e pensando no menino; ouve um estalido e
imediatamente o identifica com o som dos passos do filho na escada; grita,
“John, é você?”. Os componentes desta sequência são:
(a) movimentar-se inquietamente e esquadrinhar o meio ambiente;
(b) pensar intensamente na pessoa perdida;
(c) desenvolver uma “disposição” perceptiva, ou seja, uma disposição para
perceber e prestar atenção a quaisquer estímulos que sugiram a presença da
pessoa, e ignorar todos aqueles que não forem relevantes para esse objetivo;
(d) dirigir a atenção para as partes do meio ambiente em que seria possível a
pessoa estar;
(e) chamar a pessoa perdida.

80
Enfatiza-se que cada um desses componentes está presente em homens e
mulheres que perderam um ente querido; além disso, algumas das pessoas que
sofrem uma perda estão conscientes de um impulso de busca.
Duas características muito comuns do luto, que foram interpretadas em
nossos escritos anteriores como sendo parte desse impulso para a busca, são o
choro e a raiva.
Darwin concluiu que (1872) as expressões faciais típicas do pesar no
adulto resultam, por um lado, de uma tendência para gritar como uma criança
quando se sente abandonada e, por outro, de uma inibição dos gritos. Chorar e
gritar são, é claro, métodos por meio dos quais uma criança comumente atrai e
recupera sua mãe ausente, ou alguma outra pessoa que possa ajudar a encontrá-
la; e ocorrem no luto, acreditamos nós, com os mesmos objetivos em mente –
consciente ou inconscientemente.
Acreditamos que a frequência com que a raiva se manifesta como parte
do luto normal tem sido habitualmente subestimada – talvez porque pareça tão
despropositada e vergonhosa. Entretanto, não pode haver dúvida acerca de sua
ocorrência muito frequente, sobretudo nos primeiros dias. Lindemann e Marris
ficaram impressionados com isso. A raiva ficou evidente, pelo menos
episodicamente, em 18 das 22 viúvas que foram estudadas por Parkes, e em sete
delas foi muito acentuada na época da primeira entrevista. Os alvos dessa raiva
eram uma pessoa da família (quatro casos), sacerdotes, médicos ou funcionários
públicos (cinco casos), e em quatro casos o próprio marido morto. Na maioria
desses casos, a razão dada para a raiva foi que a pessoa em questão tinha sido,
de certo modo, responsável pela morte, ou indiferente em relação a ela, quer para
com o falecido ou para com a viúva.
Entre as quatro viúvas que expressaram sua raiva em relação ao marido
morto, houve uma que desabafou furiosamente durante uma entrevista, nove
meses depois da perda: “Oh, Fred, por que foi que você me deixou? Se você
soubesse o inferno que isto é, nunca me teria deixado!”.

81
Mais tarde, ela negou que estivesse furiosa e comentou: “Seria uma perversidade se
isso acontecesse”. Uma outra viúva também expressou suas recriminações raivosas
contra o marido por tê-la desertado.
Também foi comum um certo grau de autoacusação geralmente quando em torno de
alguma omissão ou ação de menor importância associada à última doença ou à morte
do marido. Embora se registrassem momentos em que essas auto-acusações eram
muito severas, em nenhuma dessas viúvas eram tão intensas e implacáveis quanto
em indivíduos cujo pesar persistiu até ser, finalmente, diagnosticado como doença
depressiva (Parkes, 1965).
No estudo anterior (Bowlby, 1961b), foi sublinhado que a raiva é usual e útil quando
a separação é apenas temporária; nesse caso, ajuda a vencer obstáculos à reunião
com a figura ausente; e, concretizada a reunião, as expressões recriminatórias em
relação a quem parece ter sido responsável pela separação tornam menos provável
que uma separação volte a acontecer. A raiva e as recriminações só são
despropositadas quando a separação é permanente e definitiva.
“Foi concluído o seguinte: existem, portanto, boas razões biológicas para que se
reaja a toda e qualquer separação de um modo automático e instintivo com um
comportamento agressivo; a perda irrecuperável é estatisticamente tão incomum que
não é levada em conta. No decorrer de nossa evolução, segundo parece, o nosso
equipamento instintivo acabou sendo formado de tal modo que se pressupõe que
todas as perdas sejam recuperáveis, reagindo se em conformidade com essa ideia.”
(Bowlby, 1961b).
A hipótese central em toda a nossa tese é que muitas características da segunda fase
do luto devem ser entendidas como aspectos não só da saudade, mas também da
busca real da figura perdida. Essa hipótese está intimamente relacionada, é claro,
com o quadro de comportamento de ligação que foi descrito por um de nós (Bowlby,
1969). Argumento que o comportamento de ligação é uma forma de comportamento
instintivo que se desenvolve tanto em seres humanos como em outros mamíferos,
durante a infância, e que tem como objetivo ou meta a proximidade de uma figura
materna. Sugere-se que a função do comportamento de ligação é a proteção contra
predadores. Embora o comportamento de ligação se manifeste de maneira
especialmente forte *(1) durante a infância, quando é dirigido para as figuras
parentais, ele continua em atividade durante a vida adulta, quando geralmente é
dirigido para alguma figura ativa e dominante, muitas vezes uma pessoa da família
mas, outras vezes, um patrão ou alguma pessoa mais velha da comunidade A teoria
enfatiza que o comportamento de ligação é suscitado sempre que uma pessoa
(criança ou adulto) está doente ou em dificuldades, e é muito intenso quando ela está
assustada ou quando a figura de ligação não pode ser encontrada.

Nota de rodapé:

*(1). Ver a Nota 1 do Capítulo 3.

82
E é muito intenso quando ela está assustada ou quando a figura de ligação
não pode ser encontrada. Uma vez que, à luz dessa teoria, o comportamento de
ligação é considerado como uma parte normal e saudável da constituição
instintiva do homem, sustenta-se que é extremamente errôneo qualificá-lo de
“regressivo” ou pueril, quando observado numa criança mais velha ou num
adulto. Por essa razão, também, o termo “dependência” é considerado passível
de levar a uma perspectiva seriamente equivocada, porquanto, na linguagem
cotidiana, descrever alguém como dependente não pode deixar de implicar certas
conotações de censura. Em contrapartida, descrever alguém como ligado a
outrem implica uma avaliação positiva.
Este quadro do comportamento de ligação como um componente normal
e saudável do equipamento instintivo do homem leva-nos também a considerar
a ansiedade de separação como uma resposta natural e inevitável, sempre que
uma figura de ligação está inexplicável ou injustificadamente ausente. E à luz
desta hipótese, acreditamos, que podem ser melhor entendidos os acessos de
pânico a que são propensas, como se sabe, as pessoas que perderam um ente
querido. Tais acessos têm probabilidade de ocorrer durante os primeiros meses
após a perda, especialmente quando a realidade dessa perda se impõe de maneira
inapelável à pessoa enlutada.
Tanto o nosso próprio estudo, em pequena escala, mas intensivo, como a
pesquisa realizada por Maddison e Walker (1967), sugerem que a maioria das
mulheres leva muito tempo para superar a perda do marido. Seja qual for o
modelo psiquiátrico segundo o qual são julgadas, menos de metade delas
conseguiu recuperar-se no final do primeiro ano. Das 22 viúvas entrevistadas por
Parkes, duas foram consideradas ainda entregues a um profundo pesar e outras
nove estavam intermitentemente perturbadas e deprimidas. Somente quatro
pareciam estar conseguindo um bom ajustamento no final do primeiro ano.
Insônia e vários outros incômodos menores eram extremamente comuns. Na
pesquisa empreendida por Maddison e Walker, um quinto das viúvas estava
ainda com a saúde muito debilitada e num estado emocional perturbado no final
do primeiro ano.
Enfatizamos esses dados, ainda que aborrecidos, por acreditarmos que os
clínicos alimentam, por vezes, expectativas irrealistas sobre a rapidez com que
alguém deve superar uma perda importante. É possível que algumas das
formulações teóricas de Freud sejam um tanto desorientadoras a esse respeito.
Por exemplo, uma passagem frequentemente citada de Totem e Tabu (1902-3)
diz o seguinte: “O luto tem uma tarefa psíquica muito precisa a executar: a sua
função é desligar as lembranças esperanças do sobrevivente em relação ao
morto”. Deve-se reconhecer u quando julgado segundo esse critério, o luto é
malsucedido. O próprio Freud, entretanto, apercebeu-se disso. Assim, numa
carta de condolências para Binswanger (ver E. L. Freud, 1961), escreveu:

83
“Embora eu saiba que após tamanha perda o estado agudo de luto acabará
por dissipar- se, também sei que permaneceremos inconsoláveis e nunca
encontraremos um substituto. Seja o que for que venha preencher a lacuna, e
ainda que a preenchesse completamente, continuaria sendo, não obstante, uma
outra coisa. E, na realidade, é assim que deve ser. E a única maneira de perpetuar
aquele amor a que não queremos renunciar”.
As viúvas entrevistadas por Parkes após um ano de viuvez fizeram eco a
essas palavras. Mais de metade delas ainda achava difícil aceitar o fato de o
marido estar morto; a maioria delas ainda passava muito tempo pensando no
passado e, por vezes, ainda tinha a sensação da presença próxima do marido. Em
nenhuma dessas viúvas as lembranças e as esperanças haviam se desligado do
morto.
Em nossos estudos, e também nos de Maddison e Walker, foi apurado
que quanto mais jovem é uma mulher ao enviuvar, mais intenso é o seu
sentimento de luto e maior a probabilidade de que sua saúde esteja alterada ao
cabo de doze meses de viuvez. Em contrapartida, se uma mulher já passou dos
65 anos quando seu marido morre, o golpe será provavelmente muito menos
incapacitador. É como se os laços entre eles já estivessem começando a afrouxar.
Essa diferença muito acentuada na intensidade e duração do luto talvez possa
fornecer uma pista para se compreender o que acontece após uma perda durante
a infância.

Pesar e luto na infância.

Há alguns anos, um de nós (Bowlby, 1960b) enfatizou que as crianças pequenas


não só se afligem com a separação, como também o pesar delas é frequentemente
muito mais demorado do que por vezes se supõe. Em apoio desse ponto de vista,
citaram-se algumas observações de colegas – Robertson (1953b) e Heinicke
(1956) *(1) – sobre o persistente pesar de crianças de um e dois anos, em creches
residenciais, ao ficarem separadas de suas mães, e também as descrições de casos
de crianças nas Hampstead Nurseries durante a guerra. Esses estudos parecem
deixar claro que, nessas circunstâncias, crianças de tenra idade se mostram
abertamente pesarosas com a falta da mãe durante, pelo menos, algumas
semanas, chorando por ela ou indicando de algum outro modo que ainda têm
saudade dela e esperam o seu regresso.

Nota de rodapé:

*(1). Ver também um estudo mais recente de Heinicke e Westheimer (1966).

84
A noção de que o pesar na infância é efêmero não resiste a um exame
atento, à luz dessas observações. Em especial, foi citada a descrição feita por
Freud e Burlingham (1943) de um menino de três anos e dois meses, cujo pesar
persistiu claramente por muito tempo, embora silenciosamente. Repetimos essa
descrição agora por acreditarmos que contém muitos dados importantes. Ao ser
deixado na creche, Patrick foi aconselhado a ser um bom menino e não chorar –
caso contrário sua mãe não o visitaria.
“Patrick tentou cumprir sua promessa e não foi visto chorando. Em vez
disso, meneava lentamente a cabeça sempre que alguém olhava para ele, e
garantia – para si mesmo e para quem se interessasse em escutá-lo – que sua mãe
viria buscá-lo, lhe vestiria o casaco e o levaria de novo para casa com ela. Sempre
que um ouvinte parecia acreditar, ele ficava satisfeito; sempre que alguém o
contradizia, Patrick desmanchava-se em choro convulsivo.
Esse mesmo estado de coisas prosseguiu durante os dois ou três dias seguintes,
com vários elementos novos. Os acenos de cabeça assumiram um caráter mais
compulsivo e automático: ‘Minha mãe me vestirá o casaco e me levará de novo
para casa’.
Mais tarde, foi acrescentada uma lista, cada vez maior, de peças de
vestuário que sua mãe lhe vestiria para sair: ‘Ela me vestirá o casaco, e as meias
compridas, e fechará o zíper, e me porá o gorro’.
Quando as repetições dessa fórmula se tomaram monótonas e
intermináveis, alguém lhe perguntou se não poderia parar de dizer sempre a
mesma coisa. Patrick tentou de novo ser um bom menino, como sua mãe queria
que ele fosse. Deixou de repetir a fórmula em voz alta, mas os movimentos de
seus lábios mostravam que ele continuava recitando-a constantemente, em
silêncio, para si mesmo. Ao mesmo tempo, substituiu as palavras por gestos,
como se estivesse colocando o gorro, vestindo um casaco imaginário, fechando
o zíper, etc. O que num dia aparecia como um movimento expressivo, era
reduzido no dia seguinte a um mero gesto frustrado dos dedos. Enquanto a
maioria das outras crianças estavam ocupadas com seus brinquedos, jogando,
cantando, etc., Patrick, totalmente desinteressado, ficava de pé num canto,
mexendo as mãos e os lábios com uma expressão absolutamente trágica no
rosto.” (Freud e Burlingham, 1942:89.)
Muita controvérsia se seguiu aos primeiros estudos publicados de
Bowlby; e suspeitamos de que ainda passará algum tempo antes que todos os
problemas ventilados fiquem esclarecidos. Das muitas questões debatidas, há
apenas duas sobre as quais queremos fazer aqui alguns comentários. A primeira
refere-se ao uso do termo luto; a segunda diz respeito às semelhanças e
diferenças entre o luto da criança e o luto do adulto.

85
Nos estudos anteriores, considerou-se útil usar o termo “luto” num
sentido amplo, a fim de abranger uma grande variedade de reações à perda,
incluindo algumas que conduzem a um resultado patológico, e também aquelas
que se seguem a uma perda nos primeiros anos de vida. A vantagem desse uso é
que se toma então possível reunir numerosos processos e condições que as
provas mostram estar inter-relacionados – assim como o termo “inflamação” é
usado em fisiologia e patologia para reunir numerosos processos, alguns dos
quais têm um desfecho saudável e outros são malsucedidos e resultam em
patologia. A prática alternativa consiste em restringir o termo “luto” a uma forma
particular de reação à perda, ou seja, aquela “em que o objeto perdido é
gradualmente descatexiado pelo doloroso e prolongado trabalho de recordar e
pelo teste da realidade” (Wolfenstein, 1966). Um perigo desse uso, entretanto, é
que pode levar a expectativas sobre como deveria ser o luto saudável, que estão
em discordância total daquilo que hoje sabemos ocorrer, realmente, em muitas
pessoas. Além disso, se preferirmos convencionar um uso restrito, vemo-nos
diante da necessidade de encontrar, ou talvez inventar, algum novo termo; pois
acreditamos ser essencial, se quisermos discutir produtivamente estas questões,
dispor de alguma palavra apropriada pela qual possamos nos referir a toda a
gama de processos que entram em ação quando é sofrida uma perda. Nesta
ocasião, usaremos o termo “pesar” nesse sentido, uma vez que já tem sido
empregado por analistas de um modo bastante amplo e não existe objeção a que
crianças muito pequenas fiquem pesarosas.
Além de terem concentrado a atenção numa área central da
psicopatologia, as controvérsias de anos recentes têm tido muitos outros efeitos
que devem ser bem acolhidos por todos. Elas mostraram o quanto ainda sabemos
pouco sobre o modo pelo qual crianças de todas as idades, inclusive
adolescentes, reagem a uma perda importante, e sobre que fatores são
responsáveis pelo desfecho mais favorável em alguns casos do que em outros
*(1); em segundo lugar, estimularam pesquisas valiosas.
Já enfatizamos como é muito difícil, mesmo para adultos, apreender
inteiramente que alguém muito próximo está morto e nunca mais voltará. Para
crianças, evidentemente, é muito mais difícil ainda. Wolfenstein (1966) relatou
as respostas de numerosas crianças e adolescentes que tinham perdido um dos
pais e foram encaminhadas para análise, muitas delas durante o primeiro ano
após o falecimento. Entre os pontos que impressionaram o seu grupo de
observadores, salientou-se que “os sentimentos de tristeza tinham sido
cerceados; havia pouco choro. A imersão nas atividades da vida cotidiana
continuou...”.

Nota de rodapé:
*(1). Atualmente sabe-se muito mais sobre as condições que afetam o curso do luto na infância. Ver as Notas 4 e 5 do
Capítulo 3.

86
Entretanto, gradualmente, os analistas que tratavam essas crianças
aperceberam-se de que, manifestamente ou não, elas estavam “negando o caráter
definitivo da perda”, e de que a expectativa da volta do ente perdido ainda estava
presente em um nível mais ou menos consciente. As mesmas e persistentes
expectativas são registradas por Barnes (1964) como tendo ocorrido em duas
crianças de escola maternal que perderam suas mães quando tinham,
respectivamente, dois anos e meio e quatro anos de idade. Essas crianças
continuaram expressando a esperança e a expectativa de que a mãe regressaria.
Quando, no devido tempo com a ajuda dos analistas e de outros, essas
crianças gradualmente adquiriram consciência de que a mãe, de fato, nunca mais
voltaria, reagiram com pânico e raiva, tal como fizeram as viúvas descritas
acima. Ruth, uma menina de 15 anos descrita por Wolfenstein, comentou, alguns
meses após a morte de sua mãe: “ Se mamãe estivesse realmente morta, eu ficaria
sozinha... Ficaria terrivelmente assustada”. Em outra ocasião conta-se que Ruth,
na cama, à noite, às vezes sentia-se desesperada, “cheia de frustração, raiva e
saudade. Arrancava as roupas de cama, embrulhava-as para lhes dar o formato
de um corpo humano e abraçava-se a elas”.
Assim, embora certamente existem diferenças entre o modo como uma
criança reage à perda e aquele como um adulto reage, também há semelhanças
muito básicas.
Existe, além disso, uma outra semelhança para a qual desejamos chamar
a atenção. Acreditamos que não só a criança, mas também o adulto, necessita da
assistência de uma outra pessoa de sua inteira confiança, se quiser recuperar-se
da perda sofrida. Ao examinarem as reações de crianças à perda e a melhor forma
de ajudá-las, quase todos os autores enfatizaram como é imensamente importante
que a criança disponha de uma pessoa que atue como substituta permanente, a
quem ela possa ligar-se gradualmente. Só em tais circunstâncias podemos
esperar que uma criança venha, em última instância, a aceitar a perda como
sendo irremediável e a reorganizar então sua vida interior de acordo com isso
*(1).
Suspeitamos de que o mesmo ocorre no caso de adultos, se bem que na
vida adulta possa s er mais fácil encontrar também apoio na companhia de
algumas outras pessoas. Isto leva a duas questões inter-relacionadas e muito
práticas: o que sabemos dos fatores que auxiliam ou dificultam o luto saudável?
Qual o melhor método para ajudar uma pessoa enlutada?

Nota de rodapé:

*(1). O quanto qualquer outro arranjo é insatisfatório foi expresso, de forma pungente, por Wendy, a menina de quatro
anos descrita por Barnes (1964). Quando o pai dela enumerou a extensa lista de pessoas que conheciam Wendy e a
amavam, ela respondeu tristemente: “Mas quando mamãe não estava morta eu não precisava de tanta gente... eu precisava
só de uma”.

87
Condições que favorecem ou dificultam o luto saudável.

Atualmente, os psiquiatras em geral concordam em que, para que o luto


leve a um resultado favorável, e não desfavorável, é necessário que a pessoa que
sofreu uma perda expresse – mais cedo ou mais tarde – seus sentimentos e
emoções. “Soltai as palavras tristes”, escreveu Shakespeare, “as penas que não
falam sufocam o coração extenuado e fazem-no quebrantar”.
Entretanto, embora até aqui todos possamos concordar, para uma pessoa que é
incapaz de expressar seus sentimentos e para outra que esteja tentando ajudá-la
a expressá-los, permanecem as perguntas: Como soltar as palavras? Quais são
os sentimentos a expressar? E o que impede sua expressão?
Existem hoje provas de que os afetos mais intensos e perturbadores
provocados por uma perda são o medo de ser abandonado, a saudade da figura
perdida e a raiva por não reencontrá-la – afetos que estão associados, por um
lado, ao anseio de buscar a figura perdida e, por outro, a uma tendência para
recriminar furiosamente quem quer que pareça ser o responsável pela perda ou
estar dificultando a recuperação da pessoa que foi perdida. A pessoa que sofre
uma perda parece lutar contra o destino, com todo o seu ser emocional, na
tentativa desesperada de reverter a marcha do tempo e reaver os tempos felizes
que subitamente lhe foram arrebatados. Em vez de enfrentar a realidade e tentar
harmonizar-se com ela, uma pessoa que sofre uma perda empenha-se numa luta
contra o passado.
Evidentemente, para darmos à pessoa que sofre uma perda o tipo de ajuda
que desejaríamos dar, é essencial vermos as coisas do seu ponto de vista e
respeitarmos seus sentimentos – por menos realistas que possam parecer. Pois
somente se a pessoa que sofre a perda sentir que podemos, pelo menos,
compreendê-la e simpatizar com ela nas tarefas que estabeleceu para si mesma,
haverá a possibilidade de que expresse todos os sentimentos que estão
fervilhando em seu íntimo – seu anseio pelo regresso da figura perdida, sua
esperança de que, milagrosamente, tudo possa ainda estar bem, sua raiva por ter
sido desertada, suas recriminações raivosas e injustas contra “esses médicos
incompetentes”, “essas enfermeiras incompetentes”, e contra seu próprio eu
culpado; se tivesse feito isto e aquilo, ou não tivesse feito isto e aquilo, talvez o
desastre pudesse ter sido evitado.
Quer estejamos no papel de amigo de uma pessoa que recentemente sofreu uma
perda ou no de terapeuta de alguém que sofreu há muitos anos a morte de um
ente querido e não conseguiu resolver seu luto, parece ser desnecessário e
prejudicial colocarmo-nos no papel de “representantes da realidade”:
desnecessário, porque a pessoa que sofreu a perda está, em alguma parte de si
mesma, perfeitamente cônscia de que o mundo mudou; prejudicial porque, ao
ignorarmos o mundo tal como uma parte da pessoa ainda o vê, afastamo-nos

