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01/08/2019 Linguagem e Consciência: a Voz Média

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Linguagem e Consciência
- a voz média
Mário Bruno Sproviero
(Prof. Associado do DLO-FFLCHUSP)
(entrevistado por L. J. Lauand em 8-9-97)

LJL: O tema central de nossa entrevista é a voz média e os diversos e


importantes fatos associados a este fenômeno da linguagem. Portanto, para
contextualizar, gostaria que falasse, inicialmente, em geral, das relações entre
filosofia e linguagem.

M.B.S.: Trata-se, sem dúvida, de um tema fundamental, pois consideramos a


linguagem como o corpo do pensamento, no sentido de que linguagem e
pensamento estão em intrínseca unidade. Uma unidade que é superior aos dois
componentes separados e o pensamento depende essencialmente da linguagem,
que é não só veículo de toda a cultura, mas um eixo para o pensamento.

Toda a tradição humana vem pela linguagem, o que se verifica até em muitos
mitos. Por exemplo: o que separou o homem em várias culturas? Se examinarmos
o mito da Torre de Babel, constataremos que estão integrados - nesse mito -
pensamento, povos, linguagens e culturas. Ao mesmo tempo que se desintegra a
unidade de língua (e de linguagem...), surgem vários povos, várias culturas, várias
religiões: a humanidade se separa.

A realidade humana apresenta-se como um problema muito complexo e a


linguagem, que transcende sempre os limites do pensamento individual (nenhum
indivíduo esgota a linguagem), situa-se no centro dessa problemática.

Por outro lado, não podemos cair numa radicalização reducionista: como se as
culturas consistissem essencialmente na língua ou na linguagem. Não, e isso se vê
na traduzibilidade: há a possibilidade de tradução e não podemos dizer que haja
línguas radicalmente disjuntas a ponto de invalidar qualquer tentativa de tradução:
há uma profunda ligação entre as línguas e as culturas, ao menos em suas linhas
fundamentais. Porém, há diferenças notórias, diferenças que requerem
precisamente a análise que estamos empreendendo.

Em qualquer caso, o nosso tema de hoje - a voz média - é uma das instâncias
melhores para mostrar como o pensamento está ligado à linguagem...

L.J.L.: Antes de tratarmos da voz média e para tomar um caso ligado


diretamente às transformações do português realmente falado no Brasil de
hoje (sobretudo pelo jovem...), ocorre-me que um dos exemplos mais fortes
dessa ligação pensamento/linguagem está acontecendo com o atual processo
de supressão (fática) do subjuntivo (ou da distinção subjuntivo/indicativo). O
que se ouve é: "Se você quer que eu vou, eu vou...". Parece-me que esta
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supressão (gramatical) corresponde a uma supressão de distinção de


categorias mentais: a abolição da distinção entre o real em ato e o
simplesmente possível ou desejado...

M.B.S.: Exatamente. O exemplo é muito bom. E mostra como um


empobrecimento de linguagem corresponde a um estreitamento de horizontes
mentais. Isto é mais nítido ainda no alemão, cujo subjuntivo é ainda mais
detalhado do que o nosso (quanto a modos de possibilidade, desejo etc.).

E agora podemos ir direto ao ponto central: linguagem é consciência. Isto é,


quando uma forma deixa de estar na linguagem é porque se perdeu algo
correspondente na consciência.

L.J.L.: Como uma relação biunívoca entre linguagem e consciência...

M.B.S.: Exatamente. Se não se tem mais, digamos, o subjuntivo ou a voz


média, algo se perdeu também na consciência.

L.J.L.: O que é especialmente claro - em nível de léxico - no caso da extrema


sensibilidade brasileira para o futebol em interação com um requintado léxico
específico: como o fato de que disponhamos de sutis distinções de linguagem
(/consciência) - inexistentes em outros países - como a que se dá entre:
bicicleta, meia-bicicleta, puxeta e voleio...

