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teatro
por Dodi Leal1
Muitos dos termos acima são comumente confundidos no cotidiano. O trabalho há mais
de 10 anos que realizo em São Paulo a partir das abordagens do Teatro do Oprimido, da
Comunicação Não-Violenta, da Economia Solidária, da Educação Popular e dos Sistemas
Restaurativos permitem contribuir para qualificarmos estes termos que ora são usados
como mecanismos de resistência e enfrentamento de problemas sociais, ora nos apontam
conteúdos de extrema relevância na nossa formação subjetiva.
O objetivo deste texto é apresentar alguns dos achados que a prática teatral engajada
tem o potencial de sistematizar. Aqui estamos falando de um teatro aplicado em que
pressupomos o potencial que este fazer estético tem quando tomado não apenas como
um ofício da cultura e restrito a profissionais da cena. Trata-se aqui do saber humano que
o teatro proporciona para qualquer pessoa que assiste ou que se envolve em processos
de criação.
Para escrever este texto recorro às anotações de aula de uma disciplina de graduação
que tive o prazer de ministrar no Instituto de Psicologia da USP em 2015 ao lado do Prof.
Luis Galeão, meu orientador de Doutorado. A disciplina chamou-se Teatro do Oprimido:
procedimentos teórico-práticos de criação estética e de intervenção comunitária. Um
marco histórico: a primeira vez que o Teatro do Oprimido, um saber popular sistematizado
por Augusto Boal, foi ministrado como disciplina em uma universidade pública no estado
de São Paulo. Outra fonte que apoiou na escrita deste texto foi a entrevista que dei à TV
É preciso deixar claro que a contribuição ética de Boal para o teatro está em trazer para o
centro das atenções da cena e do público, por meio do conceito de opressão, as
problemáticas sociais. No entanto, a visão superficial sobre o conceito de opressão leva a
uma compreensão de que um problema social deve ser erradicado. Bem, a perspectiva
dialógica empregada em todas as etapas de procedimentos criativos e de recepção do
Teatro do Oprimido evidencia que trata-se de discutir, avaliar e testar hipóteses sobre o
problema. No entanto, há algo que escapa deste conjunto de práticas: o conflito é fonte de
recurso.
Ainda que tenha argumentado que opressão se fundamenta em uma espécie de crise
chinesa (perigo e oportunidade), Boal não encampa o potencial que tem o conflito como
Rosenberg nos demonstra por meio da Comunicação Não-Violenta. Conflito é matéria de
vida, de aprendizado, de crescimento e transformação.
Uma postura diferente a atacar e fugir: ir de encontro. Dirigir-se a quem o conflito está
estabelecido. Aí você me pergunta: e fazer o quê ao se dirigir a quem o conflito está
estabelecido? Eu respondo: a princípio, nada! O mais importante é encontrar. Mas é claro
que novas ações podem decorrer deste encontro.
Então, se a não-violência está para agressividade que está para a tática de ir ao encontro,
a violência está para opressão que está para atacar e fugir.
Aí você me pergunta: ir de encontro com quem nos causa dor é uma sugestão à se
colocar no lugar dele? Não. Alteridade é diferente de empatia. Você pode ter empatia por
uma pessoa sem se colocar no lugar dela, que é o significado de alteridade. Ir de
encontro a quem nos causa dor é um exercício de empatia. A empatia é transformadora
ao mostrar corpo a corpo como há movimento e vida em todos os lados de um conflito. E
não se trata apenas de um denominador comum. É toda a grandeza que pode existir
entre duas ou mais pessoas que estão em conflito ou que representam diferentes
marcadores sociais de desigualdades. Ir de encontro nos mostra vida, sendo vida. Vida no
outro e vida em mim. Há verdade mais pulsante em um conflito do que a confirmação de
que as emoções e necessidades pululam em todas/os em todos os momentos? Somente
aí deve ter conexão.
Em um mundo em que os privilégios se configuram de maneiras complexas entre as
pessoas no social, a conexão é possível entre pessoas que representam diferentes
marcadores sociais de desigualdade. No entanto, a identidade somente é possível entre
pessoas que representam os mesmos marcadores sociais de desigualdade. Está aí a
diferença entre empatia e simpatia. Empatia pode promover conexão. E só existe a
simpatia pela identidade.
Quando pessoas negras interrompem uma temporada de espetáculo feito por pessoas
brancas encenando personagens negras (black face) ou quando o movimento trans exige
que homens cis (ainda que gays) parem de representar mulheres transgêneras no teatro
estamos falando de demandas por protagonismo. O teatro naturalizou a alteridade como
procedimento então a arte vira a desculpa/álibe para não se encarar coletivamente o
problema ético/estético do protagonismo.
Pode soar estranha a definição aqui usada para simpatia sobretudo porque no senso
comum este termo é empregado para indicar ações de gentileza. Não estamos falando de
gentileza, e sim de identidade. Sym = mesma, pathos = emoção. Passar pela mesma
emoção/dor/opressão ou ter o mesmo marcador social de desigualdade que outra pessoa
é uma relação de identidade. Identidade étnica, identidade de gênero, identidade
transgênera, identidade geracional, identidade de classe.
Bom, procurei elencar aqui alguns dos temas relevantes que se chocam entre a prática
teatral e os paradigmas de não-violência para dar um exemplo sobre o tema das
transgeneridades como parâmetro de reflexão/resistência da poética de gênero para a
cena e para a vida em sociedade.
O próximo texto será sobre a Teatra da Oprimida, sob uma perspectiva transgênera.