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Hipóteses Sobre a Nova Exclusão Social: dos

excluídos necessários aos excluídos desnecessários

Elimar Pinheiro do Nascimento*

O texto desenha algumas hipóteses a respeito da exclu-


são social moderna, concluindo que a produção dos novos
excluídos parece ser o sinal mais evidente de que a questão
social mudou de natureza. O autor mostra como o processo
de desenvolvimento no Brasil e suas transformações mais
recentes poderão transformar o "excluído necessário" ou o
"incluído incômodo", no "excluído perigoso", desnecessário,
do ponto de vista da economia, sujeito, até mesmo, à elimina-
ção. Uma tendência que poderá ser evitada, se o desenvolvi-
mento for retomado em outros termos.

Introdução te, os argumentos são desenvol-


vidos (Nascimento, 1993a, 1993b,
1993c e 1993d). Embora, diga-
Em conformidade com o se de imediato, sejam absoluta-
título, desenho aqui algumas mente dispensáveis para a com-
das hipóteses com que venho tra- preensão deste.
balhando, há pouco mais de
dois anos, a respeito da exclusão O tema das iniquidades
social moderna no Brasil. Fa- sociais ou da injustiça social,
ço-o de maneira extremamente na forma como hoje é aborda-
sucinta. Em um certo conjunto do, é contemporâneo ao proces-
de assertivas, mais ou menos de- so de gestação da sociedade mo-
senvolvidas, resumo os resulta- derna entre os séculos XVII e
dos a que cheguei no momento XVIII. Objeto permanente de
em forma de premissas e hipóte-
ses. Desenho, portanto, uma pro- estudo e debate entre cientistas
blemática de pesquisa, pois os sociais e filósofos desde aquela
resultados permitiram, sobretu- época, vez ou outra reflui, para
do, avançar nesta formulação. em seguida ressurgir com novo
ímpeto e novas vestes. Marcou
Pedindo as devidas descul- o século XIX europeu, com a
pas ao leitor, remeto-o a outros revolução industrial, mas tam-
textos de minha autoria nos bém o latino-americano, com a
quais, mesmo que imprecisamen- abolição da escravatura.
* Professor do Departamento e da Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de Brasília.

Cad. CRH., Salvador, n.21. p.29-47, jul./dez.l994


No Brasil o tema tem, outro. Assim, um determinado
igualmente, uma longa história, país pode ter uma grande desi-
e constituiu um dos esteios do gualdade na distribuição de suas
momento da produção de nos- riquezas sem que haja pobres,
sa identidade nacional em iní- embora seja pouco comum. Ou
cios deste século. Fundante, por- pode ter uma pequena escala
tanto, de nosso pensamento so- de diferença na distribuição das
cial como sugeriu recentemen- riquezas, tendo a maioria de
te, em ensaio brilhante, Teresa seus membros na condição de
Sales (1994). pobres. Claro que aqui está sen-
do utilizado o termo de pobre-
za absoluta e não relativa.
Desigualdade, pobreza e
exclusão Os conceitos de desigual-
dade e pobreza são diferentes
O senso comum no Brasil, entre si e igualmente distintos
confunde, e tem suas razões, os do de exclusão social O concei-
diversos termos estruturantes to de exclusão social está mais
do tema das iniqüidades sociais: próximo, como oposição, ao de
desigualdade, pobreza e exclusão. coesão social, ou, como sinal
de ruptura, do de vínculo social.
O conceito de desigualda- Por similitude, encontra-se pró-
de social refere-se, como é co- ximo, também, do conceito de
nhecido, à distribuição diferen- estigma e mesmo, embora me-
ciada, numa escala de mais a nos, do de desvio. Neste caso,
menos, das riquezas produzidas entre outras, a diferença reside
ou apropriadas por uma deter- no fato de que o excluído não
minada sociedade, entre os seus necessita cometer nenhum ato
participantes. Pobreza, por sua de transgressão, como o desvian-
vez, significa a situação em que te. A condição de excluído é-lhe
se encontram membros de uma imputada do exterior, sem que
determinada sociedade despos- para tal tenha contribuído dire-
suídos de recursos suficientes ta ou mesmo indiretamente.
para viver dignamente, ou que
não têm as condições mínimas Numa perspectiva própria
para suprir as suas necessidades à sociologia de Durkheim, a ex-
básicas. Vida digna e necessida- clusão social seria um dos efei-
des básicas constituem, sempre, tos secundários do processo de
definições sociais e históricas, ruptura dos laços de solidarieda-
variando, portanto, no tempo e de orgânica, próprios à socieda-
no espaço. Abranches (1985) irá de moderna, por vezes "substi-
falar da pobreza como "destitui- tuídos" por laços de solidarieda-
ção material". A que se deveria de tradicional refeitos, como pa-
acrescentar a dimensão da desti- rece sugerir o conceito de "tri-
tuição simbólica. bo" em Maffesoli. Desta forma
de conceber a exclusão social
Embora próximos, os ter- também se aproxima a Escola
mos desigualdade e pobreza são de Chicago (Grafmeyer e Joseph,
evidentemente distintos, um não 1979): todo grupo de excluído
implicando necessariamente no tende a desenvolver práticas de

