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EXAME CLÍNICO

CONSULTA RÁPIDA
E96 Exame clínico [recurso eletrônico] : consulta rápida / [organizado
por] Elvino Barros, Galton de C. Albuquerque, Cleovaldo T.S.
Pinheiro e Mauro Antônio Czepielewski. – Dados eletrônicos. – 2.
ed. – Porto Alegre : Artmed, 2008.

Editado também como livro impresso em 2004.


ISBN 978-85-363-1808-0

1. Medicina – Exame clínico. I. Barros, Elvino. II. Albuquerque,


Galton. III. Pinheiro, Cleovaldo. IV. Czepielewski. V. Título.

CDU 616-017/.8

Catalogação na publicação: Renata de Souza Borges CRB-10/Prov-021/08


ELVINO BARROS
GALTON DE C. ALBUQUERQUE
CLEOVALDO T.S. PINHEIRO
MAURO ANTÔNIO CZEPIELEWSKI

EXAME CLÍNICO
CONSULTA RÁPIDA
a
2 EDIÇÃO

Reimpressão

2004
© Artmed Editora S.A., 2004

Capa: Tatiana Sperhacke


Preparação de originais: Luana Peixoto
Leitura final: Alda Rejane Barcelos
Supervisão editorial: Letícia Bispo de Lima
Projeto gráfico e editoração eletrônica: TIPOS design gráfico editorial

Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à


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É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte,


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IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
1
AUTORES

Alessandro Finkelsztejn – Médico internista e neurologista.


Andréia Biolo – Médica residente do Serviço de Cardiologia do Hospital de Clínicas
de Porto Alegre (HCPA). Mestranda do Curso de Pós-Graduação em Cardiologia
da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Ângela Beatriz John – Médica pneumologista. Mestranda do Curso de Pós-Gradua-
ção em Pneumologia da Faculdade de Medicina da UFRGS.
Beatriz de M. Albuquerque – Médica internista. Especialista em Pneumologia pela
UFRGS.
Beatriz Graeff Santos Seligman – Professora assistente do Departamento de Medici-
na Interna da Faculdade de Medicina da UFRGS. Especialista em Nefrologia pela
UFRGS. Mestre em Clínica Médica pela UFRGS.
Caio Augusto Scocco – Médico residente do Serviço de Oftalmologia do Hospital
de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).
Carísi Anne Polanczyk – Médica cardiologista do HCPA e do Hospital Moinhos de
Vento. Professora do Programa de Pós-Graduação em Medicina: Ciências Car-
diovasculares e Epidemiologia da UFRGS. Doutora em Cardiologia pela UFRGS.
Carlos Fernando de Magalhães Francesconi – Professor adjunto dos Departamentos
de Medicina Interna das Faculdades de Medicina da UFRGS e da Pontifícia Uni-
versidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Chefe do Serviço de Gastren-
terologia do HCPA.
Carlos Henrique Menke – Chefe do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da
Faculdade de Medicina da UFRGS. Membro do Serviço de Mastologia do HCPA.
Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia.
Claiton Viegas Brenol – Médico reumatologista. Mestrando do Curso de Pós-Gra-
duação em Ciências Médicas da Faculdade de Medicina da UFRGS.
Cláudio Maria da Silva Osório – Médico psiquiatra. Professor da Faculdade de Me-
dicina da UFRGS. Mestre em Psiquiatria pela UFRGS.
Cleovaldo T.S. Pinheiro – Professor adjunto do Departamento Medicina Interna da
Faculdade de Medicina da UFRGS. Doutor em Pneumologia pela UFRGS. Chefe
do Serviço de Medicina Intensiva do HCPA.
Daniela Dornelles Rosa – Médica oncologista do Hospital Mãe de Deus e do Hos-
pital Divina Providência.
Denis Martinez – Professor adjunto do Departamento de Medicina Interna da
Faculdade de Medicina da UFRGS. PhD pela University of Toronto.
Elvino Barros – Professor adjunto do Departamento de Medicina Interna da Facul-
dade de Medicina da UFRGS.
Francisco José Veríssimo Veronese – Professor adjunto do Departamento de Medi-
cina Interna da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre
(FFFCMPA). Doutor em Nefrologia pela UFRGS.
Galton de C. Albuquerque – Professor auxiliar de ensino do Departamento de
Medicina Interna da Faculdade de Medicina da UFRGS. Chefe do Laboratório de
Análises Clínicas do Hospital Mãe de Deus.
Helena M.T. Barros – Professora titular de Farmacologia e Toxicologia da FFFCMPA.
Coordenadora do Serviço de Informação de Substâncias Psicoativas (SISP) da
FFFCMPA.
Heloisa Guedes Müssnich – Médica coloproctologista. Especialista em Coloproc-
tologia pela Sociedade Brasileira de Coloproctologia. Mestre em Cirurgia Geral
pela Faculdade de Medicina da UFRGS.
Henrique Bittencourt – Médico hematologista do HCPA e da Irmandade Santa
Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Doutor em Medicina pela UFRGS. Fellow
em transplante de medula óssea do Hospital Saint Louis, Paris, França.
João L. Ellera Gomes – Médico ortopedista. Médico do Serviço de Ortopedia do
HCPA. Doutor em Cirurgia pela UFRGS. Professor adjunto do Departamento de
Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFRGS.
João Francisco Xavier Müssnich – Médico coloproctologista. Professor adjunto da
Faculdade de Medicina da UFRGS. Membro titular da Sociedade Brasileira de
Coloproctologia.
Jorge de Faria Maraschin – Médico internista e endocrinologista.
José Geraldo Lopes Ramos – Professor adjunto do Departamento de Ginecologia
e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFRGS. Doutor em Medicina pela
UFRGS. Vice-Presidente da Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e
Obstetrícia.
José Miguel Dora – Acadêmico da Faculdade de Medicina da UFRGS. Monitor do
Departamento de Medicina Interna da Faculdade de Medicina da UFRGS.
José Ricardo Guimarães – Médico contratado do Serviço de Cirurgia do HCPA.
Membro da Comissão de Prontuários do HCPA. Mestre em Gastrenterologia.
Laura Bannach Jardim – Professora adjunta do Departamento de Medicina Interna
da Faculdade de Medicina da UFRGS.

6
Lucia Campos Pellanda – Especialista em Pediatria e em Cardiologia Pediátrica.
Mestre em Cardiologia. Médica do Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul
– Fundação Universitária de Cardiologia. Professora do Departamento de Saúde
Coletiva da FFFCMPA.
Luciano de Brito – Acadêmico da Faculdade de Medicina da Universidade Federal
de Pelotas. Estagiário voluntário do Serviço de Medicina Intensiva do HCPA.
Lucio Bakos – Professor titular do Departamento de Medicina Interna da Faculda-
de de Medicina da UFRGS. Chefe do Serviço de Dermatologia do HCPA. Doutor
em Dermatologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Luiz Edmundo Mazzoleni – Professor assistente dos Departamentos de Medicina
Interna das Faculdades de Medicina da UFRGS e da PUCRS. Mestre em Gastren-
terologia.
Luiz Felipe Gonçalves – Professor adjunto do Departamento de Medicina Interna
da Faculdade de Medicina da UFRGS. Chefe do Serviço de Nefrologia do HCPA.
Luiz Roberto Stigler Marczyk – Professor titular do Departamento de Cirurgia da
Faculdade de Medicina da UFRGS.
Márcia L.F. Chaves – Professora adjunta do Departamento de Medicina Interna da
Faculdade de Medicina da UFRGS. Doutora em Clínica Médica pela UFRGS.
Maria Helena Itaqui Lopes – Professora adjunta do Departamento de Medicina
Interna da Faculdade de Medicina da PUCRS. Doutora em Clínica Médica.
Mariza Machado Klück – Médica. Professora do Departamento de Medicina Social
da Faculdade de Medicina da UFRGS. Coordenadora da Comissão de Prontuários
do HCPA.
Mauro Antônio Czepielewski – Médico do Serviço de Endocrinologia do HCPA.
Professor adjunto do Programa de Pós-Graduação em Endocrinologia da Faculda-
de de Medicina da UFRGS. Vice-Diretor da Faculdade de Medicina da UFRGS.
Doutor em Endocrinologia.
Max Brenner – Médico Internista do HCPA. Especialista em Reumatologia pela
UFRGS. Aluno do Programa de Ph.D. na North Shore Long Island Jewish Graduate
School of Molecular Medicine, USA.
Moacir Assein Arús – Professor adjunto do Departamento de Psiquiatria e Medicina
Legal da Faculdade de Medicina da UFRGS. Especialista em Cirurgia Geral pela
Associação Médica Brasileira e pelo Colégio Brasileiro de Cirurgiões. Médico legista
aposentado.
Orlando C. B. Wender – Professor adjunto do Departamento de Cirurgia da Faculda-
de de Medicina da UFRGS. Doutor em Medicina pela Universidade de Munique.
Otávio Bejzman Piltcher – Médico otorrinolaringologista do Serviço de Otorrinola-
ringologia do HCPA. Mestre e Doutor em Medicina pela Faculdade de Ciências
Médicas da Santa Casa de São Paulo e pela University of Pittsburgh, USA.

7
Otávio Berwanger da Silva – Médico pesquisador do Centro de Pesquisa Clínica do
Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein, SP. Revisor do Cochrane
Heart Group.
Rafael Netto – Acadêmico da Faculdade de Medicina da UFRGS. Monitor do De-
partamento de Medicina Interna da Faculdade de Medicina da UFRGS.
Renato M. Bakos – Médico residente do Serviço de Dermatologia do HCPA.
Renato Seligman – Professor do Departamento de Medicina Interna da Faculdade
de Medicina da UFRGS. Especialista em Pneumologia. Regente da disciplina de
Introdução à Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFRGS.
Ricardo M. Xavier – Professor adjunto do Departamento de Medicina Interna da
Faculdade de Medicina da UFRGS. Chefe do Serviço de Patologia Clínica do
HCPA.
Sandra Wajnberg – Especialista em Medicina Interna. Mestre em Nefrologia pela
UFRGS. Professora assistente do Departamento de Medicina Interna da Faculdade
de Medicina da UFRGS.
Sérgio Jobim Azevedo – Médico hematologista e oncologista. Professor do Departa-
mento de Medicina Interna da Faculdade de Medicina da UFRGS. Chefe do Serviço
de Oncologia do HCPA. Fellow do American College of Physicians.
Sérgio Kiwtko – Mestre e Doutor em Oftalmologia pela UNIFESP/EPM. Médico
oftalmologista do Serviço de Oftalmologia do HCPA. Ex-fellow em Córnea no
Doheny Eye Institute, University of Southern Califonia, Los Angeles, USA.
Sérgio Saldanha Menna Barreto – Professor titular do Departamento de Medicina
Interna da Faculdade de Medicina da UFRGS.
Sharbel Mahfuz Boustany – Cirurgião. Aluno do Curso de Pós-Graduação em Cirur-
gia da Faculdade de Medicina da UFRGS. Cirurgião vascular do Hospital Nossa
Senhora da Conceição.
Simão Levin Piltcher – Professor adjunto do Departamento de Oftalmologia e
Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da UFRGS. Chefe do Serviço de
Otorrinolaringologia do HCPA.
Tania Weber Furlanetto – Professora adjunta do Departamento de Medicina Interna
da Faculdade de Medicina da UFRGS. Doutora em Endocrinologia pela UNIFESP/
EPM. Pós-doutorado em Endocrinologia pela Northwestern University, Chicago,
USA.
Walter J. Koff – Professor titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de
Medicina da UFRGS. Chefe do Serviço de Urologia do HCPA.

8
AGRADECIMENTOS

A Lisângela Conte Preissler e a Ângela John, pela paciência, competência e revi-


são criteriosa dos capítulos deste livro.
A Artmed Editora SA, pelo incentivo e profissionalismo.

9
1
PREFÁCIO À 2a EDIÇÃO

A medicina tem evoluído de maneira estrondosa nos últimos anos. Tanto a incorpo-
ração de novos equipamentos e procedimentos como as ferramentas da biologia
celular e molecular têm contribuído para um entendimento mais aprofundado e
rápido das doenças que atingem o homem. Entretanto, mesmo com todo esse
progresso, a entrevista médica e o exame físico continuam sendo as ferramentas
mais importantes de que dispomos para um adequado diagnóstico das patologias
apresentadas por nossos pacientes.
Estamos lançando a 2a edição do Exame clínico: consulta rápida, a qual
incorpora novos capítulos para oferecer ao médico e aos profissionais da saúde
uma visão prática mas completa dos múltiplos problemas que o mundo moderno
tem adicionado ao homem. Nesse sentido, os capítulos “Semiologia psiquiátrica”
e “Uso de drogas” são bastante atuais e necessários. O capítulo “Descrevendo a
entrevista médica, o exame físico e a lista de problemas” é destinado principalmen-
te aos estudantes de medicina, pois ensina a descrever de forma sistemática as
informações obtidas junto ao paciente. Também merecem destaque os capítulos
“Prontuário de pacientes: finalidades, preenchimento e questões éticas e legais”,
“Atestado de óbito” e “Atestados médicos”, que orientam sobre como preencher
corretamente esses formulários.
Nesta 2a edição, o leitor perceberá, ainda, um aprimoramento do projeto
gráfico e editorial, desenvolvidos com o objetivo de oferecer uma fonte de consulta
útil e agradável.

Os organizadores
1
PREFÁCIO DA 1a EDIÇÃO

Este manual tem como principal finalidade apresentar de forma simples e didática
as informações básicas para a realização de uma boa anamnese e exame físico. É
destinado aos estudantes de graduação e médicos não-especialistas. Apresenta
um capítulo inicial de anamnese e, posteriormente, aborda um roteiro para a
realização do exame físico nas várias especialidades médicas. Cada capítulo pro-
cura esclarecer controvérsias e apresentar informações práticas e úteis.
O propósito deste manual não é o de ser uma obra completa para o estudo
da semiologia, porém a sua utilização certamente se constituirá em uma fonte
prática, maleável e constante no esclarecimento de dúvidas na realização da
anamnese e do exame físico.

Os organizadores
1
SUMÁRIO

1 ANAMNESE ....................................................................................................... 19
Alessandro Finkelsztejn
Max Brenner
Beatriz de M. Albuquerque
Galton de C. Albuquerque

2 SEMIOLOGIA BASEADA EM EVIDÊNCIAS .......................................................... 29


Otávio Berwanger da Silva

3 RACIOCÍNIO CLÍNICO APLICADO AO DIAGNÓSTICO ......................................... 51


Ricardo M. Xavier

4 SINAIS VITAIS .................................................................................................. 61


Beatriz Graeff Santos Seligman
Renato Seligman
Sandra Wajnberg
Elvino Barros

5 ECTOSCOPIA .................................................................................................... 71
Tania Weber Furlanetto
Beatriz Graeff Santos Seligman

6 EXAME DERMATOLÓGICO ................................................................................ 79


Lucio Bakos
Renato M. Bakos

7 SEMIOLOGIA DA CABEÇA E DO PESCOÇO ...................................................... 105


Otávio Bejzman Piltcher
Simão Levin Piltcher

8 EXAME DE FUNDO DE OLHO .......................................................................... 119


Rafael Netto
José Miguel Dora
Caio Augusto Scocco
Sérgio Kiwtko
9 SISTEMA RESPIRATÓRIO ............................................................................... 135
Sérgio Saldanha Menna Barreto
Ângela Beatriz John

10 EXAME DO SISTEMA CARDIOVASCULAR ....................................................... 163


Andréia Biolo
Rafael Netto
José Miguel Dora
Carísi Anne Polanczyk

11 SISTEMA DIGESTÓRIO ................................................................................... 183


Cartos Femando de Magalhães Francesconi
Maria Helena Itaqui Lopes
Luiz Edmundo Mazzoleni

12 EXAME DAS MAMAS E DO SISTEMA GENITAL FEMININO .............................. 211


Carlos Henrique Menke
José Geraldo Lopes Ramos

13 EXAME DO SISTEMA URINÁRIO ..................................................................... 223


Luiz Felipe Gonçalves
Francisco José Veríssimo Veronese
Walter J. Koff
Elvino Barros

14 RETO E CANAL ANAL ...................................................................................... 237


Heloisa Guedes Müssnich
João Francisco Xavier Müssnich

15 SEMIOLOGIA DO SISTEMA LOCOMOTOR ........................................................ 253


Claiton Viegas Brenol
Ricardo M. Xavier

16 EXAME ORTOPÉDICO ..................................................................................... 273


Luiz Roberto Stigler Marczyk
João L. Ellera Gomes

17 EXAME DO SISTEMA VASCULAR PERIFÉRICO ............................................... 289


Orlando C.B. Wender
Sharbel Mahfuz Boustany

18 EXAME NEUROLÓGICO ................................................................................... 299


Laura Bannach Jardim

19 AVALIAÇÃO DO PACIENTE COM ALTERAÇÃO DO NÍVEL DE


CONSCIÊNCIA: COMA ..................................................................................... 357
Márcia L.F. Chaves

16
20 DIAGNÓSTICO DOS DISTÚRBIOS DO SONO .................................................... 375
Denis Martinez

21 USO DE DROGAS ............................................................................................ 393


Helena M.T. Barros
Elvino Barros

22 SEMIOLOGIA APLICADA ÀS PRINCIPAIS SÍNDROMES ENDÓCRINAS ............. 407


Jorge de Faria Maraschin
Mauro Antônio Czepielewski

23 EXAMES ONCOLÓGICO E HEMATOLÓGICO ..................................................... 419


Daniela Dornelles Rosa
Sérgio Jobim de Azevedo
Henrique Bittencourt

24 SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA .......................................................................... 439


Cláudio Maria da Silva Osório

25 DESCREVENDO A ENTREVISTA MÉDICA, O EXAME FÍSICO E A LISTA


DE PROBLEMAS ............................................................................................. 451
Cleovaldo T. S. Pinheiro
Luciano de Brito

26 PRONTUÁRIO DE PACIENTES: FINALIDADES, PREENCHIMENTO E


QUESTÕES ÉTICAS E LEGAIS ......................................................................... 469
Mariza Machado Klück
José Ricardo Guimarães

27 ATESTADO DE ÓBITO ...................................................................................... 489


Moacir Assein Arús
Lucia Campos Pellanda

28 ATESTADOS MÉDICOS .................................................................................... 497


Moacir Assein Arús
Lucia Campos Pellanda

ÍNDICE ................................................................................................................... 501

17
1
ANAMNESE
ALESSANDRO FINKELSZTEJN
MAX BRENNER
BEATRIZ DE M. ALBUQUERQUE
GALTON DE C. ALBUQUERQUE

No seu dia-a-dia, o médico deve responder a três perguntas básicas:


1. Qual é o problema do paciente?
2. O que posso fazer por ele?
3. Qual será o resultado?
A resposta da primeira pergunta envolve todo o processo de diagnóstico e é
essencial para as respostas das demais. Saber o que fazer pelo paciente implica
conhecer as possibilidades terapêuticas. Finalmente, a resposta da terceira per-
gunta revela o prognóstico.
Uma quarta pergunta – Por que isso aconteceu? – também costuma vir à
mente do médico preocupado com o melhor entendimento das causas e com a
prevenção dos problemas.
Cada questão corresponde a um dos quatro tópicos fundamentais da clínica
médica: (a) diagnóstico; (b) tratamento; (c) prognóstico e (d) prevenção. O mais
importante dos tópicos é o diagnóstico, pois, se ele estiver errado, como se po-
derá tratar ou prevenir adequadamente?
Para responder à primeira pergunta, o médico conta com diversas fontes de
informação clínica, que podem ser resumidas em três grupos: diálogo (anamnese),
observação (exame físico) e exames complementares (análises clínicas, estudos
de imagem e outros).

A ANAMNESE E O RACIOCÍNIO DIAGNÓSTICO


Dentre os instrumentos diagnósticos, a anamnese é a principal ferramenta dispo-
nível. O resultado de uma pesquisa revela que a hipótese diagnóstica, levantada
com base exclusivamente na anamnese, está correta em 56% dos casos de clínica
médica. Tal valor é elevado a 73% se juntarmos o exame físico. Outros estudos
fornecem percentuais de acerto, ainda maiores, da anamnese e do exame físico
no estabelecimento do diagnóstico definitivo.
Esse enorme poder diagnóstico da anamnese precisa ser bem-entendido para
que se possa otimizar sua utilização.
Os três instrumentos diagnósticos (anamnese, exame físico e exames comple-
mentares) têm importância variável de caso para caso. A simples observação de
um paciente com síndrome de Down permite que se estabeleça o diagnóstico
sem que se troque qualquer palavra com o doente e sem a necessidade de um
cariótipo para confirmar a trissomia do cromossomo 21. O diagnóstico de angina
do peito é em geral estabelecido com base exclusivamente na anamnese, enquanto
a anemia é diagnosticada por exame complementar.
Independentemente da fonte da informação (diálogo, observação ou laborató-
rio), a coleta de dados é uma aplicação do método científico, processo pelo qual
a experimentação leva ao descobrimento de novo conhecimento. Partindo de
uma hipótese, realiza-se um experimento. A análise do resultado permite confirmar
ou rejeitar a hipótese. No caso da clínica, esse processo repete-se múltiplas vezes
por meio de algumas perguntas, e o novo conhecimento é o diagnóstico.
Como quase tudo em medicina, a anamnese precisa ser adaptada a cada
paciente. É preciso sempre ter em mente que ela é um instrumento diagnóstico e
que o diagnóstico é uma abstração, uma classificação que, quando correta, pos-
sibilita ao médico escolher a melhor opção terapêutica para cada caso. Permite,
ainda, saber a sua prevenção e as probabilidades de evolução para cada paciente.
A anamnese, entendida como uma ferramenta que auxilia na formulação
diagnóstica, deve ser utilizada dando-se o peso apropriado às informações obtidas.
Cada elemento da anamnese serve como um teste diagnóstico, assim como a
palpação do baço ou um exame de imagem. Desse modo, as questões da anam-
nese possuem maior ou menor sensibilidade e especificidade para cada patologia.
Um exemplo é a pergunta “Você tem tosse?”, que possui uma sensibilidade
apreciável para a tuberculose pulmonar, mas baixa especificidade, pois é res-
ANAMNESE

pondida positivamente por pacientes com muitas outras patologias (como bron-
quite crônica, pneumonia, embolia pulmonar e insuficiência cardíaca conges-
tiva).
Perguntas com alta sensibilidade são especialmente úteis quando negativas,
pois permitem reduzir consideravelmente a chance de determinado diagnóstico.
Por exemplo, um paciente que nunca tem dor articular possui uma probabilidade
mínima de ter artrite reumatóide. Observações de alta especificidade são mais
úteis quando estão presentes, como as manchas de Koplik no sarampo e a erupção
da face em forma de asa de borboleta do lúpus eritematoso.
Como regra, as perguntas e/ou observações altamente sensíveis para deter-
minado diagnóstico são úteis para a exclusão do mesmo quando ausentes. Já as
perguntas e/ou observações altamente específicas são úteis para a confirmação
do diagnóstico quando presentes.
Cada resposta do paciente ou observação no exame físico permite ao médico/
estudante não apenas estimar a probabilidade de determinado diagnóstico, mas
também escolher que outras perguntas e manobras deve priorizar ou deixar em
segundo plano.
O contato com o paciente é repleto de informações visuais, auditivas e táteis
que são fundamentais para o raciocínio diagnóstico.
Sackett e colaboradores ensinam que, na prática, são utilizadas quatro estra-
tégias diagnósticas. A primeira, muito comum, é a de reconhecimento de um

20
padrão. É o reconhecimento instantâneo de que o paciente apresenta-se de acordo
com um padrão conhecido e previamente aprendido. O diagnóstico é geralmente
visual, mas pode ser reconhecido por qualquer outra ferramenta diagnóstica.
Exemplos não faltam: o diagnóstico visual da doença de Graves ou da síndrome
de Down; o diagnóstico auditivo de fenda palatina ou o diagnóstico por telefone
de hipotireoidismo pelo reconhecimento da voz rouca do mixedematoso; o diag-
nóstico de abuso de álcool ou de cetoacidose diabética pelo hálito com odor
característico. O diagnóstico pode também ser pelo tato, como quando se palpa
um gânglio pétreo e se reconhece o padrão de uma metástase.
A segunda estratégia é a da ramificação múltipla (algoritmo). O processo
evolui de acordo com caminhos preestabelecidos dependendo das respostas obti-
das até chegar-se ao diagnóstico. Em geral, o objetivo dos algoritmos é a triagem,
não o diagnóstico. É muito utilizado por paramédicos, mas muito pouco usado por
médicos, particularmente em situações de problemas incomuns.
A terceira, a história completa, é a técnica da exaustão, que muitos estudantes
imaginam ser o caminho correto para o diagnóstico, infelizmente, por ser uma
idéia difundida por muitos professores. É a estratégia dos novatos logo abandona-
da pelos mais experientes. Nas histórias completas costuma-se agrupar um grande
volume de dados, coletados seguindo-se modelos preestabelecidos, que geralmen-
te não representam informações clínicas relevantes.
Nesse ponto, é importante explicar a diferença entre dado e informação. Os
dados são apenas fatos, ou conjuntos de fatos, enquanto que as informações
implicam conhecimentos que dão aos primeiros um significado diferente de acordo
com a situação e com o conhecimento que se tem. Exemplificando: a pressão
arterial de 110/70 é um dado que, freqüentemente, traz consigo a informação

ANAMNESE
“pressão arterial normal”. Em outro contexto, no entanto, como no caso em que
o paciente relata ser hipertenso com pressão arterial habitualmente em torno de
160/100 e que vem à consulta por estar há uma semana evacuando fezes pretas,
brilhantes e malcheirosas, o dado pode ser o mesmo – PA de 110/70, mas a
informação contida é outra: “hipovolemia por hemorragia digestiva alta”.
Na estratégia da exaustão, o processo diagnóstico ocorre em duas etapas. Na
primeira, o médico/estudante reúne um amontoado de dados geralmente com
poucas informações clínicas. Na segunda, passa a peneirar os dados tentando
obter informações clínicas e um diagnóstico. A estratégia da exaustão é trágica
para as finanças do paciente, de seu plano de saúde ou do governo, quando
aplicada na solicitação de exames complementares. A chamada anamnese comple-
ta, a técnica da exaustão, não existe na prática diária. Os alunos de semiologia
devem aprendê-la e, depois, nunca mais utilizá-la.
Finalmente, a estratégia hipotético-dedutiva é a utilizada por quase todos os
clínicos na obtenção do diagnóstico.
Imagine a situação em que você é o plantonista do setor de emergência do
hospital, está no quarto dos médicos e atende o telefone. É a enfermeira quem
diz: “Chegou um homem de 56 anos com dor no peito e falta de ar”. Como é
relatado por Sackett e colaboradores, essa situação foi apresentada para cente-
nas de médicos e estudantes, e a reação foi uniforme. Logo após ouvir esse
fragmento de informação, reagiram praticamente de um mesmo modo. Primeiro,

21
estabeleceram um diagnóstico, começando com infarto do miocárdio e embolia
pulmonar e continuando com pneumotórax e outras situações de catástrofe in-
tratorácica. Alternativamente, iniciaram com opções de conduta: “baixe na UTI”,
“monitorize o paciente” e assim por diante.
A estratégia hipotético-dedutiva é a formulação que inicia com as primeiras
pistas sobre o problema do paciente e que inclui uma pequena lista de possibilida-
des diagnósticas. É seguida pela execução de ações clínicas (história e exame
físico) e paraclínicas (p. ex., raio X e laboratório) dirigidas pelas hipóteses levanta-
das, e que irão reduzir a lista de possibilidades e, finalmente, levar ao diagnóstico.
De onde surgem as hipóteses diagnósticas?
A melhor explicação é a de que as hipóteses vêm do reconhecimento de um
padrão que, ao invés de suscitar uma única possibilidade, propicia que se pense
em alguns diagnósticos com probabilidade muito alta.
Um grupo de investigadores gravou fitas de vídeo, ao acaso, de internistas e
médicos de família executando o exame clínico de pacientes programados com
diagnósticos de pericardite, úlcera duodenal, neuropatia periférica ou esclerose
múltipla. Os investigadores documentaram que a primeira hipótese diagnóstica
foi levantada pelos médicos em média 28 segundos após ouvirem a queixa princi-
pal (com variação de 11 segundos para o paciente com esclerose múltipla e de
até 55 segundos no caso de neuropatia periférica). A hipótese correta foi levantada
em uma média de seis minutos (menos de um minuto para esclerose múltipla e
menos de 90 segundos para o paciente com úlcera duodenal). Nesse estudo, os
clínicos acertaram o diagnóstico em 75% dos casos, tendo levantado uma média
de 5,5 hipóteses para cada exame clínico. Ao mesmo tempo em que pensaram
em uma curta lista de diagnósticos, os clínicos foram perguntando ou examinando
ANAMNESE

os pacientes, especificamente para confirmar ou rejeitar suas hipóteses e, com as


respostas obtidas, foram encurtando as listas até chegarem ao diagnóstico.
Entretanto, quando os estudantes e os médicos jovens passam a adotar essa
estratégia?
Os autores do estudo anteriormente descrito aplicaram a mesma técnica com
estudantes de medicina, e os resultados foram dramáticos. Eles empregam a
estratégia hipotético-dedutiva ao chegarem na faculdade de medicina! Indepen-
dentemente do tempo de faculdade, os estudantes levantaram a primeira hipótese
diagnóstica entre 20 e 50 segundos após ouvirem a queixa principal, pensaram
em seis hipóteses e, seletivamente, seguiram executando a história e o exame
físico para confirmá-las.
As diferenças entre os estudantes novatos e os doutorandos (e entre os estu-
dantes de medicina e os clínicos experientes) foi quantitativa, não qualitativa. O
tempo de estudo adicional e a experiência fizeram com que os clínicos tivessem
uma maior probabilidade de chegar ao diagnóstico correto em menos tempo e
com perguntas e dados do exame físico mais pertinentes em relação à hipótese
diagnóstica.
Com base nesses estudos e em outros similares, conclui-se que a estratégia
hipotético-dedutiva é a descrição mais apropriada de como o processo diagnóstico
é executado por estudantes e médicos experientes.

22
Para que se possa avançar no aperfeiçoamento dessa estratégia, é preciso
estudar dois aspectos do problema. Primeiro, é necessário estudar os modelos
que permitem reconhecer os padrões que fazem levantar as poucas hipóteses e
que dão início ao processo diagnóstico. Segundo, deve-se aperfeiçoar a seleção,
aquisição e interpretação das informações clínicas e paraclínicas que melhor levarão
ao diagnóstico correto.

ROTEIRO DA ANAMNESE
O roteiro da anamnese é uma forma padronizada de registrar a entrevista. No
entanto, não convém segui-lo exatamente na ordem proposta, uma vez que a
mesma não só é desnecessária para se atingir o objetivo (o diagnóstico correto),
como também prejudica a qualidade da entrevista e a relação médico/estudante-
paciente.
Acima de tudo, é indispensável saber ouvir. Deixar o paciente contar sua
história, da sua maneira. Uma boa anamnese inicia com a apresentação e o propó-
sito do entrevistador – por exemplo: “– Bom dia. Meu nome é Miguel, sou estu-
dante de medicina e atualmente estou acompanhando a equipe da Dra. Ângela.
Gostaria de conversar com o senhor durante uns 20 minutos para entender seus
problemas”. Nesse momento, pode-se falar qualquer coisa que sirva para des-
contrair o início da entrevista e deve-se observar se o paciente está confortável.
Inicie a entrevista propriamente dita com uma pergunta aberta. Dê tempo
para o paciente responder e assuma uma atitude de quem está ali para ouvir. Se
o paciente for reticente ou mesmo prolixo, não desista antes de umas quatro ou
cinco perguntas abertas. Passe a empregar perguntas mais focadas somente quan-

ANAMNESE
do você já tiver ouvido do paciente o suficiente para ter alguma idéia diagnóstica.
A anamnese (Quadro 1.1) deve identificar o paciente, definir claramente sua
queixa principal, detalhar como a queixa principal ocorreu e como evoluiu até o
momento da entrevista, e revisar outros sintomas que possam ter significância
clínica mas que, eventualmente, tenham sido esquecidos ou menos valorizados
(Quadro 1.2). Deve também revisar como foi o desenvolvimento, a ocorrência
de patologias prévias e o seu manejo; pesquisar a presença de sintomas ou
diagnósticos significativos na família ou no círculo social próximo; definir as condi-
ções sociais que favorecem ou desfavorecem o paciente ou modificam o risco e
o prognóstico das patologias em questão.
A queixa principal, formulada a partir das palavras da pessoa, indica quais os
motivos do paciente para a busca de auxílio médico, melhor respondendo à per-
gunta “por quê?”. Já o estímulo iatrotrópico consiste na razão pela qual o paciente
decidiu procurar o médico neste momento específico, respondendo melhor à
pergunta “por que agora?”.

DICAS DE SEMIOTÉCNICA
Q A anamnese ideal é aquela em que se faz uma pergunta e o paciente discorre
livremente sobre seus sintomas.

23
Quadro 1.1 Elementos básicos da anamnese

Q Identificação: nome, leito, registro, idade, estado civil, cor/grupo étnico, pro-
cedência, naturalidade (nacionalidade), profissão e religião.
Q Queixa principal (ou motivo da internação).
Q Estímulo iatrotrópico.
Q História da doença atual (tudo o que estiver relacionado à queixa principal):
características específicas da queixa, início e evolução, duração, localização dos
sintomas (e irradiações), relação com outros sintomas, relação com outros órgãos,
situações que aliviam os sintomas e situações que exacerbam os sintomas.
Q Revisão de sintomas (ver Quadro 1.2): geral e nutrição, pele, cabeça, olhos,
ouvidos, nariz e seios paranasais, boca e orofaringe, pescoço, mamas, sistemas
respiratório, circulatório, digestório, geniturinário, endócrino, musculoesque-
lético, nervoso e psiquismo.
Q História médica pregressa: doenças prévias, cirurgias e internações prévias, imuni-
zações, uso de drogas, alcoolismo, tabagismo, alergias, transfusões de sangue.
Q História familiar: perguntar, no mínimo, a respeito de diabete melito, hiperten-
são arterial sistêmica, tuberculose, câncer, asma, cardiopatia, morte súbita.
Q Perfil psicossocial: educação, estilo de vida, com quem mora, história sexual,
trabalho, condições de habitação, tabagismo, alcoolismo e uso de drogas ilícitas.

Q Os sintomas do paciente devem ser definidos claramente antes de o médico


prosseguir a anamnese (p. ex., se a queixa é de cansaço, definir se há
ANAMNESE

perda da força, dispnéia, perda da vontade ou fatigabilidade).


Q O médico deve olhar nos olhos do paciente e transmitir interesse e atenção.
Q O paciente deve ser avisado pelo médico, próximo do término da entrevista,
de que ele pretende encerrá-la em cerca de cinco minutos, permitindo,
assim, que surjam tópicos ainda não-abordados.
Q As funções do ego (Quadro 1.3) devem ser observadas durante a anamnese.

O FOCO DA ATENÇÃO: A CONSULTA AMBULATORIAL,


A CONSULTA EM SERVIÇOS DE EMERGÊNCIA E O
PACIENTE INTERNADO
A formação médica, principalmente o início da experiência clínica, desenvolve-
se fundamentada no atendimento ao paciente internado. Para muitos, contudo,
não é claro que há dois outros modelos de atendimento igualmente importantes:
o atendimento ambulatorial e o atendimento em serviços de emergência. São
justamente esses dois modelos de atendimento que a maioria dos futuros médicos
irá executar. Daí a necessidade de maior treinamento do aluno sob esse enfoque.
O que muda entre esses três modelos de atendimento? Genericamente, pode-
se dizer que eles diferem em três aspectos fundamentais: (a) objetivo do paciente;
(b) objetivo do médico e (c) o tempo disponível para o diagnóstico e a resolução
do problema.

24
Quadro 1.2 Revisão de sintomas agrupados em sistemas

Q Geral e nutrição: febre, calafrios, peso e variações, fraqueza, fadiga, sudorese,


história prévia de anemia, predisposição a sangramentos.
Q Pele: icterícia, lesões, prurido, alopecia, hirsutismo, lesões ungueais.
Q Cabeça: tontura, cefaléia, dor facial.
Q Aparelho ocular: alteração da visão, prurido, secreção, lacrimejamento, sensa-
ção de corpo estranho, fotofobia, diplopia, dor ocular, catarata, glaucoma
(também história familiar).
Q Aparelho auditivo: deficiência auditiva, vertigem, dor, secreção, zumbido, sen-
sação de pressão.
Q Nariz e seios paranasais: epistaxe, secreção, prurido, crises de espirro, história
de pólipo (“carne esponjosa”).
Q Boca e orofaringe: lesões da mucosa, alterações nos dentes, estomatorragia,
gota pós-nasal.
Q Pescoço: disfonia, protuberâncias, dor ao movimento, disfagia, odinofagia,
doença da tireóide.
Q Mamas: nódulos, secreção, dor, relação dos sintomas com o ciclo menstrual,
auto-exame, história familiar de mastopatia.
Q Sistema respiratório: dor torácica, tosse, dispnéia, expectoração, hemoptise,
sibilância (“chiado”).
Q Sistema circulatório: dor torácica, hipertensão arterial, palpitações, dispnéia
aos esforços, dispnéia paroxística noturna, ortopnéia, história de infarto do
miocárdio ou febre reumática, sopro, claudicação intermitente, edema de extre-
midades, varizes, tromboflebite, alterações tróficas.
Q Sistema digestório: apetite, dor abdominal, distensão abdominal, uso crônico

ANAMNESE
de laxantes, vômitos, hematêmese, náuseas, pirose, hábito intestinal normal e
alterações, hematoquezia, enterorragia, melena, fezes em fita, acolia.
Q Sistema geniturinário: noctúria, polaciúria, urgência, incontinência, ardência
miccional, hematúria, colúria, eliminação de cálculos, dor no flanco, lesões
genitais, infertilidade, história de DST. No homem: impotência, massas na
bolsa escrotal, diminuição da força do jato urinário. Na mulher: prurido vaginal,
corrimento, dispareunia, anticoncepção, menorragia, metrorragia, amenorréia,
gestações e abortamentos, menarca e menopausa.
Q Sistema endócrino: intolerância ao calor ou ao frio, alterações da espessura
dos cabelos, mixedema, retardo psicomotor (ou aceleração), polifagia, polidip-
sia, poliúria, retardo do crescimento, hirsutismo, virilização (mulheres).
Q Sistema musculoesquelético: fraqueza, artralgia, mialgia, dor à mobilização,
limitação do movimento, deformidades, traumatismos, cãibra.
Q Sistema nervoso e psiquismo: paralisia, parestesias, síncope, história de transtor-
nos circulatórios encefálicos, movimentos involuntários, amnésia, disfasia, alte-
ração da marcha, funções do ego (Quadro 1.3).

Por exemplo, um paciente com dor no peito procura o serviço de emergência


para obter alívio imediato da dor. Em segundo lugar, ele deseja saber a causa da

25
Quadro 1.3 Funções do ego (CASOMIAPeJuCoL)*

Q Consciência (alerta, sonolência, confusão, obnubilação, torpor, delírio, coma).


Q Atenção (hipovigilância, hipervigilância, hipertenacidade, hipotenacidade).
Q Sensopercepção (alucinação, apraxia, anestesia histérica, delírio).
Q Orientação (autopsíquica, alopsíquica).
Q Memória (amnésia, déjà vu, jamais vu).
Q Inteligência (retardo mental, demência, pensamento concreto, pensamento
abstrato).
Q Afeto (afeto adequado, inadequado, embotado ou lábil; disforia, irritabilidade,
euforia, depressão, anedonia, ansiedade, medo, tensão, pânico, ambivalência).
Q Pensamento (tangencialidade, incoerência, perseveração, pensamento mágico,
autismo, idéias supervalorizadas, delírios, hipocondria, obsessão, compulsão,
fobia).
Q Julgamento (crítico, automático, prejudicado) e insight (intelectual, verdadeiro,
prejudicado).
Q Conduta (catatonia, negativismo, cataplexia, estereotipia, mutismo, hiperati-
vidade, compulsão, drogadição).
Q Linguagem (normolalia, neologismo, taquilalia, gagueira, logorréia, afasias).

*As funções CASOMI estão mais associadas a síndromes cerebrais orgânicas, enquanto
as APeJuCoL estão mais relacionadas a transtornos psiquiátricos primários.
ANAMNESE

dor. Logo, seu objetivo principal não é receber um diagnóstico brilhante. Sob o
ponto de vista do médico, não há muita diferença: em primeiro lugar, o alívio da
dor; em segundo, a procura de sinais e sintomas de gravidade e/ou de alerta.
Nesse caso, o médico deve excluir patologias potencialmente letais e de rápida
evolução se não-tratadas adequadamente, como infarto do miocárdio, embolia
pulmonar e pneumonia. Ele irá pesquisar, portanto, a presença ou ausência de
sinais e sintomas sugestivos de tais patologias. No exemplo descrito, o médico
deverá pesquisar se há instabilidade hemodinâmica, febre ou alterações da ausculta
cardíaca ou respiratória. Em seguida, deverá solicitar os exames complementares
que auxiliam em alguns diagnósticos e na exclusão de patologias graves: raios X
de tórax, eletrocardiograma e hemograma. Confirmada alguma das patologias,
o médico iniciará o tratamento específico e julgará a necessidade de o paciente
permanecer internado. Deve-se enfatizar que é ideal que todo esse atendimento
ocorra em aproximadamente 20 minutos na primeira fase (antes da solicitação
de exames complementares) e em menos tempo ainda na segunda fase (interpre-
tação dos exames e tomada de decisão). Com a limitação de tempo, o médico de
serviços de emergência tem que focar sua atenção nas patologias graves e delegar
investigações mais demoradas para o atendimento ambulatorial ou hospitalar.
Com relação ao atendimento ambulatorial e ao atendimento do paciente inter-
nado, o médico dispõe de mais tempo para a tomada de decisões. Contudo, à
medida que o tempo disponível aumenta, cresce também a responsabilidade de

26
Quadro 1.4 Princípios éticos para o contato com o paciente

Q Abster-se de praticar quaisquer atos desnecessários que possam significar risco


para a vida, assim como não permitir que outro membro da equipe de saúde
da qual participe os pratique.
Q Jamais participar de procedimentos desumanos e/ou cruéis contra pessoas ou
fornecer informações ou meios que permitam a outros realizá-los.
Q Não executar atos médicos sem treinamento prévio, supervisão médica e ca-
pacitação legal e profissional.
Q Guardar segredo sobre fatos de seu conhecimento por tê-los visto, ouvido ou
deduzido no exercício de sua atividade junto aos pacientes (desde que o segre-
do não interfira na segurança ou integridade de outrem).
Q Tratar o paciente como sujeito e não como objeto de estudo.
Q Demonstrar simpatia e respeito.
Q Ter calma e prudência.
Q Jamais hostilizar o paciente ou familiares (mesmo quando observar nesses um
comportamento hostil).
Q Compreender e tolerar manifestações agressivas exibidas pelo paciente.

Fonte: Porto(1).

se estabelecer um diagnóstico específico. Apesar de o atendimento ao paciente


internado não ser a situação mais freqüente na prática médica diária, é nesse

ANAMNESE
ambiente que se concentram os pacientes com maior número de sinais e sintomas,
pré-requisitos para a formação médica.
Assim, ficam demonstradas as principais diferenças entre os três modelos des-
critos. Portanto, o estudante de medicina precisa saber desde cedo que o tempo
de atendimento deve ser cada vez melhor aproveitado, tendo já em mente as
perguntas mais importantes em cada caso e os sinais que mais o ajudarão a
excluir os diagnósticos possíveis e, até mesmo, a diagnosticar a causa exata da
queixa do paciente. À medida que vão sendo atingindos níveis progressivamente
maiores de conhecimento teórico e prático, sempre respeitando os princípios
éticos (Quadro 1.4), deve-se buscar um atendimento cada vez mais dinâmico,
ágil e objetivo, dispensando perguntas e a procura de sinais clínicos que de nada
ajudarão no diagnóstico nem no tratamento em questão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CITADAS


1. Porto CC. Código de ética do estudante de medicina. IV Conferência Pan-Americana de
Educação Médica e XIV Congr. Bras. Educ. Méd. Rio de Janeiro:[s.n]; 1976.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS


Barrows HS, Norman GR, Neufeld VR, Feightner JW. The Clinical reasoning of randomly
selected physicians in general medical practice. Clin Invest Med 1982; 5(1): 49-55.

27
Coulehan J, Block M. A entrevista médica. Porto Alegre: Artmed; 1989.

Fletcher RH, Fletcher SW, Wagner EH. Epidemiologia clínica: elementos essenciais. 3. ed.
Porto Alegre: Artmed; 1996.

Neufeld VR, Norman GR, Feightner JW, Barrows HS. Clinical problem-solving by medical
students: a cross-sectional and longitudinal analysis. Med Ed 1981 Sep; 15(5):315-22.

Peterson MC, Holbrook JH, Hales DV, et al. Contributions of the history, physical examination,
and laboratory investigation in making medical diagnoses. West J Med 1992; 156:163-5.

Sackett DL, Haynes RB, Guyatt GH, Tugwell P. Clinical epidemiology: a basic science for
clinical medicine. 2nd. ed. Boston: Little, Brown and Company; 1991. Em língua portuguesa,
publicado sob o título Medicina baseada em evidências: prática e ensino. Porto Alegre:
Artmed, 2003.

Sandler G. The importance of the history in the medical clinic and the cost of unnecessary
tests. Am Heart J 1980; 100(pt 1):928-931.

Schmitt BP, Kushner MS, Wiener SL. The diagnostic usefulness of the history of the patient
with dyspnea. Arch Gen Intern Med 1986; 1:386-393.
ANAMNESE

28
2
SEMIOLOGIA BASEADA
EM EVIDÊNCIAS
OTÁVIO BERWANGER DA SILVA

A medicina baseada em evidências pode ser definida como a integração das


melhores evidências disponíveis na literatura com a experiência clínica individual(1).
Sua prática é um processo de aprendizado contínuo a partir do qual convertemos
problemas médicos em questões clínicas, buscamos artigos relevantes para respon-
der tais questões, analisamos criticamente esses estudos e aplicamos seus resulta-
dos, se válidos, no manejo dos nossos pacientes(1,2). Dentro dos conceitos desse
novo paradigma busca-se também uma releitura do ensino da semiologia, denomi-
nada de semiologia baseada em evidências(3,4,5). Tal estratégia propõe que o clínico,
além do conhecimento correto de técnicas de entrevista e de exame físico, esteja
familiarizado com conceitos clínico-epidemiológicos como sensibilidade, especi-
ficidade, likelihood ratios e probabilidades pré e pós-teste aplicados no diagnóstico
de sinais e sintomas. Os resultados idealmente devem ser provenientes de estudos
com metodologia e poder estatístico adequados. Essa nova proposta tem por
objetivo fortalecer a capacidade diagnóstica do exame clínico e, conseqüentemen-
te, otimizar a solicitação de exames complementares.
Este capítulo apresenta uma introdução sobre alguns conceitos e habilidades
necessários para praticar a semiologia baseada em evidências.

ONDE BUSCAR EVIDÊNCIAS SOBRE ANAMNESE E


EXAME FÍSICO
A busca de evidências nos achados de história e exame clínico pode ser feita por
meio de consulta em diferentes fontes (ver exemplos na Tabela 2.1).
É cada vez mais popular a presença de entidades que fornecem informações
clínicas para uso em computadores de bolso (como Palms e Pocket PCs). Tais
recursos permitem uma consulta rápida de evidências sobre o tema, com possibi-
lidade de aplicação imediata das informações à beira do leito.
Tabela 2.1 Fontes de busca de evidências sobre anamnese e exame físico

Livros-texto
Evidence-based physical diagnosis
Diagnostic strategies for comon medical problems
Evidence-based diagnosis

Portais de grupos de pesquisa específicos


Clinical examination research interest group (www.sgim.org clinexam.cfm#RCE)
Care study group (www.carestudy.com)

Busca por artigos em bancos de dados eletrônicos


PubMed (utilizar a ferramenta clinical queries, diagnosis) (www.pubmed.com)
SumSearch (utilizar a ferramenta physical findings)

Recursos eletrônicos para uso em computadores de bolso (Palms e Pocket PCs)


EBM Tables (med.mssm.edu/ebm)
MedRules (pbrain.hypermart.net/medrules.html)

Sites para busca eletrônica de regras de predição clínica


InfoRetriever (www.infopoems.com)
Mount Sinai centre for EBM (med.mssm.edu/ebm)
The medical algorithms project (www.medal.org)
SEMIOLOGIA BASEADA EM EVIDÊNCIAS

QUAIS TIPOS DE DELINEAMENTO DE PESQUISA SÃO UTILIZADOS


PARA ESTUDAR DADOS DE HISTÓRIA E EXAME FÍSICO?
Geralmente os delineamentos de pesquisa utilizados para estudar dados de exame
clínico são os estudos transversais (cross-sectional study), incluindo as revisões
sistemáticas dos mesmos e os escores de predição clínica (clinical prediction rules).
No caso de estudos transversais, considera-se que o estudo capaz de gerar a
evidência de maior qualidade é aquele em que existe uma comparação indepen-
dente e cega de sinais e sintomas de interesse com um padrão-ouro validado em
uma amostra consecutiva e apropriada de pacientes(6).
Uma outra forma de avaliar o desempenho diagnóstico de dados semioló-
gicos é por meio de um tipo de estudo denominado de escores (ou regras) de
predição clínica (clinical prediction rule). Esse tipo de delineamento de pesquisa é
um estudo observacional em que em uma amostra, denominada de amostra de
derivação, é estudada a capacidade de certos fatores (geralmente dados clínicos,
a exemplo de história e exame físico) de predizer algum desfecho de interesse. A
partir dos resultados é montado um escore (ou regra clínica) onde são incluídos
aqueles fatores que são capazes, em um modelo multivariado, de predizer de
forma independente esses desfechos de interesse(7,8). Esse escore, idealmente,
deve ser testado em uma amostra independente (amostra de validação).
Com base em critérios metodológicos, McAlister e colaboradores estabele-
ceram níveis de evidência para estudos com enfoque diagnóstico (Tabela 2.2),

30
Tabela 2.2 Níveis de evidência para estudos transversais com enfoque
diagnóstico

1. Comparação independente e cega do teste em estudo com um padrão validado


em um espectro adequado de pacientes consecutivos (no caso de escores de
predição clínica, é necessária validação em uma amostra independente).
2. Comparação independente e cega do teste em estudo com um padrão validado
em um espectro restrito de pacientes não-consecutivos.
3. Comparação independente e cega do teste em estudo com um padrão validado
em um espectro apropriado de pacientes, contudo o teste-padrão não é aplica-
do em todos os pacientes.
4. Teste-padrão não-aplicado de forma independente e/ou cega.
5. Opinião de especialistas.

onde o nível 1 é aquele de maior rigor científico, ou seja, menos exposto a erros
sistemáticos(4).

COMO AVALIAR CRITICAMENTE UM ARTIGO COM ENFOQUE


DIAGNÓSTICO ENVOLVENDO HISTÓRIA E EXAME FÍSICO?

SEMIOLOGIA BASEADA EM EVIDÊNCIAS


Na busca de uma estratégia diagnóstica baseada em evidências, é indispensável
avaliar criticamente os estudos individuais a fim de estabelecer se seus resultados
aplicam-se ou não ao paciente que estejamos examinando. O Evidence-based
Medicine Working Group(9,10,11) propôs uma ficha de avaliação crítica de artigos
sobre história e exame físico conforme demonstrado a seguir:
Q Os resultados do estudo são válidos?
1. Houve uma comparação do sinal/sintoma em estudo com um padrão-
ouro validado?
2. O sinal/sintoma foi avaliado em um espectro adequado de pacientes? O
padrão-ouro foi aplicado de forma cega e independentemente do sinal/
sintoma em estudo?
3. Os métodos de pesquisa do sinal/sintoma foram descritos de forma que
possam ser reproduzidos? A experiência clínica dos examinadores foi
descrita?
4. O escore foi validado em uma amostra independente (no caso de escores
de predição clínica)?
Q Os resultados válidos são importantes?
1. Qual o desempenho diagnóstico do sinal/sintoma em estudo (calcular
sensibilidade, especificidade, valores preditivos e razão de probabilida-
des)?
Q Os resultados válidos e importantes aplicam-se ao meu paciente individual?
1. O sinal/sintoma estudado é de fácil aplicação?

31
COMO INTERPRETAR OS RESULTADOS DAS EVIDÊNCIAS
SOBRE EXAME CLÍNICO?
Estudos sobre a história e exame físico geralmente apresentam seus resultados
de duas diferentes formas:
Q Desempenho diagnóstico individual
Q Escores de predição clínica

Desempenho diagnóstico individual de achados de história e exame físico


Assim como qualquer outro exame complementar, os diferentes sinais e sinto-
mas possuem desempenho diagnóstico próprio, expresso por parâmetros clínico-
epidemiológicos como sensibilidade (proporção de pacientes doentes que apresen-
tam o sinal ou sintoma em estudo), especificidade (proporção de pacientes hígidos
que não apresentam o sinal ou sintoma em estudo), likelihood ratio para um
teste positivo (LR+) e likelihood ratio para um teste negativo (LR-). De todos
esses parâmetros, a likelihood ratio é aquele de maior aplicabilidade clínica, confor-
me demonstraremos na seqüência (Figura 2.1).
A likelihood ratio (razão de probabilidades) expressa a probabilidade de um
teste ser positivo em pacientes que têm a doença em relação à probabilidade de
esse mesmo teste ser positivo em quem não tem a doença. A likelihood ratio
(para um teste positivo ou para um teste negativo) pode ser calculada a partir da
sensibilidade e da especificidade.
SEMIOLOGIA BASEADA EM EVIDÊNCIAS

Achados semiológicos com likelihood ratios de altos valores (LR > 10) podem
confirmar a presença de uma doença, enquanto que achados com likelihood
ratios muito baixas (< 0,1) podem indicar que a doença é muito pouco provável.
Já likelihood ratios com valores em torno de 1 indicam que a presença ou ausência
do achado clínico não é suficiente para confirmar ou excluir a presença da doença.
As likelihood ratios também podem ser utilizadas para estimar a probabilidade
pós-teste da doença, ou seja, se o achado clínico está presente, qual a probabi-
lidade de o paciente ter a doença?
Por exemplo, imagine um paciente com suspeita clínica de broncopneumonia
(tosse, escarro purulento, febre, freqüência cardíaca de 110 bpm) que apresente

Doença

Sinal ou sintoma Ausente A b a+b

Presente C d c+d

a+c b+d A+b+c+d

Sensibilidade = a/(a+c); especificidade = d/(b+d).


LR+ = sensibilidade/(1-especificidade); LR- = (1-sensibilidade)/especificidade.

Figura 2.1 – Aplicabilidade clínica de likelihood ratio.

32
estertores crepitantes e diminuição do murmúrio vesicular na ausculta pulmonar.
Qual o desempenho diagnóstico individual da presença de estertores crepitantes
e da diminuição do murmúrio para o diagnóstico de pneumonia em um paciente
com as características clínicas acima descritas?
Imagine que após a consulta no PubMed, a melhor evidência que encontramos
é uma revisão sistemática de estudos diagnósticos para achados de história e
exame físico em pneumonia. Baseados nos dados desse estudo, podemos estimar
que um paciente adulto com essas manifestações possui uma probabilidade pré-
teste de cerca de 20% de apresentar uma broncopneumonia, e o desempenho
diagnóstico de achados como estertores crepitantes e diminuição do murmúrio
vesicular possuem likelihood ratios (LR+) de 2,2 e 2, respectivamente. A partir
de um nomograma proposto por Fagan (demonstrado na Figura 2.2), pode-se
combinar a probabilidade pré-teste de pneumonia do nosso paciente com a LR+
de 2,2 para a presença de estertores crepitantes traçando uma linha (Figura 2.2,
linha pontilhada) que une o ponto correspondente à probabilidade pré-teste com
o ponto que representa o valor da LR + do achado clínico, conforme demonstrado
na Figura 2.2. Se agora formos avaliar o valor incremental diagnóstico proporciona-
do pela diminuição do murmúrio vesicular (LR+ de 2), partiremos de uma probabi-
lidade de 40% e não mais de 20%. Ou seja, ao utilizarmos testes múltiplos em
seqüência, a probabilidade pós-teste gerada pela utilização de um teste passa a
ser a probabilidade pré-teste para a utilização de um novo teste. Assim, se combi-

SEMIOLOGIA BASEADA EM EVIDÊNCIAS


narmos pelo nomograma a probabilidade de pneumonia de 40% com uma (LR+)
de 2 (Figura 2.2, linha sólida), obteremos uma probabilidade pós-teste de pneumo-
nia de pouco mais de 60%. Se julgarmos necessário lançar mão de um exame
complementar como raio X de tórax, por exemplo, é dessa nova probabilidade
(60%) que devemos partir, e assim por diante.
Atualmente, em vez de utilizarmos o nomograma, podemos realizar ainda
mais rapidamente uma estimativa de probabilidade pós-teste da doença por meio
do programa Stats calculator, que se encontra disponível para download gratuita-
mente no site do Centre for Evidence-based Medicine da Universidade de Toronto.
Esse programa também é disponível para Palms e Pocket PCs.

Escores de predição clínica


A outra forma de expressarmos o desempenho diagnóstico de dados de história
e exame físico é por meio de escores de predição clínica (Tabela 2.3). O uso
dessa abordagem apresenta vantagens, uma vez que, a exemplo do raciocínio
que fazemos na prática clínica diária, ela avalia o valor diagnóstico dos achados
clínicos de forma conjunta e não individual. Utilizando um escore de predição
clínica, proposto por Heckerling e seus colaboradores, podemos estimar a proba-
bilidade de pneumonia no caso descrito anteriormente(12).
A soma de pontos desse paciente seria 4 (febre + taquicardia + estertores
crepitantes + diminuição do murmúrio vesicular), o que corresponde a uma proba-
bilidade de pneumonia de 63%, semelhante àquela que havíamos estimado ante-
riormente.

33
0,1 99

0,2

1.000
0,5 95

1 90
500
200 80
2
100
50 70
5 60
20
10 50
10 5 40
2 30
20
1 20
30
0,5
40
0,2 10
50
SEMIOLOGIA BASEADA EM EVIDÊNCIAS

0,1
60 5
0,05
70 0,02
80 0,01 2
0,005
0,002 1
90

95 0,5
500

0,2

99 0,1

Prob. pré-teste LR Prob. pós-teste

Figura 2.2 – Nomograma de Fagan.

Exemplos de evidências sobre o desempenho diagnóstico de sinais e


sintomas nas diversas especialidades clínicas
Apresentamos vários exemplos de evidências sobre o desempenho diagnóstico
de sinais e sintomas, tanto sob a forma de achados clínicos individuais (expressados
sob a forma de likelihood ratios com intervalos de confiança de 95% – IC 95% –

34
Tabela 2.3 Escores de predição clínica

Achado clínico Pontos


Temperatura > 38,7oC 1
Pulso > 100 bpm 1
Estertores crepitantes 1
Diminuição do murmúrio 1
Ausência de asma 1

Soma de pontos Probabilidade pós-teste de pneumonia


(considerando uma probabilidade pré-teste de 19%)
0 1,6%
1 5%
2 14%
3 35%
4 63%
5 85%

sempre que possível) quanto sob a forma de escores de predição clínica com

SEMIOLOGIA BASEADA EM EVIDÊNCIAS


enfoque diagnóstico envolvendo apenas dados semiológicos. Essas evidências
sempre devem estar aliadas à experiência clínica individual e respeitar a individuali-
dade de cada caso clínico.
A maioria das evidências apresentadas é proveniente de revisões sistemáticas
de estudos com enfoque diagnóstico e de um excelente livro baseado em evi-
dências que reuniu o resultado de diversos estudos diagnósticos sobre achados
de história e exame físico, editado por McGee.

DESEMPENHO DIAGNÓSTICO DE SINAIS E SINTOMAS


INDIVIDUAIS
Pneumologia
História
Achado clínico (diagnóstico) LR+ (IC 95%) LR– (IC 95%)
História de doença pulmonar 7,3 (não-fornecido) 0,5 (não-fornecido)
obstrutiva crônica (DPOC)
Tabagismo > 40 anos – maço de 8,3 (não-fornecido) 0,8 (não-fornecido)
cigarro

35
Exame físico
Achado clínico (diagnóstico) LR+ (IC 95%) LR– (IC 95%)
Percussão do tórax
Macicez
(Consolidação/pneumonia) 3 (1,7 a 5,2) 0,8 (0,7 a 0,9)
(Derrame pleural volumoso) 18,6 (9,8 a 35,2) 0,04 (0 a 0,1)
Ausculta do tórax
Hiper-ressonância
(DPOC) 5,1 (1,7 a 15,6) 0,7 (0,5 a 1)
Diminuição do murmúrio vesicular
(Consolidação/pneumonia) 2,3 (1,9 a 2,8) 0,8 (0,7 a 0,9)
(Asma) 4,2 (1,9 a 9,5) 0,3 (0,1 a 0,6)
Estertores crepitantes
(Fibrose pulmonar) 5,9 (2 a 17,2,) 0,2 (0,1 a 0,5)
(Congestão pulmonar) 3,4 (1,6 a 7,2) 0,8 (0,6 a 1)
(Pneumonia) 2,0 (1,5 a 2,7) 0,8 (0,7 a 0,9)
Estertores crepitantes proto-inspiratórios
(DPOC Severo) 20,8 (3,0 a 142,2) 0,1 (0 a 0,4)

Referências bibliográficas
Holleman DR, Simel DL and Rennie D, editors Does the clinical examination predict airflow
SEMIOLOGIA BASEADA EM EVIDÊNCIAS

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2000;283:1853-7.

Cardiologia
História
Achado clínico (diagnóstico) LR+ (IC 95%) LR– (IC 95%)
Dor torácica
Típica com irradiação para membro 2,6 (1,4 a 6) Não-fornecido
superior E (IAM)
Típica com irradiação para ambos 7,1 (1,7 a 3,1) Não-fornecido
os membros (IAM)
Reproduzida pela palpação (IAM) 0,3 (0,2 a 0,4) Não-fornecido
Início súbito (dissecção de aorta)
Início súbito tipo “ excruciante “
(dissecção de aorta)

36
Achado clínico (diagnóstico) LR+ (IC 95%) LR– (IC 95%)
Dispnéia
Desencadeada por esforços 1,25 Não-fornecido
(insuficiência cardíaca)
Ortopnéia (insuficiência cardíaca) 2,02 Não-fornecido
Dispnéia paroxística noturna 1,88 Não-fornecido
(insuficiência cardíaca)

Exame físico
Achado clínico (diagnóstico) LR+ (IC 95%) LR– (IC 95%)
Palpação do ictus cordis
Desvio da linha hemiclavicular
(Cardiomegalia) 3,4 (1,6 a 7,3) 0,6 (0,5 a 0,8)
Diâmetro > 4 cm em decúbito lateral
esquerdo
(Insuficiência cardíaca) 4,7 (2,1 a 10,2) 0,4 (0,2 a 1)
Impulsão paraesternal esquerda
Aumento de VD 3,6 (1,4 a 9,8) 0,4 (0,2 a 0,7)
Segunda bulha (B2)

SEMIOLOGIA BASEADA EM EVIDÊNCIAS


Desdobramento
(Estenose valvar aórtica) 2,4 (0,8 a 7) 0,6 (0.2 a 1.7)
(CIA) 2,6 (1,6 a 4,3) 0,1 (0 a 0,8)
Hiperfonese
(Hipertensão pulmonar) 1,2 (0,9 a 1,5) 0,8 (0,3 a 1,9)
Terceira bulha (B3)
(Insuficiência cardíaca – FE < 30%) 4,1 (2,3 a 7,3) 0,3 (0,2 a 0,5)
(Detecção de pressões de enchimento 5,7 (3,1 a 10,3) 0,8 (0,7 a 1)
elevada do VE)
Quarta bulha
(Estenose aórtica grave) 0,9 (0,5 a 1,9) 1,1 (0,6 a 1,9)
(Pressões de enchimento elevadas – VE) 1,4 (0,8 a 2,6) 0,6 (0,3 a 1,4)
Sopro sistólico de ejeção
(Estenose aórtica) 3,3 (2,8 a 3,9) 0,1 (0 a 0,1)
Sopro sistólico de regurgitação
(Insuficiência mitral leve) 5,4 (3,7 a 8,1) 0,4 (0,2 a 0,7)
(Insuficiência mitral moderada/grave) 3,3 (2,7 a 4,1) 0,1 (0,1 a 0,4)
(Insuficiência tricúspide leve) 14,6 (4,5 a 47,1) 0,8 (0,7 a 0,9)
(Insuficiência tricúspide moderada/grave) 10,1 (5,8 a 17,8) 0,1 (0,2 a 0,7)
Sopro protodiastólico
(Insuficiência aórtica leve) 9,9 (4,9 a 20) 0,3 (0,2 a 0,4)
(Insuficiência aórtica moderada/severa) 4,3 (2,1 a 8,6) 0,1 (0,1 a 0,2)

37
Referências bibliográficas
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Panju AA, Hemmelgarn BR, Guyatt GH, Simel DL. Is this patient having a myocardial
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Angiologia/cirurgia vascular
Exame físico
Achado clínico (diagnóstico) LR+ (IC 95%) LR- (IC 95%)
Massa pulsátil e expansiva 12 (7,4 a 19,5) 0,72 (0,65 a 0,81)
(Aneurisma aorta abdominal)
SEMIOLOGIA BASEADA EM EVIDÊNCIAS

Diminuição pulsos 3 (não-fornecido) 0,4 (não-fornecido)


(doença vascular periférica)
Tempo de enchimento venoso 3,6 (não-fornecido) 0,8 (não-fornecido)
aumentado (doença vascular
periférica)
Sopro femoral 4,7 (não-fornecido) 0,8 (não-fornecido)
(doença vascular periférica)
Alterações tróficas 1,4 (não-fornecido) 0,7 (não-fornecido)
(doença vascular periférica)

Referências bibliográficas
Lederle FA, Simel DL. Does this patient have an abdominal aortic aneurysm? JAMA
1999;281:77-82.

McGee SR, Boyko EJ. Physical examination and chronic lower-extremity ischemia: a critical
review. Arch Intern Med 1998;158:1357-64.

38
Gastrenterologia
Exame físico
Achado clínico (diagnóstico) LR+ (IC 95%) LR– (IC 95%)
Ausculta
Sopro em flancos (HAS renovascular) 4,8 (2,6 a 9) 0,7 (0,7 a 0,8)
RHA aumentados (obstrução intestinal) 5 (2,4 a 10.6) 0,6 (0,5 a 0,8)
Ruídos hidroaéreos diminuídos (peritonite) 2,2 (0,5 a 9,7) 0,8 (0,7 a 0,9)
Percussão
Macicez móvel (ascite) 1,8 (0,9 a 3,4) 0,3 (0,1 a 0,7)
Palpação
Hepatomegalia (causas diversas) 1,7 (1,4 a 2,1) 0,1 (0,4 a 0,7)
Esplenomegalia (causas diversas) 9,6 (5,7 a 16,3) 0,5 (0,5 a 0,7)
Vesícula palpável (neoplasia da 2,6 (1,5 a 4,6) 0,7 (0,6 a 0,9)
cabeça pâncreas)
Sinais de abdome agudo
Peristalse visível (vbstrução intestinal) 18,8 (4,3 a 81,9) 0,9 (0,9 a 1)
Sinal de Blumberg (Apendicite) 3,4 (1,6 a 7,2) 0,4 (0,2 a 0,7)
Rigidez abdominal (peritonite) 5,1 (2,1 a 12,2) 0,9 (0,8 a 1)
Sinal de Murphy (colecistite aguda) 2 (1,5 a 2,7) 0,2 (0 a 2,4)

SEMIOLOGIA BASEADA EM EVIDÊNCIAS


Sinal do Psoas (apendicite aguda) 2,3 (0,7 a 7,8) 0,9 (0,8 a 1)
Sinal do obturador (apendicite aguda) 1,4 (0,4 a 4,5) 1 (0,9 a 1,1)

Referências bibliográficas
McGee S. Evidence-based diagnosis.Philadelphia: WB Saunders; 2001.

Naylor CD. Physical examination of the liver. JAMA 1994; 271:1859-65.

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Wagner JM, McKinney WP, Carpenter JC. Does this patient have appendicitis? JAMA 1996
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Lederle FA, Simel DL. Does this patient have an abdominal aortic aneurysm? JAMA 1999;
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Trowbridge RL, Rutkowski NK, Shojania KG. Does this patient have acute cholecystitis?
JAMA 2002:287:2701-2710.

39
Neurologia
História/exame físico
Achado clínico (diagnóstico) LR+ (IC 95%) LR- (IC 95%)
Tremor (doença de Parkinson) 1,3 (0,9 a 2) 0,60 (0,34 a 0,90)
Rigidez e bradicinesia 4,5 ( 2,9 a 7,1) 0,12 (0,03 a 0,45)
(doença de Parkinson)
Micrografia (doença de Parkinson) 2,8 (1,8 a 4,2) 0,44 (0,27 a 0,71)
Sinal focal de início abrupto (AIT) 6,6 a 11 0,36 a 0,54
(não-fornecido) (não-fornecido)

Referências bibliográficas
Goldstein LB. Matchar DB. The rational clinical examination. Clinical assessment of stroke.
JAMA Apr 1994; 271:1114-20.

McGee S. Evidence-based diagnosis. Philadelphia: WB Saunders; 2001.

Nefrologia/urologia
História
Achado clínico (diagnóstico) LR+ (IC 95%) LR- (IC 95%)
SEMIOLOGIA BASEADA EM EVIDÊNCIAS

Disúria (infecção urinária) 1,5 (1,2 a 2) 0,5 (0,3 a 0,7)


Freqüência (infecção urinária) 1,8 (1,1 a 3) 0,6 (0,4 a 1)
Hematúria (infecção urinária) 2 (1,3 a 2,9) 0,9 (0,9 a 1)
Dor localizada em flanco 1,1 (1,1 a 2,5) 0,5 (0,8 a 1)
(infecção urinária)

Exame físico
Achado clínico (diagnóstico) LR+ (IC 95%) LR- (IC 95%)
Punho percussão lombar positiva 1,7 (1,1 a 2,5) 0,9 (0,8 a 1)

Referência bibliográfica
Bent S, Nallamothu BK, Simel DL, Fihn SD, Saint S. The rational clinical examination. Does
this woman have an acute uncomplicated urinary tract infection? JAMA 2002; 287:2701-
10.

40
Endocrinologia
Exame físico
Achado clínico (diagnóstico) LR+ (IC 95%) LR- (IC 95%)
Taquicardia (hipertireodismo) 4,4 (3,8 a 5,1) 0,2 (0,1 a 0,3)
Pele quente e úmida (hipertireoidismo) 6,7 (5 a 9,1) 0,7 (não-fornecido)
Bócio palpável (hipertireoidismo) 2,3 (2,1 a 2,5) 0,1 (0,1 a 0,2)
Pele fria e seca (hipotireoidismo) 4,7 (3,1 a 7,1) 0,9 (0,8 a 0,9)
Bradicardia (hipotireoidismo) 4,1 (3,1 a 5,5) 0,8 (0,7 a 0,9)
Bócio (hipotireoidismo) 2,8 (2,3 a 3,4) 0,6 (0,6 a 0,7)
Madarose (hipotireoidismo) 1,9 (1,1 a 3,6) 0,8 (0,7 a 1)
Hipertensão (síndrome de Cushing) 2,3 (1,5 a 3,7) 0,8 (0,6 a 0,9)
Fácies em “lua cheia” 1,6 (1,1 a 2,5) 0,1 (0 a 0,9)
(síndrome de Cushing)
Obesidade central (síndrome de Cushing) 3 (2 a 4,4) 0,2 (0,1 a 0,3)

Referências bibliográficas
McGee S. Evidence-based diagnosis. Philadelphia: WB Saunders; 2001.

Siminoski K. Does this patient have a goiter? JAMA 1995; 273:813-7.

SEMIOLOGIA BASEADA EM EVIDÊNCIAS


Ginecologia e obstetrícia
História
Achado clínico (diagnóstico) LR+ (IC 95%) LR- (IC 95%)
História de atraso menstrual (gravidez) 2,6 0,62
(não-fornecido) (não-fornecido)
Morning sickness (gravidez) 2,43 0,71
(não-fornecido) (não-fornecido)

Exame físico
Achado clínico (diagnóstico) LR+ (IC 95%) LR- (IC 95%)
Palpação das mamas (câncer de mama) 10,6 (5,8 a 19,2) 0,47 (0,40 a 0,56)

Referências bibliográficas
Bastian LA, Piscitelli JT. Is this patient pregnant? Can you reliably rule in or rule out early
pregnancy by clinical examination? JAMA 1997; 278:586-91.

Barton MB, Harris R, Fletcher SW. Does this patient have breast cancer? The screening
clinical breast examination: Should it be done? How? JAMA 1999; 282:1270-80.

41
Hematologia
Exame físico
Achado clínico (diagnóstico) LR+ (IC 95%) LR- (IC 95%)
Palidez em múltiplos locais (anemia) 4,5 (3,1 a 6,6) 0,7 (0,6 a 0,8)
Palidez palmar (anemia) 2,5 (1,9 a 3,3) 0,5 (0,4 a 0,6)
Palidez facial (anemia) 3,8 (2,5 a 5,8) 0,6 (0,5 a 0,7)

Referência bibliográfica
McGee S. Evidence-based diagnosis.Philadelphia: WB Saunders; 2001.

Dermatologia
Exame físico
Achado clínico (diagnóstico) LR+ (IC 95%) LR- (IC 95%)
“ABCD” (melanoma) 46 (não- 0,02 (não-
fornecido) fornecido)

Referência bibliográfica
Whited JD, Grichnik JM. Does this patient have a mole or a melanoma? JAMA 1998; 279:
SEMIOLOGIA BASEADA EM EVIDÊNCIAS

696-701.

ESCORES DE PREDIÇÃO CLÍNICA COM DADOS DE EXAME


CLÍNICO
Em cardiologia
Probabilidade de cardiopatia isquêmica de acordo com as características da
dor torácica
Responder às perguntas:
1. A dor do paciente é retroesternal?
2. A dor é desencadeada por esforços?
3. Alivia com repouso ou uso de nitrato (em cerca de 10 minutos)?
Angina típica = 3 respostas positivas
Angina atípica = 2 respostas positivas
Dor torácica não-anginosa = no máximo 1 resposta positiva
Na tabela a seguir está apresentada a probabilidade de cardiopatia isquêmica
(estenose coronária > 70%) de acordo com a classificação da dor torácica (não-
anginosa, angina atípica ou angina típica).

42
Idade Dor não-anginosa Angina atípica Angina típica
(anos) Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher
30-39 5,2% 0,8% 21,8% 4,2% 69,7% 25,8%
40-49 14,1% 2,8% 46,1% 13,3% 87,3% 55,2%
50-59 21,5% 8,4% 58,9% 32,4% 92% 79,4%
60-69 28,1% 18,6% 67,1% 54,4% 94,3% 90,6%

Referência bibliográfica
Diamond GA, Forrester JS. Analysis of probability as an aid in the clinical diagnosis of coronary
artery disease. N Engl J Med 1979; 300: 1350-1358.

Em pneumologia
Probabilidade de tromboembolismo pulmonar (TEP)

Achado clínico Pontos


Idade < 65 anos +3
Diagnóstico de câncer +4
Dor em membro inferior +3
Dor torácica retroesternal –3
Freqüência cardíaca > 90 bpm +4

SEMIOLOGIA BASEADA EM EVIDÊNCIAS


Freqüência respiratória > 20 mpm +4
B3 ou B4 novas –4
Fator de correção (adicionar sempre) +8

Soma de pontos Probabilidade de TEP


1 a 10 0%
11 a 18 38%
19 a 23 89%
24 a 31 100%

Referência bibliográfica
Hoelleric VL, Wigton RS. Diagnosing pulmonary embolism using clinical findings. Arch Int
Med 1986; 146: 1699-704.

43
Em gastrenterologia
Probabilidade de úlcera péptica em pacientes com dispepsia com base na história
e no exame físico.

Achados clínicos Pontos (adicionar ou subtrair)


Sexo masculino Sim +33 pts Não -33 pts
Dor como sintoma principal Sim +13 pts Não -27 pts
Duração dos sintomas < 2 anos Sim +38 pts Não -40 pts
Dor episódica Sim +13 pts Não -25 pts
Dor epigástrica Sim +26 pts Não -29 pts
Melhora da dor com alimentação Sim +72 pts Não -22 pts
Dor desperta paciente à noite e Sim +51 pts Não -23 pts
melhora com alimentação
Vômitos Sim +5 pts Não -2 pts
Sensação de “gosto amargo” Sim +38 pts Não -18 pts
na boca
Flatulência Sim + 4 pts Não -5 pts
Perda de apetite Sim + 18 pts Não -14 pts
História familiar de úlcera Sim +24 pts Não -15 pts
Fumante Sim +31 pts Não -51 pts
Pirose Sim +5 pts Não -8 pts
SEMIOLOGIA BASEADA EM EVIDÊNCIAS

Escore Probabilidade de úlcera péptica


Entre -300 e -200 5% a 12%
Entre -150 e -75 18% a 35%
Entre -50 e +50 38% a 62%
Entre +75 e +200 68% a 88%
Entre +250 e + 300 92% a 95%

Referência bibliográfica
Spiegelhalter DJ, Crean GP, Hodeln R, Knill-Jones RP. Taking a calculated rik: predictive scoring
systems in dyspepsia. J Scand Gastroenterol 1987: 128 (Suppl): 152-160.

44
Em doença vascular periférica
Probabilidade de trombose venosa profunda (TVP).

Elementos clínicos Pontos


Câncer ativo (tratamento em andamento
ou nos últimos seis meses ou paliativo) 1
Paralisia, paresia ou recente imobilização em gesso
de membro inferior 1
Recentemente restrito ao leito por mais de três dias
por cirurgia maior nas últimas quatro semanas 1
Dor localizada sobre a região onde se localiza o
sistema venoso profundo 1
Edema de todo o membro inferior 1
Aumento do diâmetro da panturrilha (> 3 cm comparado
com a outra, medido 10 cm abaixo da tuberosidade tibial) 1
Edema depressível (cacifo) maior na perna sintomática 1
Veias colaterais superficiais (não-varicosas) 1
Diagnóstico alternativo de mesma ou maior probabilidade
que TVP -2

Escore Probabilidade TVP


Alto (> ou igual a 3 pontos) 85%

SEMIOLOGIA BASEADA EM EVIDÊNCIAS


Moderado (escore de 1 ou 2 pontos) 33%
Baixo (escore 0) 5%

Referência bibliográfica
Wells PS, Hirsh J, Anderson DR, Lensing AW, Foster G, Kearon C, et al. Accuracy of clinical
assessment of deep-vein thrombosis. Lancet 1995 May 27;345:1326-30.

Em infectologia
Probabilidade de sinusite bacteriana.

Achado clínico Pontos


Dor em região maxilar 1
História de rinorréia purulenta 1
Ausência de melhora com descongestionantes 1
Transiluminação anormal 1
Presença de secreção purulenta ao exame 1

Escore (número de pontos) Probabilidade de sinusite


0 9%
1 21%
2 40%
3 63%
4 81%
5 92%

45
Referência bibliográfica
Williams JW Jr, Simel DL. Does this patient have sinusitis? Diagnosing acute sinusitis by
history and physical examination JAMA 1993; 270:1242-6

Em neurologia
Probabilidade de demência multiinfarto (escore de isquemia de Hachinski)

Achado clínico Pontos


Início abrupto 2
Deterioração progressiva 1
Curso flutuante 2
Confusão noturna 1
Preservação da personalidade 1
Depressão 1
Queixas somáticas 1
Labilidade emocional 1
Hipertensão arterial sistêmica 2
História de AVE 2
Sintomas focais 2
Sinais focais 2
SEMIOLOGIA BASEADA EM EVIDÊNCIAS

Outros sinais de aterosclerose 1

Escore Diagnóstico
Maior ou igual a 5 Demência multiinfarto

Referência bibliográfica
Abscher JR, Sulzer Dl, Mahler ME, Fishman J. PC Analysis facilitates dementia diagnosis
Med Decis Mak 1994; 14: 393-402.

46
Em endocrinologia
Probabilidade de hipertireoidismo

Achado clínico Presente (pontos) Ausente (pontos)


Dispnéia aos esforços +1 0
Palpitações +2 0
Fadiga +2 0
Preferência por calor -5 0
Preferência por frio +5 0
Indiferente quanto à temperatura 0 0
Sudorese excessiva +3 0
Nervosismo +2 0
Aumento de apetite +3 0
Diminuição de apetite -3 0
Ganho de peso -3 0
Perda de peso +3 0
Tireóide palpável +3 -3
Sopro em tireóide +2 -2
Exoftalmia +2 0
Lid lag +1 0
Lid retraction +2 0
Movimentos hipercinéticos +4 -2

SEMIOLOGIA BASEADA EM EVIDÊNCIAS


Tremor fino de extremidades +1 0
Aumento da temperatura em mãos +2 -2
Pele úmida +1 -1
Fibrilação atrial +4 0
FC < 80 bpm -3 0
FC 80-90 bpm 0 0
FC > 90 bpm +3 0

Escore > 10 Menor ou igual a 10


Hipertireoidismo Eutireoidismo

Referência bibliográfica
Crooks J, Murray IPC, Wayne EJ. Statistical methods applied to the clinical diagnosis of
thyrotoxicosis. Q J Med 1959; 28: 211-34.

47
Probabilidade de hipotireoidismo
Achado clínico Presente (pontos) Ausente (pontos)
Diminuição de suor +6 -2
Pele seca +3 -6
Pele fria +3 -2
Intolerância ao frio +4 -5
Ganho de peso +1 -1
Constipação +2 -1
Rouquidão +5 -6
Parestesias +5 -4
Surdez +2 0
Lentidão de movimentos +11 -3
Espessamento de pele +7 -7
Edema periorbital +4 -2
FC < 75 bpm +4 -6
Hiporreflexia +15 -4

Escore > 30 Menor ou igual a 30


Hipotireoidismo Eutireoidismo

Referência bibliográfica
SEMIOLOGIA BASEADA EM EVIDÊNCIAS

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SEMIOLOGIA BASEADA EM EVIDÊNCIAS

49
3
RACIOCÍNIO CLÍNICO
APLICADO AO DIAGNÓSTICO
RICARDO M. XAVIER

O diagnóstico representa o núcleo da prática médica. É o elemento que irá funda-


mentar as outras duas funções essenciais do médico: prognosticar e tratar. Apesar
da sua reconhecida importância e interesse na prática médica, o processo diagnós-
tico não tem recebido a atenção necessária nos principais livros de medicina e
nos currículos das escolas médicas.
O raciocínio clínico, ou cognição clínica, compreende uma seqüência de even-
tos mentais utilizados pelos médicos durante a consulta médica. Inclui a percepção
das características da situação, o rápido acesso a hipóteses relevantes, a checagem
por sinais e/ou sintomas que confirmem ou descartem hipóteses competitivas e
a mobilização de conhecimentos relacionados para guiar a investigação e o trata-
mento.
Pesquisas sobre o raciocínio clínico têm utilizado a observação de como os
médicos especialistas funcionam de maneira efetiva, mesmo diante de informações
limitadas. O método hipotético-dedutivo, considerado como modelo clássico de
raciocínio clínico, e os modelos baseados em reconhecimento de padrões de
doença são oriundos dessa linha de pesquisa.
Outra abordagem, mais recente e baseada em pesquisas comportamentais
de processos de tomada de decisão, desenvolveu-se por meio da comparação do
desempenho humano com o modelo estatístico considerado como normativo de
raciocínio sob condições de incerteza, o teorema de Bayes, e em paralelo com a
ascensão dos conceitos da medicina baseada em evidências. A seguir discutire-
mos brevemente esses modelos de raciocínio clínico aplicado ao diagnóstico.

MODELOS DE RACIOCÍNIO DIAGNÓSTICO


Raciocínio hipotético-dedutivo
É caracterizado pela geração de um número limitado de hipóteses competitivas
a partir de pistas iniciais fornecidas pelo paciente e pela coleta de dados adicionais
para confirmar ou refutar cada hipótese. Mesmo quando o clínico é explicitamente
orientado a não gerar hipóteses, ele o faz de maneira rápida e automática logo
que recebe informações. As hipóteses geradas servem como contexto para obten-
ção de novas informações. Se o processo não produz uma solução inicial, o médico
gera e investiga novas hipóteses, resultando em um processo interativo (Figura
3.1).
Dada a capacidade limitada da memória de curta duração de lidar somente
com 5 a 10 itens, é provável que o médico mantenha um número pequeno de
hipóteses ativas a cada momento da elaboração diagnóstica. Portanto, muitas
hipóteses têm vida bastante curta e são logo substituídas por outras, embora as
hipóteses descartadas possam ressurgir posteriormente.
As pistas que iniciam a geração de hipóteses são variadas. Algumas vezes um
único sintoma, como disúria, ou um achado no exame físico, como fácies em
“lua cheia”, pode evocar uma possibilidade diagnóstica. Outras vezes, um único
dado laboratorial tem o mesmo efeito. Mais freqüentemente, no entanto, as
pistas são múltiplas: idade, sexo, raça, aparência e queixa principal são as mais
precoces e familiares.
Alguns fatores reconhecidamente importantes na geração de hipóteses diag-
nósticas incluem a prevalência da doença, a heurística (regras ou atalhos mentais
que foram aprendidos) e a gravidade da situação do paciente. O uso da prevalência
na evocação de hipóteses seria presumivelmente a maneira mais eficiente, mas
exige um maior armazenamento e processamento de memória, sendo raramente
utilizada na prática. Dessa forma, os médicos usam a heurística como atalho para
RACIOCÍNIO CLÍNICO APLICADO AO DIAGNÓSTICO

evocar hipóteses. A heurística de representatividade é uma abordagem que se

Dados da anamnese

Reconhecimento de padrões

Geração de hipóteses diagnósticas

Testagem de hipóteses

Hipótese de trabalho

Dados do exame físico

Dados de exames complementares

Figura 3.1 – Modelo hipotético-dedutivo.

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apóia na semelhança de um grupo de achados com aqueles de uma entidade
clínica bem-definida. Poliartrite e rigidez matinal evocam a possibilidade de artrite
reumatóide, por exemplo, mesmo que possam existir outras doenças, talvez até
mais prevalentes, que tenham esses mesmos achados. A heurística de disponibili-
dade envolve familiaridade com uma entidade clínica, seja por experiência mar-
cante ou recente, seja por achados não-usuais. Esse tipo de heurística explica
fatos tais como a presteza com que um médico experiente reconhece uma doença
rara pertencente ao âmbito de sua especialidade.

Reconhecimento de padrões
Os especialistas, diante de situações familiares, geralmente não recorrem a
um raciocínio hipotético-dedutivo explícito, mas são capazes de diagnosticar de
maneira rápida, automática e precisa, com a mesma facilidade com que reconhe-
cem a face de um conhecido. Esse processo de reconhecimento de padrões diag-
nósticos explica a maior eficiência diagnóstica do médico experiente comparada
com a do novato. Os padrões são arquivados na memória e podem ser rapidamen-
te acessados. Além disso, em geral esses padrões diagnósticos são armazenados
em associação com condutas-padrão.
Existem várias teorias que tentam explicar como essa “experiência” é arquivada
na memória e tão prontamente acessada. Por muito tempo assumiu-se que a

RACIOCÍNIO CLÍNICO APLICADO AO DIAGNÓSTICO


informação sobre um novo caso é comparada com um caso protótipo (reconheci-
mento baseado em casos exemplares marcantes) ou com um modelo abstrato,
que se desenvolve pela compilação e compressão de informações de casos sucessi-
vos em um modelo único, que se torna suficientemente detalhado para conter
todas as variações da doença. Diferenças entre bons e maus diagnosticistas seriam
explicadas pela variação do conteúdo e da complexidade de seus modelos abs-
tratos.
Outra teoria pressupõe que o conhecimento é armazenado em estruturas
simbólicas conhecidas como roteiros (scripts) cuja principal função seria construir
interpretações de situações. Em medicina, um roteiro de doença consistiria de
cenários paciente-específicos, agentes causais e manifestações clínicas em conjun-
to com relações causais e cronológicas. Durante a avaliação diagnóstica, um ou
mais roteiros seriam ativados (fase de ativação) de maneira automática, seguindo-
se então a fase de processamento, com a busca de evidências para confirmar ou
descartar, de maneira deliberada, seguindo o modelo hipotético-dedutivo.

Raciocínio causal
O raciocínio causal é um aspecto do processo diagnóstico baseado em relações
de causa-efeito entre variáveis clínicas. É uma função dos elementos anatômicos,
fisiológicos e bioquímicos do organismo e dos processos fisiopatológicos dos
mesmos. Por exemplo, diante de um paciente com hipocalemia, o médico pode
inicialmente levantar hipóteses diagnósticas mais comuns, como uso de diuréticos,
por meio de raciocínio heurístico. Mas, caso as hipóteses mais comuns sejam
afastadas, o médico poderá recorrer ao seu conhecimento de fisiologia renal
para identificar outras causas mais raras, como acidose tubular renal.

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O raciocínio causal geralmente é mais empregado na fase final do refinamento
das hipóteses, na formulação de uma hipótese de trabalho, quando o médico
procura entender todos os problemas clínicos dentro de um modelo fisiopatológico
e testar a coerência do diagnóstico, ou seja, se as associações causa-efeito são
razoáveis e apropriadas.

Abordagem probabilística formal


A evolução do processo diagnóstico, conforme o modelo hipotético-dedutivo,
leva à geração de hipóteses diagnósticas e a uma constante reavaliação de suas
probabilidades a partir da incorporação de novas informações. Do ponto de vista
da teoria da análise de decisão, o modelo matemático normativo para esse tipo
de tarefa é o teorema de Bayes. A probabilidade pré-teste (antes da incorporação
de uma nova informação) é a prevalência da doença ou a idéia subjetiva do
médico da probabilidade da doença. Com a obtenção de cada nova informação,
as probabilidades de cada possibilidade diagnóstica são revisadas continuamente.
A probabilidade pós-teste é uma função de duas variáveis, a probabilidade pré-
teste e a força da evidência, definida como a razão de probabilidade (likelihood
ratio), que é a razão das probabilidades de se observar um achado particular em
pacientes com e sem a doença de interesse. Cada probabilidade pós-teste passa
a ser a probabilidade pré-teste para revisão diante de uma nova informação,
RACIOCÍNIO CLÍNICO APLICADO AO DIAGNÓSTICO

desde que as informações sejam condicionalmente independentes.*


A aplicação clínica de regras preditivas pode apresentar desempenho superior
ao julgamento humano. Essa tem sido a razão para o desenvolvimento de protoco-
los de investigação. No entanto, existem algumas limitações ao uso rotineiro
desses protocolos. A maior parte das informações de que o médico dispõe sobre
o seu paciente é imperfeita, seja ela oriunda da anamnese, de exame físico ou do
exames complementares; o mesmo ocorre em relação às informações sobre a
prevalência e probabilidade prévia das doenças. Essas limitações, aliadas a um
certo temor de perda da autoridade e autonomia profissionais, têm provocado
resistência da classe médica para adoção dos protocolos clínicos.
Apesar das dificuldades e limitações, o uso de metodologias formais de análi-
se de decisão para elaboração de protocolos de investigação e terapia apresenta
significativa utilidade, a saber:
1. Resume as informações relevantes da literatura em formato facilmente apli-
cável na prática clínica. Essa formatação pode servir como estrutura de

*Dois testes são considerados condicionalmente independentes se a sensibilidade e a espe-


cificidade de cada teste são as mesmas e se o outro teste é positivo ou negativo. Infelizmente,
para os achados do exame físico existe pouquíssima informação disponível sobre independên-
cia, e o clínico precisa fazer o julgamento. Como regra geral, achados que tenham mecanis-
mos fisiopatológicos distintos são independentes (p. ex., distensão de veias jugulares e terceira
bulha em pacientes com suspeita de insuficiência cardíaca são independentes, mas distensão
de veias jugulares e edema de membros inferiores não o são, pois ambos são expressão da
elevação da pressão no átrio direito).

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base para a aplicação de tecnologias de informação de apoio à decisão
médica.
2. Evidencia deficiências na informação presente na literatura, indicando áreas
que devem ser melhor investigadas. Maior conhecimento das características
diagnósticas dos diversos achados de anamnese e exame clínico, bem como
do impacto dos exames complementares no desfecho clínico, são alguns
exemplos de áreas que urgentemente necessitam de mais estudos.

A hipótese de trabalho
A finalidade primordial do diagnóstico é oferecer ao médico informações sobre
as condições de saúde do paciente que o auxiliem na tomada de decisões clínicas,
tais como informar, educar e aconselhar o paciente, requisitar exames complemen-
tares, solicitar consultorias a outros médicos, prognosticar e indicar tratamentos.
Devido à usual complexidade e individualidade dos problemas de saúde (doença
sobreposta em uma individualidade biopsicossocial), raramente existe certeza
absoluta no diagnóstico, mesmo com o emprego das modernas tecnologias pro-
pedêuticas disponíveis. Portanto, o diagnóstico é uma inferência sobre o problema
de saúde do paciente. Deve ser considerado como uma “hipótese de trabalho”,
como um meio para a tomada de decisão relativa à promoção da saúde, e não
como um fim em si mesmo. Daí decorre que:

RACIOCÍNIO CLÍNICO APLICADO AO DIAGNÓSTICO


1. A suposição de que o diagnóstico precisa ser exato e completo para que a
conduta médica possua uma base científica sólida é um ideal inviável. Um
certo grau de incerteza é parte invariável da prática médica e não exime o
médico de tomar decisões. Essas requerem ponderação sensata e apoiada
em estimativas da relação benefício/risco-custo.
2. Deve haver integração entre o processo diagnóstico e as alternativas terapêuti-
cas disponíveis. Uso de recursos propedêuticos que não tenham perspectiva
de influenciar a tomada de decisão em benefício do paciente é fútil e pode
expor o paciente a riscos iatrogênicos desnecessários. Fere, portanto, dois
princípios éticos fundamentais: o da beneficiência e o da não-maleficiência.

VERIFICAÇÃO DIAGNÓSTICA
Antes de um diagnóstico ser aceito como hipótese de trabalho, ele deve ser
submetido a um processo detalhado de validação, conhecido como verificação
diagnóstica. Esse processo faz uma checagem final dos achados do paciente contra
padrões conhecidos da(s) doença(s) em suspeita.
Diante da necessidade de tomar decisões em situações de incerteza diagnóstica,
alguns critérios são úteis para ajudar a decidir se uma determinada hipótese
diagnóstica se qualifica como hipótese de trabalho:
1. Prova da suficiência: uma hipótese é considerada suficiente (ou adequada)
quando ela explica todos os dados positivos relevantes.
2. Prova da coerência: quando os dados encontrados no paciente são consisten-
tes com os mecanismos fisiopatológicos. Nessa etapa, o modelo de raciocínio
causal é particularmente efetivo.

55
3. Prova da parcimônia: diz respeito à capacidade de a hipótese diagnóstica
oferecer a explanação mais simples possível para todos os dados do paciente.
É válida para manifestações que surgem em pessoas previamente hígidas,
mas algumas vezes mais de um diagnóstico será necessário para explicar
todos os achados, principalmente em pacientes com doenças crônicas.
4. Falsificação: pesquisa de achados que sejam claramente inconsistentes com
a hipótese.Várias hipóteses que permanecem ativas são confrontadas umas
com as outras.
5. Probabilidade da hipótese diagnóstica: a credibilidade de uma hipótese diag-
nóstica depende também da sua probabilidade. As hipóteses mais comuns
possuem maior probabilidade de serem verdadeiras do que as raras.
Mesmo após todos os esforços necessários e suficientes para identificar a
hipótese diagnóstica mais plausível, ainda permanecerá um grau considerável de
incerteza. Portanto é o julgamento do médico, englobando conhecimento técnico,
experiência e bom senso, avaliando risco-custo/benefício, que definirá quando
uma probabilidade encontra-se suficientemente verificada para servir de base
para as decisões de prognóstico e tratamento (Figura 3.2).

ERROS COGNITIVOS NO PROCESSO DIAGNÓSTICO


RACIOCÍNIO CLÍNICO APLICADO AO DIAGNÓSTICO

Erros diagnósticos podem ser considerados como falácias no raciocínio clínico


normal. Esses erros podem ser classificados conforme as categorias do processo
diagnóstico.

A hipótese explica Os dados esperados


todos os dados? estão presentes?

Não Sim Dados Sim Não


inespecíficos
Dados
específicos

Número
de doenças Hipótese possível Hipótese
não-comprovada comprovada

1 >1 Dados ausentes Dados ausentes


indispensáveis dispensáveis

Hipótese Hipótese Hipótese Hipótese


refutada não-refutada refutada não-refutada

Figura 3.2 – Verificação da hipótese diagnóstica.

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Classificação dos erros cognitivos:
1. Falha na geração de hipóteses
2. Falha na formulação do contexto
3. Falha na coleta e no processamento de dados
a. Estimativa incorreta da prevalência da doença
b. Interpretação incorreta do resultado de um teste
c. Modelo causal falho
d. Supervalorização de axiomas clínicos
4. Falha na verificação
5. Erros “sem falhas” (ocorrem mesmo diante da atuação “perfeita” do médico)
Falhas no raciocínio clínico que provocam erros diagnósticos presumivelmente
são conseqüências de conhecimento inadequado, defeito no processamento das
informações ou uma combinação desses dois. Em alguns casos, a falha na geração
de hipóteses pode ser atribuída à interpretação imprópria das pistas clínicas, dificul-
dade em reconhecer as pistas que levantariam a hipótese de uma determinada
doença ou ausência de conhecimento para evocar a doença. Outro erro ocorre
quando um diagnóstico correto é eliminado mesmo quando os achados clínicos
são consistentes com o diagnóstico. Esse erro pode ser relacionado com expecta-
tivas excessivamente específicas para a doença. Nesses casos, o médico presu-

RACIOCÍNIO CLÍNICO APLICADO AO DIAGNÓSTICO


mivelmente construiu um modelo abstrato da doença inadequado, talvez muito
restrito. Outras vezes o médico não consegue reconhecer que os achados observa-
dos são incompatíveis com a doença suspeita (falha na verificação), talvez também
devido a um modelo abstrato inadequado, dessa vez muito amplo. O fechamento
precoce do raciocínio diagnóstico, com a definição de uma hipótese de trabalho
que não foi suficientemente validada, é outra causa freqüente de erro.
Erros de estimativa e revisão de probabilidades têm sido particularmente estu-
dados, utilizando-se análises formais, e serão discutidos com mais detalhes a
seguir.

Erros na estimativa de probabilidade


1. Disponibilidade: relacionado à heurística de disponibilidade. Tendência de
superestimar a freqüência de eventos marcantes ou facilmente lembrados
e de subestimar a freqüência de eventos muito comuns ou difíceis de lem-
brar. Tendência de enfatizar condições raras, pois esses casos são mais me-
moráveis do que os problemas comuns.
2. Representatividade: relacionado à heurística de representatividade. Estimar
a probabilidade de uma doença pelo julgamento de quão similar um caso é
em relação a um protótipo ou categoria diagnóstica pode levar à superes-
timação da probabilidade de duas maneiras: primeiro a probabilidade pós-
teste pode ser confundida com a sensibilidade de um teste relevante (febre
é um achado típico de meningite, mas a probabilidade de meningite tendo-
se como dado somente febre é muito baixa); segundo, a representatividade
negligencia a prevalência basal das doenças e considera todas as hipóteses
como igualmente prováveis.

57
3. Distorções probabilísticas: estudos de teorias de tomada de decisão em situa-
ção de risco indicam que, principalmente diante de situações em que as
probabilidades não são precisamente conhecidas, há uma tendência
cognitiva de se aumentar o peso de eventos de baixa probabilidade e dimi-
nuir o peso de eventos de alta probabilidade.
4. Teoria do suporte: estimativas subjetivas de probabilidade de um evento são
influenciadas pelo grau do detalhamento de sua descrição. Descrições mais
explícitas geram estimativas maiores do que descrições mais resumidas.
Clinicamente, essa teoria prediz que descrições de casos mais longas e de-
talhadas receberão uma maior probabilidade subjetiva do que uma descrição
resumida, mesmo que se trate da mesma doença.

O APRENDIZADO DO RACIOCÍNIO CLÍNICO


Encontros supervisionados repetidos com pacientes, suplementados com estudo
independente, é o formato usual para a acumulação da base teórica da medicina
clínica. Não há dúvida de que o conhecimento dos fatos médicos é o determinante
essencial do desempenho clínico ótimo. No entanto, a capacidade de resolução
de problemas clínicos também é fundamental. Como discutimos, tal tarefa envolve
uma gama variada de atividades cognitivas: coleta de informação confiável, evoca-
RACIOCÍNIO CLÍNICO APLICADO AO DIAGNÓSTICO

ção de um grupo de hipóteses diagnósticas, síntese dos achados clínicos do pacien-


te de maneira coerente, comparação de tais achados com modelos aceitos de
doenças, seleção de testes diagnósticos que ajudam a diferenciar entre as hipóte-
ses, estabelecimento de um diagnóstico suficientemente aceitável para evocar
uma ação e tomada de decisões que compreendam a relação entre riscos e bene-
fícios dos testes e tratamentos.
Como se poderia melhorar a maneira de ensinar o raciocínio clínico? Com
uma compreensão mais aprofundada do processo geral de resolução de proble-
mas, incluindo noções de delimitação do problema, raciocínio inferencial, caracte-
rísticas da memória e aplicação de heurísticas, torna-se possível tentar desenvolver
novas estratégias de ensino e treinamento do raciocínio clínico. Por exemplo,
duas inovações recentes na educação de graduação e residência médica, o ensi-
no baseado em problemas e a medicina baseada em evidências, são consistentes
com as implicações desses conhecimentos:
1. O ensino baseado em problemas (EBP) pode ser entendido como um esforço
para introduzir geração e teste de hipóteses clínicas em um currículo básico
dominado pelas ciências biológicas. A teoria cognitivo-pedagógica subja-
cente é a de que os médicos experientes utilizam o método hipotético-
dedutivo na resolução de diagnósticos difíceis, como seriam praticamente
todos os problemas clínicos para o aluno na fase inicial do curso, e que
haveria necessidade de ajudar os estudantes a adquirir uma organização
funcional do conteúdo teórico por meio de esquemas clinicamente úteis
(como os modelos protótipos abstratos das doenças ou os roteiros clínicos).
2. Abordagens bayesianas práticas deveriam ser exploradas. A medicina basea-
da em evidências pode ser encarada como o esforço mais recente, e mais

58
bem-sucedido, de aplicação desses métodos ao diagnóstico clínico. O uso
de razão de probabilidades para quantificar a força da evidência clínica e a
demonstração de como essa medida pode ser combinada com a prevalência
da doença para gerar uma probabilidade pós-teste seriam maneiras de se
enfatizar o papel dos dados no raciocínio clínico e encorajar os médicos a
confiar em seu julgamento para aplicação dos resultados dos estudos publi-
cados nos seus pacientes.

CONCLUSÕES
As pesquisas sobre o raciocínio clínico empregado na resolução de problemas
diagnósticos, apesar de todas as suas limitações, demonstraram que os médicos
experientes utilizam abordagens variadas, envolvendo processos de geração de
hipóteses diagnósticas em fases bastante precoces do encontro clínico, assim
como a formulação de um contexto a partir dessas hipóteses, que serve como
guia para a obtenção de informações adicionais que a confirmem ou refutem, e
estratégias finais de discriminação e validação das hipóteses mais prováveis. Para
a geração de hipóteses, o emprego de heurísticas e de reconhecimento de padrões
é eficiente e poderoso, mas também está correlacionado a distorções no julgamen-
to de probabilidades. Por isso, há a necessidade de que essas hipóteses sejam

RACIOCÍNIO CLÍNICO APLICADO AO DIAGNÓSTICO


testadas e validadas para se evitar o fechamento precoce do raciocínio diagnósti-
co. As abordagens probabilísticas formais, como o teorema de Bayes e a teoria
da tomada de decisão, permitem identificar diversas limitações do julgamento
clínico na estimativa de probabilidades e direcionam a atenção para a importância
da avaliação da probabilidade pré-teste e do impacto de cada evidência clínica
obtida. Essas abordagens formais oferecem ainda maneiras estruturadas de se
resumir o conhecimento acumulado a partir das pesquisas clínicas por meio da
construção de protocolos baseados em evidências que, sem a pretensão de substi-
tuir o julgamento clínico, servem de apoio à tomada de decisão, inclusive com a
possibilidade de emprego de tecnologias de informática.
O conhecimento mais aprofundado dos processos cognitivos diagnósticos
tem como um resultado prático a possibilidade de identificação das causas mais
comuns de falhas no processo diagnóstico, que devem ser sempre cuidadosamente
analisadas pelo médico para garantir uma melhora contínua de sua competência
diagnóstica. Outra área de grande impacto desse conhecimento é no ensino
médico, que não vem lhe dispensando a atenção devida. Abordagens inovadoras,
como o ensino baseado em problemas e a ênfase na exposição clínica precoce e
supervisionada do aluno, são consistentes com as teorias atuais de raciocínio
clínico e devem ser progressivamente melhor empregadas e estudadas. Devemos
ressaltar, ainda, a importância da anamnese no processo diagnóstico. Essa, além
de compreender a fase na qual a maior parte do raciocínio diagnóstico ocorre,
mantém inalterada a sua posição de ser o mais eficiente recurso diagnóstico,
aquele que fornece a maioria dos dados clínicos relevantes, apesar de todo o
progresso da tecnologia moderna.

59
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS
Charlin, B, Tardif, J, Boshuizen, HPA. Scripts and medical diagnostic knowledge: theory and
applications for clinical reasoning instruction and research. Acad Med 2000; 75:182-90.

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de Janeiro: Guanabara Koogan; 1999.

Elstein AS, Schwartz A. Clinical problem solving and diagnostic decision making: a selective
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Kassirer JP, Kopelman RI. Learning clinical reasoning. Baltimore: William & Wilkins; 1991.

López, M. O processo diagnóstico nas decisões clínicas: ciência – arte – ética. Rio de Janeiro:
Livraria e Editora Revinter; 2001.

McGee, S. Evidence-based physical diagnosis. Philadelphia: W.B. Saunders Co.; 2001.

Schmidt HG, Norman GR, Boshuizen HPA. A cognitive perspective on medical expertise:
theory and implications. Acad Med 1990; 65:611-21.
RACIOCÍNIO CLÍNICO APLICADO AO DIAGNÓSTICO

60
4
SINAIS VITAIS
BEATRIZ GRAEFF SANTOS SELIGMAN
RENATO SELIGMAN
SANDRA WAJNBERG
ELVINO BARROS

Os sinais vitais costumam ser apresentados como a parte inicial do exame físico,
já que fornecem informações primordiais das funções básicas do organismo. São
imprescindíveis para detecção e monitorização das condições de saúde e doença
de cada indivíduo.
Os sinais vitais monitorizados rotineiramente são:
Q Freqüência cardíaca
Q Temperatura corporal
Q Freqüência respiratória
Q Pressão arterial

FREQÜÊNCIA CARDÍACA
A freqüência cardíaca pode ser avaliada no início do exame físico ou junto com o
exame cardiovascular. Habitualmente, usam-se os pulsos radial, braquial ou ca-
rotídeo para tal verificação. Nas situações de rotina, quando não há alterações
nas características do ritmo ou variações de amplitude do pulso, a freqüência
cardíaca é verificada pela palpação do pulso radial.

Método
Q Fique de frente para o paciente.
Q Segure o punho do paciente com a mão livre (sem relógio, a mão direita do
paciente com a sua direita ou a mão esquerda do paciente com a sua esquer-
da). Mantenha-o confortável.
Q Comprima a artéria radial com seus dedos indicador e médio.
Q Verifique se o pulso está regular ou irregular.
Q Verifique o número de batimentos em 15 segundos e multiplique por 4 (se
o pulso estiver regular). Se irregular, verifique em 60 segundos no pulso
radial e confirme a freqüência cardíaca com a ausculta do precórdio com o
estetoscópio.
Interpretação
Os valores habituais para um adulto em repouso variam de 60 a 100 bati-
mentos por minuto (bpm) – crianças costumam apresentar freqüência cardíaca
mais elevada. A taquicardia é definida como freqüência cardíaca acima de 100
bpm. Pode ser encontrada em situações como ansiedade, febre, dor, hipertireoi-
dismo, anemia, exercício, inflamação, hipovolemia (acompanhada de hipotensão
postural), isquemia miocárdica, embolia pulmonar, ou choque, e associada ao
uso de álcool, nicotina ou drogas simpaticomiméticas. A taquicardia persistente
pode ser um sinal inicial de insuficiência cardíaca.
A bradicardia é definida como freqüência cardíaca inferior a 60 bpm. Pode
ser normal em indivíduos com bom condicionamento físico e atletas e durante o
sono, ou pode estar associada a medicamentos (betabloqueadores, clonidina,
propafenona, bloqueadores do canal do cálcio), hipotireoidismo, elevação da
pressão intracraniana, distúrbios do sistema de condução e hipotermia. Pode
acompanhar estados de vômitos e náusea.

Freqüência cardíaca
Q Normal (adultos): 60-100 bpm
Q Taquicardia: > 100 bpm
Q Bradicardia: < 60 bpm

TEMPERATURA
Febre e hipertermia
A temperatura do organismo é mantida em níveis normais apesar de uma
SINAIS VITAIS

grande variação da temperatura ambiental e da atividade metabólica. É regulada


pelo centro termorregulador, que equilibra a produção de calor com a dissipação
do mesmo. Na febre esse equilíbrio é rompido e ocorre o aumento da tempera-
tura. A elevação da temperatura pode ser resultado de aumento da produção de
calor (calafrios) ou diminuição da perda (vasoconstrição periférica). Determinados
estímulos promovem a produção de citocinas pirogênicas (interleucina 1 e 6,
fator de necrose tumoral e interferon gama) pelos monócitos e macrófagos, que
levarão a um aumento de temperatura por sua ação sobre o hipotálamo.
Chama-se hipertermia o aumento da temperatura que não é mediado pelas
citocinas pirogênicas, mas por aumento da produção metabólica de calor ou por
sobrecarga de calor ambiental. A síndrome neuroléptica maligna (provocada por
fármacos) e a insolação são exemplos de hipertermia. A hipertermia não respeita
o padrão circadiano.
Apesar de encontrarmos referências a respeito de temperatura oral na literatura
internacional, esse procedimento não é prático e tampouco econômico, pois de-
manda o uso de termômetros individuais. Em nosso meio, medimos a temperatura
axilar e, em casos selecionados, a temperatura retal. A temperatura retal é mais
confiável, sendo de 0,5 a 1oC mais elevada que a axilar.
A temperatura normal apresenta variação circadiana, sendo menor às 6 horas
e elevando-se de 0,5 a 1oC entre 16 e 18 horas. O limite máximo normal para a
temperatura axilar é de 36,3oC às 6 horas e 37,3oC às 16 horas (correspondendo

62
a 37,2 e 37,7oC de temperatura oral, respectivamente), definindo o percentil 99
dos indivíduos saudáveis entre 18 e 40 anos.

Para efeitos práticos, considera-se a temperatura axilar igual ou superior a


37,8oC como sendo febre em qualquer horário.

No ciclo menstrual, a temperatura tende a elevar-se em cerca de 0,5oC após


a ovulação. Ocorre leve elevação sustentada da temperatura no primeiro trimestre
da gestação.
O termômetro deve ser colocado sob a axila seca, permanecendo por 3 minutos.

Padrões de febre
A febre pode apresentar diferentes padrões, como contínua, remitente, inter-
mitente e recorrente.
Persistente ou contínua (Figura 4.1): elevação persistente da temperatura com
mínima variação. Por exemplo, febre tifóide.

41

39
Febre
Tax

persistente
37

SINAIS VITAIS
35
Dias

Figura 4.1 – Febre persistente.

Remitente (Figura 4.2): flutuações diárias maiores que 2oC, sendo que a tempera-
tura não retorna aos níveis normais. Por exemplo, tuberculose, viroses, infecções
bacterianas, processos não-infecciosos.

41

39
Febre
Tax

remitente
37

35
dias

Figura 4.2 – Febre remitente.

63
Intermitente (Figura 4.3): existe um exagero no ritmo circadiano normal. A
temperatura volta ao normal a cada dia, mas depois aumenta novamente. Quando
essa variação é muito grande, a febre é denominada séptica.

41

39
Tax

Febre
intermitente
37

35
dias

Figura 4.3 – Febre intermitente.

Recorrente ou recidivante (Figura 4.4): os episódios de febre são separados por


longos intervalos de temperatura normal. Por exemplo, malária, linfomas, infec-
ções piogênicas, febre de arranhadura do gato.
SINAIS VITAIS

41

39
Febre
Tax

recorrente
37

35
dias

Figura 4.4 – Febre recorrente ou recidivante.

FREQÜÊNCIA RESPIRATÓRIA
Q A freqüência respiratória (FR) é mais acurada quando o paciente não percebe
que está sendo avaliado.
Q A freqüência pode ser aferida após a verificação do pulso ou durante a
realização do exame do sistema respiratório.
Q A FR no adulto varia de 12 a 20 movimentos respiratórios por minuto (mpm).
Q A taquipnéia é definida como FR maior que 20 mpm. Pode ser encontrada
em diversas situações, como hipoxemia, acidose, dor, ansiedade etc.

64
Q A bradipnéia é definida como FR menor que 12 mpm. Pode ser encontrada
em hipotermia, distúrbios do sono, acidentes vasculares cerebrais, tumores
cerebrais com aumento da pressão intracraniana, uso de anestésicos etc.
FR normal = 12 a 20 mpm
Taquipnéia = FR > 20 mpm
Bradipnéia = FR < 12 mpm

Padrões respiratórios
Respiração de Kussmaul (Figura 4.5): a respiração aumenta em freqüência e profun-
didade. É vista em estados de acidose metabólica, como na cetoacidose diabética,
nefropatias, intoxicação por medicamentos (salicilatos) etc.

Figura 4.5 – Respiração de Kussmaul.

SINAIS VITAIS
Respiração de Cheyne-Stokes (Figura 4.6): respiração irregular, que cessa totalmente
por cerca de 15 segundos, tornando-se depois perceptível, embora muito lenta,
em seguida pouco a pouco rápida e intensa e, depois, cessa gradativamente de
novo. Este período dura cerca de 1 minuto, com aproximadamente 30 mpm.
Pode ser encontrada em insuficiência cardíaca, tumores cerebrais, meningites,
intoxicações severas etc.

Figura 4.6 – Respiração de Cheyne-Stokes.

65
PRESSÃO ARTERIAL
A aferição correta da pressão arterial é fundamental na abordagem do paciente,
e alguns estudos clínicos têm demonstrado que eventualmente sua verificação
não é realizada de forma adequada.
Para a verificação dos sinais vitais de rotina, a pressão arterial é medida pelo
método indireto, utilizando-se a técnica auscultatória, com estetoscópio e esfig-
momanômetro aneróide ou de coluna de mercúrio. O aparelho aneróide deve
ser periodicamente calibrado e testado a cada seis meses. O paciente deve manter-
se em repouso por 20 minutos antes da medida, sem ter ingerido cafeína ou
fumado 30 minutos antes. O manguito deve envolver pelo menos 80% do braço
do paciente.
Em cada consulta, deverão ser realizadas pelo menos duas medidas da pressão
arterial, com intervalo de 1 a 2 minutos. Na primeira avaliação, as medições
devem ser realizadas em ambos os membros superiores. Havendo diferença entre
os níveis, considerar sempre o de maior pressão.
A seguir, são apresentados os cuidados durante o procedimento (Tabela 4.1),
as dimensões aceitáveis da bolsa de borracha para braços de diferentes tamanhos
(Tabela 4.2), os critérios diagnósticos e a classificação da PA em adultos acima de
18 anos (Tabela 4.3), de acordo com as diretrizes da Sociedade Brasileira de
Hipertensão, disponíveis em www.sbh.org.br/download/diretrizes.
A posição recomendada para a medida da pressão arterial é a sentada, mas a
medida na posição ortostática deve ser feita na primeira avaliação do paciente,
bem como em idosos, diabéticos, portadores de disfunção autonômica, alcoolistas
e em pacientes usando anti-hipertensivos. Os pacientes hospitalizados sem condi-
SINAIS VITAIS

ção de mover-se para a verificação na posição sentada podem ter sua PA medida
na posição deitada – nesses casos, deve-se relatar a posição e o braço em que foi
verificada a PA no relatório do exame físico.

Situações especiais
Hipotensão postural
Com a mudança de decúbito, o sangue é represado nas extremidades e no
abdome, resultando em uma queda abrupta do retorno venoso. Com isso, o
débito cardíaco cai, e as respostas compensatórias são desencadeadas através
dos barorreceptores para estimular a atividade simpática: aumento da freqüência
cardíaca, contratilidade e resistência vascular sistêmica, visando a manter uma
PA estável no ortostatismo.
Definição de hipotensão postural
Q Queda de 20 mmHg na PA sistólica ou 10 mmHg na diastólica com a troca
da posição deitada para ortostática após três minutos.
Q Principais significados: hipovolemia, sangramento agudo, disfunção auto-
nômica, instabilidade hemodinâmica, drogas, entre outros.
Verificação da PA em crianças
Q Manguito: a largura deve corresponder a 40% da circunferência do braço
e o comprimento a 80 a 100% da circunferência do braço.

66
Tabela 4.1 Procedimento de medida da pressão arterial

1. Explicar o procedimento, orientar para que o paciente não fale e deixar que
mantenha-se relaxado por 5 a 10 minutos em ambiente calmo.
2. Atentar para que o paciente não esteja com a bexiga cheia, não tenha realizado
exercícios nos últimos 60 a 90 minutos, não mantenha as pernas cruzadas e
não tenha ingerido álcool, alimentos nem fumado nos últimos 30 minutos.
3. Observar o manguito: tamanho adequado ao braço do paciente, 2 a 3 cm da
fossa antecubital, centralizando a bolsa de borracha sobre a artéria braquial.
A largura da bolsa de borracha deve corresponder a 40% da circunferência
do braço, e o comprimento deve envolver pelo menos 80% do braço.
4. Manter o braço do paciente na altura do coração, livre de roupas, com a
palma da mão voltada para cima e o cotovelo ligeramente fletido.
5. Posicionar os olhos no mesmo nível da coluna de mercúrio ou do mostrador
do manômetro aneróide.
6. Palpar o pulso radial e inflar o manguito até o seu desaparecimento, para
estimar a pressão sistólica. Desinflar rapidamente e aguardar um minuto antes
de voltar a inflar.
7. Posicionar a campânula do estetoscópio suavemente sobre a artéria braquial,
na fossa antecubital, evitando a compressão excessiva.
8. Inflar rapidamente até 20 a 30 mmHg acima da PA sistólica. Proceder à defla-
ção, com velocidade constante de 2 a 4 mmHg/s. Após a identificação do
som que determina a PAS, aumentar a velocidade para 5 a 6 mmHg a fim de
evitar desconforto para o paciente.
9. Observar a pressão sistólica: determinada no primeiro som (fase I de

SINAIS VITAIS
Korotkoff), seguido de batidas regulares que se intensificam com o aumento
da velocidade de deflação. Pressão diastólica: determinada pelo desapareci-
mento do som (fase V). Auscultar cerca de 20 a 30 mmHg abaixo do último
som para confirmar seu desaparecimento e depois desinflar completamente.
Quando os batimentos persistirem até o nível zero, definir a diastólica no
abafamento dos sons (fase IV), anotando PA sistólica/diastólica/zero.
10. Registrar: PA sistólica e diastólica, complementando com a posição do paciente,
o tamanho do manguito e o braço em que foi feita a medida. Não arredondar
os valores da pressão arterial para dígitos terminados em zero ou cinco.
11. Esperar 1 a 2 minutos antes de realizar novas medidas.
12. Informar ao paciente sobre os valores obtidos da pressão arterial e a possível
necessidade de acompanhamento.

Q Determinação da pressão diastólica na fase V de Korotkoff.

Verificação da PA em idosos
Q É mais freqüente a lacuna auscultatória (desaparecimento dos sons na aus-
culta durante a deflação do manguito: pode subestimar a sistólica ou supe-
restimar a diastólica). Deve-se dar especial atenção ao cuidado de inflar o
manguito 20 a 30 mmHg após o desaparecimento do pulso e só então
desinflá-lo lentamente auscultando os sons de Korotkoff.

67
Tabela 4.2 Dimensões aceitáveis de bolsa de borracha para braços de
diferentes tamanhos

Circunferência Denominação Largura do Comprimento


do braço (cm) do manguito manguito (cm) da bolsa
≤6 Recém-nascido 3 6
6-15 Criança 5 15
16-21 Infantil 8 21
22-26 Adulto pequeno 10 24
27-34 Adulto 13 30
35-44 Adulto grande 16 38
45-52 Coxa 20 42

Q Pseudo-hipertensão: PA elevada pela maior rigidez das artérias quando a


PA é verificada apenas insuflando o manguito.
Obesos ou desnutridos
Q Não confiar em medidas com manguito inapropriado.

Diferença entre hipertensão e pressão arterial elevada


Q Medidas de pressão isoladas em geral não fazem o diagnóstico de hiperten-
são.
Q Síndrome do avental branco: pacientes têm a PA elevada no momento da
SINAIS VITAIS

consulta com o médico, mas não em momentos posteriores.

Classificação da pressão arterial


O diagnóstico da hipertenção é realizado após pelo menos duas medidas –
idealmente várias aferições posteriores e determinação do risco cardiovascular
total, bem como definição de danos associados a órgãos-alvo.
A classificação segue as diretrizes da Sociedade Brasileira de Hipertenção. Já
no VIIth Report of the Joint National committe on Prevention, Detection, Evaluation
and Tretment of high Blood Pressure, Jama, 2003, a pressão normal é definida
como PA sistólica inferior a 120 mmHg e diastólica inferior a 80 mmHg. Pressões

Tabela 4.3 Classificação da pressão arterial (> 18 anos) mmHg

Classificação Pressão sistólica Pressão diastólica


Normal < 120 e < 80
Pré-hipertenção < 120-139 ou 80 < 89
Hipertenção estágio 1 140-159 ou 85-89
Hipertenção estágio 2 ≥ 160 ou ≥ 100

68
sistólicas entre 120-139 e diastólicas entre 80-89 são classificadas como pré-
hipertensão, devendo ser encorajadas mudanças de estilo de vida.
O valor mais alto de sistólica ou diastólica estabelece o estágio do quadro
hipertensivo. Quando as pressões sistólicas e diastólica situam-se em categorias
diferentes, a maior deve ser utilizada para a classificação do estágio.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS


Bates B, Bicley LS, Hoekelman RA. Physical examination and history taking. 6th ed.
Philadelphia: JB Lippincott; 1995.

Braunwald E, Zipes DP, Libby P. Heart Disease: a textbook of cardiovascular medicine. 6th ed.
Philadelphia: W.B. Saunders Company; 2001.

Mackowiak PA. Concepts of fever. Arch Intern Med 1998; 158:1870-81.

Pizzo PA. Fever in immunocompromised patients. N Engl J Med 1999; 341:893-900.

Mourad O, Palda V, Detsky AS. A comprehensive evidence-based approach to fever of


unknown origin. Arch Intern Med 2003; 163(5):545-51.

Thermoregulation and the pathogenesis of fever: an update. An N Y Acad Sci 1998; 856:76.

The seventh Report of the Joint National Committee on Prevention, Detection, Evaluation
and Treatment of High Blood Pressure: the JNC 7 report. JAMA. 2003 May 21; 289(19):
2560-72. Epub 2003 May 14. Erratum in: JAMA 2003 Jul 9; 290(2): 197.

Sites recomendados
Sociedade Brasileira de Hipertensão:

SINAIS VITAIS
www.sbh.org.br

International Academy of Cardiology:


www.cardiologyonline.com

69
5
ECTOSCOPIA
TANIA WEBER FURLANETTO
BEATRIZ GRAEFF SANTOS SELIGMAN

A ectoscopia é feita pela inspeção do indivíduo. Inicia, portanto, no primeiro


contato com o paciente. Embora seja descrita no exame clínico, deve ser iniciada
durante a entrevista.
O aspecto geral do indivíduo, sua expressão facial, a maneira como fala e se
movimenta, seu cheiro e outros dados obtidos durante a inspeção fornecem
informações valiosas a respeito do seu estado de saúde.
A ectoscopia pode eventualmente permitir mais diagnósticos que todos os
outros métodos de exame físico combinados. Realizar bem essa avaliação é uma
tarefa complexa.
A ectoscopia é baseada, fundamentalmente, no conhecimento do observador,
que pode atribuir maior ou menor importância aos achados. Um achado patog-
nomônico, isto é, característico de uma doença, pode ser muito informativo para
um observador que o reconheça, mas pode não significar nada para o observador
inexperiente.
Existem dúvidas que são freqüentes:
Q O problema desse paciente necessita de intervenção rápida?
Alguns achados da ectoscopia, como alteração do sensório, inatividade, ta-
quipnéia, ansiedade, sudorese, palidez, esforço respiratório e cianose, podem ser
resultado de doença grave com evolução aguda, indicando a necessidade de
intervenção rápida.
Q Isto que estou observando é normal ou anormal?
Nesse caso, anotar de modo descritivo o achado e estudá-lo (comparar com
tabelas de valores normais adaptadas para a idade e o sexo ou pedir a opinião de
colega mais experiente pode ser muito útil).
Q Os achados sugerem um padrão diagnóstico?
O reconhecimento de um possível padrão diagnóstico faz com que o observa-
dor preste mais atenção à possível presença de outros dados que poderiam confi-
gurar um padrão diagnóstico. Vamos usar como exemplo a rapidez dos movimen-
tos:
a) Movimentos lentos:
– CASO 1: Um homem de 48 anos vem à consulta por falta de ar e, quando
ele entra no consultório, observa-se que caminha lentamente e respira
rápido. Quando senta, a calça sobe e vê-se que há edema maleolar. Para
o observador desatento ou não-familiarizado, esses achados nada signi-
ficam. No entanto, para o médico, isso deve sugerir disfunção cardio-
pulmonar, fazendo com que ele fique mais atento para dados de história
e exame clínico sugestivos das doenças desses sistemas ou que repercu-
tam nesses sistemas.
– CASO 2: Um homem de 68 anos vem à consulta para avaliação de tremor
e, quando ele entra no consultório, observa-se que caminha de forma
lenta, inclinado anteriormente, e que se movimenta quase em bloco.
Quando ele estende a mão para cumprimentar, observa-se tremor fino,
que se acentua ao desabotoar o casaco. Para o médico, isso deve sugerir
parkinsonismo.
– CASO 3: Uma mulher de 66 anos vem à consulta por indisposição. Quan-
do entra no consultório, observa-se que caminha lentamente e que sua
cor é pálida. Embora o ambiente seja aquecido, não tira o casacão. Ao
falar, sua fala é rouca e lenta. O cabelo é ralo e seco, observando-se
perda do terço distal das sobrancelhas. Para o médico, isso deve sugerir
hipotireoidismo.
b) Movimentação rápida:
– CASO 1: Uma paciente de 48 anos vem à consulta por aumento da
tireóide. Todos os seus movimentos, inclusive o falar, são muito rápidos.
ECTOSCOPIA

Não consegue ficar quieta. Quer colaborar ao máximo. Ao cumprimentá-


la, o médico observa que sua mão é úmida e quente e que sua tireóide é
visível. Sabendo que o hipertireoidismo pode causar essas manifesta-
ções clínicas, o observador deve ficar mais atento para dados de história
e exame clínico sugestivos desse problema.
– CASO 2: Uma jovem de 26 anos vem à consulta e, enquanto fala, realiza
movimentos bruscos com os braços, que tenta disfarçar, mas que não
consegue controlar. Para um observador que já tenha visto um caso
semelhante, é muito claro tratar-se de movimentos coreicos, mas alguém
não-familiarizado com tais síndromes não saberá do que se trata.
O conhecimento das doenças e seu diagnóstico diferencial são fundamentais
para a avaliação adequada do paciente.
No caso do paciente que se move lentamente, deve-se considerar, entre outras
coisas, o uso de drogas psicoativas. Pensando em doença cardiopulmonar, deve-
se prestar atenção à presença dos problemas mais prevalentes que podem levar
à disfunção cardiopulmonar. Há hipertensão arterial sistêmica? Como foi o trata-
mento? Há evidências de cardiopatia isquêmica? Há história familiar de cardiopa-
tia? Há história de uso de fumo ou álcool? Há história de uso de medicamentos
ou exposição ambiental a substâncias que poderiam repercutir nesses sistemas?
Há evidências de desnutrição ou anemia?

72
ROTEIRO DA ECTOSCOPIA
Estado geral do paciente
Serve para dar uma noção da gravidade da doença.
Classifica-se em estado geral bom, mau e regular.
Essa classificação é subjetiva: o estado geral bom descreve um paciente que
não apresenta sinais de sofrimento ou instabilidade, confortável ao narrar sua
história. Já o estado geral regular implica não estar bem em alguma área, embora
não haja instabilidade e sofrimentos maiores. Um exemplo é o indivíduo que não
aparenta palidez, cianose ou sinais de sofrimento respiratório, mas está claramente
emagrecido ou cansa ao falar. Um paciente em estado geral mau não tem condi-
ções de fornecer todos os dados, precisa interromper seu relato por fadiga extrema,
dispnéia, ou mesmo instabilidade hemodinâmica, ou está claramente muito debili-
tado. São critérios que variam muito de um examinador para outro, mas são
importantes porque atribuem um dado objetivo agregado pelo examinador aos
dados de história.

Nível de consciência
A alteração do nível de consciência (coma, estupor e sonolência) e a alteração
da consciência (alteração na capacidade de pensar coerentemente), isto é, com a
rapidez e a lucidez habituais, são problemas muito comuns.
A redução mais severa do nível de consciência e da resposta consciente é o
coma, um estado semelhante ao sono profundo, do qual o paciente não pode
ser acordado. No estado de estupor, o paciente pode ser acordado somente com
estímulo vigoroso e apresenta resposta motora para evitar desconforto. A sonolên-

ECTOSCOPIA
cia simula o sono leve e se caracteriza por acordar rápido e persistência do es-
tado de alerta por pequenos períodos. Uma vez que esses dados podem servir
como parâmetro de melhora/piora, é importante descrevê-los (estímulo versus
resposta, grau de confusão associado).
A confusão é o estado em que ocorre alteração da consciência causando
prejuízo das manifestações intelectuais dependentes da integração contínua dos
processos mentais. Há redução da compreensão, coerência e capacidade de racio-
cínio. A incapacidade de manter a atenção e a desorientação são os sinais externos
mais comuns. O paciente confuso, em geral, está retraído, não quer falar e está
inativo fisicamente. A confusão pode se acompanhar de agitação, alucinações,
tremor e ilusões, caracterizando o delírio.
Sinais de sofrimento: são avaliados pela respiração do paciente, pela sua expressão
facial, pelo seu grau de agitação. Caracterizam-se por taquipnéia, dificuldade
respiratória, ansiedade, dor, sudorese e agitação.
Fala e linguagem: avaliam-se as alterações da linguagem (verbal e não-verbal), o
timbre, o ritmo, a clareza e a espontaneidade da fala. Os traços característicos são
disfonia, afonia, dislalia, disartria, disfasia, afasia, taquilalia, bradilalia e verborréia.
Fácies típica: conjunto de características exibidas na face de um paciente que
podem sugerir um diagnóstico apenas pela inspeção. A fácies pode ser atípica

73
(normal, compósita), da síndrome nefrótica, leonina, lúpica, adenoidiana, par-
kinsoniana, basedowiana, mixedematosa, acromegálica, cushingóide e hutchin-
soniana, entre outras.
Deformidades e assimetrias: as assimetrias podem ser variações do normal ou po-
dem ocorrer como parte de síndromes genéticas ou doenças adquiridas. Suspeita-
se de síndrome genética quando tem um padrão familiar ou associação com
outras anormalidades. As deformidades em geral são progressivas.
Coloração da pele: o paciente pode apresentar palidez, hiperemia, albinismo (au-
sência de pigmentação melânica), hiperpigmentação (localizada ou generalizada)
e/ou cianose (central ou periférica). Nessa avaliação deve-se comparar o pacien-
te com ele mesmo.
Edema: o edema é o aumento clinicamente aparente no volume de líquido intersti-
cial. Deve-se observar se é generalizado (anasarca) ou localizado, sua intensida-
de e se há sinais de inflamação (dor, calor, rubor, hiperemia). O acúmulo de
líquido nas cavidades, como tórax e abdome, é considerado como forma especial
de edema.
Estado de hidratação: pode ser estimado pela umidade, elasticidade e turgor da
pele e das mucosas; fontanelas nas crianças e alterações oculares. Observar a
presença de desidratação e o grau, conforme a Tabela 5.1.
Estado de nutrição: até o término da puberdade, o estado de nutrição pode ser
avaliado pelo crescimento. Deve-se observar a presença de magreza/obesidade
(ver índice de massa corporal). O aspecto da pele, dos fâneros e do esqueleto pode
ECTOSCOPIA

informar sobre a falta de nutrientes específicos sem que haja desnutrição calórica.
Desenvolvimento físico: é avaliado pela medida do peso e da altura e pelo aspecto
geral do corpo (a musculatura e os caracteres sexuais secundários). Os dados
obtidos devem ser comparados com os valores normais para a idade e o sexo,
obtidos em população semelhante, levando-se em consideração, para a altura, o
potencial genético, isto é, a altura dos pais. Na avaliação do indivíduo até a
puberdade deve-se comparar, também, o indivíduo com ele mesmo, isto é, peso
e altura prévios, pois um indivíduo alto pode parar de crescer e, mesmo assim,
sua altura pode ser ainda normal. A redução ou ausência de crescimento pode
ser diagnosticada quando se compara o crescimento observado, num intervalo
de tempo, com o crescimento esperado para aquele indivíduo. O índice de massa
corporal, calculado pela fórmula peso (kg)/altura2 (m), permite uma estimativa
do conteúdo total de gordura do organismo em indivíduos que não estejam edema-
ciados ou com alterações importantes da quantidade de massa muscular. As pro-
porções corporais mudam com a idade e o estágio de desenvolvimento puberal.
Doenças que reduzem o crescimento longitudinal, como as disfunções congênitas
das cartilagens de conjugação (p.ex., acondro ou discondroplasias), associam-se a
membros inferiores e superiores curtos em relação ao tronco. Doenças associadas
à redução da maturação das cartilagens de conjugação, como hipo ou agonadismo,
se associam a membros inferiores e superiores longos em relação ao tronco.

74
Desenvolvimento sexual: o momento de início da puberdade e o tempo até com-
pletá-la são características herdadas que podem ser modificadas por fatores nu-
tricionais ou outros. Os estágios de Tanner dividem as transformações do corpo
humano durante a puberdade em cinco estágios. A confecção de tabelas com a
idade de indivíduos normais nos diferentes estágios permitiu uma avaliação mais
objetiva da normalidade da presença ou ausência de características puberais e da
harmonia entre elas. Permitiu também avaliar como está sendo a progressão
puberal em um indivíduo determinado.
Biótipo: conjunto de características morfológicas, com atenção para o ângulo de
Charpy. Pode ser brevilíneo, normolíneo e longilíneo.
Pode-se estimar o biótipo do paciente pela medida do ângulo de Charpy
(ângulo subcondral), formado pelos rebordos costais:
< 90 – longilíneo
= 90 – normolíneo
> 90 – brevilíneo
Musculatura: avaliar trofismo (massa muscular) e tônus (contração muscular). Ob-
servar se há hipertrofia, hipotrofia ou atrofia localizada ou generalizada. O tônus
pode ser normal, diminuído (hipotonia) ou aumentado (hipertonia).
Atitude e decúbito preferido: atitude é a posição adotada pelo paciente por como-
didade, hábito ou com o objetivo de aliviar algum sintoma. Somente têm valor
diagnóstico as atitudes inconscientes ou aquelas que trazem alívio de algum sinto-
ma. Se isso não for observado, a atitude é dita indiferente. Decúbito preferido é
aquele que se acompanha da melhora de algum sintoma. Observam-se decúbitos

ECTOSCOPIA
dorsais, ventrais, laterais; posição antálgica; atitudes voluntárias (ortopnéica, ge-
nupeitoral, parkinsoniana); atitudes involuntárias:
Passiva: o paciente não escolhe a posição de seu corpo.
Opistótono: o corpo do paciente torna-se arqueado, sendo, então, apoiado na
cabeça e nos calcanhares.
Emprostótono: o corpo do paciente forma concavidade voltada para diante.
Pleurostótono: o corpo do paciente se curva lateralmente.
Ortótono: atitude em que o tronco e os membros ficam rígidos, sem que haja
curvatura lateral, para trás ou para diante.
As posições acima ocorrem no tétano, na meningite e na raiva.
Movimentos involuntários: podem ser constantes ou periódicos. Observar se há
tremores, coréia, atetose, hemibalismo, mioclonias, asterixe, tiques, convulsões,
tetania, fasciculações.
Marcha: avaliar qualquer alteração, para a qual se dá o nome de disbasia. A marcha
pode ser hemiplégica ou ceifante, parkinsoniana, escarvante, espástica ou em
tesoura, atáxica.

75
Odores: observar os odores corporais, hálito (alcoólico, urêmico, cetônico, de
infecção pulmonar).
Observação: itens como fala e linguagem, musculatura, movimentos involuntários
e marcha, apesar de também fazerem parte da ectoscopia, são melhor avaliados
no exame neurológico.
Sinais vitais: ver Capítulo 25.

DICAS DE SEMIOTÉCNICA
Q Índice de massa corporal ou índice de Quetelet (IMC)
Q Peso (kg)/altura (m2)
Q Sobrepeso IMC > 25 kg/m2
Q Obesidade IMC > 27,8 kg/m2 (homens) e > 27,3 kg/m2 (mulheres)
Q Obesidade mórbida IMC > 31,1 kg/m2 (homens) e > 32,3 kg/m2 (mulheres)
Q Desnutrição no adulto IMC < 17 kg/m2

MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DA HIDRATAÇÃO E ESTADO DE


NUTRIÇÃO
O estado de nutrição também pode ser avaliado pelas pregas cutâneas, pelas
bolas de Bichat e pelo tecido celular subcutâneo, enquanto a hidratação pode ser
verificada pela linha de água na conjuntiva ocular ou pela presença de saliva no
assoalho da boca. Também a avaliação do turgor cutâneo no dorso da mão ou
no nível da fúrcula esternal auxiliam na avaliação do grau de hidratação (Tabela
ECTOSCOPIA

5.1).

SÍNDROMES
A síndrome é um conjunto de manifestações clínicas que caracterizam um esta-
do clínico. Em geral, o conjunto é identificado visualmente. Indivíduos não-apa-
rentados, quando afetados, se tornam muito semelhantes. Em geral, a presença
da anormalidade é identificada mesmo por leigos. Podem ser congênitas ou adqui-
ridas. Uma ou várias doenças podem, em alguns casos, causar uma mesma sín-
drome. A seguir, listamos as mais importantes, com seu mecanismo.
Q Síndrome de Down: trissomia do cromossomo 21.
Q Síndrome de Turner: anormalidade dos cromossomos sexuais.
Q Síndrome de Klinefelter: anormalidade dos cromossomos sexuais.
Q Síndrome de Marfan: anormalidade do colágeno.
Q Síndrome do lúpus eritematoso sistêmico: doença autoimune.
Q Doença de Graves: anormalidade auto-imune comprometendo especial-
mente a tireóide e o tecido periorbitário.
Q Mixedema: hipotireoidismo acentuado.
Q Acromegalia: secreção excessiva de hormônio de crescimento após a pu-
berdade.
Q Síndrome de Cushing: excesso de glicocorticóides, endógeno ou não.

76
Tabela 5.1 Graus de hidratação

Desidratação Desidratação Desidratação


Dados clínicos leve (1o grau) moderada (2o grau) grave (3o grau)
Perda de peso < 5% 5 a 10% > 10%

Aspecto da criança Alerta Irritada e Deprimida,


com sede comatosa,
incapaz de
mamar, com a
pele fria

Elasticidade da pele Sinal da prega Sinal da prega Sinal da prega


discreto presente presente e
muito acentuado

Estado das mucosas Normais ou Secas ou pouco Muito secas


levemente úmidas, com
secas saliva espessa

Olhos Normais ou Fundos Muito fundos,


pouco fundos choro sem
lágrimas

Fontanelas (no Normal ou Funda Muito funda


caso de lactentes) pouco funda

ECTOSCOPIA
Pulso radial Presente, Presente, mais Débil ou ausente
ainda forte fraco, taquicardia

Diurese Normal ou Diminuída Escassa ou


levemente ausente
diminuída

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS


Braunwald E, Fauci AS, Kasper DL, Hauser SL, Longo DL, Jameson JL, editors. Harrison’s
principles of internal medicine [book on CD-ROM]. 15rd Ed. New York: McGraw-Hill; 2001.