88
dela. O nosso papel deve ser, então, o de um companheiro pronto a oferecer todo
o apoio, preparado para explorar, em nossas discussões, todas as esperanças e
desejos e tênues possibilidades improváveis que a pessoa ainda acalenta,
somados a todas as recriminações, remorsos e decepções que a afligem. Eis dois
exemplos.
Num estudo anterior (Bowlby, 1963), foi descrito o caso da Sra. Q, uma
mulher de aproximadamente 35 anos de idade; seu pai falecera inesperadamente
após uma operação facultativa, e numa época em que o terapeuta dela (J. B.)
estava no exterior. Durante um ano, a Sra. Q guardara seus sentimentos e suas
ideias para si mesma; entretanto, no aniversário da morte do pai, o verdadeiro
quadro foi revelado.
“Contou-me agora que durante as semanas que se seguiram à morte de
seu pai, tinha vivido parcialmente convicta de que o hospital cometera um erro
de identidade e de que, a qualquer momento, eles telefonariam ‘para dizer que
havia um engano e que seu pai estava vivo e pronto para voltar para casa’. Além
disso, estava especialmente zangada comigo pois acreditava que, se eu tivesse
estado disponível, poderia ter exercido a minha influência sobre o hospital e,
assim, conseguido que ela recuperasse o pai. Agora, doze meses depois, essas
ideias e esses sentimentos ainda persistiam. Ela ainda alimentava uma certa
expectativa de um recado do hospital, e ainda estava irritada por eu não entrar
em contato com a direção de lá. Além disso, secretamente, a Sra. Q estava
fazendo preparativos para receber o pai em casa, quando ele voltasse. Isso
explicava por que ficara furiosa com a mãe por ter mandado redecorar o
apartamento em que os velhos tinham vivido juntos e também por que
continuava adiando a redecoração de seu próprio apartamento; ela sentia que era
vital que quando o pai finalmente regressasse pudesse encontrar os lugares que
lhe eram familiares tal como os deixara.” (Bowlby, 1963.)
Ora, não houve necessidade de o seu terapeuta intervir em nome da
realidade; outros já o tinham feito e ela sabia bem qual era a visão que seus
parentes e amigos tinham de tudo isso. O que ela precisava era de uma
oportunidade para expressar a saudade, as esperanças e o amargor que seus
parentes e amigos não podiam entender. Ela contou que, na semana anterior,
pensara ter visto seu pai olhando a vitrina de uma loja e que tinha atravessado a
rua para inspecionar mais de perto o homem em questão. Descreveu sua fúria
para com a enfermeira que lhe transmitira a notícia da morte do pai e como se
sentira tentada a jogá-la no chão de concreto e a estourar-lhe os miolos. Contou
como sentira que o seu terapeuta a traíra por estar longe justamente quando mais
precisara dele; e falou de muitas outras coisas que, à luz fria do dia, ela mesmo
sabia não serem realistas e justas. O que ela necessitava do terapeuta, e
esperamos que tenha encontrado, era alguém que pudesse compreendê-la e se
solidarizasse com o não- realismo e a injustiça dela. Com o passar dos meses,

89
suas esperanças e sua raiva foram se dissipando, e a Sra. Q começou a se
reconciliar com a realidade da perda.
O mesmo papel foi desempenhado com um rapaz de 16 anos, a quem
chamaremos Bill. Ele tinha sido examinado primeiro por um psiquiatra (J. B.)
numa clínica, quando tinha quatro anos de idade, porque as coisas estavam
correndo mal em seu lar adotivo. A história não era muito clara, mas
depreendemos que a mãe de Bill era uma prostituta que colocara o filho num lar
adotivo, quando ele tinha dois anos, e depois desaparecera. Bill apresentou
grandes problemas e os pais adotivos recusaram-se a conservá-lo. Conseguiu-se
para ele assistência especial e, mais tarde, tratamento num estabelecimento
residencial para crianças com distúrbios sérios. Era examinado algumas vezes
por ano na clínica pelo mesmo psiquiatra e, desse modo, pudemos proporcionar-
lhe uma certa continuidade. Agora, aos 16 anos, terminaria a escola em breve.
Nessa entrevista, Bill falou ao psiquiatra sobre o seu plano de ir para a América
procurar a mãe. Já estivera numa empresa de navegação marítima e estava
tentando conseguir a passagem trabalhando a bordo de um cargueiro. Era um
rapaz muito inteligente e seus planos para a viagem pareciam viáveis. Mas
imagine-se o espanto do psiquiatra! Aí estava um rapaz que tinha visto a mãe
pela última vez quando tinha apenas dois anos de idade e, desde então, nunca
mais tivera notícias nem ouvira falar dela, que não tinha a mínima ideia de onde
ela poderia estar, e que nem mesmo tinha a certeza do nome dela. Francamente,
o plano era um jogo de cabra-cega. Mas o psiquiatra conteve-se. Esse era o
mundo de Bill e era o plano de Bill, e ele o estava confidenciando ao seu
terapeuta, cujo papel não era depreciá-lo nem destruí-lo. De fato, a sessão toda
foi dedicada à discussão do plano. Bill acreditava que seu pai era um militar
americano e que a mãe o acompanhara depois da guerra. Seus planos para
atravessar o Atlântico foram reexaminados, bem como os métodos pelos quais
poderia ganhar dinheiro suficiente do outro lado do Atlântico para continuar sua
busca. Nenhuma objeção foi levantada pelo psiquiatra, mas convidou Bill a
voltar para uma nova conversa dentro de uma semana, mais ou menos. Bill
voltou.

90
Contou que tinha pensado muito sobre o plano, mas que agora começava
a ter suas dúvidas. Talvez fosse difícil localizar sua mãe; e talvez, mesmo que
fosse bem-sucedido, ela não o acolhesse de bom grado. Afinal de contas, refletiu
Bill, ele não passaria de um estranho para ela. Uma vez mais, dada uma
oportunidade para explorar junto com alguém compreensivo todos os
sentimentos e planos que ele acariciara secretamente durante anos, o próprio
senso de realidade era suficiente.
Naturalmente, no caso de outros pacientes, sobretudo os mais velhos, que
sofreram uma perda vários anos antes, durante a infância ou adolescência, a
tarefa de ajudá-los a recuperar seus sentimentos perdidos, suas esperanças
perdidas de reunião e sua raiva por terem sido abandonados, pode ser longa e
tecnicamente difícil. Mas os objetivos gerais continuam sendo os mesmos.
Ansiar pelo impossível, raiva desmedida, choro impotente, horror ante a
perspectiva de solidão, súplicas lastimosas por compaixão e apoio – são esses os
sentimentos que uma pessoa que sofre uma perda necessita expressar e, por
vezes, primeiro descobrir, para que faça algum progresso. Entretanto, são
sentimentos passíveis de serem encarados como indignos e degradantes. Na
melhor das hipóteses, expressá-los pode parecer humilhante; na pior, podem
atrair críticas e desprezo. Não é de admirar que tais sentimentos muitas vezes
acabem não sendo expressados, podendo mais tarde ser recalcados.
Isto leva-nos a fazer uma pergunta: Por que algumas pessoas acham mais
difícil – frequentemente, muito mais difícil – do que outras expressar seus
sentimentos de pesar?
Estamos convictos de que um motivo principal por que algumas pessoas
acham extremamente difícil expressar pesar é que a família em que elas foram
criadas, e com a qual ainda convivem, é daquelas em que o comportamento de
ligação de uma criança é visto sem simpatia, como algo a ser eliminado o mais
rapidamente possível. Em tais famílias, o choro e outras manifestações de
protesto por uma separação podem ser qualificados como pueris, coisa de bebês,
e a raiva ou o ciúme como sentimentos altamente repreensíveis. Além disso,
nessas famílias, quanto mais uma criança pede para ficar com a mãe ou o pai,
mais lhe é dito que tais exigências são tolas e injustificadas; quanto mais a
criança chora ou faz birras, mais lhe dizem que é tola, caprichosa ou má. Em
consequência de estar submetida a tais pressões, é provável que a criança acabe
aceitando esses padrões para si mesma; chorar, fazer exigências, sentir-se furiosa
porque não são satisfeitas, culpar os outros, tudo isso será julgado pela criança
como algo injustificado, censurável e ruim. Assim, quando sofre uma perda
séria, em vez de expressar o tipo de sentimentos que invadem qualquer pessoa
que sofre uma perda, ela tende a sufocá-los. Além disso, seus parentes, produtos
que são da mesma cultura familiar, compartilham provavelmente das mesmas
concepções críticas a respeito da emoção e sua expressão. E assim, a própria

91
pessoa que mais necessita de compreensão e encorajamento é aquela que tem
menos probabilidades de recebê-los.
Uma ilustração clara desse processo de internalização dos controles de
censura nos é dada pelo caso de Patrick, o menino de três anos, da Hampstead
Nursery, descrito anteriormente. Patrick, como se recordará, fora aconselhado a
ser um bom menino, comportar-se bem e não chorar – caso contrário sua mãe
não iria visitá-lo. Parece provável que isso era típico da atitude da mãe em
relação às expressões de consternação do menino. Portanto, não surpreende que
ele se esforçasse por sufocar todos os seus sentimentos e, em lugar de expressá-
los, desenvolvesse um ritual que se tornou cada vez mais divorciado do contexto
emocional em que se originara.
Evitar o luto é uma importante variante patológica do pesar, mas não é,
acreditamos, a única. Existem muitos adultos que sofrem perda os quais, ao
procurarem a ajuda de psiquiatras, dão poucas provas da inibição emocional que
foi descrita acima. Pelo contrário, como foi documentado num estudo anterior
(Parkes, 1965), essas pessoas manifestam todas as características do pesar de
uma forma severa e prolongada. O problema aqui não é apurar por que a paciente
é incapaz de expressar pesar, mas por que ela (usualmente, é uma mulher) é
incapaz de superá-lo. Pode ser, é claro, que mesmo nesses casos exista algum
componente ainda não reconhecido do pesar que está sendo inibido; mas há três
características que parecem distinguir essas reações de pesar crônico e que
podem sugerir uma explicação alternativa.
Em primeiro lugar, verifica-se usualmente que a ligação da paciente com
o marido falecido foi extremamente íntima, sendo que boa parte da autoestima e
identidade do papel da sobrevivente dependia da contínua presença do esposo.
E muito provável que tais pacientes relatem ter sofrido grande consternação
mesmo durante breves separações temporárias no passado. Em segundo lugar, a
paciente não tem relações estreitas com um outro membro da família para quem
possa transferir alguns dos laços que a vinculavam ao seu esposo. Suas relações
intensas com ele parecem ter sido tão exclusivas que mesmo aqueles membros
da família que existem se afastaram, de modo que, após o falecimento, a
sobrevivente não encontrou pessoas nem interesses para distraí-la de seu pesar.
Finalmente, as relações matrimoniais talvez tenham sido de natureza
ambivalente, pelo fato de o marido se ressentir da conduta possessiva da esposa.

92
Em todo o caso, a sobrevivente geralmente descobre alguma fonte de
auto recriminação e castiga-se por não ter conseguido ser melhor esposa e por
ter permitido que seu marido morresse. O pesar de tais pessoas frequentemente
parece conter um elemento de auto -punição, como se o luto perpétuo se tivesse
convertido num dever sagrado para com o morto, por meio do qual o cônjuge
sobrevivente poderá castigar-se e expiar suas culpas.
O tratamento de tais pacientes muitas vezes é difícil, pois elas parecem,
frequentemente, saborear a oportunidade que lhes é dada de repetirem, sempre
de novo, o doloroso drama da perda que sofreram. Embora não haja
concordância geral quanto ao valor da psicoterapia para essas pacientes, muito
pode ser feito para ajudar a restabelecer seu envolvimento com o mundo. A
família, o pároco local ou o serviço de amparo de uma organização como Cruse
ou Samaritans podem ser mobilizados para atuar como ponte, enquanto que uma
missa comemorativa, umas férias com amigos ou mesmo a redecoração da casa
podem constituir um momento culminante, um rito de passagem do papel de
enlutada para o novo papel de viúva.
Vista sob esse aspecto, a viuvez torna-se um problema de família.
Portanto, precisamos saber quais as mudanças que ocorrem na estrutura
dinâmica de uma família quando morre um de seus principais membros.
Informações relevantes têm sido extraídas de um estudo que está sendo realizado
sobre jovens viúvos e viúvas *(1). Além dos problemas emocionais, o problema
mais imediato é o dos papéis. Quem, por exemplo, vai assumir os papéis do
marido morto? Alguns deles, como a administração dos assuntos domésticos,
passam para o membro sobrevivente do casal. Outros permanecem vagos; assim,
muitas viúvas dormem com um travesseiro ou almofadão ao lado delas na cama.
Uma jovem viúva geralmente tentará perceber seu marido morto como uma
constante ajuda na tomada de decisões, e fazer dos desejos e preferências dele a
base para boa parte do próprio comportamento dela. Quando for preciso tomar
decisões que se situam fora do alcance desse “árbitro interno”, ela recorrerá
frequentemente ao irmão do marido, como a pessoa mais próxima dele em
termos de cultura e sangue. Do mesmo modo, um viúvo tende a considerar a sua
cunhada como o membro mais útil da família de sua esposa e a procurar a ajuda
dela para tomar decisões acerca dos filhos ou dos assuntos domésticos.
Com o passar do tempo, entretanto, essas atribuições de papéis fenecem
e são seguidas, com frequência, de uma gradual desintegração da família
extensa. O viúvo ou a viúva deixa de considerar a família do cônjuge como uma
fonte de apoio e começa a desenvolver um maior grau de autoconfiança, apesar
da solidão e das tensões familiares internas que isso acarreta.

Nota de rodapé:
*(1). Ver o livro de Glick, Weiss e Parkes (1974).

93
Os amigos e os filhos convertem-se então numa importante fonte de
afirmação, à medida que o viúvo ou a viúva desenvolve uma postura mais firme
e enfrenta o mundo de novo.
A capacidade de um viúvo ou de uma viúva para enfrentar esses novos
papéis e responsabilidades depende claramente, em parte, da personalidade e
experiência anterior, e, em parte, das exigências feitas pelo ambiente familiar e
do apoio que encontrar nele. Os filhos pequenos podem ser um fardo ou uma
bênção, assim como os parentes do cônjuge falecido; e a mulher sem experiência
de um trabalho fora de casa terá de superar muitos obstáculos. Não surpreende
que uma proporção significativa de viúvas não consiga encontrar qualquer modo
satisfatório de vida. Quando, depois de treze meses de viuvez, foram indagadas
sobre como se sentiam, 74% das jovens viúvas de Boston concordaram em que
“você nunca supera isso”.
Um estudo que ilustra o papel que amigos e parentes desempenham para
influenciar o desfecho do luto foi realizado por Maddison e Walker (1967).
Estudaram dois grupos, cada um composto por vinte viúvas que concordaram
em ser entrevistadas. Esses grupos foram equiparados, o máximo possível, de
acordo com as variáveis sociológicas mais comuns. Um grupo tinha sido
selecionado porque, ao fim de dez meses de viuvez, todos os seus membros
pareciam, com base em suas fichas de saúde, ter chegado a um resultado bastante
favorável; o outro grupo tinha sido selecionado porque suas fichas de saúde
sugeriam não ter sido atingido um resultado satisfatório. As entrevistas
confirmaram que, de fato, as fichas de saúde constituem um bom indicador de
como uma pessoa está enfrentando os problemas emocionais da viuvez.
No decorrer de longas entrevistas semiestruturadas, o entrevistador
indagou quem tinha se colocado à disposição da viúva durante seus primeiros
três meses de viuvez, e, a respeito de cada uma dessas pessoas, se a considerara
útil, inútil ou neutra. Além disso, foram feitas perguntas para apurar se a viúva
achara fácil ou difícil expressar seus sentimentos com cada pessoa mencionada,
se elas a tinham encorajado ou não a se deter sobre o passado, se tinham insistido
em dirigir sua atenção para os problemas do presente e do futuro, e se tinham
oferecido qualquer tipo de ajuda prática. Como o objetivo da investigação era
apurar apenas como as próprias viúvas lembravam seu relacionamento com
outras pessoas, nenhuma tentativa foi feita para checar se seus depoimentos
correspondiam aos das pessoas com quem elas tinham estado em contato.
Quando as respostas dos dois grupos de viúvas foram comparadas,
destacaram-se as seguintes diferenças. Em primeiro lugar, as viúvas cuja
condição após doze meses era desfavorável relataram que tinham recebido muito
pouco encorajamento, tanto para exprimirem seu pesar e raiva como para
falarem sobre o marido morto e o passado. Queixaram-se de que, pelo contrário,
as pessoas pareciam tomar mais difícil a expressão de sentimentos ao insistirem

94
para que elas se refizessem e se controlassem, que afinal de contas não eram as
únicas a sofrer, que seria uma prova de sensatez enfrentarem os problemas do
futuro em lugar de ficarem repisando esterilmente o passado. Em contrapartida,
as viúvas cujo resultado do luto foi razoavelmente satisfatório relataram como
as pessoas com quem tinham tido contato haviam facilitado para elas o choro
desinibido e a expressão de seus intensos sentimentos; e descreveram o alívio
que tinha sido poderem falar longa e livremente sobre os tempos passados com
o marido e as circunstâncias da morte dele.
Como interpretar esses dados? Uma explicação óbvia, e talvez a mais
aceitável, é que a atitude desses amigos e parentes levou a viúva a suprimir ou
evitar expressões de pesar e que o resultado patológico ocorrera em
consequência disso. Pode ser também que a viúva tenha atribuído a seus amigos
e parentes o seu próprio medo de expressar sentimentos, responsabilizando-os
por sua própria incapacidade. Ou ambos os processos podem ter ocorrido
conjuntamente.
Entretanto, nem todas as formas de desfecho patológico descritas por
Maddison e Walker podem ser atribuídas à inibição ou evitação dos sentimentos
de pesar; muitas viúvas mostraram a síndrome do pesar crônico, descrito acima.
Nesses casos, é possível que as experiências descritas pelas viúvas reflitam um
colapso de comunicação, de tal modo que a família não era vista como
compreensiva e útil. Faltando a compreensão e o apoio de parentes e amigos, a
viúva pode muito bem ter-se visto em dificuldades para encontrar qualquer
incentivo para recomeçar tudo, para se envolver em um novo investimento no
mundo, com todos os perigos de uma nova decepção e perda. Em vez disso,
parece que a tendência dela é de se voltar para o passado, de buscar
constantemente o marido, que ela só poderá encontrar nas recordações, e de
condenar-se a um pesar persistente.
Isto nos leva ao nosso ponto final. Uma parte da teoria apresentada na
literatura psicanalítica e a linguagem usada nas discussões clínicas não nos
satisfazem inteiramente. Por exemplo, não é incomum o choro de adultos, após
uma perda desastrosa, ser classificado como “uma regressão”, ou o forte anseio
pela companhia de uma outra pessoa, um impulso de apego a outrem, ser descrito
como expressão de “dependência infantil”. Não só acreditamos, com bases
científicas, que essa teoria está equivocada, como representa francamente uma
atitude que, se transferida para o trabalho clínico, só pode reforçar as tendências
de uma pessoa que sofreu uma perda a sentir-se culpada e ter vergonha dos
próprios sentimentos e comportamento que, em nosso entender, mais a ajudarão
a superar a perda, desde que os expresse.
Existem outras palavras e conceitos que acreditamos levarem às mesmas
dificuldades.
“Pensamento mágico” e “fantasia” são termos que devem ser usados com

95
extrema cautela. Uma fantasia é, por definição, algo inteiramente não-realista;
assim, designar as esperanças e expectativas de uma criança quanto ao regresso
de sua mãe morta como “realização de um desejo em fantasia” é, em nosso
entender, não fazer justiça a tais sentimentos. A crença da Sra. Q em que seu pai
ainda poderia estar vivo estava certamente equivocada, como ela própria
suspeitava, mas nada tinha de absurda. Ocasionalmente cometem-se erros, e
pessoas desaparecidas reaparecem quando menos são esperadas. As ideias de
Bill, o rapaz de 16 anos que alimentava a esperança de reencontrar sua mãe, eram
provavelmente mal concebidas, mas, dadas certas premissas, constituíam um
plano bastante legitimo. Se evitarmos termos tão carregados como “negação da
realidade” e “fantasia”, e preferirmos usar frases tais como “não acreditar que
tenha ocorrido X”, “acreditar que Y ainda pode ser possível” ou “fazer um plano
para conseguir Z”, parece-nos que conseguiremos ver o mundo mais como os
nossos pacientes o veem, e manter aquela posição neutra e empática a partir da
qual, como sabemos por experiência, teremos mais condições de os ajudar.

96
6. Autoconfiança e algumas condições que a promovem *(1).

No outono de 1970, a Tavistock Clinic celebrou o Jubileu de Ouro de sua


fundação. Para assinalar o evento, a Clínica e sua organização-irmã, o Tavistock
Institute of Human Relations, organizaram uma conferência em que foram
apresentados trabalhos descrevendo as pesquisas em curso nas duas instituições.
Uma versão do presente estudo foi incluída nessa conferência, e uma versão
ampliada foi publicada, mais tarde, nas atas da conferência. O conceito de base
segura.
Acumulam-se evidências de que seres humanos de todas as idades são
mais felizes e mais capazes de desenvolver melhor seus talentos quando estão
seguros de que, por trás deles, existem uma ou mais pessoas que virão em sua
ajuda caso surjam dificuldades. A pessoa em quem se confia, também conhecida
como uma figura de ligação (Bowlby, 1969), pode ser considerada aquela que
fornece ao seu companheiro (ou à sua companheira) uma base segura a partir da
qual poderá atuar.
A necessidade de uma figura de ligação, uma base pessoal segura, não se
limita absolutamente às crianças, se bem que, em virtude de seus impulsos
durante os primeiros anos de vida, durante esses anos tal necessidade seja mais
evidente e, portanto, objeto de mais estudos. Há boas razões para acreditar,
entretanto, que a necessidade ocorre também com adolescentes e adultos
maduros.

Nota de rodapé:

*(1). Originalmente publicado em Gosling, R. G. (org.) (1973), Support, Innovation and Autonomy. Londres: Tavistock
Publications. Reimpresso com permissão do Tavistock Institute of Human Relations.

97
Reconhece-se que, nestes últimos, a necessidade é, em geral, menos
evidente, e é provável que seja diferente segundo os sexos e segundo as
diferentes fases da vida. Por esses motivos, e também por razões ligadas aos
valores da cultura ocidental, a necessidade de uma base segura para adultos tende
frequentemente a ser esquecida, ou mesmo denegrida.
No quadro de funcionamento da personalidade que daí emerge existem
dois conjuntos principais de influências. O primeiro diz respeito à presença ou
ausência, parcial ou total, de uma figura de confiança, disposta e apta a fornecer
o tipo de base segura necessária em cada fase do ciclo vital. Estas constituem as
influências externas ou ambientais. O segundo conjunto diz respeito à
capacidade ou incapacidade relativa de um indivíduo, primeiro, para reconhecer
quando uma pessoa é digna de confiança e está disposta a fornecer uma base, e,
segundo, se houver esse reconhecimento, para colaborar com tal pessoa de modo
que seja iniciada e mantida uma relação mutuamente gratificante, estas
constituem as influências internas ou organísmicas.
Ao longo da vida, os dois conjuntos de influências interatuam de maneira
complexa e circular. Num sentido, o tipo de experiência que uma pessoa tem,
especialmente durante a infância, tem uma grande influência sobre o fato de ela
esperar ou não encontrar mais tarde uma base pessoal segura, e também sobre o
grau de competência que possui para iniciar e manter relações mutuamente
gratificantes, quando a oportunidade se oferece. No sentido oposto, a natureza
das expectativas que uma pessoa tem e o grau de competência que possui
desempenham um importante papel na determinação dos tipos de pessoas com
quem se associa e do modo como, nesse caso, elas a tratam. Em virtude dessas
interações, seja qual for o primeiro padrão a se estabelecer, é esse que tende a
persistir. Esta é uma das principais razões por que o padrão de relações familiares
que uma pessoa experimenta durante a infância se reveste de uma importância
tão decisiva para o desenvolvimento de sua personalidade.
Vista sob esta luz, o funcionamento da personalidade saudável em toda
e qualquer idade reflete, em primeiro lugar, a capacidade do indivíduo para
reconhecer figuras adequadas que estão dispostas e aptas a proporcionar-lhe uma
base segura, e, em segundo lugar, a sua capacidade para colaborar com essas
figuras em relações mutuamente gratificantes. Em contrapartida, muitas formas
de funcionamento da personalidade perturbada refletem a reduzida capacidade
de um indivíduo para reconhecer figuras adequadas e dispostas a fornecer uma
base segura e (OU) uma reduzida capacidade para colaborar em relações
gratificantes com qualquer dessas figuras, quando encontradas. Tal deterioração
pode ser de diversos graus e assumir muitas formas: apego ansioso, exigências
excessivas ou muito intensas para a idade e para a situação, não-envolvimento
indiferente e independência desafiadora.

