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RESUMO
Este trabalho apresenta a primeira experiência em EAD aplicada à disciplina Contraponto Barroco na
Escola de Música da UFMG em 2017. O texto localiza a disciplina Contraponto Barroco no ensino da
composição musical, justifica sua função e importância, e em seguida descreve e analisa o tipo de
metodologia adotada nesta experiência EAD. Através da matriz de atividades proposta por Andrea
Filatro (2009) são percorridos os passos adotados para a organização da disciplina, são explicadas
as TDIC empregadas, assim como exemplos das atividades desenvolvidas pelos estudantes, sempre
apresentados com exemplos em partitura. Na parte final são apresentados resultados retirados da
avaliação presencial efetuada no final do semestre, à guisa de ilustração do rendimento obtido pelos
estudantes. Trata-se de um primeiro relato que visa iniciar a reflexão sobre uma iniciativa que
certamente será levada a diante.
INTRODUÇÃO
Partimos aqui de uma experiência pessoal de 27 anos de docência tradicional de
A transposição para a categoria EAD de uma disciplina que, por seu caráter
essencial, já foi intensamente experimentada no molde presencial, não se dá por um
simples deslocamento do ambiente de aprendizagem. A possibilidade de se lançar
mão das TDIC (tecnologias digitais de informação e comunicação) abre ao mesmo
tempo uma diversidade de perspectivas, mas também de novas questões a serem
resolvidas. Correa e Mill (2013, p.3) chamam a atenção para a necessidade de
aprofundamento nas estratégias metodológicas, com destaque para as TDIC que
alteram toda a mecânica da aprendizagem, ao expandirem as possibilidades de
apresentação do conteúdo. Importante também considerar as transformações na
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O primeiro tratado de contraponto foi publicado em 1725 por J.J.Fux (FUX, 1965). A partir dos
primeiros anos do século XIX, com o início da tradição européia do ensino conservatorial, o
Contraponto, seja como disciplina, seja como conteúdo, tornou-se obrigatório em todo curso de
composição, o que ainda acontece na maioria das escolas dedicadas ao ensino superior de música
no Brasil e no exterior.
função do professor, incorporando o conceito de polidocência. Como afirma Mill
(2010, p.24) torna-se impossível em EAD um professor atuar sozinho e
isoladamente, dando conta de toda a montagem e execução do projeto – uma
equipe multidisciplinar é indispensável no caso.
METODOLOGIA
Andrea Filatro (2009, p.101) propõe a elaboração de uma matriz de atividades de
modo a deixar claro o modelo pedagógico adotado em um processo de
aprendizagem qualquer. Essa matriz consta de 9 itens:
1. Unidades de estudo
2. Objetivo
3. Atividade
4. Quem executa a atividade
5. Duração
6. Ferramentas
7. Conteúdos
8. Produção dos alunos
9. Avaliação
3 O currículo de graduação das escolas de ensino superior de música tem as disciplinas Harmonia e
Contraponto como 2 eixos estruturantes do estudo de composição. A Harmonia subsidia o estudo do
Contraponto em sua vertente tonal, que é o caso do contraponto barroco. Na UFMG este modelo tem
sido seguido desde sua fundação em 1925, seguindo o modelo dos conservatórios europeus. O
estudo do Contraponto Barroco (Contraponto II) na verdade sucede o estudo do Contraponto
Renascentista (Contraponto I) que se dedica à escrita baseada em autores do século XVI. O
contraponto renascentista é de ordem modal, enquanto o contraponto barroco é de ordem tonal, e
por isto mesmo bem mais complexo. As diferenças entre os dois estilos pode ser aprofundada na
literatura específica (FUX, 1965; KENNAN, 1999). Não o faremos por não ser este exatamente o foco
do presente trabalho.