DeGowin EL, DeGowin, RL. Bedside diagnostic examination. 3rd ed. New York: MacMillan
Publishing Co.; 1976.

Porto CC. Semiologia médica. 2.ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan; 1994.

Talley N, O’Connor S. Clinical examination. 2 ed. Oxford: Blackwell Science; 1995.

Tierney LM, McPhee SJ, Papadakis MA. Current medical diagnosis & treatment. 33rd. ed.
New York: Appleton & Lange; 1994.

77
6
EXAME DERMATOLÓGICO
LUCIO BAKOS
RENATO M. BAKOS

A pele é o maior órgão do corpo humano e um dos mais sujeitos a alterações,


pois está em constante exposição ao ambiente, funcionando, quando íntegra,
como primeira barreira à entrada de microrganismos ou substâncias causadoras
de doenças. Mais do que isso, a pele é um verdadeiro órgão imunológico, sendo
impenetrável à maioria dos microrganismos. Além disso, os ácidos graxos produzi-
dos pela pele são tóxicos para vários organismos, e a patogenicidade de muitos
se correlaciona com sua habilidade de sobreviver na pele. A importância da pele
como barreira torna-se evidente em pacientes que sofreram queimaduras graves,
em que há uma propensão maior às infecções, bem como uma alteração na
manutenção de outras funções fundamentais da pele como a termorregulação e
a retenção de fluidos e eletrólitos. A pele e os anexos cutâneos sofrem grande
influência dos hormônios e colaboram na síntese de vitaminas, como é o caso da
vitamina D. Nesse órgão, manifestam-se muitos achados de doenças nas quais
ocorrem alterações hormonais, como a síndrome de Cushing ou os quadros hi-
perandrogênicos (alopecia, acne, hirsutismo e seborréia), por exemplo. O órgão
cutâneo freqüentemente é afetado por doenças sistêmicas e fornece dados para
um diagnóstico precoce. A pele também funciona como um órgão sensorial por
meio de suas fibras álgicas, térmicas e táteis. Por último, é ela quem dá um
resultado cosmético bem-definido ao ser humano que, quando alterado em sua
morfologia, pode desencadear diversas afecções psicossomáticas.
Este capítulo dará ênfase à nomenclatura das lesões elementares, ao diagnós-
tico topográfico das lesões de pele mais comuns e aos principais quadros sindrô-
micos.

ROTEIRO DO EXAME
Luz adequada: o paciente deve ser examinado na presença de luz adequada, de
preferência a luz natural. Atualmente, em consultórios médicos, a luz branca
(fluorescente) é preferida dentre as artificiais, pois as de filamento tendem a
alterar as cores da pele.
Exame dermatológico: mesmo que o paciente tenha queixas de problemas derma-
tológicos em apenas uma determinada região, ou mostre apenas o local da altera-
ção, o exame dermatológico correto e adequado exige que toda a pele seja
examinada. É importante expor uma parte a ser examinada de cada vez, a fim de
preservar ao máximo a privacidade do paciente. O exame deve seguir o sentido
craniocaudal, estando o paciente em posição ortostática ou em decúbito dorsal.
Um exame dermatológico completo compreende a análise de todo o tegumento,
dos fâneros (pêlos e unhas), das mucosas visíveis, dos linfonodos e, no caso da
hanseníase, dos nervos palpáveis.
Mucosas e fâneros: a mucosa oral e a ocular devem ser examinadas rotineiramente,
assim como os fâneros (unhas e pêlos). A mucosa da genitália externa deverá ser
avaliada sempre que houver patologia que comprometa essa área.
Pele: o exame da pele compreende a inspeção das alterações cutâneas e, após, a
sua palpação, que fornece informações sobre a textura, a extensão das lesões, a
profundidade e a consistência das mesmas. Também são utilizadas manobras
complementares, como a diascopia e a curetagem metódica (ver “Dicas de se-
miotécnica”).
Linfonodos e nervos periféricos: as principais cadeias linfáticas palpáveis (axilares,
cervicais, epitrocleanas, inguinais, poplíteas) devem sempre ser examinadas, bem
como os nervos periféricos (ulnar, radial e fibular comum). Esses podem estar
espessados, como na hanseníase. Testar as sensibilidades algésica e térmica com-
pleta a avaliação.
Descrição, colocação da lesão elementar e achados adicionais: o primeiro passo é a
EXAME DERMATOLÓGICO

descrição das lesões elementares cutâneas primárias e secundárias; o segundo


passo é a colocação da lesão dentro das encontradas em um grupo de doenças;
o terceiro e último passo é a redução progressiva de algumas possibilidades e a
confirmação de outras por meio de achados adicionais, tanto de história clínica
quanto de exame físico, até chegar ao diagnóstico exato.
Locais comuns das doenças de pele: é de grande utilidade conhecer quais os locais
mais freqüentemente acometidos por determinadas doenças da pele, o que faz
com que o examinador saiba o que possa ser encontrado em cada área corporal
examinada (ver “Diagnóstico topográfico” e “Quadros sindrômicos”).

LESÕES ELEMENTARES
Entende-se por lesões elementares todas as alterações do tegumento determinadas
por fatores infecciosos, inflamatórios, tumorais, metabólicos, degenerativos, gené-
ticos, malformativos, etc., que possam caracterizar determinadas afecções. São
os elementos de leitura das afecções dermatológicas. Apresentamos a seguir a
classificação das lesões elementares em dermatologia e os termos comumente
aplicados para descrevê-las.

Lesões por alteração da cor da pele


Mácula: alteração circunscrita na cor da pele, sem alteração de relevo, textura ou
consistência, menor que 0,5 cm de diâmetro.

80
Mancha: alteração circunscrita da cor da pele, de tamanho maior que 0,5 cm de
diâmetro. As manchas e máculas podem ser pigmentares, vasculares ou purpúricas.
Pigmentares
Q Pigmento melânico
– Hipercromia: aumento da pigmentação. Por exemplo, sardas ou efélides.
– Hipocromia: diminuição da pigmentação. Por exemplo, hanseníase, piti-
ríase versicolor.
– Acromia: ausência de pigmentação. Por exemplo, vitiligo, piebaldismo.
Q Pigmentos anormais à pele
– Bilirrubina. Por exemplo, icterícia.
– Caroteno. Por exemplo, xantocromia.
Q Pigmentos exógenos
– Medicamentos. Por exemplo, ouro, prata, antimaláricos.
– Corantes. Por exemplo, tatuagens.
Vasculares: desaparecem após compressão ou diascopia.
Q Transitórias
– Eritema: vasodilatação. Por exemplo, doenças exantemáticas.
– Cianose (central ou periférica).
– Enantema: eritema nas mucosas. Por exemplo, faringites virais.
Q Permanentes
– Nervos vasculares: hiperplasia de vasos.
– Telangiectasias: dilatação de vasos terminais.

EXAME DERMATOLÓGICO
Purpúricas: não desaparecem pela compressão ou diascopia, pois trata-se de
hemácias extravasadas.
Q Petéquias: pontilhado hemorrágico. Por exemplo, discrasia sangüínea.
Q Víbices: hemorragias lineares.
Q Equimoses: grandes áreas hemorrágicas. Por exemplo, traumatismos.

Lesões elementares sólidas


Pápula: elevação sólida, palpável e circunscrita da superfície da pele, com menos
de 0,5 cm de diâmetro. Por exemplo, sífilis papulosa, molusco contagioso.
Placa: área elevada da pele (em geral com maior superfície do que altura), em
plataforma, com vários centímetros de diâmetro, sendo comumente formada
pela coalescência de pápulas ou outras lesões elementares. Por exemplo, psoríase,
sarcoidose, hanseníase tuberculóide.
Tubérculo: elevação sólida e circunscrita, de localização dérmica, com mais de 0,5
cm de diâmetro. Por exemplo, hanseníase virchowiana, neurofibromatose.
Nódulo: elevação sólida circunscrita de localização hipodérmica. Por exemplo, han-
seníase virchowiana, neoplasias.
Goma: nódulo com evolução subaguda passando por quatro fases: infiltração
(crueza), amolecimento, ulceração (fistulização) e reparação (cicatrização). Por
exemplo, sífilis terciária, micoses profundas, micobacterioses.

81
Ceratose: modificação da espessura da pele por espessamento da camada córnea.
Por exemplo, calos, ceratoses genéticas.
Vegetação: lesões sólidas e salientes produzidas por hipertrofia das papilas dérmicas,
produzindo superfície imitando vegetal. Por exemplo, condilomas acuminados,
carcinomas epidermóides.
Verrucosidade: lesão elementar sólida produzida por hipertrofia das papilas dérmi-
cas acompanhada de hiperceratose. Por exemplo, verruga viral, ceratose seborreica.
Infiltração: aumento de espessura e consistência da pele, com diminuição da visibi-
lidade dos seus sulcos normais. Por exemplo, hanseníase virchowiana, mixedema.
Liquenificação: espessamento da pele, sem aderência aos planos profundos, com
maior visualização do quadriculado de seus sulcos naturais. Por exemplo, eczemas
crônicos.
Esclerose: aumento da espessura da pele e aderência aos planos profundos por
proliferação de colágeno. Por exemplo, esclerodermia.
Edema: aumento depressível da espessura da pele por acúmulo de líquido no
espaço intersticial. Por exemplo, insuficiência cardíaca congestiva.
Ponfo ou lesão urticada (urtica): lesão elementar edematosa, circunscrita, caracteri-
zada por sua fugacidade de evolução. Por exemplo, urticária.
EXAME DERMATOLÓGICO

Lesões elementares com conteúdo líquido


Vesícula: lesão elevada e circunscrita com até 0,5 cm de diâmetro, preenchida
por líquido claro. Por exemplo, herpes, varicela.
Bolha ou flictena: elevação circunscrita preenchida por líquido claro, com mais de
0,5 cm de diâmetro. O termo flictena é mais utilizado para caracterizar as bolhas
causadas por agentes físicos. Por exemplo, pênfigo, queimaduras.
Pústula: lesão elevada e circunscrita com até 0,5 cm de diâmetro, contendo líquido
purulento em seu interior. Por exemplo, impetigo, foliculite.
Abscesso: coleção purulenta, proeminente e circunscrita com mais de 0,5 cm de
diâmetro, localizada na região dermo-hipodérmica ou subcutânea. Por exemplo,
furúnculo.
Cisto: cavidade fechada, dermo-hipodérmica, envolta por epitélio com conteúdo
líquido ou semi-sólido, podendo ser elevada ou não.
Hematoma: cavidade fechada contendo coleção sangüínea causada por extravasa-
mento de sangue suficiente para causar elevação da pele. Por exemplo, traumatismo.

Lesões elementares por solução de continuidade


Erosão ou exulceração: perda circunscrita de epitélio, superficial, que cura sem
deixar cicatriz. Por exemplo, cancro duro, pênfigo vulgar (ruptura de bolha).

82
Ulceração: perda circunscrita de epitélio, derma e/ou hipoderma, que deixa cicatriz
após a cura. Por exemplo, cancróide, úlcera de estase.
Fissura ou rágade: solução de continuidade linear, superficial ou profunda, não-
causada por instrumento cortante (mais freqüente no contorno dos orifícios natu-
rais ou em áreas de dobras). Por exemplo, queilite, sífilis congênita perioral.
Fístula: pertuito cutâneo tubular conectado com foco profundo de supuração ou
necrose, drenando essas substâncias para a superfície da pele. Por exemplo, tu-
berculose ganglionar, micoses profundas.

Lesões elementares secundárias ou caducas


Escama: lâminas secas de epitélio, que se acumulam e/ou se desprendem da
superfície cutânea, produzidas por crescimento exagerado de queratinócitos. Por
exemplo, psoríase, eczemas subagudos.
Crosta: lesão elementar secundária produzida por dessecamento de líquidos orgâ-
nicos. Pode ser serosa (plasma), hemática (sangue), melicérica (pus) ou combi-
nando esses elementos (seroemática, hematomelicérica). Por exemplo, eczemas,
impetigos.
Q Dica: toda a escama deve ser curetada para obter-se a informação do tipo
de descamação, e toda a crosta deve ser removida para que se possa anali-
sar a lesão elementar primária subjacente.

EXAME DERMATOLÓGICO
Escara ou esfacelo: lesão elementar secundária causada por necrose e mumificação
de pele. Diferencia-se semiologicamente da crosta hemática por poder ser remo-
vida somente com desbridamento. Por exemplo, úlcera de decúbito, gangrena
diabética.

Seqüelas
Atrofia: adelgaçamento da pele, que se torna fina, lisa, translúcida e facilmente
pregueável. Por exemplo, estrias.
Cicatriz: proliferação de tecido fibroso em local de tecido destruído por trauma
ou doença, podendo ser atrófica ou hipertrófica. Por exemplo, queimadura de
terceiro grau.

DIAGNÓSTICO TOPOGRÁFICO
Os diagnósticos citados serão explicados nos “Quadros sindrômicos”.

Unhas
Leuconíquia (manchas brancas nas unhas), paroníquia (inflamação periun-
gueal), coiloníquia (unhas em forma de colher por exposição a irritantes locais ou
anemia ferropriva, entre outros) onicólise (descolamento da unha do leito un-
gueal), onicodistrofia (anomalia morfológica), onicofagia (hábito de roer as unhas),
estrias de Beau (linhas ou sulcos transversais causados por infecções periungueais

83
e doença hepática ou renal), unhas de Mee (faixas transversais brancas relaciona-
das a envenenamento por arsênico e à doença sistêmica aguda), banqueteamento
digital (aumento do ângulo entre a base ungueal e a unha [ângulo de Levibond]
que normalmente é de 160º, ocorrendo principalmente por doença broncopul-
monar obstrutiva crônica, câncer de pulmão, abscesso pulmonar e cardiopatia
congênita), onicogrifose (unhas encurvadas, imitando garras), paquioníquia (lâmi-
na ungueal espessada) unhas em vidro de relógio (convexidade exagerada nos
dois sentidos), hemorragias lineares (estrias vermelhas paralelas ao maior eixo
dos dedos, relacionadas à endocardite bacteriana), petéquias (pontos hemorrá-
gicos relacionados a pequenos traumatismos ou à endocardite infecciosa), cianose,
telangiectasias (pequenos vasos sangüíneos superficiais dilatados na região pe-
riungueal, relacionados a doenças do colágeno), unhas em dedal (depressões
puntiformes na lâmina ungueal vistas na psoríase, também chamadas de pitting),
onicólise (descolamento da lâmina ungueal), onicorrexe (fragmentação da borda
livre da unha), melanoníquia (estrias enegrecidas nas unhas, podem significar
melanoma ou nevo melanocítico de matriz ungueal), psoríase.

Mãos
Fenômeno de Raynaud (fenômeno vascular periférico em que as porções distais
das mãos ou dos pés adquirem, nessa ordem, a coloração branca [por espasmo
arterial], azulada [por alteração da extração de oxigênio] e vermelha [por retor-
no do suprimento sangüíneo], podendo estar associado à artrite reumatóide, ao
lúpus eritematoso sistêmico, à esclerodermia e à dermatomiosite), xantomas (pla-
EXAME DERMATOLÓGICO

cas amareladas na superfície extensora dos dedos, causadas por hipercolestero-


lemia), nódulos de Osler (nódulos hiperemiados e dolorosos nas polpas dos dedos
ou eminências tenar e hipotenar, sendo manifestações raras da endocardite infec-
ciosa), pápulas de Gottron (pápulas e placas de vermelho-escuras a violáceas na
face dorsal das articulações interfalangeanas e metacarpofalangeanas que apare-
cem na dermatomiosite), nódulos de Heberden (deformidade na falange distal
dos dedos, por formação de osteófitos marginais, característica da osteoartrite),
nódulos de Bouchard (idem ao anterior exceto pela localização nas articulações
interfalangeanas proximais), eritema palmar (hiperemia nas regiões tenar e hi-
potenar vista comumente em hepatopatia crônica), esclerodactilia (endurecimento
da pele levando ao afilamento dos dedos em flexão por esclerose cutânea na
esclerodermia), mão em garra (dano neural na hanseníase), granuloma anular,
verrugas, hiperceratose, cianose, escabiose, sífilis, ceratose actínica, dermatite
de contato, psoríase, tinha da mão.

Antebraço e braço
Marcas de coçadura, tatuagens, marcas de injeções, dermatite atópica, líquen
plano, psoríase, hanseníase.

Axila
Dermatite de contato, escabiose, candidíase, eritrasma, psoríase invertida,
acantose nigricante.

84
Couro cabeludo e cabelos
Alopecias (perda de cabelos), pediculose, dermatite seborréica, psoríase, fo-
liculite, neoplasias.

Supercílios
Dermatite seborréica, madarose (hanseníase, hipotireoidismo), mucinose fo-
licular.

Pálpebras
Xantelasma (xantoma localizado na pálpebra, relacionado à doença coronária
[40 a 70%] e ao diabete melito), dermatite de contato, dermatomiosite (helio-
tropo), carcinoma basocelular, dermatite seborréica, ftiríase.

Orelhas
Hipertricose (crescimento de pêlos), dermatite de contato, psoríase, dermatite
seborréica, ceratose actínica, neoplasias.

Face
Fotossensibilidade (erupção cutânea causada por exposição à luz solar), rash
malar (área eritematosa em forma de asa de borboleta sobre a região malar e
dorso do nariz, classicamente vista no lúpus eritematoso), telangiectasias (dilata-
ções de vasos cutâneos superficiais por exposição solar, rosácea, doenças do
colágeno e por hepatopatia), cloasma (manchas acastanhadas nas regiões frontal,

EXAME DERMATOLÓGICO
malar e buço, freqüentes na gravidez e com o uso de pílulas anticoncepcionais),
neoplasias cutâneas, acne, rosácea, dermatite seborréica, ceratose actínica, nevos,
ceratose seborréica, melanoses solares, efélides, lentigos, dermatite de contato,
dermatite atópica, impetigo, herpes zoster, hanseníase, vitiligo.

Boca
Leucoplasia (lesão esbranquiçada que, ao contrário da candidíase oral, não
pode ser removida com a raspagem da mucosa, podendo ser causada por irritantes
crônicos [dentadura, tabagismo], displasia [lesão pré-malígna] ou carcinoma epi-
dermóide), língua geográfica (áreas vermelhas, lisas e desprovidas de papilas
sobre o dorso da língua, dando aspecto semelhante a um mapa, sendo de causa
desconhecida e de natureza benigna), herpes labial, aftas, candidíase, líquen plano,
lúpus eritematoso carcinoma epidermóide, leucoplasia pilosa, sarcoma de Kaposi,
pênfigo vulgar.

Pescoço
Acantose nigricante, acrocórdons, ceratose seborréica, nevos melanocíticos,
poiquilodermia de Civatte.

Tronco
Telangiectasias ou aranhas vasculares (encontradas na cirrose hepática), xan-
tomas, neurofibromas (tumores aparentemente sólidos, sésseis ou pedunculados,

85
localizados na pele ou ao longo dos nervos periféricos, sendo característicos de
neurofibromatose ou doença de von Recklinghausen), herpes zoster, escabiose,
pitiríase rósea, acne, pitiríase versicolor, eritemas anulares, psoríase, ceratose se-
borréica, nevos melanocíticos, melanoma, pênfigos.

Região inguinal e anogenital


Verrugas, intertrigo (eritema de superfícies cutâneas justapostas nas diversas
dobras do corpo, podendo sofrer eczematização [descamação e formação de
crostas serosas] e infectar-se por estreptococo ou cândida), herpes, escabiose,
candidíase, psoríase interglútea, micoses superficiais, eritrasma, dermatite de
contato, acantose nigricante, sífilis, cancro mole.

Membros inferiores
Edema, linfedema (edema não-depressível em conseqüência de inflamação
dos vasos linfáticos, causando aumento de volume no membro envolvido, poden-
do ser causado por filaríase linfática), varizes (veias dilatadas e tortuosas), pioderma
gangrenoso, úlcera de estase, dermatite de estase, dermatite ocre, eritema nodoso,
eritema multiforme, necrobiose lipoídica, mixedema pré-tibial, psoríase, dermatite
atópica, erisipela, celulite.

Pés
Edema, fenômeno de Raynaud (idem mãos), verrugas, úlceras tróficas (localizam-
se em áreas com sensibilidade diminuída e que suportam grande carga de pressão,
EXAME DERMATOLÓGICO

apresentam calosidade ao seu redor e são indolores, tipicamente ocorrendo na


polineuropatia diabética e na hanseníase), Tinea pedis, sífilis, psoríase, calosidades.

Difusas pelo tegumento


Alterações de pigmentação, farmacodermias (reações a medicamentos), exan-
temas (rash ou vermelhidão na pele que ocorre nas doenças exantemáticas, como
sarampo, varicela, rubéola, eritema infeccioso, exantema súbito), sífilis.

Pêlos
Queda de pêlos (alopecia), alterações da implantação, hirsutismo (crescimento
excessivo de pêlos terminais ásperos e pretos, geralmente nas áreas andrógeno-
dependentes, podendo indicar neoplasia, doença endócrina, reações medicamen-
tosas ou variação funcional), hipertricose (crescimento dos pêlos em locais não
hormônio-dependentes).

DICAS DE SEMIOTÉCNICA
Vitropressão ou diascopia
É realizada pela compressão da pele com uma lâmina de vidro. Essa manobra
provoca isquemia, de modo que as manchas resultantes de vasodilatação ou
hiperplasia vascular esmaecem e se tornam pouco visíveis, o que não acontece

86
com as manchas pigmentares ou as ocasionadas por extravasamento de sangue
(púrpuras), que permanecem inalteradas.

Dermografismo
O atrito de lesão ou da pele normal é feito com a extremidade romba de um
objeto. No dermografismo, a fricção provoca a liberação de histamina, com produ-
ção de um ponfo urticariano acompanhando a linha de fricção. O sinal de Darier
consiste na produção de lesão urticada ao friccionar uma mácula ou pápula das
mastocitoses.

Sinal de Nikolsky
É o descolamento epidérmico provocado por fricção na pele dos pênfigos,
traduzindo o fenômeno da acantólise. O sinal de Asboe-Hansen consiste na exten-
são das bolhas já existentes pela pressão digital sobre a lateral das mesmas,
significando a mesma alteração histológica.

Fenômeno de Köbner ou isomorfismo


Ocorre em certas doenças de pele, particularmente na psoríase e no líquen
plano, em que uma escoriação ou traumatismo em uma área de pele normal
determina o aparecimento de lesão característica da afecção no trajeto escoriado.

Curetagem metódica de Brocq


É útil na psoríase, na qual há escamas pluriestratificadas. Se for feita a cureta-

EXAME DERMATOLÓGICO
gem de lesão por camadas, há inicialmente a obtenção de pequenas escamas
brilhantes, furfuráceas (farinhentas) semelhantes à cera de vela raspada (sinal da
vela). Prosseguindo a curetagem, após a remoção de todas as camadas de escamas,
observa-se uma fina cutícula amarelada correspondente à epiderme adelgaçada
(membrana derradeira), que, removida pela cureta, põe à mostra gotículas de
sangue (sinal do orvalho sangüíneo ou de Auspitz).

Dermatoscopia
Também chamada de dermoscopia ou epiluminescência de superfície, permite
a melhor visualização de lesões pigmentares, colaborando no diagnóstico diferen-
cial. Consiste em um microscópio (aumento 10x) manual com uma fonte luminosa
acoplada. A aplicação de uma gota de óleo mineral ou gel entre a lente do micros-
cópio e a pele diminui o grau de refração da fonte luminosa e mostra as estruturas
na lesão até a derme reticular alta. Muito útil no diagnóstico diferencial entre as
lesões pigmentares melanocíticas e não-melanocíticas, benignas ou malignas.

SINAIS DE ALERTA
Cuidado: melanoma à vista!
Quando um nevo melanocítico preexistente ou uma lesão pigmentar de apare-
cimento recente for muito chamativo visualmente e apresentar as seguintes carac-

87
terísticas, deve ser investigado, pois pode tratar-se de um melanoma. É o ABCD
dos melanomas.
A– assimetria
B– bordas irregulares
C– cores variadas
D– diâmetro maior que 0,6 cm

HIV+ em potencial!
A candidíase oral e a esofágica, bem como a leucoplasia pilosa, são lesões
freqüentemente associadas à infecção pelo HIV. Outras infecções fúngicas e virais
(histoplasmose, ulcerações por herpes simples, herpes zoster recorrente) podem
ser marcadoras de imunodeficiência adquirida.

Eritrodermia
Quadro cutâneo em que toda a superfície da pele está eritematosa, acompa-
nhada de descamação lamelar difusa. As principais causas são a psoríase, os
eczemas atópico e seborréico e as reações alérgicas a fármacos, porém linfomas
T cutâneos podem estar associados a essa situação. Sempre há um desequilíbrio
das funções cutâneas, e o tratamento deve ser iniciado em ambiente hospitalar,
pela importância e dificuldade de manejo que apresentam.

QUADROS SINDRÔMICOS
EXAME DERMATOLÓGICO

A seguir, serão descritos alguns quadros dermatológicos mais prevalentes, enfa-


tizando o diagnóstico diferencial a partir das lesões elementares.

Manchas discrômicas
Nevo melanocítico adquirido
Q distúrbio proliferativo benigno dos melanócitos;
Q a maioria surge entre 2 e 10 anos de idade, mas continuam a aparecer com
o decorrer do tempo; alguns tendem a desaparecer com a idade;
Q apresenta risco muito baixo de malignização;
Q os locais mais freqüentes de distribuição são as áreas de exposição solar de
lazer;
Q o aspecto clínico pode variar de liso a vegetante, e a coloração, de róseo a
marrom-escuro;
Q se negro, considerar diagnóstico diferencial com melanoma.

Sardas ou efélides
Q são lesões benignas que ocorrem após dano solar agudo, principalmente
na infância;
Q são pequenas máculas castanhas que escurecem com a exposição ao sol e
clareiam no inverno;
Q podem aparecer em qualquer área exposta à luz solar, muito prevalentes
na face.

88
Melanoma
Ver “Tumores cutâneos”.

Melasma ou cloasma
Q lesão cutânea originada, na maioria dos casos, por estímulo estrogênico e
pela ação da luz solar, ocorrendo quase exclusivamente em mulheres;
Q caracteriza-se por manchas hipercrômicas delimitadas, de bordas maldefinidas;
Q ocorre com mais freqüência durante a gestação e com o uso de anticoncep-
cionais orais;
Q distribui-se mais na face, principalmente nas regiões malares, na fronte, no
lábio superior, no dorso do nariz e no mento.

Pitiríase versicolor
Q é uma micose superficial causada pelo Pityrosporum orbiculare (Malassezia
furfur);
Q consiste em máculas de 2 a 3 mm de diâmetro, que podem estar isoladas ou
confluir formando extensas manchas hipocrômicas, acastanhadas ou erite-
matosas, recobertas por escamas lamelares finas que, à curetagem ou raspa-
gem, soltam-se em uma única lamela membranosa (sinal da “unhada”);
Q a região mais acometida é o tronco, em especial a cintura escapular;
Q o prurido é incomum.

Vitiligo

EXAME DERMATOLÓGICO
Q doença freqüentemente de caráter auto-imune, em que há destruição dos
melanócitos;
Q consiste de manchas acrômicas, redondas, ovais ou irregulares;
Q ocorre mais comumente ao redor dos orifícios (olhos, boca, genitais), sobre
saliências ósseas, nas áreas de intertrigo e nos locais expostos, na maioria
das vezes com distribuição simétrica;
Q pode estar associado a outras doenças auto-imunes (tireoidites, doença de
Addison, anemia perniciosa, diabete melito I, lúpus eritematoso, alopecia
areata).

Lesões tumorais
Carcinoma basocelular
Q forma mais comum de câncer de pele;
Q ocorre mais em indivíduos de pele clara, de meia-idade ou idosos, que
tenham tido exposição solar crônica, continuada ou de padrão intermitente
(“sol do veranista”);
Q placa ou nódulo de tecido acinzentado, translúcido (“perolado”), de tama-
nho variável, por vezes com telangiectasias na superfície; quando ulcerado,
apresenta bordas arredondadas e proeminentes, papulosas, sendo facilmen-
te sangrante;
Q aparece em superfícies expostas ao sol, especialmente na face, no nariz, no
pescoço, nos ombros e nas pernas;

89
Q raramente gera metástases, mas apresenta grande tendência à expansão
local;
Q são subdivididos histopatologicamente em nodulares, pigmentados, super-
ficiais, esclerodermiformes e infiltrativos. Os dois últimos são mais agressivos,
tendem a ter mais recidivas locais e, quando muito antigos, são os que
mais podem produzir metástases.

Carcinoma espinocelular
Q é a segunda forma mais comum de câncer da pele;
Q ocorre mais em indivíduos de pele clara e de olhos azuis, mais em homens,
com média de idade em torno de 60 anos;
Q é mais freqüente em pessoas de exposição solar crônica diária (“sol do
agricultor”);
Q geralmente inicia a partir de lesão precursora (ceratose actínica, leucoplasia,
radiodermite, fístulas e ulcerações crônicas, etc.);
Q caracterizado por lesões exofíticas papulonodulares com superfície escamosa
ou ulcerovegetantes;
Q ocorre em áreas expostas ao sol, especialmente na face, nas mãos e nos
braços;
Q é um tumor localmente invasivo, podendo ocorrer doença metástica, ge-
ralmente por via linfática, em casos de tumores primários extensos ou pou-
co diferenciados;
Q pode acometer a mucosa oral e genital.
EXAME DERMATOLÓGICO

Melanoma maligno
Q é um câncer da pele resultante da transformação maligna dos melanócitos,
sendo mais comum em pessoas de pele clara;
Q pode desenvolver-se a partir de lesões melanocíticas preexistentes ou de
melanócitos presentes na pele normal;
Q é classificado clínico-patologicamente em melanoma expansivo superficial,
melanoma nodular, melanoma tipo lentigo maligno e melanoma lentiginoso
acral;
Q sem tratamento, os melanomas progridem para doença metástica, causando
a morte do paciente;
Q todas as formas de melanoma, exceto o nodular, são caracterizadas por lesões
assimétricas, com bordas irregulares, cores variadas e diâmetro grande;
Q o melanoma nodular é caracterizado por um nódulo muito pigmentado e
com bordas bem-definidas;
Q é importante realizar a dermatoscopia em lesões suspeitas de melanoma.

Hemangioma congênito
Q é um crescimento anormal do tecido vascular cutâneo, associado ou não a
alterações dos capilares, sendo de causa desconhecida;
Q inicialmente as lesões são planas e rosadas, mas com o passar do tempo
tornam-se elevadas, com a cor variando do vermelho ao violáceo;

90
Q afetam com mais freqüência a cabeça;
Q em torno de 50% desses hemangiomas regridem até os cinco anos, 70%,
até os sete anos, e 90%, até os nove anos de idade.

Linfoma T cutâneo ou micose fungóide


Q neoplasia de linfócitos T que se desenvolve na pele;
Q seu curso é crônico, acometendo somente a pele por muitos anos, porém
podendo progredir tardiamente para um comprometimento sistêmico;
Q é possivelmente derivada de linfócitos T auxiliares;
Q são placas eritematosas, persistentes, geralmente pruriginosas, que se tor-
nam mais espessas e se espalham, chegando até placas endurecidas violá-
ceas, nódulos e tumorações;
Q inicialmente, aparece nas coxas, nas nádegas e no tronco. Posteriormente,
envolve todo o corpo;
Q algumas placas apresentam em seu interior áreas bem-delimitadas de pele
poupada (lesões foveolares ou em “queijo suíço”).

Sarcoma de Kaposi
Q é um tumor maligno das células endoteliais dos vasos;
Q apresenta-se como máculas, pápulas, nódulos e placas de vermelhas a pur-
púreas;
Q a forma clássica ocorre em pacientes idosos, principalmente nas extremida-
des, progredindo lentamente;

EXAME DERMATOLÓGICO
Q nos pacientes imunocomprometidos, como os portadores da AIDS, ocorre
uma forma mais agressiva, altamente progressiva e fatal, afetando a pele e
também os órgãos internos;
Q geralmente, as lesões são assintomáticas, mas pode haver prurido, ardência,
hipersensibilidade e sangramento após traumatismos.

Ceratose seborréica
Q lesões benignas com aparecimento mais freqüente a partir da quarta déca-
da de vida;
Q freqüentemente as lesões são múltiplas e localizam-se na face, no pescoço,
no tronco e nos membros;
Q são pápulas castanho-claras a escuras, circunscritas, podendo formar peque-
nas placas verrucosas com escamas gordurosas.

Ceratoacantoma
Q tumor de crescimento rápido derivado de queratinócitos do folículo pilos-
sebáceo;
Q sua etiologia está possivelmente relacionada à exposição solar e a trauma-
tismos;
Q é uma tumoração com configuração “vulcânica”, com uma cratera central
preenchida por material córneo compactado;
Q geralmente é um tumor único e tende à regressão espontânea.

91
Lesões exantemáticas
Exantema súbito ou roséola infantil
Q doença viral da infância;
Q caracteriza-se por febre alta que desaparece subitamente em 3 a 4 dias
quando, então, surgem máculas e pápulas avermelhadas no tronco.

Eritema infeccioso
Q doença viral da infância, também chamada de quinta doença;
Q a região malar torna-se vermelha e brilhante; aparece erupção reticulada
rósea nos braços, nas pernas e no tronco;
Q pode haver febre, geralmente baixa.

Sarampo
Q doença exantemática viral da infância;
Q caracteriza-se por máculas, pápulas e placas avermelhadas que começam
na linha dos cabelos e ao redor das orelhas, espalhando-se posteriormente
pelo tronco;
Q acompanha febre alta e manchas de Koplik (pápulas brancas na mucosa
oral).

Rubéola
Q exantema viral que pode provocar problemas congênitos em recém-nascidos
de mães que contraíram a infecção durante a gestação;
EXAME DERMATOLÓGICO

Q são máculas rosadas pequenas que começam na face e evoluem de maneira


craniocaudal para tronco e membros;
Q acompanha febre e linfadenopatia cervical posterior e retroauricular.

Febre escarlatina
Q infecção por estreptococo do grupo A β-hemolítico;
Q exantema associado à infecção de vias aéreas superiores. Inicia em tronco e
no pescoço evoluindo para os membros; ao involuir, deixa descamação fina;
Q acompanha palidez perioral (fácies de Filatov), estriações hiperpigmentadas
em dobras (sinal de Pastia) e língua com coloração de “morango”.

Lesões eritematosas e eritemato-escamosas


Ceratose actínica
Q é uma lesão cutânea formada a partir de queratinócitos displásicos, que
representa o estágio clinicamente aparente mais precoce da transformação
neoplásica dos queratinócitos pelos raios UV da luz solar;
Q são pápulas eritemato-escamosas maldelimitadas, ásperas, cobertas por
camada córnea acentuada (ceratose);
Q ocorrem em áreas de grande exposição ao sol, especialmente na face, na
área de extensão dos antebraços e do dorso das mãos, e em pessoas de
pele clara;
Q pode sofrer evolução para carcinoma epidermóide.

92
Dermatite de contato
Q resulta do contato com um alergeno com o qual o paciente foi anterior-
mente sensibilizado ou de um irritante primário (p. ex., cáustico);
Q os principais agressores incluem a aroeira e os componentes dos perfumes,
dos cosméticos e das bijouterias (níquel e cromo);
Q é freqüentemente simétrica e localizada no local do contato;
Q caracteriza-se, na fase aguda, por uma erupção com eritema, com vesículas
ou com bolhas, geralmente pruriginosa, que evolui para escamas, crostas e
liquenificação quando crônica.

Dermatite de estase
Q lesão principalmente eczematosa que ocorre por incompetência venosa
dos membros inferiores, com aumento da pressão nos tecidos, edema, fi-
brose e obstruções arteriolar e linfática progressivas, com redução da oxi-
genação da pele do local;
Q a pele torna-se eritematosa e brilhante, evoluindo para hiperpigmentação
(hemossiderose – dermatite ocre), crises exsudativas de agudização e hi-
perceratose na doença crônica;
Q está associada a edema com cacifo, posterior dermatoesclerose e tendência
à ulceração.

Dermatite seborréica
Q lesão de pele bastante prevalente, de causa desconhecida, porém com com-

EXAME DERMATOLÓGICO
ponente familiar, que ocorre mais nos períodos neonatal e pós-puberal;
Q erupção eritemato-escamosa, por vezes untuosa ao tato, que acomete prin-
cipalmente áreas de concentração de glândulas sebáceas;
Q distribui-se no couro cabeludo, nos supercílios, na glabela, nas áreas para-
nasais, na região esternal e interescápulo-vertebral; por vezes acomete
áreas de grandes dobras, produzindo intertrigos;
Q possui variações sazonais e pode recrudescer, acompanhando as mudanças
de imunidade do portador.

Dermatite atópica
Q erupção eritemato-escamosa crônica; freqüentemente, há história pessoal
ou familiar de alergias, asma e rinite alérgica;
Q caracteriza-se por placas eritematosas, edemaciadas, acompanhadas de ve-
sículas que exsudam durante a fase aguda, e por pele seca, descamativa e
liquenificada na fase crônica;
Q inicia na face, na infância, mais tarde podendo afetar as superfícies flexoras
das extremidades (eczema de Besnier);
Q também se caracteriza por prurido intenso.

Líquen plano
Q erupção cutânea papuloescamosa, idiopática, havendo sugestões de que
possa ser auto-imune;
Q pode ser induzido por medicamentos;

93
Q apresenta ligação freqüente com os vírus das hepatites B e C;
Q caracteriza-se por pápulas brilhantes, violáceas e achatadas, podendo estar
acompanhadas de prurido e ser encimadas por finas linhas brancas (estrias
de Wickham); são discretamente escamosas;
Q ocorre mais freqüentemente nas áreas de flexão (punhos, antebraços e
tornozelos) e, também, na genitália, na mucosa oral (lesões brancas reticu-
ladas) e no couro cabeludo (nesse podendo causar alopecia cicatricial defini-
tiva);
Q em 10% dos casos há comprometimento ungueal;
Q há relatos de carcinoma epidermóide instalado em líquen plano erosivo da
mucosa oral.

Dermatomiosite
Q entidade clínica que ocorre quando a polimiosite (doença inflamatória dos
músculos esqueléticos, de causa desconhecida, caracterizada por fraqueza
proximal simétrica dos membros, pescoço e faringe) passa a apresentar
lesões cutâneas (ver também Capítulo 5);
Q caracteriza-se por eritema violáceo facial, algo telangiectásico, por vezes
com edema, principalmente nas pálpebras (heliotrópio);
Q eritema inespecífico em áreas fotossensíveis como face e pescoço pode ser
sinal da doença;
Q nas articulações interfalangianas das mãos e sobre os tendões extensores,
apresentam-se pápulas achatadas, violáceas, com centro atrófico (pápulas
EXAME DERMATOLÓGICO

de Gottron), patognomônicas da dermatomiosite;


Q alças capilares e telangiectasias periungueais podem estar associadas.

Lúpus eritematoso sistêmico


Q é uma doença inflamatória multissistêmica, caracterizada por exacerbações
e remissões;
Q é considerada uma doença auto-imune;
Q existem 11 critérios para o diagnóstico do lúpus, dos quais quatro devem
ser preenchidos: (1) erupção maior em “asa de borboleta”; (2) erupção
discóide; (3) fotossensibilidade; (4) úlceras orais; (5) artrite; (6) serosite;
(7) distúrbio renal; (8) distúrbio neurológico; (9) distúrbio hematológico;
(10) distúrbio imunológico e (11) anticorpo antinuclear;
Q aspecto clínico é variável, sendo característica a erupção eritematosa em
forma de asa de borboleta nas regiões malares (vespertílio);
Q as lesões discóides são placas eritematosas, inflamatórias, com atrofia central
e escamas aderentes;
Q pode haver hiperestesia ao friccionar um objeto rombo sobre a placa;
Q atinge qualquer superfície cutânea, mais caracteristicamente áreas expostas
à luz solar.

Escabiose
Q lesão causada pelo ácaro Sarcoptes scabiei variedade hominis;

94
Q as lesões mais características são micropápulas ou túneis (pápulas lineares
ou em forma de “S”), com uma microvesícula em uma extremidade (emi-
nência acariana);
Q as lesões geralmente estão escoriadas e cobertas por crostas; devido ao
intenso prurido causado pela afecção, as infecções secundárias nas lesões
são freqüentes;
Q os locais mais comuns das lesões são os interdígitos das mãos, a região dos
pilares axilares, as mamas, os flancos, a região periumbilical, a face interna
das coxas, as nádegas, o pênis e o escroto (nódulos pruriginosos caracte-
rísticos);
Q nas crianças pode acometer palmas e plantas;
Q as lesões poupam o pescoço e a face nos adultos;
Q em imunossuprimidos, ou quando estiver associada uma doença que blo-
queie o prurido, pode ocorrer uma forma clínica que envolve lesões crostosas
e ceratóticas (escabiose crostosa).

Eritema marginado
Q lesão cutânea que ocorre na febre reumática e que, na maioria das vezes,
está associada à cardite;
Q origina-se como máculas ou pápulas eritematosas e edematosas que se
estendem centrifugamente formando lesões anulares, principalmente no
tronco e nas axilas;
Q não há prurido nem induração.

EXAME DERMATOLÓGICO
Pitiríase rósea de Gibert
Q doença benigna, de causa desconhecida e involução espontânea em 4 a 6
semanas;
Q caracteriza-se por lesões ovaladas, eritematosas, edematosas, com “colari-
nho” de descamação central e bordas pouco elevadas, geralmente pouco
pruriginosas;
Q geralmente inicia-se com uma única lesão que precede de 7 a 14 dias as
demais (medalhão inicial, placa monitora, placa-mãe);
Q localiza-se principalmente no tórax e na raiz de membros; rara em extremi-
dades.

Onicomicose (tinha das unhas)


Q lesão causada pelos fungos Tricophyton e Epidermophyton;
Q existem três formas clínicas básicas: (1) distal subungueal (acomete inicial-
mente a borda livre da unha e propaga-se lentamente em direção à matriz
ungueal; (2) proximal (inicia por um processo inflamatório da dobra cuticular,
propagando-se para a unha) e (3) branca superficial (manchas brancas na
superfície da lâmina ungueal);
Q nas duas primeiras, a unha torna-se frágil e quebradiça; há opacificação e
destruição da unha, como se fosse roída (onicorréxis), às vezes com desco-
lamento da lâmina (onicólise) e espessamento (paquioníquia), com ceratose
subungueal;

95
Q em imunossuprimidos, é significativo o acometimento difuso e múltiplo
das unhas, que ficam esbranquiçadas (onicomicose branca superficial).

Tinea cruris
Q micose superficial que acomete comumente homens após a puberdade,
sendo menos comum em mulheres;
Q apresenta-se por placas eritemato-escamosas bem-delimitadas, com maior
atividade nas bordas da lesão, onde se observam lesões vesicocrosticulares,
que evoluem centrifugamente; geralmente o centro da placa é mais poupado;
Q acomete a face interna da coxa até a região inguinal;
Q há prurido de moderado a intenso.

Tinea pedis (pé-de-atleta)


Q é a doença fúngica mais comum, ocorrendo alguma vez na vida em 40%
dos indivíduos;
Q é mais comum com o calor e a umidade;
Q pode ocorrer descamação interdigital, maceração e fissuras, lesões hiper-
ceratóticas nas plantas ou partes laterais dos pés ou erupções vesiculares
ou bolhosas;
Q pode ocorrer infecção secundária em áreas de fissuras, levando à celulite
ou linfagite.

Candidíase oral (“sapinho”)


EXAME DERMATOLÓGICO

Q infecção micótica causada pela Candida albicans;


Q as lesões são eritematosas e cobertas por uma pseudomembrana esbran-
quiçada, ou branco-amarelada, que pode ser removida, ao contrário da
leucoplasia, que não sai quando raspada;
Q sintomas de ardência na língua, na face interna das bochechas e na garganta.

Sífilis secundária
Q é uma doença infecciosa causada pela transmissão sexual do Treponema
pallidum;
Q é caracterizada por surtos de máculas eritematosas ou pápulas vermelho-
acastanhadas na pele, sendo assintomáticas;
Q são localizadas no tronco e nas extremidades, nas palmas das mãos e nas
plantas dos pés;
Q dependendo do período evolutivo da infecção, também se encontram
pápulas ou placas erosadas na mucosa oral e genital;
Q aparecem de 4 a 8 semanas após o cancro duro (sífilis primária).

Psoríase
Q sua causa exata não é totalmente compreendida, mas apresenta componen-
te familiar;
Q a anormalidade básica é um aumento da população de células epidérmicas,
que se dividem muito rapidamente, associado a um processo inflamatório
dérmico;

96
Q manifesta-se por pápulas ou placas eritemato-escamosas, com escamas
branco-prateadas e de margens nítidas;
Q aparece classicamente nas áreas de extensão (cotovelos, joelhos e dorso),
podendo aparecer no couro cabeludo, nas mãos, nos pés e nas unhas ou
ser generalizada; a curetagem de Brocq é útil no seu diagnóstico;
Q se o acometimento for na matriz ungueal, ocorrem depressões puntiformes
nas unhas (unha em dedal); se o leito subungueal for acometido, há presença
do sinal da gota de óleo (onicólise).

Lesões urticadas e edematosas


Urticária
Q reação vascular da pele a alimentos, medicações, plantas, doenças auto-
imunes, fatores climáticos, infecções ou estresse emocional;
Q formam-se pápulas ou placas edematosas, lisas e evanescentes, fugazes
(ponfos), podendo ser mais vermelhas ou mais claras do que a pele
circundante;
Q são lesões muito pruriginosas;
Q ocorrem em qualquer área do corpo, contudo são mais frequentes nas
mãos e nos pés.

Celulite e erisipela
Q a celulite é uma infecção do tecido subcutâneo causada principalmente
por estreptococos β-hemolíticos do grupo A, por S. aureus ou por ambos.

EXAME DERMATOLÓGICO
Em hospedeiros imunocomprometidos, o agente pode ser atípico;
Q a erisipela é uma forma mais superficial de infecção dermo-hipodérmica
também causada pelos estreptococos do grupo A e indistinguível clinicamen-
te da celulite;
Q geralmente o organismo penetra na pele por meio de uma picada ou fissura,
disseminando-se localmente;
Q manifestam-se por placa superficial eritematosa, edemaciada, endurecida
e quente, com bordas esmaecidas;
Q pode haver febre e calafrios, adenopatia regional, náuseas e vômitos.

Eritema multiforme
Q é uma forma de reação de hipersensibilidade da pele e das mucosas decor-
rente da administração de medicamentos ou de infecção subjacente, viral
ou bacteriana;
Q quando extensa e acometendo mucosas, pode configurar a síndrome de
Stevens-Johnson, podendo ser fatal;
Q caracteriza-se por lesões maculosas e papulosas, por vezes com vesículas e
bolhas no centro, tendendo a apresentar-se como placa eritematosa com
faixas circulares concêntricas de diversas tonalidades de eritema, até pur-
púrico, e bolha central, formando a clássica “lesão em alvo”;
Q atinge qualquer área do corpo, mas geralmente atinge mais as extremidades,
principalmente nas formas leves, ligadas ao vírus do herpes simples.

97
Lesões papulosas, nodulares, escleróticas e vegetantes
Molusco contagioso
Q infecção causada por poxvírus;
Q afeta principalmente crianças, mas essa infecção pode ser encontrada em
adultos jovens sexualmente ativos (transmissão por contato íntimo);
Q são pequenas pápulas (até 2 a 5 mm de diâmetro) firmes e convexas, róseas,
brancas ou acinzentadas e com umbilicação central (característica principal);
Q nas crianças, aparece no tronco, nas extremidades e na face; nos adultos,
ocorre nas regiões perigenital e perianal;
Q as lesões são assintomáticas.

Acantose nigricans
Q causa desconhecida;
Q associação com neoplasia (50%), diabete melito insulino-dependente, hiper
ou hipotireoidismo, acromegalia, doença de Cushing, ovários policísticos,
doença genética ou nenhuma patologia relacionada;
Q consiste de vegetações e verrucosidades, algumas filiformes, espessamento
e hiperpigmentação da pele de dobras;
Q localização mais freqüente nas dobras do pescoço, nas axilas e na região
inguinal.

Eritema nodoso
Q lesões cutâneas dolorosas que podem acompanhar leucemias, sarcoidose,
EXAME DERMATOLÓGICO

febre reumática e colite ulcerativa. Pode estar associado a várias infecções


(estreptococcias, hanseníase virchowiana, hepatite B, tuberculose, sífilis),
bem como à hipersensibilidade a drogas, à gravidez, à doença de Behçet e
ao uso de anticoncepcionais orais;
Q caracteriza-se por nódulos eritematosos, geralmente de 1 a 10 cm de diâme-
tro;
Q aparece mais comumente na face anterior da perna; na hanseníase e nas
farmacodermias costuma ser mais disseminado pelos membros.

Esclerodermia sistêmica (esclerose sistêmica progressiva)


Q doença idiopática potencialmente letal que envolve vários órgãos;
Q as manifestações sistêmicas mais comuns são fibrose pulmonar, insuficiência
renal e distúrbios da motilidade esofágica e gastrintestinal;
Q caracteriza-se por pele esclerótica, aderente e espessada, telangiectasias
periungueais e na face, alterações da pigmentação da pele e esclerodactilia;
Q manifesta-se mais comumente nas mãos, nos pés e no peito;
Q fazer diagnóstico diferencial com a esclerodermia em placas, presente princi-
palmente na infância e adolescência, que apresenta placas isoladas de es-
clerose de pele, sem comprometimento sistêmico, e que tendem a involuir
espontaneamente com a idade.

98
Mixedema pré-tibial
Q é um distúrbio de causa desconhecida, ocorrendo em 1 a 2% dos pacientes
com doença de Graves;
Q manifesta-se por pápulas, tubérculos, nódulos ou placas, infiltrados, de cor
castanho-amarelada e avermelhada;
Q localizam-se preferencialmente na metade inferior da perna;
Q o controle do hipertireoidismo associado não produz a involução dos nódu-
los.

Hanseníase
Q infecção crônica causada pelo Mycobacterium leprae, que envolve a pele,
os nervos superficiais, o nariz, a faringe, a laringe, os olhos e os testículos;
Q dependendo da reação do hospedeiro ao bacilo, pode gerar formas clínicas
distintas, que variam entre dois pólos: o virchowiano e o tuberculóide;
Q o primeiro tem lesões mais exuberantes pela falta de imunidade frente ao
bacilo, apresentando placas, manchas ou nódulos eritematosos difusos de
limites imprecisos que confluem, dando, na face, quando associados à ma-
darose, um aspecto característico (fáscies leonina); por infiltração neural
de bacilos e granulomas pode ter anestesia de extremidades (em “luvas e
botas”);
Q na tuberculóide, as lesões cutâneas são em menor número e formam placas
grosseiramente anulares, de limites precisos, bordas eritemato-papulosas
e centro poupado, com diminuição da sensibilidade, geralmente com 1 a

EXAME DERMATOLÓGICO
10 cm de diâmetro;
Q as placas tuberculóides geralmente se acompanham de uma mononeurite
hipertrófica dos nervos próximos às lesões, de diferentes intensidades, ha-
vendo uma assimetria de espessamento de nervos à palpação; nas formas
virchowianas, os nervos tendem a estar difusamente e até simetricamente
espessados;
Q a pesquisa da perda de sensibilidade térmica e algésica, tanto nas placas
específicas como nas extremidades dos membros, é mandatória; a tátil e a
profunda estão conservadas, podendo estar alteradas somente em casos
muito avançados da moléstia.

Neurofibromatose
Q doença caracterizada pela presença de neurofibromas múltiplos, que pode
ser herdada de forma autossômica dominante ou ser uma mutação nova;
Q os neurofibromas são tumores benignos da bainha dos nervos;
Q são pápulas, tubérculos ou nódulos, sésseis ou pedunculados, moles e car-
nosos, cor da pele ou acastanhados;
Q podem aparecer também manchas pigmentares tipo “café com leite” e
sardas axilares (sinal de Crowe) ou inguinais;
Q as manchas pigmentares geralmente estão presentes desde a infância; os
nódulos aparecem próximos à puberdade.

99
Necrobiose lipoídica
Q afecção rara, que aparece principalmente em mulheres;
Q cerca de 90% dos pacientes são portadores de diabete melito;
Q caracteriza-se por lesões numulares (em forma de moeda) ou placas de
centro amarelado e periferia purpúrica, com trajetos vasculares proeminen-
tes, visíveis facilmente através de uma epiderme atrófica;
Q as regiões pré-tibiais são as mais freqüentemente acometidas.

Leucoplasia pilosa
Q lesão causada pelo vírus de Epstein-Barr, podendo estar associada à infecção
pelo HIV;
Q também pode estar associada à antibioticoterapia ou ocorrer espontanea-
mente;
Q são lesões vegetantes, esbranquiçadas, alongadas, com disposição paralela,
nas laterais da língua, parecendo vilosidades ou nervuras lineares.

Lesões vesiculosas e bolhosas


Herpes simples
Q erupção mucocutânea causada pelo vírus Herpes simplex, geralmente
recidivante;
Q apresenta, mais freqüentemente, as localizações genital e labial;
Q são vesículas agrupadas em cacho sobre uma base eritematosa, sendo fre-
qüentemente umbilicadas.
EXAME DERMATOLÓGICO

Herpes zoster
Q erupção causada pela reativação do vírus Varicela zoster;
Q geralmente, produz surto único;
Q são vesículas agrupadas em cacho sobre base eritematosa, progredindo para
erosões e crostas, em trajeto linear, acompanhando um nervo metamérico;
Q as lesões são geralmente dolorosas;
Q distribuem-se unilateralmente sobre o dermátomo afetado;
Q em paciente imunocomprometido, pode haver vesículas contralaterais ou
aberrantes;
Q pode deixar nevralgia persistente.

Impetigo
Q é uma infecção de pele altamente contagiosa, ocorrendo com mais fre-
qüência em crianças;
Q o impetigo bolhoso é mais caracteristicamente causado por S. aureus coa-
gulase-positivo, que produz uma toxina causadora de ruptura da pele;
Q o impetigo não-bolhoso é associado ao estreptococo do grupo A;
Q o impetigo bolhoso inicia com máculas eritematosas que resultam em vesí-
culas ou bolhas sobre a base eritematosa;
Q o impetigo não-bolhoso inicia com pequenas pústulas superficiais que logo
rompem, evoluindo para crostas castanho-douradas (crostas melicéricas);

100
Q os locais mais comuns de apresentação são a face, o pescoço e as extremida-
des.

Pênfigo vulgar
Q doença auto-imune, na qual anticorpos circulantes ligam-se à pele induzindo
a liberação de mediadores inflamatórios que produzem acantólise (perda
de adesão das células epidérmicas);
Q é um dos distúrbios dermatológicos que apresentam risco de vida;
Q caracteriza-se pela presença de vesículas, bolhas e erosões da pele e das
mucosas;
Q inicia com vesículas claras com base eritematosa e bolhas flácidas, que
posteriormente rompem, gerando erosões superficiais não-hemorrágicas;
Q o sinal de Nikolsky é positivo (ver “Dicas de semiotécnica”).

Dermatite herpetiforme
Q doença bolhosa causada por depósitos de IgA na derme papilar e associada
à doença celíaca (intolerância ao glúten) em 90% dos casos;
Q o prurido está presente;
Q são placas eritemato-edematosas, vesículas e bolhas agrupadas numa distri-
buição semelhante às lesões herpéticas, que surgem em surtos;
Q são simétricas e acometem principalmente face extensora de membros,
coxas, abdome, região lombossacral e tronco;
Q as lesões em cintura escapular, cotovelos, joelhos e nádegas são sugestivas;

EXAME DERMATOLÓGICO
Q as mucosas são pouco afetadas.

Varicela ou catapora
Q infecção altamente contagiosa, causada pelo vírus varicela zoster, sendo
encontrada principalmente na segunda infância;
Q são muitas máculas avermelhadas que, em pouco tempo, tornam-se papu-
losas, passam a ter uma vesícula no centro, que se transforma em pústula,
erosam e formam crostas;
Q é importante para o diagnóstico que sejam encontradas lesões em vários
desses estágios de evolução da doença, num mesmo momento;
Q acomete mais o tronco, a face e o couro cabeludo, assim como a mucosa
oral; as palmas das mãos e as plantas dos pés são pouco acometidas.

Lesões pustulosas
Acne vulgar
Q doença de pele mais comum, ocorrendo em 80% da população;
Q em geral, aparece na adolescência;
Q é uma doença dos condutos pilossebáceos, produzida por aumento de sebo
e queratina nesses condutos, colonizados pela bactéria anaeróbia
Propionibacterium acnes;
Q caracteriza-se por polimorfismo de lesões: comedões, pápulas, pústulas,
nódulos e cistos;

101
Q as áreas mais afetadas são a face, o tórax e o dorso, podendo acometer,
em casos graves, as extremidades, as nádegas e o couro cabeludo.

Foliculite
Q inflamação superficial envolvendo o folículo piloso;
Q resulta de fricção no local, agentes químicos, medicamentos ou infecção;
Q a infecção mais comum é por S. aureus;
Q caracteriza-se por pápulas e pústulas cercadas de eritema, freqüentemente
com um pêlo central;
Q ocorre em qualquer parte do corpo que tenha pêlos.

Lesões erosadas e ulceradas


Cancro duro
Q lesão característica da sífilis primária, que é uma doença sexualmente
transmissível causada pelo Treponema pallidum;
Q é caracterizada por uma erosão superficial, medindo 1 ou 2 cm de diâmetro,
de borda plana e não-elevada, com fundo liso, róseo e infiltrado (firme);
Q em geral é única e, caracteristicamente, é indolor.
Q acompanha-se de linfoadenomegalia regional indolor, com linfonodos apre-
sentando consistência de “borracha”.

Cancro mole ou cancróide


EXAME DERMATOLÓGICO

Q doença sexualmente transmissível causada pelo Haemophilus ducreyi;


Q lesão ulcerada, com borda eritematosa e irregular, recoberta por secreção
purulenta, sem fundo endurecido;
Q caracteristicamente, é muito dolorosa;
Q geralmente se acompanha de linfonodomegalia regional dolorosa e infla-
matória.

Pioderma gangrenoso
Q doença ulcerativa pouco comum, relacionada, em 50% dos casos, a uma
doença subjacente, como a doença intestinal inflamatória e artrite reuma-
tóide;
Q as lesões são provocadas por pequenos traumatismos na pele (reação patér-
gica);
Q caracteriza-se por bolhas de conteúdo purulento, com centro posteriormente
necroso, formando grandes ulcerações, com bordas violáceas inflamadas e
descoladas (subminadas);
Q a cultura das bolhas e pústulas não evidencia microrganismos.

Úlcera de decúbito
Q ocorre geralmente em pacientes debilitados ou comatosos muitas vezes
por insuficientes mudanças de decúbito;
Q surge nos locais de pressão contínua por interrupção do suprimento san-
güíneo para a pele;

102
Q as áreas mais afetadas são a pré-sacra, a escapular, as tuberosidades isquiá-
ticas e os calcanhares;
Q iniciam como máculas ou manchas vermelho-violáceas, que evoluem para
ulceração e necrose, muitas vezes evidenciada por escara negra na superfície,
podendo atingir grandes proporções.

Úlcera anestésica ou úlcera neuropática


Q úlcera que surge secundariamente a trauma, em pacientes com neuropatias
que produzam anestesia;
Q ocorre em doenças como diabete melito, hanseníase, siringomielia, tabes,
polineuropatias e sífilis;
Q distribuem-se mais freqüentemente nas saliências ósseas das plantas, das
laterais dos pés e na ponta dos pododáctilos;
Q são úlceras bem-delimitadas, com fundo tórpido (sem granulação) com
bordas ceratósicas (calosas).

Úlcera de estase venosa


Q úlcera associada à insuficiência venosa dos membros inferiores e por vezes
à trombose venosa profunda;
Q é uma úlcera que varia de milímetros a vários centímetros de tamanho,
cercada por pele edemaciada e hiperpigmentada (dermatite ocre), por vezes
esclerótica (dermatoesclerose);
Q é mais comum na parte inferior da perna, particularmente supramaleolar.

EXAME DERMATOLÓGICO
Úlcera de insuficiência arterial
Q úlcera que surge quando há oclusão do suprimento sangüíneo arterial para
a pele, provocando a sua necrose, a não ser que haja circulação colateral
suficiente;
Q geralmente se desenvolve na face lateral de um membro inferior com supri-
mento arterial comprometido, sendo caracteristicamente dolorosa;
Q está associada a outros sinais físicos de doença arterial periférica, como
debilidade ou ausência dos pulsos, rubor e palidez dependentes da elevação,
retardo no enchimento capilar dos dedos e diminuição da temperatura
cutânea e do crescimento dos pêlos;
Q são úlceras pálidas com bordas bem-delineadas.

AGRADECIMENTOS
Os Drs. Josiane Crestani e Tiago Severo Garcia, na ocasião acadêmicos da Faculda-
de de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, tiveram participação
fundamental na elaboração deste capítulo na 1a edição do livro Exame clínico:
consulta rápida, parte do qual consta na presente edição. A eles nosso agradeci-
mento pela valiosa contribuição.

103
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS
Bates B, Bickley, LS, Hoekelman RA. Phisical examination and history taking. 6. ed Philadelphia:
JB Lippincott; 1995.

Bechelli LM, Curban GV. Compêndio de dermatologia. 6. ed. São Paulo: Editora Atheneu;
1988.

Bennett JC, Plum F. Cecil textbook of medicine. 21st ed. Philadelphia: WB Saunders; 2000.

Bondi EE, Jegasothy B, Lazarus GS. Dermatologia: diagnóstico e tratamento. Porto Alegre:
Artmed; 1993.

Cucé LC, Neto CF. Manual de dermatologia. 2. ed. São Paulo: Atheneu; 2001.

Damjanov, I. Histopathology: a color atlas and textbook. Baltimore: Williams & Wilkins;
1996.

Duncan BB, Schidt MI, Giugliani ERJ. Medicina ambulatorial: condutas clínicas em atenção
primária. 2. ed. Porto Alegre: Artmed; 1996.

Isselbacher KJ, Braunwald E, Wilson JD, Martin JB, Fauci AS. Harrison’s principles of internal
medicine. 14th. ed. New York: McGraw-Hill; 2001.

Sampaio SAP, Rivitti EA. Dermatologia. 2. ed. São Paulo: Artes Médicas; 2000.

Sites recomendados
Os sites a seguir oferecem imagens de lesões dermatológicas que podem
servir para ilustrar este capítulo.
EXAME DERMATOLÓGICO

www.dermis.net/index_e.htm
http://tray.dermatology.uiowa.edu/ImageBase.html
http://fm.mednet.ucla.edu/derm/search.cfm
http://www.medic.mie-u.ac.jp/derma/bilddb/diagnose/dg_a.htm
http://www.med.sc.edu:85/book/dermatolatlas.htm
A seguir, são indicados sites nos quais encontram-se informações sobre eventos
científicos, artigos médicos, linhas de conduta e profissionais da área de derma-
tologia.
http://www.gbm.org.br
http://www.aad.org
http://www.sbd.org.br

104
7
SEMIOLOGIA DA
CABEÇA E DO PESCOÇO
OTÁVIO BEJZMAN PILTCHER
SIMÃO LEVIN PILTCHER

O propósito do capítulo é o de orientar os médicos não-especialistas para o


diagnóstico diferencial, baseado na história e nos sinais e sintomas, dos principais
problemas de cabeça e pescoço, em especial orelhas, nariz, seios da face, garganta
(faringe e laringe).
Como na avaliação de outros sistemas do organismo, também seguimos os
passos da inspeção, palpação, percussão e ausculta. Para um bom exame é neces-
sário um paciente colaborador, um observador atento, uma iluminação adequada
e uma boa relação médico/paciente.

ORELHA
Divide-se, classicamente a orelha em externa, média e interna. As principais quei-
xas são:
Q Dor
Q Prurido
Q Corrimento (supuração, otorréia)
Q Hipocausia
Q Zumbido
Q Tontura
Q Paralisia facial
Dor: deve ser esclarecido se é uni ou bilateral, espontânea ou provocada, pontual
ou difusa, com ou sem irradiação, história de cirurgia otológica ou plástica facial
recente, prática de natação, viagem aérea, traumatismo, associação com otorréia
e linfonodos.
A simples mobilização do pavilhão pode aumentar a dor, o que leva a supor
que o processo esteja localizado na orelha externa. A otoscopia, realizada com
delicadeza, deve mostrar, antes de visualizar a membrana timpânica, a presença
de alguma lesão no meato e no conduto auditivo externo (otite externa difusa,
otite externa circunscrita, otomicose, corpo estranho, hematomas, herpes ou
miringite bolhosa). Na membrana timpânica (MT), são observadas cor, transparên-
cia (translucidez), posição e mobilidade. A cor do tímpano normal varia entre
esbranquiçado, cinza-claro e gelo-creme. A transparência ou translucidez permite,
muitas vezes, visualizar as estruturas da orelha média (ossículos, janela redonda).
A posição varia de acordo com a patologia existente, podendo estar retraída ou
abaulada. A mobilidade pode ser comprovada realizando otoscopia pneumática
ou pedindo para o paciente fazer a manobra de Valsalva (pressão+) ou Toynbee
(pressão–) durante a otoscopia. A dor poderá ser atribuída a infecções ou infla-
mações da orelha média (otite média aguda, otite média crônica reagudizada,
barotrauma, perfurações traumáticas e tumores). Se o exame otológico não com-
provar causa local, deve-se buscar uma origem extra-auricular, tais como boca,
rinofaringe, orofaringe, hipofaringe, laringe, esôfago e articulação têmporo-
mandibular. A dor de origem não-otológica, reflexa, é causada pelo IX par craniano
(glossofaríngeo) ou ramo do V par (trigêmeo) quando é originária na boca, na
faringe ou na laringe. Na boca, deve-se examinar os dentes, especialmente os
inferiores e os sisos, o assoalho da boca (descartar cálculos salivares da glândula
submandibular) e aftas no vestíbulo bucal. Além da inspeção, pode-se palpar
(com luvas de procedimento) áreas suspeitas de neoplasia na base da língua,
região retromolar e tonsilas palatinas. A possibilidade de tumores na rinofaringe
como causa de dor aumenta se o paciente for adulto e ainda apresentar diminui-
ção de audição pela presença de efusão na orelha média em apenas uma das
SEMIOLOGIA DA CABEÇA E DO PESCOÇO

orelhas. A visualização da rinofaringe e hipofaringe pode ser alcançada pelo es-


pecialista. A radiologia (raios X simples de cavum, hipofaringe e laringe, tomografia
linear e tomografia computadorizada ou ressonância nuclear magnética) tam-
bém podem ser úteis.
Prurido: quando freqüente, pode ser atribuído à otite externa eczematosa, micótica
ou ainda por problema emocional. Leva o paciente ao uso dos mais diversos e
engenhosos instrumentos para coçar (cotonetes, grampos, palitos, pontas de
canetas etc.). Os hábitos de higiene, paradoxalmente, prejudicam a pele do con-
duto auditivo externo e abrem a possibilidade das infecções secundárias.
Supuração ou corrimento, ou otorréia: com relação à otorréia, saber se é recente ou
antiga, uni ou bilateral, abundante ou escassa; definir a cor, o cheiro e se vem
acompanhada com sangue. Havendo perfuração da membrana timpânica (MT),
a distinção entre central (onde se visualizam todos os bordos) e periférica (um
dos bordos é o anel timpânico) é importante pelo maior risco de colesteatoma no
segundo caso. O diagnóstico e o tratamento precoces das otites diminuiriam
muito as complicações de algumas doenças (fístula labiríntica, meningite, paralisia
facial, abscesso cerebral, surdez etc.). A presença de secreção aquosa saindo
pelo meato acústico externo após trauma cranioencefálico ou cirurgia otológica
(estapedectomia ou timpanomastoidectomia) alerta para a perda de líquido ce-
faloraquidiano.
Sinais de alerta para as complicações das otites:
Q Paralisia facial
Q Tontura rotatória (vertigem)

106
Q Cefaléia temporocipital homolateral
Q Dor profunda na orelha com paralisia do músculo reto externo

Otorragia ou supuração hemorrágica: a otite média crônica (OMC) pode apresen-


tar tecido de granulação ou pólipos que, eventualmente, além de secreção puru-
lenta sanguinolenta, deixam sair sangue “vivo”. O diagnóstico diferencial tem
que ser feito com quadros de otite externa necrotizante ou maligna e neoplasia
da orelha. Os tumores glômicos (jugular ou timpânico) são diagnosticados pela
otoscopia (tímpanos azulados, pulsáteis, hipoacusia e exames radiológicos –
tomografia computadorizada [TC] de imagem e ressonância magnética [ RM]), e
o tratamento poderá ser cirúrgico ou radioterápico.
Hipoacusia (surdez): classifica-se em três grupos: condução, neurossensorial e mista.
Após observar, na história do paciente, idade, profissão, história familiar, ínicio
dos sintomas, uni ou bilateralidade, se acompanhada de outras queixas (zumbido,
tontura, dor ou supuração), doenças sistêmicas (diabete, HAS, hipercolesterolemia,
disfunção tireoidiana, insuficiência renal etc.), uso de medicamentos (ototóxicos),
caráter progressivo ou instalação súbita, deve-se proceder ao exame de rotina
otorrinolaringológico e usar os diapasões (512 ou 256 Hz) para as provas acumé-
tricas (provas com diapasão).
As provas clássicas com diapasão num paciente que entenda e responda (é
possível testar crianças a partir de três anos), são as seguintes:

SEMIOLOGIA DA CABEÇA E DO PESCOÇO


Q Comparar uma orelha com a outra. O diapasão, posto a vibrar, deve ser
colocado 3 cm à frente do meato, por exemplo, e, rapidamente, em frente
ao outro.
Q Teste de Weber. Colocar o diapasão, vibrando, encostado por seu cabo, na
linha média do crânio.
– A percepção do som é igual em ambos: normal.
– Percebe o som, mas não o localiza: normal ou neurossensorial (NS) bilateral.
– Não percebe o som: normal ou NS bilateral.
– Ouve o som em ambos, mas não lateraliza: normal ou condutiva bilateral.
– Ouve o som dos dois lados: normal ou condutiva bilateral.
– Lateraliza para o lado que escuta pior (na história): condutiva unilateral.
Q Teste de Rinne. Compara-se a via aérea com a via óssea. No indivíduo
normal, o som do diapasão é melhor identificado quando colocado próximo
do meato externo do que atrás da orelha, junto ao osso (Rinne positivo).
Essa relação se mantém quando existe uma hipoacusia neurossensorial.
Nas perdas auditivas condutivas, essa relação se inverte (Rinne negativo).
Quando a perda é mista, o Rinne é igual.
O exame acumétrico é qualitativo e permite erros de avaliação. Diante da
suspeita de hipoacusia, é obrigatório solicitar um exame audiométrico (quantitati-
vo) que é um exame subjetivo e depende da colaboração do paciente. A com-
plementação da avaliação audiológica é feita com exames objetivos: impedan-
ciometria, BERA (audiometria de respostas evocadas auditivas) e otoemissões
acústicas. Esses exames fazem parte da investigação da audição em recém-nasci-

107
dos normais, sindrômicos, paralisados cerebrais e simuladores (indenizações traba-
lhistas, serviço militar etc.).
Zumbidos (acúfenos): podem ser classificados em subjetivos ou objetivos. Os ob-
jetivos são raros (contrações musculares, mioclonias, aneurisma da carótida). Os
subjetivos são referidos como chiado, apito, motor, cigarras etc. Pela história,
ficamos sabendo se o zumbido é contínuo ou intermitente, uni ou bilateral, ho-
locraniano, durante o dia ou só à noite, com ou sem sintomas associados (surdez,
tontura rotatória ou não, supuração) e doenças sistêmicas (HAS, diabete, ateros-
clerose, trauma cranioencefálico).
Vertigem: tontura ou vertigem? Os pacientes confundem e usam como sinônimos
e cabe ao médico, durante a anamnese, pedir que o paciente descreva, com suas
palavras ou gestos, a “sua tontura”. Quando se trata de vertigem ou tontura
rotatória, o paciente faz um gesto com a mão que caracteriza o movimento
rotatório (tudo roda, as paredes etc.). Com relação à tontura, ela é descrita com
dificuldade, indefinida (“parece que quase desmaio, escurece as vistas, acho que
vou cair, vazio na cabeça” etc.). A perda de consciência não é característica da
vertigem labiríntica, necessitando de avaliação do neurologista.

CAVIDADE BUCAL, FARINGE E LARINGE


O fácil acesso à cavidade oral com qualquer fonte de luz e abaixadores de língua
SEMIOLOGIA DA CABEÇA E DO PESCOÇO

torna o exame dessa região anatômica obrigatório na rotina geral. Pacientes com
doenças da boca geralmente apresentam dor, sangramento, edema ou
tumorações, dificuldade para deglutir e/ou falar, corrimentos, halitose e distúr-
bios do paladar. Na anamnese, esclarecer se os sintomas são agudos ou crônicos,
a área atingida, a presença de sintomas ou doenças associadas locais ou sistêmicas,
história de trauma ou trabalho dentário recente, assim como o tipo de hábitos
(higiene oral, bebida alcoólica, fumo, alimentos etc.). Os últimos fatores têm
fundamental importância nas queixas de todo trato aerodigestivo, pelo aumento
significativo do risco de patologias malignas em pacientes tabagistas e/ou que
fazem uso de álcool, e/ou apresentam má higiene oral. O diagnóstico das patolo-
gias dessa região não deve ser relegado somente aos profissionais da saúde oral.
A faringe se divide em três partes: rinofaringe, orofaringe e hipofaringe. Os
sintomas referidos pelos pacientes, na faringe, são:
Q Dor (odinofagia)
Q Dificuldade para engolir (disfagia)
Q Halitose
Q Pigarro/secura/ardência
Sintomas na hipofaringe e na laringe:
Q Disfagia
Q Disfonia
Q Dispnéia

O exame se inicia pela palpação da cadeia de linfonodos situados no pescoço,


anteriores ao músculo esternocleidomastóideo. Os posteriores, quando aumenta-

108
dos, estão relacionados a doenças sistêmicas (mononucleose, por exemplo). Palpar
as glândulas submandibulares, as parótidas e os linfonodos retro e infra-auriculares
e as articulações temporomandibular (abre e fecha a boca, clics, subluxação,
desencadeamento de dor), as cartilagens da laringe e glândula tireóide e sentir o
pulso das carótidas e subclávias. Descrever as características dos linfonodos: tama-
nho, sensibilidade, temperatura e mobilidade (fixo ou móvel). Nesse sentido,
linfoadenopatias com crescimento progressivo e/ou indolores e/ou sem caracterís-
ticas inflamatórias e/ou fixas aos planos profundos têm maior possibilidade de
estarem relacionadas a patologias malignas. Na história desses pacientes, a presen-
ça de disfonia e/ou disfagia e/ou dispnéia associadas ou não ao fumo e abuso de
álcool fecham um quadro muito sugestivo de uma patologia mais grave, que
merece um diagnóstico pronto e preciso. Nem toda massa cervical deve ser con-
siderada sinônimo de linfonodo. O diagnóstico diferencial inclui cistos de fenda
branquial, cisto tireoglosso, laringoceles, hemangiomas, linfangiomas, cistos
dermóides, cistos tímicos e divertículo de Zenker, sialoadenite aguda ou crônica,
além de alterações tireóideas. As linfoadenopatias de etiologia infecciosa podem
corresponder de processos inflamatórios comuns (reacionais) até processos crô-
nicos, com ou sem ulceração causadas por agentes como as micobactérias (es-
crófula, ou processos inflamatórios não-infecciosos, como na sarcoidose.
A seguir, com o auxílio de dois abaixadores de língua, afastam-se os lábios e
se examina o vestíbulo bucal, peças dentárias, desgastes, falhas, próteses, esco-

SEMIOLOGIA DA CABEÇA E DO PESCOÇO


vação, lesão em gengiva, articulação dentária, protusão e prognatismo. Na conti-
nuação, examina-se a língua (movimentos para fora, lados e para cima), o dorso
e o palato duro. Ao levantar a ponta da língua, vê-se o freio lingual, o assoalho,
os canais e os orifícios de drenagem das glândulas submandibulares. Na face
interna da bochecha, na altura do primeiro molar, de cada lado, examina-se a
papila com orifício de drenagem das parótidas (canal de Stenon).
A via aérea e digestiva é protegida por agrupamentos de tecidos linfáticos
(tonsilas faríngea, tubária, palatina e lingual) dispostos em forma de anel ou
hexágonos, denominados de anel linfático de Waldeyer. Para a visualização da
tonsila palatina, o paciente deverá manter a língua dentro da boca para facilitar
o exame, não a colocando para fora como habitualmente acontece, enquanto
diz a vogal “A”. As demais tonsilas necessitam de instrumentos para sua visuali-
zação (espelhos para rinoscopia posterior e para laringoscopia indireta, óticas
rígidas, flexíveis ou exames de imagem: raio X, TC, RM).
Mais uma vez a história associada ao exame físico é essencial para o diagnóstico
diferencial de processos inflamatórios (infecciosos ou não) e neoplásicos. Os tumores
glóticos costumam iniciar com disfonia e evoluir para dispnéia e disfagia, enquanto
os tumores de hipofaringe e seios piriformes costumam iniciar com disfagia e
depois progredir para disfonia e dispnéia. Os hábitos de fumar e ingerir bebidas
alcóolicas aumentam significativamente o risco de termos algum processo neo-
plásico. A ausência desses hábitos não descarta a necessidade de uma investigação
completa. A biópsia das lesões é decisiva no diagnóstico diferencial de neoplasia
benigna ou maligna ou doença granulomatosa.
Os pacientes com disfonia crônica podem apresentar lesões mínimas das pregas
vocais (nódulos, cistos, sulcos, pontes mucosas, vasculodisginesias). Essas lesões

109
benignas são, hoje em dia, muito mais precisamente diagnosticadas pela qualidade
das imagens obtidas pelos endoscópios. O tratamento é feito com fonoterapia
com ou sem fonocirurgia.

NARIZ E SEIOS PARANASAIS


As principais queixas relacionadas ao nariz e aos seios paranasais são:
Q Obstrução nasal
Q Rinorréia/coriza
Q Dor
Q Espirros
Q Coceira
Q Alterações do olfato
Q Epistaxe
A obstrução nasal, que costuma fazer parte da maioria dos processos que
acometem essa região, quando crônica e desde a infância, pode determinar mo-
dificações no crescimento craniano. Esses indivíduos, conhecidos como respirado-
res bucais, costumam ter um fácies longo, hipoplasia das maxilas, mordida aberta
e lábios entreabertos. Outro aspecto característico que pode ser identificado já
na anamnese é o tipo de voz, por exemplo, anasalada (rinolalia fechada) e um
traço sobre o dorso nasal, decorrente da constante elevação da ponta do nariz
SEMIOLOGIA DA CABEÇA E DO PESCOÇO

com a mão, causado pelo prurido nasal (saudação alérgica).


Inicia-se o exame pela inspeção e palpação da pirâmide nasal (desvios de
linha média, sinais inflamatórios externos, pontos dolorosos etc) e das narinas
(permeabilidade). Desvios anteriores significativos podem ser identificados pela
elevação da ponta nasal e iluminação; quaisquer outras conclusões sem instrumen-
tal adequado não devem ser tomadas. O médico não-especialista, que não dis-
põe do instrumental adequado, pode usar o otoscópio com o otocone maior
para a rinoscopia anterior, tentando ver o interior das fossas nasais. Todavia, o
exame do nariz completo exige a utilização de instrumental adequado, principal-
mente iluminação e espéculos nasais, se não endoscopia nasossinusal.
A parede lateral das fossas nasais com seus cornetos (superior, médio e inferior)
e saídas dos seios paranasais para a fossa nasal é importante no diagnóstico das
rinossinusites. A visualização de secreção purulenta saindo pelo meato médio
confirma o diagnóstico de sinusite (viral ou bacteriana) de um ou mais seios
paranasais daquele lado. Por outra parte, a secreção purulenta unilateral, acompa-
nhada por forte mau cheiro é, na prática, diagnóstico de corpo estranho. A saída
de sangue pela(s) fossa(s) nasal(is) é chamada de epistaxe.
Entre os exames complementares requeridos para a comprovação do diagnós-
tico, estão o raio X, a tomografia computadorizada e a ressonância nuclear mag-
nética. No próprio consultório, alguns médicos fazem a transiluminação, método
que consiste em tentar, com uma fonte luminosa forte, com a sala escurecida,
visualizar a difusão da luz nos seios maxilar, etmoidal anterior e frontal. A pre-
sença de secreção ou de um tumor dentro dos seios diminui sua imagem lu-
minosa. É um exame fácil, porém de baixa sensibilidade e especificidade.

110
Quadros sindrômicos otorrinolaringológicos
Otite externa
Problema clínico comum que afeta a orelha externa (o conduto auditivo e a
camada externa da membrana timpânica). Pode ter caráter agudo ou crônico.
Nos casos agudos, há história recente de exposição à água e/ou manipulação do
conduto. Nos casos crônicos, pode haver história de alergias cutâneas, exposição
a produtos irritativos e manipulação repetitiva.
Quadro clínico: dor, prurido e otorréia, hipoacusia (otite externa guda); prurido,
hipoacusia e dor (otite externa crônica).
Exame físico: hiperemia, edema, secreção, sensibilidade ao manuseio, inclusive
do pavilhão (aguda); hipertrofia da camada cutânea, descamação excessiva, acú-
mulo de secreção.

Otite externa maligna


Infecções da orelha externa de difícil resolução, com dor intensa e presença
de tecido de granulação no canal auditivo devem lembrar a possibilidade desse
diagnóstico principalmente em pacientes com imunodepressão ou diabéticos. O
tratamento requer antibioticoterapia sistêmica e tópica com cobertura para pseu-
domonas aeruginosa, além de debridamento cirúrgico.

SEMIOLOGIA DA CABEÇA E DO PESCOÇO


Otite média aguda (OMA)
Doença inflamatória aguda da orelha média de origem infecciosa de elevada
incidência na infância.
Quadro clínico: entre 50 e 75% dos pacientes com quadro de OMA apresentam
otalgia. Esse sintoma pode ser agudo ou insidioso. Os movimentos de sucção e
deglutição podem exacerbar a dor. Podem estar associados hipoacusia e sensação
de plenitude. Dependendo da virulência do agente infeccioso, pode haver ruptura
da membrana timpânica (MT) e saída de secreção para a orelha externa (otorréia).
Nesses casos, logo após a ruptura, a dor costuma aliviar.
Exame físico: com a otoscopia verifica-se inicialmente hiperemia da MT, que evolui
com abaulamento e acúmulo de secreção purulenta na fenda auditiva. Após
resolução da fase aguda, a MT e a orelha média costumam normalizar-se em
aproximadamente 2 a 3 semanas. Porém, não é raro demorar até três meses.
Esse período de resolução pode gerar um grande número de falsos diagnósticos
de OMA e conseqüentemente uso inadequado de antimicrobianos.

Otite média crônica com efusão (otite secretora)


Também é definida pela presença de quadro inflamatório na fenda auditiva,
porém de caráter crônico, sem sinais ou sintomas de processo agudo. Não tem
associação definida com agentes infecciosos. É uma doença multifatorial e tem
no desequilíbrio dos gases da fenda auditiva e no processo inflamatório da mucosa
da orelha média (OM) seus principais perpetuadores.

111
Quadro clínico: hipoacusia, zumbidos, plenitude auditiva e desequilíbrio. Não há
dor.
Exame físico: com a otoscopia identifica-se uma membrana timpânica (MT) opaca,
mais escurecida e opaca, com aumento da vascularização radial. Podem ser detec-
tados o nível hidro-aéreo ou bolhas. Nesse caso, costuma-se assumir que o quadro
está em resolução. Assim como na otite média aguda, essa patologia também
tem elevado percentual de resolução espontânea. Porém, pelas perdas auditivas
que induz, dependendo do tempo de duração (> 3 meses bilateral ou > 6 meses
unilateral), indica-se a colocação de tubos de ventilação (TV). Os resultados da
literatura não defendem o uso de rotina de antimicrobianos para essa entidade.

Otite média crônica simples


Processo inflamatório crônico da orelha média com solução de continuidade
na MT e alterações irreversíveis da mucosa da orelha média.
Quadro clínico: otorréia intermitente, hipoacusia, tontura, zumbido.
Exame físico: perfuração na pars tensa da MT, com hiperemia e edema da mucosa
da orelha média durante reagudizações do processo. O tratamento é cirúrgico
(timpanoplastia).
SEMIOLOGIA DA CABEÇA E DO PESCOÇO

Otite média crônica colesteatomatosa


Esta doença caracteriza-se pelo acúmulo de lâminas de queratina esfoliada
em área pneumatizada do osso temporal. É considerada, no caso dos colesteato-
mas adquiridos, o resultado de um longo contínuo de alterações inflamatórias na
orelha média e na membrana timpânica.
Quadro clínico: otorréia intermitente fétida, hipoacusia, tontura, zumbidos e até
paralisia facial.
Exame físico: perfuração na pars flácida ou região marginal da membrana timpâ-
nica. O tratamento é cirúrgico, em primeiro lugar para eliminar a doença (timpa-
nomastoidectomia) e em segundo para preservar e/ou melhorar a audição.

Mastoidite aguda
Determinada por uma osteíte das trabéculas ósseas da mastóide, constituindo
um empiema na apófise mastóide. Deve haver critérios para o diagnóstico correto
das mastoidites, pois na imagem todo processo de orelha médio também pode
acusar o acúmulo de secreções e edema nas células mastóideas.
Quadro clínico: dor espontânea à compressão, da ponta ou da borda posterior da
mastóide. Caso venha associado com uma otite média aguda, adicionam-se to-
dos os demais sintomas.
Exame físico: o meato pode apresentar-se abaulado em sua parede póstero-supe-
rior. O edema retroauricular acaba deslocando o pavilhão auditivo e apagando o
sulco da orelha. Em fases iniciais, o tratamento pode ser antibioticoterapia endo-

112
venosa, porém, na ausência de melhora nas primeiras 24 horas, está indicada a
mastoidectomia para drenagem do abscesso.

Vertigem
Quadro clínico: a vertigem pode se apresentar em forma de crises acompanhadas
de sinais neurovegetativos (suor, palidez, náuseas e/ou vômitos, palpitações e
aumento do zumbido, quando presente). Quando se trata de vertigem ou tontura
rotatória, o paciente faz um gesto com a mão que caracteriza o movimento
rotatório (tudo roda, as paredes etc.) ou descreve que tudo roda ou ele próprio
está rodando. Podem estar presentes sintomas auditivos como hipoacusia, zumbi-
do e plenitude aural. A perda de consciência não faz parte desse quadro, mas, se
presente, deve alertar para quadro neurológico.
Exame físico: o sinal característico da crise vertiginosa é a presença do nistagmo,
movimento rítmico e sincrônico dos olhos, com dois componentes, um rápido e
um lento, de fácil comprovação. Durante a realização do exame de cabeça e
pescoço, todos os pares cranianos devem ser observados e testados. A identificação
de alteração em mais de um par ou o tipo de alteração pode auxiliar muito no
diagnóstico e no alerta para quadros centrais (ver capítulo sobre exame neuroló-
gico).

SEMIOLOGIA DA CABEÇA E DO PESCOÇO


Rinofaringite viral (resfriado comum)
Sem dúvida, responsável pela maioria dos casos de queixas das vias aéreas
superiores, em geral com evolução autolimitada. A rinofaringite viral pode ser
causada por uma variada gama de agentes virais com maior ou menor agressi-
vidade. O quadros gerados pelo vírus influenza (gripe) determinam um quadro
semelhante, porém sempre mais intenso tanto local como sistemicamente, com
maior número de complicações.
Quadro clínico: espirros; prurido; rinorréia de início serosa que, após um ou dois
dias, se torna mucosa e até com momentos de cor amarela ou verde, voltando a
clarear espontaneamente com o passar dos dias; obstrução nasal; dor de garganta
precedendo os sintomas nasais ou os sucedendo; cefaléia; tosse; rouquidão (dis-
fonia).
Exame físico: hiperemia, edema de mucosa, secreção na fossa nasal; hiperemia
de orofaringe, às vezes com algum exudato em pequena intensidade.

Faringotonsilites
A maioria dos quadros é viral. Em relação à possibilidade de um quadro bac-
teriano, o agente necessariamente a ser descartado é o estreptococo do grupo A
β-hemolítico, pelas suas complicações locais (abcessos) e sistêmicas (febre reumá-
tica e glomerulonefrite). O diagnóstico diferencial entre os quadros virais e bac-
terianos é muitas vezes difícil e acaba determinando o uso indiscriminado de
antibióticos. O diagnóstico correto dessas moléstias infecciosas é importante em
termos de saúde pública pela crescente resistência bacteriana oriunda do uso

113
abusivo e desnecessário de antimicrobianos. O estreptococo β-hemolítico do
grupo A, pelas suas possíveis complicações não-supurativas (glomerulonefrite e
febre reumática) e supurativas (abscesso) com elevada morbimortalidade e con-
seqüências socioeconômicas, é o principal alvo no diagnóstico diferencial com
processos virais, significativamente mais prevalentes. Assim, no exame físico desses
pacientes, não só a orofaringe e o pescoço devem ser pesquisados, como a presen-
ça de alterações em toda a via aérea sugestivas de um processo viral (coriza,
tosse etc.). Mesmo diante de um paciente com os principais achados indicativos
de uma faringotonsilite por estreptococo, ou seja, tonsilas aumentadas,
hiperemiadas e com exudato branco, associada à presença de linfoadenopatia
jugulocarotídea dolorosa, febre elevada e odinofagia, menos de 30% dos casos
são realmente causados por esse agente. Essas informações indicam que, na
ausência desses achados clínicos, as chances de tratar-se de uma infecção bacte-
riana são ainda menores. Se associarmos essas informações ao fato de haver até
nove dias do início dos sintomas para que a instituição de tratamento antimicro-
biano seja adequada na prevenção da febre reumática, concluímos que, em caso
de dúvidas, pode ser solicitado o retorno do paciente em 48 horas para revisão
do exame físico. Se o julgamento do médico diante do quadro for favorável ao
tratamento com antimicrobianos, deve necessariamente optar-se pela penicilina
ou amoxicilina, já que a bactéria-alvo não apresenta resistência a essas drogas.
SEMIOLOGIA DA CABEÇA E DO PESCOÇO

Quadro clínico: dor (odinofagia); febre alta; mal-estar; calafrios; mialgias; artralgias;
linfoadenopatia dolorosa; ausência de sintomas virais; otalgia reflexa.
Exame físico: mucosa congesta, edemaciada, sobretudo em nível de tonsilas palati-
nas, exudato branco recobrindo as tonsilas; no caso de ocorrer eritema em tronco,
associado à presença de uma língua edemaciada, avermelhada (língua em fram-
boesa), caracterizaremos um quadro de febre escarlatina.

Herpangina
Quadro de muita dor (odinofagia) caracterizado pela presença de vesículas
sucedidas por ulcerações (aftas), desde o véu palatino, pilares amigdalianos e
parede posterior da faringe. Costuma haver sintomas virais nas demais regiões
das vias aéreas superiores. Os vírus Coxsackie A, B e ECHO são os principais
responsáveis.

Mononucleose infecciosa
Infecção causada pelo vírus Epstein-Barr, caracterizada por um início insidioso
de vários sintomas sistêmicos. Esses quadros costumam regredir após 2 a 4 sema-
nas. Não há indicação do uso de antimicrobianos para a patologia de base. A
utilização de amoxicilina pode desencadear rash cutâneo.
Sintomas: mal-estar, fadiga, febre persistente, cefaléia, náuseas, dor abdominal e
mialgias.
Sinais: aumento significativo das tonsilas palatinas com exudato, levando ao diag-
nóstico equivocado de uma faringotonsilite bacteriana; linfoadenopatia cervical
e/ou axilar; aumento do baço e do fígado.

114
Rinossinusite aguda
Distúrbio inflamatório do nariz e/ou seios paranasais causado por agentes
infecciosos virais, bacterianos ou fúngicos.
Quadro clínico: dor facial, cefaléia e febre; tosse, congestão nasal, fadiga e rinorréia
purulenta; hálito fétido.
Exame físico: mucosa nasal hiperemiada à rinoscopia anterior com possibilidade
de aumento de volume dos cornetos pelo edema; percussão sobre seios maxilares
e frontais pode gerar dor; presença de edema periorbitário tênue; na oroscopia,
pode haver secreção na parede posterior (gota pós-nasal).
A grande maioria dos casos de sinusite aguda costuma ocorrer como complica-
ção de uma infecção das vias aéreas superiores. A definição exata do tempo de
evolução do quadro (mais de 10 dias) e a ocorrência de recaídas (double sickening),
associadas à presença de secreção purulenta anterior ou gota pós-nasal e dor
nos dentes superiores, são os principais indicativos para o diagnóstico de rinossi-
nusite bacteriana. A verificação da velocidade de sedimentação globular e os
níveis de proteína C reativa também podem aumentar a acurácia do diagnóstico
(a presença de 3 dos 4 sinais e sintomas associados a um dos exames séricos
alterados permite uma sensibilidade de 61% e a uma especificidade de 81%).
Somente na presença de sinais de complicações de processos nasossinusais (celulite

SEMIOLOGIA DA CABEÇA E DO PESCOÇO


facial, abscesso subperiostial, abcesso orbitário, processos intracranianos) está
indicado o diagnóstico precoce de uma etiologia bacteriana.

Rinite alérgica
Processo decorrente do contato de um indivíduo atópico com alergenos ina-
latórios, levando a uma resposta inflamatória que determina aumento da per-
meabilidade capilar e transudação de fluidos na mucosa nasal.
Quadro clínico: espirros em salva que sobrevêm quando o paciente entra em contato
com os alergenos a que é sensível, ou quando se expõe a agentes físicos desenca-
deadores de hipersensibilidade; prurido nasal: pode estender-se da mucosa nasal à
mucosa conjuntival, nasofaríngea, da trompa de Eustáquio e até mesmo à pele do
lábio superior; coriza: de aspecto aquoso, podendo gotejar espontaneamente pelo
vestíbulo nasal; obstrução nasal: pelo aumento de volume dos cornetos. Acaba
ocorrendo respiração oral de suplência, com discutíveis alterações craniofaciais.
A intensidade dos sintomas citados pode variar em diferentes pacientes, sendo
necessário solicitar ao paciente que escalone os sintomas no sentido de definir o
melhor esquema terapêutico.
Exame físico: pode ser notado o surgimento de uma prega cutânea transversal
hiperemiada sobre o dorso nasal (saudação do alérgico); cornetos pálidos com
mucosa edemaciada; secreção hialina ou muóide nas fossas nasais.

Rinite vasomotora
Aumento da atividade parassimpática na altura das fossas nasais, sem eosi-
nofilia no muco nasal, com subseqüente vasodilatação e hipersecreção da mucosa.

115
O uso crônico de medicações nasais com vasoconstritores pode levar a um quadro
de rinite medicamentosa ou agravar o desequilíbrio nos casos de rinite vasomotora.
Quadro clínico: obstrução nasal rebelde, muitas vezes relacionada a variações de
temperatura e posição, ora em uma ora em outra narina, ou bilateral; rinorréia
serosa ou mesmo crises de espirros.
Exame físico: mucosa engurgitada, congesta, porém sem hiperemia e hipertrofia
de cornetos.

Epistaxe
A origem do sangue é, na grande maioria das vezes, da parte anterior do
septo, da chamada zona de Kiesselbach, um conglomerado de pequenos vasos
(veias e artérias) facilmente traumatizados pela unha do dedo introduzido no
nariz (mais comum), trauma craniofacial ou em pós-operatório de cirurgia na-
sossinusal. A hemostasia se faz por compressão, cauterização química ou elétrica
e, se necessário, tamponamento. A chamada epistaxe posterior exige uma investi-
gação clínica e um minucioso exame com ótica para localizar o ponto sangrante
e tentar a hemostasia com cautério elétrico. Uma vez não-localizada a origem do
sangue, o tratamento é, em primeiro lugar, o tamponamento de toda a fossa
nasal por vários dias. Atualmente deve ser considerada a alternativa de realizar-
se o tratamento cirúrgico para a ligadura endoscópica da artéria esfenopalatina
SEMIOLOGIA DA CABEÇA E DO PESCOÇO

ou etmoidais conforme a origem do sangramento como primeira escolha ou na


falha do tamponamento.

Massas cervicais benignas


Cistos de fenda branquial: mais depressíveis à palpação, indolores, geralmente an-
teriores ao bordo do músculo esternocleidomastóideo, em pacientes de 10 a 30
anos.
Cisto tireoglosso: massa na linha média junto ao osso hióide, que se movimenta
com a deglutição. Pode manifestar-se associado às infecções das vias aéreas su-
periores com características inflamatórias agudas que após o tratamento esfriam,
voltando a infectar-se novamente até sua remoção.
Outras massas menos comuns são as laringoceles, os hemangiomas, os
linfangiomas, os cistos dermóides, os cístos tímicos e o divertículo de Zenker.
Aumentos de volume da região submandibular podem estar associados a sia-
loadenites agudas ou crônicas.
O aumento da tireóide (bócio) também entra no diagnóstico diferencial das
massas cervicais.

Massas cervicais malignas


Neoplasia de rinofaringe: seu diagnóstico pode ser muitas vezes conseqüência da
investigação de uma linfoadenopatia metastática cervical. Além de sangramento
e obstrução nasais dependendo do tamanho, também poderá determinar se há
ocorrência de otite média com efusão crônica unilateral pela infiltração na tuba
auditiva.

116
Neoplasia de orofaringe: altamente metastática, pela rica drenagem linfática. Lo-
calmente determina odinofagia, otalgia reflexa, halitose e sangramento oral.
Neoplasias de hipofaringe: devido a sua localização, apresenta, em primeiro lugar,
odinofagia (dor à deglutição). Pode haver sangramento e otalgia reflexa. Depen-
dendo do tamanho, pode alterar as características da voz (hot potato voice).
Neoplasia de laringe: a maioria ocorre na região glótica (60%), causando disfonia
como primeiro e precoce sintoma. A metastatização é mais demorada pela pobre
vascularização linfática e pelo arcabouço cartilaginoso que retém a proliferação.
Por outro lado, dependendo do tempo de evolução e do tamanho adquirido,
desencadeia dispnéia importante. A região supraglótica vem em segundo lugar,
muito à frente das lesões da região subglótica. Pela falta de sintomas, pode apre-
sentar crescimento insidioso até um tamanho suficiente para causar odinofagia,
sensação de corpo estranho, sangramento, halitose e, mais tardiamente, disfagia
e otalgia reflexa. Na região subglótica o primeiro sintoma é a dispnéia. Nesse
tipo de lesão, metástases para linfonodos pré e paratraqueais ou mediastino pos-
terior podem ser mais precoces.
Linfomas: uma adenomegalia cervical pode ser o primeiro achado desse tipo de
doença. Por exemplo, o linfoma de Hodgkin, inicialmente apresenta-se apenas
nos linfonodos, progredindo na mesma cadeia linfonodal, por disseminação. Os

SEMIOLOGIA DA CABEÇA E DO PESCOÇO


linfomas não-Hodgkin envolvem sítios extranodais com muito mais freqüência
e, devido a essa disseminação hematogênica precoce, encontra-se geralmente
em mais de um local quando do seu diagnóstico. Sintomas como perda de peso,
febre, prurido e sudorese noturna podem estar presentes.

DICAS
Q Os achados de emagrecimento e astenia podem fazer parte do quadro de
qualquer neoplasia da cabeça e pescoço.
Q As neoplasias que mais comumente metastatizam para linfonodos cervicais
são pulmão, mama e trato gastrintestinal.
Q A opção por tratar as infecções das vias aéreas superiores está diretamente
relacionada à determinação do tempo de evolução e do número de regiões
atingidas pelo processo.
Q Paciente com quadro clínico de tonsilite bacteriana sem resposta ao trata-
mento antimicrobiano e apresentando linfadenopatia cervical e/ou sistêmica
deve levantar suspeita de mononucleose infecciosa.
Q Paciente com mononucleose que recebe tratamento com ampicilina/amoxi-
cilina pode apresentar rash cutâneo.
Q Na suspeita de mononucleose, deve-se evitar o uso de ampicilina/amoxici-
lina.
Q Não usar sulfametoxazol/trimetoprim na suspeita de tonsilite por estreptoco-
co do grupo A beta-hemolítico (a bactéria apresenta resistência a esse an-
tibiótico).

117
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS
Adams GL, Boies LR, Paparella MM. Otorrinolaringologia. Rio de Janeiro: Editora
Interamericana; 1979.

Alper, Myers, Eibiling. Decision making in Ear, Nose, and Throat Disorders. Philadelphia:
Editora W.B. Saunders; 2001.

Costa SS, Cruz OLM, Oliveira JAA. Otorrinolaringologia: Princípios e Prática. Porto Alegre:
Artmed Editora; 1994.

Rosenfeld MR, Bluestone CD. Evidence-based otitis media. Hamilton, Ontario: BC Decker
Inc.; 1999.

Sih T. Infectologia em otorrinopediatria. Rio de Janeiro: Revinter; 2001.

Sociedade Brasileira de Otorrinolaringologia (SBORL). Tratado de ORL. São Paulo: Rocca;


2002.

Sites recomendados
Sociedade Brasileira de Otorrinolaringologia (SBORL):
www.sborl.org.br

Periódicos
Archives Otolaryngology Head and Neck Surgery:
SEMIOLOGIA DA CABEÇA E DO PESCOÇO

http://archotol.ama-assn.org/cgi/content/full/129/3/285

Diversos
Guia de otorrinolaringologia na Internet:
www.bcm.tmc.edu/oto/others.html

118
8
EXAME DE FUNDO DE OLHO
RAFAEL NETTO
JOSÉ MIGUEL DORA
CAIO AUGUSTO SCOCCO
SÉRGIO KIWTKO

O exame do fundo de olho por meio da oftalmoscopia direta faz parte do exame
físico de rotina e tem por finalidade inspecionar as seguintes estruturas oculares:
câmara anterior, pupila, cristalino, retina, nervo óptico, mácula, artérias e veias.
Trata-se de um exame não-invasivo, que fornece informações clínicas importantes
para a avaliação de pacientes com doenças sistêmicas e oculares, podendo ser
realizado por qualquer médico treinado.
Para um adequado exame das estruturas do fundo de olho, a dilatação pupilar
deve ser realizada utilizando-se colírio midriático tópico (tropicamida 1% – Mydria-
cyl® 1%). Deve-se evitar o uso de atropina como cicloplégico pelo seu longo tempo
de ação (duas semanas). Antes da aplicação do colírio midriático, pode-se utilizar
anestésico tópico (cloridrato de proximetacaína 0,5% – Anestalcon®) para diminuir
a irritação. Nos pacientes internados, deve-se registrar no prontuário o uso do
colírio midriático para evitar interpretações precipitadas pela equipe assistente.
Apesar do temor de indução de glaucoma de ângulo agudo com o uso do
midriático, essa complicação é rara e pode ser evitada por meio de checagem de
contra-indicações para a dilatação e de vigilância de sintomas sugestivos do quadro
no período pós-exame. As contra-indicações devem ser investigadas por meio
da amamnese antes de se efetuar o procedimento. Os pacientes que realizaram
a dilatação pupilar prévia, sem intercorrências, até dois anos antes do exame,
podem ser submetidos ao procedimento sem maiores preocupações. A complica-
ção mais freqüente na realização da dilatação pupilar é a translocação de bactérias
de um paciente ao outro através do colírio. Portanto, se a ponta do frasco do
colírio tocar a mucosa ou a pele do paciente ou do examinador, o frasco deve ser
descartado. A dilatação pupilar no paciente em coma está, em princípio, contra-
indicada, uma vez que tanto o grau de dilatação como as respostas pupilares são
fundamentais à avaliação do comprometimento cerebral.
Entre as contra-indicações para a dilatação pupilar, citam-se:
Q História de glaucoma de ângulo agudo.
Q Câmara ocular anterior rasa, podendo ser avaliada com o uso do nipple
test (Figura 8.1).
Fonte de luz

Profunda Rasa

Figura 8.1 – Iluminação oblíqua do segmento anterior do olho para avaliação da


profundidade da câmara anterior (nipple test). O risco de glaucoma agudo é maior
nos pacientes com câmara rasa.

O glaucoma de fechamento angular agudo é uma situação clínica rara, entre-


tanto extremamente grave. A apresentação clínica é de dor ocular, cefaléia, fo-
tofobia, diminuição da acuidade visual, hiperemia de conjuntiva, lacrimejamento
intenso, edema de córnea e consistência dura à palpação bidigital do globo ocular.
Se não-identificado e tratado adequadamente, pode evoluir para cegueira.

ANATOMIA OCULAR
EXAME DE FUNDO DE OLHO

Ver Figuras 8.2 e 8.3.

TÉCNICA DO EXAME
O exame deve ser explicado ao paciente, alertando-o de que haverá diminuição
da acuidade visual e fotofobia por cerca de quatro horas após a realização do
exame.

Realização do exame
Q Investigar as contra-indicações para a dilatação pupilar.
Q Com o oftalmoscópio na mão direita, utilizando o olho direito, examinar o
olho direito do paciente. O olho esquerdo deve ser mantido aberto durante
o exame. Para examinar o olho esquerdo do paciente, o oftalmoscópio
deve ser sustentado com a mão esquerda, e o olho utilizado deve ser o
esquerdo. Inicialmente o exame com o olho não-dominante pode ser difícil,
entretanto deve ser treinado e aperfeiçoado dessa forma.
Q Instilar o colírio cerca de 30 minutos antes da realização do exame.
Q Providenciar ambiente escuro para a realização do exame.
Q Com o paciente sentado, posicioná-lo de modo que seus olhos fiquem na
altura dos olhos do examinador.
Q Instruir o paciente a olhar para um ponto a sua frente e manter o olhar
fixo.

120
Porção orbitária Porção tarsal
da pálpebra da pálpebra
Esclerótica Íris

Canto medial Limbo Pupila


Canto lateral

Figura 8.2 – Ectoscopia ocular (modificada de De Gowin[1]).

EXAME DE FUNDO DE OLHO


Câmara vítrea
Cristalino (humor vítreo)
Esclerótica

Câmara anterior
(humor aquoso)

Fóvea

Córnea

Nervo
óptico

Íris
Papila
Retina

Figura 8.3 – Secção horizontal do olho direito (modificada de Esteves[2]).

121
Q Incidir a luz do oftalmoscópio lateralmente ao olho para inspecionar câmara
anterior.
Q Iniciar o exame com o aparelho em 10 dioptrias, incidindo a luz do oftalmos-
cópio 15o lateralmente ao paciente a cerca de 30 cm de distância do olho.
Aproximar a luz do olho do paciente atentando para o reflexo vermelho.
Q Com o segundo dedo da mão que sustenta o oftalmoscópio, ajustar as
dioptrias à medida que se aproximar do paciente e iniciar a visualização do
fundo de olho.
Q Observar o fundo de olho por quadrantes, observando em cada um deles:
– veias e artérias: tamanho, entrecruzamentos, irregularidades, pulsação
venosa e tortuosidades;
– retina: pigmentação e presença de lesões;
– disco óptico: cor, margens e foco relativo à retina.

LOCALIZAÇÃO DAS LESÕES


A localização das lesões é melhor realizada utilizando-se a imagem de um relógio
e descrevendo-se as lesões às 12 h e às 3 h em relação ao centro da retina. Tanto
o tamanho das lesões como sua distância em relação à papila devem ser medidos
em “diâmetro do disco óptico” (Figura 8.4).

O FUNDO DE OLHO NORMAL


O exame com oftalmoscópio inicia com a observação do cristalino, que deve ser
EXAME DE FUNDO DE OLHO

transparente e apresentar o “reflexo vermelho” sem opacidades. A retina apresen-


ta cor vermelho-alaranjada, homogênea. Sua maior ou menor pigmentação va-
ria com a cor da pele do paciente. O disco óptico possui coloração rósea, com
bordas bem-definidas, podendo haver leve borramento da borda nasal. A escava-
ção fisiológica corresponde à área de penetração do nervo óptico. Localiza-se na
porção central do disco, sendo de cor branca ou amarelo-pálida e de tamanho
variável. Os vasos retinianos projetam-se radialmente a partir do disco óptico,
com a veia acompanhando a artéria na maioria das vezes. A visualização direta
permite diferenciá-los entre artérias e veias. Lateralmente, no mesmo plano hori-

Figura 8.4 – Lesão hemorrágica com bordas irregulares medindo


1 diâmetro do disco óptico no seu maior eixo, posicionada às 2h, a 1 diâmetro do disco.

122
Quadro 8.1 Fundo de olho normal

Arteríolas Vênulas
Cor Vermelho-brilhante Escura
Espessura Menores (4/5 da espessura das veias)#
Aparência Listra central branca (reflexo luminoso) Homogênea
Pulsação Não-pulsáteis Pulsáteis*

# A relação normal arteríola/vênula pode variar de 0,7 a 1.


* A ausência de pulsação pode ser um achado normal.

zontal do disco óptico, identifica-se a mácula de coloração rosa-pálida e com


pequena área vermelho-escura central (fóvea).
Raramente a mielinização das fibras ópticas estende-se além da lâmina crivosa
(na base da escavação fisiológica), apresentando-se como placas claras emergindo
da borda do disco óptico e estendendo-se por um ou dois quadrantes da retina.
Os vasos próximos ao disco podem não ser visualizados. Essa é uma variação da
normalidade, sem implicações clínicas.
Fundo de olho no idoso: algumas alterações no exame da retina ocorrem com o

EXAME DE FUNDO DE OLHO


envelhecimento. A vasculatura torna-se mais estreitada e retificada, e os vasos
coroidais são de fácil visualização.

ALTERAÇÕES PATOLÓGICAS
Cristalino
Opacidades lenticulares (catarata) formam manchas negras no reflexo verme-
lho. A ausência do reflexo vermelho pode ocorrer por posicionamento inadequado
do oftalmoscópio, catarata e hemorragia vítrea. Descolamento de retina, retino-
blastoma e coriorretinite podem apresentar reflexo branco.

Retina
Exsudatos algodonosos: resultado de edema e espessamento das terminações ner-
vosas por infarto isquêmico. Possuem cor branca à acinzentada, com bordas
pouco definidas.
Exsudatos duros: pequenos focos branco-amarelados com bordas bem-definidas.
Formam-se a partir do acúmulo de lipídeos após exsudação vascular.
Manchas pigmentadas: secundárias a hemorragias antigas.
Manchas brancas/amareladas: depósitos de talco observados em usuários de drogas
intravenosas (metilfenidato).

123
Estrias angióides: linhas pigmentares radiais ao disco óptico. Indicam provavel-
mente degeneração de tecido elástico da retina.

Hemorragias
Derrames sub-retinianos: apresentam-se sob a forma de áreas escuras, elevadas,
simulando tumor melanótico.
Hemorragias mais superficiais: são lesões focais, de margens borradas e cor vermelha.
Microaneurismas: cor vermelha, bordas bem-definidas, não são reabsorvidos,
podendo ocorrer em grupos.
Hemorragias em chama de vela: ocorrem na camada nervosa da retina; cor verme-
lha, presença de estrias.
Hemorragia pré-retiniana: apresentam formato de meia-lua, com nível líquido na
porção superior.
Manchas de Roth: pequenos focos hemorrágicos com área clara central. São en-
contrados na endocardite bacteriana e na leucemia.
Entre as causas de hemorragia, destacam-se hipertensão, diabete, papiledema,
oclusão de vasos retinianos, HIV, lúpus, doença de Takayasu, macroglobulinemia,
leucemia, policitemia, anemia falciforme e sarcoidose.
Reflexo luminoso: as artérias possuem uma coluna branca central (reflexo luminoso).
EXAME DE FUNDO DE OLHO

O espessamento da parede leva ao espessamento do reflexo luminoso. Na doença


hipertensiva moderada as artérias têm o aspecto de fio de cobre. Nos casos de
doença muito avançada, encontram-se as artérias em fio de prata.
Cruzamentos vasculares: as arteríolas e as vênulas seguem trajetos semelhantes
na retina, sendo que, na maioria das vezes, a arteríola cruza sobre a vênula. Na
oftalmoscopia, não se visualizam as paredes dos vasos, mas sim a coluna de
sangue que circula por eles. Assim, processos que alteram a espessura arteriolar
tendem a causar alterações nos cruzamentos vasculares. A interrupção venosa
ocorre quando a arteríola que cruza o vaso apresenta bainhas espessadas. A
deflecção venosa é secundária à formação de um ângulo de 90o entre a arteríola
espessada e a veia (os ângulos normais são agudos). O afunilamento ocorre
quando a arteríola comprime a vênula.
A presença ou não de pulsação venosa é observada em muitas pessoas. A
simples ausência de pulsação venosa não tem significado semiológico algum,
pois é um achado freqüente na ausência de qualquer distúrbio. A visualização de
pulsação venosa sugere pressão intracraniana normal. A perda da pulsação venosa,
em paciente em que essa havia sido documentada, com quadro clínico compatível,
indica pressão intracraniana aumentada.

Mácula
Edema macular acompanhado de outras alterações retinianas, como exsudatos
e hemorragias.

124
Disco óptico
Atrofia óptica: o disco óptico apresenta-se branco, com bordas e escavação fisio-
lógica bem-definidas. Na atrofia secundária à coriorretinite, o disco apresenta-se
amarelado e são comuns áreas hemorrágicas e pigmentadas.

QUADROS SINDRÔMICOS
Degeneração senil: pequenas manchas pigmentares próximas à mácula, que mostra
borramento das bordas.
Descolamento de retina: a retina descola a partir de buracos criados em sua estrutura
e o conseqüente preenchimento do espaço por líquido oriundo do vítreo. A retina
descolada projeta-se, fica pregueada e apresenta tremor ao movimento do olho.
Degeneração pigmentar: chamada retinose pigmentosa, com diminuição do calibre
dos vasos e hiperpigmentação da retina.
Oclusão arterial: associada à perda súbita de visão. Palidez da retina, estreitamento
arterial, veias sem pulsação. A palidez da isquemia retiniana permite a visualização
da mácula com uma mancha cor de cereja (cherry-red spot). Pode ocorrer na
sífilis, na febre reumática, na hepatite e na arterite temporal. Mais raramente
ocorre no lúpus, na anemia falciforme, na crioglobulinemia e na tromboangeíte
obliterante.
Oclusão venosa: não se associa à perda abrupta de visão. Distensão e tortuosidade

EXAME DE FUNDO DE OLHO


das veias associadas a hemorragias. Encontrada no diabete, na tuberculose, na
policitemia, no mieloma múltiplo, na macroglobulinemia e na leucemia. Acompa-
nha-se de neovascularização na anemia falciforme.
Cicatriz de fotocoagulação a laser: múltiplas cicatrizes hipocrômicas circulares típicas.
Lipemia retiniana: vasos brancos como resultado do plasma leitoso rico em quilomicras
(cetoacidose diabética e hiperlipidemias) e triglicerídios (> 2.000 mg/dL).
Papilite: resultado de neurite óptica, classicamente manifesta-se por edema do
disco com hiperemia e margens maldefinidas associado à perda visual. Pode ocorrer
em casos de uveíte, retinite, esclerose múltipla, meningite, sinusite, sífilis, tubercu-
lose, influenza, sarampo, malária, cachumba, pneumonia, gravidez e intoxicação
por metanol.
Papiledema: é o edema do disco óptico secundário ao aumento da pressão intra-
craniana. Geralmente bilateral e simétrico. Distingue-se do edema causado pela
neurite pela manutenção da visão, borramento vascular, distensão e ausência de
pulso venoso. O edema da retina pode, ainda, tracioná-la, criando a chamada
estrela macular (linhas claras de disposição radial em torno da fóvea). O nervo
óptico comunica-se, em toda a sua extensão, com o espaço subaracnóide. Em
condições normais, a pressão intra-ocular é superior à pressão intracranina. Quan-
do a pressão intracraniana supera a intra-ocular, cessa o fluxo axoplasmático,
ocasionando estase e extravasamento de líquido, proteínas e outros elementos
nas terminações nervosas. A principal causa de papiledema é o tumor cerebral,

125
Quadro 8.2 Papiledema

Inicial Acentuado Crônico Atrófico


Borramento Borramento das Disco arredondado Afilamento e
discreto das margens mais Obliteração da embainhamentos
margens do acentuado escavação dos vasos
disco Ingurgitamento Desaparecimento Atrofia óptica
Hiperemia venoso lento de centrífuga
Hemorragia Elevação do disco hemorragias e
peripapilar Hemorragias e exsudatos
infartos Disco com
peripapilares aparência
leitosa e
exsudatos duros
Atenuação de
arteríolas
(irreversível)

seguido da hidrocefalia. Mais raramente, retinopatia hipertensiva, arterioloes-


clerótica e leucêmica podem ser a causa. Hemorragia subaracnóide, meningite e
intoxicação por salicilatos também estão associadas à papiledema.
EXAME DE FUNDO DE OLHO

RETINOPATIA HIPERTENSIVA
Lesões vasculares secundárias à hipertensão arterial também manifestam-se nos
vasos retinianos. A grande contribuição do exame de fundo de olho encontra-se
na possibilidade única de visão direta dos vasos sangüíneos, facilitando a detecção
de processos patológicos que podem ocorrer de forma sistêmica.
Os vasos retinianos, diferentemente do restante do organismo, não possuem
inervação autonômica, estando mais suscetíveis ao dano causado pela sobrecarga
pressórica. Entre as alterações arteriolares, o estreitamento vascular é um achado
precoce. Na fase crônica, a presença de tortuosidade aumentada, estreitamentos
focais ou generalizados e aumento do reflexo dorsal são indicativos de arterioloes-
clerose. Exsudatos algodonosos e transudatos periarteriolares (áreas esbranquiça-
das de tamanho variável) podem estar presentes. Entrecruzamentos patológicos
(entre artérias e veias) também são característicos, destacando-se deflexão da veia
pela arteríola, afilamento dos segmentos proximal e distal da vênula, represamento
e dilatação venosa. As lesões extravasculares correspondem às hemorragias em
chama de vela, ao edema da retina e aos depósitos lipídicos (exsudatos duros).
Existem pelo menos três classificações visando estadiar a retinopatia hiper-
tensiva de acordo com o dano causado pela doença ao olho: Keith-Wagner-
Baker (KW) (Quadro 8.3), Scheie e Gerome Gans (Quadro 8.4).

126
Quadro 8.3 Classificação de Keith-Wagner-Baker

a) KW I Diminuição do calibre e aumento do reflexo arteriolar


b) KW II Arteríolas reduzidas a à metade do diâmetro inicial
Arteríolas em “fio de prata” e “fio de cobre”
Entrecruzamentos patológicos
Estreitamento arteriolar difuso ou localizado
c) KW III Hemorragias superficiais
Exudatos algodonosos
Retina brilhante
d) KW IV Edema de papila

RETINOPATIA DIABÉTICA
A retinopatia diabética é uma complicação microvascular da doença, que pode
ser identificada na avaliação clínica de rotina por meio do exame de fundo de
olho. O grau de descontrole metabólico e o tempo de evolução da doença são
fatores importantes no desenvolvimento das complicações oculares do diabete
melito (DM). O DM é a principal causa de cegueira adquirida em países desenvol-
vidos, podendo ser prevenido se identificado precocemente. A retinopatia diabéti-
ca é dividida em retinopatia diabética não-proliferativa (RDNP) e retinopatia

EXAME DE FUNDO DE OLHO


diabética proliferativa (RDP), sendo a última a de pior prognóstico com maior
risco de dano ocular irreversível.
RDNP: presença de microaneurismas, hemorragias retinianas puntiformes, hemor-
ragias em chama de vela, exsudatos duros, exsudatos algodonosos, edema reti-

Quadro 8.4 Classificação de Gerome Gans

Alterações arterioloescleróticas
A0 Fundo de olho sem alterações arterioloescleróticas
A1 Arterioloesclerose discreta com aumento do reflexo dorsal,
irregularidade do calibre e entrecruzamentos patológicos
A2 Arterioloesclerose severa com arteríolas em fio de cobre e fio de prata
e acentuados fenômenos de entrecruzamento
A3 Os sinais anteriores acrescidos de oclusões venosas de ramo

Alterações hipertensivas
H0 Fundo de olho sem alterações hipertensivas
H1 Espasmos arteriolares focais e discreto edema da retina
H2 Os sinais citados acrescidos de hemorragia e exsudatos
H3 Os sinais citados acrescidos de edema de papila

127
Quadro 8.5 Retinopatia diabética

RDNP Hemorragias puntiformes e em chama de vela


Exudatos duros
Microaneurismas
Edema retiniano
Exudatos algodonosos
RDP Achados da fase não-proliferativa + neovascularização
Cegueira Descolamento de retina
Hemorragia vítrea
Trombose venosa/arterial

niano e veias em rosário. É o primeiro estágio da retinopatia diabética. Quanto


mais graves as alterações, maior a chance de evolução para RDP.
RDP: estágio avançado da retinopatia diabética, caracteriza-se por proliferação
de neovasos retinianos. É um quadro de alto risco para o desenvolvimento de
complicações como hemorragia vítrea e descolamento de retina, que podem
comprometer irreversivelmente a acuidade visual.

FUNDO DE OLHO NO PACIENTE COM AIDS


EXAME DE FUNDO DE OLHO

Complicações acometendo o segmento ocular posterior (retina, coróide e nervo óp-


tico) estão presentes em mais de 50% dos pacientes com AIDS. O exame de fundo
olho, associado ao quadro clínico, permite o diagnóstico na maioria dos casos.
Retinopatia associada ao HIV: ocorre em 50 a 70% dos pacientes, sendo comuns
exsudatos algodonosos, hemorragias intra-retininas e microaneurismas. A progres-
são das lesões acompanha a queda dos linfócitos CD4.
Retinite por citomegalovírus: ocorre mais comumente com contagens de CD4 abaixo
de 100 células/mL. A inspeção da câmara anterior e do vítreo revela mínima
inflamação. Espessamento retiniano expressa-se por extensa área clara com he-
morragias intra-retinianas.
Retinite por varicela zoster: clareamento da retina e hemorragias intra-retinianas.
Distingue de infecção por citomegalovírus (CMV) pela rápida progressão, lesões
multifocais e acometimento precoce de camadas profundas da retina.
Coriorretinite por toxoplasma: inflamação moderada à severa da câmara anterior,
ausência de hemorragias; cicatrizes pigmentadas. Normalmente multifocal e bila-
teral. Cerca de 30 a 50% dos pacientes têm envolvimento do SNC.

OLHO VERMELHO
A expressão “olho vermelho” caracteriza-se pela hiperemia da conjuntiva bulbar.
Sua origem, entretanto, pode estar relacionada ao acometimento da córnea, da

128
esclera, da íris, do corpo ciliar e da própria conjuntiva. O aumento de pressão
intra-ocular também pode ser causa de olho vermelho. A maioria dos casos de
olho vermelho é de caráter benigno, podendo ser diagnosticada e manejada em
nível de atenção primária (Quadros 8.6 e 8.7).

ACUIDADE VISUAL
Habitualmente, utilizam-se quadros especiais com letras em diversos tamanhos.
O mais conhecido é a o quadro de Snellen. O paciente é posicionado a 6 m do
quadro. Realiza-se o exame de cada olho separadamente, encobrindo o outro
com um cartão sem comprimi-lo. Solicita-se ao paciente que leia o quadro o mais
inferiormente possível. Se o paciente conseguir ler a linha 20/20, passa-se ao ou-
tro olho. Caso não consiga, será registrada a menor linha atingida. Os pacientes
que não conseguem enxergar as maiores linhas do quadro devem ser aproximados
do quadro, registrando-se a distância em que o exame foi executado. Os pacien-
tes que utilizam óculos para longe devem repetir o exame, registrando-se a visão
“sem correção” e “corrigida”. À beira do leito, pode-se utilizar cartões (semelhan-
tes ao quadro de Snellen e colocados a uma distância de 40 cm do paciente) para
a realização de um exame simplificado da acuidade visual (Figura 8.5).

EXAME DE FUNDO DE OLHO


A
DF
HZP
TXUD
ZADNH
PNTUHX
U A Z N F D T
N P H T A F X U
X D F H O T Z A N

F A X T D N H U P Z

Figura 8.5 – Quadro de Snellen. Os números correspondem a distância (em metros)


em que se visualiza cada linha na ausência de deficiência visual.

129
EXAME DE FUNDO DE OLHO

130
Quadro 8.6 Olho vermelho

Corpo Uveíte Glaucoma Hemorragia


Conjuntivite estranho anterior agudo subconjuntival Blefarite Episclerite Esclerite Ceratite
Fisiopatologia Inflamação Irritação da Inflamação Obstrução Trauma, Inflamação Inflamação Associada Inflamação
da conjuntiva córnea e/ou da íris e do da drenagem fragilidade dos folículos auto-imune a doenças do epitélio
por bactérias, conjuntiva corpo ciliar do humor capilar, pilosos, nos vasos vasculares e/ou
fungos, vírus, por corpo (iridociclite) aquoso e distúrbios de podendo da episclera e do tecido estroma
protozoários, estranho elevação da coagulação, ser de (camada conjuntivo corneano**
alergenos pressão hipertensão causa entre
intra-ocular ou após infecciosa a conjuntiva
Valsalva ou alérgica e a esclera)
vigorosa

Hiperemia Difusa, mais Variável Difusa, Difusa, Localizada, Perifolicular; Focal Focal ou Difusa
evidente nos mais mais circunscrita bulbar difusa
fórnices evidente evidente difusa
ao redor ao redor
do limbo do limbo

Secreção Sim Não Pouca ou Ausente Ausente Presente Ausente Ausente Presente
ausente (se
infecciosa)

Pupila Normal Normal Miótica Dilatação Normal Normal Normal Miose na Miose na
moderada; presença presença
sem reação de uveíte de uveíte
à luz secundária secundária

continua...
Dor Ausente Presente Moderada Moderada Ausente Ausente Leve à Moderada Moderada
a severa moderada à severa à severa
± náuseas
e vômitos

Visão Íntegra Íntegra, Redução Muito Íntegra Íntegra Íntegra Pode estar Redução
se não leve à reduzida reduzida moderada
comprometer moderada à severa
eixo visual

Córnea Limpa, Pode estar Íntegra Opacificada Íntegra Ressecamento Clara Opacidade Opacificada
exceto nas lesada e microlesões periférica
adenoviroses

Outras Fotofobia, Pode Ressecamento Dilatação Risco de


características lacrimeja- ocasionar da córnea importante perda visual
mento e complicações pode levar dos vasos Esclera
história de como a erosões, da episclera apresenta-se
trauma glaucoma, à distorção rosada
Exame com anormalidades visual e
colírio pupilares, à fotofobia.
anestésico catarata Pode causar
e lupa e disfunção aposição
Everter a macular anômala das
pálpebra margens
superior* palpebrais
(ectrópio e
entrópio)

* Levantam-se os cílios superiores e inverte-se a pálpebra na sua porção média com a ajuda de um cotonete na busca do corpo estranho.
** Olho seco, conjuntivite viral, luz UV, lente de contato, bactérias, fungos, doenças auto-imunes.

131
EXAME DE FUNDO DE OLHO
Quadro 8.7 Conjuntivites viral, bacteriana e alérgica

Conjuntivite viral Conjuntivite bacteriana Conjuntivite alérgica


Secreção aquosa. Início agudo, em um olho, Sazonal: reação de
Acompanha ou segue passando ao outro olho hipersenssibilidade,
um quadro de infecção em 48 horas mais comum em
viral de vias aéreas Secreção purulenta e pacientes atópicos
superiores acúmulo de crostas na Medicamentosa:
Linfonodos pré- região ciliar o prurido é a
auriculares (minoria) (principalmente característica
Altamente contagiosa ao acordar) marcante (na
Conjuntivite herpética: S.aureus é o agente vigência de
lesões dendríticas na mais comum medicação ocular
córnea e vesículas nos Conjuntivite gonocócica; tópica)
lábios, rosto ou pele tem início hiperagudo,
palpebral com secreção purulenta,
hiperemia e edema
intensos
Conjuntivite por clamídea
associa-se a desconforto
ocular de início agudo
ou subagudo;
contaminação genital,
EXAME DE FUNDO DE OLHO

secreção mucopurulenta,
cílios “colados” ao
acordar e quemose
Ocorre em neonatos
por contaminação no
canal do parto** #

**Elevação da conjuntiva bulbar por acúmulo de líquido.


# Mais comum em jovens sexualmente ativos. Pesquisar sinais e sintomas de uretrite/
vaginite em paciente e contatos.

LEUCOCORIAS
Entende-se por leucocoria a opalescência da área pupilar. As principais causas
são listadas a seguir.

Neoplasia
O retinoblastoma é um tumor maligno sólido intra-ocular, cuja manifestação
primária em 70% dos casos é a leucocoria. Possui maior incidência entre o nasci-
mento e os três anos de idade. É raro após os cinco anos. Em 25 a 30% das vezes

132
apresenta-se bilateralmente. O estrabismo como manifestação primária desse
tumor ocorre em 20% dos casos.

Hipoxia
A retinopatia do prematuro ocorre por lesão isquêmica da retina. A região
temporal da retina é especialmente sensível, pois completa seu desenvolvimento
apenas um mês após o nascimento. Os fetos submetidos a altas concentrações
de oxigênio também correm risco. Há descolamento da retina como conseqüência
da neovascularização e da tração vitreorretiniana. Freqüentemente é assimétrica.

Congênitas
A persistência do vítreo primário hiperplásico apresenta-se com leucocoria
unilateral. Associa-se a globo ocular de dimensões reduzidas e câmara anterior
bastante rasa. Opacidades parciais ou totais podem ser observadas no cristalino
após a dilatação pupilar. Além da opacidade, pode haver massa amorfa branco-
acinzentada aderida ao cristalino, o que contribui para a leucocoria.

Infecções
A toxocaríase ocular manifesta-se com alteração do estado geral (febre, ade-
nopatia, hepatoesplenomegalia, eosinofilia) associada a granuloma sub-retiniano
único ou massa inflamatória vítrea. A fisiopatologia inclui tração vitreorretiniana,
gliose e descolamento da retina.

EXAME DE FUNDO DE OLHO


Vascular
As telangiectasias retinianas, a exsudação e o descolamento da retina consti-
tuem a doença de Coats. São mais afetados os indivíduos do sexo masculino
entre 4 e 10 anos de idade. O seguimento anterior e a cavidade vítrea não sofrem
alterações. A dilatação dos vasos do quadrante superior da retina é típica. Com a
evolução do quadro, podem surgir hemorragias retinianas, líquido sub-retiniano
e descolamento total da retina.

Alterações do cristalino
O cristalino é uma estrutura biconvexa, avascular, incolor e quase completa-
mente transparente. Sua única função é focalizar os raios luminosos sobre a retina.
A catarata é a opacificação do cristalino, podendo-se apresentar em graus variados.
Sua fisiopatologia inclui edema, necrose e descontinuidade das fibras do cristalino.
As causas são variadas.
A maioria das cataratas é invisível ao observador casual até atingir o estado
avançado. O exame com auxílio do oftalmoscópio e a dilatação pupilar podem
ser úteis na detecção precoce das opacidades. Normalmente, o paciente queixa-
se de “visão borrada”. Pode haver desproporção entre o grau da catarata clinica-
mente observado e a redução na acuidade visual.

133
Quadro 8.8 Etiologia

Comentários Causas de catarata


Catarata senil É o tipo mais comum. O único sintoma é a visão
borrada, com progressão lenta. O quadro inicial pode
incluir o aumento paradoxal da visão para perto
(explicado pelo aumento na convexidade do cristalino).
Apesar de ser bilateral, pode apresentar níveis distintos
de gravidade em ambos os olhos.

Catarata congênita Maioria bilateral. Associação positiva com infecção


materna por rubéola no primeiro trimestre da gestação.
A leucocoria apresenta-se com opacificações de
densidades variadas.

Catarata traumática Secundária a traumatismos contusos ou perfurantes


do cristalino. Pode haver opacificação aguda, visão
borrada e olho vermelho. Infecção, uveíte, descolamento
da retina e glaucoma podem complicar o quadro.

Catarata associada a Hipoparatireoidismo, diabete, distrofia miotônica,


doenças sistêmicas dermatite atópica, galactosemia, síndromes de Lowe,
Werner e Down.
Catarata secundária à Uveíte recorrente, glaucoma, retinose pigmentar e
EXAME DE FUNDO DE OLHO

doença intra-ocular descolamento da retina podem levar ao surgimento


de catarata.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CITADAS


1. DeGowin RL. DeGowin’s diagnostic examination. 7th ed. New York: McGraw-Hill/Health
Professions Divisions; 1990.

2. Esteves JF. Olho vermelho. In: Duncan B. Medicina ambulatorial. 2. ed. Porto Alegre:
Artmed; 1996. A 3a edição de Medicina ambulatorial: condutas de atenção primária baseadas
em evidências foi publicada em março de 2004 pela Artmed Editora.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS


Bickley LS. Bate’s guide to physical examination and history taking. 7th ed. Philadelphia:
Lippincott Williams & Wilkins; 1999.
Cunningham ET, Margous TP. Ocular manifestations of HIV infection. N Engl J Med 1998;
339(4):236-44.
Despopoulos A. Color atlas of physiology. 4th ed. New York: Thieme Medical Publ; 1991.
Esteves JF, Telichevesky N, Kwitko S. Rotinas em oftalmologia. Porto Alegre: Artmed; 1995.
Leibowitz HM. The red eye. N Engl J Med 2000; 343(5): 345-51.
Vaughan D. Oftalmologia geral. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 1983.

134
9
SISTEMA RESPIRATÓRIO
SÉRGIO SALDANHA MENNA BARRETO
ÂNGELA BEATRIZ JOHN

As queixas com origem no sistema respiratório, particularmente nas vias aéreas


inferiores, estão entre as mais freqüentes na rotina médica, perfazendo cerca de
15% de todas as consultas ambulatoriais de adultos, com grande morbimortali-
dade associadas.
O exame clínico do tórax constitui-se em um valioso instrumento para o diag-
nóstico e o acompanhamento dos pacientes com pneumopatias. O emprego
sistemático da semiotécnica (inspeção, palpação, percussão e ausculta) no tórax
respiratório permite-nos estabelecer hipóteses diagnósticas consistentes, avaliar
a etiologia, a severidade e o grau de repercussão da doença sobre o paciente e
até mesmo desencadear medidas de tratamento.
Assim, a solicitação de exames adicionais deverá apenas complementar os
dados já obtidos com o exame físico e jamais substituí-lo. O exame à beira do
leito é simples, barato, disponível, não-invasivo e mais humano. Ademais, o exa-
me clínico constitui a base da relação médico-paciente.

PRINCIPAIS SINAIS E SINTOMAS RESPIRATÓRIOS


Chiado no peito ou sibilância. Chiado, chieira, chiadeira ou sibilância é como o
paciente se refere a um ruído que ele pode perceber, predominantemente na
fase expiratória da respiração, quase sempre acompanhado de dispnéia. O ruído
tem timbre elevado e tom musical, podendo ser comparado ao miado de gato.
Esse som resulta da redução do calibre da árvore brônquica, devida a broncoes-
pasmo ou edema da parede, podendo ser indicativo de uma crise asmática. Quan-
do a sibilância for localizada ou unilateral e persistente, pode indicar a presença
de tumor ou corpo estranho ocluindo um brônquio. A sibilância também pode
ser observada nos infiltrados eosinofílicos, na tuberculose brônquica e nas neo-
plasias malignas e benignas. A insuficiência ventricular esquerda acompanhada
de broncoespasmo é a condição extrapulmonar que mais provoca chiado (chama-
da no passado de “asma cardíaca”).
Cianose. Significa coloração azulada da pele e das mucosas, devida ao aumento
da hemoglobina reduzida no sangue capilar (> 5 g por 100 mL). Atentar para os
pacientes com anemia severa, que podem não apresentar cianose significativa
naquelas situações em que ela habitualmente ocorreria. O exame do paciente
deve ser feito de preferência com luz natural ou com foco luminoso forte e com
especial atenção nas áreas em que a pele é mais fina e rica em capilares sangüíneos.
É importante diferenciar se a cianose é generalizada ou segmentar. Também é
importante avaliar, na história clínica, a duração da cianose: se presente desde o
nascimento, pensar em doença cardíaca congênita. Pesquisar presença de hipo-
cratismo digital associado, combinação freqüente em pacientes com cardiopatia
congênita e com certas doenças pulmonares como fibrose pulmonar e bron-
quiectasias. Quanto à fisiopatologia, há quatro tipos de cianose: central, periférica,
mista e por alterações da hemoglobina. A cianose central ocorre apenas após a
saturação de oxigênio cair abaixo de 75%.
Coriza ou gota anterior. Deve-se investigar quais os sintomas e sinais que a acompa-
nham (obstrução e prurido nasal acompanhados por espirros em salva são indi-
cativos de alergia), a cronologia, os fatores desencadeantes, a via de eliminação
(por uma ou ambas as narinas).
Cornagem ou estridor. É a dificuldade predominantemente inspiratória por redução
do calibre das vias respiratórias centrais, na altura da laringe, que se manifesta
por um ruído (estridor) alto. O paciente pode deslocar a cabeça para trás, em
extensão forçada, para facilitar a entrada do ar. As causas mais comuns são a
laringite, a difteria, o edema de glote e os corpos estranhos.
Dispnéia. É a sensação subjetiva de falta de ar, referida também como diminuição
SISTEMA RESPIRATÓRIO

de fôlego ou fadiga. É necessário caracterizar a dispnéia em relação a sua duração,


condições de aparecimento (relação com postura, decúbito, repouso e tipo de
esforço – leve, moderado, grande), etapa (inspiratória ou expiratória) de surgi-
mento ou de exacerbação, sintomas e sinais associados, modo de instalação
(aguda, subaguda e crônica) e intensidade (leve, moderada, um pouco forte,
muito forte) (Tabela 9.1 e Figura 9.1). Embora a dispnéia seja um fenômeno
subjetivo, pode exteriorizar-se por manifestações objetivas.
Alguns termos designam situações específicas, e é de extrema importância o
seu conhecimento na prática clínica. Eupnéia é sinônimo de respiração normal.
Dispnéia é a sensação de respiração trabalhosa ou difícil. Taquipnéia é a respiração
muito rápida (aumento da freqüência respiratória, em adultos geralmente > 20-
24 mpm). Bradipnéia expressa freqüência respiratória inferior aos valores nor-
mais (< 16-20 mpm). Apnéia significa parada respiratória. Hiperpnéia é o aumento

Tabela 9.1 Dispnéia: instalação

Aguda Subaguda Crônica


Minutos ou horas Dias ou semanas Meses ou ano(s)
P. ex., edema agudo de P. ex., TBC, asma crônica P. ex., DPOC, neoplasia
pulmão, TEP pulmonar

136
10 Máximo

9 Muito, muito forte

8
Muito forte
7

5 Forte

4
Um pouco forte
3
Moderada
2 Leve

1 Muito leve

0 Sem falta de ar

Figura 9.1 – Escala de dispnéia de Borg.