M.B.S.: Para não falar das inúmeras metáforas originárias do futebol, como,
por exemplo: "vestir a camisa" (empenhar-se).

De fato, com a voz média ocorreu um empobrecimento semelhante ao


empobrecimento - a que você se referia - que se deu com a supressão do
subjuntivo. Comecemos por uma caracterização do que é a voz média. Quando
tomamos, por exemplo, um verbo em português, ele (em geral) pode ser conjugado
na voz ativa ou na voz passiva.

Por exemplo, tomemos um verbo como "pastorear". Dizemos que a voz é ativa
quando o verbo evidencia a ação do sujeito: "O pastor pastoreia as ovelhas".
Quando dizemos "a ovelha é pastoreada pelo pastor", neste caso, descreve-se a
mesma Sachverhalt, o mesmo estado de coisas, mas mostrando a ação sendo
recebida pelo sujeito.

Curiosamente, quando tomamos, na filosofia de Aristóteles, as categorias ação e


paixão, vemos que se trata de um caso complexo de categorias, pois, na realidade,
elas não se separam. Até tal ponto que o próprio Aristóteles observa - a propósito
de ação/paixão - que a distância de Atenas a Corinto é a mesma que a de Corinto a
Atenas... Na realidade, ação e paixão são uma coisa só; apenas para efeitos de
análise ocorre a dicotomia: é impensável um fazer sem o ser feito...

A voz média aparece então como uma ruptura desse complexo, o que poderíamos
expressar em português dizendo: "Há um pastoreio e há pastores e ovelhas". Mas o
curioso é que, em nosso caso, trata-se de uma construção em forma analítica,
enquanto, para as línguas antigas, a voz média era uma forma originária e sintética.
Aliás, em português - ao contrário do latim (amor: sou amado) - a passiva é uma
forma analítica - sou amado - com recurso a verbo auxiliar.
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Por que se perdeu essa forma sintética? Sabemos que em línguas que nos
precederam, em nossa cultura, principalmente o grego e o sânscrito, havia essas
três vozes: uma forma para exprimir a ação; outra, para a paixão e outra ainda,
para esse todo, um tanto indefinido. Vejamos as coisas um pouco mais de perto:
constatamos pelos documentos as três vozes no grego e no sânscrito. Quando os
gregos formalizaram a gramática, desde os tempos do gramático grego Dionysios
Thrax (séc. II A.C.), criaram este nome: "voz média" (como um meio termo entre
dois pólos - ativo e passivo - o que já indica que, nessa época, a voz média já ia se
perdendo...). O fato é que a voz média existia e se perdeu. E cabe perguntar: o que
ela exprimia e o quê que saiu de nossa consciência?

Ao mesmo tempo, é interessante ressaltar o fato - comprovado por documentos -


de que havia originariamente somente a voz ativa e a média (e não a passiva...).
Curiosamente, a voz passiva é tardia. Se comparamos com o caso de línguas como
o chinês, vemos que a voz passiva é inexistente e só foi adotada - muito
tardiamente, digamos, nos sécs. XVIII e XIX - por contatos com o Ocidente.

Da mesma maneira que, como você dizia, nós estamos, hoje, numa fase de perda
do subjuntivo e, com ele, da distinção entre realidade e possibilidade; no caso do
grego, as gramáticas foram escritas numa época em que a voz média já não era
mais empregada e ela foi objeto de uma teorização que não compreendia o alcance
e o sentido dessa voz.

Ocorreu também um fato muito estranho: quando houve essa teorização, o passivo
não era uma forma muito empregada no grego e é curioso que as gramáticas
posteriores, por exemplo as gramáticas latinas, tributárias dessa teorização,
tornam-se muito mais conformes a esse modelo do que o próprio grego.