98
Paradoxalmente, a personalidade saudável, quando vista sob essa luz,
mostra não ser tão independente quanto os estereótipos culturais supõem. Os
ingredientes essenciais são a capacidade para confiar nos outros quando a
ocasião requer, e para saber em quem é conveniente confiar. Uma pessoa
funcionando de modo saudável é, pois, capaz de trocar papéis quando a situação
muda. Ora está fornecendo uma base segura a partir da qual seu companheiro ou
companheiros podem atuar; ora sente satisfação em confiar em um ou outro de
seus companheiros que, em compensação, lhe proporciona essa base.
A capacidade para adotar um ou outro papel, de acordo com as
circunstâncias, é bem ilustrada por muitas mulheres durante sucessivas fases de
suas vidas, desde a gravidez até a maternidade, passando pelo parto. Uma mulher
capaz de enfrentar com êxito essas mudanças está apta, durante a gravidez e o
puerpério, segundo apurou Wenner (1966), tanto a expressar o seu desejo de
apoio e ajuda como também a proporcionar apoio e ajuda, de uma forma direta
e efetiva, a uma figura apropriada. Seu relacionamento com o marido é estreito,
e ela se mostra ávida e contente por confiar no apoio dele. Por sua vez, ela é
capaz de dá-lo espontaneamente a outros, inclusive ao seu bebê. Por outro lado,
diz Wenner, uma mulher que passa por sérias dificuldades emocionais durante a
gravidez e o puerpério tem, comprovadamente, dificuldade em confiar em outras
pessoas. Ela é incapaz de expressar seu desejo de apoio ou então expressa-o de
um modo agressivamente exigente, refletindo num caso ou outro, sua falta de
confiança em que esse apoio lhe será dado. Comumente, ela se mostra
insatisfeita com o que lhe pode ser dado e é incapaz de dar espontaneamente a
outrem.
Para fornecer a continuidade de apoio potencial que é a essência de uma
base segura, as relações entre os indivíduos envolvidos devem persistir durante
um período de tempo, medido em anos. Embora, para a clareza da exposição, a
teoria seja frequentemente melhor formulada em termos não-emocionais,
cumpre ter sempre em mente que muitas das emoções humanas mais intensas
surgem durante a formação, manutenção, interrupção e renovação daquelas
relações em que um parceiro está fornecendo uma base segura ao outro, ou em
que eles alternam seus papéis. Enquanto que a manutenção inalterada de tais
relações é experimentada como uma fonte de segurança, a ameaça de perda
provoca ansiedade e frequentemente raiva, e a perda real provoca o turbilhão de
sentimentos, que é o pesar.

99
A posição teórica proposta inclui um certo número de conceitos
conhecidos da teoria psicanalítica da relação com o objeto; por exemplo, o
conceito de dependência madura, de Fairbairn, e o conceito de ambiente
facilitador, de Winnicott, (Fairbairn, 1952; Winnicott, 1965). Difere, porém, da
teoria clínica tradicional, em numerosos pontos. Um deles é a evitação dos
termos “dependência” e “necessidades de dependência”, os quais, segundo se
sustenta, são parcialmente responsáveis pela confusão muito séria na teoria
existente. Um segundo ponto é atribuir importância, para o desenvolvimento, a
experiências ocorridas durante todos os anos da infância e adolescência, e não
quase exclusivamente aos primeiros meses ou anos de vida. Outros pontos são
que o esquema proposto é vazado em termos de teoria de controle, e que se apóia
não só em dados clínicos, mas também nas conclusões de uma vasta gama de
estudos descritivos e experimentais, tanto de primatas humanos como não
humanos *(1).
Os objetivos deste ensaio são indicar algumas das evidências que
corroboram o ponto de vista esboçado, examinar sucintamente o que se conhece
das condições que favorecem ou impedem o desenvolvimento da personalidade
saudável, tal como é aqui concebida, e, se possível, esclarecer questões teóricas
que têm sido comprovadamente embaraçosas.

Estudos de homens e jovens autoconfiantes.

Durante as duas últimas décadas, numerosos clínicos voltaram suas


atenções para o estudo de indivíduos que, é razoável crer, possuem
personalidades saudáveis e funcionando bem. Não só essas pessoas não mostram
nenhum dos sinais habituais de distúrbio da personalidade, tanto no presente
quanto, até onde se pode averiguar, no passado, como também são
manifestamente autoconfiantes e bem-sucedidas em suas relações humanas e em
seu trabalho. Embora cada um dos estudos publicados até agora seja inadequado
sob certos aspectos, as conclusões são sugestivas. Em primeiro lugar, essas
personalidades bem adaptadas apresentam um perfeito equilíbrio entre, por um
lado, iniciativa e auto -confiança, e, por outro, a capacidade para buscar ajuda e
fazer uso de ajuda quando a ocasião requer.

Nota de rodapé:
*(1). Tanto a teoria propriamente dita como as provas em que ela assenta são apresentadas em major detalhe nos
primeiros e segundo volumes de Attachment and Loss (Bow lby, 1969 e 1973).

100
Em segundo lugar, um exame de seu desenvolvimento mostra que elas
foram criadas em famílias estreitamente unidas, com pais que, segundo parece,
nunca deixaram de lhes propiciar apoio e estímulo. Em terceiro lugar, embora
neste ponto as provas sejam menos substanciais, a própria família foi, e ainda é,
parte de uma rede social estável em que a criança em desenvolvimento é bem
acolhida e pode misturar-se com adultos e companheiros de sua idade, muitos
dos quais lhe são familiares desde os seus primeiros anos de vida.
Até onde nos é dado ver, cada estudo oferece o mesmo quadro – o quadro
de uma base familiar estável, a partir da qual primeiro a criança, depois o
adolescente e, finalmente, o jovem adulto se afasta numa série de saídas cada
vez mais longas. Embora a autonomia seja evidentemente encorajada em tais
famílias, ela não é forçada. Cada passo segue o anterior, numa série de estágios
acessíveis. Embora os laços familiares possam ser atenuados, nunca são
quebrados.
Os astronautas têm uma posição destacada como homens autoconfiantes,
capazes de viver e trabalhar eficazmente em condições de grande risco e estresse.
Seus desempenhos, suas personalidades e suas histórias foram estudados por
Korchin e Ruff. Em dois artigos (Korchin e Ruff, 1964; Ruff e Korchin, 1967),
eles publicaram suas conclusões preliminares sobre uma pequena amostra de
sete homens.
Apesar do elevado grau de autoconfiança e uma nítida preferência pela
ação independente, todos os homens declararam sentir-se “satisfeitos quando é
necessária a dependência de outros” e possuir capacidade para “manter a
confiança, em condições que poderiam parecer de desconfiança”. O desempenho
da tripulação da Apolo 13, que sofreu uma avaria no caminho para a Lua, é
testemunho dessa capacidade. Não só os membros da tripulação mantiveram sua
própria eficiência em condições de grande perigo, mas continuaram cooperando,
confiante e eficazmente, com seus companheiros na base terrestre.
Passando às suas biografias, verificamos que esses homens “cresceram
em comunidades relativamente pequenas e bem organizadas, com uma
considerável solidariedade familiar e forte identificação com o pai...
[Mostraram] um padrão de crescimento relativamente tranquilo e sem grandes
obstáculos, em que puderam enfre ntar os desafios existentes, atingir níveis
crescentes de aspirações, adquirir cada vez maior confiança e, dessa forma,
ganhar em competência”.
Um outro estudo, desta vez sobre jovens universitários que pareciam a
seus professores possuir uma boa saúde mental e prometer um bom futuro como
líderes de sua geração e como trabalhadores em prol da comunidade, foi relatado
por Grinker (1962).

101
Entre os 65 estudantes entrevistados, Grinker considerou que apenas
alguns deles manifestavam uma estrutura neurótica de caráter. A grande maioria
era de jovens íntegros, sinceros e precisos em suas auto-avaliações, com “uma
capacidade para estabelecer relações humanas estreitas e profundas... com os
membros de suas famílias, colegas, professores e o entrevistador”. Seus
depoimentos sobre experiências de ansiedade ou tristeza sugeriram que tais
sentimentos surgiam em situações apropriadas e não eram graves nem
prolongados.
Quanto às suas experiências de vida familiar, o quadro geral descrito
pelos estudantes é notavelmente semelhante ao relatado pelos astronautas. Em
quase todos os casos, ambos os pais ainda estavam vivos. O quadro típico
apresentado era o de um lar feliz e tranquilo, em que ambos os pais
compartilhavam responsabilidades e interesses, e eram vistos pelo s filhos como
generosos e afetuosos. Durante a infância, afirmaram, tinham-se sentido seguros
com a mãe, acima de qualquer outra pessoa. Ao mesmo tempo, identificaram-se
fortemente com o pai. Grinker relata muito mais provas que apóiam essas
conclusões.
Os dados de um estudo do desenvolvimento, dos 10 aos 17 anos, de 34
adolescentes de caracteres muito diferentes (Peck e Havighurst, 1960), e também
de um pequeno estudo de estudantes bem-sucedidos, durante sua transição do
curso ginasial para o colegial (Murphey e outros, 1963), são muito semelhantes
aos apresentados por Grinker. As provas apresentadas sugerem que a
autoconfiança e a capacidade para confiar nos outros são fruto de uma família
que fornece sólido apoio à sua prole, combinado com o respeito por suas
aspirações pessoais, senso de responsabilidade e aptidão para lidar com o mundo.
Em vez de abalar a autoconfiança de um jovem, parece claro que o forte apoio
da família pode estimulá-la. Conclusões semelhantes são relatadas num estudo
mais recente de 73 rapazes adolescentes (Offer, 1969).
Esse mesmo padrão de autoconfiança baseada numa ligação segura com
uma figura em quem se confia, e desenvolvendo-se a partir desta, pode ser
observado desde o primeiro ano de vida de uma criança. Para saber se esses
padrões primitivos são ou não os verdadeiros precursores dos que se
desenvolvem posteriormente, é preciso aguardar novas pesquisas. Entretanto,
para os que têm experiência em psiquiatria familiar, parece provável que sejam.

102
Desenvolvimento durante a infância.

Desde os primeiros trabalhos de Freud, um princípio fundamental da


psicanálise tem sido de que as bases da personalidade são alicerçadas durante os
primeiros anos da infância. As opiniões divergiram, porém, sobre quais os anos
mais importantes, quais os processos psicológicos envolvidos e que experiências
influem na determinação do resultado final. Na medida em que dados empíricos
relevantes estavam faltando, era inevitável que o debate chegasse a um beco sem
saída. Agora, entretanto, graças ao trabalho de psicanalistas, psicólogos clínicos
e etologistas, as condições estão mudando. Embora os dados ainda sejam
lamentavelmente insuficientes, os que existem já são suficientes para permitir
uma tentativa de articulação sistemática dos dados e da teoria. Além disso,
graças aos progressos registrados na biologia teórica, a própria teoria pode ser
reformulada de um modo mais adequado aos dados. Assim, atualmente as
perspectivas de avanço são boas.
Entre os que se situam na vanguarda desse movimento, não se pode
deixar de citar Mary Salter Ainsworth, que, depois de ter trabalhado na Tavistock
entre 1950 e 1954, continuou estudando os problemas de ligação e separação.
Como resultado desses estudos, ela publicou um estudo naturalista sobre a
interação mãe-criança em Uganda (Ainsworth, 1967), e está agora apresentando
os resultados de um estudo planejado sobre a interação mãe-bebê em famílias
brancas de classe média em Baltimore, Maryland.
Durante o seu estudo sobre a infância, em Uganda, Ainsworth notou
como os bebês, uma vez adquirida mobilidade, comumente usam a mãe como
uma base a partir da qual realizam suas explorações. Quando as condições são
favoráveis, afastam-se da mãe em saídas exploratórias e regressam para junto
dela de tempos em tempos. Por volt a dos oito meses de idade, quase todos os
bebês observados que tinham tido uma figura materna estável a quem estavam
ligados mostraram esse comportamento; mas em caso de ausência da mãe, tais
saídas organizadas tornavam-se muito menos evidentes ou cessavam.
Subsequentemente, Anderson (1972) realizou observações semelhantes de
exploração a partir de uma base, por crianças entre quinze meses e dois anos e
meio que brincavam num recanto isolado de um jardim de Londres enquanto
suas mães estavam tranquilamente sentadas num banco.
Em seu projeto cuidadosamente planejado em Baltimore, Ainsworth não
só pôde estudar mais minuciosamente essa espécie de comportamento, mas,
além disso, descreveu muitas variações individuais, observadas numa amostra
de 23 bebês *(1) de doze meses de idade. Foram feitas observações do
comportamento exploratório e de ligação dos bebês, e do equilíbrio entre ambos,
quando os bebês estavam em casa com suas mães e também quando eram
colocados numa situação ligeiramente estranha de teste. Além disso, tendo

103
obtido dados sobre o tipo de cuidados matemos que cada bebê recebera durante
o primeiro ano de vida (mediante sessões prolongadas de observação a intervalos
de três semanas nos lares das crianças), Ainsworth tem condições de propor
hipóteses que conjuguem certos tipos de organização comportamental aos doze
meses a certos tipos de experiência anterior de cuidados maternos. O projeto está
descrito e os resultados preliminares são relatados em Ainsworth e Bell (1970);
as diferenças individuais e seus antecedentes são examinados em Ainsworth,
Bell e Stayton (1971, 1974).
As conclusões do estudo mostram que, com apenas algumas exceções, o
modo como um bebê de doze meses se comporta, com ou sem sua mãe em casa,
e o modo como se comporta com e sem ela numa situação ligeiramente estranha
de teste, têm muita coisa em comum. Tomando por base as observações de
comportamento nos dois tipos de situação, é possível classificar os bebês em
cinco grupos principais, de acordo com dois critérios: (a) se exploram muito ou
pouco quando em situações diferentes, e (b) como tratam a mãe – quando ela
está presente, quando ela se afasta e quando ela regressa *(2).
Os cinco grupos, com um certo número de bebês classificáveis em cada um
deles, são os seguintes:
GRUPO P: O comportamento exploratório de um bebê deste grupo varia com a
situação e é mais evidente na presença da mãe. Ele usa a mãe como base,
mantém-se atento ao paradeiro dela e troca olhares com ela. De tempos em
tempos, volta para junto da mãe e desfruta do contato com ela. Quando a mãe
regressa, após uma breve ausência, o bebê a recebe efusivamente. Nenhuma
ambivalência se manifesta de modo evidente em relação à mãe. N = 8.

Nota de rodapé:

*(1). Embora a amostra total estudada na situação estranha compreenda 56 bebês, somente 23 deles foram também
observados com a mãe em casa.
*(2). A classificação aqui apresentada, baseada no comportamento em ambos os tipos de situação, é uma versão
ligeiramente modificada da que foi apresentada por Ainsworth e seus colaboradores (1971), na qual o comportamento
de uma criança em seu próprio lar é a única fonte de dados. Os bebês classificados aqui nos grupos P, Q e R são idênticos
aos classificados nos Grupos I, II e III de Ainsworth. Os bebês classificados aqui no Grupo T são os mesmos classificados
no Grupo V de Ainsworth, menos um bebê que, embora passivo em casa, mostrou ser acentuadamente ativo no teste de
situação estranha e foi, portanto, transferido para o Grupo S. Os bebês no Grupo S são os mesmos do Grupo IV de
Ainsworth, mais o bebê transferido. A classificação aqui apresentada teve a aprovação da professora Salter Ainsworth.

104
GRUPO Q: O comportamento destes bebês é muito semelhante ao dos bebês do
Grupo P. Diferem em que, primeiro, os bebês deste grupo tendem a explorar
mais ativamente na situação estranha e, segundo, tendem a ser um tanto
ambivalentes em relação à mãe. Por um lado, se ignorado por ela, um bebê pode
tomar-se intensamente exigente; por outro, ele pode, em contrapartida, ignorá-la
ou evitá-la. Entretanto, em outras ocasiões, o par é capaz de estabelecer uma
comunicação recíproca feliz. N = 4.
GRUPO R: Um bebê deste grupo explora muito ativamente, quer a mãe esteja
presente ou ausente, quer a situação seja familiar ou estranha. Ele tende, além
disso, a depender muito pouco da mãe e, com frequência, não está interessado
em que ela o pegue no colo. Em outras ocasiões, especialmente depois que sua
mãe o deixou sozinho na situação estranha, o bebê comporta-se de modo
inteiramente contrário, ora buscando a proximidade da mãe e depois evitando-a,
ora procurando o contato e depois esquivando-se dela. N = 3.
GRUPO S: O comportamento dos bebês deste grupo é inconstante. Às vezes,
parecem muito independentes, embora, usualmente, apenas por breves períodos;
outras vezes, parecem intensamente ansiosos quanto ao paradeiro da mãe. São
nitidamente ambivalentes no que se refere ao contato com ela, buscando-o com
frequência, mas não parecendo desfrutá-lo quando lhe é propiciado ou mesmo
resistindo-lhe vigorosamente. De um modo bastante paradoxal, eles tendem a
ignorar a presença da mãe, quando na situação estranha, e a evitar a proximidade
e o contato com ela. N = 5.
GRUPO T: Estes bebês tendem a ser passivos, em casa e na situação estranha.
Mostram relativamente pouco comportamento exploratório, mas muito
comportamento auto-erótico. São notoriamente ansiosos acerca do paradeiro da
mãe e choram na ausência dela; contudo, podem ser acentuadamente
ambivalentes com ela, quando a mãe regressa. N=3.
Quando se faz uma tentativa de avaliação desses diferentes padrões de
comportamento como precursores do futuro desenvolvimento da personalidade,
as oito crianças dos Grupos S e T parecem ser as menos suscetíveis de
desenvolver uma autoconfiança estável, combinada com a confiança em outras
pessoas. Algumas são passivas em ambas as situações; outras exploram, mas só
brevemente. A maior parte delas parece ansiosa quanto ao paradeiro da mãe, e
as relações com esta tendem a ser extremamente ambivalentes.

105
As três crianças do Grupo R são extremamente ativas na exploração, e
parecem ser intensamente independentes. Entretanto, suas relações com a mãe
são cautelosas, mesmo ligeiramente indiferentes. Para um clínico, elas dão a
impressão de serem incapazes de confiar nos outros e de terem desenvolvido
uma independência prematura.
As quatro crianças do Grupo Q são mais difíceis de avaliar. Parecem
situar-se a meio caminho entre as do Grupo R e as do Grupo P.
Se a perspectiva adotada neste estudo for correta, as oito crianças do
Grupo P serão as que têm maiores probabilidades de, no devido tempo,
desenvolver uma autoconfiança estável combinada com a confiança em outras
pessoas; pois são as que se movimentam mais livre e confiantemente entre um
interesse ativo na exploração de seu meio ambiente, e as pessoas e coisas nele
existentes, sem deixar de manter um estreito contato com a mãe. É verdade que
mostram, frequentemente, menos autoconfiança do que as crianças dos Grupos
Q e R, e que na situação estranha são mais afetadas do que estas últimas pelas
breves ausências da mãe. Entretanto, suas relações com a mãe parecem ser
sempre entusiásticas e confiantes, quer expressas por beijos e abraços, quer em
trocas de olhares e vocalizações à distância, e isso parece ser muito promissor
para o futuro delas.
Quando o tipo de cuidados maternos recebidos por cada um desses bebês
é examinado, usando os dados obtidos durante as longas visitas que os
investigadores fizeram à casa de cada um deles, de três em três semanas, durante
o primeiro ano de vida do bebê, manifestam- se interessantes diferenças entre os
bebês de cada um dos cinco grupos.
Ao avaliar o comportamento de uma mãe em relação ao seu bebê,
Ainsworth usa quatro escalas distintas de nove pontos. Contudo, as
classificações nessas escalas se correlacionam a tal ponto que, no presente
estudo, baseamo-nos nos resultados de apenas uma escala. Trata-se da escala que
mede o grau de sensibilidade ou insensibilidade manifestado pela mãe aos sinais
e comunicações de seu bebê. Enquanto que a mãe sensíve l parece estar
constantemente “sintonizada” para receber os sinais de seu bebê, é capaz de
interpretá-los corretamente e responder-lhes pronta e apropriadamente, a mãe
insensível frequentemente não notará os sinais do seu bebê, interpretá-los-á
incorretamente quando os notar, e responderá a eles tardiamente, de um modo
inadequado, ou não lhes dará resposta alguma.
Quando são examinadas as classificações nesta escala para as mães dos
bebês em cada um dos cinco grupos, verifica-se que as mães dos oito bebês no
Grupo P obtêm uma classificação uniformemente elevada (entre 5,5 e 9,0), as
dos onze bebês nos Grupos R, S e T situam-se numa faixa uniformemente baixa
(1,0 a 3,5) e as dos quatro bebês do Grupo Q estão numa faixa intermediária (4,5

106
a 5,5). Essas diferenças são estatisticamente significativas (usando o Teste U de
Mann-Whitney).
As diferenças entre grupos, na mesma direção e, grosso modo, da mesma
ordem de magnitude, são igualmente apuradas quando as mães são classificadas
nas outras três escalas. Assim, as mães de bebês do Grupo P obtêm classificações
elevadas nas escalas de aceitação - rejeição, cooperação-interferência e
acessibilidade desconhecimento. Inversamente, as mães de bebês dos Grupos R,
S e T são classificadas numa faixa de média para baixa em cada uma dessas três
escalas. As mães de bebês no Grupo Q mostram classificações que se situam
mais ou menos a meio caminho entre as classificações das mães de bebês no
Grupo P e as de bebês nos Grupos R, 5 e T, respectivamente.
É evidente que um grande número de novos estudos será ainda necessário
para que seja possível extrair conclusões com um alto grau de confiabilidade.
Não obstante, os padrões gerais de desenvolvimento da personalidade e de
interação mãe-bebê visíveis aos doze meses de idade são suficientemente
semelhantes ao que se observa do desenvolvimento da personalidade e da
interação entre pais e filhos em anos subsequentes para que seja plausível
acreditar que uns são os precursores dos outros. Pelo menos, os dados oferecidos
por Ainsworth demonstram que um bebê cuja mãe é sensível, acessível e
receptiva, que aceita o comportamento dele e é cooperativa no trato e no
relacionamento com ele, está muito longe de ser a criança exigente e infeliz que
algumas teorias poderiam sugerir. Pelo contrário, os cuidados maternos desse
tipo são evidentemente compatíveis com uma criança que está desenvolvendo
uma medida limitada de autoconfiança por volta do seu primeiro aniversário,
combinada com um alto grau de confiança em sua mãe e de prazer na companhia
dela *(1).
Outras fortes evidências apontando nessa direção foram apresentadas por
Baumrind (1967), que realizou um estudo muito minucioso de 32 crianças de
jardim de infância, de três e quatro anos de idade, e suas mães.
Assim, até onde alcançam as parcas evidências de que dispomos,
sustenta-se a hipótese de que uma autoconfiança bem alicerçada se desenvolve
paralelamente à confiança num dos pais, o qual proporciona à criança uma base
segura a partir da qual ela realizará suas explorações.