SISTEMA RESPIRATÓRIO
anormal da profundidade e da freqüência da respiração, com aumento do volume-
minuto. Hipopnéia é a redução anormal da profundidade e da freqüência da
respiração. Hiperventilação é caracterizada por um aumento na quantidade de
ar que chega aos alvéolos, causando hipocapnia. Ortopnéia é a dispnéia que
surge em posição supina ou deitado – dispnéia em decúbito –, e o paciente senta
para obter alívio (ocorre principalmente na insuficiência cardíaca congestiva).
Platipnéia é a dispnéia que ocorre quando o paciente se encontra em ortostatismo
(sentado ou em pé), sendo observada em pacientes pós-pneumonectomia, com
cirrose hepática (shunts intrapulmonares), doenças neurológicas ou hipovolemia.
Trepopnéia é a dispnéia que aparece quando em determinado decúbito lateral,
sendo aliviada pelo decúbito lateral oposto (acontece nos pacientes com derrame
pleural, que preferem deitar sobre o lado acometido para liberar o lado sadio).
Dor torácica. As causas de dor torácica podem estar na própria parede do tórax,
nas pleuras, nos pulmões, no coração, no pericárdio, nos vasos, no mediastino,
no esôfago, no diafragma e em outros órgãos. Para determinar sua origem durante
a anamnese, é fundamental investigar todas as suas características semiológicas:
localização, irradiação, caráter ou qualidade, intensidade, duração, evolução, re-
lação com as funções orgânicas, fatores desencadeantes ou agravantes, fatores
que aliviam e manifestações concomitantes.
Dor torácica relacionada à patologia pulmonar geralmente resulta do envol-
vimento da parede torácica ou da pleura parietal, uma vez que essa região é
abundante em fibras nervosas. Nas pleurites costais, a dor costuma ser aguda,

137
intensa e em pontada (chamada dor pleurítica). A área em que a dor é sentida é
bem-delimitada, podendo o paciente cobri-la com a polpa de um dedo ou fazer
menção de agarrá-la sob as costelas com os dedos semifletidos. A dor aumenta
com a tosse e os movimentos inspiratórios profundos (a tendência do paciente é
reprimi-los). Na pleurite diafragmática periférica, a dor é sentida na área dos
nervos intercostais mais próximos; na pleurite diafragmática central, ela se localiza
no território inervado pelo frênico, incluindo o ombro. Pode até mesmo mimetizar
um quadro de abdome agudo. A dor no pneumotórax é súbita, aguda e intensa
(os pacientes costumam compará-la a uma punhalada), podendo ser acompanha-
da de dispnéia. Como as pneumonias bacterianas geralmente iniciam na porção
periférica dos lobos – onde o parênquima pulmonar está em estreito contato
com a pleura parietal –, as características da dor são as mesmas da pleurite. A
sensação dolorosa nas pneumonites intersticiais é de característica difusa, como
um desconforto, quase sempre de localização retroesternal, que se exacerba com
a tosse, que é seca. A origem da dor nesses casos é no interstício pulmonar. A dor
mediastínica, que surge principalmente nos tumores malignos da região, é uma
sensação dolorosa profunda, sem localização precisa, surda e maldefinida.
Epistaxe. A hemorragia nasal é uma manifestação comum em doenças de vias
aéreas superiores, sendo as mais freqüentes as de origem traumática e infecciosa.
Deve-se avaliar a freqüência dos episódios, verificar qual narina está envolvida e
pesquisar se o sangramento desce pela garganta (epistaxe posterior) ou se pelo
nariz (epistaxe anterior).
SISTEMA RESPIRATÓRIO

Expectoração. É a substância expelida pela tosse. Em condições normais, 75-100 mL


de muco são secretados diariamente pelas células caliciformes e glândulas mucí-
paras, sendo trazidos até a garganta pela movimentação ciliar e depois deglutidos
inconscientemente com a saliva. Mulheres e crianças geralmente têm o hábito
de deglutir a expectoração.
As características semiológicas da expectoração compreendem o volume, a
cor, a transparência e a consistência do material eliminado (Tabela 9.2).
Convém lembrar que o escarro colhido para exame deve ser enviado rapida-
mente ao laboratório para ser processado, pois assim os resultados terão melhor
rendimento diagnóstico.
Hemoptise. É a eliminação, geralmente com a tosse, de sangue proveniente da
traquéia, dos brônquios ou dos pulmões. Às vezes, os pacientes têm uma sensação
de calor ou de borbulhamento dentro do tórax no local onde se origina o sangra-
mento. É essencial a diferenciação entre hemoptise, hematêmese, estomatorra-
gias e epistaxe (Tabela 9.3).
O pulmão é suprido por dois tipos de circulação: a sistêmica (oriunda do
sistema aórtico, de alta pressão, correspondendo às artérias brônquicas) e a pulmo-
nar (formada pelos ramos da artéria pulmonar, de menor pressão). As hemoptises
originadas nas artérias brônquicas geralmente são de grande volume, ocorrendo
nas bronquiectasias, nas cavidades tuberculosas, na estenose mitral e nas fístulas
arteriovenosas. Quando o sangue provém de ramos da artéria pulmonar, seu

138
Tabela 9.2 Características do escarro e causas relacionadas

Aparência do escarro Possíveis causas


Mucóide/mucopurulento Asma, tumores, tuberculose, DPOC, pneumonia
Purulento Bronquiectasias, bronquite crônica
Ferruginoso Pneumonia pneumocócica
Seroso/róseo Edema pulmonar
Sanguinolento Embolia pulmonar, bronquiectasias, abscesso,
tuberculose, tumor, causas cardíacas, discrasias
sangüíneas

volume costuma ser menor, como acontece nas pneumonias, nos abscessos e no
infarto pulmonar.
As principais causas de hemoptise são tuberculose, bola fúngica, carcinoma
broncogênico, bronquiectasias, bronquite e tromboembolismo pulmonar. Muitas
outras condições, mais raras, também podem causar hemoptise.
Obstrução nasal. É um sintoma conseqüente ao edema da mucosa nasal e mani-
festação comum em rinites. Na investigação, devem ser procurados os fatores
desencadeantes, a duração e a severidade. Verificar outras manifestações de

SISTEMA RESPIRATÓRIO
alergias e história familiar de atopia.
Rouquidão. É a mudança do timbre da voz, por alteração nas cordas vocais. Deve
ser investigada sempre que for de longa duração, já que as formas agudas geral-
mente são virais, autolimitadas. As causas mais freqüentes de rouquidão são
tuberculose, micoses e neoplasias em cordas vocais, mas também podem ocorrer
por envolvimento do nervo recorrente esquerdo em seu trajeto intratorácico.

Tabela 9.3 Diferenças entre hemoptise e hematêmese

Características Hemoptise Hematêmese


Pródromos Tosse Náuseas e vômitos
História pregressa Doença cardiopulmonar Doença gastrintestinal
Aparência Aerado, espumoso Não-espumoso
Cor Vermelho vivo Vermelho escuro ou
aspecto de “borra de café”
Manifestação Misturado com catarro Acompanhado por restos
alimentares
Sintomas associados Dispnéia Náuseas/vômitos

139
Secreção retrofaríngea ou gota posterior. A presença de secreção na parede posterior
da faringe aponta para a possibilidade de estar ocorrendo aspiração de material
das vias aéreas superiores para o trato respiratório inferior, como nas sinusopatias.
Se acompanhado de tosse crônica, sugere a presença de sinusobronquite.
Tiragem. É o aumento da retração nos espaços intercostais em conseqüência das
variações da pressão entre os folhetos pleurais durante as fases da respiração. Na
inspiração, a pressão intrapleural é negativa em relação à pressão atmosférica, fato
que é a causa de uma discreta retração dos espaços intercostais. A tiragem pode
ocorrer nas oclusões brônquicas (por tumor, corpo estranho ou broncoespasmo)
pela impossibilidade de o ar penetrar na árvore respiratória, aumentando a negati-
vidade intrapleural na inspiração e ocasionando uma depressão anormal dos espaços
intercostais. A localização da tiragem depende do nível e do local da obstrução.
Tosse. Consiste em uma inspiração rápida e profunda, seguida de fechamento da
glote e contração dos músculos expiratórios, principalmente o diafragma, termi-
nando com uma expiração forçada, após abertura súbita da glote. A tosse é um
mecanismo de defesa de grande importância para as vias aéreas, participando na
eliminação de secreções ali existentes. Ela resulta da estimulação de receptores
da mucosa das vias respiratórias, podendo também ser de origem central. Os
estímulos podem ser de natureza inflamatória (hiperemia, edema, secreções e
ulcerações), mecânica (poeira, corpo estranho, compressão por massas, alteração
na pressão pleural, como ocorre nos derrames pleurais e nas atelectasias), química
(gases irritativos) e térmica (frio ou calor excessivos).
SISTEMA RESPIRATÓRIO

As vias aferentes mediadas pelo vago partem das zonas tussígenas indo até o
bulbo. As vias eferentes dirigem-se do bulbo à glote e aos músculos expiratórios
e são formadas pelo nervo laríngeo inferior (recorrente), responsável pelo fecha-
mento da glote, pelo nervo frênico e pelos nervos que inervam os músculos
respiratórios, principalmente o diafragma.
Sua avaliação semiológica inclui as seguintes características: freqüência, ritmo,
intensidade, tonalidade, presença ou não de expectoração, relação com o decú-
bito e período em que predomina. De modo geral, podemos dividi-la em dois
tipos básicos: tosse seca e tosse produtiva. Dentre as causas mais comuns, desta-
cam-se a tosse crônica dos tabagistas, secundária a infecções (pneumonia, tu-
berculose etc.) ou inflamações (p. ex., asma, hiper-reatividade brônquica), após
intubação traqueal, relacionada à doença do refluxo gastresofágico ou sinusopa-
tias, por aspiração de corpo estranho, associada às doenças pulmonares intersti-
ciais (p. ex., fibrose pulmonar idiopática, sarcoidose, pneumonite de hiperssensi-
bilidade) e a causada por fármacos (p. ex., inibidores da ECA).
Quando muito intensa, a tosse pode até mesmo ocasionar fratura de arcos
costais, hérnias inguinais, pneumotórax, pneumomediastino ou incontinência
urinária.
Vômica. Consiste na eliminação geralmente brusca, através da glote, de quantidade
abundante de pus ou líquido de aspecto seroso ou mucóide. Suas causas mais
freqüentes são o abscesso pulmonar, o empiema, as mediastinites supuradas, o
abscesso subfrênico e a tuberculose.

140
ANATOMIA: ASPECTOS RELEVANTES
A fim de localizarmos e descrevermos de forma mais adequada os achados no
tórax respiratório, faremos, a seguir, uma breve revisão de aspectos importantes
da anatomia dessa região.
Pontos naturais de referência:
Q Ângulo manúbrio-esternal ou de Louis é o ponto de união do manúbrio
com o corpo esternal. Apresenta-se como um relevo transversal, que
continua, para ambos os lados, pelas segundas costelas. Encontra-se na
mesma altura da quarta vértebra torácica e corresponde à bifurcação da
traquéia e à parte mais alta da croça da aorta.
Q Ângulo costal-xifoideano ou de Charpy é formado pelo encontro dos relevos
costais no apêndice xifóide.
Q Articulação xifoesternal.
Q Vértebra proeminente: corresponde à sétima vértebra cervical ou à primeira
torácica, ou a ambas.
Q Ângulo superior da escápula: corresponde à segunda costela.
Q Ângulo inferior da escápula: corresponde ao sexto forame espinhoso/sétimo
corpo vertebral e ainda à sétima costela e ao sétimo espaço intercostal.
O ar é aquecido, filtrado e umidificado durante sua passagem no trato respira-
tório superior. Após passar a cartilagem cricóide da laringe, ele entra na traquéia.
Na altura da quarta ou quinta vértebra torácica, a traquéia bifurca-se em brônquios
principal direito e esquerdo. Esse, por sua vez, tem uma posição mais horizonta-

SISTEMA RESPIRATÓRIO
lizada por sua relação com o átrio esquerdo. O brônquio principal direito é mais
curto e mais retificado do que o esquerdo. O brônquio continua a subdividir-se
em brônquios menores e em bronquíolos dentro dos pulmões. Cada bronquíolo
termina em um ducto alveolar, do qual saem sacos alveolares. Estima-se que
existam mais de 300 milhões de alvéolos nos pulmões. Cada parede alveolar
contém fibras elásticas que permitem ao saco alveolar expandir-se com a inspiração
e contrair-se com a expiração por recolhimento elástico.
Os pulmões são subdivididos em lobos: superior, médio e inferior à direita, e
superior e inferior à esquerda. As cissuras ou fissuras interlobares estão situadas
entre os lobos pulmonares. Ambos os pulmões possuem cissura oblíqua, que
inicia no tórax anterior ao nível da sexta costela na linha hemiclavicular e estende-
se lateralmente até a décima terceira costela na linha axilar média, terminando
no tórax posterior na altura do processo espinhoso de T3. O lobo inferior direito
está localizado abaixo da cissura oblíqua direita, e o lobo médio é superior a essa.
O lobo inferior esquerdo está abaixo da cissura oblíqua esquerda, e o lobo superior
esquerdo, acima dela. A cissura horizontal está presente apenas à direita e separa
o lobo superior direito do lobo médio. Ela estende-se da quarta costela até a
borda esternal da quinta costela na linha axilar média. Os pulmões são envolvidos
pela pleura (folhetos visceral e parietal) e estendem-se superiormente 3 a 4 cm
acima das clavículas. A margem inferior dos pulmões alcança a sexta costela na
linha hemiclavicular; a oitava costela, na linha axilar média e entre T9 e T12
posteriormente. Essa variação é relacionada com a respiração. A presença do
fígado à direita torna o hemidiafragma direito levemente mais alto.

141
EXAME FÍSICO
O exame do tórax respiratório permite a aplicação de todas as técnicas semioló-
gicas: inspeção, palpação, percussão e ausculta.

Avaliação inicial
Devem ser inicialmente pesquisados os sinais de disfunção respiratória, indi-
cativos de condição grave e necessidade de intervenção imediata. Posteriormente,
o restante do exame do sistema respiratório pode ser realizado com tranqüilidade,
incluindo avaliação minuciosa da boca, da nasofaringe, do pescoço e do tórax.

Boca e nasofaringe
Q Cavidade oral (estado de conservação dos dentes e presença de halitose).
Q Amígdalas (hipertrofia, placas, outras alterações).
Q Existência de gota posterior.
Q Características da voz.
Q Mucosa nasal (secreção, desvio de septo, hipertrofia de cornetos).

Pescoço
Q Avaliar o posicionamento e a mobilidade da traquéia.
Q Avaliar os linfonodos.
Q Pesquisar nódulos e massas.
Q Avaliar pulso e pressão venosa jugulares (presença de turgência jugular).
Q Avaliar tiragem e abaulamentos.
SISTEMA RESPIRATÓRIO

Mãos
Q Presença de baqueteamento digital (o achado mais precoce é a perda do
ângulo entre a unha e a falange terminal, podendo ocorrer em associação
com tumores malignos pulmonares, doenças supurativas crônicas e hepa-
topatias).
Q Cianose periférica.

Tórax
Inspeção
Tórax posterior (paciente sentado) e anterior (paciente em decúbito dorsal
ou reclinado).
O examinador deve ficar a aproximadamente dois metros de distância, para
poder ter uma visão panorâmica de todo o tórax, e somente então se aproximar
para pormenorizar determinada alteração em qualquer das faces anterior, posterior
e laterais.
Divide-se a expansão do tórax em estática e dinâmica. A inspeção estática
compreende a forma do tórax e a presença ou não de abaulamentos e depressões,
enquanto na inspeção dinâmica analisam-se o tipo respiratório, o ritmo e a fre-
qüência da respiração, a amplitude dos movimentos respiratórios, a presença ou
não de tiragem e a expansibilidade dos pulmões.

142
Inspeção estática
Formato do tórax e simetria. Nos adultos, o tórax normal apresenta relação entre
os diâmetros ântero-posterior e lateral (ou transverso) de 1:2 a 5:7. Não há
comparação com forma geométrica definida.
Q Formas do tórax
1. Tórax em tonel ou barril: associado ao envelhecimento normal ou ao
enfisema, decorrente da hiperinsuflação pulmonar. Freqüentemente, está
associado à cifose dorsal. A relação entre os diâmetros transverso e ân-
tero-posterior aproxima-se de 1:1.
2. Tórax em funil ou infundibiliforme (pectus excavatum): também chamado
de peito escavado. Caracteriza-se por depressão da porção inferior do
esterno até o apêndice xifóide, alteração que pode chegar na altura da
terceira costela. É uma deformidade congênita e usualmente de importân-
cia apenas estética. Às vezes, pode ocasionar sopros pela compressão
do coração e dos grandes vasos. Uma variante adquirida do tórax em
funil é o tórax de sapateiro, resultante da aplicação constante de seu
instrumento de trabalho contra a parte inferior do esterno, principalmente
o apêndice xifóide.
3. Tórax cariniforme ou pectus carinatum: também chamado de peito de
pomba. Há o deslocamento anterior do esterno, em forma de peito de
pomba ou quilha de navio, com aumento do diâmetro ântero-posterior.
O sulco de Harrison é freqüentemente encontrado nesses pacientes e

SISTEMA RESPIRATÓRIO
consiste em um sulco horizontal que aparece em cada lado do tórax,
acima da borda costal, em geral simetricamente, podendo ser mais acen-
tuado à direita. Ocorre pela retração das costelas, normalmente curvas,
mas que, em certas condições, se desencurvam na altura das articulações
costocondrais. O tórax cariniforme pode ser congênito ou adquirido (p.
ex., raquitismo, asma crônica e infecções respiratórias de repetição des-
de a infância).
4. Tórax piriforme: quando o tórax adquire a forma de pêra invertida, com
proeminência acentuada na parte superior do tórax, na altura da quarta
costela. A porção inferior está estreitada e achatada, dando um aspecto
de que o paciente está permanentemente inspirando. É encontrado em
asmáticos crônicos com crises desde a infância.
5. Tórax plano, achatado ou paralítico: percebe-se a diminuição do diâmetro
ântero-posterior, dando a impressão de que o paciente está permanen-
temente em expiração; é comum nos indivíduos longilíneos, com pre-
domínio da dimensão vertical. Pode ser visto em doenças consumptivas.

Inspeção dinâmica
Considerar:
Q Taquipnéia (freqüência respiratória ≥ 20 mpm em adultos).
Q Postura ortopnéica com o uso da musculatura acessória – em situações de
doença obstrutiva com hiperinsuflação pulmonar, o paciente assume a po-

143
sição sentada como preferencial, deslocando os ombros para a frente, para
aumentar a eficácia dos músculos inspiratórios acessórios que, em condições
normais, têm pequeno papel na respiração. Isso causa deslocamento dos
chamados pontos de ancoragem.
Q Pesquisa de dissincronia toracoabdominal ou respiração paradoxal (sinal
da gangorra) – traduz a presença de fadiga diafragmática. Em condições
normais, a inspiração acompanha-se de protusão tanto da parede anterior
do tórax quanto do abdome; em situações que resultam em fadiga dia-
fragmática, a flacidez do diafragma não só impede a sua contração como
permite o seu deslocamento cranial, o que leva a um retraimento da parede
abdominal.
Q Em pacientes com hiperinsuflação e retificação do diafragma, a contração
desse músculo aproxima as margens costais na inspiração, diferentemente
do afastamento das margens costais quando o diafragma está em forma
de cúpula (Figura 9.2).
Q Presença de tiragem – aumento da retração nos espaços intercostais.
Q Pesquisa do sinal de Lemos Torres – é um abaulamento expiratório localizado,
observado em um ou dois dos três últimos espaços intercostais na linha
axilar posterior e que indica derrame pleural. Deve-se pedir que o paciente
fique sentado e incidir um feixe de luz obliquamente na região correspon-
dente, sendo que o examinador deve ficar atrás do paciente; a contraprova
é obtida deitando-se o paciente no decúbito lateral oposto e observando o
desaparecimento do abaulamento; deve ser sempre realizada para diferen-
SISTEMA RESPIRATÓRIO

ciar do abaulamento expiratório do enfisema pulmonar, que persiste mesmo


no decúbito lateral oposto.
Freqüência, ritmo, profundidade e esforço da respiração
Q Alterações do ritmo respiratório
1. Respiração de Kussmaul: é uma respiração profunda associada à acidose
metabólica. A amplitude dos movimentos respiratórios produz hiper-

(a) Normal Obstrução das vias aéreas

(b)

(c)
inspiração
expiração

Figura 9.2 – Movimento de margens costais. As setas indicam a direção do movimento em


indivíduos normais (a) e naqueles com obstrução severa das vias aéreas (b e c).

144
ventilação na tentativa de eliminar o excesso de CO2 no sangue. Sua
freqüência pode ser lenta, normal ou rápida. Outras causas de respiração
profunda, porém rápida, são exercício, ansiedade, infarto, hipoxia e hi-
poglicemia.
2. Respiração de Cheyne-Stokes: a respiração aumenta e diminui de forma
cíclica, fazendo com que períodos de respiração profunda e hiperpnéia
alternem-se com períodos de apnéia. Crianças e pessoas idosas podem
apresentar esse padrão respiratório. Outras causas incluem insuficiência
cardíaca, insuficiência renal, depressão respiratória medicamentosa e lesão
cerebral diencefálica (gasping).
3. Respiração atáxica ou de Biot: caracteriza-se por uma irregularidade im-
previsível. As incursões respiratórias podem ser superficiais ou profundas
e pararem por curtos períodos. As causas incluem depressão respiratória
e lesão cerebral bulbar.
4. Respiração suspirada: a respiração intercalada por suspiros pode ser oca-
sionada por uma síndrome de hiperventilação, causa comum de dispnéia
e vertigem. Suspiros ocasionais são normais.
5. Respiração obstrutiva: é característica da doença pulmonar obstrutiva
crônica, na qual a respiração é prolongada em virtude da maior resistência
das vias aéreas. Se a freqüência respiratória aumenta, o paciente não
dispõe de tempo suficiente para uma expiração completa. O tórax
hiperexpande-se, causando o aprisionamento de ar, e a respiração torna-
se mais superficial e assim se mantém.

SISTEMA RESPIRATÓRIO
Palpação
Q Identificar áreas de dor à palpação.
Q Avaliar as alterações observadas na inspeção.
Q Verificar a expansão respiratória (amplitude e simetria): o examinador co-
loca-se atrás do paciente, de pé ou sentado, e pousa ambas as mãos sobre
as regiões correspondentes aos ápices pulmonares e às bases pulmonares
posteriormente e então avalia, durante as incursões respiratórias, a ex-
pansibilidade do tórax.
Q Avaliar se existe frêmito: sensação vibratória tátil percebida na mão do
examinador colocada na parede torácica.
Q Avaliar a presença de frêmitos respiratórios (brônquico ou pleural) e
toracovocal.
Q Frêmito toracovocal: pode ser produzido pela voz do paciente (pedindo-
lhe para dizer lentamente uma palavra de tonalidade grave: 33, 3-3 ou 1-
2-3). Envolve a produção de voz, a condução do som pelas vias aéreas, a
transmissão pelo parênquima pulmonar e a modificação pela parede do
tórax, o que torna a interpretação da manobra complexa e pouco sensível,
mas de utilidade em alguns casos. Por exemplo, nas condições que
aumentam a densidade pulmonar, como as consolidações, aumentam a
transmissão do frêmito. Já a diminuição ou o desaparecimento do frêmito
toracovocal se relaciona a alguma anormalidade que impeça a transmissão

145
das ondas sonoras originadas na laringe, como ocorre no derrame pleural
ou no pneumotórax.

Percussão
Q Comparar um lado com o outro.
Q Estimar excursão diafragmática: atentar para o fato de que o plessímetro
(dedo que fica em contato com tórax) deve ser submetido sempre à mesma
pressão, e a parte em contato íntimo com o tórax deve ser sempre a última
falange e o mínimo possível da extremidade distal desse dedo, ou seja, na
menor extensão possível. Além disso, não se deve apoiar os outros dedos
ou o resto da mão sobre a região a percutir, pois servirão como abafadores
do som obtido. Convém iniciar a percussão do tórax pela face anterior,
indo de cima para baixo e golpeando, ora de um lado, ora de outro, em
pontos simétricos, comparando-os. Passa-se a seguir às regiões laterais.
Conclui-se o exame com a percussão da face posterior.
De forma geral, na maior parte da área pulmonar, espera-se encontrar
sonoridade ou som claro pulmonar. Nas áreas cardíaca e hepática têm-se
macicez; na esplênica, submacicez e, no espaço de Traube (região de pro-
jeção do fundo do estômago), timpanismo. Podem ser encontradas algu-
mas alterações, como hipersonoridade pulmonar (nota de percussão mais
alta e intensa, indicando aumento de ar nos alvéolos pulmonares, como
ocorre no enfisema pulmonar), submacicez e macicez (diminuição ou de-
saparecimento da sonoridade pulmonar, denotando redução ou inexistência
SISTEMA RESPIRATÓRIO

de ar no interior dos alvéolos, como no derrames pleurais e nas condensações


pulmonares – pneumonias, neoplasias, infarto pulmonar) e timpanismo (indi-
cação de ar aprisionado no espaço pleural ou em uma grande cavidade
intrapulmonar, como em casos de pneumotórax ou cavidade tuberculosa
grande e superficial). O derrame pleural volumoso produz uma macicez
“pétrea”.

Ausculta do tórax
Q Observar o tempo da fase expiratória da respiração.
Q Comparar as áreas simétricas dos pulmões (Figura 9.3).
Q Observar os ruídos respiratórios normais (Figura 9.4) e anormais (adventícios
e sopro tubário) (Figuras 9.5).
Sons respiratórios normais
1. Som tubular (traqueal, brônquico ou traqueobrônquico) normalmente au-
dível na traquéia e na projeção dos brônquios centrais, reflete o fluxo tur-
bulento do ar através dos brônquios principais. Tem o timbre rude e o tom
grave. A fase expiratória usualmente é maior do que a fase inspiratória,
existindo uma pausa entre elas.
2. Som broncovesicular: esse som é escutado sobre o primeiro e segundo
espaços intercostais do tórax anterior e, posteriormente, sobre o espaço
interescapular direito. Tanto a fase inspiratória quanto a expiratória têm
duração igual e não existe pausa entre elas. Os sons broncoalveolares são

146
1 2
1 2
4 3
4 3
5 6
5 6
8 7
8 7
9 10
9 10

12 11

SISTEMA RESPIRATÓRIO
Figura 9.3 – Esquema da seqüência da ausculta pulmonar.
(Fotos gentilmente cedidas pelo Dr. Carlo Sasso Faccin, do Serviço de Radiologia do HCPA.)

Intensidade
Som Duração do som exp. Localização

Tubular Exp. > Ins. Alta/muito alta Zona de projeção das vias
(traqueo- aéreas centrais e da traquéia
brônquico)

Broncovesicular Ins. = Exp. Média 1o e 2o espaços intercostais


anteriores, área interescapular
direita

Vesicular Ins. > Exp. Suave Periferia dos pulmões

Figura 9.4 – Resumo dos sons respiratórios normais.

147
Ruídos musculares ↔ Ruídos adventícios
Ruído de sopro na boca ou no nariz ↔ Respiração soprosa
Atrito de cabelo ↔ Ruídos adventícios

Figura 9.5 – Causas comuns de erro na ausculta pulmonar.

suaves e menos ásperos do que os sons brônquicos e têm um tom mais


grave do que o murmúrio vesicular.
3. Som vesicular (murmúrio vesicular): é o som audível nos campos pulmonares
periféricos. Tem o tom agudo e é qualitativamente suave, sem a aspereza
dos anteriores. A fase inspiratória é cerca de três vezes mais longa do que
a fase expiratória, sem pausa entre elas.
Sons respiratórios anormais
Comentários
Q Localização não-usual (consolidação, atelectasia, fibrose): os sons respira-
tórios brônquicos auscultados em outra localização, que não sobre o ma-
núbrio, indicam a presença de consolidação pulmonar, fibrose ou atelectasia
nessas áreas. Acredita-se que tais lesões que solidificam o parênquima pul-
monar, normalmente aerado, transmitem os sons gerados nas vias aéreas
de grande calibre sem alterar suas altas freqüências. Assim, a qualidade
SISTEMA RESPIRATÓRIO

dos sons assemelha-se àquela das vias aéreas superiores.


Q Diferenças qualitativas (hiperinsuflação, pneumotórax, derrame pleural):
ao contrário da situação anterior, os sons respiratórios podem estar marca-
damente diminuídos em intensidade quando existe hiperinsuflação (como
ocorre no enfisema avançado) ou quando existe considerável obstrução
ao fluxo de ar (por exemplo, na asma). Teoricamente, o pulmão hiperaerado,
com o seu parênquima menos denso, transmite pobremente os sons respi-
ratórios.
Ruídos adventícios
São ruídos respiratórios presentes em estado de doença. Podem ser didatica-
mente divididos em pulmonares e pleural:
Pulmonares
Q Crepitantes finos: o provável mecanismo dos crepitantes finos é o aumento
da pressão na via aérea proximal ao local da obstrução até suplantar a
força que a mantém fechada, produzindo uma vibração curta com a abertura
do bronquíolo. Centenas de pequenos bronquíolos abrindo-se simultanea-
mente produzem o som das crepitações finas, que podem ser mimetizadas
esfregando-se entre os dedos uma mecha de cabelos perto do ouvido ou
abrindo um velcro. Assim, as crepitações finas são indicativas de reexpansão
pulmonar (áreas colapsadas na expiração anterior). São especialmente aus-
cultadas ao final da inspiração (teleinspiratórias). Pode ser considerada uma

148
variante o chamado grasnido inspiratório (squawk), que consiste em um
sibilo inspiratório curto e é encontrado na fibrose pulmonar idiopática, na
asbestose e na pneumonia de hipersensibilidade.
Q Crepitantes bolhosos: o som bolhoso dos crepitantes grossos é produzido
quando ar passa pelas secreções nas vias aéreas mais calibrosas (traquéia e
brônquios). Os crepitantes grossos são auscultados em ambas as fases respi-
ratórias, enquanto os finos são identificados somente na inspiração. Ester-
tores auscultados durante a fase inicial da inspiração (proto-inspiratórios)
são indicativos de doença das vias aéreas (bronquite crônica, enfisema e
asma). Estertores auscultados durante a fase tardia da inspiração (teleins-
piratórios) são mais sugestivos de doenças do parênquima pulmonar (fi-
brose, pneumonite, pneumonia lobar ou intersticial) (Figura 9.6).
Q Sibilos: são ruídos contínuos provocados pelo fluxo rápido de ar através de
brônquios estreitados. Os sibilos tendem a ser agudos, quase musicais e de
maior intensidade, provenientes dos brônquios menores e bronquíolos. São
gerados pelo estreitamento difuso da árvore brônquica devido a broncoes-
pasmo e hipersecreção, o que lhes confere o caráter polifônico. São mais
freqüentemente auscultados na expiração. Na rotina médica, sibilos e/ou
aumento do tempo expiratório significam que está ocorrendo broncoes-
pasmo.
Q Roncos: os roncos são ressonantes, geralmente monofônicos e provenientes
dos brônquios maiores. O ronco é característico dos pacientes com bronquite
aguda e doença broncopulmonar obstrutiva crônica, com acúmulo de se-

SISTEMA RESPIRATÓRIO
creções devido à sua drenagem diminuída. Os roncos se acentuam duran-
te a inspiração e são menos proeminentes ou ausentes durante a expiração
(Figura 9.7).

↑ Volume pulmonar na inspiração



↑ Tração radial sobre as paredes alveolares

Pressão transmural crítica

Abertura súbita dos alvéolos

Equalização súbita de pressões

Oscilação transitória do gás alveolar

Figura 9.6 – Mecanismo de produção dos crepitantes de reexpansão pulmonar


(teleinspiratórios).

149
Inspiração Expiração
Fluxo (L/min)
Volume (L)

CRF

Figura 9.7 – Ruídos adventícios e sua localização no ciclo respiratório.


Partindo da capacidade residual funcional (CRF), observa-se, no início da inspiração, os crepitantes
bolhosos proto-inspiratórios () . Posteriormente, têm-se os roncos (—) e, no final da inspiração,
os crepitantes teleinspiratórios (). Já na fase expiratória, percebem-se os sibilos e roncos (—),
podendo-se auscultar também os crepitantes bolhosos ().
SISTEMA RESPIRATÓRIO

Pleural
Q Atrito pleural: o atrito pleural é o som produzido pelo atrito das pleuras
inflamadas. Tende a ser um som áspero e dissonante, confinado geralmente
a uma pequena área da parede torácica. Pode ser auscultado tanto na
inspiração como na expiração; no entanto, às vezes está limitado à inspira-
ção. Quando isso ocorre, torna-se difícil distingui-lo dos estertores crepi-
tantes. Quando o atrito pleural desaparece, isso não se deve necessariamen-
te à resolução do processo inflamatório pleural, e sim ao derrame pleural
que se forma e separa as pleuras parietal e visceral.
Sopro tubário
Ocorre quando há plena consolidação pulmonar e se ausculta a respiração
brônquica em área que fisiologicamente deveria apresentar murmúrio vesicular.
Para tanto, o brônquio regional deve estar permeável para que o som possa ser
transmitido através do parênquima desaerado (por colapso ou consolidação),
formando meio adequado à sua transmissão (Figura 9.8).
É importante que se peça ao paciente para tossir, após o que se verifica a
persistência ou não de ruídos adventícios. Se persistirem, terão muito mais valor
porque poderão significar dano morfofuncional e não a simples presença de se-
creções em vias aéreas.
A Figura 9.9 resume os sons anormais.

150
Murmúrio vesicular

Respiração broncovesicular

Crepitações teleinspiratórias

Sopro tubário

Crepitações inspiratórias e expiratórias

Figura 9.8 – Evolução dos sinais clínicos em consolidações alveolares.

Pleural Atrito
Sibilos
Adventícios
Pulmonares
Contínuos { Roncos
(= estertores)

Sons anormais Descontínuos { Crepitações

SISTEMA RESPIRATÓRIO
Sopro tubário

Figura 9.9 – Sons anormais.

Ausculta da voz
Q Observar as características dos sons vocais sussurrados: a ausculta da voz
do paciente (pronunciando-se “33”)* pode trazer alguma contribuição,
uma vez que alterações pleuropulmonares podem mudar o padrão de trans-
missão do som.
Q Egofonia, broncofonia e pectorilóquia afônica: esses termos referem-se a
sinais auscultatórios que são ouvidos sobre áreas de consolidação pulmonar.
Sua patogênese se relaciona com o aumento da transmissão do som por
meio de locais de densidade aumentada por acúmulo alveolar de secreção
ou lesão expansiva sólida (tumor). A qualidade do som transmitido pelo
brônquio de grande calibre não se altera quando passa para a periferia por

*A palavra histórica é “trinte trois”, 33 em francês que foi escolhida por sua sonoridade

grave e nasal. Trinta e três em português não se aproxima dessas características. A melhor
alternativa seria: “tranco e trote”.

151
meio da área consolidada, pois seus componentes de timbre mais alto são
transmitidos com maior facilidade através de uma árvore brônquica aberta
circundada por tecido pulmonar isento de ar.
1. Egofonia: diz respeito à alteração da qualidade do som falado pelo pa-
ciente e auscultado sobre o tórax. A filtração alterada do som ( som do
balido de cabra) pode transformar os sons vocais usuais em um balido
nasal. O paciente é instruído a falar a letra “i”, mas, ao estetoscópio,
escutamos a letra “ei”.
2. Broncofonia: diz respeito à transmissão mais alta e clara do som do que
o habitual. Pode ser evidenciada quando pedimos ao paciente para dizer
uma frase enquanto o auscultamos (p. ex., noventa e nove). Sobre o
pulmão normal o som perde intensidade e se dissipa, sem conseguirmos
compreendê-lo. Sobre o pulmão consolidado, a frase dita pelo paciente
é compreendida distintamente e sem perder a clareza.
3. Pectorilóquia afônica: semelhante aos sons na broncofonia, diz respeito
aos sons sussurrados e baixos que são ouvidos mais altos e com melhor
clareza.

SITUAÇÕES ESPECIAIS
Em algumas situações específicas, há nuances na sistemática e na interpretação
dos achados do exame físico do sistema respiratório, sendo importante o reconhe-
cimento e a valorização de tais realidades.
SISTEMA RESPIRATÓRIO

Idosos
Convém lembrar que o paciente idoso pode apresentar tórax em barril resul-
tante da perda da força das fibras musculares do tórax e do diafragma associada
à diminuição da elasticidade pulmonar. Ademais, mudanças esqueléticas da idade
tendem a acentuar a curvatura dorsal da coluna torácica, resultando em um
aumento do diâmetro ântero-posterior do tórax. O alvéolo torna-se menos elástico
e relativamente mais fibroso. Como conseqüência, ocorre uma diminuição da
capacidade vital e um aumento do volume residual, podendo surgir dispnéia aos
esforços. As mucosas geralmente se tornam mais secas. Há retenção de muco,
facilitando o crescimento bacteriano e predispondo a infecções respiratórias.

Gestantes
Em pacientes gestantes, sobretudo naquelas com gestação avançada, o volume
do abdome pode reduzir as incursões respiratórias, tornando a respiração discreta-
mente mais rápida e superficial e também dificultando a realização do exame
físico. Fatores mecânicos e bioquímicos, incluindo o aumento do útero e os níveis
elevados de progesterona circulante, interagem ocasionando mudanças na função
respiratória da gestante. Há um aumento do diâmetro transverso do tórax de
aproximadamente 2 cm e da circunferência torácica de 5 a 7 cm. Os níveis séricos
aumentados de progesterona atuam como estimulante respiratório, causando
aumento do volume corrente sem mudança significativa na freqüência respiratória.

152
Paciente em UTI
Devido à gravidade das condições clínicas de um paciente internado em UTI,
o exame físico deve ser mais objetivo e dirigido pela anamnese. A avaliação
clínica em geral não é acurada em sentido absoluto, mas objetiva prover uma
aproximação das condições do paciente. Nessa situação, deve ser valorizado,
por exemplo, o exame físico em paciente intubado ou narcotizado. As outras
medidas são avaliar as informações subjetivas obtidas junto ao médico assistente
e à enfermeira responsável; considerar o sensório do paciente, a cor e a tempe-
ratura da pele e verificar tanto o esforço respiratório através da eventual utilização
de musculatura acessória da respiração como a freqüência respiratória, que, se
maior que 30 mpm, alertará para a gravidade da situação. A maneira apropriada
de contar a freqüência respiratória é com o uso do estetoscópio, auscultando-se
cada respiração. A entrada de ar deve ser confirmada por palpação.

PRINCIPAIS SÍNDROMES PLEUROPULMONARES


Ver Tabelas 9.4 e 9.5, p. 159 e 160, respectivamente.

Abscesso pulmonar
Empregado clinicamente, o termo abscesso pulmonar designa uma infecção
com necrose do parênquima, em geral causada por bactérias. Os abscessos
pulmonares costumam ser únicos, mas pequenas lesões múltiplas podem ser oca-
sionalmente observadas. Numerosos pequenos abscessos restritos a uma determi-

SISTEMA RESPIRATÓRIO
nada região recebem o nome de pneumonia necrosante. Devido à patogênese
comum, esses dois termos e a denominação pneumonia por aspiração encontram-
se geralmente sobrepostos.
Etiologia. Os indivíduos com depressão do nível de consciência são os mais
suscetíveis à aspiração, a qual pode ser conseqüente ao abuso de álcool ou drogas,
convulsões, anestesia geral, doenças do SNC ou intubação endotraqueal. Precárias
condições de higiene oral aumentam o número de bactérias anaeróbias no con-
téudo aspirado, predispondo ao desenvolvimento do quadro.
Quadro clínico. Os pacientes com infecção pulmonar por bactérias anaeróbias
apresentam sintomas constitucionais, como mal-estar, perda de peso, febre, tosse
produtiva (com escarro fétido e purulento) e exame da cavidade oral, revelando
pobre higiene e presença de dentes sépticos.

Asma
Doença caracterizada por hiper-reatividade da traquéia e dos brônquios a
vários estímulos, manifesta-se por um estreitamento difuso das vias aéreas; a
severidade pode ser alterada espontaneamente ou em resposta ao tratamento.
As crises podem ocorrer espontaneamente ou em resposta a vários fatores de-
sencadeantes, como poeira, odores ou ar frio.
Quadro clínico. Dispnéia, tosse, sensação de aperto no peito e sibilância (no início,
em geral expiratória), principalmente pela manhã e à noite.

153
Exame físico. Os achados variam conforme o grau de severidade da crise asmática:
taquicardia, taquipnéia, prolongamento do tempo expiratório, sibilos difusos,
uso da musculatura acessória, retração intercostal. Sinais de crise asmática grave
incluem fadiga, pulso paradoxal, diaforese, murmúrio vesicular abolido com di-
minução dos sibilos e cianose.

Bronquiectasias
Dilatação anormal e permanente dos brônquios.
Etiologia:
Q Causas infecciosas: são as mais comuns em países em desenvolvimento.
Seqüelas de infecções: sarampo, pertussis, adenovírus, influenza, S. aureus,
Klebsiella, anaeróbios, tuberculose, fungos e outras infecções bacterianas.
Existem vários fatores que podem predispor ao desenvolvimento de infecções
recorrentes por esses germes (fibrose cística ou mucoviscidose, obstrução
brônquica por corpo estranho ou neoplasia, secreção impactada, compressão
extrínseca, deficiência de imunoglobulinas e distúrbios ciliares primários).
Q Causas não-infecciosas: inalação de gases tóxicos, defeito na cartilagem
brônquica, traquebroncomegalia, deficiência de alfa-1-antitripsina, atelec-
tasia e fibrose pulmonar.
Quadro clínico. Início insidioso ou abrupto após infecção respiratória aguda; geral-
mente se manifestada na infância; presença de fatores predisponentes (fibrose
cística, síndrome do cílio imóvel, estados de imunodeficiência); tosse com produção
SISTEMA RESPIRATÓRIO

de escarro (geralmente purulento), que é mais severa ao acordar; algumas vezes,


o escarro pode ser mais volumoso (até 600 mL/dia) e fétido; infecções respirató-
rias recorrentes (febre, aumento do volume do escarro e dispnéia); anorexia e
perda de peso; sinusite associada, em alguns casos; abscessos cerebrais metastá-
ticos podem levar a alterações neurológicas; desenvolvimento de cor pulmonale
e insuficiência cardíaca direita em casos mais graves.
Exame físico. Estertores crepitantes ou bolhosos sobre os lobos envolvidos, holoins-
piratórios; roncos difusos; aumento da fase expiratória (característica de doença
obstrutiva); macicez à percussão e diminuição do murmúrio vesicular sobre as
áreas envolvidas em casos mais graves; baqueteamento digital e cianose.

Carcinoma brônquico
Quadro clínico:
Q Manifestações decorrentes da localização da neoplasia
– Carcinoma brônquico central: tosse ou alteração no padrão da tosse,
escarros hemáticos, pneumonias de repetição e dispnéia.
– Carcinoma brônquico periférico: ausência de sintoma broncopulmonar
e dor (extensão para a parede torácica).
Q Manifestações decorrentes da extensão direta da neoplasia
– Para o mediastino: disfonia (invasão do nervo recorrente), síndrome
da veia cava superior (invasão de veia cava superior), dispnéia (inva-
são do nervo frênico ou traquéia) e arritmias (invasão do coração).

154
– Para a parede torácica: tumor de Pancoast (síndrome de Horner +
invasão plexo braquial + destruição de arcos costais) e dor contínua e
dolente.
– Para o diafragma: dor referida para o ombro e soluços.
Q Manifestações decorrentes de metástases
– Ganglionares: síndrome da veia cava superior, disfonia, disfagia, dispnéia
e massa supraclavicular palpável.
– Hemáticas: dor óssea, hepatomegalia e icterícia, perda motora, altera-
ções de conduta, convulsões e cefaléia.
Q Manifestações sistêmicas
– Astenia, anorexia, emagrecimento e febre.
Q Manifestações paraneoplásicas
– Osteoarticulares: baqueteamento digital, osteoartropatia hipertrófica
– Hormonais: secreção inapropriada de ADH, síndrome de Cushing, sín-
drome carcinóide e outras.
– Hematológicas e vasculares: trombocitose, tromboflebite migratória,
endocardite não-bacteriana, anemia.
– Cutâneas: acantose nigricante, penfigóide, dermatomiosite e esclero-
dermia.
– Neuromusculares: encefalopatia, degeneração cerebelar cortical, mie-
lopatia necrosante, neuropatias periféricas, síndrome miasteniforme e
síndrome de polimiosite.

SISTEMA RESPIRATÓRIO
Derrame pleural
Acúmulo anormal de fluido no espaço pleural. Os principais tipos de derrame
pleural são transudatos, exsudatos, empiema, derrame pleural hemorrágico ou
hemotórax e derrame quiloso.
Quadro clínico. Varia de acordo com a extensão do acometimento. Pequenos derra-
mes (menos de 200 a 300 mL de fluido pleural) geralmente são assintomáticos.
Quando mais importantes, podem ser encontrados dispnéia, principalmente se
houver uma doença cardiopulmonar subjacente, tosse seca e dor pleurítica. Os
exsudatos costumam ser unilaterais e apresentam dor pleurítica. Os transudatos
geralmente são bilaterais, sem dor e com dispnéia (dependendo do volume).
Exame físico. Diminução do frêmito tátil; macicez à percussão; diminuição do
murmúrio vesicular na área afetada; em derrames muito extensos, que comprimam
o parênquima, pode ocorrer acentuação do murmúrio vesicular e egofonia; atrito
pleural à ausculta (indica processo inflamatório pleural).

Doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC)


O termo DPOC designa pacientes com enfisema pulmonar e/ou bronquite
crônica obstrutiva, cujo principal fator causal é o tabagismo.
Bronquite crônica. É caracterizada pela secreção excessiva de muco pelos brônquios.
Manifesta-se pela presença de tosse produtiva por três meses ou mais durante
pelo menos dois anos consecutivos, na ausência de outra doença que possa ser

155
responsável pelo sintoma. Em ausência de obstrução brônquica, é classificada
como bronquite crônica simples.
Enfisema. Indica um aumento anormal e permanente dos espaços aéreos distais
ao bronquíolo terminal, com a destruição de suas paredes na ausência de fibrose
evidente.
As duas condições clínicas supracitadas constituem a representação de quadros
típicos, menos freqüentemente observados na prática médica. A maioria dos
pacientes apresenta características de ambas as patologias, enfisematosa e
bronquítica, compartilhando alterações patológicas subjacentes e achados clínicos
dos dois quadros.

Embolia pulmonar
Impactação de algum tipo de material nos ramos do leito arterial pulmonar.
Etiologia. Trombos no sistema venoso profundo dos membros inferiores (95%
dos casos) e trombos originados no lado direito do coração, tumores que invadem
a circulação venosa (êmbolo tumoral), líquido amniótico, ar, gordura, medula
óssea e corpo estranho injetado na circulação.
Quadro clínico. Atentar para a presença de fatores de risco para trombose venosa,
como trauma (cirúrgico e não-cirúrgico), queimaduras, insuficiência cardíaca con-
gestiva, imobilização, malignidade, trombose venosa profunda prévia, gravidez,
uso de estrogênio (ACO e TRH) e idade superior a 50 anos; o início dos sintomas
SISTEMA RESPIRATÓRIO

é súbito, porém a embolia pode ser assintomática em até 40 a 60% dos casos;
pode haver grande discrepância entre a severidade da embolização e os sintomas.
Três padrões clínicos predominam na embolia pulmonar. Dispnéia súbita somente
com taquipnéia; dor torácica pleurítica súbita e dispnéia acompanhadas por sinais
de derrame pleural e consolidação e apreensão súbita; desconforto torácico e
dispnéia com achados de cor pulmonale agudo e hipotensão. Quando a embolia
é maciça, pode levar ao cor pulmonale agudo, com achados como galope ven-
tricular direito, impulsões ao longo da borda esternal esquerda, B2 hiperfonética,
distensão venosa jugular e desdobramento fixo de B2.

Pneumonias
Termo usado para indicar a inflamação das vias aéreas terminais, dos espaços
alveolares e do interstício, decorrente principalmente de infecções por vírus e
bactérias, porém podendo também ser causada por agentes não-infecciosos.
Tradicionalmente, as pneumonias comunitárias têm sido divididas naquelas ditas
de padrão pneumocócico (também chamadas de “típicas”) e não-pneumocócico
(ou “atípicas”); no entanto, muitas vezes essas síndromes podem sobrepor-se.

Pneumonias de padrão pneumocócico


Germes mais freqüentes incluem S. pneumoniae, H. influenza, aeróbios e
anaeróbios da cavidade oral.

156
Quadro clínico. Início súbito de febre, tosse produtiva com escarro purulento e
dor torácica pleurítica.
Exame físico. São os sinais de consolidação pulmonar (macicez à percussão, frêmito
toracovocal aumentado, egofonia, sopro tubário e crepitantes à ausculta sobre a
região afetada).

Pneumonias de padrão não-pneumocócico


Causadas principalmente por M. pneumoniae, L. pneumophila e C. pneumo-
niae.
Quadro clínico. Início mais gradual, tosse seca, sintomas extrapulmonares proemi-
nentes (cefaléia, mialgias, fadiga, dor de garganta, náuseas, vômitos e diarréia).
Exame físico. Poucos achados, aparecendo, quando muito, crepitantes sobre a
área afetada.

Pneumonias nosocomiais
As pneumonias nosocomiais, por definição, são aquelas que ocorrem mais de
48 horas após a admissão no hospital. Constituem-se, muitas vezes, em um de-
safio diagnóstico, já que os achados característicos (infiltrado pulmonar, secreção
purulenta, febre e leucocitose) podem estar pouco claros ou até mesmo ausentes.

Pneumotórax
Acúmulo de ar no espaço pleural.

SISTEMA RESPIRATÓRIO
Classificação:
Q Espontâneo: é aquele que ocorre sem antecedente de trauma torácico;
pode ser primário (quando ocorre em indivíduos sem pneumopatia) ou
secundário (quando ocorre em pessoas com doença pulmonar prévia).
Q Traumático: resulta de traumatismos torácicos penetrantes ou não-pene-
trantes.
Quadro clínico. Dor torácica no lado afetado, tosse e dispnéia, que em geral iniciam
abruptamente. O quadro pode variar de pouco significativo a dramático, depen-
dendo da extensão do pneumotórax. Caracteristicamente, os pacientes que são
acometidos por um pneumotórax espontâneo primário em geral são jovens, al-
tos, magros e fumantes. No pneumotórax espontâneo secundário, é comum o
paciente saber-se portador de alguma doença pulmonar, e o quadro pode ser
mais grave devido a sua baixa reserva funcional.
Exame físico. Observa-se tonalidade normal ou hipertimpânica à percussão, frêmito
toracovocal e sons sussurrados diminuídos ou ausentes; também são observados
murmúrio vesicular diminuído ou ausente e ausência de ruídos adventícios; pode
haver taquicardia associada.

157
Tuberculose
Pulmonar
Infecção crônica, causada geralmente pelo Mycobacterium tuberculosis, que
pode afetar vários órgãos, embora seja mais freqüente no pulmão. Fisiopatologi-
camente, é dividida em primária e pós-primária.
Q Tuberculose primária: condição que ocorre em uma pessoa não-infectada
previamente, com rápida disseminação de bacilos a outros órgãos e tecidos,
que ali permanecem quiescentes por período variável de tempo. Acomete
em geral crianças. História de contato com pessoas com tuberculose. Na
maioria das vezes é assintomática. Quando há sintomas, os principais são
tosse seca ou produtiva, chiado no peito, febre, astenia, anorexia e emagre-
cimento. Podem ocorrer complicações, como derrame pleural, doença miliar
e meningite.
Q Tuberculose pós-primária (reativação ou reinfecção): geralmente em adultos.
O início, na maior parte das vezes, é insidioso com fadiga, anorexia, emagre-
cimento, febre intermitente (vespertina) e sudorese noturna. Pode haver
tosse (seca ou produtiva) e até mesmo hemoptise.
Exame físico. As alterações no exame físico tipicamente são discretas e só podem
ser observadas na presença de doença extensa (crepitantes apicais e macicez à
percussão dos ápices).

Pleural
SISTEMA RESPIRATÓRIO

Início abrupto ou insidioso de dor pleurítica, febre e tosse.


Exame físico. Inicialmente podemos ter atrito pleural à ausculta, que desaparece
quando o derrame pleural se acumula, passando a predominar os achados desse
último (frêmito toracovocal e sons vocais sussurrados diminuídos a ausentes;
perto da parte superior de um grande derrame, no entanto, pode aparecer bron-
cofonia, egofonia e pectorilóquia afônica; submacicez ou macicez à percussão;
murmúrio vesicular diminuído a ausente, bem como sopro tubário, perto da parte
superior de um volumoso derrame pleural).

158
Tabela 9.4 Sinais típicos em alguns processos pleuropulmonares

Inspeção Deslocamento Ausculta


Condição clínica Estática Dinâmica do mediastino Palpação Percussão Sons respiratórios Adventícios Da voz

Insuficiência Normal Normal — Normal Som claro Normal ou Crepitantes Normal


cardíaca E ou expans. ↓ pulmonar expiração ↑ nas bases

Consolidação Normal Expans. ↓ — FTV ↑ Som maciço Sopro tubário Crepitações Broncofonia
pulmonar pectorilóquia

Bronquite Normal Normal — Normal Som claro Normal ou Roncos, sibilos Normal
pulmonar expiração ↑ bolhosos

Atelectasia Retração Expans. ↓ Para o lado FTV ↑ Som maciço ↓ ou ausência do Ausência de ↓ ou ausente
com obstrução localizada tiragem da lesão ou ausente murmúrio vesicular ruídos

Enfisema Hiperexpansão Expans. ↓ — FTV ↓ Timpanismo ↓ murmúrio vesicular Ausência de ↓


do tórax simétrica expiração ↑ ruídos

Derrame Normal Expans. ↓ Para o lado FTV ↓ Som maciço ↓ ou ausência do Crepitantes ↓ ou ausente
pleural oposto ou ausente murmúrio vesicular às vezes

Abaulamento Expans. ↓ Para o lado FTV ↓ Timpanismo ↓ ou ausência do Ausência de ↓ ou ausente


Pneumotórax oposto ou ausente murmúrio vesicular ruídos

Retração do Expans. ↓ — FTV ↓ Som maciço ou ↓ ou ausência do Ausência de ↓ ou ausente


Paquipleuris lado afetado ou ausente submaciço murmúrio vesicular ruídos

159
SISTEMA RESPIRATÓRIO
Tabela 9.5 Desempenho diagnóstico de sinais e sintomas individuais do
sistema respiratório (Otávio Berwanger da Silva)

Palpação e percussão do tórax

Achado clínico/diagnóstico Senb Esp LR+ LR -


Macicez
Consolidação/pneumonia 4-26% 82-99% 3,0 –
Derrame pleural volumoso 96% 95% 18,6 0,04
Hiper-ressonância
DPOC 33% 94% 5,1 –
Senb = sensibilidade. Esp = especificidade. LR+ = likelihood ratio para um teste positivo.
LR- = likelihood ratio para um teste negativo.

Ausculta do tórax

Achado clínico/diagnóstico Senb Esp LR+ LR -


Diminuição do murmúrio vesicular
Consolidação/pneumonia 15-49% 73-95% 2,3 0,8
Asma 78% 81% 4,2 0,3
Estertores crepitantes
Fibrose pulmonar 81% 86% 5,9 0,2
Pneumonia 19-64% 48-94% 3,4 0,8
Congestão pulmonar 19-64 48-94% 2,0 –
Estertores crepitantes proto-inspiratórios
SISTEMA RESPIRATÓRIO

DPOC grave 90% 96% 20,8 0,1

Prevalência de problemas clínicos comuns

Condição clínica Probabilidade pré-teste


Asma 20%
DPOC
População em geral 5 a 7%
Tabagistas 15%
Pneumonia adquirida na comunidade 3 a 18%
Causas de derrame pleural
Insuficiência cardíaca 11-47%
Parapneumônico 15-33%
Maligno 15-27%
Embolia pulmonar 11%
Tuberculose 33%

Referências bibliográficas
III Consenso Brasileiro de Asma; Jornal de Pneumologia 2002; 28 (Suplemento 1).
Consenso Brasileiro de Pneumologia; Jornal de Pneumologia 1998; 24 (Suplemento 2).
McGee S. Evidence-Based Physical Exam. Philadelphia: WB Sauders Company, 2001.
Metlay JP, Kapoor WN, Fine MJ Does this patient have community-acquired pneumonia? Diagnosing
pneumonia by history and physical examination. JAMA 1997;278:1440-5.
Simel DL and Rennie D, eds Does the clinical examination predict airflow limitation? JAMA 1995;273:
313-19.

160
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS
Bates B. Propedêutica médica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1990.

Catelli DH, Meine MH, Berger SV, Menna Barreto S. Exame do sistema respiratório. In:
Barros E, Albuquerque G, Pinheiro C, Czepielewski M, coordenadores. Exame clínico: con-
sulta rápida. Porto Alegre: Artmed; 1999. p.73-89.
Porto CC. Exame clínico. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1996.
Seidel HM, Ball JW, Dains JE, Benedict GW. Mosby´s guide to physical examination. St.
Louis: Mosby Inc.; 1999.
Swartz MH. Textbook of physical diagnosis. Philadelphia: W.B. Saunders Company; 1998.

Sites recomendados
Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT):
www.sbpt.org.br

American Thoracic Society:


www.thoracic.org

American Lung Association:


www.lungusa.org

European Respiratory Society:


www.ersnet.org

Periódicos

SISTEMA RESPIRATÓRIO
American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine:
http://ajrccm.atsjournals.org/

British Medical Journal:


www.bmj.com

Thorax:
www.thoraxjnl.com

Journal of Bronchology:
www.bronchology.com

Chest:
www.chestnet.org

Journal of the American Medical Association (JAMA):


www.ama-assn.org

The Lancet:
www.thelancet.com

The New England Journal of Medicine:


www.nejm.org

161
Diversos
Atualização Médica:
www.atualizacaomedica.com/

Estudantes de Medicina:
www.medstudents.com.br

Pneumo Atual:
www.pneumoatual.com.br
SISTEMA RESPIRATÓRIO

162
10
EXAME DO SISTEMA
CARDIOVASCULAR
ANDRÉIA BIOLO
RAFAEL NETTO
JOSÉ MIGUEL DORA
CARÍSI ANNE POLANCZYK

A atividade dinâmica do sistema cardiovascular torna sua semiótica peculiar pela


riqueza dos achados clínicos. A despeito do surgimento de novos e promissores
métodos diagnósticos, a coleta de uma história e a realização de um exame físico
minucioso e racional são imprescindíveis na avaliação do paciente com suspeita
de doença cardiovascular. Somente a partir do reconhecimento dos quadros sin-
drômicos pode-se elaborar hipóteses coerentes com o correto diagnóstico.

PRINCIPAIS SINAIS E SINTOMAS


Dispnéia
Definição: percepção anormalmente desconfortável da respiração, desencadeada
ao repouso ou em nível de atividade inferior ao esperado (pode ser considerada
normal se desencadeada por exercício extenuante ou mesmo moderado em pes-
soas não-condicionadas).
Principais causas: a principal diferenciação a ser feita é entre dispnéia de causa
cardíaca (como na insuficiência cardíaca esquerda) e respiratória (como na doença
pulmonar obstrutiva crônica). Uma história adequada é o instrumento de maior
valor para essa diferenciação. Ambas as etiologias estão associadas à dispnéia
aos esforços:
Q Cardíaca: dispnéia em posição supina que alivia ao sentar ou levantar (or-
topnéia), uso de vários travesseiros para dormir, edema de membros in-
feriores, dispnéia paroxística noturna (inicia 2 a 4 horas após o início do
sono e demora 15 a 30 minutos para alívio após o paciente se levantar,
associada à tosse, a sibilos e à sudorese, mas a dispnéia precede a tosse!),
alívio com repouso, diuréticos, digitais e vasodilatadores.
Q Respiratória: história longa de tabagismo, tosse crônica produtiva, sibilância
proeminente, melhora com inclinação para a frente (uso da musculatura
acessória), alívio com broncodilatadores e corticóides (asma). Se a dispnéia
é noturna, é precedida por tosse e expectoração.

Dor ou desconforto torácico


Principais causas:
Q Cardíacas: angina, infarto, pericardite, dissecção aórtica, cardiopatia hiper-
tensiva ou hipertrófica.
Q Não-cardíacas: embolia pulmonar, pneumotórax, pleurisia, osteomuscular
(Tietze), herpes zoster, trato digestivo (esofágica, vesícula biliar, pancreática),
funcional ou psicogênica.
Características associadas à dor torácica de origem cardiovascular:
Q Angina
– qualidade: pressão/aperto, queimação, indigestão, sinal de Levine (punho
cerrado sobre a área cardíaca para descrever a dor)
– localização: retroesternal, com irradiação para face ulnar do braço es-
querdo (mais comum) ou direito, pescoço, mandíbula, ombro, epigástrio
(ocasionalmente apenas nessas localizações)
– duração: em geral entre 2 e 10 minutos
– fatores precipitantes: exercício, frio, estresse emocional
– fatores de alívio: repouso ou nitratos
– manifestações associadas: pode haver presença de B4 ou sopro de dis-
EXAME DO SISTEMA CARDIOVASCULAR

função de músculo papilar durante a dor


Q Infarto agudo do miocárdio
– qualidade: pressão, peso, queimação, em geral mais intensa do que a
angina
– localização: como a da angina
– duração: 30 minutos ou mais (início súbito), porém é variável
– fatores precipitantes: pode acontecer ao repouso
– fatores de alívio: não alivia ou alivia parcialmente com repouso ou nitratos
– manifestações associadas: diaforese (sudorese fria), náuseas, vômitos,
dispnéia
Q Pericardite
– qualidade: cortante, como facada
– localização: retroesternal ou em direção do ápice cardíaco, pode irradiar
para o pescoço ou o ombro; mais localizada que a dor isquêmica
– duração: horas a dias, a intensidade pode variar
– fatores precipitantes: respiração profunda, rotação do tórax, posição
supina
– fatores de alívio: ao assumir posição sentada, inclinando-se para a frente
– manifestações associadas: atrito pericárdico
Q Dissecção de aorta torácica
– qualidade: excruciante, lacerante, como facada
– localização: tórax anterior, pode irradiar para as costas

164
– duração: início súbito, sem melhora
– fatores precipitantes: em geral em paciente com hipertensão arterial
sistêmica ou síndrome de Marfan
– fatores de alívio:dor mais intensa no início, diminuindo em intensidade
com o tempo
– manifestações associadas: sopro de insuficiência aórtica, assimetria de
pulsos e de pressão arterial, alterações neurológicas focais, derrame
pleural ou pericárdico

Palpitações
É a percepção desagradável de batimentos cardíacos vigorosos ou rápidos.
Pode ocorrer com sensação de que o coração parou de bater por um instante,
o que, em geral, representa a pausa compensatória após a ocorrência de extra-
sístoles, ou em ataques ou salvas, que podem ser de início e terminação rápida
ou gradual e com ritmo regular ou irregular, conforme a etiologia da arritmia.
Quando ocorre ao levantar-se da posição supina, sugere hipotensão postural.
Se ocorrer em mulheres de meia-idade, com calorões, pensar em síndrome
menopáusica.

Síncope
É a perda de consciência, causada mais comumente pela diminuição da per-

EXAME DO SISTEMA CARDIOVASCULAR


fusão cerebral.
A história é de fundamental importância para o diagnóstico diferencial da
síncope, devendo-se observar sempre os eventos precedentes e que desencadeiam
o quadro, sua descrição (início, duração, recuperação), manifestações associadas
e uso de medicações.
A síncope de origem cardíaca é geralmente de início rápido, sem aura e sem
manifestações associadas (movimentos convulsivos, incontinência urinária, estado
confusional pós-ictal), comuns nos quadros de convulsão.
Perda gradual de consciência sugere síncope vasovagal ou associada à hipo-
tensão postural (pesquisar uso de anti-hipertensivos, relação com o levantar-se).
Mais raramente devida à hipoglicemia.
A recuperação da consciência é importante para o diagnóstico diferencial: ela
ocorre de forma lenta (estado pós-ictal) nos estados convulsivos e rapidamente
nas demais etiologias.
Os quadros de ansiedade/histeria não são acompanhados por alteração de
pulso, pressão arterial ou cor da pele e são geralmente associados a parestesias
de mãos e face, hiperventilação, dor torácica, dispnéia e sensação de angústia.

EXAME FÍSICO
O ambiente é de fundamental importância para que se possa realizar todos os
passos do exame com tranqüilidade. Deve-se preferir um local com o mínimo de
ruídos, em que se possa observar o paciente de corpo inteiro e realizar as manobras
físicas quando essas forem indicadas. Idealmente, o paciente deve ser examinado

165
em pelo menos três posições: sentado, em decúbito dorsal e em decúbito lateral
esquerdo.

ECTOSCOPIA
Deve-se estar atento para a atitude do paciente. Nos casos de angina pectoris
normalmente o paciente procura ficar em repouso. A inquietação e a busca de
posição mais confortável são típicas do infarto agudo do miocárdio. Pacientes
com insuficiência cardíaca evitam o decúbito dorsal para minimizar a dispnéia. O
padrão respiratório (dispnéia, respiração de Cheine-Stokes) também deve ser
observado.
A observação da face pode revelar mixedema periorbital, alertando para um
possível derrame pericárdico associado ao hipotireoidismo. O sinal de Musset
consiste na movimentação da cabeça em sincronia com a sístole ventricular, sendo
encontrado na insuficiência aórtica grave. O exame de fundo-de-olho oferece a
oportunidade de visualização dos vasos, permitindo a avaliação do dano vascular
secundário à hipertensão e ao diabete melito. As manchas de Roth (hemorragias
com centro branco) são encontradas no fundo-de-olho da endocardite bacteriana.
A inspeção da pele e das mucosas pode revelar cianose, que deve ser diferencia-
da em central e periférica. A cianose central é conseqüência de shunts arteriove-
nosos, sendo observada em indivíduos com extremidades aquecidas e perfusão
periférica adequada. A cianose periférica é conseqüência de vasoconstrição de
EXAME DO SISTEMA CARDIOVASCULAR

pequenos vasos, o que se acompanha de extremidades frias e sudoréticas. A


pele cor de bronze e as alopecias inguinal e axilar devem alertar para o diagnósti-
co de hemocromatose, com depósito de ferro levando à disfunção miocárdica.
Os defeitos no metabolismo lipídico levam à hipercolesterolemia, com formação
de xantomas na pele e complicações vasculares precoces e graves.
A baixa estatura e a coxa valga sugerem síndrome de Turner. A síndrome de
Marfan tipicamente apresenta-se com aracnodactlia. Ambas associam-se a compli-
cações cardíacas. O baqueteamento digital sugere doença cardíaca com shunt.
Por fim, a presença de edema sugere insuficiência cardíaca (bilateral) ou doenças
venoclusivas/linfáticas (unilateral).

EXAME DO PESCOÇO
O exame do pescoço inclui a inspeção das veias jugulares e a palpação do pulsos
carotídeos (descrita a seguir). O grau de distensão das veias jugulares e as oscila-
ções observadas no pulso venoso fornecem dados hemodinâmicos importantes
na avaliação clínica. O paciente deve estar em decúbito dorsal com cabeceira em
45º e a cabeça levemente rotada para a esquerda (Figura 10.1). O exame das
veias da região cervical direita se justifica pela sua comunicação linear em relação
à cava superior e ao átrio direito. Apesar de a jugular interna estar encoberta
pelo músculo esternocleidomastoideo, sua pulsação transmite-se externamente,
sendo de fácil visualização.
A turgência jugular pode ser encontrada em casos de insuficiência cardíaca,
pericardite constritiva e tamponamento cardíaco. Pela inspeção, é possível também
fazer uma estimativa da pressão venosa central (PVC). Para tanto, localiza-se o

166
5 cm 5 cm 5 cm

Figura 10.1 – Inspeção do pescoço para a estimativa da pressão venosa central.

menisco da coluna líquida da veia jugular externa e traça-se uma linha horizontal
até o manúbrio esternal. O átrio direito localiza-se a 5 cm do manúbrio. Assim, a
distância entre o manúbrio e a linha imaginária traçada a partir do menisco somada
a 5 fornece a pressão atrial aproximada em cm de água. A compressão da região
periumbilical por 10 a 30 segundos associada à distensão jugular sustentada
superior a 3 cm de água é conhecida como refluxo hepatojugular, tipicamente
encontrado em pacientes com insuficiência cardíaca direita e/ou esquerda ou

EXAME DO SISTEMA CARDIOVASCULAR


regurgitação tricúspide.
A pulsação venosa tem características peculiares, refletindo as alterações de
pressão que ocorrem no átrio direito durante o ciclo cardíaco. À inspeção cervical,
pode-se ter dificuldade em diferenciar os pulsos arterial e venoso. Diferente-
mente do pulso arterial, que, em condições usuais, possui apenas uma impulsão
e um descenso, o pulso venoso possui duas impulsões e dois descensos. Além
disso, o pulso arterial pode ser palpado, enquanto o venoso tende a desaparecer
ao toque. Finalmente, as alterações na posição corporal não alteram o pulso
arterial; a posição supina provoca a diminuição do pulso venoso, e o decúbito
dorsal causa seu aumento.
Durante a sístole atrial, verifica-se que o aumento de pressão no átrio direito
é transmitido às veias jugulares gerando uma impulsão conhecida como onda
“a”. Em seguida, a diminuição da pressão atrial (correspondente ao relaxamento
atrial que produz o descenso “x”) é parcialmente interrompida pela sístole ven-
tricular que causa o abaulamento da válvula tricúspide e um pequeno entalhe na
onda de pressão venosa (onda c). O enchimento passivo do átrio produz uma
nova impulsão jugular, originando a onda “v”. Por fim, a abertura da valva tri-
cúspide permite o esvaziamento atrial e a formação do descenso “y” na onda de
pressão venosa (Figura 10.2).
As alterações na onda de pressão venosa central acompanham os estados
patológicos específicos. As ondas “a” proeminentes refletem uma resistência ao
enchimento ventricular direito. Já na fibrilação atrial, a onda “a” encontra-se
ausente, uma vez que não há contração sincrônica e organizada das fibras atriais.
Durante a inspiração, a pressão venosa jugular diminui devido à redução da
pressão intratorácica e ao maior retorno de sangue ao átrio direito. Nos casos de

167
Pulso venoso a
y
c

y
x

Bulhas cardíacas

B1 B2 B1 B2

ECG

Figura 10.2 – Pressão venosa central.

pericardite constritriva, existe uma resposta paradoxal à inspiração, com o aumento


da pressão jugular, originando o sinal de Kussmaul. Esse sinal não é específico
EXAME DO SISTEMA CARDIOVASCULAR

para a pericardite constritiva, podendo ocorrer em outras condições clínicas, como


falência ou infarto de ventrículo direito.

PALPAÇÃO DOS PULSOS


Faz parte do exame cardiovascular a palpação dos pulsos radiais, braquiais, caro-
tídeos, femorais, poplíteos, tibiais posteriores e pediosos, com atenção para as
quatro características que o definem: freqüência, regularidade, formato da onda
e simetria. A regularidade do pulso deve ser avaliada com atenção, no sentido de
distinguirem-se pulsos realmente irregulares de pulsos regulares acompanhados
de batimentos prematuros freqüentes. O pulso irregular é típico de fibrilação
atrial.
A avaliação minuciosa do formato do pulso pode revelar algumas particularida-
des (Quadro 10.1). O pulso normal possui uma fase rápida de aceleração e um
descenso mais suave. Pacientes idosos ou hipertensos costumam apresentar en-
rijecimento vascular, o que exacerba a fase rápida do pulso. Outras situações
que cursam com elevação na pressão de pulso (ansiedade, tireotoxicose, anemia,
gravidez) também podem aumentar a amplitude dos pulsos.
Na coarctação de aorta, os pulsos carotídeos e braquiais costumam ser amplos
e simétricos, porém há uma redução ou ausência de pulso nas extremidades
inferiores. A estenose aórtica crônica grave leva à formação de pulso com pico
tardio e de baixa amplitude (parvus et tardus). A insuficiência aórtica crônica
grave pode apresentar-se com pulso em “martelo d’água” ou de Corrigan, com
pico amplo precoce e descenso abrupto.

168
Quadro 10.1 Características dos diferentes tipos de pulsos arteriais

Tipo de pulso Características


Bisferiens Dois picos sistólicos separados por incisura mesossistólica.
Representa um grande volume ejetado rapidamente
num sistema com baixa resistência.
Pode ser encontrado na insuficiência aórtica grave,
acompanhada ou não por estenose e na
cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva.

Dicróico dois picos, porém um durante a sístole e um durante a


diástole (logo após a B2).
Representa um exagero da onda de pressão após
o fechamento da válvula aórtica.
Presente na hipotensão acompanhada de redução
da resistência vascular periférica ou disfunção grave
de VE com resistência elevada.

Alternans Sinal de disfunção ventricular grave, provocando


pulsos de amplitude variável.
Melhor detectado com o auxílio do
esfigmomanômetro e em pulsos periféricos.

EXAME DO SISTEMA CARDIOVASCULAR


Regular.

Bigeminus Resultado de contrações prematuras seguindo o


batimento normal.
É de menor intensidade e sempre segue a contração
prematura (diferente do pulso alternans).

Paradoxal Redução da amplitude do pulso durante a inspiração.


Exagero no declínio normal do pulso (queda de
pelo menos 20 mmHg na sistólica).
Tamponamento, pericardite constritiva, enfisema,
obesidade, gravidez, embolia pulmonar.
O pulso paradoxal reverso (aumento da amplitude
na inspiração) ocorre na miocardiopatia hipertrófica.

MEDIDA DA PRESSÃO ARTERIAL


Ver Capítulo 4, Sinais vitais (p. 61).

EXAME DO TÓRAX
Inspeção
À inspeção do tórax, deve-se visualizar o seu formato (pectus carinatum,
escavatum, cifoescoliose) e o padrão respiratório. A visualização dos vasos
superficiais na porção superior do tórax pode sugerir compressão da veia cava

169
superior. Já fluxo sangüíneo superficial no sentido cranial pode indicar obstrução
da cava inferior.
Algumas vezes, é possível observar as impulsões torácicas secundárias à movi-
mentação cardíaca. Deve-se observar as regiões apical, paraesternal esquerda,
segundo espaço intercostal direito e terceiro espaço intercostal esquerdo. Pulsa-
ções proeminentes nesses locais sugerem dilatações ventricular esquerda,
ventricular direita, aórtica e da artéria pulmonar, respectivamente.

Palpação
A palpação do precórdio adiciona uma série de informações à simples inspeção.
Idealmente, deve-se posicionar o paciente em decúbito dorsal, com cabeceira a
30º. A palpação da região apical deve utilizar toda a extensão dos dedos. As
demais regiões podem ser examinadas com a extremidade dos dedos. A palpação
simultânea do pulso carotídeo orienta a localização das impulsões no ciclo cardíaco.
A pulsação aórtica pode ser detectada junto à fúrcula esternal, alertando para
uma possível dilatação. Por fim, completa-se a palpação examinando-se novamen-
te a impulsão apical com o paciente em decúbito lateral esquerdo parcial.
A impulsão apical – ictus cordis – origina-se com o toque do coração à parede
torácica anterior no seu movimento anti-horário durante a sístole. Na porção
externa, o ictus é percebido medial e superiormente à intersecção da linha hemi-
clavicular e do quinto espaço intercostal esquerdos, apresentando diâmetro não-
EXAME DO SISTEMA CARDIOVASCULAR

superior a 2 cm. Um ictus além desse limite, na ausência de deformidades torácicas,


é um sinal sensível (mas pouco específico) de dilatação ventricular esquerda. Da
mesma forma, diâmetros maiores de 2 cm são sugestivos de aumento do volume
cardíaco. A palpação do ictus revela impulsão única e breve (lembrar que a sístole
ocupa aproximadamente um terço do ciclo cardíaco). O ictus é dito sustentado
quando perdurar por mais de um terço do ciclo cardíaco. O ictus hipercinético é
caracterizado por uma impulsão breve e proeminente, sendo observado nos ca-
sos de sobrecarga volumétrica e estimulação simpática.
Dependendo da situação, algumas impulsões podem ser percebidas na região
apical durante a diástole, destacando-se a sístole atrial (B4), que surge pouco
antes do ictus.
A atividade mecânica do ventrículo direito não é usualmente percebida à
palpação torácica. Em casos de hipertrofia, no entanto, pode ser detectada na
região paraesternal esquerda. Nos pacientes obesos, idosos ou enfisematosos, a
impulsão do ventrículo direito pode ser melhor examinada na região subesternal.

Ausculta
A ausculta cardíaca deve ser orientada pelo conhecimento fisiológico do ciclo
cardíaco. Sua sistematização impede que se deixem de avaliar aspectos importan-
tes em relação aos sons cardíacos. Novamente, deve-se examinar o paciente em
pelo menos três posições distintas. A utilização de manobras específicas pode ser
aplicada, facilitando, em muitos casos, a detecção de ruídos inaudíveis ao exame
estático (ver item “Manobras”).

170
Na descrição das áreas auscultadas, deve-se evitar a denominação “foco” (p.
ex., foco aórtico, foco mitral etc.), pois isso pode gerar a falsa idéia de que, em se
auscultando um som num dos “focos”, o mesmo deve corresponder ao vaso ou
à valva que lhe dá nome. Inicialmente, quatro áreas devem ser auscultadas: região
apical (A), bordo esternal inferior esquerdo (BEIE), bordo esternal superior esquer-
do (BESE) e bordo esternal superior direito (BESD) (Figura 10.3). Na presença de
sopros, deve-se procurar se há irradiação para outras regiões: tórax direito, axila,
dorso, carótidas e fossa clavicular.
A maioria dos estetoscópios é provida de dois dispositivos de ausculta: o
diafragma, formado por uma membrana rígida, que transmite preferencialmente
os sons de alta de freqüência, e a campânula, sem membrana transmissora, que
facilita a ausculta dos sons de baixa freqüência. O posicionamento da campânula
deve ser feito de forma suave, apenas encostado à parede torácica, pois uma
pressão elevada transforma a própria pele em diafragma, impedindo a ausculta
dos sons de baixa freqüência. Os graus variados de compressão da campânula
podem ser utilizados na tentativa de elucidar sons de freqüências distintas.
Uma maneira lógica de iniciar a ausculta é pela região apical, passando sucessi-
vamente às outras áreas.
Região apical:
1. Identificar a primeira bulha (B1) e definir as suas características (compo-
nentes, intensidade). Auscultar o ritmo cardíaco.

EXAME DO SISTEMA CARDIOVASCULAR


Bordo esternal Bordo esternal
superior direito superior esquerdo
(BESD) (BESE)

Região apical

Bordo esternal
inferior esquerdo
(BEIE)

Figura 10.3 – Regiões de ausculta cardíaca.

171
2. Auscultar sistematicamente, com avaliação do início, meio e fim da sístole.
3. Auscultar a segunda bulha (B2) e definir suas características.
4. Auscultar sistematicamente, com avaliação do início, meio e fim da diástole.
Em seguida passa-se às outras regiões precordiais, auscultando-se cada espaço
intercostal, de acordo com o esquema já mencionado.
Primeira bulha (B1): a primeira bulha é um som de alta freqüência gerado no
fechamento das valvas mitral e tricúspide, quando a pressão intraventricular supera
a pressão atrial na sístole. O ruído do fechamento mitral é mais intenso que o do
fechamento tricúspide, que costuma ser audível apenas no BESE (ou abaixo do
apêndice xifóide). O componente mitral pode ser auscultado em todo o precórdio.
Quando há bloqueio de ramo direito, os dois sons distanciam-se, ouvindo-se o
desdobramento da B1.
Sons sistólicos: a presença de estenose, valva bicúspide e dilatação do tronco
podem causar um ruído sistólico de alta freqüência tanto na aorta como na artéria
pulmonar. A presença de prótese mecânica aórtica associa-se a som metálico
característico no início da sístole. O som meso ou telessistólico corresponde ao
prolapso da valva mitral, conseqüente à protrusão dos folhetos mitrais no átrio
esquerdo durante a sístole. Esse som é melhor auscultado na região apical e tem
alta freqüência (click).
EXAME DO SISTEMA CARDIOVASCULAR

Segunda bulha (B2): a segunda bulha é um som de alta freqüência formado pelos
ruídos produzidos no fechamento das valvas aórtica e pulmonar. O componente
pulmonar é de menor intensidade, sendo, na maioria das vezes, restrito ao BESE.
O componente aórtico pode ser ouvido em todo o precórdio. A avaliação do
desdobramento da B2 é melhor realizada no BESE. Durante a inspiração, ocorre
um aumento da capacitância pulmonar, prolongando a sístole do VD e determinan-
do um “atraso” do componente pulmonar (P2) em relação ao aórtico (A2). Esse
desdobramento é dito fisiológico. No desdobramento persistente, é possível aus-
cultar os dois componentes durante todo o ciclo respiratório. O maior intervalo
entre os sons ocorre durante a inspiração, mantendo-se, portanto, o padrão fisio-
lógico. Por outro lado, no desdobramento fixo, a separação temporal entre os sons
é constante, não se observando alterações com a respiração. Finalmente, no des-
dobramento paradoxal auscultam-se os dois componentes apenas durante a ex-
piração. Nesse último caso, há “atraso” do componente A2, usualmente secundá-
rio a um bloqueio de ramo esquerdo. Quando não se distinguem os dois compo-
nentes de B2, freqüentemente P2 é inaudível. Estenose ou atresia (aórtica ou pul-
monar) também podem ser causa de abolição de um dos componentes da B2.
Sons diastólicos: a válvula mitral reumática causa um estalido de abertura no
início da diástole, que é auscultado na região apical com o diafragma. O mixoma
atrial e a prótese atrioventricular também causam ruídos no início da diástole. A
terceira bulha (B3) é um som mesodiastólico de baixa freqüência. Representa um
aumento da resistência à distensão longitudinal do ventrículo na fase de enchi-
mento rápido. Pode ser encontrado em crianças, adultos jovens ou em casos de
insuficiência cardíaca. É auscultado em região apical com o uso da campânula. O

172
decúbito lateral esquerdo facilita sua identificação. A inspiração e o aumento do
retorno venoso (elevação de membros inferiores) aumentam sua intensidade. A
quarta bulha (B4) é um som de baixa freqüência, pré-sistólico, correspondente à
sístole atrial frente a um ventrículo com alteração no relaxamento. Também deve
ser auscultado na região apical, utilizando-se a campânula, logo antes da B1.
Não costuma ser alterado pela inspiração. Pode ser encontrado em idosos, sendo
clássico do ventrículo em sofrimento (e, por isso, com déficit de relaxamento)
nos casos de angina instável ou infarto agudo do miocárdio.

Sopros cardíacos
O sopro é um ruído formado a partir do turbilhonamento do sangue ao
atravessar estruturas cardíacas. Normalmente tem duração maior que o som das
bulhas e dos ruídos anteriormente descritos. Sua freqüência varia de acordo com
o tipo de alteração presente.
Na avaliação de um sopro, deve-se, inicialmente, localizá-lo no ciclo cardíaco.
Os sopros dividem-se em proto, meso ou telessistólicos, de acordo com seu perío-
do de ocorrência. Os sopros sistólicos causados por insuficiência das válvulas
atrioventriculares (mitral e tricúspide) são caracteristicamente pansistólicos; os
sopros sistólicos em “crescendo-descrescendo” associam-se a sopros de ejeção
(como na estenose aórtica ou pulmonar). O mesmo vale para os sopros diastólicos,
em geral, decorrentes de insuficiência das válvulas sigmóides ou de estenose das

EXAME DO SISTEMA CARDIOVASCULAR


válvulas atrioventriculares. A localização dos sopros na parede torácica segue a
mesma regra anteriormente descrita. A ausculta das carótidas, da axila, do tórax
direito, do dorso e da fossa clavicular deve ser incluída, pois a irradiação do sopro
é característica importante na sua classificação. A classificação mais popular da
intensidade dos sopros foi descrita por Freeman e Levine, estabelecendo seis
níveis, de acordo com o Quadro 10.2.

MANOBRAS
O exame cardiovascular é um processo dinâmico no qual a indução de alterações
hemodinâmicas por meio de manobras, modificações no posicionamento do pa-
ciente e administração de drogas ou em situações observadas deve ser utilizada

Quadro 10.2 Classificação dos sopros cardíacos segundo Freeman e Levine

Grau Descrição
I Sopro audível somente após ausculta cuidadosa
II Sopro de intensidade média, audível imediatamente após
colocação do estetoscópio
III Sopro intenso, sem frêmito
IV Sopro intenso acompanhado de frêmito
V Sopro muito intenso, mas audível com estetoscópio junto ao tórax
VI Sopro audível com estetoscópio afastado do tórax

173
no diagnóstico diferencial. Todos os pacientes devem ser examinados em três
posições: decúbito dorsal, decúbito lateral esquerdo e sentado. Manobras adicio-
nais devem ser realizadas quando necessário no diagnóstico diferencial dos achados.

Inspiração
Execução: o paciente deve inspirar e expirar lentamente seguindo as orientações
do examinador.
Aplicação: na diferenciação entre os sons de câmaras direitas e esquerdas, o
aumento da intensidade de um som na inspiração sugere origem de câmara
direita.

Decúbito lateral esquerdo


Execução: paciente em decúbito dorsal deve rotar para a esquerda.
Aplicação: permite a palpação de ictus não-identificado em decúbito dorsal e
identificação de B3, B4, click de abertura mitral e sopro de estenose mitral.

Sentado
Execução: o paciente deve estar sentado e inclinado para a frente.
Aplicação: identificação de sopro de insuficiência aórtica e atrito pericárdico.
EXAME DO SISTEMA CARDIOVASCULAR

Elevação passiva de membros inferiores


Execução: com paciente em decúbito dorsal, elevação passiva dos membros infe-
riores a cerca de 45o. Ausculta-se por 15 a 20 segundos após a manobra.
Aplicação: na diferenciação entre os sons de câmaras direitas e esquerdas. O
surgimento de B3 ou o aumento da intensidade de um sopro nos primeiros 1 a 2
ciclos cardíacos sugere um som originário de câmara direita. Se o som aumenta
após 5 a 6 batimentos, a origem esquerda é mais provável. Essa manobra dimi-
nui o sopro da cardiomiopatia hipertrófica.

Valsalva
Execução: o paciente deve fazer contração abdominal sem ventilar por 20
segundos.
Aplicação: cerca de dois terços dos sopros da cardiomiopatia hipertrófica aumen-
tam com essa manobra. Na diferenciação entre os sopros de câmaras direitas e
esquerdas, ao retomar a ventilação normal após a manobra, o aumento da in-
tensidade de um sopro nas primeiras 1 a 2 ventilações sugere sopro de câmara
direita.

Ortostatismo
Execução: o paciente deve assumir posição ortostática abruptamente após realizar
agachamento por cerca de 30 segundos. Deve-se auscultar os primeiros 15 a 20
segundos.

174
Aplicação: aumento do sopro da cardiomiopatia hipertrófica e do prolapso mitral.
Diminuem a intensidade de sopros inocentes, a estenose aórtica e a comunica-
ção interventricular

Agachamento
Execução: o paciente, em ortostatismo, deve colocar-se na posição de cócoras.
Realiza-se a manobra com estetoscópio no tórax do paciente, devendo-se auscul-
tar as alterações logo após a manobra.
Aplicação: diminui o sopro da cardiomiopatia hipertrófica e aumentam os sopros
de insuficiência aórtica, a estenose aórtica, a insuficiência mitral e a comunicação
interventricular.

Handgrip
Execução: o paciente deve fazer a contração isométrica bilateral das mãos, mantendo
uma ventilação normal. Ausculta-se um minuto após a contração máxima.
Aplicação: os sopros de insuficiência aórtica, a insuficiência mitral e a comunica-
ção interventricular aumentam em intensidade, e o sopro da cardiomiopatia
hipertrófica diminui. O handgrip pode permitir a identificação de B3 e B4 previ-
amente não-identificadas.

EXAME DO SISTEMA CARDIOVASCULAR


Oclusão arterial transitória
Execução: insuflar um manguito em cada braço do paciente 20 a 40 mmHg aci-
ma da PA sistólica. Ausculta-se durante 20 segundos após a manobra.
Aplicação: aumentam a intensidade de sopros de insuficiência mitral e a
comunicação interventricular.

Amil nitrito
Execução: o paciente inala uma ampola de amil nitrito. Ausculta-se por 15 a 30
segundos após a manobra.
Aplicação: aumentam a intensidade de sopros de estenose aórtica, a cardiomiopatia
hipertrófica, a estenose mitral e a insuficiência tricúspide. Diminuem os sopros
de insuficiência mitral e insuficiência aórtica.

Nitroglicerina
Execução: administra-se nitroglicerina ao paciente.
Aplicação: aumentam a intensidade de sopros de estenose aórtica, a cardiomiopatia
hipertrófica, a estenose mitral e a insuficiência tricúspide. Diminuem os sopros
de insuficiência mitral e a insuficiência aórtica.

Müeller
Execução: o paciente faz movimento inspiratório mantendo o nariz e a boca cerra-
dos (sem ventilar) por cerca de 10 segundos.
Aplicação: aumenta os sons originários da câmara direita.

175
Tabela 10.1 Diagnóstico diferencial de sopros sistólicos

Manobra Resposta S (%) E (%) VPP (%) VPN (%)


Sopros de câmaras direitas
Inspiração aumento 100 88 67 100
Müller aumento 15 92 33 81

Cardiomiopatia hipertrófica
Valsalva aumento 65 96 81 92
S–O diminuição 95 85 61 99
EPMI diminuição 85 91 71 96
Handgrip diminuição 85 75 46 95

Insuficiência mitral e comunicação interventricular


Handgrip aumento 68 92 84 81
OAT aumento 78 100 100 87
Amil Nitrato diminuição 80 90 84 87

Adaptada de Lembo N. Bedside diagnosis of systolic murmurs. NEJM 1988; 318: 1572-
8. S = sensibilidade; E = especificidade; VPP = valor preditivo positivo; VPN = valor
preditivo negativo; S – O = do agachamento ao ortostatismo; EPMI = elevação pas-
siva de membros inferiores; OAT = oclusão arterial transitória.
EXAME DO SISTEMA CARDIOVASCULAR

Pós-batimento prematuro
Interpretação: o sopro da estenose aórtica aumenta após um batimento prematuro.

QUADROS SINDRÔMICOS
Na descrição dos sintomas associados com os quadros sindrômicos a seguir, é
importante que se tenha em mente que a gravidade dos mesmos é produto do
grau de disfunção hemodinâmica acarretado pelo distúrbio, sua velocidade de
instalação e a função cardiopulmonar prévia do paciente.

Sopro inocente
Etiologias: sopro não-associado à anormalidade anatômica ou fisiológica detec-
tável.
Sintomas: assintomáticos.
Exame físico:
Q Ausculta: sopro mesossistólico em crescendo-decrescendo grau 1 a 2 audível
nos 2o a 4o espaços intercostais bordo esternal esquerdo, com pouca ou
nenhuma irradiação. Sem outras alterações no exame cardiovascular.

Sopro fisiológico
Etiologias: anemia, febre, exercício, gestação, hipertireoidismo e outras.

176
Sintomas: assintomáticos ou com sintomas do distúrbio de base.
Exame físico:
Q Palpação: ictus hiperdinâmico.
Q Ausculta: sopro mesossistólico em crescendo-decrescendo grau 1 a 3 audível
nos 2o a 4o espaços intercostais bordo esternal esquerdo, com pouca ou
nenhuma irradiação. Sem outras alterações no exame cardiovascular.

Insuficiência cardíaca esquerda: principais achados


Geral: diminuição da pressão de pulso, taquicardia sinusal, distensão venosa jugular,
refluxo hepatojugular, pulsus alternans, crepitantes pulmonares, edema de mem-
bros inferiores, achados de derrame pleural e ascite, hepatomegalia, caquexia
cardíaca.
Exame do precórdio: ictus em geral propulsivo e hiperdinâmico, desviado para
baixo e lateralmente e com extensão > 2 cm, pode haver presença de B3 e B4
(B3 associada à taquicardia caracteriza o ritmo de galope), sopro de insuficiência
mitral por dilatação da cavidade ventricular esquerda.

Insuficiência cardíaca direita: principais achados


Geral: distensão venosa jugular, refluxo hepatojugular, hepatomegalia congestiva
(com dor em hipocôndrio direito por distensão da cápsula hepática), edema,

EXAME DO SISTEMA CARDIOVASCULAR


ascite, presença de impulsões paraesternais (aumento do ventrículo direito), B2
hiperfonética.
Na maior parte dos casos, a insuficiência cardíaca direita é secundária, está
associada à ICE, havendo achados de congestão pulmonar e ICC (insuficiência
cardíaca congestiva).
Quando o acometimento é primariamente do ventrículo direito (estenose
pulmonar congênita, hipertensão pulmonar secundária a tromboembolismo), os
sintomas de congestão pulmonar são incomuns.

Estenose aórtica
Etiologias: degenerativa, febre reumática ou congênita.
Sintomas: os pacientes passam por um longo período assintomático. Apresen-
tam-se em torno da sexta década de vida com angina pectoris, síncope ou insu-
ficiência cardíaca.
Exame físico:
Q Inspeção: onda “a” venosa proeminente.
Q Palpação: pulso arterial parvus et tardus. Ictus sustentado, aumentado e
desviado para a esquerda. Frêmito palpável em segundo espaço intercostal
esquerdo com paciente sentado inclinado anteriormente em expiração total.
Q Ausculta: A2 variando de hipo à hiperfonese, P2 hiperfonética com desdo-
bramento paradoxal de B2 em casos graves, B4, click sistólico de abertura
da valva aórtica e sopro mesossistólico em crescendo e decrescendo em
BESD com irradiação para a região apical e carótidas. O fenômeno de Galla-

177
vardin pode ser percebido e corresponde à modificação da qualidade do
sopro (mais musical em ápice) ao longo do precórdio.

Insuficiência aórtica
Etiologias: degenerativa, endocardite, espondilite anquilosante, congênita, febre
reumática, Marfan, dissecção aórtica, sífilis e outras.
Sintomas: sintomas de insuficiência cardíaca.
Exame físico:
Q Inspeção: movimento da cabeça a cada batimento cardíaco (sinal de
Musset), pulsações sistólicas da úvula (sinal de Müller), pulsações capilares
percebidas ao transiluminar o dedo do paciente (sinal de Quincke) e pulsa-
ções arteriolares retinianas.
Q Palpação: pulso arterial amplo e rápido (pulso em martelo d’água ou pulso
de Corrigan). Ictus com dimensão aumentada, sustentado, hiperdinâmico
e desviado para a esquerda.
Q Ausculta: B1 e B2 hipofonéticas, podendo haver B3 e B4. Sopro protomeso-
diastólico em decrescendo mais audível com o paciente sentado inclinado
anteriormente em expiração total junto ao bordo esternal esquerdo 2o a 4o
espaços intercostais com irradiação para ápice e bordo esternal direito. O
sopro mesotelediastólico mitral audível em ápice (sopro de Austin Flint)
EXAME DO SISTEMA CARDIOVASCULAR

devido à pseudobstrução da valva mitral pelo fluxo regurgitante aórtico


pode ser identificado. Um sopro mesossistólico grau 1 a 4 em região apical
com irradiação para carótidas pode ser identificado e corresponde ao aumen-
to de fluxo através da valva aórtica não-estenótica. Sons sistólicos e dias-
tólicos podem ser auscultados junto à artéria femoral (sinal de Traube).
Sopro sistólico auscultado sobre a artéria femoral quando de sua compressão
proximal em relação ao estetoscópio e sopro diastólico quando comprimida
distalmente (sinal de Duroziez).
Q Outros: aumento da pressão de pulso (sistólica aumentada e diastólica
diminuída), com os sons de Korotkoff audíveis até zero. Pressão sistólica
poplítea excedendo a braquial em mais de 60 mmHg (sinal de Hill). O
quadro clínico com manifestações periféricas é indicativo de insuficiência
aórtica crônica.

Estenose mitral
Etiologias: febre reumática e outras raras.
Sintomas: geralmente apresenta-se na 3a e 4a décadas com sintomas de insuficiên-
cia cardíaca. Pacientes podem apresentar hemoptise devido ao aumento na pressão
pulmonar, com conseqüente extravasamento de sangue para o pulmão, bem
como fenômenos tromboembólicos secundários à dilatação atrial. Rouquidão
devido à compressão do nervo laríngeo recorrente pelo átrio esquerdo dilatado
(Síndrome de Ortner) em alguns casos.

178
Exame físico:
Q Inspeção: turgência jugular. Pulso venoso com onda “a” proeminente em
pacientes com ritmo sinusal. Proeminente onda “v” ou “c-v” em pacien-
tes com fibrilação atrial.
Q Palpação: ictus cordis discreto. Pode haver frêmito palpável em região apical.
Q Ausculta: B1 hiperfonética, P2 hiperfonética, B4 em área de ventrículo
direito, click de abertura da válvula mitral seguido de sopro diastólico (rolar
diastólico) com reforço pré-sistólico audível com a campânula do estetos-
cópio em região apical e com paciente em decúbito lateral esquerdo, ge-
ralmente sem irradiação. Em geral, quanto mais longo o sopro, mais grave
a obstrução.

Insuficiência mitral
Etiologias: febre reumática, endocardite infecciosa, dilatação do anel valvar, trauma,
ruptura de cordoalha tendínea, disfunção do músculo papilar (cardiopatia isquê-
mica), necrose do músculo papilar (pós-IAM) e outras.
Sintomas: o paciente pode ser assintomático ou apresentar-se com insuficiência
cardíaca.
Exame físico:
Q Palpação: pode haver frêmito apical na IM crônica grave. Pulsos periféricos

EXAME DO SISTEMA CARDIOVASCULAR


diminuídos.
Q Ausculta: B1 hipofonética, desdobramento amplo de B2, B3, sopro holos-
sistólico em plateau em região apical iniciando logo após B1 e encobrindo
A2 com irradiação para a axila e bordo esternal esquerdo.

Prolapso mitral
Etiologias: diversas patologias do aparato valvar mitral.
Sintomas: na maioria dos casos assintomático, entretanto pode apresentar sintomas
de insuficiência mitral.
Exame físico:
Q Ausculta: click mesossistólico seguido de sopro telessistólico em crescendo
em região apical. Os pacientes podem apresentar apenas click, apenas sopro
ou nenhum dos dois. Os achados podem variar em exames subseqüentes.
No prolapso com importante regurgitação mitral, os achados são os da
insuficiência mitral.

Estenose pulmonar
Etiologias: congênita e outras.
Sintomas: insuficiência cardíaca direita.
Exame físico:
Q Palpação: impulsões paraesternais direitas. Frêmito nos 2o e 3o espaços
intercostais direitos.

179
Q Ausculta: Hipofonese de B2. Pode haver B4 em BEIE. Sopro mesossistólico
em crescendo-decrescendo nos 2o e 3o espaços intercostais esquerdos.

Insuficiência pulmonar
Etiologias: dilatação do anel valvar primária ou secundária, endocardite e outras.
Sintomas: insuficiência cardíaca direita.
Exame físico:
Q Ausculta: P2 ausente na agenesia e hiperfonética em pacientes com hiper-
tensão pulmonar. Desdobramento amplo de B2, B3 e B4 junto ao bordo
paraesteral inferior esquerdo. Sopro holodiastólico em plateau ou decrescen-
do (sopro de Graham Steel) audível em BEIE.

Estenose tricúspide
Etiologias: febre reumática (acompanhada de acometimento mitral e aórtico não
isoladamente), congênita e outras.
Sintomas: insuficiência cardíaca direita.
Exame físico:
Q Inspeção: turgência jugular e com onda “a” ampla.
Q Palpação: frêmito palpável BEIE.
EXAME DO SISTEMA CARDIOVASCULAR

Q Ausculta: click de abertura da válvula tricúspide seguido de sopro diastólico


com reforço pré-sistólico audível junto ao BEIE.
Q Outros: pulsações hepáticas pré-sistólicas.

Insuficiência tricúspide
Etiologias: dilatação do anel valvar primária ou secundária, endocardite, febre
reumática e outras.
Sintomas: insuficiência cardíaca direita.
Exame físico:
Q Inspeção: caquexia, cianose e icterícia. A fibrilação atrial é freqüente. A
turgência jugular com onda “c-v” proeminente (onda “s”).
Q Palpação: o frêmito venoso em região cervical pode estar presente.
Q Ausculta: B3 em BEIE. Sopro holossistólico em plateau em BEIE com
irradiação para bordo esternal direito e que encobre P2. Sopro sistólico
venoso em região cervical.
Q Outros: fígado pulsátil.

Cardiomiopatia hipertrófica
Etiologia: não claramente identificada, mas em geral associada a alterações gené-
ticas específicas.

180
Sintomas: maioria assintomática. Naquelas que apresentam sintomas: dispnéia,
angina pectoris, fadiga, lipotimia e síncope, podendo a primeira manifestação
ser morte súbita.
Exame físico:
Q Inspeção: onda “a” venosa ampla.
Q Palpação: pulso carotídeo com aumento rápido (diferente da estenose aórtica).
Ictus desviado para a esquerda, podendo apresentar de 1 a 3 componentes.
Frêmito, se presente, palpável no quarto espaço intercostal esquerdo.
Q Ausculta: desdobramento de B2 (fisiológico ou paradoxal), B4, pode haver
B3, sopro mesossistólico em crescendo-decrescendo em ápice que pode
ter irradiação para axila e BESE, mas sem irradiação para o pescoço. Alguns
pacientes podem apresentar sopro de insuficiência mitral.

Comunicação interventricular
Etiologias: pós-IAM e congênita.
Sintomas: insuficiência cardíaca.
Exame físico:
Q Palpação: frêmito nos 3o a 5o espaços intercostais esquerdos.
Q Ausculta: sopro holossistólico em plateau em BEIE com irradiação ampla e

EXAME DO SISTEMA CARDIOVASCULAR


encobrindo A2. Em CIV pequena ou em CIV ampla, com hipertensão
pulmonar associada, o sopro pode ser proto-sistólico em decrescendo.

Comunicação interatrial
Etiologias: congênita.
Sintomas: fadiga e dispnéia aos esforços.
Exame físico:
Q Palpação: impulsões nos 3o a 5o espaços intercostais esquerdos, pulsação
pulmonar palpável.
Q Ausculta: B1 normal ou com desdobramento. B2 com desdobramento fixo.
Sopro mesossistólico em crescendo-decrescendo em BESE devido ao shunt
esquerda-direita e conseqüente aumento de fluxo na válvula pulmonar e
sopro mesodiastólico devido ao aumento de fluxo através da válvula tri-
cúspide.

Hipertensão pulmonar
Etiologias: primária, tromboembolia pulmonar e outras.
Sintomas: insuficiência cardíaca direita.
Exame físico:
Q Inspeção: turgência jugular com onda “a” ampla.
Q Palpação: impulso cardíaco em BEIE, pulsação pulmonar palpável. Pulsos
arteriais parvus.

181
Q Ausculta: P2 hiperfonética B3 e B4 em BEIE. As regurgitações pulmonar e
tricúspide podem estar presentes.

Pericardite
Etiologias: viral, urêmica, pós-operatória, causas reumatológicas.
Sintomas: dor retroesternal (ver Dor ou Desconfotro Torácico).
Exame físico:
Q Ausculta: o atrito pericárdico é um som de timbre alto, melhor audível com
o diafragma. Ocorre com a inflamação do saco pericárdico e tem três com-
ponentes: um sistólico e dois diastólicos (enchimento rápido e contração
atrial).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CITADAS


1. Lembo N, Dell’Italia LJ, Crawford MH, O’Rourke RA. Bedside diagnosis of systolic murmurs.
NEJM 1988; 318: 1572-8.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS


Bates B. Propedêutica médica. 6.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1999.

Barros E, Albuquerque G, Pinheiro C, Czepielewki M. Exame clínico: consulta pápida. Porto


EXAME DO SISTEMA CARDIOVASCULAR

Alegre: Artmed; 1999.

Braunwald E, Zipes DP, Liby, P. Heart disease: a textbook of cardiovascular medicine. 6th. ed.
Philadelphia: WB Saunders Company; 2001.

Freeman AL, Levine SA. The clinical significance of the systolic murmur: a study of 1000
consecutive non-cardiac cases. Ann Intern Med 1993;6: 1371.

Hurst´s. The Heart. 9th ed. New York: McGraw-Hill; 1999.

Seidel HM, Ball JW, Dains JE, Benedict GW. Mosby’s guide to physical examination. 14th ed.
St. Louis: Mosby; 1999.

Willms JL, Schneiderman H, Algranati PS. Physical diagnosis: bedside evaluation of diagnosis
and function. Baltimore: Williams & Wilkins; 1994.

Sites recomendados
American College of Cardiology:
http://www.acc.org

American Heart Association:


http://www.americanheart.org

European Society of Cardiology:


http://www.escardio.org

182
11
SISTEMA DIGESTÓRIO
CARLOS FERNANDO DE MAGALHÃES FRANCESCONI
MARIA HELENA ITAQUI LOPES
LUIZ EDMUNDO MAZZOLENI

O exame clínico do sistema digestório envolve a anamnese e a realização do


exame físico, no entanto, a avaliação global do paciente é de fundamental impor-
tância, pois permite detectar alterações sistêmicas correlacionadas e com potenciais
implicações na patologia digestiva.

ANAMNESE
A correta coleta de informações permite a formulação do diagnóstico na maioria
dos casos.
Aspectos específicos da anamnese do paciente com queixas relacionadas ao
sistema digestório ou ao abdome necessitam de uma melhor exploração. Sem-
pre deverão ser valorizados os dados demográficos, epidemiológicos e genéti-
cos, além de sintomas específicos, como os vistos na Figura 11.1, onde se observa
uma correlação dos sintomas e sinais com os órgãos do sistema digestório em
que se originam.

SINAIS E SINTOMAS DIGESTIVOS


Aftas
Definição: erosões ou úlceras da cavidade oral, circunscritas e dolorosas, comu-
mente recobertas por pseudomembranas fibrinosas.
Significado clínico: geralmente inofensivas e não-relacionadas a patologias do
sistema digestório. A etiologia é desconhecida, sendo as aftas mais provavelmente
relacionadas à hipersensibilidade e a agentes virais. Podem estar associadas a
outras patologias, como doença de Crohn, Behçet, Reiter e síndrome da imuno-
deficiência adquirida.

“Cólica” biliar
Definição: dor de forte intensidade localizada em quadrante superior direito do
abdome com eventual irradiação para regiões lombar e escapular direitas e epi-
gástrio. Trata-se de uma denominação equivocada por tratar-se de uma dor contí-
Anamnese

Halitose
Xerostomia
Boca
Sialorréia
Aftas

Náusea
Disfagia Vômito
Odinofagia Dor
Regurgitação Esôfago Hematêmese
Pirose Melena
Eructação

Icterícia Diarréia
Prurido Fígado Esteatorréia
Colúria Disenteria
Hipocolia Estufamento
Encefalopatia Vesícula Pâncreas
hepática biliar
Constipação
Enterorragia
Flatulência

Dor abdominal Intestino Tenesmo


delgado Proctalgia
Incontinência
SISTEMA DIGESTÓRIO

Apêndice Ânus

Figura 11.1 – Correlação dos sinais e sintomas com os órgãos no


sistema digestório em que se originam.

nua e constante de duração variável, não apresentando as características de uma


cólica verdadeira (dor oscilando em momentos de acalmia com dor forte).
Significado clínico: pode significar obstrução mecânica do canal cístico ou do co-
lédoco geralmente por litíase. Obstruções por estenoses de outra natureza (be-
nignas e malignas) podem se apresentar com esse tipo de dor.

Colúria
Definição: é a coloração escura da urina em conseqüência da presença de pigmen-
tos biliares conjugados excretados pelos rins.
Significado clínico: é um achado precoce nas situações onde ocorre elevação da
bilirrubina sérica conjugada (direta). Não está presente em condições clínicas em
que apenas a bilirrubina não-conjugada (indireta) encontra-se elevada no soro.
Deve ser diferenciada de outras condições que causam escurecimento da urina,

184
tal como hematúria. O exame comum de urina permite a comprovação da presen-
ça de pigmentos biliares.

Constipação
Definição: diminuição da freqüência das evacuações ou aumento da consistência
das fezes, algumas vezes acompanhada da sensação de evacuação incompleta
ou da dificuldade para evacuar.
Significado clínico: na maioria das vezes traduz um distúrbio funcional colônico.
Outras causas:
Q lesões estenosantes colônicas malignas (carcinomas);
Q lesões estenosantes colônicas benignas (secundárias à diverticulite, colite
isquêmica ou actínica);
Q doenças do sistema nervoso central (Parkinson, acidentes vasculares is-
quêmicos, secção de medula);
Q doenças do sistema nervoso autônomo (diabete melito);
Q doenças do sistema nervoso periférico (aganglionose – Hirshprung e doença
de Chagas –, lesão de nervos pudendos);
Q doenças metabólicas (diabete melito, hipotireoidismo, hiperparatireoidismo
e outras doenças que provoquem hipercalcemia, pan-hipopituitarismo);
Q drogas (bloqueadores de canal de cálcio, nitratos, antidepressivos tricíclicos,
antiinflamatórios não-esteróides, opióides, anticolinérgicos);
Q gravidez;
Q doenças orificiais anais (fissuras, hemorróidas trombosadas, abscessos pe-

SISTEMA DIGESTÓRIO
rianais);
Q dieta inadequada em fibras;
Q distúrbios comportamentais (não-atendimento ao reflexo evacuatório, aver-
são a sanitários estranhos aos domiciliares);
Q anismo ou contração paradoxal do músculo puborretal e/ou elevador do ânus.

Diarréia
Definição: aumento do número de evacuações acompanhado de diminuição da
consistência das fezes. Alternativamente pode ser definida como aumento do
peso das fezes para mais de 300 g/dia.
Significado clínico:
Q presença de substâncias osmoticamente ativas no lúmen intestinal que po-
dem ter sido ingeridas (manitol, sorbitol, lactulose, hidróxido de magnésio,
entre outras) ou podem ser conseqüência de digestão inadequada (deficiên-
cia de dissacaridases, p. ex., lactase), decorrente de quadros mal-absortivos
(doença celíaca, supercrescimento bacteriano, linfoma intestinal, entre ou-
tros);
Q estímulo secretório produzindo secreção de eletrólitos e água para o lúmen
intestinal (infecções intestinais, ácidos graxos, ácidos biliares, hormônios
entre outros);
Q alteração da motilidade intestinal (intestino irritável, hipertireoidismo);

185
Q mista: neoplasia carcinóide e carcinoma (mais freqüentemente ceco e colo
ascendente), drogas (inibidores da recaptação da serotonina, quimioterá-
picos antineoplásicos), mucosite por drogas, ou secundária à doença en-
xerto-hospedeiro e síndrome da imunodeficiência adquirida.

Disenteria
Definição: evacuação diarréica de material piomucossanguinolento.
Significado clínico: geralmente quando em quadros agudos e se acompanhada de
dor abdominal com febre traduz colite por Shigella, Salmonella ou Escherichia
colienteroinvasiva. Em quadros de mais longa duração pode significar retocolite
ulcerativa inespecífica em atividade.

Diástase dos retos abdominais


Definição: significa a separação desses músculos, que normalmente deveriam estar
próximos. Para sua avaliação, o paciente deve estar em decúbito dorsal e ser
solicitado a elevar a cabeça, devendo promover a contração dos retos abdominais
evidenciando-se, então, no caso de diástase, a sua separação.
Significado clínico: congênita, gravidez, situações que causem distensão abdominal
ou perda do tônus muscular.

Disfagia
Definição: sensação de dificuldade de passagem do alimento da boca ao estômago.
SISTEMA DIGESTÓRIO

Significado clínico: na maioria das vezes traduz distúrbios motores ou obstrutivos


do esôfago.
Distúrbios motores: disfagia geralmente não-progressiva e difusa. Etiologia:
Q incoordenação motora proximal relacionada principalmente a quadros
neurológicos afetando o tronco cerebral;
Q distúrbios motores do esôfago (acalasia, espasmo esofágico difuso).

Distúrbios obstrutivos do esôfago: disfagia geralmente progressiva (sólido pastoso


líquido) e localizada. Etiologia:
Q estenoses benignas (péptica, cáustica, anéis e membranas);
Q estenoses malignas (carcinoma de esôfago).

Dor abdominal
Definição: todos os quadros abdominais dolorosos, agudos ou crônicos, causados
por patologias ou distúrbios funcionais originados tanto de vísceras do sistema
digestório como de alterações patológicas ou funcionais de outros sistemas.
Significado clínico: os quadros dolorosos abdominais podem ser agudos, quando
são denominados de abdome agudo (clínicos ou cirúrgicos), ou crônicos.
As patologias não-digestivas que podem causar dor abdominal, tanto aguda
quanto crônica, são as seguintes: cardiológicas (infarto agudo do miocárdio, pe-
ricardites), respiratórias (pneumonias, patologias pleurais), metabólicas (porfirias,

186
cetoacidose diabética, uremia), neurológicas (Tabes dorsalis, lesões medulares),
intoxicações (chumbo), infecções (Herpes zoster), hematológicas (anemia falci-
forme) e ortopédicas (contusões, fraturas), dentre outras.
As patologias abdominais que causam dor podem ser divididas topografica-
mente, para auxiliar no diagnóstico diferencial, em epigástricas (patologias do
esôfago distal, estômago, duodeno, pâncreas, vias biliares e fígado), periumbilicais
(patologias do intestino delgado, apêndice) e hipogástricas (colos, ureteres, bexiga,
órgãos ginecológicos).
Os quadros de abdome agudo podem ser classificados como inflamatórios
(apendicite, diverticulite, pancreatite, colangite), obstrutivos (bridas, volvos), per-
furativos (úlcera péptica, divertículos, ferimentos), isquêmicos (isquemia mesen-
térica, colite isquêmica) e hemorrágicos (ruptura de vísceras e de aneurismas,
ferimentos).
Os quadros dolorosos crônicos podem ser de origem funcional (dispepsia
funcional, síndrome do intestino irritável) ou orgânica (neoplasias, patologia pép-
tica, isquemia). As orgânicas podem apresentar padrão intermitente, sugerindo
alterações na função (endometriose, porfiria), ou padrão contínuo, sugerindo
alterações fisiopatogênicas definidas (pancreatite crônica, neoplasias). O diagnós-
tico diferencial das múltiplas causas de quadros dolorosos abdominais costuma
ser desafiador e necessita da utilização de todos os recursos possíveis, iniciando
por adequada anamnese (tipo, local, cronologia, fatores associados, fatores de
melhora e piora, desencadeantes, sintomas associados, repercussão no estado
geral, ritmo, periodicidade, sintomas diurnos e/ou noturnos), utilizando todas as

SISTEMA DIGESTÓRIO
manobras necessárias do exame físico geral e abdominal (ver a seguir) e, finalmen-
te, usando racionalmente os recursos laboratoriais e complementares disponíveis.

Enterorragia
Definição: eliminação de sangue vivo pelo ânus. A hematoquezia é a evacuação
de sangue misturado às fezes.
Significado clínico: geralmente significa hemorragia digestiva de origem colônica.
Sangramentos altos (acima do ângulo de Treitz) de grande volume com trânsito
intestinal acelerado e, geralmente, com graves repercussões hemodinâmicas (hi-
potensão, choque) também podem se apresentar dessa forma. Causas colônicas:
Q lesões neoplásicas benignas (pólipos);
Q lesões neoplásicas malignas (carcinomas);
Q doença diverticular;
Q angiodisplasia;
Q doenças anais, como hemorróidas e fissuras.

Eructação
Definição: é a eliminação de ar pela boca.
Significado clínico: ocasionais eliminações de ar pela boca durante ou logo após
as refeições são normais. Ao contrário, pacientes que repetidamente apresentam
eructações aspiram ar para o esôfago antes de eliminá-lo, sendo que a maior

187
parte do ar aspirado não atinge o estômago. As principais causas para a eructação
patológica são estresse emocional e desconfortos abdominais e torácicos de qual-
quer causa, os quais parecem ser aliviados com a eructação, por mecanismos
desconhecidos. A maioria dos pacientes eructadores apresenta doenças funcionais
do tubo digestivo.

Estufamento abdominal
Definição: sensação subjetiva de aumento de pressão intra-abdominal, que pode
ser acompanhada ou não de distensão abdominal.
Significado clínico: dependente do contexto clínico. Se acompanhado de dor abdo-
minal, distensão abdominal, vômitos e cessação de eliminação de gases pelo
ânus, sugere quadro obstrutivo intestinal total ou parcial. Quando ocorre com
mais intensidade no período vespertino, ao longo de muito tempo e desacompa-
nhado de outros sintomas ou sinais clínicos relevantes, sugere fortemente distúrbio
funcional do sistema digestório, com mais freqüência síndrome do intestino irri-
tável se concomitantemente estiverem presentes alteração do hábito intestinal e
dor abdominal.

Flatulência
Definição: percepção subjetiva ou objetiva do aumento da eliminação de gases
pelo ânus.
Significado clínico: associado freqüentemente à dieta rica em fibras vegetais ou a
SISTEMA DIGESTÓRIO

uma percepção exagerada do paciente a um fenômeno fisiológico (associado


aos distúrbios funcionais do sistema digestório).

Halitose
Definição: sensação subjetiva de odor desagradável que emana da boca percebido
pelo paciente e/ou circunstantes.
Significado clínico: em 90% dos casos, está relacionada a patologias otorrinola-
ringológicas (amigdalite, faringite, sinusite e outras) e da cavidade oral (língua
saburrosa, doença periodontal e outras). Muito raramente associa-se a causas
gastrenterológicas (neoplasias altas, quadros obstrutivos, refluxo gastresofágico
e ruminação). O ar expirado pode conter substâncias voláteis com odor forte
(álcool, hálito urêmico, cetótico, hepático, metabólitos de alimentos ingeridos).
Considerar causas infecciosas respiratórias baixas (abscessos pulmonares e bron-
quiectasias).

Hematêmese
Definição: é o vômito com sangue.
Significado clínico: é a manifestação de sangramento digestivo alto (acima do
ângulo de Treitz). Pode se apresentar com eliminação de sangue rutilante, indican-
do sangramento recente e geralmente mais grave, ou sangue escuro (em “borra
de café”), indicando que o sangue permaneceu mais tempo no estômago antes

188
de ser eliminado. A hematêmese deve ser diferenciada de sangramentos originá-
rios da boca ou das vias aéreas (dentários, epistaxe, hemoptise), que podem ser
eliminados com vômitos após terem sido deglutidos.
As causas mais comuns de hematêmese são as úlceras pépticas hemorrágicas
e as varizes de esôfago. Outras possibilidades etiológicas são as gastrites erosivas,
a síndrome de Mallory-Weiss (laceração esofágica por esforço de vômito), mal-
formações vasculares, tumores do trato digestório superior, esofagites severas e
sangramentos de origem hepática (hemobilia), pancreática ou de fístulas aorto-
entéricas.
A anamnese relacionada a todos esses potenciais fatores etiológicos deve ser
adequadamente obtida, e os sintomas relacionados à maior gravidade do qua-
dro hemorrágico devem ser definidos (volume e aspecto do sangue eliminado,
co-morbirdades, idade avançada, sintomas de perda importante de volume cir-
culatório como lipotimia).

Hipocolia
Definição: é a coloração esbranquiçada (descorada) das fezes, que se apresentam
com aspecto de “massa de vidraceiro”, decorrente da diminuição de pigmentos
biliares de origem desconhecida no conteúdo fecal.
Significado clínico: é a tradução da diminuição de pigmentos de origem biliar de
natureza ainda não-definida no trato gastrintestinal. Na sua manifestação mais
completa é chamada de acolia. Pode ocorrer em todas as situações clínicas onde
há obstrução do fluxo normal da bile para o intestino, como em:

SISTEMA DIGESTÓRIO
Q colestases hepatocelulares graves (intra-hepáticas), como nas hepatites vi-
rais, medicamentosas, ou outras condições que produzam obstrução dos
canalículos intra-hepáticos (cirrose biliar primária, colestase da gravidez);
Q colestases obstrutivas (extra-hepáticas), como nas obstruções benignas e
malignas das vias biliares (coledocolitíase, neoplasia de pâncreas e outras).

Icterícia
Definição: é a coloração amarelada da esclerótica, da conjuntiva e da pele, secundá-
ria à deposição de bilirrubina.
Significado clínico: é a manifestação clínica do aumento dos níveis séricos de bilir-
rubina. Níveis séricos maiores de 2,5 mg/dL costumam ser detectáveis na inspeção
de pacientes com pele clara. Deve ser diferenciada da coloração amarelada da
pele que ocorre em indivíduos com impregnação cutânea por caroteno (não há
elevação dos níveis de bilirrubina).
Pode ser secundária à produção exagerada de pigmentos biliares (hemólise, p.
ex., ou ocorrer em casos de defeitos na captação e conjugação do pigmento biliar
pelo fígado (p. ex., síndrome de Gilbert). Nessas duas condições, a bilirrubina que
está elevada é a indireta, ou não-conjugada que, por ser não-hidrossolúvel, fica
ligada à albumina e não é eliminada pelo rim (icterícia sem colúria).
O aumento da bilirrubina conjugada, que é hidrossolúvel e eliminada pelo
rim (colúria), é comum em doenças do parênquima hepático (hepatites, cirrose:

189
colestases hepatocelulares ou “intra-hepáticas”) e biliares (coledocolitíase, neo-
plasias de vias biliares/pâncreas: colestases obstrutivas ou “extra-hepáticas”). O
termo colestase é utilizado nos casos onde, além da dificuldade de eliminação da
bilirrubina, todo o conteúdo da bile (sais biliares, colesterol, bilirrubinas) não é
adequadamente eliminado.
A anamnese é de fundamental importância na diferenciação dessas diversas
causas de icterícia. A avaliação de exames hematológicos e das chamadas “provas
de função hepática”, além de exames de imagem, especialmente a ecografia
hepatobiliar (pode demonstrar dilatação da árvore biliar em casos de colestase
“obstrutiva”), geralmente é muito útil para o diagnóstico das icterícias.

Incontinência fecal
Definição: eliminação involuntária de fezes pelo ânus.
Significado clínico: pode estar associada, entre outras causas, a:
Q distúrbios psicogênicos;
Q distúrbios funcionais;
Q presença de fecaloma;
Q doenças neurológicas (acidente vascular cerebral, convulsões, lesões e sec-
ção de medula, neurites periféricas, entre outras);
Q lesão traumática dos esfincteres anais (pós-cirurgias orificiais ou pós-parto);
Q diarréias de grande volume;
Q carcinomas anais e retais;
Q diabete melito.
SISTEMA DIGESTÓRIO

Melena
Definição: é a eliminação anal de sangue digerido. Caracteriza-se por fezes de cor
preta, brilhantes e com odor característico.
Significado clínico: quase sempre é a manifestação de sangramento alto e pode
acompanhar quadros de hematêmese. Em casos de sangramentos menos volumo-
sos, com trânsito intestinal lento, pode ocorrer por patologias colônicas, especial-
mente do colo direito. As etiologias são as mesmas citadas como causa de hema-
têmese, adicionadas de algumas patologias do intestino delgado (sangramentos
por divertículos de Meckel) ou do intestino grosso (neoplasias, doença diverticular,
angiodisplasias dos colos).

Náusea
Definição: é um intenso desconforto (enjôo) que pode ou não preceder vômitos.
Significado clínico: as vias neurais envolvidas na náusea parecem ser as mesmas
do vômito, sendo que as estimulações menos intensas provocam náuseas, e as
mais intensas causam vômitos. Pode traduzir a presença de múltiplos distúrbios,
tais como estimulação labiríntica, alterações neurológicas, dor visceral, reações a
medicamentos, gravidez, infecções gastrintestinais ou sistêmicas, obstruções do

190
trato gastrintestinal, entre outros, ou apenas a conseqüência de repugnância por
alimentos, odores ou fatos estressantes.

Nódulo de Sister Mary Joseph


É a metástase para o umbigo de um carcinoma abdominal, principalmente de
origem gástrica.

Odinofagia
Definição: dor associada à deglutição.
Significado clínico: causada por infecções na orofaringe e no esôfago (Candida
albicans, citomegalovírus e herpes), esofagite actínica, esofagite péptica severa,
câncer e ingestão de cáusticos ou de comprimidos com pouca água.

Pêntade de Reynolds
Definição: hipotensão arterial e confusão mental em paciente portador de Tríade
de Charcot (ver a seguir).
Significado clínico: presença de sepse refratária secundária a processo infeccioso
em vias biliares.

Pirose
Definição: sensação de queimação ascendente retroesternal.

SISTEMA DIGESTÓRIO
Significado clínico: é o sintoma mais característico e predominante da doença do
refluxo gastresofágico. Em menos de 50% dos casos representa quadro de eso-
fagite e, com menor freqüência, o refluxo pode ocasionar complicações mais
graves, como o esôfago de Barrett e as estenoses esofágicas.

Proctalgia
Definição: dor sentida na região anal.
Significado clínico: nas suas formas agudas (proctalgia fugax) ou crônica sugere
distúrbio funcional da musculatura envolvida na continência evacuatória.

Regurgitação
Definição: é o retorno involuntário, sem esforço e desacompanhado de náusea,
do conteúdo alimentar deglutido.
Significado clínico: freqüentemente observado em pacientes portadores de acalasia.
Na situação clínica do refluxo gastresofágico, os pacientes podem referir regur-
gitação ácida.

Sinal de Blumberg
Definição: dor no ponto de McBurney à descompressão súbita.
Significado clínico: sugere irritação peritoneal, secundária à apendicite aguda.

191
Sinal de Cullen
Definição: presença de coloração azulada ao redor do umbigo.
Significado clínico: hemorragia retroperitoneal.

Sinal de Grey-Turner
Definição: presença de uma equimose não-traumática no abdome, localizada nos
flancos.
Significado clínico: pancreatite hemorrágica, estrangulamento intestinal, abscessos
com extravasamento de sangue.

Sinal de Joubert
Definição: desaparecimento da macicez hepática à percussão do hipocôndrio direito.
Significado clínico: pneumoperitônio.

Sinal de Murphy
Definição: a dor com parada brusca da inspiração, enquanto se coloca a mão
direita sob o gradil costal direito no ponto da borda lateral do músculo reto
abdominal ou enquanto se palpa a borda inferior do fígado (quando isso for
possível), constitui o sinal de Murphy positivo.
Significado clínico: colecistite aguda.
SISTEMA DIGESTÓRIO

Sinal do obturador
Definição: com o paciente em decúbito dorsal, o examinador flexiona a coxa
direita do paciente com o joelho fletido e rota o membro inferior interna e externa-
mente, sendo positivo quando ocorrer dor hipogástrica durante a manobra. A
flexão da coxa é essencial para obter-se o relaxamento do músculo psoas direito.
Significado clínico: sugere processo inflamatório adjacente ao músculo obturador,
mais freqüentemente na apendicite aguda rota.

Sinal do psoas
Definição: paciente colocado em decúbito lateral esquerdo, com a coxa direita
fletida refere dor em quadrante inferior direito do abdome quando a mesma é
estendida.
Significado clínico: sugere processo inflamatório intra-abdominal adjacente ao
músculo psoas, mais freqüentemente na apendicite aguda.

Sinal de Rovsing
Definição: dor no quadrante inferior direito durante compressão exercida no qua-
drante inferior esquerdo.
Significado clínico: sugere irritação peritoneal, mais freqüentemente apendicite
aguda e pelveperitonite.

192
Sinal do vasculejo
É produzido colocando-se o estetoscópio sobre a região epigástrica e promo-
vendo-se um movimento com a mão espalmada, semelhante a um chacoalhar
nessa região (vasculejo), onde se ausculta o deslocamento do líquido de estase
que fica no estômago.
Causa: quando detectável após um período de jejum de mais de 12 horas sinaliza
no sentido de um quadro de obstrução pilórica ou gastroparesia grave.

Tríade de Charcot
Definição: presença de “cólica” biliar juntamente com febre e icterícia.
Significado clínico: a febre geralmente em calafrios e a icterícia com colúria associa-
das a esse tipo de dor geralmente significam colangite bacteriana secundária à
coledocolitíase. Menos freqüentemente obstruções biliares por doenças malignas
ou benignas podem provocar esse quadro clínico.

Vômito
Definição: é a ejeção forçada de conteúdo do trato digestório superior, pela boca.
Significado clínico: é um importante sintoma, pois além de poder ser causado
pelos mesmos estímulos citados na náusea, pode provocar sérias conseqüências,
como pneumonia aspirativa, sangramento digestivo por laceração esofágica (sín-
drome de Mallory-Weiss), desidratação, desequilíbrio ácido-base e desnutrição.

SISTEMA DIGESTÓRIO
No diagnóstico diferencial das causas de náuseas e vômitos deverão ser estabele-
cidos, por meio da anamnese, a duração dos sintomas, a associação com possíveis
desencadeantes, a relação com as refeições, o conteúdo e o odor do vômito, a
presença de vômitos “em jato”e sintomas e sinais associados (febre, cefaléia,
alterações menstruais, entre outros). O vômito fecalóide geralmente representa
obstrução intestinal baixa e freqüentemente vem acompanhado de dor e distensão
abdominal. O vômito de estase é aquele no qual o paciente refere que vomita à
noite o ingerido pela manhã ou vomita pela manhã o que ingeriu na véspera.
Pode ser um evento isolado, principalmente em pacientes com náusea de longa
duração, ou pode se instalar de forma gradual e quase sistematicamente acom-
panhado de perda ponderal significativa e sinal do vasculejo ao exame físico.
Nesse cenário clínico, ele pode representar um distúrbio motor (gastroparesia
diabética) ou obstrução mecânica da região antropilórica (câncer ou obstrução
por doença péptica).

Tenesmo
Definição: dor espasmódica referida no períneo após uma evacuação diarréica ou
evacuação de sangue. Deve ser diferenciada de sensação de evacuação incomple-
ta, observada com alguma freqüência em pacientes constipados, que é uma sensa-
ção não-dolorosa.
Significado clínico: traduz na maioria das vezes proctite ou retite (bacteriana, viral
ou actínica), retocolite ulcerativa ou neoplasia retal.

193
EXAME FÍSICO DO ABDOME
O exame físico do abdome deve incluir inspeção, ausculta, percussão e palpação.
Antes da descrição do exame físico do abdome é importante observar os as-
pectos do exame físico geral que complementam os possíveis achados do abdo-
me, tais como postura (que poderá ser antálgica); fácies (de dor e as típicas de
quadros sindrômicos genéticos); cor da pele e mucosas (icterícia, palidez); turgor
cutâneo (estará diminuído em quadros de desidratação), aranhas vasculares; erite-
ma palmar; ginecomastia; rarefação de pêlos (quadros de hepatopatia crônica tipo
cirrose); contratura de Dupuytren (alcoolismo); sinais vitais (avaliação de hipotensão
postural, em caso de história de hemorragia digestiva ou de neuropatia autonômica).
Para localização e descrição das possíveis alterações no abdome, costuma-se
dividi-lo didaticamente em quatro quadrantes: superior direito, superior esquerdo,
inferior direito e inferior esquerdo, por meio de duas linhas imaginárias (vertical
e horizontal) que se cruzam na cicatriz umbilical. Ainda pode-se utilizar a divisão
em nove regiões, conforme a Figura 11.2.

INSPEÇÃO DO ABDOME
Técnica
O examinador coloca-se em pé, à direita do paciente, observando o seu abdome,
cuidando ainda que o exame seja realizado em ambiente com iluminação e aqueci-
mento adequados. O paciente deve estar em decúbito dorsal, com os membros
superiores estendidos ao longo do corpo, a cabeça apoiada em travesseiro baixo,
SISTEMA DIGESTÓRIO

os membros inferiores também estendidos numa atitude mais relaxada possível.

Observações da inspeção
Q Simetria e forma do abdome (normal: plano; alterado: globoso, escavado,
avental, batráquio, abaulado, gravídico).

Epigástrio

Hipocôndrio D
Hipocôndrio E

Flanco D Mesogástrio/periumbilical

Flanco E

Fossa ilíaca D Fossa ilíaca E

Hipogástrio

Figura 11.2 – Divisão do abdome em nove regiões, com suas respectivas nomenclaturas.

194
Q Cicatriz umbilical (normal: invertida; alterada: evertida, nos pacientes com
ascite volumosa, hérnias, grávidas).
Q Presença de cicatrizes (cirúrgicas, hipertróficas: quelóide).
Q Estrias (nacaradas: atróficas; purpúricas: da síndrome de Cushing).
Q Lesões dermatológicas e hiperpigmentação da linha alba.
Q Veias ingurgitadas (circulação colateral tipo cava inferior; circulação colateral
tipo porta, também chamada de “cabeça-de-medusa”).
Q Movimentos e pulsações: peristaltismo visível, pulsação da aorta (na região
epigástrica) e movimentos respiratórios.
Q Massas visíveis.
Q Sufusões hemorrágicas (petéquias, equimoses, sinais de Cullen e Grey-Turner).

Significado clínico
Alteração da forma abdominal e massas visíveis
O abdome poderá ter um contorno alterado como escavado, distendido
(globoso, batráquio) ou, ainda, ter uma massa com localização específica. Para
estimarmos a origem de uma massa visível, devemos lembrar a localização inter-
na dos órgãos em cada quadrante abdominal (Quadro 11.1).
Causas: ascite, obesidade, distensão gasosa ou funcional, podem causar distensão
abdominal generalizada; tumores, organomegalias e hérnia umbilical, podem
causar distensão nos locais afetados. Tumor ovariano, gravidez e distensão da
bexiga podem causar distensão dos quadrantes abdominais inferiores. Carcino-

SISTEMA DIGESTÓRIO
matose, cisto pancreático e dilatação gástrica aguda podem causar distensão dos
quadrantes abdominais superiores. O abdome escavado pode estar associado à
desnutrição e aos flancos abaulados (abdome em forma de batráquio) e sinaliza
para a presença de ascite.

Cicatrizes cirúrgicas e estrias


Novamente ao nos depararmos com cicatrizes incisionais devemos lembrar
das estruturas subjacentes à parede abdominal onde as mesmas se encontram
(Figura 11.3). Assim, uma cicatriz no hipocôndrio direito nos reporta ao fígado e
às vias biliares; na linha média epigástrica temos as abordagens gástricas/duo-
denais, as incisões xifopúbicas para laparotomias exploradoras, cicatrizes na cicatriz
umbilical usadas para herniorrafias e cirurgia laparoscópica, cicatriz na linha de
McBurney para apendicectomia, cicatrizes inguinais para herniorrafias e infra-
umbilical mediana para cirurgias ginecológicas e intestino. Poderá ocorrer que
uma cicatriz cirúrgica fique hipertrófica formando um quelóide.
As estrias são rupturas de fibras do tecido colágeno que se manifestam como
alterações de coloração nacarada na pele. Também ocorrem na síndrome de Cushing,
porém essas terão uma cor avermelhada.

Lesões dermatológicas e hiperpigmentação da linha alba


São possíveis de serem encontradas as mais diversas lesões dermatológicas
no abdome: manchas, pápulas, tubérculos, vesículas e outras. Devem ser descritas

195
Quadro 11.1 Estruturas abdominais por quadrantes

Direito Esquerdo
Superior
Fígado Fígado: lobo esquerdo
Vesícula biliar Baço
Piloro Estômago
Duodeno Pâncreas: corpo
Pâncreas: cabeça Supra-renal esquerda
Supra-renal direita Rim esquerdo: pólo superior
Rim direito: pólo superior Flexura esplênica
Flexura hepática Colo transverso: porção
Colo ascendente: porção Colo descendente: porção
Colo transverso: porção

Inferior
Rim direito: pólo inferior Rim esquerdo: pólo inferior
Ceco Colo sigmóide
Apêndice Colo descendente: porção
Colo ascendente: porção Ovário esquerdo
Ovário direito Trompa de Falópio esquerda
Trompa de Falópio direita Ureter esquerdo
Ureter direito Cordão espermático esquerdo
Cordão espermático direito Útero (se aumentado)
SISTEMA DIGESTÓRIO

Útero (se aumentado) Bexiga (se aumentada)


Bexiga (se aumentada)

com todos os seus aspectos. Pode-se encontrar em mulheres grávidas um escu-


recimento da linha alba.

Veias ingurgitadas
As veias da parede abdominal dificilmente são visíveis. Porém, as veias normais
podem ser identificadas de acordo com a espessura e coloração da pele. São
consideradas alteradas quando são tortuosas e fazem proeminência na parede
abdominal, constituindo a circulação colateral. Acima do umbigo, as veias superfi-
ciais do abdome drenam no sentido cranial, enquanto que abaixo do umbigo
drenam no sentido caudal. Quando uma veia superficial está ingurgitada, o sen-
tido de sua drenagem pode ser avaliado da seguinte forma: comprima a veia
com os indicadores unidos e afaste-os, com pressão contínua, até que fiquem
distantes cerca de 10 cm. Então, descomprima um dos lados e observe o tempo
de enchimento. Repita o procedimento e descomprima agora o outro lado. A
drenagem é feita no sentido do enchimento mais rápido.
Causas: obstrução da veia cava inferior (ocorre inversão do fluxo, que será cranial
nos quadrantes inferiores do abdome), obstrução da veia cava superior (ocorre

196
Colecistectomia

Histerectomia Laparotomia

Ressecção do colo

Herniorrafia

Apendicectomia

Figura 11.3 – Principais cicatrizes cirúrgicas.

SISTEMA DIGESTÓRIO

Figura 11.4 – Técnica de palpação do fígado. (Cortesia de Roberto Barros.)

197
fluxo caudal nos quadrantes superiores do abdome), obstrução da veia porta
(ocorre fluxo no sentido centrífugo em relação ao umbigo).

Peristaltismo visível
Decorre da contração das vísceras ocas abdominais, sendo percebido como
ondulações sob a pele. Poderá não ter significado clínico se a onda for fugaz e
em pessoas magras. No entanto, a percepção de um peristaltismo visível, acompa-
nhado de dor abdominal e borborigmos (ver a seguir em ausculta abdominal) é
muito sugestiva de suboclusão ou oclusão total intestinal.
Causas: obstrução do intestino delgado.

Pulsações visíveis
É possível perceber pulsações da aorta abdominal no epigástrio sem que as
mesmas tenham significado patológico. Devemos, no entanto, ficar atentos aos
casos em que a amplitude da pulsação estiver muito aumentada e tivermos na
ausculta a presença de um sopro. Massas localizadas sobre a aorta facilitam a
transmissão do pulso para a superfície.
Causas: aneurisma de aorta abdominal, hipertensão arterial, insuficiência aórtica,
hipertireoidismo, tumor sólido localizado sobre a aorta e aorta tortuosa.

Sinal de Cullen e sinal de Grey-Turner


Ver a lista de sinais e sintomas.
SISTEMA DIGESTÓRIO

AUSCULTA ABDOMINAL
Técnica
Realizada com o diafragma do estetoscópio, evitando atrito com a pele do
abdome. Auscultam-se os quatro quadrantes, sobre regiões de grandes vasos
(aorta, renais, ilíacas), sobre o fígado e sobre o baço (Figura 11.5). Na gravidez,
sobre o útero, deve-se auscultar com o Pinard.

Sons da ausculta abdominal


No abdome podemos ouvir:
Q ruídos hidroaéreos
Q borborigmos
Q sopros
Q atritos
Q sinal do vasculejo

Significado clínico
Ruídos hidroaéreos (RHA)
Assim como os borborigmos, decorrem dos movimentos peristálticos. Devem
ser ouvidos com o uso do estetoscópio. Normalmente são ouvidos com intervalos

198
Aorta abdominal
Fígado

Artéria renal Artéria renal

Artéria femural Artéria femural

Figura 11.5 – Áreas a serem auscultadas para pesquisa de sopros durante o exame do abdome.

de 5 a 10 segundos. Intervalos maiores, no entanto, não significam necessariamen-


te doença; há divergência quanto ao tempo de ausculta necessária para que seja
caracterizada “ausência de ruídos hidroaéreos”, variando de 2 a 5 minutos.
Causas: ausência de RHA no íleo paralítico por peritonite, trombose mesentérica,
pneumonia, uremia, hipotireoidismo, doença de medula espinal, obstrução intes-
tinal avançada e pós-operatório de cirurgia abdominal. Os RHAs podem ser inau-
díveis no pneumoperitônio, apesar de o peristaltismo estar presente. O aumento
dos RHAs ocorre no paciente com diarréia e no início de casos com obstrução

SISTEMA DIGESTÓRIO
intestinal.

Borborigmos
São sons abdominais originários dos movimentos peristálticos e audíveis sem
uso do estetoscópio. Podem estar aumentados no início da obstrução intestinal e
na diarréia e diminuídos ou ausentes no íleo paralítico. O quadro de dor abdominal
aguda associado à distensão, aos borborigmos e à cirurgia abdominal prévia é
indicativo de obstrução do intestino delgado (síndrome de Koenig).

Sopros
Originam-se da passagem turbulenta do sangue por uma artéria dilatada,
estenosada ou tortuosa. Podem diminuir na inspiração e não se alteram quando
a área auscultada é pressionada com o estetoscópio.
Causas: na maioria das vezes os sopros são chamados de inocentes por não estarem
relacionados a qualquer doença abdominal; ruídos sobre o fígado sugerem carci-
noma hepático ou hepatite alcoólica (podem ser somente sistólicos ou sistólico-
diastólicos com acentuação na fase sistólica) e podem ocorrer após a realização
de punção biópsia hepática e também em pacientes que possuam intensa circula-
ção colateral (cirrose); estenose da aorta abdominal, da artéria renal, da artéria
ilíaca e carcinoma de pâncreas (são geralmente sistólico-diastólicos). As áreas de
ausculta abdominal na pesquisa de sopros são mostradas na Figura 11.5.

199
Atrito
É considerado um achado raro de ausculta, sendo que a sua presença indica
sempre uma anormalidade. Deve ser pesquisado sobre o fígado e o baço. Trata-
se de um som rangente, identificado no quadrante superior esquerdo e/ou direito,
variando com a respiração.
Causas: carcinoma hepático, peri-hepatite gonocócica, hepatite sifilítica, biópsia
hepática recente, abscesso hepático e infarto esplênico.

Sinal do vasculejo
Ver “Sinal do vasculejo”.

PERCUSSÃO ABDOMINAL
Técnica
A percussão do abdome tem como objetivos a avaliação de distensão abdomi-
nal gasosa, a presença de ascite e massas abdominais, a hepatimetria clínica e a
pesquisa de esplenomegalia. Ela deve ser realizada percutindo com o terceiro
dedo de uma das mãos sobre a falange média do terceiro dedo da outra mão,
que ficará fixada na parede abdominal.