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solidariedade interna, para se to sociológico -que é múltiplo,
proteger das representações ne- como ver-se-á em seguida —refe-
gativas do restante da socieda- re-se sempre a um processo so-
de. O que a sociologia do coti- cial de não-reconhecimento do
diano (Maffesoli, 1991), mais outro, ou de rejeição, ou, ainda,
recentemente, tem tentado de- intolerância. Dito de outra for-
senvolver sob a noção de "socia- ma, trata-se de uma representa-
lidade": vínculos criados em tor- ção que tem dificuldades de reco-
no de um destino comum, sem nhecer no outro direitos que
que haja necessariamente cono- lhes são próprios. Compreenden-
tações de parentesco. Laços de do, ademais, a auto-representa-
"solidariedade mecânica" que ção do excluído que, desta for-
substituem os laços de "solida- ma, ao romper o vinculo societá-
riedade orgânica" em vias de frag- rio, desenvolve vínculos comuni-
mentação. Princípios comunitá- tários particulares, como forma
rios e valores simbólicos que são de sobrevivência social. Sinais
investidos com o intuito de subs- de uma coesão social fragmenta-
tituir vazios criados pela forma da ou da multiplicidade de prin-
como se processa a fragmenta- cípios de solidariedade em um
ção da coesão social. Ambas cor- mesmo espaço social.
rentes teóricas, incluem, portan-
to, uma dimensão simbólica, par- Há três acepções, do pon-
ticularmente cara à escola intera- to de vista sociológico, do ter-
cionista (Goffman, 1975), e uma mo exclusão social. O primeiro
dimensão material, um "defei- é o citado acima. Trata-se da
to" da coesão social global. Por- concepção mais ampla e mais
tanto, a exclusão se dá através genérica. Neste sentido, o con-
de uma ruptura dos vínculos so- ceito de exclusão social aproxi-
ciais. Xiberras (1993) irá assina- ma-se do de discriminação ra-
lar a existência de ruptura com cial, sexual, religiosa, enfim, de
três vínculos: societais, comuni- qualquer ordem. Dito de outra
tários e individuais. Como se a maneira, toda discriminação se-
exclusão fosse uma trajetória ria uma forma de exclusão so-
de sucessivas e crescentes ruptu- cial. Negros, homossexuais, de-
ras. Termos que se aproximam linquentes, entre outros, seriam
de Castels que irá se debruçar, grupos sociais excluídos, que
particularmente, sobre as diver- participam da vida social em ge-
sas trajetórias de exclusão no ral, embora com formas particu-
espaço urbano (1991). lares de socialização. Embora
não estejam formalmente excluí-
dos de direitos, suas diferenças
As acepções do não são aceitas e, por vezes, não
termo exclusão. são toleradas. Confundem-se,
assim, com os grupos de estig-
ma e/ou de desvio.
Se o termo exclusão so-
cial diz respeito ao ato de excluir, Na segunda acepção, o
de colocar à margem um deter- não-reconhecimento se traduz
minado grupo social, o concei- numa clara exclusão de direitos.
São grupos sociais que não têm

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uma integração no mundo do da de riqueza). Como também
trabalho, não possuindo, em de- não é necessário haver pobreza
corrência, condições mínimas para que ocorra aquele fenôme-
de vida. Por vezes, esta não inte- no. Embora relacionados, e por
gração produz efeitos de não-in- vezes de forma muito estreita,
serção social. Paugam irá deno- os três conceitos podem ser tra-
miná-los de "desfavorecidos" balhados separadamente, pos-
(1992), enquanto Castels irá cha- suindo uma relativa autonomia,
má-los de "desfiliados" (1991). que se estreita ou se amplia se-
Em grande parte eles se confun- gundo o caso em estudo.
dem com o que em alguns paí-
ses se denomina de "novos po-
bres". Os efeitos são de discri-
minação, mas também de exclu- A exclusão como
são de direitos. Estigmatizados problema na sociedade
como os anteriores, embora não moderna
necessariamente pelas mesmas
razões, sofrem o processo espe- A diferença entre os três
cífico de não ingressarem no termos —desigualdade, pobreza
mundo dos direitos ou dele se- e exclusão -pode ainda ser per-
rem expulsos, parcial ou total- cebida quando relacionados ao
mente. processo de constituição da so-
Existe ainda uma terceira ciedade moderna e, particular-
acepção, aqui denominada de mente, ao ideário que a alimenta.
nova exclusão. Neste caso, o A sociedade moderna é
não-reconhecimento vai além concebida como uma sociedade
da negação ou recusa de direi- aberta, de grande mobilidade so-
tos. Se insere em um processo cial, em que os indivíduos se cons-
de, usando uma frase famosa tituem como personagens cen-
de Hannah Arendt, recusa ao trais. Sua idéia fundante é a da
espaço da obtenção de direitos. universalidade, expulsando a
Estes grupos sociais passam a idéia de exterioridade e criando,
"não ter direito a ter direitos". em decorrência, uma história
Sem serem reconhecidos como mundial. Duas esferas distintas,
semelhantes, a tendência é ex- relacionando-se sob tensão, a
pulsá-los da órbita da humanida- constituem. Em primeiro lugar,
de. Passam, assim, a ser objeto mas sem qualquer ordem crono-
de extermínio, como os meninos lógica, a esfera da igualdade ju-
de rua na Guatemala e Rio de rídico-política, em que a lei úni-
Janeiro, ou determinadas popu- ca considera os homens iguais.
lações da África, em que o Esta- Esfera inexistente nas socieda-
do desaparece e os organismos des pretéritas, sempre de direi-
internacionais são ineficientes. to plural. E, em segundo, a esfe-
ra da desigualdade no acesso
Assim posto o problema - aos bens materiais e simbólicos.
e ainda numa primeira aborda- Não obstante esta esfera seja
gem —pode ocorrer exclusão so- pré-existente à sociedade moder-
cial sem que haja desigualdade na, nesta ela é completamente
social (distribuição diferencia- reformulada.

