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O significado de “significado” 

Hilary Putnam
A linguagem é a primeira grande área da capacidade cognitiva humana que está
começando a obter uma descrição que não é exageradamente supersimplificada. Graças ao
trabalho dos lingüistas transformacionais contemporâneos( 1), está sendo construída uma
descrição muito refinada de algumas linguagens humanas. Algumas características destas
linguagens parecem ser universais. Quando tais características deixam de ser “espécie-
específicas” – “não explicáveis por alguns fundamentos gerais de utilidade funcional ou
simplicidade que poderiam se aplicar a sistemas arbitrários e que servem às funções da
linguagem” – podem lançar alguma luz sobre a estrutura da mente. Enquanto é extremamente
difícil dizer o quanto da grande estrutura assim iluminada mostrar-se-á ser uma estrutura
universal da linguagem, em oposição à estrutura universal das estratégias inatas de
aprendizagem(2), o legítimo fato de que esta discussão pode acontecer é testemunho da
riqueza e generalidade do material descritivo que os lingüistas estão começando a fornecer, e
também testemunho da profundidade das análises, mesmo se as características que parecem
ser candidatas “espécie-específicas” da linguagem não estejam na superfície da consciência
ou nas características fenomenológicas da linguagem, mas permanecem no nível da estrutura
profunda.
O mais sério problema de todas essas análises, até onde interessa ao filósofo, é que não
dizem respeito ao significado das palavras. A análise da estrutura profunda das formas
lingüísticas dá-nos uma descrição incomparavelmente muito mais poderosa da sintaxe das
linguagens naturais que aquilo que tínhamos feito antes. Mas a dimensão da linguagem
associada com a palavra “significado” está, apesar da inundação usual das tentativas heróicas
mal orientadas, quando muito, no escuro em que sempre esteve.
Neste ensaio, quero explorar a razão pela qual isto ocorre. Em minha opinião, a razão
pela qual a semântica está em pior condição que a teoria sintática é que o conceito pré-
científico sobre o qual está assentada – o conceito pré-científico de significado – está, ele
próprio, em situação muito pior que o conceito pré-científico de sintaxe. Como é usual em
filosofia, as dúvidas céticas sobre o conceito não ajudam a clarificar ou melhorar a situação,
tanto quanto as asserções dogmáticas de filósofos conservadores de que tudo está realmente
bem neste que é o melhor de todos os mundos possíveis. A razão pela qual o conceito pré-
científico de significado está em má configuração não será elucidada por algum argumento
geral, cético ou nominalista, afirmando que significados não existem. Efetivamente, o
resultado de nossa discussão será que significados não existem do modo preciso em que
tendemos a pensar que eles existem. Mas elétrons também não existem do modo em que Bohr
os pensou. Aqui está toda a distância no mundo entre esta asserção e a asserção de que
significados (ou elétrons) “não existem”.
Falarei, em grande maioria, unicamente sobre o significado de palavras mais do que
sobre o significado de sentenças porque sinto que nosso conceito de significado-palavra é
mais defeituoso que o nosso conceito de significado-sentença. Mas comentarei brevemente os


Publicado originalmente em Language, Mind, and Knowledge, Minnesota Studies in The Philosophy of
Science, vol. VII, 1975, p. 131-193, K. Gunderson (ed.), University of Minnesota Press. Também em The Twin
Earth Chronicles: Twenty Years of Reflection on Hilary Putnam’s “The Meaning of ‘Meaning’”, Andrew Pessin
e Sanford Goldberg, eds., New York, M. E. Sharp, 1996, p. 3 – 52.
1
Os que contribuíram para esta área são, atualmente, muito numerosos para serem listados: os pioneiros foram,
obviamente, Zellig Harris e Noam Chomsky.
2
Para uma discussão dessa questão ver meu “The ‘Innateness Hypothesis” and “Explanatory Models in
Linguistics”, Synthese 17 (1967), pp. 12-22.
2

argumentos de filósofos como Donald Davidson, que insiste que o conceito de significado-
palavra deve ser secundário e que o estudo do significado-sentença deve ser primário. Uma
vez que olho as teorias tradicionais sobre o significado como mitos aceitos (note que o tópico
“significado” é um tópico discutido na filosofia para o qual não existe literalmente nada,
exceto “teoria” – literalmente nada que pode ser rotulado ou mesmo ridicularizado como
“visão do senso comum”), será necessário discutir e tentar desenredar uma quantidade de
temas acerca dos quais a visão recebida está, em minha opinião, errada. O leitor me ajudará na
tarefa de tentar deixar essas questões claras se gentilmente assumir que nada está claro
doravante.