Sons da percussão abdominal


Ao realizarmos a percussão do abdome podemos detectar quanto à qualidade
do som:
SISTEMA DIGESTÓRIO

Q timpanismo
Q macicez

Significado clínico
Timpanismo aumentado
Ocorre na distensão abdominal gasosa ou funcional (meteorismo, íleo adinâ-
mico, pneumoperitônio).

Macicez
Na pesquisa de ascite encontramos macicez nos flancos quando percutimos o
paciente em decúbito dorsal. Ao mudarmos para a posição de decúbito lateral
direito ou esquerdo, o local de macicez prévio torna-se timpânico, havendo uma
inversão entre os locais maciço e timpânico (macicez móvel). Acrescenta-se para
complementar a pesquisa de ascite, o sinal do piparote, que consiste em apoiar
as polpas digitais num flanco enquanto se faz um pequeno piparote no flanco
oposto, solicitando-se que o paciente, ou o próprio examinador, coloque a sua
mão em posição vertical na linha média, exercendo uma pequena pressão abdomi-
nal. Com isso, uma onda líquida se desloca linearmente, sendo percebida pelas
polpas digitais que estão apoiadas no abdome. As massas abdominais são maci-
ças à percussão.

200
Complementos da percussão abdominal
Hepatimetria
A hepatimetria normal está entre 6 e 14 cm, na linha hemiclavicular direita, e
4 a 8 cm na linha média esternal. O limite superior do fígado é delimitado por
percussão iniciando-se nos espaços intercostais, na linha hemiclavicular, no sentido
craniocaudal. Considera-se como limite superior o som submaciço à percussão.
O limite inferior é delimitado por palpação bimanual, sendo a esquerda colocada
na região látero-posterior do paciente com a finalidade de fixação do gradil costal,
enquanto a outra mão realiza a palpação iniciando pela região do flanco direito
em direção do rebordo costal, durante a inspiração profunda.

Pesquisa de esplenomegalia
A presença de macicez no espaço de Traube (espaço da bolha de ar gástrica
geralmente localizado no décimo espaço intercostal, sob a linha axilar média
esquerda) é um forte indicativo de esplenomegalia.

PALPAÇÃO ABDOMINAL
Técnica
O paciente deve ficar em decúbito dorsal, com travesseiro baixo e membros
superiores ao longo do corpo, numa atitude mais relaxada possível. O examinador
à direita do paciente usará sua mão espalmada sobre o abdome com movimentos
adequados, não vencendo defesas, buscando palpar os quatro quadrantes,

SISTEMA DIGESTÓRIO
preferentemente no sentido horário.
Essa etapa do exame abdominal está dividida em:
Q palpação superficial
Q palpação profunda

Palpação superficial
É útil na detecção de rigidez abdominal involuntária, que indica irritação pe-
ritoneal, podendo ser difusa (na peritonite generalizada) ou localizada (sobre
uma víscera inflamada). A rigidez abdominal involuntária difusa poderá ser de
graus variados até o chamado “abdome em tábua”, situação em que ocorre
uma contração involuntária e reflexa da musculatura abdominal devido à irritação
das terminações nervosas do peritônio parietal induzida por peritonite. A palpação
superficial pode detectar também massas abdominais superficiais ou profundas
(que sejam suficientemente grandes), hiperestesia cutânea (sobre uma área de
irritação peritoneal) e crepitações subcutâneas (indicam enfisema subcutâneo ou
gangrena gasosa). Uma manobra útil para determinar se uma massa abdominal
é superficial ou profunda é pedir para o paciente tossir. Se a massa deixar de ser
palpável enquanto o paciente tosse, ela provavelmente é profunda, já que a
contração dos músculos retos abdominais dificulta sua palpação. As soluções de
continuidade (hérnias) são palpadas nesse exame, sendo que as áreas umbilicais
e inguinais devem ser exploradas para essa possibilidade (Figura 11.6). A manobra

201
Região umbilical

Região inguinal direita Região inguinal esquerda

Figura 11.6 – Regiões a serem exploradas para pesquisa de hérnias (umbilical, inguinais
direita e esquerda).

de Valsalva, que aumenta a pressão intra-abdominal, ajudará na complementação


SISTEMA DIGESTÓRIO

do exame para pesquisa de hérnia.

Hérnias abdominais
Resultam da protrusão de uma estrutura através de um ponto de solução de
continuidade da parede abdominal. Quando o conteúdo do saco herniário pode
ser facilmente recolocado em seu lugar, a hérnia é chamada de redutível; do
contrário, é chamada irredutível ou encarcerada. Quando o aporte sangüíneo
para o conteúdo herniário é interrompido, diz-se que a hérnia é estrangulada e
pode gangrenar rapidamente. As hérnias abdominais estão divididas em:
Q hérnias umbilicais;
Q hérnias incisionais: surgem na área adjacente a uma incisão cirúrgica, por
defeito da musculatura abdominal;
Q hérnias epigástricas (hérnias da linha alba): consistem na protrusão da gordu-
ra pré-peritoneal por entre as fibras musculares que se unem na linha alba.
A diástase dos retos abdominais não deve ser confundida com hérnia. Consiste
na separação dos músculos retos abdominais, com conseqüente saliência da linha
média quando há aumento da pressão intra-abdominal. A separação pode ser
palpável e não tem qualquer repercussão clínica.

Palpação profunda
A palpação profunda é usada para a detecção de massas abdominais, que
devem ser avaliadas quanto a sua localização, tamanho, forma, consistência,

202
superfície, sensibilidade, mobilidade e pulsatilidade. Por exemplo, uma massa
com consistência dura, superfície irregular e sem mobilidade sugere neoplasia;
uma massa no quadrante superior esquerdo poderá ser baço, rim esquerdo, pân-
creas ou colo; uma massa pulsátil sugere aneurisma de aorta abdominal. A de-
tecção de um aneurisma de aorta abdominal assintomático é muito importante,
já que a taxa de mortalidade em caso de ruptura é altíssima. Também algumas
vísceras podem ser palpadas, tais como fígado, baço, rins e colo sigmóide; even-
tualmente, globo vesical, vesícula biliar, útero e anexos. As situações em que
acontecem são descritas a seguir.

Palpação do fígado
A técnica fundamental para palpação do fígado está descrita anteriormente,
no item hepatimetria. Avalia-se o bordo (fino, rombo), a superfície (lisa, irregular),
a sensibilidade (não-doloroso, doloroso), a hepatimetria (normal, hepatomegalia)
e a consistência (elástica, endurecida, pétrea). A principal utilidade da palpação
do fígado está na definição das características de sua borda inferior, consistência
e sensibilidade. Por exemplo, um fígado de borda lisa e sensível sugere hepatite
aguda (o dolorimento à palpação do fígado só ocorrerá quando houver distensão
abrupta da cápsula de Glisson), congestão hepática venosa (na insuficiência cardía-
ca direita) ou abscesso hepático; um fígado de consistência dura e borda com
nódulo único sugere carcinoma hepatocelular; um fígado com múltiplos nódulos
palpáveis sugere cirrose, carcinoma metastásico ou cistos hepáticos, incluindo os
hidáticos. Na cirrose, o fígado pode ter consistência dura. A palpação de pulsação
na borda hepática inferior sugere regurgitação tricúspide ou pericardite constritiva.

SISTEMA DIGESTÓRIO
A hepatomegalia resulta de insuficiência cardíaca direita ou congestiva, hepa-
tite, neoplasia, cirrose (principalmente de etiologia alcoólica), linfoma, obstrução
portal, hemocromatose, trombose de veia hepática, leucemia linfocítica, amiloi-
dose e esquistossomose. No caso da cirrose, o volume hepático geralmente diminui
com a progressão da doença. Lembrar que o enfisema pulmonar pode dar uma
falsa impressão de hepatomegalia por rebaixamento do diafragma.

Palpação do baço
Utiliza-se a técnica bimanual para palpação do baço, em que a mão esquerda
do examinador é utilizada para fixação do gradil costal desse lado, e a mão direi-
ta buscar delicadamente palpar a víscera, iniciando do umbigo em diagonal esquer-
da até o rebordo costal. Para que esse órgão seja palpável, é preciso que alcance
pelo menos o dobro do seu tamanho.
Quando necessário, para esclarecer se o baço é ou não palpável, coloca-se o
paciente na posição de Schuster (decúbito lateral direito, membro inferior direito
estendido, membro inferior esquerdo flexionado, braço esquerdo sobre a cabeça),
conforme mostra a Figura 11.7.

Palpação dos rins


Um rim normal raramente é palpável. Sua palpação geralmente é realizada
bimanualmente, com uma das mãos transversalmente na região lombar (com a
finalidade de projetar o rim para a frente) e a outra apoiada ao nível do flanco,

203
Figura 11.7 – Técnica para palpação esplênica. (Cortesia de Roberto Barros.)

no sentido longitudinal. Na inspiração, procura-se sentir o pólo inferior do rim. O


aumento desse órgão é causado por hidronefrose, tumor ou cisto. O aumento
bilateral sugere doença policística. A punho-percussão lombar positiva ocorre
principalmente na pielonefrite, porém pode ocorrer também no abscesso renal,
SISTEMA DIGESTÓRIO

durante uma crise de cólica renal ou por uma causa musculoesquelética.

Palpação de sigmóide
Costuma ser facilmente palpável na região da fossa ilíaca esquerda, diferente-
mente do restante do intestino. Caso o paciente tenha dor à descompressão
súbita nesse local, deve ser contemplada a possibilidade diagnóstica do quadro
de diverticulite.

Palpação de bexiga
A bexiga não é freqüentemente palpável, porém nas retenções urinárias de
várias etiologias pode ocorrer a sua distensão (globo vesical).

Palpação da vesícula biliar


Normalmente a vesícula biliar não é palpável. Nos casos de vesícula hidrópica
e tumor de cabeça de pâncreas, poderá ser palpável junto ao bordo hepático
(sinal de Courvoisier-Terrier = vesícula palpável e icterícia).

Palpação do útero e anexos


O útero situa-se no hipogástrio, na posição anteversofletido. Para palpá-lo e
também os seus anexos (trompas e ovários), é necessário o exame bimanual,
associado ao toque ginecológico. Podem ser palpados quando estão aumentados
(neoplasias e gravidez).

204
EXAME FÍSICO DO ABDOME EM SITUAÇÕES ESPECIAIS
Idades extremas
A avaliação de dor abdominal por meio da anamnese e do exame físico é
difícil tanto em pacientes pediátricos como idosos, podendo as apresentações
das condições clínicas serem muito variáveis, necessitando um especialista expe-
riente para o procedimento diagnóstico. As principais causas de dor nas diferen-
tes idades podem ser vistas no Quadro 11.2.
É sempre importante lembrar que pacientes idosos podem se apresentar com
quadros clínicos muito graves, de localização abdominal, sem que o exame físico
demonstre anormalidades mais significativas.

Gravidez
O exame do abdome torna-se dificultado na medida do crescimento do útero
com o avanço da gravidez. O útero aumentado também pode modificar o padrão
de distribuição das reações inflamatórias intra-abdominais.
Causas comuns de dor abdominal aguda na gravidez: apendicite aguda, colecistite,
pielonefrite e problemas anexiais (torção ovariana e ruptura de cisto ovariano).

Imunodeprimidos
Nesta categoria estão os pacientes transplantados, em tratamento com qui-
mioterapia e aqueles com imunodeficiência congênita ou adquirida, como, por
exemplo, pacientes fazendo uso de corticosteróides. Tanto quanto os idosos,

SISTEMA DIGESTÓRIO
estes apresentam poucos sinais e sintomas, e mínimas manifestações sistêmicas
de peritonite.
Causas de dor abdominal aguda em imunodeprimidos: as comuns da população geral
(apendicite, colecistite) e as próprias dos imunodeprimidos (enterocolite neutro-

Quadro 11.2 Causas de dor abdominal aguda em diferentes idades

Causas de dor abdominal aguda na infância: intussussepção, pielonefrite, refluxo


gastresofágico, diverticulite de Meckel e gastrenterite bacteriana e viral são comuns.

Causas de dor abdominal aguda em crianças maiores: diverticulite de Meckel,


cistite, pneumonite, gastrenterite, linfadenite e doença inflamatória intestinal
são prevalentes.

Causas de dor abdominal aguda na adolescência: doença inflamatória pélvica,


doença inflamatória intestinal e causas semelhantes às do abdome agudo do
adulto são prevalentes. Em crianças de todas as idades as causas mais comuns de
dor são apendicite aguda e trauma abdominal secundário ao abuso infantil.

Causas de dor abdominal aguda no idoso: doenças do trato biliar, dor inespecífica,
malignidade, obstrução intestinal e hérnias encarceradas.

205
pênica, pancreatite por drogas, pneumatose intestinal, infecções por citomega-
lovírus e fúngicas).

Pacientes com secção de medula


Por apresentarem alteração de sensibilidade, a manifestação de sinais clínicos
que orientam para o diagnóstico é difícil. Os exames complementares terão papel
fundamental para a elucidação diagnóstica.

PRINCIPAIS SÍNDROMES
Abdome agudo
Definição: refere-se geralmente a quadros de dor abdominal de forte intensidade,
com menos de 24 horas de duração. Freqüentemente a dor é associada a alguns
dos seguintes achados em grupo ou isoladamente: febre, náusea, vômito, ente-
rorragia, distensão abdominal, cessação de eliminação de gases pelo ânus e sinto-
mas urinários. Achados relevantes de exame físico (ver a seguir) com muita fre-
qüência estão presentes.
Significado clínico: nem sempre significam cirurgia de urgência. Pode ser a apre-
sentação clínica de:
Q quadros inflamatórios de estruturas do sistema digestório (apendicite, co-
lecistite, pancreatite, diverticulite, ileíte aguda, adenite mesentérica) ou do
sistema genital feminino (salpingite, torção de cistos ovarianos, gravidez
SISTEMA DIGESTÓRIO

ectópica rota, endometriose);


Q perfuração de víscera oca (úlcera péptica perfurada, perfuração de intesti-
no delgado por corpos estranhos, complicação de procedimentos endos-
cópicos);
Q quadros isquêmicos intestinais (trombose mesentérica, embolia mesentérica,
quadros isquêmicos não-obstrutivos, vasculites);
Q quadros oclusivos intestinais (oclusão parcial ou total secundárias a hérnias
encarceradas, bridas, aderências e neoplasias);
Q cólica renal e pielonefrite aguda;
Q ruptura de aneurisma de aorta;
Q trauma abdominal com penetração (arma branca ou de fogo) ou por desa-
celeração abrupta;
Q outras mais raras: crise hemolítica em pacientes com drepanocitose, porfiria,
intoxicação por chumbo, uremia e cetose diabética.

Síndrome da ruminação
Definição: a regurgitação do alimento recentemente ingerido para a boca com
subseqüente remastigação e redeglutição.
Significado clínico: é um distúrbio funcional do sistema digestório encontrado
com mais freqüência em pacientes portadores de deficiência mental ou distúrbi-
os neuropsiquiátricos. Caracteristicamente os pacientes não apresentam náusea
e vômito, cessa o processo quando o material se torna mais ácido e ocorre na

206
ausência de refluxo gastresofágico, acalasia ou outro distúrbio motor primário
do tubo digestivo superior.

Síndrome dispéptica
Definição: dor ou desconforto referido em epigástrio.
Significado clínico: pode significar tanto um distúrbio funcional do aparelho diges-
tório como uma patologia orgânica, como doença do refluxo gastresofágico,
úlcera péptica, câncer gástrico, pancreatite crônica ou enfermidades das vias
biliares (Quadro 11.3).

Síndrome do intestino irritável


Definição: presença de dor abdominal de localização inespecífica acompanhada
de alteração do hábito intestinal – diarréia, constipação ou alternância entre esses
dois sinais – e freqüentemente de estufamento ou distensão abdominal.
Significado clínico: distúrbio funcional do sistema digestório. Para seu diagnóstico
não pode haver qualquer sinal de alarme tanto na história como no exame físico,
como emagrecimento injustificável por outras razões como depressão manifesta,
sinais de anemia, massas palpáveis ou organomegalias ou história de sangramento
digestivo alto ou baixo. Freqüentemente associada a sintomas em outros sistemas,
como dores pélvicas, cansaço, dores nas extremidades, cefaléia, tontura e boca
amarga. Em casos mais graves, sintomas psiquiátricos como depressão, ansiedade
e síndrome do pânico podem fazer parte do quadro.

SISTEMA DIGESTÓRIO
Encefalopatia hepática
Definição: quadro neuropsiquiátrico caracterizado por alterações comportamentais,
inversão do ritmo de sono, tremores, asterixis, confusão mental.
Significado clínico: pode se apresentar em hepatopatias graves (hepatite fulminan-
te, necrose hepática aguda por drogas ou da gravidez, cirrose – complicada por
hemorragia digestiva, infecções, desequilíbrio hidreletrolítico, uso de sedativos,
constipação, hepatocarcinoma, dieta com excesso de proteínas ou na fase final
da doença). A manifestação inicial da cirrose pode ocorrer por uma de suas des-
compensações por exemplo, hemorragia digestiva alta devido à presença de va-
rizes esofágicas ou encefalopatia portossistêmica.
As principais manifestações de encefalopatia hepática estão relacionadas no
Quadro 11.4.

Síndrome de má-absorção
Definição: presença de esteatorréia associada freqüentemente à perda de peso e
a manifestações de deficiências vitamínicas, como diminuição da visão noturna,
doenças ósseas (osteoporose e osteomalácia), petéquias e hematomas, cansaço,
fraqueza, cãibras e anemia. A esteatorréia consiste na evacuação de fezes diar-
réicas, com conteúdo de gordura aumentado, sendo percebida pelo paciente por
meio do odor desagradável e por partículas de gordura flutuando no vaso sanitário.

207
Quadro 11.3 Diagnóstico diferencial das dispepsias

Doenças do trato gastrintestinal


Úlcera péptica
Doença do refluxo gastresofágico
Hérnia paraesofágica
Neoplasias gástricas e esofágicas
Gastroparesia (diabete, pós-vagotomia, doenças do colágeno, pós-gastren-
terite viral ou outras causas de pseudobstrução)
Doenças infiltrativas (Menetrier, Crohn, amiloidose, sarcoidose, gastrenterite
eosinofílica)
Doenças mal-absortivas (doença celíaca, deficiências de lactase)
Gastrite crônica erosiva*
Infecções gástricas (sífilis, tuberculose, citomegalovírus)
Infestações (giardíase, estrogiloidíase)
Volvo gástrico crônico
Isquemia crônica intestinal

Drogas
Etanol Ferro, cloreto de potássio
Aspirina, antiinflamatórios não-esteróides Niacina, gemfibrozil
Antibióticos (macrolídeos, metronidazol) Narcóticos
Quimioterápicos Colchicina
Teofilina Quinidina
Digital Estrógenos
SISTEMA DIGESTÓRIO

Corticosteróides Levodopa

Doenças biliares e pancreáticas


Pancreatite crônica Cólica biliar
Neoplasias pancreáticas e biliares Pseudocisto pancreático

Doenças sistêmicas
Diabete melito Insuficiência renal
Doenças da tireóide Isquemia coronariana
Hiperparatireoidismo Doenças neoplásicas
Gravidez (intra ou extra-abdominal)
Doenças do colágeno

*Controverso.
Modificado de McQuaid. Dyspepsia. In: Sleisenger MH, Fordtram JS. Gastrointestinal
and Liver Disease: Pathophysiology, Diagnosis, Management, 6th Edition, 1998.

Significado clínico: quadros mal-absortivos que podem ser de várias origens (doença
celíaca, supercrescimento bacteriano, linfoma intestinal, síndrome do intestino
curto, doença de Whipple, entre outros) ou específicos (ingestão de orlistat que,
por inibir a lipase intestinal, pode provocar esteatorréia e perda de peso).

208
Quadro 11.4 Encefalopatia hepática: níveis clínicos

GRAU I – inversão do padrão de sono, confusão leve, erros matemáticos, ansiedade,


irritabilidade. No exame físico, encontram-se tremores e incoordenação motora.
GRAU II – mudanças de personalidade, comportamento inadequado, alterações
na memória, desorientação no tempo e/ou no espaço. No exame físico, pode-
se encontrar flapping, ataxia, alteração do tônus muscular, resistência a movi-
mentos passivos.
GRAU III – comportamento bizarro, confusão óbvia, delírio, sonolência, estupor.
No exame físico, encontram-se reflexos hiperativos, rigidez muscular, convul-
sões, sinal de Babinsky.
GRAU IV – coma com resposta oculocefálica ou oculovestibular presentes ou não.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS


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assessment of splenic enlargement. Am J Med 1991; 91(5): 512-8.

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SISTEMA DIGESTÓRIO

210
12
EXAME DAS MAMAS
E DO SISTEMA
GENITAL FEMININO
CARLOS HENRIQUE MENKE
JOSÉ GERALDO LOPES RAMOS

Um exame físico bem-feito das mamas e da genitália feminina é capaz de detectar


lesões pré-malignas e neoplasias malignas iniciais. Isso tem colaborado para a
redução das mortes por câncer de corpo e colo uterinos, bem como para o aumen-
to do número de casos de carcinoma mamário diagnosticados precocemente.
Dessa forma, o médico não deve ter receio de realizar um exame completo e
minuncioso do aparelho reprodutor feminino, além de ter o dever de ensinar a
paciente a conhecer sua anatomia e saber detectar possíveis alterações.

PRINCIPAIS SINAIS E SINTOMAS


Dor pélvica
Q Definir se é aguda ou crônica (> de 6 meses de duração).
Q Caráter, início, intensidade e tipo (contínua, intermitente, em cólica).
Q Data da última menstruação (DUM), história sexual.
Q Sintomas associados: febre, calafrios, hipotensão, taquicardia, taquipnéia,
sudorese.
Q Perfil psicológico.
Q Sinais vitais.
Q Palpação abdominal.
Q Exame ginecológico (fixação ou desvio dos órgão pélvicos, prolapso genital).

Hirsutismo
Q Distribuição androgênica dos pêlos na mulher.
Q Associação com acne, seborréia, alopecia.
Q Sinais de virilização: hipertrofia do clitóris, aumento do tônus muscular,
modificação do tom de voz. Pode ter galactorréia.
Prurido vulvar
Q Localização exata e extensão, presença de hemorróidas, verminoses, diarréia
ou incontinência esfincteriana, uso de substâncias químicas irritantes ou
antigênicas (desodorantes, sabonetes, lubrificantes, preservativos, produtos
de higiene feminina).
Q Inspeção da vulva com lupa ou colposcópio
Q Causas: craurose vulvar, icterícia obstrutiva, leucemia, doença de Hodgkin,
diabete melito (candidíase), hipovitaminose D, acloridria, infecção generali-
zada, dermatites, carcinoma vulvar, prurido idiopático (emocional).

ROTEIRO DO EXAME FÍSICO


Paciente sentada (exame das mamas)
Q Inspeção estática (tamanho, simetria, retrações, abaulamentos, pele, mami-
los, secreções).
Q Inspeção dinâmica (levantar os braços sobre a cabeça, comprimir as mãos
contra os quadris, inclinar-se para a frente).
Q Palpação de linfonodos (supraclaviculares, infraclaviculares, axilares).
EXAME DAS MAMAS E DO SISTEMA GENITAL FEMININO

Paciente deitada (exame das mamas)


Q Palpação (mãos atrás da cabeça): usar a polpa digital e percorrer todos os
quadrantes no sentido horário.

Paciente em posição de litotomia (exame ginecológico)


Q Inspeção da genitália externa e pêlos (monte de vênus, pêlos, pele da vulva).
Q Afastamento dos pequenos lábios (inspeção dos lábios, clítóris e meato
uretral).
Q Palpação das glândulas de Bartholin.
Q Inspeção do períneo e ânus.
Q Teste do relaxamento pélvico (paciente deve realizar a manobra de Valsalva;
observa-se o deslocamento das estruturas pélvicas saindo pela vagina).

Exame especular
Q Visualização das paredes vaginais e do colo do útero.
Q Coleta de secreção das paredes vaginais e do colo do útero (exame a fresco).
Q Inspeção da cérvice (forma do orifício, cor, visualização da mucosa cervical
e verificação de alterações).
Q Coleta de material da junção escamocolunar, com espátula (citopatológico
de colo uterino: exame de Papanicolau).
Q Teste de Schiller (com lugol).
Q Remoção do espéculo com inspeção das paredes vaginais.

Toque bimanual
Q Lubrificação das luvas com vaselina (dedos indicador e médio direitos).
Q Realização do toque vaginal bimanual:

212
– paciente virgem: realizar o toque com o dedo indicador direito (ou não
realizar essa manobra) somente em casos selecionados;
– palpação do útero (posição, tamanho, forma, consistência, mobilidade,
dor);
– palpação dos anexos, com a mão esquerda (tamanho, consistência, dor,
mobilidade).

Toque retovaginal
Q Palpação do útero e anexos.
Q Observar tônus, sensibilidade, presença de massas, volume e/ou compressão
do colo uterino na parede anterior do reto, presença de retocele e flacidez
muscular (principalmente em multíparas).

PRINCIPAIS SÍNDROMES
Doença mamária
Alterações funcionais benignas da mama
Q Dor mamária, nodularidade difusa ou localizada, geralmente é bilateral
(mas pode ser unilateral), dor/desconforto aumenta no período pré-mens-

EXAME DAS MAMAS E DO SISTEMA GENITAL FEMININO


trual, há flutuação no tamanho dos nódulos.
Q Diagnóstico diferencial: carcinoma de mama.

Mastite aguda
Q Processo infeccioso de evolução favorável, causado por S. aureus, strepto-
coccus, colibacilo, gonococo ou anaeróbios.
Q História de fissuras no mamilo, aumento no volume da mama, unilateral,
com sinais de inflamação (dor, calor, rubor, tumefação), febre, mal-estar
geral, relacionada ao puerpério (2a a 3a semanas após o parto).
Q Diagnóstico diferencial: carcinoma de mama inflamatório.

Galactocele
Q Cavidade cística com leite ou resíduos.
Q Ocorre após término da lactação.
Q Exame das mamas: nódulo de consistência cística ou elástica, não-aderido
a planos superficiais ou profundos.

Ectasia ductal
Q Dilatação dos ductos subareolares.
Q Geralmente unilateral.
Q Massa dolorosa, com ou sem retração da pele periareolar.
Q Inversão do mamilo (30 a 40% dos casos).
Q Secreção papilar (20% dos casos).
Q Diagnóstico diferencial: carcinoma de mama.

213
Abscesso subareolar crônico recidivante
Q Formação de abscessos de repetição, com ruptura espontânea e fistulização
areolomamilar.
Q Pesquisar história de tabagismo, que é fator predisponente.

Eczema areolar (Quadro 12.1)


Q Dermatite escamosa da aréola.
Q Prurido, com exsudação na fase aguda.
Q Descamação.

Tumores benignos da mama


Fibroadenoma
Q Nódulo mamário, único ou múltiplo, que ocorre entre a puberdade e os 30
anos, indolor, bem-circunscrito, móvel e elástico.
Q Diagnóstico diferencial: cistos.

Papiloma intraductal único


Q Tumor dos ductos lactíferos em mulheres de 30 a 50 anos.
Q Há descarga papilar sanguinolenta e nódulo, palpável ou não.
EXAME DAS MAMAS E DO SISTEMA GENITAL FEMININO

Lipoma
Q Nódulo de tecido adiposo encapsulado, bem-circunscrito, de consistência
amolecida e tamanho variável.

Câncer de mama
Q Anamnese:
– Antecedentes menstruais (menarca, menopausa).
– Antecedentes reprodutores (paridade, idade da 1a gestação).
– História familiar de câncer de mama (mãe e irmãs) e de patologias
benignas da mama.
– Uso prolongado de reposição hormonal.
– Sinais e sintomas: nódulo indolor, assimetria da mama, retração cutânea
ou da papila, endurecimentos, alterações de contorno, ulceração, edema,
infiltração, nódulos cutâneos satélites, dor contínua de forte intensidade

Quadro 12.1 Diagnóstico diferencial de eczema areolar e doença de Paget

Eczema areolar Doença de Paget


Bilateral Unilateral
Evolução rápida Evolução lenta
Não destrói a papila Destrói a papila
Com prurido Sem prurido
Teste terapêutico: Não responde aos corticóides
responde aos corticóides

214
nas regiões lombossacra e cervical e nos membros inferiores (metástases
ósseas).
Q Exame físico:
– Exame completo das mamas.
– Palpação dos territórios ganglionares.
– Recomendar realização de auto-exame das mamas (Quadro 12.2) men-
salmente.
Q Diagnóstico diferencial: patologias benignas da mama.

Genitália feminina
Sangramento uterino anormal
Q Anamnese:
– Idade da paciente, início do sintoma, tipo de distúrbio menstrual.
– História menstrual, antecedentes gineco-obstétricos, tratamentos e
cirurgias prévias, anticoncepção (dispositivos intra-uterinos, anticoncep-
cionais orais), alteração de peso, uso de drogas, atividade física, estresse,
sintomas de hipertireoidismo, coagulopatias e doenças renal ou hepática
crônicas.
Q Exame físico:

EXAME DAS MAMAS E DO SISTEMA GENITAL FEMININO


– Pesquisar sinais de doença orgânica.
– Exame das mamas.
– Exame ginecológico.
– Toque retal (se vaginal insatisfatório).
Q Causas:
– Sangramento uterino disfuncional, leiomioma, adenomiose, endometrite,
hiperplasia endometrial, pólipo endometrial, neoplasias malignas uterinas,
uso de anticoncepcional oral e DIU, traumatismo, corpo estranho (Tabe-
la 12.1).

Secreção vaginal (leucorréia) (Tabela 12.2)


Q Coloração, odor, consistência da secreção vaginal.
Q Associação com ciclos menstruais, relações sexuais ou gestação.

Quadro 12.2 Auto-exame das mamas

Inspeção (na frente do espelho): contornos das mamas


a) em pé, de frente para o espelho, com os braços ao longo do corpo;
b) com as mãos em cima da cabeça;
c) com as mãos na cintura e os ombros levemente inclinados para a frente.

Palpação (deitada, com o braço homolateral à mama examinada atrás da cabeça, ou


durante o banho): usar os dedos da mão contrária
a) fazer movimentos circulares da periferia para o centro;
b) examinar regiões axilares e claviculares à procura de nódulos.

215
Tabela 12.1 Definições relacionadas ao ciclo menstrual

Q Ciclos < 21 dias: polimenorréia


Q Ciclos > 35 dias: oligomenorréia
Q Menorragia: ↑ duração do fluxo menstrual (> 7 dias), em intervalos regulares
Q Metrorragia: sangramento uterino fora do período menstrual
Q Hipermenorréia: ↑ do volume de sangramento menstrual
Q Hipomenorréia: ↓ do volume de sangramento menstrual
Q Menarca: data da primeira menstruação
Q Menopausa: data da cessação das menstruações
Q Menacme: período decorrente entre a menarca e a menopausa
Q Climatério: período de transição entre o período reprodutivo e o não-repro-
dutivo da mulher, geralmente associado ao período em que ocorre a menopausa

Tabela 12.2 Diagnóstico diferencial da secreção vaginal

Causa da secreção vaginal Apresentação clínica


EXAME DAS MAMAS E DO SISTEMA GENITAL FEMININO

Mucorréia Ausência de inflamação vaginal, áreas


de epitélio endocervical secretando
muco claro e límpido, parede vaginal
rosa-pálido.
Vaginites
Vaginose bacteriana Secreção branco-acinzentada,
malcheirosa, escassa.

Candidíase Secreção branca, prurido, hiperemia,


dispareunia, disúria, escoriações.

Tricomoníase Secreção amarelo-esverdeada, bolhosa


e fétida, sensação de queimação,
dispareunia, escoriações.
Cervicites Leucorréia mucopurulenta, sem
sintomas de inflamação vulvovaginal
(prurido, ardência ou hipersensibilidade
vulvar); leucorréia sanguinolenta;
sangramento pós-coital ou após
introdução do espéculo.

Neisseria gonorrhoeae Secreção purulenta, colo friável, disúria,


dor pélvica.

Chlamydia trachomatis Secreção inespecífica, ectopia


hiperplásica, disúria.

216
Q Definir se há alto risco para cervicite (Tabela 12.3).
Q Exame ginecológico.
Q Exame microscópico da secreção vaginal.

Doença inflamatória pélvica (DIP)


Q É uma síndrome clínica devida à disseminação de microrganismos da vagina
e do colo uterino ao endométrio, às trompas de Falópio e/ou às estruturas
contíguas. A DIP não tem relação com o ciclo gravídico-puerperal e/ou
cirurgias nos órgãos pélvicos.
Q Anamnese:
– A dor pélvica pode ser leve e unilateral (trompas) ou intensa e constante.
– Febre, calafrios, leucorréia purulenta, sangramento irregular durante ciclos
menstruais, sintomas urinários, náusea, vômitos.
Q Exame físico:
– Sinais vitais.
– Exame abdominal (irritação peritoneal: sinal de Blumberg).
– Exame ginecológico: leucorréia mucopurulenta, mobilização dolorosa
da cérvice uterina, dor à palpação dos anexos.
Q Diagnóstico diferencial: apendicite, gestação ectópica, cisto hemorrágico

EXAME DAS MAMAS E DO SISTEMA GENITAL FEMININO


de corpo lúteo, torção de cisto de ovário.

Endometriose
Q É caracterizada pela presença de tecido endometrial proliferativo em locais
que não sejam a cavidade uterina. É um processo benigno, mas cresce,
infiltra-se e dissemina-se como nos processos malignos. Pode causar a
formação de aderências e fibrose. O diagóstico é realizado pela visualização
ou biópsia de tecido endometrial ectópico.
Q Pode ser assintomática ou ser causa de infertilidade, dor pélvica cíclica e
progressiva (piorando nos períodos pré-menstrual e menstrual) e dispareunia.
Q Exame físico: geralmente inexpressivo.
Q Toque vaginal: nodularidades nos ligamentos uterossacros e no fundo de
saco de Douglas.

Dismenorréia
Q Dor durante a menstruação.
Q A dor no período menstrual: definir se é primária ou secundária.

Tabela 12.3 Risco de cervicite

Parceiro com secreção uretral ou úlceras genitais OU dois ou mais dos seguintes:
Q Idade < 21 anos
Q Mulheres com vida sexual irregular ou com mais de um parceiro
Q Relacionamento com parceiro há mais de três meses
Q Mais de um parceiro nas últimas quatro semanas

217
Q Dismenorréia primária: dor em cólica, cíclica, que inicia algumas horas antes
da menstruação e desaparece no primeiro dia de fluxo; não há causa aparen-
te.
Q Dismenorréia secundária: dor mais intensa, que se estende até o final da
menstruação.
Q Causas: endometriose, miomatose uterina, obstrução ao fluxo menstrual,
adenomiose.
Q Exame ginecológico completo.

Abortamento
Corresponde ao término da gestação antes da 20a semana ou com peso fetal
menor que 500 g. Quando o abortamento é espontâneo, geralmente ele ocorre
1 a 3 semanas após a morte do embrião (Tabela 12.4).
Q Atraso menstrual: verificar se há comprovação de gestação por exames
complementares.
Q Data da última menstruação (DUM).
Q Dor suprapúbica.
Q Contrações.
Q Sangramento: pode estar presente em grande ou discreta quantidade ou
EXAME DAS MAMAS E DO SISTEMA GENITAL FEMININO

pode estar ausente.


Q Ausência de sintomas gestacionais.
Q Verificar, com toque vaginal bimanual, se há dilatação da cérvice uterina
ou saída de produtos da concepção pela cérvice.
Q Palpar o volume uterino, para ver se é ou não compatível com a idade
gestacional.
Q Causas de abortamento: alterações cromossômicas, infecções, alterações
anatômicas, fatores endócrinos e imunológicos, doenças sistêmicas e trauma.
Q Diagnóstico diferencial: patologias que produzem sangramento, dor pélvica
e irregularidade menstrual (sangramento disfuncional, cervicites, miomatose,
endometriose, doença inflamatória pélvica, gestação ectópica, doença tro-
foblástica gestacional).

Prolapsos genitais e incontinência urinária


Q Perda involuntária de urina:
– Relacionada ao esforço físico.
– De urgência.
– Mista.
Q Exame genital com manobra de Valsalva:
– Presença de distopia genital: uretrocele, cistocele, retocele, prolapso ute-
rino.
– Perda urinária de esforço.
– Presença de atrofia genital.
– Verificar história de cirurgia prévia e presença de fístula urinária.

218
Tabela 12.4 Tipos de abortamento

Abortamento completo Expulsão de todos os produtos da


concepção antes da 20a semana
gestacional; ao exame, o colo uterino está
fechado, e o volume uterino é normal; o
sangramento é ausente ou pequeno.
Ocorre mais freqüentemente antes da
oitava semana de gestação.
Abortamento incompleto É a expulsão de parte dos produtos da
concepção antes da 20a semana
gestacional; ao exame, há sangramento, e
o colo uterino está aberto, com volume
uterino menor que o esperado para a idade
gestacional.
Abortamento precoce Ocorre antes da 12a semana gestacional.
Abortamento tardio Ocorre entre a 12a e a 20a semana
gestacionais.

EXAME DAS MAMAS E DO SISTEMA GENITAL FEMININO


Ameaça de abortamento Caracteriza-se por sangramento uterino
que ocorre antes da 20a semana
gestacional, associado ou não a contrações
uterinas, sem expulsão dos produtos da
concepção e sem dilatação cervical.
Aborto retido Há morte intra-uterina do embrião, mas ele
não é eliminado; ao exame, o volume
uterino é menor que a a idade gestacional,
e o sangramento pode ser ausente ou ser
discreto.
Aborto infectado Há infecção do útero e anexos; o volume
uterino é compatível ou menor que a idade
gestacional, o colo uterino está aberto, há
sangramento, hipertermia e dor; muitas
vezes, está associado a abortamento
provocado.
Aborto séptico É o aborto infectado com disseminação
sistêmica da infecção.
Abortamento habitual Caracteriza-se por três ou mais
abortamentos consecutivos.

219
Q Classificação da distopias genitais:
– 1o grau: a parede vaginal não chega ao intróito vaginal durante o esforço.
– 2o grau: chega ao intróito vaginal.
– 3o grau: ultrapassa o intróito vaginal.
Q Galactorréia:
– Saída espontânea ou não de leite pela glândula mamária fora do período
gestacional.
– Estados associados à hiperprolactinemia:
- Medicamentos: fenotiazida, haloperidol, loxapine, metadona, cimeti-
dine, metoclopramida, sulpiride, metildopa, isoniazida etc.;
- Hipotireoidismo;
- Síndrome dos ovários policísticos;
- Tumores gonadais;
- Tumores hipofisiários;
- Insuficiência renal;
- Insuficiência hepática;
- Trauma torácico.

DICAS
EXAME DAS MAMAS E DO SISTEMA GENITAL FEMININO

Q Palpação das mamas: em caso de dúvida entre nódulo, adensamento e


parênquima normal, reexaminar a paciente logo após o período menstrual.
Q Achados palpatórios solitários, assimétricos, devem ser investigados.
Q Derrame papilar unilateral aquoso, espontâneo, é sempre suspeito.
Q Assimetria mamária em adolescentes: pode significar um fibroadenoma
gigante.
Q Teste de Schiller positivo: é iodo-negativo (o iodo adere-se à mucosa normal,
rica em glicogênio; quando há perda do glicogênio, a mucosa não se cora,
tornando-se iodo-negativa).
Q Diferença entre trabalho de parto pré-termo (TPP) e ameaça de aborto:
– Ameaça de aborto: sangramento uterino que ocorre antes da 20a semana
de gestação, associada ou não a contrações uterinas, sem expulsão dos
produtos da concepção e sem dilatação cervical.
– TPP: é o trabalho de parto pré-termo que ocorre entre a 20a e a 37a
semanas de gestação; o diagnóstico é clínico.
Q No abortamento não devemos nos basear somente na presença de san-
gramento e na dilatação cervical, uma vez que, no aborto retido, o colo é
fechado e pode não haver sangramento.
Q Exame pré-natal: é o conjunto de consultas durante uma gestação, que
tem por função prevenir doenças materno-fetais e acompanhar o crescimen-
to fetal.

220
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS
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221
13
EXAME DO
SISTEMA URINÁRIO
LUIZ FELIPE GONÇALVES
FRANCISCO JOSÉ VERÍSSIMO VERONESE
WALTER J. KOFF
ELVINO BARROS

As doenças renais se manifestam por meio de diferentes apresentações clínicas.


Alguns pacientes apresentam sinais e sintomas relacionados ao trato urinário,
como disúria, hematúria, poliúria ou urgência miccional. Outros podem ter sinto-
mas inespecíficos decorrentes de doenças extra-renais que afetam secundaria-
mente os rins. Muitos pacientes com doença renal são assintomáticos, e a sua
presença é detectada por meio de exames laboratoriais de rotina.
O diagnóstico nefrológico pode ser estabelecido em diferentes etapas. Inicial-
mente busca-se agrupar os dados clínicos em síndromes. Posteriormente, apro-
funda-se a investigação, procurando a doença responsável por aquele quadro clí-
nico (diagnóstico etiológico). Uma vez detectada a presença de nefropatia, é ne-
cessário estabelecer a severidade, o grau de comprometimento funcional, o curso
clínico e as possíveis complicações da mesma a fim de elaborar um plano terapêutico.

PRINCIPAIS SINAIS E SINTOMAS


Anúria
É definida pelo achado de diurese inferior a 100 mL/24h. Chama-se anúria
total quando não há diurese. Pode ser causada por doenças que atingem o trato
urinário alto, rins e ureteres ou trato urinário baixo, bexiga e uretra.

Disúria, polaciúria, urgência


São os chamados sintomas miccionais. A disúria refere-se à dor ou sensação
de queimação durante a micção, também chamada de ardência uretral. A pola-
ciúria significa micções em intervalos curtos, geralmente ocasionadas por irritação
ou inflamação da mucosa vesical. A urgência corresponde a uma sensação
exagerada de desejo miccional, também causada por irritação ou inflamação
vesical. A causa mais freqüente de sintomas miccionais é a infecção bacteriana
do trato urinário. Outras causas são as infecções secundárias a outros microrga-
nismos, como fungos, vírus e protozoários, ou outros agentes capazes de causar
irritação na mucosa vesical ou de desencadear respostas inflamatórias, como
sangue, neoplasias ou cálculos urinários.

Dor lombar
A dor lombar é um sintoma bastante freqüente e, quando relacionada à doença
renal, costuma ser unilateral, com localização no ângulo costovertebral e irradia-
ção para o hipocôndrio ou em direção ao ligamento inguinal ou genitália, ipsila-
teral. Esse tipo de dor com características de cólica (crescendo-decrescendo),
sem posição de alívio, e muitas vezes associada a náuseas, vômitos e hematúria‚
é chamada de cólica renal, sendo geralmente ocasionada pela passagem de um
cálculo. Menos freqüentemente pode ocorrer em conseqüência de hemorragia
em cisto renal ou por necrose de papila renal. A dor com essa localização, porém
sem características de cólica, que piora com os movimentos e alivia com o repouso,
associada a sintomas miccionais ou febre, sugere pielonefrite aguda (PNA). O
tumor renal é outra causa que deve ser considerada na avaliação de pacientes
com dor lombar.

Dor ureteral
É devida à obstrução e à distensão súbitas do ureter. Quando o terço proximal
do ureter é atingido, a dor se irradia para o testículo, pois envolve as terminações
nervosas de T11-L2. No terço médio, a dor é referida no ponto de McBurney,
EXAME DO SISTEMA URINÁRIO

podendo simular apendicite aguda e, quando do lado esquerdo, diverticulite ou


outras doenças dos colos descendente e sigmóide. Ao aproximar-se da bexiga, o
fator obstrutivo pode causar sintomas de irritabilidade vesical, como polaciúria,
disúria e urgência miccional.

Edema
Ocorre devido a um aumento no volume de líquido intersticial. Manifesta-se
por ganho de peso, face e extremidades inchadas, aumento na circunferência
abdominal ou depressão cutânea após pressão sobre a área afetada, denominada
de cacifo (p. ex., tornozelos, pré-tibial, região sacra). Quando ocasionado por
doenças renais, costuma ser generalizado, decorrente de proteinúria maciça ou
retenção hidrossalina e, geralmente, associa-se a outros sinais clínicos e labora-
toriais de doença renal.

Hematúria
A hematúria pode originar-se em qualquer ponto do trato urinário, desde o
glomérulo até a uretra distal. Pode ser macroscópica ou microscópica, com ou
sem a presença de sinais e sintomas associados, como dor, edema, HAS, sintomas
miccionais, febre, alterações no volume urinário, diminuição da função renal,
proteinúria ou outras anormalidades urinárias.
Quando macroscópica (visível a olho nu) e inicial (início da micção), sugere
patologia de uretra. No final da micção, alerta para a possibilidade de patologia
prostática ou vesical. Para que ocorra hematúria macroscópica, deve haver perda

224
de pelo menos 1 a 5 mL de sangue por litro de urina. A hematúria microscópica
(visível só com o auxílio do microscópio) é definida pela presença de quantidades
anormais de hemácias no exame do sedimento urinário ( > 2 hemácias por campo
de grande aumento, 400 vezes).

Noctúria/nictúria
Esses sintomas representam, respectivamente, a presença de micção noturna
ou maior freqüência de micções à noite. Geralmente estão associados a estados
poliúricos ou edematosos, situações em que o aumento da diurese leva à necessi-
dade de micção noturna. Quando a noctúria ou a nictúria não estão associadas a
elevações na diurese, sua presença levanta a suspeita de patologias que ocasionam
diminuição da capacidade vesical ou comprometem o esvaziamento vesical.

Oligúria
Caracteriza-se pela eliminação de um volume urinário abaixo da qual a carga
de resíduos metabólicos não pode ser excretada. Define-se oligúria como uma
diurese inferior a 400 mL/24 horas. A principal causa de oligúria é a insuficiência
renal aguda (IRA) ou a insuficiência renal crônica (IRC).

Poliúria
É o aumento do volume urinário, caracterizado por uma diurese superior a
3.000 mL/24h. Pode representar uma resposta fisiológica quando resulta de uma

EXAME DO SISTEMA URINÁRIO


sobrecarga hídrica, osmolar ou sódica. Por outro lado, pode corresponder a respos-
tas inapropriadas ou estados patológicos (diabete insípido, IRC, IRA, PNA, tubu-
lopatias, uso de drogas).

Retenção e incontinência urinária


A retenção urinária consiste na incapacidade de eliminar a urina acumulada
na bexiga. O globo vesical pode ser palpável e causar grande desconforto. Pes-
quisar nas crianças ureteroceles e válvula de uretra posterior. Em homens adultos,
problemas de uretra e/ou próstata devem ser pesquisados, enquanto nas mulheres
as doenças inflamatórias baixas são as causas mais prováveis.
A incontinência urinária é definida pela perda involuntária de urina. Deve ser
diferenciada de enurese, que é a incapacidade de reter a urina durante o sono.

ROTEIRO DE EXAME
O exame do sistema urinário é realizado junto com o exame do abdome (ver
Capítulo 11).

Paciente deitado em decúbito dorsal


Inspeção: busca a presença de massas visíveis (rins policísticos) ou pulsáteis
(aneurisma de aorta abdominal).
Ausculta: dos quadrantes abdominais superiores, flancos e região periumbilical,
procurando-se a presença de sopro, (ver Figura 11.5, p. 199).

225
Percussão da bexiga: realizada nos pacientes com suspeita de obstrução urinária
baixa e conseqüentemente retenção urinária e presença de globo vesical.
Palpação dos rins. Os rins normalmente não são palpáveis. Durante o exame
físico sua palpação deve ser realizada bimanualmente, com uma das mãos transver-
salmente na região lombar, com a finalidade de projetar o rim para a frente, e a
outra apoiada ao nível do flanco, no sentido longitudinal (Figura 13.1).
No momento da inspiração profunda deve-se comprimir profundamente o qua-
drante superior logo abaixo do rebordo costal para sentir o pólo inferior do rim.
O aumento dos rins pode ser causado por hidronefrose, tumor ou cisto. Lem-
brar que o aumento bilateral sugere doença renal policística.

Paciente sentado
Com o paciente sentado no leito se realiza a punho-percussão lombar: a
positiva ocorre principalmente na pielonefrite aguda e na cólica renal. Além disso,
pode ocorrer também na presença de abscesso renal ou por um problema mus-
culoesquelético.

GENITÁLIA MASCULINA
Paciente deitado
Q Inspeção: avaliar as regiões inguinais, a distribuição dos pêlos, o pênis, a
bolsa escrotal e as regiões crurais.
EXAME DO SISTEMA URINÁRIO

Q Elevar a bolsa escrotal para a inspeção do períneo.


Q Palpar os linfonodos inguinais e crurais bilateralmente.

Paciente em pé
Q Inspecionar o pênis.
Q Retrair o prepúcio (se não for circuncizado) e inspecionar a glande.

Figura 13.1 – Palpação do rim.

226
Q Inspecionar a posição, a forma e o calibre do meato uretral.
Q Palpar o pênis, os corpos cavernosos e a uretra (se houver secreção, ordenhá-
la e colocar em lâmina).
Q Inspecionar a bolsa escrotal (contorno, conteúdo).
Q Palpar os testículos (tamanho, forma e consistência e comparar ambos), o
epidídimo e os cordões espermáticos.
Q Utilizar a transiluminação sempre que a bolsa escrotal estiver aumentada.
Q Palpar os cordões espermáticos com a manobra de Valsalva (para localizar
varicocele uni ou bilateral).

Investigação de hérnias (com o paciente em pé)


Q Inspecionar as regiões inguinais e femorais, pedir para o paciente tossir ou
fazer a manobra de Valsalva.
Q Palpar os orifícios inguinais externos, colocando o dedo indicador no escroto
e conduzindo a sua pele até atingir o anel inguinal.

Hérnias inguinais: acima do ligamento inguinal


Q Indiretas: perto do ponto médio do ligamento inguinal (anel inguinal inter-
no); ao exame, o saco herniário desce pelo canal inguinal e golpeia a polpa
digital (o examinador deve colocar o dedo no canal inguinal e pedir para o
paciente tossir). São as hérnias mais prevalentes em todas as idades e nos
dois sexos. São as mais sintomáticas e têm maior probabilidade de encarcerar

EXAME DO SISTEMA URINÁRIO


ou estrangular.
Q Diretas: perto do tubérculo pubiano (próximas ao anel inguinal externo),
fazem saliência anteriormente e empurram o dedo do examinador para a
frente, durante o exame. Muitas vezes, é difícil diferenciar as hérnias diretas
das indiretas apenas por meio do exame físico. No entanto, o mais impor-
tante é que haja a identificação da hérnia, uma vez que ambas devem ser
corrigidas cirurgicamente.

Hérnias femorais: abaixo do ligamento inguinal


Q Podem ser confundidas com linfonodos aumentados; ao exame, o canal
inguinal está vazio – são as hérnias menos freqüentes, ocorrendo mais em
mulheres, devido à dilatação do anel femoral causada por alterações
hormonais durante a gestação.

TOQUE RETAL
Paciente em decúbio lateral esquerdo (quadril e joelhos flexionados)
ou posição genupeitoral
Q Inspeção das áreas sacrococcígea e perianal.
Q Toque retal: realizar com o dedo indicador; observando o tônus, verificar a
presença de dor, endurecimento, irregularidades ou nódulos no canal anal,
no reto e na próstata.

227
Q Exame da próstata: identificar os lobos laterais, o sulco mediano, o formato,
a consistência e a hipersensibilidade ao toque. Avaliar ainda o tamanho, a
mobilidade e a presença de nodularidades.
A consistência normal da próstata é semelhante àquela da eminência tenar
do polegar contraída (fibroelástica). O seu tamanho é estimado em 4 cm (duas
polpas digitais), e o seu volume, em 20 g. A presença de consistência pétrea ou
de nódulos sugere neoplasia e exige uma investigação complementar.

DICAS DE SEMIOTÉCNICA
Q Testículos: o esquerdo é mais baixo que o direito.
Q No exame da genitália masculina, as alterações que ocorrem na posição
ereta são importantes, pois as hérnias e a varicocele podem não ser aparentes
quando o paciente está em decúbito dorsal.
Q Prostatismo: termo utilizado para caracterizar sintomas do trato urinário
inferior, sejam eles obstrutivos (hesitação, alteração do jato urinário, gote-
jamento terminal, sensação de esvaziamento incompleto da bexiga) ou
irritativos (urgência, polaciúria, noctúria e dor suprapúbica), que podem
estar associados a alterações na bexiga, próstata ou uretra.

PRINCIPAIS SÍNDROMES NEFROLÓGICAS


EXAME DO SISTEMA URINÁRIO

Anormalidades urinárias assintomáticas


Definida pela presença de hematúria, proteinúria não-nefrótica e leucocitúria
de forma isolada ou associada, na ausência de achados das outras síndromes.
A leucocitúria (> 5 leucócitos/campo no EQU) indica inflamação no trato
urinário, secundária a doenças infecciosas (infecção bacteriana, tuberculose) ou
inflamatórias dos rins (nefrite intersticial) ou do segmento inferior.
A presença de proteinúria (proteinúria de 24 h > 150 mg) indica patologia
renal, com exceção de situações especiais como exercício, febre e postural entre
outras. A hematúria associada à proteinúria também se origina de nefropatia.
A hematúria microscópica isolada assintomática é um achado comum. O diag-
nóstico etiológico é difícil e freqüentemente é necessária a investigação do trato
urinário superior e inferior. Alguns achados do exame comum de urina, como
cilindros (especialmente os hemáticos) e dismorfismo das hemácias podem ori-
entar a investigação para a pesquisa de causas renais.

Hipertensão arterial sistêmica


O diagnóstico de HAS é estabelecido pela presença de níveis pressóricos eleva-
dos. É incluída como síndrome nefrológica pelo fato de a hipertensão arterial,
quando não adequadamente controlada, causar dano renal (nefroesclerose hi-
pertensiva) e pelo fato de ter como etiologia algumas doenças renais: estenose
de artéria renal, glomerulopatias e nefropatias crônicas.

228
Infecção do trato urinário (ITU)
Diz-se que há ITU quando, além da colonização bacteriana, os microrganismos
sediados no trato urinário se multiplicam, produzindo ou não manifestações clínicas
perceptíveis. O patógeno mais freqüente em ITU não-complicada e não-noso-
comial é a Escherichia coli, e a via de infecção principal é a ascentente.
São tipos de infecção urinária:
Q ITU baixa (não atinge o parênquima renal): produz sintomas irritativos,
como disúria, polaciúria, dor suprapúbica, ardência e urgência miccionais.
Q ITU alta (pielonefrite aguda): causa dor lombar com febre e calafrios, sen-
do a dor acentuada por punho-percussão lombar (sinal de Giordano).
Q ITU persistente: consiste na infecção pelo mesmo patógeno após o trata-
mento, devido à fonte persistente de infecção em contato com a urina ou
devido à terapêutica ineficaz.
Q Reinfecção: é assim denominada quando desaparece o agente infectante e
surge um novo agente etiológico, estando geralmente associada a alterações
nas defesas do hospedeiro.

Insuficiência renal aguda (IRA)


É uma síndrome clínica caracterizada por diminuição abrupta da função renal
(filtração glomerular), usualmente manifestada por oligúria (diurese < 400 mL/
dia) ou anúria (diurese < 100 mL/dia) e retenção de catabólitos endógenos, que
normalmente são eliminados pelo rim, com elevação das taxas de uréia e de

EXAME DO SISTEMA URINÁRIO


creatina. Às vezes pode cursar com poliúria.
A perda aguda de função renal é aquela que ocorre em horas a dias. Pode-se
também caracterizar como perda aguda quando há evidências de que a filtração
glomerular era normal nos últimos três meses e foi progressivamente diminuindo.
Pode ser classificada como:
Q IRA pré-renal: causada por diminuição do fluxo sangüíneo renal, com conse-
qüente queda do ritmo de filtração glomerular e oligúria. É potencialmente
reversível, e sua manutenção pode levar à IRA renal de causa isquêmica.
Caracteriza-se, do ponto de vista fisiopatológico, por retenção de sal e
água, com baixo sódio urinário, e é decorrente de situações como hemorra-
gias, queimaduras, desidratação, insuficiência cardíaca etc.
Q IRA renal: quando a perda da função renal ocorre por causa de distúrbio
intrínseco do parênquima renal. A necrose tubular aguda de causa isquêmica
e/ou tóxica é a principal lesão que ocasiona essa entidade (75%). Outras
causas são glomerulonefrites, vasculites, doenças tubulointersticiais (nefrite
intersticial, necrose papilar).
Q IRA pós-renal ou obstrutiva: ocorre quando algum fator obstrutivo impede,
parcial ou totalmente, a drenagem da urina produzida no rim. São exemplos:
obstrução ureteral (intrínseca ou extrínseca), esclerose de colo vesical, hi-
perplasia prostática e bexiga neurogênica.

229
Insuficiência renal crônica (IRC)
Caracteriza-se por um declínio progressivo e irreversível da taxa de filtração
glomerular. Pode ser definida pela presença de sinais e sintomas urêmicos com
evolução superior a três meses e redução estável da depuração da creatinina
endógena (DCE), e/ou evidência de rins diminuídos de volume, e/ou manifesta-
ções das complicações da uremia crônica (p. ex., anemia, osteodistrofia renal,
neuropatia periférica). Por vezes, é difícil o diagnóstico diferencial com IRA, haven-
do definição apenas durante a evolução do paciente.
A IRC pode ser classificada como leve, moderada ou severa. À medida que a
insuficiência renal se estabelece, há retenção de produtos nitrogenados, o que é
chamado de azotemia. A anamnese e o exame físico dos pacientes relacionam-
se com a gravidade do quadro e com os sistemas comprometidos. Normalmente,
o paciente não sabe da sua IRC até o momento em que a taxa de filtração
glomerular cai para menos de 15 mL/min e esteja instalada a síndrome urêmica.
No início os sintomas são discretos, de evolução insidiosa, podendo o paciente
tornar-se consciente do aparecimento dos mesmos apenas de modo retrospectivo.
As principais causas são diabete melito, glomerulonefrite crônica e nefroes-
clerose hipertensiva.
As queixas geralmente são cansaço e fraqueza, anorexia, náuseas, vômitos,
perda da libido e prurido. A poliúria e a noctúria indicam a incapacidade de
concentração de urina, e a oligúria, o estado terminal da insuficiência renal. A
hipertensão arterial está comumente presente na IRC.
EXAME DO SISTEMA URINÁRIO

Síndrome nefrítica
Caracteriza-se por surgimento agudo de hematúria, edema e hipertensão,
podendo estar acompanhada de perda de função renal. A forma mais comum é
a glomerulonefrite pós-estreptocócica associada à piodermite ou amigdalite em
crianças. A presença de cilindros hemáticos sela o diagnóstico. Pode ocorrer tam-
bém proteinúria, leucocitúria, outros cilindros urinários, hipocomplementemia,
mas não são fundamentais para o estabelecimento da síndrome.

Síndrome nefrótica
É definida pela presença de proteinúria maciça (> 3,5 g/24 h/1,73 m2 de
superfície corporal). Costuma acompanhar-se de hipoalbuminemia, edema e dis-
lipidemia. Podem ocorrer também outros achados clínicos como HAS e diminuição
da função renal, bem como outras alterações urinárias como hematúria, cilindrúria
e lipidúria. A principal causa de síndrome nefrótica em adultos é a nefropatia
diabética.
Quanto à etiologia, a síndrome nefrótica pode ser primária (mais comum;
associada a glomerulopatias idiopáticas) ou secundária (causada por doenças
sistêmicas, como lúpus eritematoso sistêmico, diabete melito, amiloidose, neo-
plasias e outras).
O principal achado clínico é o edema mole, frio e indolor, normalmente de
instalação insidiosa, acumulando-se nas áreas de menor resistência. Entretanto,
pode ser maciço, ocorrendo até mesmo ascite, derrame pleural e anasarca.

230
Os pacientes apresentam como complicações do estado nefrótico hipoalbu-
minemia, hiperlipidemia, lipidúria e hipercoagulabilidade.
Os pacientes nefróticos estão mais sujeitos a infecções devido à perda de
imunoglobulinas do tipo IgG na urina, o que favorece a infecção por germes
encapsulados, especialmente streptococcus pneumoniae, klebsiella e haemophilus.

Tubulopatias
Nessa síndrome estão incluídas as doenças císticas e as alterações seletivas na
função tubular, como acidose tubular renal, glicosúria e aminoacidúria. Os distúr-
bios mistos caracterizam a síndrome de Fanconi. Embora totalmente distintas
das tubulopatias propriamente ditas, as doenças císticas são aqui incluídas porque
sua formação relaciona-se com defeitos na tubulogênese. A mais importante e
mais prevalente é a doença policística do adulto, que se caracteriza por transmis-
são hereditária autossômica dominante, sendo uma causa freqüente de IRC. O
diagnóstico é feito por história familiar, aparecimento de massa abdominal e
presença de múltiplos cistos em exames de imagem.
As tubulopatias podem se manifestar por desidratação, hipovolemia e hipo-
natremia (nefropatia perdedora de sal), acidose hiperclorêmica com hipo ou hi-
percalemia, osteomalácia (acidose tubular renal) ou mesmo constituírem apenas
um achado laboratorial (glicosúria renal).

Urolitíase

EXAME DO SISTEMA URINÁRIO


É definida pela eliminação espontânea de um cálculo, visualização do cálculo
urinário por exame de imagem ou por sua remoção cirúrgica. Dor de início súbito
sem posição de alívio, náuseas e vômitos e hematúria macro ou microscópica,
com ou sem sintomas urinários, são as principais queixas dos pacientes quando o
cálculo é obstrutivo. As manifestações clínicas variam de acordo com a localização,
o tamanho e a forma do cálculo.
A litíase urinária é causa de importante morbimortalidade, apresentando com-
plicações como dor, obstrução urinária e infecção. Pacientes com calculose renal
recorrente devem ser submetidos à investigação metabólica para a detecção de
possíveis anormalidades relacionadas à formação de cálculos.

SÍNDROMES UROLÓGICAS
Adenocarcinoma de próstata
É a neoplasia mais comum no homem. O diagnóstico precoce, que permite a
cura do tumor, é suspeitado a partir do exame rotineiro em paciente assintomático,
através do toque retal, que revela a presença de um nódulo endurecido na próstata
e pela realização da dosagem sérica periódica do antígeno prostático específico
(PSA). As manifestações clínicas da doença metastática são variáveis, podendo
apresentar dores ósseas e até mesmo insuficiência renal obstrutiva.

231
Criptorquidia
É a ausência do testículo na bolsa escrotal. Pode ser uni ou bilateral. Deve ser
diagnosticada logo após o nascimento, quando o reflexo cremastérico não é
significativo.

Epidimite aguda
Dor intensa de início súbito no escroto com irradiação ao longo do cordão
espermático. No início do quadro o epidídimo está aumentado e doloroso e pode
ser distinguido do testículo, mas após algumas horas torna-se uma massa única.
Pode apresentar febre e sintomas de uretrite (em jovens) ou prostatite (em adultos).

Fimose
Incapacidade de retração do prepúcio para expor a glande. Pode ser congênita
ou adquirida. Existe aderência balanoprepucial, mas, após o primeiro ano de
idade, geralmente, o prepúcio passa a ser retrátil. Se tal modificação não ocorrer,
pode ser necessária a circuncisão. A fimose adquirida é resultado de infecções
crônicas e recorrentes do prepúcio (balanites), freqüentes em pacientes diabéti-
cos. O tratamento também consiste na circuncisão.

Hidrocele
Coleção líquida dentro da túnica vaginal manifestando-se por aumento de
volume da bolsa escrotal com transiluminação positiva. Fazer o diagnóstico diferen-
EXAME DO SISTEMA URINÁRIO

cial com tumor de testículo.

Hiperplasia prostática benigna


A proliferação glandular prostática, de causa multifatorial e benigna, aumenta
com a idade, atingindo aproximadamente 50% dos homens aos 60 anos. As
manifestações clínicas costumam ser oscilantes, com períodos de melhora interca-
lados com fases de recrudescência. Os sintomas podem ser obstrutivos, relaciona-
dos ao efeito mecânico do crescimento prostático (e não ao tamanho da próstata),
ou irritativos, secundários à reação do músculo detrusor .
O toque retal estima apenas 60% do volume prostático, porém é fundamental
para avaliar as condições prostáticas, como consistência, irregularidades, limites,
sensibilidade e presença do sulco mediano e de nódulos.

Orquite
A parotidite epidêmica é a causa infecciosa mais comum. Ocorre dor de início
súbito, em geral 3 a 4 dias após o início de uma parotidite, com edema e eritema
no escroto, sem sintomas urinários e com febre que pode atingir 40°C. A orquite
pode estar associada à hidrocele.

Parafimose
Incapacidade de reduzir um prepúcio previamente retraído. Se a retração é
prolongada, há edema do prepúcio, dificultando ainda mais a mobilização do
prepúcio para cobrir a glande.

232
Priapismo
Ereção prolongada e dolorosa, normalmente não-associada à estimulação se-
xual. É uma emergência urológica e, caso não-revertida em poucas horas, causa
danos irreversíveis nos corpos cavernosos.

Prostatite aguda bacteriana


Doença febril aguda caracterizada por calafrios, dor lombar e perineal, urgên-
cia, polaciúria, nictúria, disúria e graus variáveis de obstrução urinária. Ao toque
retal, a próstata apresenta-se edemaciada, extremamente dolorosa, firme e quen-
te. Geralmente está associada à ITU.

Prostatite crônica bacteriana


Os sintomas são variáveis. Alguns pacientes podem ser assintomáticos e apre-
sentarem apenas bacteriúria assintomática, enquanto outros podem apresentar
disfunção miccional irritativa e dor lombar ou perineal.
A ITU recorrente é uma complicação típica de pacientes com prostatite crônica
bacteriana.

Torção do testículo sobre o cordão espermático


Há estrangulamento do suprimento vascular com infarto do testículo. O diagnós-
tico deve ser rápido para que se institua o tratamento imediato, a fim de se evitar
a perda do órgão. A torção é mais freqüente na infância e próximo à puberdade.

EXAME DO SISTEMA URINÁRIO


Na anamnese o paciente relata intensa dor abdominal e escrotal, sendo que a
dor é de início súbito e ocorre ao acordar ou ao praticar exercícios físicos.
No exame físico, o testículo afetado está mais alto na bolsa escrotal, há edema
escrotal, com aumento da sensibilidade testicular. Não há febre, ao contrário das
epididimites, que são o principal diagnóstico diferencial dessa situação, e o reflexo
cremastérico está ausente no lado afetado.
No diagnóstico diferencial estão orquite, epididimite, torção de apêndice do
testículo e dor secundária a trauma testicular.

Tumores renais
Apresentam-se clinicamente por dor lombar e/ou massa abdominal. Podem
ser císticos ou sólidos, e o diagnóstico é realizado por meio de exames de imagem
como ecografia, urografia venosa, tomografia computadorizada e/ou ressonância
magnética.

Tumor de testículo
O sintoma mais comum é o aumento indolor do testículo. Antecedentes de
trauma, criptorquidia e atrofia testicular podem estar presentes. No exame físico,
a presença de um testículo endurecido, aumentado de volume e, na palpação, a
presença de áreas nodulares na superfície sugerem essa entidade.

Uropatia obstrutiva
São alterações estruturais ou funcionais do trato urinário, que impedem o
fluxo normal de urina. Podem causar diminuição da função renal (nefropatia

233
obstrutiva) e/ou dilatação do trato urinário (hidronefrose). Dependendo do local
de obstrução, pode ocorrer hidronefrose ou retenção urinária. A hidronefrose
refere-se à obstrução do sistema coletor renal com evidências de dilatação
pielocalicinal nos exames de imagem. Quando é bilateral, causa uma insuficiên-
cia renal aguda (pós-renal). A retenção urinária é ocasionada por obstáculo ou
incapacidade de eliminar a urina pela uretra, levando à distensão da bexiga.
O diagnóstico deve ser feito precocemente, uma vez que as conseqüências
da uropatia obstrutiva podem ser reversíveis, e a perda da função renal está
diretamente relacionada com o grau e com a duração da obstrução. As manifesta-
ções clínicas dependem da localização (trato urinário superior ou inferior, uni ou
bilateral), do grau (parcial ou completo) e da duração (aguda ou crônica) da
obstrução. A obstrução aguda completa pode causar insuficiência renal aguda; a
obstrução parcial crônica (hidronefrose crônica) pode ser assintomática ou causar
dor intermitente e sintomas associados à insuficiência renal, como noctúria e
poliúria (por incapacidade de concentrar a urina). São diversas as causas de obstru-
ção, sendo mais comum, no adulto, a estenose da uretra, a hiperplasia prostática,
a nefrolitíase e as neoplasias.

Varicocele
Consiste na dilatação do plexo pampiniforme acima do testículo. O lado esquer-
do é mais afetado. Ocorre em 10% dos homens jovens. O único sintoma pode
ser dor testicular. A manobra de Valsalva auxilia no exame físico.
EXAME DO SISTEMA URINÁRIO

O surgimento no homem idoso ou somente do lado direito leva à suspeita de


neoplasia renal.

DICAS
Q Os rins são órgãos retroperitoneais.
Q Os rins normalmente não são palpáveis.
Q Punho-percussão lombar positiva pode indicar pielonefrite ou cólica renal.
Q Rins aumentados na doença renal policística do adulto podem ser facil-
mente palpáveis.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS


Barros E, Manfro R, Thomé F, Gonçalves LF. Nefrologia: rotinas, diagnóstico e tratamento. 2.
ed. Porto Alegre: Artmed; 1999.

Bates B, Bickley L, Hoekelman R. Propedêutica Médica. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara


Koogan; 1998.

Contiguglia SR, Mishell JL, Klein MH, Teiltelbaum I. Renal, electrolyte, blood-gas and acid-
base problems. In: Friedman HH, editor. Problem oriented medical diagnosis. 6. ed. New
York: Little, Brown and Company; 1996. p. 256-90.

Zatz R. Fisiopatologia renal. São Paulo: Atheneu; 2000. p. 173-283.

234
Sites recomendados
Cybernephology:
http://www.cybernephrology.org

Atlas of Diseases of the Kidney:


http://www.kidneyatlas.org

Nephrology Prevention:
http://www.nephroprevention.com

Renal Pathology Society:


http://www.renalpathsoc.org

Sociedade Brasileira de Nefrologia:


http://www.sbn.org.br

EXAME DO SISTEMA URINÁRIO

235
14
RETO E CANAL ANAL
HELOISA GUEDES MÜSSNICH
JOÃO FRANCISCO XAVIER MÜSSNICH

As doenças anorretais estão presentes na história da humanidade desde 3000


a.C., nos relatos da Babilônia e do antigo Egito. Os hábitos de vida do mundo
moderno, porém, parecem ter contribuído para que elas adquirissem uma impor-
tância crescente ao longo dos séculos. No Brasil, calcula-se que, aproximadamente,
30% da população, em algum momento da vida, apresentarão qualquer uma
dessas afecções, realizando os mais diferentes tratamentos.
As queixas atribuíveis ao ânus são comumente manifestadas como “problema
de hemorróidas”, quando, na realidade são “queixas anorretais”. Como várias
dessas doenças têm quadros clínicos semelhantes, além de poderem acarretar
intenso sofrimento – como a fissura anal – ou de serem extremamente graves –
como os carcinomas – é fundamental que todos os médicos, e não somente os
especialistas, saibam reconhecê-las e encaminhar seus tratamentos corretamente.
Uma vez que muitos tratamentos são direcionados para o alívio dos sintomas,
sem agir diretamente sobre suas causas, a diferenciação entre as afecções que
devem ter suas causas removidas é fundamental.
Neste capítulo, o leitor encontrará conceitos básicos de diagnóstico e tratamen-
to das principais enfermidades que acometem essa região, como um auxílio no
reconhecimento e na orientação iniciais.
É importante ressaltar que o pudor relacionado à região anorretal muitas vezes
impede ou retarda a procura de atendimento médico. O paciente portador de
afecções nessa área, em geral, fica envergonhado de sua enfermidade. São proble-
mas pouco comentados na vida social, e, freqüentemente, motivo de risos ou
piadas. Até mesmo o fato de ser uma região difícil de praticar o auto-exame e,
na avaliação médica, o paciente ter que ficar de costas para o examinador, gera
medo e certa desconfiança – muitas vezes, sentimento de humilhação. Sendo
assim, é muito importante que o paciente se sinta o mais à vontade possível para
expor seus sintomas, medos e anseios e que seja bem-orientado quanto ao an-
damento do exame físico e quanto à sua enfermidade em si – o medo de estar
“sujo”, de não controlar gases e a sensação de evacuação iminente, que podem
ocorrer durante o exame, devem ser abordados com naturalidade.
Apesar de ser uma especialidade bastante objetiva, em que quase sempre se
visualizam as lesões por inspeção direta ou por endoscopia, a história clínica
fornece detalhes que direcionam a avaliação – além de ser o primeiro contato do
paciente com o médico, fundamental para estabelecer uma relação de confiança.
Após ouvir a exposição livre das queixas do paciente, o médico questionará acerca
dos detalhes de cada sinal ou sintoma (quantas vezes eliminou sangue, se era
sangue vivo ou escuro, se a dor era contínua ou seguida da defecação, etc.).
Deve-se deixar claro, nas perguntas, o que o paciente entende por aquilo que se
pergunta (p. ex., “prisão de ventre”, pode ser entendida como constipação ou
como distensão abdominal por gases; sangramento pode ser uma mancha no
papel higiênico ou um jato de sangue na água do vaso), tendo em vista as diver-
gências na definição de certas palavras no âmbito leigo, em relação às definições
médicas. Obviamente, nos casos de afecções agudas e dolorosas, tanto a histó-
ria clínica quanto o exame deverão levar em consideração o grau de sofrimento
do paciente e o tempo que possa suportar uma entrevista ou tolerar o exame.

SINAIS E SINTOMAS
Os principais sinais e sintomas das doenças proctológicas são sangramento, dor
ou desconforto e tumoração local. Outros, não menos importantes, incluem pruri-
do, exsudação, alteração das fezes (quanto à freqüência ou consistência) ou no
mecanismo de evacuação (perda involuntária ou retenção).
Sintomas gerais também podem ocorrer, como febre, perda de peso, alteração
de apetite ou dor no baixo ventre ou irradiada para as costas e para os membros
inferiores.
RETO E CANAL ANAL

Sangramento
A perda de sangue pode variar quanto às características do sangue eliminado
– cor, freqüência e quantidade – e quanto a sua relação com a evacuação. O
sangramento pode ser vermelho vivo ou escuro, ou ainda em forma de melena –
sangue digerido. Pode ser de pequeno porte, como um pingo no papel higiênico,
ou em grande quantidade, em esguichos no vaso, ou em forma de enterorragia.
Poderá ocorrer ao final da evacuação, vir sobre as fezes ou misturado a elas, ou
ainda, vir sem conteúdo fecal.
Um sangramento indolor, que aparece logo após a evacuação, é característi-
co de hemorróidas internas; se a perda de sangue for mínima e seguida de dor
intensa é, mais presumivelmente, em decorrência de uma fissura anal. Uma hemor-
ragia que aparece ao final de uma evacuação e cede espontaneamente pode
indicar uma lesão anal. Se o sangue está mesclado com as fezes, deve-se pensar
em lesões mais altas, na ampola retal ou no colo (neoplasias benignas ou malig-
nas, colites, doença diverticular). A eliminação de sangue puro, sem conteúdo
fecal, é típica das formas graves de colite ou de lesões anais ou retais.
Causas de sangramento reconhecidas pelo exame proctológico:
Q Hemorróidas
Q Fissura anal
Q Escoriação da pele
Q Condiloma
Q Tumores anais ou retais

238
Q Prolapso retal (total ou mucoso)
Q Doença inflamatória perianal (Crohn ou proctite ulcerativa)
Q Pólipos
Q Malformação vascular
Q Úlcera solitária de reto
Q Trauma
Q Proctites (por radiação ou infecção)

Dor
A dor anal pode ser contínua ou intermitente, relacionada ou não ao ato de
evacuar. Pode apresentar-se como ardor, sensação de corpo estranho, pressão,
sensação de evacuação incompleta ou vontade constante de evacuar – tenesmo
retal. A dor que sucede o ato evacuatório e dura de minutos a horas, em geral
em ardência, é característica da fissura anal. Uma dor contínua, pulsátil, de poucos
dias de evolução e acompanhada de febre sugere abscesso perianal ou anorretal.
Se a dor se apresenta bruscamente, junto com o aparecimento de tumoração
perianal, sugere trombose ou congestão hemorroidária externa. A dor de começo
impreciso e vaga pode estar relacionada à neoplasia e, se for como um desconforto
ou sensação de corpo estranho, sugere uma papilite ou criptite. A dor que se
relaciona com tenesmo retal pode ser resultante de fecaloma, ou retite aguda,
ou neoplasia do canal anal ou de reto baixo.
Causas de dor reconhecidas pelo exame proctológico:
Q Trombose hemorroidária interna ou externa

RETO E CANAL ANAL


Q Fissura anal
Q Abscesso ou fístula
Q Carcinoma
Q Herpes/cancro
Q Proctalgia fugaz
Q Úlcera por doença de Crohn
Q Papilite/criptite
Q Fecaloma

Tumoração
A tumoração perianal pode ser de consistência variável e de aparecimento
súbito ou insidioso. Uma tumoração perianal de aparecimento agudo e acompa-
nhada de dor sugere trombose ou congestão hemorroidária externa. Se a apresen-
tação é subaguda, no curso de alguns dias, seguida de dor e febre, sugere processo
infeccioso – um abscesso perianal. As tumorações de crescimento lento podem
ser condilomas acuminados, mas devem levantar suspeita de carcinoma. Existe
ainda a tumoração decorrente da saída do reto de sua posição normal – o prolapso
retal – em que se observa a mucosa rósea exposta para fora do canal.
As tumorações retais são diagnosticadas pelo toque retal e pela endoscopia –
anuscopia e retossigmoidoscopia. Sua consistência orienta o diagnóstico: as mais
elásticas sugerem formações polipóides benignas, ou, quando têm flutuação,

239
um abcesso submucoso (às vezes, impossível de tocar devido à dor que causam).
As lesões pétreas, até ser provado o contrário, são características dos carcinomas.
Causas de tumoração reconhecidas pelo exame proctológico:
Q Tumoração da margem anal
– Aguda:
Trombose hemorroidária externa
Abscesso
– Crônica:
Condiloma
Plicomas anais
Carcinoma
Q Prolapso
– Hemorróidas
– Prolapso retal
– Tumores anais ou retais
– Papila anal hipertrófica

Prurido
O prurido é uma queixa freqüente que pode estar relacionada a um agente
causal ou ser a doença propriamente dita. Praticamente todas as afecções que
envolvam o canal anal podem causar prurido, desde infecções locais por fungos,
parasitas ou vírus (herpes e condiloma), até as erosões de pele, fissuras, hemor-
róidas, fístulas e qualquer condição que determine alteração da pele perianal e/
RETO E CANAL ANAL

ou do anoderma – ressecamento ou umidade excessivos, pequenos cortes ou


erosões, etc. Existe ainda o prurido psicogênico, que é diagnóstico de exclusão
quando, após investigação, não se encontra causa física responsável pelo sintoma.
É muito importante realizar um questionamento detalhado sobre a forma como
o paciente faz a sua higiene (o uso excessivo de água e sabonetes, pomadas, ou
mesmo uma abrasão causada pelo próprio papel higiênico, podem, com fre-
qüência, ser a causa desse sintoma tão desconfortável.
Principais causas de prurido anal:
Q Eczema
Q Psoríase
Q Dermatite alérgica
Q Dermatite de contato (agentes tópicos)
Q Higiene inadequada
Q Hemorróidas
Q Prolapso retal
Q Exsudação mucosa (pólipos)
Q Fístula anal
Q Incontinência fecal
Q Fungos e DST
Q Vermes e parasitas
Q Doença de Crohn

240
Q Carcinoma
Q Diabete
Q Colestase
Q Linfoma
Q Idiopática

Alteração das fezes e do mecanismo de evacuação


Muitas condições anorretais podem ser causa ou conseqüência de alteração
do ritmo intestinal. Uma fissura anal, por exemplo, pode tornar constipada uma
pessoa de hábitos intestinais regulares. Por outro lado, uma retite inflamatória
ou infecciosa pode desencadear estímulo intenso no mecanismo evacuatório,
levando à diarréia ou à evacuação pastosa, com sangue, muco ou pus. No Capítulo
11, o leitor encontrará as definições e outros detalhes a respeito das alterações
de funcionamento intestinal.
A perda involuntária de fezes pode variar desde pequenas quantidades, que
aparecem como escape de gases ou presença de resíduos fecais na roupa íntima,
até perda de conteúdo fecal consistente. Em geral é uma situação embaraçosa
sobre a qual o paciente tem vergonha de falar e pode gerar dificuldades sociais
importantes. A retenção fecal ou fecaloma, caracteriza-se por desconforto retal
intenso, com sensação de evacuação constante, e por impossibilidade de el-
iminação espontânea do conteúdo retido. Em geral decorre de imobilidade pro-
longada e uso de medicamentos com efeito colateral constipante.
Causas de exsudação perianal:

RETO E CANAL ANAL


Q Aquosa/Mucóide
– Hemorróidas
– Prolapso total ou mucoso de reto
– Condiloma
– Higiene inadequada (jato de água)
– Escoriação de pele (eczema)
– Fissura anal
– Carcinoma
– Pólipos
– Síndrome do intestino irritável
– Doença inflamatória intestinal
Q Purulenta
– Abscesso
– Fístula
– Fissura infectada
– Hidradenite supurativa
– Furúnculo
– Doença inflamatória intestinal
– Doença sexualmente transmissível
Q Fecal
– Higiene inadequada
– Roupa íntima inadequada

241
– Fecaloma (extravazamento – evacuação paradoxal)
– Incontinência fecal

Sintomas gerais
Os sintomas gerais vão variar de acordo com a natureza da afecção. Em casos
agudos de infecção ou inflamação intensa, febre e dor abdominal ou pélvica
com irradiação para os membros inferiores – em alguns casos – são os mais
comuns. No caso de doenças crônicas ou proliferativas (colites em fase não-
aguda ou neoplasias), a perda de peso e as alterações de apetite são mais fre-
qüentes.

CONCEITOS BÁSICOS DE ANATOMOFISIOLOGIA


Reto
O reto é a porção final do tubo digestivo, com uma extensão de 12 a 15 cm,
começando na altura do promontório sacral e terminando, em sentido caudal,
nos músculos elevadores do ânus. Sua porção distal, a ampola retal, tem a capaci-
dade de dilatar-se para armazenar as fezes até a evacuação. Nesse segmento,
encontram-se receptores nervosos intramurais sensíveis à distensão, cuja função
é perceber quando há conteúdo na ampola retal. Uma vez dilatada a ampola
retal, o estímulo desses receptores, via sistema nervoso parassimpático, gera con-
tração voluntária reflexa do esfincter externo simultaneamente com o relaxamento
do músculo puborretal e do esfincter anal interno. Tal mecanismo possibilita o
RETO E CANAL ANAL

controle do ato evacuatório.

Canal anal
O canal anal inicia-se na linha anorretal – porção distal do reto, na altura dos
músculos elevadores do ânus – e termina na linha anocutânea, junto à pele pe-
rianal, numa extensão aproximada de 4 cm. Funcionalmente, divide-se em três
partes: no terço superior, da linha anorretal até a linha pectínea, é revestido por
mucosa do tipo retal e apresenta receptores nervosos intramurais específicos
para identificar o estado do conteúdo intestinal (sólido, líquido ou gasoso); no
terço médio, de poucos milímetros, encontram-se as papilas e as criptas das
glândulas anais – é a linha pectínea propriamente dita, zona de transição do
epitélio cilíndrico da mucosa para o pavimentoso do anoderma; e no terço inferior,
abaixo da linha pectínea, está o anoderma, com intensa sensibilidade dolorosa,
que se estende até a linha anocutânea, separando o canal anal da pele perianal
(Figura 14.1).

Mecanismo da continência fecal


A continência anorretal envolve um complexo sistema de funções autônomas,
sensoriais e motoras que possibilita a evacuação voluntária, a distinção de conteú-
do intestinal e o fechamento do ânus. Inclui os esfincteres anais interno e externo,
o músculo puborretal, os músculos elevadores do ânus e os corpos cavernosos
do canal anal.

242
Junção retossigmoideana

Reto

Válvulas de Houston

Músculo elevador do ânus

Músculo
puborretal

RETO E CANAL ANAL


Musculatura
esfincteriana
Linha anorretal

Linha pectínea

Canal anal

Esfincter
externo

Anoderma
Plexo hemorroidário
Esfincter interno

Figura 14.1 – Região anorretal: figura esquemática da região anorretal,


separando o reto do canal anal.

O esfincter anal interno é formado por musculatura lisa involuntária, cuja


função é manter o ânus fechado, em contração permanente, relaxando reflexa-
mente antes e durante o ato evacuatório. Os músculos elevadores do ânus e
puborretal integram a musculatura pélvica e se continuam, distalmente, no es-
fincter anal externo (formando uma espécie de “bacia muscular”), sendo consti-
tuídos por musculatura estriada, de ação voluntária. O músculo puborretal, quando

243
contraído, impede a entrada das fezes no canal anal, enquanto o esfincter anal
externo controla a defecação quando o canal anal já tem conteúdo em seu interior
– essa contração voluntária ocorre imediatamente após o relaxamento reflexo
do esfincter interno, quando o reto recebe o conteúdo fecal. Os corpos cavernosos
do canal anal são uma rede de arteríolas e vênulas – o plexo hemorroidário interno
e externo – localizados na camada submucosa do canal anal entre a linha anorretal
e a linha pectínea. São sustentados por fibras musculares do canal anal (músculo
de Treitz), que são uma continuação do esfincter anal interno. Essas estruturas
formam coxins vasculares que auxiliam na oclusão do canal anal, principalmente
para a contenção de conteúdo líquido e gasoso.

ROTEIRO DO EXAME FÍSICO


Exame abdominal
Realizado com o paciente em decúbito dorsal, realiza-se a ausculta (para identi-
ficar presença, freqüência e timbre dos gases intestinais), percussão (para identifi-
car a distribuição dos gases, entre outros aspectos) e palpação (para identificar
tumorações ou volumes inadequados na distribuição do intestino grosso). Nessa
mesma posição, realiza-se a palpação da região inguinal e crural à procura de
linfadenopatias. Mais detalhes são abordados no Capítulo 11.

Exame proctológico
Realizado com paciente em decúbito lateral (geralmente esquerdo – posição
RETO E CANAL ANAL

de Sims) ou posição genupeitoral. Em alguns casos, pode-se também utilizar a


posição de litotomia modificada – em decúbito dorsal, com as pernas afastadas e
dobradas (Figuras 14.2 e 14.3).

Inspeção
Avalia-se a região sacrococcígea e perianal (avaliar urogenital quando necessá-
rio), observando-se alterações de cor ou consistência da pele, presença de saliên-
cias externas, protrusões ou prolapsos, capacidade de fechamento do canal anal
espontaneamente e ao comando, orifícios fistulosos (tanto perianais quanto sa-

Figura 14.2 – Posição genupeitoral. Exemplo dessa posição com o enfermo ajoelhado e com
o abdome fletido e o tórax apoiado sobre a mesa de exames.

244
Figura 14.3 – Posição de Sims. Esquema do paciente em decúbito lateral esquerdo.

crococcígeos). Pode-se solicitar ao paciente que fique em pé ou agachado, a fim


de evidenciar a presença de prolapso parcial ou total do reto. Da mesma forma,
pode-se solicitar que faça esforço de tosse ou uma manobra de Valsalva, para
evidenciar engurgitamento hemorroidário.

Toque retal
Realizado com o dedo indicador, após palpação cuidadosa da região perianal.
Observa-se o tônus esfincteriano, dor, endurecimento, irregularidades ou nódulos.
Nos homens, pode-se realizar a palpação da próstata (ver Capítulo 13). Nas
mulheres, pode ser necessário realizar toque vaginal – antes ou simultaneamente
ao toque retal – para evidenciar alterações do septo retovaginal, como flacidez e
orifícios fistulosos (Figura 14.4).

RETO E CANAL ANAL


Anuscopia
O anuscópio é um cilindro curto, de 10 cm de comprimento em média, conten-
do um mandril em seu interior – que permite a introdução do aparelho sem
traumatismo do canal anal. É realizado após o toque retal, com lubrificante, permi-

Figura 14.4 – Toque retal. Esquema do dedo indicador do examinador e das estruturas
anorretais palpáveis. Modificada de Swartz1.

245
tindo visualização da mucosa do reto, sua coloração e a presença de estruturas
alteradas (papilas aumentadas de tamanho, orifícios fistulosos e mamilos hemor-
roidários internos, p.ex.).

Retossigmoidoscopia
Pode ser realizada na consulta de rotina ou após limpeza do reto com enemas.
O retossigmoidoscópio rígido é um tubo que varia de 15 a 30 cm, também contém
um mandril para sua introdução e permite visualização de toda a extensão do
reto e da porção distal do colo sigmóide – os de 30 cm – por meio da insuflação
de ar. Esse exame deve ser realizado por especialistas ou médicos treinados para
fazê-lo. Após introdução cuidadosa, observando qualquer resistência ou descon-
forto referido pelo paciente, o aparelho vai sendo retirado lentamente, examinan-
do-se as características anatômicas do reto (mucosa, vascularização e distensibi-
lidade), a presença de lesões, a presença de sangue, muco ou pus e as característi-
cas das fezes.
A investigação deverá prosseguir, especialmente por colonoscopia, na presença
dos seguintes achados:
Q perda de sangue misturado ou não às fezes;
Q teste positivo de sangue oculto nas fezes;
Q presença de pólipos ou alterações inflamatórias na mucosa examinada;
Q diarréia, constipação, dor ou distensão abdominais;
Q antecedentes pessoais ou familiares de neoplasias.
RETO E CANAL ANAL

SÍNDROMES MAIS COMUNS


Hemorróidas
A doença hemorroidária é uma afecção das mais freqüentes, ocorrendo em
ambos os sexos e em todas as raças e idades, com maior incidência na quarta
década de vida. O plexo hemorroidário, conforme citado anteriormente, é um
emaranhado de vasos sangüíneos na porção proximal do canal anal. A doença
hemorroidária ocorre quando há alteração patológica desses vasos sangüíneos,
com congestão, dilatação e aumento desses coxins vasculares, constituindo os
mamilos hemorroidários – que podem ser externos, internos ou mistos. A distribui-
ção anatômica mais freqüente dos mamilos hemorroidários é anterior e posterior
direitos e lateral esquerdo. O sintoma principal e mais comum é o sangramento,
mas prolapso, exsudação e desconforto ou dor anais podem apresentar-se em
conjunto ou separadamente. O diagnóstico é clínico, por meio da história e do
exame físico da região anorretal. O tratamento clínico inclui medidas higienodie-
téticas, cuidados locais, medicação tópica, controle da função intestinal e, even-
tualmente, uso de drogas vasoativas. Para o tratamento curativo, utiliza-se desde
pequenos procedimentos, como escleroterapia, crioterapia, fotocoagulação e li-
gadura elástica, até a cirurgia propriamente dita (Quadro 14.1).
Fatores relacionados ao aparecimento dos sintomas de doença hemorroidária:
Q perturbações da função intestinal (diarréia/constipação);
Q dificuldade de esvaziar o reto;

246
Quadro 14.1 Quadro clínico e manejo terapêutico da doença (TS) Tecido de Sustentação

(EI) Esfincter interno

(HI) Hemorróidas internas


Sintomas Sinais Manejo Figura
(Grau I)
Grau I Sangramento Visível à Escleroterapia (LP) Ligamento de Park

(CA) Canal anal


Desconforto anuscopia, Crioterapia
sem prolapso Fotocoagulação (HE) Hemorróidas externas

(TS)
Grau II + Exsudação Prolapso visível Fotocoagulação
Prurido na margem anal Ligadura elástica (HI)
(EI)
aos esforços, (Grau II)
retorno (CA)
(LP)
espontâneo
(HE)

Grau III + Vazamento Prolapso requer Ligadura elástica


(soiling) redução manual Cirurgia (TS)

(EI) (Grau III)


(CA)

(HI)
(LP)

(HE)

Grau IV + Dor Prolapso Cirurgia (TS)

irredutível
(EI)
(CA)
(HI)
(Grau IV)

(LP)

(HE)

247
RETO E CANAL ANAL
Q gestação, trabalho de parto;
Q medicações tópicas (supositórios, enemas);
Q outros fatores sugeridos: menstruação, vida sedentária, esportes (hipismo,
ciclismo, musculação), profissões (piloto, motorista), álcool, condimentos;
Q hábito de ler durante a defecação (tempo).

Fissura anal
É uma espécie de corte que ocorre no anoderma. Mais comumente localizada
nas comissuras anterior e posterior do canal anal, devido à angulação anorretal.
Pode ser aguda ou crônica. O quadro clínico mais comum inclui história de cons-
tipação intestinal ou diarréia aguda, dor anal em ardência, durante ou após a
evacuação, sangramento vivo ao defecar (raro na fissura crônica) e tenesmo
(sensação de evacuação incompleta).
O diagnóstico é clínico, por meio de inspeção anal, afastando-se manualmente
as pregas anais. O toque retal e a anuscopia são úteis, principalmente nos casos
crônicos, em que evidenciam a presença de papilas hipertróficas no canal anal;
no entanto, em decorrência da dor que causam, às vezes é impossível realizá-los.

Criptite e papilite
Inflamações localizadas no canal anal, podendo causar dor em queimação,
breve, durante a defecação e prurido anal. São diagnosticadas por meio do to-
que retal e da anuscopia, revelando papilas aumentadas de tamanho e criptas
endurecidas ou inflamadas.
RETO E CANAL ANAL

Infecções anorretais
As proctites são infecções de reto (retites) que causam dor anorretal, secreção
anal mucopurulenta ou sangramento, tenesmo, constipação e inflamação da mu-
cosa retal. Os patógenos mais comuns são neisseria gonorrhoeae, chlamydia e
herpesvírus. A sífilis pode causar proctite, com aparecimento do cancro 2 a 6
semanas após intercurso anal. Deve-se fazer o diagnóstico diferencial com proctite
decorrente de trauma.
As proctocolites são as infecções envolvendo as proximidades do reto e o
colo. Os agentes etiológicos incluem os mesmos da proctite, mas, mais comu-
mente, deve-se a shigella, campylobacter ou amebíase. Há diarréia, dor abdominal
em cólica, febre e os sintomas de proctite. No diagnóstico diferencial, deve-se
considerar as colites inflamatórias (retocolite ulcerativa e doença de Crohn), gra-
nulomatosas e isquêmicas.

Abscessos e fístulas anorretais


O abscesso é uma infecção localizada que leva à formação de uma coleção
de pus. Pode ocorrer em qualquer parte do corpo, inclusive na região perianal.
A fístula é a formação de um trajeto anormal, uma comunicação, entre duas
superfícies que previamente não se comunicavam, em conseqüência a uma infec-
ção. Na região perianal, em geral, comunica as glândulas internas do ânus com a
pele da região perianal após a ocorrência de um abscesso. Por ser uma comuni-

248
cação anormal e infectada, ocorre a formação, de tempos em tempos, de pus.
Por esse motivo, esse trajeto deve ser tratado cirurgicamente, com o intuito de
tornar essa área livre de contaminação e aberta, para desfazer aquele trajeto que
se formou. As fístulas podem ser de simples e superficiais a complexas e profun-
das. O envolvimento esfincteriano no processo é o fator mais importante do
manejo terapêutico-cirúrgico – devendo-se tomar muito cuidado no sentido de
evitar problemas de continência fecal.

Doença pilonidal
Ocorre na região sacrococcígea, pela formação de uma lesão cística contendo
pêlos em seu interior e, frequëntemente, tornando-se infectada. Pode ser aguda,
com a formação de um abcesso, ou crônica, com contaminação constante da
região.

Condiloma anal
São papilomas do grupo do HPV (vírus do papiloma humano) localizados na
pele da região perianal e no canal anal. Surgem em áreas úmidas, maceradas e
principalmente, na presença de secreções. Sua principal forma de transmissão é
sexual. Apresentam-se como lesões verrucosas, às vezes sangrantes, que causam
algum desconforto ou sangramento ao toque.

Prolapso retal
Ocorre enfraquecimento das estruturas de suporte da região anorretal, causan-

RETO E CANAL ANAL


do intussuscepção do reto durante o esforço evacuatório. É um problema mais
comum em idosos, associado à longa história de constipação e esforço ao evacuar.
Pode ocorrer também em crianças, por imaturidade da musculatura esfincteriana,
e em deficientes mentais, por características comportamentais de esforços ou
emissão de sons repetidos. Uma manifestação precoce pode ser a presença de
úlcera retal solitária, às vezes dolorosa (secundária à intussuscepção retal).

Incontinência anal
Pode ocorrer simultaneamente ao prolapso e muitas vezes não se pode estabe-
lecer qual a causa ou a conseqüência. Há uma diminuição ou ausência do tônus
do esfincter anal. É importante avaliar a presença de trauma cirúrgico (anorretal
ou obstétrico), distúrbios neurológicos, diarréia de qualquer etiologia ou, parado-
xalmente, impactação fecal.
A perda involuntária de fezes também pode ocorrer por desgaste da muscula-
tura do assoalho pélvico, por esforço evacuatório crônico ou trabalhos de parto
prolongados no passado. O diagnóstico pode ser firmado por exame físico, em
que se encontra um esfincter anal pouco reativo ou quase sem força de contração,
sendo confirmado por manometria anorretal. O grau de incontinência deve ser
quantificado em freqüência, situações de urgência evacuatória e conteúdo perdido
(gases, líquidos ou sólidos). Em alguns casos, o manejo dietético, o controle da
função intestinal e o reforço muscular são suficientes. Em outros, a correção
cirúrgica é a única alternativa.

249
Fecaloma ou impactação fecal
A retenção fecal pode ser insidiosa, em casos de constipação crônica de difícil
controle ou tumores obstrutivos, ou aguda (fecaloma). O diagnóstico é feito por
meio do toque retal, e o manejo é baseado na remoção manual do conteúdo
mais distal com complementação por meio de enemas evacuatórios – sempre
devendo ser realizados por pessoal treinado, para evitar rompimento da ampola
retal já distendida.

Estenose anal
É a redução da circunferência do canal anal. A estenose, ou estreitamento,
pode ser causada por lesão traumática que desnude o epitélio do canal anal (na
hemorroidectomia, p. ex.) ou por lesão inflamatória (linfogranuloma venéreo,
granuloma inguinal, doença de Crohn perianal). O quadro clínico inclui cons-
tipação, diminuição do calibre das fezes e dor à defecação. A estenose predispõe
ao aparecimento de fissuras, infecções e fístulas.

Tumores anorretais
Os tumores retais constituem aproximadamente 30% dos tumores colorretais.
O tipo histológico mais comum é o adenocarcinoma. Os tumores localizados nos
10 cm distais do reto são, na maior parte das vezes, detectáveis pelo toque retal,
sendo um diagnóstico exeqüível por qualquer profissional. A importância desse
fato está na possibilidade de diagnóstico precoce dessas lesões.
Os tumores de canal anal correspondem a 5% de todos os tumores colorretais,
RETO E CANAL ANAL

sendo o epidermóide o tipo histológico mais freqüente. Devido à distribuição da


drenagem linfática dessa área para a região inguinal, a procura de linfadenopatias
inguinais é de extrema importância no estadiamento da doença.
A diferenciação histológica desses tumores é fundamental para se estabelecer
a abordagem terapêutica, uma vez que os tumores retais são eminentemente
cirúrgicos, ao contrário dos tumores de canal anal – a menos que seja possível
excisão local. Em ambos, no entanto, a terapêutica multidisciplinar, com radio e
quimioterapia está indicada, devendo ser individualizada para cada tipo de lesão.
Grupos de risco para câncer colorretal:
Q Risco baixo
– Pacientes com idade acima de 40 anos
Q Risco médio
– Pacientes com história familiar de câncer, pólipos colônicos adenomatosos
Q Risco alto
– Pacientes com história pessoal de adenomas e/ou câncer
– Portadores de doença inflamatória intestinal de longa data
– Pacientes com história familiar de polipose intestinal

Orientações gerais
A manutenção de uma boa função intestinal e a realização de cuidados locais
adequados são fundamentais para o manejo das afecções anorretais. Em linhas
gerais, recomenda-se:

250
Q Ingerir líquidos em abundância (qualquer tipo de líquido é válido: chás,
sucos, refrigerantes, etc.). A dose mínima diária é de 2 L, podendo ser
distribuída em 3 copos por turno (9 copos/dia).
Q Incluir frutas e verduras na alimentação diária.
Q A ingestão de fibras em forma de grãos ou cereais deve ser sempre seguida
da ingestão de muitos líquidos para ter bom efeito, do contrário, poderá
resultar em fezes volumosas e ressequidas.
Q Procurar ter horários regulares de alimentação, respeitando a rotina de que
a função intestinal necessita.
Q Movimentar-se.
Q Atender à vontade de evacuar logo que possível – evitar esperar para mais
tarde.
Q Evitar o hábito de ler no banheiro (é melhor sentar-se no sofá).
Q Evitar usar papel higiênico – pelo menos quando estiver com algum sintoma
local. A higiene é mais efetiva e menos traumática quando realizada com
algodão umedecido ou água (desde que sem jato forte, evitando o sabonete
– reservá-lo para a hora do banho).
Q Na presença de sintomas locais é útil realizar banhos de assento, em imersão,
com água morna.
O tratamento clínico utilizado em grande parte dessas afecções inclui o uso
de pomadas, bojantes fecais associados ou não a laxativos, antiinflamatórios e
antibióticos. As afecções cirúrgicas têm tratamentos específicos que devem ser
realizados por um especialista ou profissional devidamente treinado.

RETO E CANAL ANAL


É necessário lembrar, em nossos dias, que a presença da AIDS pode e deve
ser incluída no diagnóstico diferencial, inclusive por alterar a apresentação típica
das patologias.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA CITADA


1. Swartz MH. Semiologia: anamnese e exame físico. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan;
1992. p. 271.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS


Gordon PH, Nivatvongs S. Principles and Practice of Surgery for the Colon, Rectum and
Anus. St. Louis, Missouri: Quality Medical Publishing, Inc; 1992.

Keighley M, Williams N. Surgery of the anus, rectum and colon. London: WB Saunders;
1993. vol 1.

Naud P. et al. Doenças sexualmente transmissíveis e Aids. Porto Alegre: Artmed; 1993.

Quilici FA, Reis Neto JA. Atlas de coloproctologia: do diagnóstico ao tratamento. São Paulo:
Lemos Editorial; 2000.

Schwarz SI, Shires GT, Spencer FC, Storer EH, editors. Princípios de cirurgia. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan; 1988.

251
Site recomendado
Sociedade Brasileira de Coloproctologia:
www.sbcp.org.br
RETO E CANAL ANAL

252
15
SEMIOLOGIA DO
SISTEMA LOCOMOTOR
CLAITON VIEGAS BRENOL
RICARDO M. XAVIER

Os princípios e métodos empregados na avaliação clínica do sistema locomotor


são os mesmos utilizados para outras especialidades clínicas. A partir dos dados
da anamnese, complementados pelas observações durante o exame físico, hipóte-
ses diagnósticas são elaboradas e, a partir delas, são tomadas decisões sobre a
necessidade de investigação adicional por meio de métodos complementares,
definição de um plano terapêutico ou de um prognóstico. Contudo, é útil reconhe-
cer algumas peculiaridades próprias do exame do sistema locomotor, principalmen-
te tendo em vista as dificuldades dos médicos não-especialistas na avaliação
clínica dos pacientes:
Q Há necessidade de sólidos conhecimentos de anatomia e fisiologia do sis-
tema musculoesquelético para a correta obtenção e interpretação dos dados
semiológicos. Infelizmente, essa área de conhecimento é com freqüência
negligenciada no ensino médico, bem como na prática dos clínicos não-
especialistas.
Q Excetuando-se as patologias de origem traumática, a maioria das afecções
clínicas do sistema locomotor (também conhecidas pelo termo genérico de
reumatismos) não tem uma etiopatogenia bem-compreendida. Portanto,
sua classificação nosológica é baseada muito mais no reconhecimento de
padrões comuns de manifestações do que em métodos complementares.
Uma exceção são as artropatias microcristalinas, em que a identificação de
determinado cristal no líquido sinovial define a doença. Justamente para
tentar padronizar os diagnósticos realizados por meio da identificação de
agrupamentos de manifestações clínicas é que os especialistas têm-se esfor-
çado em definir critérios diagnósticos para os diversos reumatismos. Tais
critérios, por apresentarem sensibilidade e especificidade razoavelmente
bem-documentadas na literatura, também permitem uma avaliação mais
apurada das probabilidades pré e pós-teste (ver Capítulo 3). Por outro lado,
freqüentemente é necessário buscar achados clínicos que extrapolam o
sistema locomotor: na verdade, alguns critérios diagnósticos envolvem ma-
nifestações em praticamente todos os sistemas importantes. A ausência de
exames complementares específicos acabam por exigir do clínico um
conhecimento bastante amplo e sofisticado de semiologia no processo de
avaliação diagnóstica dos reumatismos.
Cabe salientar ainda que, devido às recentes evoluções demográficas e socio-
lógicas que vêm ocorrendo nas sociedades pós-industriais, especialmente no que
se refere ao envelhecimento das populações (com conseqüente aumento da pre-
valência dos reumatismos) e à maior quantidade de tempo disponível para o
lazer (com aumento de eventos traumáticos), não há dúvida de que diagnosticar
e tratar as afecções do sistema locomotor serão habilidades cada vez mais necessá-
rias de médicos não-especialistas.

PRINCIPAIS SINAIS E SINTOMAS


Artrite e sinovite: artrite designa inflamação em algum dos componentes da estru-
tura articular (cartilagem articular, osso subcondral ou membrana sinovial). Sinovite
é a inflamação da membrana sinovial e, geralmente, se manifesta por rubor,
edema, calor, limitação de movimento e dor.
Aumento de volume articular: a sensação subjetiva ou o achado objetivo do exame
pode ser de natureza diversa (proliferação óssea, coxim adiposo, espessamento
sinovial, derrame articular ou inflamação de estruturas periarticulares). O espes-
SEMIOLOGIA DO SISTEMA LOCOMOTOR

samento da membrana sinovial e o derrame articular são resultados da sinovite


(inflamação da membrana sinovial). A proliferação da membrana sinovial tem
consistência amolecida (“lamacenta”) à palpação.
Crepitação: é o atrito audível ou palpável durante o movimento. Crepitação fina
é identificada nos casos de artrites crônicas, como conseqüência de erosões e
formação de tecido de granulação. Crepitações grosseiras ocorrem por artropatias,
inflamatórias ou não, em estágios mais tardios. Estalos isolados são ruídos normais
provocados por deslizamentos de tendões ou ligamentos sobre superfícies ósseas.
Dactilite ou “dedos em salsicha”: é o aumento de volume de todo o dedo pela
inflamação articular e dos tendões (tenossinovite). Típico das espondiloartropatias
soronegativas (EASs).
Dor: é fundamental a localização exata das estruturas que causam dor: articulação,
tendões ou bursas. Dor entre as articulações pode ser referida ou neuropática.
Dor difusa e maldefinida lembra as síndromes dolorosas difusas. Artralgia que
surge apenas durante o movimento tem padrão não-inflamatório, enquanto aque-
la que persiste no repouso sugere artrite.
Entesite: inflamação das ênteses, que são as inserções dos tendões nos ossos.
Caracteristicamente, ocorrem com as EASs, acometendo o tendão de Aquiles, a
inserção da fáscia plantar, a inserção do ligamento patelar e outros.
Fenômeno de Raynaud: é a sensação de frio ou de dor acompanhada de mudança
de coloração das mãos e dos pés desencadeada por temperaturas baixas ou
estresse emocional. O fenômeno completo possui três fases: palidez (espasmo

254
das arteríolas pré-capilares), cianose (shunts arteriovenosos) e eritema (reversão
do vasoespasmo).
Fraqueza: é a incapacidade do movimento pela perda de força muscular. Pode ser
decorrente de doenças articulares de longa duração, miopatias ou neuropatias.
Nas miopatias inflamatórias, a fraqueza tem distribuição proximal.
Instabilidade: é o movimento articular além de seus planos normais, ocasionado
por lassidão ligamentar por inflamação ou trauma, alterações de superfícies ósseas
ou fraqueza muscular.
Limitação do movimento: manifestada por meio de incapacidade para tarefas do
cotidiano (p. ex., subir escadas, alimentar-se, vestir-se, pentear-se). Limitações
transitórias são causadas por espasmos musculares, sinovite, derrame articular,
corpos livres ou traumas intra-articulares, periartrites ou fibrose de estruturas
periarticulares. Limitações crônicas são decorrentes de anquilose articular, destrui-
ção da cartilagem ou subluxações.
Rigidez articular: é o desconforto ou a restrição ao iniciar o movimento após
períodos de repouso de pelo menos 1 a 2 horas. O sintoma é mais marcado após
o repouso noturno (rigidez matinal). Nos quadros inflamatórios, essa rigidez costu-
ma durar mais do que 45 minutos, enquanto, na ausência de inflamação, é fugaz
(menor que 30 minutos). Melhora com o aumento da temperatura, como com
duchas quentes.

SEMIOLOGIA DO SISTEMA LOCOMOTOR


Sinal da flecha: utilizado em pacientes com espondilite anquilosante (EA). Consiste
na incapacidade de encostar o occipito na parede, quando o paciente está em pé
com os calcanhares junto à mesma. Indica o grau de limitação da extensão da
coluna cervical.
Sinal da gaveta: em decúbito dorsal, o paciente deve ter os joelhos flexionados a
90°, os pés devem ser fixados com o examinador sentado sobre eles. A partir daí,
tenta-se tracionar a tíbia anteriormente. Se o deslocamento for desproporcional
com relação ao joelho contralateral, o teste é positivo e indicativo de lesão do
ligamento cruzado anterior.
Sinal do impacto: é a flexão anterior passiva completa do membro superior com
estabilização da escápula pela mão do examinador. Tal manobra reproduz o impac-
to da margem anterior do acrômio sobre o tendão supra-espinhoso e é aplicada
para o diagnóstico de tendinite do supra-espinhoso (Figura 15.1, p. 256).

ROTEIRO DO EXAME
O exame do sistema musculoesquelético é composto pelas seguintes etapas bási-
cas: inspeção, palpação e movimentação (passiva ou ativa). A seguir, é apresenta-
da, uma sugestão de exame físico de rastreamento para alterações ósseas,
articulares e musculares.

Paciente em pé
Q Observação da marcha: simetria, balanço de pernas e braços, apoio dos
pés (primeiro contato do calcanhar>carga>balanço>retirada do calcanhar).

255
Figura 15.1 – Sinal do impacto.

Q Inspeção anterior: volume do quadríceps normal e simétrico, volume e


SEMIOLOGIA DO SISTEMA LOCOMOTOR

alinhamento dos joelhos normais, hálux alinhado e arcos plantares com


ângulos preservados.
Q Inspeção lateral: lordose cervical e lombar e cifose dorsal normais.
Q Inspeção posterior: ausência de desvio lateral da coluna (escoliose), múscu-
los da cintura escapular, paravertebrais e glúteos normais e simétricos, cristas
ilíacas niveladas, ausência de aumento de volume poplíteo ou calcâneo.
Q Observar amplitude da flexão lombar anterior, sem fletir joelhos (observar
distância da ponta dos dedos até o chão).
Q Observar amplitude da flexão lombar lateral, correndo os dedos em direção
aos joelhos (ângulo normal: 30o).

Paciente sentado
Q Testar articulação temporomandibular com abertura da boca e desvio ativo
da mandíbula de lado a lado.
Q Rotação, flexão e extensão ativas da coluna cervical (ângulo normal: 60-90o).
Q Rotação passiva da coluna dorsal (ângulo normal: 45-75o).
Q Elevação ativa dos membros superiores acima da cabeça.
Q Rotação externa e abdução ativas da articulação glenoumeral (“mãos atrás
da cabeça”).
Q Rotação interna e extensão ativas da articulação glenoumeral (“levar as
mãos ao ponto mais alto das costas”).
Q Flexão passiva dos cotovelos (ângulo normal: 145o).
Q Extensão passiva dos cotovelos (ângulo normal: 0o).
Q Flexão palmar e extensão dorsal passivas dos punhos (ângulo normal:
60-90o).

256
Q Flexão das articulações metacarpofalangeanas (MCFs), interfalangeanas
proximais (IFPs) e distais (IFDs): “fechar a mão”.
Q Extensão das MCFs, IFPs e IFDs: posicionar as mãos estendidas uma contra
a outra.

Paciente deitado
Q Abdução (ângulo normal: 25o) e adução (ângulo normal: 40o) passivas do
quadril.
Q Flexão passiva dos quadris (ângulo normal até 120o, dependendo da idade).
Q Com o quadril fletido a 90o, faz-se sua rotação passiva interna (ângulo
normal: 30o) e externa (ângulo normal: 60o).
Q Flexão passiva do joelho (até 130o); a extensão completa é observada pela
ausência de espaço entre a maca e a fossa poplítea.
Q Flexão (15o) e extensão (55o) passivas do tornozelo.
Q Eversão (20o) e inversão (35o) passivas subtalares.
Q Rotação passiva do antepé (35o).
Q Movimentação passiva das metatarsofalangeanas (MTFs), IFPs e IFDs.
A palpação e a inspeção de cada articulação devem ser feitas em seqüência,
juntamente com as manobras anteriormente citadas.

SEMIOLOGIA DO SISTEMA LOCOMOTOR


TESTES E MANOBRAS
Manobra FABERE
Manobra FABERE(flexion,
(flexion,abduction,
abduction, external
external rotation,
rotation, extension):
extension): é uma é uma
siglasigla
que que
de-
designa
signa os os movimentos
movimentos de de flexão,
flexão, abdução,
abdução, rotação
rotação externa
externa e extensão
e extensão do do quadril
quadril de
de maneira
maneira conjugada.
conjugada. O resultado
O resultado positivopositivo
é obtidoése obtido se o apresentar
o paciente paciente apresentar
dor, espas-
dor, muscular
mo espasmoou muscular
limitaçãoou delimitação
movimento de na
movimento
região do na região
quadril. Esse doteste
quadril. Esse
é menos
teste é para
sensível menos sensívelprecoce
a detecção para a de detecção
doença do precoce
quadrildequedoença do quadril
os movimentos que os
individuais.
movimentos individuais.
Teste de Schöber: identifica limitação de movimento da coluna lombar em casos de
Teste de Schöber: identifica
espondiloartropatia limitação
soronegativa de Com
(EAS). movimento da coluna
o paciente em pé,lombar
marca-se emum casos de
ponto
espondiloartropatia
na altura do processosoronegativa
espinhoso de (EAS). Com
L5 (no o paciente
nível da cristasem pé, marca-se
ilíacas um ponto
póstero-superiores)
enaoutro
altura10docm
processo
acima.espinhoso
O paciente dedeve
L5 (no nível
fazer umada cristas
flexão ilíacas
anteriorpóstero-superiores)
(sem flexionar os
e outro 10
joelhos) atécm acima. Odepaciente
o máximo deve fazer
sua capacidade, umamede-se
então flexão anterior (sem da
a expansão flexionar os
distância
joelhos)
entre os até
doisopontos.
máximoOde suaécapacidade,
teste positivo quandoentãoa mede-se
variação éa menor
expansão queda 5 distância
cm.
entre os dois pontos. O teste é positivo quando a variação é menor que 5 cm.
Verificação de sacrolileíte: Além da palpação direta sobre as articulações sacroilíacas
Verificação
(ASIs), de sacrolileíte:
existem manobrasAlém da palpação
específicas diretaasobre
para testar as articulações
presença de inflamação sacroilíacas
nesses
(ASIs),O
sítios. existem
pacientemanobras específicas
é colocado para testar
em posição a presença
supina (decúbito de dorsal)
inflamação nessesà
próximo
sítios. O lateral
margem paciente daémesacolocado em posição
de exame de modo supina
que próximo
o membro à margem lateralficar
inferior possa da
mesa de exame
pendido, de modo
provocando umaque o membro inferior
hiperextensão possa ficar
da articulação pendido, provocando
coxofemoral. Ao mesmo
uma hiperextensão
tempo, solicita-se uma da articulação
flexão forçada coxofemoral. Ao mesmo
do outro quadril sobretempo,
o abdome solicita-se uma
em direção
flexão
ao ombroforçada do outro quadril
contralateral. O testesobre o abdome
é positivo se o em direção
paciente ao ombrodor
manifestar contralateral.
na ASI do
O teste
lado do émembro
positivo hiperestendido.
se o paciente manifestar
A manobra dor FABERE
na ASI dotambém
lado do pode
membro hiperes-
causar dor
tendido.
em uma A ASImanobra
inflamada. FABERE também pode causar dor em uma ASI inflamada.
Manobra de Yergason: é realizada com o cotovelo fletido a 90o e o antebraço
pronado. Após, solicita-se que o paciente faça uma supinação contra a resistência

257
exercida pelo examinador. Dor ao exercer pressão sobre a fossa bicipital na face
anterior do úmero é indicativa de tendinite bicipital (Figura 15.2).
Teste de Finkelstein: é empregado na suspeita de tendinite de De Quervain e
consiste na preensão do polegar pela flexão dos demais dedos com o examinador
exercendo um desvio ulnar forçado do punho. O teste é positivo quando a dor
no processo estilóide piora, podendo irradiar-se ao longo do braço.
Teste de McMurray: indica a ruptura da porção posterior do menisco medial. É
composto das seguintes manobras executadas em decúbito dorsal: 1) flexão do
joelho, rotação interna e externa da tíbia; 2) rotação externa da tíbia com esforço
valgo sobre o joelho; 3) extensão lenta do joelho; se houver um estalido audível
ou palpável na linha articular medial, o teste é considerado positivo.
Teste de Compressão de Apley: serve para diagnosticar lesão meniscal. É realizado
em decúbito ventral com o joelho flexionado a 90°. Deve-se exercer uma compres-
são sobre a tíbia com posterior rotação externa e interna. Se houver lesão meniscal,
o paciente vai manifestar dor na linha articular lateral ou medial.
Teste de Lachman: testa-se a instabilidade do ligamento cruzado anterior com o
joelho flexionado a 20o com uma mão fixando o fêmur, e a outra, deslocando a
tíbia anteriormente.
SEMIOLOGIA DO SISTEMA LOCOMOTOR

DICAS DE SEMIOTÉCNICA
Métodos palpatórios de articulações individuais:
Q IFPs e IFDs devem ser palpadas pelo método bimanual, com os indicadores
e polegares do examinador pressionando as margens dorsal, palmar, lateral
e medial de cada articulação.

Figura 15.2 – Manobra de Yergason.

258
Q Punhos e MCFs podem ser palpados na face dorsal por ambos os polegares
do examinador.
Q Cotovelos fletidos a 70o podem ser palpados com o polegar entre o olécrano
e o epicôndilo lateral do paciente e o indicador na fossa antecubital.
Q Joelhos podem ser palpados por técnicas diversas de acordo com o tamanho
do derrame articular. Para pequenos volumes, deve ser feita uma ordenha
na sua porção lateral; após pressiona-se o espaço entre a patela e a articula-
ção, promovendo uma inchação contralateral. Para volumes maiores, uma
das mãos do examinador comprime a bolsa suprapatelar, adjacente ao pólo
superior da patela, enquanto o polegar e o indicador da outra mão sentem
a distensão capsular medial e lateral. Com grande quantidade de líquido
sinovial, é possível reproduzir o sinal do rechaço ou da tecla, com a com-
pressão ântero-posterior da patela contra o fêmur.
Registro do exame articular: pode ser feito utilizando abreviações dos nomes de
cada articulação (IFP, IFD, MCF, MTF, etc.), caracterizando o grau de tumefação,
sensibilidade e limitação de movimento, bem como alterações de temperatura e
cor. O emprego do esqueleto esquemático, assinalando as articulações anormais,
é outro método prático (Figura 15.3).

SEMIOLOGIA DO SISTEMA LOCOMOTOR

Figura 15.3 – Esqueleto esquemático para registro de exame articular Polley(2).

259
Movimento passivo versus ativo: nas periartrites, o paciente pode não referir dor
durante o movimento passivo conduzido pelo médico, mas durante determina-
dos planos do movimento ativo nos quais os tendões ou bursas acometidos são
exigidos. Na artrite, a dor tende a ocorrer em todos os planos do movimento
passivo ou ativo.
Expansibilidade torácica: é a diferença em centímetros entre a expiração e a inspira-
ção máximas no nível da linha mamária (normal: > 5 cm).

QUADROS SINDRÔMICOS
Síndromes articulares
Para classificar uma síndrome articular é necessária a obtenção de determinadas
informações por meio da anamnese. Devem ser estabelecidos a presença ou não
de inflamação, o tempo evolutivo da doença (aguda, subaguda ou crônica), o
tamanho das articulações acometidas (pequenas ou grandes), o número de articu-
lações acometidas (monoarticular – uma articulação; oligoarticular – até quatro
articulações; ou poliarticular) e o padrão de acometimento (progressivo ou
intermitente, migratório ou aditivo, simétrico ou assimétrico).

Poliartrites e oligoartrites agudas


Febre reumática: tem seu pico de incidência aos sete anos de idade. É uma poli ou
SEMIOLOGIA DO SISTEMA LOCOMOTOR

oligoartrite migratória de grandes articulações, as quais são acometidas simulta-


neamente, porém por poucos dias em cada. Em adultos, pode ter padrão aditivo.
O quadro flogístico pode ser exuberante, acompanhado de febre, prostação e
mialgias. Responde muito bem ao uso de aspirina. Inicia após 2 a 3 semanas após
uma infecção estreptocócica, mais comumente laringite, que pode ser subclínica.
O acometimento cardíaco é freqüente, podendo manifestar-se com taquicardia,
sopro de início recente, cardiomegalia e até insuficiência cardíaca. A coréia de
Sydenham é pouco freqüente e pode aparecer até seis meses depois da infecção
estreptocócica. Apresenta-se com alterações de humor, incoordenação e movi-
mentos involuntários, inclusive de face. Outros achados são o eritema marginado
(evanescente, irregular, coalescente, poupando a face) e nódulos subcutâneos
aderentes e indolores.
Artrite gonocócica: é a artropatia infecciosa mais comum. É secundária à bacteremia
por N. gonorrhoeae. Surge em mulheres jovens, preferencialmente durante a
menstruação ou gestação. Também é comum em homens homossexuais. Manifes-
ta-se inicialmente com poliartralgias migratórias nos punhos, cotovelos, joelhos
e tornozelos. Após alguns dias, tende a localizar-se em um único sítio como uma
tenossinovite ou monoartrite purulenta. Os sinais toxêmicos não são pronunciados.
Pústulas necro-hemorrágicas são muito sugestivas da doença e localizam-se princi-
palmente nas superfícies palmares e plantares.
Viroses: manifestam-se por poliartrite aguda similar à artrite reumatóide, como
nas infecções por rubéola ou parvovírus B19, especialmente em mulheres jovens.
São autolimitadas (menos de seis semanas), e o diagnóstico é confirmado por

260
sorologia. O vírus da hepatite B também causa quadro semelhante acompanhado
de eritema urticariforme, antecedendo os sintomas hepáticos. O vírus da imuno-
deficiência humana está relacionado a artropatias, especialmente artrites reativas.

Poliartrites subagudas e crônicas


Artrite reumatóide (AR): é a doença mais característica desse grupo. Tem predileção
por mulheres entre a 4a e 5a décadas. A síndrome clássica é caracterizada por
início insidioso de uma poliartrite simétrica aditiva de pequenas articulações com
marcha centrípeta. A rigidez matinal pode ser o sintoma inicial e é um marco da
doença ativa. As IFPs e MCFs são acometidas em mais de 90% dos casos. O
curso tende a ser progressivo sem tratamento, determinando deformidades decor-
rentes da lassidão ou ruptura dos tendões e das erosões articulares.
Deformidades típicas da AR:
Q Desvio ulnar dos dedos: resultado de múltiplos fatores (p. ex., deslocamento
dos tendões extensores dos dedos, subluxações das MCFs).
Q Deformidades em “pescoço de cisne”: hiperextensão das IFPs e flexão das
IFDs.
Q Deformidades em “botoeira”: flexão das IFPs e hiperextensão das IFDs.
Q “Mãos em dorso de camelo”: aumento de volume do punho e das MCFs
com atrofia interóssea.
Q Joelhos valgos: desvio medial.

SEMIOLOGIA DO SISTEMA LOCOMOTOR


Q Tornozelos valgos: eversão da articulação subtalar.
Q Hálux valgo: desvio lateral do hálux.
Q “Dedos em martelo”: hiperextensão das MTFs e extensão das IFDs.
Q “Dedos em crista de galo”: deslocamento dorsal das falanges proximais
com exposição da cabeça dos metatarsianos.
Q Pés planos: arco longitudinal achatado.

O acometimento da coluna cervical (C1-2) com a subluxação atlantoaxial


pode ocasionar quadros dramáticos. Geralmente, manifesta-se por dor irradiada
para a região occipital, perda da lordose fisiológica occipitocervical e resistência
à movimentação passiva. Quando os sintomas neurológicos aparecem, como
parestesias periféricas ou perda esfincteriana, a mortalidade é de 50% em um
ano. As manifestações extra-articulares (nódulos reumatóides, vasculite, derra-
me pleural, episclerite/escleromalacia perforante) correlacionam-se com pior
prognóstico. O fator reumatóide é positivo em 75% dos casos de AR.
Lúpus eritematoso sistêmico (LES): tem como manifestações mais freqüentes: fadi-
ga, febre moderada e poliartrite. Essa é similar à da AR, diferenciando-se pela
natureza não-erosiva, pouca rigidez matinal e ausência de quadro inflamatório
exuberante. As deformidades, quando presentes, são redutíveis. É a chamada
artropatia de Jaccoud. A clássica lesão eritematosa em asa de borboleta na re-
gião malar e dorso do nariz, poupando os sulcos nasolabiais, está presente em
menos de 50% dos casos. O lúpus discóide surge como placas eritematosas com
escamas ceratóricas aderentes e espículas foliculares e pode evoluir com cicatriz
atrófica. Fotossensibilidade, alopecia e úlceras orais ou nasais, geralmente indo-

261
lores, são outros sinais mucocutâneos. Outras formas de atividade lúpica são
proteinúria, pleurite, pericardite, psicose, convulsões e anemia hemolítica. O LES
é mais comum em mulheres em idade fértil. O fator antinuclear (FAN) é positivo
em 95% dos casos.
Além da AR e do LES, outras doenças difusas do tecido conjuntivo (esclerose
sistêmica, dermato/polimiosite, síndrome de Sjögren, vasculites sistêmicas) podem
cursar com poliartralgias ou poliartrite em algum momento da evolução da doença.
Suas manifestações extra-articulares conduzem ao diagnóstico.
Esclerose sistêmica (ES): apresenta alterações clínicas decorrentes de fibrose vis-
ceral e cutânea. Costuma incidir em mulheres entre a 3ª e 5ª décadas. Mais de
90% dos pacientes apresentam fenômeno de Raynaud como manifestação preco-
ce. A esclerodermia precisa ser simétrica e proximal às MCFs e MTFs. Existem
duas formas de apresentação: difusa e limitada. Na forma difusa, o espessamento
e enduramento da pele acomete face, pescoço, tronco, membros superiores e
inferiores; a evolução da doença é rápida, logo após o início do Raynaud; e a
fibrose de órgãos internos é mais comum. Na forma limitada, a esclerodermia
poupa o tronco; Raynaud pode ser o único sinal de doença por até 10 anos de
evolução; e a doença visceral é menos comum. Outras manifestações cutâneas
da ES são manchas hiper e hipopigmentares “em sal e pimenta” (relacionada à
forma difusa), calcinose subcutânea, telangiectasias e prurido. Pirose e disfagia
apontam para dismotilidade esofágica. Fibrose e atrofia do trato gastrintestinal
SEMIOLOGIA DO SISTEMA LOCOMOTOR

ocasionam períodos de constipação e diarréias (pela hiperproliferação bacteriana)


e até pseudo-obstrução. O curso da doença é variável, podendo ocorrer remissão
espontânea. A forma difusa tem um pior prognóstico.
Polimiosite (PM) e dermatomiosite (DM): são miopatias inflamatórias idiopáticas
que podem cursar com poliartrite em até 40% das apresentações. A artropatia é
similar à da AR, mas não produz erosões. O pico de incidência é entre a 5ª e 6ª
décadas. A principal manifestação é fraqueza proximal e simétrica de cinturas
escapular e pélvica e de musculatura cervical. A evolução tende a ser gradual e
progressiva. O sinal de Gottron é considerado patognomônico de DM. Consiste
de manchas ou placas róseas ou violáceas localizadas nas superfícies extensoras
das interfalangeanas, MCFs, cotovelos, joelhos e maléolo medial. O heliótropo,
caracterizado por lesões eritematosas ou violáceas nas pálpebras superiores, é
outro sinal típico.
Síndrome de Sjögren (SS): é caracterizada pelo acometimento das glândulas exó-
crinas em sítios específicos. Quando está associada a outra doença difusa do
tecido conjuntivo (DDTC), é chamada de SS secundária. Atinge mulheres, na
grande maioria dos casos, entre os 40 e 60 anos. A poliartrite ou a poliartralgia
simétrica pode surgir em até 70% dos pacientes. O olho e a boca secos são
achados típicos e constituem a síndrome sicca. A xeroftalmia com diminuição de
secreção das glândulas lacrimais pode causar a ceratoconjuntivite sicca, ocasionan-
do ardência, prurido (“sensação de areia nos olhos”) e eritema ocular. A xerosto-
mia (boca seca) é identificada pela escassez de saliva, proporcionando dificuldades
na fala, mastigação e número aumentado de cáries dentárias. O aumento de

262
volume episódico das glândulas salivares pode ser verificado. Anticorpos anti-Ro
(SS-A) e anti-La (SS-B) estão presentes em 70% dos pacientes.
Vasculites sistêmicas: são um grupo de doenças caracterizadas pela inflamação
das paredes de diversos tipos de vasos. Podem ser divididas conforme o acometi-
mento de grandes (aorta e seus maiores ramos), médios (artérias viscerais, como
renais, hepáticas, coronarianas e mesentéricas) ou pequenos vasos (vênulas, capi-
lares, arteríolas, ou ramos intraparenquimatosos distais às arteríolas). O quadro
clínico depende do calibre do vaso atingido e do órgão irrigado, porém febre,
atralgias, mialgias, anorexia, fadiga e emagrecimento são comuns. A vasculite
cutânea (p. ex., púrpura, livedo reticular) e a mononeurite múltipla são resultantes
de vasculite de pequenos vasos (Tabela 15.1).

Poliartrites e oligoartrites com envolvimento axial


As espondiloartropatias soronegativas (EASs) são um grupo de doenças carac-
terizadas pelo acometimento da coluna vertebral, articulações sacroilíacas, ente-
sopatias, e poli ou oligoartrite periférica assimétrica de grandes articulações. Elas
têm esse nome por apresentarem fator reumatóide negativo. Existe uma associa-
ção marcante com o antígeno HLA-B27. Incidem preferencialmente em homens
abaixo da 4a ou 5a décadas.
Espondilite anquilosante: é o protótipo desse grupo. Tem início entre a 2a e 3a

SEMIOLOGIA DO SISTEMA LOCOMOTOR


décadas. A evolução é gradual com crises de dor lombar baixa com irradiação
para os glúteos. Possui ritmo inflamatório, isto é, piora no repouso noturno e
pela manhã, com alívio aos movimentos. Os sintomas progridem cranialmente
com limitação de movimento da coluna vertebral. Ao exame, verifica-se teste de
Schöber positivo, retificação da lordose lombar e hipercifose torácica. Em casos
tardios, o sinal da flecha é observado. A sacroileíte costuma ser bilateral. A artrite
periférica ocorre em cerca de metade dos casos. São manifestações extra-articulares:
insuficiência aórtica e bloqueio cardíaco (< 5%), uveíte anterior (25%) e fibrose
pulmonar nos lobos superiores (1%). O HLA-B27 é positivo em 90% dos casos.
Artrite reativa: ocorre dias ou semanas após infecção geniturinária (Chalmydia
trachomatis ou Ureaplasma urealyticum) ou gastrintestinal (salmonella, yersínia,
shigella, campylobacter). A artrite costuma acometer joelhos e tornozelos e é
acompanhada de sintomas constitucionais nas agudizações. Sacroileíte e curso
semelhante ao da EA ocorrem em cerca de um quinto dos casos, geralmente
complicados por recidivas freqüentes. A entesite calcânea é marcante e acomete
mais de 60% dos pacientes. Existem manifestações mucocutâneas característi-
cas. O ceratoderma blenorrágico consiste de lesões papulares escamosas que
surgem nas superfícies plantares e palmares, as quais evoluem para placas hiper-
ceratóticas muito semelhantes às da psoríase. A balanite circinata manifesta-se
com lesões ulceradas serpinginosas ao redor do meato que são assintomáticas.
Tendem a se tornar hiperceratóticas, especialmente em homens circuncizados.
As alterações ungueais com espessamento e fragilidade caracterizam as unhas
de Reiter. A disúria causada por uretrite com piúria estéril é comum nos homens,
mesmo após infecção gastrintestinal. Achados oculares, unilaterais em sua maioria,

263
Tabela 15.1 Classificação das vasculites sistêmicas

Vasculite de grandes vasos


Arterite de células gigantes FE 60-75 a; M:F 1:3; cefaléia temporal, diminuição
de pulso e dolorimento ao longo da artéria temporal,
claudicação de mandíbula, diplopia, amaurose fugaz,
polimialgia reumática associada
Arterite de Takayasu FE 15-25 a; M:F 1:9; claudicação de extremidades,
diminuição de pulsos braquiais, sopro de artéria
subclávia ou aorta, diferença maior que 10 mmHg
na pressão arterial sistólica entre os dois braços

Vasculite de médios vasos


Poliarterite nodosa (PAN) FE 40-60 a (podendo ocorrer em jovens); M:F 2:1;
vasculite cutânea, dor abdominal, dor testicular,
mononeurite múltipla, vasculite renal, hipertensão
renovascular
Doença de Kawasaki FE 1-5 a; M:F 1.5:1; exantema polimórfico, picos
febris, linfadenopatia cervical, conjuntivite bilateral,
língua em “morango”, edema de extremidades,
eritema palmar e plantar, descamação dos dedos dos
pés e das mãos
SEMIOLOGIA DO SISTEMA LOCOMOTOR

Vasculite de pequenos vasos


Granulomatose de Wegener FE 30-50 a; M:F 1:1; úlceras nasais ou orais,
sinusite, conjuntivite, nariz em “sela”, estenose
subglótica, hemoptise, glomerulonefrite, C-ANCA +*
Síndrome de Churg-Strauss FE 40-60 a; M:F 2:1; asma, rinite alérgica, mononeurite
múltipla, vasculite cutânea, infiltrados pulmonares,
eosinofilia
Poliangeíte microscópica FE 40-60 a ; M:F 1.8:1; pode ter os mesmos achados
da PAN, diferenciando-se pela presença de
glomeruronefrite pauci-imune e hemorragia alveolar,
P-ANCA +*
Púrpura de Henoch-Schölein FE 5-20 a; M:F 1:1; infecção respiratória prévia,
púrpura palpável nas nádegas e pernas, dor abdominal
pós-prandial, sangramento digestivo
Vasculite crioglobulinêmica FE 50-70 a; M:F 1:3; púrpura, Raynaud, neuropatia
periférica, nefrite, associação com hepatite C e
doenças linfoproliferativas
Angeíte leucocitoclástica FE 30-50 a; M:F 1:1; púrpura palpável, exantema
cutânea maculopapular, relação temporal com uso de
medicamento
Doença de Behçet FE 20-35 a; M:F 1:1; úlceras orais ou genitais, uveíte
anterior ou posterior, eritema nodoso, lesões
acneformes, pseudofoliculite, patergia**

*ANCA: anticorpo anticitoplasma de neutrófilos; **patergia: comprovada com a inser-


ção perpendicular de agulha (20G) até 0,5 cm no subcutâneo com formação de pápula
>1,9 mm após 48 h. FE: faixa etária; M: Masculino; F: Feminino.

264
como olho vermelho, ardência e exudação, sugerem conjuntivite, enquanto dor
e fotofobia são complicações de uveíte anterior. A tríade de artrite, conjuntivite
e uretrite caracteriza a síndrome de Reiter. O tempo de duração dos sintomas é
de 3 meses a 1 ano na grande maioria dos pacientes. A evolução crônica ocorre
em 15 a 20% dos pacientes.
Artrite psoriásica: é uma complicação que ocorre em 5% dos pacientes com pso-
ríase. A doença dermatológica precede à articular em mais de 70% das vezes.
Ocasionalmente, as lesões são discretas, necessitando de um exame ectoscópico
minucioso. As alterações ungueais, como as “unhas em dedal”, estão associadas
ao desenvolvimento de artrite (ver Capítulo 6). História familiar de psoríase é
uma pista importante. São identificados três padrões distintos de acometimento
articular: mono ou oligoartrite com entesites em 30 a 50% (tipo artrite reativa),
poliartrite simétrica em 30 a 50% (tipo AR) e envolvimento axial em cerca de
5% (tipo EA). A poliartrite simétrica da AP pode ser diferenciada da AR pelo
acometimento freqüente das IFDs e pela dactilite. A sacroileíte é assimétrica e
pouco sintomática. A artrite mutilante ocorre em uma minoria, com osteólise de
ossos das mãos e dos pés. A destruição óssea provoca o encolhimento dos dedos
ou “dedos em telescópio”.
Artropatias associadas às doenças inflamatórias Intestinais: ocorrem em até 20%
dos pacientes com doença de Crohn ou colite ulcerativa (ver Capítulo 11). Os

SEMIOLOGIA DO SISTEMA LOCOMOTOR


sintomas articulares se correlacionam com a atividade intestinal, mas podem ser
a primeira manifestação da doença. O questionamento incisivo sobre história de
desconforto abdominal, diarréias episódicas ou perda de peso é importante para
o diagnóstico. O padrão mais comum de acometimento é uma artrite migratória
de grandes articulações dos membros inferiores (joelhos, tornozelos, pés).

Poliartropatias não-inflamatórias
Osteoartrose (OA): é causada pela degeneração progressiva da cartilagem articular
e neoformação óssea subcondral. Os idosos são mais acometidos, principalmente
os obesos. Os sintomas têm início gradual. A dor piora com o movimento e alivia
no repouso da articulação e existe rigidez protocinética ao iniciar movimentos.
As articulações mais atingidas, geralmente de maneira simétrica, são as IFDs,
IFPs, primeira carpometacarpiana, interapofisárias cervicais e lombares, primeira
MTF, joelhos e quadris. O acometimento de mais de três grupos articulares é
classificado como OA generalizada. Essa tem preferência por mulheres com história
familiar. O quadro costuma apresentar proliferação óssea das articulações IFDs
(nódulos de Heberden) e IFPs (nódulos de Bouchard). A OA erosiva é uma forma
mais agressiva de doença e é restrita às mãos, podendo manifestar-se com quadro
inflamatório mais exuberante. O diagnóstico diferencial com a mão reumatóide
é facilitado pelo acometimento das IFDs e da primeira carpometacarpiana, que
costumam ser poupadas na AR. O acometimento de articulações atípicas deve
lembrar outras causas de poliartropatia não-inflamatória: condrocalcinose, acro-
megalia, ocronose, hemocromatose.