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A desigualdade social na conduzem grupos sociais a situa-
sociedade moderna tem várias ções de miséria. Que logo se des-
conotações. De forma simples, fazem com a disseminação das
assinalo duas. Tem uma conota- novas tecnologias e a criação
ção positiva na medida em que de novos postos de trabalho. Pa-
nela reside o processo de con- ra enfrentar estes momentos,
corrência e desenvolvimento, que são simultaneamente sociais
nela se situa o eixo da inovação e individuais, a sociedade moder-
tecnológica e do dinamismo so- na criou mecanismos de prote-
cial e econômico. A desigualda- ção especiais que vieram a re-
de entre os indivíduos em uma dundar no Estado do Bem-Estar
sociedade de mobilidade aberta Social (Rosanvalon, 1981).
faz com que esta sociedade te-
nha um dinamismo extraordiná- Inversamente, a exclusão
rio. A mobilidade que caracteri- social, enquanto expulsão de gru-
za a sociedade moderna faz com pos sociais do espaço da igualda-
que cada indivíduo seja respon- de, é um problema para a socie-
sável pelo lugar que ocupa na dade moderna, pois se opõe fron-
escala social. Mas existe uma co- talmente ao seu ideário. De cer-
notação negativa na medida em ta forma, a exclusão social, na
que a desigualdade se opõe ao segunda acepção do termo e, so-
ideário da igualdadde. Embora bretudo, na terceira, é uma ame-
esta conotação negativa seja aça constante, simultaneamen-
mais manifesta quando grupos te, à existência do espaço de
sociais são colocados no espa- iguais e à inexistência de exterio-
ço da pobreza absoluta e, sobre- ridade características da socieda-
tudo, na fronteira da sobrevivên- de moderna. De um lado, por-
cia. que expulsa ou impede o ingres-
so de determinados indivíduos
Desse ponto de vista, a na esfera da igualdade, negan-
desigualdade, dentro de determi- do a existência de uma lei úni-
nados limites -que são o da in- ca; de outro lado, cria um exte-
digência —não constitui nenhum rior inadmissível para a moder-
problema para a sociedade mo- nidade, que sempre se pretendeu
derna. Em termos moderados, universal e universalizante.
é, na realidade, um de seus com-
ponentes essenciais. A percepção da exclusão
social como um problema para
Por outro lado, se a pobre- a constituição da sociedade mo-
za relativa é um simples e puro derna, ao seu ideário de igualda-
reflexo da desigualdade, a pobre- de, que Montesquieu denomina-
za absoluta tem uma outra cono- rá de convenção fundante de
tação e autonomia e sua existên- nossa sociedade, está presente
cia não constitui um verdadei- tanto no comportamento de re-
ro problema para a sociedade pulsa ao nazismo, na Alemanha,
moderna, pois a sua existência quanto ao do antigo apartheid
é sempre entendida como tempo- da África do Sul.
ral, circunstancial. São momen-
tos de grande inovação tecnoló- Dessa forma, está posta
gica que criam desempregos e nossa primeira hipótese do pon-

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to de vista geral: a exclusão so- contraído a lepra. Já os heréti-
cial, não como discriminação so- cos são excluídos sociais do ti-
cial, mas como expulsão do espa- po que se aproximam do desvian-
ço de iguais ou não-reconheci- te, pois o processo de exclusão
mento de direitos a outros, con- decorre de uma ação, de uma
siderando-os como não-seme- transgressão à norma religiosa
lhantes, é uma ameaça à moder- então predominante.
nidade. Sobretudo se se tomar
em consideração que se assiste Na Europa hodierna, o
atualmente a um crescimento processo social de exclusão esco-
deste fenômeno tanto no mun- lhe imigrantes, particularmente
do como no Brasil. Mas, afinal, da África, e ainda os judeus, co-
em que consiste esta nova exclu- mo seu objeto. O racismo e a
são social? xenofobia são as duas expres-
sões mais visíveis. Recentemen-
te o fenómeno conhece novos
As múltiplas dimensões do contornos, ainda não completa-
fenômeno mente estudados (Touraine,
1991 e Donzelot, 1991): euro-
Antes de ingressar na ex- peus, alguns brancos, começam
plicação sobre a natureza da no- também a serem objetos do pro-
va exclusão social seria necessá- cesso de exclusão social. São os
rio introduzir mais uma premis- chamados "novos pobres" e/ou
sa chave do problema. A de que jovens de periferia, que Dubet
a exclusão social é um fenôme- denominou de "galere" (1987).
no de múltiplas dimensões. E, Agora, a exclusão social está as-
em primeiro lugar, a dimensão sociada diretamente à capacida-
histórica. de da sociedade em criar empre-
go para seus membros, ou a eles
O problema da exclusão atribuir uma renda mínima de
social, repito, não é novo. Fou- vida.
cault demonstrou cabalmente
os processo de sua criação e le- Ao lado da dimensão histó-
gitimação no século XVIII ria, a exclusão social tem dimen-
(1975). Na Europa pré-moder- sões económicas, sobretudo na
na judeus, heréticos e leprosos forma recente que tem assumi-
eram os principais objetos do do. Aparentemente, o aumento
processo de exclusão social, sem da desigualdade social e do de-
uma relação direta com sua par- semprego estão criando grupos
ticipação nas riquezas produzi- sociais que não possuem acesso
das (Geremek, 1987). Podiam aos bens materiais e simbólicos,
ser ricos ou pobres, eram sem- mas, sobretudo, que não têm
pre excluídos. Os judeus e os le- possibilidades de encontrar um
prosos sofreram o processo de lugar no mundo do trabalho. A
exclusão não em decorrência revolução científico-tecnológi-
do nível de participação nas ri- ca recente está por trás deste fe-
quezas produzidas, ou de qual- nómeno de forma mais abrangen-
quer comportamento ativo, de te e as crises sucessivas, após
desvio, por exemplo, mas do sim- os anos 70, de forma mais con-
ples fato de ser judeu ou de ter juntural.