Figura 1. Giga para Violino solo em Ré menor – J.S.Bach
Objetivo
Todas as etapas enumeradas anteriormente tiveram como objetivo levar o aluno ao
conhecimento das teorias que sustentam a escrita polifônica, e à consequente
prática de exercícios nessa escrita. Como afirmado anteriormente, a obra de
J.S.Bach é considerada o ápice da escrita polifônica de ordem tonal. O aluno, ao se
esforçar para reproduzir tal modelo, é levado a considerar uma série de variáveis
que podem fazer parte da escrita musical em qualquer estética que se queria
considerar. Estamos nos referindo aqui ao controle das densidades da textura, ao
fluxo do movimento, à direcionalidade e consequente localização dos pontos
culminantes, ao aproveitamento do registro, à regulagem do tematismo pela relação
entre as figuras em jogo.
Atividade
Com relação a este aspecto, Filatro (2009, p. 101) nos pergunta sobre o que os dois
lados envolvidos mais diretamente na questão pedagógica – alunos e professores –
efetivamente farão. É possível resumir este aspecto a duas atividades básicas e
comuns a todo tipo de pedagogia tradicional: os alunos absorvem a teoria dos textos
disponibilizados no AVA, que incluem exemplos com análises e áudio associado, e
em seguida elaboram os exercícios de escrita propostos em cada unidade. O
professor recebe os exercícios e os devolve através de um fórum de dúvidas, com
comentários, observações de ordem geral e sugestões de alteração no sentido de
viabilizar a melhor continuidade.
Duração
Pelo que foi observado os espaços e os tempos se alteram substancialmente a partir
do momento em que uma troca efetiva de ambiente é proposta, passando-se do
molde presencial ao molde EAD. Aqui vale uma observação importante. O
desenvolvimento de cada unidade foi previsto de acordo com a experiência
pregressa de aplicação da disciplina no formato presencial. O cálculo do tempo
necessário a cada tarefa deve ser sentido e amadurecido pela experiência no novo
formato. Uma primeira edição da disciplina fatalmente cairia em surpresas ou
imprecisões imprevistas devidas ao caráter ainda experimental da aplicação. Cada
unidade foi prevista com uma faixa de tempo própria que foi sendo ajustada no
correr do semestre. O maior ajuste teve que ser feito através da compressão da
quinta unidade – invenções a 3 vozes – que foi reduzida a um tempo mínimo, sendo
que o objetivo final da unidade, ou seja, escrever uma invenção a 3 vozes completa,
não foi cumprido. É fundamental assinalar também que a primeira oferta da
disciplina Contraponto Barroco no formato EAD no segundo semestre de 2017 se
deu na sequência de um ajuste curricular, que por sua vez comprimiu o conteúdo
geral da disciplina Contraponto4 (que envolve o contraponto renascentista e em
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Tal modificação obrigou a uma compressão no conteúdo geral dos dois contrapontos. Nossa opção aqui foi de
partir para uma experiência em uma nova plataforma com uma programação alterada, que já predizia a
necessidade de ajustes das temporalidades e dos conteúdos no correr do semestre. Apesar da impossibilidade
de aplicação das 6 unidades completas, a experiência pode ser considerada muito positiva, se consideramos os
exercícios executados ao final do semestre. A próxima edição da disciplina no segundo semestre de 2018 será
seguida o contraponto barroco, do qual tratamos neste trabalho), passando de 4
semestres de 3 créditos para 2 semestres de 4 créditos.
promovida em moldes mais realistas e confortáveis. Somente o tempo e a repetição permitirão a boa
regulagem desta questão face às imposições da nova estrutura curricular.
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A exposição de fuga é a seção de abertura da forma, na qual as vozes enunciam o tema principal da
composição, através da entrada de cada voz individualmente, funcionando como sujeito ou como resposta
(que corresponde ao sujeito transposto uma 5ª justa acima ou 4ª justa abaixo) e que envolve ainda a
necessidade ou não de mutação. O stretto é a seção que acontece geralmente na porção final da fuga, sem ser
uma seção obrigatória, e onde se utiliza 2 ou mais entradas do sujeito original de forma estreitada no tempo, o
que supõe a superposição de uma porção final de um enunciado à porção inicial do próximo enunciado.