265
Monoartrites agudas
A identificação de uma monoartrite aguda é indicação de punção articular
para afastar o diagnóstico de artrite séptica.
Artrite gotosa: é causa da grande maioria das monoartrites agudas. A gota apresenta
três fases clínicas: aguda, intercrítica e crônica. O início da doença dá-se em
homens por volta dos 30 anos e mulheres na pós-menopausa. A crise aguda
caracteriza-se por dor de início abrupto, lancinante, com aumento de volume
articular e eritema marcantes. É geralmente noturna, com fatores precipitantes
(trauma; ingestão excessiva de álcool, carne ou frutos do mar – ricos em purinas;
infecções; cirurgias; ou fámacos) associados ou não. A primeira metatarsofalan-
geana é atingida em metade das primeiras crises e em quase 90% dos casos ao
longo da evolução; seu acometimento é denominado de podagra. Outros sítios
preferenciais são os joelhos, tornozelos e pés. Na fase intercrítica, o paciente
permanece assintomático. Após 10 anos ou mais, surgem os tofos, caracterizando
a fase crônica. Os tofos são nódulos subcutâneos formados pela deposição de
cristais de monourato de sódio. Podem ocorrer nos pavilhões auditivos, bursas
olecraneanas, punhos, dedos das mãos, joelhos, antebraços e tendões de Aquiles.
Na gota tofácea crônica, a deposição de cristais intra-articulares causa destruição
e deformidades, gerando sintomas contínuos. O diagnóstico de gota é corroborado
por hiperuricemia e identificação de cristais no líquido sinovial. Deve ser feito o
diagnóstico diferencial com pseudogota, ocasionada por cristais de pirofosfato
SEMIOLOGIA DO SISTEMA LOCOMOTOR

de cálcio e identificada preferencialmente acima da sexta década. Nessas situações,


exames radiológicos podem demonstrar condrocalcinose (calcificações das super-
fícies articulares).
Artrite séptica não-gonocócica: surge em pacientes com fatores de risco, como
portadores de artropatias crônicas, imunodeprimidos ou usuários de drogas inje-
táveis (UDIs). O agente etiológico mais encontrado é o staphylococcus aureus.
Outros germes identificados são o estreptococo e os gram-negativos. O quadro
tem evolução rápida, com febre e calafrios. A dor é intensa, com dificuldade de
mover a articulação em todos os planos. O joelho é a articulação mais compro-
metida. Os UDIs podem apresentar infecção em locais atípicos, como ASI e es-
ternoclavicular. O diagnóstico é feito com punção articular e identificação de
líquido purulento ou do germe.
Algumas doenças inflamatórias crônicas podem iniciar como monoartrites agu-
das como a AR, o LES e as EASs. Outras causas incluem hemartrose e osteonecrose.
Traumas articulares: ocasionam danos em estruturas como ligamentos, meniscos
e cápsulas, determinando dor e aumento de volume. A laceração do menisco
medial é a causa mais freqüente de trauma da articulação do joelho. O trauma
resulta de movimento de rotação exagerado com o apoio do peso sobre o pé
fixado ao solo. O paciente evolui com derrame articular em algumas horas ou no
dia seguinte após o trauma. Ao exame, a área medial da linha articular é dolorosa
à palpação. Posteriormente, com a resolução do edema o paciente manifesta
sensação de bloqueio articular devido a fragmentos fibrocartilaginosos livres.
Nessa fase, o teste de McMurray sugere o diagnóstico. Outro, menos específico,

266
é o teste de compressão de Apley. Em pacientes idosos com doença articular
degenerativa, o evento traumático pode não ser identificado. A ruptura do liga-
mento cruzado anterior é mais prevalente com relação ao posterior e ocorre
associada a uma rotação externa valga com o joelho flexionado ou rotação interna
em hiperextensão. Na ruptura completa, ocorre aumento de volume agudo por
hemorragia intra-articular. Nas lesões crônicas, o deslocamento articular anterior
é avaliado com os testes da Gaveta e de Lachman. A instabilidade rotatória ântero-
lateral do côndilo lateral da tíbia é o achado mais prevalente nas rupturas de
ligamento cruzado anterior. Pode ser reproduzida ao exame físico com o joelho
flexionado a 20o, sofrendo uma força valga, enquanto o pé é rotado internamente.
Após a extensão do joelho, pode ser notado um deslocamento anterior do côndilo
lateral da tíbia, que é acompanhado de um estalo.

Monoartrites crônicas
O diagnóstico diferencial das monoartrites crônicas é mais restrito. Situa-se
entre infecções insidiosas, corpos estranhos ou neoplasias. Dentre as infecções,
destacam-se a tuberculose, candidíase, coccidioidomicose e blastomicose. A pene-
tração de corpos estranhos em articulações superficiais, como mãos e pés, é
outra causa. Sempre deve ser investigada a hipótese de neoplasia, como a sino-
vite vilonodular pigmentada. O diagnóstico é feito por meio de artroscopia e
biópsia.

SEMIOLOGIA DO SISTEMA LOCOMOTOR


Reumatismos de partes moles
Os reumatismos de partes moles são um grupo de doenças que afetam
estruturas periarticulares, como tendões, ênteses, bursas, nervos, fáscias e múscu-
los, podendo ocasionar limitações funcionais no sistema musculoesquelético. São
classificados como localizados, regionais e generalizados.

Síndromes dolorosas regionais e localizadas


Bursite: é a inflamação das bursas e manifesta-se por dor localizada e de intensidade
variável. As bursas são bolsas contendo pequena quantidade de líquido semelhante
ao sinovial, que visam facilitar os movimentos dos músculos e tendões ao diminuir
a fricção entre estruturas adjacentes. O paciente pode relatar dor de início súbito
relacionada a um evento traumático. Os casos com dor insidiosa possivelmente
estão vinculados a movimentos repetitivos ou não-usuais da articulação.
Q Bursite trocantérica: é uma das mais prevalentes e acomete preferencialmen-
te mulheres. Manifesta-se por dor na face lateral da coxa, que pode irradiar
para a região glútea e para a perna. A dor piora na deambulação e é repro-
duzida à palpação do grande trocanter.
Q Bursite isquiática: a dor irradia para a porção posterior da coxa e apresenta
sensação álgica ao pressionar a tuberosidade isquiática ou ao sentar ou
deitar sobre superfícies duras.
Q Bursite anserina: a bursa anserina localiza-se na região do joelho, ínfero-
medialmente, no local de inserção dos músculos semitendinoso, grácil e
sartório; quando inflama, surge dor nas faces mediais do joelho e da coxa,

267
que se agrava ao descer ou subir escadas. É mais comum em mulheres
obesas.
Tendinites: é a inflamação do tendão, especialmente nos locais envolvidos por
bainhas sinoviais, caracterizando a tenossinovite. O fator desencadeante mais
relacionado é o trauma. O processo pode ser decorrente do uso repetido do
tendão sem condicionamento físico adequado, produzindo microtraumas que
levam à ruptura de fibras.
Q A maior causa de ombro doloroso é a inflamação do tendão do músculo
supra-espinhoso, que, juntamente com os tendões do infra-espinhoso, re-
dondo menor e subescapular, formam a bainha rotadora do ombro. Essas
estruturas participam da abdução (supra-espinhoso), rotação externa (infra-
espinhoso e redondo menor) e rotação interna (subescapular) do ombro. A
tendinite do supra-espinhoso costuma surgir entre a 4a e 5a décadas, secun-
dária a movimentos repetitivos. O paciente queixa-se de dor ao tentar
elevar o braço acima da cabeça. A dor é manifestada a partir de 70o até
120o; é o chamado arco doloroso.
Q A bursite subacromial aparece como processo associado à tendinite do su-
pra-espinhoso.
Q A tendinite calcificante do supra-espinhoso é decorrente do processo infla-
matório e cursa com sinais e sintomas semelhantes. A quantidade de depo-
SEMIOLOGIA DO SISTEMA LOCOMOTOR

sição calcárea não tem relação com a clínica e é lentamente reabsorvida.


Q As lacerações completas ou incompletas da bainha rotadora são causadas
por traumas ou artropatias inflamatórias crônicas. Os pacientes queixam-se
de dor e perda de força na rotação externa e abdução do ombro. A ruptura
completa impossibilita o início da abdução. Os casos crônicos acompanham-
se de atrofia muscular.
Q Um diagnóstico semiológico simples é a tendinite bicipital, corroborado
pela manobra de Yergason.
Q No cotovelo, observa-se a epicondilite lateral (no tendão extensor comum
do carpo) ou medial (flexor comum), secundária a atividades laborais ou
desportivas. A epicondilite lateral, ou “cotovelo de tenista”, causa dor no
epicôndilo lateral, exacerbada pela extensão do punho contra a resistência
com a articulação do cotovelo em extensão. O envolvimento do epicôndilo
medial (“cotovelo de golfista”) é menos visto na prática clínica e traduz-se
por dor durante a flexão e pronação do punho.
Q No punho, a inflamação da bainha tendinosa que envolve os tendões dos
músculos abdutor longo e extensor curto do polegar gera a tendinite de
De Quervain. O diagnóstico é corroborado pelo teste de Finkelstein.
Lombalgia: é causada na grande maioria das vezes por distúrbios mecânicos, mas
pode ser indicativa de doenças inflamatórias sistêmicas, infecções, neoplasias ou
doença visceral. No diagnóstico diferencial, é importante valorizar a faixa etária,
fatores de alívio e piora da dor e presença de sintomas constitutivos associados
(Tabelas 15.2 e 15.3).

268
Tabela 15.2 Sinais de alerta nas lombalgias

Q emagrecimento
Q febre
Q dor noturna
Q dor vertebral localizada
Q sinais de compressão radicular
Q idade acima dos 60 anos

Neuropatias de compressão: as neuropatias de compressão mais comuns são a


síndrome do túnel do carpo (STC) e a síndrome do túnel do tarso (STT), acometendo
o nervo mediano e o tibial posterior respectivamente. Os sintomas intensificam-se
com o repouso, geralmente durante a noite, melhorando com os movimentos.
Q Na STC, a sensação de dor ou parestesia localiza-se do primeiro dedo à
metade radial do quarto dedo, bem como na porção radial da região palmar.
Casos crônicos podem se apresentar com atrofia dos músculos tenares. A
reprodução dos sintomas é realizada com as manobras de Tinel, percussão
sobre a face flexora do punho, e de Phalen, flexão do punho a 90°, por 60
segundos. A causa mais freqüente é ocupacional, podendo ser secundária

SEMIOLOGIA DO SISTEMA LOCOMOTOR


à gestação ou a doenças sistêmicas como artrite reumatóide, amiloidose e
mixedema.
Q Na STT, a sensação é localizada no maléolo medial estendendo-se até a
face plantar. Mais uma vez, o sinal de Tinel é reproduzido com a percussão
posterior ao maléolo medial no retináculo flexor.

Tabela 15.3 Causas mecânicas de lombalgia

Idade Início Localização Extensão Sentado Flexão


Contratura 20-40 Agudo Lombar ↑ ↓ ↑
pós-traumática

Hérnia discal 30-50 Agudo Lombar ↓ ↑ ↑


lombar com irradiação

Osteoartrose > 50 Insidioso Lombar ↑ ↓ ↓

Estenose > 60 Insidioso Membros ↑ ↓ ↓


espinal inferiores

Espondilolistese 20-30 Insidioso Lombar ↑ ↓ ↑

Escoliose 20-40 Insidioso Lombar ↑ ↓ ↑

269
Q O nervo ulnar, ao atravessar o túnel de Guion, pode ser comprimido,
gerando sintomas sensitivo-motores na face hipotenar, no quinto dedo e
na face ulnar do quarto dedo.
Q Na região inervada pelo femorocutâneo, pode ocorrer a meralgia paresté-
sica, entidade caracterizada por dor em queimação e hiperestesia na coxa
ântero-lateral que piora com a extensão e abdução.
Cistos sinoviais: são formações císticas periarticulares. O cisto aparentemente surge
após traumas ou extensão prolongada das articulações. O gânglio ou cisto sino-
vial do dorso do punho é freqüente e apresenta conteúdo gelatinoso. Os cistos
são mais comuns em pacientes com artrite reumatóide, osteoartrose ou instabili-
dade articular.
Contratura de Dupuytren: A contratura de Dupuytren é determinada pela fibrose
da fáscla palmar, geralmente no 4o e 5o dedos. Na maioria das vezes é indolor.
Embora de etiologia desconhecida, parece existir uma predisposição hereditária.
São descritas associações com outras condições, como o diabete melito e o alco-
olismo. O uso de drogas anticonvulsivantes também está implicado.
Metatarsalgias: A metatarsalgia é caracterizada por dor e/ou edema nas superfícies
plantares das articulações metatarsofalangeanas. Os sintomas são decorrentes
de uma variedade de situações clínicas e podem ocorrer isoladamente ou em
associação com doenças sistêmicas. A compressão do nervo plantar junto às
SEMIOLOGIA DO SISTEMA LOCOMOTOR

cabeças do 3o e 4o metatarsianos com alargamento fusiforme do nervo interdigital,


chamado de neuroma interdigital ou metatarsalgia de Morton, provoca dor local
e dificuldade de deambulação.
Síndrome de Tietze: é o acometimento inflamatório das articulações condrocostais,
geralmente unilateral, atingindo da 2ª até a 5ª costela. Pode haver aumento de
volume. O diagnóstico diferencial com doenças intratorácicas é facilitado pela
reprodução dos sintomas com a compressão das estruturas acometidas.
Distrofia simpático-reflexa: é caracterizada por dor e edema difuso da extremidade
do membro comprometido, associadas a distúrbios vasomotores. A síndrome
pode estar relacionada a múltiplos fatores, como traumatismos, cirurgias, acidente
vascular encefálico, infarto agudo do miocárdio e outras condições.

Síndromes generalizadas
Fibromialgia: é caracterizada por dor generalizada e por manifestações clínicas
gerais, como fadiga, distúrbios do sono, rigidez, intolerância ao exercício. Pode
vir acompanhada de distúrbios funcionais orgânicos, como síndrome do colo
irritável, palpitações e síndrome de Tietze, ou psiquiátricos, como perda de
memória e depressão. Para fins diagnósticos, é caracterizada pela presença de
dor, durante mais de três meses, nos quatro quadrantes do corpo e esqueleto
axial e reprodução de dor à palpação digital em pelo menos 11 dos 18 pontos
preestabelecidos nos critérios diagnósticos da doença (com pressão de 4 kg ou o
suficiente para empalidecer o leito ungueal do médico). Esses pontos estão loca-
lizados bilateralmente na inserção do músculo suboccipital, região cervical baixa

270
entre C5-7, borda superior do trapézio, origem do músculo supra-espinhoso
(acima da espinha escapular), segunda articulação costocondral, epicôndilo lateral,
quadrante superior lateral do glúteo, grande trocanter e porção medial do joelho.
Além dos pontos dolorosos, o exame físico é normal.
Polimialgia reumática: é uma síndrome dolorosa que acomete indivíduos acima
de 50 anos de idade, acompanhada de dramática rigidez matinal, envolvendo
cintura pélvica e escapular. Acompanha-se de elevada velocidade de sedimentação
globular (VSG), que não pode ser atribuída a outra doença sistêmica. A melhora
com doses baixas a moderadas de glicocorticóides é típica e reforça a hipótese
diagnóstica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CITADAS


1. Duncan BB, Schimidt MI, Giugliani E. Medicina ambulatorial: condutas de atenção primá-
ria baseadas em evidências. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004.
2. Polley HF, Hunder GG. Rheumatologic interviewing and physical examination of the joints.
2nd ed. Philadelphia: WB Saunders; 1978. p.43.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS


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SEMIOLOGIA DO SISTEMA LOCOMOTOR


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McCarty DJ. Arthritis and allied conditions: textbook of rheumatology. 13th. ed. Philadelphia:
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Arthritis Rheum 1990; 33:160-172.

271
16
EXAME ORTOPÉDICO
LUIZ ROBERTO STIGLER MARCZYK
JOÃO L. ELLERA GOMES

Na avaliação do paciente ortopédico é importante fazer uma cuidadosa descrição


da doença ou dos traumatismos de forma cronológica, assim como verificar se o
início foi gradativo e lento ou súbito e agudo; analisar associações com hiperso-
licitações ou com traumatismo concomitante; especificar quando, onde, como e
por que o traumatismo ocorreu e descrever os sintomas gerais, como febre, mal-
estar geral, etc.

PRINCIPAIS SINAIS E SINTOMAS


Anquilose: perda da mobilidade articular, articulação rígida.
Atrofia: diminuição da massa muscular ou diminuição do tamanho de um órgão.
Cifose: curva da coluna de convexidade posterior.
Escoliose: curva da coluna com desvio látero-lateral.
Hemartrose: coleção de sangue dentro de uma articulação.
Hidroartrose: aumento da quantidade de líquido sinovial dentro da articulação.
Pioartrite: coleção de pus dentro de uma articulação.
Lordose: curvatura da coluna de concavidade posterior.

EXAME FÍSICO ORTOPÉDICO


O exame ortopédico objetivo começa pelo exame estático ou pela anatomia de
superfície ao se proceder ao reconhecimento de todas as formações anatômicas,
como tuberosidades, sulcos, músculos, tendões, etc. Devem ser anotadas: anorma-
lidades da cor da pele, cicatrizes, cianose, aparentes discrepâncias do comprimento
dos membros, atrofia de partes moles e deformidades. No exame estático, preva-
lece a inspeção. Como equipamento, a sala deverá dispor de maca com revesti-
mento semi-rígido, afastada da parede para que o médico possa ter acesso ao
paciente por todos os lados. São necessários também uma fita métrica, um lápis
demográfico ou caneta esferográfica, um goniômetro, um fio de prumo colocado
numa parede para alinhamento postural, uma pequena régua graduada em centí-
metros, um martelo de reflexo e um podoscópio.
O exame dinâmico refere-se ao estudo dos movimentos, para o qual nos
utilizamos mais da palpação.
Muito importante no exame ortopédico é o caráter comparativo. Caso não
conheçamos o grau de movimento de uma articulação, pode-se compará-lo com
o do lado oposto do próprio paciente. Se o paciente apresentar distúrbios bilaterais
dos movimentos e o examinador não tiver parâmetros para comparar, o recurso
é comparar com seus próprios movimentos. Não confundir posição de função
com posição neutra. Em caso de necessidade de um bloqueio dos movimentos
articulares, a posição de função é aquela em que o paciente pode obter o máximo
proveito funcional possível.

TIPOS PRINCIPAIS DE MOVIMENTOS ARTICULARES


Os movimentos podem ser pesquisados ativa ou passivamente. A movimentação
ativa é aquela em que o paciente consegue movimentar-se com seus próprios
recursos, pela ação ativa da musculatura. A movimentação passiva é aquela que
é feita com a ajuda do examinador. Na poliomielite, freqüentemente pode-se
encontrar grandes discrepâncias entre a movimentação ativa e a passiva.
Q Articular pendular: faz movimentos apenas num sentido (eixo). O cotove-
lo e as articulações interfalangianas só têm um eixo de movimento.
Q Articulação com dois movimentos: são exemplos clássicos o punho e o
complexo do tornozelo. Essas articulações apresentam movimentos em
EXAME ORTOPÉDICO

ambas as direções (dois eixos).


Q Articulações em junta universal: são exemplos o ombro e o quadril, com
movimentos tridimensionais.
Todos os movimentos de cada articulação deverão ser anotados a partir da
posição neutra.

AVALIAÇÃO DA FORÇA MUSCULAR


Quando se examina um músculo, além de sua forma e aparência, deve-se anotar
o seu grau de potência. Para isso existem diversas convenções e, na atualidade,
a mais recomendada é a da Foundation of Infantile Paralysis. Embora à primeira
vista pareça muito complexa, tem grande utilidade na avaliação e no acompa-
nhamento dos tratamentos. Pode-se quantificar, por esse método, nuances de
força muscular que, em uma avaliação qualitativa, não poderiam ser observadas
(Quadro 16.1).

AVALIAÇÃO CLÍNICA DAS DIFERENTES ARTICULAÇÕES CORPORAIS


Membros superiores
Ombro
O ombro é constituído por quatro articulações: externoclavicular, acromio-
clavicular, sersacose escapulotorácica e escapuloumeral. A principal delas é a es-

274
Quadro 16.1 Avaliação da força muscular

Grau 5 (normal ou 100%): o movimento articular é completo e tem força


suficiente para vencer a gravidade e uma grande resistência aplicada.
Grau 4 (bom ou 75%): o movimento é completo e tem força suficiente para
vencer a gravidade e alguma resistência aplicada.
Grau 3 (regular ou 50%): o movimento é completo e sua força é suficiente
para vencer apenas a gravidade.
Grau 2 (pobre ou 25%): o movimento é completo, porém produz movimentos
eliminando-se a ação da gravidade.
Grau 1 (traços ou 10%): evidência de pequenas contrações, porém não
acionando articulação.
Grau 0 (zero ou 0%): não há evidências de contração muscular.

capuloumeral. Junto e imediatamente acima dessa existe a articulação acromiocla-


vicular e, na porção posterior, a grande articulação chamada sersacose escapuloto-
rácica, que é uma articulação especial, na qual há interposição de músculo. Os
movimentos de abdução, adução e rotação interna e externa são feitos na articu-
lação escapuloumeral. No movimento da elevação, interferem movimentos con-
juntos oriundos das quatro articulações.
Exame físico

EXAME ORTOPÉDICO
Observar contorno, presença ou não do “ombro em cabide”, atrofias, nive-
lamento relativo de um ombro em relação ao outro, comprimento do ombro,
direção da linha superior de cada ombro, uma em relação à outra, posição da
escápula, depressões, vermelhidões, tensão, calor, flutuação, consistência relativa
das massas musculares e estabilidade.
Exame dinâmico
Q Posição de função: a mais favorável é a de 70o de elevação por 60o de
abdução.
Q A posição neutra (de 0o) é aquela em que o braço está esticado e pendente
ao longo do corpo.
Q Elevação: deve ser pesquisada, preferentemente com o paciente em pé. A
elevação do braço para o alto, em qualquer dos meridianos, é considerada
como movimento de elevação. O número de graus é contado da posição
neutra de 0o até o limite possível de elevação do ombro.
Q Adução e abdução. Esses movimentos devem, de preferência, ser
pesquisados com o paciente em pé ou sentado. O braço é elevado à posi-
ção de 90o, e o movimento é pesquisado no paralelo equatorial. A adução
e a abdução são movimentos pesquisados essencialmente na posição hori-
zontal. A posição neutra do movimento é com o braço orientado para a
frente. Todo movimento horizontal para dentro é considerado como adução.
A partir da posição neutra, todo movimento feito em direção para fora é
considerado abdução.

275
Q Rotação interna e externa. Esses movimentos devem, preferentemente,
ser pesquisado com o paciente deitado ou sentado. O braço deve formar,
com o eixo do corpo, um ângulo de 90o, e o antebraço forma com o braço
um ângulo também de 90o. Essa é a posição neutra. Quando é imprimido
ao braço um movimento para trás, mede-se a rotação externa. Quando o
braço é movimentado para a frente, mede-se a rotação interna.

Cotovelo
A principal característica dessa articulação é dada pela particularidade das
relações de proximidade com o nervo cubital (ou ulnar), com o nervo mediano e
com a artéria branquial. O nervo cubital passa imediatamente atrás da epitróclea,
e a artéria branquial e o nervo mediano passam na frente da articulação.
Exame físico
Observar contorno, atrofia, presença de nódulos, depressões, vermelhidão,
sensibilidade, calor, flutuação e consistência das massas musculares.
Identificação de estruturas: por ser uma articulação com revestimento de
partes moles relativamente reduzido, pode-se palpar diversas formações anatô-
micas: na parte posterior, a fosseta olecraniana e o olécrano; lateralmente palpa-
se o epicôndilo; internamente, a epitróclea, a goteira do nervo cubital e o nervo
cubital.
Exame dinâmico
A posição neutra do cotovelo é aquela em que o eixo do braço está em con-
tinuação com o eixo do antebraço, isto é, com o cotovelo pendente ao longo do
EXAME ORTOPÉDICO

corpo.
Posição de função: 90o de flexão. Quanto ao grau de prono-supinação, o
ideal seria a posição intermediária. Excepcionalmente, para trabalhadores com
enxada, a supinação é melhor; para datilógrafos, a melhor posição seria a de
pronação.
Forçando a extensão para trás, pode existir um movimento chamado de hi-
perextensão, mais comum em mulheres e em crianças. O movimento de flexão é
decorrente do fechamento do cotovelo para fins de medição. Não tem movi-
mento de extensão.
Limitação de movimentos: por qualquer motivo, se o cotovelo perder o grau
normal de movimento. Por exemplo: se ele se movimenta de 30 a 135o, diz-se que
há uma contratura de flexão de 30o e que o cotovelo tem uma gama de movimen-
tos que vai de 30 a 135o. Houve, portanto, uma perda de 30o de extensão.

Punho
Exame estático
Identificação de estruturas: apófise estilóide do rádio, apófise estilóide do
cúbito, extremidade distal do rádio, apófise distal do cúbito, tendão do palmar
longo, o que pode ser pesquisado com oponência forte entre os dedos mínimo e
polegar. Colocar um contra o outro e, ao mesmo tempo, dobrar a mão em flexão,
contraindo fortemente toda a musculatura do antebraço.

276
Pode-se palpar, também, os tendões flexores superficiais dos dedos. Na face
anterior do lado radial pode ser palpada a artéria radial.
Observar se há ou não nódulos dolorosos e se são ou não móveis, segurando
os planos superficiais profundos. Existência ou não de depressões, vermelhidão,
desvio da mão do lado radial ou cubital, evidenciando a apófise estilóide.
Exame dinâmico
A posição neutra do punho é considerada quando o eixo da mão, que passa
pelo dedo médio, está em continuidade com o eixo do antebraço, tendo-se a
mão apoiada sobre um plano rígido.
A extensão do punho é também chamada de dorsoflexão, e a flexão é tam-
bém chamada de flexão palmar. Os desvios cubital e radial da mão podem ser
medidos com a mão apoiada sobre um plano.

Mão
A mão é um orgão que se caracteriza pela preensão, pinça e sensibilidade
tátil.
Identificação: alguns autores numeram os dedos de 1 a 5, sendo o primeiro
dedo o polegar; a partir do indicador até o mínimo os dedos tomam os números
de 2 a 5. Devemos evitar essa denominação, que pode dar margem à confusão,
chamando cada um dos dedos pelos seus nomes próprios: polegar, indicador,
médio, anular e mínimo.
Quanto às articulações digitais, alguns autores chamam a primeira articulação
de metacarpofalangiana, a articulação seguinte, entre a primeira e segunda fa-

EXAME ORTOPÉDICO
langes, de primeira articulação interfalangiana, e a articulação entre a segunda e
a terceira falanges, de segunda articulação interfalangiana distal. Preferimos, por
ser mais clara, a seguinte denominação: articulação digital proximal, que é a
articulação interfalangiana; articulação digital média, que é a articulação entre a
primeira e segunda falanges; articulação digital distal, que é a articulação entre a
segunda e a terceira falanges. O polegar tem apenas a articulação interfalangiana,
denominada digital proximal, e a articulação entre as falanges distal e proximal,
que se denomina de digital distal do polegar.
Identificação de estruturas: quando a mão é colocada em desvio cubital, pode-
se palpar, no fundo da tabaqueira anatômica, o escafóide. Nessa posição, o esca-
fóide é praticamente subcutâneo. Com a mão fechada, pode-se observar no
dorso da mão quatro nodosidades correspondentes às articulações digitais pró-
ximas. Pode-se verificar também, facilmente, articulações digitais média e digi-
tais distais. Na face palmar da mão, notamos a existência de linhas (o clássico
“M” da mão), cujo ramo superior corresponde às articulações digitais proximais,
e o ramo inferior, à articulação carpometacárpica do polegar, por meio da qual
existe o movimento de oponência.
Posição de função: quando um paciente se encontra sob anestesia profunda,
a mão assume uma certa posição que é denominada posição de função, isto é, o
polegar se coloca em oponência aos demais dedos. Os quatro últimos dedos
fletem-se ligeiramente, e o grau de flexão de um em relação ao outro é menor a
contar do indicador para o mínimo. Em outras palavras, o dedo indicador flete-se

277
menos, e gradativamente essa flexão vai aumentando até o quinto dedo, onde a
flexão é maior. Além dessa posição dos dedos existe uma ligeira flexão dorsal do
punho, com desvio cubital da mão. Essa posição pode ser obtida fazendo-se com
que a mão abrace o gargalo de uma garrafa. Esse recurso é usado em pronto-
socorro para obtenção da posição de função na mão.
Reconhecimento da integridade motora da mão: se colocarmos o indicador
em oponência, fletirmos dorsalmente o punho e imprimirmos, ao mesmo tempo,
movimento de lateralidade nos três últimos dedos, estaremos testando a um só
tempo os nervos mediano, cubital e radial. O nervo mediano é responsável pela
oponência indicador-polegar. O movimento de lateralidade entre os últimos dedos
é dado pela ação motora do nervo cubital; a manutenção do punho em flexão
dorsal é dada pela ação do nervo radial. Com essa simples manobra podemos ter
uma noção muito boa da integridade da inervação do sistema motor da mão.
Inervação sensitiva da mão: a sensibilidade do dedo mínimo e de metade do
anular depende do nervo cubital, e a sensibilidade da metade do dedo anelar e
dos dedos indicador e médio depende do nervo mediano. As secções desse ner-
vo poderão provocar distúrbios de sensibilidade nos territórios anteriormente
expostos.
Exame estático
Deve-se fazer inspeção e palpação e delas colher todos os dados possíveis, tais
como dores difusas ou localizadas, vermelhidão de pele, nódulos, flutuação, etc.
Exame dinâmico
A capacidade de flexionarmos fortemente os quatro últimos dedos (indica-
EXAME ORTOPÉDICO

dor, médio, anular e mínimo) e colocarmos suas polpas digitais em contato com
a articulação metacarpofalangiana respectiva dá-nos uma idéia conjunta da ca-
pacidade de flexão das articulações digitais distal e média. Com o auxílio de uma
régua, medimos a distância que separa a polpa digital das articulações metacar-
pofalangianas. Para avaliar o grau de flexão da articulação digital proximal, faz-
se a mesma manobra, porém colocando a polpa digital em contato com o talão
da mão, por meio de forte flexão da articulação digital proximal.
Os movimentos do polegar podem ser medidos por comparação do lado hígido
com o lado doente. Esse método, além da facilidade de aplicação, traz a qua-
lidade de estimular o paciente na observação de seus progressos.
Prova de função isolada dos flexores superficial e profundo dos dedos: se a
articulação interfalangiana distal puder ser ativamente fletida enquanto as articu-
lações digitais proximais estiverem estabilizadas, o tendão profundo está íntegro.
Se a articulação interfalangiana proximal puder ser fletida ativamente, enquanto
os dedos adjacentes estiverem seguros e estendidos, o tendão do flexor profundo
está íntegro.
Sistema extensor dos dedos: a musculatura intrínseca da mão tem, entre outras
finalidades, a de estabilização da extensão dos dedos. Sob a ação dessa musculatu-
ra intrínseca, a articulação digital proximal é fixada em extensão para que os
músculos flexores possam agir harmonicamente, e o dedo é dobrado da ponta
para a base. Esse é o mecanismo normal de flexão digital apoiado na estabilização
dada da musculatura intrínseca. Se o dedo se “enrola”, isto é, se o mecanismo

278
de flexão inicia-se na articulação digital proximal e termina na distal, há ausência
da ação estabilizadora dos músculos intrínsecos.

Membros inferiores
Coxofemoral
Caracteriza-se por ser uma articulação sobre a qual freqüentemente existem
queixas de dor e de limitação de movimentos.
Exame estático
Identificação de estruturas: na articulação coxofemoral, distinguir a espinha
ilíaca anterior superior e o grande trocanter.
Posição de função da coxofemoral. ligeira flexão de uns 10o, ligeira abdução
de 5o; isso corresponde, praticamente, a uma continuidade do eixo da coxa com
o do tronco.
Observar os contornos, se há ou não nódulos, formações salientes, depressões,
áreas de vermelhidão, dor à palpação, movimentação ativa e passiva ou edema.
Exame dinâmico
Movimentação da coxofemoral: o paciente deve ser examinado deitado com
paciente em maca, preferentemente rígida.
O exame da coxofemoral assume grande importância no exame dos cotos da
amputação: a boa ou má-adaptação de uma prótese depende da avaliação correta
das condições da coxofemoral e de sua musculatura.
Posição neutra: é conseguida com o paciente deitado, com os membros inferio-

EXAME ORTOPÉDICO
res estendidos.
Pesquisa da flexão: fletir a coxa oposta, isto é, o próprio paciente, com o
auxílio de ambas as mãos, e puxar a coxa fortemente contra o abdome. A posi-
ção neutra é aquela que se obtém com o paciente deitado sobre uma superfície
rígida. A flexão da coxofemoral é medida a partir dessa até o limite do máximo
de flexão da coxa em questão.
A flexão da coxa oposta tem por finalidade achatar a coluna lombar, fazendo
com que ela perca a lordose normal e colocando-a totalmente em contato com o
plano de apoio.
A limitação de flexão coxofemoral é expressa pela perda de graus em relação
à posição neutra.
Extensão: para se pesquisar a extensão da coxofemoral, o paciente deve dei-
tar na maca de barriga para baixo (decúbito ventral). A extensão é medida a
partir da posição neutra, fazendo-se com que o paciente movimente a articulação
coxofemoral no sentido de baixo para cima.
Abdução e adução: é pesquisada com o paciente deitado de costas. A abdução
propriamente dita é medida fazendo-se com que o paciente abra a perna – é o
ângulo formado entre a posição neutra e a posição de abertura máxima conse-
guida. Do mesmo modo, a abdução é pesquisada fazendo-se com que o paciente
passe a perna que está sendo pesquisada por cima da perna oposta. O ângulo é
medido a partir da posição neutra até a posição máxima de adução conseguida
pelo paciente.

279
Rotação: pode ser pesquisada em extensão e em flexão. Dessa pesquisa pode-
mos ter uma noção do estado de congruência entre a cabeça e o acetábulo.
Muitas vezes o movimento pode ser feito facilmente com a coxofemoral em
flexão e não pode ser feito em extensão por problemas de congruência.
Rotação em extensão: o paciente deve deitar, de barriga para cima (em decú-
bito dorsal), na ponta de uma mesa e com os joelhos pendentes e fletir a coxo-
femoral oposta para libertar o campo. A rotação é medida fazendo-se movimentos
na perna. A posição neutra é com o joelho pendente na vertical. O movimento
feito a partir da posição neutra, formando um ângulo para dentro, permite medir
a rotação externa.
Rotação em flexão: procede-se do mesmo modo, contudo, em vez do paciente
estar deitado, deverá estar sentado na ponta da mesa.
Sinal de Trendelenburg: deve ser pesquisado com o paciente em pé, de frente
para uma parede. Deve apoiar-se levemente com as mãos na parede. Em seguida,
o paciente deve apoiar-se no pé são. Nota-se que a bacia inclina-se contra a
coxofemoral de apoio. Quando o paciente apóia-se no membro inferior doente,
a bacia cai e se inclina para o lado doente. À essa queda (inclinação) para o lado
doente, chama-se de sinal de Trendelenburg positivo.

Joelho
Trata-se da articulação que possui o maior revestimento sinovial, além de ser
uma articulação muito solicitada e agredida, primeiro por estar no centro do
membro inferior e, segundo, porque tem que enfrentar dois princípios imperativos
contraditórios, ou seja, ter grande estabilidade em extensão e grande mobilidade
EXAME ORTOPÉDICO

em flexão. Outra particularidade dos joelhos é a existência dos meniscos.


Exame estático
Identificação de estruturas: na face anterior podemos palpar todo o relevo da
rótula. O bico da rótula corresponde exatamente à interlinha articular. Interna e
externamente, pode-se palpar os côndilos tibiais e femorais. Externamente, pode-
se palpar a cabeça do perônio. Quanto a músculos e tendões, pode-se identificar
perfeitamente o tendão conjunto do quadríceps, do lado póstero-externo, o mús-
culo bíceps, que se insere na cabeça do perônio, e do lado póstero-interno, os
músculos semimembranoso e semitendinoso. Esses três tendões limitam a fosseta
poplítea. No joelho existem a relação de proximidade do nervo ciático e da artéria
poplítea e, externamente, nas proximidades da cabeça do perônio, as relações
com o nervo ciático poplíteo externo. Ambos os meniscos podem ser palpados
na sua porção anterior. Lateralmente pode-se palpar o ligamento colateral externo
que vai do côndilo femoral na direção da cabeça do perônio. Na porção medial
interna pode-se palpar o ligamento colateral interno.
Posição de função: é a de extensão, isto é, a coincidência dos eixos da perna
e da coxa.
Procurar verificar os contornos do joelho, se há ou não abaulamentos, se há
atrofia muscular, se o relevo ósseo é muito ou pouco acentuado, se há dores
localizadas, vermelhidão de pele, hipersensibilidade local, etc.

280
Exame dinâmico
O joelho deve ser examinado com o paciente numa maca. A posição neutra
é considerada aquela em que o doente apóia a perna sobre a maca e, então, o
eixo da coxa estará em continuidade com o da perna.
O joelho tem, tipicamente, movimentos em dobradiça ou pêndulo. O seu
movimento natural é o de flexão e, em alguns casos, uns patológicos e outros
não, pode existir movimento de extensão, referido pelos ortopedistas como re-
curvatum ou hiperextensão.
Flexão: é medida a partir da posição neutra, até o limite de flexibilidade (flexão
máxima).
Limitação da extensão: no joelho que não chega à posição neutra, faltando
30o para a extensão completa, diz-se que há uma limitação da extensão de 30o,
ou seja, uma contratura de flexão de 30o, e os movimentos são contados a partir
desses 30o.
Pesquisa da hidroartrose: o paciente deve estar deitado numa maca com o
joelho em extensão. O examinador comprime com a mão esquerda o fundo do
saco supracondiliano e, em seguida, com a mão direita, faz movimentos súbitos
de compressão sobre a rótula. O examinador poderá notar um choque da rótula
contra as formações internas do joelho. Desse modo, pode concluir sobre a exis-
tência ou não de coleção líquida no joelho.
Sinal da gaveta: paciente deitado. Fletir o joelho e fixar o pé correspondente
sob o examinador, que deverá estar sentado na maca. A flexão do joelho deverá
ser de aproximadamente 90o. Com ambas as mãos o examinador imprime à
porção do joelho movimentos de vaivém. Se houver deslizamento para a frente:

EXAME ORTOPÉDICO
ruptura do ligamento cruzado anterior; se houver deslizamento para trás: ruptura
do ligamento cruzado posterior.
Sinal de Lachman: é feito de forma semelhante ao eixo no sinal da gaveta só
que com o joelho fletido a 30º. Se o deslocamento é anterior, lesão do cruzado
anterior.
Ligamento do joelho: pesquisa-se com o paciente deitado e com o joelho
passivamente esticado. O examinador força a abertura interna ou externa da
interlinha articular, fazendo de uma das mãos o ponto de apoio no côndilo e,
com a outra, procurando forçar a perna como se fosse um braço de alavanca.

Tornozelo
Identificação de estruturas: na face anterior, pode-se palpar o tendão do mús-
culo tibial anterior e do extensor comum dos dedos. Atrás do maléolo fibular,
pode-se palpar o tendão dos fibulares. Na face posterior, palpa-se o tendão de
Aquiles. Do lado tibial, isto é, do lado interno posteriormente ao maléolo tibial,
pode-se palpar os tendões dos músculos tibial posterior e flexor próprio do hálux.
Lateralmente encontra-se o maléolo fibular. Do lado interno, o maléolo tibial. O
maléolo fibular atinge em geral uma altura mais baixa que a do maléolo tibial. Na
face anterior, pode-se identificar a interlinha articular.

281
Exame estático
Observar os contornos, se há ou não abaulamento, se há ou não aparecimento
de nódulos, se há vermelhidão, mudança de temperatura, flutuação, etc.
Exame dinâmico
Posição neutra: é aquela em que o eixo do pé forma, com o da perna, um
ângulo reto.
Posição de função: a posição de função difere no homem e na mulher. No
homem, o ângulo reto parece a posição de função ideal. Na mulher, a posição de
função, pelo uso de salto alto, é em leve eqüino de 5o a 10o.
Movimentação: a flexão ou dorsoflexão é o movimento que o paciente faz
no sentido de colocar o pé em calcâneo, isto é, fecha o ângulo do pé em relação
à perna. O movimento de extensão é de abertura entre o ângulo do pé e da
perna (flexão plantar). Esse movimento coloca o pé na chamada posição de eqüino.


O pé é um órgão que se caracteriza por permitir apoio distal. Só compreende-
mos o valor desse apoio nas dificuldades de confecção de próteses para amputados
do membro inferior.
Exame estático
Identificação de estruturas: palpa-se, na parte posterior, o tendão de Aquiles
e a tuberosidade do calcâneo. Na parte anterior, o tendão do músculo extensor e
do tibial anterior. Na face externa, além do maléolo fibular, posteriormente a
esse, se pode identificar os tendões dos músculos fibulares longo e breve. Na
EXAME ORTOPÉDICO

face interna, além do maléolo tibial, posteriormente a esse se pode apalpar os


tendões dos músculos tibial posterior e flexor próprio do hálux.
A posição de função do pé é de ângulo reto com a perna. Para o homem não
há discussão quanto a essa posição, porém, para a mulher, seria preferível que se
permitisse ao pé uma ligeira posição de eqüino, isso em razão do uso de sapato
de salto alto.
Procurar anotar as deformidades existentes: supinação, pronação, eversão,
inversão, eqüino, calcâneo, cavo, aducto, etc. Existência de hálux valgo, defor-
midades dos artelhos, relação dos comprimentos dos metatarsianos, sobreposição
de artelhos, vermelhidão, edema de massas, calosidades digitais, metatarsianas
e subescafóides, temperatura local, sensibilidade no tubérculo do calcâneo e sob
as cabeças dos metatarsianos, distúrbios sensoriais, bola gordurosa plantar, etc.
Deformidades: a deformidade denominada calcâneo existe quando há déficit
de tríceps; calcâneo-cavo-varo corresponde à deficiência do tríceps e músculos
inversores; calcâneo-cavo-vero corresponde à déficit do tríceps e eversores; me-
dial-cavo corresponde ao tibial anterior; plano-cavo corresponde aos dois tibiais;
e eqüino-varo corresponde aos fibulares e dorsoflexores.
Exame dinâmico
Sistema acionador do pé – primeiro sistema (flexo-extensor): a flexão do pé é
dada pela ação conjunta dos músculos: Aquiles, fibular curto, longo e flexor

282
comum dos artelhos. A extensão é dada pela ação conjunta do tibial anterior e
extensor comum dos dedos.
Segundo sistema (inversor e eversor). A inversão do pé é dada pela ação
conjunta dos músculos tibial posterior e tibial anterior. A eversão do pé é dada
pela ação conjunta dos músculos fibular curto e longo.
Terceiro sistema (prono-supinador): a supinação do pé é dada pela ação con-
junta dos músculos tibial anterior e flexor do hálux; e a pronação é dada pela
ação conjunta dos músculos extensor longo do hálux e fibular longo.
Movimentos do retropé (articulação subastragaliana): a posição neutra é quan-
do o eixo do retropé está em coincidência com o eixo da perna. Esse movimento
é pesquisado passivamente: quando se fecha o ângulo do lado tibial, diz-se que
o movimento é de inversão, e quando se fecha o ângulo do lado fibular, diz-se
que o movimento é de eversão.
Adução e abdução do pé: com uma das mãos o examinador fixa o retropé e,
com a outra, imprime movimento no sentido de fechar o ângulo para dentro;
esse movimento é de adução. Quando, ao contrário, se imprimem movimentos
fechando o ângulo para fora, diz-se que esse movimento é de abdução.
Movimentos globais do pé (pronação e supinação): se o paciente faz movimen-
to global do pé no sentido de voltar a planta para cima, esse movimento é chamado
de supinação; se imprime movimento no sentido de virar a planta do pé para
fora e para cima, esse movimento é de pronação.
Tanto a adução-abdução quanto a prono-supinação são medidas em porcenta-
gem em relação ao pé oposto.
Mensuração dos membros inferiores: é obtida com o auxílio de fita métrica e

EXAME ORTOPÉDICO
com o paciente em decúbito dorsal.
Comprimento real: mede-se da espinha ilíaca anterior superior à ponta do
maléolo interno. Isso dá idéia do comprimento real do membro.
Comprimento aparente: é medido do umbigo à ponta do maléolo tibial. Esse
método poderá demonstrar se há encurtamento decorrente de báscula da bacia.

Coluna vertebral
Dor: caracterizar o número de crises dolorosas, início lento ou insidioso, e
buscar os fatores desencadeantes: esforço físico, período de repouso no leito,
após cirurgia abdominal, após reumatismo, durante ou após a gestação.
Fatores que alteram a dor: verificar se o paciente acorda de manhã com dor,
se ela desaparece logo que se levanta, se por esse motivo usa colchão duro. Se
suas dores melhoram pelo simples afastamento das atividades rotineiras; se pioram
quando se põe longamente em pé, sentado ou quando se deita. Avaliar se os
esforços físicos pioram a dor.
Irradiação: verificar se as dores se irradiam para os membros inferiores, se
essa irradiação é permanente ou intermitente, se surge depois, ao mesmo tempo
ou antes das dores lombares aparecerem, e se o desconforto causado pela irradia-
ção é permanente ou intermitente.
Intercorrências: verificar se ultimamente teve variações significativas de peso,
se nas crises é obrigado a abandonar as atividades, se já sofreu alguma operação

283
na coluna, abdome, membros inferiores ou em outros lugares, e se é de seu
conhecimento a existência de alguma assimetria entre os diversos segmentos do
seu corpo, bem como se já recebeu algum tratamento ortopédico nos artelhos,
pés, joelhos e coxofemorais, isto é, na base de apoio.
Quanto ao tratamento: perguntar se analgésicos, relaxantes musculares, uso
geral de termo-terapia, uso constante de massagem, manipulações, ginásticas
especiais ou colete ortopédico produzem ou não efeitos satisfatórios ou nunca
fez uso desse tratamento. Se for do sexo feminino, perguntar se a paciente fez
ginástica de recuperação da parede abdominal após o parto.
Exame objetivo
Anotar a altura, o peso, o tipo morfológico e a qualidade dos membros infe-
riores do paciente.
Exame físico: se for do sexo masculino, o paciente deve vestir um calção, se for
do feminino, um maiô. Coloca-se o paciente em pé, de frente, e observa-se a
simetria dos ombros, da bacia e do ângulo toracobraquial. Com o paciente de
perfil, observar se a cabeça é lançada mais para a frente, para trás ou intermediária
e se a coluna cervical é em extensão, flexão ou intermediária; se a cifose dorsal é
acentuada, apagada ou intermediária, idem para a lordose lombar; se o tórax é
do tipo elevado, deprimido ou intermediário; se o abdome é do tipo protundido,
deprimido, pendular ou intermediário e, finalmente, se o tronco em conjunto é
lançado para a frente, para trás ou do tipo intermediário. Verificar a presença ou
não de hérnias ou eventrações abdominais. Verificar também se há algum déficit
funcional na base de apoio, tais como bursites, deformidades, alteração da mobi-
EXAME ORTOPÉDICO

lidade, etc., nos artelhos, pés, joelhos e coxofemorais.


Exame dinâmico:
Regime de tensão muscular paravertebral: deve-se pesquisar colocando o
paciente em pé e de costas para o examinador e esse sentado e com ambos os
polegares colocados na musculatura paravertebral do paciente. Ordena-se ao
paciente que marque passo. O observador irá notar, então, contrações alternadas
nas musculaturas paravertebrais. Se o paciente levantar o membro superior direito,
vai ter uma concentração equilibrante da musculatura paravertebral esquerda;
ao contrário, se levantar o membro superior esquerdo, vai ter uma concentração
equilibrante da musculatura paravertebral direita, facilmente sentida pelo exami-
nador. Pede-se ao paciente que abaixe a cabeça com ambos os braços pendentes
ao longo do corpo. O examinador notará que o paciente passa a apresentar uma
contração de ambas as musculaturas paravertebrais. No julgamento das tensões
musculares, o médico poderá ter noção exata da presença ou não de contratura
da musculatura paravertebral.
Flexibilidade vertebral: deve-se testar com o paciente deitado em mesa rígida.
Manobra pé x mão: o examinador mede em centímetro a distância das pontas
dos dedos às pontas dos artelhos e anota se o paciente apresenta tensão na
região lombar, nas coxas e nas pernas ou se não a apresenta.
Teste da ponta da mesa: faz-se o paciente sentar-se na ponta de uma mesa
com as pernas pendentes. Com o auxílio de ambas as mãos, puxar fortemente

284
um dos joelhos contra o abdome, com o fim de achatar a coluna lombar contra
a mesa. O médico pede que o paciente dobre fortemente a perna que está penden-
te, ao mesmo tempo que deve forçar a coxa contra a mesa. O médico anotará os
pontos em que surgem tensão. Se o joelho se colocar em extensão e o paciente
queixar-se de dores na face anterior da coxa, existe tensão no quadríceps. Se
tiver dores profundas na altura do quadril, existe tensão no músculo psoas.
Força muscular: a coluna é um verdadeiro mastro erguido na pelve, é mantido
pelos “tirantes musculares”. Desse modo, devemos avaliar a força muscular para
podermos ter noção da potência muscular e de seu efeito na coluna vertebral,
resultante do equilíbrio desses músculos. Devemos estudar então o músculo psoas,
os músculos abdominais, os glúteos e os paravertebrais.
Psoas: pede-se ao paciente que, deitado, levante um dos membros inferiores
esticados. Enquanto o médico, com uma das mãos, estabiliza a bacia do paciente,
com a outra mão procura oferecer resistência à coxa que está levantada. Assim,
o médico poderá avaliar a força do psoas.
Músculos abdominais: pede-se ao paciente que se deite em decúbito dorsal e
flexione ligeiramente as pernas. Essa flexão é para eliminar a ação do psoas.
Solicita-se ao paciente que coloque as mãos atrás da cabeça e faça um movimento
de sentar-se, enquanto o médico estabiliza as suas pernas. Sabemos que o peso
dos membros inferiores é maior que o peso do tronco, cabeça e membros superio-
res somados e, por isso, o paciente jamais sentar-se-ia na mesa sem o auxílio do
médico, a não ser que se sentasse num impulso. Se o paciente conseguir sentar-
se com as mãos atrás da cabeça, diz-se que os músculos abdominais funcionam
100%. Caso não consiga, pede-se a ele que cruze os braços na frente do corpo

EXAME ORTOPÉDICO
e, se conseguir sentar-se, diz-se que os músculos trabalham 80%. Se ainda não
conseguir sentar-se, manda-se que estique os braços e, se conseguir sentar-se,
diz-se que os músculos funcionam em 60% de sua capacidade total. O ato de
sentar-se, nas condições citadas, tem dois tempos principais: no primeiro tempo
o paciente tira o tronco da mesa pela contração dos abdominais e, no segundo
tempo, é completado pela ação do psoas e pelvitranstrocanterianos.
Músculos glúteos: pede-se ao paciente que fique de barriga para baixo. Com
uma das mãos o médico estabiliza a bacia, com a outra mão faz força contra a
coxa que o paciente vai erguendo sobre a mesa. Esse movimento deve ser pes-
quisado com o joelho fletido para eliminar a ação dos músculos isquiofemorais.
Músculos isquiofemorais: com o paciente de bruços e com a perna esticada,
pede-se que levante uma das coxas. Em seguida, com uma das mãos o examinador
estabiliza a bacia e com a outra faz a ação de alavanca na coxa.
Musculatura paravertebral: com o paciente em decúbito ventral e as mãos
esticadas ao longo do corpo, pede-se que levante o tronco. Com a mão contrária
àquela que estabiliza a bacia, o examinador empurra o tronco em direção à mesa,
para testar a força da musculatura em questão.
Exame radicular: com o auxílio de um cartão ou papel dobrado, o examinador
traça círculos ao longo da coxa e anota os distúrbios de sensibilidade que o pacien-
te, eventualmente, venha a ter: anestesia, hipoestesia ou hiperestesia.

285
Sinais especiais – sinal de Lasègue: paciente em decúbito dorsal. O médico
levanta um dos membros inferiores esticados. O Lasègue é positivo quando o
médico, olhando atentamente para a bacia do paciente, nota que, ao mesmo
tempo que o paciente sente dor, ele eleva a bacia do lado examinado, acima do
plano da mesa. O Lasègue só é positivo entre 30 e 70º. Não confundir dor no
ciático com distensão da musculatura isquiotibial. Para isso, o médico pede para
o paciente fletir a coxa oposta, puxando o joelho fortemente contra o abdome.
Se houver distensão dos isquiotibiais, o paciente não se queixará mais de dores.

PRINCIPAIS SÍNDROMES
Artrite: processo inflamatório ou infeccioso intra-articular. Quando ocorre a infec-
ção, é chamada de pioartrite, pois existe pus no interior da articulação.
Bursite: é um processo inflamatório ou infeccioso de uma bolsa sinovial que protege
um deslizamento de uma estrutura: tendão, fáscia, etc., contra uma saliência
óssea. As mais comuns ocorrem no ombro, cotovelo, joelho e quadril.
Cervicobraquilgia: dor na coluna vertebral que se irradia para um dos braços. É uma
das maiores causas de consulta, pode ser confundida com enfarto do miocárdio.
Condromalácia: amolecimento da cartilagem articular nos seus vários graus. É
mais conhecida na patela e se caracteriza por crepitação, desconforto e dor.
Pé cavo: exagero do arco plantar do pé. Geralmente doloroso e com calosidade
nos dedos que ficam em flexão. Ocorre muito em doenças neurológicas.
EXAME ORTOPÉDICO

Pé eqüino: pé em ponta, paciente caminha na ponta dos dedos. Ocorre muito nas
paralisias cerebral, infantil, etc.
Pé plano: é o pé com pouco ou nenhum arco longitudinal. Normalmente doloroso
e dificulta a utilização de sapatos normais. Calosidades na sola dos pés; chamado
“pé chato”.
Hiperlordose: aumento da lordose fisiológica da região lombossacra. Ocorre muito
por fraqueza dos músculos abdominais ou por alterações congênitas da coluna
lombossacra.
Osteoartrose: articulação desgastada, com diminuição da cartilagem articular. Pre-
sença de osteófitos, geodos e esclerose óssea, acompanhada de deformidades
articulares.
Osteocondrite: é um processo avascular em osso em crescimento, com placa epi-
fisária aberta. Muitas são chamadas de apofisites. As mais comuns são doença
de Legg-Perthes, Osgood-Schlatter, Sever e Hagund.
Osteomielite: infecção específica ou inespecífica de uma parte ou totalidade de
um osso. As específicas mais comuns são tuberculose, sífilis e brucelose, e as
inespecíficas são germes gram-positivos ou negativos.

286
Osteonecrose: é uma necrose avascular de uma parte do osso, normalmente nas
epífises. Ocorre na anemia falciforme e com uso de imunosupressores (corticóides).
Uso prolongado de corticoesteróides, doença dos “caixões” e alcoolismo crônico.
Osteoporose: fragilidade óssea por diminuição da matriz óssea. Facilita o surgi-
mentos de fraturas patológicas na coluna, quadril e punho.
Lombalgia: depois da cefaléia, é a maior causa de consulta médica; pode estar
associada com dor irradiada para os membros inferiores e é chamada de lom-
bociatalgia. Quando a dor é só no trajeto do ciático e não temos dor lombar,
usar-se o termo ciática.
Síndrome do túnel do carpo: aprisionamento do nervo mediano no seu próprio
túnel devido a processos traumáticos ou processos inflamatórios. A dor é forte e
se irradia para a palma da mão e dedos.
Sinovite: processo inflamatório da sinovial articular. Pode estar associado a processo
infeccioso nessa região e é chamado de pioartrite – infecção específica ou ines-
pecífica de uma articulação, com pus ou cáseo no seu interior.
Tenossinovite: processo inflamatório ou infeccioso da bainha tendinosa e da sinovial
adjacente. A mais comum é a doença de Quervain – tenosinovite do abdutor
longo do polegar e do extensor curto do polegar.

DICAS

EXAME ORTOPÉDICO
Q No exame ortopédico é importante a comparação com o lado oposto do
próprio paciente.
Q O ombro e o quadril são exemplos de articulação em junta universal.
Q Os desvios cubital e radial da mão podem ser medidos com a mão apoiada
sobre um plano.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS


American Society for Surgery of the Hand. The hand: examination and diagnosis. New York:
Churcill Livingstone; 1983.

Canale ST. Campbell’s operative orthopaedics. St. Louis: CV Mosby Co.; 1998.

Frymoyer JW. The adult spine. New York: Lippincott-Raven; 1997.

Palmer AK, Werner FW, Murphy D, Glisson R. Funcional wrist motion: a biomechanical
study. J Hand Surg [Am] 1985; 10:39-46.

Rockwood AR Jr, Matsen, FA III. The Shoulder. Philadelphia: WB Saunders; 1990.

Rossi JA, Mistrorigo G. Ortopedia e traumatologia: conceitos básicos. São Paulo: EPU; 1984.

Sites recomendados
American Academy of Orthopaedics Surgeons:
http://www.aaos.org

287
Internacional Society of Arthoscopy, Knee Surgery and Orthopaedic Sports Medicine:
http://www.isakos.com

Prevenção de Lesões e Trauma:


http://www.injuryprevention.com

Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia:


http://www.sbot.org.br

Sociedade Panamericana de Trauma:


http://www.panamtrauma.org
EXAME ORTOPÉDICO

288
17
EXAME DO SISTEMA
VASCULAR PERIFÉRICO
ORLANDO C.B. WENDER
SHARBEL MAHFUZ BOUSTANY

Para a realização da anamnese e do exame físico do sistema vascular periférico é


importante que o examinador esteja familiarizado com a anatomia básica da
região a ser avaliada, principalmente com o sistema arterial e venoso.

SINAIS E SINTOMAS
Sinais e sintomas nas patologias arteriais
Sintomas:
Q Claudicação intermitente: sintoma patognomônico de doença arterial obs-
trutiva. É a dor que se desenvolve com o exercício e que alivia com o
repouso. Localiza-se usualmente nas panturrilhas, mas também pode ser
nas nádegas, coxas e pés.
Q Dor no repouso: é uma dor contínua, severa, que responde pouco aos anal-
gésicos.
Q Impotência erétil: associada aos quadros de oclusão aortoilíaca.
Q Esfriamento de extremidades: associado com a diminuição da perfusão do
membro.
Q Alteração da cor da pele: os pacientes com arteriopatia oclusiva referem fre-
qüentemente alterações da coloração da pele.
Q Sintomas neurológicos: parestesia, hipoestesia, anestesia, paresia e paralisia
estão associadas com as síndromes arteriais oclusivas agudas e são causadas
pela isquemia dos nervos periféricos.
Sinais:
Q Alteração da cor da pele: A ausência ou diminuição da perfusão periférica
torna a pele pálida. A isquemia dos tecidos induz a liberação de substâncias
vasodilatadoras que determinam aumento da perfusão através de colaterais
da pele, causando hiperemia local. Quando há retardo importante do fluxo
sangüíneo, há uma maior troca de O2 e CO2 entre os tecidos e as hemácias.
Assim, ocorre uma maior concentração de hemoglobina reduzida, transmi-
tindo à pele uma coloração azul-arroxeada chamada cianose.
Q Alteração de temperatura: deve-se usar o membro contralateral como parâ-
metro.
Q Massa pulsátil: pode corresponder à dilatação aneurismática de um segmento
arterial.
Q Diminução ou ausência de pulsos nas extremidades.
Q Alterações tróficas: na obstrução arterial crônica, pode haver atrofia muscular
do membro. A pele pode ser atrófica, seca ou descamativa. Há ausência ou
rarefação de pêlos no terço distal da perna. As unhas podem estar espessa-
das e quebradiças. Nos casos de isquemia avançada, pode haver a presen-
ça de úlceras isquêmicas ou gangrena.

Sinais e sintomas nas patologias venosas


Sintomas:
Q Dor: pode ser sobre o trajeto venoso (tromboflebite superficial) ou difusa
(trombose venosa). Pacientes com varizes costumam apresentar dor que
piora com o ortostatismo prolongado e alivia com a elevação dos membros.
Q Prurido: associado ao quadro de insuficiência venosa.
Q Lesões tróficas: os pacientes se queixam de pigmentação da pele, espessa-
mento e ressecamento da pele e úlceras perimaleolares.
Sinais:
EXAME DO SISTEMA VASCULAR PERIFÉRICO

Q Varizes: veias dilatadas e incompetentes que podem ser visualizadas e/ou


palpadas.
Q Dermatite ocre: hiperpigmentação da pele no terço distal da perna secundária
à deposição de hemossiderina nos tecidos. Presente nos casos de insufi-
ciência venosa avançada.
Q Dermatolipoesclerose: espessamento da pele perimaleolar nos casos de in-
suficiência venosa avançada.
Q Empastamento muscular: associado aos casos de trombose venosa profunda.
Q Edema: pode ser crônico (associado a varizes) ou agudo (trombose venosa).
Q Aumento de temperatura: na trombose venosa profunda pode haver aumento
de temperatura em todo o membro pelo aumento da circulação superficial.
Q Hiperemia: nos casos de tromboflebite há hiperemia localizada sobre o tra-
jeto venoso comprometido.

ROTEIRO DO EXAME FÍSICO


Inspeção
Q Simetria entre os membros.
Q Edema (obstrução venosa ou linfática).
Q Alterações em pele e anexos (cor, textura, atrofia da pele e tecido subcutâ-
neo), rarefação ou ausência de pêlos.
Q Ulcerações.
Q Gangrena (úmida, seca, gasosa).
Q Padrão da circulação venosa (distribuição, simetria, varizes, telangiectasias).

290
Q Presença de fenômeno de Raynnaud (mudança progressiva de cor nos dedos
dos pés e das mãos por espasmo da microcirculação: palidez seguida de
cianose e após hiperemia).
Q Presença de atrofia muscular (resultado de isquemia crônica).
Q Paralisia muscular (isquemia avançada).

Ausculta
Q Deve ser realizada rotineiramente, em especial na aorta, ilíacas, femorais,
carótidas e subclávias.
Q A presença de sopro sistólico sugere estenose do vaso.
Q Nas fístulas arteriovenosas, ocorre sopro contínuo com reforço sistólico.

Palpação
Membros
Q Temperatura, comparando com o membro contralateral.
Q Pulsos femorais, poplíteos, tibiais posteriores, pediosos, axilares, braquiais,
radiais e ulnares, observando sua amplitude. A descrição clássica dos pulsos
usa escala de zero a quatro cruzes. Assim:
0+: ausência de pulso
1+: pulso quase imperceptível

EXAME DO SISTEMA VASCULAR PERIFÉRICO


2+: redução moderada da amplitude
3+: leve redução da amplitude
4+: amplitude normal
Contudo, um consenso publicado em 2000 sugere uma nova escala de zero
a duas cruzes (0=ausente, 1=diminuído, 2=normal), que tem sido reco-
mendada no sentido de simplificar e diminuir a subjetividade da avaliação.
Q Pesquisa de frêmitos (indicativo de fluxo turbulento provocado por estenose
ou fístula arteriovenosa).
Q Massa pulsátil nos trajetos arteriais (sugestivo de aneurisma).
Q Formação de cacifo em regiões de edema (ausência de cacifo sugere linfe-
dema).
Q Presença de veias superficiais espessadas associadas à dor, ao calor e à
hiperemia localizados (sugestivo de tromboflebite superficial).
Q Dor à palpação ou endurecimento de lojas musculares (empastamento)
podem estar associados à trombose venosa profunda.
Q Diminuição da gordura e adelgaçamento da pele no terço distal da perna
sugere dermatolipoesclerose que ocorre na insuficiência venosa crônica.
Abdome
Q A palpação deve ser feita em todos os pacientes acima de 40 anos pelo
risco de aneurisma de aorta abdominal.
Q A maioria dos aneurismas de aorta é assintomática e detectada em exames
abdominais ou ecografias de rotina. Deve-se suspeitar de sua presença na
vigência de massa pulsátil abdominal.

291
Q Os idosos com cifoescoliose lombar podem apresentar uma aorta tortuosa
e desviada anteriormente, confundindo o examinador.
Q Dor à palpação de massa pulsátil sugere aneurisma de aorta roto, em ruptura
iminente, inflamatório ou infeccioso.
Q Os aneurismas de ilíaca são de difícil palpação.

Região cervical
Q Palpação de pulsos carotídeos e subclávios.
Q Presença de massa pulsátil pode ser atribuída a aneurisma ou tumor de
corpo carotídeo, mas, em geral, é determinada por artéria alongada e tortuo-
sa em idosos e hipertensos de longa data.

Testes específicos
Q Teste de Buerger: palidez à elevação a 45o e hiperemia ao abaixar o membro
indicam isquemia crônica.
Q Tempo de enchimento venoso: completa o teste anterior. Com o abaixamen-
to do membro, observa-se o tempo de enchimento que não deve ser supe-
rior a 10 segundos. Detecta presença de isquemia. Perde seu valor quando
há insuficiência venosa.
Q Tempo de enchimento capilar digital (menor do que três segundos indica
perfusão inadequada).
EXAME DO SISTEMA VASCULAR PERIFÉRICO

Q Teste de Allen: avalia a perviedade das artérias radial e ulnar ao nível da


mão e a continuidade do arco palmar que comunica essas artérias. Compri-
mem-se ambas as artérias enquanto o paciente fecha a mão com força
para esvaziar as vênulas e os capilares, tornando a mão pálida. Liberando-
se alternadamente as artérias, deverá haver retorno imediato da coloração.
A demora para o retorno da cor traduz alteração. Deve ser realizado antes
da confecção de fistulas arteriovenosas para hemodiálise ou cateterismo radial
para evitar lesão arterial em uma mão que não possua a arcada palmar íntegra.
Q Manobras de Adson, costoclavicular e hiperabdução: para avaliar a compres-
são da artéria subclávia na síndrome do desfiladeiro torácico (ver Capítulo 11).
Q Teste de Trendelemburg: com o paciente em decúbito dorsal e os membros
inferiores elevados 45o, as veias são esvaziadas e coloca-se um garrote na
raiz da coxa. Com o paciente em pé, observa-se o reenchimento venoso.
Se for lento (15 a 30 segundos) com o garrote e rápido com a sua retirada,
é sugestivo de incompetência da junção safenofemoral; se ocorrer enchi-
mento rápido com o garroteamento, é sugestivo de incompetência em
outros locais (safena parva ou veias comunicantes).

QUADROS SINDRÔMICOS ARTERIAIS


Oclusão arterial crônica
Na maioria das vezes, a etiologia é a aterosclerose obliterante. Outras causas
são as vasculites. A sua apresentação abrange um amplo espectro que vai desde
a claudicação intermitente até a gangrena, passando pela dor em repouso e as
lesões tróficas.

292
É mais comum em homens (2:1) e está relacionado com tabagismo, diabete,
HAS, hipercolesterolemia e outros fatores de risco para aterosclerose.
As alterações observadas nas extremidades podem ser: diminuição ou ausência
dos pulsos após o exercício ou no repouso, endurecimento das artérias à palpação,
palidez, diminuição de temperatura, sopro, hiperemia, atrofia da pele (brilhosa e
descamativa) e subcutâneo, perda de pêlos, espessamento das unhas e atrofia
muscular com perda de força.

Claudicação intermitente
É um sintoma patognomônico de oclusão arterial crônica. É mais comum nos
membros inferiores. Caracteriza-se por dor em queimação desencadeada pelo
exercício, geralmente na panturrilha, que alivia com o repouso. Pode ser descrita,
também, como cansaço, fadiga, fraqueza, cãibra, sensação de peso ou pressão.
O paciente apresenta diminuição ou ausência de pulsos proximais no segmento
sintomático. Os pulsos podem ser normais no repouso e diminuírem ou desapare-
cerem após o exercício. O comprometimento tende a ser bilateral, embora os
sintomas se manifestem com mais intensidade, usualmente, no membro com
menor rede de circulação colateral.
Um quadro clínico característico é determinado pela oclusão aortoilíaca e
caracteriza-se por claudicação de glúteo e coxas, impotência sexual e ausência
de pulsos femorais (Síndrome de Leriche). Na oclusão femoropoplítea, o pulso

EXAME DO SISTEMA VASCULAR PERIFÉRICO


femoral é cheio, e a claudicação é de panturrilha.
Diagnóstico diferencial:
Q Síndrome compartimental crônica.
Q Claudicação venosa.
Q Cisto de Baker sintomático.
Q Dor de origem musculoesquelética.
Q Compressão raquimedular.
Q Síndrome do encarceramento da artéria poplítea.

Dor isquêmica em repouso


Quadro clínico precedido pela claudicação. Dor severa, contínua, que piora
com a posição supina ou elevação e melhora com o abaixamento do membro.
Geralmente localiza-se na parte distal do pé.
Diagnóstico diferencial:
Q Dor de origem musculoesquelética.
Q Neuropatia.

Lesões tróficas
As lesões características são as úlceras e a gangrena.
As úlceras são dolorosas, localizadas em pontos de pressão ou trauma (pré-
tibial, face lateral do pé, calcâneo etc.), apresentam margem bem-delimitada
(em saca-bocado), com fundo pálido e sem tecido de granulação. Podem estar
associadas a necroses da pele (gangrena).

293
A gangrena ocorre geralmente nos pés (polpas dos pododáctilos ou áreas de
pressão). Pode ser seca, úmida (com infecção local) ou gasosa (quadro de evolução
rápida e catastrófica que pode levar ao óbito rapidamente).
Diagnóstico diferencial:
Q Úlcera venosa (ver abaixo).
Q Úlcera hipertensiva: dolorosa, mas com pulsos preservados, com tendência
à bilateralidade, associada com HAS.
Q Úlcera hematológica.
Q Úlcera neurotrófica.

Oclusão arterial aguda


Apresenta-se como um quadro súbito e pode ser causada por um grupo he-
terogêneo de doenças (embolia, trombose arterial, dissecção arterial, trauma,
oclusão do leito venoso, estado de baixo fluxo).
A dor está presente em 80% dos casos (pacientes com neuropatia diabética
ou com fluxo colateral desenvolvido podem não sentir dor). Com a evolução da
isquemia, ocorre anestesia, que mascara o quadro da dor.
A ausência de pulsos é um critério absoluto para o diagnóstico de oclusão
arterial aguda.
A pele distal ao segmento ocluído fica pálida e, a seguir, evolui para cianose
EXAME DO SISTEMA VASCULAR PERIFÉRICO

moteada. Quando a cianose não desaparece com a compressão (cianose fixa),


provavelmente ocorreu trombose de arteríolas, caracterizando mau prognóstico
de recuperação.
O paciente pode queixar-se de que o membro está frio. O esfriamento da
extremidade ocorre geralmente distal à articulação abaixo do nível da oclusão.
Podem ocorrer paresias e parestesias que evoluem para anestesia e paralisia.
Paralisia e anestesia juntamente com rigidez muscular (empastamento) são sinais
de isquemia avançada da extremidade.

Aneurisma de aorta abdominal


Trata-se de patologia em que ocorre uma dilatação da aorta abdominal. A
localização mais freqüente é a aorta infra-renal.
Os fatores predisponentes são tabagismo, HAS, idade avançada, história fami-
liar e sexo masculino. Mais de 90% são de etiologia degenerativa, como alternativa
ao aterosclerótico.
Na sua grande maioria esses aneurismas são assintomáticos e apresentam-se
como achados ocasionais no exame físico ou exame de imagem do abdome. No
exame físico, identifica-se massa pulsátil no mesogástrio. A sensibilidade do exa-
me físico diminui em pacientes idosos e obesos.
Na presença de massa pulsátil dolorosa à palpação deve-se suspeitar de aneu-
risma inflamatório, em expansão ou roto. O aneurisma de aorta abdominal roto
diferencia-se dos anteriores devido à intensidade da dor (abdominal ou lombar)
e à associação com sinais de choque hipovolêmico (palidez, taquicardia, hipoten-
são, sudorese, anúria, diminuição do sensório).

294
O risco de ruptura está intimamente relacionado com o diâmetro do aneurisma.
Quando o diâmetro ultrapassa os 5 cm, o risco de ruptura torna-se maior que o
o risco da cirurgia (em pacientes com baixo risco cirúrgico).

Dissecção aguda da aorta


Patologia determinada por ruptura da camada íntima da aorta, através da
qual o sangue penetra na camada média, criando uma luz falsa na aorta que
pode se estender no sentido proximal ou distal, afetando qualquer ramo originado
desse vaso. A ruptura localiza-se na aorta ascendente em 65% dos casos, no
arco aórtico em 10%, na aorta descendente em 20% e na aorta abdominal em
5%. Os fatores etiológicos envolvidos na dissecção são a hipertensão e as patologias
que acometem a camada média da aorta (Marfan, necrose cística da média).
O quadro clínico se caracteriza por dor aguda, que pode ser pré-cordial quando
acomete a aorta ascendente e dorsal quando a dissecção atinge a aorta descenden-
te. Pode ocorrer insuficiência valvular aórtica, sopro diastólico, tamponamento
cardíaco, síncope, paraplegia (por isquemia medular), isquemia visceral (renal,
intestinal, hepática), isquemia de membros inferiores, derrame pleural, hipotensão,
choque, morte súbita.
Diagnóstico diferencial:
Q Infarto agudo do miocárdio.

EXAME DO SISTEMA VASCULAR PERIFÉRICO


Q Dor torácica musculoesquelética.

Isquemia mesentérica
Isquemia mesentérica crônica (angina mesentérica)
Está relacionada com aterosclerose ostial dos vasos viscerais (tronco celíaco,
mesentéricas superior e inferior).
A principal característica é a dor abdominal difusa associada a refeições, que
aumenta de intensidade e regride em um período de 1 a 3 horas. O paciente
refere perda de peso e medo de ingerir alimentos devido à dor.
No exame físico, observa-se emagrecimento importante. O exame do abdome
permanece inalterado mesmo nos períodos de dor. A presença de sopro abdominal
é comum. Geralmente o paciente apresenta sintomas de aterosclerose periférica
em outros sítios (impotência, claudicação intermitente).

Isquemia mesentérica aguda


O principal fator etiológico é a embolia de trombos cardíacos. Outras causas
menos freqüentes são a trombose arterial, a trombose venosa e a isquemia não-
oclusiva (secundária a situações de choque ou uso de drogas como cocaína). Os
pacientes em geral são cardiopatas (fibrilados, isquêmicos) e têm idade superior
a 50 anos.
A apresentação inicial se caracteriza pela dor abdominal difusa, de forte inten-
sidade, de início súbito e desproporcional aos achados do exame físico. Com a
evolução do quadro, o paciente apresenta dor à palpação e rigidez abdominal
(sinais sugestivos de necrose transmural).

295
Colite isquêmica (isquemia colônica)
Quadro de isquemia que afeta exclusivamente o colo. É mais freqüente em
idosos. Pode ser uma complicação da cirurgia de correção de aneurisma de aorta.
O colo descendente, a flexura esplênica e a junção retossigmóide são as regiões
mais afetadas. Cerca de 20% dos pacientes com colite isquêmica apresentam
lesões potencialmente obstrutivas distais ao segmento isquêmico.
A principal característica é a dor abdominal no quadrante inferior esquerdo.
Pode ocorrer eliminação de sangue pelo reto dentro de 24 horas.

Síndrome compartimental
A síndrome compartimental ou de Volkmann é conseqüência de um aumento
na pressão dentro de um compartimento muscular que, inicialmente, ultrapassa
a pressão de drenagem venosa, colabando as veias. Assim, o compartimento
muscular passa a reter líquido e aumenta gradativamente a sua pressão até igualar
a pressão arterial, levando ao sofrimento isquêmico da musculatura. Pode ser
causada por trauma de tecidos moles, lesão de reperfusão pós-isquêmica e trom-
bose venosa.
Caracteriza-se por dor em repouso, à movimentação passiva do pé ou da
mão ou à palpação do compartimento. Ocorre diminuição progressiva da sensibi-
lidade e da motricidade distal, bem como do pulso. Na palpação do compartimen-
to, observa-se importante aumento da tensão.
EXAME DO SISTEMA VASCULAR PERIFÉRICO

QUADROS SINDRÔMICOS VENOSOS


Tromboflebite superficial
Processo inflamatório relacionado à trombose de veia superficial. Não havendo
história de uso de drogas endovenosas, cateterização ou varicosidades, deve-se
pesquisar estados de hipercoagulabilidade. Uma variante importante é a trom-
boflebite migratória espontânea (Síndrome de Trousseau), que é uma síndrome
paraneoplásica associada a adenocarcinomas de pulmão, colo, pâncreas, estôma-
go, próstata, endométrio e mama.
A apresentação típica consiste em edema, eritema e dor ao longo de um
trajeto venoso. Pode-se palpar veia aumentada e endurecida (aspecto de cordão
fibroso). O processo pode durar de 2 a 3 semanas, mas a veia ainda pode ser
palpável por muito mais tempo.

Trombose venosa profunda (TVP)


Processo determinado por trombose de veias do sistema venoso profundo.
Apresenta como principais fatores de risco: imobilização prolongada, trauma,
estados de hipercoagulabilidade, neoplasia maligna, história prévia de TVP e idade
acima de 40 anos.
Cinqüenta por cento dos casos são assintomáticos.
O paciente pode se apresentar com um ou mais dos seguintes sinais e sintomas:
dor, edema, taquicardia, febre, aumento da temperatura da pele, cianose, em-
pastamento, turgência venosa e cianose. O sinal de Hommans (dor à dorsiflexão

296
do pé) e a dor à compressão dos músculos da panturrilha são pouco sensíveis e
específicos.
Na trombose iliacofemoral extensa, pode ocorrer edema importante com se-
qüestro de líquido, hipovolemia e palidez secundária do membro (phlegmasia
alba dolens). O quadro pode progredir para trombose distal do leito venoso,
provocando aumento do edema, cianose fixa, síndrome compartimental e sofri-
mento neurológico e arterial severo (phlegmasia cerúlea dolens).
As principais complicações da TVP são a embolia pulmonar e a síndrome pós-
flebítica.
Diagnóstico diferencial:
Q Tromboflebite superficial
Q Linfedema
Q Oclusão arterial aguda
Q Síndrome da pedrada (ruptura de veias musculares na panturrilha)
Q Cisto de Baker

Varizes
São veias superficiais dilatadas e tortuosas. Na sua grande maioria são de etiologia
primária (essencial), isto é, não são secundárias a outras patologias do sistema
venoso. As varizes secundárias têm como principal fator etiológico a TVP.

EXAME DO SISTEMA VASCULAR PERIFÉRICO


As queixas são de dor, parestesias, sensação de peso e cãibras que pioram no
final do dia e que aliviam com a elevação dos membros. Muitas vezes, a queixa
pode ser apenas de ordem estética.
O exame físico deve ser realizado em ambiente bem-iluminado, com o paciente
em ortostatismo. Por meio da palpação e do teste de Trendelemburg, pode-se
localizar as dilatações e identificar os principais pontos de refluxo.

Síndrome pós-flebítica
É a principal complicação tardia da TVP. Caracteriza-se pela incompetência
valvular profunda e das veias perfurantes com refluxo do sistema profundo para
o superficial, com hipertensão venosa superficial.
A primeira manifestação é o edema na perna e no tornozelo. Com o decorrer
do tempo, aparecem outras alterações. A dermatite de estase é uma reação
eczematosa na região do maléolo medial. A dermatite ocre é o resultado do
tingimento da pele pela hemossiderina contida nos macrófagos após fagocita-
rem o sangue extravasado na região do tornozelo. A dermatolipoesclerose é o
adelgaçamento da pele e a substituição do subcutâneo por tecido fibroso devido
às alterações inflamatórias ocasionadas pela estase. As úlceras venosas são indo-
lores, planas, com bordas irregulares e fundo com tecido de granulação recoberto
por fibrina e se localizam na região supramaleolar interna.

DICAS
Q Massa pulsatil abdominal: pensar em aneurisma de aorta abdominal.
Q Sopro carotídeo: pensar em estenose de artéria carotídea.

297
Q Fibrilação atrial + dor aguda em membro inferior: pensar em embolia arte-
rial periférica.
Q Dor aguda na panturrilha + edema: pensar em trombose venosa profunda.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS


Jurgens JL, Spittel JÁ, Jr, Fairbairn F, II. Peripheral vascular diseases. Philadelphia: WB Saunders
Company; 1980.

Maffei FHA, Lastória S, Yoshida WB, Rollo HÁ. Doenças vasculares periféricas. 3. ed. Rio de
Janeiro: MEDSI; 2002.

Pereira AH. Manual de cirurgia vascular. Rio de Janeiro: Revinter; 1998.

TransAthlantic Intersociety Consensus (TASC). Management of peripheral arterial disease


(PAD). J Vasc Surg 2000; 31: Suppl 1, Pt. 2.

Sites recomendados
VascularWeb:
http://www.vascularweb.org

Liga Acadêmica Vascular Prof. Dr. Emil Burihan:


http://www.lava.med.br
EXAME DO SISTEMA VASCULAR PERIFÉRICO

American Venous Forum:


http://www.dvt-info.com

American Heart Association:


http://www.americanheart.org

298
18
EXAME NEUROLÓGICO
LAURA BANNACH JARDIM

O sistema nervoso (SN) é uma das estruturas biológicas principais de um organis-


mo vivo. Entre os seres humanos que somos, vivendo em um mundo de cultura
e de linguagem, essa estrutura passa a ser central. A soma das diversas evidências
colhidas do estudo do SN, na saúde e na doença, por inúmeros médicos e cientistas
de várias gerações, criou essa ferramenta de investigação chamada exame
neurológico (EN). Não há provavelmente outro ramo da medicina no qual se
possa localizar tão acuradamente uma lesão, pelo exame físico, quanto a neuro-
logia. Para chegar a isso, o clínico deve não somente ter habilidade diagnóstica,
mas também um grande conhecimento da anatomia e da fisiologia neurológicas.
O presente capítulo tentará resumir os componentes principais do EN. Não se
pretende em absoluto apresentar o tema de modo abrangente: já existem livros-
texto consagrados que o fazem de modo brilhante e insuperável e que são cita-
dos ao final.
O EN é uma parte do exame físico geral. Isso quer dizer que ele deve ser
sempre precedido da anamnese e de um exame físico que inclua o exame dos
sinais vitais, do coração, dos pulmões e do abdome.
Existem inúmeras variações no estilo pessoal da realização do EN, na ênfase
de certos testes e na ordem da aplicação dos mesmos. Uma forma bastante
aceita de EN apresenta as seguintes divisões:
Q Atitude
Q Estado mental
Q Funções cognitivas
Q Equilíbrio e marcha
Q Coordenação
Q Exame da motricidade
Q Reflexos
Concluindo: diagnósticos topográficos das síndromes motoras clássicas
Q Sensibilidade
Q Nervos cranianos
ATITUDE
A atitude física ou posição do paciente, se mantida prolongadamente, seja no
leito ou fora dele, merece atenção, pois pode ter um significado racional para o
seu diagnóstico. Classificamos as atitudes (ou posições) dos indivíduos em:
Q Atitude ativa, que pode ser:
– indiferente, quando não há desconforto e o indivíduo pode ficar em
qualquer posição;
– eletiva: quando uma posição peculiar é a preferida por diminuir um des-
conforto ou uma limitação funcional.
– Como registrar: de forma descritiva: por exemplo, “atitude ativa eletiva
em decúbito lateral direito”, “postura limitada à posição sentada” etc).
Q Atitude passiva, quando o paciente não é capaz de se movimentar volunta-
riamente. A atitude passiva é devida a uma das seguintes situações:
– coma;
– paralisia do movimento voluntário das quatro extremidades (tetraplegia);
– estados psiquiátricos graves – catatonia e quadros dissociativos.

ESTADO MENTAL
O exame do estado mental começa com a observação de certas características
gerais, como o cuidado pessoal, o afeto (os sentimentos despertados no examina-
dor), a idade, a lateralidade, o nível de escolaridade e a ocupação.
As primeiras funções mentais a serem examinadas são a vigília (o nível de
EXAME NEUROLÓGICO

consciência) e a atenção, pois ambas são pré-requisitos para que as outras funções
mentais possam se expressar normalmente. Ou seja: dificuldades na realização
de cálculos, na nomeação de objetos ou na escrita não podem ser atribuídas a
disfunções corticais específicas se o paciente estiver desatento ou se o seu nível
de consciência estiver reduzido.

Vigília e atenção
Objetivo de avaliação
O nível de consciência está normalmente muito prejudicado quando há lesão
da formação reticular ascendente ou lesões bilaterais do tálamo ou dos hemisférios
cerebrais. As encefalopatias difusas metabólicas ou tóxicas também reduzem a
consciência por afetarem a função das estruturas mencionadas. Já as alterações
generalizadas da atenção são consideradas muitas vezes como anormalidades
inespecíficas, sugestivas de lesões encefálicas difusas, como os quadros de demên-
cia ou de encefalite, ou mesmo em distúrbios do humor (depressão).

Vigília (nível de consciência)


Objetivos: definir se o estado de vigília (de alerta ou de consciência) do paciente
é fisiológico – quando o paciente dorme ou está vigil – ou se é patológico –
quando o paciente está letárgico ou comatoso.
Exame: o da inspeção e da interação geral com o paciente.

300
Registro: descritivo, claro e direto. Exemplos:
Q “paciente comatoso, irresponsivo a qualquer estímulo”ou “comatoso, re-
tira o membro ao estímulo doloroso à esquerda (E) e à (D)”
Q “letárgico, acorda brevemente e vocaliza ao estímulo doloroso”, ou
Q “sonolento, permanece acordado brevemente enquanto houver estímulo
verbal”, ou
Q “alerta” – o que indica que a vigília e a atenção são normais.

Atenção
Observe se o paciente é capaz de permanecer focado em um assunto, se ele
resiste às distrações e mantém uma conversa coerente. Registre de forma descri-
tiva: “alerta mas desatento”, ou “coerente, mas distraindo-se facilmente”, ou
“incoerente, desatento”.
Teste: digit span:
Q recite uma seqüência de cinco números aleatórios, em baixa velocidade
(1/segundo);
Q faça o paciente repetir na mesma ordem.

Interpretação: pessoas normais repetem entre 5 e 9 algarismos (a média da popula-


ção normal é 7). Qualquer redução no digit span para menos de cinco significa
déficit de atenção.
Teste: persistência (ou impersistência) motora:
Q observe se o paciente é incapaz de sustentar uma postura – por exemplo,

EXAME NEUROLÓGICO
se o paciente consegue manter-se olhando para os olhos do examinador
enquanto tem seu campo visual examinado por ele. Se a distração acontecer,
faça o teste:
– solicite que o paciente protua a língua e a mantenha assim por no mínimo
20 segundos.
Atenção espacial: a atenção tem um componente espacial importante, que será
afetado de forma diferente se uma lesão hemisférica for à direita ou à esquerda.
Lesões do hemisfério direito atingirão a atenção espacial.
Teste de “cancelamento”:
Q apresente uma página branca com vários pequenas linhas distribuídas alea-
toriamente (como essa que apresentamos na Figura 18.1);
Q solicite ao paciente que trace, ele mesmo, uma única linha através de todos
os traços daquela página, interseccionando-os.
Extinção sensorial: um teste realizado no momento do exame da sensibilidade,
logo adiante (ver).
Interpretação: pessoas normais cruzarão todas as linhas-alvo da página. Já pacientes
com heminegligência deixarão de marcar algumas linhas de um dos lados da
página. Do mesmo modo, pessoas normais jamais extingüirão ou negligenciarão
estímulos táteis ou visuais de um lado, sistematicamente. A extinção localiza
uma lesão no hemisfério contralateral à mesma.

301
Figura 18.1 – Atenção visual.

Memória
O exame da memória visa identificar se há evidência de déficit com significa-
do clínico específico. Para isso, é preciso que tenhamos demonstrado que o pacien-
te está alerta, tem atenção normal e que não apresenta alterações na linguagem.
Somente nessas circunstâncias, os déficits de memória podem ser atribuídos a
uma disfunção dos lobos temporais mediais ou do diencéfalo medial.
A memória pode estar prejudicada nas mais diversas escalas de tempo. Se o
prejuízo é no registro e na recordação imediata (sem intervalo de tempo), trata-
se provavelmente de um déficit de atenção ou de uma afasia de repetição. Se a
EXAME NEUROLÓGICO

“memória imediata” está intacta e a dificuldade na recordação começa depois


de aproximadamente cinco minutos desde o aprendizado (memória recente),
interpreta-se o achado como uma evidência de dano às estruturas límbicas (lobo
temporal medial e tálamo medial). Um déficit completo de memória recente
pode ter um começo claro e provocar uma amnésia anterógrada – ou seja, o
paciente terá dificuldade de se recordar de tudo o que acontecer depois do início
da doença, com manutenção das recordações do que sucedeu antes da mesma.
Mas a amnésia pode também ser retrógrada – quando o agente causal do déficit
de memória recente afetar também a sedimentação e a evocação de memórias
dos acontecimentos imediatamente anteriores ao início da doença (provocando
amnésia para os fatos que a antecederam).

Testes
Testes de orientação
Q no tempo: peça cinco parâmetros de tempo: dia da semana, dia do mês,
mês, ano e estação do ano;
Q no espaço: peça cinco parâmetros de espaço: tipo de edifício no qual o
examinador e o doente se encontram (hotel, aeroporto ou hospital); andar,
quarto ou enfermaria; cidade, estado, país;
Q na pessoa: peça ao menos cinco parâmetros: nome, endereço, data de
nascimento, idade, ocupação, estado civil, etc.

302
Interpretação: déficits de orientação no tempo e na pessoa sugerem possíveis
déficits de memória recente. Desvalorizam-se achados menores, se o indivíduo
está internado há algum tempo, pois isso se explica pela perda dos parâmetros
rotineiros de orientação. Também um baixo nível de escolaridade prejudica o
entendimento das questões (especialmente as perguntas sobre estado e país).
Os déficits de orientação quanto à pessoa são mais graves – provavelmente apon-
tando para a existência de uma alteração de memória de maior duração e intensi-
dade (um quadro de demência estabelecido) ou de uma encefalopatia aguda,
difusa (quadro também chamado de delirium).
Testes de memória
Q apresente três palavras aleatórias ao indivíduo (sem que evoquem uma
única associação de idéias) e avise que você vai solicitá-las mais tarde;
Q peça que ele repita de imediato as três palavras – avaliando sua “memória
imediata”;
Q distraia o indivíduo por, no mínimo, 10 minutos. Alternativamente, pode-
se deixar esse passo para o final do EN. Peça então que o indivíduo repita
as três palavras. A recordação obtida entre 10 minutos e 3 horas desde o
aprendizado dá uma avaliação de sua “memória recente”;
Q memória remota: pergunte sobre informações sobre as quais você tenha
acesso por outros meios (dados de familiares, de prontuário médico etc.).
As experiências coletivas atestam uma memória remota somente se as res-
postas forem corretas (eleições, jogos ou datas importantes); de outra forma,
não há como garantirmos que o paciente devesse se recordar mesmo delas.

EXAME NEUROLÓGICO
Registro:
Memória imediata: ___/ 3
Memória recente: ___/ 3
Memória remota: descrever...
Interpretação: déficits de memória imediata indicam alterações de atenção ou,
talvez, uma afasia de repetição (uma desconexão entre os centros de Broca e de
Wernicke). No teste de memória recente, pessoas normais costumam acertar as
três palavras oferecidas. Se houver 2/3 recordações, o melhor é repetir o teste.

FUNÇÕES COGNITIVAS
Linguagem
A linguagem é a habilidade de expressar pensamentos por meio das palavras.
Embora seja um produto muito diferenciado de nossa motricidade, ela é muito
mais do que uma capacidade motora: a linguagem é o mecanismo pelo qual
fazemos aparecer nossa atividade simbólica interior. Como pensamentos e idéias
são expressados por símbolos auditivos, de símbolos gráficos e de símbolos mo-
tores (gestos e pantomimas), é melhor conceituar a linguagem como o meio
geral (verbal e motor) que um indivíduo tem para se expressar.
Entretanto, no EN-padrão, a investigação da linguagem concentra-se em dois
níveis:

303
Q na articulação das palavras, feita por meio do aparelho fonador;
Q na função lingüística propriamente dita.

Investigamos esses dois níveis para reconhecer se há lesões nos centros corticais
e subcorticais de percepção e de expressão da linguagem em doenças do hemisfé-
rio dominante ou se existem anomalias do movimento do aparelho articulador,
sejam elas decorrentes de um enfraquecimento do movimento voluntário (neu-
rônios motores inferiores ou superiores, miopatias, neuropatias), de sua coordena-
ção (cerebelo e suas vias), seja de sua aquisição no desenvolvimento do sujeito
(outras disfunções cerebrais).

A articulação das palavras


Os distúrbios articulatórios são aquelas dificuldades de falar decorrentes das
perturbações motoras do aparelho fonador causadas por uma fraqueza muscular,
uma incoordenação muscular ou um distúrbio específico no desenvolvimento
psicomotor. Esses distúrbios não afetam as funções simbólicas da linguagem.
Eles incluem:
Q as disartrias: causadas por uma fraqueza (do neurônio motor superior ou
inferior) ou uma incoordenação dos músculos da articulação da palavra;
Q as disfonias: decorrentes de uma fraqueza da musculatura da laringe ou do
palato mole (determinantes da dinâmica da expiração associada ao som da
palavra);
Q as dislalias: distúrbios desenvolvimentais do aprendizado da articulação.
EXAME NEUROLÓGICO

A função lingüística
As afasias são os distúrbios adquiridos da linguagem (falada e escrita) causados
por lesões cerebrais.
Como se determina que um paciente está afásico? Certificando-se de que:
Q A linguagem pré-mórbida era normal.
Q A disfunção da linguagem não é simplesmente articulatória.
Q Não se está perante um paciente com distúrbios cognitivos gerais – sua
atenção, vigília e memória devem estar normais.
Satisfeitos esses três pré-requisitos, seis parâmetros de averiguação da lingua-
gem são então utilizados:
Q fala espontânea: observar a fluência, a velocidade e a abundância; observar
se há erros parafásicos, neologismos.
Q nomeação de objetos: pedir que o paciente dê nomes simples de certos
objetos, assim como nomes mais complicados.
Q compreensão auditiva: observar se o paciente compreende comandos sim-
ples, como “levante sua mão”, “olhe para o meu dedo” etc.
Q repetição: o paciente pode repetir palavras e frases que o examinador oferece?
Q leitura: solicitar que o paciente leia palavras e um parágrafo curto e testar
sua compreensão.
Q escrita: pedir que o paciente escreva seu nome e uma frase qualquer.

304
Diversos tipos de afasias podem ser provocados por lesões hemisféricas, princi-
palmente se atingirem o hemisfério dominante – no lobo frontal, provocando a
afasia motora ou de Broca; nos lobos temporal e parietal, ocasionando a afasia
sensorial ou de Wernicke; na sustância branca subcortical, ocasionando uma afasia
de condução; no tálamo e no caudato. As afasias mais comuns ou clássicas são
listadas a seguir.
Afasia motora ou de Broca
Causada por lesões que afetem a área de Broca (Figura 18.2).
Parâmetros e achados:
Q Fala espontânea: não-fluente, realizada com esforço, telegráfica.
Q Nomeação: prejudicada.
Q Compreensão auditiva: intacta.
Q Repetição: prejudicada.
Q Compreensão escrita: freqüentemente prejudicada.
Q Sinais associados: hemiparesia direita, hemi-hipoestesia direita, apraxia dos
membros esquerdos, depressão.
Q Localização: lobo frontal dominante (esquerdo).

Movimento dos
olhos e da cabeça
Área motora primária

EXAME NEUROLÓGICO
Broca Área sensitiva primária

Wernicke

Córtex visual

Audição

Córtex visual

Figura 18.2 – Principais aéreas corticais do hemisfério dominante.

305
Afasia de Wernicke
Causada por lesões que afetem a área de Wernicke (ver Figura 18.2).
Parâmetros e achados:
Q Fala espontânea: fluente, às vezes excessiva (logorréia), sem hesitação. O
conteúdo, porém, é feito de frases sem sentido. Há poucos substantivos e
verbos que façam sentido.
Q Nomeação: prejudicada, com parafasias bizarras.
Q Compreensão auditiva: muito prejudicada.
Q Repetição: prejudicada.
Q Compreensão da leitura: prejudicada, mas nem sempre no mesmo grau
que a compreensão auditiva.
Q Escrita: bem-formada, muitas vezes fluente, mas cheia de parafasias e de
frases sem sentido.
Q Sinais associados: freqüentemente ausentes, exceto pelos defeitos de campo
visual (quadrante superior direito).
Q Localização: temporal superior/parietal inferior esquerdo (ou o dominante).

Afasia de condução
Parâmetros e achados:
Q Fala espontânea: fluente mas hesitante, erros parafásicos, notados pelo
paciente, que os tenta corrigir.
Q Nomeação: variável.
Q Compreensão auditiva: intacta.
EXAME NEUROLÓGICO

Q Repetição – característica principal dessa afasia: muito prejudicada, déficit


fora de proporção em relação aos outros defeitos.
Q Compreensão da escrita: variável.
Q Escrita: variável.
Q Sinais associados – lesão básica: desconexão entre Wernicke e Broca. Se
lesão parietal inferior: hemiparesia direita, hemi-hipoestesia direita, hemia-
nopsia direita e, às vezes, apraxia bilateral. Se lesão temporal isolada
(Wernicke): às vezes nada mais.
Q Localização: temporal isolada ou parietal inferior (giro supramarginal).

Calculia, agnosia de dedos, confusão direita-esquerda, agrafia


O prejuízo dessas funções específicas em um indivíduo – o que quer dizer
que ele tem as outras funções mentais superiores intactas (linguagem, memória,
atenção etc.) – é chamado de síndrome de Gerstmann. Essa síndrome é causada
por lesões no lobo parietal dominante. Gerstmann, em 1930, descreveu a associa-
ção de lesões parietais esquerdas com quatro (ou cinco) déficits combinados:
agrafia (e alexia) por incompreensão da linguagem escrita, junto à boa compreen-
são verbal (falada); desorientação direita-esquerda; acalculia (seja por perda dos
símbolos numéricos, de sua organização visuoespacial, seja do conceito de cálculo
como uma função seqüencial) e agnosia de dedos.

306
Notas sobre a agrafia
A agrafia geralmente acompanha todas as síndromes afásicas e aléxicas. Ela é
tão constante nessas síndromes, que a sua análise pode ser vista como um método
de triagem para afasias leves e de apresentação muito sutil. Por outro lado, um
paciente “mudo” que é capaz de escrever não deve sofrer de uma afasia e sim
de uma grave disartria.
A escrita é um código de comunicação secundário, evolutivamente, em relação
à linguagem articulada. A escrita é muito recente e, embora o seu aparecimento
seja claramente um fenômeno histórico, seus circuitos cerebrais já têm topografias
bem-estabelecidas (ou seja, parece que a cultura já mudou a biologia).
A modalidade de escrita mais abrangente, na humanidade, é a escrita fonética,
onde um signo não tem nenhum conteúdo semântico. Um signo, nesse caso, só
representa um som. A escrita fonética evoluiu dos sistemas silábicos (pouco eco-
nômicos, pois deveria haver um signo para cada sílaba) e dos sistemas conso-
nânticos (nos quais o signo só representa a consoante), para o nosso código, que
usa tanto vogais como consoantes (o alfabeto grego do século IX a.C. é o primeiro
exemplo histórico).
A escrita é uma atividade analítica que supõe não somente a notação, por
signos gráficos, dos vocábulos da língua, mas ainda a decomposição desses vocá-
bulos em unidades elementares, em sons, que são transcritos cada um por uma
única letra.
Esses aspectos gerais sobre a escrita e o alfabeto foram mencionados para
que se possa entender por que, para a compreensão da linguagem escrita, o

EXAME NEUROLÓGICO
cérebro precisa evocar os fonemas correspondentes, ativando a região de Broca
(Figura 18.3).

4
Broca

Vias:
Q De 1-2: simultaneognosia da
palavra escrita (faz o formato
.. léxico)
3 ..... 1 Q De 2-3: dá o significado do escrito
..
2 ... Q De 3-4: transforma o grafema em
Wernicke ... fonema
Q De 4-3: do fonema, retorna ao
C. calcarino significado

Figura 18.3 – Circuito cerebral esquemático de leitura e de escrita. (1) Córtex visual primário
(2) Córtex occipitomesial. (3) Temporooccipital. (4) Frontal.

307
Se perdemos:
Q O córtex occipitomesial (2, na Figura 18.3), não reconhecemos visualmente
a palavra; entretanto, a executamos (escrevemos), mantemos a simbologia
acústica das letras (p. ex., soletrar) e reconhecemos eventualmente letras
isoladas na leitura.
Q O córtex temporooccipital (3, na Figura 18.3), podemos perder o significado
geral de qualquer palavra escrita.
Q O córtex frontal (4, na Figura 18.3), não transformamos a imagem da palavra
(grafema) em fonema, que, por sua vez, parece ser a chave para compreen-
dermos a informação seqüencial dada pela linguagem escrita.

Apraxia
As apraxias são os distúrbios da realização dos movimentos propositados e
deliberados, especialmente os movimentos que fazem parte de uma habilidade
aprendida. Nas apraxias não há paresia (fraqueza), ataxia, alteração do tônus,
hipercinesia ou alteração sensorial subjacente: o que acontece é que o “plano de
execução de um ato complexo está perturbado, e por isso os vários elementos
constitutivos do mesmo se desorganizam, ficando sua disposição temporoespacial
alterada” (Lefèvre) ou mesmo perdida.
Aparentemente, as apraxias são causadas por um déficit no planejamento
dos atos ou na sua conceitualização. Pode-se testar a apraxia de um indivíduo
pedindo para ele imitar a realização de uma tarefa complexa, usando comandos
assim: “Como você penteia o seu cabelo?”, “Imite o gesto de ligar um automóvel
EXAME NEUROLÓGICO

e de dirigi-lo”, “Imite o gesto de acender e de apagar um fósforo”. Pessoas


apráxicas realizam essas imitações de um modo muito simplificado e grosseiro,
apesar de terem compreensão normal e todo o exame da motricidade normal.
Esse fenômeno é freqüentemente chamado de apraxia ideomotora.
Infelizmente, o termo “apraxia” tem sido usado para uma variedade enorme
de diferentes anormalidades, que não necessariamente têm um topografia ou
mesmo uma fisiologia comum. Além disso, mesmo a apraxia ideomotora não
identifica bem uma localização hemisférica de sua lesão. Assim, se diz que:
Q a apraxia membrocinética decorre em geral de lesões do córtex pré-motor
ou pré-central (áreas 6 e 4); é contralateral à lesão, mas às vezes, onde há
extrema dominância, pode ser bilateral;
Q a apraxia ideomotora é bilateral e afeta os movimentos das quatro extremi-
dades. A localização topográfica mais freqüentemente envolvida é o giro
supramarginal (área 40).

EQUILÍBRIO E MARCHA
As anormalidades da marcha podem ser causadas por déficits nos mais diferentes
sistemas de controle e de execução motora no SN: no cerebelo, no sistema vesti-
bular, no sistema piramidal, nos gânglios da base (extrapiramidais), nos lobos
frontais e nos sistemas proprioceptivos. Além disso, doenças dos nervos periféricos
e dos músculos também vão afetar a marcha de um modo muito particular. É por

308
isso que o exame da marcha é tido como um excelente “teste de triagem” para
as doenças neurológicas em geral – pois é sensível para um grande número delas.

Equilíbrio
Teste: solicite que o paciente fique de pé, imóvel, com os pés juntos (se possível),
primeiro com os olhos abertos e depois com os olhos fechados. Mantenha ambas
as situações por no mínimo 20 segundos cada.
O teste inclui:
Q observação apenas: se o paciente se mantiver bem-equilibrado apenas com
os olhos abertos e começar a oscilar (perigosamente) com os olhos fecha-
dos, diz-se que há sinal de Romberg;
Q uma prova de rechaço: na qual o examinador pode empurrar o individuo,
enquanto esse naturalmente oferece resistência para não cair. A interrupção
da força aplicada testa se o paciente é capaz de interromper a queda inercial
que aconteceria (na direção do observador, que com isso protege da queda
o seu paciente), por meio da contração imediata da musculatura antagônica.
Interpretação:
Q oscilações presentes apenas com os olhos fechados – sinal de Romberg –
indicam que a visão está corrigindo uma anomalia da informação sensorial
de origem vestibular (queda unilateral) ou proprioceptiva (queda para todas
as direções);
Q oscilações presentes mesmo com os olhos abertos sugerem ou uma lesão

EXAME NEUROLÓGICO
bastante aguda ou grave das estruturas acima mencionadas; ou mais prova-
velmente uma lesão cerebelar, que pode ser hemisférica (queda unilateral)
ou no vérmis (queda para todas as direções);
Q oscilações unilaterais poderão ser causadas por uma lesão vestibular ou de
hemisfério cerebelar. A distinção entre ambas as hipóteses pode ser feita
mudando-se a posição da cabeça do paciente no teste de equilíbrio de
olhos fechados. Na doença do hemisfério cerebelar, a mudança de posição
da cabeça não modifica o padrão de queda. Na doença vestibular, o lado
da queda deverá mudar;
Q a prova do rechaço, anteriormente citada acima, testa uma função cerebelar
chamada diadococinesia;
Q Atenção: lembre-se de que lesões em outras partes do SN, particularmente
as com função motora (déficits de força, lesões extrapiramidais etc.), po-
dem provocar desequilíbrio. Elas “prejudicam” a avaliação do equilíbrio,
em outras palavras, e devem ser interpretadas no contexto geral do EN.

Marcha
Testes:
Q marcha espontânea: observar o “ir e vir” de diversos passos do indivíduo,
se possível. Valorizar como ele gira 180º, como se dão seus movimentos
associados e se um dos membros inferiores se mantém por menos tempo
no solo do que o outro.

309
Q provas deficitárias: buscam revelar possíveis fraquezas para as quais a prova
da marcha foi pouco sensível. Entre elas, destacamos as mais comuns:
– caminhar na ponta dos pés;
– caminhar sobre os calcanhares e caminhar pé ante pé (em tandem), em
linha reta, desfazendo-se o polígono de sustentação.
Q atenção: se você suspeita de que haja dificuldade no caminhar do paciente,
mantenha-se perto dele, protegendo-o de quedas.
Interpretação: é difícil descrever as diferentes formas de caminhar. Algumas delas
seriam:
Q a espástica:
– unilateral: hemiparética, ou de Wernicke-Mann. Há uma postura persis-
tente em extensão do membro inferior e em flexão do membro superior;
– bilateral: em tesoura, paraparética (ambos os membros inferiores em
extensão e adução);
Q atáxica (com desequilíbrio):
– unilateral (quando se pensa em um distúrbio de hemisfério cerebelar ou
de um dos vestíbulos);
– bilateral: ebriosa, com quedas para ambos os lados e aumento do polí-
gono de sustentação;
Q parkinsoniana: em pequenos passos e sem movimentos associados em geral,
com um girar “robótico”;
Q neuropática, em pied tomband: incapacidade de realizar a extensão plantar,
com a conseqüente correção dada por uma excessiva flexão da perna sobre
EXAME NEUROLÓGICO

a coxa;
Q miopática ou anserina: incapacidade de fixar a cintura pélvica, com insta-
bilidade da mesma a cada passo;
Q apráxica, ou frontal: incapacidade de iniciar e de prosseguir a marcha na
ausência de qualquer déficit de força (observada nas provas de força).

COORDENAÇÃO
O exame da coordenação pretende revelar se essa função eminentemente cere-
belar está intacta. Os testes clínicos incluem as provas de dedo-nariz, de diado-
cocinesia e de rechaço, entre outras. Entretanto, a observação da coordenação
só é possível se a força e as sensações proprioceptiva e vestibular estiverem
intactas – assim, o observador deverá interpretar a razão da dificuldade na realiza-
ção desses testes no contexto de todo o EN. Alterações na coordenação dos
movimentos são chamadas de ataxia e podem ser vistas predominantemente
nos movimentos do eixo corporal (ataxia axial) ou em um ou mais dos membros
(ataxia apendicular).
A coordenação muscular é observável analiticamente por meio dos fenômenos
a seguir.

Metria e composição dos movimentos


A metria é a capacidade de avaliar a distância e a velocidade de desaceleração
necessárias a um dado movimento, como quando a extremidade de um membro

310
se aproxima de um alvo. Se há distúrbio nessa função, a extremidade do membro
pára antes de chegar no alvo (hipometria), e o objetivo é atingido após uma série
de abalos; ou o objetivo é “ultrapassado” (hipermetria) e o dedo fica “vagando”
ao redor. Esse “ir e vir”, lado a lado, da extremidade, pode assumir uma qualida-
de rítmica e então é chamado de tremor de intenção. (O tremor de intenção
eventualmente atinge mais a raiz do membro superior, dando como efeito um
tremor perpendicular à linha do movimento, que aumenta de amplitude na me-
dida em que o alvo se aproxima.)
Já a decomposição dos movimentos em seus fragmentos básicos é outro efeito
da incoordenação e é mais visível em manobras compostas que envolvam uma
mudança de postura de duas ou mais articulações. O movimento torna-se
desajeitado, ou “robótico”.
Testes:
Q dedo-nariz: deve-se pedir que o paciente estenda um dos braços para fora
e, com a ponta do dedo, atinja a ponta do seu nariz, algumas vezes, primeiro
de olhos abertos e depois de olhos fechados;
Q dedo-nariz-dedo: inclui-se na trajetória do teste anterior o dedo do próprio
examinador, que fica como um “segundo alvo”, apenas visual, além do
alvo proprioceptivo, que é o nariz. Atenção: essa prova não é exeqüível se
o paciente tiver algum déficit visual (perguntar para o paciente, pois alguns
poderão ter diplopia);
Q calcanhar-joelho: em decúbito dorsal, pede-se que o indivíduo acerte o
seu joelho com o calcanhar contralateral. Para tornar a prova mais precisa,

EXAME NEUROLÓGICO
pode-se definir o alvo com um dos dedos do examinador posto sobre o
joelho do paciente;
Q observar se na fala do paciente não há evidências de incoordenação. Altera-
ções cerebelares produzem um alentecimento e imprecisão da fala que
vamos chamar de disártricos; ou uma fala escandida, onde as palavras são
decompostas em suas sílabas, com perda do ritmo e da entonação próprios
da prosódia;
Q movimentos oculares anormais podem ocorrer, ficando atáxicos: o olhar
conjugado pode não mais conseguir acompanhar o movimento de um ob-
jeto (distúrbio no pursuit, ou acompanhamento); ou ainda pode não mais
conseguir fixar imediatamente o mesmo, oscilando ao seu redor antes da
fixação definitiva (ver essas alterações no exame do movimento ocular).

Alternância de movimentos antagônicos


A alternância de movimentos é muito facilitada pela influência cerebelar sobre
os neurônios internunciais. Uma lesão cerebelar, em conseqüência, traz a dificulda-
de de movimentos antagônicos serem bem-realizados. Suas alterações tomam a
forma da disdiadococinesia e da perda dos “reflexos de frenagem” (rebote positi-
vo, manobra de Stewart-Holmes) e são explicadas pelo papel que o cerebelo
tem na inervação recíproca de grupos musculares agonistas e antagonistas.

311
Testes:
Q diadococinesia: peça para o paciente alternar rapidamente as posições de
pronação e de supinação das mãos.
Q rebotes, entre outros:
– manobra de Stewart-Holmes: peça para o paciente flexionar seu ante-
braço e tentar puxar o antebraço do examinador em direção ao seu
peito. O examinar retira então bruscamente seu antebraço;
– o rechaço durante a prova de equilíbrio.
Interpretação da disdiadocinesia: pacientes atáxicos serão incapazes de manter
uma alternância rítmica, e o movimento apresentará alterações de amplitude e
de velocidade.
Interpretação de um rechaço positivo: em pessoas normais, a rápida contração da
musculatura extensora do antebraço freia o movimento do membro superior em
direção ao peito (rechaço negativo); em pessoas com alterações de hemisfério
cerebelar, o antebraço bate no peito do indivíduo. Atenção: não deixe de pro-
teger o peito do paciente, pois ele pode se machucar com a manobra.

EXAME DA MOTRICIDADE
Costuma-se denominar exame da motricidade a avaliação que se realiza a respeito
do trofismo, do tônus e da força musculares. Os primeiros dois aspectos são
investigados por meio da inspeção e da palpação. O último, entretanto, requer a
atividade voluntária do paciente, ou seja, o exame da força é, na verdade, o
EXAME NEUROLÓGICO

exame do movimento voluntário. Isso nos recorda que também o movimento


involuntário deve ser averigüado.
Também fazem parte das funções motoras do SN a coordenação, a marcha e
a eferência dos reflexos miotáticos. Porém, elas são tradicionalmente analisadas
e descritas, no EN, como itens independentes.
O objetivo do exame da motricidade é o de encontrar sinais de disfunção do
sistema motor na altura das fibras musculares, das placas mioneurais, dos neu-
rônios motores inferiores, do sistema piramidal ou, ainda, do sistema extrapira-
midal.

Trofismo
O exame do trofismo é realizado por meio da inspeção da massa muscular do
indivíduo. Os achados podem ser:
Atrofia muscular. A atrofia pode ser o resultado de:
Q desuso, como acontece quando o doente perde a capacidade de realizar
movimentos voluntários. Pela mesma razão, vê-se atrofia muscular em esta-
dos caquéticos;
Q doença do neurônio motor inferior (o que inclui o nervo periférico), quan-
do então ela é grave e associada a vários outros achados, nomeadamente
a fraqueza muscular, a hipotonia, a arreflexia e a presença de fasciculações;

312
Q doença da fibra muscular, em que também a atrofia poderá ser grave e
associada à fraqueza muscular.
O padrão de distribuição da atrofia, quando ela for grave, poderá ajudar na
determinação de sua causa. Assim, doenças da fibra muscular, como certas mio-
patias estruturais e certas distrofias musculares, costumam afetar predominante-
mente a musculatura proximal. As doenças dos nervos periféricos, por outro
lado, costumam causar atrofias musculares distais.
Hipertrofia muscular. Trata-se de um achado incomum, que freqüentemente identi-
fica a presença de uma distrofia muscular – em especial, daquelas ligadas ao X,
nas quais as panturrilhas são hipertróficas e simultaneamente fracas. Também se
vê hipertrofia nos casos de hiperatividade muscular, como acontece nas miotonias
congênitas.

Movimentos involuntários
Os movimentos involuntários também são examinados por meio da inspeção.
Os movimentos involuntários normais são aqueles movimentos associados,
sinergísticos a uma função propositada e à mímica em geral (especialmente a
facial). Assim, o oscilar dos braços de forma alternada enquanto caminhamos e a
série de movimentos de tronco e de braços, que acompanham o levantar-se da
posição sentada, são exemplos de movimentos involuntários associados conside-
rados normais.
Os movimentos involuntários podem ter as seguintes origens e/ou interpreta-

EXAME NEUROLÓGICO
ções:
Q Movimentos associados, sinergísticos:
– se presentes: estado normal;
– se ausentes: sugerem a presença de uma pouca inclinação do sujeito de
se movimentar. Esse achado é denominado de hipocinesia (ou bradici-
nesia) e é encontrado nas síndromes extrapiramidais (especialmente a
parkinsoniana);
– se exagerados: hipercinesias sugerem agitação psicomotora e quadros
de mania ou quadros extrapiramidais, como a acatisia e a síndrome das
pernas inquietas (restless leg syndrome).
Q Movimentos involuntários patológicos, extrapiramidais: encontrados nas
lesões dos núcleos da base. Entre eles, observamos:
– coréia: um movimento súbito, com ocorrência imprevisível, arrítmico,
proximal ou distal, mais irregular do que uma mioclonia. Quando afeta
a raiz dos membros, a força decorrente do tamanho do corpo muscular
envolvido no movimento coréico justifica que seja chamado de balismo;
– atetose: um movimento involuntário rítmico, mais lento, previsível, este-
reotipado, em geral de predomínio mais distal;
– distonia: uma postura anômala sustentada, seja em um grupo muscular
apendicular, seja axial; a postura mantida costuma ser aquela observada
no extremo de um movimento atetóide qualquer.

313
Q Tremores: os tremores têm causas fisiopatológicas bastante distintas entre
si, ao contrário do que se viu nos movimentos involuntários anormais citados
anteriormente, todos originados por lesões nos núcleos da base. São eles:
– tremor de repouso: em geral de baixa freqüência, grosseiro e de grande
amplitude, é o tremor de origem parkinsoniana. Esse tremor melhora
com a postura e o movimento voluntário;
– tremor postural: observado quando se pede ao paciente que mantenha
uma postura qualquer, como a prova de braços estendidos (BE), que se
faz durante o exame da força muscular. Esse é o chamado tremor essen-
cial;
– tremor de ação: é o que somente aparece no movimento deliberado e
mais no final do movimento, quando o membro se aproxima do alvo.
Esse tremor é melhor observado nas provas de coordenação citadas acima,
como a de dedo-nariz. O tremor de ação, na verdade, seria corresponden-
te a uma dismetria, e sua origem é cerebelar.
Q Movimentos paroxísticos: são os de origem convulsiva, devidos a uma ati-
vidade irritativa cortical. Conforme a crise convulsiva se generalize ou não,
podem ser acompanhados de perda de consciência. É claro que raríssimas
vezes as convulsões serão observadas em um exame neurológico. Entre
esse tipo de movimento, citamos:
– crises clônicas;
– crises tônicas;
– crises atônicas;
EXAME NEUROLÓGICO

– mioclonias.
Q Fasciculações: movimento de origem muscular (e não-neural); as fascicu-
lações são devidas a contrações de fibras musculares isoladas. Elas aconte-
cem quando essa fibra está desaferentada. No estado normal, nenhuma
fibra se contrai isoladamente, pois o potencial de ação originário de um
neurônio motor irá despolarizar, simultaneamente, várias outras fibras mus-
culares – a chamada unidade motora. Quando a fibra está desaferentada,
um estado de “abstinência” aparece e qualquer estímulo físico-químico
pode despolarizá-la. As fasciculações são exclusivamente vistas nas doenças
do neurônio motor inferior – tanto do corpo neuronal (no corno anterior
da medula) como, menos comumente, dos axônios (neuropatias).

Tônus
Testes de movimentação passiva:
Q solicite que o paciente relaxe sua musculatura;
Q procure registrar qual a resistência muscular ao movimento passivo, pri-
meiro do pescoço, fletindo e estendendo-o de forma delicada;
Q flexione e estenda o antebraço sobre o braço e depois rote o pulso;
Q flexione e estenda os joelhos e os tornozelos.

Interpretação:
Q Tônus normal: é o que se encontra quando há uma leve resistência à mo-
vimentação passiva.

314
Q Tônus aumentado:
– rigidez cérea, ou hipertonia plástica: é a hipertonia que aparece à movi-
mentação passiva de qualquer articulação, em qualquer direção (flexão
ou extensão, embora predomine na flexão). Essa é a hipertonia que apare-
ce no parkinsonismo. Diz-se que é cérea (de “cera”), pois há a tendência
de o membro permanecer um certo tempo na posição em que for abando-
nado pelo examinador;
• nos quadros de rigidez, pode aparecer o fenômeno da roda denteada,
no qual há uma variação rítmica na resistência, como se um tremor de
repouso se sobrepusesse;
– espasticidade, ou hipertonia espástica, na qual existe uma resistência
aumentada à movimentação passiva e que aparece nos músculos flexores
dos membros superiores e nos músculos extensores dos membros inferio-
res. Essa resistência à movimentação é mais perceptível se o movimento
aplicado for rápido. Se o examinador completar toda a extensão do mo-
vimento, poderá encontrar o “fenômeno do canivete”. A espasticidade
é um sinal exclusivo de lesão da via piramidal. Ela representa uma hiper-
tonia da musculatura antigravitacional, que se desenvolve pela liberação
de centros motores hierarquicamente inferiores e que parecem pretender
impedir quedas;
– paratonia ou Gegenhalten: é uma resistência variável à movimentação
passiva, que parece ser uma incapacidade de o paciente relaxar, a despeito
de múltiplas solicitações para que relaxe. A paratonia é comum em paci-

EXAME NEUROLÓGICO
entes idosos e também em doenças hemisféricas bilaterais (incluindo as
demências).
Q Tônus diminuído: mais difícil de se determinar, pois a hipotonia (e a hi-
perextensibilidade) pode ser um achado normal, especialmente em mulhe-
res jovens. A hipotonia patológica aparece:
– nas doenças cerebelares;
– nas coréias;
– nas neuropatias e miopatias e nos quadros hemisféricos infantis.

Força muscular
O exame da força muscular busca descobrir se a força do paciente está normal
(e não se o paciente é mais forte ou mais fraco que o examinador), o que quer
dizer que relacionamos sua força à sua idade, ao seu sexo e à sua compleição. Se
o examinador decidir pela presença de um déficit de força, isso deverá ser explica-
do pela existência de uma doença do sistema piramidal, do neurônio motor peri-
férico, da junção neuromuscular ou do músculo.

Manobras
Deficitárias: são aquelas nas quais solicitamos que o paciente sustente uma postura
em tudo contrária à postura piramidal. Em geral, solicitamos que ele mantenha a
posição por 60 segundos. Qualquer mudança ou interrupção pode então ser
registrada tanto na direção quanto no tempo. As provas deficitárias são:

315
Q Nos membros superiores, prova de braços estendidos (BE): colocam-se os
braços do paciente em extensão completa, para a frente, com as mãos em
supinação e os dedos em abdução. O paciente deve fechar os olhos, en-
quanto o examinador observa a sustentação da postura.
– lesões piramidais farão com que o paciente abandone a posição distal,
inicialmente, seguindo-se depois o aparecimento da fraqueza mais pro-
ximal (se houver). Assim, os dedos aduzem, a mão se prona e flete e o
antebraço se dobra sobre o braço;
– lesões miopáticas farão com que a fraqueza apareça de início mais pro-
ximalmente. O paciente poderá apresentar fraqueza inicial de seu deltóide
e peitoral, deixando cair o braço desde a raiz;
– aproveite para observar outros fenômenos que não somente a força:
note se há tremor postural, se há desvios dos braços para fora (nas doen-
ças vestibulares), se há impersistência motora ou se há movimentos in-
voluntários anormais.
Q Nos membros inferiores, existem as provas de:
– Mingazzini: uma postura equivalente ao BE, na qual pedimos que o pa-
ciente se deite em decúbito dorsal e sustente por 60 segundos os mem-
bros inferiores em flexão global (da coxa sobre o tronco, da perna sobre
a coxa e do pé sobre a perna). Novamente, se houver doença piramidal,
haverá uma tendência de o membro inferior retornar (ou nem ao menos
sair) à postura em extensão-adução, fazendo com que a perna se estenda;
– no caso de o doente apresentar uma fraqueza importante, que impeça
EXAME NEUROLÓGICO

sequer o início dessa prova, podemos permitir que o calcanhar seja apoia-
do sobre o leito (com o resto das articulações em flexão) e então observar
a sustentação dessa postura. Essa prova é chamada de Wartemberg;
– Barré, na qual a postura sustentada é oposta à anterior, pede-se que o
paciente se deite em decúbito ventral e então mantenha a perna fletida
em relação à coxa. Essa prova avalia a força dos músculos da loja posterior
da coxa.
Contra-resistência do examinador: são provas de força nas quais o paciente é instruí-
do a resistir à força aplicada pelo examinador ou a realizar movimentos contra a
resistência do examinador. Para sua realização:
Q teste uma variedade de músculos, mas em uma certa ordem (p. ex., de distal
para proximal), tanto nos membros superiores como nos inferiores. Por exem-
plo, nos membros superiores: a pinça do polegar com o indicador, os flexores
dos dedos, os interósseos, os extensores dos dedos, então os extensores e os
flexores do pulso, depois o bíceps e o tríceps e finalmente os deltóides;
Q solicite que o paciente exerça bastante força e imponha também força
suficiente, adequada ao sexo e à idade do paciente;
Q fixe a região proximal do membro, quando o movimento a ser examinado
é distal;
Q quando possível, teste simultaneamente à direita e à esquerda (como nos
interósseos e nos deltóides); sempre teste seqüencialmente à direita e à
esquerda (ou vice-versa).

316
Q Como registrar e interpretar. Há uma escala de força muito difundida, que a
gradua entre 0 e 5 pontos, e que pode ser aplicada tanto a cada músculo
examinado, como ao membro como um todo.
Uma maneira de se registrar a força, que é mais sintética e por vezes mais
informativa, é a descritiva. Por exemplo:
Q “há uma fraqueza proximal, simétrica e moderada, algo maior nos membros
inferiores do que nos superiores, acompanhada de uma força distal normal”:
descrição altamente sugestiva de uma miopatia;
Q “o tríceps direito está completamente paralisado, acompanhado de uma
fraqueza apenas moderada dos extensores dos dedos. O deltóide, o bí-
ceps, o braquirradial e a musculatura intrínseca da mão estão normais. As
outras três extremidades estão normais”: descrição de uma radiculopatia
C7 à direita;
Q “a força é normal nos braços. Nos membros inferiores, há uma importante
fraqueza, de predomínio distal e simétrica”: descreve uma paraparesia pira-
midal, que pode ter origem em uma lesão medular ou em outra, telencefá-
lica, parafoicial; e assim por diante.
Diferentes expressões de origem grega são utilizadas para sintetizar ainda
mais a graduação de força apresentada pelo paciente. São elas:
Q paresia: déficit de força não-completo;
Q plegia: déficit de força completo (grau 0, na escala).

EXAME NEUROLÓGICO
Esses radicais podem compor, por sua vez, as seguintes expressões:
Q hemiplegia, hemiparesia: quando a fraqueza ou a paralisia atingir um dos
lados do corpo, o que é altamente sugestivo de lesão da via piramidal
correspondente;

Tabela 18.1 Escala de força

Graus de força
Zero Nenhuma contração muscular.
1 Movimento visível no músculo, mas nenhum
movimento obtido na articulação.
2 Movimento na articulação, mas não contra a
gravidade.
3 Movimento contra a gravidade, mas não contra
a resistência adicional.
4 Movimento contra a resistência, mas ainda não
completamente normal.
5 Força normal.

317
Q paraparesia, paraplegia: quando a fraqueza atinge os dois membros ho-
mólogos (as duas pernas, os dois braços).
As Tabelas 18.2 e 18.3 relacionam os diferentes testes de força contra a resis-
tência aos músculos, aos nervos e às raízes envolvidas.

Testes especiais
Destreza:
Q peça ao paciente para rapidamente bater, de forma alternada, o seu polegar
em cada um de seus demais dedos;
Q avalie a velocidade, se há interrupções ou mesmo abandono do teste;
Q esse teste não só avalia a destreza piramidal, mas também examina a pre-
sença ou não de uma bradicinesia – uma pouca inclinação de o paciente se
movimentar, encontrada nas síndromes extrapiramidais parkinsonianas.
Percussão muscular:
Q a estimulação mecânica (com o martelo) pode fazer com que os nervos e
as membranas musculares gerem potenciais de ação. Dessa forma, a percus-
são direta do músculo pode resultar em uma contração focal. Essa resposta
estará aumentada no músculo desnervado, no mixedema e em pacientes
com miotonia.
Relaxamento muscular:
Q peça para o paciente apertar os seus dedos com os dele, forçadamente,
por 5 a 10 segundos. Peça-lhe então para interromper a contração o mais
EXAME NEUROLÓGICO

rapidamente possível, estendendo completamente seus dedos, assim que


você der o comando;
Q interpretação: pessoas normais rapidamente relaxam e estendem seus de-
dos. Pacientes com miotonia não conseguirão relaxar a não ser de forma
muito lenta. Esse é o chamado “fenômeno miotônico”, encontrado, por
exemplo, na distrofia miotônica.

REFLEXOS
Um reflexo é uma resposta adaptativa invariável à estimulação de um dos órgãos
dos sentidos. É qualquer ação realizada involuntariamente, em resposta a uma
aferência que chega a um centro nervoso e que, em decorrência disso, produz
uma eferência que põe em ação certas células, músculos ou órgãos.
Por causa disso, considera-se que a testagem dos reflexos seja a prova mais
objetiva do exame neurológico. Suas respostas não estão sob controle voluntário
e, embora alguns reflexos possam ser reforçados ou inibidos, não podem ser
objeto de simulação completa.
Os reflexos podem ser alterados tanto por lesões segmentares, que interrom-
pem diretamente o arco reflexo, como por lesões supra-segmentares que modifi-
quem as influências exercidas sobre a atividade reflexa.

318
Tabela 18.2 Testes de força do membro superior, seus músculos
e sua inervação

Testes de força do membro superior


Ação Músculos Nervos Raízes
Extensão Extensor digitorum, Nervo radial C7, C8
dos dedos extensor indicis, (nervo
extensor digiti minimi interósseo
posterior)
Abdução do polegar Abductor pollicis longus Nervo radial C7, C8
no plano palmar (idem)
Abdução Interossus dorsalis, Nervo ulnar C8, T1
dos dedos Abductor digiti minimi
Adução dos dedos Adductor pollicis, Nervo ulnar C8, T1
e do polegar no interosseus palmaris
plano palmar
Oposição do polegar Opponens pollicis Nervo mediano C8, T1
Abdução do Abductor pollicis brevis Nervo mediano C8, T1
polegar perpendicular
ao plano palmar

EXAME NEUROLÓGICO
Flexão das Flexor digitorum Nervo mediano C7, C8
interfalângicas profundus dos dedos
distais dos dedos 2 e 3 2e3
Flexão das Flexor digitorum Nervo ulnar C7, C8
interfalângicas profundus dos dedos
distais dos dedos 4 e 5 4e5
Flexão do punho Flexor carpi radialis Nervo mediano C6, C7
e abdução da mão
Flexão do punho Flexor carpi ulnaris Nervo ulnar C7,
e adução da mão C8, T1
Extensão do pulso Extensor carpi radialis Nervo radial C5, C6
e abdução da mão
Flexão do cotovelo Biceps, Brachialis Nervo C5, C6
(com o antebraço musculocutâneo
supinado)
Extensão do Triceps Nervo radial C6,
cotovelo C7, C8
Abdução do Deltoideus Nervo axilar C5, C6
braço no ombro

319
Tabela 18.3 Testes de força no membro inferior, seus músculos e sua inervação

Testes de força do membro inferior


Ação Músculos Nervos Raízes
Flexão do quadril Iliopsoas Nervo femoral L1, L2,
e raízes L1-L3 L3, L4
Extensão do joelho Quadriceps Nervo femoral L2, L3,
L4
Flexão do joelho Semitendinosus, Nervo ciático L5, S1,
semimembranosus, S2
biceps femoris
Abdução da perna Gluteus medius, Nervo glúteo L4, L5,
gluteus minimus, superior S1
tensor fasciae latae
Adução da perna Obturator externus, Nervo L2, L3,
adductor longus, obturator L4
magnus, e brevis, Gracilis
Dorsiflexão dos dedos Extensor hallucis Nervo L5, S1
longus, extensor peroneiro
digitorum longus profundo
Dorsiflexão do pé Tibialis anterior Nervo L4, L5
EXAME NEUROLÓGICO

peroneiro
profundo
Flexão plantar do pé Triceps surtar Nervo tibial S1, S2
(gastrocnemius, soleus)
Eversão do pé Peroneus longus, Nervo L5, S1
peroneus brevis peroneiro
superficial
Inversão do pé Tibialis posterior Nervo tibial L4, L5

Costuma-se classificar os reflexos em:


Q reflexos de estiramento muscular:
– reflexos miotáticos fásicos, ou reflexos profundos;
– reflexos miotáticos tônicos;
Q reflexos superficiais ou cutâneos;
Q reflexos primitivos;
Q reflexos posturais e de endireitamento;
Q movimentos associados.
Os reflexos mediados pelos nervos cranianos serão apresentados mais tarde,
quando do exame desses nervos.

320
Reflexos de estiramento muscular
Reflexos miotáticos fásicos ou reflexos tendinosos
São os reflexos mediados pelos receptores de estiramento muscular – os fusos
musculares, por axônios aferentes altamente mielinizados (IA) e pelos motoneu-
rônios alfa da medula espinal (Figura 18.4).
Sua elicitação se faz por meio da aplicação de um estiramento brusco ao
músculo, dado pela percussão de um tendão seu, ou do periósteo adjacente. É o
estiramento muscular que provoca o reflexo – que não passa de um encurta-
mento do músculo estudado.
Método: percussão com o martelo de borracha:
Q sempre fazer o reflexo da direita ser seguido pelo da esquerda (ou vice-
versa);
Q posicione o paciente de maneira que os membros estejam relaxados e em
posição simétrica;
Q na face, teste os reflexos glabelar, nasolabial e mentoniano;
Q nos membros superiores, teste os reflexos dos flexores dos dedos, o
estilorradial, o estilocubital, o bicipital e o tricipital. Se houver evidência de
hiper-reflexia, deve-se prosseguir e averiguar a presença do reflexo peitoral
e dos reflexos patológicos de Hoffmann e de Trömner (variantes do flexor
dos dedos);
Q nos membros inferiores, teste os reflexos patelar, aquileu e do adutor da
coxa.

EXAME NEUROLÓGICO
Q Como registrar: há um sistema de graduação em cruzes ou em números de
0 a 4 (ou 5):
0 = reflexo ausente
+ = diminuído
++ = normal
+++ = exaltado, mas não necessariamente patológico
++++ = marcadamente hiperativo, com clônus associado

Músculo

Fuso muscular

Figura 18.4 – Componentes do arco reflexo miotático.

321
Muitos médicos registram os reflexos em um desenho esquemático, como o
apresentado na página a seguir (Figura 18.5).
Interpretação:
Q os reflexos miotáticos dos indivíduos normais podem ser ausentes (zero),
hipoativos (1+), ativos (2+) ou hiperativos (3+);
Q os reflexos assimétricos são sempre anormais;
Q os sinais de hiper-reflexia são o aumento da área reflexógena, a difusão da
resposta reflexa e o fenômeno do reflexo policinético (mais de uma con-
tração muscular em resposta a um estiramento apenas), além da própria
vivacidade da resposta (+++ ou mais). A presença de clônus, especialmente
o inesgotável, caracteriza o quadro como de hiper-reflexia máxima. O
clônus, por sua vez, é uma resposta anormal ao estiramento sustentado de
um músculo (note que o estiramento é diferente do realizado por meio da
percussão com o martelo, pois este último é fásico, enquanto o estiramento
que procura o clônus é sustentado). O normal é não haver resposta; o
anormal é que o estiramento sustentado provoque múltiplas contrações e
relaxamentos do músculo estudado;
Q a arreflexia deve ser interpretada à luz dos demais achados. A presença de
uma fraqueza muscular, de atrofia, de hipotonia ou de hipoestesias confirma
o achado como patológico.
Hipo ou arreflexia localizam a existência de lesão:
Q nos próprios músculos;
EXAME NEUROLÓGICO

Q nos axônios aferentes (neuropatias e radiculopatias periféricas) ou eferentes


(doença do corno anterior da medula);

++ ++
+ +
+ +

++ – – ++
Direita Esquerda

+ +
– –

+ +
Figura 18.5 – Como esquematizar os achados dos reflexos miotáticos fásicos.

322
Q lesões agudas, supras-segmentares, da via piramidal – o chamado “choque
medular”;
Q atenção: os indivíduos normais podem ter hiporreflexia ou mesmo arreflexia.

A hiper-reflexia sempre identifica a presença de uma lesão na via piramidal. A


razão é que a via corticospinal (piramidal) exerce uma influência inibitória sobre
os motoneurônios gama (Figura 18.6). Esses, por sua vez, são os responsáveis
pelo controle da sensibilidade do órgão sensorial do fuso muscular. Quando as
fibras musculares gama estão tensas, aumentam a sensibilidade do fuso; quando
relaxadas, diminuem essa sensibilidade. Assim, com a via corticospinal íntegra,
há inibição dos motoneurônios gama, com relaxamento de suas fibras musculares,
redução da sensibilidade do fuso e redução subseqüente do tônus e da resposta
reflexa da musculatura extrafusal. A perda da via piramidal “libera” os moto-
neurônios gama, que, mais cedo ou mais tarde, aumentam o tônus exercido
sobre a musculatura intrafusal, com redução do limiar da sensibilidade do fuso e
aumento subseqüente tanto do tônus da musculatura extrafusal como de suas
respostas reflexas ao estiramento.

Ib Órgão de Golgi
Via piramidal

Ta/TI

EXAME NEUROLÓGICO
Fuso muscular
g
Músculo

Motoneurônio alfa

Fuso muscular (detalhe maior)


Fibra aferente IA, do fuso

Medula

Motoneurônio
gama

Figura 18.6 – As influências da via piramidal e do motoneurônio gama sobre o fuso muscular.

323
Reflexos miotáticos tônicos
Também denominados de reflexos de fixação, são aqueles nos quais a con-
tração tônica muscular é produzida quando se coloca passivamente um segmento
do membro em determinada atitude, tendendo a fixar o segmento na posição
que lhe foi imposta. Em indivíduos normais, o mais comum é que esses reflexos
não sejam encontrados. Pesquisa-se principalmente na articulação do tornozelo,
realizando-se passivamente a dorsiflexão e a rotação interna do pé, de modo
progressivo e enérgico. Se o reflexo tônico estiver presente, os tendões do tibial
anterior ficarão salientes (e o músculo, contraído) e, uma vez abandonado o
membro, verifica-se que essa contração muscular se mantém por algum tempo.
Esse reflexo, chamado de Foix-Thévenard, apresenta-se eventualmente nas sín-
dromes parkinsonianas.

Reflexos superficiais ou cutâneos


Em geral interpretados como reflexos nociceptivos, os reflexos superficiais
são aqueles provocados pela estimulação da pele. O arco reflexo é longo, atraves-
sando a medula espinal, o tronco cerebral e mesmo os hemisférios cerebrais.
Testes:
Q Reflexos cutaneoabdominais: obtidos por meio da estimulação da pele abdo-
minal, feita com uma espátula, em cada quadrante do abdome. A resposta
é a contração da musculatura homolateral, com desvio da cicatriz umbilical
em direção ao estímulo. Esse reflexo pode estar ausente no abdome muito
flácido ou após secção de ramos neurais devido a uma cirurgia prévia. A
EXAME NEUROLÓGICO

observação mais informativa é a da simetria da resposta: assimetrias devem


ser patológicas, sendo a ausência de reflexo o indicador de um anomalia
medular homolateral.
Q Reflexo cremasteriano: estimule a face interna da coxa, nos pacientes de
sexo masculino, e observe a contração dos músculos cremasterianos do
mesmo lado. Novamente, o achado patológico será o do lado no qual o
reflexo for ausente.
Q Reflexo corneopalpebral: ver a seguir, em nervos cranianos.
Q Reflexo cutaneoplantar: certamente o mais relevante de todos os listados.
A resposta cutaneoplantar é obtida estimulando-se a planta do pé, pelo
seu lado mais externo, desde o calcâneo até a cabeça do quinto
metatarsiano, e terminando em curva na cabeça do primeiro metatarsiano.

Interpretação da resposta cutaneoplantar


Resposta em flexão: Até a aquisição da marcha, aproximadamente aos 12 meses
de vida, o bebê apresenta uma resposta cutaneoplantar em extensão. Na medida
em que a mielinização do sistema nervoso central (SNC) permite a aquisição de
movimentos voluntários complexos como a marcha, o padrão de resposta
cutaneoplantar muda para uma flexão plantar. Essa flexão plantar é uma respos-
ta aparentemente determinada pela influência superior dos neurônios pré-cen-
trais e/ou pela via piramidal propriamente dita. Assim, em indivíduos normais
com mais de 12 meses, a resposta plantar será em flexão.

324
Resposta em extensão: em qualquer lesão da via piramidal, a perda de sua influência
sobre o padrão reflexo hierarquicamente inferior fará reaparecer a retirada em
extensão dos artelhos. Esse achado, em indivíduos com mais de 12 meses, é
chamado de sinal de Babinski.

Reflexos primitivos
Os pacientes com lesões frontais, em especial do córtex mesial (adjacente ao
soalho da fossa anterior), podem apresentar reflexos muito primitivos devido à
liberação da influência frontal sobre os mesmos.
Assim, em lactentes, espera-se e é fundamental que estejam presentes os
reflexos de sucção, dos “pontos cardeais” e o grasping. Esses reflexos desaparecem
a partir dos 30 a 60 dias de vida, sobrepondo-se aos mesmos a atividade voluntária,
que não é estereotipada e invariável como são os reflexos.
Nos pacientes com liberação frontal, podemos encontrar:
Q um reflexo nasolabial exaltado que, de certa forma, “recorda” a sucção de
um lactente;
Q o próprio reflexo de sucção;
Q o grasping: ao se estimular a palma da mão do doente, ele agarra o dedo
(ou o objeto estimulador) de forma forçada, estereotipada e involuntária.
Seria como o remanescente do grasping do recém-nascido;
Q o reflexo palmomentual, que aparentemente combina os dois anteriores:
ao se estimular a região hipotenar (e depois, também a tenar), observa-se
a contração homolateral do mento.

EXAME NEUROLÓGICO
Reflexos posturais e de endireitamento
Os reflexos posturais e de endireitamento fazem parte do arsenal de avaliação
do recém-nascido e do lactente. Não são investigados nos adultos, embora sejam
necessários a todo momento para o endireitamento do corpo, por exemplo, em
uma brusca interrupção da marcha ou em uma súbita mudança de direção do
caminhar.

Movimentos associados
Considera-se como um movimento associado todo aquele que acontece “se-
cundariamente” a um movimento voluntário, central e consciente. Os movimentos
associados são inconscientes e estariam na fronteira conceitual entre um reflexo
e um movimento involuntário.
Movimentos associados normais: são os chamados sinergismos, já mencionados
em “movimentos involuntários”.
Movimentos associados anormais: seriam as sincinesias. As sincinesias podem ocor-
rer tanto por uma liberação frontal como por uma lesão piramidal. Seriam sinci-
nesias os seguintes exemplos:
Q ao se solicitar a realização de um movimento novo, por exemplo, limitado
à extremidade dos membros, o indivíduo agrega ao mesmo movimentos

325
proximais correspondentes. Por exemplo, ao se pedir para o indivíduo abrir
e fechar as mãos alternadamente (enquanto abre a direita, fecha a mão
esquerda), o indivíduo além disso também estende o braço e o antebraço,
ao abrir os dedos, e aduz o braço e flexiona o antebraço, ao fechar os
dedos. Enquanto isso pode ser normal em crianças, não o é em adultos;
Q ao se solicitar a um paciente com uma hemiparesia piramidal, de predomínio
distal, que, por exemplo, tente forçadamente estender a planta de seu pé,
o paciente, embora não seja capaz de movimentar o pé, acaba por realizar
uma flexão da perna sobre a coxa e da coxa sobre o tronco, sem ter tido a
intenção de fazê-lo;
Q ou ainda, em um paciente hemiparético piramidal que é incapaz de estender
o antebraço do lado afetado (por causa da postura piramidal), observa-se
a extensão involuntária do mesmo durante um bocejo.