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Uma pergunta que se colo- to doença como única forma que
ca para os analistas é até que os excluídos encontram para
ponto os efeitos desta revolução amenizar seu sofrimento e obte-
científico-tecnológica não são rem algum reconhecimento so-
passageiros, a disseminação das cial. É através deste projeto que
novas tecnologias vindo a criar eles compensam um não-reco-
novos postos de trabalho que nhecimento social.
posssam diminuir o desempre-
go. Outros vêem algo mais subs- Assim, a nova exclusão so-
tantivo: o pleno emprego do fi- cial se constrói num processo
nal dos anos 50 sendo inalcançá- simultaneamente econômico,
vel, pela natureza diferenciada com a expulsão do mundo do tra-
desta revolução científico-tecno- balho, cultural, pela representa-
lógica. ção específica de não-reconheci-
mento ou negação de direitos,
É praticamente impossí- e social, através da ruptura de
vel dizer, hoje, quem tem razão, vínculos societários e, por vezes,
pois os defensores do caráter comunitários.
transitório do fenômeno do de-
semprego têm fortes argumen- Se se quiser utilizar as ca-
tos na história, enquanto os de- tegorias da cidadania de Mar-
fensores do surgimento de um shal, poder-se-ia dizer que, além
novo tipo de sociedade, em que de uma expulsão do mundo da
o emprego torna-se uma rarida- economia, os novos excluídos
de, têm elementos empíricos im- estão ameaçados de serem expul-
portantes. sos dos direitos sociais e, em de-
corrência, perigam sofrer restri-
Não cabe aqui ingressar ções nos espaços político e civil.
nessa discussão, apenas assina-
lar que os novos excluídos são É claro que todo o expos-
marcados pelo desemprego ou to é uma hipótese a ser verifica-
incapacidade de renda, em par- da, e que tem, em termos inter-
te, mas apenas em parte, confun- nacionais, apenas dados empíri-
dindo-se com os pobres ou no- cos ilustrativos.
vos pobres. Para compreender
o fenómeno da nova exclusão
social é necessário introduzir
uma outra dimensão, igualmen- A nova exclusão social
te importante, a da representa-
ção social. Afinal, a não-integra-
ção no mundo do trabalho com- Tomando estas diversas
pleta-se sempre com a não-inser- premissas é possível, agora, for-
ção social. Na impossibilidade mular em que consiste a nova
de recuperar vínculos que se exclusão social em termos gerais,
partem, os indivíduos são condu- para depois se ingressar no espa-
zidos a construírem estratégias ço específico do Brasil. Trata-
de sobrevivência as mais estra- se da formulação de uma hipóte-
nhas, como a assinalada por Car- se geral merecedora de aprofun-
reteiro (1993), que identifica damento posterior, mas não cus-
uma estratégia intitulada proje- ta exprimi-la.

Cad. CRH., Salvador, n.21. p.29-47, jul./dez.1994


A nova exclusão social aqui analiso, é que um contin-
consiste num processo que arti- gente cada vez maior de pesso-
cula diversas dimensões e se cons- as transforma-se de exército de
trói historicamente. Trata-se reserva em lixo industrial. Não
de uma tendência que se dese- apenas não tem trabalho ou ca-
nha em nossos dias, nada se po- pacidade de gerar renda suficien-
dendo afirmar do ponto de vis- te como não tem as qualidades
ta prospectivo. requeridas para nele ingressar.
Em primeiro lugar, existe Por isso mesmo, são po-
a suposição de que a presente bres com características sociais
revolução científico-tecnológi- distintas, das quais decorrem re-
ca traz consigo reformulações presentações sociais novas.
profundas não apenas nas rela-
ções de trabalho, mas na nature- Na mesma exclusão social
za mesmo do mundo do trabalho. os indivíduos tornam-se, em pri-
O princípio é simples: cada vez meiro lugar, desnecessários eco-
mais se necessita de menos pes- nomicamente. Perdem qualquer
soas para assegurar a reprodu- função produtiva e passam a se
ção ampliada da sociedade. Com constituir em um peso econômi-
esta revolução inicia-se o proces- co para a sociedade (do mundo
so de substituição (e ampliação) do trabalho) e para o governo.
da inteligência, ao inverso das
revoluções pretéritas, que ape- Em segundo lugar, com
nas substituíam (e ampliavam) estas mudanças sociais ocorrem
a força muscular. Com a automa- transformações nas representa-
ção, a telemática, a biogenética ções sociais a respeito destes in-
e os novos materiais, entre ou- divíduos. Pois os mesmos não
tros, um contingente humano são apenas objeto de discrimina-
cada vez maior será dispensável ção social. Aos poucos passam
ao processo produtivo, aumen- a ser percebidos como indiví-
tando a desigualdade social em duos socialmente ameaçantes e,
termos de renda per capita e por isso mesmo, passíveis de se-
estilo de vida. Os setores terciá- rem eliminados.
rio e quaternário, por sua pró-
pria natureza, não têm condi- Essa nova representação
ções de criar os postos de traba- social alimenta-se, em grande
lho necessários para incorporar parte, do crescimento da violên-
a força de trabalho disponível. cia urbana, que parece ser uma
Instala-se o desemprego estrutu- constante em diversos países
ral (Schaff, 1990) a que cada pa- ocidentais. Neste quadro, essa
ís tende a responder de manei- violência estaria relacionada,
ra distinta, segundo a natureza na Europa, à evidente quebra
e capacidade de análise e deci- de coesão social, mas também
são dos atores políticos que diri- à perda de mobilidade ascenden-
gem os seus processos decisó- te destas sociedades. No caso la-
rios centrais. tino-americano, aos dois fatores
anteriores, que se manifestam
O que há de novo nesse igualmente, embora com tintas
processo, para a questão que diferenciadas, somam-se a rápi-