1. Significado e extensão

Pelo menos desde a Idade Média, os autores em teoria do significado pretenderam


descobrir uma ambigüidade no conceito ordinário de significado, e introduziram um par de
termos – extensão e intensão, ou Sinn e Bedeutung, ou o que seja – para acabar com a
ambigüidade da noção. A extensão de um termo, na linguagem lógica costumeira, é
simplesmente o conjunto de coisas para as quais o termo é verdadeiro. Assim, “coelho”, no
sentido mais comum do inglês, é precisamente o conjunto de coelhos. Entretanto mesmo esta
noção – e é a noção menos problemática neste assunto nebuloso – tem seus problemas. Fora
os problemas inerentes da noção aparentada de verdade, o exemplo precedente de “coelho”
no sentido mais comum do inglês ilustra tal problema: falando estritamente, não é um termo,
mas um par ordenado, consistindo de um termo e de um “sentido” (ou uma ocasião de uso, ou
algo mais que distingue o termo em um uso do mesmo termo usado de modo diferente), que
têm uma extensão. Outro problema é o seguinte: um “conjunto”, no sentido matemático, é um
objeto “sim/não”; qualquer objeto dado ou pertence definitivamente a S ou definitivamente
não pertence a S, se S é um conjunto. Mas palavras, na linguagem natural, não são, em geral,
“sim/não”: sendo cauteloso, existem coisas para as quais a descrição “árvore” é claramente
verdadeira e coisas para as quais a descrição “árvore” é claramente falsa, mas existe uma
grande quantidade de casos na fronteira. Pior, a linha entre os casos nítidos e os casos de
fronteira é, ela própria, difusa (fuzzy). Assim a idealização envolvida na noção de extensão – a
idealização envolvida na suposição que existe uma coisa tal como o conjunto das coisas para
as quais o termo “árvore” é verdadeiro – é realmente muito rígida.
Recentemente, alguns matemáticos têm investigado a noção de conjunto difuso – isto é, a
noção de um objeto para o qual outras coisas pertencem ou não pertencem com uma dada
probabilidade ou um dado grau, preferivelmente ao pertencer “sim/não”. Se alguém realmente
deseja formalizar a noção de extensão aplicada a termos na linguagem natural, seria
necessário empregar “conjuntos difusos” ou algo similar, no lugar de conjuntos no sentido
clássico.
O problema de uma palavra com mais de um sentido é tratado, de modo padrão, tomando
cada um dos sentidos como uma palavra diferente (ou ainda, tratando a palavra como
carregando subscritos invisíveis, assim: “coelho1” – animal de certo tipo; “coelho 2” – covarde;
como se “coelho1” e “coelho2”, ou qualquer outra coisa, fossem palavras inteiramente
diferentes). Isto novamente envolve duas idealizações rígidas (pelo menos duas, que são):
supor que as palavras têm, de modo discreto, muitos sentidos, e supor que o repertório inteiro
de sentidos está fixado de uma vez por todas. Paul Ziff, recentemente, investigou a extensão
3

para a qual ambas estas suposições distorcem a situação real na linguagem natural( 3); contudo
continuaremos a fazer estas idealizações aqui.
Agora considere os termos compostos “criatura com coração” e “criatura com rins”.
Assumindo que todas as criaturas com coração possuem rins e vice-versa, a extensão destes
dois termos é exatamente a mesma. Mas eles diferem obviamente em significado. Suponha
que exista um sentido de “significado” no qual significado = extensão, mas deve haver outro
sentido de “significado” no qual o significado de um termo não é sua extensão, mas algo
mais, digamos o “conceito” associado com o termo. Chamemos este “algo mais” a intensão
do termo. O conceito de criatura com coração é claramente diferente do conceito de criatura
com rins. Assim os dois termos têm diferente intensões. Quando dizemos que eles têm
diferentes “significados”, significado = intensão.