Nota de rodapé:

*(1). Publicações mais recentes da Dra. Salter Ainsworth e seus colegas serão encontradas num estudo de recapitulação
de Ainsworth (1977) e numa monografia definitiva, Ainsworth e Outros (1978).

107
Pontos de diferença em relação às formulações teóricas atuais.

Embora o esquema teórico aqui apresentado não seja muito diferente daquele
adotado implicitamente por muitos clínicos, ele difere num certo número de
pontos de boa parte da teoria correntemente ensinada. Entre essas diferenças,
citaremos as seguintes:
(a) Uma ênfase, no esquema atual, sobre o parâmetro ambiental familiar-
estranho, a qual não existe na teoria tradicional;
(b) Ênfase, no esquema atual, sobre os muitos outros componentes da interação
mãe-bebê além da amamentação; sustenta-se que a excessiva ênfase sobre a
amamentação prejudicou imensamente a nossa compreensão do
desenvolvimento da personalidade e as condições que o influenciam;
(c) A substituição dos conceitos de “dependência” e “independência” pelos
conceitos de ligação, confiança, segurança e autoconfiança;
(d) A substituição da teoria da oralidade derivada da teoria dos objetos internos
por uma teoria de modelos operacionais do mundo e do eu, os quais são
concebidos como sendo construídos por cada indivíduo em resultado de sua
experiência, determinam suas expectativas, e com base nos quais o indivíduo
traça seus planos.
Examinemos, uma de cada vez, essas diferenças, as quais estão intimamente
interligadas.
A imensa importância na vida de homens e animais do parâmetro familiar-
estranho só foi inteiramente reconhecida nas duas últimas décadas, muito depois
de terem sido formuladas as várias versões de teoria clínica ainda ensinadas.
Sabe-se hoje que, em numerosas espécies, sempre que uma situação se toma
familiar a um indivíduo, ela é tratada como se fornecesse segurança, ao passo
que qualquer outra situação é tratada com reserva. Ao estranhamento reage-se
de um modo ambivalente; por um lado, ele é gerador de medo e retraimento, por
outro, suscita curiosidade e investigação. A predominância de uma ou de outra
resposta antitética depende de muitas variáveis: do grau de estranheza da
situação, da presença ou ausência de uma companhia, e do fato de o indivíduo
que responde ser maduro ou imaturo, bem-disposto ou cansado, saudável ou
doente.
A razão pela qual a familiaridade e a estranheza teriam acabado por exercer
efeitos tão poderosos sobre o comportamento é examinada na seção final deste
capítulo, com especial referência ao seu papel na proteção.
Enquanto a influência da familiaridade e estranheza sobre o comportamento do
homem não foi compreendida, as condições que levam uma criança a ligar-se à
mãe dela eram pouco entendidas. O ponto de vista mais plausível, subscrito por
Freud e pela maioria dos analistas, e também pelos teóricos da aprendizagem,
era que a variável mais importante consistia em ser amamentado pela mãe. Essa

108
teoria, uma teoria do impulso secundário, embora nunca tivesse sido baseada em
provas ou argumentos sistemáticos, logo se tomou amplamente aceita e levou
naturalmente a duas outras noções que atraíram numerosos adeptos. Uma diz que
tudo o que acontece nos primeiros meses de vida deve ser de importância muito
especial para o desenvolvimento subsequente. A outra noção é de que, quando
uma criança aprendeu a alimentar-se sozinha, deixa de haver qualquer razão para
que ela exija a presença da mãe; por conseguinte, a criança deve abandonar tal
“dependência”, a qual, daí em diante, passa a ser estigmatizada como infantil ou
pueril.
O ponto de vista aqui adotado, e apoiado por numerosas provas (Bowlby,
1969), é de que o alimento desempenha apenas um papel secundário no
comportamento de ligação de uma criança à mãe, de que esse comportamento se
manifesta com o máximo vigor *(1) durante o segundo e o terceiro anos de vida
e persiste com menos intensidade indefinidamente, e de que a função do
comportamento de ligação é a proteção. Corolários desse ponto de vista são que
a separação involuntária e a perda são potencialmente traumáticas durante os
anos da infância e adolescência, e que, com graus de intensidade adequados, a
propensão para manifestar o comportamento de ligação é uma característica
saudável e nada tem de pueril.
Do mesmo pressuposto tradicional, de que uma criança se liga à mãe por
depender dela como fonte de suas satisfações fisiológicas, provêm os conceitos
e a terminologia de “dependência” e “independência”. Desde que uma criança
pode alimentar-se sozinha, dizem os defensores da teoria do impulso secundário,
ela deve tomar-se independente. Portanto, daí em diante, qualquer desejo forte
da presença de uma figura de ligação passa a ser considerado como expressão de
uma “necessidade infantil”, parte de um eu “pueril” que deve ficar para trás.
Como termos e conceitos para expressar a teoria aqui proposta,
“dependência” e “independência” têm um certo número de graves
inconvenientes; por conseguinte, são substituídos por termos e conceitos tais
como “confiar em”, “ligado a”, “contar com” e “autoconfiança”. Em primeiro
lugar, dependência e independência são inevitavelmente concebidas como sendo
mutuamente exclusivas; ao passo que, como já foi enfatizado, confiar em outros
e autoconfiança não só são compatíveis como são mutuamente complementares.
Em segundo lugar, descrever alguém como “dependente” implica
inevitavelmente um matiz pejorativo, ao passo que descrever alguém como
“confiante em outra pessoa” nada tem de depreciativo.

109
Em terceiro lugar, enquanto o conceito de ligação subentende sempre
ligação a uma ou mais pessoas especialmente amadas, o conceito de dependência
não implica tal relacionamento, mas, pelo contrário, tende a ser anônimo.
Muito influenciado também pelo papel especial atribuído à amamentação
e à oralidade na teoria psicanalítica é o conceito de “objeto interno”, um conceito
que é ambíguo sob múltiplos aspectos (Strachey, 1941). Em seu lugar pode ser
colocado o conceito, derivado da psicologia cognitiva e da teoria do controle, de
um indivíduo que desenvolve dentro de si mesmo um ou mais modelos
operacionais representando as principais características do mundo à sua volta e
de si mesmo como um agente nesse mundo. Tais modelos determinam suas
expectativas e previsões, e fornecem-lhe instrumentos para a construção de
planos de ação.
O que na teoria tradicional é denominado um “objeto bom”, pode ser
reformulado, dentro deste quadro de referência, como um modelo operacional
de uma figura de ligação que é concebida como acessível, confiável e pronta
para ajudar, quando solicitada. Analogamente, o que na teoria tradicional é
designado como um “objeto mau”, pode ser reformulado como um modelo
operacional de uma figura de ligação a quem se atribuem características tais
como acessibilidade incerta, relutância em prestar ajuda ou, talvez,
probabilidade de uma reação hostil. Do mesmo modo, pensa-se que um
indivíduo constrói um modelo operacional de si mesmo, em relação a quem os
outros responderão de certas formas previsíveis, O conceito de modelo
operacional do eu compreende dados que são atualmente concebidos em termos
de auto-imagem, auto-estima, etc.
Em que medida tais modelos operacionais são produtos válidos da
experiência real de uma criança ao longo dos anos, ou são versões distorcidas de
tal experiência, é uma questão de suma importância. Os trabalhos de psiquiatria
da família dos últimos 25 anos apresentaram numerosos dados sugerindo que a
forma que o modelo adota é, de fato, fortemente determinada pelas experiências
reais de uma criança durante a infância, muito mais do que se supunha antes.
Este é um campo de interesse vital e requer, urgentemente, uma investigação
especializada. Um problema clínico e de pesquisa consiste em que os indivíduos
perturbados frequentemente parecem manter dentro deles mais de um modelo
operacional tanto do mundo como do eu-no-mundo. Além disso, tais modelos
múltiplos são frequentemente incompatíveis entre si e podem ser mais ou menos
inconscientes.
Talvez se tenha dito o suficiente para mostrar que o conceito de modelos
operacionais é central para o esquema proposto. O conceito pode ser elaborado
a fim de permitir que muitos aspectos da estrutura da personalidade e do mundo
interno sejam descritos de modo a autorizar a pesquisa rigorosa e a definição
precisa.

110
Assim, a teoria aqui proposta não só está enunciada em linguagem
diferente, mas contém numerosos conceitos distintos daqueles usados pela teoria
tradicional. Entre muitas outras coisas, esses conceitos permitem uma nova
abordagem do velho problema da ansiedade de separação, a qual, quando
excessiva, é inimiga do desenvolvimento da autoconfiança.

O problema da ansiedade de separação.

As numerosas observações do comportamento de crianças pequenas,


quando retiradas de seus pais e colocadas em ambientes estranhos com pessoas
estranhas, descritas por James Robertson e outros durante os últimos vinte anos,
ainda não foram inteiramente articuladas na teoria clínica. Não existe ainda
concordância sobre as razões pelas quais a experiência é tão aflitiva para uma
criança na época, nem por que ela, posteriormente, se mostra tão intensamente
apreensiva com medo de que tal experiência volte a acontecer.
Em anos recentes, numerosos experimentos foram realizados com
macacos jovens que foram separados da mãe, usualmente por cerca de uma
semana. Sejam quais forem as diferenças que se prove existirem entre as reações
de macacos e de seres humanos em tal situação, o que impressiona de imediato
é a semelhança da resposta. Na maioria das espécies de macacos estudadas, o
protesto pela separação e a depressão durante a mesma são muito pronunciados
e, após a reunião, o apego à mãe é muito maior. Nos meses subsequentes, embora
os indivíduos variem, os bebês separados tendem, em média, a explorar menos
e a ficar mais tempo agarrados à mãe; e permanecem visivelmente mais tímidos
do que os bebês macacos que não experimentaram uma separação. (Para um
exame destes dados, ver Hinde e Spencer-Booth, 1971.)
Esses estudos de macacos são de grande valor na medida em que:

(a) Fornecem provas claras, graças a experimentos planejados que mantêm


estáveis numerosas variáveis, de que, na vida real, as observações de seres
humanos tornam difícil chegar-se a conclusões firmes;
(b) Demonstram que, mesmo quando todas as outras variáveis são mantidas
constantes, um período de separação da mãe suscita protesto e depressão durante
a separação, e uma ansiedade de separação muito maior após a reunião;
(c) Deixam claro que os tipos de resposta à separação que são observados em
seres humanos podem, em outras espécies, ser mediadas a um nível primitivo e,
presumivelmente, infra-simbólico.

111
Esta última conclusão questiona as várias teorias clinicamente derivadas
que procuram explicar a ansiedade de separação, dado que a maior parte delas
considera virtualmente axiomático que a separação involuntária de uma figura
materna não pode, por si mesma, gerar ansiedade ou medo e que, portanto, deve
existir algum outro perigo que é previsto e temido. Muitas e diversas sugestões
foram propostas para o que poderia ser esse outro perigo. Por exemplo, Freud
(1926), que foi o primeiro a considerar a ansiedade de separação como um
problema-chave, sugeriu que, para os seres humanos, “a situação fundamental
de perigo é uma situação reconhecida, recordada e esperada de impotência e
desamparo”. Melanie Klein propôs teorias invocando um instinto de morte e
medo de aniquilamento, e também teorias derivadas de suas ideias sobre
ansiedade depressiva e persecutória. O trauma do nascimento é ainda uma outra
sugestão. Revendo a literatura, fica muito claro que muitas das questões mais
veementemente debatidas em psicopatologia e psicoterapia gravitaram, e ainda
gravitam, em torno de como conceituamos a origem e natureza da ansiedade de
separação (Bowlby, 1960a, 1961a, 1973). Como o debate prossegue há tanto
tempo e com tão pouco progresso, levanta-se a questão de saber se estão sendo
formuladas as questões erradas e (ou) se estão sendo utilizados pressupostos
iniciais errados. Examinemos, pois, quais foram os pressupostos iniciais.
Quase todas as teorias sobre o que provoca medo e ansiedade em seres
humanos partiram da suposição de que o medo só é apropriadamente suscitado
em situações percebidas como intrinsecamente dolorosas ou perigosas. Pensa-se
que tal percepção deriva ou de experiências prévias de dor ou então de alguma
consciência inata de forças interiores perigosas. Uma ou outra dessas suposições
será encontrada na teoria da aprendizagem, na psiquiatria tradicional, como é
exemplificado num estudo de Lewis (1967), e em todas as diversas versões da
psicanálise e suas derivações.
Quem adotar um pressuposto desse tipo logo se defrontará com o fato de
que os seres humanos frequentemente manifestam medo em numerosas
situações comuns que não parecem ser inerentemente dolorosas ou perigosas.
Quantos de nós, poder-se-á perguntar, sentiremos prazer em entrar sozinhos
numa casa completamente estranha e imersa em total escuridão? Que alívio
sentiríamos se tivéssemos a companhia de alguém, ou uma boa luz, ou, de
preferência, um companheiro e uma luz!

112
Embora na infância situações desse gênero suscitem medo mais fácil e
intensamente, é inútil fingir que os adultos estão acima dessas coisas. Qualificar
os medos desse tipo como “infantis”, como se faz frequentemente, é querer fugir
a uma porção de questões.
É impressionante verificar como existem tão poucos estudos empíricos
das situações que comumente despertam medo em seres humanos, depois do
trabalho sistemático de Jersild no início da década de 1930. As publicações em
que eles foram divulgados (por exemplo, Jersild e Holmes, 1935; Jersild, 1943)
são minas de informações úteis.
Em crianças entre o segundo e o quinto anos de vida, relata Jersild, existe
um certo número de situações bem definidas que habitualmente suscitam medo.
Por exemplo, asdescrições de 136 crianças, num período de três meses, mostram
que nada menos de 10 % delas mostraram medo, pelo menos numa ocasião,
quando colocadas em confronto com cada uma das seguintes situações: (a) ruído
e eventos associados a ruído; (b) altura; (c) pessoas estranhas, ou pessoas
conhecidas com indumentária estranha; (d) objetos e situações de natureza
insólita; (e) animais; (f) dor ou pessoas associadas à dor.
Também existem provas abundantes de que as crianças manifestaram
menos medo quando acompanhadas de um adulto do que quando sozinhas. Para
qualquer pessoa familiarizada com crianças, esses dados dificilmente podem ser
considerados revolucionários.
Entretanto, não é nada fácil harmonizá-los com os pressupostos dos quais
parte a maioria da teorização. Freud tinha perfeita noção disso e confessou-se
perplexo com o problema. Entre as soluções que ele buscou está a tão conhecida
tentativa de distinguir entre um perigo real e um perigo imaginário. A tese que
ele expõe em Inibições, Sintomas e Ansiedade (1926), pode ser sintetizada,
usando suas próprias palavras: “Um perigo real é um perigo que ameaça uma
pessoa, oriundo de um objeto externo”. Portanto, sempre que a ansiedade é
“acerca de um perigo conhecido”, pode ser considerada como uma “ansiedade
realista”; ao passo que, sempre que for “acerca de um perigo desconhecido”, será
“ansiedade neurótica”. Como o medo de estar sozinho, no escuro ou com
estranhos, é medo, na opinião de Freud, de perigos desconhecidos, deve ser
considerado neurótico (S. E., Vol. 20, pp. 165-7). Além disso, como todas as
crianças experimentam esses medos, sustenta-se que todas as crianças sofrem de
neurose (pp. 147-8). Certamente, há muitos que não se satisfazem com tal
solução.
As dificuldades com que Freud se debateu desaparecem quando se adota
uma abordagem comparativa do medo humano. Pois evidencia-se que o homem
não é, em absoluto, a única espécie que demonstra medo em situações que não
são intrinsecamente dolorosas ou perigosas (Hinde, 1970). Animais de muitas
espécies apresentam um comportamento de medo em resposta a ruídos e outras

113
mudanças bruscas de estimulação, ao escuro e também a estranhos e a eventos
insólitos. O abismo visual e um estímulo que rapidamente se expande também
suscitam medo, regularmente, em animais de numerosas espécies.
Quando indagamos como é que situações desses tipos podem tão
facilmente gerar o medo em animais de tantas espécies, não é difícil perceber
que, embora nenhuma delas seja intrinsecamente perigosa, cada uma dessas
situações é, em certo grau, potencialmente perigosa. Por outras palavras,
enquanto nenhuma delas contém um alto risco, cada uma delas comporta um
risco ligeiramente mais elevado, mesmo que esse risco aumente, digamos, de 1
% para 5 %.
Vista sob este prisma, cada uma dessas situações causadoras de medo é
considerada um indício natural de maior risco. Reagir com medo a todas essas
situações é, portanto, reduzir os riscos. Como tal comportamento possui valor de
sobrevivência, argumenta-se que o equipamento genético de uma espécie
torna-se tal que cada um de seus membros, ao nascer, tende a se desenvolver de
maneira a, usualmente, passar a se comportar dessa forma típica. O homem não
constitui exceção.
Uma distinção aqui invocada, e que é um lugar comum para os
etologistas, mas uma fonte de muita confusão e perplexidade para os psicólogos
experimentais e clínicos, é a distinção entre causação e função biológica – por
um lado, as condições que causam o comportamento e, por outro, a contribuição
desse comportamento para a sobrevivência da espécie. Nesta teoria, considera-
se que o estranhamento e outros sinais concretos desempenham, cada um deles,
um papel causal na geração do comportamento de medo; enquanto que a função
de tal comportamento é a proteção.
Talvez a distinção entre a causa e a função de um determinado
comportamento possa ser esclarecida com referência ao comportamento sexual,
em que a distinção é tão óbvia, que geralmente é lida como certa e virtualmente
esquecida. Em termos claros, a distinção é assim descrita: os estados hormonais
do organismo e certas características do parceiro do sexo oposto levam, em
conjunto, ao interesse sexual e desempenham papéis causais na produção do
comportamento sexual. A função biológica desse comportamento, entretanto, é
uma outra questão; é a reprodução. Uma vez que causação e função são distintas,
é possível, por meio da contracepção, interferir entre o comportamento e a
função a que ele serve.
Em animais de todas as espécies não-humanas, o comportamento se processa
sem que o animal (presumivelmente) tenha qualquer insight da função. O mesmo
pode ser dito da maioria dos seres humanos, a maior parte do tempo. Sob este
prisma, nada há de surpreendente no fato de os seres humanos reagirem
habitualmente com um comportamento de medo em certas situações, apesar de
um observador de fora poder saber que, em tais situações, o aumento do risco de

114
vida é mínimo, ou nem mesmo isso. No início, a pessoa simplesmente reage à
situação – uma súbita mudança ou um alto nível de ruído, um rosto estranho ou
um acontecimento insólito, um movimento brusco – e não a qualquer estimativa
de risco. O cálculo prudente de risco pode ou não se seguir.
A separação relutante de uma criança de seus pais, ou de um adulto de
um companheiro em quem confia, pode ser simplesmente considerada como
uma outra situação do mesmo gênero, embora seja um exemplo um tanto
especial. Mesmo em comunidades civilizadas, existem muitas circunstâncias em
que o risco é um tanto maior quando um indivíduo está sozinho do que quando
está acompanhado. Isso acontece especialmente durante a infância. Por exemplo,
os riscos de acidentes em casa obviamente são maiores quando se deixa uma
criança sozinha do que quando o pai ou a mãe estão por perto. O mesmo pode
ser dito de acidentes na rua. Em 1968, no distrito londrino de Southwark, 46%
de todos os acidentes de trânsito ocorreram com crianças de menos de 15 anos,
com a mais alta incidência no grupo etário dos três aos nove anos. Mais de 60 %
dessas crianças estavam completamente sozinhas, e dois terços das restantes
estavam na companhia de apenas uma outra criança. Para os velhos ou doentes,
viver sozinho é um risco notório. Mesmo para adultos saudáveis, excursionar
pelas montanhas ou praticar alpinismo sozinho significa, materialmente,
aumentar o risco de vida. No meio ambiente em que o homem evoluiu, os riscos
que acompanham o estar sozinho devem ter sido, por certo, muito maiores. Uma
simples reflexão mostra, portanto, que, como estar sozinho aumenta o risco, não
faltam razões para que o homem tenha desenvolvido sistemas comportamentais
que o levam a evitá-lo. No caso dos seres humanos, reagir com medo à perda de
um companheiro em quem se confia não é, pois, mais desconcertante do que
reagir com medo a qualquer dos outros indícios naturais de perigo potencial –
estranheza, movimento súbito, mudança brusca ou alto nível de ruído. Em todos
os casos, reagir assim tem valor de sobrevivência.
Uma característica muito especial do comportamento de medo em seres
humanos e em outros animais é o grau em que recrudesce em situações
caracterizadas pela presença de dois ou mais sinais concretos; por exemplo, o
estranho que subitamente se aproxima, o cão desconhecido que uiva, o ruído
inesperado que se ouve no escuro. Comentando sobre as observações feitas
durante 21 dias por pais acerca de situações causadoras de medo, Jersild e
Holmes (1935) assinalam que combinações de duas ou mais das seguintes
características foram frequentemente citadas em conjunto: ruído, pessoas e
situações estranhas, o escuro, movimento brusco e inesperado, e estar sozinho.
Enquanto que uma situação assinalada por uma única dessas características
poderá apenas alertar o indivíduo, o medo, mais ou menos intenso, pode
perfeitamente ser suscitado quando várias delas estão presentes em conjunto.