Cad. CRH., Salvador, n.21. p.29.47, jul./dez.l994


da urbanização e o aumento da de intolerância emergem nas ci-
visibilidade das desigualdades dades européias, com o cresci-
sociais, quando não um claro mento da xenofobia na França,
empobrecimento social. A rápi- o neonazismo na Alemanha e
da urbanização provoca um des- as Ligas na Itália. O que se assis-
locamento do indivíduo de uma te hoje em dia, em diversos paí-
situação pautada pelas relações ses, e que os "desfavorecidos",
primárias para uma situação com por mecanismos diversos, entre
predominância das relações so- os quais o da saturação da polí-
ciais secundárias, de menor con- tica, são (gradativamente) afasta-
trole social. Este tende ainda a dos do espaço da representação
diminuir com o aumento da visi- como "agentes incômodos".
bilidade social advinda do rápi-
do progresso dos meios de comu-
nicação.
O caso do Brasil: a
Mas o que distingue estes dimensão histórica
novos excluídos dos antigos po-
bres parisienses ou, nos termos
de Chevalier (1984), das "clas- A especificidade da exclu-
ses perigosas ? Várias são as são social no Brasil está estreita-
diferenças, mas quero inicialmen- mente relacionada com a desi-
te chamar atenção para uma gualdade social e com a pobre-
em particular. Antes os indiví- za, possui uma dimensão histó-
duos destas classes eram objetos ria particular e encontra-se im-
de um complicado e sofisticado bricada, paradoxalmente, ao pro-
processo de domesticação. As cesso de constituição de seu es-
escolas, os presídios, os hospí- paço de igualdade. Comecemos
cios, a urbanização, entre ou- a abordagem pela dimensão his-
tros, além de uma sofisticada le- tórica. Percurso que será feito
gislação e mecanismos claramen- sempre na forma de hipóteses,
te repressivos, foram criados e mesmo assim, apenas esboça-
com o objetivo de criar uma for- das.
ça de trabalho requerida pela
expansão do emprego produzi- Três são os personagens
da no período de disseminação clássicos da exclusão social no
de mudanças no processo produ- Brasil, país que nasce sob este
tivo. Mas agora estes indivíduos signo: os índios, os negros e os
não interessam mais à economia trabalhadores rurais.
e estes mecanismos de domesti-
cação começam a se quebrar, No início do século XVI,
ou a impedir os excluídos de ne- ainda antes do tráfico de escra-
les ingressar. vos, são os índios os grandes ex-
cluídos, considerados pelos euro-
A demanda social e de peus (Voltaire inclusive) como
mercado passa a ser, em relação uma espécie de sub-raça, ho-
aos "desfavorecidos", a de repres- mens inferiores ou mesmo se-
são. Grupos de extermínio se mi-homens. Desde então têm si-
formam nas grandes cidades lati- do perseguidos e dizimados. Sua
no-americanas. Novas formas população atrofiou-se, muitos

Cad. CRH., Salvador, n.21. p.29-47, julVdez.1994


grupos étnicos desapareceram mão-de-obra, forneciam insu-
e alguns estão ainda em fase de mos e alimentos baratos ao pro-
extinção. Em grande parte os ín- cesso de industrialização, propi-
dios foram eliminados por não ciando aos empresários uma
se integrarem ao processo produ- margem de lucro extra para os
tivo do Brasil mercantilista, se novos investimentos.
oporem à expansão do capital
no país e resistirem à integração
cultural, movidos não por qual-
quer resistência revolucionária, Uma exclusão específica: a
mas por simples sobrevivência. cidadania hierarquizada
Os negros escravos consti-
tuem os primeiros excluídos ne- Embora não seja extensi-
cessários, segundo expressão a va, a abordagem da questão da
mim sugerida por Irlys Barreira. exclusão social, nos tempos re-
Despidos de qualquer direito, centes, pode ser e tem sido fei-
considerados como simples mer- ta na ótica da cidadania. Esta
cadorias, os escravos são, porém, significando o reconhecimento
indispensáveis à economia colo- de que o indivíduo é um seme-
nial. Esta não existiria sem aque- lhante, portanto, alguém revesti-
les. Assim, os escravos são excluí- do de direitos e, sobretudo, com
dos da cidadania mas são neces- o direito de ampliar seus direi-
sários à economia. tos. Em termos análogos ao de
Hanna Arendt, porém em situa-
Após a abolição, e com o ção invertida: ser incluído é ter
início do processo de industriali- direito a ter direitos. Não sofrer
zação neste século, emerge o se- o estigma que o expulsa desta
gundo tipo de excluídos necessá- órbita.
rios: os trabalhadores rurais. So-
bre eles recai o principal fardo É com o processo de inte-
do processo de acumulação que gração nacional, inscrito na cons-
possibilitou a industrialização trução da modernidade a partir
brasileira, principalmente entre das décadas de 20/30, que a ex-
os anos 30/60. Não eram mais clusão social torna-se um verda-
considerados objetos como os deiro problema social no Brasil.
escravos, mas não tinham qual- Primeiro um problema operário.
quer cidadania, fosse política O Estado Novo e o populismo
(não eleitores) ou social (não são as formas e os instrumentos
sindicalizados e sem proteção pelos quais se dá a integração
social). Mesmo da cidadania cí- desta população numa engenha-
vica eram em parte despidos, ria institucional cujo resultado
pois estavam sujeitos à polícia é uma cidadania excludente: a
e à justiça dos grandes proprietá- inserção no mundo do trabalho
rios de terra. formal, industrial, possibilita
À semelhança dos escra- ao indivíduo o ingresso no espa-
vos e à diferença dos índios, os ço cidadão, aprisionando na ex-
trabalhadores rurais eram indis- clusão os restantes. O mundo
pensáveis à economia. Além de da cidade, formado em sua maio-
ria de cidadãos, de fato ou poten-