2. Intensão e extensão

Algo como o parágrafo precedente aparece em toda exposição padrão das noções de
“intensão” e “extensão”. Mas não é de todo satisfatório. Porque (Por que) não é satisfatório,
num certo sentido, é o objetivo de todo este ensaio. Mas alguns temas podem ser colocados
logo no início: antes de tudo, qual evidência existe de que “extensão” é um sentido da palavra
“significado”? A explicação canônica das noções de “intensão” e “extensão” é algo da forma
“em um sentido ‘significado’ significa extensão e em outro sentido ‘significado’ significa
significado”. O fato é que, enquanto a noção de extensão é muito precisa, relativa à noção
lógica fundamental de verdade (e sob a idealização rígida observada acima), a noção de
intensão é tão imprecisa quanto a noção vaga (e, como veremos, confusa) de “conceito”. É
como se alguém explicasse a noção de “probabilidade” dizendo: “em um sentido
‘probabilidade’ significa freqüência, e em outro sentido significa tendência”. “Probabilidade”
nunca significa “freqüência”, e “tendência” é tão obscura quanto “probabilidade”.
Na falta de clareza, a doutrina tradicional de que a noção de “significado” possui a
ambigüidade extensão/intensão tem determinadas conseqüências típicas. Muitos filósofos
tradicionais pensaram dos (os) conceitos como algo mental. Assim, a doutrina de que o
significado de um termo (isto é, o significado “no sentido de intensão”) é um conceito levou à
implicação de que significados são entidades mentais. Frege e mais recentemente Carnap e
seus seguidores, entretanto, rebelaram-se contra o que chamaram de “psicologismo”. Sentindo
que significados são propriedades públicas – que o mesmo significado pode ser “apreendido”
(grasped) por mais de uma pessoa e por pessoas em tempos diferentes – eles identificaram
conceitos (e, portanto, “intensões” ou significados) antes com entidades abstratas que com
entidades mentais. De qualquer modo, “apreender” estas entidades abstratas foi ainda um ato
psicológico individual. Nenhum destes filósofos duvidou que compreender uma palavra
(conhecer sua intensão) fosse apenas questão de estar num determinado estado psicológico
(algo de modo que conhecer como fatorar números em alguma cabeça fosse apenas questão
de estar num estado psicológico muito complexo).
Em segundo lugar, o exemplo já desgastado dos termos “criatura com rins” e “criatura
com coração” mostra que dois termos podem ter a mesma extensão e ainda assim serem
diferentes em intensão. Mas foi tomado como óbvio que o contrário é impossível: dois termos
não podem diferir em extensão e ter a mesma intensão. E o que é mais interessante, nenhum
argumento já foi oferecido para esta impossibilidade. Provavelmente, reflete a tradição dos
3
Isto é discutido por Ziff em Understanding Understanting (Ithaca, NY: Cornell University Press, 1972),
especialmente Cap.VIII.
4

filósofos antigos e medievais que assumiram que o conceito correspondente a um termo fosse
apenas uma conjunção de predicados e, portanto, o conceito correspondente a um termo
devesse sempre preencher uma condição necessária e suficiente para cair na extensão de um
termo(4). Para filósofos como Carnap, que aceitava a teoria verificacionista do significado, o
conceito correspondente a um termo proporcionava (no caso ideal, em que o termo tinha
“significado completo”) um critério para pertencer à extensão (não apenas no sentido de
“condição necessária e suficiente”, mas no sentido forte de modo de reconhecer se uma coisa
dada cai na extensão ou não). Assim estes filósofos positivistas foram perfeitamente felizes
em reter a visão tradicional neste ponto. Dessa forma, a teoria do significado estabeleceu-se
sob duas pressuposições indubitáveis:
1. Que conhecer o significado de um termo é apenas uma questão de estar num
determinado estado psicológico (no sentido de “estado psicológico”, no qual
estados de memória e disposições psicológicas são “estados psicológicos”;
ninguém pensou que conhecer o significado de uma palavra fosse um estado
contínuo de consciência, naturalmente);
2. Que o significado de um termo (no sentido de intensão) determina sua
extensão (no sentido de que mesma intensão implica mesma extensão).
Eu argumentarei que estas duas pressuposições são (não) podem ser conjuntamente
satisfeitas por qualquer noção, deixando indeterminada qualquer noção de significado. O
conceito tradicional de significado é um conceito que repousa sobre uma teoria falsa.