115
Porque a resposta a uma combinação de fatores é, com frequência, muito
maior ou diferente do que a resposta a qualquer um deles isoladamente, é
conveniente designar tais situações como “compostos”, um termo escolhido para
lembrar a analogia química (Bowlby, 1973).
Em conformidade com outros dados sobre os efeitos de situações
compostas, os experimentos com crianças e com macacos rhesus (Rowell e
Hinde, 1963) mostram a enorme diferença de intensidade das reações de medo
segundo a presença ou ausência de um companheiro de confiança. Por exemplo,
Jersild e Holmes (1935) apuraram que, quando crianças de três e quatro anos
foram solicitadas a ir apanhar uma bola que rolara para um corredor escuro,
metade delas recusaram-se a fazê-lo, apesar dos incitamentos dos
experimentadores. Entretanto, quando um dos experimentadores as
acompanhou, quase todas as crianças se mostraram dispostas a ir procurar a bola
no escuro. Diferenças do mesmo tipo foram observadas em muitas outras
situações levemente assustadoras, por exemplo, quando uma criança foi
solicitada a aproximar-se de um cachorro imenso, preso por uma corrente, e
acariciá-lo.
Esses resultados harmonizam-se de tal modo com a experiência comum
que pode parecer absurdo alongarmo-nos em sua descrição. Entretanto, é
evidente que, quando psicólogos e psiquiatras passam a teorizar sobre o medo e
a ansiedade, o significado desses fenômenos é seriamente subestimado. Por
exemplo, quando se presta a devida atenção a esses resultados, deixa de ser um
mistério que, em quase todas as situações familiares, o medo e a ansiedade sejam
grandemente reduzidos pela mera presença de um companheiro de confiança.
Tais conclusões habilitam-nos a compreender também por que a acessibilidade
dos pais e sua disponibilidade para responder dá a uma criança, um adolescente
ou um jovem adulto condições para se sentirem seguros, e uma base a partir da
qual podem confiantemente proceder a explorações. Elucidam-nos igualmente
sobre o modo como, da adolescência em diante, outras figuras de confiança
passam a ter funções semelhantes.

116
Isso nos leva de volta ao ponto de partida de nossa argumentação e ajuda
a explicar por que o apoio decidido e sistemático dos pais, combinado com o
encorajamento e o respeito pela autonomia de uma criança, muito longe de abalar
a autoconfiança, fornece, pelo contrário, as condições em que ela pode
desenvolver-se melhor. Também ajuda a explicar por que, inversamente, uma
experiência de separação ou perda, ou ameaças de separação ou perda,
especialmente quando usadas pelos pais como sanções para induzir o bom
comportamento, podem abalar a confiança de uma criança nos outros e em si
mesma, acarretando assim um ou outro desvio do desenvolvimento ótimo – a
falta de confiança em si mesma, a ansiedade ou depressão crônica, o não-
envolvimento distante ou a independência arrogante que soa falso.
Uma autoconfiança bem fundamentada, podemos concluir, é, geralmente, o
produto de um crescimento lento e não reprimido, da infância até a maturidade,
durante o qual, através da interação com outros, incentivadores e confiáveis, a
pessoa aprende a combinar a confiança nos outros com a confiança em si mesma.

117
118
7. Formação e rompimento de vínculos afetivos *(1).

O Royal College of Psychiatrists organiza anualmente uma conferência


em homenagem a Henry Maudsley, que foi um benfeitor da instituição
predecessora do College, a Royal Medico-Psychological Association (e também
do Hospital Maudsley). Fui convidado a proferir a conferência de 1976 na
reunião do College, realizada em Londres no outono. Foi publicada em forma
muito ampliada e em duas partes na primavera seguinte.

Etiologia e psicopatologia à luz da teoria da ligação.

Desde os tempos em que iniciei meus estudos de psiquiatria no Hospital


Maudsley, meus interesses concentraram-se na contribuição do meio ambiente
de uma pessoa ao seu desenvolvimento psicológico. Durante muitos anos, essa
foi uma área menosprezada e só agora está recebendo toda a atenção que merece.
Isso não foi culpa do resoluto defensor do estudo científico dos distúrbios
mentais, cuja vida e obra recordamos hoje. Pois ainda que em algumas passagens
de seus escritos se possa pensar que Henry Maudsley deu pouca importância aos
fatores ambientais, isso está longe de ser verdadeiro, como fica evidente pela
leitura de seu influente livro, Responsibility in Mental Diseases, publicado há
quase exatamente um século. Com efeito, desde o início de sua carreira, a
abordagem de Maudsley foi de biólogo – como seria de se esperar do filho de
um agricultor; e ele sabia que em psiquiatria, como em todas as coisas biológicas,
é necessário considerar “o indivíduo e seu meio ambiente, o homem e suas
circunstâncias”, e que isso requer que adotemos uma abordagem em termos de
desenvolvimento *(1). Assim, ao preparar esta conferência, que me sinto muito
honrado por ter sido convidado a proferir nesta data, considero-me apoiado pela
convicção de que o seu tema, o do desenvolvimento social e emocional em
diferentes tipos de ambiente familiar, está de acordo com tudo o que Henry
Maudsley defendeu.

Nota de rodapé:

*(1). Originalmente publicado em British Journal of Psychiatry (1977), 130: 201-10 e 421-31. Reimpresso com
permissão do Royal College of Psychiatrists.

119
O que, por uma questão de conveniência, designo como teoria da ligação,
é um modo de conceituar a propensão dos seres humanos a estabelecerem fortes
vínculos afetivos com alguns outros, e de explicar as múltiplas formas de
consternação emocional e perturbação da personalidade, incluindo ansiedade,
raiva, depressão e desligamento emocional, a que a separação e perda
involuntárias dão origem. Como um corpo de teoria, lida com os mesmos
fenômenos que antes eram tratados em termos de “necessidade de dependência”,
ou de “relações com o objeto”, ou de “simbiose e individuação”. Embora
incorpore muito do pensamento psicanalítico, a teoria da ligação difere da
psicanálise tradicional ao adotar um certo número de princípios que derivam das
disciplinas relativamente novas da etologia e teoria do controle; assim fazendo,
está habilitada a dispensar conceitos tais como os de energia psíquica e impulso,
e a estabelecer estreitos laços com a psicologia cognitiva. Os méritos que se
atribuem a ela são que, embora seus conceitos sejam psicológicos, eles são
compatíveis com os da neurofisiologia e da biologia do desenvolvimento, e que,
também, se conforma aos critérios habituais de uma disciplina científica.
Os defensores da teoria da ligação argumentam que muitas formas de
distúrbio psiquiátrico podem ser atribuídas ou a desvios no desenvolvimento do
comportamento de ligação ou, mais raramente, a uma falha em seu
desenvolvimento; argumentam também que a teoria esclarece a origem e o
tratamento dessas condições Em suma, a tese desta conferência é que, se
quisermos ajudar terapeuticamente tais pacientes, é necessário que os
habilitemos a considerar minuciosamente como os seus modos atuais de
perceber e lidar com pessoas emocionalmente significativas, incluindo o
terapeuta, podem ser influenciados e, talvez, seriamente distorcidos pelas
experiências que eles tiveram com seus pais durante os anos da infância e
adolescência, e que possivelmente – pelo menos algumas delas – ainda persistem
ou repercutem no presente.

Nota de rodapé:

*(1). A citação é de um ensaio de Maudsley publicado em 1860. Por esta e outras informações sobre a vida e obra de
Maudsley, estou grato à descrição feita por Sir Aubrey Lewis na 25 Conferência Maudsley (Lewis, 1951).

120
Isso implica que o paciente reveja essas experiências do modo mais
honesto possível, uma revisão que o terapeuta pode apoiar ou impedir. Numa
breve exposição, só é possível enunciar princípios e os fundamentos lógicos que
os subentendem. Começamos com um breve esboço do que se entende por teoria
da ligação. (Para uma descrição mais completa dos dados em que se baseia, os
conceitos empregados e os argumentos a seu favor, com todas as referências, ver
os três volumes de Attachment and Loss, Bowlby, 1969, 1973, 1980.)
Até meados da década de 1950, só predominava um ponto de vista
explicitamente formulado sobre a natureza e origem dos vínculos afetivos, e,
sobre essa questão, havia concordância entre psicanalistas e teóricos da
aprendizagem. Os vínculos entre indivíduos desenvolvem-se, segundo era
sustentado, porque um indivíduo descobre que, para satisfazer certos impulsos,
como por exemplo de alimentação na infância e de sexo na vida adulta, é
necessário um outro ser humano. Esse tipo de teoria propõe duas espécies de
impulsos, primários e secundários; classifica o alimento e o sexo como impulsos
primários, e a “dependência” e outras relações pessoais como secundários.
Embora os teóricos das relações objetais (Balint, Fairbairn, Guntrip, Klein,
Winnicott) tentassem modificar essa formulação, os conceitos de dependência,
oralidade e regressão persistiram.
Os estudos dos efeitos perniciosos da privação de cuidados maternos
sobre o desenvolvimento da personalidade levaram-me a questionar a adequação
do modelo tradicional. No início da década de 1950, os trabalhos de Lorenz sobre
imprinting, que tinham sido publicados originalmente em 1935, tomaram-se
mais geralmente conhecidos e ofereceram uma abordagem alternativa. Lorenz
tinha verificado que, pelo menos em algumas espécies de aves, durante os
primeiros dias de vida, desenvolvem-se fortes vínculos com uma figura materna,
sem qualquer referência à alimentação e simplesmente através da exposição do
filhote à figura em questão, com a qual se familiarizou. Argumentando que os
dados empíricos sobre o desenvolvimento do laço de um bebê humano com sua
mãe podem ser melhor entendidos em termos de um modelo derivado da
etologia, delineei uma teoria da ligação num ensaio publicado em 1958.
Simultânea e independentemente, Harlow (1958) publicou os resultados de seus
primeiros estudos com filhotes de macacos rhesus criados com bonecos como
mães-substitutas. Um bebê macaco, apurou Harlow, agarrar-se-á a um boneco
que não o alimenta, desde que esse boneco seja macio e confortável.
Durante os últimos 15 anos, foram publicados numerosos estudos empíricos
sobre crianças (por exemplo, Robertson e Robertson, 1967-72; Heinicke e
Westheimer, 1966; Ainsworth, 1967; Ainsworth, Bell e Stayton, 1971, 1974;
Blurton Jones, 1972), a teoria foi consideravelmente ampliada (por exemplo,
Ainsworth, 1969; Bowlby, 1969; Bischof, 1975), e foi examinada a relação entre
a teoria da ligação e a teoria da dependência (Maccoby e Masters, 1970; Gewirtz,

121
1972) *(1). Foram propostas novas formulações a respeito da ansiedade
patológica e da fobia (Bowlby, 1973), assim como do luto e suas complicações
psiquiátricas (por exemplo, Bowlby, 1961c; Parkes, 1965, 1971a, 1972). Parkes
(1971b) ampliou a teoria para abranger toda a gama de reações observadas
sempre que uma pessoa se defronta com uma importante mudança em sua
situação vital. Foram feitos muitos estudos de comportamento comparável em
espécies primatas (ver o exame crítico desses estudos por Hinde, 1974).
Em suma, o comportamento de ligação é concebido como qualquer
forma de comportamento que resulta em que uma pessoa alcance ou mantenha a
proximidade com algum outro indivíduo diferenciado e preferido, o qual é
usualmente considerado mais forte e (ou) mais sábio. Embora seja especialmente
evidente durante os primeiros anos da infância, sustenta-se que o comportamento
de ligação caracteriza os seres humanos do berço à sepultura. Inclui o choro e o
chamamento, que suscitam cuidados e desvelos, o seguimento e o apego, e
também os vigorosos protestos se uma criança ficar sozinha ou na companhia de
estranhos. Com a idade, a frequência e intensidade com que esse comportamento
se manifesta diminuem gradativamente. No entanto, todas essas formas de
comportamento persistem como parte importante do equipamento
comportamental do homem. Nos adultos, elas são especialmente evidentes
quando uma pessoa está consternada, doente ou assustada. Os padrões de
comportamento de ligação manifestados por um indivíduo dependem, em parte,
de sua idade atual, sexo e circunstâncias, e, em parte, das experiências que teve
com figuras de ligação nos primeiros anos de sua vida.
Como um modo de conceituar a manutenção da proximidade, a teoria da
ligação, em contraste com a teoria da dependência, enfatiza as seguintes
características *(2):
(a) Especificidade. O comportamento de ligação é dirigido para um ou alguns
indivíduos específicos, geralmente em ordem clara de preferência.
(b) Duração. Uma ligação persiste, usualmente, por grande parte do ciclo vital.

Nota de rodapé:

*(1). Outros campos clinicamente importantes a que a teoria da ligação foi aplicada eficazmente são as origens do vínculo
mãe-bebê durante o período neonatal, por Marshall Klaus e John Kennell (1976), distúrbios do relacionamento conjugal,
por Janet Mattinson e Ian Sinclair (1979), e as consequências emocionais da separação conjugal, por Robert S. Weiss
(1975).
*(2). Ao descrever estas características, baseio-me no texto de um artigo (Bowlby, 1975) escrito para o Volume 6 do
American Book of Psychiatry O 1975 by Basic Books, Inc., e agradeço aos seus organizadores e editores pela permissão
para fazê-lo.

122
Embora, durante a adolescência, as ligações da infância possam ser atenuadas e
suplementadas por novas ligações, e em alguns casos substituídas por estas
últimas, as primeiras ligações não são facilmente abandonadas e é muito comum
persistirem.
(c) Envolvimento emocional *(1). Muitas das emoções mais intensas surgem
durante a formação, manutenção, rompimento e renovação de relações de
ligação. A formação de um vínculo é descrita como “apaixonar-se”, a
manutenção de um vínculo como “amar alguém” e a perda de um parceiro como
“sofrer por alguém”. Do mesmo modo, a ameaça de perda gera ansiedade e a
perda real produz tristeza; enquanto que cada uma dessas situações é passível de
suscitar raiva. A manutenção inalterada de um vínculo afetivo é sentida como
uma fonte de segurança, e a renovação de um vínculo, como uma fonte de júbilo.
Como tais emoções são usualmente um reflexo do estado dos vínculos afetivos
de uma pessoa, conclui-se que a psicologia e psicopatologia da emoção é, em
grande parte, a psicologia e psicopatologia dos vínculos afetivos.
(d) Ontogenia. Na grande maioria dos bebês humanos, o comportamento de
ligação com uma figura preferida desenvolve-se durante os primeiros nove
meses de vida. Quanto mais experiência de interação social um bebê tiver com
uma pessoa, maiores são as probabilidades de que ele se ligue a essa pessoa. Por
essa razão, torna-se a principal figura de ligação de um bebê aquela pessoa que
lhe dispensar a maior parte dos cuidados maternos. O comportamento de ligação
mantém-se ativado até o final do terceiro ano de vida; no desenvolvimento
saudável, torna-se, daí em diante, cada vez menos ativado.
(e) Aprendizagem. Se bem que aprender a distinguir o familiar do estranho
constitua um processo-chave no desenvolvimento da ligação, as recompensas e
punições convencionais usadas pelos psicólogos experimentais desempenham
apenas um papel secundário. De fato, uma ligação pode desenvolver-se apesar
de repetidas punições por uma figura de ligação.
(f) Organização. Inicialmente, o comportamento de ligação é mediado por
respostas organizadas segundo linhas bastante simples. A partir do final do
primeiro ano, passa a ser mediado por sistemas comportamentais cada vez mais
refinados, os quais são organizados cibernéticamente e incorporam modelos
representacionais do meio ambiente e do eu.

Nota de rodapé:

*(1). Embora este parágrafo seja pouco diferente de parágrafos semelhantes nos capítulos 4 e 6, deixo-o inalterado
porque, sem ele, este capítulo ficaria seriamente incompleto.

123
Esses sistemas são ativados por certas condições e terminados por outras.
Entre as condições ativadoras estão o estranhamento, a fome, o cansaço e
qualquer coisa que seja assustadora. As condições terminais incluem a visão ou
o som da figura materna e, especialmente, a interação feliz com ela. Quando o
comportamento de ligação é fortemente despertado, o término poderá requerer o
contato físico ou o agarramento à figura materna e (ou) ser acariciado por ela.
Inversamente, quando a figura materna está presente ou seu paradeiro é
conhecido, uma criança deixa de manifestar o comportamento de ligação e, em
vez disso, desliga-se daquela e explora o seu meio ambiente.
(g) Função biológica. O comportamento de ligação ocorre nos jovens de
quase todas as espécies de mamíferos e, em certas espécies, persiste durante toda
a vida adulta. Embora haja muitas diferenças de detalhe entre as espécies, a
manutenção da proximidade com um adulto preferido (quase sempre a mãe) por
um animal imaturo é a regra geral, o que sugere que tal comportamento possui
um valor de sobrevivência. Num outro escrito (Bowlby, 1969) argumentei que a
mais provável função do comportamento de ligação é, de longe, a proteção,
principalmente contra os predadores.
Assim, o comportamento de ligação é concebido como uma classe de
comportamento distinta do comportamento de alimentação e do comportamento
sexual, tendo, pelo menos, um significado igual na vida humana. Nada existe de
intrinsecamente pueril ou patológico quanto a ele.
Cumpre assinalar que o conceito de ligação difere substancialmente do
conceito de dependência. Por exemplo, a dependência não está especificamente
relacionada com a manutenção da proximidade, não se refere a um indivíduo
específico, nem está necessariamente associada a uma emoção forte. Nenhuma
função biológica lhe é atribuída. Além disso, no conceito de dependência há
implicações de valor que são o oposto exato daquelas que o conceito de ligação
subentende. Enquanto que qualificar uma pessoa como dependente tende a ser
depreciativo, descrevê-la como ligada a alguém pode muito bem ser uma
expressão de aprovação. Inversamente, ser uma pessoa desligada em suas
relações pessoais é considerado, usualmente, como um comportamento que nada
tem de admirável. O elemento depreciativo no conceito de dependência, o qual
reflete um não -reconhecimento do valor que o comportamento de ligação tem
para a sobrevivência, constitui uma fraqueza fatal para seu uso clínico.
No que se segue, o indivíduo que manifesta o comportamento de ligação
é usualmente mencionado como criança, e a figura de ligação como mãe.

124
Isso ocorre porque, até agora, o comportamento só foi minuciosamente
estudado em crianças, O que se expõe, entretanto, é aplicável também a adultos
e a quem quer que esteja atuando para eles como figura de ligação –
frequentemente um cônjuge, algumas vezes um dos pais e, com frequência maior
do que se poderia supor, um filho.
Foi assinalado em (f) que, quando a mãe está presente ou seu paradeiro
é conhecido e ela está disposta a participar num intercâmbio amistoso, a criança
geralmente deixa de apresentar o comportamento de ligação e prefere explorar o
seu meio ambiente. Nessa situação, a mãe pode ser considerada como a
fornecedora de uma base segura a partir da qual a criança fará suas explorações,
e à qual regressará, sobretudo quando se cansar ou se assustar. No restante de
sua vida, a pessoa é suscetível de manifestar o mesmo padrão de comportamento,
afastando-se cada vez mais e por períodos cada vez maiores daqueles a quem
ama, ainda que mantendo sempre o contato e regressando, mais cedo ou mais
tarde. A base a partir de onde um adulto opera será a sua família de origem, ou
então uma nova base que ele criou para si mesmo. Qualquer indivíduo que não
possua tal base é um ser sem raízes e intensamente solitário.
Na descrição feita até agora, foram mencionados dois padrões de
comportamento além da ligação, ou seja, a exploração e o cuidar.
Existem hoje evidências abundantes que apoiam o ponto de vista de que
a atividade exploratória é de grande importância per se, habilitando um animal
ou uma pessoa a formar um quadro coerente das características ambientais que
podem, em qualquer momento, tornar- se importantes para a sobrevivência.
Crianças e outras criaturas muito jovens são notoriamente curiosas e
indagadoras, o que as leva comumente a se afastarem de suas figuras de ligação.
Neste sentido, o comportamento exploratório é antitético do comportamento de
ligação. Em indivíduos saudáveis, os dois tipos de comportamento normalmente
se alternam.
O comportamento dos pais, e de qualquer pessoa que se incumba do
papel de cuidar da criança, é complementar do comportamento de ligação. A
função de quem dispensa esses cuidados consiste em primeiro, estar disponível
e pronto a atender quando solicitado, e, segundo, intervir judiciosamente no caso
de a criança ou a pessoa mais idosa de quem se cuida estar prestes a meter-se em
apuros. Não só isso constitui um papel básico, como existem provas substanciais
de que o modo como é desempenhado pelos pais determina, em grau
considerável, se a criança será mentalmente saudável ao crescer. Por essa razão,
e também porque é esse o papel que desempenhamos quando agimos como
psicoterapeutas, sustentamos que a nossa compreensão do mesmo se reveste de
importância crucial para a prática da psicoterapia.

125
Um outro ponto precisa ser assinalado, antes de examinarmos as
implicações desse esquema para uma teoria da etiologia e psicopatologia, e, por
conseguinte, para a prática psicoterapêutica. Refere-se à nossa compreensão da
ansiedade e, em particular, da ansiedade de separação.
Um pressuposto muito comum das teorias psiquiátricas e da
psicopatologia é de que o medo só deve manifestar-se em situações que sejam
verdadeiramente perigosas, e que o medo que se manifesta em qualquer outra
situação é neurótico. Isto leva à conclusão de que, como a separação de uma
figura de ligação não pode ser considerada uma situação verdadeiramente
perigosa, a ansiedade em torno da separação dessa figura é, portanto, neurótica.
O exame das evidências mostra que tanto o pressuposto quanto a conclusão a
que leva são falsos.
Quando abordada empiricamente, verifica-se que a separação de uma
figura de ligação pertence a uma classe de situações passíveis de suscitar medo,
sendo que, no entanto, nenhuma delas pode ser considerada intrinsecamente
perigosa. Essas situações incluem, entre outras, o escuro, as mudanças súbitas e
acentuadas no nível de estímulo: ruídos fortes, movimentos bruscos, pessoas
estranhas e coisas insólitas. Há evidências de que animais de muitas espécies se
alarmam em tais situações (Hinde, 1970), e de que isso também é verdadeiro no
caso de crianças (Jersild, 1947), e mesmo de adultos. Além disso, o medo é
especialmente suscetível de ser provocado quando duas ou mais dessas
condições estão simultaneamente presentes, por exemplo, ouvir um ruído forte
quando se está sozinho no escuro.
Sustenta-se que a explicação dos motivos pelos quais tão regularmente
indivíduos reagem com temor a essas situações é que, embora nenhuma das
situações seja intrinsecamente perigosa, cada uma delas comporta um risco
maior. Ruído, estranhamento, isolamento e, para muitas espécies, a escuridão,
são outras tantas condições estatisticamente associadas a um risco maior. O ruído
pode ser o prenúncio de um desastre natural: incêndio, inundação ou terremoto.
Para um animal jovem, um predador é estranho, movimenta-se e, com
frequência, ataca de noite, sendo muito mais provável que o faça quando a vítima
está sozinha. Como tal comportamento promove assim o êxito da sobrevivência
e da procriação, prossegue a teoria, verifica-se que os jovens das espécies que
sobreviveram, incluindo o homem, são geneticamente propensos a se
desenvolverem de modo a reagir ao ruído, estranheza, aproximação súbita e
escuridão; as reações características, em tais casos, são a ação de evitação ou a
fuga – de fato, eles se comportam como se o perigo estivesse realmente presente.
De um modo comparável, reagem ao isolamento procurando companhia. As
respostas de medo suscitadas pela ocorrência natural de tais indícios de perigo
fazem parte do equipamento comportamental básico do homem (Bowlby, 1973).