Cad. CRH., Salvador, n.21. p.29.47, jul./dez.l994


cial, opõe-se ao mundo rural, mentos hiperconformistas: seus
formado por uma população objetivos eram o de serem reco-
majoritariamente de excluídos. nhecidos, o de terem direitos,
Migrar significa ampliar conside- o de ingressarem no mundo da
ravelmente suas possibilidades cidadania. Entendido em seu sen-
de "ter direito a ter direitos": tido mais amplo, que inclui o
ao voto, à proteção social, ao direito aos bens indispensáveis,
acesso às riquezas advindas com o de terem direito a uma vida
a industrialização. humana digna. Portanto, direi-
to à terra, à moradia, ao trans-
Os anos 50/60 colocam porte, à educação, à saúde... ao
na agenda a integração da mas- voto, à participação política, à
sa de trabalhadores rurais. Pro- organização partidária.
cesso que passa pela sindicaliza-
ção, expansão das relações de Aparentemente, a década
assalariamento e, finalmente, de 80 é aquela da vitória da lu-
pela integração política e social, ta social pela integração social
através de uma série de lutas (e nacional, no sentido ociden-
que compreendem um amplo es- tal de que não há nação moder-
pectro que vai das Ligas Campo- na sem cidadania), mas também
nesas ao Movimento dos sem- a de seu esgotamento. O Brasil
terra, passando pelo sindicalis- parece assumir a conformação
mo rural, que atinge em meados não de um espaço dual de cida-
da década de 80, uma massa dania (os que têm direitos e os
mais numerosa do que a dos sin- que não têm, como já se sugeriu
dicalizados urbanos. existir nos anos 30) mas uma
forma plural e fragmentada: uns
Com a Constituição de têm mais direitos do que outros.
1988, pela primeira vez o sufrá- A cidadania excludente é substi-
gio universal real é estabeleci- tuída pela cidadania fragmenta-
do. A cidadania política é exten- da, melhor dito, hierarquizada.
siva à toda Nação. Como o ope-
rário, o trabalhador rural, mes-
mo sem terra, que passara a "ter
o direito de ter direito" como O percurso da desigualdade
resultado das lutas dos anos à exclusão.
50/60, vem a ser plenamente re-
conhecido, pois agora é tido no
mundo da política como sujeito É interessante observar
legítimo. que as lutas sociais pela integra-
ção social e política ocorre si-
Todas as lutas que marca- multaneamente ao processo de
ram os movimentos sociais no formação de um mercado econô-
Brasil, incluindo os denomina- mico nacional, com forte mobili-
dos de novos, nas décadas de dade social ascendente e mudan-
70 e 80, tinham também, na sua ças na estrutura ocupacional e
extrema diversidade, esta mar- educacional, embora diferente-
ca: eram lutas pela integração mente segundo categorias so-
social. Segundo uma expressão ciais. As mulheres, por exemplo,
clássica de Merton, eram movi- conseguiram um alto nível de

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mudança em sua posição social, ra vez os bolsões de pobreza não
o mesmo não ocorrendo com diminuíram percentualmente.
os negros. Mas esse processo Mantiveram-se estacionários,
foi também concomitante, em com irregularidades, ao longo
um outro aspecto, ao aumento da década (Eichemberg Silva,
da desigualdade social. Ao mes- 1992 e Rocha, 1991). Nos últi-
mo tempo em que o País crescia mos quarenta anos, a pobreza
a níveis extraordinários, a desi- deslocou-se do campo para a ci-
gualdade na estrutura social au- dade e, ultimamente, para as
mentava. Metrópoles (Rocha, 1992). Des-
locou-se também do mundo in-
Esse paradoxo apenas apa- formal para o mundo do traba-
rente de crescimento econômi- lho (Telles, 1992). Assim, mes-
co e desigualdade social, aliás, mo mantendo a sociedade o mes-
predominou na literatura sobre mo número percentual de po-
as iniqüidades sociais nos anos bres, sua visibilidade aumentou.
70. Uma farta literatura foi pro-
duzida, então, sobre o tema (To- A literatura sobre o tema
lipan e Tinelli, 1975), em que da iniquidade social deslocou-
se assinalava que os bolsões de se, assim, da problemática da
pobreza diminuíam ao mesmo desigualdade para o da pobreza
tempo em que a desigualdade (Abranches, 1985 e Zaluar,
aumentava. Cavalcanti e Ville- 1985). Os pobres, sua condição
la (1990) julgavam, então, que de vida, suas representações so-
o País conhecia um processo cres- ciais, tornaram-se importantes
cente de integração. objetos de investigação, "desna-
turalizando-se" a pobreza.
A desigualdade social não
deixou de crescer com o mode- Na passagem da década
lo econômico vigente desde 30, de 80 para a de 90 ocorreu um
mas os bolsões de pobreza dimi- outro deslocamento. A questão
nuíram, principalmente na déca- social moveu-se para a proble-
da de 70, passando de cerca de mática da exclusão. Entendida,
40% para 20%, entre 1970 e porém, como o risco inerente
1980 (Brandão Lopes, 1992). da criação de uma sociedade
Observou-se, neste período, dual, seja como resultado da cri-
um paradoxo: a sociedade produ- se (Jaguaribe, 1989), criando
zia sua coesão social em meio um caos social, seja como resul-
a uma desigualdade crescente. tado da lógica do modelo econô-
mico vigente (Buarque, 1991 e
A novidade da década de 1993), criando a apartação.
80 não foi a diminuição da desi-
gualdade, concomitante à dimi-
nuição no ritmo de crescimen-
to, mas o fato de que os bolsões Pobreza e violência
de pobreza se estagnaram no in-
terior da sociedade. Ocorreu,
portanto, uma inflexão no movi- Prefiro não me introduzir
mento anterior que absorvia a na disputa teórica se os riscos
pobreza absoluta. Pela primei- de dualização encontram-se no

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âmbito da instabilidade-crise eco- camadas sociais mais favoreci-
nômica que vivemos há quase das. Representação social que
década e meia, ou se são ineren- está relacionada com a violência
tes à lógica do modelo econômi- urbana, emergente nos anos 80,
co que se desfaz. Entre outras e que necessita uma explicação.
razões porque a dualização pare-
ce-me pouco consistente enquan- Lembro ao leitor que o
to proposição analítica ou pensa- que chamamos de nova exclusão
mento prospectivo. Assinalo, social consiste, fundamentalmen-
no entanto, que a retomada do te, na possibilidade de grupos
crescimento econômico, que se sociais, através do processo de
desenha desde o ano de 1993, não-reconhecimento agudo, se-
vindo a se confirmar neste ano, rem passíveis de extinção. O que
provavelmente demarcando um os extermínios e massacres, par-
novo ciclo de crescimento no ticularmente no Rio e São Paulo,
Brasil, não traz automaticamen- têm ilustrado e os moradores
te uma modificação na nossa es- de rua bem representam.
trutura social, nem a eliminação
do bloqueio da mobilidade so- Parece-me uma hipótese
cial (Faria, 1992). Se a retoma- plausível supor que o crescimen-
da se faz no quadro liberal, co- to da violência urbana está dire-
mo parecem indicar os resulta- tamente relacionado com o sur-
dos eleitorais deste ano, o qua- gimento da nova exclusão social.
dro da desigualdade pode perma- Mas não necessariamente com
necer e o processo de exclusão o crescimento da pobreza no es-
social se manter. Afinal, o cres- paço urbano ou com sua maior
cimento industrial, mesmo no visibilidade.
Brasil, não parece mais capaz
de criar emprego, e os mecanis- É evidente que o termo
mos de proteção social estão ex- violência urbana é muito genéri-
tremamente fragilizados. É evi- co. Quero, porém, chamar a aten-
dente que o retorno do cresci- ção em particular sobre a violên-
mento deverá pelo menos dimi- cia que se abate sobre os seto-
nuir os bolsões da pobreza de res mais ricos da sociedade. Vio-
conjuntura, mas pode aí estag- lência manifesta particularmen-
nar, não possuindo o novo mo- te através de assaltos à mão ar-
delo econômico de crescimento mada, com dolo ou não, roubo
qualquer mecanismo distributi- e sequestros.
vista que possa produzir modifi-
cações substantivas. A violência a que me refi-
ro, parece-me uma hipótese plau-
Outra razão para não me sível, está relacionada não dire-
intrometer em "discussões tamente com a pobreza mas com
alheias", é de que o processo outros fatores. Cito os seguintes
de criação da nova exclusão so- como exemplo: a) o processo
cial tem um fundamento econô- de urbanização acelerada deslo-
mico evidente, mas possui uma cou uma massa humana significa-
segunda face igualmente impor- tiva de um espaço social com
tante, a da representação social predominância das relações pri-
que se faz sobre o excluído nas márias, com forte controle so-