3. “Estado psicológico” e solipsismo metodológico

A fim de mostrar isso, precisamos clarificar a noção tradicional de um estado


psicológico. Em um certo sentido, um estado é simplesmente um predicado binário cujos
argumentos são um indivíduo e um tempo. Assim, ter 1,5 metros de altura, estar com dor,
conhecer um alfabeto, e mesmo estar a mil milhas de Paris são estados. (Note que o tempo é
usualmente deixado implícito ou “no contexto”; a forma completa de uma sentença atômica
destes predicados seria “x tem 1,5 metros de altura no tempo t”, “x está com dor no tempo t”,
etc.). Na ciência, entretanto, é costume restringir o termo “estado” a propriedades definidas
em termos de parâmetros do indivíduo e que são fundamentais do ponto de vista de uma dada
ciência. Assim, ter 1,5 metros de altura é um estado (do ponto de vista da física); estar com
dor é um estado (pelo menos do ponto de vista da psicologia mentalista); conhecer um
alfabeto pode ser um estado (do ponto de vista da psicologia cognitiva), embora seja difícil
dizer qual; mas estar a mil milhas de Paris não pode naturalmente ser chamado um estado.
Num certo sentido, um estado psicológico é simplesmente um estado que é estudado ou
4
A tradição cresceu porque o termo cuja análise provocou toda a discussão na filosofia medieval foi o termo
“Deus”, e o termo “Deus” foi pensado como definido através da conjunção dos termos “bom”, “poderoso”,
“onisciente”, etc. – as assim chamadas “perfeições”. Entretanto, havia um problema, porque Deus era suposto ser
a Unidade, e a Unidade era pensada excluir Sua própria essência, que era complexa de algum modo – isto é,
“Deus” foi definido através de uma conjunção de termos, mas Deus (sem aspas) não podia ser o produto lógico
de propriedades, nem podia ser a única coisa que exemplificasse o produto lógico de duas ou mais propriedades
distintas, porque mesmo este tipo altamente abstrato de “complexidade” assegurava ser incompatível com Sua
perfeição de Unidade. Este é o paradoxo teológico com os quais os teólogos Judeus, Árabes e Cristãos
debateram-se violentamente por séculos (e.g. a doutrina da Negação da Privação em Maimônides e Tomás de
Aquino). É divertido que teorias de interesse contemporâneo, tais como o conceptualismo e nominalismo, foram
primeiro propostas como solução para o problema da predicação no caso de Deus. É também divertido que o
modelo favorito da definição em todas estas teologias – o modelo de conjunção de propriedades – ainda
sobrevive, pelo menos através de suas conseqüências, na filosofia da linguagem dos dias atuais.
5