126
Vista sob este prisma, a ansiedade em tomo da separação involuntária de
uma figura de ligação assemelha-se à ansiedade que o comandante de uma força
expedicionária sente quando as comunicações com a sua base são cortadas ou
ameaçadas.
Isso leva à conclusão de que a ansiedade em tomo de uma separação
involuntária pode ser uma reação perfeitamente normal e saudável. O que pode
ser difícil de explicar é por que tal ansiedade é despertada em algumas pessoas
com uma intensidade tão grande ou, ao contrário, em outras, com tão pouca
intensidade. Isso nos conduz a questões de etiologia e psicopatologia.
Ao longo de todo este século, tem sido acirrado o debate sobre o papel
das experiências infantis na causação dos distúrbios psiquiátricos. Não só os
psiquiatras de mentalidade tradicional têm sido céticos quanto à importância de
tais experiências, como também os psicanalistas, nas décadas de 1960 e 1970,
mostraram uma atitude idêntica. Durante muito tempo, a maioria dos analistas
que atribuem importância à experiência da vida real concentraram suas atenções
nos dois ou três primeiros anos de vida e em certas técnicas para cuidar de
crianças – o modo como um bebê é alimentado e recebe treinamento de higiene
– no fato de a criança presenciar ou não as relações sexuais dos pais. A atenção
à interação familiar e ao modo como os pais tratam uma criança não foi
estimulada. De fato, alguns extremistas sustentaram que o estudo sistemático das
experiências de uma pessoa no seio de sua família está fora dos interesses
próprios de um psicanalista.
Ninguém que se dedique à psiquiatria infantil, melhor denominada
psiquiatria familiar, pode compartilhar de tal ponto de vista. Numa grande
maioria de casos, não só existem evidências de relações familiares perturbadas,
mas, habitualmente, predominam problemas emocionais dos pais que derivam
de suas próprias infâncias infelizes. Assim, sempre me pareceu que o problema
não consiste em estudar ou não o ambiente familiar de um paciente, mas em
decidir que características são importantes, que métodos de investigação são
exequíveis e que tipo de teoria se ajusta melhor aos dados. Uma vez que muitos
outros adotaram o mesmo ponto de vista, uma quantidade considerável de
pesquisas razoavelmente confiáveis vem sendo realizada por investigadores
oriundos de várias disciplinas. É com base nos resultados dessas pesquisas,
interpretados em termos da teoria da ligação, que ofereço agora as
generalizações e as ideias que se seguem.

127
O ponto fundamental de minha tese é que existe uma forte relação causal
entre as experiências de um indivíduo com seus pais e sua capacidade posterior
para estabelecer vínculos afetivos, e que certas variações comuns dessa
capacidade, manifestando -se em problemas conjugais e em dificuldades com os
filhos, assim como nos sintomas neuróticos e distúrbios de personalidade, podem
ser atribuídas a certas variações comuns no modo como os pais desempenham
seus papéis. Muitas das evidências em que a tese se baseia são retomadas no
segundo volume de Attachment and Loss (Capítulo 15 em diante). A principal
variável para a qual chamo a atenção é o grau em que os pais de uma criança (a)
lhe fornecem uma base segura e (b) a estimulam a explorar a partir dessa base.
Nesses papéis, o desempenho dos pais varia segundo vários parâmetros, dos
quais o mais importante, porque permeia todas as relações, talvez seja o grau em
que os pais reconhecem e respeitam o desejo e a necessidade que a criança tem
de uma base segura, e ajustam seu comportamento a isso. Isto implica, em
primeiro lugar, uma compreensão intuitiva do comportamento de ligação de uma
criança e uma disposição para satisfazê-lo e, no momento adequado, terminá-lo;
e, em segundo lugar, o reconhecimento de que uma das fontes mais comuns de
raiva na criança é a frustração do seu desejo de amor e cuidados, e de que a sua
ansiedade geralmente reflete a incerteza quanto à disponibilidade dos pais.
Complementar em importância ao respeito dos pais pelos desejos de ligação de
uma criança é o respeito pelo seu desejo de explorar e ampliar gradualmente suas
relações com crianças de sua idade e com outros adultos.
As pesquisas sugerem que, em muitas áreas da Grã-Bretanha e dos
Estados Unidos, mais da metade da população infantil está crescendo na
companhia de pais que proporcionam tais condições a seus filhos pequenos.
Geralmente, essas crianças crescem seguras e autoconfiantes, e mostram-se
confiantes, cooperativas e prestativas para com as outras pessoas. Na literatura
psicanalítica, diz-se que uma pessoa assim tem um ego forte; e pode ser descrita
como alguém que é dotado de “confiança básica” (Erikson, 1950), “dependência
madura” (Fairbairn, 1952), ou “introjetou um objeto bom” (Klein, 1948). Nos
termos da teoria da ligação, a pessoa é descrita como tendo construído um
modelo representacional de si mesma como sendo capaz de se ajudar e
merecedora de ser ajudada se surgirem dificuldades.

128
Por outro lado, muitas crianças (em algumas populações, um terço ou mais)
crescem com pais que não oferecem essas condições. Cumpre assinalar aqui que
o foco de atenção está nas relações que os pais têm com um determinado filho,
uma vez que os pais não tratam todos os filhos da mesma maneira e podem
proporcionar condições excelentes para um e condições muito adversas para um
outro.
Consideremos alguns dos padrões de desvio mais comuns de comportamento de
ligação apresentados por adolescentes e também por adultos, com exemplos de
experiências típicas da infância que aqueles que apresentam tais padrões
provavelmente tiveram quando crianças, e talvez ainda tenham.
Muitos daqueles que são encaminhados a psiquiatras são indivíduos ansiosos,
inseguros, geralmente descritos como superdependentes ou imaturos. Em
condição de estresse, tendem a desenvolver sintomas neuróticos, depressão ou
fobia. As pesquisas revelam que eles estiveram expostos a pelo menos um, e
geralmente mais de um, de certos padrões típicos da parentalidade patogênica,
os quais incluem:
(a) ausência persistente de respostas de um ou ambos os pais ao comportamento
eliciador de cuidados, da criança, e/ou depreciação e rejeição marcada;
(b) descontinuidades da parentalidade, ocorrendo mais ou menos
frequentemente, incluindo períodos em hospital ou instituição;
(c) ameaças persistentes por parte dos pais de não amar a criança, usadas como
um meio para controlá-la;
(d) ameaças, por parte dos pais, de abandonar a família, usadas ou como um
método de disciplinar a criança ou como uma forma de coagir o cônjuge;
(e) ameaças por parte de um dos pais de abandonar ou mesmo de matar o outro,
ou então de cometer suicídio (estas ameaças são mais comuns do que se poderia
supor);
(f) indução de culpa à criança, afirmando que o comportamento dela é ou será
responsável pela doença ou morte de um dos pais.
Qualquer dessas experiências pode levar uma criança, um adolescente ou um
adulto a viver em constante ansiedade, com medo de perder sua figura de ligação
e, por conseguinte, a ter um baixo limiar para a manifestação do comportamento
de ligação. A condição é melhor descrita como de ligação ansiosa (*).

(*) Não existe qualquer prova em favor da ideia tradicional, ainda generalizada,
de que tal pessoa foi tratada com excessiva complacência quando criança e que,
por isso, acabou “estragada pelo mimo”.
129
Um conjunto adicional de condições a que alguns desses indivíduos estiveram
expostos, ou ainda estão, é quando um dos pais, geralmente a mãe, exerce
pressão sobre eles para atuarem como figura de ligação para ela, invertendo

129
assim a relação normal. Os meios de exercer tal pressão variam desde o
encorajamento inconsciente de um senso prematuro de responsabilidade para
com os outros, até o uso deliberado de ameaças ou indução de culpa. Os
indivíduos tratados dessa maneira são passíveis de se tornarem excessivamente
escrupulosos e dominados por sentimentos de culpa, assim como ansiosamente
ligados. Uma maioria de casos de fobia escolar e agorafobia se produz,
provavelmente, desse modo.
Todas as variantes de comportamento parental até aqui descritas são suscetíveis
não só de provocar raiva dos pais na criança, mas também de inibir a sua
expressão. O resultado é muito ressentimento parcialmente inconsciente, o qual
persiste na vida adulta e expressa-se, geralmente, num afastamento em relação
aos pais e numa aproximação em relação a alguém mais fraco, por exemplo, um
cônjuge ou um filho. É provável que tal pessoa também esteja sujeita a fortes
anseios inconscientes de amor e apoio, os quais podem expressar-se por alguma
forma aberrante de comportamento eliciador de cuidados, por exemplo,
tentativas frouxas de suicídio, sintomas de conversão, anorexia nervosa,
hipocondria, etc. (Henderson, 1974).
Um padrão de comportamento de ligação que é abertamente o oposto da ligação
ansiosa é o descrito por Parkes (1973) como autoconfiança compulsiva. Ao invés
de buscar o amor e os cuidados de outros, uma pessoa que apresenta esse padrão
insiste em aguentar firme e em fazer tudo por si mesma, sejam quais forem as
condições. Também essas pessoas são passíveis de desmoronar sob estresse e
apresentar sintomas psicossomáticos ou depressão.
Muitas dessas pessoas tiveram experiências semelhantes às dos indivíduos que
desenvolvem uma ligação ansiosa; mas reagiram a elas de modo diferente,
inibindo o sentimento e o comportamento de ligação, e negando, talvez até
ridicularizando, qualquer desejo de relações estreitas com quem quer que
pudesse dar amor e carinho. No entanto, não é preciso ter muito discernimento
para compreender que elas desconfiam profundamente de quaisquer relações
íntimas e aterroriza-as a simples ideia de terem que confiar em outra pessoa, em
alguns casos para evitar a dor de serem rejeitadas, e, em outros, para evitar serem
submetidas a pressões que as obriguem a cuidar de outra pessoa. Tal como no
caso da ligação ansiosa, é provável que exista muito ressentimento subjacente, o
qual, quando suscitado, se volta contra pessoas mais fracas, e também muito
anseio inexprimido de amor e apoio.

130
Um padrão de comportamento de ligação relacionado com a
autoconfiança compulsiva é o de solicitude compulsiva. Uma pessoa que o
manifesta pode envolver-se em muitas relações íntimas, mas sempre no papel de
dispensar cuidados, nunca de os receber. Com frequência, o indivíduo escolhido
é um aleijado que poderá, por algum tempo, agradecer os cuidados que lhe
dispensam. Mas no caso da solicitude compulsiva, a pessoa esforça-se também
por cuidar de quem não procura nem agradece tal ajuda. A experiência típica da
infância de tais pessoas é terem tido uma mãe que, devido à depressão ou algum
outro impedimento, não pôde cuidar da criança, mas, em vez disso, aceitou de
bom grado ser cuidada, e talvez tenha exigido também ajuda para cuidar de
irmãos mais novos. Assim, desde o começo da infância, a pessoa que se
desenvolve desse modo descobre que o único vínculo afetivo de que dispõe é um
vínculo em que é sempre ela que deve ser solícita para com os outros e que a
única atenção que poderá receber é a atenção que dá a si mesma. (As crianças
que crescem em instituições também se desenvolvem, por vezes, desse modo.)
Tal como na autoconfiança compulsiva, também neste caso existe muito anseio
latente de amor e solicitude, e muita raiva latente para com os pais por não lhes
terem dado amor e atenção; e, uma vez mais, muita ansiedade e culpa em tomo
da expressão desses desejos. Winnicott (1965) descreveu indivíduos desse tipo
como tendo desenvolvido um “falso eu” e concorda em que a sua origem deve
ser encontrada na pessoa que, quando criança, não recebeu cuidados matemos
“suficientemente bons”. Ajudar essa pessoa a descobrir o seu “verdadeiro eu”
implica ajudá-la a reconhecer e a deixar-se possuir pelo seu anseio de amor e
atenção, e por sua raiva para com aqueles que não souberam supri-la quando
criança.
Os eventos da vida que são especialmente passíveis de atuar como fatores
de estresse em indivíduos cujo comportamento de ligação se desenvolveu em
uma ou outra das direções até aqui descritas são a doença grave ou morte de uma
figura de ligação ou de alguém a quem se era muito afeiçoado, ou alguma outra
forma de separação. Uma doença grave intensifica a ansiedade e talvez a culpa.
A morte ou a separação confirmam as piores expectativas da pessoa e levam ao
desespero e à angústia. Nessas pessoas, o luto por uma morte ou separação
poderá seguir um curso atípico. No caso da ligação ansiosa, o luto tende a se
caracterizar por uma raiva extraordinariamente intensa e (ou) auto-recriminação
acompanhada de depressão, e tende a persistir por muito mais tempo que o
normal. No caso da autoconfiança compulsiva, o luto pode ser protelado por
meses ou anos. Entretanto, irritabilidade e tensão gera lmente estão presentes e
podem ocorrer depressões episódicas, mas muitas vezes tanto tempo depois, que
se perde de vista a conexão causal com a morte ou separação. Estas formas
patológicas de luto são discutidas por Parkes (1972).

131
As pessoas do tipo até aqui descrito não só são sujeitas a entrar em
colapso após uma perda ou separação, como também podem deparar-se com
certas dificuldades típicas quando casam e têm filhos. Em relação a um cônjuge,
uma pessoa pode apresentar uma ligação ansiosa e fazer constantes exigências
de amor e atenção; ou ainda pode apresentar uma solicitude compulsiva para
com o cônjuge, com ressentimento latente por lhe parecer que não esteja sendo
apreciada e nem correspondida. Em relação a um filho, esses padrões também
podem se manifestar. No primeiro caso, a pessoa (pai ou mãe) exige que o filho
cuide dela e, no segundo, insiste em cuidar do filho mesmo quando isso deixou
de ser apropriado, o que resulta em “amor sufocante” (*). Distúrbios do
comportamento dos pais resultam também do fato de o filho ser percebido e
tratado como se fosse um irmão mais novo, o que pode resultar, por exemplo,
em um pai sentir ciúme das atenções que sua mulher dispensa ao filho de ambos.
Uma outra forma comum de distúrbio é quando um dos pais vê em seu
filho uma réplica dele mesmo, especialmente daqueles aspectos que ele se
empenhou em reprimir em si mesmo e que se esforça agora por reprimir também
na criança. Nesses esforços, o pai (ou a mãe) usará provavelmente uma versão
dos mesmos métodos de disciplina – talvez rudes e violentos, talvez
reprovadores e sarcásticos, talvez indutores de culpa – a que foi submetido (a)
em criança e que resultaram no desenvolvimento dos mesmos problemas que se
empenha agora em prevenir ou curar, de maneira tão inadequada, no próprio
filho. Um marido também pode perceber e tratar sua mulher do mesmo modo.
Analogamente, uma esposa e mãe pode adotar esse padrão em sua percepção e
maneira de tratar o marido ou o filho. Quando nos defrontamos com um
comportamento desagradável e frustrador desse tipo, é importante lembrar que
cada um de nós é capaz de fazer a outros aquilo que nos foi feito. O adulto tirano,
que maltrata os mais fracos, é a criança tiranizada e maltratada que cresceu.

(*) O termo “simbiótico” é usado, por vezes, para descrever essas relações
sufocantemente íntimas. Contudo, o termo não foi bem escolhido, visto que, em
biologia, refere-se a uma parceria mutuamente vantajosa entre dois organismos,
ao passo que as relações familiares assim denominadas são seriamente
desajustadas. Descrever a criança como “superprotegida” é igualmente errôneo,
pois não são levadas em conta as insistentes exigências de atenção que um dos
pais está fazendo à criança.

132
Quando um indivíduo adota em relação a si mesmo ou aos outros as
mesmas atitudes e formas de comportamento que seus próprios pais adotaram e
podem estar ainda adotando em relação a ele, pode-se afirmar que ele se
identifica com um dos pais. Os processos pelos quais essas atitudes e formas de
comportamento são adquiridas são, presumivelmente, os da aprendizagem por
observação e, assim, não diferem dos processos pelos quais outras formas
complexas de comportamento são adquiridas, inclusive as habilidades úteis.
Dos muitos outros padrões de funcionamento familiar e desenvolvimento
da personalidade perturbados que podem ser entendidos em termos do
desenvolvimento patológico do comportamento de ligação, um dos mais
conhecidos é o indivíduo emocionalmente desligado, incapaz de manter um
vínculo afetivo estável com quem quer que seja. As pessoas com essa
incapacidade são classificadas como psicopatas e (ou) histéricas. São
frequentemente delinquentes e suicidas. A história típica é de prolongada
privação de cuidados matemos durante os primeiros anos de vida, geralmente
combinada com rejeição posterior ou ameaças de rejeição pelos pais ou pais
adotivos (*).
Para explicar por que indivíduos de diferentes tipos continuam
apresentando as características descritas muito depois de terem crescido, parece
necessário postular que, sejam quais forem os modelos representacionais de
figuras de ligação e do eu que um indivíduo constrói durante sua infância e
adolescência, eles tendem a persistir relativamente inalterados até e durante toda
a vida adulta. Por conseguinte, esse indivíduo tende a assimilar qualquer nova
pessoa com quem possa formar um vínculo afetivo, a esposa ou um filho, um
patrão ou o terapeuta, a um modelo existente (o de um ou outro de seus pais ou
do próprio eu), e continua frequentemente a fazê-lo, apesar de repetidas provas
de que o modelo é inadequado. Analogamente, espera ser percebido e tratado
por essas pessoas de um modo que seja apropriado ao seu modelo do eu, e
continuará com tais expectativas apesar de provas em contrário. Tais percepções
e expectativas distorcidas levam a diversas crenças errôneas sobre as outras
pessoas, a falsas expectativas acerca do modo como elas se comportarão e a
ações inadequadas, com a intenção de frustrar o comportamento esperado delas.
Assim, para darmos um simples exemplo, um homem que durante a infância foi
frequentemente ameaçado de abandono pode facilmente atribuir intenções
semelhantes à sua esposa. Portanto, interpretará as coisas que ela diz ou faz em
função

(*) Como todas as condições psiquiátricas mencionadas representam graus e padrões variáveis da mesma
psicopatologia subjacente, não existem mais perspectivas de distinguir nitidamente umas das outras do que de distinguir
nitidamente entre diferentes formas de tuberculose. Para explicar as diferenças, provavelmente são importantes os fatores
genéticos, assim como as variações nas experiências pessoais de diferentes indivíduos.

133
Dessas intenções que lhe atribui, e tomará então qualquer iniciativa que
julgue ser a melhor para enfrentar a situação que acredita existir. Sobrevirão
equívocos e conflitos. Em tudo isso, ele não tem consciência de que está sendo
influenciado por suas experiências passadas, nem de que suas atuais crenças e
expectativas são infundadas.
Na teoria tradicional, os processos descritos são frequentemente citados
em termos de “internalização de um problema”, e as atribuições e percepções
errôneas são imputadas à projeção, introjeção ou fantasia. Não só as afirmações
resultantes tendem a ser ambíguas como também o fato de tais atribuições e
percepções errôneas derivarem diretamente de experiências prévias da vida real
só recebe uma vaga alusão, ou então é inteiramente obscurecido. Acredito que a
descrição dos processos em termos da psicologia cognitiva garante muito maior
precisão e possibilita a formulação de hipóteses em forma testável a respeito do
papel causal dos diferentes tipos de experiência infantil, através da persistência
de modelos representacionais de figuras de ligação e do eu num nível
inconsciente.
Cumpre assinalar que modelos representacionais inadequados, mas
persistentes, coexistem frequentemente com outros mais apropriados. Por
exemplo, um marido pode oscilar entre acreditar que sua esposa lhe é fiel e
suspeitar de que ela pretende abandoná-lo. A experiência clínica sugere que
quanto mais fortes forem as emoções despertadas numa relação, mais provável
será que se tomem dominantes os modelos mais primitivos e menos conscientes.
Explicar esse funcionamento mental, que é tradicionalmente discutido em
termos de processos defensivos, apresenta um desafio aos psicólogos cognitivos
– mas um desafio do qual eles já estão se ocupando (por exemplo, Erdelyi, 1974)
(2).