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cial, para situações com predo- vo, como se desfazia com o tem-
minância de relações sociais se- po (mudança de governo, infla-
cundárias, com menor controle ção, abandono ou degradação
social; b) o progresso dos meios dos serviços públicos). Resulta-
de comunicação na sociedade do do esgotamento, evidente a
brasileira estimulou o desejo partir de 1990, do que denomi-
de consumo, ao mesmo tempo no (Nascimento, 1993d) o espa-
que deu uma maior visibilidade ço societal regulado. Sinais: a
às desigualdades sociais; c) as economia industrial não cria
lutas sociais pelo ingresso no mais emprego, mesmo com cres-
mundo da igualdade político-ju- cimento da produtividade e da
rídico e por maior acesso a bens produção (a indústria nacional
materiais e simbólicos possibili- cresceu cerca de 10% em 1993
tou a massas urbanas considerá- sem aumentar os postos de tra-
veis uma consciência de que as balho, ao inverso, estes diminuí-
desigualdades sociais são injus- ram -editorial da FSP, 13/02/94),
tas; d) a instabilidade política, o espaço da representação tor-
resultante do processo de transi- na-se menos permeável aos mais
ção prolongado e conservador, pobres e o Estado suspende
colocou diversas instituições suas políticas públicas.
em crise de legitimidade, particu-
larmente a autoridade governa- Em situação similar, res-
mental; e) o bloqueio da mobili- ta ao pobre duas possibilidades:
dade social, resultante da insta- a) conformar-se com a situação
bilidade-crise econômica, deixou de "destituição material" para
camadas pobres sem perspecti- si e, aparentemente, para seus
vas para a mudança de seu lugar descendentes, pois as possibilida-
social. des de romper a linha de pobre-
za reduziram-se drasticamente
Ao que dever-se-ia acres- e parecem fugir de seu horizon-
centar mais um fator: o esgota- te de vida; b) transgredir as leis
mento das lutas sociais pela inte- vigentes (seja isoladamente, se-
gração, resultando no refluxo ja de forma organizada). A vio-
dos movimentos sociais (Nasci- lência hoje, como sugere Macha-
mento e Barreira, 1993). do (1993), em verdade ganha
os contornos de um tipo de so-
Com essa última expres- ciabilidade e uma resposta de
são quero indicar que, a partir revolta à sociedade que não apre-
da segunda metade dos anos 80, senta recursos de assimilação,
há um refluxo nos movimentos mas, inversamente, agudiza seus
sociais em geral, particularmen- mecanismos de expulsão.
te urbanos, pela relação pouco
propícia entre custos e benefí-
cios. Ao longo da década de 80,
participantes dos movimentos Representações da pobreza
populares e das lutas sociais, e exclusão social
particularmente nas periferias
urbanas, perceberam que o re-
sultado de suas mobilizações Um fenômeno interessan-
não apenas era pouco significati- te de observar é que, como estes

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tipos de violência ocorrem ao Por esta razão, sempre encontra
mesmo tempo em que a visibili- meios, nem sempre muito lícitos,
dade da pobreza aumenta, no in- mas em geral não-violentos, de
terior das camadas sociais mais sobreviver. Talvez o malandro
favorecidas ocorre a produção carioca, de então, corporifique
de uma imaginária relação de ilustrativamente bem esta repre-
causa e efeito entre pobreza e sentação.
violência. Mais ainda na medi-
da em que a violência urbana in- Nos anos 80/90, em que
troduziu-se com muito "suces- a pobreza tornou-se sobretudo
so" na mídia. Pesquisa realiza- urbana (em termos de volume,
da em Brasília permitiu-me cons- pois as situações de maior misé-
tatar a dimensão imaginária da ria permanecem no campo) e,
violência urbana, ou seja, que portanto, mais visível, a sua re-
esta é superdimensionada (Nas- presentação pelos mais favoreci-
cimento, 1994). dos transformou-se completa-
mente. Agora o pobre é repre-
Os pobres e a situação sentado como um bandido em
de pobreza são representados potencial. Suas imagens são so-
como violentos e ameaçadores bretudo a dos moradores de rua
à segurança pessoal e aos bens e, entre estes, os pivetes, que
das camadas mais favorecidas. cheiram cola e roubam os tran-
Pedindo ao leitor perdão por to- seuntes nas praças e ruas das
mar essa questão de forma tão grandes cidades. Sua figura mais
genérica, poderia sugerir que ilustrativa é a do bandido urba-
no Brasil se conhece, nos tem- no, "indivíduo geralmente escu-
pos recentes, um deslocamento ro e nordestino".
no interior da representação
dos pobres pelas camadas sociais Pobre e bandido juntam-
mais favorecidas. Vou tentar se, numa única imagem, para
apenas ilustrar esta idéia. produzir o novo excluído, novo
No pós-guerra ainda pre-
dominava a idéia do pobre co-
porque passível de eliminação
sica pelo perigo que represen-
ta socialmente¹, a que se acres-
mo um Jeca Tatu: um indivíduo centa a desnecessidade econômi-
indolente, preguiçoso e espacial- ca. Periculosidade agravada pe-
mente distante. A pobreza en- lo padrão vigente das relações
contra-se sobretudo no mundo sociais no Brasil, que tem sido
rural. É tema de folclore em desenhado como desconhecedor
nossa literatura, e mesmo no ci- da alteridade (Da Matta, 1992).
nema nascente.
Nos anos 60/70 o pobre
já se avoluma no espaço urba-
no, mas é tido como um malan-
dro, que não gosta de trabalhar.
1 No momento da primeira redacão deste artigo, tomei conhecimento da denúncia, feita pela rádio
CBN, de que uma outra estação de rádio teria sugerido "queimar os mendigos para limpar a
cidade", e um médico de Brasília, em entrevista, confirma o ingresso de mendigos com quei-
maduras nos hospitais públicos da cidade nos últimos dias.