Tratam-se de detalhes de menor importância para a compreensão do presente texto, e que por isto mesmo
foram expostos de forma bastante concisa. A exposição e o stretto da fuga podem ser melhor compreendidos
nos tratados de Fux (1965) e Kennan (1999).
EAD é necessário ter clareza quanto à real configuração da sala de aula virtual. Só
assim será possível atingir um equacionamento satisfatório do ponto de vista
pedagógico.
Ferramentas
Aqui se apresentam as tecnologias utilizadas para a realização das atividades. A
primeira delas, de fundamental importância foi o software de edição de partituras
Musescore. A escolha recaiu sobre o Musescore inicialmente por se tratar de um
software livre e de fácil manipulação. É necessário dizer que softwares de edição de
partituras já fazem parte do universo comum da grande maioria dos alunos da
Escola de Música. Ao discutir o aluno na sala de aula virtual, Guimarães nos faz
perceber que os nativos digitais - o que é seguramente o caso do público desta
disciplina - são digitalmente alfabetizados:
Como cresceram com amplo acesso à tecnologia, são hábeis em usar uma
enorme variedade de TICs e navegar na Internet de maneira intuitiva.
Apesar de se sentirem confortáveis usando a tecnologia sem consultar
manuais de instrução, sua compreensão sobre a qualidade da fonte de
informação pode ser reduzida. Interagem melhor com a linguagem visual do
que as gerações anteriores e muitas vezes se expressam usando imagens.
São capazes de mesclar textos, imagens e sons de maneira natural. Sua
habilidade de transitar entre o real e o virtual é instantânea [...]
(GUIMARÃES, 2012, p.129).
Mesmo estando inteiramente de acordo com a afirmação acima, foi elaborada mais
uma TDIC específica - um tutorial para o Musescore sob formato de vídeo, com 9
minutos de duração - de forma a introduzir os alunos na utilização do programa.
Estas duas TDIC somadas ao perfil característico do público alvo descrito acima por
Guimarães foram amplamente suficientes; não houve nenhuma observação no
correr do semestre que nos demonstrasse o oposto.
Gostaríamos de chamar a atenção para uma última TDIC empregada nesta primeira
experiência EAD, e que nos pareceu de fundamental importância e que nos parece
ser a principal contribuição deste trabalho. Durante o desenvolvimento das primeiras
unidades a troca com os alunos foi efetiva, com as diferenças de intensidade que
caracterizam a heterogeneidade dos perfis de cada um deles. Apesar dos alunos
enviarem fórum de dúvidas exercícios parcialmente elaborados, que eram
devolvidos na rapidez possível para incentivar ainda mais as trocas, decidimos pela
gravação de um vídeo com a correção de um dos exercícios enviados – acreditamos
que esta TDIC foi fundamental para o crescimento do aproveitamento.
Conteúdos
Os conteúdos trabalhados no semestre foram descritos dentro do primeiro item
Unidades de Estudo, com um detalhamento das 6 unidades que compõem o
programa, assim com as questões de ajuste que surgiram durante a aplicação. Não
retornaremos a este tópico por considerá-lo já suficientemente explorado.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Aproveitaremos os 2 últimos itens da matriz de atividades proposta por Andrea
Filatro para a apresentação dos resultados e sua discussão.
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A título de ilustração podemos nos lembrar da Arte da Fuga, obra prima de J.S.Bach, referência da escrita
contrapontística em sua mais alta expressão, que consiste em um conjunto de 20 fugas construídas sobre um
único material temático, sendo a última inacabada, e que segundo Jacques Chailley “representa o mais colossal
esforço jamais tentado por um músico de gênio para demonstrar as possibilidades de desenvolvimento
virtualmente incluídas em um tema simples” (CHAILLEY, 1971, p.4).
aprendizado, e que o estudo de música, sobretudo naquilo que toca à criação,
envolve um item extremamente complexo de difícil abordagem que é a musicalidade
que vai no interior de cada indivíduo. As generalizações se tornam complicadas
sobretudo pela quase inevitabilidade de se adentrar o terreno estético-filosófico no
momento em que se julga um produto musical. Não faremos tal incursão.