É importante observar que as gramáticas não eram gramáticas descritivas: a


primeira gramática - a gramática do sânscrito - não se voltava para a linguagem
realmente falada, mas para a geração de uma linguagem que servisse de veículo
para a cultura. Assim, a gramática não descrevia, mas criava uma língua. No caso
do sânscrito, como variavam os dialetos (prakritis), os dialetos, foi criado uma
língua artificial, a partir de regras. Assim, o sânscrito passa a ser uma língua fixa,
que foi usada por toda a cultura hindu ao longo de séculos. É um caso muito
semelhante ao do latim medieval: que não foi uma "língua falada". O latim
medieval tomou uma língua falada, impôs normas, criou um vocabulário filosófico
etc. e fixou-se como um veículo de cultura.

Enfim, essas gramáticas já não trazem a força viva da voz média. Mas, se nos
voltamos para os documentos, constata-se que há uma fase em que encontramos:
ativo, passivo e médio e, em outra fase, ativo e médio.

O ponto importante é que o binômio ativo/médio não corresponde a ativo/passivo:


o contraponto do médio ao ativo é diferente do contraponto do passivo ao ativo.

E o ponto fundamental é a tese desenvolvida pelo pensador alemão Schöfer. Ele é


de opinião de que houve uma fase em que havia somente o médio: ativo e passivo
seriam análises do médio.

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O médio indicaria portanto a fase da consciência não destacada do mundo, isto é,


o homem e o mundo não se separavam, integravam o mesmo todo e a linguagem
exprimia essa relação integral.

Nesse sentido, é muito ilustrativo a comparação com a Psicologia Evolutiva: a


criança tem uma linguagem média, ela não diz "eu", ela não se destaca do mundo...
Quando surge a consciência de si, começa a destacar-se um médio-ativo, um eu-e-
o-mundo numa relação ainda não partida e o eu sozinho. Numa outra fase, eu já
me distingo totalmente do mundo e vejo o mundo como "outro" e eu agindo sobre
o mundo e o mundo agindo sobre mim, o médio se torna supérfluo e, vindo a
análise, já não se consegue mais a integração eu-mundo, própria do médio. Nessa
linha, há até algumas interpretações da filosofia de Hegel como uma tentativa de
ligar - por um termo médio - sujeito e objeto, precisamente pela perda da forma
média.

Então, estabelecendo um paralelo entre consciência e linguagem: a não-distinção


entre sujeito e mundo é expressa pela voz média; na consciência ativa, eu apareço
como distinto do mundo e, na consciência passiva, o mundo distinto e agindo
sobre mim: a consciência sentindo o mundo mágico.

Ao se perder o médio, passa-se a uma consciência do sujeito ativo e o mundo


passivo ou, pelo contrário, o mundo ativo e o sujeito passivo.

L.J.L.: E, a partir daí, estabelecem-se as linhas de distinção entre Oriente e


Ocidente?

M.B.S.: De fato, o Ocidente tende ao Geist, ao Espírito, como sujeito ativo,


diante de um mundo que deve ser transformado. O caso do Oriente, veremos mais
adiante.

Quando é que se perdeu a consciência do médio? Precisamente naquela época que


o filósofo Karl Jaspers chamou de época axial (a época que medeia, para fixarmos
alguns marcos referenciais entre 800 A. C. e 200 A. C.). O que é realmente
importante é que no séc. VI A.C. surgiram figuras como Lao-tsé, Buda, Zoroastro,
os Profetas, Pitágoras... é a época da sabedoria: em que se passa de uma
consciência de comunidade para sociedades sempre mais complexas, até que
surgiu a idéia de Império, a unidade do ser humano, a idéia de agregar aqueles
povos em outra unidade.

Então, a sabedoria é tomada como política: sábio é o político. Como se vê por


exemplo na tradição dos Sete Sábios da Grécia, sábio é aquele que é capaz de
reger. Assim, em O Banquete dos Sete Sábios de Plutarco discute-se quem é capaz
de reger melhor os homens; como, em uma tradição paralela, a hebraica, sábio, por
excelência, é Salomão, o rei que sabia reger o reino. Do mesmo modo, o problema
de Confúcio é como organizar uma sociedade complexa, mantendo os valores da
comunidade.