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Conclusão ra combater a marginalidade e
o tráfico de drogas; desqualifi
car o voto do pobre (em janei-
Finalmente posso anun- ro os nossos periódicos falaram
ciar a hipótese central e derra- da proposta, na revisão constitu-
deira: o nosso processo de desen- cional, de extinguir o voto obri-
volvimento tende a produzir gatório); cercar as cidades, impe-
um novo tipo de exclusão social dindo o ingresso de imigrantes
cujo resultado será a transforma- nacionais (o que tem efetivamen-
ção do incluído incômodo, o po- te acontecido em algumas cida-
bre que alcançou o estatuto de des do sul e sudeste do País);
eleitor, no excluído perigoso, estabelecer a pena de morte e
desnecessário do ponto de vista expandir os grupos de extermínio
da economia (não se trata mais
de exército de reserva, pois não
tem mais condições de ingressar Nessa tendência, a expul
no mercado de trabalho) e ame- são do mundo econômico (ren
açador, do ponto de vista social, da e consumo) antecede à do
pois transgressor das leis. mundo político e social, para
finalmente, ingressar na esfera
Com esta mudança, que da vida. E sintomático que o
se produz concomitantemente único movimento social em ex
à separação entre "classe labo- pansão no País é o movimento
riosa" e "classe perigosa", o re- de solidariedade com a vida. Si
curso não será mais o da repres- nal, simultaneamente, de espe-
são educativa, para absorver rança e de temor. Sinal de espe
mão de obra nova, mas o da re- rança, pois persiste um forte sen
pressão pura e simples para eli- timento de solidariedade no inte
minar o indivíduo que não tem rior da sociedade brasileira, o
possibilidade, nem a "socieda- de temor porque os sinais de "au
de" tem o interesse, de ser trans- tofechamento societal" são cres-
formado em mão de obra. O ex- centes. Afinal, pode ser o "últi
cluído moderno é, assim, um gru- mo" dos movimentos sociais nas
po social que se torna economi- eidos nos anos 70 no Brasil. Con
camente desnecessário, politica- vivendo com os primeiros da "no
mente incômodo e socialmente va época".
ameaçador, podendo, portanto,
ser fisicamente eliminado. É es- Não defendo a hipótese -
te último aspecto que funda a o que certas passagens do texto
nova exclusão social. podem sugerir —de que esta ten-
dência é inevitável. Ela o será
Se essa tendência se confi- se continuar o modelo econômi-
gura, se estabelece o que Buar- co e social antes vigente, ou an-
que (1991 e 1993) tem denomi- tes, se ele for substituído por
nado de apartação social, um um modelo neoliberal, cuja pre-
novo apartheid que tende a assu- ocupação central é a de ingres-
mir formalidades hoje inexisten- sar (uma pequena parcela da po-
tes, mas cujos traços já estão pulação) no Primeiro Mundo.
"no ar": transformar as Forças Retomando o crescimento de
Armadas em forças policiais pa- forma horizontal (inclusão de

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mercados do exterior) e não ver- mundo inteiro, Brasil inclusive,
tical (incluindo não consumido- tinham como resultado uma
res no universo do consumo e maior integração da força de tra-
dos direitos). balho. Todo ganho em direito
refle tia-se na integração de no-
Nesse caso, será necessá- vos contingentes, fossem eles
rio "conter" as massas excluídas proteção à mulher e ao menor,
internamente. Entre a situação fossem relativos à redução das
atual e a de apartação social, horas de trabalho ou regulamen-
forma extrema de exclusão, há tação das horas extras. Hoje as
um largo espaço e um longo tem- lutas operárias ameaçam ter o
po a serem percorridos. Trata- efeito inverso. O exacerbamen-
se, "apenas", de uma das tendên- to do corporativismo, a que a
cias inscritas no presente. Afi- sociedade tem assistido ultima-
nal, assim como as tendências mente, não passa de uma mani-
contidas neste, o futuro também festação de 'fechamento social".
é plural. Um movimento para "cerrar as
portas do baile aos que nele ain-
A gravidade do fenôme- da não ingressaram .
no não se encontra tanto em seu
caráter iminente, que não acre- A produção dos novos excluídos
dito, mas no fato de que só po- parece ser o sinal mais eviden-
de ser resolvido com uma for- te de que a questão social mu-
ma distinta de encarar a dinâmi- dou de natureza. Gradativamen-
ca social. Hoje, ações sociais te ela abandona o berço do sécu-
que tinham o efeito de integra- lo XIX, em que nasceu como
ção ganham, tendencialmente, questão operária, para assumir
a conotação de terem o efeito contornos ainda indefinidos, de
inverso. Por exemplo: as lutas restrição à exclusão social.
operárias até os anos 80, no

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