DIAGNÓSTICOS TOPOGRÁFICOS DAS SÍNDROMES


MOTORAS CLÁSSICAS
A seguir será apresentada a síntese de três síndromes motoras clássicas, que
devem ser diagnosticadas por meio do exame neurológico completo (Tabelas
18.4 e 18.5).

SENSIBILIDADE
As anormalidades da sensação podem ser expressas como uma queixa do paciente
EXAME NEUROLÓGICO

– quando serão melhor investigadas durante a entrevista – como podem ser


observações do exame físico. Em ambos os casos, o seu reconhecimento depen-
de em muito da cooperação do indivíduo que está sendo examinado. Pacientes
não-cooperativos, ou excessivamente tensos, podem dar informações pouco úteis
durante o exame da sensibilidade.
As modalidades sensoriais podem estar alteradas na direção de:
Q um aumento: o que acontece geralmente como dor – algesia ou hiperestesia;
Q uma perversão: que pode ser uma sensação fantasma, uma parestesia (sen-
sação percebida na ausência de estímulo), ou uma disestesia (uma má-
interpretação: sensação dolorosa quando o estímulo é tátil, p.ex.);
Q uma redução ou perda: quando se fala em hipoestesia ou anestesia.
De acordo com Sherrington, distinguem-se três tipos de modalidades sensoriais
simples: exteroceptiva, proprioceptiva e interoceptiva. O exame neurológico inclui
o exame das sensibilidades exteroceptiva e proprioceptiva.
Modalidades sensoriais simples:
Q exteroceptivas:
– tato e pressão;
– dor;
– temperatura.
Q proprioceptivas:
– sensibilidade vibratória (palestesia);
– sensibilidade cineticopostural.

326
Tabela 18.4 Diferenças entre as paralisias do neurônio motor superior e
do neurônio motor inferior

Neurônio motor superior


(síndrome piramidal) Neurônio motor inferior
Músculos sempre afetados em Os músculos podem ser
grupos, nunca individualmente. individualmente afetados.
A atrofia é leve e devida ao desuso. Atrofia pronunciada, afetando 70 a 80%
da massa muscular total.
Espasticidade com hiperatividade Flacidez dos músculos afetados, com
dos reflexos tendinosos e resposta arreflexia. A resposta plantar, se
plantar extensora (sinal de Babinski). presente, é normal.
Fasciculações ausentes. Fasciculações podem estar presentes.
Estudos da velocidade de condução Estudos da velocidade de condução
nervosa são normais; sem potenciais neural alterados; potenciais de
de desnervação na eletromiografia desnervação (fasciculações, fibrilações,
(EMG). ondas positivas) na eletromiografia
(EMG).

EXAME NEUROLÓGICO
Via ascendente da dor e da temperatura
A dor e a temperatura são sensações originárias dos órgãos sensoriais da pele
e da mucosa e refletem a presença de agentes externos ou de mudanças no
ambiente. São percebidas por terminações sensoriais livres e transmitidas por
fibras pouco mielinizadas (Figura 18.7). O seu primeiro neurônio faz sinapse no
corno posterior da medula; o axônio do segundo neurônio cruza a medula (de-
cussa) e ascende até o tálamo pelo trato espinotalâmico lateral. A dor e a tempera-
tura são finalmente reconhecidas quando sua informação chega, do tálamo, até
a porção mais anterior do córtex parietal (somestésico).

Via ascendente da propriocepção


A propriocepção é a sensibilidade proveniente de tecidos profundos e que
informa sobre a posição dos diversos segmentos corporais articulados, uns em
relação com os outros. A propriocepção é testada clinicamente por meio da sensi-
bilidade cineticopostural e da sensibilidade vibratória (palestesia).
A via ascendente da sensibilidade cineticopostural é relativamente bem-conhe-
cida. Suas fibras aferentes são fibras muito mielinizadas, do tipo A (Figura 18.8).
O primeiro neurônio emite um axônio muito longo que sobe pela coluna (ou
funículo) posterior, sem decussar e sem fazer sinapse, até terminar no bulbo, no
núcleo grácil ou no cuneiforme. Por sua vez, o segundo neurônio emite um axônio
que decussa (no lemnisco medial) e termina no tálamo. Do tálamo, o terceiro
neurônio envia seu axônio até o lobo parietal.

327
Tabela 18.5 Diferenças clínicas entre as síndromes piramidal e parkinsoniana

Síndrome Piramidal Síndrome Parkinsoniana


Caráter da alteração Espasticidade Hipertonia plástica, igual em
do tônus muscular todas as direções e durante
todo o movimento passivo
(rigidez) ou ainda
intermitente (roda denteada)
Distribuição da Flexores dos Flexores e extensores nos
hipertonia membros superiores quatro membros, e flexores
e extensores dos do tronco
inferiores

Reação de Presente Ausente


alongamento

Movimentos Ausentes Presença de tremor


involuntários

Reflexos tendinosos Aumentados Normais, ou levemente


aumentados

Sinal de Babinski Presente Ausente


EXAME NEUROLÓGICO

Redução do Sim, por paralisia Sim, mas por hipocinesia


movimento voluntário

Distribuição Freqüentemente Freqüentemente bilateral e


segmentar dos unilateral (lesões simétrica (etiologia com
achados supramedulares); especificidade tissular)
outras vezes, bilateral
(paraplegias, p. ex.)

Via ascendente do tato


O tato é percebido e levado aos segmentos superiores do SNC por uma varie-
dade muito maior de órgãos sensoriais e de vias do que as modalidade sensoriais
anteriores.
Entretanto, podemos resumir suas vias da seguinte maneira: depois de o es-
tímulo ser percebido, seja pelos discos táteis de Merkel, seja por meio de receptores
localizados ao redor dos folículos pilosos, sua informação é levada por fibras mielini-
zadas para a medula vertebral. Duas vias aferentes podem ser, então, seguidas:
Q na primeira delas, o axônio sobe pelo funículo posterior, sem decussar e
sem fazer sinapse, até os mesmos núcleos bulbares (grácil e cuneiforme),
onde o está o segundo neurônio. O axônio desse decussa no mesmo lem-

328
Dos núcleos da rafe Para o tálamo

Trato espinotalâmico

Figura 18.7 – Via aferente da dor e da temperatura.

EXAME NEUROLÓGICO
nisco medial do bulbo e sobe até o tálamo. Para acompanhar essa via, o
leitor pode se valer da figura apresentada para a via proprioceptiva, pois o
trajeto é o mesmo (Figura 18.8);
Q na segunda delas, o axônio faz sinapse no corno posterior da medula. O
segundo neurônio decussa e sobe pelo trato espinotalâmico ventral até o
tálamo. Para acompanhar essa trajetória, o leitor pode se valer da Figura
18.7, apresentada via da dor e da temperatura, pois são muito semelhantes.
Portanto, para a aferência das informações táteis, existe sobreposição e dupli-
cação de função nas vias entre a periferia e o córtex. Esse fenômeno, que deve
ter alguma explicação evolucionária, vai poder ser bem-apreciado na síndrome
de hemissecção da medula vertebral, apresentada a seguir.

Como examinar a sensibilidade


Testes de sensibilidade tátil e algésica:
Q Para o exame do tato, o examinador deve se valer de um chumaço de
algodão. Com o mesmo, ele deverá pedir que o paciente compare a intensi-
dade da sensação:
– em um membro: de distal para proximal  (para distinguir a existência
de uma neuropatia periférica);

329
Córtex

Tálamo

Bulbo

Gânglio da
raiz dorsal

Medula

Da periferia
EXAME NEUROLÓGICO

Figura 18.8 – Via aferente da propriocepção consciente.

– entre membros ou hemicorpos  (para distinguir a existência de uma


lesão unilateral hemisférica);
– entre segmentos ipsilaterais: rosto com MS e MS com MI  (para distin-
guir um nível sensitivo entre ponte e medula cervical e depois entre
medula cervical e torácica).
Q Se houver a suspeita ou mesmo já a evidência de uma lesão medular, o
examinador deve também tentar determinar o nível dessa lesão. Isso é
possível porque, abaixo da lesão, todas as informações sensoriais estarão
perdidas. Assim, com uma agulha, o examinador parte das regiões mais
distais (do tronco ou ainda das pernas) e vai produzindo estímulos ascen-
dentes, perguntando ao paciente quando ele passa a sentir a agulha.
Q Após o exame com o algodão, que é totalmente dependente da informação
subjetiva do paciente, o examinador pode objetivar um pouco mais a quali-
dade da sensibilidade tátil, realizando o teste da discriminação tátil-algésica:
– mostra-se ao paciente o que vai ser realizado: mãos e pés serão estimula-
dos, ora com a agulha, ora com a base da mesma, de forma aleatória,
sendo pedido que ele identifique o tipo de estímulo – se agulha fina
(estímulo semi-algésico), se base da agulha (estímulo tátil);
– pede-se que o indivíduo permaneça de olhos fechados;

330
– realiza-se o teste. Quatro a cinco respostas, todas corretas, em cada
segmento distal são suficientes para demonstrar normalidade de sensação.
Se houver equívocos, o prudente é aumentar o número de estímulos,
para descartar desatenção e confirmar a presença de uma hipoestesia
tátil-algésica.
Testes de sensibilidade térmica:
Q obtêm-se dois copos de água – um com água gelada, outro com água quente;
Q apresenta-se ao doente o que se vai fazer, tocando sua pele com ambas as
alternativas – quente e fria;
Q pede-se que o paciente fique de olhos fechados;
Q novamente, toca-se de forma aleatória, ora com o copo quente, ora com o
frio, as quatro extremidades do indivíduo. Quatro ou cinco respostas, todas
certas, serão suficientes para demonstrar normalidade. Erros dificilmente
serão interpretados como desatenção;
Q alternativamente, pode-se usar dois objetos com condutância térmica dife-
rente: por exemplo, usar o cabo metálico de um martelo, que é “frio”, e o
cabo de uma caneta esferográfica, que é de matéria plástica e “quente”.
Testes de sensibilidade proprioceptiva:
Q Sensibilidade cineticopostural
– Realiza-se a movimentação passiva dos primeiros artelhos, evitando pres-
são informativa (segurar pela lateral) ou movimentos voluntários simultâ-
neos; pede-se, então, que o paciente identifique para qual direção se

EXAME NEUROLÓGICO
realizou o movimento. Quatro ou cinco acertos são suficientes para de-
monstrar normalidade. Novamente, se houver algum equívoco, deve-se
aumentar o número de testes (para, 10 vezes p. ex.,), para se confirmar
a redução da sensibilidade cineticopostural ou se demonstrar que foi
apenas desatenção.
– Outra forma de se testar é pedir que o paciente, de olhos fechados,
imite com um lado a postura que o examinador criou passivamente para
o lado examinado.
– Momentos anteriores do exame neurológico já poderão ter sido de-
monstradas alterações decorrentes de uma hipoestesia cineticopostural.
São elas:
manutenção de posturas (oscilações);
provas de marcha e de equilíbrio, que podem revelar a presença de
uma ataxia sensorial (decorrente de hipoestesia cineticopostural).
Q Sensibilidade vibratória. A sensibilidade vibratória é examinada por meio
da aplicação de estímulos vibratórios em proeminências ósseas ou em
articulações. O estímulo correto é o produzido por um diapasão de 128
Hz.
– Peça para o paciente fechar os olhos.
– Faça vibrar o diapasão.
– Aplique a extremidade do mesmo na articulação interfalângica do pri-
meiro artelho. Pergunte se o paciente está percebendo a vibração.

331
– Se o examinador duvidar da fidedignidade da resposta, pode interromper
a vibração (tocando os ramos do diapasão) e observar a reação do pacien-
te.
– Se o paciente sente o estímulo, é possível quantificar essa sensibilidade,
contando por quanto tempo o paciente sente a vibração, em segundos.
Embora haja pouca literatura a respeito, a que existe considera que o
limite inferior de normalidade seria o de 11 segundos na articulação
interfalângica do primeiro artelho. Assim, qualquer tempo igual ou maior
do que isso poderá ser considerado normal, desde que semelhante à
esquerda e à direita.
– Se o paciente não sente o estímulo vibratório, o examinador deve ir
apresentando-o em proeminências ósseas cada vez mais proximais: nos
maléolos tibiais, na face anterior da tíbia, na rótula ou na crista ilíaca.
– Como em toda a testagem sensorial, sempre se deve examinar a direita
seguida da esquerda (ou vice-versa).

Diagnósticos topográficos
Lesão de nervo periférico: todas as modalidades sensoriais estão perdidas ou al-
teradas na distribuição de um determinado nervo periférico. Para isso, deve-se
consultar os esquemas topográficos (Figura 18.9).
Polineuropatias, ou seja, neuropatias sistêmicas: condições nas quais um agente
patogênico busca o nervo periférico como órgão-alvo. Todos os nervos periféricos
podem ser atingidos. Entretanto, os mais longos são os mais propensos a apresen-
EXAME NEUROLÓGICO

tar as alterações iniciais. Por isso, nas neuropatias periféricas, as manifestações


começam mais distalmente. É o chamado “padrão em bota” ou “em luva” e que
vai acometer simetricamente os 2 ou 4 membros.
Q Se o agente tóxico afetar primeiro as fibras finas (por ser o tecido-alvo o
axônio), haverá redução antes da sensibilidade algésica e térmica.
Q Se o agente tóxico afetar primeiro as fibras grossas (por ser o tecido-alvo a
mielina), haverá perda inicial de propriocepção, vibração, pressão, tato fino
e dor rápida (nessa ordem).
Lesão de raiz nervosa: todos os tipos de sensação afetados na distribuição segmen-
tar de uma raiz (dermátomos) (Figura 18.10).
Lesão de medula vertebral: todas as modalidades sensoriais perdidas abaixo do
nível da lesão, se ela for completa (transversa). Poder-se-á determinar a presença
de um nível sensitivo.
Lesão do canal central da medula: interrupção da decussação das fibras de dor e de
temperatura – dissociação da sensação, com perda dessas apenas no segmento
corporal envolvido (não acima e não abaixo dele) e sem perda de tato e de
propriocepção (Figura 18.11).
Hemissecção da medula (síndrome de Brown-Séquard): perda da sensação de dor e
de temperatura contralateral e inferior à lesão; paralisia piramidal e alterações da
propriocepção homolaterais à lesão; preservação do tato (Figura 18.12).

332
Trigêmeo I

Grande auricular
Trigêmeo II
Trigêmeo III
Cut cervical (C2,3)

Supraclavicular (C3,4)

Axilar (C5-6)

Intercostobraquial (T2)

Med. braquial cut. (C8, T1) Div. ant. do n. torácico

Radial (C5-T1)
Div. lat. do n. torácico

Ilio-hipogástrico (L1)
Lat. antibraquial cut. (C5-7)
Med. antibraquial cut. (C8, T1)

Genitofemoral

Radial (C5- T1) Ilioingual

Mediano (C5 T1)

Lat. femoral cut. (L2,3)


Ulnar (C8, T1)
Obturator (L2-4)
Femoral (L2-4)

EXAME NEUROLÓGICO
Safenoso (L3-4)

Peroneiro comum (L4-S2)

Sural (S1-2)
Peroneiro superficial (L4)

Peroneiro profundo (L4-5)

Figura 18.9 – Inervação cutânea dos nervos periféricos.

Lesão dos funículos posteriores: com perda da sensação proprioceptiva e presença


de ataxia sensorial, sem perda significativa das outras modalidades sensoriais.

Interpretação cortical dos distúrbios sensoriais (percepção)


Na maioria das vezes, as sensações são compreendidas, no SNC, como o
reconhecimento de padrões gestálticos que reúnem informações de diversos com-

333
C2

C2

C3
C3 C4
C5
C6
C4 C7
C8
C5 T1
T1 T2
T2 T3
T3 T4
T4 T5
T5 T6
T6 T7
T7 T8
C T9
T8 8 T10
T11
T9 T12
T10 C5 C7 L2
T1 L3
T11 L4
L5 L1
T12 S1
C6
L1 S2
S2 S3
C7
C8
L2 S2

L3 L5
S1

L4
L3
EXAME NEUROLÓGICO

L5

S1

L5
L4
S1

Figura 18.10 – Representação dos dermátomos radiculares.

ponentes isolados, de modalidades sensoriais diferentes. Quase nunca a


informação que interessa é exclusivamente devida a uma modalidade sensorial
simples. O reconhecimento cortical das aferências é chamado de percepção. O
córtex parietal secundário e terciário, por exemplo, analisa e sintetiza as varieda-
des individuais de sensação; interpreta-as inclusive usando da memória para
auxiliar na sua discriminação e no seu reconhecimento.
Assim, a função cortical é de ordem perceptual e discriminativa e não apenas
sensorial. Portanto, o exame completo da capacidade de um indivíduo perceber
sensações deve envolver o exame da percepção – ou, como é chamado em neuro-
logia, o “exame das gnosias”.

334
Para o tálamo

Dor e
temperatura

Trato espinotalâmico

Figura 18.11 – Lesão do canal central da medula.

O exame analítico da percepção inclui:


Q a estereognosia: faculdade de perceber a forma e a natureza dos objetos e
de reconhecê-los pelo tato. Quando essa habilidade está perdida, diz-se
que o paciente tem astereognosia, ou agnosia tátil. O diagnóstico de uma

EXAME NEUROLÓGICO
astereognosia só é possível se o paciente tiver intactas as sensações cutâneas
e proprioceptivas. Usa-se também a expressão morfognosia.
– Teste: peça para o paciente fechar os olhos. Depois, ofereça objetos
variados em cada mão, individualmente. O paciente não pode trocá-los
de mãos, pois se examinam os dois lobos parietais em separado. O exami-
nador deve cuidar para não informar qual é o objeto por meio de outras
aferências (auditivas, visuais, olfativas).

Cineticopostural

Via piramidal

Dor e temperatura

Figura 18.12 – Hemissecção da medula, produzindo a síndrome de Brown-Séquard.

335
Q a barognosia: habilidade de reconhecer diferentes pesos; só é possível quan-
do a propriocepção (mais especificamente, as sensações de movimento e
de posição dos membros) estiver intacta.
Q a topognosia: é a habilidade de localizar a sensação tátil sobre o corpo.
– Teste: peça para o paciente, de olhos fechados, dizer onde você o está
tocando. Varie os estímulos de forma aleatória. Inclua, ao acaso, estímulos
simultâneos em áreas homólogas à direita e à esquerda (p. ex., toque os
dois ombros). O paciente deve reconhecer os dois toques. Se não reco-
nhecê-los, é porque tem:
Q a extinção sensorial: ou a perda da habilidade de perceber uma sensação
de um lado do corpo, quando idênticas áreas são estimuladas simultanea-
mente dos dois lados. O lado que extingue sugere que há uma lesão no
córtex parietal secundário contralateral, de outra forma silenciosa nos de-
mais aspectos do exame neurológico.
Q a grafestesia: é a habilidade de reconhecer as letras e os números escritos
na pele.
– Teste: escreva números na face supina do antebraço, ou na palma da
mão, e peça para o paciente reconhecê-los. Entre um e outro teste,
cuide de “apagar” resquícios do estímulo anterior. Em pessoas analfabe-
tas, use símbolos simples, como círculos e cruzes.
Q a discriminação espacial, ou entre dois pontos: é a distância a partir da qual
o paciente passa a discriminar dois estímulos aplicados simultaneamente.
A autotopagnosia ou somatotopagnosia é a perda da capacidade de identifi-
EXAME NEUROLÓGICO

car o próprio corpo ou de orientá-lo em relação às suas partes individuais. A


desatenção relacionada a um lado apenas do corpo é chamada de agnosia de
hemicorpo.
A anosognosia é a condição na qual há ignorância da existência de doença. A
expressão tem sido mais usada no sentido de haver uma não-percepção de uma
hemiplegia ou de haver um sentimento de despersonalização em relação às par-
tes paralisadas do corpo. O paciente pode até acreditar que ele seja capaz de
usar de um modo normal as suas extremidades paréticas. A anosognosia é mais
freqüentemente encontrada em lesões do lobo parietal direito.
Todas essas disfunções perceptuais são agnosias e todas indicam o envolvi-
mento do córtex parietal ou de suas conexões.

Sobre o tálamo
O reconhecimento de sensações mais simples, como a dor ou a temperatura,
é realizado no tálamo. Os impulsos sensoriais que chegam à consciência, para
interpretação pelo córtex parietal, têm que primeiro passar pelo tálamo. Considera-
se que o tálamo seja o local onde se realiza a apreciação quantitativa da dor, do
calor, do frio e do contato pesado. Nele, esses impulsos sensoriais produziriam
uma forma mais rudimentar, acrítica, de consciência. Assim, uma lesão talâmica
pode causar a perda de diversas sensações corporais contralaterais.
Na síndrome talâmica de Dejerine e Roussy, há uma elevação do limiar de
todas as sensações contralaterais, sem uma real anestesia. Porém, todos os estímu-

336
los que chegam a ser efetivos resultam em sensações desagradáveis, semelhantes
à dor em queimação. Alternativamente, o lado com hipoestesia geral pode sofrer
de uma dor contínua, chamada de hiperpatia (também conhecida como anestesia
dolorosa). Em ambos os casos, o que parece haver é uma “liberação” talâmica
das influências corticais.

NERVOS CRANIANOS
Nervo olfatório (I)
Os nervos (ou bulbos) olfatórios situam-se logo acima da lâmina cribiforme
do etmóide. Não são propriamente nervos, pois sua localização é intracraniana.
Seus segundos neurônios dão origem a um trato que viaja imediatamente abaixo
da face inferior do lobo frontal, cujas fibras podem permanecer homolaterais ou
decussar na comissura anterior. O seu destino cortical é difuso e bilateral e inclui
a face medial dos hemisférios cerebrais, na parte inferior do giro do cíngulo, e os
hipocampos.
Como testar: idealmente com óleos e líquidos não-voláteis e que não estimulem a
gustação. Na falta desses estímulos, pode-se usar cigarros, pasta de dentes e
café. O teste é realizado em uma narina de cada vez. Considera-se um resultado
normal quando ao menos o odor é percebido, não havendo necessidade de identi-
ficação.
A ausência da olfação é chamada de anosmia.
Se houver anosmia bilateral, deve-se pensar em condição sistêmica, como

EXAME NEUROLÓGICO
anemia perniciosa, intoxicação por chumbo ou hiperestimulação prolongada (ta-
bagismo, uso de cocaína etc.).
Se ela for unilateral, podemos suspeitar de um processo expansivo no assoalho
da fossa anterior. Na síndrome de Foster-Kennedy, uma atrofia óptica se associa
à anosmia ipsilateral (indicando o lado do efeito de massa) e a um edema de
papila contralateral, decorrente da hipertensão intracraniana.

Nervo óptico (II)


Os nervos ópticos também são, como o nervo olfatório, vias aferentes e não
propriamente nervos periféricos. Eles começam nos cones e bastonetes (os recep-
tores retinianos) e vão até o quiasma óptico, que se situa logo acima da sela
túrcica, e medialmente à saída das carótidas internas.
As fibras que viajam dentro dos nervos ópticos trazem principalmente impulsos
para o córtex visual; mas há também fibras cujos impulsos vão ao mesencéfalo
para mediar a acomodação e os reflexos luminosos. Durante todo o trajeto dos
nervos e dos tratos ópticos (até o córtex calcarino), as fibras vão agrupadas de
acordo com os quadrantes retinianos de origem (Figura 18.13):
Q as fibras da metade temporal da retina seguem na metade temporal do
nervo e não decussam;
Q as fibras da metade nasal da retina seguem na metade nasal do nervo e
decussam no quiasma óptico, aproximando-se das suas homólogas tempo-
rais provenientes do outro olho;

337
Q no corpo geniculado lateral, elas fazem sinapse (algumas indo ao mesen-
céfalo), onde se origina a radiação óptica (que passa pelo braço posterior
da cápsula interna). As fibras dos quadrantes superiores das retinas ficam
nas porções superiores da radiação e do córtex calcarino, e as fibras dos
quadrantes inferiores, nas porções inferiores das mesmas.

Exame clínico
Reflexos ópticos. Esses reflexos são comentados na seção seguinte. Para o exame
do II nervo, os reflexos fotomotores são importantes porque sua presença e norma-
lidade informam que a aferência é normal. Deve-se testar o fotomotor dos dois
lados da retina, em separado, especialmente quando já se identificou a presença
de uma hemianopsia.

E D
1
Hemicampo esquerdo Hemicampo direito

E D
2
EXAME NEUROLÓGICO

Alça de Meyer E D
Nervo óptico 1 3
2 3
Trato óptico
4

5 E D
Núcleo 4
geniculado
lateral
6 Radiação óptica
D E
5

V1

Pólos occipitais E D
6

Figura 18.13 – As vias ópticas e seus diagnósticos topográficos.

338
Acuidade visual. O objetivo do exame da acuidade visual é o de detectar déficits
nas vias ópticas na retina, no nervo óptico e no encéfalo.
Q Teste:
– o paciente, se precisar, deve manter seus óculos;
– apresente um cartão de Snellen a 6 m do paciente (ou 20 pés), bem-
iluminado;
– teste cada olho em separado.
Registro: a acuidade atribuída é aquela da menor linha que o paciente
puder ler. O resultado normal é o da pessoa que pode ler, a 6 m (ou 20
pés), a linha designada para essa distância – a linha 20. Daí a expressão:
“visão 20/20” (em 20 pés, lê a linha 20). O numerador é a distância (20
pés – 6 m) e o denominador é a menor linha que foi lida.
Campos visuais. Examinam-se os campos visuais do paciente para determinar a
localização dos déficits visuais na via óptica (Figura 18.13). O método utilizado é
o da confrontação , no qual o campo visual do paciente sob investigação é compa-
rado ou com o do examinador, ou com um campo visual esperado. O campo
visual esperado tem um formato oval, com maior raio para as regiões temporais
e menor para as nasais. Deve-se examinar um olho de cada vez para se ter
informações sobre os segmentos pré-quiasmáticos.
Quando se examinam os campos visuais com os dois olhos abertos, está-se
examinando só o que acontece na via pós-quiasmática. Entretanto, essa parte
do exame (com ambos os olhos abertos) é importante, pois pode definir a pre-

EXAME NEUROLÓGICO
sença de uma extinção visual.
Q Teste:
– o examinador cobre um dos olhos do paciente e pede que ele fixe a
visão no seu nariz;
– o examinador deve ter certeza de que o paciente mantém a fixação
visual. Se isso não acontece, pode-se suspeitar de que o paciente tenha
impersistência motora (ver nas provas das funções corticais superiores);
– apresenta-se então um objeto (p. ex., o martelo), vindo de regiões onde
o paciente certamente não enxerga, em direção ao suposto campo visual
do mesmo (de fora para dentro). Pede-se que o paciente informe assim
que começar a enxergar o objeto;
– o examinador repete esse gesto nos quadrantes temporal superior,
temporal inferior, nasal superior e nasal inferior de cada olho. Com isso,
ele desenha aproximadamente o campo visual de seu paciente.
Q Teste:
– com ambos os olhos abertos, o paciente é instruído a fixar o olhar no
nariz do examinador;
– o examinador estende seus braços e vai apresentando dedos de forma
pausada, ora à direita, ora à esquerda. Pede-se que o paciente vá infor-
mando quantos dedos lhe são apresentados;
– de forma aleatória, o examinador apresenta um mesmo número de dedos
em ambos os lados. Se o paciente repetidas vezes ignorar um dos lados,

339
está-se perante o fenômeno de uma extinção visual. Esse achado identi-
fica a presença de uma lesão no córtex occipital secundário, contralateral
à extinção.
Q Interpretação: defeitos de campos visuais podem ser então detectados, de
acordo com a Figura 18.13. Entre eles, aparecem as hemianopsias (homô-
nimas – lesões 3 e 6 – e heterônimas – lesão 2), as quadrantanopsias (lesões
4 e 5) e os escotomas.
Fundoscopia. O exame do fundo do olho é um ponto fundamental do exame
clínico geral e do neurológico, em particular. Ele procura ver se há atrofia óptica
em pacientes com lesões crônicas do nervo óptico; papiledema em pacientes
com hipertensão intracraniana; escavações ópticas aumentadas em pacientes
com glaucoma; distúrbios vasculares relacionados a doenças sistêmicas como
hipertensão e diabete melito e retinopatias degenerativas.

Reflexos ópticos – II e III nervos cranianos e ramos simpáticos


O tamanho e a reatividade das pupilas refletem a funcionalidade das vias
ópticas, do tronco cerebral e das eferências parassimpática, levada pelo III nervo,
e simpática, levada pelos ramos carotídeos. Da sua avaliação, fazem parte o
registro do seu tamanho e de sua simetria e seus reflexos à luz.
Tamanho das pupilas. As pupilas devem ser de igual tamanho, entre 2 e 5 mm. As
diferenças entre os diâmetros podem existir em indivíduos normais: nesse caso,
a reatividade poderá decidir sobre a sua normalidade.
EXAME NEUROLÓGICO

Pupilas anormais:
Q miose: pupilas com menos de 2 mm;
Q midríase: pupilas com mais de 5 mm;
Q anisocoria: diferença grosseira de diâmetro entre ambas.

Interpretação. Há duas situações opostas que podem ser responsáveis por uma
anisocoria:
Q na síndrome de Horner, há uma paralisia do simpático, com conseqüente
miose (paralisia do dilatador da pupila), pseudoptose (paresia do músculo
tarsal superior) e enoftalmia (paralisia do músculo de Müller); além disso,
pode haver vasodilatação e anidrose ipsilaterais na face e conjuntiva;
Q nas lesões do III nervo, há uma midríase ipsilateral. A situação mais grave
que leva a esse tipo de lesão é a herniação do giro hipocampal através da
incisura do tentório, que acontece por um efeito de massa no hemisfério
correspondente. O seu achado identifica um quadro de urgência, no qual
medidas contra a hipertensão intracraniana devem ser tomadas sem demora.
Reflexos pupilares:
Q Fotomotor: é o reflexo que se obtém com o estímulo luminoso da pupila:
uma miose ipsilateral.
Q Consensual: o mesmo reflexo, observado no olho contralateral ao estímulo
luminoso.

340
Q E quanto ao estímulo: nos casos de hemianopsia homônima, o reflexo fo-
tomotor pode identificar se a lesão é anterior ou posterior ao núcleo geni-
culado lateral (NGL) (Figura 18.14). Para isso, estimulam-se ambos os la-
dos da retina, o lado que enxerga e o que não enxerga. Se o lado que não
enxerga ainda assim produz reflexo fotomotor, é porque a lesão é posterior
ao NGL, o que permitiu que ramos do nervo óptico chegassem íntegros até
o mesencéfalo e o núcleo do nervo oculomotor. Se não houver reflexo, é
porque provavelmente a lesão é anterior ao NGL. Nesse caso, costuma-se
denominar esse último achado de fenômeno hemianópico de Wernicke.
Q Reflexo de convergência e acomodação:
– solicita-se ao paciente que acompanhe um objeto (p. ex., o dedo ou a
lanterna do examinador) de uma posição distante para uma muito próxima,
medial ao seu rosto. Esse acompanhamento deverá provocar a convergên-
cia dos olhos e, sincineticamente, uma acomodação das pupilas (em miose);
– um achado positivo: se as pupilas não reagem à luz, mas reagem à acomo-
dação, diz-se tratarem-se de pupilas de Argyll Robertson.
Q Reflexo ciliospinal – é uma midríase reflexa à estimulação dolorosa. Pratica-
mente só utilizado no exame do paciente comatoso; esse reflexo é obtido
ao se apertar a face ou o trapézio. Ele testa o arco reflexo do V nervo
(pontino) até a eferência simpática cervical.

Nervos da motricidade ocular extrínseca: oculomotor (III), troclear (IV)


e abducente (VI)

EXAME NEUROLÓGICO
Os três nervos da motricidade ocular extrínseca são examinados simultanea-
mente, pela simples razão de que o olhar é sempre um movimento conjugado.
Do movimento ocular tomam parte os seguintes nervos e estruturas associativas:

Para a córtex calcarina

Núcleo de Edinger-Westphal
III nervo

Mesencéfalo

NGL
Nervo óptico
Área pré-tetal

Figura 18.14 – Arco reflexo fotomotor.

341
Nervo oculomotor (III): originário de núcleos mesencefálicos com representação
complexa, esse nervo inerva os músculos extra-oculares reto superior, reto infe-
rior, reto medial, oblíquo inferior e elevador das pálpebras; sua porção parassim-
pática inerva o esfincter da pupila.
A paralisia completa desse nervo resulta em ptose, paralisia do olhar superior,
inferior e medial – ficando o olho em abdução, em repouso – e dilatação da
pupila. Entretanto, pode haver apenas uma perda parcial (uma paresia) de suas
funções, ou ainda, se a lesão for mesencefálica, pode haver o envolvimento de
somente parte de suas funções. A compressão desse nervo contra o tentório
resulta inicialmente em midríase (sinal tomado muitas vezes como evidência de
cone de pressão intracraniana – ver no exame da pupila, o achado de anisocoria).
Nervo troclear (IV): inerva o músculo oblíquo superior: esse músculo abaixa e rota
o olho, especialmente se ele estiver aduzido.
Nervo abducente (VI): inerva apenas o músculo reto lateral (daí o seu nome). Esse
nervo emerge da região anterior ao quarto ventrículo, até sair ventralmente na
junção da ponte com o bulbo. É o mais longo nervo intracraniano e por isso é
muito freqüentemente envolvido em processos patológicos.
Fascículo longitudinal medial (FLM): é um conjunto de conexões entre os três núcleos
de nervos, que tem como função coordenar o olhar e torná-lo conjugado. Devido
à função do FLM, não é possível a nenhum desses três nervos realizar uma ação
isolada da dos demais.
EXAME NEUROLÓGICO

Controle cortical: a região responsável pelo olhar voluntário se localiza na porção


posterior da 2a e da 3a circunvoluções frontais (área 8 de Brodman), sendo que
cada hemisfério coordena o olhar para o lado contralateral. Esse movimento é
muito rápido e por isso é chamado de movimento sacádico. A estimulação da
área cortical mencionada produz desvio do olhar e da cabeça para o lado contra-
lateral; a destruição, por sua vez, causa paralisia do olhar para o lado oposto,
com resultante desvio dos olhos para o lado afetado.
Há também uma região corticoccipital, responsável pelos movimentos oculares
desencadeados pelos estímulos visuais e pelo reflexo de fixação visual. A destrui-
ção dessas áreas (18 e 19 de Brodman) é seguida da perda desses movimentos
reflexos – o chamado “acompanhamento visual” – com manutenção do movi-
mento voluntário.

Exame clínico
Pálpebras
Deve-se observar se o paciente é capaz de abri-las normalmente. (Os déficits
de força para fechá-las são estudados na seção sobre o nervo facial.)
Pode-se observar:
Q Pseudoptose – acontece na paralisia do simpático. É chamada de “pseudo”,
porque o paciente pode elevar a pálpebra por esforço voluntário.

342
Q Ptose – paralisia do elevador superior das pálpebras (inervado pelo III nervo),
que, em geral, tenta ser compensada por uma contração associada do mús-
culo frontal.
Movimentos oculares voluntários
O examinador deve observar movimentos sacádicos: os movimentos voluntá-
rios rápidos do olhar.
Depois, deve pedir ao paciente que acompanhe o seu dedo em movimentos
retos, contínuos e que vão cobrir toda a extensão vertical e horizontal possíveis.
Nesse caso, ele deverá observar:
Q o acompanhamento visual (pursuit)
Q a existência de paresias;
Q a existência de nistagmos (ver a seguir).

Interpretação:
Q os movimentos laterais devem ser plenos – ou seja, devem ocultar totalmen-
te a esclerótica sob a fenda palpebral;
Q o olhar vertical deve ser avaliado em graus (ângulo em relação ao horizonte).
Pessoas idosas costumam ter restrição do olhar vertical, mas não menos do
que 30o;
Q avalie a continuidade do movimento. Um movimento interrompido pode
indicar uma ataxia do olhar ou pode indicar que o acompanhamento visual
(do córtex occipital) está prejudicado e que o paciente está fazendo sacadas
para substituí-lo.

EXAME NEUROLÓGICO
Deve-se também realizar o cover test: quando um olho com um movimento
parético é coberto, ele se desvia para o lado oposto ao músculo afetado – ou
seja, o déficit se torna mais aparente.
Em uma paresia qualquer do olhar, haverá desvio correpondente do olho
afetado e mais desvio secundário e compensatório do olho são, com posturas
anômalas da cabeça. Se essas manobras não compensarem a não-conjugação
do olhar, haverá projeção errônea do campo de visão, com formação de uma
imagem dupla, ou diplopia. A diplopia tende a ficar maior (ou mais evidente)
quando os olhos se desviam mais e mais na direção do movimento parético.
Interpretação:
Q Paralisias isoladas: indicam lesão em um núcleo ou em um nervo craniano.
As lesões do III e do VI nervos são facilmente percebidas. Já as lesões do IV
não: não há desvio do globo ocular, mas apenas queixa de diplopia quando
se olha para baixo em adução.
Q Lesões supranucleares
– Lesão de zona 8: paresia ou apraxia do olhar contralateral. Sacadas preju-
dicadas.
– Lesão de zonas 18 e 19: síndrome de Balint (incapacidade de acompanhar
objetos, de fixá-los e de manter a atenção visual); acompanhamento
(pursuit) prejudicado.

343
– Síndrome de Parinaud: paresia do olhar para cima; na tentativa, aparece
nistagmo de convergência-retração (lesão pré-tectal).
– Oftalmoplegias internucleares: paralisia da adução de um olho, mais
paresia e nistagmo do olho abduzido ou vice-versa.
Movimentos oculares reflexos
Q Reflexo de fixação visual: é a tendência dos olhos de permanecerem dirigidos
aos objetos que estão sob a visão central. Com lesão do movimento voluntá-
rio do olhar (frontal), esse reflexo se torna exagerado. Por outro lado, indiví-
duos com ambliopia severa e precoce apresentam, movimentos circulares
grosseiros dos olhos, chamados de nistagmo por privação sensorial.
Q Reflexo vestibulooculógiro: é o desvio lateral ou nistagmo em resposta à
estimulação do labirinto ou à súbita modificação da postura da cabeça.
Esse teste é chamado de “cabeça” ou “olhos de boneca” e praticamente
só é realizado em pacientes não-cooperativos ou comatosos.
Nistagmos
Trata-se de uma oscilação involuntária, ou um tremor, do globo ocular. Ele
pode ser ou não rítmico, pode ser horizontal ou vertical, pendular ou circular;
pode ser conjugado ou não. O nistagmo é um achado freqüente nas doenças do
SNC, do olho e do ouvido interno. Mas também pode ser um fenômeno normal,
em certas circunstâncias, ou pode ser induzido como uma parte do exame neu-
rológico (o nistagmo optocinético).
Alguns dos nistagmos patológicos seriam os que se seguem:
Q Por privação sensorial: são os devidos às doenças do nervo óptico. O mais
EXAME NEUROLÓGICO

comum é que eles apareçam em função de uma amaurose muito precoce


na vida, tal que impede o desenvolvimento do olhar conjugado. Trata-se
de nistagmos muito irregulares, não-conjugados.
Q Por desequilíbrio motor:
– nistagmo do olhar parético, quando há uma fraqueza devida a uma lesão
de um dos nervos oculomotores ou de suas vias (como o FLM);
– nistagmo cerebelar, quando o nistagmo é mais uma expressão da ataxia
cerebelar;
– nistagmo vestibular, quando o nistagmo é provocado por uma percepção
falsa de um movimento da cabeça devido a aferências assimétricas dos
dois vestíbulos (se a doença vestibular for periférica, isso pode ser também
acompanhado de zumbido e surdez).

Nervo trigêmeo (V)


O trigêmeo (V nervo) é o nervo que traz a sensibilidade da face. Tem três
núcleos sensoriais extensos, distribuídos ao longo do tronco cerebral, embora o
nervo entre no SNC através da ponte. Suas fibras têm origem no gânglio de
Gasser. Esse gânglio se aloja numa cavidade da porção petrosa do osso temporal
e se origina de três divisões principais: a oftálmica (que inerva inclusive a córnea),
a maxilar (que inerva inclusive a dura-máter) e a mandibular (com seu ramo
lingual para a sensibilidade da região anterior da língua) (Figura 18.15).

344
Figura 18.15 – Os ramos do nervo trigêmeo.

O trigêmeo tem ainda um núcleo motor, mesencefálico, que inerva os músculos


da mastigação (masseter e pterigóideos) e o músculo tensor do tímpano. Sua
lesão provoca desvio ipsilateral da mandíbula; a paresia do tensor do tímpano
provoca dificuldade em ouvir sons agudos.

Como examinar
Exame sensorial: semelhante ao do resto do exame da sensibilidade. Deve-se
comparar os segmentos oftálmico, maxilar e mandibular.
Reflexos

EXAME NEUROLÓGICO
Q Miotáticos e primitivos:
– onde o V nervo participa só da aferência: nasolabial (ou de retração da
cabeça) e glabelar;
– onde todo o arco reflexo é mediado pelo V nervo: mentoniano.
Q Reflexo superficial, nociceptivo: o reflexo corneano: com a ponta de uma
gaze, o examinador toca a esclerótica do olho, tentando não provocar,
simultaneamente, o reflexo da ameaça visual. A resposta normal é consen-
sual, pois ambos os olhos irão se fechar. Esse reflexo pode tanto documentar
lesão sensitiva do trigêmeo como lesão motora do facial; ou ainda, docu-
mentar nível de lesão no comatoso.

Nervo facial (VII)


É um nervo predominantemente motor, inervando os músculos da mímica
facial. Há ainda uma porção sua, separada anatomicamente, que traz a sensibilida-
de do conduto auditivo externo, fibras parassimpáticas e gustação dos 2/3 anterio-
res da língua: essa porção se chama nervo intermédio de Wrisberg.
O núcleo motor do facial aloja-se na ponte. Nele se localizam os neurônios
motores inferiores dos músculos da mímica. A representação cortical é bilateral
para o terço superior da face e bastante lateralizada para os músculos inferiores
à fenda palpebral. Em lesões da via piramidal (portanto supranucleares), a paresia
facial somente envolverá os dois terços inferiores da face (paresia facial central).

345
Nas lesões do núcleo ou do próprio nervo facial, a paresia, ou paralisia facial,
será total (paresia facial periférica).

Como examinar
Reflexos
Q Miotático:
– reflexo glabelar: sua resposta se esgota rapidamente, em indivíduos nor-
mais. Um reflexo inesgotável, ou seja, exacerbado, é patológico e está
associado à liberação frontal.
Q Primitivos:
– reflexo nasolabial: ausente em indivíduos normais, ele é um reflexo primi-
tivo que esboça uma sucção (ler acima, na seção sobre reflexos);
– reflexo palmomentual: também ausente em indivíduos normais, é um
reflexo primitivo, provavelmente remanescente de uma combinação de
sucção com grasping dos bebês (ver a seção sobre “Reflexos”).
Q Nociceptivo:
– reflexo corneopalpebral: é um reflexo superficial, cuja aferência é dada
pelo V nervo, e a eferência, pelo VII. Sua realização está descrita na
seção sobre o trigêmeo.

Movimentação voluntária da face


O examinador, durante a entrevista, já deve ter observado bem a mímica
facial. Os movimentos da mímica são quase sempre involuntários e espontâneos.
O paciente deve ser solicitado a realizar voluntariamente os seguintes gestos:
EXAME NEUROLÓGICO

franzir a testa, fechar os olhos com força (contra a resistência do examinador),


manter o ar sob tensão com as bochechas cheias, mostrar os dentes. Em especial,
esse último gesto deve ser apreciado e comparado com o sorriso espontâneo.
Podem aparecer uma de duas paresias faciais:
Q Paralisia periférica: nessa situação, o paciente tem os sulcos de expressão
todos diminuídos em metade da face. É incapaz de franzir a testa, tem
lagoftalmo (queda da pálpebra inferior, com incapacidade de oclusão das
pálpebras), sinal de Bell (sincinesia do reto superior exacerbada ao se tentar
fechar os olhos) e epífora. Finalmente, haverá ausência de resposta do
reflexo corneopalpebral do lado da face paralisada.
Q Paralisia central: nessa situação, o paciente é capaz de franzir sua testa. A
fraqueza envolverá apenas a metade inferior do rosto. Embora ele tenha
lagoftalmo, a preservação da força da pálpebra superior permitirá uma
oclusão parcial das pálpebras.

Audição
Uma fraqueza do músculo estapédio faz com que o tímpano vibre excessiva-
mente, em baixas freqüências. Assim, perante um quadro de paralisia facial peri-
férica, o examinador pode perguntar ao paciente se ele tem queixa de uma hipe-
racusia homolateral, para tentar determinar o nível da lesão periférica (se antes
ou depois da saída do nervo estapédio).

346
Paladar
O exame do paladar pode auxiliar a determinar a altura de uma lesão perifé-
rica do nervo facial: se antes ou depois de a corda do tímpano se separar do VII
nervo. Esse ramo do facial traz a gustação dos dois terços anteriores da língua.
O examinador usa um cotonete umedecido em uma solução com sal ou com
açúcar, com o qual tocará ambas as metades anteriores da língua. Sem retraí-la
de volta à cavidade oral, o paciente deve identificar o sabor da solução.

Nervo acústico (VIII) – ramo coclear


O VIII nervo é composto de dois sistemas de fibras aferentes: o nervo coclear
(para a audição) e o nervo vestibular (para a orientação da posição da cabeça no
espaço).

Audição (nervo coclear)


O exame neurológico avalia grosseiramente a audição. Entretanto, se há uma
hipoacusia já aparente nesse exame, ela deve ser tentativamente atribuída ou a
uma lesão dos meios ósseos de condução (surdez de condução) ou a uma lesão
da cóclea ou de seu nervo (surdez neurossensorial).
Testes com diapasão de 512 Hz:
Q Teste de Schwabach: comparação da condução óssea do paciente com a
do examinador.
Q Teste de Rinne: comparação da condução aérea com a óssea, de um mesmo
ouvido. Normalmente a condução aérea dura mais do que a óssea. Se a

EXAME NEUROLÓGICO
condução aérea termina junto com a óssea, deve haver um distúrbio de
condução do som (surdez de condução).
Q Teste de Weber – para se observar a simetria da sensibilidade acústica dos
dois ouvidos. Em um paciente com uma hipoacusia unilateral, o Weber
desvia para esse lado (o paciente ouvirá mais no lado “surdo”) nos distúrbios
de condução. O mesmo teste desvia para o lado sadio nos distúrbios neu-
rossensoriais.
– Observação: o diapasão de 126 Hz, usado para avaliar a sensibilidade
vibratória, produz um som muito grave, pouco adequado para esses
testes.
Teste da fricção dos dedos:
Q deixe suas mãos em cada lado do paciente, próximas aos ouvidos;
Q peça para o paciente fechar os olhos e avisar quando começa a ouvir algum
som;
Q esfregue seus dedos de um dos lados, de forma suave e depois progressiva,
até que o paciente refira o som;
Q repita o mesmo do outro lado.

Como se vê, trata-se de um teste muito subjetivo.

347
Nervo acústico (VIII) – ramo vestibular
Equilíbrio (nervo vestibular)
O nervo vestibular tem origem no labirinto. Impulsos cinéticos (provocados
pelo movimento da cabeça) provenientes dos canais semicirculares estimulam,
por sua vez, respostas motoras que envolvem movimentos compensatórios para
manter o equilíbrio. Esses impulsos provenientes do labirinto dão informações
sobre a orientação da cabeça no espaço. Ou seja, o complexo vestibular serve,
como órgão sensorial, ao equilíbrio; por isso, seus achados patológicos serão
semelhantes aos achados do cerebelo (órgão motor do equilíbrio).
O sintoma mais característico da doença vestibular é a vertigem: trata-se de
uma sensação de movimento não correspondente à realidade, freqüentemente
acompanhada de desequilíbrio. A vertigem será provocada por uma assimetria
de tônus aferente entre os dois órgãos vestibulares. Assim, lesões irritativas do
labirinto vão provocar quedas para o lado contrário à lesão. Lesões ablativas vão
provocar quedas para o mesmo lado da lesão (Figura 18.16).
Os achados de lesão vestibular são encontrados durante o exame da marcha
e do equilíbrio estático, em manobras que busquem o desvio dos membros du-
rante a sustentação de posturas ou em movimentos com os olhos fechados. Em
todas as situações, a oclusão ocular (por retirar uma informação sensorial nor-
mal) piorará os achados objetivos (desvios), o mesmo não acontecendo com a
vertigem.
Testes:
EXAME NEUROLÓGICO

Q equilíbrio estático: uma lesão do ramo vestibular vai provocar queda unilateral;
Q marcha: a mesma lesão vai provocar desvios unilaterais de marcha;
Q prova de braços estendidos, com olhos fechados: pode provocar o desvio
de ambos os braços para um dos lados do corpo;
Q observar se há nistagmos.

Vestíbulo D Vestíbulo E

Sensação de Desvio
movimento: compensatório:

Tônus normal: +++ +++ Nenhum Nenhum

Ablação direita: +++ Para a E Para a D

Irritação direita: +++++ +++ Para a D Para a E

Figura 18.16 – Efeitos da simetria e da assimetria de aferências vestibulares.

348
Para diferenciar as quedas unilaterais de origem vestibular das de origem
cerebelar, deve-se modificar a posição da cabeça em relação ao corpo, durante a
prova de equilíbrio estático: a mudança na direção da queda indica a sua origem
vestibular.
Reflexos onde o vestíbulo está envolvido:
Q reflexo vestibulooculógiro (“cabeça ou olhos de boneca”, prova calórica,
manobra de Nylen-Bárány, etc.): manifesto ou por desvio tônico ocular ou
por nistagmo.

Nervo glossofáríngeo (IX)


Trata-se de um nervo sensorial, que traz:
Q sensibilidade especial: gustação do 1/3 posterior da língua;
Q sensibilidade geral das tonsilas, das paredes faríngeas e do 1/3 posterior
da língua. Na lesão, não há, porém, anestesia, apenas hipoestesia, por
overlap de função com o X e com o V nervos. Além disso, podem ocorrer
redução do reflexo do vômito (aferência IX, eferência X) e dificuldade leve
e transitória para engolir.

Nervo vago (X)


Embora seja um nervo com inúmeras funções parassimpáticas, o nervo vago
é pouco acessível ao exame neurológico. Normalmente, não são examinadas as
suas funções autonômicas (reflexo oculocardíaco, carotídeo etc) nem as senso-
riais (devido ao overlap com o IX e o V nervos).

EXAME NEUROLÓGICO
Testes:
Q examina-se uma de suas funções motoras, que é a elevação do palato
mole. Em uma lesão unilateral aguda, haverá fala nasalada, disfagia e re-
gurgitação para o nariz, por envolvimento do palato mole. Observar-se-á
o fenômeno da cortina, no palato mole. Para isso, pede-se que o paciente
emita um som vogal com a boca completamente aberta, tal que se possa
observar o movimento do palato mole;
Q com envolvimento do recorrente, haverá rouquidão;
Q no caso de haver uma suspeita de lesão do IX ou do X nervo, realiza-se o
reflexo do vômito (cuja eferência é vagal).

Nervo acessório (XI)


Trata-se de um nervo motor que emerge de motoneurônios da medula cervical
alta e não do tronco cerebral. Ele é examinado em suas funções “espinais”, ou
seja, por meio de provas de força contra-resistência dos músculos trapézio e
esternocleidomastóideo.

Nervo hipoglosso (XII)


É o nervo da motricidade da língua. O seu exame inclui a observação da
posição da língua em protusão e em repouso e a força dos movimentos para a
direita e para a esquerda.

349
Teste: peça para o paciente protuir a língua, ora para a frente, ora para os lados.
Interpretação: observe se há atrofia, fasciculações ou desvios. Quando há lesão
unilateral do hipoglosso, ocorre desvio ipsilateral à lesão, ao ser protuída a língua.

REGISTRO
Foram apresentadas as diversas seções do exame neurológico, seguindo uma
das possíveis ordens de seu registro escrito posterior. É importante lembrar que a
sua execução não necessariamente deve seguir essa ordem. Para a comodidade
do paciente, o examinador muitas vezes opta por realizar as provas de acordo
com a postura do primeiro. Isto é, começa com as provas que necessitam de
ortostatismo (como a marcha e o equilíbrio estático), segue para os testes que
podem ser realizados com o paciente sentado e termina com as provas que neces-
sitam do decúbito.
No momento do registro, entretanto, a ordenação de acordo com as funções
examinadas é necessária e essencial para a tomada de decisões sobre o diagnóstico
topográfico.
Assim, o examinador vai registrar seus achados, por exemplo, de acordo com
a ordem apresentada a seguir, em um hipotético exame neurológico normal.
EXAME NEUROLÓGICO – um exemplo normal
Paciente: João Silva
Data: 28 de novembro de 2000
EXAME NEUROLÓGICO

Atitude: ativa indiferente


Funções mentais superiores
Estado de vigília: alerta
Atenção: normal (digit span de no mínimo 5)
Coerência: coerente
Orientação:
no tempo: 5 /5
no espaço: 5 /5
na pessoa: 5 /5
Memória:
imediata: 3 /3
recente: 3 /3
remota: normal, aparentemente
Linguagem: conteúdo: adequado
Linguagem: articulação: normal
Marcha:
– espontânea: normal
– provas deficitárias (3): caminhou bem em pé ante pé, sobre calcanhares e
sobre os artelhos
Equilíbrio estático:
– OA: normal

350
– OF: normal
– tandem
OA (opcional):
OF (opcional):
Coordenação apendicular:
– metria
dedo-nariz: eumétrico
dedo-dedo: eumétrico
calcanhar-joelho: eumétrico
– diadococinesia MsSs: eudiadococinético
– provas de rechaço:
Stewart-Holmes: negativa
outras:
Tônus: eutônico (normal)
Trofismo: preservado
Movimentos involuntários:
– normais (movimentos associados, sinergísticos presentes)
– anormais:
extrapiramidais: não há
sincinesias: não há
convulsivos: não há
fasciculações: não há
Movimento voluntário – força

EXAME NEUROLÓGICO
– Provas deficitárias
BE: sustentou 60 segundos sem quedas
Mingazzini: sustentou 60 segundos sem quedas
– Contra-resistência: normal, grau V em todos os segmentos
Prova de bradicinesia: destreza normal
Reflexos miotáticos: os habituais no homúnculo (mas também peitorais e aduto-
res da coxa, se houver) – registre como a Figura 18.4
– os da face:
glabelar: esgotável
nasolabial: ausente
mentoniano: normal
há palmomentual? não
– outros anormais:
Hoffmann: não há
Trömner: não há
reação de Foix-Tévenard: não há
Reflexos superficiais:
– cutaneoplantar (ou seus sucedâneos): em flexão
– cutaneoabdominais: simétricos
Sensibilidade:
– modalidades sensoriais simples:
tátil: preservada
algésica: discriminação tátil-algésica normal

351
cineticopostural: normal
vibratória: 11 segundos em ambos os primeiros artelhos
térmica: normal
Sensibilidade:
– gnosias:
morfognosia: normal
grafestesia: normal
localização (há extinção?): normal
outras:
Pares:
– I:
– II:
campos visuais por confrontação: simétricos, normais
FO: papilas coradas, com bordo nasal borrado
acuidade visual: 20/20 (Snellen)
– III, IV, VI:
fotomotor e consensual:
assimetrias pupilares? Pupilas isocóricas e fotorreagentes
movimentos oculares extrínsecos:
acompanhamento: normal, homogêneo
sacadas: normais
há paresias? (descrever)
há nistagmos? (descrever)
EXAME NEUROLÓGICO

– V (sensibilidade): preservada
– VII (motricidade): preservada
– XI: normal
– XII: normal
Outras observações:
Diagnóstico sindrômico, ou topográfico (se houver)
1#
2#

CONCLUSÕES: O DIAGNÓSTICO TOPOGRÁFICO


A ferramenta utilizada – o EN – não é uma finalidade em si. Ela é usada para se
deduzir sobre a topografia da lesão do paciente. Outros dados, como os da anam-
nese, darão subsídios também sobre o tipo de evolução: se aguda, se subaguda,
se crônica. Esses dados temporais, junto com os espaciais (ou topográficos),
permitirão ao médico levantar suas hipóteses diagnósticas, para, depois disso,
poder delinear um plano simultâneo de investigação e de manejo.
Assim:

Exame neurológico diagnóstico topográfico


Hipóteses diagnósticas  plano
História dados temporais

352
Vários diagnósticos topográficos clássicos já foram mencionados anteriormente
neste texto, dentro dos segmentos correspondentes. O leitor pode retornar aos
mesmos nos itens diagnósticos topográficos das síndromes motoras clássicas e
diagnósticos topográficos das alterações de sensibilidade. Alterações combinadas
entre as vias longas (motoras ou sensoriais) e nervos cranianos costumam ser
encontradas em lesões de tronco cerebral. Nessa situação, é bom lembrar que a
altura do nervo craniano envolvido é a que costuma identificar melhor a topo-
grafia da lesão.
Por fim, três diagnósticos topográficos relacionados aos acidentes vasculares
cerebrais devem ser citados por sua importância epidemiológica. São aquelas
topografias devidas à irrigação arterial hemisférica.

Topografia de artéria cerebral média


As seqüelas clínicas de um infarto que envolva todo o território irrigado pela
artéria cerebral média vão depender do lado da lesão. Se a obstrução for do lado
dominante, encontraremos hemiplegia oposta, sobretudo da face e do membro
superior; hemianestesia cortical contralateral; afasia completa; agrafia, alexia,
apraxia e hemianopsia homônima contralateral.
Entretanto, o mais comum é que apenas alguns dos ramos da cerebral média
sejam os atingidos por um acidente vascular. Por exemplo, a oclusão das artérias
do corpo estriado leva ao infarto dos núcleos da base e, o que é o principal, da
cápsula interna. Com isso, o paciente vai apresentar hemiplegia contralateral,
desacompanhada de afasia.

EXAME NEUROLÓGICO
A obstrução do ramo pré-rolândico provoca, além de uma paresia facial central,
uma afasia de Broca. Já a obstrução dos ramos finais, destinados às áreas corticais
dos lobos parietal, occipital e temporal, se ocorrer no hemisfério dominante, vai
provocar alterações sensitivas corticais, ao lado de quadrantanopsia ou hemia-
nopsia contralateral e afasia de Wernicke, alexia, agrafia e apraxia, entre outras
funções corticais.

Topografia de artéria cerebral anterior


A obstrução da artéria cerebral anterior (um evento raro) provoca paralisia
espástica, acompanhada de alterações da sensibilidade de origem cortical, no
membro inferior contralateral à lesão.

Topografia de artéria cerebral posterior


A obstrução dessa artéria provoca geralmente isquemia do córtex calcarino.
Essa é uma das causas de uma hemianopsia homônima. Devemos nos lembrar
que ambas as cerebrais posteriores são originárias da bifurcação da artéria basilar
e que, algumas vezes, os sintomas de uma isquemia de artéria cerebral posterior
podem ter sido antecedidos de sintomas de isquemia do tronco cerebral.

QUADROS SINDRÔMICOS PRINCIPAIS


Síndrome do neurônio motor inferior: também chamada de síndrome do corno ante-
rior da medula, essa síndrome está resumida na Tabela 18.4. As doenças que

353
costumam ser a causa de tal síndrome são a esclerose lateral amiotrófica, no
adulto, e as atrofias musculares espinais tipos I (Werdnig-Hoffman), II e III, au-
tossômicas recessivas, na infância.
Síndrome do neurônio motor superior: ou síndrome piramidal, ou síndrome da para-
lisia espástica de origem central, essa síndrome está resumida nas Tabelas 18.4 e
18.5. Muitas variações serão possíveis na sua apresentação, dependendo da topo-
grafia da lesão:
Q Lesão subcortical: leva à paresia da mão ou do braço oposto (monoparesia),
podendo não haver grande hipertonia ou hiper-reflexia.
Q Lesão da cápsula interna: leva à hemiplegia espástica contralateral, freqüen-
temente associada à paralisia facial central do lado oposto e, eventualmente,
também do hipoglosso oposto.
Q Lesões de tronco cerebral: levarão a uma variedade de síndromes alternas.
Ou seja: síndromes nas associadas hemiplegia espástica contralateral (do
envolvimento do trato piramidal), um déficit homolateral de nervo craniano.
Por exemplo, uma lesão que atinja o pedúnculo cerebral esquerdo (na altura
do mesencéfalo) provocará uma síndrome piramidal à direita, associada a
uma paralisia do nervo oculomotor esquerdo – ou à assim chamada síndrome
de Weber.
Q Lesões medulares: levarão a uma hemi ou monoplegia espástica ipsilateral.

Síndrome parkinsoniana – ou parkinsonismo, ou ainda síndrome hipertônico-hi-


pocinética (resumida na Tabela 18.5): combina a acinesia (ou oligo, ou bradici-
EXAME NEUROLÓGICO

nesia), a rigidez cérea (ou hipertonia plástica) e o tremor de repouso. Sua causa
mais comum é a doença de Parkinson.
Síndrome hipotônico-hipercinética: é a síndrome devida às lesões do neo-estriado
ou à perda dos impulsos inibidores ali originados. O paciente apresenta um quadro
predominante de hipercinesia, que pode ser, mais especificamente, uma coréia,
uma atetose ou uma distonia, associadas a uma hipotonia muscular de fundo.

Síndrome de herniação através do tentório: o tentório é uma duplicação da dura-


máter em forma de tenda (separa o cerebelo do cérebro). Na frente dele, e no
seu centro, encontra-se a abertura ou chanfradura do mesmo, por onde passam
o mesencéfalo, os vasos sangüíneos e o líquido cefalorraquidiano (através do
aqueduto do mesencéfalo). Em condições normais, a chanfradura do tentório
deixa espaço suficiente para o funcionamento dessas estruturas. Entretanto, uma
lesão de caráter expansivo, tanto acima como abaixo do tentório, leva facilmente
ao aumento da pressão intracraniana, à falta de espaço e à herniação. O quadro
mais perigoso é o da herniação devida a uma lesão supratentorial, que quase
sempre é unilateral. Ela pode ser um tumor, um hematoma ou um abscesso.
Inicialmente, as estruturas desse hemisfério herniarão para o outro lado – por
meio da foice. Isso às vezes é suficiente para que o lobo temporal mesial, ao
desviar-se, pressione o nervo oculomotor contra o osso esfenóide (a crista esfe-
nopetrosa posterior, mais especificamente). Assim, o primeiro sinal de herniação
costuma ser a paralisia das porções parassimpáticas desse nervo (as mais sensíveis)

354
– com midríase ipsilateral à herniação. Depois, o pálido, a cápsula interna e o
tálamo do lado do efeito de pressão serão deslocados para baixo, herniando para
baixo do tentório. Nessas condições, o mesencéfalo sofre compressão intensa, a
qual leva o paciente ao coma. Uma série de complicações graves estará também
associada, como a lesão da via piramidal do pedúnculo comprimido aos infartos
hemorrágicos decorrentes da compressão do tronco ou dos ramos da artéria
cerebral posterior etc.
Rigidez descerebrada: a compressão do mesencéfalo bilateral produz, além da
inconsciência, espasmos tônicos (sustentados, portanto) que levam ao opistótono
(extensão cervical), extensão e rotação interna dos braços, com as mãos e os
dedos fletidos, e extensão e rotação interna dos membros inferiores. À palpação,
reconhece-se a presença de hipertonia.
Síndrome do encarceramento: (ou pseudocoma, ou o locked-in syndrome): é a
situação na qual não há distúrbio nenhum da consciência (ou do alerta, ou da
vigília), mas o paciente é incapaz de responder aos estímulos sensitivos ambientais.
Esse quadro em geral é devido a uma lesão da base da ponte, de tal forma que os
tratos sensitivos ascendentes, assim como o sistema reticular ascendente, são
poupados, enquanto todas as vias eferentes são interrompidas, impedindo o pa-
ciente de se expressar por meio da fala ou de qualquer movimento corporal.
Síndromes sensitivas: estão listadas no item sobre diagnósticos topográficos.
Síndrome meníngea aguda: é aquela decorrente de um processo inflamatório (em

EXAME NEUROLÓGICO
geral infeccioso – ou seja, uma meningite) da pia e da aracnóide. Nessa síndrome,
associam-se a cefaléia, a rigidez de nuca e os sinais de Kernig, uma flexão invo-
luntária do joelho quando o examinador tenta fletir a coxa sobre o tronco com a
perna mantida em extensão; (alternativamente, é a flexão involuntária do joelho
quando o examinador coloca a coxa em flexão sobre o tronco e depois tenta
estender a perna do paciente, na altura do joelho) e de Brudzinski (é o aparecimen-
to de uma flexão involuntária das coxas e das pernas, em resposta à extensão
passiva do pescoço do doente). Esses sinais surgem em decorrência da ativação
de reflexos protetores que encurtam a medula vertebral e a imobilizam. Isso
porque a extensão do pescoço e a flexão dos quadris e dos joelhos reduzem o
estiramento das estruturas espinais inflamadas. As manobras contrárias a essa
postura geral vão mostrar resistência em abandoná-la e dor.
Acidente vascular cerebral (AVC): é a síndrome decorrente de uma doença vascular
obstrutiva ou hemorrágica. Ela raramente passa desapercebida: trata-se de um
déficit neurológico focal, de início súbito, e não-convulsivo. Na sua forma mais
grave, o paciente tornar-se-á hemiplégico e comatoso; na suas variantes mais
leves, o déficit pode ser tão sutil que pode nem ser valorizado. O perfil temporal
dos acontecimentos é que caracterizará melhor a provável natureza do AVC.
Q Acidente vascular cerebral hemorrágico: o início do déficit é abrupto, e sua
instalação completa (a partir de onde o paciente não piora mais) se dá de
maneira contínua em uma questão de segundos, de minutos ou de horas.

355
Como o déficit é determinado pela presença de um coágulo, provavelmente
haverá efeito de massa também, com redução do nível de consciência e
risco de herniação (ver síndrome de herniação).
Q Acidente vascular cerebral isquêmico devido a uma embolia: o início também
é abrupto, e o déficit torna-se completo igualmente quase que de forma
instantânea (o paciente não piora no tempo). Não é incomum o paciente
melhorar de forma dramática horas depois devido à resolução ou à migra-
ção maior (mais distal) do coágulo.
Q Acidente vascular cerebral isquêmico devido a uma trombose: esses AVCs po-
dem ter um início súbito, mas são comparativamente mais lentos que os
anteriores e evoluem (pioram) durante minutos, horas, ou mesmo dias, às
vezes de forma saltatória. A melhora, se houver, será gradual e levará meses
para se dar, deixando consideráveis seqüelas.
Q Episódio isquêmico transitório: é um AVC isquêmico que regride completa-
mente, pois a circulação arterial é recobrada em tempo hábil. Os déficits,
nesse caso, duram menos de 24 horas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS


Armin H. Dejong’s the neurologic examination. 5. ed. Philadelphia: Lippincott, Williams &
Wilkins; 1992.

DeJong RN. The neurologic examination. 6. ed. Cambridge: Harper & Row; 1984.

Jardim LB. Módulo de semiologia neurológica: roteiro sobre as principais síndromes neuro-
EXAME NEUROLÓGICO

lógicas. Porto Alegre: DMI/UFRGS; 1995.

Kirshner HS. Behavioral neurology: a practical approach. New York: Churchill Livingstone;
1986.

Tolosa APM, Canelas HM. Propedêutica neurológica. São Paulo: Sarvier; 1975.

Site recomendado
The Complete Neurological Examination:
http://www.medinfo.ufl.edu/year2/neuro/neuroexam

356
19
AVALIAÇÃO DO PACIENTE
COM ALTERAÇÃO DO NÍVEL
DE CONSCIÊNCIA: COMA
MÁRCIA L.F. CHAVES

A alteração do nível de consciência inclui inúmeras condições que vão desde um


quadro leve de confusão até o coma profundo. É necessário enfatizar que essas
condições não são doenças propriamente ditas, mas manifestações provocadas
por uma ampla variedade de transtornos que podem ser curtos ou prolongados,
leves ou graves. O prognóstico depende da causa subjacente.
A nomenclatura usada para definir os diferentes estados de alteração do nível
de consciência não apresenta um critério-padrão. Por essa razão, o médico deve
sempre incluir uma breve descrição do comportamento do paciente e os tipos de
estímulos empregados na tentativa de acordá-lo. As reações do paciente a estímu-
los, que vão de verbais a dolorosos, são de muito auxílio para determinar o nível
de consciência (Tabela 19.1).

Tabela 19.1 Classificação das alterações do nível de consciência

Nível de consciência* Definição


Estado confusional Atenção comprometida, mas com arousal
suficiente para realizar tarefas mentais simples
Delírio Confusão com períodos de agitação que se
alternam com depressão do arousal
Obnubilação Diminuição nítida do arousal com alguma resposta
ao tato e à voz
Estupor** Grave diminuição do arousal com alguma resposta
aos estímulos vigorosos
Coma** Irresponsividade total ou quase total

*Em ordem descendente de gravidade. **Tanto estupor como coma são classificados
adicionalmente como superficial ou profundo.
O coma é o estado de perda completa da consciência, no qual o indivíduo
não pode ser despertado pelos estímulos usuais. É um estado de total ou quase
total irresponsividade ao meio. Não há movimentos voluntários, e as reações são
limitadas a reflexos elementares. No coma profundo, estímulos dolorosos, como
a compressão dos globos oculares ou o pinçamento da pele, não são capazes de
despertar o indivíduo. A sensibilidade e os reflexos corneanos podem estar ausen-
tes. As pupilas podem estar dilatadas ou contraídas e não apresentar resposta à
luz. Os reflexos de deglutição e tosse estão abolidos, fazendo com que o paciente
não seja capaz de deglutir água ou alimentos. Há também incontinência urinária.
À medida que o nível de consciência diminui, os reflexos miotáticos podem estar
aumentados e pode ocorrer o aparecimento de uma resposta extensora no reflexo
cutaneoplantar. Numa fase de maior profundidade do coma, pode-se observar a
abolição dos reflexos tendíneos e dos superficiais.

COMO IDENTIFICAR SE O PACIENTE ESTÁ EM COMA


OU TEM OUTRA ALTERAÇÃO DA CONSCIÊNCIA?
É fácil por ser um diagnóstico clínico. Todo paciente que não acorda e não apre-
senta resposta aos estímulos, mesmo aos dolorosos, em princípio pode estar em
coma. Caso contrário, rapidamente avalie o nível de consciência (confusão, de-
lírio, obnubilação, estupor) observando a percepção, a postura, os movimentos
espontâneos, a expressão facial, os movimentos oculares, as expressões vocais e
as reações aos estímulos ambientais apresentados pelo paciente.

DEFINIDA A ALTERAÇÃO DA CONSCIÊNCIA E TENDO-SE


COMA

ESTABILIZADO OS SINAIS VITAIS E A FUNÇÃO


CARDIORRESPIRATÓRIA, QUAL É A PRÓXIMA ETAPA NA
AVALIAÇÃO DO PACIENTE?
Deve-se fazer uma anamnese objetiva e cuidadosa com o familiar mais próximo
presente no local ou com qualquer acompanhante do paciente comatoso. Após,
realizar o exame físico geral voltado aos aspectos mais relevantes, incluindo a
avaliação neurológica. É importante realizar um exame neurológico rápido focado
nas respostas pupilares, nos movimentos oculares e nas respostas motoras. Pupilas
reativas à luz geralmente indicam coma metabólico ou secundário a uma condição
clínica (doença sistêmica); infarto ou hemorragia cerebelar é exceção. Pupilas
não-reagentes em geral apontam para lesão cerebral estrutural e necessidade de
avaliação neurocirúrgica urgente.

ANAMNESE COM FAMILIARES OU ACOMPANHANTES


Q uso excessivo (intoxicação) de álcool, drogas psicotrópicas ou outros medi-
camentos;
Q traumatismos: quedas, brigas, acidentes de trânsito;
Q história de hipertensão arterial sistêmica, diabete melito, insuficiência renal,
cirrose;

358
Q história de cefaléia, alteração de comportamento, convulsões ou déficits
neurológicos (sugestivos de processo expansivo intracraniano ou infecção
do sistema nervoso central);
Q posicionamento prévio do paciente e dos familiares em relação à doação
de órgãos.

EXAME FÍSICO GERAL


Q sinais de trauma;
Q pressão arterial;
Q padrão respiratório;
Q temperatura;
Q sinais meníngeos;
Q fundo de olho (não dilatar as pupilas).
É fundamental evidenciar achados clínicos e associá-los às informações epi-
demiológicas gerais da população atendida e aos dados obtidos da história (com
familiares/acompanhantes), relacionando-os às informações anteriores com o
propósito de priorizar as hipóteses de diagnóstico etiológico. Nessas situações
(estados de alteração da consciência) o exame neurológico está voltado para
cinco aspectos (Tabela 19.2), que devem ser pesquisados com objetividade e no
menor tempo possível, pois as primeiras medidas a serem tomadas dependerão
deles. Posteriormente, deve-se reavaliar o paciente mais detalhadamente, caso
não se tenha definido um diagnóstico sindrômico/topográfico e/ou etiológico. A
identificação precoce de assimetrias ou déficits focais é importante porque sua
presença muda a probabilidade de um diagnóstico etiológico extracraniano ou

COMA
metabólico para o de lesão estrutural intracraniana. Achados oculares e assimetria
postural, movimentos, tônus muscular ou reflexos são dicas importantes. A Tabela
19.3 resume o raciocínio básico para o diagnóstico diferencial entre as principais
categorias de combinação de evidências do exame neurológico e da análise do
líquido cefalorraquidiano (liquor) com as principais causas de alterações da cons-
ciência. A Tabela 19.4 resume as principais causas de alteração aguda da consciên-
cia, relacionando-as com dados da história, do exame físico e dos exames comple-
mentares (laboratório e imagem). Após a anamnese e a avaliação neurológica,
procura-se determinar os principais exames complementares que devem ser soli-
citados imediatamente, bem como a necessidade de consultoria neurocirúrgica.
Sempre que houver história de trauma, solicitar exame de imagem cerebral (p.
ex., TC de crânio) e a avaliação de um neurocirurgião. Caso não haja história de
trauma, a presença de sinais de irritação meningorradicular ou hipertensão intra-
craniana induz o médico a solicitar exame de imagem cerebral e, caso não haja
processo expansivo, realizar punção lombar (Tabela 19.4).

DICA: A base fundamental do exame neurológico no paciente que apresenta


alterações do nível de consciência recai em dois aspectos:
1. aplicação de estímulos sensoriais (de qualquer natureza);
2. observação das respostas motoras.

359
Tabela 19.2 Aspectos fundamentais do exame neurológico inicial do
paciente com alteração da consciência

1. Grau de responsividade Que tipo de estímulo produz alguma


resposta? visual → auditivo → tátil →
doloroso
Que tipo de resposta foi observada?
abertura ocular/verbalização →
movimento do membro para o lado
do estímulo →movimento de flexão
inespecífico →movimento de
extensão do membro →nenhuma
2. Qualidade da resposta motora Já foi verificada na resposta aos
reflexa estímulos: acrescenta-se a estimulação
dos quatro membros para verificar o
grau de força.
3. Evidências de integridade do Respostas pupilares à luz (simetria), tipo
tronco cerebral de movimento conjugado dos olhos
(em conseqüência do movimento da
cabeça), reflexos corneanos, reflexo
do vômito, respostas oculocefálicas
ao estímulo térmico do ouvido,
simetria facial.
4. Sinais de irritação Avaliação do fundo de olho (não
meningorradicular ou hipertensão esquecer: sem dilatar as pupilas,
COMA

intracraniana flexão da nuca (observar resistência/


rigidez – sinal de Brudzinski),
extensão e elevação dos membros
inferiores (sinal de Kernig).
5. Evidência de sinal focal Procurar evidência de sinal focal –
auxilia na definição de síndrome
neurológica e, conseqüentemente, é
uma pista de etiologia (apenas causas
intracranianas estruturais provocam
sinais focais).

QUAIS SÃO OS OBJETIVOS DO EXAME NEUROLÓGICO?


O exame neurológico deve fornecer ao médico informações que lhe permitam:
Q definir o tipo de alteração da consciência (pode auxiliar na estimativa de
prognóstico);
Q definir se o paciente está em morte cerebral (grau de severidade do compro-
metimento do sistema nervoso central);

360
Tabela 19.3 Diagnóstico diferencial das alterações da consciência

Apresentação Condições
Ausência de sinais neurológicos Intoxicações (álcool, barbitúricos,
focais ou de lateralização no exame narcóticos)
físico, ou de alteração citológica do Transtornos metabólicos (acidose
líquor diabética, uremia, coma hepático,
hipóxia, hipoglicemia,
doença de Addison – crise)
Infecção sistêmica grave com ou sem
septicemia
Choque circulatório de qualquer causa
Encefalopatia hipertensiva
Hipotermia ou hipertermia
Estado epiléptico
Irritação meníngea com aumento de Hemorragia subaracnóide por ruptura
leucócitos ou presença de sangue no de aneurisma, ocasionalmente
líquor, geralmente sem sinais focais ou trauma
de lateralização Meningite bacteriana aguda
Encefalite
Sinais focais ou de lateralização com Hemorragia cerebral
ou sem alterações do líquor (podem Trombose cerebral ou embolia com
ser subdividas em lesões supratentoriais isquemia e lesão cerebral secundária
e infratentoriais); TC ou RM de ou edema
encéfalo geralmente mostram Abscesso cerebral

COMA
alterações estruturais Hematoma epidural ou subdural com
contusão ou compressão cerebral
Tumor cerebral
Tromboflebite cerebral

Q saber se há evidência de hipertensão intracraniana e de progressão;


Q obter a pontuação do paciente na escala de Glasgow (Tabela 19.5) e moni-
torizar a evolução neurológica nas primeiras horas;
Q identificar a presença de sinais de comprometimento neurológico focal e
definir a necessidade de manejo específico imediato (p.ex., neurocirúrgico),
auxiliando a estimativa de prognóstico; bem como suspeitar ou determinar
nível topográfico de lesão intracraniana como causa da alteração da cons-
ciência (correlação anatomopatológica) ou não (causas metabólicas/sistê-
micas) auxiliando na solicitação de exames complementares (investigação)
e no estabelecimento de hipóteses etiológicas (ver Tabela 19.3);
Q decidir sobre a viabilidade do paciente para uma possível doação de órgãos.

361
COMA

362
Tabela 19.4 Causas comuns de alteração aguda do nível de consciência

Condição História Exame físico Laboratório/imagem


Lesão Em geral o trauma é conhecido Evidência de lesão; pupilas geralmente TC ou RM de encéfalo mostra
cerebral assimétricas e pouco reativas; reflexos hemorragia intracraniana e/ou
por trauma anormais, plegias e incontinência são comuns fratura no crânio
Intoxicação Em geral o alcoolismo é conhecido; pode se apresentar Odor alcoólico; geralmente paciente em Nível sérico de álcool > 200 mg/dL
por álcool com crises generalizadas durante suspensão do álcool estupor (responde a estímulos dolorosos),
respostas pupilares normais, respiração
profunda e ruidosa
Intoxicação O uso de drogas é conhecido ou há Pupilas pinpoint, mas reativas, sugerem Screening de intoxicação exógena
por drogas história de tentativa de suicídio toxicidade por opióide ou barbitúrico ou de droga específica se relevante;
considerar opióides, barbitúricos,
álcool metílico
Acidose Em geral o diabete é conhecido; início gradual Face rubicunda, pele seca, hálito com Hiperglicemia, glicosúria, cetonúria,
diabética odor frutoso, ↓ temperatura, hiperventilação acidose metabólica
Hipoglicemia História de diabete em tratamento com insulina Hipotermia, pele úmida e pálida, pupilas Hipoglicemia durante episódio
ou hipoglicemiante oral; sintomas prodrômicos, que reativas, reflexos tendinosos aumentados
incluem sudorese, “cabeça oca”, náusea, dor
abdominal; pode ter início agudo com convulsões

AVC Idade > 40 anos; doença A assimetria facial é comum, sinais de TC ou RM mostram isquemia ou
cardiovascular conhecida ou disfunção do tronco cerebral, sinais focais hemorragia; se ausentes, PL
hipertensão; início súbito; (p. ex., hemiplegia), pupilas em diagnóstica está indicada
geralmente não causa coma agudo geral assimétricas e inativas
Epilepsia História de crises; início súbito com espasmos Sinais vitais geralmente normais, pupilas Eletroencefalograma (EEG)
rítmicos reativas; língua mordida (ou lesada por diagnóstico
episódios anteriores)
Hemorragia Cefaléia com início do tipo Rigidez de nuca, anormalidades de TC crânio positiva e/ou sangue no
subaracnóide “relâmpago” ou “pior já III ou IV nervo craniano; se início liquor
experimentada”, vômitos, perda súbito com coma, postura extensora
transitória da consciência vigorosa provável
QUAL É A PRÓXIMA ETAPA, APÓS SER REALIZADO O EXAME
FÍSICO GERAL E A AVALIAÇÃO NEUROLÓGICA E TER-SE
INICIADO O PROCESSO DE DEFINIÇÃO DIAGNÓSTICA?
Deve-se, então, realizar a monitorização. É importante ressaltar que nas alterações
da consciência, bem como em qualquer situação de avaliação neurológica, o
exame é sucinto, objetivo e direcionado para os aspectos cruciais, pois o médico
precisa ser rápido, e o paciente não informa e não pode colaborar com inúmeros
aspectos geralmente avaliados no paciente com nível de consciência normal. A
Tabela 19.6 apresenta os principais exames que podem ser solicitados no caso de
paciente com alteração da consciência sem causa determinada. Após ter-se defini-
do quais os principais exames complementares que devem ser solicitados, deve-
se manter a monitorização neurológica de forma periódica, bem como reavaliar
as funções de maneira mais detalhada, caso necessário. A cada nova avaliação
neurológica, deve-se procurar responder às mesmas perguntas já descritas, pois
o estado de coma é muito dinâmico, podendo, em alguns casos, ter uma evolução
muito rápida. Daí a importância dessa “vigilância clínica”. Em caso de piora na
escala de Glasgow (Tabela 19.5), associada ou não a sinais de piora da hipertensão
intracraniana e/ou evidência de herniação, o médico deverá assumir uma conduta
mais agressiva de investigação ou indicar neurocirurgia. Em caso de suspeita de
morte cerebral, é importante o rápido diagnóstico, pois disso depende o sucesso
dos transplantes, caso o paciente seja doador de órgãos ou a família tenha concor-
dado em doá-los.

COMA
Tabela 19.5 Escala de coma de Glasglow

Parâmetro neurológico Escore


Olhos Abertura Espontânea 4
A comando verbal 3
A dor 2
Não responde 1
Melhor A comando verbal Obedece 6
resposta A estímulo doloroso Localiza a dor 5
motora Flexão-retirada 4
Flexão-anormal 3
Extensão 2
Não responde 1
Melhor Orientado e conversando 5
resposta Desorientado e conversando 4
verbal Palavras inadequadas 3
Sons incompreensíveis 2
Não responde 1
TOTAL 3-15

363
A Figura 19.1 apresenta o diagrama de decisões para o paciente em coma.
Avaliação dinâmica (seqüencial):
Q escala de Glasgow a cada duas horas (Tabela 19.5);
Q avaliação da integridade do tronco cerebral (nas Tabelas 19.7, 19.8 e 19.9,
e a seguir no item Sinais de ausência de função do tronco cerebral)
Correlação anatomopatológica:
Q pupilas: diâmetro, tamanho e simetria e reflexo fotomotor (Tabela 19.7);
Q movimentos oculares extrínsecos (manobra dos “olhos de boneca”/refle-
xo vestibulocular) (Tabelas 19.8 e 19.9);
Q resposta motora: movimentos espontâneos, tônus, reflexos miotáticos,
Babinski, preensão palmar, padrão de resposta à dor (Tabela 19.10).

Paciente em coma

Intubação
Acesso venoso
Cateter urinário

História

Ausência de trauma Trauma

Verificar flexibilidade da nuca


COMA

Exame de imagem
Rigidez Avaliação neurocirúrgica
Normal

Exame neurológico TC de crânio

Hemorragia Normal
Normal Anormal (assimétrico
ou com sinais de alteração
de tronco cerebral)

Hemorragia Punção lombar


TC de crânio subaracnóide
Provável causa
tóxica ou
metabólica Normal Anormal Meningite ou
hemorragia
subaracnóide

AVALIAÇÃO Possível infarto em fase AVALIAÇÃO


CLÍNICA precoce (< 24/48 h) NEUROCIRÚRGICA
COMPLETA

Figura 19.1 – Diagrama de decisões frente ao paciente em coma.

364
Tabela 19.6 Exames que podem ser solicitados para pacientes com nível
de consciência alterado (NCA) sem causa definida

Exame Indicações Comentários


Laboratoriais
Glicose sérica Rotina/emergência A hipoglicemia é a
causa principal de coma
reversível (tratável)
Contagem sangüínea Rotina/emergência
completa
Eletrólitos (incluir Rotina/emergência
cálcio, fosfato)
Uréia/creatinina Rotina/emergência
EQU Rotina/emergência A infecção urinária
provoca NCA em idosos
Gasometria arterial Suspeita de transtorno Auxilia a diferenciar
metabólico ou hipoxemia entre encefalopatias
metabólicas
Provas de Suspeita de hemorragia
coagulação ou hipercoagulabilidade
Screening Rotina/emergência ou
toxicológico no indicação específica

COMA
sangue e/ou na urina
Provas de função Rotina/emergência
hepática
Provas de função Suspeita de Fácies grosseira, cabelo
tireóide hipotireoidismo seco, bradicardia
Níveis séricos de Se há droga específica Álcool >300 mg/dL
drogas implicada causa estupor
Carboxiemoglobina Suspeita de
intoxicação por
monóxido de carbono
Amônia Suspeita de insuficiência
hepática
Culturais Suspeita de infecção A meningite bacteriana
selecionados é uma causa de NCA
que exige antibiotico-
terapia imediata

365
Tabela 19.6 Exames que podem ser solicitados para pacientes com nível
de consciência alterado (NCA) sem causa definida (continuação)

Exame Indicações Comentários


Radiológicos/imagem
Tórax Rotina/emergência Geralmente é o
TC de crânio Se suspeita de lesão primeiro exame após
intracraniana focal estabilização inicial
(quase rotina)
RM de encéfalo Mais dificil de realizar
do que TC num
paciente com NCA
Invasivos
Punção Lombar Se há suspeita de meningite Se há suspeita de
ou hemorragia subaracnóide pressão intracraniana
elevada, iniciar
antibióticos e realizar
TC antes da PL
Outros
Eletrocardiograma Rotina/emergência A arritmia ou o infarto
do miocárdio podem se
apresentar como NCA
sem sintomas cardíacos
óbvios
COMA

Oximetria Rotina/emergência Hipoxemia exige


suporte respiratório
EEG Suspeita de estado
epilético não-convulsivo

Tabela 19.7 Reflexo oculocefálico (manobra dos “olhos de boneca”)

Respostas normais/esperadas
Movimento da cabeça Resposta ocular conjugada
Para direita Para a esquerda
Para esquerda Para a direita
Em flexão Para cima
Em extensão Para baixo

366
Tabela 19.8 Tipos de pupilas (correlação anatomopatológica)

Tipos Tamanho Simetria Resposta à luz


Normal 3-4 mm Simétricas Reativas à luz
Lesão diencefálica (tálamo) Pequena Simétricas Reativas à luz
Lesão mesencefálica Média Simétricas Fixas à luz
Lesão pontina Pinpoint Simétricas Reativas à luz
Herniação de lobo temporal Dilatada Assimétricas Fixas à luz
unilateral*
Drogas anticolinérgicas Dilatadas Simétricas Fixas à luz
Anoxia
Opióides Pinpoint Simétricas Reativas à luz
Distúrbio metabólico Pequenas Simétricas Reativas à luz
Hipotermia Dilatadas Simétricas Fixas à luz

* Outras causas de dilatação unilateral das pupilas: aneurisma, migrânea, midríase


induzida por fármaco, doença de Adie e dilatação benigna transitória.

QUANDO SUSPEITAR DE MORTE CEREBRAL?

COMA
O diagnóstico de morte cerebral ou morte encefálica baseia-se no exame clínico
do paciente, enfatizando-se os sinais de ausência de função do tronco cerebral,
na morte encefálica (Tabela 19.11).

Tabela 19.9 Padrões de resposta do reflexo vestibulocular

Tipo de resposta Local de lesão


Resposta conjugada tônica Integridade da ponte e do mesencéfalo
Resposta não-conjugada Lesão do VI nervo craniano ou de seu
(abdução-/adução+) núcleo no tronco
Resposta não-conjugada Lesão do fascículo longitudinal medial ou
(abdução+/adução-) do III nervo craniano
Ausência de resposta Lesão extensa das vias dentro do tronco
cerebral
Resposta horizontal normal Lesão mesencefálica
e vertical alterada
Resposta vertical normal Lesão da ponte e integridade mesencefálica
e horizontal alterada

367
Tabela 19.10 Correlação anatomopatológica das respostas motoras

Tipo de resposta motora Local de lesão


Hemiparesia com Hemisfério contralateral
comprometimento facial
Hemiparesia com Hemisfério contralateral com herniação
comprometimento facial e central
paratonia

Decorticação Cápsula interna

Descerebração Regiões altas do tronco cerebral até o


diencéfalo

Extensão anormal no membro Ponte


superior com flacidez ou resposta
flexora fraca no membro inferior

Flacidez e ausência de resposta Bulbo/ponte ou lesão periférica associada

Definição de morte cerebral


A morte cerebral é definida como a perda irreversível da capacidade de cons-
ciência combinada à perda irreversível de todas as funções do tronco cerebral,
COMA

incluindo a capacidade de respirar. A morte cerebral é equivalente à morte do

Tabela 19.11 Critérios para morte cerebral

A etiologia capaz de provocar morte cerebral foi estabelecida e causas


potencialmente reversíveis foram excluídas.
O paciente em coma profundo não apresenta resposta dentro da distribuição
dos nervos cranianos aos estímulos aplicados em qualquer parte do corpo.
Nenhum movimento como convulsões, movimentos discinéticos,
decorticação ou descerebração provenientes do cérebro devem estar
presentes.
Os reflexos do tronco cerebral estão ausentes.
O paciente mantém-se apnéico quando retirado do respirador por tempo
adequado.
As condições listadas acima persistem se o paciente é reavaliado após um
intervalo satisfatório.
Não podem existir fatores de confusão para a aplicação dos critérios clínicos.

368
indivíduo, no entanto, o coração continua a bater, e as funções da medula espinal
podem se manter.

Sinais de ausência de função do tronco cerebral


Estado neurológico do paciente: o paciente não emite sons, não tem atividade motora
espontânea nem em resposta a estímulo doloroso vigoroso, não há nenhum pa-
drão postural (descerebração ou decorticação). Pode haver, contudo, a presença
de reflexos miotáticos que, nesse caso, correspondem simplesmente ao arco refle-
xo medular.
Reflexo corneano: com um algodão úmido e afilado, estimula-se tanto a porção
superior como a inferior da córnea, o que provoca piscamento de ambos os
olhos. Essa resposta não ocorre quando há morte cerebral.
Reflexo do vômito: encosta-se um abaixador de língua na parede posterior da
faringe, amígdala ou base da língua. Normalmente há elevação da faringe e
retração da língua, podendo ocorrer vômito. Quando há morte encefálica, esse
reflexo está ausente.
Reflexo oculocefálico ou “manobra dos olhos de boneca”: a rotação rápida da cabeça
de indivíduos normais para algum lado determina um desvio conjugado dos olhos
para o lado oposto ao do movimento da cabeça. Os olhos permanecem na posição
inicial como por inércia é, em frações de segundo, são estimulados por mecanismo
reflexo a acompanhar a direção do movimento da cabeça. Essa resposta não é
observada quando há morte encefálica, (Tabela 19.6).
Reflexo vestibulocular (Figura 19.2): antes de iniciar esse exame, deve-se realizar

COMA
uma otoscopia para certificar-se de que não há perfuração timpânica e de que o
conduto auditivo externo está desobstruído. O exame consiste na estimulação
calórica com 10 a 20 mL de água fria (19 a 21o) ou com 5 a 10 mL de água
gelada (0 a 10o). Com a cabeceira do paciente elevada em 30o, instila-se a água
fria para entrar em contato com o tímpano. Antes da estimulação contralateral,
deve-se respeitar um intervalo de cinco minutos. Quando há integridade das
vias e do tronco cerebral, a resposta esperada é o desvio tônico conjugado dos
olhos para o lado no qual a água fria ou gelada foi instilada. Na morte encefálica,
isso não ocorre, pois não há atividade dos núcleos vestibulares no tronco cerebral
para permitir que o lado não-inibido pelo frio ative o movimento conjugado dos
olhos para o lado inibido, que recebeu o estímulo frio.
Apnéia: o teste de apnéia exige medida de gases sangüíneos (gasometria arterial).
É necessário uma PaCO2 de 60 mmHg para garantir um estímulo adequado no
centro respiratório. Também se sugere que o sangue arterial ou capilar deva
estar com pH < 7,28 no final do teste de apnéia. Os seguintes pré-requisitos são
recomendados: temperatura central preferentemente acima de 36,5oC (não deve
ser inferior a 32oC) para permitir elevação da PaCO2 (atenção: em pacientes cuja
temperatura corporal estiver abaixo do normal e nos retentores crônicos de dió-
xido de carbono, o teste de apnéia pode não ter valor); a pressão sangüínea
sistólica deve ser de 90 mmHg nos adultos e dentro dos limites normais para

369
Posição espontânea (sem estímulos)

Água fria

Água fria

Água fria Água fria

Água quente Água quente

Figura 19.2 – Respostas normais do reflexo vestibulocular.


COMA

bebês e crianças; o paciente deve estar euvolêmico; uma PaCO2 inicialmente


normal antes de o teste começar (40 ± 5 mmHg); pré-oxigenação com oxigênio
100% permitindo uma PaO2 > 200 mmHg. Ao realizar o teste de apnéia, sugere-
se que oxigênio 100% atinja o pulmão através da cânula traqueal, enquanto o
ventilador é desligado. A PaO2, a PaCO2 e o pH devem ser verificados em 8 a 10
minutos. O teste da apnéia é chamado positivo se nenhum movimento respiratório
é observado em 8 a 10 minutos, tendo se garantido que a PaCO2 tenha chegado
a > 60 mmHg (Tabela 19.12).

Irreversibilidade
A cessação irreversível de funções cerebrais é determinada quando uma cau-
sa do coma é conhecida e é capaz de causar morte neuronal; a perda de funções
do tronco cerebral é total e constante ao longo do tempo; causas reversíveis de
disfunção cerebral foram excluídas, como intoxicação por fármacos (principalmen-
te barbitúricos, sedativos e hipnóticos), transtornos metabólicos tratáveis, hipo-
termia (temperatura menor do que 32,2oC), choque e disfunção muscular ou de
nervo periférico devido à doença ou a agente de bloqueio neuromuscular. Os
exames de imagem, em casos selecionados, podem ser de auxílio para documentar
uma causa estrutural e determinar a extensão da lesão anatômica.

370
Tabela 19.12 Padrões respiratórios anormais

Tipo Padrão gráfico Comentários


Normal 12-16 movimentos
respiratórios/min.

Lesão córtex-cerebral Movimentos respiratórios


rápidos de profundidade
crescente e decrescente,
que se alternam com
períodos de ausência de
movimentos respiratórios
(Cheyne-Stokes)

Lesão mesencefálica Movimentos respiratórios


rápidos

Ponte Movimentos lentos


(gasping)

Bulbo Respiração com ritmo e


profundidade irregulares

Acidose metabólica Movimentos respiratórios

COMA
rápidos e profundos que
ocorrem na cetoacidose
diabética (Kussmaul)

Lesões bilaterais dos hemisférios cerebrais ou de regiões ventriculares do tronco cerebral


podem resultar em padrões respiratórios anormais. Os circuitos neuronais envolvidos
não são claros. De forma geral, localizam-se as lesões da forma aqui apresentada,
exceto para o caso da respiração do tipo Kussmaul provocada por distúrbio metabóli-
co sem valor localizatório de lesão. Fonte: Goldberg(1).

A reavaliação é essencial para garantir que o estado não-funcional do cérebro


seja persistente e para reduzir a possibilidade de erro. Dependendo da etiologia,
o intervalo entre essas avaliações pode ser tão curto quanto duas horas ou tão
longo quanto 24 horas; a observação de 24 horas é geralmente recomendada
para confirmar morte cerebral por insulto anóxico-isquêmico (p. ex., após para-
da cardíaca). Em situações de morte cerebral declarada em função de transplan-
te de órgãos, regulações legais devem estipular intervalos específicos de
reavaliação.

371
Sinais de herniação lateral:
Q midríase, ptose palpebral e déficit de adução do olho ipsilateral;
Q aprofundamento do coma;
Q hemiplegia ipsilateral.

Sinais de herniação central (etapa precoce):


Q diminuição progressiva do nível de consciência ou aprofundamento do
coma;
Q respiração de Cheyne-Stokes;
Q pupilas mióticas e fotorreagentes;
Q respostas motoras inapropriadas (padrão flexor em membro superior e
extensor em membro inferior);
Q preservação dos movimentos oculares extrínsecos.

DICAS
Q Sempre que o reflexo corneano, o do vômito e o oculocefálico estiverem
presentes, podemos considerar que há integridade do tronco cerebral. Nesse
caso, não é necessário – na maioria das vezes – testar o reflexo vestibulocular.
Q Sempre que houver resposta ocular não-conjugada, ou em direções não-
esperadas, ou ainda na ausência de resposta, devemos testar o reflexo
vestibulocular, pois ele é o mais fidedigno do estado do tronco cerebral.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CITADAS


1. Goldberg S. Clinical neuroanatomy made ridiculously simple. 2nd ed. Miami: MedMaster,
Inc.; 2000.
COMA

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS


Canadian Neurocritical Care Group. Guidelines for the diagnosis of brain death. Can J Neurol
Sci 1999; 26: 64-6.

DeJong R. The neurologic examination. 4th ed. Harper & Row; 1979. p. 689-98.

Guide to neurology. Stamford: Medical information systems Inc; 1993.

Malik K, Hess DC. Evaluating the comatose patient: rapid neurologic assessment is key to
appropriate management. Postgrad Med 2002 Feb;111(2):38-40, 43-6, 49-50.

Strub RL. Coma. In: Decition making in adult neurology. 2nd. ed. St. Louis: Mosby-Year
Book, Inc.; 1993. p.34-5.

Sites recomendados
Emergency Medicine (Coma):
http://www.vh.org

Altered Mental Status:


http://www.guideline.gov

The Neurology of Impaired Consciousness (Global Disorders and Implied Models):


http://www.phil.vt.edu/assc/niko.html

372
Stupor and Coma:
Capítulo 77, da seção 6 “Brain, spinal and nerve disorders” of The Merck Manual of Medical
Information-Home Edition:
http://www.merck.com/mrkshared/mmanual_home2/home.jsp

While You Are Waiting:


http://waiting.com/comawaiting.html

COMA

373
20
DIAGNÓSTICO DOS
DISTÚRBIOS DO SONO
DENIS MARTINEZ

Os distúrbios do sono são comuns, afligindo até 80% da população. Existem 84


distúrbios do sono classificados. Eles são causa de sofrimento, mas, devido ao
seu baixo índice de mortalidade, são sistematicamente negligenciados.
Chegar à causa do distúrbio do sono deve ser o foco da investigação. Raramen-
te é tarefa simples e requer conhecimento dos métodos de avaliação. Insônia e
hipersonia não são doenças; são sintomas de dezenas de doenças. Na maioria
dos casos, a etiologia é única; porém, um mesmo paciente pode apresentar múl-
tiplas causas para seu distúrbio do sono.
Pary, em artigo de revisão, incentivam o clínico a procurar “a raiz do proble-
ma”. Essa metáfora deve permanecer em mente durante o atendimento.

SINAIS E SINTOMAS MAIS IMPORTANTES


Insônia
Quando se interroga sobre a duração do sintoma, deve-se lembrar que a insônia
tem caráter cíclico, por isso devem ser registradas todas as crises passadas. Como
a insônia, mesmo na crise atual, é oscilante, mutável, devem ser anotados os nú-
meros mínimo e máximo de cada uma das características listadas no Quadro 20.1.
O uso de hipnóticos merece especial atenção; pode ser diário ou esporádico,
com doses variáveis ou constantes, com o mesmo medicamento ou com o indicado
pelo médico. A freqüência de uso será diária se o paciente há pelo menos seis
meses toma hipnóticos todos os dias. Alguns pacientes conseguem lembrar o
nome de uma dezena de medicamentos que já tomaram, enquanto outros igno-
ram até o que estão tomando hoje. Para fins de registro, pode-se consignar
apenas aquele que o paciente usou durante mais tempo ou em maior quantidade.
A informação do tempo decorrido desde a última dose permite saber se o paciente
já superou a fase de abstinência e é relevante para planejar a retirada do hipnó-
tico.
Como mostra a Figura 20.1, a população geral apresenta sintomas de distúrbios
do sono com alta freqüência. Entre os insones, tais perturbações são ainda mais
comuns (Figura 20.2).
Quadro 20.1 Tópicos essenciais da anamnese da insônia

 Horário em que apaga a luz e inicia o processo de tentar dormir nos dias úteis
e de folga.
 Latência ao sono, ou seja, tempo estimado até o início do sono.
 Número de vezes que acorda durante a noite.
 O que causa o acordar.
 Horário em que acorda.
 Tempo para voltar a dormir.
 Horário de levantar.
 Sensação ao levantar: disposto, sonolento, mais cansado que ao deitar.
 Como passa o dia.
 Freqüência de insônia na semana, mês ou ano.
 Quais as medidas tomadas para aliviar o problema.
 Por quanto tempo usou essas medidas.

A insônia pode se manifestar de quatro formas:


Q Dificuldade em iniciar o sono – o paciente demora mais de 30 minutos
para adormecer.
DIAGNÓSTICO DOS DISTÚRBIOS DO SONO

Q Dificuldade em manter o sono – o paciente acorda mais de duas vezes por


noite, por mais de cinco minutos.
Q Acordar precoce – o paciente acorda cedo demais, em geral, entre as 3 e as
5 horas, e demora para voltar a dormir ou não adormece.
Q Sono não-reparador – o paciente levanta com sintomas de sono inadequado
(Quadro 20.2) mesmo se o número de horas de sono for o usual.

Sonolência
Colher a história de um caso com sonolência pode ser difícil. Sonolência, em
vez de sintoma legítimo de doença orgânica, pode ser considerada sinônimo de

100%

80%
58%
60%
40% 37%

20% 16% 9%
0%
Insônia Ronco Pernas inquietas Apnéias

Figura 20.1 – Percentagem de respostas afirmativas dos entrevistados quanto à ocorrência


de sintomas de distúrbios do sono, poucas noites por semana ou mais freqüentemente.
Insônia definida como qualquer dos quatro sintomas: dificuldade de iniciar, dificuldade de
manter, acordar precoce e sono não-reparador.

376
Levantar cansado ou sonolento

Acordar no meio da noite

Dificuldade de adormecer após acordar

Dificuldade de iniciar o sono

Acordar precoce

Roncar no sono

Movimentação excessiva no sono

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80%

Figura 20.2 – Freqüência de sintomas de distúrbio do sono em pacientes com insônia


(dados da NSF, 1991).

preguiça, fraqueza de caráter e, para alguns homens, de falta de masculinidade.


Os pacientes reagem mal à pergunta direta: “O senhor é sonolento”?. O modo
de contornar a resistência é iniciar afirmando que a má qualidade do sono resulta
em sonolência e que, se ele confirmar sentir sonolência em situações monótonas,
isso ajudará a entender melhor seu quadro clínico. Pergunta-se então, se ele não

DIAGNÓSTICO DOS DISTÚRBIOS DO SONO


adormece, às vezes, assistindo à TV. Como isso é muito comum, o paciente não
hesita em confirmar. Utilizam-se situações monótonas comuns como critério para
identificar sonolência.
A sonolência tende a ser menos importante se ocorre apenas em situações
passivas e se o paciente relata adormecer contra a vontade enquanto está:
Q assistindo à TV;
Q lendo;
Q assistindo à aula, palestra, reunião, missa;
Q viajando como passageiro.
A sonolência deve ser mais valorizada se o paciente tiver de interromper a
atividade enquanto está:
Q dirigindo por mais de uma hora.
Q trabalhando em uma atividade sedentária.

Quadro 20.2 Sintomas diurnos comuns de pacientes com insônia

Ansiedade e fobias Fadiga


Ardência nos olhos Humor instável
Cansaço fácil Incapacidade de concentração
Cefaléia tensional Irritabilidade
Déficit de atenção Mal-estar
Dificuldades de memória Sonolência

377
No caso de sonolência ao dirigir, o paciente relata, em geral, que pára em um
posto de gasolina e toma café, ou caminha em volta do veículo, finge examinar
os pneus. Ocasionalmente cochila sentado ou recostado no carro. Quem relata
ter adormecido ao volante uma vez tem chance duas vezes maior de ter sín-
drome das apnéias-hipopnéias obstrutivas do sono. Quem relata já ter adorme-
cido ao volante mais de cem vezes – o que não é tão raro como pode parecer –
tem chance 68 vezes maior.
Quando sente sono no trabalho, o paciente, em geral, levanta, finge buscar
informações, toma água ou café, conversa, lava o rosto. Em certas profissões, o
paciente pode tornar-se hiperativo para evitar a sonolência e tem até um desempe-
nho elogiado. Admitir que dorme ao volante ou no trabalho é um indício de
gravidade do caso.
Vários distúrbios do sono causam sonolência (Quadro 20.3). Usa-se, na maioria
dos estudos em que se necessita dados quantitativos, a escala de Epworth (Quadro
20.4), validada para quantificar a intensidade da sonolência diurna. Nos pacien-
tes que são sonolentos durante o dia e roncam intensamente, deve-se realizar
sempre polissonografia ou monitorização respiratória para descartar a síndrome
das apnéias-hipopnéias obstrutivas do sono, mesmo que sofram de alguma ou-
tra das doenças que causam sonolência.

Roncar no sono
DIAGNÓSTICO DOS DISTÚRBIOS DO SONO

A história de roncar no sono é difícil de ser obtida. O relato compreende o


tempo de duração do sintoma, desde a primeira menção de roncar; a evolução
do sintoma de grau I, apenas em decúbito dorsal, até grau III, permanente, audível
fora do quarto e entrecortado por apnéias; a intensidade do ronco, de leve a
muito intenso; a duração do ronco na noite; se o paciente ouve o próprio ronco;
se o cônjuge sai do quarto devido ao ronco.
Valoriza-se como problemático o roncar diário, contínuo e intenso. A dificulda-
de com esse sinal é que ele depende de quem ouve. Técnicos de laboratório do
sono que já ouviram incontáveis roncos não concordam com medidas objetivas,
como decibelímetros. Depreende-se daí que quem ouve unicamente o ronco de
seu cônjuge tenha dificuldade em julgar a intensidade do ronco.

Quadro 20.3 Causas de sonolência diurna

Alcoolismo Movimentos periódicos dos membros


Apnéias do sono Narcolepsia
Avanço ou atraso de fase do sono Síndrome das pernas inquietas
Demência Síndrome de hipoventilação alveolar
Drogas ilícitas Sono insuficiente
Gravidez Trabalho em turnos
Hipersonia idiopática Transtorno de humor
Medicamentos

378
Quadro 20.4 Escala de sonolência de Epworth

Qual é a probabilidade de você cochilar ou adormecer – não apenas sentir-se


cansado- nas situações que serão apresentadas a seguir? As perguntas refe-
rem-se ao seu modo de vida usual, no momento atual. Ainda que você não
tenha feito ou passado por nenhuma dessas situações, tente imaginar como
poderiam tê-lo afetado.

Utilize a seguinte escala para escolher o número mais apropriado para cada
situação:
0 = nenhuma chance de cochilar 1 = pequena chance de cochilar
2 = moderada chance de cochilar 3 = alta chance de cochilar

Chance de
Situação cochilar
Sentado, lendo

Assistindo à TV

Sentado, parado, em um lugar público (p. ex., sala de espera, igreja)

Como passageiro de carro, trem ou ônibus viajando uma hora sem parar

Deitando-se para descansar à tarde, quando as circunstâncias permitem

DIAGNÓSTICO DOS DISTÚRBIOS DO SONO


Sentado e conversando com alguém

Sentado calmamente após almoço sem álcool

Dirigindo carro, enquanto pára por alguns minutos no trânsito intenso

TOTAL

Quem dorme profundamente não será importunado mesmo por um ronco


muito intenso, enquanto quem tem sono leve não tolera o sutil ressonar ocasional.
Deve-se considerar essa subjetividade ao entrevistar o acompanhante do roncador.
As perguntas no Quadro 20.5 tornam mais objetiva a avaliação do ronco.
A probabilidade de sofrer da síndrome das apnéias-hipopnéias obstrutivas do
sono aumenta com a intensidade do roncar. Os pacientes com roncar suave têm
chance duas vezes maior de sofrer de apnéias do que quem não ronca. Aqueles
com ronco muito intenso têm chance 21 vezes maior.

Apnéias
Os sintomas que melhor predizem a existência de síndrome das apnéias-
hipopnéias obstrutivas do sono estão no Quadro 20.6. Alguns autores desenvol-
veram índices, baseados nos sintomas, da probabilidade de se encontrar apnéias.
O valor preditivo é razoável, mas não suficientemente alto para que se prescinda
de polissonografia na maioria dos casos. Para exemplos de questionários validados

379
Quadro 20.5 Dados a investigar na história de roncar

Tempo desde a primeira observação de roncar


Tempo desde que o roncar se tornou problemático
Roncar em qualquer posição
Ouve-se fora do quarto
Ouve-se nos outros quartos
Cônjugue sai do quarto
Ronco observável à noite toda
Tempo de evolução do sintoma de posicional até permanente

para diagnóstico de apnéias do sono, com probabilidades assinaladas para respos-


tas positivas ou negativas, recomendam-se os estudos de Flemons e colabora-
dores e de Kump e colaboradores. Por exemplo, se o parceiro observa apnéias
raramente, a chance de que o paciente sofra de síndrome das apnéias-hipopnéias
obstrutivas do sono é três vezes maior do que quem não teve essa observação.
Se a observação é diária, a chance é 49 vezes maior.

Movimentos ou atividades anormais


DIAGNÓSTICO DOS DISTÚRBIOS DO SONO

O sono é, por definição, um estado de quiescência. Se, ao perguntar sobre


movimentos ou atividades anormais durante o sono, se obtém resposta afirmativa,
deve-se esclarecer e detalhar a história, pois diversos distúrbios tornam o sono
inquieto.
Alguns pacientes com síndrome das apnéias-hipopnéias obstrutivas do sono
apresentam movimentos corpóreos amplos, vocalizações e mudanças de decúbito
a cada despertar, às vezes de 30 em 30 segundos.
No sonambulismo, os episódios podem variar do simples sentar na cama até
perambulações por ruas ou bairros distantes. O andar parece automático, sem

Quadro 20.6 Achados em pacientes com apnéias do sono

Esforço para se manter alerta, concentrado, acordado.


Perímetro cervical maior que 38 cm.
Susto por cochilar ao volante.
Relato de apnéia pelo parceiro.
Hipertensão arterial sistêmica.
Ronco perturba o parceiro.
Irritabilidade e depressão.
Acordar com boca seca.
Acordar com cefaléia.
Sudorese noturna.
Obstrução nasal.

380
sinais de consciência em nenhum momento. Já no distúrbio por comportamento
em REM, a movimentação pode tanto ser elaborada, como arrumar uma mala, ou
desordenada, como correr por dentro de casa, fugindo de algo. A diferença é que,
nesse caso, o paciente relata um sonho que coincide com a ação desempenhada.
Nos quadros de terror noturno, ocorre intensa descarga autonômica, com
taquicardia, taquipnéia, sudorese, midríase e hipertonia muscular. O paciente
grita, senta na cama, mas não consegue acordar, não tem lembrança de sonho e
nem recorda do episódio no dia seguinte.
Na distonia paroxística noturna, o paciente apresenta movimentos balísticos,
córeo-atetóticos, estereotipados, que podem durar de segundos a uma hora. Ao
final do episódio, o paciente está coerente e retorna ao sono.
Na epilepsia sono-relacionada, devido ao efeito facilitatório do sono sobre a
atividade epiléptica, podem ocorrer convulsões de todos os tipos, mais provavel-
mente as do tipo grande mal. A epilepsia focal benigna da infância tem preferência
acentuada pelo período do sono. O sonambulismo e o terror noturno raramente
têm etiologia epiléptica.
No distúrbio de movimentos rítmicos, o paciente, em geral criança, pode
apresentar quatro estereotipias: bater a cabeça, rolar a cabeça, rolar o corpo e
balançar o corpo. Os movimentos surgem na vigília, antes do início do sono, e
podem se prolongar por uma hora ou mais até o surgimento do sono, persistindo
por alguns minutos nos estágios 1 e 2. Não tem relação com epilepsia e diferencia-

DIAGNÓSTICO DOS DISTÚRBIOS DO SONO


se dessa por sua duração prolongada e pela natureza altamente estereotípica
dos movimentos.
Na síndrome das pernas inquietas, sensações desagradáveis nas pernas, antes
de adormecer, obrigam o paciente a se movimentar; apesar de ser distúrbio da
vigília, deve ser valorizada como causa de dificuldade de iniciar o sono. Os quatro
tópicos do Quadro 20.7 são critérios diagnósticos definidos pelo Grupo Interna-
cional de Estudos da Síndrome das Pernas Inquietas.
No distúrbio de movimentos periódicos dos membros, ocorrem contrações
involuntárias, periódicas. Os movimentos são estereotípicos, acontecem principal-
mente nas pernas, mas podem envolver os braços. O intervalo entre as contrações,
usualmente de 20 a 40 segundos, pode variar de 5 a 90 segundos. A contração
dura de 0,5 a 5 segundos e, em média, 2 segundos. Para serem consideradas
periódicas devem ocorrer seqüências de pelo menos quatro contrações. Caracteri-

Quadro 20.7 Critérios diagnósticos de síndrome das pernas inquietas

 Necessidade urgente de mover os membros, usualmente associada com


parestesias e disestesias.
 Inquietação motora manifestada em atividades como atirar-se e virar-se na
cama, esfregar as pernas e caminhar.
 Os sintomas pioram ou ocorrem apenas em repouso com alívio variável e
temporário por atividade.
 Marcada variação circadiana com piora dos sintomas ao anoitecer e à noite.

381
za-se, na perna, por extensão do hálux em combinação com flexão parcial do
tornozelo, joelho e, às vezes, quadril. O paciente queixa-se tanto de insônia,
com vários despertares por noite, como de sono não-reparador ou sonolência
diurna. As contrações observadas na vigília ou na transição para o sono não são
computadas.

Cataplexia
Constitui-se em perda súbita do tono de parte ou de toda a musculatura,
provocada por emoção. A consciência permanece lúcida, a memória se conserva
e a respiração está incólume durante o episódio, que pode durar de alguns segun-
dos a minutos. Quando leve, pode passar despercebida a observadores, mas o
paciente relata instabilidade postural, necessidade de sentar e dificuldade em
manter a cabeça ereta. O sintoma é patognomônico de narcolepsia.

Sonhos
Os sonhos, características fisiológicas do sono REM, tornam-se sintomas com
freqüência. Os pesadelos são sonhos longos, complicados, que se tornam cada
vez mais assustadores até provocarem o despertar. O medo ou a ansiedade nem
sempre se relacionam diretamente com o conteúdo do sonho, mas são elementos
essenciais ao diagnóstico. Raramente se observa a intensa descarga autonômica
presente no terror noturno. A paralisia do sono caracteriza-se por incapacidade
DIAGNÓSTICO DOS DISTÚRBIOS DO SONO

de se movimentar por um minuto ou mais ao acordar (hipnopômpica), em geral,


de um sonho. O sintoma é benigno e até 40% da população já experimentou
alguma vez esse episódio. Se surge antes do adormecer (hipnagógica) e está
associada a alucinações e sonhos, pode ser sintoma de narcolepsia.

Morte noturna
Apesar de muito temida, principalmente por quem observa o paciente durante
apnéia, a morte durante o sono é rara em adultos com síndrome das apnéias-
hipopnéias obstrutivas do sono. Ela pode ocorrer nos lactentes com apnéia, apesar
de não ter sido possível documentar conclusivamente que a morte súbita do
lactente seja conseqüência de apnéia. Sabe-se que, em portadores de doenças
cardiovasculares e respiratórias, as mortes tendem a se concentrar entre as 5 e as
9 horas.

Hábitos
Deve-se obter uma descrição completa da rotina diária, nos dias de trabalho
e nos de folga. Enfatiza-se, principalmente, o uso de álcool, cafeína, fumo e
medicamentos; horários de deitar e levantar nos dias úteis e nas folgas revelam
padrões circadianos anômalos. Quanto ao consumo de álcool e cafeína, interessa,
não apenas a quantidade ingerida, mas também os horários de ingestão. O tabaco
torna-se fator de perturbação do sono dado o efeito estimulante da nicotina. Em
pacientes com depressão, níveis de consumo de cigarro mais elevados são associa-
dos à insônia terminal intensa e a maior consumo de café e álcool, levando a crer
que o paciente deprimido busque em drogas acessíveis alívio para seus sintomas.

382
É importante identificar, em tabagistas, o hábito de fumar durante a noite,
sempre que acorda. Além da relatada possibilidade de depressão, o autor observa
esse padrão em casos avançados de síndrome das apnéias-hipopnéias obstrutivas
do sono.

Lista de verificação de sintomas


A maioria dos sintomas associados com sonolência ou insônia parece inespe-
cífica demais e pode ser negligenciada. A lista de verificação de sintomas de
distúrbio do sono deve incluir:
Q dormir melhor quando fora de casa;
Q insatisfação com o local de sono no que se refere à temperatura, ao ruído,
ao ambiente e ao colchão;
Q parceiro roncar de forma a perturbar seu sono;
Q cama amanhecer desfeita;
Q sono leve;
Q movimentos isolados, como mioclonias;
Q movimentos insólitos, como distonias durante o sono;
Q movimentação constante;
Q dormir em posição desusada (sentado, prece maometana, parte do corpo
fora da cama etc.);
Q

DIAGNÓSTICO DOS DISTÚRBIOS DO SONO


falar ou gemer durante o sono;
Q sonhos cansativos, chamados sonhos épicos;
Q acordar por cãibras;
Q acordar por cefaléia;
Q obstrução nasal durante o sono;
Q uso habitual de vasoconstritor nasal à noite;
Q sudorese durante o sono;
Q acordar com a boca seca durante a noite ou pela manhã;
Q noctúria;
Q pânico noturno;
Q azia ou refluxo gastresofágico;
Q irritabilidade após noite maldormida;
Q depressão coincidindo com o início do distúrbio do sono.
As respostas exigem quantificação e qualificação. Ao interrogar-se sobre a
ocorrência de sono leve, por exemplo, o sintoma poderá existir apenas no início
ou no fim da noite, ou durar a noite toda; o cansaço diurno poderá ocorrer
apenas ao levantar ou no final da noite, ou durar o dia todo, impedindo o paciente
de exercer a maioria das atividades.

Histórico de tratamento
A história de tratamentos para distúrbio do sono deve incluir, além dos tran-
qüilizantes, hipnóticos ou estimulantes, todo o tipo de ajuda que o paciente
buscou para melhorar o sono, desde psicoterapias, chás, florais, homeopatias,
meditação, ioga, até álcool e drogas ilícitas.

383
Conhecer crenças e temores dos pacientes quanto à medicação é importante,
pois alguns podem ter aversão a determinado produto; se receberem tal prescri-
ção, podem abandonar o tratamento. O uso de medicação deve ser cuidadosa-
mente revisado e anotado para referência futura, pois os pacientes desenvolvem
repugnância a medicamentos usados sem resultado ou que causaram efeitos
colaterais.
Deve-se identificar, também, em quem usa hipnóticos, a existência de tolerân-
cia ou dependência.

Revisão de sistemas
Toda a revisão de sistemas, de qualquer especialidade médica, deve conter as
perguntas: “Você dorme bem?” e “Você passa o dia alerta e sem sono?”. Autores
sugerem que, se as respostas forem negativas, deve-se fornecer a todo paciente
um diário do sono, semelhante aos ilustrados nos Quadros 20.8 e 20.9, ou pedir-
lhe que, durante duas semanas, anote a cada manhã como passou a noite e ao
deitar como passou o dia, retornando para uma nova consulta sobre seu sono. É
fundamental dispor de tempo para a entrevista.
Considerando-se as causas de distúrbio do sono, revisam-se os sintomas das
causas médicas, por exemplo, asma, insuficiência cardíaca e refluxo gastresofágico.
Se o paciente dorme acompanhado, interroga-se o cônjuge sobre roncar intenso
e comportamentos anormais durante o sono, como episódios de confusão ou
DIAGNÓSTICO DOS DISTÚRBIOS DO SONO

agressividade. Tais informações podem ajudar no diagnóstico diferencial.


Deve-se buscar, de forma ativa e insistente, causas psiquiátricas, clínicas e
circadianas de distúrbio do sono. Principalmente em idosos, o distúrbio do sono
secundário é mais comum e mais grave que o primário. O maior comprometimento
do funcionamento na vigília observado no idoso com insônia não parece ser
devido exclusivamente à má qualidade do sono, mas pode envolver a doença
primária. A busca da causa nunca será enfatizada em excesso.

Exame físico e exames complementares


No exame físico continua a busca pela “raiz do problema”. Procuram-se pistas
para o diagnóstico de causas de distúrbio do sono, como hipertireoidismo, doença
de Parkinson e apnéias do sono. Em face de cada suspeita, avança-se no exame
físico e solicitam-se exames bioquímicos ou imaginológicos apropriados. Por exem-
plo, detectando-se a síndrome das pernas inquietas, pode-se procurar por deficiên-
cia de ferro, causa primária curável de distúrbio do sono.
O exame físico dos pacientes com distúrbios do sono fornece escassos dados
para o diagnóstico. A ausência de qualquer achado no exame físico não exclui
distúrbio do sono, e nenhum sinal presente é patognomônico.
Medem-se a altura e o peso corporal do paciente na primeira consulta e o
peso novamente em cada consulta. Quando indagado, o paciente invariavelmente
subestima seu peso assim como superestima sua altura. Indivíduos deprimidos
ou ansiosos tendem a ter peso abaixo do ideal, enquanto os pacientes com sín-
drome das apnéias-hipopnéias obstrutivas do sono, com raras exceções, estão
acima desse valor.

384
A medida do perímetro cervical correlaciona-se bem com o índice de apnéias
e hipopnéias. Expressa, melhor que o peso corporal, a tendência dos pacientes
com apnéias do sono de depositar gordura na face e no pescoço. A laringe ante-
riorizada e certo grau de retrognatismo são achados comuns.
Mede-se a pressão arterial com o paciente sentado, no início e no fim da
consulta, registrando-se o menor valor. Em mais de 50% dos casos de síndrome
das apnéias-hipopnéias obstrutivas do sono, observa-se hipertensão arterial sis-
têmica.
Se disponível, a medida da saturação de oxigênio arterial durante a consulta
auxilia na detecção de hipoventilação alveolar, nos casos de síndrome de hipoven-
tilação-obesidade, e de hiperventilação, nos casos de ansiedade.
No exame da orofaringe, realizado com abaixador de língua e uma fonte de
luz, procura-se detectar anormalidades potencialmente envolvidas na obstrução
da via aérea superior. Na prática, vários achados anormais ocorrem no mesmo
paciente.
Faz-se o exame da arcada dentária no momento da faringoscopia. Observa-
se o estado dos dentes, procurando-se desgastes indicativos de bruxismo. Api-
nhamento dos dentes ou espaços entre eles demonstram má-oclusão. O mento
colocado posteriormente em relação ao plano vertical da face denota retrogna-
tismo. O incisivo superior deve estar no máximo 2 mm à frente do inferior. Nos
casos anormais, essa distância pode chegar a 15 mm. A mandíbula de pequenas

DIAGNÓSTICO DOS DISTÚRBIOS DO SONO


dimensões e estreita caracteriza o micrognatismo.
O exame das narinas pode ser feito com otoscópio. Visualiza-se a porção
anterior do septo para notar desvios. A obstrução pode ser verificada com um
espelho colocado diante das narinas, observando-se o embaçamento provocado
pelo ar expirado. Anota-se a presença de pólipos e o grau de hipertrofia dos
cornetos. A mucosa nasal deve ter coloração rósea. A hiperemia ou a cor esbran-
quiçada representam rinite.

AVALIAÇÃO CLÍNICA
Segundo os Parâmetros de Prática da American Academy of Sleep Medicine
(AASM), publicados em 2000, na avaliação de distúrbios do sono, agregam-se à
entrevista do paciente, os seguintes instrumentos clínicos:
Q questionários auto-administrados;
Q entrevista do parceiro de cama;
Q diário do sono;
Q listas de verificação de sintomas;
Q testes psicológicos de triagem.

Entrevista
Como em toda a especialidade clínica, na medicina do sono o processo de
diagnóstico inicia na entrevista. A orientação da AASM é que todo profissional
da saúde deve incluir na entrevista perguntas sobre sono, principalmente para
mulheres e idosos. Para identificar a causa do distúrbio do sono, o relatório deter-

385
mina que a entrevista seja em profundidade, acompanhada de exame físico nos
casos com sintomas médicos.
Certos tópicos, essenciais no entendimento da queixa, servirão para a avaliação
e acompanhamento do quadro durante o processo terapêutico (ver quadros com
tópicos essenciais de cada sintoma).

Início dos sintomas: agudo ou crônico?


Identificar o início dos sintomas, embora difícil, é de extrema importância. O
paciente, em geral, foca sua queixa no episódio atual, que determinou a consulta,
deixando, porém, de mencionar outras crises de distúrbio do sono, às vezes desde
a infância. Para ser valorizada, uma crise no passado deve ter sido de intensidade
tal que causou estresse, perturbação na vida social, no trabalho ou em outras
áreas importantes do funcionamento psicossocial. Mesmo que o episódio atual
tenha poucos dias de duração, a cronicidade pode estar no fato de existirem
crises ao longo de toda a vida.
Para a maioria dos diagnósticos, a Classificação Internacional dos Distúrbios
do Sono (CIDS) divide a duração em:
Q aguda – até quatro semanas;
Q subaguda – duas semanas a seis meses;
Q crônica – de um mês a um ano.
DIAGNÓSTICO DOS DISTÚRBIOS DO SONO

Colhendo informações
A anamnese do sono segue o padrão de avaliação de qualquer outra doença:
Q Definir o problema do sono, ou seja, a queixa principal.
Q Avaliar a evolução do problema na história da doença atual.
Q Distinguir sintomas de distúrbios do sono e de outros diagnósticos médicos
ou psiquiátricos, isto é, exercitar o diagnostico diferencial.
Q Identificar distúrbios do sono na história familiar.
Q Avaliar o impacto da doença na vida do paciente.

O peculiar à medicina do sono são os passos seguintes:


Q Analisar o ciclo circadiano de sono-vigília (ver o item “Cronologia”).
Q Interrogar quem dorme com o paciente (ver o item “O parceiro de cama”).

Cronobiologia
Cronobiologia é o ramo da ciência que estuda a variação dos fenômenos
biológicos com o tempo, especialmente aqueles recorrentes, como os ciclos cir-
cadianos. Circadiano, de cerca de um dia, é o processo rítmico que ocorre no
organismo todos os dias mais ou menos à mesma hora, independentemente de
fatores externos.
O entendimento dos componentes cronobiológicos em distúrbios do sono
exige abordar os acontecimentos fora da hora da queixa. Por exemplo, alguém
que acorda às 4 horas da manhã e não volta a adormecer pode estar com depres-
são ou pode ter dormido oito horas de sono normal desde as 20 horas. O segundo
caso representa distúrbio de avanço da fase do sono, comum em idosos.

386
Interroga-se sobre fatos do dia anterior e do dia seguinte. O sono segue e
precede a vigília e é responsável pela qualidade dessa. As primeiras perguntas
para abordar a cronobiologia do sono são os horários de apagar a luz e de sair da
cama nos dias de trabalho e de folga. Deve ser enfocado o sono nas 24 horas e
nos sete dias da semana.
O parceiro de cama
Deve-se recomendar a presença na consulta de acompanhante capaz de acres-
centar informações sobre o sono do paciente.
O paciente com distúrbio durante o sono, por definição, está inconsciente.
No início da consulta, nega informações, alegando ignorar como dorme. Nessa
etapa, o acompanhante é fundamental.
O quarto de dormir é cercado de uma aura de privacidade a qual o paciente
demora permitir que seja invadida. Alguns se sentem traídos se, por exemplo, a
esposa revela ao médico detalhes de seu sono que nem eles conheciam.
Com persistência, o médico esclarece a finalidade das informações. Ao entender
que as queixas são sintomas legítimos de doença orgânica, com importância
médica, o paciente passa a participar. Relatar como dorme suscita intimidade,
ajuda a criar vínculo, importante no procedimento médico. Quando os pacientes
mudam o enfoque e colaboram, suas percepções são, às vezes, surpreendente-
mente acuradas.

DIAGNÓSTICO DOS DISTÚRBIOS DO SONO


Questionários auto-administrados
A maioria das clínicas de distúrbios do sono desenvolve questionários para
serem respondidos pelo paciente e o acompanhante. Por serem tantos os pontos
a se abordar na entrevista, a finalidade do formulário seria evitar esquecimento
de questões fundamentais. Mesmo com a ajuda desse instrumento, a entrevista
prolonga-se por 30 a 60 minutos, pois as respostas ao questionário necessitam
sempre de esclarecimento pelo médico.

Diário do sono
O diário do sono é uma ferramenta útil por registrar aspectos potencialmente
perturbadores do sono na rotina do paciente. Em geral, solicita-se ao paciente
que, durante duas semanas, o paciente registre no diário seus horários de deitar,
levantar, cochilos, sestas, horário e quantidade das refeições, uso de álcool, cafeína,
exercício, medicações e descrições da duração e da qualidade de sono de cada
dia. A análise dos dados contidos no diário revela o padrão do distúrbio.
Pode-se pedir ao paciente que anote em sua agenda algumas informações ou
simplesmente que mantenha um caderno na mesa de cabeceira e, ao levantar,
dê nota de 0 a 10 para o sono. O diário do Quadro 20.8 foi adaptado a partir de
um modelo do Center for Chronobiology, da Universidade de Toronto.
O paciente utiliza rotineiramente uma planilha simplificada onde registra da-
dos por um mês (Quadro 20.9).
O exemplo ilustra o roteiro da noite de sono, desde que deita até levantar, e
resume, numa nota de 0 a 10, como passou o dia.

387
Quadro 20.8 Como organizar o diário do sono

 Mantenha o diário próximo de sua cama, na sua mesa de cabeceira.


 Preencha todas as noites, antes de deitar, os dados correspondentes ao dia.
 Todas as manhãs, logo que levantar, preencha as informações da noite.

Marque na linha “Atividades” os seguintes itens:


A – álcool: marque A no quadrinho correspondente à hora em que tomar
bebida alcoólica.
B – banheiro à noite: marque B no quadrinho correspondente à hora em que
acordar para ir ao banheiro.
C – cafeína: marque C no quadrinho correspondente à hora em que tomar
bebida como café, chá, chimarrão, chocololate, coca-cola ou pepsi-cola.
D – despertador: marque D no quadrinho correspondente à hora em que seu
despertador tocou (se você tem e usa), mesmo que não seja o final do
sono.
E – exercício: marque E no quadrinho correspondente à hora em que realizar
exercício físico prolongado.
L – lanche: marque L no quadrinho correspondente à hora em que comer
algo fora das refeições.
M – medicamento: marque M no quadrinho correspondente à hora em que
tomar medicamentos.
DIAGNÓSTICO DOS DISTÚRBIOS DO SONO

R – refeição: marque R no quadrinho correspondente à hora das refeições


principais.
S – som: marque S no quadrinho correspondente à hora em que um som o
acordar (criança, vizinho).

Marque na linha “Sono” o seguinte:


⇓ marque com flechas para baixo cada vez que você for para a cama.
⇑ marque com flechas para cima cada vez que você sair da cama.
| marque com uma linha vertical a hora em que você inicia e a hora em que
você termina seu sono; depois, junte-as com uma linha horizontal para indicar
o período de sono.

Exceções
Descreva detalhadamente no verso da página qualquer alteração ou situação
diferente que influencie o seu sono em um dia em especial (festa, doença,
trabalho).

DIÁRIO DO SONO
Nome: Data:

Primeira semana
Meia-noite Meia-dia

Hora 20 22 24 02 04 06 08 10 12 14 16 18
Atividades
Sono
Tempo total de sono ___ h Nota do sono (0-10) ___ Nota do dia (0-10) ___

388
Quadro 20.9 Exemplo de planilha diária para registro da qualidade do sono
parcialmente preenchida

Tempo Tempo
que Quantas Tempo Hora que Como
Hora levou Quantas vezes que do Hora Levantou dormiu passou
que para vezes foi ao ficou acordar que disposto? durante o dia
Dia deitou dormir acordou banheiro acordado precoce levantou (0-10) o dia (0-10)

21 23h 40 min 3× 1× 60 min 6 h 7 h 6 30 min 8

23h30min

Os pacientes encontram dificuldade para definir o número de noites perturba-


das por semana, por mês ou por ano. Para esclarecer esse aspecto, o diário do
sono, com registros por longo prazo, representa importante auxiliar.

MÉTODOS DE REGISTRO DO SONO


Polissonografia
A polissonografia básica, visando apenas ao estagiamento do sono, compreen-
de registros de eletroencefalograma, eletrooculograma e eletromiograma. Após

DIAGNÓSTICO DOS DISTÚRBIOS DO SONO


a descoberta das apnéias do sono, tornou-se rotina registrar respiração, saturação
de oxigênio arterial e eletrocardiograma. Complementa-se com registro de som,
vídeo ou outras variáveis necessárias, de acordo com as queixas do paciente. O
exame, em geral, é realizado no período noturno, entre as 23 e as 7 horas, mas
o horário pode ser ajustado a pacientes com hábito de sono divergente da norma.
Na polissonografia, obtém-se o hipnograma. A análise visual do traçado revela
de imediato se o paciente apresenta dificuldade de iniciar ou de manter o sono,
ou ambas (Figuras 20.3 e 20.4).
Não se indica polissonografia rotineiramente; isso seria, de qualquer modo
inviável, pois os limitados recursos existentes são incapazes de atender à elevada
prevalência de distúrbios do sono. A polissonografia está indicada de rotina quando
há suspeita de síndrome das apnéias-hipopnéias obstrutivas do sono e de distúrbio

VIG

1–

SOL –

REM –

23:57 00:57 01:57 02:57 03:57 04:57 05:57 06:57

Figura 20.3 – Hipnograma de caso de dificuldade de iniciar o sono. Na ordenada,


os estágios; na abscissa, o horário. Observa-se o início do sono após três horas de latência.

389
VIG –

1–

2–

SOL –

REM –

23:57 00:57 01:57 02:57 03:57 04:57 05:57 06:57 07:57

Figura 20.4 – Hipnograma de caso com acordar precoce. Observa-se que o acordar ocorre
após quatro horas de sono. O paciente percebe o sono REM entre as 5 e 6 horas apenas
como cochilos.

de movimentos periódicos dos membros; também para insones com percepção


inadequada do estado de sono. Esse distúrbio tem sido diagnosticado em aproxi-
madamente 9% dos casos com queixa de insônia nas clínicas de distúrbios do
sono. A polissonografia é indispensável para esse diagnóstico por demonstrar,
apesar da queixa de dificuldade de iniciar e manter o sono, que a latência ao
sono, a eficiência do sono e o número de despertares são normais. Esse achado
incentivará os pacientes a abandonar a dependência dos hipnóticos. Na literatura,
relata-se permanência sem hipnóticos por quatro a cinco anos, em 80% desses
DIAGNÓSTICO DOS DISTÚRBIOS DO SONO

pacientes, depois de convencidos, pelos resultados da polissonografia, da norma-


lidade de seu sono.
A polissonografia também está indicada quando medidas terapêuticas
falharem, denunciando erro diagnóstico.

Actigrafia
A actigrafia consiste no registro do nível de atividade motora. Emprega a alta
correlação entre vigília e movimento para identificar os estados de sono e vigília.
A literatura mais abundante refere-se a aparelhos, chamados actígrafos ou actí-
metros, com formato de relógio de pulso, contendo um sensor de aceleração
que transforma movimento em sinal digital ao longo do tempo.
O uso de actígrafos é comum em pesquisa. Entretanto, ainda não conseguiu
lugar na rotina da medicina do sono para o diagnóstico, apesar de conclusões
favoráveis da AASM.
Os aparelhos são usados no pulso ou no tornozelo e registram gráfico de
atividade, colhido durante vários dias; do tempo de repouso, infere-se o tempo
de sono. A taxa de concordância entre actigrafia e polissonografia é superior a
90% em normais, mas se reduz em pacientes com insônia. O actígrafo de pulso
é capaz de diferenciar normais de insones, em crianças, adultos e idosos.

Oximetria
Para diagnóstico de síndrome das apnéias-hipopnéias obstrutivas do sono,
substituindo-se a polissonografia por testes como a oximetria, por exemplo, o
valor preditivo positivo é inferior ao obtido usando-se as queixas do paciente. A

390
relação custo-benefício pode ser frustrante. Em quase 50% das oximetrias conti-
nua dúvida sobre a presença ou ausência de síndrome das apnéias-hipopnéias
obstrutivas do sono, persistindo a necessidade da polissonografia.

Oximetria com monitorização de variáveis cardiorrespiratórias


Autores como John Stradling, de Oxford, contestam que a polissonografia
deva ser o “padrão-ouro” para diagnóstico de síndrome das apnéias-hipopnéias
obstrutivas do sono. Seu grupo emprega oxímetro associado a detector de movi-
mento e microfone, com resultados que considera similares aos da polissonografia,
assumindo que para cada apnéia haverá um despertar com movimento corpóreo.
Para Stradling, o número exato de eventos respiratórios é irrelevante, e a principal
razão para se tratar a síndrome das apnéias-hipopnéias obstrutivas do sono seria
a sonolência. Os monitores portáteis de apnéias com oxímetro, detector de fluxo
aéreo e microfone atingem acurácia próxima de 90% comparados com a polis-
sonografia.

Quando encaminhar ao especialista em distúrbios do sono


Ao avaliar um caso de distúrbio do sono, o médico deve colher as informações
apropriadas e, se julgar necessário, deve solicitar polissonografia ou outro registro
ao laboratório do sono. De posse do resultado, se for impossível indicar a terapêu-
tica ou se ocorrer falha depois de iniciado o tratamento, o paciente deve ser

DIAGNÓSTICO DOS DISTÚRBIOS DO SONO


encaminhado ao especialista em distúrbios do sono.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CITADAS


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sleeping problems. Postgrad Med 1996;100:195-8, 201-10.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS


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Legs Syndrome Study Group. Mov Disord 1995;10:634-42.
DIAGNÓSTICO DOS DISTÚRBIOS DO SONO

392
21
USO DE DROGAS
HELENA M. T. BARROS
ELVINO BARROS

O uso de álcool e/ou outras drogas pode estar associado a inúmeros problemas
clínicos ou psiquiátricos. Além disso, álcool e outras drogas podem interagir com
diferentes medicamentos. Dessa forma, é necessário o diagnóstico do uso proble-
mático ou de dependência para que seja feito um encaminhamento ou interven-
ção. Por outro lado, em pacientes avaliados em estado de intoxicação, é necessário
o diagnóstico presuntivo da(s) droga(s) utilizada(s) para o planejamento de ações
imediatas.
A adição a álcool, tabaco e outras drogas é um distúrbio crônico com exacerba-
ções e remissões que seguem um padrão progressivo. As manifestações mais
importantes são a perda de controle sobre o uso da droga, com conseqüências
desastrosas.
Os médicos com freqüência falham no reconhecimento de problemas relacio-
nados ao uso de álcool ou outras drogas, principalmente em estágios mais preco-
ces. Mesmo no caso de haver reconhecimento de um problema relacionado ao
uso de álcool ou outras drogas, há baixa eficácia na intervenção. É possível reverter
a situação por meio de triagem sistemática, conhecimento sobre os recursos de
tratamento e intervenção breve para diminuir a resistência à modificação de com-
portamentos pelos usuários de drogas.
A triagem deve ser feita para todos os pacientes adolescentes, adultos e idosos
nas seguintes situações: em avaliações pós-quadros de intoxicação aguda ou no
caso de haver sintomatologia que pode ser devida ao uso de álcool ou tabaco,
em exames de saúde de rotina, e antes de prescrever medicamentos.
O médico generalista ou especialista em áreas clínicas, cirúrgicas, de adultos
ou crianças tem um papel importante no diagnóstico precoce e nas recomendações
conseqüentes porque a freqüência do uso de álcool e de tabaco é muito alta.
Mais do que 50% da população brasileira relata ter consumido tais drogas no
ano anterior à entrevista.
Nove a 10% da população brasileira acima de 12 anos são dependentes de
álcool, e outros 10% são dependentes de tabaco. São consumidores de risco ou
de uso problemático de álcool em torno de 32% da população, e mais de 12%
fazem uso diário de álcool.
O uso problemático ou abuso de álcool deve ser extensivamente investigado
em todos os pacientes, principalmente naqueles com queixas e diagnósticos na
esfera gastrintestinal, cardiovascular, acidente vascular cerebral, câncer, impotên-
cia, suspeita de síndrome alcoólica fetal e em eventos traumatológicos ou violentos.
O uso de tabaco deve ser investigado mais cuidadosamente em pacientes com
doenças cardíacas, vasculares, respiratórias, gastrintestinais e tumores, especial-
mente de pulmão. Alguns sinais e sintomas devem ser considerados suspeitos
para o uso de drogas, mesmo quando houver negativa por parte dos pacientes.