E, assim, vai aparecendo o sujeito ativo: enquanto a comunidade era algo natural a
sociedade era algo a organizar. O médio é muito mais a consciência da
comunidade, uma comunidade da qual o sujeito não se distingue; numa sociedade

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complexa, a forma média vai se extinguindo numa estrutura cada vez mais
complexa e tendendo ao Império.

Com isto, houve ganhos e perdas. Tomemos o caso da filosofia. O que foi a
filosofia, senão um esforço constante para consumar a ponte homem-mundo. Tanto
é assim que sempre encontramos uma dificuldade de distinguir homem-mundo e,
na dimensão epistemológica, a distinção sujeito/objeto, não excluímos do objeto o
próprio eu do sujeito, que está presente em todos os atos do conhecimento: eu me
conheço ao conhecer... Já o eu, enquanto sujeito ontológico, se distingue do
mundo...

Em qualquer caso, inúmeros problemas filosóficos (pense-se em Kant, por


exemplo) giram em torno da construção dessa ponte: como chegar a estabelecer
essa ligação. É o caso de Buda, que está precisamente nessa passagem da
consciência, digamos geral ou mítica, para a nova fase.

Seja como for, hoje não dispomos de uma forma analítica para expressar a
integração homem-mundo (típica da voz média, que desapareceu) e, para recuperar
essa integração eu-mundo, vamos criando complicadas construções para dar conta
dessa realidade...

L.J.L.: Parece-me ser este o caso de certos verbos reflexivos que,


precisamente, tentam indicar a dualidade simultânea sujeito/objeto na ação.
No castelhano, com seus muitos usos reflexivos, isto é muito nítido: "se
murió", por exemplo, tenta imitar a forma depoente morior latina: morrer
não é uma ação exercida pelo sujeito, mas, sempre o sujeito protagoniza sua
própria morte...

M.B.S.: Precisamente. São formas "substitutivas", porque na mesma medida


em que o médio desapareceu da linguagem, desapareceu também da consciência. E
passa a existir no inconsciente, a ser só dada por imagens inconscientes, sonhos
etc.

O já citado Schöfer estabelece, nesse sentido, quase uma dialética: inicialmente, há


duas fases: uma fase da voz média, fase infantil da consciência, correspondente à
consciência mítica, anterior à consciência de si; depois, uma fase em que começa a
consciência de si, a consciência ativa coexistindo com a consciência média (não
perdida ainda). Um exemplo tomado do sânscrito: se o sacerdote sacrifica para
outros, ele usa a voz ativa; se ele sacrifica para si, ele usa a voz média. É
interessante, neste sentido, a observação de Wittgenstein em sua Gramática
Especulativa: aprendemos a distinguir na gramática entre verbos ativos e passivos.
Mas, como ficam verbos como "morar", "viver", "ser" etc.? É realmente
problemático.

L.J.L.: Nesse sentido, lembro-me de uns versos de Nilson Machado: "Amar,


verbo lenitivo/ Usa-se na voz ativa/ Sujeito passivo". Como vê o caso dos
verbos depoentes do latim?

M.B.S.: O caso do latim é fantástico. No latim, há um resquício da voz média:


os verbos depoentes, que, precisamente, não são ativos nem passivos. Os verbos

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depoentes são de ação ativa, mas conjugados na passiva. É o caso de morior, de


que falávamos há pouco.

Eu destacaria três outros exemplos, particularmente sugestivos:

Loquor, eu falo, por que é depoente, voz média? Porque ao falar, não falo só para o
outro: falo para mim também. Nós, professores, bem sabemos que quem ensina,
ensina para si. No falar, eu não me separo do mundo, como se fosse "um outro": eu
mesmo sou destinatário de minha própria ação de falar.