Alguns princípios de psicoterapia

Tais são, pois, os elementos de uma psicopatologia baseada na teoria da


ligação. Que orientação ela nos dá para avaliarmos os problemas de um paciente
e ajudá-lo?
Em primeiro lugar, devemos decidir se o problema apresentado está entre
aqueles a que a teoria da ligação é aplicável, uma questão que ainda requer muita
exploração. Se for aplicável, examinaremos qual o padrão tipicamente assumido
pelo comportamento de ligação do paciente, levando em conta o que ele nos diz
a respeito dele mesmo e das relações que estabelece, e também como se relaciona
conosco, seus ajudantes potenciais. Também exploramos eventos relevantes de
sua vida, principalmente partidas, doenças sérias ou morte, e também chegadas,
e examinamos em que medida os sintomas apresentados podem ser entendidos
como respostas recentes ou tardias a esses eventos. No decorrer dessas

134
explorações, podemos começar a obter alguma ideia dos padrões de interação
que predominam no lar atual do paciente, que pode ser o lar de sua família de
origem ou o da nova família que ele ajudou a criar, ou (talvez especialmente no
caso de mulheres) ambos. Qualquer material histórico que elucide o modo como
os padrões atuais se produziram serve para tornar mais nítidas as nossas
percepções.
Uma importante dificuldade nesse processo de avaliação é que a
informação oferecida talvez omita fatos vitais ou os falsifique. Não só os
parentes – pais ou cônjuge – são capazes de omitir, suprimir ou falsificar tais
fatos, mas o próprio paciente também poderá fazê-lo. Isto, é claro, não ocorre
por acidente. Em primeiro lugar, é evidente que muitos pais, que por uma razão
ou outra negligenciaram ou rejeitaram um filho pequeno, ameaçaram-no de
abandono, encenaram tentativas de suicídio, tiveram repetidas brigas entre eles
ou se apegaram à criança por causa de seu próprio desejo de contarem com uma
figura que lhes desse atenção, detestarão que os verdadeiros fatos sejam
conhecidos. Inevitavelmente, esperam críticas e recriminações e, assim,
preferem distorcer a verdade, algumas vezes inadvertidamente, outras
deliberadamente. Do mesmo modo, os filhos de pais como esses cresceram
sabendo que a verdade não deve ser divulgada e talvez estejam meio
convencidos também de que eles mesmos são culpados por todos os problemas,
como seus pais sempre insistiram em afirmar. Um método comum de manter em
segredo os distúrbios familiares consiste em atribuir os sintomas a alguma outra
causa; ele tem medo dos meninos na escola (e não de que a mãe possa se
suicidar); ela sofre de dores de cabeça e indigestão (e não porque a mãe ameaça
repudiá-la se ela sair de casa); ele foi difícil desde que nasceu (não que fosse
indesejado e negligenciado pelos pais); ela está sofrendo de uma depressão
endógena (e no entanto está chorando tardiamente a perda do pai, que ocorreu
há muitos anos). Muitas vezes, o que é descrito como sendo um sintoma é
comprovadamente uma resposta que, divorciada da situação que a provocou,
parece inexplicável. Ou então um sintoma surge como resultado da tentativa feita
pelo paciente de evitar reagir com sentimento autêntico a uma situação
verdadeiramente aflitiva ou deprimente. Em um caso ou outro, uma primeira e
importante tarefa consiste em identificar a situação, ou situações, à qual o
paciente está respondendo, ou inibindo uma resposta.
É obviamente desejável que qualquer clínico que empreenda esse tipo de
trabalho disponha de um extenso conhecimento dos padrões desviantes de
comportamento de ligação e das experiências familiares patogênicas que
comumente se acredita contribuírem para os mesmos; e também deve estar
familiarizado com os tipos de informações que são frequentemente omitidas,
suprimidas ou falsificadas. Se houver esse conhecimento, muitas vezes pode
tornar-se evidente a falta de alguma informação crucial ou o caráter duvidoso,

135
quando não claramente falso, de certos tipos de afirmações. Sobretudo, um
clínico com experiência nesse tipo de trabalho sabe quando ainda tem que
descobrir os fatos e está preparado para esperar que as informações importantes
venham à tona ou para sondar cautelosamente as áreas promissoras. Os
principiantes são capazes de saltar para conclusões apressadas e cometer erros.
Ao elaborar um quadro clínico, será prudente o psiquiatra não confiar
apenas nos métodos tradicionais de entrevista, mas, sim, sempre que possível,
realizar uma ou mais entrevistas com a família. Nenhuma outra técnica oferece
maior probabilidade de revelar rapidamente os padrões presentes sob sua
verdadeira luz e de fornecer pistas sobre o modo como eles se desenvolveram.
Atualmente há numerosos livros sobre psiquiatria da família e terapia da família.
Embora eles chamem a atenção para a imensa influência que diferentes padrões
de interação podem exercer sobre cada membro da família e descrevam técnicas
de entrevista e modos de intervenção, os conceitos que usam não são os da teoria
da ligação. Para os fins da presente exposição eles são, portanto, de valor
limitado.
Ainda há muito trabalho a ser feito antes de podermos ter certeza sobre
quais os distúrbios do comportamento de ligação que são tratáveis pela
psicoterapia e quais os que não são; e, se tratáveis, a qual dos vários métodos
deve ser dada preferência. Muita coisa depende da experiência, capacidade e
recursos do clínico. De modo geral, podemos acompanhar Malan (1963), usando
como principal critério se o paciente e (ou) os membros de sua família mostram
disposição para explorar o problema apresentado de acordo com as diretrizes
descritas; geralmente, é no decorrer da nossa avaliação que ficará claro se é esse
o caso, ou não. À5 vezes, o paciente e seus familiares reagem, pronta ou
relutantemente, à noção de que o problema ou sintomas de que se queixam
parecem fazer sentido em termos dos acontecimentos e dos distúrbios familiares
que estão descrevendo. Não é raro que essas ideias sejam repulsivas para um ou
mais e, ocasionalmente, são rejeitadas como irrelevantes e absurdas.
Dependendo dessas reações é que decidimos a nossa estratégia terapêutica.
Não temos espaço aqui para examinar todos os usos limitações dos muitos
padrões possíveis de intervenção terapêutica – seja com pais e filhos (de todas
as idades) ou com casais – que se tornaram hoje uma prática estabelecida.
Entrevistas conjuntas, entrevistas individuais, as duas alternadamente, tudo tem
seu lugar, assim como as sessões prolongadas que podem durar várias horas; mas
estamos muito longe de saber qual o padrão que pode ser indicado como o
melhor para um determinado problema. Existem, porém, certos princípios que
são relevantes para qualquer desses procedimentos terapêuticos. Por uma
questão de facilidade de exposição, escolho o caso da terapia individual, embora
assinalando que é possível reformular o enunciado de cada princípio de modo
que se refira aos membros de uma família, em vez de uma única pessoa.

136
Em meu entender, a um terapeuta cabe realizar um certo número de
tarefas inter-relacionadas, entre as quais estão as seguintes:
(a) em primeiro lugar, e acima de tudo, proporcionar ao paciente uma base segura
a partir da qual ele possa explorar a si mesmo e explorar também suas relações
com todos aqueles com quem estabeleceu, ou poderá estabelecer, um vínculo
afetivo; e, simultaneamente, fazer com que fique claro para ele que todas as
decisões sobre como analisar melhor uma situação e sobre qual a melhor forma
de agir devem ser dele, e que acreditamos que, com ajuda, ele é capaz de tomar
essas decisões;
(b) juntar-se ao paciente nessas explorações, encorajando-o a examinar as
situações em que atualmente ele se encontra com pessoas significativas, e os
papéis que pode desempenhar nelas, e também como reage em sentimento,
pensamento e ação quando nessas situações;
(c) chamar a atenção do paciente para os modos como, talvez inadvertidamente,
ele tende a interpretar os sentimentos e o comportamento do terapeuta em relação
a ele, e para as previsões que ele (o paciente) faz e as ações que adota em
resultado disso; e convidá-lo depois a examinar se os seus modos de interpretar,
predizer e atuar podem ser parciais ou totalmente inadequados, à luz daquilo que
sabe a respeito do terapeuta;
(d) ajudá-lo a examinar como as situações em que geralmente se encontra e suas
reações típicas a elas, incluindo o que pode estar acontecendo entre ele próprio
e o terapeuta, podem ser entendidas em termos das experiências da vida real que
teve com figuras de ligação durante a infância e adolescência (e talvez ainda
esteja tendo), e de quais fora m então (e podem ser ainda) suas reações a elas.

137
Embora as quatro tarefas delineadas sejam conceitualmente distintas, na
prática têm que ser empreendidas simultaneamente. Pois uma coisa é o terapeuta
fazer tudo o que estiver ao seu alcance para ser uma figura confiável, útil e
constante, e uma outra é o paciente interpretá-lo como tal e confiar nele. Quanto
mais desfavoráveis tiverem sido as experiências do paciente com seus pais,
menos fácil será para ele confiar agora no terapeuta, e mais facilmente perceberá,
interpretará e receberá negativamente tudo o que o terapeuta fizer e disser. Além
disso, quanto menos confiar no terapeuta, menos lhe contará e mais difícil será
para ambas as partes explorar os eventos dolorosos, assustadores ou misteriosos
que possam ter ocorrido durante os anos de infância e adolescência do paciente.
Finalmente, quanto menos completo e exato for o quadro existente do que
aconteceu no passado, mais difícil será para ambas as partes entenderem os
sentimentos e o comportamento atuais do paciente, e maior a probabilidade de
que persistam suas percepções e interpretações errôneas. Assim, verificamos que
cada paciente está confinado num sistema mais ou menos fechado, e só
lentamente, muitas vezes passo a passo, é possível ajudá-lo a escapar.
Das quatro tarefas, aquela que pode esperar mais é o exame do passado,
visto que sua única importância reside nos esclarecimentos que fornece para o
presente. A sequência, para o terapeuta e o paciente trabalhando juntos
frequentemente poderá ser: primeiro reconhecer que o paciente tende
habitualmente a reagir a um determinado tipo de situação interpessoal de um
certo modo derrotista; em seguida, examinar que tipos de sentimentos e
expectativas tais situações comumente despertam nele; e, só depois disso,
examinar se ele pode ter tido experiências, recentes ou em seu passado distante,
que contribuíram para o fato de ele reagir com esses sentimentos e expectativas
nas situações apresentadas. Dessa forma, lembranças de experiências relevantes
são evocadas, não simplesmente como acontecimentos infelizes, mas em termos
da influência penetrante que exercem no presente sobre os sentimentos,
pensamentos e ações do paciente.
É evidente que um grande número de psicoterapeutas,
independentemente de suas concepções teóricas, dedica-se habitualmente a essas
tarefas, de modo que muito do que estou dizendo lhes é familiar há muito tempo.
Na terminologia tradicional, as tarefas são mencionadas como fornecimento de
apoio, interpretação da transferência, e construção ou reconstrução de situações
passadas. Se é que há novos pontos que merecem ênfase na presente formulação,
eles são:
(a) atribuição de um lugar central, não só na prática, mas também em teoria, do
nosso papel de dotar um paciente com uma base segura, a partir da qual ele possa
explorar e depois chegar às suas próprias conclusões e tomar suas próprias
decisões;
(b) rejeitar as interpretações que postulam várias formas de fantasia mais ou

138
menos primitivas, e optar pela concentração nas experiências da vida real do
paciente;
(c) voltar a atenção particularmente para os detalhes de como os pais do paciente
podem realmente ter-se comportado em relação a ele, não só durante sua
infância, mas também durante a adolescência e até o presente; e também para o
modo como ele costuma reagir;
(d) utilizar as interrupções no decorrer do tratamento, especialmente as impostas
pelo terapeuta, quer rotineiramente, como no caso de férias, quer
excepcionalmente, como no caso de doença ou outras oportunidades: primeiro,
para observar como o paciente interpreta uma separação e como reage a ela;
depois, para ajudá-lo a reconhecer como está interpretando e reagindo; e,
finalmente, para examinar com ele como e por que ele se desenvolveria desse
modo.
Uma insistência no princípio de que a atenção de um paciente deve se
voltar para o exame do que podem ter sido suas experiências reais, e como essas
experiências podem ainda influenciá-lo, frequentemente dá origem a um mal-
entendido. Poder-se-á perguntar: será que não estamos apenas encorajando um
paciente a atribuir toda a responsabilidade por seus problemas aos pais dele? E,
sendo assim, que benefício pode resultar disso? Em primeiro lugar, cumpre
enfatizar que, como terapeutas, não nos compete determinar quem deve ser
incriminado ou por que razões. Nossa tarefa consiste, sim, em ajudar um paciente
a compreender em que medida ele percebe e interpreta erroneamente a conduta
daqueles a quem estima ou poderia estimar no presente, e como, em
consequência, ele trata essas pessoas de uma forma que produz resultados que
ele lamenta ou deplora. Nossa tarefa, de fato, consiste em ajudá-lo a reexaminar
os modelos representacionais das figuras de ligação e dele mesmo que, sem que
se aperceba disso, estão governando suas percepções, previsões e ações, e como
esses modelos podem ter sido desenvolvidos durante sua infância e adolescência
e, se ele achar conveniente, ajudá-lo a modificar esses modelos à luz de
experiências mais recentes.
Em segundo lugar, considerando que um paciente atribui culpas
facilmente, devemos ser capazes de assinalar as dificuldades emocionais e as
experiências infelizes por que seus pais talvez tenham passado, despertando,
assim, a sua simpatia e compreensão. Tendo em mente o nosso papel médico,
devemos abordar o comportamento dos pais, que pode ser profundamente
lamentável, de um modo tão objetivo quanto o modo pelo qual tentamos abordar
o comportamento do próprio paciente. O nosso papel não é atribuir culpas nem
apontar culpados, mas identificar cadeias causais com a finalidade de rompê-las
ou atenuar suas consequências.
Este é o momento oportuno para nos referirmos à terapia familiar, urna
vez que, no decorrer das entrevistas com a família, talvez seja possível adquirir

139
uma perspectiva muito mais extensa sobre o modo como surgiram as
dificuldades atuais. Usando essas ocasiões para traçar urna árvore genealógica
detalhada, dados vitais podem ser desenterrados pela primeira vez,
especialmente quando são incluídos os avós. Como observou um colega, “é
surpreendente ver os efeitos que tem sobre um paciente ouvir seus avós falarem
a respeito dos avós deles”.
Embora eu acredite que os mesmos princípios se apliquem tanto à terapia
familiar como à terapia individual, as diferenças na aplicação são numerosas
demais para podermos discuti-las aqui, merecendo ser examinadas em detalhe
num estudo à parte. Uma diferença pode, entretanto, ser mencionada. Urna
finalidade precípua da terapia familiar é habilitar todos os membros da família a
relacionarem-se uns com os outros de modo a que cada membro possa encontrar
uma base segura em seu relacionamento com a família, como ocorre em todas as
famílias que têm um funcionamento sadio. Com esse objetivo em vista, a atenção
se volta para a compreensão dos métodos pelos quais os membros da família às
vezes conseguem oferecer uns aos outros uma base segura, mas outras vezes não,
por exemplo, interpretando erroneamente os papéis uns dos outros,
desenvolvendo falsas expectativas uns em relação aos outros, ou quando dirigem
a um membro da família formas de comportamento que seriam adequadas se
dirigidas a um outro. Por conseguinte, na terapia familiar, será reservado menos
tempo à interpretação da transferência do que na terapia individual. Uma
vantagem fundamental é que, quando a terapia se mostra eficaz, pode
frequentemente terminar mais cedo e com menor dor e perturbação do que a
terapia individual, no decorrer da qual um paciente pode facilmente acabar
considerando o terapeuta como a única base segura que lhe é possível imaginar.
Voltemos agora a falar em termos de terapia individual.
Já enfatizei que, em minha opinião, uma importante tarefa terapêutica
consiste em ajudar um paciente a descobrir quais são as situações, atuais ou
passadas, com que os seus sintomas se relacionam, quer se trate de respostas a
essas situações ou de efeitos secundários da tentativa de não reagir a elas.
Entretanto, como foi o paciente que esteve exposto à situação em questão, ele já
possui, num certo sentido, todas as informações relevantes. Por que é, então, que
ele necessita de tanta ajuda para descobri-la?
O fato é que grande parte das informações mais importantes se referem
a eventos extremamente dolorosos ou assustadores que o paciente, na verdade,
preferiria esquecer. Lembranças de ter sido sempre considerado inconveniente,
de t•er tido que cuidar de uma mãe deprimida, em vez de ter sido cuidado por
ela, do terror e raiva que sentia quando o pai era violento ou a mãe fazia ameaças,
da culpa que o invadia quando lhe diziam que seu comportamento faria seus pais
ficarem doentes, do pesar, desespero e raiva que o dominavam depois de uma
perda, ou da intensidade de seus anseios não correspondidos durante um período

140
de separação forçada. Ninguém pode recordar tais eventos sem que se renove o
seu sentimento de angústia, ou raiva, ou culpa, ou desespero. Ninguém faz
questão de acreditar que seus próprios pais, que em outras ocasiões podem ter
sido carinhosos e solícitos, em alguns momentos se comportaram de forma mais
deprimente. E, por outro lado, é muito pouco provável que os pais estimulem
seus filhos a registrar ou a recordar tais acontecimentos; com efeito, com muita
frequência eles tentam negar as percepções dos filhos e impõem-lhes o silêncio.
Para os pais é igualmente penoso examinarem de que maneira o próprio
comportamento deles pode ter contribuído, e talvez ainda esteja contribuindo,
para os problemas atuais do filho. Portanto, existem, de todas as partes, fortes
pressões para o esquecimento e a distorção, a repressão e a falsificação,
inocentando-se uma parte e incriminando-se a outra. Concluímos, pois, que os
processos defensivos têm como objetivo impedir o reconhecimento ou a
recordação de eventos da vida real e os sentimentos por eles suscitados, assim
como sempre tiveram por objetivo a tomada de consciência de impulsos ou
fantasias inconscientes. Com efeito, muitas vezes só quando a trajetória
detalhada de alguma relação perturbada e aflitiva é recordada e descrita é que
vêm à mente o sentimento despertado por ela e as ações cogitadas em resposta.
Lembro-me bem de como uma jovem inibida e silenciosa, de pouco mais de 20
anos, propensa a estados de ânimo supostamente imprevisíveis e a crises
histéricas em casa, respondeu ao meu comentário: “tenho a impressão de que sua
mãe realmente nunca a amou”. (Ela era a segunda filha, sendo seguida de perto
por dois filhos muito desejados.) Lavada em lágrimas, ela confirmou a minha
opinião, citando, palavra por palavra, comentários feitos pela mãe desde a
infância até o presente, e o desespero, ciúme e raiva que o modo como a mãe a
tratava despertavam nela. Seguiu-se naturalmente a análise de sua profunda
convicção de que eu também a achava antipática e de que suas relações comigo
seriam tão desastrosas quanto com a mãe, o que explicava os silêncios mal-
humorados que vinham impedindo a terapia.
A técnica desenvolvida para ajudar pessoas que sofreram perdas ilustra
bem os princípios que estou descrevendo. Nesse trabalho, os eventos em questão
e os sentimentos, pensamentos e ações por ele suscitados são recentes e, assim,
comparados com os eventos e as reações da infância, têm maiores probabilidades
de ser recordados com nitidez e exatidão. Os sentimentos dolorosos, além disso,
ainda estão frequentemente presentes ou, pelo menos, são mais facilmente
acessíveis.
Aqueles que se dedicam ao aconselhamento de pessoas que sofreram
perdas (por exemplo, Raphael, 1975) apuraram empiricamente que, para que elas
sejam ajudadas, é necessário encorajá-las a recordar e a descrever, muito
detalhadamente, todos os eventos que conduziram à perda, as circunstâncias que
a cercaram e as experiências por que passou desde então; com efeito, parece que

141
somente desse modo é que uma viúva (*), ou qualquer outra pessoa que sofreu
uma perda, consegue distinguir suas esperanças, arrependimentos e desesperos,
sua ansiedade, raiva e talvez culpa, e, tão importante quanto isso, recapitular
todas as ações e reações que pretendia (e talvez ainda pretenda) realizar, por mais
inadequadas e arrasadoras que muitas delas sempre tenham sido, e certamente
seriam agora. E desejável que a pessoa que sofreu uma perda recapitule não só
tudo o que cercou essa perda, como também toda a história do relacionamento,
todas as suas satisfações e deficiências, as coisas que foram feitas e aquelas que
ficaram por fazer. De fato, parece que só quando consegue relembrar e
reorganizar a experiência passada é que se torna possível para ela considerar-se
viúva, refletir sobre todas as suas possibilidades frituras, com suas limitações e
oportunidades, e tirar delas o maior proveito, sem tensões nem esgotamentos
subsequentes. O mesmo se aplica, é claro, a viúvos e a pais que perderam um
filho.
Até aqui, não mencionei qualquer conselho. A experiência do aconselhamento a
pessoas que sofreram perda mostra que, até que elas tenham tido tempo
suficiente para avançar em sua recapitulação do passado e em sua reorientação
para o futuro, os conselhos são muito mais nocivos do que benéficos. Além
disso, a pessoa necessita muito mais de informação do que de conselhos. Pois a
situação da vida de uma viúva é muito diferente do que era. Muitos caminhos
conhecidos de ação foram agora fechados e pode ser que faltem a ela
informações sobre aqueles que lhe estão agora abertos, e sobre as vantagens e
desvantagens de cada um. Fornecer-lhe – ou orjentá4a no sentido de –
informações relevantes, e ajudá-la a examinar suas implicações para o futuro,
deixando, ao mesmo tempo, que ela tome as decisões, poderá ser, no momento
oportuno, muito util. Hamburg enfatizou reiteradamente a grande importância
de uma pessoa buscar e utilizar novas informações, como um passo necessário
para enfrentar qualquer transição estressante (Hamburg e Adams, 1967). Ajudar
um paciente a fazer isso no momento certo e da maneira correta constitui, pois,
a quinta tarefa do terapeuta. Quando se assiste a um paciente psiquiátrico, as
tarefas a empreender e as técnicas para realizá-las não são especificamente
diferentes, creio eu, das usadas no aconselhamento a pessoas que sofreram perda.

(*) Por razões demográficas, o desenvolvimento de técnicas de aconselhamento em casos de perda fez-se principalmente
com viúvas; por isso, são esses os casos quase sempre citados, neste parágrafo e nos seguintes.

142
Aquelas diferenças que porventura existam devem-se ao fato de os
modelos representacionais do paciente, e os padrões de comportamento neles
baseados, estarem firmemente estabelecidos há muito tempo, de muitos dos
eventos que levaram ao seu desenvolvimento terem ocorrido há muitos anos, e
de o paciente e membros de sua família relutarem profundamente em enfrentar
de novo essas coisas. Por conseguinte, quando um terapeuta ajuda um paciente
psiquiátrico a explorar-se a si mesmo e a explorar o seu mundo, ele tem um papel
complexo a preencher.
Assim, deve encorajar o seu paciente a explorar, mesmo quando resiste
a fazê-lo, e também deve ajudá-lo na busca chamando a atenção para
características da história que parecem ter probabilidade de adquirir importância,
descartando aquelas que, aparentemente, são irrelevantes e podem desviá-lo.
Com frequência, o terapeuta chamará a atenção do paciente para a sua relutância
em examinar certas possibilidades e, talvez simultaneamente, mostrará
compreensão para com a perplexidade, angústia e dor que tal exame poderia
acarretar. Em tudo isto, como se notará, estou de acordo com os que acreditam
que o papel do terapeuta deve ser ativo. Entretanto, para ser eficaz, o terapeuta
deve reconhecer que não pode caminhar mais depressa do que o paciente e que,
ao chamar a atenção, com demasiada insistência, para temas dolorosos,
despertará o medo em seu paciente e só ganhará a raiva e o profundo
ressentimento dele. Finalmente, o terapeuta nunca deve esquecer que, por mais
plausíveis e convincentes que lhe pareçam suas conjeturas, em comparação com
o paciente ele está em posição desfavorável para conhecer os fatos, e que, em
última instância, aquilo que o paciente acredita sinceramente é que deve ser
aceito como definitivo.

143
Neste ponto, tocamos na questão imensamente importante das
perspectivas e dos valores do próprio terapeuta em relação ao paciente e seus
problemas; pois sejam quais forem as perspectivas e atitudes do terapeuta, elas
não poderão deixar de influenciar as atitudes do paciente, nem que seja através
do processo altamente inconsciente da aprendizagem por observação
(identificação). Nesse processo, a experiência que o paciente tem do
comportamento e do tom de voz do terapeuta, e o modo como este aborda um
tópico, são pelo menos tão importantes quanto qualquer coisa que ele diga.
Assim, com a teoria da ligação em mente, um terapeuta transmitirá, sobretudo
por meios não-verbais, seu respeito e simpatia pelos desejos que seu paciente
tem de amor e solicitude de seus familiares, sua ansiedade, raiva e talvez
desespero por ver seus desejos frustrados e (ou) difamados, não só no passado
mas também no presente, e a consternação e o pesar que talvez uma perda na
infância possam ter gerado; e mostrará compreender que conflitos, expectativas
e emoções semelhantes poderão atuar igualmente na relação terapêutica. Tanto
através da comunicação não-verbal como da comunicação verbal, um terapeuta
transmitirá seu respeito e apoio ao desejo do seu paciente de explorar o mundo
e chegar às suas próprias decisões na vida; sem deixar de reconhecer, ao mesmo
tempo, que o paciente pode alimentar uma crença profundamente enraizada,
derivada daquilo em que outros insistiram, de que será incapaz de o conseguir.
Nesses contatos cotidianos, um certo padrão de condução de relações
interpessoais é, inevitavelmente, demonstrado pelo terapeuta, e isso não pode
deixar de influenciar, em certa medida, os pontos de vista de seu paciente. Por
exemplo, em lugar do que pode ter sido um padrão de recriminações, punições e
revides, ou de coerção por indução de culpa, ou de evasão e mistificação, o
terapeuta introduz um padrão em que se destaca a tentativa de compreender o
ponto de vista da outra pessoa e de discuti-lo abertamente com ela. Em certos
pontos da terapia, a discussão desses diferentes modos de tratar pessoas e as
prováveis consequências de cada um deles pode ser uma estratégia útil. Durante
essas discussões, o terapeuta levantará questões e fornecerá informações, ao
mesmo tempo que, uma vez mais, deixará que o paciente tome as decisões.
É evidente que, para ser bem-feito, esse trabalho exige do terapeuta não
só uma boa apreensão dos princípios, como também a capacidade de empatia e
de tolerar uma emoção intensa e penosa. Aqueles que possuem uma tendência
fortemente organizada para a autoconfiança compulsiva não são os mais
indicados para realizar tal trabalho – e é melhor que não o façam.