SINAIS E SINTOMAS QUE DEVEM SER CONSIDERADOS


SUSPEITOS PARA O USO DE DROGAS
Diminuição do nível de consciência, confusão, desorientação, ataxia, nistagmo,
coma, odor característico de agentes químicos, aumento da atividade motora e
fala, ansiedade, agitação, euforia, aumento da freqüência cardíaca, aumento da
pressão arterial, pupilas simétricas midriáticas ou mióticas, apetite aumentado,
boca seca, hiperemia conjuntival, alteração do padrão de sono, hematomas e
lesões punctórias na pele ou mucosas pelo uso EV.
Toda equipe de saúde, especialmente os médicos, deve realizar abordagem
individual sobre dependência de drogas com procedimentos de perguntar, aconse-
lhar, preparar e acompanhar o paciente que faz uso de drogas legais ou ilegais.
Deve ser caracterizado qual o produto consumido, os dias da semana de uso
e o horário de uso, a quantidade consumida em cada uma das oportunidades e o
desejo do paciente de manter ou sair daquele hábito, para determinar não somente
USO DE DROGAS

a intensidade de uso, mas fatores da vida diária associados ao uso.


Tal avaliação será importante para os encaminhamentos de tratamento que
se façam necessários. Podem ser mantidas duas etapas na entrevista sobre as
drogas: inicialmente se caracteriza como o paciente usa cada droga e se é depen-
dente e, em seguida, verificam-se os possíveis problemas já existentes pelo uso
da droga. Durante o exame clínico, também deve-se examinar o paciente para
detectar quadro de intoxicação aguda com uma ou mais drogas.

Em situações de intoxicação aguda


Será preciso determinar o nível de consciência do paciente, os sinais vitais,
qual a(s) substância(s) usada(s), suas doses e tempo decorrente do uso, as altera-
ções comportamentais decorrentes da intoxicação aguda e as alterações clínicas
associadas.
Q Verificar atividade e aparência dos pacientes, nível de consciência e história
do paciente (entreviste amigos e parentes, se necessário).
Q Verificar sinais vitais.
Q Estabelecer qual(is) a(s) substância(s) ingerida(s), inalada(s) ou injetadas(s);
estimar doses usadas e há quanto tempo. Caso tenha se passado mais de 6
a 8 horas desde a última dose, é preciso o diagnóstico diferencial com
síndrome de abstinência.

394
Quadro 21.1 Glossário de termos relacionados ao diagnóstico de uso de
drogas

Abstinência Sintomas cognitivos e fisiológicos, específicos de cada droga,


que ocorrem com o declínio das concentrações no sangue
em indivíduos que fizeram uso pesado ou prolongado da
droga.
Abuso Padrão de uso excessivo de drogas, recorrente e com
conseqüências adversas, do ponto de vista interpessoal,
social, legal, profissional e físico.
Adição Estado comportamental de perda de controle (compulsão)
sobre o uso de drogas.
Dependência Pode ser usado como um termo médico que denota
desenvolvimento de sinais de abstinência após a suspensão
de uma droga que vem sendo usada de forma continuada.
É, também, o conjunto de sintomas cognitivos,
comportamentais e fisiológicos que indicam que um
indivíduo continua a usar uma droga de forma compulsiva,
mesmo conhecendo os problemas relacionados a esse
comportamento, podendo desenvolver tolerância e
abstinência (DSM-IV).
Fissura Intenso desejo de obter e consumir a droga.

USO DE DROGAS
Intoxicação É uma síndrome específica, reversível, e ocorre devido ao
uso recente de uma droga. Pode estar associada à
dependência. Drogas de abuso induzem alterações
comportamentais (beligerância, labilidade emocional,
dificuldade cognitiva e de julgamento) e físicas
imediatamente após o uso.
Tolerância É a necessidade de aumentar a dose para alcançar o mesmo
grau de efeito das primeiras experiências com aquela droga
ou a diminuição dos efeitos com o uso continuado da droga.

Q Determinar se essa foi a primeira experiência com a droga, se há uso eventual


ou se o paciente é usuário crônico (pois esse poderá desenvolver uma
síndrome de abstinência após o quadro de intoxicação).

Em avaliações de rotina
Caracterizar o padrão de uso de álcool
Q Perguntar sobre uso de álcool para todos os pacientes:
– “Você bebe bebidas alcoólicas como cervejas, vinhos, cachaça ou licor?”
– “Em geral, em quantos dias de uma semana consome essas bebidas?”

395
– “Qual o número máximo de doses que consumiu de uma vez no último
mês?”
Q Perguntar aos que respondem afirmativamente sobre consumo de álcool:
– “Em média, em quantos dias da semana você bebe?”
– “No dia em que você bebe, quantas doses são consumidas?”
– “Qual o número máximo de doses que você usou em uma ocasião no
último mês?”
– “Já apresentou embriaguez em alguma ocasião?”
– “Já sofreu acidentes enquanto estava sob a ação do álcool?”
– “Tem história familiar de alcoolismo?”
Q Aplicar o CAGE para avaliar a dependência a álcool
(C) Alguma vez sentiu que deveria diminuir (cut down) a dose de bebida
ou parar de beber?
(A) As pessoas o aborrecem (annoyed) porque criticam o seu modo de
beber?
(G) Se sente culpado (guilty) pela maneira com que costuma beber?
(E) Costuma beber pela manhã (eye-opener) para diminuir nervosismo ou
a ressaca?
Nessa triagem se define o espectro do uso de álcool. Teremos indivíduos que
não consomem bebidas alcoólicas, os que consomem de forma a apresentar baixo
risco, os que consomem álcool e não apresentam problemas sociais, familiares
ou físicos até o presente momento, ou que já apresentam problemas, e aqueles
que são dependentes de bebidas alcoólicas. Portanto, a triagem envolve estabele-
cer o diagnóstico de intensidade/severidade do consumo de álcool, que pode ser:
USO DE DROGAS

Q Triagem negativa ou de baixo risco de problemas com o uso de álcool:


– homens que usam menos de 14 doses por semana, sendo menos de
quatro doses por ocasião;
– mulheres que usam menos de sete doses por semana, sendo menos do
que três doses por ocasião e não apresentam nenhuma ou somente uma
resposta positiva no CAGE (ver acima).
Q De risco, mas sem problemas atuais:
– quando o consumo está acima do recomendado (homens: mais de 14
doses por semana ou mais de quatro doses por ocasião;
– mulheres: mais de sete doses por semana ou mais de três doses por
ocasião ou uma ou mais respostas positivas no CAGE;
– ou quando há consumo em situações de alto risco, como ao operar má-
quinas, dirigir automóvel ou executar tarefas perigosas;
– e/ou ter história pessoal ou familiar de problemas causados pelo uso de
álcool.
Q Com problemas:
– quando há de 1 a 2 respostas positivas do CAGE no último ano;
– evidência de problemas médicos ou comportamentais relacionados ao
uso de álcool. Nesse caso, os procedimentos também envolvem revisão
da história médica para hipertensão, distúrbios do sono, depressão, trauma,
dor abdominal crônica, disfunção hepática, disfunção sexual, blackouts,

396
uso de medicamentos, uso de tabaco, uso de drogas ilícitas. Nesses ca-
sos também é preciso perguntar sobre problemas interpessoais ou de
trabalho: “O beber já lhe causou algum problema com sua família, capa-
cidade de trabalho, acidentes ou lesões?”
Q Com sinais de dependência ao álcool:
– quando há 3 a 4 respostas positivas do CAGE no último ano e/ou um ou
mais sintomas de compulsão;
– falta de controle; alívio ao beber; tolerância; sinais de abstinência.
Nesses casos, as perguntas a seguir terão respostas positivas:
Q “Acontece de não conseguir parar de beber?”
Q “Toma mais doses do que antes para ficar ‘alto’?”
Q “Sente fortemente que precisa beber?” “Você muda seus planos para poder
beber?”
Q “Você está bebendo quantidades maiores de álcool que há algum tempo?”
Q “Você bebe pela manhã para diminuir tremores?”

Deve-se também revisar:


Q história familiar de problemas com álcool;
Q padrão típico de beber;
Q história médica;
Q problemas familiares ou de trabalho;
Q outros sinais de dependência ao álcool.
Conduta. Recomendar ações apropriadas no caso dos pacientes com consumo de

USO DE DROGAS
risco, com consumo problema e os dependentes e advertir sobre conseqüências.
Nesses casos, será importante orientar o paciente mais intensamente para o ob-
jetivo de beber de baixo risco, ou a abstinência, e oferecer material educativo.
Discuta com o paciente sua preocupação sobre a condição médica, recomende
abstinência ou diminuição e, juntamente com o paciente, cheguem a um acordo
sobre um plano de ação para diminuir o risco ou problema. No caso de “bebedores
de risco” e “bebedores problema”, recomende limite de consumo baseado em
riscos de saúde, ou seja, oriente o paciente para estabelecer o objetivo de beber
de baixo risco. Ofereça material educativo para o paciente (que pode ser
encontrado em vários sites da internet). Para dependentes de álcool, é preciso
indicar a avaliação diagnóstica e o tratamento. Sempre será preciso envolver o
paciente na decisão e discutir serviços disponíveis para os tratamentos necessários,
inclusive marcar hora nesses serviços enquanto o paciente está no consultório,
em alguns casos específicos.

Caracterizar o padrão de uso de tabaco


Q Perguntar sobre o uso de tabaco para todos os pacientes:
– “Você fuma cigarros, charutos ou cachimbo (masca tabaco ou usa ra-
pé)?”
– “Em geral, em quantos dias de uma semana consome esses produtos?”
– “Quanto cigarros ou charutos você fuma por dia?”

397
– “Quantas carteiras de cigarro ou unidades de charutos ou sacos de tabaco
para cachimbo você usou no último mês?”
Q Perguntar aos que respondem afirmativamente sobre consumo de tabaco:
– “Você está interessado em parar de fumar?”
– “Você já tentou parar de fumar antes?”. Se a resposta for positiva, pergun-
te: “O que aconteceu? Você já pensou em nova data para parar de fumar?”
Q Aplicar o questionário Fagerström para avaliar a dependência de tabaco
(Quadro 21.2).
Q Apontar/verificar problemas relacionados ao uso de tabaco:
– Fazer revisão da história médica para sintomas respiratórios como tosse,
broncoespasmo e sinais de enfisema, hipertensão, doença coronariana
ou cerebrovascular, úlceras pépticas, depressão, dor abdominal crônica,
disfunção sexual, uso de medicamentos, uso de álcool, uso de drogas
ilícitas.
Q Diversos grupos de pacientes podem ser caracterizados pelo grau de com-
prometimento da saúde ou pelo potencial de prevenção de problemas.

Quadro 21.2 Questionário Fagerström para avaliar dependência de tabaco

Quanto tempo após acordar você Dentro de 5 minutos = 3 pontos


fuma o seu primeiro cigarro? Entre 6 a 30 minutos = 2 pontos
Entre 31 a 60 minutos = 1 ponto
Após 60 minutos = 0 pontos
USO DE DROGAS

Você acha difícil não fumar em lugares Sim = 1 ponto


proibidos, como igrejas, ônibus, Não = 0 pontos
bibliotecas, cinemas, etc.
Qual cigarro do dia traz mais satisfação? O primeiro da manhã = 1 ponto
Outros = 0 pontos
Quantos cigarros você fuma por dia? Mais de 31 = 3 pontos
Entre 21 a 30 = 2 pontos
Entre 11 a 20 = 1 ponto
Menos de 10 = 0 pontos
Você fuma mais freqüentemente Sim = 1 ponto
pela manhã? Não = 0 pontos
Você fuma mesmo quando está doente, Sim= 1 ponto
quando precisa ficar na cama a maior Não = 0 pontos
parte do tempo?

Somando os pontos pode-se chegar a uma estimativa do grau de dependência do


paciente: 0-2 pontos: dependência muito baixa; 3-4 pontos: dependência baixa; 5
pontos: dependência média; 6-7 pontos: dependência elevada; 8-10 pontos:
dependência muito elevada.

398
– Filhos de pais fumantes: bronquites, alergias e infecções respiratórias,
aumento da chance de os filhos fumarem quando os pais são fumantes.
– Adolescentes: hálito e dentes escuros, dor de garganta e tosse, infecções
respiratórias freqüentes, falta de ar, mau desempenho em atividades
desportivas, problemas relacionados aos custos do cigarro.
– Mulheres grávidas ou em idade gestacional: risco de aborto espontâneo
ou morte fetal, risco de imaturidade pulmonar do feto, risco de recém-
nascido de baixo peso ao nascer.
– Adultos assintomáticos: dentes e dedos escuros, cheiro característico nas
roupas e ambiente, duplicação do risco de doença cardíaca, risco seis
vezes maior de enfisema, risco 10 vezes maior de câncer de pulmão,
esperança de vida encurta em 5 a 8 anos, envelhecimento precoce, respi-
ração difícil e menor resistência ao esforço físico, gastos com o cigarro e
com tratamento de doenças associadas.
– Adultos sintomáticos: acrescentam-se infecções de vias aéreas, tosse,
doenças de gengivas, dispnéia, doenças pépticas, angina, claudicação,
osteoporose, impotência sexual.

Caracterizar o padrão de uso de outras drogas


Pergunte: “Alguma vez na sua vida já usou maconha, cocaína ou solventes (ou
outras drogas)?”; “Ultimamente você está usando maconha, cocaína ou solventes
(ou outras drogas)?”; “Com que frequência usa droga?”. Caso haja relato do
uso de alguma droga, pode-se preencher ou pedir para o paciente preencher
(usando sim/não) os itens da Tabela 21.1 (p. 400), considerando o último mês

USO DE DROGAS
antes da consulta.
Caso se caracterize o uso freqüente ou problemático de drogas, tente estimar
o grau de dependência ou o uso problemático de drogas. Vários questionários
estão disponíveis, mas devemos escolher aqueles mais curtos para a fase inicial
de investigação. Por exemplo:
Q Já lhe aconteceu de usar mais droga do que havia planejado?
Q O uso de droga interfere (chegar no horário, sair mais cedo, faltar, apre-
sentar menor eficiência) com o seu trabalho?
Q O seu uso de droga gera conflito com seus familiares?
Q Você se sente deprimido, culpado ou com remorso depois de usar droga?
Q Você consome a quantidade de droga que você tem a mão, até que o
estoque termine?
Q Você já pensou que teria sido melhor não ter usado a primeira dose de droga?
Q Você já apresentou algum problema de saúde (sangramentos nasais,
arritmias, dor no peito) por usar a droga?
Q Depois de usar a droga você já apresentou dificuldade para dormir ou
ficou muito sonolento para o que foi necessário usar outra droga ou bebi-
da alcoólica?
Q Você tem fissura (vontade incontrolável) por conseguir a droga?
Q Você tem ou já teve problemas financeiros pelo uso da droga?
Q Você já apresentou euforia antecipatória só de pensar em usar a droga?

399
Tabela 21.1 Controle de uso de drogas

Tem Esta
Usou Usou Usou Usou problemas é a
Não 1a2 3a9 10 a 20 mais de com a droga
usou vezes vezes vezes 20 vezes droga predileta

Anfetaminas
SEM RECEITA
Êxtase
Cocaína/crack
Maconha
Alucinógenos
Tranqüilizantes
SEM RECEITA
Codeína ou
opióides
Anabolizantes
SEM RECEITA
Inalantes/
solventes
USO DE DROGAS

OUTRAS

Q Já lhe aconteceu de ficar pensando em usar a droga quando estava acom-


panhado de amigo ou familiares?
Q Já lhe aconteceu de usar a droga enquanto estava sozinho?
Q Já lhe aconteceu de achar que as pessoas estão falando sobre você ou lhe
observando?
Q Você usa quantidades maiores de droga para obter o mesmo efeito consegui-
do em outras ocasiões?
Q Já lhe aconteceu de perceber que não consegue parar de usar a droga?
Q Algum amigo ou familiar já sugeriu que você tem um problema?
Q Você já mentiu ou disfarçou quando lhe perguntam com que freqüência
ou quantidade você usa a droga?
Q Você usa a droga no carro, trabalho, banheiros, aviões ou outros lugares
públicos?
Q Você teme que se você parar de usar a droga você terá menos energia,
motivação ou confiança?

400
Q Você interage com pessoas diferentes do seu círculo social, com os quais
não conviveria habitualmente, para ter acesso à droga?
Q Já lhe aconteceu de roubar drogas ou dinheiro de amigos ou familares?

É preciso, então, caracterizar se há um problema relacionado a drogas para


todos os pacientes, qual é o problema de cada paciente e o que pode ser feito
por ele. Por fim, quando é feito o acompanhamento continuado por meio de
reconsulta, será interessante monitorizar a evolução do paciente de risco ou
consumidores problema. Além de perguntar sobre o consumo e a eficácia das
ações planejadas, será preciso oferecer apoio a cada reconsulta e oferecer ajuda
adicional, se necessário. Para os dependentes, poderá ser interessante, também,
comunicar-se com o especialista, monitorizar ansiedade e depressão e ainda o
paciente por meio de exames laboratoriais como CO2 para fumantes, gama-GT
para usuários de álcool e os diversos metabólitos de drogas na urina para usuários
de outras drogas. Quando o paciente é dependente de drogas, ou tem grande
probabilidade de ser um dependente e não inicia abstinência, será interessante
encorajar: a) avaliação por colega para obter uma segunda opinião; b) envolver
membros da família e c) recomendar períodos experimentais de abstinência.
Em conclusão, os principais objetivos do médico, no tocante ao uso de drogas
pelos pacientes, deve envolver conhecimento sobre a dependência e a extensão
dos problemas clínicos, familiares e sociais ocasionados pelo uso de cada uma
das drogas, independentemente de haver dependência. Com isso, haverá diagnós-
tico e intervenção mais precoces e prevenção primária, secundária e terciária da
dependência.
O consumo aditivo das drogas conduz a alterações gerais ou específicas da

USO DE DROGAS
saúde. As alterações específicas se relacionam aos efeitos agudos (hematomas e
lesões punctórias na pele em mucosas pelo uso endovenoso), crônicos ou de
abstinência e são próprios de cada droga ou do grupo farmacológico ao qual
pertence a droga utilizada. A má nutrição e outras condições médicas gerais,
como infecções, acidentes de trabalho, acidentes de trânsito, ou traumatismos
por violência são resultados indiretos dos efeitos das drogas ou de sua forma de
uso.

SÍNDROMES TOXICOLÓGICAS AGUDAS (USO RECENTE DE DROGAS)


Álcool: diminuição do nível de consciência, fala arrastada, maior risco de acidentes,
incoordenação motora, ataxia, desinibição, impulsividade, agressividade, hipo-
termia, taquicardia, nistagmo, coma. Odor característico.
Anfetamínicos: hipervigília, euforia, aumento da atividade motora e fala, ansiedade,
agitação, menor sensação de cansaço, autoconfiança, maior concentração e hu-
mor, psicose, alucinações, midríase com pupilas dilatadas e reativas, hipertermia,
tremor, convulsões, aumento da freqüência cardíaca, aumento da pressão arterial.
Benzodiazepínicos: sedação e sonolência, redução da ansiedade e da agressividade,
redução do tônus muscular e da coordenação motora, incontinência urinária, coma.
Cocaína: semelhante aos anfetamínicos.

401
Êxtase: semelhante aos anfetamínicos.
Inalantes: excitação inicial com euforia e agitação psicomotora seguida de inibição
gradativa da consciência, confusão, desorientação, psicose, síncope, tontura, per-
turbações auditivas e visuais, sonhos bizarros, convulsões, cefaléia, salivação,
náuseas e vômitos, dor abdominal em cólica, espirros, tosse, fotofobia, nistagmo,
diplopia, taquicardia, fibrilação ventricular, odor característico.
Maconha: Euforia, sedação, alteração da percepção, alucinações, delírios e idéias
paranóides, confusão mental, incoordenação, diminuição da velocidade de reação,
comprometimento da memória a curto prazo, euforia que pode progredir para
ansiedade, e, em até duas horas após o uso, ocorre apetite aumentado, boca
seca, hiperemia conjuntival e taquicardia.
Opióides: analgesia, sonolência, alterações de humor e confusão mental, náusea,
vômitos, constipação, hipotermia, depressão respiratória até parada respiratória,
em 5 a 10 minutos após uso EV, depressão do reflexo da tosse, vasodilatação
periférica com rubor e hiperemia cutânea, bradicardia, hipotensão postural e
pupilas mióticas não-reativas (exceto meperidina, que leva à dilatação das pupilas).
Tabaco: relaxamento muscular, aumento do estado de alerta, taquicardia, hiperten-
são, sudorese, náuseas, vômitos, aumento da concentração e memória, aumenta
o funcionamento do intestino, diminui apetite, ansiedade, irritabilidade, tensão,
salivação, dor abdominal, diarréia, cefaléia, tontura, fraqueza, tremor e palpitação.
USO DE DROGAS

SINAIS, SINTOMAS E DOENÇAS RELACIONADOS AO USO


PROLONGADO DE DROGAS
Álcool: dependência, neuropatia, demência, hepatite alcoólica, cirrose, pancreatite
aguda, esofagite, lesão cardíaca, impotência, hipovitaminoses, teratogenicidade,
tolerância, dependência e síndrome de abstinência.
Anfetamínicos: depressão mental e fadiga, cefaléia, vertigem, agitação, confusão,
apreensão, delírio, irritabilidade, insônia, hipertermia, agressividade, perda de
peso, alucinações, ansiedade, distúrbios psiquiátricos, paranóia, comportamento
estereotipado.
Benzodiazepínicos: alteração da memória, principalmente em idosos, aumento de
peso, tolerância, dependência e síndrome de abstinência.
Cocaína: cefaléia, convulsões, hemorragia cerebral, impotência, perda de peso,
paranóia, depressão, agitação, confusão, apreensão, delírio, irritabilidade, insônia,
hipertermia, congestão nasal, epistaxe, diminuição do olfato, perfuração do septo
nasal, dependência e síndrome de abstinência, hematomas e lesões punctórias
na pele ou nas mucosas pelo uso EV.
Êxtase: vômitos, visão borrada, melhora na visualização de cores de objetos, delírio,
alucinações visuais, dormência e formigamento nas extremidades, gritos, hepatite
tóxica, sensação de frio.

402
Inalantes: palidez, odor característico, fala arrastada, reflexos lentos, alteração da
memória, insuficiência hepática, insuficiência renal, maior risco de infecções, tole-
rância e dependência.
Maconha: tosse crônica, sinusite, faringite, bronquite, enfisema, apatia, distúrbio
no senso crítico, de concentração e memória, perda do interesse pela aparência
pessoal, diminuição da imunidade, queda na fertilidade e disfunção erétil, tolerân-
cia e dependência.
Opióides: maior risco de infecções, tolerância, dependência e síndrome de abstinên-
cia, hematomas e lesões punctórias na pele ou nas mucosas pelo uso EV.
Tabaco: risco aumentado de câncer de pulmão, esôfago, pâncreas, rim e mama,
entre outros, cardiopatia isquêmica, infarto do miocárdio, bronquite crônica, hiper-
tensão arterial, hipersecreção gástrica, tolerância, dependência e síndrome de
abstinência.

SINAIS E SINTOMAS DAS SÍNDROMES DE ABSTINÊNCIA


Álcool: início 4 a 12 horas após a última dose, com maior gravidade no segundo
dia e duração de 4 a 5 dias: agitação, hiperatividade, ansiedade, distúrbio de
sono, alucinações ou ilusões, tremores, náuseas e vômitos, taquicardia, sudorese,
convulsão tônico-clônica, aumento do reflexo de sobressalto, aumento de refle-
xos profundos, hipotensão ortostática.
Benzodiazepínicos e barbituratos: início em 1 a 2 dias após a última dose para

USO DE DROGAS
drogas de curta duração de ação, ou em 5 a 10 dias para aquelas de ação prolon-
gada. A síndrome de abstinência pode ser longa. Risco de vida, com alterações
cardíacas e respiratórias, hiperatividade autonômica, sudorese, aumento da
freqüência respiratória, taquicardia, tremor, alucinações visuais, táteis e auditi-
vas, insônia de rebote, irritabilidade, agitação, ansiedade, quadros psicóticos,
crises convulsivas, distúrbio de consciência, aumento do reflexo de sobressalto,
aumento de reflexos profundos, hipotensão ortostática.
Cocaína (e anfetamínicos): depressão moderada à grave, sonhos perturbadores,
ideação paranóide, insônia ou hipersonia, ansiedade, irritabilidade, cansaço, au-
mento ou diminuição do apetite, agitação ou retardo psicomotor, fissura.
A síndrome de abstinência da cocaína ocorre em três fases: nas primeiras
horas a poucos dias após a última dose, iniciando com agitação, fissura, depres-
são, seguida de hipersonia intercalada por bulimia; da 2a à 10a semana da absti-
nência há anedonia, anergia, ansiedade e muita fissura; a fase de extinção dura
até um ano, quando o paciente é muito sensível à recaída pelo desenvolvimento
de muita fissura devido a pistas condicionadas.
Opióides: início em até um dia após a última dose para drogas de curta duração
de ação, como a morfina e heroína, com pico em 2 a 3 dias e duração de 7 a 10
dias. Ansiedade, irritabilidade, fissura, disforia, sem distúrbios de consciência,
lacrimejamento e rinorréia, bocejos, insônia, maior sensibilidade à dor, dores mus-

403
culares e articulares, sudorese, piloereção, midríase, náuseas, vômitos e diarréia,
desidratação, taquicardia, hipertensão, taquipnéia, movimentos musculares in-
voluntários, como mioscimias e chutes, hipertermia com “calorões” e surtos de
frio.
Tabaco: início em horas após o último cigarro, com pico em 24 horas e duração
de até 10 dias. Humor disfórico ou deprimido, insônia, irritabilidade, frustração,
inquietação, raiva, ansiedade, dificuldade de concentração, diminuição da fre-
qüência cardíaca e aumento de apetite o que leva a um aumento do peso corporal
em até seis meses de abstinência.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS


American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 4th
ed. Washington: APA; 1994.

Bernstein CA, Ladds BJ, Maloney AS, Weiner ED. On call: psychiatry. Philadelphia: WB
Saunders; 1997.

Fleming M, Cotter F, Talboy E. Training physicians in techniques for alcohol screening and
brief intervention. Bethesda: National institute on Alcohol Abuse and Alcoholism; 1997.

Formigoni ML, Castel S. Escalas utilizadas para avaliação de dependências. In Gorenstein C,


Andrade LHSG, Zuardi AW. Escalas de avaliação clínica em psiquiatria e psicofarmacologia.
São Paulo: Lemos Editorial; 2000. p.3-12.

Issacson JH, Schorling JB. Screening for alcohol problems in primary care. Med Clin N Am
1999; 83: 1547-63.
USO DE DROGAS

Miller N, Gold MS, Smith DE. Manual of therapeutics for addictions. New York: Wiley-Liss,
1997.

Sites recomendados
Serviço de Informações sobre Substâncias Psicoativas:
http://farmaco.fffcmpa.tche.br/sisp

Centro Regional de Estudos, Prevenção e Recuperação de Dependentes Químicos:


http://www.octopus.furg.br/drogas/

Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas:


http://www.cebrid.epm.br/

INFOdrogas:
http://www.imesc.sp.gov.br/infodrog.htm

Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas:


http://www.abead.com.br

Association for Medical Education and Research in Substance Abuse:


http://www.amersa.org

American Society Addiction Medicine:


www.asam.org

404
The International Nurses Society on Addictions:
www.intnsa.org

Organização Mundial da Saúde:


http://www.who.int/en/

Nações Unidas – Escritório contra Drogas e Crime:


http://www.unodc.org/brazil/index.html

Secretaria Nacional Antidrogas:


http://www.senad.gov.br/

Instituto Nacional do Câncer:


http://www.inca.gov.br/

Substance Abuse and mental Health Services Administration:


http://www.samhsa.gov/

National Institute on Drug Abuse:


http://www.drugabuse.gov/

National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism:


http://www.niaaa.nih.gov/

USO DE DROGAS

405
22
SEMIOLOGIA APLICADA ÀS
PRINCIPAIS SÍNDROMES
ENDÓCRINAS
JORGE DE FARIA MARASCHIN
MAURO ANTÔNIO CZEPIELEWSKI

A endocrinologia é uma especialidade caracterizada pela assistência a pacientes


que necessitam de uma abordagem sistêmica, devido às várias síndromes clínicas
com achados semiológicos variados. Para uma melhor compreensão deste capítulo,
os conhecimentos adquiridos nos anteriores devem ser revisados. Neste capítulo,
abordaremos alguns sinais e sintomas, as principais síndromes endócrinas e seus
aspectos relevantes e uma descrição individualizada do exame da tireóide.

SINAIS E SINTOMAS
Galactorréia: é a presença de secreção similar ao leite pelos mamilos, podendo ser
espontânea ou provocada. É normal num período de até seis meses após o nasci-
mento ou após o término da amamentação. Está presente freqüentemente em
mulheres com hiperprolactinemia, mas também pode acontecer em homens.
Poliúria: é o aumento do volume urinário, em geral maior do que 3 L/dia. Depen-
de diretamente do volume de líquido ingerido.
Emagrecimento: é a perda absoluta de peso. Devemos sempre distinguir se é vo-
luntária ou involuntária. Não existe valor absoluto ou percentual que defina a
perda de peso como patológica ou não – mais importante é caracterizar seu
início e progressão.
Estrias: decorrem do rápido aumento do volume da pele. É importante avaliar a
sua cor: avermelhadas (síndrome de Cushing) ou escurecidas (doença de Addison)
e a velocidade de aparecimento.
Obesidade: define-se como aumento da gordura corporal. Existem várias definições
de obesidade, no entanto a mais prática é a dada pelo índice de massa corporal
= peso (kg)/altura (m2). A classificação de obesidade é dada pela Tabela 22.1.
Tabela 22.1 Classificação de peso de acordo com o índice de massa
corporal (IMC)

Classe de
Classificação obesidade IMC (Kg/m2) Risco de doença
Baixo peso < 18,5 Aumentado
Normal 18,5-24,9 Normal
Sobrepeso 25-29,9 Aumentado
Obeso I 30-34,9 Alto
II 35-39,9 Muito alto
III > 40 Extremamente alto

Polidipsia: é o aumento da ingesta hídrica diária e manifesta-se pelo aumento do


número de vezes em que a pessoa ingere líquidos. Em geral, é patológica e pode
ser causada por doenças orgânicas (p. ex., diabete) ou psicológica (p. ex., polidi-
psia compulsiva).
SEMIOLOGIA APLICADA ÀS PRINCIPAIS SÍND. ENDÓCRINAS

Polifagia: é o aumento da ingesta de alimentos.


Amenorréia: é a ausência de fluxo menstrual. A amenorréia primária é a ausência
de menarca até os 14 anos de idade em meninas sem o desenvolvimento de
caracteres sexuais secundários, ou aos 16 anos em meninas com desenvolvimento
sexual normal. A amenorréia secundária (ausência de fluxo em mulher que ante-
riormente menstruava) tem como causa mais freqüente a gestação.
Diminuição de libido: é a perda do desejo sexual. É especialmente importante na
investigação de infertilidade e/ou disfunção erétil porque pode significar falta de
ação da testosterona.
Hiperpigmentação: mudança na coloração da pele, tornando-se cada vez mais
enegrecida. Alteração predominante em superfícies extensoras das extremidades
e em cicatrizes antigas. Está associada a aumento do ACTH, na insuficiência adrenal
primária de várias etiologias, podendo estar presente também na porfiria e na
hemocromatose.
Alopecia androgênica: queda de cabelos nas regiões temporais do crânio que evolui
para perda total desde a região frontal até a occipital, preservando apenas as
regiões laterais do crânio. É característica da ação androgênica, podendo estar
associada a sinais de virilização no sexo feminino.

EXAME FÍSICO
O exame físico já foi abordado em capítulos anteriores. Neste capítulo, ressaltamos
a importância de uma adequada avaliação da tireóide.

408
O exame da tireóide
A tireóide é uma glândula endócrina facilmente palpável, localiza-se na face
anterior do pescoço à frente da traquéia e cerca de uma polpa digital abaixo da
cartilagem tireóide. (Figura 22.1).
O exame físico da tireóide deve ser realizado com o paciente sentado com o
pescoço levemente estendido. O paciente deve ter um copo com água à sua
disposição. Primeiramente, observamos a movimentação da glândula para cima
e para baixo à deglutição de um gole de água, observando seu tamanho, mobili-
dade e presença ou não de nodulações. Após isso, a glândula deve ser palpada
anteriormente. Com o polegar devemos palpar gentilmente a glândula contra as
estruturas do pescoço, começando pela borda inferior de cada lobo lateral e
movendo o polegar para cima, observando-se nodularidades e consistência da
glândula e de cada nódulo (Figura 22.2). O terceiro passo é a palpação da glân-
dula por trás do paciente. Devemos usar o segundo, terceiro e quarto dedos de
cada mão, palpando-se os lobos laterais e o istmo em toda a sua extensão e
durante a deglutição (Figura 22.3).
Após a palpação da tireóide, quando a mesma encontra-se aumentada e há
suspeita de bócio mergulhante, compressão da traquéia ou das estruturas vascu-
lares do pescoço, os sinais de Maragnon e Penberton devem ser pesquisados.

SEMIOLOGIA APLICADA ÀS PRINCIPAIS SÍND. ENDÓCRINAS


O sinal de Maragnon é pesquisado na mesma posição que se utiliza para
palpação anterior da tireóide. Observa-se a veia jugular e eleva-se o braço do
paciente, um lado de cada vez, analisando a presença ou não de ingurgitamento
venoso. Em caso positivo, descrevemos que o sinal de Maragnon está presente
daquele lado.
Para a pesquisa do sinal de Penberton, o paciente deve elevar ambos os braços
acima da cabeça e mantê-los nessa posição por 30 segundos. Quando o sinal é
positivo, há ingurgitamento venoso jugular e pode haver vermelhidão facial,

Figura 22.1 – Posição da tireóide em relação às estruturas cervicais.

409
Figura 22.2 – Palpação anterior da tireóide.
SEMIOLOGIA APLICADA ÀS PRINCIPAIS SÍND. ENDÓCRINAS

Figura 22.3 – Palpação posterior da tireóide.

sensação de dispnéia e raramente tonturas. As alterações descritas em ambos os


sinais são provocadas pelo estreitamento do limite superior do tórax que, na
presença de um bócio volumoso e/ou intratorácico, torna-se mais estreito, com-
primindo as estruturas vasculares e a traquéia.
Sempre que a tireóide estiver aumentada de tamanho, acompanhada de sinais
de hipertireoidismo, a mesma deve ser palpada à procura de frêmito e auscultada
em ambos os lobos com a campânula do estetoscópio à procura de um sopro
sistólico e/ou contínuo, característico da doença de Graves.
A palpação da traquéia (sua posição) e dos linfonodos cervicais faz parte do
exame físico da tireóide, que está descrito em outro capítulo.
O tamanho, a consistência e a presença de dor ou calor da tireóide e o
tamanho, a consistência e a localização de cada nódulo palpável, assim como a
posição da traquéia e de linfonodos aumentados e presença ou não de sopro e
sintomas compressivos devem ser descritos.

410
PRINCIPAIS SÍNDROMES
Acromegalia e gigantismo
Acontece quando há hipersecreção do hormônio do crescimento (GH) e deno-
mina-se de gigantismo (crescimento linear) quando acontece no período an-
terior ao fechamento das epífises de crescimento (usualmente antes do 14 anos)
e de acromegalia (crescimento exagerado de ossos e tecidos moles) quando a
hipersecreção acontece na vida adulta.
Na criança, o mais marcante é o aumento da velocidade de crescimento e o
hipogonadismo. No adulto, as alterações são insidiosas, não-notadas pelos pacien-
tes e familiares, e o diagnóstico só é realizado tardiamente pelo reconhecimento
de uma face acromegálica, quando o quadro clínico é evidente, e o tumor é
muito grande (macroadenoma de hipófise).
Na avaliação de um paciente com acromegalia, devem ser pesquisados os
dados de história que evidenciem o aumento das extremidades (mãos e pés),
como o número do sapato e a necessidade de aumento do diâmetro de anéis ou
alianças. A patologia está associada a alterações no sistema cardiovascular, aumen-
to da glicemia, sintomas osteoarticulares e compressão de nervos periféricos.
Como a maioria dos casos é de macroadenoma hipofisário, as manifestações

SEMIOLOGIA APLICADA ÀS PRINCIPAIS SÍND. ENDÓCRINAS


iniciais podem ser aquelas de aumento da pressão intracraniana: cefaléia, sinais e
sintomas decorrentes da alteração dos hormônios hipofisários (p. ex., hipogona-
dismo e hiperprolactinemia) e defeitos do campo visual que sempre devem ser
pesquisados.
O exame físico já pode fazer o diagnóstico da patologia apenas pela ectoscopia
que é característica. Existem alterações decorrentes do crescimento exagerado
de estruturas ósseas e cartilaginosas, como proeminência do osso frontal, aumento
do nariz, prognatia, alargamento dos espaços alveolares dentários, perda de dentes
e aumento de lábios. As mãos são grandes e os dedos grossos, freqüentemente
há sudorese excessiva, os pés são grandes e largos, principalmente a região do
calcâneo.

Baixa estatura
Para a baixa estatura (BE) não existe uma definição universalmente aceita.
Pode-se classificar como: (a) estatura abaixo do 3o percentil ou abaixo de 2 desvios-
padrão para a média; (b) velocidade de crescimento abaixo do percentil 25 ou
velocidade de crescimento (VC) menor que 5 cm/ano; (c) altura prevista menor
que a altura alvo.*
Deve ser avaliada por meio de história detalhada. Como foi o crescimento da
criança do nascimento até aquele momento, se houve parada ou desaceleração
do crescimento e quando isso aconteceu. Devem ser abordadas as condições da
gestação, condições do parto, peso ao nascimento, Apgar, história de doenças
crônicas e agudas graves na infância, necessidade de cirurgia e hospitalização e

*Altura-alvo: altura do pai mais altura da mãe + 13 cm (se menino) e – 13 cm (se menina)/2.

411
uso de drogas (principalmente glicocorticóides). A história e os hábitos alimentares
também devem ser abordados com detalhe à procura de erros alimentares ou
sinais de distúrbios digestivos que possam causar má-absorção. Dados sobre a
altura dos pais e familiares e desenvolvimento puberal também são importantes,
pois a maioria dos casos de baixa estatura é, na verdade, apenas variante da
normalidade e não-patológica.
No exame físico, os dados referentes ao crescimento e desenvolvimento pu-
beral devem ser coletados de modo correto. O peso (balança calibrada) e a altura
(em estadiômetro) do paciente (colocando-os nos respectivos gráficos de cresci-
mento), a altura dos pais, o cálculo da altura-alvo e as medidas das proporções
corporais (envergadura, segmento inferior e relação segmento superior e inferior)
devem ser avaliados, já que algumas patologias, como displasias esqueléticas,
doenças endócrinas e síndromes genéticas, podem ser detectadas com base nessas
medidas. Em meninas com baixa estatura e atraso puberal, procurar sempre estig-
mas da síndrome de Turner. Por fim, a avaliação do estágio puberal por meio dos
critérios estabelecidos por Tanner deve ser realizada.

Bócio
O aumento da tireóide é chamado de bócio quando pelo menos um dos
SEMIOLOGIA APLICADA ÀS PRINCIPAIS SÍND. ENDÓCRINAS

lobos da mesma for maior que a falange distal do primeiro dedo da mão da
pessoa sendo examinada. Ele pode ser difuso ou multinodular.
Sempre que abordamos um paciente com bócio, devemos averiguar se ele
apresenta sintomas de hiper ou hipotireoidismo (ver a seguir), quando surgiu o
bócio e como é sua evolução: apresenta aumento rápido ou lento, se existem
sintomas compressivos (dispnéia em decúbito, congestão facial e rouquidão), dor
e a procedência do paciente (Vem de área de deficiência de iodo?). A tireóide deve ser
examinada como descrito anteriormente, procurando saber se existem nódulos ou
não, suas características e se existem os sinais de Penberton e de Maragnon.

Diabete insípido (DI)


Acontece por deficiência de ação do hormônio antidiurético (ADH), podendo
ser central, devido à falta do hormônio hipofisário, ou nefrogênico (ADH presente,
mas sem exercer função efetiva em nível renal).
Como há perda da capacidade de reabsorção em nível renal, há grande perda
de água livre. Deve ser pesquisada história de poliúria (diurese maior que 3 L/
dia), polidipsia (preferência por água bem-gelada) e noctúria. Sempre deve ser
abordada uma possível causa (neurocirurgia prévia, tumores da região selar e
parasselar, traumatismo cranioencefálico, insuficiência renal e uso de drogas).
Em geral, os achados no exame físico são aqueles de desidratação, como
diminuição do turgor cutâneo, mucosas secas, aumento da freqüência cardíaca e
hipotensão postural e aumento do sódio plasmático (diminuição da consciência,
coma e convulsões).

Diabete melito (DM)


É uma síndrome heterogênea complexa caracterizada por hiperglicemia devida
à deficiência absoluta na secreção de insulina, à diminuição da sua atividade

412
biológica ou a ambas. As alterações metabólicas decorrentes da DM causam
alterações fisiopatológicas em múltiplos sistemas do corpo, levando a danos,
principalmente à retina, ao rim, aos nervos periféricos e aos vasos sangüíneos.
O DM tipo 1 é uma doença de etiologia auto-imune que se manifesta, na
grande maioria dos casos, na infância ou na adolescência, mas pode acontecer
em qualquer faixa etária. Por caracterizar-se pela deficiência absoluta na secreção
de insulina, as manifestações da falta de insulina (catabólicas) são freqüentes e
marcadas. A história faz o diagnóstico em praticamente 100% dos casos. Os
pacientes apresentam-se freqüentemente com quadro de poucos dias ou semanas
de evolução com poliúria (enurese noturna), polifagia, emagrecimento, cansaço,
desidratação e fraqueza, e 20% procuram auxílio médico por cetoacidose diabética.
O DM tipo 2 é uma síndrome heterogênea complexa, em que predomina
estado de resistência à ação de insulina e obesidade (80% dos casos). É mais
comum em indivíduos de meia idade e idosos, mas com o crescente aumento
dos casos de sobrepeso e obesidade infantil, também acontece em crianças e
adultos jovens. O início do quadro é insidioso, em geral assintomático, e o paci-
ente pode ficar meses e, freqüentemente, anos sem o diagnóstico, até que as
manifestações relacionadas à hiperglicemia sejam evidentes. Dessa forma, a histó-
ria é fundamental. O paciente com DM 2 também pode apresentar poliúria,

SEMIOLOGIA APLICADA ÀS PRINCIPAIS SÍND. ENDÓCRINAS


polidipsia, polifagia, perda de peso, visão borrada e infecções crônicas (cutâneas
principalmente), mas elas são menos freqüentes que em pacientes com DM 1.
Cerca de 50% dos pacientes vêm ao médico já com alguma complicação crônica
da doença: nefropatia, retinopatia, cardiopatia isquêmica ou acidente cerebro-
vascular, vasculopatia periférica e neuropatia diabética.
A história e o exame físico de um paciente com DM 2 devem ser o mais
completo possível; praticamente todos os capítulos deste livro devem ser aplicados
ao paciente com DM. O início dos sintomas, os fatores de risco cardiovasculares,
os sinais e sintomas de doença cardiovascular e neurológica, a palpação dos
pulsos periféricos, o exame de fundo de olho e o exame minucioso dos pés à
procura de lesões e calosidades são pontos de especial atenção na semiologia do
paciente com DM.

Hiperprolactinemia
Acontece por aumento dos níveis séricos da prolactina. Os sinais e sintomas
clássicos de hiperprolactinemia, na mulher, são amenorréia/oligomenorréia, ga-
lactorréia e diminuição do volume das mamas. Deve sempre ser perguntado
também sobre o aparecimento de pêlos, bem como sobre libido e fertilidade.
Em homens, a galactorréia é incomum e geralmente o paciente se apresenta
em hipogonadismo, com diminuição da libido e dos pêlos. Em até 20% dos casos
(macroprolactinoma), pode haver cefaléia e alterações visuais. O exame neuroló-
gico completo e a pesquisa de campo visual por confrontação deve ser sempre
realizada.

Hipertireoidismo
Caracteriza-se pelo excesso de hormônios tireoidianos. Sua causa mais comum
é a doença de Graves.

413
Os hormônios tireoidianos são responsáveis pela regulação do metabolismo
corporal e, no seu excesso, há hipermetabolismo. Os pacientes queixam-se de
palpitações, nervosismo, cansaço, intolerância ao calor, emagrecimento com apeti-
te normal ou aumentado, agitação, ansiedade, tremores e sudorese excessiva. A
presença e a intensidade dos sintomas dependem da velocidade de instalação do
quadro, sua gravidade e seu tempo de evolução.
Nos casos de hipertireoidismo por doença de Graves, pode haver comprometi-
mento ocular com edema, hiperemia conjuntival, aumento do volume do globo
ocular e outras queixas visuais. A dermatopatia de Graves que se caracteriza por
um infiltrado pré-tibial endurecido e áspero, lembrando uma casca de laranja,
pode estar presente, mas é rara.
Semelhante a outras síndromes, o diagnóstico pode ser feito pela ectoscopia.
Os pacientes com Graves podem apresentar olhos “arregalados”e saltados, de-
vido à proptose e à retração palpebral, e bócio difuso. Ao exame detalhado do
olho, podemos notar paresia e paralisias da musculatura extrínseca ocular, diplopia,
sensação de corpo estranho e outros achados inflamatórios. Em geral, o paciente
encontra-se inquieto e agitado, tendo dificuldade de permanecer parado. A ti-
reóide encontra-se aumentada de modo difuso nos casos graves, pode ser notado
um frêmito à palpação dos lobos e sopro à ausculta. A pele em geral é quente e
SEMIOLOGIA APLICADA ÀS PRINCIPAIS SÍND. ENDÓCRINAS

úmida (principalmente a mão). O precórdio é hiperdinâmico, com taquicardia,


taquipnéia e aumento da pressão arterial, principalmente do componente sistólico.
Pode haver hiper-reflexia, tremor de extremidades e, em casos extremos, até
febre.

Hipoglicemia
Acontece quando há redução dos níveis plasmáticos de glicose; na ausência
de sintomas, uma glicemia abaixo de 50 mg/dL é anormal.
O quadro clínico pode ser dividido em manifestações adrenérgicas e neuro-
glicopênicas. Os sintomas adrenérgicos, em geral, acontecem antes dos neuro-
glicopênicos e caracterizam-se por sudorese fria, taquicardia, calorões, tremor
de extremidades, ansiedade, náusea e palidez cutânea. Os sintomas neuroglico-
pênicos podem apresentar-se como cefaléia, visão turva, lentificação, parestesias,
fala arrastada e desconexa, coma e convulsões. Ao exame, é fundamental avaliar
bem o nível de consciência, exame neurológico completo, freqüência cardíaca e
temperatura corporal. Devemos sempre procurar uma causa para hipoglicemia,
devendo ser pesquisados história de alimentação, presença de diabete melito, uso
de drogas (principalmente insulina e sulfoniluréia), uso de álcool, história de doença
renal e presença de hipoglicemias freqüentes. Os pacientes diabéticos em uso de
insulina com hipoglicemias freqüentes ou uso de β-bloqueador têm limiar de sinto-
mas mais baixos e podem não ter sintomas adrenérgicos, apenas neuroglicopênicos.

Hipogonadismo
Decorre da falta de ação dos hormônios sexuais. Pode ter origem primária
(gonadal), secundária (hipofisária) ou terciária (hipotalâmica). As manifestações
clínicas decorrentes da falta de andrógenos dependem da intensidade e do período

414
da vida em que ela acontece. As manifestações podem variar de genitália ambígua
(primeiras 12 semanas de desenvolvimento fetal) à perda de caracteres sexuais
secundários e piora do estado geral na idade adulta.
Os aspectos abordados na anamnese e no exame físico variam conforme o
sexo e a idade.
Q Ao nascimento: é importante perguntar sobre o aspecto da genitália ao
nascimento, a presença de testículos na bolsa escrotal e o tamanho do
pênis; nas meninas, o aspecto dos grandes e pequenos lábios e do clitóris.
Q Infância: abordar o padrão de crescimento, o apetite e a disposição.
Q Puberal: a idade do início é mais precoce nas meninas (8-9 anos) e mais
tardia nos meninos (9-10 anos, em média), mas é considerada anormal se
não inicia antes dos 13 anos nas meninas e antes dos 14 em meninos.
Deve ser abordado o aparecimento dos caracteres sexuais secundários:
aumento de mamas, surgimento de pêlos pubianos e axilares, surgimento
e regularidade do ciclo menstrual, odor axilar androgênico e aumento do
volume testicular e do comprimento do pênis. A velocidade de crescimento
deve ser observada assim como as mudanças no comportamento e as altera-
ções de voz.
Q Adulta: A história menstrual deve ser sempre questionada, assim como

SEMIOLOGIA APLICADA ÀS PRINCIPAIS SÍND. ENDÓCRINAS


devem ser observadas as características sexuais secundárias e os sinais de
disfunção sexual, principalmente a diminuição da libido.

Hipotireoidismo
É definido como falta da ação do hormônio tireoidiano, e sua causa mais
comum é a tireoidite de Hashimoto.
A presença e a magnitude dos sintomas dos pacientes com hipotireoidismo
vão depender do grau de evolução da doença. Os sintomas mais comuns de
hipotireoidismo são cansaço excessivo, fraqueza, aumento de peso, intolerância
ao frio, cãibras, irregularidade menstrual, sonolência, constipação, parestesias,
inchaço e queda de cabelos. A procedência do paciente (Vem de área de deficiência
de iodo?), história de irradiação cervical, história familiar de problemas de tireóide
ou outras doenças auto-imunes e uso de drogas (p. ex., lítio) podem apontar
para etiologia do hipotireoidismo.
Quando examinamos um paciente com hipotireoidismo franco, podemos,
pela ectoscopia, identificá-lo: face caracterizada por edema facial, cabelo seco e
quebradiço e madarose (perda dos pêlos das sobrancelhas), dando a aparência
de uma face apática. Em situações de hipotireoidismo extremo, pode haver hi-
potermia, bradicardia, hipotensão, com pele fina, seca e enrugada e voz rouca,
arrastada e lenta. Um sinal clássico que pode estar presente é a lentificação da fase
de relaxamento do reflexo aquileu. Atualmente, com o diagnóstico precoce do
hipotireoidismo por screening, os quadros de hipotireoidismo severos são raros.

Hirsutismo
É definido como excesso de pêlos terminais em mulheres em regiões onde
habitualmente estariam ausentes. O hirsutismo só existe em mulheres. A virilização

415
pode acompanhar quadros de hirsutismo e se caracteriza por aumento da massa
muscular, alteração da voz, alopecia e hipertrofia de clitóris.
Deve ser caracterizado o início do quadro, o tempo de evolução, a área afe-
tada, a presença ou não de acne, a história de irregularidade menstrual, a história
familiar de hirsutismo, a etnia e a presença ou não de virilização concomitante.
Quadro de rápida evolução com hirsutismo severo e virilização sugere tumor
adrenal ou ovariano, já um quadro lento e progressivo de início logo após a
menarca com ciclos irregulares e anovulatórios sugere síndrome dos ovários po-
licísticos.
Ao exame, o mais importante, além da procura de sinais de virilização, acne e
seborréia, devemos realizar avaliação do hirsutismo por meio do escore de Ferri-
man. São atribuídas notas de 1 a 4 às áreas do corpo (Figura 22.4) de acordo
com a quantidade, distribuição e característica do pêlo de cada região. Um escore
maior que 8 faz o diagnóstico de hirsutismo.

Insuficiência adrenal
Acontece por deficiência na produção de corticóide pela glândula adrenal.
Ela pode ser primária (por destruição da adrenal – doença de Addison) ou secundá-
ria (deficiência de ACTH). A principal causa de insuficiência adrenal secundária é
SEMIOLOGIA APLICADA ÀS PRINCIPAIS SÍND. ENDÓCRINAS

o uso exógeno de glicocorticóides.


Em geral, o paciente tem queixas de cansaço, fadiga, anorexia, fraqueza,
perda de peso, náuseas e vômitos. Quando há insuficiência primária, pode haver
hipotensão postural e desidratação de graus variados. Deve ser perguntada a
história de escurecimento da pele, principalmente nas zonas expostas ao sol,

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Figura 22.4 – Escore de Ferriman-Gallwey. Alguns autores preferem adicionar ao


escore as notas para antebraço e pernas.

416
cicatrizes e zonas extensoras. Se possível, o aspecto atual do paciente deve ser
comparado com uma foto prévia, pois a hiperpigmentação pode ser leve e progres-
siva e nem sempre notada pelo paciente. A sua presença indica insuficiência
primária.
Em situações de estresse severo ou retirada de corticóide em pacientes com
diagnóstico prévio de insuficiência adrenal, pode haver insuficiência adrenal aguda
ou crise adrenal (addisoniana), com piora aguda dos sintomas de fraqueza, ano-
rexia, náuseas e vômitos, podendo levar ao coma, ao choque e à hipoglicemia.
No exame físico, uma inspeção detalhada deve ser realizada à procura de
hiperpigmentação nas mucosas e na pele (pregas palmares, leito ungueal, mamilos,
aréola e mucosa perianal e vaginal). É importante também notar sinais de desidra-
tação, como hipotensão postural, taquicardia e estado das mucosas. O exame
neurológico deve ser realizado com cuidado, uma vez que o paciente pode apre-
sentar sonolência, confusão, apatia e até coma.

Pan-hipopituitarismo
O pan-hipopituitarismo acontece quando há deficiência de dois ou mais hor-
mônios hipofisários
Devem ser procurados sinais e sintomas de deficiências hormonais específicas

SEMIOLOGIA APLICADA ÀS PRINCIPAIS SÍND. ENDÓCRINAS


– ver tópicos neste capítulo (hipogonadismo, hipotireoidismo, insuficiência adrenal,
baixa estatura). O quadro pode ter instalação aguda ou mais freqüentemente
insidiosa com manifestações clínicas progressivas que podem não ser notadas
pelo paciente e/ou familiares. Na anamnese, devem ser procuradas causas de
hipopituitarismo: história de trauma cranioencefálico significativo, doenças infec-
ciosas, neoplásicas e infiltrativas da região selar e parasselar, história de neuroci-
rurgia ou radioterapia do crânio.
No exame físico (quadros completos), há discreto sobrepeso, pele fina e clara,
ausência de pêlos corporais e pubianos, atrofia genital, hipotensão postural, mal-
estar, anorexia, bradicardia, fraqueza muscular, retardo dos reflexos tendinosos e
hipopigmentação dos mamilos. Os achados neurológicos dependem da magni-
tude da doença de base, e os demais achados dependem da intensidade da
deficiência hormonal.

Síndrome de Cushing
Caracteriza-se por excesso de cortisol, podendo ser iatrogênico ou por produ-
ção endógena. A causa mais comum é doença de Cushing (adenoma hipofisário
produtor de ACTH).
Os sintomas decorrem do excesso da produção de glicocorticóide, com au-
mento de peso, amenorréia, hipertensão, acne, seborréia, fragilidade capilar, in-
tolerância à glicose e/ou diabete melito. É fundamental detalhar o início do apa-
recimento dos sintomas, o tempo de evolução (rápida e agressiva fala a favor de
neoplasia ou secreção ectópica de ACTH, evolução lenta e arrastada, Cushing
adrenal ou doença de Cushing). Perguntar por sinais de hiperpigmentação que
sugerem produção ectópica de ACTH e virilização intensa que supõe carcinoma
de adrenal. O excesso de corticóide também pode induzir distúrbio psiquiátrico e

417
quadros de euforia, ansiedade e depressão, podendo ser essa a primeira manifes-
tação da doença.
A ectoscopia é muito reveladora e permite estabelecer o diagnóstico nos qua-
dros moderados a severos. É característica a face em lua cheia (arredondada),
pletora facial, acne, excesso de pêlos e estrias violáceas abdominais. A obesidade
é central, de tronco, poupando os membros superiores e inferiores; freqüente-
mente há deposição de gordura supraclavicular e presença de giba. Em quadros
graves, há miopatia pelo corticóide com fraqueza proximal, dificuldade de elevação
dos braços, principalmente contra-resistência, e dificuldade para subir escadas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS


Greenspan FS, Gardner DG. Basic and cinical endocrinology. 6th ed. New York: Mc Graw-
Hill; 2001.

Larsen PR, Kronenberg HM, Melmed S, Polonsky KS. Williams textbook of endocrinology.
10th. ed. Philadelphia: Saunders; 2002.

Sites recomendados
Thyroid Disease Manager:
SEMIOLOGIA APLICADA ÀS PRINCIPAIS SÍND. ENDÓCRINAS

http://www.thyroidmanager.org

American Diabetes Association:


http://www.diabetes.org

American Association of Clinical Endocrinologists:


http://www.aace.com

Endotext.org – Your Endocrine Source:


www.endotext.com

418
23
EXAMES ONCOLÓGICO
E HEMATOLÓGICO
DANIELA DORNELLES ROSA
SÉRGIO JOBIM DE AZEVEDO
HENRIQUE BITTENCOURT

A maioria das patologias, em algum momento de sua evolução, pode apresentar


alterações hematológicas. Da mesma forma, as neoplasias malignas não possu-
em características clínicas específicas, podendo acometer qualquer tecido, órgão
ou sistema do corpo humano. Por isso, é necessário sistematizar as suas bases
diagnósticas, objetivando a avaliação da lesão inicial e a pesquisa de metástases.
A sintomatologia do paciente com neoplasia é variada, podendo se relacionar
com o tumor primário por meio de complicações locais e/ou a distância. Para o
correto diagnóstico, são necessários conhecimentos básicos sobre o comportamen-
to biológico dos tumores e suas relações com o hospedeiro, bem como a realiza-
ção de uma anamnese completa e de um exame físico detalhado.

SINAIS E SINTOMAS
Alerta para o câncer. Os chamados “sinais de alerta para o câncer”, promovidos
por entidades científicas para populações e campanhas contra o câncer, servem
de base para qualquer iniciante nessa área. A listagem, em linguagem leiga, serve
para a educação das pessoas e dos pacientes sob nossa responsabilidade (e nos
mantém alerta na revisão de sistemas). São eles:
Q perda de peso sem explicação (mesmo mantendo uma alimentação normal);
Q perda persistente de apetite (especialmente se estiver perdendo peso);
Q transpiração ou sudorese abundante e fora do habitual (diferente dos que
o cercam);
Q crescimento de caroços ou nódulos que não regridem;
Q presença de linfonodos (“ínguas”) não-dolorosos que não regridem;
Q surgimento ou mudança de cor ou tamanho de sinais de pele;
Q qualquer perda de sangue;
Q fezes negras e pastosas;
Q caroços, nódulos ou secreção dos mamilos (mulheres e homens);
Q sangramento vaginal em mulheres idosas ou fora do período menstrual;
Q dor ou dificuldade para engolir;
Q feridas na boca e garganta que não cicatrizam;
Q tosse nova ou alteração na tosse de fumantes e tossidores crônicos;
Q escarro com sangue.

A detecção de tais queixas e achados deve gerar uma avaliação e um julgamen-


to focados para o referido sinal ou sintoma, pois eles não são diagnósticos e sim
manifestações que podem estar ou não relacionadas ao câncer.
Febre. A elevação da temperatura corporal, acima de 37,7oC, considerada febre
é uma manifestação não-específica de muitas patologias. O diagnóstico de febre
de origem neoplásica (“febre tumoral”), antes de haver o diagnóstico de um
tumor, é um exercício de exclusão de todas as outras causas mais freqüentes de
febre. Na ausência de febre de origem infecciosa (bactérias, vírus, micobactérias,
protozoários, fungos), de processos inflamatórios e auto-imunes, de doenças do
colágeno e reumáticas e de trauma com destruição ou necrose tecidual, a hipótese
de febre de origem tumoral pode ser formulada com cuidado, na dependência
do restante do quadro de apresentação clínica. Entre as causas das chamadas
febres de origem obscura, as neoplasias são a segunda causa mais freqüente.
As neoplasias que podem apresentar febre tumoral em algum momento de
seus cursos clínicos incluem:
Q câncer de pâncreas;
Q carcinoma renal;
EXAMES ONCOLÓGICO E HEMATOLÓGICO

Q carcinoma hepatocelular;
Q carcinoma de colo;
Q neoplasias hematológicas (linfomas de Hodgkin e não-hodgkinianos e
leucemias).
A presença de febre no transcurso dos tratamentos oncológicos com quimio-
terapia ou imunoterapia deve ser considerada infecciosa até que se prove o contrá-
rio, para segurança e adequado manejo dessas situações.
Fraqueza e cansaço. Fraqueza, cansaço, astenia e fadiga são queixas freqüentes
em pacientes portadores de neoplasia. Não são nem específicas nem sensíveis,
mas podem estar relacionadas à gravidade das neoplasias (são muito comuns em
tumores disseminados e avançados) ou podem ser a queixa inicial dos pacientes.
Perda de apetite e de peso, febre e sudorese são conhecidos como “sintomas
constitucionais”, podendo estar presentes em várias neoplasias. Esse grupo de
sintomas gerais deve ser “quantificado” pelo julgamento da capacidade do sin-
toma em interferir com as atividades usuais de deambulação, trabalho, auto-cui-
dado, higiene e alimentação, bem como da necessidade de repouso ou permanência
no leito durante o dia (avaliação de desempenho funcional do paciente).
As condições emocionais e de vida de cada paciente têm grande importância
na compreensão e interpretação dessas queixas. Quadros depressivos em várias
intensidades podem associar-se à fadiga, à exaustão, à desmotivação e ao desinte-
resse.
Anorexia e perda de peso. A perda de apetite e de peso sem uma explicação, ou a
perda de peso apesar da manutenção da ingestão alimentar usual, são sintomas

420
sugestivos de processo sistêmico capaz de comprometer a homeostasia do indiví-
duo. A documentação de pesos anteriores e o reconhecimento dos padrões ali-
mentares do paciente antes do momento atual é importante para o julgamento
clínico. As manifestações clínicas visuais de emagrecimento, caquexia, desnutrição
e perda de massa muscular são tardias e refletem estados avançados de doença.
No idoso, as causas mais comuns de perda involuntária de peso são depressão,
câncer (de pulmão e gastrintestinal) e doenças benignas gastrintestinais. Em adul-
tos, as causas mais comuns incluem diabete melito, hipertireoidismo, distúrbios
psiquiátricos e infecções, sendo as neoplasias manifestadas por outros sintomas.
Uma perda de 10% do peso corporal original tem significado de severidade
nas doenças oncológicas. A perda ponderal deve ser avaliada antes dos tratamen-
tos oncológicos. Essa perda de peso faz parte dos sintomas constitucionais de
algumas doenças oncológicas e tem significado prognóstico em linfomas.
Alterações do estado mental. Embora as causas mais comuns das alterações de
sensório não sejam de origem tumoral, uma série de manifestações clínicas e
neurológicas pode estar presente em pacientes portadores de neoplasias malig-
nas e deve ser lembrada no processo de diagnóstico diferencial.
As manifestações podem ser variadas, com estados confusionais, perda de
coerência, desorientação, julgamento inadequado, alterações de ânimo, desa-
tenção, alterações de percepção e fluxo mental inadequado, e podem estar asso-

EXAMES ONCOLÓGICO E HEMATOLÓGICO


ciadas ao câncer quando o mesmo está em estágios avançados (o que é mais
freqüente), mas também podem ocorrer em fases iniciais da doença. As modifica-
ções do estado de alerta, como sonolência, torpor e até coma são associadas
mais freqüentemente com anormalidades cerebrais hemisféricas ou anormalidades
metabólicas graves (insuficiência renal ou hepática, efeitos da lise tumoral, entre
outros). As metástases cerebrais podem ter manifestações focais ou gerar quadros
de hipertensão endocraniana, por efeito de massa ou edema cerebral.
O distúrbio neurológico associado a um processo oncológico não-conectado
à manifestação clínica em questão (não diretamente associada ao tumor ou suas
metástases), é conhecida como síndrome paraneoplásica neurológica e compreen-
de um grande universo de manifestações motoras, sensitivas, nervosas, musculares
e espinais. Uma cuidadosa anamnese e um exame neurológico devem ajudar a
excluir os quadros orgânicos, deixando a hipótese de neoplasia como diagnóstico
de exclusão nessas situações. O paciente idoso com algum grau de demência
representa um desafio para a avaliação do médico e uma das inúmeras possibilida-
des pode ser uma neoplasia ainda não-manifestada.

EXAME FÍSICO
Avaliação de massa palpável
Mama
Nódulos mamários podem apresentar-se como lesões palpáveis ou como lesões
não-palpáveis visualizadas apenas na mamografia. Na presença desse achado, a
anamnese deve incluir:

421
Q como o nódulo foi diagnosticado (incidentalmente, no auto-exame de ma-
mas, no exame ginecológico ou na mamografia)
Q se foi percebido pela paciente, quando isso ocorreu
Q a presença de secreção mamilar associada
Q alterações no tamanho do nódulo
Q alterações relacionadas ao ciclo menstrual (cistos benignos podem ser mais
proeminentes no período pré-menstrual e regredir durante a fase folicular)
Deve-se perguntar se há história prévia de câncer ou biópsia de mama (princi-
palmente mostrando hiperplasia atípica), fatores de risco para câncer de mama
(idade, história familiar, idade da menarca, da primeira gestação e da menopausa
e uso de terapia de reposição hormonal).
Embora o câncer de mama usualmente não seja acompanhado de dor, ele
pode estar presente em até 15% dos casos.
O exame físico deve tentar diferenciar entre lesões benignas e malignas. Algu-
mas características que levam à suspeita de malignidade são a presença de lesão:
Q única;
Q endurecida;
Q imóvel;
Q com bordos irregulares;
Q com tamanho igual ou maior que 2 cm.
EXAMES ONCOLÓGICO E HEMATOLÓGICO

É necessário realizar o exame das regiões axilares e supraclaviculares à procu-


ra de adenomegalias.
O exame físico possui valor preditivo positivo de 73% para o diagnóstico de
neoplasia e valor preditivo negativo de 87%.
O diagnóstico definitivo é estabelecido com biópsia da lesão.

Próstata
O exame digital da próstata, realizado por meio do toque retal, pode detectar
tumores nas regiões posterior e laterais da glândula. Em torno de 25 a 35% das
neoplasias não são detectadas pelo exame físico por encontrarem-se em outros
locais da próstata ou por serem muito pequenas.
Qualquer homem com induração, assimetria ou nodularidade palpável na prós-
tata necessita de estudos diagnósticos adicionais para excluir câncer de próstata.

Testículos
O câncer de testículo é relativamente raro, ocorrendo mais freqüentemente
entre os 18 e 40 anos. Geralmente, apresenta-se como massa indolor descoberta
pelo paciente ou pelo médico, no exame físico; no entanto, tumores de células
germinativas com rápido crescimento podem apresentar-se com dor aguda na
bolsa escrotal, secundária à hemorragia ou ao infarto. No exame físico, as maligni-
dades testiculares geralmente são firmes e, em alguns casos, podem ser acompa-
nhadas de ginecomastia.
O diagnóstico de neoplasia maligna geralmente é realizado após exames de
imagem e orquiectomia, com exame anatomopatológico.

422
Linfonodos
Os linfonodos normais geralmente possuem menos de 1 cm de diâmetro e
tendem a ser maiores na adolescência do que na idade adulta. Normalmente são
palpáveis na região inguinal de indivíduos saudáveis devido à presença de infec-
ções e traumas crônicos nos membros inferiores. Também costumam ser palpá-
veis na região cervical após infecções da cabeça e do pescoço.
Quando a linfadenomegalia envolve apenas uma região, é chamada de locali-
zada e, quando acomete mais de uma região, é chamada generalizada.
A causa da linfadenomegalia geralmente é óbvia após anamnese e exame
físico completos. Em casos mais difíceis, são necessários testes laboratoriais e
biópsia, que é fundamental para o diagnóstico de doenças malignas.
A anamnese do paciente com linfadenomegalia deve incluir:
Q manifestações localizadas sugestivas de infecção ou malignidade;
Q exposições prévias a animais, alimentos malcozidos, viagens, comportamen-
tos de risco para a aquisição de infecções;
Q sintomas constitucionais, como febre, sudorese noturna ou perda de peso
sugestivas de tuberculose, linfoma ou outras malignidades;
Q uso de medicações que possam causar linfadenomegalias.

O exame físico completo deve ser realizado à procura de manifestações de


doença sistêmica. Esplenomegalia associada sugere linfoma, leucemia linfocítica

EXAMES ONCOLÓGICO E HEMATOLÓGICO


crônica, leucemia aguda ou mononucleose infecciosa.
No exame dos linfonodos, devem ser examinadas as seguintes características:
Q localização;
Q tamanho;
Q consistência;
Q fixação;
Q sensibilidade.

Localização. Linfadenomegalia localizada sugere causas locais; deve-se iniciar a


busca de patologias nas áreas de drenagem dos linfonodos acometidos, embora,
em alguns casos, doenças sistêmicas possam causar adenopatia localizada, como
tularemia e linfomas de alto grau.
Tamanho. Os linfonodos anormais geralmente possuem mais de 1 cm de diâmetro.
Em uma série de Pangalis e colaboradores (9), nenhum paciente com diâmetro
dos linfonodos menor que 1 cm tinha câncer; daqueles com 1 a 2,25 cm, 8%
tinham neoplasias malignas e daqueles com diâmetro acima de 2,25 cm, 38%
tinham câncer.
Consistência. Os linfonodos endurecidos são encontrados em neoplasias malignas
que induzem à fibrose (alterações cirróticas) e quando inflamações prévias levaram
à fibrose. Os nódulos firmes são encontrados em linfomas e leucemias crônicas;
os linfonodos na leucemia aguda tendem a ser macios.
Fixação. Os linfonodos normais são móveis no espaço subcutâneo. Os anormais
podem tornar-se fixos a tecidos adjacentes. Nas doenças malignas, também pode-
mos encontrar linfonodos adjacentes fusionados.

423
Sensibilidade. O aumento da sensibilidade sugere um crescimento rápido recente,
que ocasiona tensão sobre os receptores de dor existentes na cápsula dos linfo-
nodos. Isso ocorre tipicamente em processos inflamatórios, mas também pode
ser decorrente de hemorragia no interior do linfonodo, estímulo imunológico e
doenças malignas.
Causas de linfadenomegalia localizada:
Q cervical: mononucleose infecciosa, citomegalovirose, toxoplasmose, tuber-
culose, linfoma, câncer com sítio primário em cabeça e pescoço, infecções
estafilocócicas ou estreptocócicas, micobacteriose atípica, infecções por bar-
tonella henselae (agente da doença da arranhadura do gato), câncer me-
tastático;
Q supraclavicular direita: câncer no mediastino, pulmões ou esôfago;
Q supraclavicular esquerda (nódulo de Virchow): malignidades abdominais
(câncer de estômago, vesícula biliar, pâncreas, rins, testículos, ovários ou
próstata);
Q axilar: infecções, câncer de mama, câncer metastático de outros sítios, lin-
fomas;
Q epitroclear: infecções do antebraço, linfoma, sarcoidose, tularemia, sífilis
secundária;
Q inguinal: infecções dos membros inferiores, doenças sexualmente trans-
EXAMES ONCOLÓGICO E HEMATOLÓGICO

missíveis, câncer de pele, colo uterino, vulva, reto, ânus e pênis.


Causas de linfadenomegalia generalizada:
Q infecção pelo HIV;
Q micobacteriose típica e atípica;
Q mononucleose infecciosa;
Q lúpus eritematoso sistêmico;
Q medicamentos: alopurinol, atenolol, captopril, carbamazepina, cefalospo-
rinas, sais de ouro, hidralazina, penicilina, fenitoína, primidona, pirimeta-
mina, quinidina, sulfonamidas, sulindaco;
Q doença de Castleman;
Q doença de Kawasaki;
Q linfoma angioimunoblástico de células T e outros linfomas não-hodgkinianos;
Q pseudotumor inflamatório.

PRINCIPAIS SÍNDROMES E PROBLEMAS HEMATOLÓGICOS


E ONCOLÓGICOS
Anemia
A anemia é muito mais uma manifestação de doença do que uma doença
propriamente dita. Com os exames disponíveis hoje em dia, a anemia é facilmente
diagnosticada e precisamente quantificada.
As manifestações de anemia dependem de cinco fatores:
Q grau de redução da capacidade carreadora de oxigênio do sangue;
Q grau de redução do volume sangüíneo;

424
Q velocidade de instalação dos dois ítens mencionados;
Q capacidade compensatória dos sistemas respiratório e cardiovascular;
Q manifestações associadas da doença de base que deu origem à anemia.

A taxa de hemoglobina não é o único determinante dos sintomas e nem o


determinante da urgência da investigação. Para uma mesma taxa de hemoglobina,
podemos ter um paciente absolutamente assintomático (se o quadro for de insta-
lação lenta e o paciente não tem outras co-morbidades) ou francamente sin-
tomático (p. ex., se for possuidor de uma cardiopatia isquêmica grave ou se o
quadro se instalou em questão de horas).

Quais são os sintomas de anemia mais comuns que levam o paciente a procurar
um médico?
As queixas mais freqüentes são intolerância progressiva aos exercícios, dispnéia,
palpitações e palidez cutânea (muitas vezes notada por familiares ou amigos).
Os sintomas cardiorrespiratórios são os que predominam na maioria dos pa-
cientes com anemias moderadas e severas. Os sintomas inicialmente só são perce-
bidos em situações de exercício mais pesado ou de estresse, mas evoluem progres-
sivamente e acabam também sendo notados em atividades simples e até em
repouso. Quando a anemia se instala rapidamente, os sintomas que podem predo-
minar são intolerância aos exercícios, taquicardia, tonturas e hipotensão postural
e fadiga. Quando a instalação da anemia é lenta, pode-se observar dispnéia,

EXAMES ONCOLÓGICO E HEMATOLÓGICO


palpitações e sintomas de insuficiência cardíaca congestiva, angina ou claudicação
intermitente.
A pele e as mucosas são também seguidamente afetadas em pacientes com
anemia. A palidez cutânea é a queixa mais freqüente. Os pacientes com anemia
falciforme podem vir à consulta por apresentarem úlceras em membros inferiores
de difícil cicatrização. Nos pacientes portadores de anemia perniciosa, a queixa
pode ser de dor ou sensibilidade aumentada na língua (glossite) e aparecimento
precoce de cabelos grisalhos. Uma queixa que pode estar presente em pacientes
com anemia hemolítica é a icterícia.
Quadros de anemia moderada ou severa podem proporcionar uma série de
sintomas relacionados ao sistema nervoso central e periférico. As queixas mais
comuns são cefaléia, sensação de “cabeça vazia”, zumbidos, vertigens, agitação,
fraqueza muscular e falta de concentração. Nos pacientes com anemia megalo-
blástica, podemos ainda ter como queixas a diminuição de sensibilidade e a sensa-
ção de formigamento em extremidades, distúrbios de memória e, em casos graves
e prolongados, quadro de demência.
O tubo digestivo é fonte freqüente de sintomas, principalmente nos pacientes
com anemia ferropriva. Nesses casos, os sintomas podem na verdade revelar a
doença primária que está causando a anemia. As queixas mais comuns são dor
no abdome superior, em ardência ou em queimação, pirose retroesternal, plenitude
gástrica e outros sintomas de doença péptica; podem ainda estar presentes qua-
dros de alteração no hábito intestinal, presença de sangue nas fezes (hematoquezia
ou melena) e dor abdominal mal localizada. Disfagia pode ser um sintoma de
neoplasia ou de anemia ferropriva de longa duração (síndrome de Plummer-

425
Vinson). Outra condição associada à anemia ferropriva crônica é a perversão do
apetite ou pica, manifestada principalmente por compulsão a comer terra (geo-
fagia) ou gelo (pagofagia), embora outras formas possam ser observadas. A pre-
sença de diarréia pode sugerir anemia perniciosa.
Quadros de hemólise intravascular aguda (como na hemoglobinúria paroxística
noturna) podem ter como sintomas a dor abdominal ou lombar de início súbito e
de forte intensidade, acompanhada de hemoglobinúria franca ou urina de colora-
ção escura.

Exame clínico
Aspectos gerais. O paciente com anemia pode ter atitude passiva. Depressão,
distúrbio de memória, alucinações, surtos maníacos e atitudes paranóides ou
esquizofrênicas podem ocorrer em pacientes com anemia perniciosa.
Pele, mucosas, fâneros e linfonodos. O achado mais comum é a presença de palidez
cutânea ou mucosa que, embora seja um sinal freqüente, muitas vezes não é
evidente.
Os cabelos progressivamente finos e com perda de brilho e o aparecimento
precoce de cabelos grisalhos podem sugerir anemia perniciosa. As unhas com a
redução do brilho, quebradiças e com forma côncava (coiloníquia) podem ser
vistas em quadros de anemia ferropriva de longa duração.
EXAMES ONCOLÓGICO E HEMATOLÓGICO

A glossite e a estomatite angular podem estar presentes em anemia perniciosa,


embora também possam aparecer em anemia ferropriva de longa duração. Outro
achado típico da anemia megaloblástica é a língua lisa e despapilada.
A presença de linfonodos aumentados, de consistência dura e aderidos a pla-
nos profundos associados a um quadro de anemia, pode indicar a presença de
neoplasia, especialmente linfoproliferações (linfomas e leucemia linfóide aguda
e crônica). O aumento de linfonodos pode também ser encontrado em quadros
infecciosos, como na mononucleose.
Sistema cardiovascular. Os sinais presentes no exame do sistema cardiovascular
dependem do grau e do tempo de instalação da anemia. Quadros de instalação
súbita, geralmente decorrentes de perda de sangue por hemorragia ou hemólise
aguda, podem se apresentar com taquicardia, hipotensão postural, choque hi-
povolêmico e hipoperfusão periférica. Já quadros crônicos de anemia podem
estar associados com outros sinais no exame físico. O sopro sistólico pode ser
auscultado principalmente na área pulmonar, podendo também ser notado sobre
as carótidas. O ritmo de galope também pode ocorrer.
Sistema digestório. Embora seja fonte freqüente de anemia, o tubo digestivo apresen-
ta poucos achados no exame físico. A evidência de um baço aumentado de volu-
me pode indicar a presença de hipertensão portal, infecção, neoplasia (especial-
mente linfoproliferação) ou mieloproliferação (como mielofibrose e policitemia vera).
Sistema musculoesquelético. O achado de alterações no crânio em crianças (proemi-
nência dos ossos do crânio, dos maxilares e da mandíbula) sugere o diagnóstico
de talassemia, embora esse achado também possa ocorrer em anemia ferropriva

426
de longa duração. As dores ósseas à palpação, especialmente no esterno, podem
sugerir a presença de leucemia aguda ou mielóide crônica. As anemias de origem
nutricional (ferropriva, deficiência de folato ou de vitamina B12) podem estar
associadas à perda de massa muscular.

Exame neurológico
Os achados neurológicos estão freqüentemente associados à anemia pernicio-
sa. Em alguns casos, podem anteceder o diagnóstico de anemia e, raramente,
podem estar presentes sem o achado de anemia. Os sinais no exame físico são
variáveis, podendo ocorrer desde parestesias leves (alteração no tato, temperatura
e vibração) até hiporreflexia, sinal de Romberg, sinal de Babinski e ataxia.

Fundo de olho
As hemorragias retinianas, os exsudatos algodonosos ou duros e a tortuosidade
venosa podem ocorrer em cerca de 20% dos pacientes com anemia. O papiledema
pode ocorrer mais raramente.

Distúrbios da hemostasia
No organismo, há um sistema composto de proteínas (fatores de coagulação
e fibrinolíticos), plaquetas e componentes dos vasos sangüíneos (endotélio) que
conservam o volume sangüíneo dentro dos vasos, evitam que o sangue seja

EXAMES ONCOLÓGICO E HEMATOLÓGICO


perdido em grandes quantidades quando ocorre um trauma e, por outro lado,
que o sangue coagule espontaneamente. A todo esse sistema chamamos de
hemostasia. Assim sendo, o sangramento espontâneo que ocorre no ser humano,
exceto a menstruação nas mulheres e o sangramento relacionado a trauma ou
procedimento cirúrgico em quantidade acima do esperado e que leva à repercus-
são hemodinâmica e/ou necessidade de transfusão, deve ser considerado como
uma manifestação de um distúrbio da hemostasia. Os processos de trombose e
embolia espontâneos também podem ser manifestações de anormalidades na
hemostasia.
Podemos dividir os distúrbios da hemostasia em dois grandes grupos:
Q desordens da coagulação e
Q desordens plaquetárias/vasculares, também conhecidas como púrpuras.

Manifestações clínicas
Os pacientes muitas vezes têm a tendência a super ou subestimar as manifesta-
ções de sangramento, valorizando as alterações banais ou até normais (por exem-
plo, a presença de pequenas equimoses nos membros inferiores de mulheres e
de crianças pequenas, que é um achado normal) e negligenciando sintomas im-
portantes, como sangramentos menstruais abundantes.
A presença de petéquias e de equimoses espontâneas é a queixa mais caracte-
rística dos pacientes com distúrbio plaquetário ou vascular. Raramente é relatada
a presença de equimoses espontâneas em distúrbios da coagulação, embora isso
possa ocorrer. Por outro lado, o aparecimento de hematomas profundos e da
hemartrose (aumento de volume e dor em articulação, secundários a sangramento

427
intra-articular) espontâneos ou após pequeno trauma é uma queixa característica
de pacientes com distúrbio congênito da coagulação, especialmente em pacientes
com hemofilia A ou B.
Os sangramentos após trauma ou procedimento cirúrgico fornecem muitas
vezes informações essenciais para o diagnóstico dos distúrbios da hemostasia.
Uma das situações mais comuns encontradas é a extração dentária. Normalmente,
após uma extração de molar ou ciso espera-se que possa ocorrer sangramento
leve por até uma hora e, eventualmente, sangramentos de quantidade mínima
até dois dias após o procedimento. O sangramento após extração dentária que é
visto em pacientes com distúrbio plaquetário ocorre imediatamente após o pro-
cedimento, pode durar várias horas ou dias se não-tratado, tem volume pequeno
a médio e normalmente responde a medidas locais, como tamponamento e
vasoconstritores, por exemplo. Já os sangramentos após extração dentária que
ocorrem em pacientes com distúrbios da coagulação, especialmente naqueles
com doenças hereditárias como hemofilia, tendem a iniciar mais tardiamente. É
característico no paciente com hemofilia não ter o sangramento imediato, pois o
tampão plaquetário funciona; no entanto, costuma ocorrer sangramento tardio
abundante e persistente, apesar de medidas locais. Assim, dificilmente um paciente
com hemofilia, mesmo moderada, realizaria um procedimento dentário sem
apresentar os sintomas descritos acima. Uma outra característica dos pacientes
com distúrbios da coagulação é de não apresentarem sangramentos após peque-
EXAMES ONCOLÓGICO E HEMATOLÓGICO

nos cortes superficiais de pele, como no barbear com lâmina. Já o paciente com
distúrbio plaquetário sangra com extrema facilidade nessa mesma situação.
A metrorragia é um achado comum nas pacientes com distúrbios da hemos-
tasia, especialmente em desordens plaquetárias e doença de von Willebrand; em
alguns casos, pode ser a única manifestação de doença. Com alguma freqüência,
avaliamos mulheres com anemia ferropriva decorrente de perda menstrual que
tem, na verdade, doença de von Willebrand. Uma história de sangramentos in-
tracavitários (p. ex., hemorragia retroperitoneal) pode sugerir a presença de uma
desordem na coagulação. Já hemorragias no trato digestivo, como hematêmese
e melena, podem indicar distúrbio vascular primário, como a telangiectasia he-
morrágica hereditária. Já a presença de hemoptise é raramente associada a um
distúrbio da hemostasia. As hemorragias retinianas sugerem distúrbios plaquetá-
rios e são extremamente raras em pacientes com desordens da coagulação. He-
morragias no sistema nervoso central podem ocorrer em pacientes plaquetopê-
nicos ou nos pacientes com distúrbios de coagulação após pequeno trauma. Histó-
ria de dificuldade de cicatrização ou deiscência de sutura pode sugerir a presença
de deficiência de fator XIII ou desordem no fibrinogênio.
É importante coletar informações sobre o uso de medicações em pacientes
com suspeita de desordem da hemostasia. Existe uma série de medicações que
estão associadas à trombocitopenia, entre elas:
Q penicilina;
Q heparina;
Q vancomicina;
Q anfotericina B.

428
Outras drogas interferem na função plaquetária, como a aspirina, e podem
exacerbar algumas manifestações clínicas da doença de von Willebrand e hemo-
filia, por exemplo. O uso de anticoagulantes orais deve ser pesquisado.
A história familiar pode também fornecer pistas importantes para a diagnóstico
dos distúrbios da hemostasia. É importante caracterizar com precisão os achados
na família, pois alterações como hemorragia digestiva secundária a varizes
esofágicas ou sangramento vaginal secundário a miomas podem ser confundidos
com desordens primárias da hemostasia.

Exame físico
O achado característico de uma desordem plaquetária é a presença de peté-
quias, que são pequenas lesões purpúricas decorrentes de hemorragias capilares
que aparecem na pele, com diâmetro médio de 1 mm. Aparecem mais freqüen-
temente em membros inferiores, quadril ou em áreas de compressão (como na
cintura, pressionada usualmente por roupa de baixo). A quantidade de petéquias
é proporcional à quantidade de plaquetas presentes no hemograma, embora
ocorram variações de paciente para paciente. As crianças pequenas podem apre-
sentar petéquias na face após aumento na pressão venosa, como no choro. A
presença de diversas sufusões hemorrágicas de tamanho variado também ocorre
em paciente com desordens plaquetárias. É possível notar pequenas vesículas
hemorrágicas na cavidade oral em pacientes com trombocitopenia grave.

EXAMES ONCOLÓGICO E HEMATOLÓGICO


A Tabela 23.1 resume os principais achados que distinguem distúrbios das
plaquetas/vasculares das desordens da coagulação.

Distúrbios dos leucócitos


A maioria dos sinais e sintomas presentes nos pacientes com distúrbios nos
leucócitos decorre principalmente de infecções. Nas leucemias agudas, sintomas
constitucionais e sinais/sintomas de distúrbios plaquetários e de coagulação podem
estar presentes.
O paciente neutropênico tem como principais achados clínicos sinais de infec-
ção bacteriana ou, mais raramente, fúngica ou viral. Esses sintomas normalmente
só aparecerão quando as contagens de neutrófilos estiverem abaixo de 500/mm3.
Os sinais e sintomas da infecção nesses pacientes, no entanto, estão muitas vezes
ausentes (ver no tópico neutropenia febril).

Síndrome de compressão da veia cava superior


A síndrome da veia cava superior (SVCS) é a expressão clínica da obstrução
do fluxo sangüíneo através da mesma. É causada por compressão extrínseca em
90% dos casos, mas também pode dever-se à fibrose, trombose ou invasão veno-
sa. O bloqueio venoso costuma causar engurgitamento das veias da porção supe-
rior do tórax e da região cervical.
As neoplasias malignas mais comumente associadas com essa síndrome são o
câncer de pulmão (aproximadamente 80% dos casos) e os linfomas. Entre as
causas não-neoplásicas, encontra-se a fibrose mediastinal (geralmente causada
por histoplasmose) e a trombose secundária a cateter venoso central ou a marca-
passo no interior da veia cava.

429
Tabela 23.1 Principais achados de distúrbios e desordens

Distúrbios da Distúrbios das


Achados coagulação plaquetas e vasos
Petéquias Raras Sempre presentes
Hematomas Quase sempre Raros
dissecantes profundos presentes
Equimoses Freqüentes – Quase sempre presentes
grandes e unidas – menores e múltiplas
Hemartrose Quase sempre presente Rara
Sangramento tardio Comum Raro
Sangramento por Mínimo Persistente e muitas
cortes superficiais vezes profuso
Sexo do paciente Imensa maioria do Um pouco mais comum
sexo masculino em mulheres
História familiar Comum Raro – exceto na doença
de von Willedrand
EXAMES ONCOLÓGICO E HEMATOLÓGICO

As manifestações podem ser sutis e apresentar progressão lenta (por períodos


de 2 a 5 semanas). Os sintomas que podem ser encontrados são:
Q dispnéia (66% dos casos);
Q tosse (24%);
Q dor torácica (15%);
Q disfagia (9%).
Os sinais que podem ocorrer são:
Q distensão das veias do pescoço (66%);
Q distensão das veias da parede torácica (54%);
Q edema facial (50%);
Q cianose (20%);
Q pletora da face (19%);
Q edema de membros superiores (18%);
Q obstrução de vias aéreas;
Q alterações sugestivas de derrame pleural e pericárdico (ver capítulos especí-
ficos).
Pode-se encontrar edema sem cacifo no pescoço e partes moles do tórax,
chamado de “colar de Stokes”.
É importante reconhecer a SVCS, pois ela é uma emergência oncológica, e o
tratamento imediato está indicado nos casos de obstrução de vias aéreas (manifes-

430
tada por estridor) ou aumento da pressão intracraniana (com evolução do paciente
para torpor e convulsões, em alguns casos).

Compressão da medula espinal


A compressão maligna da medula espinal é definida como identação, desloca-
mento ou envolvimento do saco dural da medula nervosa por câncer localmente
avançado ou metastático. Ela pode ocorrer através de extensão posterior de uma
massa no corpo vertebral (causando compressão do aspecto anterior da medula
espinal) ou por extensão anterior ou ântero-lateral de uma massa que surge a
partir dos elementos dorsais ou que invade o forame vertebral. Praticamente
qualquer neoplasia maligna com capacidade de metastatizar ou de invadir local-
mente pode causar compressão medular.
As neoplasias malignas que mais comumente causam esse quadro são carcino-
ma de pulmão, carcinoma de mama, linfoma e carcinoma de próstata. A compres-
são medular pode ser a primeira manifestação de uma neoplasia maligna em
aproximadamente 10% dos pacientes.
O sítio mais freqüentemente envolvido é a coluna torácica (59 a 78%), seguida
da lombar (16 a 33%) e da cervical (4 a 15%); múltiplos sítios de compressão
medular podem ocorrer em até metade dos casos.
O sintoma mais sugestivo de compressão da medula espinal ou de seus nervos
pelo câncer é dor (70 a 96% dos casos), que pode ser local, radicular ou ambas.

EXAMES ONCOLÓGICO E HEMATOLÓGICO


Dor radicular ocorre quando há compressão das raízes nervosas ou da cauda
eqüina; pode ser unilateral (mais comum nas lesões de coluna lombar ou cervical)
e, mais comumente, bilateral (que ocorre nas lesões da medula torácica). A dor
causada por lesões intra-espinhais piora com esforços físicos, espirro, tosse, mo-
vimentos e decúbito dorsal; o sintoma pode preceder o diagnóstico por dias ou
até meses, mas, a partir do momento em que surgem sinais neurológicos, a
progressão costuma ser rápida.
A fraqueza muscular é o segundo sintoma mais comum e, geralmente, mani-
festa-se após o início da dor. A fraqueza pode ter desenvolvimento gradual,
associado a distúrbios de equilíbrio, ou ser abrupta, com perda completa da função
motora e sensorial abaixo do nível afetado (choque espinal), devido à insuficiên-
cia vascular que progride para isquemia.
O exame neurológico do paciente com choque espinal revela ausência de
reflexos e de função autonômica, motora e sensorial abaixo do nível da lesão, e
a extremidade afetada é flácida e não possui tônus muscular. O quadro neurológico
evolui para ausência de reflexos perineal e anal e incontinência esfincteriana. A
flacidez e a arreflexia são gradualmente substituídas por paraplegia em flexão.
Quando a compressão ocorre na região cervical, pode haver paralisia dos membros
superiores e insuficiência respiratória. As lesões do cone medular ou da cauda
eqüina produzem paralisia flácida dos membros inferiores, ausência de resposta
flexora plantar e retenção urinária levando à incontinência e impotência.
No exame clínico é importante o reconhecimento imediato da compressão
medular, porque a chance de evitar ou recuperar as perdas motoras e o controle
esfincteriano é inversamente proporcional ao tempo levado para o diagnóstico e
início do tratamento.

431
Quando o diagnóstico é precoce, o tratamento costuma ser efetivo em 90%
dos pacientes. O grau de disfunção neurológica presente antes do tratamento é
o principal fator preditor do desfecho; a deambulação pode ser preservada em
até 80% dos pacientes que se apresentam deambulando no momento do diagnós-
tico. Paraplegia, quadriplegia e perda do controle esfincteriano são conseqüências
potenciais de um diagnóstico tardio. Uma vez perdida, a função neurológica é
de difícil recuperação na maioria dos pacientes.

Metástases cerebrais
Metástases cerebrais desenvolvem-se em 10 a 30% dos pacientes, sendo
mais comumente encontradas na evolução do câncer de pulmão (50%), de mama
(15 a 20%) e de sítio primário oculto (10 a 15%), no melanoma (10%) e na
neoplasia de colo (5%). Alguns tumores malignos quase nunca metastatizam
para o parênquima cerebral, como os de esôfago, de orofaringe, de próstata e
de pele não-melanoma.
A maioria dos pacientes apresenta-se com disfunção neurológica progressi-
va, resultante de um tumor com crescimento gradual e edema associado, ou,
raramente, hidrocefalia obstrutiva. Aproximadamente 10 a 20% dos pacientes
apresentam convulsões; 5 a 10% apresentam acidente vascular cerebral devido
à embolização de células tumorais, invasão ou compressão de uma artéria pelo
tumor ou hemorragia no interior de uma metástase. Os tumores com particular
EXAMES ONCOLÓGICO E HEMATOLÓGICO

tendência a sangramento no interior das metástases são os melanomas,


coriocarcinomas, carcinoma de tireóide e carcinoma de rim.
O quadro clínico de pacientes com metástases cerebrais é semelhante ao de
outros tumores cerebrais. Cefaléia ocorre em aproximadamente 40 a 50% dos
pacientes, sendo difícil distingui-la da cefaléia tensional. Geralmente, ocorre no
mesmo lado do tumor, embora possa ser difusa em algumas ocasiões. Menos de
metade dos pacientes apresenta cefaléia devido a aumento da pressão intracra-
niana, a qual inicia pela manhã e é exacerbada por tosse, inclinação do corpo e
esforços; pode associar-se a náuseas, vômitos e perdas transitórias de visão. Pa-
cientes com múltiplas metástases para a fossa posterior possuem maior freqüên-
cia de cefaléia.
Os distúrbios neurológicos focais são os sintomas de apresentação em 20 a
40o dos casos. A hemiparesia é a manifestação mais comum, sendo variável de
acordo com a localização das metástases.
A disfunção cognitiva, incluindo problemas de memória e alterações de humor
e de personalidade, é o sintoma de apresentação em um terço dos pacientes.
As convulsões ocorrem em, aproximadamente, 10 a 20% dos casos.
No paciente com câncer, deve-se fazer o diagnóstico diferencial das manifesta-
ções clínicas de metástases cerebrais com:
Q causas iatrogências (quimioterápicos, analgésicos narcóticos, antieméticos,
hipnóticos);
Q distúrbios metabólicos (hipercalcemia, hipoglicemia, hiperviscosidade, en-
cefalopatia hepática);

432
Q síndromes paraneoplásicas (degeneração cerebral subaguda, demência, en-
cefalite límbica, neurite óptica, leucoencefalopatia multifocal progressiva);
Q acidente cerebrovascular;
Q sepse.

Tamponamento cardíaco
No paciente com câncer, o tamponamento cardíaco pode ser de etiologia
não-neoplásica, pode ser a primeira manifestação de uma neoplasia maligna ou
pode significar progressão de uma doença maligna já conhecida. É necessário
diagnóstico rápido, uma vez que essa condição pode causar a morte do paciente.
Entre as diversas causas de tamponamento cardíaco estão tumores primários
do pericárdio (mesotelioma, sarcoma e teratoma) e, mais freqüentemente, tumo-
res metastáticos (de carcinoma de mama, pulmão, leucemia, linfoma, melanoma
e sarcoma de Kaposi).
Os sintomas são inespecíficos, incluindo dispnéia, dor torácica, tosse, disfonia,
náuseas, dor abdominal e ansiedade. O exame de escolha para o diagnóstico é a
ecocardiografia.

Síndrome de lise tumoral


A síndrome de lise tumoral ocorrre como resultado da rápida liberação do
conteúdo intracelular na corrente sangüínea; é caracterizada pela presença de

EXAMES ONCOLÓGICO E HEMATOLÓGICO


hiperuricemia, hipercalemia, hiperfosfatemia e hipocalcemia. As principais causas
de síndrome de lise tumoral são doenças com altas frações de proliferação celular,
que possuem grande sensibilidade ao tratamento citotóxico, incluindo:
Q linfomas de alto grau;
Q leucemias com altas contagens de leucócitos;
Q tumores sólidos (muito menos freqüentemente).

A síndrome de lise tumoral é uma emergência metabólica que deve ser anteci-
pada e prevenida. Geralmente, é encontrada após o início de quimioterapia para
as malignidades anteriormente citadas. Essa síndrome tem sido observada não
apenas após a administração de agentes altamente mielossupressivos, mas tam-
bém após a administração de drogas como interferon-α, tamoxifeno, cladribina
e metotrexato intratecal.
As conseqüências mais sérias da síndrome de lise tumoral são as arritmias
cardíacas e a insuficiência renal aguda. A hipocalcemia pode estar associada com
cãibras, arritmias cardíacas e tetania.

Hipercalcemia
A hipercalcemia é o distúrbio metabólico mais comum em pacientes com
câncer, com prevalência de 15 a 20 casos/100.000 indivíduos. A incidência varia
de acordo com a neoplasia, sendo mais freqüente no mieloma múltiplo e no
câncer de mama (em torno de 40%), intermediária no câncer de pulmão de
células não-pequenas e incomum nos carcinomas de colo, próstata e pulmão de
pequenas células.

433
A gravidade da apresentação clínica não está exclusivamente ligada ao grau
de elevação do cálcio; pacientes com elevações moderadas (12 a 13 mg/dL)
podem ficar obnubilados caso o aumento ocorra rapidamente. Por outro lado, os
pacientes com hipercalcemia de longo prazo (como no carcinoma de paratireóide)
conseguem tolerar elevações acima de 14 mg/dL com poucos sintomas.
Os principais sinais e sintomas iniciais são:
Q fadiga;
Q letargia;
Q constipação;
Q náuseas;
Q poliúria.
Nos estágios mais avançados, pode ocorrer torpor e coma.

Neutropenia febril
Uma das emergências oncológicas mais comuns é a febre, definida como
uma única medida de temperatura axilar de 38,3°C ou mais ou duas medidas de
38°C ou mais dentro de um período de 24 h, em paciente com neutropenia
(definida como menos de 500 neutrófilos/mm3). Os pacientes com câncer e neu-
tropenia possuem maior risco de infecções sitêmicas e podem evoluir rapidamente
para um quadro de sepse. Dessa forma, é fundamental o rápido reconhecimento
EXAMES ONCOLÓGICO E HEMATOLÓGICO

dessa condição e o início imediato de tratamento.


O risco de infecção aumenta quando a contagem de neutrófilos diminui abaixo
de 1.000/mm3; é maior para contagens abaixo de 500/mm3 e, maior ainda, para
contagens abaixo de 100/mm3. Além da neutropenia, outros fatores de risco
para desenvolver infecção no paciente oncológico são ruptura da barreira gas-
trintestinal (devido à mucosite), presença de cateteres de longa permanência
(portocaths, sondas, nefrostomias) e realização de procedimentos invasivos.
O paciente neutropênico febril geralmente apresenta poucos ou nenhum sinto-
ma além da febre. Infecção localizada pode estar presente, mas não se manifestar
devido ao inadequado número de leucócitos, insuficiente para formar reações
inflamatórias. A anamnese e o exame físico cuidadosos devem ser realizados,
com atenção para os sítios comuns de infecção; a cavidade oral deve ser examinada
à procura de mucosite e lesões sugestivas de infecção (especialmente herpes e
candidíase); pele e tecidos moles devem ser cuidadosamente inspecionados, princi-
palmente nos locais de inserção de cateteres; a região anorretal deve ser palpada,
à procura de abscessos.
Os sítios comumente afetados são o trato gastrintestinal (faringe, esôfago,
colo e reto), seios da face, pulmões e pele. As queixas de odinofagia, dor na
cavidade oral ou região anal podem ser os únicos sintomas. Os sintomas constitu-
cionais como prostração e anorexia também podem estar presentes. Em cerca de
50% dos episódios febris não se consegue isolar o germe ou localizar o foco
infeccioso.

434
Síndromes paraneoplásicas
Além dos quadros neurológicos previamente citados, outro grupo de manifes-
tações e achados forma as chamadas síndromes paraneoplásicas, que são um
conjunto de sintomas, sinais e alterações laboratoriais causados indiretamente (a
distância) pelo câncer, não tendo relação direta com o tumor primário ou com
suas metástases. As manifestações clínicas dessas síndromes estão relacionadas
às anormalidades laboratoriais extremas que elas podem causar ou ao quadro
característico de uma síndrome passível de reconhecimento (p. ex., síndrome de
Cushing). A maioria dessas síndromes tem que ser reconhecida como de possível
etiologia neoplásica, já diagnosticada ou não.
Várias síndromes paraneoplásicas são causadas pela produção e secreção de
esteróides, aminas, peptídeos e proteínas de forma ectópica pelo tumor e que,
em circulação ou agindo localmente, geram quadros característicos.
Dessa forma, a produção ectópica de ACTH pode levar ao desenvolvimento
da síndrome de Cushing, com o quadro de hipertensão, obesidade central, estri-
as abdominais purpúricas, fraqueza e hiperglicemia. A produção ectópica de subs-
tâncias tipo hormônio da paratireóide (PTH) leva à hipercalcemia, com poliúria,
depleção de volume, alteração no eletrocardiograma e irritabilidade muscular,
entre outras manifestações. A secreção inapropriada de hormônio antidiurético
(SIADH) leva à hiponatremia, que pode ser assintomática ou, conforme a velocida-
de de instalação e severidade, causar desatenção, náuseas e vômitos, fadiga,

EXAMES ONCOLÓGICO E HEMATOLÓGICO


alterações sérias da consciência e convulsões. A ginecomastia pode ser causada
pela produção ectópica de gonadotrofina coriônica humana. Devemos reconhecer
a possibilidade de as alterações serem paraneoplásicas para depois tentar identificar
o tumor, caso ele ainda não seja conhecido.
Outro exemplo dessas manifestações a distância é a osteoartropatia hipertrófica
que, classicamente, está associada aos tumores de pulmão (embora não exclusiva-
mente a eles), onde achados clínicos de baqueteamento digital, dores articulares
simétricas nos membros e dores em extremidades (ossos longos) correspondem
ao achado de neoformação óssea (no subperiósteo) nessas regiões.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS


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Sites recomendados
American Society of Clinical Oncology (ASCO):
http://www.asco.org

American Cancer Society (ACS):


http://www.cancer.org

American Society of Hematology (ASH):


http://www.hematology.org

American Society of Pediatric Hematology/Oncology (ASPH/O):


EXAMES ONCOLÓGICO E HEMATOLÓGICO

http://www.aspho.org

American Society for Therapeutic Radiology and Oncology (ASTRO):


http://www.astro.org

Leukemia Society of America:


www.leukemia.org

The Cancer and Leukemia Group B (CALGB):


http://www.calgb.org

European Organisation for Research and Treatment of Cancer (EORTC):


http://www.eortc.be

The National Surgical Adjuvant Breast and Bowel Project (NSABP):


http://www.nsabp.pitt.edu

The Radiation Therapy Oncology Group (RTOG):


http://www.rtog.org

The Southwest Oncology Group (SWOG):


http://www.swog.org

European Association for Cancer Research:


http://www.eacr.org

National Cancer Institute (NCI):


http://www.nci.nih.gov

Instituto Nacional do Câncer (INCA):


http://www.inca.gov.br

436
Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC):
http://www.sboc.org.br/index.asp

Seminars in Hematology:
http://www2.us.elsevierhealth.com

Seminars in Oncology:
http://www2.us.elsevierhealth.com

The Oncologist:
http://theoncologist.alphamedpress.org

EXAMES ONCOLÓGICO E HEMATOLÓGICO

437
24
SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA
CLÁUDIO MARIA DA SILVA OSÓRIO

Na medicina, na maioria das vezes, chega-se ao diagnóstico psiquiátrico por


meio da anamnese. Devemos lembrar que, além da história clínica e pessoal, é
essencial a avaliação do estado mental.
Na entrevista, há quatro objetivos: 1) estabelecer uma relação médico-paciente
adequada; 2) obter informações precisas; 3) avaliar a psicopatologia e 4) propor-
cionar o feedback. O treinamento permite que o método de atingir um dos ob-
jetivos facilite chegar aos outros (Strauss) (Quadro 24.1).
Independentemente da existência de diferentes escolas, na psiquiatria existem
pelo menos três semiologias psiquiátricas importantes:
Q o exame do estado mental;
Q o exame da vida emocional ou psicanalítico;
Q o exame neuropsicológico.

Cada um deles com objetivos, alcances e limites muito diferentes.

EXAME DO ESTADO MENTAL


Para o diagnóstico da síndrome psiquiátrica, realiza-se o exame do estado mental.
Os distúrbios da consciência costumam ser primários em relação aos distúrbios
da senso-percepção, atenção, orientação e memória, daí a consciência estar em
primeiro lugar. Afetividade, pensamento e conduta costumam apresentar os princi-
pais sintomas das psicoses, embora essas incluam perturbações da senso-percep-
ção (alucinações), podendo, também, alterar outras funções, como a atenção e a
orientação. Para destacar a importância do exame da afetividade, capaz de dife-
rençar entre síndromes psicóticas por esquizofrenia (com afeto embotado/rígido
ou inadequado) e síndromes psicóticas por transtorno bipolar (afeto normal, mas
com humor alterado, com depressão e/ou euforia), convém colocá-la em primeiro
lugar no esquema do segundo grupo de funções psíquicas. Pela mesma e por
outras razões, convém separar afetividade de humor. Por fim, apesar de relações
entre pensamento e linguagem, algumas alterações dessa última função são bastante
independentes do pensamento, justificando sua separação, sua colocação em últi-
mo lugar no esquema, logo após a conduta. Vale também lembrar que a linguagem
poder ser vista como um subaspecto da conduta ou do comportamento.
Quadro 24.1 Etapas da semiologia psiquiátrica: níveis do diagnóstico

l. Percepção dos sintomas pelo paciente: dependente da própria capacidade


desse.
2. Descrição dos sintomas pelo paciente ao entrevistador: “Quando
perguntar?”; “Como?”; “O quê?”; “Por que perguntar?”. Depende da
experiência clínica, da formação e da informação do médico e do modelo
de entrevista, por coleta de dados ou por modelo de obtenção de narrativa
(esse parece melhor).
3. Percepção pelo entrevistador do que lhe é descrito com cuidadosa
caracterização e descrição dos fenômenos.
4. Interpretação pelo entrevistador das suas próprias percepções.
5. Designação e nomenclatura.
6. Registro em fichas ou prontuários.
7. Agrupamento em conjuntos sindrômicos ou quadros monossintomáticos.
8. Hipóteses diagnósticas: transtornos mentais (síndromes patológicas ou
quadros monossintomáticos).
9. Diagnóstico nos cinco eixos: I e II (critérios diagnósticos, DSMs ou diretrizes
diagnósticas, CID-10), Eixo III (condições médicas associadas), IV (estresses
agudos ou crônicos, tabela do DSM ) e Eixo V (níveis de desempenho,
tabela do GAF, DSM).
SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA

Uma nova seqüência para o roteiro do exame do estado mental, que acompa-
nha a hierarquia dos transtornos mentais da CID-10 e do DSM-IV, é a proposta
por Osório, 1991:
Consciência Afetividade
Atenção Humor*
Sensopercepção Pensamento
Orientação Juízo crítico
Memória Conduta
Inteligência Linguagem
No primeiro subgrupo, cujas iniciais formam CASOMI, estão as funções psí-
quicas geralmente comprometidas em síndromes cerebrais orgânicas, onde as
mais comuns e importantes, são delirium (síndrome de perturbação da consciência,
com alterações da atenção, senso-percepção e orientação complementares e
secundárias) e a demência (ou síndrome demencial, onde as alterações básicas
são as perdas ou déficits da memória e da inteligência). No segundo subgrupo
(AHPeJuCoL) avaliam-se as psicoses ou síndromes psicóticas (perturbações graves

*Neste capítulo adota-se nova mudança no EEM: a separação entre humor e afetividade
(Osório[1]).

440
da afetividade e do humor, pensamento e conduta, com perda do juízo crítico da
realidade) e as antigas “neuroses” ou “síndromes neuróticas” ou síndromes não-
psicóticas, onde também se alteram o pensamento (idéias obsessivas, fobias,
idéias hipocondríacas, etc.) e a afetividade (ansiedade), com juízo crítico da reali-
dade preservado e, em geral, alterações pouco significativas da conduta. As sín-
dromes de perturbação da conduta têm a ver com o modo de ser das pessoas,
são relacionadas aos transtornos de personalidade e comprometem, em primeiro
lugar, a conduta, seja por comportamento anti-social, seja por comportamento
compulsivo, evitativo/fóbico. A conduta se altera também em outras situações
clínicas.
As síndromes antigamente denominadas afetivas ou, contemporaneamente,
síndromes de perturbação do humor (síndromes depressivas e síndromes manía-
cas) apresentam os seus principais sintomas na tríade humor-pensamento-condu-
ta, geralmente, mas nem sempre, com uma coerência entre humor triste, idéias
depressivas, conduta diminuída ou euforia, idéias de grandeza e hiperatividade
(Quadro 24.2).
Há outras razões clínicas para colocar a afetividade em primeiro lugar, pois é
o exame dessa função, bem como o do humor, que poderá diferençar síndromes
clínicas com sintomas psicóticos graves na área do pensamento (idéias delirantes
de controle ou influência), que ocorrem tanto nos transtornos esquizofrênicos
quanto nos transtornos do humor com sintomas psicóticos (ver Spitzer[2] e Jami-
son[3]).
As psicoses também podem apresentar alterações na senso-percepção, mas

SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA
essas não ocorrem isoladamente. A presença dessas alterações ao lado de altera-

Quadro 24.2 Síndromes psiquiátricas e funções psíquicas associadas

Síndromes Funções psíquicas Transtornos


Síndromes Delirium Consciência Abstinência alcoólica
cerebrais Atenção Encefalopatia hepática
orgânicas Senso-percepção
Orientação

Demência Memória Doença de Alzheimer


Inteligência Arteriosclerose cerebral
Síndromes psicóticas Afetividade Transtornos esquizofrênicos
Síndromes alter. humor Humor Transtornos bipolares
Síndromes não-psicóticas Juízo crítico*
(“neuróticas”)
Síndromes de perturb. da Conduta Transtorno de personalidade
conduta histérica

*Juízo crítico comprometido nas síndromes psicóticas e maníacas.

441
ções da consciência deve sugerir ao clínico a possibilidade de síndrome cerebral
orgânica.
Existem síndromes cerebrais orgânicas em que as funções perturbadas são o
humor (síndrome orgânica de perturbação do humor), o pensamento (síndrome
delirante orgânica) e a conduta (síndrome orgânica de perturbação da personali-
dade), mas as síndromes que incluem perturbações da consciência – caso do
delirium – requerem decisões médicas mais urgentes, como internação para cui-
dados intensivos. Por outro lado, a identificação de síndrome demencial é crucial
para muitas decisões médicas e legais.
Lembre-se de que, ao examinar as funções mentais, é importante – para fins
diagnósticos – identificar também os aspectos saudáveis em cada uma delas,
analogamente ao que se faz em outras áreas da medicina (p. ex., identificar
funções cardiovasculares alteradas e respiratórias preservadas).

EXAME PSICANALÍTICO, DINÂMICO OU COMPREENSIVO


O exame da vida emocional (EVE)
Esse exame não resolve todas as insuficiências do exame descritivo, mas pode
reduzir os riscos de considerar normal ou sadia uma pessoa com estrutura psicótica,
que não apresente alterações das funções psíquicas, não tendo, portanto, uma
síndrome psiquiátrica manifesta – estrutura psicótica, mas sem delírios, alucinações,
etc.
Há pelo menos duas maneiras de fazer o exame dinâmico. Uma é seguir a
SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA

proposta de Mackinnon e Yudofsky(4). Em resumo:


Q a formação de defesas: defesas, resolução do conflito, equilíbrio das defesas;
Q regulação e controle de impulsos e afetos: controle, sublimação, adiamento
da gratificação, capacidade de tolerar tensão;
Q relações com os outros: profundidade (intimidade), empatia, estabilidade
e duração das relações, capacidade de lidar com perdas (e separações);
Q auto-representação (do self): competência no lidar com o ambiente, relação
da imagem de si mesmo com as expectativas idealizadas em relação a si
mesmo;
Q regulação dos estímulos: limiar (inclusive neurofisiológico) para lidar com
estímulos internos e externos; atenção seletiva; homeostase (psicológica);
Q relaxamento adaptativo a serviço da gratificação do ego: para desfrutar
sexo, arte, música, degustar comida, literatura, teatro, sono, imaginação
criativa, paixão; abertura para novas experiências nessas áreas;
Q teste da realidade e senso da realidade: percepção dos estímulos (vem de
dentro? vem de fora?) (desejo x realidade objetiva); consciência do self e
dos seus limites;
Q integração sintética: pensamento, memória, linguagem, funções motoras
e visuais, concentração, atenção; antecipação (planejamento, fantasia) e
aprendizagem; julgamento, com análise e síntese; integrando novas expe-
riências, reconciliando inconsistências; interação (produtiva, criativa, adapta-
da) com o ambiente.

442
Uma outra maneira de realizar a avaliação psicanalítica é por meio do Perfil
Psicodinâmico Karolinska. Muito diferente de um exame de estado mental – que
diz como a pessoa está – o que esses instrumentos permitem é a caracterização
de como a pessoa é do ponto de vista emocional. O valor desse diagnóstico para
a prática médica não-especializada está na avaliação da capacidade pessoal para
relações com intimidade e reciprocidade, para lidar com a dependência e com as
separações, bem como para avaliar a capacidade do paciente para lidar com
relações que envolvam controle ou dominação/submissão, questões que estarão
presentes em qualquer relação médico-paciente e em cada um de seus integrantes.

Perfil psicodinâmico Karolinska (KAPP): aspectos avaliados


Entre colchetes, “dicas” italizadas, para lembrar o que se avalia por esse instru-
mento.
Q Qualidade das relações interpessoais [envolvimento emocional]
– Intimidade e reciprocidade
– Dependência e separação
– Traços de controle na personalidade
Q Funcionamento de personalidade [equilíbrio emocional]
– Tolerância à frustração
– Controle dos impulsos
– Regressão (adaptativa) a serviço do ego
– Manejo dos afetos agressivos

SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA
Q Diferenciação afetiva – experiência e expressão [experiência e expressão
emocional]
– Traços alexítimicos (alexitimia)
– Traços normopáticos (normopatia)
Q Corpo como fator de auto-estima [estima e corpo]
– Auto-imagem corporal/auto-estima
– Auto-imagem das funções do corpo e sua importância para a auto-estima
– Auto-imagem corporal atual/presente
Q Relações interpessoais – sexual [eros e emoções]
– Funcionamento/desempenho sexual
– Satisfação sexual
Q Impressão de sua própria significância social [expectativas emocionais]
– Consciência de pertencer ou “pertenencia”*
– Sentimento de ser necessário
– Acessibilidade a conselhos e ajuda
Q Formas de funcionamento mental e traços de caráter [estrutura emocional]
– (Nível de) organização da personalidade

*É um espanholismo.

443
Diagnóstico estrutural de Kernberg: nível de organização da personalidade
Q Identidade – integração do conceito do self (si mesmo) e de outros significa-
tivos (objetos)
– Qual é a experiência subjetiva do paciente, de si mesmo: sente-se “vazio”
ou não?
– Quais as suas auto-percepções – muito contraditórias ou não?
– Como são os seus comportamentos – muito contraditórios ou não?
– Como são as percepções do paciente quanto aos outros – muito contradi-
tórias? Empobrecidas?
– Qual a capacidade do paciente mostrar-se para o entrevistador – presen-
te? Ausente?
– Capacidade de mostrar interações significativas (do examinado) com os
outros para o entrevistador: presente? ausente?
– Existe dificuldade do examinador para empatizar com o examinado ou
com os seus objetos significativos (representações internalizadas das pes-
soas importantes) determinada pelas incapacidades anteriores, quando
ocorrerem?
Q Nível das operações defensivas
– Existe repressão ou outros mecanismos de defesa maduros?
– Há defesas primitivas: clivagem (dissociação) ou outros mecanismos asso-
ciados (formas primitivas de projeção, identificação projetiva , denegação,
controle onipotente, desvalorização)?
– Obs.: As defesas manifestam-se na análise da personalidade do exami-
SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA

nado, nas suas interações com os outros e com o próprio examinador.


Q Capacidade de teste da realidade
– O paciente tem capacidade de diferenciar entre self e não-self? (ou entre
eu e não-eu?)
– Tem capacidade de diferenciar entre as origens intrapsíquica ou externa
das percepções e estímulos (entre realidade interna e externa)?
– Tem capacidade para avaliar afetos, comportamentos e pensamentos
(inclusive os do examinador) em termos das normas sociais comuns?

Características estruturais secundárias


Q força/fraqueza do ego (controle dos impulsos, tolerância à ansiedade, canais
desenvolvidos de sublimação [dos impulsos]);
Q saúde/patologia do supergo (sistema de valores maduro/imaturo; coerên-
cia/contradição das exigências morais internas, ausência/presença de carac-
terísticas anti-sociais;
Q relações de objeto (integradas/caóticas, flexíveis/não-flexíveis, crônicas,
estereotipadas, repetitivas).
Esses dois instrumentos semiológicos, psicanalíticos, têm algumas característi-
cas em comum, ambos, como já se escreveu, diferentes de exames descritivos da
mente.

444
Quadro 24.3 Uma comparação entre duas abordagens semiológicas

EXAME DA VIDA EMOCIONAL [EVE]


EXAME DO ESTADO MENTAL [EEM] PERFIL PSICODINÂMICO KAROLINSKA
Exame descritivo-fenomenológico Exame dinâmico do ego ou abordagem
do ego (CASOMI AHPeJuCoL). psicanalítica.
Abordagem descritivo-fenomenológica.

C.Osório(5), modificado Weinryb & Rössel(6), modificado


Consciência Envolvimento emocional
Atenção Intimidade, reciprocidade, dependência
e separação
Traços de controle na personalidade

Senso-percepção Equilíbrio emocional


Orientação Tolerância à frustração, controle dos
impulsos, regressão adaptativa, lidar
com os afetos agressivos

Memória Experiência e expressão das emoções


Inteligência Alextimia
Normopatia

Afetividade Auto-estima, auto-imagem, corpo

SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA
Humor Aparência do corpo
Pensamento Funções corporais e auto-imagem corporal

Juízo crítico Eros e emoções


Funcionamento e atividade sexual
satisfação sexual

Conduta Expectativas sociais


Consciência de pertencer, sentimento de ser
necessário, capacidade (interna) de
acesso a conselhos e ajuda

Linguagem Estrutura emocional


Diagnóstico estrutural de Kernberg:
identidade, defesas, teste da realidade
(juízo crítico)

EXAME NEUROPSICOLÓGICO DO ESTADO MENTAL (ENEM)


(STRUB & BLACK[7])
Q Comportamento. Mudanças, aparência física, estado emocional, impulsi-
vidade, negligência (neglect).
Q Consciência. Podem ser usadas escalas, como a de Glasgow (ver Capítulo
19).

445
Q Atenção. Repetição de dígitos, vigilância, desatenção unilateral.
Q Linguagem:
– espontânea (sintaxe, vocabulário, capacidade de se expressar, parafasias);
– fluência verbal, compreensão de comandos, de perguntas. Solicitar repe-
tições de palavras e frases; avaliar capacidade de identificar e nomear;
leitura; escrita; soletrar.
Q Memória e orientação:
– Considerar memória verbal e visual. Memória imediata, recente e remota.
– Orientação pessoal, temporal e espacial. Capacidade para novas aprendi-
zagens.
– Memória visual. Aprendizagem por associação pareada.
Q Capacidade construcional. Reprodução de desenhos (estruturas geométricas,
espaciais).
Q Funções cognitivas mais altas. Fundo de informações, cálculo, interpreta-
ção de provérbios, semelhanças, completar séries conceptuais.
Q Funções corticais relacionadas
– Funções motoras integrativas complexas (praxias/apraxias, orientação/
desorientação direita/esquerda, esquema corporal, gnosias/agnosias,
orientação geográfica [mapas]).
– Avaliar negação e omissão (neglect). Testes do lobo frontal (desenhos
de linhas “gregas”); alternar mãos em seqüência. Considerar a competên-
cia lingüística do paciente.
SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA

ORIENTAÇÕES/DICAS PARA MELHORAR O DESEMPENHO NA


SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA
Q Estar atento para não exagerar ou não minimizar a importância dos achados
clínicos reais ou supostamente psicopatológicos. Não há sintomas patog-
nomônicos na psiquiatria: é impossível ir do sintoma para o diagnóstico.
Q Buscar os motivos e as motivações para a consulta médica/psiquiátrica.
Não se contente com as aparências. Localizar no tempo e nos contextos
clínico, individual (biografia) e social (família). Perguntar como o examinado
vê o seu próprio problema e como ele se vê como pessoa.
Q Lembrar-se das duas abordagens dos sintomas na psiquiatria: exame da
forma ou descritivo (o que, quanto, como?) e da função/conteúdo ou com-
preensivo (quem? por quê? para quê?). Uma não dispensa a outra. A primei-
ra é necessária para caracterizar a patologia, a segunda, para caracterizar a
pessoa que está doente.
Q Na medicina e psiquiatria trabalha-se com dois métodos de raciocínio clínico:
– avaliação, análise, ajuizamento, raciocínio e decisão (clinical judgment);
– percepção, síntese e sensibilidade (clinical perception). Os dois são válidos.
Existem também dois modelos básicos de obter história clínica: um en-
fatiza a coleta de dados (médico ativo, paciente passivo); o outro en-
fatiza a produção de uma narrativa (ambos ativos).
Q Tentar não dissociar a arte (anamnese, história clínica, exame descritivo do
estado mental) da ciência (escalas, exames complementares, testes psicoló-

446
gicos e avaliações psicanalíticas mais sofisticadas). Ambas são científicas
(Feinstein[8]).
Q Aceitar a heterogeneidade ou multiplicidade das abordagens teóricas na
psiquiatria e na psicanálise (“escolas”), reconhecendo semelhanças e dife-
renças e aproveitando suas forças. A pobreza está no reducionismo e na
uniformidade de pontos de vista, onde o poder crítico se debilita. É indis-
pensável não perder a capacidade de distinguir entre a realidade objetiva e
as descrições e representações da mesma. Assim se pode compreender,
criticamente, o “fogo cruzado” entre os fundamentalistas, religiosos ou
não, que pensam conhecer a verdade última, e os niilistas ou relativistas
descomprometidos, que pensam que ela nunca pode ser conhecida
(Nanda[9]; Fernández-Armesto[10]). As descrições ou representações da reali-
dade objetiva vão desde uma simples nota de internação hospitalar até as
explicações da genética molecular, passando, por exemplo, por uma resso-
nância magnética.
Q Reconhecer que os recursos terapêuticos do próprio terapeuta e os da me-
dicina ou psiquiatria influenciam no diagnóstico: a disponibilidade dos an-
tidepressivos não justifica receitá-los para todas as pessoas tristes. Diagnos-
ticar doenças complexas a partir de tabelinhas e listas de sintomas é inaceitá-
vel.
Q Admitir – intelectual e emocionalmente – a necessidade de reconsiderar ou
revisar os seus achados diagnósticos: você é uma pessoa trabalhando com
pessoas e usando instrumentos (técnicas, escalas, manuais, etc.) criados

SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA
por pessoas.
Q Usar questões abertas tanto no inicio na entrevista quanto no final. Não
siga o esquema rígido: abertas no início, fechadas no final (Strauss[11]).
Q Não deixar de dar um feedback para o paciente, sendo “misterioso”. Isso
irá assustá-lo ainda mais do que ele já está por estar sendo examinado do
ponto de vista psiquiátrico (Strauss[11]).

SÍNDROMES PSIQUIÁTRICAS
Em psiquiatria, falamos de sintomas, fenômenos, síndromes, transtornos e doen-
ças. Sintomas psiquiátricos são alterações, perturbações ou distúrbios das funções
psíquicas. Para que sejam considerados sintomas, são necessárias persistência,
intensidade, concomitância de outras alterações e determinadas circunstâncias
para a sua manifestação. Exemplos: humor triste (alteração do humor), delírio
(distúrbio do conteúdo do pensamento). Por sua vez, fenômeno refere-se à expe-
riência subjetiva de estar com o sintoma humor triste ou com o sintoma delírio.
Dois pacientes podem ter o mesmo sintoma: nunca o mesmo fenômeno – esse é
sempre singular, próprio de cada um.
Síndromes são conjuntos de sinais e sintomas de diferentes causas. A palavra
vem de raiz grega, correr juntos. Existem síndromes normais, como o luto normal,
com um conjunto de sintomas depressivos, ou a síndrome ansiosa normal. Quando
as síndromes são patológicas falamos de transtornos, com sofrimento maior, mais
duradouro e incapacidade significativa. Um transtorno é uma patologia psiquiátrica

447
Quadro 24.4 Síndromes psiquiátricas

Síndromes cerebrais orgânicas


Delirium e demência, alucinose, amnéstica, amnéstico-confabulatória,
delirante, “afetiva” (agora: do humor), maníaca, depressiva de alteração da
personalidade, de ansiedade, intoxicação e abstinência.

Síndromes psicóticas
Delirante, paranóide, alucinatória, esquizofrenóide, de perturbação do humor,
maníaca, depressiva, depressivo-paranóide de personalização (às vezes não-
psicótica), hipocondríaca.

Síndromes não-psicóticas (“neuróticas”)


Perturbação do humor: depressiva, depressivo-ansiosa, hipomaníaca.
Ansiosa: fóbica, obsessiva, conversiva, de perturbação da consciência
(dissociativa), hipocondríaca (às vezes psicótica), de despersonalização (às
vezes psicótica).

Síndromes de perturbação da conduta


Anti-social ou sociopática.
Outras perturbações da conduta: agitação psicomotora, abuso e/ou
dependência de álcool ou outras drogas, conduta alimentar (anorexia,
bulimia), conduta sexual (perversões ou parafilias).
SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA

com manifestações psicológicas ou comportamentais e com comprometimento


ou incapacitação social. Podem ser psicóticos ou não-psicóticos, orgânicos ou
não. Nos transtornos psicóticos há perda do juízo crítico, do contato com a reali-
dade, delírios, alucinações ou outros sintomas. Nos transtornos neuróticos ou
não-psicóticos não há perda do juízo crítico. São denominados de transtornos, e
não doenças, porque o conceito de doença pressupõe etiologia, fisiopatologia,
curso ou história natural e tratamento razoavelmente definidos, o que é o caso
de poucas situações clínicas na psiquiatria.
Vários pacientes podem ter a mesma síndrome, apesar de terem transtornos
mentais diferentes. Isto é, diferentes transtornos mentais (p. ex., esquizofrenias,
transtorno bipolar, transtornos mentais orgânicos, transtornos de ansiedade) po-
dem se expressar clinicamente por uma síndrome depressiva, por exemplo. Da
mesma forma, um mesmo transtorno mental (p. ex., transtorno de humor bipolar)
pode se expressar por diferentes síndromes (depressiva, maníaca, psicótica, inclu-
sive do tipo esquizofreniforme).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CITADAS


1. Osorio CMS. Diferenciando afetividade e humor. Manuscrito em preparo para publicação
2003. [Dissertação de Mestrado, UFRGS.]

2. Spitzer RL et al. DSM-IV: casos clínicos. Porto Alegre: Artmed; 1996 [Caso “Alice Davis”,
Mensagens de Radar].

448
3. Jamison KR. Uma mente inquieta. São Paulo: Martins Fontes; 1996.

4. Mackinnon R, Yudofsky SC. Avaliação psiquiátrica na prática clínica. Porto Alegre: Artmed;
1988.

5. Osorio CMS. A consciência e a afetividade em primeiro lugar: vamos deixar de ser “locs”?
Trabalho para a disciplina de Semiologia Psiquiátrica do Curso de Medicina da UFRGS. Porto
Alegre, 1991/II [manuscrito não-publicado].

6. Weinryb RM, Rössel RJ. Karolinska psychodynamic profile. KAPP. Acta Psychiatrica
Scandinavica Suppl 1991; 363: 1-23.

7. Strub RL, Black FW. The mental status exam. In: Feinberg TE, Farah MJ, editors. Behavioral
neurology and neuropsychology. New York: McGraw-Hill, 1997. p.25-42.

8. Feinstein A. Clinical Judgment. Baltimore: Wilkins; 1967.

9. Nanda M. Contra a destruição/desconstrução da ciência: histórias cautelares do terceiro


mundo. In: Wood EM, Foster JB, orgs. Em defesa da história: marxismo e pós-modernismo.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 1999.

10. Fernández-Armesto F. Verdade: uma história. Rio de Janeiro: Record, 2000.

11. Strauss G. The psychiatric interview, history, and mental status examination. In: Kaplan
HI, Sadock BJ, editors. Comprehensive textbook of psychiatry. 6th ed. Baltimore: Williams &
Wilkins; 1995. p.521-31.

SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS
APA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-IV-TR. Porto Alegre:
Artmed; 2002.

APA. The american’s psychiatric glossary. Washington; 1984.

Bastos CL. Manual do exame psíquico; uma introdução prática à psicopatologia. 2.ed. Rio
de Janeiro: Revinter; 2000.

Dalgarrondo P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed;


2000.

Kaplan HI, Sadock BJ. Typical signs and symptoms of psychiatric illness. In: Kaplan HI, Sadock
BJ. Comprehensive textbook of psychiatry. 6th ed. Baltimore: Williams & Wilkins; 1995.
p.535-43.

Manley MRS. Psychiatric interview, history, and mental status examination. In: Sadock BJ,
Sadock VA, editors. Kaplan & Sadock’s comprehensive textbook of psychiatry. 7th ed.
Philadelphia: Lippincott; 2000. p. 652-65.

OMS. Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10: descrições


clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artmed; 1993.

Yager J, Gitlin M.J. Clinical manifestations of psychiatric disorders. In: Kaplan HI, Sadock BJ.
Comprehensive textbook of psychiatry/VI. 6th ed. Baltimore: Williams & Wilkins; 1995.
p.637-69.

449
25
DESCREVENDO
A ENTREVISTA MÉDICA,
O EXAME FÍSICO E A
LISTA DE PROBLEMAS
CLEOVALDO T.S. PINHEIRO
LUCIANO DE BRITO

ENTREVISTA MÉDICA
A anamnese
Médico: Bom dia! Meu nome é Dr. Luciano. Estou aqui para fazer seu atendi-
mento. O senhor, como se chama?
Paciente: Pedro.
Médico: Muito bem, Sr.Pedro.1 Em que posso ajudá-lo?2
Paciente: Vim consultar por causa de uma falta de ar e muito cansaço.
Médico: Entendo.1 Falta de ar e muito cansaço...?3
Paciente: É. O que incomodava mesmo era a falta de ar. Já não conseguia
dormir à noite.
Médico: Então me fale mais sobre essa falta de ar.4
Paciente: Ela no início começou fraca. Depois foi ficando mais forte e agora já
não me deixa dormir.
Médico: Quando ela começou?5
Paciente: Faz tempo...
Médico: Quanto tempo?5
Paciente: Muito tempo.

1
Facilitador verbal.
2
Pergunta aberta.
3
Espelho ou reflexão.
4
Pergunta aberta focada.
5
Pergunta de esclarecimento (fechada).
Médico: Semanas, meses, anos?1
Paciente: Ah. Faz uns cinco anos.
Médico: Como era no início?2
Paciente: Bem. No início, só dava quando eu fazia força ou caminhava rápido.
Notei que já não era mais o mesmo...
Médico: Entendo. Continue...3
Paciente: Coisa assim de caminhar uma quadra em passo rápido, depois passei
a ter falta de ar quando fazia coisas menores: varrer o pátio. Há cerca de
seis meses, comecei a ter umas crises à noite. Às vezes, tinha falta de ar,
mas levantava, ficava um pouco sentado e as coisas melhoravam. De três
meses para cá, tenho falta de ar para fazer quase tudo, até para escovar os
dentes, e já não consigo mais dormir se não for sentado.
Médico: Notou o aparecimento de mais alguma coisa junto com essa falta de
ar?2
Paciente: Cansaço. Estou sempre cansado. Já não tenho mais ânimo para nada.
Médico: Compreendo que o senhor deve estar passando por um momento
difícil, mas preciso algumas informações a mais.3 Algo mais o está incomo-
dando?2
Paciente: Inchume.
Médico: Inchume...?5
Paciente: É. Os meus tornozelos começaram a inchar nos últimos seis meses.
Agora fico inchado até os joelhos às vezes. Pela manhã, estou quase sem
inchaço, mas no fim do dia está tudo de novo. Ah! Quando tenho muita
falta de ar, noto que o meu peito ronca... ronca como se fosse o peito de
DESCREVENDO: ....

um gato.
Médico: Se entendi bem, o senhor começou com a falta de ar há cerca de cinco
anos; ainda pelo que entendi, ela é o que o senhor sente de mais importan-
te. No início, só a tinha aos grandes esforços. Após, ela se tornou mais intensa,
chegando a incomodá-lo quando está em repouso. Nesse período, o senhor
tem se sentido muito cansado e vem apresentando um inchaço progressivo
nos tornozelos e nas pernas. Nas crises mais fortes, tem um ronco no peito.6
É isso? Corrija-me se estiver errado ou acrescente se estiver faltando algo.
Paciente: Perfeito. É isso mesmo.
Médico: Quero lhe fazer algumas perguntas sobre sua saúde passada. Já teve
alguma doença ou fez algum tratamento no passado.7
Paciente: Sempre fui um homem de muita saúde. Nunca sentia nada. Era uma
mula para o trabalho. Só tinha um pouco de pressão.

1
Pergunta em menu.
2
Pergunta aberta.
3
Facilitador verbal.
4
Pergunta aberta.
5
Espelho ou reflexão.
6
Resumo.
7
Transição para a história mórbida pregressa.

452
Médico: Pressão...?1
Paciente: É. Pressão alta.
Médico: Fale-me sobre ela.2
Paciente: Há uns 15 anos, descobri que tinha pressão, mas não sentia nada.
Cheguei a fazer tratamento por um período com uns comprimidos que
não lembro o nome, mas ficava pior com a medicação e resolvi parar. Che-
guei a ter 23 por 14 de pressão. Estava na rua e vi um pessoal vendo
pressão. Tirei e eles ficaram apavorados. Mas eu sempre estava bem. Nunca
tive mais nada. Veja meu corpo, não tem uma cicatriz de bisturi.
Médico: Apresenta alguma intolerância ou alergia a medicamentos?3
Paciente: Não que eu saiba.
Médico: E na família?4
Paciente: Todo mundo tinha pressão alta. Meu pai, minha mãe. A mãe morreu
com 62 anos com derrame, e o pai teve infarto aos 47 e não resistiu. Sou o
mais velho de quatro irmãos. Todos têm pressão.
Médico: Mais alguma doença?
Paciente: Diabete... Minha mãe dizia ser diabética, mas nunca se tratou. Co-
mia muito.
Médico: E o senhor já fez algum exame de sangue?5
Paciente: Fiz. A glicose deu uns 130, mas já faz mais de um ano. O colesterol
é que era um pouco alto. Passava de 300.
Médico: Mais alguma coisa?
Paciente: Não, acho que é tudo.
Médico: Bem se lembrar de mais alguma coisa, voltamos a conversar sobre o

DESCREVENDO: ....
assunto. Agora quero saber algumas coisas sobre seus hábitos e sua vida.6
O senhor tem vícios?
Paciente: Fumo desde os 19 anos, mas não é muito: uma carteira por dia.
Bebo cerveja só nas festas e alguma coisa em fins de semana. Nunca fico
embriagado. E não tomo coisas mais fortes.
Médico: Quem mora com o senhor?7

1
Espelho ou reflexão.
2
Pergunta aberta focada.
3
Devem ser evitadas perguntas irrelevantes como doenças da infância ou vacinações em
pacientes idosos.
4
Transição para história familiar. Entende-se por família, familiares em primeiro grau de
consangüinidade; para doenças infectocontagiosas, os contatos familiares próximos.
5
Com a nova informação, o médico retorna da história familiar para a história mórbida
pregressa, pois apareceram dados novos.
6
O médico introduz a avaliação do perfil mesológico.
7
Nesta altura o médico já tem conhecimento do local onde mora o paciente por meio do
endereço, caso não tenha notícias do local, deve perguntar sobre condições gerais da habi-
tação se isso for relevante.

453
Paciente: Minha mulher e um filho solteiro. A filha já casou1.
Médico: Muito bem! Vou agora revisar algumas coisas para vermos se não
esquecemos de nada.2,3
Médico: Tem notado alguma alteração no peso?4
Paciente: Não. Tenho esse peso há muito tempo.
Médico: Notou aparecimento de febre?5
Paciente: Não.
Médico: Calafrios?
Paciente: Não.
Médico: Notou alteração do apetite, náuseas ou vômitos?6
Paciente: Não. (!?).
Médico: Alguma alteração do sono?
Paciente: Como já lhe disse: quando tenho falta de ar, não durmo direito.
Médico: Compreendo.7 Alguma alteração na pele?
Paciente: Não.
Médico: Algum nódulo ou caroço no corpo?
Paciente: Não.
Médico: Tem tido alguma alteração na cabeça?
Paciente: Não que me lembre.
Médico: Dor de cabeça?
Paciente: Muito raramente.8
DESCREVENDO: ....

1
Havendo relevância, deve ser perguntado pelas condições socioeconômicas da família, até
para estabelecer as possibilidades de aquisição de medicamentos. Convênios, etc., devem
ser avaliados. Perguntas de praxe, como se a casa é de alvenaria, se tem água e esgoto, só
devem ser realizadas em situações específicas e relevantes.
2
O médico introduz a revisão de sistemas.
3
As perguntas na revisão de sistemas devem versar sobre os principais sintomas/sinais dos
sistemas/aparelhos orgânicos. Devem ser realizadas como perguntas fechadas, tipo sim/
não. Em caso de uma resposta positiva, o entrevistador deve realizar uma mini-história no
modelo da história da doença atual, acima descrita, e só deve valorizar os dados que
mostrarem consistência e forem relevantes. Sugerimos que se faça uma sistematização topo-
gráfica das perguntas. Exemplo: o paciente revelou ser “tossidor crônico” com expectoração
mucóide na maioria dos dias de inverno há vários anos. A semiologica da tosse e do escarro
deve ser esmiuçada nesse ponto.
4
O entrevistador começa por aspectos mais gerais.
5
Observe que, nessa fase da entrevista, as perguntas devem ser fechadas, de preferência do
tipo sim/não.
6
Esse é um exemplo de pergunta complexa. Difere da pergunta em menu por tratar de
assuntos diferentes. O que o entrevistador quer saber primeiro? Se o paciente responder
sim, estará se referindo a quais sintomas perguntados? As perguntas complexas não devem
ser formuladas.
7
O entrevistador se repetiu numa pergunta que já havia explicitado anteriormente de forma
indireta, mas aproveitou o momento para ser empático usando um facilitador verbal.
8
Quando aparecerem sintomas ou queixas novas, o entrevistador deve testar sua relevância.
Se se mostrarem pouco importantes, esse dado não passará para o relatório.