Cabe aqui uma nota sobre o problema da educação: educar, "eduzir" (conduzir
para fora) nem é colocar algo em um sujeito, nem é abandoná-lo a si, mas dar
condições ao educando (num processo que não separe educador de educando -
educação é sempre comunhão...) de extrair de si... Com isso, educador-e-educando
simultaneamente aprendem e ensinam... Lembro-me de um exemplo de Freud que
diz que educar uma criança é tão difícil quanto conduzir um barco por Sila e
Caribdes, evitar o escolho da repressão e também o de deixar a criança entregue a
si mesma. A educação é essencialmente um processo de voz média.

Confiteor, eu me confesso. Confessando-me ao outro, confesso-me a mim mesmo


(e não se consuma uma confissão a mim mesmo, senão pela confissão ao outro:
com toda a objetivação, humilhação etc. que se supõe no processo).

Um terceiro exemplo: meditari (e não meditare - ativo). Na verdade, o "eu medito"


só é autêntico quando, ao mesmo tempo, "eu sou meditado". E se não somos
capazes de entender isto, somos incapazes também de compreender o que é a
meditação. E a mística desencontra-se quando cai para o ativismo ou para o
passivismo: a verdadeira mística é a da voz média...

L.J.L.: Assim como a mística, que outras realidades passaram a ser


incompreendidas pela ausência da voz média?

M.B.S.: Tomemos o caso do Tao Te Ching de Lao-tsé, por exemplo. Há aí um


conceito de não-fazer que é totalmente mal interpretado, porque é tomado como
passividade, quando, na verdade, trata-se do médio. E nós encontramos em Lao-tsé
formas paradoxais jogando com o fazer e não fazer. Mas essas formas não são
paradoxais em si; são-no apenas para a nossa linguagem, que não conhece a voz
média...

Lao-tsé diz, por exemplo,: "não sejas um agente separado do todo e muito menos
um paciente separado do todo". Isto é, entre agir e não agir é muito melhor agir,
mas, em qualquer caso, nunca se separe do todo. Seu pensamento não tem nada
que ver com passivismo; ele, simplesmente, aponta para a não-separação do todo:
não praticar ações que não tenham origem no Tao, que não tenham origem na
Origem.

Também nossas distinções entre sujeito e predicado decorrem daquela separação


do mundo, introduzida pela sentença. A voz média configura a Sachverhalt sem
precedências, articulações ou separações, como se disséssemos: "Pastor ovelhas
pastorear".

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Schöfer, de um modo otimista, prevê, para o futuro, um médio consciente


analítico: não no sentido de esoterismos ou holismos (que, ignorando a
transcendência, perdem força e recaem numa espécie de panteísmo) que, afinal,
apenas expressam uma aspiração dessa autêntica integração com o todo. Seria uma
recuperação adulta do médio. Veja, Platão, já velho, volta ao mito.

L.J.L.: No caso de nosso tempo, como se manifesta a carência da consciência


da voz média?

M.B.S.: Nessa relação fundamental do homem com o mundo: a técnica.

Estamos divididos entre polarizações radicais: por um lado, encontramos


concepções anti-tecnológicas, que afirmam que o homem deve se regular pela
natureza, como se o homem fosse passivo e, por outro lado, concepções de que é o
homem que transforma um mundo totalmente passivo - o homem como demiurgo.

Já num Aristóteles, o sentido da tecnologia é o de deixar surgir: o ser não se


manifesta e nós devemos deixar que ele se manifeste. Algo assim como a tentativa
de Husserl de pôr entre parênteses (epoché), mesmo a consciência individual e
deixar a coisa se revelar.

Ao falar em tecnologia, já está aí o logos da técnica. Devemos partir, antes de mais


nada, da distinção entre ciência e técnica: ciência como o conjunto dos
conhecimentos sobre a realidade e técnica como o conjunto dos processos de
transformar a realidade. Ao falar em tecnologia, nós costumamos pensar numa
ciência que vai se aplicar à realidade e nós transformarmos essa realidade de
acordo com essa ciência. Para Heidegger, esta é a maior ilusão do Ocidente:
imaginar que a tecnologia seja ciência aplicada. Porque precisamente para obter
ciência você mexe com a realidade em um processo inseparável.

