Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
Linguagem e Consciência
- a voz média
Mário Bruno Sproviero
(Prof. Associado do DLO-FFLCHUSP)
(entrevistado por L. J. Lauand em 8-9-97)
Toda a tradição humana vem pela linguagem, o que se verifica até em muitos
mitos. Por exemplo: o que separou o homem em várias culturas? Se examinarmos
o mito da Torre de Babel, constataremos que estão integrados - nesse mito -
pensamento, povos, linguagens e culturas. Ao mesmo tempo que se desintegra a
unidade de língua (e de linguagem...), surgem vários povos, várias culturas, várias
religiões: a humanidade se separa.
Por outro lado, não podemos cair numa radicalização reducionista: como se as
culturas consistissem essencialmente na língua ou na linguagem. Não, e isso se vê
na traduzibilidade: há a possibilidade de tradução e não podemos dizer que haja
línguas radicalmente disjuntas a ponto de invalidar qualquer tentativa de tradução:
há uma profunda ligação entre as línguas e as culturas, ao menos em suas linhas
fundamentais. Porém, há diferenças notórias, diferenças que requerem
precisamente a análise que estamos empreendendo.
Em qualquer caso, o nosso tema de hoje - a voz média - é uma das instâncias
melhores para mostrar como o pensamento está ligado à linguagem...
M.B.S.: Para não falar das inúmeras metáforas originárias do futebol, como,
por exemplo: "vestir a camisa" (empenhar-se).
Por exemplo, tomemos um verbo como "pastorear". Dizemos que a voz é ativa
quando o verbo evidencia a ação do sujeito: "O pastor pastoreia as ovelhas".
Quando dizemos "a ovelha é pastoreada pelo pastor", neste caso, descreve-se a
mesma Sachverhalt, o mesmo estado de coisas, mas mostrando a ação sendo
recebida pelo sujeito.
A voz média aparece então como uma ruptura desse complexo, o que poderíamos
expressar em português dizendo: "Há um pastoreio e há pastores e ovelhas". Mas o
curioso é que, em nosso caso, trata-se de uma construção em forma analítica,
enquanto, para as línguas antigas, a voz média era uma forma originária e sintética.
Aliás, em português - ao contrário do latim (amor: sou amado) - a passiva é uma
forma analítica - sou amado - com recurso a verbo auxiliar.
www.hottopos.com/mirand3/linguage.htm 2/9
01/08/2019 Linguagem e Consciência: a Voz Média
Por que se perdeu essa forma sintética? Sabemos que em línguas que nos
precederam, em nossa cultura, principalmente o grego e o sânscrito, havia essas
três vozes: uma forma para exprimir a ação; outra, para a paixão e outra ainda,
para esse todo, um tanto indefinido. Vejamos as coisas um pouco mais de perto:
constatamos pelos documentos as três vozes no grego e no sânscrito. Quando os
gregos formalizaram a gramática, desde os tempos do gramático grego Dionysios
Thrax (séc. II A.C.), criaram este nome: "voz média" (como um meio termo entre
dois pólos - ativo e passivo - o que já indica que, nessa época, a voz média já ia se
perdendo...). O fato é que a voz média existia e se perdeu. E cabe perguntar: o que
ela exprimia e o quê que saiu de nossa consciência?
Da mesma maneira que, como você dizia, nós estamos, hoje, numa fase de perda
do subjuntivo e, com ele, da distinção entre realidade e possibilidade; no caso do
grego, as gramáticas foram escritas numa época em que a voz média já não era
mais empregada e ela foi objeto de uma teorização que não compreendia o alcance
e o sentido dessa voz.
Ocorreu também um fato muito estranho: quando houve essa teorização, o passivo
não era uma forma muito empregada no grego e é curioso que as gramáticas
posteriores, por exemplo as gramáticas latinas, tributárias dessa teorização,
tornam-se muito mais conformes a esse modelo do que o próprio grego.
Enfim, essas gramáticas já não trazem a força viva da voz média. Mas, se nos
voltamos para os documentos, constata-se que há uma fase em que encontramos:
ativo, passivo e médio e, em outra fase, ativo e médio.
www.hottopos.com/mirand3/linguage.htm 3/9
01/08/2019 Linguagem e Consciência: a Voz Média
E, assim, vai aparecendo o sujeito ativo: enquanto a comunidade era algo natural a
sociedade era algo a organizar. O médio é muito mais a consciência da
comunidade, uma comunidade da qual o sujeito não se distingue; numa sociedade
www.hottopos.com/mirand3/linguage.htm 4/9
01/08/2019 Linguagem e Consciência: a Voz Média
complexa, a forma média vai se extinguindo numa estrutura cada vez mais
complexa e tendendo ao Império.