Apresentamos aqui alguns exercícios feitos pelos alunos que podem ser
considerados como soluções bastante aceitáveis em termos de estilo, mas que pelo
próprio caráter de objeto inacabado poderiam ainda ser retificados. Acreditamos que
estes exercícios funcionam como o testemunho cabal do sucesso da empreitada
aqui descrita. Não há como elaborar tal material sem um aprendizado minimamente
consolidado.
Figura 5. Acima a linha melódica original de J.S.Bach; logo abaixo a solução do aluno.
Figura 6. Acima a linha melódica original de J.S.Bach; logo abaixo a solução do aluno.
A observar que na solução da Figura 6 a orientação dos pontos culminantes foi feita
no sentido inverso ao do modelo, ou seja, na melodia dada a linha se orienta no
sentido ascendente, e na solução do aluno no sentido descendente. Em ambas
existe também a preocupação com os perfis rítmicos e melódicos das figuras. Isto
pode ser observado na Figura 6: no modelo dado o perfil melódico do segundo
compasso se refere nitidamente ao do primeiro compasso, sendo ligeiramente
variado no terceiro compasso, com uma fórmula terminal no quarto compasso. O
exercício elaborado pelo aluno reproduz estas relações, mas com um perfil
diferenciado, assim como diferenciada é sua orientação no registro.
Figura 7. Início de Invenção a 2 Vozes feita por aluno a partir de um motivo dado.
Avaliação
Com este último item da matriz de Filatro (2009) fechamos nossa exposição. Ao final
do semestre foi realizada uma atividade de avaliação presencial, no modelo clássico
de prova dada em sala de aula, realizada individualmente. Um dos objetivos da
avaliação foi a escrita de um trecho de contraponto a 3 vozes a partir de um
encadeamento dado. Apresentamos a seguir nas Figura 8 e 9, duas soluções
apresentadas por alunos na avaliação presencial do final do semestre:
Foram expostos aqui alguns dos resultados obtidos pelos alunos durante o correr do
semestre, concluindo com os dois exemplos anteriores das figuras 8 e 9, retirados
da avaliação final presencial. Neste trabalho a ordem seguida foi da menor
complexidade – escrita de melodias – para a maior complexidade – escrita de
contraponto a 3 vozes. A tentativa aqui não foi a de apresentar a excelência de um
modelo e seus possíveis resultados, mas simplesmente deixar claro que nesse
campo também a EAD pode funcionar com bastante eficácia. Não temos notícias até
o momento de aplicação da EAD no ensino do Contraponto nos moldes aqui
apresentados no ensino superior no Brasil, mas a impressão que nos fica é de que o
caminho é irreversível e deve se expandir. No currículo da Escola de Música da
UFMG atual diversas disciplinas que trabalham diretamente com a escrita musical (e
que pelo caráter extremamente aberto das soluções possíveis poderiam parecer
distantes de uma realidade EAD) podem investir nesta direção, como Harmonia,
Contraponto Renascentista, Orquestração, Percepção Musical, dentre outras.
O pequeno exemplo de resultado de avaliação final aqui apresentado demonstra
apenas uma mínima parcela do que é possível conquistar em termos de eficácia
pedagógica, e traz a reflexão para o campo avaliativo. É de fundamental importância
que se considere a experiência EAD como um ponto de passagem para uma nova
realidade pedagógica, na qual o processo avaliativo funciona não somente como
avaliação do aluno, mas como avaliação das metodologias adotadas, dos prazos
estabelecidos para cada tarefa, do ordenamento dos conteúdos, dos modos de
interação com o aluno no ambiente virtual. É importante observar o que nos diz
Imiracy Polak ao refletir sobre o processo avaliativo em EAD:
REFERÊNCIAS
BERIO, Luciano. Entretiens avec Rossana Dalmonte. Paris: Editions J.C.Lattès,
1981.
FUX, Johann Joseph. The study of counterpoint from Johann Joseph Fux's
Gradus ad Parnassum. No. 277. WW Norton & Company, 1965.