454
Médico: Como assim?
Paciente: Às vezes, quando me incomodo, tenho um pouco de dor, mas é
como as outras pessoas. Nada importante.
Médico: Nos ouvidos? Alguma coisa?
Paciente: Não.
Médico: Tonturas?
Paciente: Não.
Médico: Perda da audição?
Paciente: Não.
Médico: Zumbidos?
Paciente: Não.
Médico: Nos olhos?
Paciente: Uso óculos para ler apenas.
Médico: Boca e garganta? Alguma coisa?
Paciente: Não.
Médico: Rouquidão?1
Paciente: Não.
Médico: Alguma lesão, como feridinhas, aftas, na boca ou na língua?2
Paciente: Não.
Médico: Alguma coisa no nariz?
Paciente: Nada.
Médico: Sangramentos?
Paciente: Não.
Médico: Coriza? Quero dizer, secreção?3

DESCREVENDO: ....
Paciente: Só quando fico resfriado.
Médico: Hum hum.4 E além das coisas que já me contou, sobre a respiração,
alguma coisa a mais?5
Paciente: Não lembro.

1
Apesar da primeira negativa, o médico insiste numa manifestação importante, uma vez
que câncer de laringe é uma ocorrência relativamente importante em homens maduros
fumantes.
2
Da mesma forma que na nota anterior, tumores de boca são ocorrências importantes em
fumantes, principalmente se alcoolistas.
3
O médico inicialmente usa uma palavra técnica, que o paciente não tem obrigação de
entender. Dando-se conta disso ele corrige, fazendo uma tradução do termo. Às vezes
torna-se necessário usar palavras mais simples para que o paciente entenda.
4
Facilitador mínimo.
5
Aqui o entrevistador troca o segmento a ser investigado. Como houve uma queixa, cuja
relevância não pareceu importante, ele utilizou um facilitador mínimo para mostrar que
ouviu e continuou. Ele poderia ter feito alguma observação tranqüilizadora, mas não a
julgou necessária.

455
Médico: Dor no peito ou no tórax?1
Paciente: Não. Mas tenho muita tosse ultimamente.
Médico: Explique melhor.
Paciente: Tenho tosse sempre. Mais no inverno. Antes era seca, mas agora
tem tido catarro, às vezes amarelado. Acho que é do cigarro.
Médico: Quando começou a tosse?
Paciente: Há muitos anos. Era seca no início, mas eu sempre a tinha. Depois
comecei com o catarro.
Médico: Essa tosse com escarro, o senhor a tem há muito tempo?
Paciente: Sim. Muito tempo. Há anos, mas mais no inverno.
Médico: E quando o senhor a tem no inverno ela ocorre na maioria dos dias?
Paciente: Sim. Ela vem sempre, todos os dias.2
Médico: Na digestão, algo a relatar?
Paciente: Não. Como bem. Tenho digestão normal.
Médico: Nunca teve dificuldade para engolir?
Paciente: Não.
Médico: Azia?
Paciente: Não.
Médico: E as evacuações?3
Paciente: São normais.
Médico: Nunca notou alterações nas fezes?
Paciente: Não.
Médico: E na urina?
Paciente: Nada, apenas tenho urinado menos. Urino mais à noite do que de
DESCREVENDO: ....

dia.
Médico: Como assim?
Paciente: Às vezes, passo quase todo o dia sem urinar, mas quando a noite
chega tenho que levantar e é uma cascata. Pela manhã estou desinchado.
Acho que urino todo e inchume durante a noite.4

1
As queixas do tórax respiratório e circulatório deveriam ser esmiuçadas na história da
doença atual (HDA), pois estão ou poderiam estar relacionadas com a doença atual, mas
nada impede de o entrevistador voltar, se tiver esquecido algo. No relatório, essas manifesta-
ções, quando relevantes, devem ser transcritas junto com a HDA.
2
O médico insiste na caracterização do sintoma para fechar um diagnóstico sindrômico, o
da bronquite crônica: “tosse produtiva na maioria dos dias, por pelo menos três meses
consecutivos, em dois ou mais anos seguidos”.
3
No Rio Grande do Sul, costuma-se usar a expressão “ir aos pés” ao se referir a evacuações.
No resto do país essa expressão é desconhecida. Portanto, o entrevistador deve saber se o
que ele pergunta é do linguajar do paciente.
4
O Paciente acaba de caracterizar nictúria, que é a inversão do padrão miccional. Urina-se
mais à noite, em termos volumétricos, do que de dia. A noctúria é o simples fato de urinar à
noite.

456
Médico: O senhor tem razão. É durante a noite que os inchumes são reabsor-
vidos e eliminados pelos rins.1
Médico: Não notou nenhuma dificuldade para urinar?
Paciente: Não.
Médico: E alguma coisa a respeito do sexo?
Paciente: Ih, doutor! Nisso ando muito mal. Já não sou mais homem. Depois
que as coisas pioraram não sinto vontade. Quando sinto, não consigo execu-
tar. Quase morro de falta de ar.
Médico: Mas quando sente, tem ereção?
Paciente: Tenho, mas não consigo “bombear”... A falta de ar é muita.
Médico: Entendo. Espero que as coisas melhorem quando arrumarmos a situ-
ação atual. Não me parece então que o senhor esteja impotente. Estou
certo?2
Paciente: Isso não. Mas tenho até medo de tentar.
Médico: E ao que parece isso o está incomodando muito. Vamos ter que dar
um jeito logo.2 Em algum momento nesse período conseguiu ejacular?
Paciente: Sim.
Médico: E foi tudo bem?3
Paciente: Acho que sim, não notei nada de especial.
Médico: Perda de consciência? Já teve?
Paciente: Não.
Médico: Convulsões, ataques?
Paciente: Não.
Médico: Notou alguma alteração na sua capacidade de concentração?

DESCREVENDO: ....
Paciente: Como assim?
Médico: Na capacidade de ficar atento a alguma coisa, em poder entender as
outras pessoas?
Paciente: Não.
Médico: Alguma alteração na sensibilidade?
Paciente: Não.
Médico: Nem nos pés?4

1
O médico mostra que prestou atenção na interpretação do paciente. Está atento. Corrigiria
uma interpretação errônea. Esse processo caracteriza os sentimentos de empatia. “Sei o que
o senhor está passando. Compreendo e vou ajudá-lo de alguma forma”.
2
Nessa etapa o entrevistador assume a posição do terapeuta empático. Participa do sofri-
mento do paciente entendendo suas preocupações e lhe dando apoio. O processo de tera-
pêutica começa com a compreensão dos sofrimentos do paciente.
3
Por se tratar de um paciente com uma possibilidade de ter diabete, o entrevistador se
permite a uma pergunta aberta focada nessa fase da entrevista. Justifica-se para excluir a
ejaculação retrógrada, que seria uma manifestação de neuropatia visceral da diabete ou
outras alterações eventuais.
4
O médico se torna mais específico, tentando excluir alteração da sensibilidade secundária
à neuropatia do diabético. Sua manifestação mais precoce é a perda da sensibilidade vibratória
nas extremidades inferiores, que será pesquisada no exame físico, mas que justifica essa
abordagem na revisão de sistemas.

457
Paciente: Não.
Médico: Alguma outra coisa que eu tenha esquecido ou que o senhor gostaria
de completar ou perguntar?
Paciente: Acho que não.
A entrevista termina com o médico permitindo ao paciente fazer as observações
adicionais que julgar pertinente. A seguir o médico anuncia o início dos proce-
dimentos de exame físico.
Médico: Muito bem. Podemos passar para o exame físico então. Caso o senhor
lembre de algo, podemos voltar ao assunto a qualquer momento.

O EXAME FÍSICO
A ectoscopia começa no momento da entrada do paciente na sala ou do médico
na enfermaria ou quarto. O paciente encontra-se sentado, em posição ortopnéica,
mostrando sinais claros e dificuldade respiratória. Sua expressão facial demonstra
sofrimento crônico, e o paciente está claramente emagrecido. Durante a
anamnese, o entrevistador nota que o paciente tem dificuldade para falar frases
demasiadamente longas sem se tornar ofegante.
O paciente é medido e pesado.

Paciente sentado
Com o paciente sentado, são verificados os sinais vitais.
É realizado o exame da cabeça, dos olhos, dos ouvidos, da boca e da garganta.
DESCREVENDO: ....

O passo seguinte é o exame das cadeias ganglionares da cabeça e do pescoço,


e o exame do pescoço, com especial atenção à traquéia e tiróide.
Segue-se o exame do tórax respiratório, com o paciente ainda sentado, obser-
vando-se a seqüência: inspeção estática, inspeção dinâmica, palpação, percussão
e ausculta.
Após esse procedimento, o médico aproveita para examinar as mamas (nas
mulheres), o dorso: coluna, punho-percussão... poupando as trocas sucessivas
de posição durante o exame.

Paciente em posição supina


(Observe se o paciente tolera bem a posição e o posicione da forma mais
confortável. No caso mostrado, o paciente necessitou ficar em decúbito elevado).
Complete o exame das mamas (nas mulheres).
O exame do tórax circulatório. Com o paciente a 45o, inspecione e palpe os
vasos do pescoço (essa parte do exame do pescoço fica para ser examinada
junto ao tórax circulatório).
O exame do precórdio é realizado agrupando inspeção-palpação. Pode-se
utilizar o decúbito lateral esquerdo para melhor caracterizar a palpação do cho-
que da ponta e eventuais bulhas e sopros. A percussão precordial tem perdido
importância para clínicos modernos. A ausculta deve ser realizada a seguir. O
ambiente silencioso e tranqüilo é fundamental para esse procedimento.

458
Segue-se o exame do abdome, cuja seqüência deve ser alterada: inspeção,
ausculta, percussão e palpação superficial e profunda.
Posterior ao exame do abdome, faz-se o exame da genitália externa, membros,
cadeias ganglionares dos membros e artérias/veias.
Nesse momento estaria justificado, quando indicado, o exame do ânus, prósta-
ta e reto. Nas mulheres o exame ginecológico é sempre referenciado a um especia-
lista.

Observação
Alguns exames, embora importantes para o diagnóstico de várias situações
clínicas, não são realizados de rotina. Entre eles incluem-se o exame neurológico,
fundoscopia etc. Esses exames devem ficar restritos para quando houver suspeita
de alguma doença específica. No caso específico deste paciente, seria justificável
a avaliação de um fundo de olho (fundoscopia), porque se trata de hipertenso e
porque apresenta suspeita de diabete, e porque o exame de sensibilidade (princi-
palmente a sensibilidade vibratória nas extremidades) e de reflexos.

Os complementos
Médico: Muito bem, Seu Pedro,1 já temos alguma explicação para seus ma-
les. Seu problema consiste em insuficiência cardíaca e é muito provável
que a pressão alta, o tabagismo, quem sabe, tenham alguma participação.
Claro que tudo isso iremos avaliar mais adequadamente com alguns exames
que iremos realizar.2 Posso responder a alguma dúvida?3
Paciente: Isso tem cura?

DESCREVENDO: ....
Médico: Tem tratamento. Trata-se de uma doença para qual o senhor deverá
fazer controle periódico e constante daqui para frente.
Paciente: Então não tem cura...
Médico: Mas tem tratamento e controle.4 Vou indicar-lhe uma internação hos-
pitalar. Então faremos a investigação completa que se faz necessária e ini-
ciaremos de pronto o seu tratamento. O senhor sentir-se-á melhor logo
em seguida. Nossa conversa não terminou. Vamos ter muito que conversar
nos próximos dias.5

1
É conveniente que durante toda a entrevista o médico chame o paciente pelo seu nome:
aproxima a relação.
2
É importante que o médico esclareça com a verdade. O paciente o procurou para isso.
Entretanto, no caso de acadêmicos em treinamento, esses detalhes devem ficar sob a res-
ponsabilidade do médico assistente e de sua equipe, embora o aluno seja questionado sobre
diagnóstico, tratamento e prognóstico, com freqüência.
3
O médico deve abrir a possibilidade de perguntas ao paciente.
4
O processo empático deve incluir sempre palavras de conforto e uma posição positiva,
embora sempre realística e verdadeira.
5
O encerramento sempre é feito com uma explicação do plano a ser seguido.

459
O documento (relatório)
Identificação: Pedro Silva, masculino, 52 anos, casado, aposentado do comércio
(caixa), católico (não-praticante), residente em Canoas (Rua Alfa, 234), nascido
e residente em Cambará do Sul até a idade de 14 anos. Responsável Sra. Maia
Silva (esposa). Telefone de contato: 32xxy345.
Queixa principal (QP): “Falta de ar”.1
História da Doença Atual (HDA): Há cinco anos apresenta dispnéia2 aos esforços
(grandes no início, como caminhada rapidamente na distância de um quarteirão).
O sintoma progrediu, apresentando-se cada vez mais a esforços menores até há
seis meses, quando passou a ter dispnéia paroxística noturna e ortopnéia. Há
três meses tem dispnéia aos mínimos esforços. Simultaneamente com o sintoma
da QP, tem apresentado cansaço constante e intenso. Relata o aparecimento de
edema de tornozelos há seis meses, que evoluiu a edema de pernas até os joelhos
nos últimos tempos. Durante as crises intensas de dispnéia, nota o aparecimento
de respiração estertorosa(“ronco no peito”)3 . Trata-se de paciente com história
de hipertensão arterial sistêmica, conhecida há 15 anos, já tendo apresentado
níveis pressóricos de 23/14 (sic). Nunca fez tratamento regular, nem relata sin-
tomas até os acontecimentos relatados na HDA. Pertence a uma família de hi-
pertensos. Já apresentou taxa de colesterol superior a 300 e de glicose maior que
130 (sic).4
História mórbida pregressa: Considerava-se pessoa sadia até os eventos relatados
na HDA. Nega passado cirúrgico. Não relata intolerâncias ou alergias a medica-
DESCREVENDO: ....

mentos.
História familiar: Pai hipertenso, falecido aos 47 anos de infarto (sic); mãe com
história de hipertensão e diabete (nunca tratada para a diabete) (sic). Faleceu aos
62 anos de derrame (sic). O paciente tem mais três irmãos, todos hipertensos.
História mesológica: Paciente de classe média baixa. Bem-informado sobre a do-
ença. Reside em localização de fácil recurso. Renda familiar de R$3.000,00 para
três pessoas. Estrutura familiar adequada. Tabagista desde os 15 anos de 20
cigarros por dia. Nega outros vícios.5

1
A queixa deve ser sempre um sinal ou sintoma e na QP deve ser expressa entre aspas,
conservando-se as palavras do paciente.
2
Uma vez convencido, durante a entrevista da natureza do sintoma descrito na QP, o médi-
co deve passar a utilizar o termo técnico.
3
As aspas no texto indicam as palavras do paciente.
4
Observe-se que dados da história mórbida pregressa foram deslocados para a HDA no
relatório devido à relevância da informação no quadro clínico do paciente.
5
Os dados mesológicos podem e devem ser atualizados à medida em que se conhece
melhor o paciente e sua família.

460
Revisão de Sistema (RS):1
Q Geral: Nada digno de nota (n.d.n.).
Q Cabeça, olhos, nariz orelhas e garganta: cefaléia tensional eventual.2 Usa
óculos para ler.
Q Tórax respiratório e circulatório: além das manifestações descritas na HDA
apresenta tosse de longa data, que atribui ao cigarro, que era inicialmente
seca. Atualmente tem tosse produtiva nos meses de inverno, por vários
anos seguidos. A tosse exacerbou com a doença atual.
Q Abdome: n.d.n3
Q Geniturinário: Nictúria, diminuição da libido por medo dos sintomas e por
diminuição da capacidade funcional. Nega impotência, sintomas de
prostatismo e alterações da ejaculação.
Q Neurológico: n.d.n.

Exame físico
Sinais vitais:
Q Altura: 1,76 m; peso: 62 kg; pressão arterial: 180/110 mmHg, pulso: 110
bpm; freqüência respiratória: 28 mpm; temperatura axilar: 36,8oC.
Ectoscopia:
Q Regular a mau-estado geral. Mostra-se emagrecido e com grande limita-
ção para caminhar. A face denota sofrimento crônico. Mucosas úmidas e
coradas, mas sem cianose.4
Q Lúcido, orientado, coerente e comunicativo.5 Coopera com o entrevistador.

DESCREVENDO: ....
Exame da cabeça:
Q Calvície. Sem alterações da pele e dos demais tegumentos.

1
Os dados aqui devem ser sumariamente descritos quando presentes e quando não-relacio-
nados com a situação atual.
2
No caso atual, o médico resolveu descrever esse sintoma, que na realidade é uma síndrome,
mas que, para o caso e provavelmente para o paciente, não tem a mínima importância no
momento e poderia ser suprimido.
3
Eventualmente o relator do exame pode descrever a negatividade de sinais ou sintomas
importantes que não tenham sido encontrados ou relatados; todavia essa técnica produz
relatórios muito extensos. O importante é avaliar adequadamente. Relata-se apenas os da-
dos positivos.
4
Embora a ausência de cianose seja um dado negativo, nesse caso a informação é importante
por se tratar de um achado que poderia estar presente por se tratar de uma disfunção
respiratória, mesmo que secundária a uma cardiopatia. O leitor deve ficar ciente de que o
achado não existia, mas que foi pesquisado.
5
Esses dados poderiam estar no exame neurológico na avaliação do estado de vigília, mas
com freqüência eles são deslocados para o início para que se tenha uma noção da confiabi-
lidade da história e dos dados colhidos. Quando o paciente não for capaz de informar, no
início do relatório deve constar essa observação com a fonte dos dados colhidos e sua
confiabilidade.

461
Olhos, ouvidos, nariz, boca e garganta:
Q Presença de pterígios bilateralmente. Usa óculos para ler. Pavilhão auricular
sem particularidades (sp). Otoscopia não-realizada. Nariz: aparente desvio
de septo. Boca sem lesões, algumas peças dentárias faltantes; demais dentes
em boas condições. Língua sp. Garganta sp. Cadeias ganglionares da cabeça
sp.
Q Cadeias retroauriculares com pequenos gânglios (grão de arroz)1 indolores,
elásticos, móveis sobre planos superficiais e profundos. Gânglios retroman-
dibulares palpáveis (grão de feijão)
Pescoço:
Q Forma e mobilidade sp. Sem rigidez de nuca. Tireóide sp. Cadeias ganglio-
nares sp.
Tórax respiratório:
Q Inspeção estática: Pele e demais tegumentos sp. Forma em barril, discreta
sifose dorsal. Sem outras alterações dignas de nota.
Q Inspeção dinâmica: Taquipnéico, ritmo respiratório sem alterações,2 Presença
de uso da musculatura acessória. Tiragem na fúrcula e em fossas subclavi-
culares e supraclaviculares.
Q Palpação: Frêmito toracovocal diminuído nas bases, mais intensamente na
base direita onde a ausência atinge meio hemitórax. Presença de frêmito
brônquico na porção anterior e superior do tórax.
Q Percussão: Som claro nos ápices anteriores, nas regiões axilar esquerda.
Macicez na metade inferior do hemitórax direito.
DESCREVENDO: ....

Q Ausculta: Murmúrio vesicular diminuído difusamente, ausente na base es-


querda e metade inferior do hemitórax direito (nessa região há silêncio).
Roncos na porção anterior do tórax, bilateralmente. Estertores na base es-
querda. Presença de egofonia na porção média posterior do hemitórax
direito.
Tórax circulatório:
Q Inspeção-palpação: Ictus (choque da ponta) difuso em todo precórdio.
Impulsão para-esternal esquerda presente. Presença de três bulhas palpáveis.
Frêmito sistólico na fúrcula ode se palpam batimentos aórticos. Presença
de turgência jugular a 45º e de refluxo hepatojugular. Artérias do pescoço
sp.
Q Ausculta: Freqüência cardíaca de 120 bpm, com irregularidade por alguns
batimentos prematuros, ritmo de três tempos por presença de terceira bulha
(B3). B1 hipofonético, B2 com tom aórtico de timbre metálico e hiperfoné-
tico. Presença de sopro sistólico ejetivo (crescendo-decrescendo), mesos-

1
Pode-se fazer comparação com coisas de conhecimento corrente para especificar o tamanho.
2
O ritmo respiratório no adulto costuma ter certa irregularidade, mas que é completamente
diferente de padrões patológicos como o ritmo de Kussmaul, Cheyne-Stokes e outros.

462
sistólico, sem clicks, com epicentro em terceiro espaço intercostal direito,
irradiando-se bem para a fúrcula e para a ponta de ventrículo esquerdo,
sendo de natureza áspera e de intensidade de 3/6+.
Abdome:
Q Inspeção: Pele e subcutâneo sp. Diátese dos músculos retos abdominais.
Protrusão da cicatriz umbilical. Forma globosa, contrastando com o emagre-
cimento do paciente. Abaulamento no hipocôndrio direito.
Q Ausculta: Presença de ruídos hidroaéreos usuais. Ausência de sopros.
Q Percussão: Timpanismo gástrico, borda superior do fígado percutível no 9o
espaço intercostal direito e borda inferior a quatro dedos do rebordo costal
direito. Presença de sinal do piparote. Macicez variável nos flancos com a
troca de decúbito.
Q Palpação superficial: Abdome tenso. Hiperestesia no hipocôndrio direito.
Q Palpação profunda: Dor à palpação profunda no hipocôndrio direito, presen-
ça de fígado palpável quatro dedos abaixo do rebordo costal direito com
extensão total de 16 cm, com bordas lisas e rombas, consistência elástica.
Ausência de outras organomegalias palpáveis.
Geniturinário:
Q Genitais de desenvolvimento compatível com a idade. Pêlos pubianos sp.
Edema escrotal importante. Toque retal com próstata de tamanho normal
sem alterações na textura e consistência.1 Ausência de dor na punho per-
cussão lombar.

DESCREVENDO: ....
Membros:
Q Artérias periféricas com pulsos simétricos e palpáveis. Membros superiores
sp. Presença de varizes nos membros inferiores. Mancha hipercrômica na
porção distal interna da perna direita (dermatite ocre).2
Q Edema de membros inferiores, frio, depressível atingindo até a altura dos
joelhos. Sensibilidade preservada nas extremidades.
Exame neurológico resumido:
Q Vigil, sem alterações da percepção de si, do tempo e do espaço.
Q Motilidade preservada. Marcha normal. Sem déficits de força nas extremida-
des.
Q Sensibilidade s.p. Percebe a sensação vibratória nos dedos dos pés.
Q Reflexos tendinosos preservados, simétricos e de amplitude normal.

1
Antevendo a possibilidade do uso de diuréticos, o examinador completou o exame genital
com a avaliação da próstata.
2
Embora dermatite ocre se trate de um diagnóstico e não de um sinal/sintoma, justifica-se
sua descrição como diagnóstico quando óbvio.

463
LISTA DE PROBLEMAS INICIAL1
O relatório é sempre finalizado com uma lista de problemas e/ou uma lista de
hipóteses diagnósticas, sobre as quais será traçado um plano de abordagem de
investigação, de avaliação funcional e terapêutico.
Data de início / Data de término
#2. Insuficiência cardíaca congestiva.2
#3. Hipertensão arterial sistêmica.
#4. Tabagismo.
#5. Ascite (secundária a #2).3
#6. Derrame pleural extenso (secundário a #2).
#7. Bronquite crônica.
As hipóteses diagnósticas do examinador, ao terminar a entrevista, foram a
de insuficiência cardíaca global, hipertensão arterial sistêmica e tabagismo pesa-
do. A etiologia da insuficiência cardíaca, embora a hipertensão seja um partici-
pante ativo, não deve ser a única causa devido à intensa participação de insufici-
ência ventricular direita (denotada por ascite, edema de membros inferiores e
derrame pleural. Pelo tabagismo poder-se-ia pensar em um cor pulmonale crônico
associado a uma cardiopatia hipertensiva. O primeiro sendo causa de uma insufi-
ciência cardíaca direita e o segundo de uma insuficiência cardíaca esquerda. Outra
linha de raciocínio mais plausível seria a da presença de uma miocardiopatia
dilatada em paciente hipertenso. Essas considerações não vão na primeira lista
de problemas. Veja como ficou a segunda lista, após os exames complementares:
DESCREVENDO: ....

#2. Insuficiência cardíaca congestiva (secundária a #8), com fração de ejeção


de VE 25%.
#3. Hipertensão arterial sistêmica.
#4. Tabagismo.
#5. Ascite (secundária a #2).3
#6. Derrame pleural extenso (secundário a #2).
#7. Bronquite crônica.
#8. Miocardiopatia dilatada.
#9. Hipercolesterolemia (320 mg/dL).
#10. Diabete sacarino (glicemia em jejum 200 mg/dL).
#11. Eletrocardiograma com alterações secundárias e isquêmicas difusas da
recuperação ventricular.

1
A lista de problemas inicial deverá ser completada pelo médico responsável pelo cuidado
do paciente de 24 a 48 horas após a feitura da primeira lista diante dos resultados e conclusões
dos exames complementares e da evolução do paciente.
2
Observe que os problemas listados iniciam com o número 2. O número 1 fica reservado
para problemas eventuais e transitórios e para as instruções gerais, como se explicará a
seguir.
3
Embora a ascite e o derrame pleural devam ser manifestações da insuficiência cardíaca,
eles mereceram a atenção como problemas isolados por necessitarem eventualmente de
uma abordagem especial.

464
Trabalhando com problemas
Uma vez concluída a entrevista e criada uma impressão geral sobre o paciente,
o entrevistador passará a trabalhar a lista de problemas, que facilitará todo o
manejo do paciente. Observe-se que o conceito de problema não passa necessa-
riamente pelo conceito de diagnóstico. Uma lista provisória é elaborada no mo-
mento da internação, e uma definitiva, 24 horas após.
Tradicionalmente fomos treinados a trabalhar com hipóteses diagnósticas; a
partir delas, pelo método científico, passamos a coletar dados para refutá-las.
Para um clínico mais experimentado, isso pode não ser uma dificuldade, pois a
qualidade de seu trabalho centraliza-se nos cuidados do paciente; todavia fre-
qüentemente essa abordagem pode trazer prejuízos, tais como:
Q Exagero na realização de exames;
Q Seqüência imprópria na realização de procedimentos;
Q Aumento do risco de iatrogenia e do custo da investigação;
Q Prolongamento do tempo de internação;
Q Risco de não tomar as medidas adequadas ao manejo do caso enquanto o
diagnóstico não ficar estabelecido.
O conceito de problema centra a visão do médico no paciente e não na doença,
e o trabalho sobre a solução do problema encoraja o pensamento lógico e o
planejamento da ação médica.

A formulação do problema
Deve ser baseada na coleta de dados (subjetivos e objetivos). A lista deve

DESCREVENDO: ....
incluir, em ordem numérica (não em ordem de importância), todos os problemas
do paciente: biológicos, psíquicos e sociais, derivados da observação, da interpre-
tação e da análise e síntese dos dados.

A lista de problemas não deve conter hipóteses diagnósticas presuntivas ou


interrogações, mas simplesmente o problema ao nível da compreensão do
profissional, indo desde o diagnóstico às queixas inexplicadas. Uma das carac-
terísticas do método está no trabalho com fatos e não com possibilidades.
Um diagnóstico só poderá ser listado quando houver dados suficientes para
prová-lo. A tendência (errada) é listar somente sintomas e sinais, o que acar-
retará prejuízos ao manejo do paciente. A lista deverá ser uma expressão do
pensamento analítico e, principalmente, da capacidade de síntese do profissio-
nal da área de saúde.

Exemplos:
#2. ortopnéia;
#3. edema de membros;
#4. hepatomegalia;
#5. diminuição do volume urinário;
#6. B3, turgência jugular;

465
#7. radiograma de tórax com inversão de fluxo. Todos esses sinais/sintomas
poderiam ser agrupados em um único item = insuficiência cardíaca, o que
evitaria uma profusão de problemas.
A não-compreensão do problema pode se tornar um problema: podemos
negligenciar um problema, para nós de menor importância, mas que pode estar
causando maior dificuldade ao paciente do que sua doença básica. Exemplos:
insônia, ansiedade etc.

Problema é tudo aquilo que pode preocupar o médico,


o paciente ou ambos.

Como já mencionado na nota 2 da p. 464, na lista de problemas, os problemas


listados iniciam com o #2. O #1 fica reservado à evolução e prescrição para os
problemas temporários (veja abaixo) e aos aspectos de ordem geral.

Categorias de problemas
Q Diagnósticos definitivos. Por exemplo, insuficiência cardíaca congestiva.
Q Sintomas isolados ou agrupados. Por exemplo, dispnéia e tosse produtiva.
Q Estados fisiopatológicos que necessitem de abordagem especial. Por exem-
plo, arritmias cardíacas, convulsões.
Q Síndromes. Por exemplo, síndrome nefrótica.
Q Achados do exame físico. Por exemplo, presença de terceira bulha
Q Achados de exames complementares. Por exemplo, hipercolesterolemia,
DESCREVENDO: ....

infiltrado pulmonar.
Q Problemas psicológicos e psiquiátricos. Por exemplo, comportamento
esquizóide.
Q Problemas sociodemográficos. Por exemplo, mãe solteira, divórcio, droga-
dição.
Os problemas podem ser (i) ativos e (ii) inativos. Ativos quando demandarem
manejo, mesmo quando compensados (diabete melito, insuficiência cardíaca,
hipertensão arterial sistêmica [HAS]); inativos quando já resolvidos, mas que
podem apresentar algum tipo de repercussão no presente ou no futuro (tuber-
culose, hérnia operada, neoplasia considerada curada – nesses casos podemos
ter algum tipo de envolvimento. A tuberculose pode ser reativada pelo uso de
drogas ou estados de imunossupressão; a cirurgia de hérnia pode estar envolvida
em maior risco de obstrução intestinal, e a neoplasia pode não estar tão curada
como imaginada). Na lista devem constar apenas os problemas ativos; os inativos
devem ser registrados em separado.
Se um diagnóstico apresenta várias manifestações importantes que mereçam
abordagens especiais ou em separado, essas devem ser registradas separadamente.
Por exemplo:
#2. Cardiopatia isquêmica com insuficiência cardíaca.
#3. Taquicardia ventricular.
#4. Lesão de tronco de coronária esquerda de 80%.

466
Problema Data de Início Data de término
#2. Tosse produtiva 23/05/96
#3. Febre 23/05/93
#4. Perda de peso 23/05/93

Figura 25.1 – Exemplo de lista de problema.

Problema Data de Início Data de término


#2. Tosse produtiva por tuberculose 23/05/96
#3. Febre secundária a #2 23/05/93 25/05/96
#4. Perda de peso secundária a #2 23/05/93 25/05/96

Figura 25.2 – Lista de problema atualizada.

Manifestações intercorrentes agudas, tais como diarréia e tosse, podem ser


consideradas na evolução (no item #1) como problemas temporários, apenas se
persistirem por vários dias devem entrar na lista de problemas.
Quando dois ou mais problemas listados forem interpretados como tendo a
mesma causa, atualiza-se o primeiro, considerando-se os demais como secundários
a ele, encerrando-os como resolvidos. O número do problema resolvido não

DESCREVENDO: ....
desaparece, apenas não há mais necessidade de evoluí-lo. Por exemplo, um pa-
ciente interna com tosse produtiva, febre e perda de peso. No primeiro momen-
to, a lista de problemas ficaria como a da Figura 25.1.
No dia 25 do mesmo mês estabelece-se o diagnóstico de tuberculose e a lista
é atualizada da forma que se segue na Figura 25.2.
Após essa data, todas as abordagens referentes aos problemas relacionados à
tuberculose serão enfocadas no problema #2. A atualização da lista de proble-
mas é obrigação do médico responsável pelo paciente
Infelizmente o sistema de trabalho baseado em problemas tem caído em desu-
so, embora seja muito prático na abordagem dos pacientes. O fato se deve à
informatização dos sistemas e, principalmente, à falta de treinamento médico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS


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DESCREVENDO: ....

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468
26
PRONTUÁRIO DE
PACIENTES: FINALIDADES,
PREENCHIMENTO E
QUESTÕES ÉTICAS E
LEGAIS
MARIZA MACHADO KLÜCK
JOSÉ RICARDO GUIMARÃES

Juridicamente, o prontuário, do latim prontuarium, designa toda a espécie de


fichário ou livro de apontamentos, onde, devidamente classificada e em certa
ordem, tem-se disposta uma série de informações que devam ser de pronto
encontradas. De acordo com o dicionário Aurélio, prontuário é “lugar onde se
guardam ou depositam coisas das quais se pode necessitar a qualquer instante.
Ficha (médica, policial etc.) com os dados referentes a uma pessoa”. Portanto,
entende-se por prontuário médico ou prontuário do paciente o conjunto de docu-
mentos gerados a partir do paciente, por todos os profissionais do hospital envol-
vidos em seu atendimento, seja em nível ambulatorial seja de internação, dis-
ponível para consulta e para registro em todos os atos assistenciais.
O prontuário de paciente é definido pelo Conselho Federal de Medicina como
sendo “o documento único constituído de um conjunto de informações, sinais e
imagens registradas, geradas a partir de fatos, acontecimentos e situações sobre
a saúde do paciente e a assistência a ele prestada, de caráter legal, sigiloso e
científico, que possibilita a comunicação entre membros da equipe multiprofis-
sional e a continuidade da assistência prestada ao indivíduo” (Resolução no 1.638/
2002) e considerado de elaboração obrigatória pelo Código de Ética Médica
(Artigo 69). O sigilo das informações do prontuário é um dever do médico, defini-
do pelo Código de Ética Médica, Código Penal, Código Civil e Resoluções do
Conselho Federal de Medicina.

O PRONTUÁRIO COMO FONTE DE INFORMAÇÕES


O principal objetivo do prontuário é facilitar a assistência ao paciente, constituindo-
se em um meio de comunicação entre os diferentes profissionais da saúde e em
um recurso indispensável para assegurar a continuidade do atendimento, tanto
durante uma internação como no período entre as consultas de ambulatório. O
prontuário é, também, uma fonte de dados e conhecimentos. Estudos retrospec-
tivos realizados por meio de consulta a prontuários têm sido fundamentais para
o desenvolvimento da pesquisa médica e das demais áreas da saúde. Além desses
fins, o prontuário é um suporte para a área administrativa do hospital, em seus
aspectos financeiros e legais. Seus registros são cada vez mais, documentos essen-
ciais para a elucidação de questões jurídicas e éticas cada vez mais freqüentes,
envolvendo pacientes, serviços de saúde e seus profissionais.
Por todos esses motivos, o prontuário não deve ser visto como um conjunto
de formulários a serem preenchidos de rotina, mas sim como um depositário de
importantes informações que merecem todo o empenho no sentido de se garantir
sua qualidade, integridade e confiabilidade. Consideram-se como componentes
do prontuário tanto as informações armazenadas em papel como em meio digital,
magnético ou qualquer outra forma de registro de dados.

HISTÓRIA
Encontramos notícias da existência de registro médico desde a Antigüidade. Co-
nhecemos informações a respeito de pacientes e moléstias datadas do ano 4500
a.C. Relatórios, feitos em 3000 a.C., mencionam informações sobre a medicina
praticada no Egito. No século V a.C., Hipócrates, o “pai da medicina”, procurou
abandonar as velhas teorias da medicina sacerdotal, encarando-a com zelo cientí-
PRONTUÁRIO DE PACIENTES

fico. Esse observador, atento e perspicaz, assinalou e descreveu muitos sinais e


sintomas (Figura 26.1). Legou-nos também os princípios da ética médica e do
dever profissional e incentivou o registro cuidadoso de sinais e sintomas físicos
das doenças.
A Idade Média deixou indícios de uma nítida preocupação com os assentamen-
tos sobre a evolução da doença e com o uso dessa informação para explicar
fenômenos médicos recorrentes, como as epidemias. O Renascimento introduziu
novas atitudes em relação à ciência, enfatizando a importância da medida como
fonte primária do conhecimento da natureza. Em 1819, o foco do registro passou
a ser nos dados observados pelo médico em vez de nos sintomas relatados pelo
paciente, pela adoção do estetoscópio. Nessa época, o registro dos dados era
feito pelo médico em livro próprio, de propriedade de cada profissional. O atendi-
mento prestado era bem-documentado, mas para se obter informações completas
sobre um mesmo paciente, era necessário consultar os livros dos diversos médicos
responsáveis por seu atendimento. Em 1907, Plummer introduziu o registro por
paciente. Em 1920, os médicos passaram a se preocupar com a metodologia do
registro e com uma padronização incipiente.
Nos Estados Unidos, o Hospital Geral de Massachussets começou a arquivar
dados clínicos de forma sistemática em 1877, tendo sido, 10 anos antes, o primeiro
hospital a organizar um Serviço de Arquivo Médico e Estatística (SAME). Depois
da Primeira Guerra, a rede hospitalar americana adotou uma série de medidas,
com o estabelecimento de padrões mínimos para credenciamento, que incluíam
o registro cuidadoso e completo dos casos e seu arquivamento de forma acessível.

470
Apollinius estava doente por um longo período sem estar confinado ao leito. Apresenta-
va distensão abdominal e dor contínua de longa data na região do fígado; apresentou
ainda durante esse período icterícia e flatulência; sua tez ficou pálida. Após jantar e
beber em excesso, Apollonius ficou febril e recolheu-se ao leito. Tendo bebido copiosa-
mente leite, fervido e cru, tanto de cabra como de ovelha, e adotando uma dieta
absolutamente ruim, sofreu muito. Havia exacerbações da febre, e praticamente nada
do alimento ingerido era evacuado, a urina era rala e em pequeno volume. Não conse-

PRONTUÁRIO DE PACIENTES
guia dormir. Uma penosa distensão, muita sede, um resmungar delirante... Aproximada-
mente quatorze dias após adoecer, seguindo um episódio de calafrios, apresentou
febre; delírios severos, gritos, mal-estar, muita desorientação seguidos de calma; neste
momento entrou em coma. Sobre o vigésimo quarto dia, confortável; em outros aspec-
tos sem alterações, mas tinha intervalos de lucidez. Sobre o trigésimo dia, febre aguda,
diarréia copiosa; desorientação, extremidades frias, não falava nada. Trigésimo quarto
dia: morte.

Figura 26.1 – Descrição de uma evolução clínica (Apolônio) por Hipócrates 2.600 anos atrás.
(Reproduzida de Handbook of Medical Informatics, J.H. van Bemmel.)

Em 1969, Weed introduziu o conceito de Prontuário Orientado a Problemas


(POMR), no qual todas as anotações são registradas no contexto de um problema
específico. Embora o POMR ofereça benefícios educacionais, requer o registro
de dados redundantes, pertencentes a mais de um problema, e dá uma visão
fragmentada do paciente, visto não como um indivíduo, mas como um conjunto
de problemas identificados.
No Brasil, o primeiro hospital a implantar o serviço de arquivo médico foi o
Hospital da Universidade de São Paulo, em 1943, seguido pela Santa Casa de
Santos, em 1945, e pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro.
Outra referência histórica importante é a Lei Alípio Correia Netto, de 1952, pela
qual se exige que os hospitais públicos e filantrópicos passem a arquivar as histórias

471
clínicas de forma adequada, como condição para recebimento das subvenções
públicas. O III Congresso Nacional de Hospitais, em julho de 1961, deu desta-
que especial à discussão sobre o tema. Atualmente, é exigência do Programa
Brasileiro de Acreditação Hospitalar a existência de prontuários completos, com
informações de qualidade e disponíveis nas áreas assistenciais para certificação
dos hospitais.
Há 30 anos, o médico de família detinha, muitas vezes em sua memória, as
informações referentes aos seus pacientes. Hoje, a medicina moderna exige o
trabalho em equipe, aumentando a importância de um correto registro com con-
sultas rápidas e eficientes. O prontuário do paciente é chamado, ainda hoje, de
prontuário médico na maior parte dos hospitais do país. No entanto, em nível
internacional, essa abordagem está se modificando para uma visão que parte do
usuário, provedor de todas as informações constantes no prontuário e principal
beneficiário dessas. Por outro lado, o paciente é assistido por uma equipe de
profissionais de múltiplas áreas. Portanto, o adjetivo “médico” empregado para
os prontuários não parece refletir adequadamente a situação e, por esse motivo,
está sendo progressivamente chamado de “prontuário do paciente”.

CONTEÚDO E ORGANIZAÇÃO DOS PRONTUÁRIOS


O prontuário do paciente deve ser único para cada indivíduo em cada hospital,
reunindo registros de atendimentos ambulatoriais, de emergência e de internação.
Esses registros devem ser organizados de forma a garantir o pronto acesso às
PRONTUÁRIO DE PACIENTES

informações e, por esse motivo, recomenda-se a utilização de separadores para


as diferentes áreas de atendimento (ambulatório, internação, CTI etc.) e o uso
de formulários padronizados que contenham em destaque a identificação do
paciente (nome e número) e a identificação do documento (nome do hospital,
tipo de formulário).
Os documentos são arquivados na pasta em ordem cronológica inversa, fican-
do os mais recentes em evidência.
De acordo com o Conselho Federal de Medicina(2), devem fazer parte do
prontuário pelo menos os seguintes itens: identificação do paciente (nome, data
de nascimento, nome da mãe, sexo, naturalidade, endereço); anamnese e exame
físico, exames complementares, hipóteses diagnósticas, diagnósticos definitivos
e tratamento efetuado; evolução diária, discriminação de todos os procedimentos
realizados e identificação dos profissionais responsáveis.
Diversas formas de organizar o conteúdo do prontuário podem ser adotadas,
de acordo com as características de atendimento de cada hospital e com a cultura
médica local. No modelo adotado pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre,
hospital-escola da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, os documentos
do prontuário em papel são distribuídos em subdivisões: internação, ambulatório,
procedimentos especiais (hemodiálise, quimioterapia, radioterapia), CTIs e emer-
gência. Ficam localizados em cada uma delas os formulários referentes a cada
um desses tipos de atendimento do paciente.
Dois documentos são comuns a todas as atividades assistenciais e devem
estar no início da pasta:

472
Q Dados de identificação: são informações cadastrais necessárias para comu-
nicação do HCPA com seus pacientes, familiares ou responsáveis bem como
para a elaboração de trabalhos científicos e levantamentos epidemiológicos
de sua clientela. Esses dados são colhidos por pessoal administrativo do
Hospital, cabendo aos profissionais da equipe de saúde alertar o SAME no
caso de verificação de erros ou incorreções nessas informações.
Q Lista de problemas: é uma síntese dos problemas atuais e ativos ou passados
do paciente e destina-se a fornecer uma visão geral da situação clínica do
paciente e permitir a integração da equipe multidisciplinar. Deve ser elabora-
da em ordem numérica crescente e com o menor grau de abstração possível.
Podem ser incluídos na lista: sinais ou sintomas, diagnósticos, perturbações
fisiológicas, emocionais, síndromes, achados morfológicos e sinais ou anor-
malidades laboratoriais.

Internação
Q Anamnese e exame físico: são os dados obtidos pela história e exame físico
do paciente na sua admissão, organizados de maneira convencional e com-
pletados pela hipótese(s) diagnóstica(s) e plano(s) inicial(ais).
Q Anamnese de enfermagem: são os dados obtidos pela história e exame
físico de enfermagem realizados na admissão do paciente, segundo formu-
lário próprio de cada unidade de internação.
Q Resultados de exames: são os resultados dos exames complementares im-

PRONTUÁRIO DE PACIENTES
pressos individulamente ou apresentados no formato de tabelas, que são
impressas no momento da alta do paciente ou periodicamente nos casos
de internações prolongadas.
Q Laudos de exames: é o conjunto de laudos descritivos de exames cujos
resultados não são numéricos. (p. ex., radiologia, ecografia, espirometria,
eletrocardiografia).
Q Prescrição médica: é o registro de todas as medidas necessárias ao tratamen-
to do paciente, como cuidados gerais, prescrições medicamentosas, medidas
de reabilitação, fisioterapia, dietas, medidas educacionais e manejo
ambiental e familiar, elaborada diariamente e assinada pelo médico.
Q Notas de evolução: é o registro cronológico das informações obtidas do
paciente, de seus familiares, da enfermagem ou de outros informantes sobre
seu estado ou sua evolução clínica. Devem ficar claras as razões para conti-
nuar ou alterar as condutas diagnósticas ou terapêuticas, assim como o
planejamento do seguimento do atendimento.
Q Sumário de transferência: é recomendada a realização desse documento
no momento da transferência do paciente para outra unidade de internação
ou para outro hospital, onde outras equipes médicas ou especialidades
passarão a participar do seu tratamento. É o caso de pacientes transferidos,
por exemplo, das unidades de internação comum às unidades de tratamento
intensivo ou vice-versa. Deve conter uma síntese da situação clínica do
paciente até o momento da transferência, as razões que a motivaram e o
planejamento terapêutico a partir de então.

473
Q Sumário de alta: é uma síntese do atendimento prestado ao paciente durante
o período de internação e inclui dados de identificação, diagnósticos, proce-
dimentos diagnósticos e terapêuticos, consultorias, evolução, condições
de alta e plano pós-alta.
Q Sumário de óbito: é uma síntese do atendimento prestado ao paciente que
foi a óbito durante o período de internação. Inclui dados de identificação,
diagnósticos, procedimentos diagnósticos e terapêuticos, consultorias, evo-
lução, causas do óbito classificadas pelo CID-10 e usando a mesma lógica
do atestado de óbito.
Q Documentos diversos específicos: ficha anestésica, descrição cirúrgica, lau-
dos de consultoria, registro obstétrico e exame do recém-nascido, identifica-
ção do recém-nascido, registros de quimioterapia, radioterapia, hemodiálise
etc., tural (feminino e masculino) e curva de crescimento do recém-nasci-
do de baixo peso.

Ambulatório
Na subdivisão do prontuário referente aos atendimentos ambulatoriais deverão
constar os seguintes documentos:
Q Anamnese e exame físico: informações coletadas na primeira consulta am-
bulatorial em cada especialidade no hospital.
Q Notas de evolução: registro cronológico das consultas ambulatoriais nas
diversas especialidades.
PRONTUÁRIO DE PACIENTES

Q Resultados de exames: idem ao sumário de exames da internação.


Q Laudos de exames: idem à internação.

Seções terapêuticas: fisiatria, hemodiálise, quimioterapia e


radioterapia
Nessa subdivisão localizam-se os documentos próprios dos serviços de fisiatria,
hemodiálise, quimioterapia e radioterapia. Como regra geral, cada um desses
serviços deve produzir um documento no início do tratamento onde constam os
diagnósticos, indicações e planejamento terapêutico. Ao final do tratamento,
deverá ser realizado um documento resumindo o tratamento realizado. Como
documentos específicos de cada área, encontraremos solicitação de tratamento
da fisiatria, curva de pressão arterial da fisiatria, prescrição de quimioterapia,
nota de admissão e sumário de alta da radioterapia, relatório e evolução de diálise.

Hospital-dia
Os documentos do prontuário dessa subdivisão referem-se ao atendimento
realizado no regime de hospital-dia. Esses documentos são os mesmos do ambula-
tório e obedecem às mesmas regras.

Emergência
Nessa subdivisão do prontuário localizam-se os documentos produzidos duran-
te os atendimentos no setor de emergência. Devem constar os mesmos documen-
tos da internação nos casos de pacientes que tenham permanecido nesse setor

474
por um período maior do que 24 horas. Além desses, encontraremos dois docu-
mentos específicos desse setor, que são o boletim de atendimento na emergên-
cia e a evolução da emergência.

CTI
Nessa subdivisão localizam-se os documentos produzidos durante internações
nas unidades de tratamento intensivo de adultos, pediátrica e neonatal. Esses
documentos são os mesmos de uma internação em outras unidades.

PREENCHIMENTO DO PRONTUÁRIO
O adequado preenchimento do prontuário garante a qualidade da assistência, a
facilidade da recuperação de informações para a pesquisa, a comunicação entre
profissionais e a documentação legal do atendimento prestado. Portanto, é do
interesse de todos os profissionais que atuam no hospital zelar pela sua qualidade.
Os registros feitos em qualquer tipo de documento do prontuário devem ser
devidamente identificados, sendo obrigatórios a assinatura do profissional respon-
sável, seu nome legível, número do seu registro profissional e data.
Todos os registros no prontuário devem ser feitos de forma legível, com caneta
de tinta azul-escura ou preta. Não é permitido o uso de carbono, de canetas com
tinta de outras cores, com ponta porosa ou marcadores, pois os registros feitos
com essas não são legíveis em cópias solicitadas por pacientes ou por autoridades
legais.

PRONTUÁRIO DE PACIENTES
Deve ser evitada a rasura ou a destruição de documentos do prontuário bem
como a colocação de observações em documentos preexistentes, como laudos
de exames ou de consultorias. Se forem verificados erros ou enganos, esses devem
ser apontados e corrigidos em um registro posterior, que faça referência aos
problemas encontrados. Rasuras invalidam os documentos como prova processual.
A preservação do sigilo e da privacidade das informações sobre o paciente é
dever e responsabilidade de todos os envolvidos na assistência, e o não-cumpri-
mento dessa determinação se caracteriza como infração ética e legal. O acesso a
essas informações só pode ser permitido a pessoas autorizadas. Não são permiti-
das a reprodução, utilização e divulgação de documentos de prontuário para
qualquer fim sem a autorização expressa do paciente ou responsável legal.
O preenchimento dos diferentes documentos do prontuário deve seguir a
seguinte orientação.

Dados de identificação
Os dados de identificação contêm as informações cadastrais básicas dos pacien-
tes do hospital, essenciais para o contato com o paciente, familiar ou responsável,
a elaboração de trabalhos científicos e a análise dos dados epidemiológicos e
podem ser colhidos por auxiliares administrativos.

Lista de problemas
O que é problema? Problema é tudo o que necessita de cuidado ou solução
pela equipe de saúde.

475
A lista de problemas tem por finalidade expressar de uma forma sintética os
diferentes problemas do paciente. A lista deve fornecer uma visão abrangente
dos problemas do paciente, físicos, mentais ou sociais, sejam eles ativos (presen-
tes), passados ou resolvidos. Facilita a síntese, comunicação e a integração entre
os vários profissionais e diferentes especialidades. É a primeira folha após os
dados de identificação do prontuário. As instruções para seu preenchimento são
as seguintes:
Q O profissional de saúde, após realização da anamnese e do exame físico
completo, organiza a lista de problemas, dando um número para cada pro-
blema, seja ativo ou passado.
Q Nas reconsultas ambulatoriais ou durante o período de internação a lista
de problemas dever ser atualizada na medida em que evolui o quadro clíni-
co do paciente.
Q Os problemas devem ser formulados com a menor abstração possível e em
nível de certeza máxima. Há quatro níveis de problemas de saúde:
– sintomas ou sinais (p. ex., dor no peito, nódulo de mama);
– achado laboratorial anormal (p. ex., ECG alterado, hemograma alterado);
– alteração físico-patológica (p. ex., insuficiência cardíaca congestiva);
– diagnóstico: cirrose nutricional, diabete melito tipo I.
Q Os problemas psiquiátricos e sociais devem ser listados de forma a comunicar
claramente a situação (p. ex., depressão, ansiedade, desemprego, promiscui-
dade habitacional). Termos não-técnicos podem ser usados (p. ex., chora
PRONTUÁRIO DE PACIENTES

fácil, dificuldades familiares), quando tais manifestações são insuficientes


para inclusão em uma síndrome ou numa categoria diagnóstica definida.
Q Não se deve incluir, na lista de problemas, hipóteses diagnósticas ou expres-
sões como: “a excluir”, “a afastar”, “provável”, “provavelmente devido
a” ou um ponto de interrogação. Tais observações podem ser incluídas no
item hipótese diagnóstica inicial ou plano inicial do formulário “anamnese
e exame físico”.
Q A responsabilidade do registro da lista de problemas definitiva é do profissio-
nal da equipe de saúde que realiza o atendimento inicial do paciente, seja
esse uma consulta ambulatorial, seja internação etc. Qualquer profissional
da saúde deverá registrar, na lista de problemas, os problemas relevantes
que vierem a ser identificados.
Q Para os pacientes hospitalizados, a lista de problemas deve estar pronta
nas primeiras 24 horas de internação. Isso dá tempo para considerações,
discussões com vários membros da equipe de saúde, incluindo os médicos
assistentes e consultores. Para os pacientes de ambulatório, a lista de proble-
mas deve ser feita pelo médico ou por outro profissional da saúde logo
após a obtenção dos dados, durante a consulta inicial ou nas reconsultas.
Q Quando um problema com diagnóstico já estabelecido apresentar um ou
mais aspectos que, por sua relevância, necessitam de tratamento específico,
esses devem ser listados como problemas separados, indicando a relação,
se for conhecida.
Q À medida que os problemas listados forem elucidados, permitindo uma
conclusão diagnóstica, a lista deverá ser alterada, incluindo o novo diag-

476
nóstico na lista imediatamente abaixo do problema esclarecido e datando
adequadamente. O título inicial poderá ser riscado com um traço ou usan-
do uma seta para indicar a alteração.
Exemplo:
— 1# dor abdominal 10/12/1994
apendicite aguda 11/12/1994
ou
1# dor abdominal 10/12/1994

apendicite aguda 11/12/1994


Q No caso de dois ou mais problemas posteriormente se integrarem em um
único, o novo título deve ser colocado na lista. Ao lado do título dos demais
coloca-se: “devido ao no (PROBLEMA INTEGRADOR)” ou “secundário ao
nº “(PROBLEMA INTEGRADOR)”. Esses problemas resolvidos tornam-se,
dessa forma, inativos e seus números podem ser usados para novos problemas.
Exemplo:
1# emagrecimento (secundário a 3#) 07/08/1994
2# disfagia (secundário a 3#) 20/08/1994
3# carcinoma epidermóide de esôfago 30/09/1994
Q Quando um procedimento cirúrgico tiver resolvido problemas listados, seu
nome e data deverão ser colocados na coluna dos problemas inativos ou

PRONTUÁRIO DE PACIENTES
passados ao lado do primeiro título resolvido. Entretanto, o pós-operatório
de um procedimento cirúrgico, até que esteja completamente resolvido,
deve ser listado como um problema ativo.
Q Quando surgir um problema novo, esse deverá ser acrescentado à lista e
datado de acordo. Também, quando resolvido, o problema deverá ser data-
do. Uma lista mantida atualizada refletirá com exatidão o estado do paciente.
Q A lista de problemas original não deve nunca ser retirada da pasta, nem
inutilizada. Caso existam alterações, essas deverão ter justificativa nas notas
clínicas, e a lista original deverá ficar no prontuário como índice dos pro-
blemas até a data da mudança.

Anamnese e exame físico


A anamnese e o exame físico são métodos de obtenção de dados do paciente,
essenciais para o adequado atendimento do mesmo. Devem ser realizados de
forma completa, por ocasião da primeira consulta do paciente no serviço. As
orientações para seu registro estão descritas nos Capítulos 1, 2 e 3.

Prescrição
A prescrição é a implementação das medidas terapêuticas e educacionais,
consultorias, dietas, cuidados, hemoterapia, ordenadas pelo médico, para pacien-
tes internados ou em regime de hospital-dia.
A prescrição deve ser impressa e assinada pelo médico.

477
Notas de evolução – internação
As anotações sobre a evolução do paciente devem conter os seguintes itens:
Q S (Subjetivo): informações do paciente sobre seus sintomas, alterações em
seu estado geral.
Q O (Objetivo): novos achados do exame físico, parâmetros de controle,
como peso e balanço hídrico, temperatura, pulso e alterações dos exames
laboratoriais e estado geral etc.
Q I (Impressão): é uma avaliação crítica e sintética dos dados subjetivos e
objetivos. Pode incluir aspectos diagnósticos terapêuticos e prognósticos,
tais como dor abdominal sugestiva de colecistite aguda, boa resposta à
antibioticoterapia, boa evolução após o início do corticosteróide, quadro
clínico sugere progressão na neoplasia etc.
Q C (Conduta): medidas a serem implementadas no sentido de elucidação
diagnóstica ou planejamento terapêutico. Por exemplo: solicitação de novos
exames, opiniões de consultores, alteração de esquema de antibioticotera-
pia, intervenção de cuidados a ser implementada, orientações para educação
para saúde.
A evolução pode fazer referência à lista de problemas mencionando o respec-
tivo número e deve ser redigida sempre que o paciente é atendido por algum
membro da equipe, podendo existir mais de uma anotação no dia. Deve constar
data, hora e carimbo (ou nome por extenso) com assinatura do profissional respon-
sável pelos registros.
PRONTUÁRIO DE PACIENTES

Exemplo:
12/12/94, 8 h
S. – paciente em primeiro dia de pós-operatório de apendicectomia. Queixan-
do-se de dor moderada localizada na incisão cirúrgica, relacionada principal-
mente à mobilização no leito. A dor alivia com o uso de Petidina na dose
prescrita, por um período de aproximadamente duas horas. Refere ter apre-
sentado dois episódios de vômitos biliosos durante a noite. Agora, sem
náuseas ou vômitos. Não conseguiu dormir durante a noite devido à dor.
Anorético. Referindo tosse produtiva, expectoração hialina.
O – Balanço hídrico no pós-operatório: + 300 mL.
Temperatura 37ºC; TA: 130/80 mmHg; FC: 85 bpm.
(descrição do exame físico)
I – Boa evolução pós-operatória.
C – Manter hidratação por via parenteral até a tarde, quando deverá ser
iniciada via oral com líquidos.
– Analgesia com petidina pelo menos até amanhã.
– Estimular deambulação e mobilização fora do leito.
– Suspender antibióticos profiláticos.
– Manter restante da prescrição.

Notas de evolução – ambulatório


A evolução ambulatorial deve ser registrada a cada consulta do paciente.
Todo o atendimento ambulatorial deve ter um registro no prontuário. A ordem

478
de registro deve ser cronológica, independentemente do local de consulta. Assim,
com o seu manuseio é possível o acesso a todas as consultas realizadas nas diver-
sas especialidades na ordem em que aconteceram.
No cabeçalho de cada consulta deve ser registrada a especialidade e a equipe
responsáveis por aquela consulta e a data da mesma. Ao final, deve ser assinada
e carimbada pelo profissional responsável, ficando claro o seu nome e número
de registro profissional.
A organização e o registro da consulta devem obedecer à mesma lógica da
evolução de pacientes internados. Deve organizar-se em subjetivo, objetivo, im-
pressão e conduta.

Sumário de alta
O sumário de alta é o documento do prontuário que obrigatoriamente deve
integrar o prontuário de pacientes que foram internados. Deve conter o motivo
da internação, os diagnósticos secundários, as hipóteses diagnósticas, a terapêutica
instituída e a evolução do estado do paciente e dos exames realizados. Além
disso, deve deixar claro, aos profissionais que continuarem o acompanhamento,
o planejamento terapêutico após alta. O sumário de alta deve ser um documento
completo e abrangente, mas também objetivo, conciso e direto.
Sugere-se que o sumário de alta contenha os seguintes elementos:
Q Identificação: são apresentados os dados de identificação do paciente e a
relação de equipes e especialidades responsáveis pelo atendimento ao longo

PRONTUÁRIO DE PACIENTES
da internação.
Q Motivo da alta:
Q Diagnósticos: são apresentados os diagnósticos na internação, diagnóstico
principal da alta e diagnósticos secundários. Para cada um deles o sistema
oferece uma pesquisa em uma tabela do Código Internacional de Doenças
versão 10 (CID-10).
Q Evolução: a evolução é um dos itens mais importantes do sumário de alta.
O AGH oferece um campo de texto livre onde cabe ao médico, de forma
completa, sucinta e objetiva, descrever os aspectos clínicos da internação,
diagnósticos e condutas terapêuticas.
Q Plano pós-alta: o sistema permite ao médico programar a realização de
exames após a alta e emitir solicitação de agendamento de reconsulta am-
bulatorial.
Q Condições do paciente na alta: o médico deve informar as condições do
paciente no momento da alta (curado, melhorado, inalterado).

Sumário de óbito
O sumário do óbito deve ser realizado para todos os óbitos de pacientes
internados, em substituição à nota de alta. Deve ser uma síntese das informações
geradas durante a internação, como motivo da internação, diagnósticos, medidas
diagnósticas e terapêuticas. Deve haver um preocupação em descrever as razões
que levaram ao óbito.

479
Na sua maior parte, o sumário de óbito é igual ao de alta. É constituído por:
Q Identificação: vide sumário de alta.
Q Diagnósticos: vide sumário de alta.
Q Procedimentos terapêuticos: vide sumário de alta.
Q Evolução: vide sumário de alta.
Q Informações do óbito: o médico deverá informar a causa direta do óbito,
as causas antecedentes que produziram a causa da morte e as outras condi-
ções patológicas que contribuíram para a morte.

O PRONTUÁRIO ELETRÔNICO DO PACIENTE (PEP)


O arquivamento e a distribuição diária de prontuários em papel representa um
ônus importante para hospitais de grande porte, tanto em área física como em
processos de trabalho. Nas últimas décadas, o imenso volume de dados que o
clínico precisa ter disponível tem crescido além da imaginação dos pioneiros
médicos que introduziram os primeiros registros médicos na mudança do século.
A quantidade de detalhes da história de cada paciente, com profundidade suficien-
te para facilitar a interpretação correta e segura dos problemas atuais, e a segura
prescrição de drogas são, por si mesmas, tarefas insuperáveis. Quando se adicio-
na o volume necessário de conhecimento científico que deve estar disponível, a
tarefa se torna impossível. A informatização provê um mecanismo tecnicamente
factível para atender a essas necessidades. Em termos de qualidade da assistência
ao paciente e de gestão hospitalar, não migrar para esse caminho pode ser im-
PRONTUÁRIO DE PACIENTES

pensável.
Em 2002, o Conselho Federal de Medicina criou a Câmara Técnica de Infor-
mática em Saúde, encarregada de discutir os aspectos técnicos e legais do prontuá-
rio eletrônico e propor medidas que viabilizem sua utilização. A Resolução no
1.639/2002(3) aprova as normas técnicas para o uso de sistemas informatizados,
deixando em aberto as exigências para sua certificação legal, que deverão ser
elaboradas por um grupo de trabalho formado por representantes do CFM e da
Sociedade Brasileira de Informática em Saúde. O uso de suporte eletrônico para
guarda e disponibilização dos registros de prontuário já é de uso corrente em
vários hospitais brasileiros e deve ser incentivado desde que se garanta o respeito
à segurança e ao sigilo e privacidade das informações. A eliminação do prontuário
em papel ainda não está regularizada e, portanto, ainda é exigida a guarda de
cópias impressas dos documentos essenciais.
O suporte legal existente para a utilização de sistemas de registro eletrônicos
é a Resolução CFM 1.639/2002(3), que decidiu:
Art. 1o – Aprovar as “Normas Técnicas para o Uso de Sistemas Informatizados
para a Guarda e Manuseio do Prontuário Médico”, anexas à esta resolução,
possibilitando a elaboração e o arquivamento do prontuário em meio ele-
trônico.
Art. 2o – Estabelecer a guarda permanente para os prontuários médicos arqui-
vados eletronicamente em meio óptico ou magnético e microfilmados.
Art. 5o – Autorizar, no caso de emprego da microfilmagem, a eliminação do
suporte de papel dos prontuários microfilmados, de acordo com os procedi-

480
mentos previstos na legislação arquivística em vigor (Lei nº 5.433/68 e Decreto
nº 1.799/96), após análise obrigatória da Comissão Permanente de Avaliação
de Documentos da unidade médico-hospitalar geradora do arquivo.
Art. 6o – Autorizar, no caso de digitalização dos prontuários, a eliminação do
suporte de papel dos mesmos, desde que a forma de armazenamento dos
documentos digitalizados obedeça à norma específica de digitalização conti-
da no anexo desta resolução e após análise obrigatória da Comissão Perma-
nente de Avaliação de Documentos da unidade médico-hospitalar geradora
do arquivo.
Art. 7o – O Conselho Federal de Medicina e a Sociedade Brasileira de Infor-
mática em Saúde (SBIS), mediante convênio específico, expedirão, quando
solicitados, a certificação dos sistemas para guarda e manuseio de prontuá-
rios eletrônicos que estejam de acordo com as normas técnicas especificadas
no anexo a esta resolução.

Normas técnicas para o uso de sistemas informatizados


para a guarda e manuseio do prontuário médico
Integridade da informação e qualidade do serviço – o sistema de informações
deverá manter a integridade da informação por meio do controle de vulnerabili-
dades, de métodos fortes de autenticação, do controle de acesso e métodos de
processamento dos sistemas operacionais conforme a Norma ISO/IEC no 1.5408,
para segurança dos processos de sistema.

PRONTUÁRIO DE PACIENTES
Cópia de segurança: deverá ser feita cópia de segurança dos dados do prontuário
pelo menos a cada 24 horas. Recomenda-se que o sistema de informação utilizado
possua a funcionalidade de forçar a realização do processo de cópia de segurança
diariamente.
Bancos de dados: os dados do prontuário deverão ser armazenados em sistema
que assegure, pelo menos, as seguintes características:
Q compartilhamento dos dados;
Q independência entre dados e programas;
Q mecanismos para garantir a integridade, controle de conformidade e vali-
dação dos dados;
Q controle da estrutura física e lógica;
Q linguagem para a definição e manipulação de dados (SQL – Standard Query
Language);
Q funções de auditoria e recuperação dos dados.

Privacidade e confidencialidade: com o objetivo de garantir a privacidade, a confi-


dencialidade dos dados do paciente e o sigilo profissional, faz-se necessário que
o sistema de informações possua mecanismos de acesso restrito e limitado a
cada perfil de usuário, de acordo com a sua função no processo assistencial:
Q recomenda-se que o profissional entre pessoalmente com os dados assis-
tenciais do prontuário no sistema de informação;
Q a delegação da tarefa de digitação dos dados assistenciais coletados a um
profissional administrativo não exime o médico, fornecedor das informações,

481
da sua responsabilidade desde que o profissional administrativo esteja inse-
rindo esses dados por intermédio de sua senha de acesso;
Q a senha de acesso será delegada e controlada pela senha do médico a
quem o profissional administrativo está subordinado;
Q deve constar da trilha de auditoria quem entrou com a informação;
Q todos os funcionários de áreas administrativas e técnicas que, de alguma
forma, tiverem acesso aos dados do prontuário deverão assinar um termo
de confidencialidade e não-divulgação, em conformidade com a Norma
ISO/IEC no 17.799.
Autenticação: o sistema de informação deverá ser capaz de identificar cada usuário
por meio de algum método de autenticação. Em se tratando de sistemas de uso
local, no qual não haverá transmissão da informação para outra instituição, é
obrigatória a utilização de senhas. As senhas deverão ser de no mínimo cinco
caracteres, compostos por letras e números. Trocas periódicas das senhas deverão
ser exigidas pelo sistema no período máximo de 60 (sessenta) dias. Em hipótese
alguma o profissional poderá fornecer a sua senha a outro usuário, conforme
preconiza a Norma ISO/IEC no 17.799. O sistema de informações deve possibilitar
a criação de perfis de usuários que permita o controle de processos do sistema.
Auditoria: o sistema de informações deverá possuir registro (log) de eventos, con-
forme prevê a Norma ISO/IEC no 17.799.
Transmissão de dados: para a transmissão remota de dados identificados do pron-
PRONTUÁRIO DE PACIENTES

tuário, os sistemas deverão possuir um certificado digital de aplicação única emitido


por uma autoridade certificadora credenciada, a fim de garantir a identidade do
sistema.
Certificação do software: a verificação do atendimento destas normas poderá ser
feita com processo de certificação do software junto ao CFM.
Digitalização de prontuários: os arquivos digitais oriundos da digitalização do pron-
tuário médico deverão ser controlados por módulo do sistema especializado que
possua as seguintes características:
Q mecanismo próprio de captura de imagem em preto e branco e colorida
independentemente do equipamento scanner;
Q base de dados própria para o armazenamento dos arquivos digitalizados;
Q método de indexação que permita criar um arquivamento organizado, pos-
sibilitando a pesquisa futura de maneira simples e eficiente;
Q mecanismo de pesquisa utilizando informações sobre os documentos, in-
cluindo os campos de indexação e o texto contido nos documentos digita-
lizados, para encontrar imagens armazenadas na base de dados;
Q mecanismos de controle de acesso que garantam o acesso a documentos
digitalizados somente por pessoas autorizadas.

QUESTÕES ÉTICAS E LEGAIS


O prontuário do paciente é um documento de importância fundamental para
garantir a qualidade da assistência continuada ao paciente, do ensino e da pesquisa

482
e para assegurar ao médico e ao paciente o atendimento de todos os seus direitos
e deveres. O cumprimento das questões referentes ao conteúdo completo e de
qualidade, aos prazos de armazenamento e, principalmente, ao sigilo, privacidade
e segurança das informações dos prontuários, é um compromisso legal e ético
assumido por todos os médicos e é o seu principal argumento de defesa quando
necessário. Os principais tópicos abordados na legislação brasileira são os que
seguem.
Finalidades: o prontuário é documento valioso para o paciente, para o médico
que o assiste e para as instituições de saúde, bem como para o ensino, a pesquisa
e os serviços públicos de saúde, além de instrumento de defesa legal. (Resolução
no CFM 1.638/2002)
Obrigatoriedade: O registro de qualquer atendimento prestado ao paciente por
profissional de saúde, em instituição hospitalar, unidade de saúde ou consultó-
rio, deve ser feito em prontuário. Segundo o Código de Ética Médica, em seu
Artigo 69, “é vedado ao médico deixar de elaborar o prontuário de cada paciente”.
Conteúdo: devem constar obrigatoriamente no prontuário os dados de identificação
do paciente, anamnese, exame físico, resultados de exames, hipóteses diagnós-
ticas, diagnóstico(s) definitivo(s), tratamento realizado, evolução diária, procedi-
mentos realizados. (Resolução CFM no 1.638/2002, Artigo 5º.)
Qualidade do registro: nos prontuários em papel é obrigatória a legibilidade da

PRONTUÁRIO DE PACIENTES
letra do profissional que atendeu o paciente, bem como a identificação de todos
os profissionais prestadores do atendimento. São também obrigatórios a assinatura
e o respectivo número do CRM. (Resolução CFM no 1638, Artigo 5º.)
Prazos: sendo o prontuário um documento de importância fundamental para o
atendimento continuado ao paciente, dever-se-ia supor que o mesmo fosse manti-
do durante toda a vida do indivíduo e mais ainda considerando seu interesse
para a pesquisa científica. No entanto, existem imperativos de limites de área
física de armazenamento e dificuldades de organização de um acervo infinito. O
CFM determina, através do Artigo 4º da Resolução no 1.639/2002, que o pron-
tuário em papel seja armazenado por um período mínimo de 20 anos, conside-
rando como data-base o último comparecimento do paciente, mantendo-se a
informação em outro meio qualquer por prazos não-especificados. Os registros
eletrônicos devem ser mantidos indefinidamente.
Responsabilidades: a responsabilidade pelo prontuário cabe ao médico assistente
e aos demais profissionais que compartilham o atendimento, à hierarquia médica
da instituição, às chefias médicas e ao diretor clínico. É obrigatória a existência
de uma comissão de prontuários nas instituições onde se presta assistência médica,
que deve ser criada por designação da direção ou por outro meio, devendo ser
coordenada por um médico. (Resolução CFM no 1.638 Artigos 3º e 4º.)
Sigilo: desde Hipócrates a guarda do sigilo é reconhecida como dever ético, valor
moral que, embora extremamente relevante, não é absoluto, já que sua quebra
pode se fazer necessária para proteger a saúde e o bem-estar do paciente ou por

483
interesses maiores da sociedade. Essa obrigação não deve ser atendida apenas
de forma passiva, não revelando as informações, mas também ativamente, preser-
vando os registros do acesso por pessoas não-autorizadas. A exigência da manu-
tenção do sigilo das informações obtidas por profissional de saúde a partir de ato
assistencial é uma garantia para o profissional e para o paciente. Dessa forma,
haverá uma relação de confiança mútua que permitirá ao paciente o relato de
suas queixas e antecedentes e, ao médico, o registro adequado dos mesmos.
O sigilo médico é garantido por legislação bastante rigorosa:
Q Código Penal, Artigo 154: criminaliza a ação de revelar a alguém, sem
justa causa, segredo de que teve ciência em razão da função de ministério,
ofício ou profissão e cuja revelação possa produzir dano a outrem – pena
de 3 meses a 1 ano.
Q Código Civil, Artigo 144: ninguém pode ser obrigado a depor de fatos a
cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar segredo.
Q Código de Processo Penal, Artigo 207: são proibidas de depor as pessoas
que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devem guardar
segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu
testemunho.
Q Código de Processo Civil, Artigo 406, inciso II: a testemunha não é obrigada
a depor de fatos a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo.
Q Código de Ética Médica, Artigo 11: o médico deve manter sigilo quanto às
informações confidenciais de que tiver conhecimento no desempenho de
PRONTUÁRIO DE PACIENTES

suas funções.
Q Código de Ética Médica, Capítulo IX: é vedado ao médico:
Art. 102 – Revelar o fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício
de sua profissão, salvo por justa causa, dever legal ou autorização ex-
pressa do paciente.
Parágrafo único – Permanece essa proibição:
– Mesmo que o fato seja de conhecimento público ou que o paciente
tenha falecido.
– Quando do depoimento como testemunha. Nessa hipótese, o médico
comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento.
Art. 103 – Revelar segredo profissional referente a paciente menor de idade,
inclusive a seus pais ou responsáveis legais, desde que o menor tenha
capacidade de avaliar seu problema e de conduzir-se por seus próprios
meios para solucioná-lo, salvo quando a não-revelação possa acarretar
danos ao paciente.
Art. 104 – Fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir pacientes ou
suas fotografias em anúncios profissionais ou na divulgação de assuntos
médicos em programas de rádio, televisão ou cinema, e em artigos, entre-
vistas ou reportagens em jornais, revistas ou outras publicações legais.
Art. 105 – Revelar informações confidenciais obtidas quando do exame
médico de trabalhadores inclusive por exigência dos dirigentes de empre-
sas ou instituições, salvo se o silêncio puser em risco a saúde dos emprega-
dos ou da comunidade.

484
Art. 106 – Prestar a empresas seguradoras qualquer informação sobre as
circunstâncias da morte de paciente seu, além daquelas contidas no pró-
prio atestado de óbito, salvo por expressa autorização do responsável
legal ou sucessor.
Art. 107 – Deixar de orientar seus auxiliares e de zelar para que respeitem
o segredo profissional a que estão obrigados por lei.
Art. 108 – Facilitar manuseio e conhecimento dos prontuários, papeletas e
demais folhas de observações médicas sujeitas ao segredo profissional,
por pessoas não obrigadas ao mesmo compromisso.
Art. 109 – Deixar de guardar o segredo profissional na cobrança de honorá-
rios por meio judicial ou extrajudicial.
Esse sigilo somente pode ser quebrado na existência de justa causa, devendo
haver um sólido entendimento por parte do médico de que a manutenção do
sigilo irá provocar danos graves a outros ou ao próprio paciente. Exemplo típico
de justa causa é a comunicação de evidências de maus tratos ou abusos praticados
contra menores sem o consentimento de seus pais ou responsáveis. Esse sigilo
também pode ser quebrado pelo próprio médico para uso de informações conti-
das no prontuário em sua defesa.
Consulta a prontuários: os prontuários podem ser consultados pelos profissionais
da equipe assistencial do paciente e da instituição, por médicos peritos judiciais
ou de seguradoras, por auditores de convênios médicos e por pesquisadores

PRONTUÁRIO DE PACIENTES
autorizados pela administração do hospital ou por comitês de pesquisa. Outras
pessoas externas à instituição, mesmo sendo médicos, somente poderão consultar
o prontuário com a autorização do paciente ou responsável legal. Suporte legal:
Resolução CFM no 1.641/012(4)/, Parecer CFM no 02/94(5), Revogada pela Resolu-
ção CFM 1.614/2001, Resolução CFM no 1.614/2001(6), Processo-consulta CFM
no 5150/95(7), Processo-consulta CFM no 1.242/89(8), Processo-consulta CFM
no 4.842/93(9).
Cópia de documentos do prontuário: o fornecimento de cópias de documentos do
prontuário somente pode ser feito ao paciente ou mediante sua autorização ex-
pressa, que se recomenda seja arquivada na pasta. Mesmo mediante solicitação
judicial, cabe à comissão de prontuários decidir baseada nos interesses do pa-
ciente. Estas solicitações somente devem ser atendidas em processos em que o
prontuário será usado como prova a favor do paciente ou em situações de “justa
causa”. O médico e o hospital podem fazer cópias do prontuário para uso em
sua defesa.
Suporte legal: Resolução CFM no 1.605/2000(10):
Art. 1o – o médico não pode, sem o consentimento do paciente, revelar o
conteúdo do prontuário ou da ficha médica.
Art. 2o – nos casos do artigo 269 do Código Penal, em que a comunicação de
doença é compulsória, o dever do médico restringe-se exclusivamente a
comunicar tal fato à autoridade competente, sendo proibida a remessa do
prontuário médico do paciente.

485
Art. 3o – na investigação da hipótese de cometimento de crime o médico está
impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo criminal.
Art. 4o – se, na instrução de processo criminal, for requisitada, por autoridade
judiciária competente, a apresentação do conteúdo do prontuário ou da
ficha médica, o médico disponibilizará os documentos ao perito nomeado
pelo juiz, para que neles seja realizada perícia restrita aos fatos em ques-
tionamento.
Art. 5o – se houver autorização expressa do paciente, tanto na solicitação
como em documento diverso, o médico poderá encaminhar a ficha ou o
prontuário médico diretamente à autoridade requisitante.
Art. 6o – o médico deverá fornecer cópia da ficha ou do prontuário médico
desde que solicitado pelo paciente ou requisitado pelos Conselhos Federal
ou Regional de Medicina.
Art. 7o – para sua defesa judicial, o médico poderá apresentar a ficha ou o
prontuário médico à autoridade competente, solicitando que a matéria seja
mantida em segredo de justiça.
Art. 8o – nos casos não-previstos nesta resolução, e sempre que houver conflito
no tocante à remessa ou não dos documentos à autoridade requisitante, o
médico deverá consultar o Conselho de Medicina, onde mantém sua inscri-
ção, quanto ao procedimento a ser adotado.

DICAS
PRONTUÁRIO DE PACIENTES

Q É obrigatório ao médico o registro de todos os atos assistenciais em prontuá-


rio, constando os dados de identificação do paciente, anamnese, exame
físico, resultados de exames, hipóteses diagnósticas, diagnóstico(s) defini-
tivo(s), tratamento realizado, evolução diária, procedimentos realizados.
Q O registro em prontuário somente terá validade legal se for datado, assinado
e identificado pelo médico com seu número do CRM.
Q O prontuário em papel deve ser guardado por um período mínimo de 20
anos, a partir do último comparecimento do paciente. O registro eletrônico
deve ser mantido por prazo indefinido.
Q A manutenção do sigilo, privacidade e segurança das informações do pacien-
te é um dos deveres mais importantes do médico.
Q Cópias de documentos do prontuário somente podem ser fornecidas ao
paciente, mediante sua autorização expressa, ao médico assistente para
sua defesa ou mediante requisição judicial.

CONCLUSÕES
O prontuário do paciente é um documento de importância fundamental para
garantir a qualidade da assistência continuada ao paciente, do ensino e da pesquisa
e para assegurar ao médico e ao paciente o atendimento de todos os seus direitos
e deveres. O cumprimento das questões referentes ao conteúdo completo e de
qualidade, aos prazos de armazenamento e, principalmente, ao sigilo, à privacida-
de e à segurança das informações dos prontuários, é um compromisso legal e

486
ético assumido por todos os médicos e é o seu principal argumento de defesa
quando necessário.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CITADAS


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1997.

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torna obrigatória a criação da Comissão de Revisão de Prontuários nas instituições de saúde
[online]. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2002/
1638_2002.htm.

3. Conselho Federal de Medicina. Resolução n.1.639(2002). Normas Técnicas para o Uso de


Sistemas Informatizados para a Guarda e Manuseio do Prontuário Médico[online]. Disponí-
vel em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2002/1639_2002.htm.

4. Conselho Federal de Medicina. Resolução n.1.641(2002). Veda a emissão, pelo médico,


de Declaração de Óbito nos casos em que houve atuação de profissional não-médico e dá
outras providências[online]. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/
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5. Conselho Federal de Medicina. Parecer n.2(1994). Fornecimento de prontuário para au-


ditorias do SUS e Poder Judiciário[online]. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/
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6. Conselho Federal de Medicina. Resolução n.1.614(2001). Trata da inscrição do médico

PRONTUÁRIO DE PACIENTES
auditor e das empresas de auditoria médica nos Conselhos de Medicina. Revoga-se a Reso-
lução CFM n. 1.466/96[online]. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/
cfm/2001/1614_2001.htm.

7. Conselho Federal de Medicina. Parecer consulta n.5.150(1995). Fornecimento de pron-


tuário à empresa para pagamento contas[online]. Disponível em: http://
www.cremesp.org.br/legislacao/pareceres/parcfm/5150_1995.htm.

8. Conselho Federal de Medicina. Parecer consulta n.1.242(1989). Hospital enviar prontuá-


rios quando exigidos para pagamento de contas[online]. Disponível em: http://
www.cremesp.org.br/legislacao/pareceres/parcfm/1242_1989.htm.

9. Conselho Federal de Medicina. Parecer consulta n.4.842(1993) [online]. Disponível em:


http://www.cremesp.org.br/legislacao/pareceres/parcfm/4842_1993.htm.

10. Conselho Federal de Medicina. Resolução n.1605(2000). O médico não pode, sem o
consentimento do paciente, revelar o conteúdo do prontuário ou ficha médica. Revoga-se a
Resolução CFM nº 999/80[online]. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS


Conselho Federal de Medicina. Resolução n.1246(1988). Código de ética médica [online].
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Klück MM, Guimarães JR. Questões éticas e legais do prontuário de paciente: da teoria à
prática. Anais do VIII Congresso da Sociedade Brasileira de Informática em Saúde. Natal,
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Klück MM, Guimarães JR, Vieira DF, Silveira IP. Comissão de prontuários do HCPA. Manual
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Klück, MM. A gestão da informação em um hospital universitário: em busca da definição do


“prontuário essencial” do Hospital de Clínicas de Porto Alegre [Dissertação de mestrado]
Porto Alegre: PPGA/UFRGS; 1996.

Martinez D, Kluck MM, Leão ML. Informática médica. SEI/CNPq; 1981.


PRONTUÁRIO DE PACIENTES

488
27
ATESTADO DE ÓBITO
MOACIR ASSEIN ARÚS
LUCIA CAMPOS PELLANDA

O atendimento médico não se encerra no momento da morte e somente se


completará com a emissão de um último documento: o atestado de óbito, cujo
nome oficial é declaração de óbito.
A finalidade do atestado de óbito é confirmar a morte, esclarecer a causa da
mesma e satisfazer os interesses de ordem legal e médico-sanitários. O atestado
de óbito marca o fim da existência humana e da personalidade civil.
O preenchimento da declaração de óbito é essencial, pois é por meio dela
que se registra o óbito em cartório oficial, o qual expede a certidão, que é o
único documento que comprova o evento da morte para todos os fins que so-
brevirão àquela data. (Parecer CFM 57/99[1]).
O entendimento de como e por que se morre depende fundamentalmente do
médico. É dele a responsabilidade de fornecer os dados que permitirão a elabora-
ção das estatísticas sobre mortalidade pelas equipes de vigilância epidemiológica
das Unidades de Saúde, dos Municípios, dos Estados e da União. O preenchimen-
to correto da declaração de óbito é tão importante que o Conselho Federal de
Medicina, ao regulamentar a responsabilidade médica no fornecimento da mesma
(Resolução CFM no 1.601/00[2]), determina o seguinte em seu Artigo 1º:
“O preenchimento dos dados constantes na declaração de óbito é de respon-
sabilidade do médico que atestou.”
Segundo Astrid Viola, médica epidemiologista, “preencher corretamente os
documentos que atestam os eventos é o legado de cidadania que podemos deixar
para as próximas gerações. Assinar e depois delegar o preenchimento desses
documentos (a autora refere-se também à declaração de nascido vivo) para pessoas
que não compreendem para que eles se destinam é omitir-se na parcela de cons-
trução dessa história, é não se importar de sermos tachados de terceiro mundo”.

HISTÓRICO
Até o final do século XIX, o atestado de óbito era fornecido com modelos dife-
rentes existentes em cada país, fato que prejudicava a elaboração e comparação
de estatísticas de saúde.
Em 1925, a Organização de Saúde da Liga das Nações propôs um modelo
único de atestado de óbito para a declaração de morte. Em 1958, a Conferência
Internacional de Revisão e Classificação aprovou a sexta revisão da classificação
estatística internacional de doenças e adotou esse modelo como modelo interna-
cional de atestado de óbito, que passou a ser usado por quase todos os países do
mundo a partir de 1950. Estava, assim, uniformizada a anotação das causas de
morte. Esse modelo, com pequenas modificações, é utilizado até hoje.
No Brasil, o atestado de óbito já foi fornecido em receituários médicos ou em
papéis timbrados dos hospitais, sem obedecer a qualquer padronização. A partir
de 1950 houve a publicação de folhetos, artigos e livros com a finalidade de
educar e orientar os médicos quanto ao preenchimento correto do novo formulá-
rio, incluindo a publicação de Lincoln de Freitas Filho em 1956, denominada “O
clínico e a bioestatística”.
O modelo internacional de atestado de óbito foi implantado em todos os
estados do Brasil em 1950, porém não seguia sendo um modelo uniforme: os
formatos e as cores do documento eram diferentes de estado para estado, assim
como o número de vias a serem preenchidas.
Uma “declaração de óbito” padronizada para todo o país foi adotada em
1976, pelo Ministério da Saúde, que criou o Subsistema de Informações sobre
Mortalidade – SIM. A declaração de óbito segue o modelo internacional quanto
às causas de morte e uniformiza a forma de registrar todos os demais tipos de
informação. O subsistema de informações sobre mortalidade compatibiliza os
dados e permite a sua comparação em âmbito nacional, daí advindo maior raciona-
lização das atividades baseadas nas informações obtidas.
ATESTADO DE ÓBITO

PREENCHIMENTO DO ATESTADO DE ÓBITO


No Brasil, o atestado de óbito segue o modelo internacional e é impresso em um
modelo padronizado para todo o território nacional (Figura 27.1). Esse modelo
consta de duas partes.
Parte I, com quatro linhas (a, b, c, d), onde deve ser declarada em último
lugar a causa básica da morte. Acima dela, devem ser mencionadas as causas
conseqüenciais. A causa básica da morte é utilizada para a tabulação de estatísticas
de mortalidade. Ao conhecê-la bem, a saúde pública pode “prevenir a causa
básica para que ela não atue”.
A causa básica da morte é definida como a doença ou lesão que iniciou a
sucessão de eventos mórbidos que levou diretamente à morte; ou as circunstâncias
do acidente ou a violência que produziu a lesão fatal. Assim, o preenchimento
começa pela linha (d), com a causa básica ou primária. A causa básica dá origem
a algumas complicações, as causas conseqüenciais, que devem ser registradas
nas linhas acima dela (c, b, a). A última causa conseqüencial, registrada na linha
(a), é chamada de causa terminal ou imediata e refere-se à doença, lesão ou
complicação que causou diretamente a morte. Deve-se ter cuidado para não
inverter a seqüência, colocando a causa básica na letra (a), na qual deveria estar
a causa direta. Além disso, é importante frisar que a causa direta é a doença ou

490
República Federativa do Brasil
Ministério da Saúde
1a VIA - SECRETARIA DE SAÚDE
Declaração de Óbito N
o
5658297
1 Cartório Código 2 Registro 3 Data
Cartório

I
4 Município 5 UF 6 Cemitério

7 Tipo de Óbito 8 Óbito 9 RIC 10 Naturalidade


Data Hora
1 - Fetal 2 -Não
Fetal
11 Nome do falecido

12 Nome do pai 13 Nome da mãe


Identificação

II
15 Idade 16 Sexo 17 Raça/cor
Anos completos Menores de 1 ano Ignorado
14 Data de nascimento Meses Dias Horas Minutos M - Masc. F - Fem. 1 - Branca 2 - Preta 3 - Amarela
I - Ignorado 4 - Parda 5 - Indígena

18 Estado Civil 19 Escolaridade (Em anos de estudos concluídos) 20 Ocupação habitual e ramo de atividade
( se aposentado, colocar a ocupação habitual anterior)
1 - Solteiro 2 - Casado 3 - Viúvo
1 - Nenhuma 2 - De 1 a 3 3 - De 4 a 7 Código
4 - Separado 5 - União 9 - Ignorado
Judicialmente consensual 4 - De 8 a 11 5 - 12 e mais 9 - Ignorado

21 Logradouro (Rua, praça, avenida etc.) Código Número Complemento 22 CEP


Residência

III
23 Bairro/Distrito Código 24 Município de Residência Código 25 UF

26 Local de ocorrência do óbito 27 Estabelecimento


1 - Hospital 2 - Outros estab. Saúde 3 - Domicílio Código
4 - Via pública 5 - Outros 9 - Ignorado
Ocorrência

28 Endereço da ocorrência, se fora do estabelecimento ou da residência (Rua, praça, avenida, etc.) Número Complemento 29 CEP
IV

30 Bairro/Distrito 31 Município de ocorrência Código 32 UF


Código

PREENCHIMENTO EXCLUSIVO PARA ÓBITOS FETAIS E DE MENORES DE 1 ANO


INFORMAÇÕES SOBRE A MÃE 35 Ocupação habitual e ramo de atividade da mãe 36 Número de filhos tidos
(Obs. Utilizar 99 para ignorados)
Fetal ou menor que 1 ano

33 Idade 34 Escolaridade (Em anos de estudos concluídos)


Código Nascidos Nascidos
1 - Nenhuma 2 - De 1 a 3 3 - De 4 a 7 vivos mortos
Anos 4 - De 8 a 11 5 - 12 e mais 9 - Ignorado

V 37 Duração da gestação (Em semanas) 38 Tipo de Gravidez 39 Tipo de Parto 40 Morte em relação ao parto
1 - Menos de 22 2 - De 22 a 27 1 - Única 1 - Vaginal
1 - Antes 2 - Durante 3 - Depois 9 - Ignorado
3 - De 28 a 31 4 - De 32 a 36 2 - Dupla
2 - Cesáreo 41 Peso ao nascer 42 Num. da Declar. de Nascidos Vivos
5 - De 37 a 41 6 - 42 e mais 3 - Tripla e mais

ATESTADO DE ÓBITO
9 - Ignorado 9 - Ignorada 9 - Ignorada Gramas

ÓBITOS EM MULHERES ASSISTÊNCIA MÉDICA


43 A morte ocorreu durante a gravidez, parto ou aborto? 44 A morte ocorreu durante o puerpério? 45 Recebeu assist. Médica durante a doença que ocasionou a morte?
1 - Sim até 42 dias 2 - Sim de 43 dias a 1 ano
1 - Sim 2 - Não 9 - Ignorado 1 - Sim 2 - Não 9 - Ignorado
3 - Não 9 - Ignorado

DIAGNÓSTICO CONFIRMADO POR:


46 Exame complementar? 47 Cirurgia? 48 Necrópsia?
1 - Sim 2 - Não 9 - Ignorado 1 - Sim 2 - Não 9 - Ignorado 1 - Sim 2 - Não 9 - Ignorado
Condições e causas do ´óbito

49
CAUSAS DA MORTE ANOTE SOMENTE UM DIAGNÓSTICO POR LINHA Tempo aproximado
entre o início da
PARTE I doença e a morte CID
Doença ou estado mórbido que causou diretamente a
morte a
CAUSAS ANTECEDENTES Devido ou como conseqüência de:
VI Estados mórbidos, se existirem, que produziram a
causa acima registrada, mencionando-se em último b
lugar a causa básica.
Devido ou como conseqüência de:

Devido ou como conseqüência de:

PARTE II
Outras condições significativas que contribuiram
para a morte, e que não entraram, porém, na
cadeia acima

50 Nome do médico 51 CRM 52 O médico que assina atendeu ao falecido?


Médico

1 - Sim 2 - Substituto 3 - IML 4 - SVO 5 - Outros


VII 55
53 Meio de contato (Telefone, fax, e-mail etc.) 54 Data do atestado Assinatura

PROVÁVEIS CIRCUNSTÂNCIAS DE MORTE NÃO NATURAL (Informações de caráter estritamente epidemiológico)


56 Tipo 57 Acidente do trabalho 58 Fonte de informação
1 - Acidente 2 - Suicídio 3 - Homicídio 1 - Sim 2 - Não 1 - Boletim de Ocorrência 2 - Hospital 3 - Família
Causas externas

4 - Outros 9 - Ignorado 9 - Ignorado 4 - Outra 9 - Ignorado

59 Descrição sumária do evento, incluindo o tipo de local de ocorência


VIII

SE A OCORRÊNCIA FOR EM VIA PÚBLICA, ANOTAR O ENDEREÇO


60 Logradouro (Rua, praça, avenida etc.)
USO EXCLUSIVO DE PROFISSIONAL Código

NOME.
61 Declarante 62 Testemunhas
CRM:
S/ Médico
Localid.

IX DATA:
ASS. DO FUNC.:

Figura 27.1 – Modelo internacional do atestado de óbito.

491
complicação que levou à morte, e não a forma da morte (parada respiratória,
parada cardíaca).
Parte II, onde devem ser informadas outras condições significativas que contri-
buíram para a morte e que não entraram, porém, na cadeia acima.
A codificação das partes I e II de acordo com a CID é realizada por técnicos da
Equipe de Informação da Coordenação Geral de Vigilância em Saúde da Secretaria
Municipal de Saúde. Assim, as áreas sombreadas à direita de cada alínea não
devem ser preenchidas pelo médico.

CASOS CLÍNICOS
Caso 1
O caso clínico ilustrativo descrito a seguir foi publicado no documento “Decla-
ração de óbito” da Secretaria Municipal da Saúde de Porto Alegre:
A Secretaria Municipal da Saúde de Porto Alegre recebeu para codificação
uma declaração de óbito com a causa básica “septicemia”. Como a septicemia
tem sempre um fator gerador, procurou-se o médico que preencheu a declaração
de óbito para esclarecer sobre a cadeia de eventos que levaram à septicemia. A
partir das informações fornecidas pelo médico, encontrou-se um quadro de
peritonite provocado por um câncer de colo transverso. Com essas informações,
foi possível estabelecer a seguinte seqüência:
Parte I
ATESTADO DE ÓBITO

Linha a) _______________
Linha b) septicemia (causa terminal ou imediata)
Linha c) peritonite (complicações)
Linha d) câncer de colo transverso (causa básica do óbito)
Parte II
_____________________

Caso 2
Suponha-se um caso de desprendimento prematuro da placenta, com hemor-
ragia intensa e choque hipovolêmico da mãe. A criança nasceu prematura, vindo
a falecer mais tarde por complicações dessa condição.
Parte I
Linha a) hemorragia intraventricular
Linha b) doença da membrana hialina
Linha c) prematuridade
Linha d) desprendimento prematuro da placenta (causa básica do óbito)
Parte II
Persistência do canal arterial
Nesse caso, se não for informada a ocorrência do desprendimento prematuro
da placenta, não terá sido informada a causa básica de morte.

492
PREENCHIMENTO EM SITUAÇÕES ESPECÍFICAS
Quem deve preencher o atestado de óbito?
Em caso de morte natural, o atestado de óbito deve ser preenchido pelo
médico que vinha prestando assistência à pessoa que morreu. O médico não
deve atestar o óbito de pessoas a quem não tenha prestado assistência ou em
casos em que não for possível firmar diagnóstico. Entretanto, quando o médico
trabalha como plantonista em uma instituição com registros clínicos adequados,
e dispõe de todos os dados sobre a patologia e o tratamento do paciente, pode
assinar o atestado de óbito de um paciente cujo médico assistente não seja encon-
trado. No caso de falecimento dentro das instalações de uma UTI, cabe ao médico
plantonista da UTI o fornecimento do atestado de óbito (Parecer CFM no 9/
85[3]).

Pode um médico fornecer e assinar declaração de um óbito decorrente de


acidente de trânsito?
A legislação brasileira determina que, em caso de morte violenta (homicídio,
suicídio e acidentes) ou suspeita, o atestado de óbito seja fornecido por médico-
legista após necrópsia. Nessa determinação estão incluídas todas as mortes não-
naturais, inclusive os acidentes de trânsito, do trabalho e outros acidentes. Nas
localidades onde não haja Departamento Médico Legal, pode o Delegado de
polícia ou Juiz designar um médico não-legista para verificar o óbito e realizar a
perícia.
É importante não confundir morte suspeita com morte de causa indeterminada

ATESTADO DE ÓBITO
ou desconhecida, mesmo que súbita. Na Resolução CFM no 1.290/89, são
definidas a morte violenta e a morte suspeita:
“Artigo 4º– No caso de morte violenta ou suspeita é vedado ao médico assisten-
te atestar o óbito, o que caberá ao médico legalmente autorizado.
Parágrafo 1º – Entende-se por morte violenta aquela que resultante de uma
ação exógena e lesiva, mesmo tardiamente.
Parágrafo 2º – Entende-se por morte suspeita aquela que decorre de morte
inesperada e sem causa evidente.”

Nos casos de morte violenta, deve-se colocar como causa básica (linha d) as
causas antecedentes que provocaram as lesões: “Atropelamento”, “Queda de
andaime no trabalho”, “Agressão por arma de fogo” etc.?
Há controvérsia entre os autores. Alguns acreditam que não, pois esses são
fatos que dependem da conclusão da peça processual. A autoridade competente
pode solicitar esclarecimentos sobre o caso, por meio de uma consulta médico-
legal. Já outros autores acreditam que esse é um procedimento normal. De qual-
quer forma, no item VIII da declaração de óbito, que se refere às causas exter-
nas, está a solução para essa questão, pois devem ser assinaladas as “prováveis
circunstâncias de morte não-natural”, com referência ao fato de se tratarem de
informações de caráter estritamente epidemiológico.

493
O médico que vinha assistindo o doente no hospital tem obrigação de fornecer
atestado se o óbito ocorrer fora do ambiente hospitalar?
Sim. O fato de o óbito ocorrer fora do ambiente hospitalar não desobriga o
médico de emitir o atestado de óbito, a não ser que exista suspeita de morte
violenta, conforme preconiza o Artigo 115 do Código de Ética Médica e o Parecer
CRM-PR de 10/4/89.

Quem deve preencher o atestado de óbito de pessoas falecidas de morte


natural, mas que não estavam recebendo assistência médica?
Os atestados de óbito de pessoas falecidas de morte natural sem assistência
médica deverão ser fornecidos por médicos do Serviço de Verificação de Óbitos,
nas cidades onde houver esse serviço, por médicos do serviço público de saúde
mais próximo do local onde ocorreu o evento ou, na falta desses, por qualquer
outro médico da localidade. Em quaisquer dos casos, deverá constar no atestado
que a morte ocorreu sem assistência médica. No Rio Grande do Sul, muitos desses
casos têm sido resolvidos pelo Departamento Médico Legal.

O médico que trabalha em serviços de remoção, emergência e urgência


domiciliar (ambulância) deve fornecer o atestado quando encontra o
paciente já falecido em sua residência ou se o paciente vem a falecer
durante o transporte?
“O médico que atua nesse tipo de serviço, ao se deslocar para realizar o
atendimento, já possui algumas informações prévias a respeito do quadro do
paciente que irá atender, pois essas deverão obrigatoriamente ser informadas à
ATESTADO DE ÓBITO

central de regulação, antes do envio da ambulância”, segundo a Consulta CFM


no 2.478/2001[4]. Como conclusão, ao médico do atendimento pré-hospitalar
caberá o fornecimento do atestado de óbito. O médico não deve fornecer o
atestado em casos de morte violenta ou suspeita ou quando não tiver condições
de estabelecer a causa mortis com base nos meios disponíveis (informações da
central reguladora, da família, do hospital – nos casos de home care, exame in
loco do paciente). Nesses casos, deve encaminhar o caso para o Serviço de Verifi-
cação de Óbitos.

O atestado de óbito pode ser preenchido por outras pessoas que não o médico?
O preenchimento do atestado de óbito é um ato preferencialmente médico.
Não é um dever absoluto do médico por que a própria lei estabelece que, na
ausência de médico, duas pessoas idôneas podem ser nomeadas para que verifi-
quem a morte de uma pessoa (Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973[5] com
as corrigendas da Lei nº 6.216, de 30 de junho de 1975).

Há condições especiais para que o cadáver seja cremado?


A lei dos registros públicos permite a cremação quando houver prévia manifes-
tação da vontade do morto ou no interesse da saúde pública. O atestado de
óbito deve ser assinado por dois médicos ou por um médico legista. Nos casos de
morte violenta a cremação só pode ocorrer após autorização da justiça.

494
É possível alterar o atestado de óbito, em virtude de nele constar Aids como
causa da morte? (Consulta no 6.897/94 – CREMESP)
A colocação de Aids como causa de morte está correta, pois o médico o faz
cumprindo seu dever legal. Conforme dispõe o Artigo 102, caput, do Código de
Ética Médica, é vedado ao médico: “Revelar fato de que tenha conhecimento
em virtude do exercício de sua profissão, salvo por justa causa, dever legal ou
autorização expressa do paciente”. Assim, tratando-se de dever legal, não é
possível alterar o diagnóstico no atestado de óbito.

Em caso de morte fetal ou natimorto, quem deve assinar a declaração de óbito


do feto?
O preenchimento da declaração de óbito do feto, nesses casos, é responsabi-
lidade dos médicos que prestaram assistência à mãe, quando a gestação tiver
duração igual ou superior a vinte semanas, o feto tiver peso corporal igual ou
superior a 500 g e/ou estatura igual ou superior a 25 cm.
O preenchimento de declaração de óbito dos casos de perdas fetais abaixo
de 500 g não acarreta problemas para o médico. Alguns autores entendem que
seria correto o registro de todas as perdas fetais, tanto sob o ponto de vista
epidemiológico como pelos interesses estatístico-demográficos em questão.

DICAS
Q Morte natural sem assistência médica: encaminhe o cadáver ao serviço de
Verificação de Óbitos ou ao Instituto Médico Legal.

ATESTADO DE ÓBITO
Q Morte natural com assistência médica: o médico assistente ou seu substituto
deve fornecer a declaração de óbito.
Q Morte violenta ou suspeita: encaminhe o cadáver ao Instituto Médico Legal.
Q Só forneça a declaração de óbito se confirmar a morte pessoalmente.
Q Lembrar que o médico é responsável por todas as informações contidas na
declaração de óbito (Resolução no 1.601/2000[6] CFM). Assim:
– não assinar declaração de óbito em branco;
– não deixar declarações previamente assinadas;
– ao assinar a declaração de óbito, verificar se os itens de identificação
foram devida e corretamente preenchidos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CITADAS


1. Conselho Federal de Medicina. Parecer n.57(1999). Responsabilidade pela execução do
atestado de óbito[online]. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/pareceres/cfm/
1999/57_1999.htm.

2. Conselho Federal de Medicina. Resolução n.1601(2000). O preenchimento dos dados


constantes na declaração de óbito são da responsabilidade do médico que o atestou. Revo-
ga-se a Resolução CFM nº 1.290/89 [online]. Disponível em: http://
www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2000/1601_2000.htm.

3. Conselho Federal de Medicina. Parecer n.9(1985). Fornecimento de atestado de óbito


[online]. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/pareceres/cfm/1985/9_1985.htm.

495
4. Conselho Federal de Medicina. Processo-consulta n. 2.478(2001). Responsabilidade pela
emissão do atestado de óbito em serviços de atendimento pré-hospitalar [online]. Disponí-
vel em: http://www.portalmedico.org.br/pareceres/cfm/2003/4_2003.htm.

5. Brasil. Registros públicos. Lei n. 6.015 (31 de dezembro de 1973). São Paulo: Atlas; 1976.

6. Conselho Federal de Medicina. Resolução n.1.601(2000). O preenchimento dos dados


constantes na declaração de óbito são da responsabilidade do médico que o atestou. Revo-
ga-se a Resolução CFM nº 1.290/89 [online]. Disponível em: http://
www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2000/1601_2000.htm.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS


Conselho Federal de Medicina. Resolução n.1246(1988). Código de ética médica [online].
Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/1988/1246_1988.htm.

França G.V. Medicina legal. 5.ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara-Koogan; 1998.

Laurenti R, Jorge MH. O atestado de óbito. 2. ed. São Paulo: Centro Brasileiro de Classifica-
ção das Doenças; 1994. (Série Divulgação)

Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Secretaria Municipal de Saúde.– CGVS declaração de


óbito: como obter: como preencher- aspectos legais.

Viola A. Poderemos ter um conhecimento exato do mundo que nos cerca? AE notícias
[periódico online]. Disponível em: http://:www.saude.pr.gov.br

Sites recomendados
ATESTADO DE ÓBITO

Índice Fundamental do Direito:


http://www.dji.com.br/index_.htm?medicina_legal/documentos_medico_legais.htm&2

Conselho Federal de Medicina – Atestados Médicos:


http://www.cfm.org.br/ResolNormat/Alfabetica/Atestados_medicos.htm

UNIFESP Virtual:
http://www.virtual.epm.br

496
28
ATESTADOS MÉDICOS
MOACIR ASSEIN ARÚS
LUCIA CAMPOS PELLANDA

O atestado médico é um documento médico-legal que contém declarações escritas


sobre matéria médica com interesse jurídico. O atestado apresenta sempre dados
objetivos e não julgamentos ou opiniões pessoais. Para isso, é necessário que o
médico tenha efetivamente atendido e examinado o paciente. (Segundo o Artigo
110, do Código de Ética, “é vedado ao médico fornecer atestado sem ter praticado
o ato profissional que o justifique ou que não corresponda à verdade” e, de
acordo com a Resolução nº 1.488/98(1), do CFM, “qualquer decisão médica sobre
o estado clínico de paciente somente pode ser firmada a partir do exame direto
da pessoa objeto do interesse da decisão).
Segundo o Código de Ética Médica(2), Artigo 112, “o atestado médico é parte
integrante do ato ou do tratamento médico, sendo o seu fornecimento direito
inquestionável do paciente, não importando em qualquer majoração dos honorá-
rios”.
O preenchimento de atestados que não correspondam à verdade constitui-se
em uma infração ao código de ética médica e também em delito de falsidade de
atestado médico, conforme o Artigo 302 do Código Penal.
O atestado comum pode ter várias finalidades, como certificar condições de
sanidade ou doença, aptidão para atividade física ou impossibilidade de compa-
recer ao trabalho ou escola, ou realizar determinadas atividades.

ASPECTOS PRÁTICOS DA ELABORAÇÃO DE ATESTADOS


Q O atestado pode ser lavrado no próprio receituário do médico ou em papel
com timbre.
Q O atestado comum não tem apresentação rígida, mas consta de título,
texto, local, data e assinatura.
Q O documento deve ser escrito com clareza e de modo legível, mencionan-
do o nome completo da pessoa examinada, a finalidade para a qual foi
solicitado o atestado e a pessoa que o solicitou.
Q Um carimbo ou um receituário que refira o nome do médico e o registro
do Conselho de Medicina com clareza deve ser utilizado.
Q A adulteração fraudulenta deve ser evitada. Dessa forma, não é recomendá-
vel abrir, no atestado, parágrafos novos ou deixar linhas parcialmente utili-
zadas.
Q O médico deve exigir prova de identidade aos interessados na obtenção
de atestados de qualquer natureza. Em caso de menor ou interdito, a prova
de identidade deverá ser exigida de seu responsável legal (Resolução CFM
nº 982/79).

O QUE DEVE SER INCLUÍDO NO TEXTO DO ATESTADO?


Como já foi ressaltado, o médico jamais deve atestar sem ter efetivamente exami-
nado o paciente. Assim, é recomendável explicitar esse fato no texto do atestado.
Além disso, o médico deve comprometer-se apenas com o momento presente.
Para isso, podem ser usadas expressões como as apresentadas no Quadro 28.1.

O QUE FAZER QUANDO O PACIENTE SOLICITA A EXPLICITAÇÃO


DO DIAGNÓSTICO NO ATESTADO?
O diagnóstico em geral não deve ser explicitado no atestado, em defesa do
próprio paciente. No entanto, a especificação do diagnóstico ou do Código da
Classificação Internacional das Doenças é eticamente correta se for do interesse
do paciente, por justa causa ou dever legal. Conforme a Resolução CFM nº 1.484/
97 de 14/09/90: “É permitido ao médico, quando por justa causa, exercício de
dever legal, solicitação do próprio paciente ou de seu representante legal, forne-
ATESTADOS MÉDICOS

cer atestado médico com o diagnóstico. No caso de a solicitação ser feita pelo
paciente ou seu representante legal, essa concordância deverá estar expressa no
documento”.)
Assim, se o diagnóstico foi solicitado pelo paciente, recomenda-se escrever,
no verso do atestado, um texto semelhante ao que se segue, solicitando que o
paciente assine:
“Declaro que a explicitação do diagnóstico no documento é de meu interesse
e foi por mim solicitada.
Local, data e assinatura”.

O QUE FAZER QUANDO É NECESSÁRIO AFASTAR O


PACIENTE DE SUAS ATIVIDADES?
Para atestados com a finalidade de justificar faltas no trabalho, recomenda-se
explicitar o período de afastamento. Raramente é necessário atestar por um prazo
maior do que 15 dias. Quando for necessário um período maior, o paciente deve
ser encaminhado à perícia médica ou órgão competente, com uma declaração
sobre os achados do exame. Nesses casos, não é recomendável estabelecer quan-
tos dias o paciente deve ficar afastado; tal decisão cabe ao perito. Os atestados
de incapacidade permanente são reservados à perícia.

498
Quadro 28.1 Expressões usadas no texto do atestado

Expressão Observações
“O paciente não apresenta sinais Essa expressão evita que o médico se
e sintomas de _________ ao comprometa além do momento
presente exame.” presente. Evitar expressões como “é
portador de________” e “não deve
realizar atividades de
_______________”, pois esses fatos
podem sofrer alterações no futuro.
“Atendi ao Sr. João da Silva que É importante distinguir, no atestado,
apresentava história de...” queixa de sinal detectado ao exame
físico.
“Atesto, para fins escolares, Se o médico é especialista e não realizou
que ___________ não apresenta exame do sistema músculoesquelético,
contra-indicações cardiovasculares por exemplo, deve explicitar no
para a realização de atividade física atestado apenas aquilo sobre o qual
adequada para a sua faixa etária.” realizou a investigação. Além disso, a
expressão “adequada para a faixa
etária” evita que o atestado seja
utilizado para outras atividades para as
quais o médico não tenha sido
informado.

ATESTADOS MÉDICOS
“....compareceu à consulta Muitas vezes, os pais pedem atestado
acompanhado de sua mãe, em seu nome ao acompanhar a criança.
Sra.________.” O atestado deve ser para o paciente,
citando-se o nome do acompanhante,
se necessário.
“Atesto, para fins de dispensa no Recomenda-se explicitar a finalidade do
trabalho e a pedido do paciente, atestado e a pedido de quem ele foi
que examinei o Sr.___________, elaborado. Nos casos de afastamento
constatando que o mesmo deve das atividades usuais, recomenda-se
permanecer afastado de suas especificar o período adequado.
atividades profissionais por um
período mínimo de dois dias.”

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CITADAS


1. Conselho Federal de Medicina. Resolução n.1488(1998). Dispõe de normas específicas
para médicos que atendam o trabalhador [online]. Disponível em: http://
www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/1998/1488_1998.htm.

2. Conselho Federal de Medicina. Resolução n.1246(1988). Código de ética médica [online].


Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/1988/1246_1988.htm.

499
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS
Arbenz GO. Medicina legal e antropologia forense. Rio de Janeiro: Atheneu; 1988.

França GV. Comentários ao código de ética médica. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara
Koogan;2000.

França GV. Medicina legal. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan; 1995.

Grisard N. Manual de orientação ética e disciplinar. 2. ed. Florianópolis: Conselho Regional


de Medicina do Estado de Santa Catarina; 2000. vol 1 p. 79-85.

Laurenti R, Jorge MHM. O atestado de óbito. 2. ed. São Paulo: Centro Brasileiro de Classi-
ficação das Doenças; 1987. p. 51.

Silveira MH, Laurenti R. Os eventos vitais: aspectos de seus registros. Rev Saúde Públ
1973;7:37-50.

Xavier EF Filho. Rotina médico-legal. Porto Alegre: Sagra DC-Luzzato; 1992. p. 210.
ATESTADOS MÉDICOS

500
1
ÍNDICE

Os números seguidos de t se referem a anamnese 358


tabelas; os seguidos de f, a figuras; e os como diagnosticar 358
seguidos de q, a quadros. dicas de semiotécnica 372
avaliação da topografia da lesão/
correlação anatomopatológica
A
367-368
Acantose nigricans 98
escala de Glasgow 363
Acromegalia 98, 411
respostas normais do reflexo 370
Addison, doença de 89, 361, 407, 416
sinais de herniação central 372
Adie, pupilas 367
sinais de herniação lateral 372
Allen, teste de 292
vestibulocular 372
Alzheimer, doença de 441
etapas 358, 363
Anamnese 19-28, 358
exame físico geral 359
dicas de semiotécnica 23-24
exame neurológico 360-361
e princípios éticos 27q
morte cerebral 367
entrevista 23
funções do ego 26q
sintoma 23-24 B
e raciocínio diagnóstico 19-23 Babinski, sinal de 325, 327-328, 364, 427
estratégia hipotético-dedutiva 21 Baker, cisto de 293, 297
história completa 21 Bartholin, glândulas de 212
ramificação múltipla 21 Beau, estrias de 83
reconhecimento de padrão 20-21 Behçet, doença de 98, 183, 264
roteiro da 23 Bell, sinal de 346
elementos básicos da 24q Biot, respiração de 144
sintomas 25q Blumberg, sinal de 39, 191, 217
Argyll Robertson, pupilas de 341 Bouchard, nódulos de 84, 265
Atestado de óbito 489-496 Bradicardia 41, 62, 365, 402, 415, 417
casos clínicos 492 Bradipnéia 65, 136
histórico 489-490 Broca, afasia de 303, 305-306, 353
preenchimento 490-492 Broca, curetagem metódica de 80
situações específicas 493-495 Brown-Sequard, síndrome de 332, 335
Atestados médicos 497-500 Brudzinski, sinal de 355, 360
afastamento das atividades 498-499 Buerger, teste de 292
elaboração 497-498
explicitação do diagnóstico 498 C
texto 498 Cabeça. Ver Exame da cabeça e do pescoço
Austin Flint, sopro de 178 Canal anal. Ver Exame do canal anal
Avaliação do paciente em coma 357-373 Caquexia 177, 180, 421
Células de. Ver nomes específicos revisão de sistemas 384
Chagas, doença de 185 ronco 378-379
Charcot, Tríade de 191, 193 sonhos 382
Cheyne-Stokes, respiração de 65, 143, sonolência 376-378
166, 371-372, 462 tratamento 383-384
Churg-Strauss, síndrome de 264, 426 Diascopia. Ver Vitropressão
Coiloníquia 83 Doença de. Ver nomes específicos
Coma. Ver Avaliação do paciente em coma Down, síndrome de 20-21, 76, 134
Corrigan, pulso de 168, 178 Drogas. Ver Uso de drogas
Crohn, doença de 183, 208, 239-240, Dupuytren, contratura de 194, 270
248, 250, 265
Cullen, sinal de 192, 195, 198 E
Cushing, doença de 98, 417 Ectoscopia 71-77
Cushing, síndrome de 41, 76, 79, 98, 157, dicas de semiotécnica 76
195, 407, 417, 435 biótipo do paciente 75
estado de nutrição 76
D estágios de Tanner 75
Dermatologia. Ver Exame dermatológico hidratação 74, 76-77
Dermografismo 87 índice de massa corporal 74, 76
Desidratação 74, 77, 193-184, 229, 231, roteiro do exame 73-76
404, 412-413, 416 síndromes 76-77
Diabete 24, 85, 89, 98, 100, 103, 107-108, acromegalia 76
124-125, 127, 134, 166, 185, 190, 208, de Down 76
212, 225, 230, 241, 270, 293, 340, 358, de Klinefelter 76
362, 408, 412, 414, 417, 421, 453, 457, de Marfan 76
459, 460, 464, 466, 746 de Turner 76
Diagnóstico dos distúrbios do sono doença de Graves 76
avaliação clínica 385-389 lúpus eritematoso sistêmico 76
anamnese 386-387 mixedema 76
diário do sono 387-389 obesidade 74, 76
entrevista 385-386 síndrome de Cushing 37-38
início dos sintomas 386 Entrevista médica 451-458
métodos de registro do sono 389-391 anamnese 451-458
actigrafia 390 Epstein-Barr, vírus de 100, 114
oximetria 390-391 Ética. Ver Princípios éticos
oximetria e monitorização de Exame das mamas e do sistema genital
variáveis cardiorrespiratórias feminino
391 dicas 220
polissonografia 389-390 doença mamária 213-215
sinais e sintomas 375-385 abscesso subareolar crônico
apnéias 379-380 recidivante 214
cataplexia 382 alterações funcionais benignas da
exame físico e exames mama 213
complementares 384-385 ectasia ductal 213
hábitos 382-383 eczema areolar 214
insônia 375-376 galactocele 213
lista de verificação 383 mastite aguda 213
morte noturna 382 genitália feminina 215-220
movimentos ou atividades abortamento 218
anormais 380-382 dismenorréia 217-218

502
doença inflamatória pélvica 217 papilite 125
endometriose 217 retinopatia diabética 127-128
incontinência urinária 218-220 RDNP 127-128
prolapsos genitais 218-220 RDP 128
sangramento uterino anormal 215 retinopatia hipertensiva 126-127
secreção vaginal 215-217 técnica do exame 120-122
roteiro 212-213 Exame dermatológico 79-104
exame especular 212 diagnóstico topográfico 83-86
paciente deitada 212 antebraço 84
paciente sentada 212 axila 84
posição de litotomia 212 boca 85
toque bimanual 212-213 braço 84
toque retovaginal 213 cabelos 85
sinais e sintomas 211-212 couro cabeludo 85
dor pélvica 211 difusas pelo tegumento 86
hirsutismo 211 face 85
prurido vulvar 212 mãos 84
tumores benignos da mama 214-215 membros inferiores 86
Exame de fundo de olho 119-134 orelhas 85
acuidade visual 129-132 pálpebras 85
alterações patológicas 123-125 pêlos 86
cristalino 123 pés 86
hemorragias 124 pescoço 85
mácula 124-125 região anogenital 86
retina 123-124 região inguinal 86
anatomia ocular 120 supercílios 85
fundo de olho e AIDS 128 tronco 85-86
coriorretinite por taxoplasma 128 unhas 83-84
retinite por citomegalovírus 128 dicas de semiotécnica 86-87
retinite por varicela zoster 128 curetagem metódica de Brocq 87
retinopatia 128 dermografismo 87
fundo de olho normal 122-123 dermatoscopia 87
leucocorias 132-134 diascopia. Ver vitropressão
alterações do cristalino 133-134 fenômeno de Köbner 87
congênitas 133 isomorfismo. Ver fenômeno de
hipoxia 133 Köbner
infecções 133 sinal de Nikolsky 87
neoplasia 132-133 vitropressão 86-87
vascular 133 lesões elementares 80-83
localização das lesões 122 caducas 83
olho vermelho 128-129 com conteúdo líquido 82
quadros sindrômicos 125-126 por alteração da cor da pele 80-81
cicatriz de fotocoagulação a laser 125 por solução de continuidade 82-83
degeneração pigmentar 125 seqüelas 83
degeneração senil 125 sólidas 81-82
descolamento de retina 125 quadros sindrômicos 88-103
lipemia retiniana 125 lesões eritematosas e eritemato-
oclusão arterial 125 escamosas 92-97
oclusão venosa 125 lesões erosadas e ulceradas 102-103
papiledema 125-126 lesões exantemáticas 92

503
lesões papulosas, nodulares, criptite e papilite 248
escleróticas e vegetantes doença pilonidal 249
98-100 estenose anal 250
lesões pustolosas 101-102 fecaloma ou impactação fecal 250
lesões tumorais 89-91 fissura anal 248
lesões urticadas e edematosas 97 hemorróidas 246-248
lesões vesiculosas e bolhosas incontinência anal 249
100-101 infecções anorretais 248
manchas discrômicas 88-89 prolapso retal 249
roteiro 79-80 tumores anorretais 250
descrição, colocação da lesão e Exame do sistema cardiovascular 163-182
achados adicionais 80 ectoscopia 166
linfonodos e nervos periféricos 80 exame do pescoço 166-168
locais comuns das doenças 80 exame do tórax 169-173
mucosas e fâneros 80 agachamento 175
pele 80 amil nitrito 175
sinais de alerta 87-88 ausculta 170-173
eritrodermia 88 decúbito lateral esquerdo 174
HIV 88 elevação passiva de membros
melanoma 87-88 inferiores 174
Exame do sistema genital feminino. Ver exame físico 165-166
Exame das mamas e do sistema genital handgrip 175
feminino inspeção 169-170
Exame do canal anal. Ver Exame do reto e inspiração 174
canal anal manobras 173-176
Exame do reto e canal anal 237-251 Müeller 175-176
anatomofisiologia 242-244 nitroglicerina 175
canal anal 242 oclusão arterial transitória 175
mecanismo da continência fecal ortostatismo 174-175
242-244 palpação 170
reto 242 pós-batimento prematuro 176
roteiro do exame 244-246 sentado 174
anuscopia 245-246 sopros cardíacos 173
exame abdominal 244 Valsalva 174
exame proctológico 244 palpação dos pulsos 168-169
inspeção 244-245 pressão arterial 169
retossigmoidoscopia 246 quadros sindrômicos 176-182
toque retal 245 cardiomiopatia hipertrófica 180-181
sinais e sintomas 238-242 comunicação interatrial 181
alteração das fezes 241 comunicação interventricular 181
alteração do mecanismo de estenose aórtica 177-178
evacuação 241-242 estenose mitral 178-179
dor 239 estenose pulmonar 179-180
prurido 240-241 estenose tricúspide 180
sangramento 238-239 hipertensão pulmonar 181-182
sintomas gerais 242 insuficiência cardíaca direita 177
tumoração 239-240 insuficiência cardíaca esquerda 177
síndromes mais comuns 246-251 insuficiência mitral 179
abscessos e fístulas anorretais insuficiência pulmonar 180
248-249 insuficiência tricúspide 180
condiloma anal 249 pericardite 182

504
prolapso mitral 179 pirose 191
sopro fisiológico 176-177 proctalgia 191
sopro inocente 176 regurgitação 191
sinais e sintomas 163-165 sinal de Blumberg 191
dispnéia 163-164 sinal de Cullen 192
dor ou desconforto torácico 164-165 sinal de Grey-Turner 192
palpitações 165 sinal de Joubert 192
síncope 165 sinal de Murphy 192
Exame do sistema digestório 183-210 sinal de Rovsing 192
anamnese 183 sinal do obturador 192
ausculta 198-200 sinal do psoas 192
exame físico 194 sinal do vasculejo 193
exame físico e situações especiais 205-206 tenesmo 193
gravidez 205 tríade de Charcot 193
idades extremas 205 vômito 193
imunodeprimidos 205-206 Exame do sistema respiratório 135-162
pacientes com secção de medula 206 anatomia 141
inspeção 194-198 exame físico 142-152
palpação 201-204 boca 142
percussão 200-201 mãos 143
principais síndromes 206-209 nasofaringe 142
abdome agudo 206 pescoço 142
encefalopatia hepática 207 tórax 143-152
intestino irritável 207 sinais e sintomas 135-140
má absorção 207-209 chiado no peito 135
ruminação 206-207 cianose 135-136
síndrome dispéptica 207 coriza 136
sinais e sintomas 183-193 cornagem 136
aftas 183 dispnéia 136-137
“cólica” biliar 183-184 dor torácica 137-138
colúria 184-185 epistaxe 138
constipação 185 expectoração 138
diarréia 185-186 hemoptise 138-139
diástase dos retos abdominais 186 obstrução nasal 139
disenteria 186 rouquidão 139
disfagia 186 secreção retrofaríngea 140
dor abdominal 186-187 tiragem 140
enterorragia 187 tosse 140
eructação 187-188 vômica 140
estufamento abdominal 188 síndromes pleuropulmonares 153-160
flatulência 188 abscesso pulmonar 153
halitose 188 asma 153-156
hematêmese 188-189 bronquiectasias 156
hipocolia 189 carcinoma brônquico 156-157
icterícia 189-190 derrame pleural 157
incontinância fecal 190 doença pulmonar obstrutiva
melena 190 crônica 158
náusea 190-191 embolia pulmonar 158
nódulo de Sister Mary Joseph 191 pneumonias 158-159
odinofagia 191 pneumotórax 159
pêntade de Reynolds 191 tuberculose 160

505
situações especiais 152-153 tumores renais 233
idosos 152 uropatia obstrutiva 233-234
gestantes 152-153 varicocele 234
paciente em UTI 153 toque retal 227-228
Exame do sistema urinário 223-235 Exame do sistema vascular periférico
dicas de semiotécnica 228 289-298
genitália masculina 226-227 dicas 297-298
hérnias femorais 227 quadros sindrômicos arteriais 292-296
hérnias inguinais 227 aneurisma de aorta abdominal
investigação de hérnias 227 294-295
roteiro do exame 225-226 claudicação intermitente 293
sinais e sintomas 223-225 dissecção aguda de aorta 295
anúria 223 dor isquêmica em repouso 293
disúria 223-224 isquemia mesentérica 295
dor lombar 224 lesões tróficas 293-294
dor ureteral 224 oclusão arterial aguda 294
edema 224 oclusão arterial crônica 292-293
hematúria 224-225 síndrome compartimental 296
noctúria/nictúria 225 quadros sindrômicos venosos 296-297
oligúria 225 síndrome pós-flebítica 297
polaciúria 223-224 tromboflebite superficial 296
poliúria 225 trombose venosa profunda 296-297
retenção e incontinência urinária 225 varizes 297
urgência 223-224 roteiro do exame físico 290-292
síndromes nefrológicas 228-231 ausculta 291
anormalidades urinárias inspeção 290-291
assintomáticas 228 palpação 291-292
hipertensão arterial sistêmica 228 testes específicos 292
infecção do trato urinário 229 sinais e sintomas 289-290
insuficiência renal aguda 229 alteração da cor da pele 289-290
insuficiência renal crônica 230 alteração da temperatura 290
síndrome nefrítica 230 alterações tróficas 290
síndrome nefrótica 230-231 aumento de temperatura 290
tubulopatias 231 claudicação intermitente 289
urolitíase 231 dermatite ocre 290
síndromes urológicas 231-234 dermatolipoesclerose 290
adenocarcinoma de próstata 231 diminuição ou ausência de pulsos
criptorquidia 232 nas extremidades 290
epidimite aguda 232 dor 290
fimose 232 dor no repouso 289
hidrocele 232 edema 290
hiperplasia prostática benigna 232 empastamento muscular 290
orquite 232 esfriamento de extremidades 289
parafimose 232 hiperemia 290
priapismo 233 impotência erétil 289
prostatite aguda bacteriana 233 lesões tróficas 290
prostatite crônica bacteriana 233 massa pulsátil 290
torção do testículo sobre o cordão prurido 290
espermático 233 sintomas neurológicos 289
tumor de testículo 233 varizes 290

506
Exame hematológico. Ver Exame movimentos associados 325-326
oncológico e hematológico posturais e de endireitamento 325
Exame físico 458-463 primitivos 325
complementos 459 superficiais ou cutâneos 324-325
exame físico 461-463 síndromes motoras clássicas 326-350
paciente em posição supina 458-459 Exame oncológico e hematológico 419-438
paciente sentado 458 exame físico 421-424
relatório 460-461 avaliação de massa palpável 421-424
Exame neurológico 189-202 quadros sindrômicos e problemas
atitude 300 424-435
coordenação 310-312 anemia 424-427
alternância de movimentos compressão da medula espinal
antagônicos 311-312 431-432
metria e composição dos distúrbios da hemostasia 427-429
movimentos 310-311 distúrbios dos leucócitos 429
diagnóstico topográfico 352-353 hipercalcemia 433-434
topografia de artéria cerebral metástases cerebrais 432-433
média 353 neutropenia febril 434
topografia de artéria cerebral síndrome de compressão da veia
anterior 353 cava superior 429-431
topografia de artéria cerebral síndrome de lise tumoral 433
posterior 353 síndromes paraneoplásicas 435
equilíbrio e marcha 308-310 tamponamento cardíaco 433
estado mental 300-303 sinais e sintomas 419-421
memória 302-303 alerta para câncer 419-420
vigília e atenção 300-301 alterações do estado mental 421
exame da motricidade 312-318 anorexia e perda de peso 420-421
força muscular 315-318 febre 420
movimentos involuntários 313-314 fraqueza e cansaço 420
tônus 314-315 Exame ortopédico 273-288
trofismo 312-313 avaliação clínica das diferentes
funções cognitivas 303-308 articulações corporais 274-286
linguagem 303-308 membros inferiores 279-286
quadros sindrômicos 353-356 membros superiores 274-279
acidente vascular cerebral 355-356 avaliação da forma muscular 274
rigidez descerebrada 355 dicas 287
síndrome de herniação através do exame físico 273-274
tentório 354-355 movimentos articulares, tipos
síndrome de neurônio motor principais 274
inferior 353-354 quadros sindrômicos 286-287
síndrome de neurônio motor artrite 286
superior 354 bursite 286
síndrome do encarceramento 355 cervicobraquilgia 286
síndrome hipotônico-hipercinética condromalácia 286
354 hiperlordose 286
síndrome meníngea aguda 355 lombalgia 287
síndrome parkinsoniana 354 osteoartrose 286
síndromes sensitivas 355 osteocondrite 286
reflexos 318-326 osteomielite 286
estiramento muscular 321-324 osteonecrose 287

507
osteoporose 287 Hoffman, reflexo de 321
pé cavo 286 Horner, síndrome de 157, 340
pé eqüino 286
pé plano 286 I
síndrome do túnel do carpo 287 Índice de massa corporal 74, 76, 407-408
sinovite 287 índice de Quetelet. Ver índice de massa
tenossinovite 287 corporal
sinais e sintomas 273 Isomorfismo 87
anquilose 273
atrofia 273
cifose 273 J
escoliose 273 Jaccoud, artropatia de 261
hemartrose 273
hidroartrose 273 K
lordose 273 Kaposi, sarcoma de 85, 91, 433
pioartrite 273 Klinefelter, síndrome de 76
Köbner, fenômeno de. Ver Isomorfismo
F Kussmaul, respiração de 65, 143, 371, 462
Fabere, manobra 257 Kussmaul, sinal de 168
Fanconi, síndrome de 231
Febre 62-64, 92, 260 L
Funções do ego 26 Lesões elementares de pele 80-83
Levine, sinal de 164
G Linha. Ver nomes específicos
Gilbert, síndrome de 189 Lista de problemas 464-467
Giordano, sinal de 229 categorias de problemas 466-467
Glasgow, escala de 361, 363-364, 445 formulação do problema 465-466
Gottron, pápulas de 84, 94 Lúpus eritematoso sistêmico 76, 84, 94,
Gottron, sinal de 262 230, 261, 424
Graham-Steel, sopro de 180
Graves, doença de 21, 76, 99, 410 413- M
414, 420 Mallory-Weiss, síndrome de 189, 193
Grey- Turner, sinal de 192, 195, 198 Mamas. Ver Exame das mamas e do
sistema genital feminino
H Manobra. Ver nomes específicos
Hanseníase 80-82, 84-86, 98-99, 103 Marfan, síndrome de 76, 165-166, 178, 295
Hashimoto, tireoidite de 415 McBurney, linha de 195
Heberden, nódulos de 84, 265 McBurney, ponto de 191, 224
Henoch-Schönlein, púrpura de 264 McMurray, teste de 258, 266
Hill, sinal de 178 Mee, unhas de 84
Hipertricose 85-86 Mixedema 25, 76, 82, 86, 99, 166, 269, 318
História da doença atual 460 Morte cerebral 360, 363, 367-369, 371
História médica pregressa 24 Murphy, sinal de 39, 192
História familiar 24-25, 44, 72, 107, 139, Musset, sinal de 166, 178
214, 231, 250, 265, 386, 397, 415-
416, 422, 429-430, 453, 460 N
Hodgkin, doença de 212 Neurologia. Ver Exame neurológico
Hodgkin, linfoma de 117, 420 Nikolsky, sinal 87, 101
Nutrição 24-25, 74, 76, 401

508
O erros cognitivos no processo
Obesidade 41, 74, 76, 169, 195, 385, diagnóstico 56-58
407-408, 413, 418, 435 na estimativa de probabilidade 57-58
Oddie, síndrome de 247 modelos 51-55
Olho vermelho 128-129, 134, 265 abordagem probabilística formal
Onicodistrofia 83 54-55
Onicofagia 83 hipótese de trabalho 55
Onicólise 83-84, 95, 97 raciocínio causal 53-54
Opistótono 75, 355 raciocínio hipotético-dedutivo 51-53
Ortner, síndrome de 178 reconhecimento de padrões 53
Ortótono 75 verificação diagnóstica 55-56
Osler, nódulos de 84 falsificação 56
probabilidade da hipótese
diagnóstica 56
P
prova da coerência 55
Paciente em coma. Ver Avaliação do
prova da parcimônia 56
paciente em coma
prova da suficiência 55
Paget, doença de 214
Raynaud, fenômeno de 84, 86, 254-255,
Pancoast, tumor de 157
262, 264
Parkinson, doença de 40, 185, 384
Reiter, doença de 183
Parkinsonianas, síndromes 72, 75, 310,
Reiter, síndrome de 265
313-315, 318, 324, 328, 354
Reto. Ver Exame do reto e canal anal
Perfil psicossocial 24
Revisão de sintomas 23, 25
Pescoço. Ver Exame da cabeça e do pescoço
Rinne, teste de 107, 347
Phalen, manobra de 269
Romberg, sinal de 309, 427
Pleurostótono 75
Roth, manchas de 124, 166
Plummer-Vinson, síndrome de 425
Ponto. Ver nomes específicos
Pressão arterial 21, 61, 66-69, 165, 169, 264, S
296, 359, 385, 394, 401, 414, 461, 474 Semiologia baseada em evidências
Princípios éticos 27, 55 avaliação crítica de artigos 31
Prontuários delineamento de pesquisa 30-31
como fonte de informações 469-470 desempenho diagnóstico de sinais e
conteúdo e organização 472-475 sintomas 35-42
dicas 486 angiologia/cirurgia vascular 38
história 470-472 cardiologia 36-38
preenchimento 475-480 endocrinologia 41
prontuário eletrônico 480-482 gastrenterologia 39
questões éticas e legais 482-486 ginecologia/obstetrícia 41
Psiquiatria. Ver Semiologia psiquiátrica hematologia 42
Psoríase 81, 83-88, 96, 240, 263, 265 nefrologia/urologia 40
Pupilas de. Ver nomes específicos neurologia 40
pneumologia 35-36
escores de predição clínica e exame
Q
clínico 42-48
Queixa principal 23-24
cardiologia 42-43
Quincke, sinal de 178
doença vascular periférica 45
endocrinologia 47
R gastrenterologia 44
Raciocínio clínico e diagnóstico infectologia 45-46
aprendizado do raciocínio clínico 58-59 neurologia 46

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pneumologia 43 aumento do volume articular 254
probabilidade de hipotireoidismo 48 crepitação 254
interpretação dos resultados das dactilite ou “dedos em salsicha” 254
evidências 32-35 dor 254
desempenho diagnóstico individual entesite 254
32-33 fenômeno de Raynaud 254-255
escores de predição clínica 33-34 fraqueza 255
onde buscar evidências 29-30 instabilidade 255
livros 30 limitação do movimento 255
portais 30 rigidez articular 255
artigos na internet 30 sinal da flecha 255
recursos eletrônicos 30 sinal da gaveta 255
sites 30 sinal do impacto 255
Semiologia da cabeça e do pescoço 105-118 testes e manobras 257-258
cavidade bucal 108-110 compressão de Apley, teste de 258
dicas de semiotécnica 117 FABERE, manobra 257
faringe 108-110 Finkelstein, teste de 258
nariz e seios paranasais 110-117 Lachman, teste de 258
massas cervicais benignas 116 McMurray, teste de 258
massas cervicais malignas 116-117 Schöber, teste de 257
quadros sindrômicos verificação de sacroileíte 257
otorrinolaringológicos 111-116 Yergason, manobra de 257-258
orelha 105-108 Semiologia e síndromes endócrinas 407-418
corrimento; ver supuração exame físico 408-410
dor 105-106 tireóide 409-410
hipoacusia 107-108 quadros sindrômicos 411-418
otorragia 107 acromegalia e gigantismo 411
otorréia; ver supuração baixa estatura 411-412
prurido 106 bócio 412
supuração 106-107 diabete melito 412-413
supuração hemorrágica; ver diabete insípido 412
otorragia hiperprolactinemia 413
vertigem 108 hipertireoidismo 413-414
zumbidos 108 hipocalcemia 225-226
Semiologia do pescoço. Ver Semiologia da hipoglicemia 414
cabeça e do pescoço hipogonadismo 414-415
Semiologia do sistema locomotor 253-271 hipotireoidismo 415
dicas de semiotécnica 258-260 hirsutismo 415-416
expansibilidade torácica 260 insuficiência adrenal 416-417
métodos palpatórios de pan-hipopituitarismo 417
articulações individuais 258-259 síndrome de Cushing 417-418
movimento passivo versus ativo 260 sinais e sintomas 407-408
registro de exame articular 259 alopecia androgênica 408
quadros sindrômicos 260-271 amenorréia 408
articulares 260-267 diminuição de libido 408
monoartrites crônicas 267 emagrecimento 407
reumatismos de partes moles 267-271 estrias 407
roteiro do exame 255-257 galactorréia 407
sinais e sintomas 254-255 hiperpigmentação 408
artrite e sinovite 254 obesidade 407-408

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polidipsia 408 Sistema vascular periférico. Ver Exame do
polifagia 408 sistema vascular periférico
poliúria 407 Sono. Ver Diagnóstico dos distúrbios do sono
Semiologia e síndromes hematológicas Sopro de. Ver nomes específicos
229-240 Stevens-Johnson, síndrome de 97
abordagem do paciente 229, 236-240 Sydenham, coréia de 260
anemia 236-238
leucocitose 238-239 T
neutropenia 239 Taquicardia 33, 41, 62, 77, 156, 159, 177,
policitemia 238 211, 260, 294, 296, 381, 401-404,
sangramentos 239-240 414, 417, 425-426, 466
anamnese 230-232 Taquipnéia 65-65, 73, 136, 142, 156,
exame físico 232-236 158, 211, 381, 404, 414
Semiologia psiquiátrica 439-449 Teste de. Ver nomes específicos
exame do estado mental 439-442 Tietze, síndrome de 164, 270
exame neuropsicológico do estado Tinel, sinal de 269
mental 445-447 Tinel, manobras de 269
exame psicanalítico, dinâmico ou Trendelenburg, sinal de 280
compreensivo 442-444 Trousseau, síndrome de 296
exame da vida emocional 442-445 Turner, síndrome de 76, 166, 412
orientações e dicas 446-447
síndromes psiquiátricas 447-448
Sheehan, síndrome de 248 U
Sinal. Ver nomes específicos Uso de drogas 393-405
Sinais vitais 61-69 síndromes de abstinência, sinais e
freqüência cardíaca 61-62 sintomas 403-404
freqüência respiratória 64-65 síndromes toxicológicas agudas 401-402
padrões respiratórios 65 suspeita de uso, sinais e sintomas 394-401
pressão arterial 66-69 em avaliações de rotina 395-401
classificação 68-69 em situações de intoxicação aguda
situações especiais 66-68 394-395
temperatura 62-64 uso prolongado, sinais e sintomas
febre e hipertermia 62-64 402-403
Síndrome de. Ver nomes específicos
Síndromes endocrinológicas. Ver Semiologia V
e síndromes endocrinológicas Valsalva, manobra de 106, 130, 174, 202,
Síndromes nefrológicas 228-231 212, 218, 227, 234, 245
Síndromes urológicas 231-234 Virchow, nódulo de 424
Sistema cardiovascular. Ver Exame do Vitopressão 86-87
sistema cardiovascular von Willebrand, doença de 428, 429
Sistema digestório. Ver Exame do sistema
digestório
W
Sistema genital feminino. Ver Exame das
Weber, teste de 107, 347
mamas e do sistema genital feminino
Wegener, granulomatose de 264
Sistema locomotor. Ver Semiologia do
Wernicke, 303, 305-307, 341, 353
sistema locomotor
Sistema respiratório. Ver Exame do
sistema respiratório Y
Sistema urinário. Ver Exame do sistema Yergason, manobra de 257-258, 268
urinário

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