Com isto, houve ganhos e perdas. Tomemos o caso da filosofia. O que foi a
filosofia, senão um esforço constante para consumar a ponte homem-mundo. Tanto
é assim que sempre encontramos uma dificuldade de distinguir homem-mundo e,
na dimensão epistemológica, a distinção sujeito/objeto, não excluímos do objeto o
próprio eu do sujeito, que está presente em todos os atos do conhecimento: eu me
conheço ao conhecer... Já o eu, enquanto sujeito ontológico, se distingue do
mundo...
Seja como for, hoje não dispomos de uma forma analítica para expressar a
integração homem-mundo (típica da voz média, que desapareceu) e, para recuperar
essa integração eu-mundo, vamos criando complicadas construções para dar conta
dessa realidade...
www.hottopos.com/mirand3/linguage.htm 5/9
01/08/2019 Linguagem e Consciência: a Voz Média
Loquor, eu falo, por que é depoente, voz média? Porque ao falar, não falo só para o
outro: falo para mim também. Nós, professores, bem sabemos que quem ensina,
ensina para si. No falar, eu não me separo do mundo, como se fosse "um outro": eu
mesmo sou destinatário de minha própria ação de falar.
Cabe aqui uma nota sobre o problema da educação: educar, "eduzir" (conduzir
para fora) nem é colocar algo em um sujeito, nem é abandoná-lo a si, mas dar
condições ao educando (num processo que não separe educador de educando -
educação é sempre comunhão...) de extrair de si... Com isso, educador-e-educando
simultaneamente aprendem e ensinam... Lembro-me de um exemplo de Freud que
diz que educar uma criança é tão difícil quanto conduzir um barco por Sila e
Caribdes, evitar o escolho da repressão e também o de deixar a criança entregue a
si mesma. A educação é essencialmente um processo de voz média.
Lao-tsé diz, por exemplo,: "não sejas um agente separado do todo e muito menos
um paciente separado do todo". Isto é, entre agir e não agir é muito melhor agir,
mas, em qualquer caso, nunca se separe do todo. Seu pensamento não tem nada
que ver com passivismo; ele, simplesmente, aponta para a não-separação do todo:
não praticar ações que não tenham origem no Tao, que não tenham origem na
Origem.
www.hottopos.com/mirand3/linguage.htm 6/9
01/08/2019 Linguagem e Consciência: a Voz Média
Por trás de tudo isto, está a falsa concepção do ativo separado do mundo e
exercendo no mundo uma ação de montagem daquilo que ele pensa. O que é um
inventor? Aquele que tem uma idéia na cabeça e põe-na a funcionar na realidade.
Então, não surge esta junção entre experiência e razão: estamos numa fase - após o
fracasso de Kant na tentativa de unir o empirismo com o racionalismo - em que se
radicaliza um ou outro pólo. O mesmo ocorre na medicina: não conseguimos ainda
ter uma autêntica medicina psicossomática...
Essa unidade em filosofia foi mantida desde Aristóteles até os umbrais da época
moderna; depois houve a cisão e, nós, agora, estamos levando esta cisão às últimas
conseqüências.
www.hottopos.com/mirand3/linguage.htm 7/9
01/08/2019 Linguagem e Consciência: a Voz Média
As soluções de volta são muito difíceis. Kant, em A paz Perpétua, afirma que a
humanidade só se empenha em determinado sentido quando as alternativas são: a
sobrevivência ou a destruição total. Assim, por exemplo, só atingimos o estado de
direito quando se tornou insuportável outra forma de vida: todos se destruindo.
Resta saber quando começaremos a pensar seriamente numa reintegração da
totalidade perdida. A ilusão do resgate foi feita a partir da tecno-imagem.
Agora, todas essas imagens (da televisão, da informática etc.) são uma
decodificação da escrita, elas não são a ponte, elas ilustram a realidade que não
precisa ser mais imaginada: hoje você tem, por exemplo, os contos já dados por
imagens, construídas pelo homem: o homem construtor de imagens, o homem
construtor do mundo (aliás, a queda do subjuntivo acentua isto). Esta mediação
aparente, este mundo reduzido a imagens (a civilização do ícone...) é um tremendo
empobrecimento (sob a aparência de avanço técnico). A tecno-imagem é
antropófaga não por manipulação, mas por sua própria estrutura. Nesse sentido,
prefiro falar em "tecnipular": é necessária a criação de neologismos que dêem
conta das diferenças entre máquina e aparelho.
Não por acaso, Heidegger em sua entrevista-testamento, ele diz que a questão
fundamental existencial do mundo tecnologizado é a relação livre com o mesmo.
Ou...
www.hottopos.com/mirand3/linguage.htm 8/9
01/08/2019 Linguagem e Consciência: a Voz Média
www.hottopos.com/mirand3/linguage.htm 9/9