A dificuldade de harmonizar teoria e prática, mediatizar teoria e experiência é


porque falta a voz média: a teoria requer a experiência; a experiência requer a
teoria.

Daí certas criticas radicais à tecnologia, a ponto de grupos, no próprio Ocidente,


chegarem a este conceito de crescimento zero, afirmando que a natureza não teria
recursos para comportar essa tecnologia e quererem acabar com ela. E criticam a
tradição judaico-cristã por ter feito do homem um demiurgo etc.

Por trás de tudo isto, está a falsa concepção do ativo separado do mundo e
exercendo no mundo uma ação de montagem daquilo que ele pensa. O que é um
inventor? Aquele que tem uma idéia na cabeça e põe-na a funcionar na realidade.
Então, não surge esta junção entre experiência e razão: estamos numa fase - após o
fracasso de Kant na tentativa de unir o empirismo com o racionalismo - em que se
radicaliza um ou outro pólo. O mesmo ocorre na medicina: não conseguimos ainda
ter uma autêntica medicina psicossomática...

Essa unidade em filosofia foi mantida desde Aristóteles até os umbrais da época
moderna; depois houve a cisão e, nós, agora, estamos levando esta cisão às últimas
conseqüências.

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As soluções de volta são muito difíceis. Kant, em A paz Perpétua, afirma que a
humanidade só se empenha em determinado sentido quando as alternativas são: a
sobrevivência ou a destruição total. Assim, por exemplo, só atingimos o estado de
direito quando se tornou insuportável outra forma de vida: todos se destruindo.
Resta saber quando começaremos a pensar seriamente numa reintegração da
totalidade perdida. A ilusão do resgate foi feita a partir da tecno-imagem.

Mas, comecemos com o problema da própria imagem. O homem, quando ocorre


essa ruptura, procura fazer da realidade uma imagem, essa imagem se cristaliza e
não é por acaso que a Bíblia ataca tanto a idolatria, lutando contra essa
representação da realidade enquanto obstáculo. Como suprimos a imagem
(mitológica, mágica etc.)? Através da linguagem escrita. Os textos que relatam a
história, os livros.

Ora, hoje, o livro é substituído - pense-se na televisão ou, principalmente na


revolução da informática - por imagens construídas através de aparelhos
(Apparat). O aparelho não se reduz à máquina (Maschine): a máquina é um
instrumento que produz trabalho, energia etc., enquanto o aparelho é algo que
produz informação. Nesse sentido é um erro falarmos de uma segunda revolução
industrial hoje, porque são duas realidades completamente diferentes: hoje, o que
temos, é uma revolução do aparelho. O aparelho você não manipula.
Curiosamente, poderíamos dizer que há uma contrafação: enquanto operador e
máquina estão na relação de manipulador e manipulado, funcionário e aparelho
estão numa relação simbiótica de "tecnipulação".

Agora, todas essas imagens (da televisão, da informática etc.) são uma
decodificação da escrita, elas não são a ponte, elas ilustram a realidade que não
precisa ser mais imaginada: hoje você tem, por exemplo, os contos já dados por
imagens, construídas pelo homem: o homem construtor de imagens, o homem
construtor do mundo (aliás, a queda do subjuntivo acentua isto). Esta mediação
aparente, este mundo reduzido a imagens (a civilização do ícone...) é um tremendo
empobrecimento (sob a aparência de avanço técnico). A tecno-imagem é
antropófaga não por manipulação, mas por sua própria estrutura. Nesse sentido,
prefiro falar em "tecnipular": é necessária a criação de neologismos que dêem
conta das diferenças entre máquina e aparelho.

Não por acaso, Heidegger em sua entrevista-testamento, ele diz que a questão
fundamental existencial do mundo tecnologizado é a relação livre com o mesmo.
Ou...

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