144
Ao falarmos antes sobre as quatro tarefas básicas do terapeuta, foi
enfatizado que, embora conceitualmente distintas, elas devem, na prática, ser
executadas simultaneamente. Até que ponto a terapia pode e deve ser realizada
com qualquer família ou paciente é uma questão difícil e complexa. O ponto
principal talvez seja que a reestruturação dos modelos representacionais de uma
pessoa e sua reavaliação de alguns aspectos das relações humanas, com uma
correspondente mudança em seus modos de lidar com as pessoas, provavelmente
será um trabalho lento e fragmentado. Em condições favoráveis, o terreno é
preparado primeiro de um ângulo, depois de outro. Na melhor das hipóteses, o
avanço realiza-se em espiral. Até onde o terapeuta pode ir e até que ponto se
deixa envolver profundamente é uma questão pessoal para ambas as partes. Por
vezes, uma única sessão ou apenas meia dúzia de sessões habilitam um paciente
ou uma família a enxergar problemas sob uma nova luz ou, talvez, a confirmar
que um ponto de vista, rejeitado e ridicularizado por outros, é na verdade
plausível e pode ser adotado com vantagem. (Ver descrições e exemplos em
Caplan, 1964; Argles e Mackenzie, 1970; Lind, 1973; Heard, 1974.) Um valor
especial das entrevistas familiares conjuntas é que habilitam cada membro de
uma família a descobrir como cada um dos outros encara a vida familiar de todos
eles, de modo que, em conjunto, partam para a sua reavaliação e mudança. Com
frequência, essas entrevistas também habilitam todos os membros da família a
tomar conhecimento, quase sempre pela primeira vez, das experiências infelizes
que o pai ou a mãe podem ter tido em anos passados, experiências essas que,
logo se perceberá, tiveram como consequência o conflito familiar atual. (Um
excelente exemplo, em que uma crise conjugal atual remonta às consequências
persistentes de luto deficiente após uma perda na infância, foi descrito por Paul,
1967). Entretanto, há muitos outros casos, sobretudo em pacientes que
desenvolveram um falso eu altamente organizado e se tornaram
compulsivamente autoconfiantes ou dados a cuidar de outros, em que um
período muito mais extenso de tratamento poderá ser necessário, antes de se
observar qualquer tipo de mudança.
Entretanto, quer a terapia seja breve ou prolongada, são claras as provas
de que, se o terapeuta não estiver preparado para estabelecer um relacionamento
autêntico com uma família ou um indivíduo, nenhum progresso pode ser
esperado (Malan, 1963; Truax e Mitchell, 1971). Isso implica que um terapeuta
deve, na medida do possível, satisfazer o desejo do paciente de ter uma base
segura, embora reconhecendo que os seus melhores esforços ficarão aquém do
que um paciente deseja e do que lhe poderia proporcionar total benefício; que
deve participar das explorações do paciente como um companheiro pronto a
conduzir ou a ser conduzido; que deve estar disposto a discutir as percepções
que o paciente tem dele e o grau em que elas podem ou não ser adequadas, o
que, por vezes, não é fácil de determinar; e, finalmente, que não deve fingir o

145
contrário se ficar ansioso a respeito de um paciente ou for irritado por ele. Isto
especialmente importante no caso dos pacientes cujos pais sempre simularam
afeição para encobrir a profunda rejeição pelos filhos. Guntrip (1975) descreveu
de maneira excelente ‘a tarefa do terapeuta: “Em meu entender, é o fornecimento
de uma relação humana confiável e compreensiva, de um tipo que estabelece
contato com a criança traumatizada profundamente reprimida, de modo a
habilitar [o paciente] a tornar-se cada vez mais capaz de viver, na segurança de
uma nova relação autêntica, com o legado traumático dos primeiros anos
formativos, quando ele se infiltra ou irrompe na consciência”.
Quando adota uma postura desse tipo, o terapeuta corre certos perigos,
dos quais é bom que tenha conhecimento. Em primeiro lugar, o anseio do
paciente por obter uma base segura e seu medo aflitivo de ser rejeitado podem
tornar suas reclamações insistentes e difíceis de tratar. Em segundo lugar, e
muito mais grave, ao fazer tais reclamações, um paciente pode estar empregando
com o terapeuta os mesmos métodos que os pais talvez usassem com ele, quando
era criança. Assim, um homem cuja mãe, quando ele era criança, inverteu a
relação exigindo que o filho cuidasse dela, e que usou ameaças ou técnicas de
indução de culpa a fim de forçá-lo a isso, poderá, durante o tratamento, empregar
essas mesmas técnicas com seu terapeuta. É da maior importância,
evidentemente, que o terapeuta reconheça o que está acontecendo, remontando
à origem das técnicas que estão sendo usadas e resistindo a elas, isto é, colocando
limites. Entretanto, quanto mais sutis forem as técnicas de indução de culpa e
quanto mais ansioso o terapeuta estiver por prestar ajuda, maior será o perigo de
ele ser aliciado. Desconfio de que uma sequência desse tipo explica muitos dos
casos descritos por Balint (1968) como manifestações de “regressão maligna” e
classificados por outros como casos limítrofes. Os problemas clínicos a que
podem dar origem estão bem ilustrados por Main (1957) e também por Cohen e
seus colaboradores (1954). Este último grupo aponta o perigo de um terapeuta
não reconhecer quando as expectativas de um paciente se tornam irrealistas
porque, quando fica claro que elas não serão satisfeitas, o paciente pode
subitamente sentir-se totalmente rejeitado e, assim, cair em desespero.
Como muitas das questões de que a teoria da ligação se ocupa são as
mesmas tratadas por outras teorias da psicopatologia – questões de dependência,
relações objetais, simbiose e ansiedade, pesar, narcisismo, traumas e processos
defensivos – não surpreende que muitos dos princípios terapêuticos a que ela
conduz sejam conhecidos há muito tempo. Algumas das sobreposições entre
ideias que eu propus e as de Balint (1965, 1968), Winnicott (1965) e outros,
foram discutidas por Pedder (1976) a propósito do tratamento de um paciente
deprimido com um “falso eu”. Outras sobreposições, por exemplo, a
equivalência do conceito de jogo de Winnicott (1971) e do que designamos aqui
por exploração, foram assinaladas por Heard (1978). Sobreposições com as

146
ideias de psicoterapeutas que chamaram atenção especial para o papel
desempenhado na gênese de depressões episódicas e de muitos outros sintomas
neuróticos por fracasso do luto quando da perda de um dos pais durante a
infância ou adolescência (por exemplo, Deutsch, 1937; Fleming e Altschul,
1963) ou por dificuldade de aceitação da tentativa de suicídio de um dos pais
(Rosen, 1955), também serão evidentes. Contudo, embora essas sobreposições
sejam bastante reais, também existem diferenças significativas, tanto de ênfase
como de orientação. Elas dependem, em parte, do modo como concebemos o
lugar do comportamento de ligação na natureza humana (ou, em contrapartida,
que uso fazemos dos conceitos de dependência, oralidade, simbiose e regressão)
e, em parte, de como acreditamos que uma pessoa adquire certas formas
desagradáveis e autodestrutivas de interação com aqueles que lhe são mais
chegados, ou de crenças despropositadas, como, por exemplo, a de que a pessoa
é inerentemente incapaz de fazer qualquer coisa útil ou eficaz.
Todos aqueles que pensam em termos de dependência, oralidade ou simbiose
referem-se à expressão de desejos e comportamento de ligação por um adulto
como sendo o resultado de ele ter regredido para algum estado que se julga ser
normal durante a infância, frequentemente o de mamar no seio materno. Isso
leva os terapeutas a falarem a um paciente sobre “a parte infantil do seu eu” ou
“sua necessidade pueril de ser amado ou alimentado”, e a referirem-se a alguém
em prantos, após o falecimento de um ente querido, como estando num “estado
de depressão”. Em minha opinião, todas essas afirmações estão erradas, por
razões tanto teóricas como práticas. Quanto à teoria, já foi dito o suficiente para
deixar claro que considero o desejo de ser amado e protegido como uma parte
integrante da natureza humana, quer ao longo da vida adulta, quer nos anos da
infância e adolescência, e que a expressão de tal desejo deve ser esperada em
todo o adulto, especialmente em épocas de doença ou calamidade. No que se
refere à prática, parece altamente indesejável mencionar as “necessidades
pueris” de um paciente quando estamos tentando ajudá-lo a recuperar seus
desejos naturais de ser amado e protegido, os quais, em virtude de experiências
infelizes no começo da vida, ele se esforçou por negar. Interpretar e classificar
esses desejos como pueris faz com que um paciente possa facilmente interpretar
nossos comentários como depreciativos e reminiscentes de um pai desaprovador,
que rejeita o filho que procura ser consolado, chamando -o de “bobo e infantil”.
Um modo alternativo de fazer alusão aos desejos de um paciente consiste em
referir-se a seus anseios de ser amado e protegido como sendo algo que todos
nós possuímos, mas que, no caso dele, foi reprimido quando era uma criança
(por motivos que poderemos então especificar) (*).
Uma segunda área de diferença diz respeito ao modo pelo qual supomos
que uma pessoa passa a aplicar ao cônjuge ou aos filhos, e também, por vezes,
ao terapeuta, certas pressões desagradáveis, por exemplo, ameaças de suicídio

147
ou modos sutis de indução de culpa. No passado, embora o problema fosse
reconhecido, não se deu muita atenção à possibilidade de que o paciente tivesse
aprendido a exercer essas pressões pelo fato de as ter sofrido quando era criança
e, consciente ou inconscientemente, estivesse agora copiando seus pais.
Uma terceira área de diferença diz respeito à origem do prolongado
desespero e desamparo. Tradicionalmente, isso foi atribuído, de um modo quase
exclusivo, aos efeitos da culpa inconsciente, O ponto de vista que eu adoto, que
está de acordo com os estudos de Seligman sobre impotência aprendida
(Seligman, 1975), e também é compatível com a noção tradicional, é de que
alguém que mergulhou facilmente em estados prolongados de desesperança e
desamparo esteve repetidamente exposto, na infância, a situações em que suas
tentativas de influenciar os pais para que lhe dedicassem mais tempo, afeição e
compreensão, nada mais encontraram do que repulsa e punição.
Finalmente, poder-se-á perguntar que provas existem de que uma terapia
conduzida de acordo com os princípios aqui expostos, em linhas gerais, é eficaz
e, se for, em que tipos de casos? A resposta é que não existem provas diretas
porque nenhuma série de pacientes foi tratada exatamente de acordo com essa
orientação, de forma que é impossível qualquer investigação dos resultados. O
máximo que se pode dizer é que certas provas indiretas são promissoras. Provêm
de investigações sobre a eficácia da psicoterapia breve e do aconselhamento a
pacientes que sofreram perda.
Malan (1963, 1973) vem examinando há muitos anos os resultados da
psicoterapia breve (definida arbitrariamente como tendo, no máximo, 40
sessões) e concluiu que se pode especificar um grupo de pacientes suscetíveis de
se beneficiarem com um certo tipo de psicoterapia cujas características também
podem ser especificadas. Os pacientes que têm possibilidade de colher
benefícios são aqueles que, durante as primeiras entrevistas, mostram- se aptos
a enfrentar o conflito emocional e estão dispostos a explorar sentimentos e a
colaborar dentro de uma relação terapêutica. A técnica que provou ser eficaz foi
aquela em que o terapeuta se sentiu apto a compreender os problemas do paciente
e a formular um plano; e em que acompanhou a relação de transferência e a
interpretou francamente, prestando especial atenção à ansiedade e raiva do
paciente quando o terapeuta fixou uma data de término. Na repetição do estudo,
Malan e seus colegas chegaram à mesma conclusão.

(*) As distinções que estou fazendo são idênticas às feitas por Neki (1976), que estabelece o contraste do valor dado pela
cultura índia a “ligações afiliativas fortemente interdependentes, fomentadas e levadas até a idade adulta” com o valor
ocidental de “independência orientada para a realização pessoal”. O seu exame de como esses ideais divergentes afetam
a terapia nesses aspectos obedece a diretrizes muito semelhantes às aqui delineadas.

148
Além disso, apuraram que “um importante fator terapêutico é a
disposição do paciente para envolver-se de um modo que repita uma relação da
infância” com um ou outro de seus pais, ou com ambos, e a sua habilidade, com
a ajuda do terapeuta, para reconhecer o que está acontecendo (Malan, 1973). Um
estudo subsequente feito pelo mesmo grupo, desta vez com pacientes que
melhoraram depois de uma única entrevista, apresenta novos dados que
comprovam essa conclusão (Malan e outros, 1975).
Embora a teoria de psicopatologia usada por Malan e seus colegas seja
diferente, em alguns aspectos, da que delineamos aqui, existem certas
semelhanças importantes. Além disso, como será notado, existe uma
considerável semelhança entre os princípios de técnica que ele considera
eficazes e os defendidos aqui.
A avaliação da eficácia do aconselhamento a viúvas consideradas como
tendo um prognóstico desfavorável também aponta numa direção promissora.
Entre as viúvas que receberam a forma de aconselhamento acima descrito,
apurou-se que o número das que tinham progredido favoravelmente, ao fim de
treze meses, era significativamente maior do que entre as de um grupo de
controle que não recebera qualquer espécie de aconselhamento (Raphael e
Maddison, 1976).
Deve-se reconhecer, é claro, que delinear princípios de terapia é
muitíssimo mais fácil do que aplicá-los nas condições sempre variadas da prática
clínica. Além disso, a própria teoria ainda se encontra num estágio inicial de
desenvolvimento, e muito trabalho ainda precisa ser feito. Entre as tarefas
prioritárias está determinar tanto a gama de condições clínicas para as quais a
teoria é relevante como as variantes particulares da técnica mais adequadas para
tratá-las.
Entretanto, aqueles que adotam a teoria da ligação acreditam que tanto a
sua estrutura como sua relação com os dados empíricos são hoje tais que a sua
utilidade pode ser testada sistematicamente. Nos campos da etiologia e da
psicopatologia, ela pode ser usada para elaborar hipóteses específicas que
relacionam diferentes formas de experiência familiar com diferentes formas de
distúrbio psiquiátrico e também, talvez, com as mudanças neurofisiológicas que
as acompanham, como Hamburg e seus colegas (1974) acreditam. No campo da
psicoterapia, pode ser usada para especificar a técnica terapêutica, descrever o
processo terapêutico e, dados os desenvolvimentos técnicos necessários, para
medir a mudança. À medida que as pesquisas prosseguirem, a própria teoria será,
sem dúvida, modificada e ampliada. Isso nos dá a esperança de que, no devido
momento, a teoria da ligação se mostre útil como um componente no seio do
corpo mais amplo da ciência psiquiátrica, que Henry Maudsley se esforçou ao
máximo por fomentar.

149
Notas

(1) Outros campos clinicamente importantes a que a teoria da ligação foi


aplicada eficazmente são as origens do vínculo mãe-bebê durante o período
neonatal, por Marshall Klaus e John Kennell (1976), distúrbios do
relacionamento conjugal, por Janet Mattinson e Ian Sinclair (1979), e as
consequências emocionais da separação conjugal, por Robert S. Weiss (1975).
(2) Nos Capítulos 4 e 20 de Attachment and Loss, Volume 3, tracei um esboço
do modo como os processos defensivos podem ser abordados em termos de
processamento de informação humana. Ver também a monografia de Emanuel
Peterfreund (1971).

150
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* A abreviatura S.E. nesta lista de referências designa a Standard Edition de The


Complete Psychological Works of Sigmund Freud, publicada em 24 volumes
pela Hogarth Pres, Londres. A edição em português da Standard Edition foi
publicada no Brasil pela Imago (Rio de Janeiro) com a mesma organização da
Standard Edition. [N. do T.]

160
Indice de nomes

Abraham, K., 54, 58


Adam, K. S., 75
Adams, J. E., 143
Ahrens, R., 36
Ainsworth, M. D. S., 40, 44, 64, 67, 103-4, 107, 117, 122
Altschul, S., 147
Ambrose, Anthony, 35
Anderson, J. W., 103
Anthony, E.J., 77
Argies, P., 145
Aubry,J., 45

Balint, M., 121, 146, 147


Barnes, M. J., 87
Barrie, James, 35
Bateson, P. P. G., 64
Baumrind, D., 107
Beach, F. A., 28, 29, 32
Beil, S. M. 104, 122
Bischoff, M., 122
Blauvelt, H., 28
Bleuler, E., 4
Biurtonjones, N., 40, 122
Bowlby, J., ambivalência, 11; ansiedade de separação, 112; estratégias de
pesquisa, 44; ligação, 109, 127, 128; luto, 46, 52, 56, 57, 78, 80, 82, 89-90; perda,
44, 56, 69, 89-90, 121; pesar da criança, 84, 85; vínculos, 67; vínculom 43
Brackbill, Y., 37
Brady, lan, 68
Brown, F., 68, 70
Brown, George, 75
Bruhn, J. G., 69
Burlingham, Dorothy, 9, 45, 51, 85

Cairus, R. B., 66
Cailender, W. M., 45
Caplan, G., 145
Cohen, M. B. 146
Craft, M., 68

161
Darwin, Charles, 25-7, 32, 81
David, M., 45
Davis, C. M., 12
Dennehy, C. M. 68, 70, 71
Dennis, W., 35-6
Deutsch, Helene, 50, 52, 56, 58, 147
Deutsch, J. A., 31, 32
Dollard, J., 65

Earle, A. M., 68
Earle, B. V., 68
Emerson, P., 64
Engel, G., 47
Epps, P., 68
Erdelyi, M. H., 134
Erikson, E. H., 128

Fairbairn, W. R. D., 56, 58, 100, 121, 128


Fisk, F., 53
Fleming, J., 147
Freud, Anna, 9, 22, 45, 51, 56, 85
Freud, E. L., 84
Freud, S., 1, 3, 4, 5, 7, 19, 20, 23, 24, 30, 39, 47-8, 52, 54, 56, 57, 58, 65, 83-4,
103, 112, 113
Furman, E., 61

Gerö, G., 55, 58


Gewirtz, J. L., 38, 122
Glick, I. O., 61, 96
Goldfarb, W., 44
Gosling, R. G., 97
Granger, C., 68
Greer, S., 68, 69
Grinker, R. R., 101, 102
Gunn, J. C., 68, 69
Guntrip, H., 121, 146

Hamburg, D. A., 143, 150


Harlow, H. F., 43, 66, 121
Harlow, M. R., 66
Harris, Tirril, 75

162
Havighurst, R. J., 102
Heard, D. H., 145, 147
Heathers, G., 38
Heinicke, Christoph, 11, 44, 61, 71-2, 84, 122
Heinroth, O., 28, 36
Henderson, A. S., 130
Hilgard, J. R., 53,59
Hill, O. W., 70
Hinde, R. A., 31, 40, 64, 74, 111, 114, 116, 122, 126
Holmes, F. B., 113, 116
Holt, K. S., 45
Hunt, J. McV., 33

Illingworth, R. S., 45

Jacobson, E., 47, 55, 58


James, Wilhiam, 32
Jaynes, J., 29
Jersild, A. T., 113, 116, 126

Kennell, J. H., 150


Kessel, N., 69
Klaus, M. H., 150
Klein, Melanie, 3, 14, 22, 54, 57-8, 112, 121, 128
Koller, K. M., 68, 69
Korchin, S. J., 101
Koupernik, C., 77

Levin, H., 65
Lewis, A., 112, 120
Lind, E., 145
Lindemann, E., 47, 78, 81
Lorenz, K., 6, 21, 27, 30, 33,36,64,121

Maccoby, E. E., 65, 122


Mackenzie, M., 145
Maddison, D., 83-4, 94-5, 149
Main, T. F., 146
Malan, D. M., 136, 145, 149
Marris, P., 78, 81
Masters,J. C., 122

163
Mattinson, J., 150
Maudsley, Henry, 119-20, 150
Meyer, Adolf, 41
Miller, N. E., 65
Mitchell, K. M., 145
Moynihan, M., 31
Munro, A., 70
Murphey, E. B., 102

Naess, S., 68
Neki, J. S., 148
Newman, M. F., 53, 59
Nicolas, J., 45

Padifla, S. G., 33
Parker, A. S., 63
Parkes, C. M., 61, 67, 77, 78, 80, 81, 82, 84, 92, 96, 122, 130, 132
Paul, N. L., 145
Peck, R. F., 102
Pedder, J., 147
Peterfreund, E., 150
Piaget, J., 21, 23, 25, 39
Pollock, G. H., 49
Popper, Yana, 10
Price, J. S., 70
Prugh, D., 45
Raphael, B., 142, 149
Robertson, J., 44, 84, 111, 121
Rollman-Branch, H. S., 43
Root, N., 51
Rosen, V. H., 147
Roudinesco, J., 45
Rowell, T. E., 116
Ruff, G. E., 101

Sade, D. S., 64
Schaffer, H. R., 43, 45, 64
Sears, R. R., 65
Seligman, M. E. P., 148
Shakespeare, W., 88
Shaw, Bernard, 14

164
Sinclair, 1. A. C., 150
Sluckin, W., 64
Spencer-Booth, Y., 64, 74, 111
Spitz, R. A., 36, 37
Stayton, D. J., 104, 122
Stengel, E., 56, 58
Stephenson, G., 68
Stern, D. N., 22
Stewart, A. H., 16
Strachey, A., 110
Sutherland, J. D., 1

Thoday,J. M., 63
Thorpe, W. H., 27, 33
Tinbergen, N., 21, 27, 29, 30
Truax, C. B., 145

Ucko, L. E., 74

Walker, W. L., 83-4, 94-5


Weidmann, U., 33
Weiss, R. S., 61, 96, 150
Wenner, N. K., 99
Westheimer, 1., 61, 7 1-2, 84, 122
Wilde, Oscar, 5
Winnicott, Donald, 3, 14, 100, 121, 131, 147
Wolf, K. M., 36
Wolfenstein, M., 86, 87

Yerkes, R. M., 32, 39

Zimmermann, R. R., 43

165
166

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