descrito pela psicologia. Neste sentido pode ser trivialmente verdadeiro dizer conhecer o
significado da palavra “água” é um “estado psicológico” (do ponto de vista da psicologia
cognitiva). Mas isto não é o sentido de estado psicológico que está na pressuposição (1)
acima.
Quando os filósofos tradicionais falaram sobre estados psicológicos (ou estados
“mentais”), fizeram a pressuposição que podemos chamar de solipsismo metodológico. Este
pressuposto é o de que nenhum estado psicológico, assim propriamente chamado, supõe a
existência de qualquer outro indivíduo além do sujeito a quem o estado é atribuído. (De fato a
pressuposição foi a de que nenhum estado psicológico pressupõe a existência mesma do
corpo do próprio sujeito: se P é um estado psicológico, assim propriamente chamado, então
deve ser logicamente possível para uma “mente desencarnada” estar em P). Esta
pressuposição é lindamente explícita em Descartes, mas está apenas implícita em toda da
psicologia filosófica tradicional. Claro que fazer esta pressuposição é adotar um programa
restritivo – um programa que deliberadamente limita o alcance e a natureza da psicologia para
convir a determinadas pré-concepções mentalistas ou, em alguns casos, convir a uma
reconstrução idealista do conhecimento e do mundo. Entretanto, às vezes, não fica anunciado
quão restritivo é o programa. Um estado psicológico comum, ou vários deles, como estar com
ciúmes deve ser reconstruído, por exemplo, se a pressuposição do solipsismo metodológico
for mantida. Pois, em seu uso ordinário, x está com ciúmes de y implica que y exista, e x está
com ciúmes do olhar de y para z implica que y e z existam (bem como x, é claro). Assim estar
com ciúmes e estar com ciúmes do olhar de alguém para outro alguém não são estados
psicológicos permitidos pela pressuposição do solipsismo metodológico. (Nós os chamaremos
“estados psicológicos em sentido largo” e referimos aos estados psicológicos que são
permitidos pelo solipsismo metodológico como “estados psicológicos no sentido estrito”). A
reconstrução requerida pelo solipsismo metodológico seria reconstruir ciúme de modo que eu
possa estar com ciúmes por minhas próprias alucinações, ou por ficções de minha imaginação,
etc. Somente se assumirmos que estados psicológicos no sentido estrito têm um grau
significativo de fechamento causal (de modo que restringir a nós mesmos a estados
psicológicos em sentido estrito facilitará o estabelecimento de leis psicológicas) é que há
algum sentido em engajar-se nesta reconstrução, ou em fazer a pressuposição do solipsismo
metodológico. Mas, em minha opinião, os três séculos de falhas da psicologia mentalista são
evidências tremendas contra este procedimento.
Seja como for, podemos agora estabelecer mais precisamente o que afirmamos ao fim da
seção precedente. Sejam A e B quaisquer dois termos que diferem em extensão. Assumindo
(2) eles devem diferir no significado (no sentido de “intensão”). Assumindo (1), conhecer o
significado de A e conhecer o significado de B são estados psicológicos no sentido estrito –
pois foi como construímos a pressuposição (1). Mas estes estados psicológicos devem
determinar a extensão dos termos A e B tanto quanto os significados (“intensões”) fazem.
Para ver como isto ocorre, tentemos assumir o oposto. Claramente, não podem existir
dois termos A e B tais que conhecer o significado de A seja o mesmo estado que conhecer o
significado de B, mesmo porque A e B têm diferentes extensões. Pois conhecer o significado
de A não é apenas “apreender (grasping) a intensão” de A, qualquer que seja esta; é também
conhecer que a intensão “que alguém entendeu” é a intensão de A. (Assim, alguém que sabe o
significado de “roda” presumivelmente “entende a intensão” de seu sinônimo alemão Rad;
mas se ele não sabe que a “intensão” em questão é a intensão de Rad ele não diz “saber o
significado de Rad”). Se A e B são termos diferentes, então conhecer o significado de A é um
estado diferente de conhecer o significado de B quer os significados de A e B sejam os
mesmos ou diferentes. Mas, pelo mesmo argumento, se I 1 e I2 são as diferentes intensões e A é
um termo, então conhecer que I1 é o significado de A é um estado psicológico diferente de
6

conhecer que I2 é o significado de A. Assim, não pode haver dois mundos possíveis,
logicamente diferentes L1 e L2 tais que, digamos, Oscar está nos mesmos estados psicológicos
(no sentido estrito) em L1 e em L2 (em todos os aspectos), mas em L1 Oscar compreende A
como tendo o significado I1 e em L2 Oscar compreende A como tendo o significado I2. (Pois,
se assim fosse, então em L1 Oscar poderia estar no estado psicológico conhecer que I1 é o
significado de A e em L2 Oscar poderia estar no estado psicológico conhecer que I2 é o
significado de A, e estes são diferentes e até mesmo – assumindo que A tem apenas um
significado para Oscar em cada mundo – estados psicológicos incompatíveis no sentido
estrito).
Em resumo, se S é o tipo de estado psicológico que temos discutido – um estado
psicológico da forma conhecer que I é o significado de A, no qual I é uma “intensão” e A é um
termo – então a mesma condição necessária e suficiente para cair na extensão de A “funciona”
em todo mundo logicamente possível no qual o falante está no estado psicológico S. Pois o
estado S determina a intensão I, e pela pressuposição (2) a intensão preenche a condição
necessária e suficiente para a pertinência na extensão.
Se nossa interpretação da doutrina tradicional da intensão e extensão é honesta para com
Frege e Carnap, então todo a questão psicologismo/platonismo se parece como (com) uma
tempestade numa chaleira, no que diz respeito à teoria do significado. (Naturalmente, é uma
questão muito importante até na filosofia geral da matemática). Pois ainda que os significados
sejam entidades “platônicas” ao invés de entidades “mentais” na visão de Frege-Carnap,
“apreender” aquelas entidades é presumivelmente um estado psicológico (no sentido estrito).
Além disso, o estado psicológico determina de forma única a entidade “platônica”. Assim
tomar a entidade “platônica” ou o estado psicológico como o “significado” poderia parecer
uma questão de convenção. E tomando o estado psicológico como sendo o significado
dificilmente se poderia ter a conseqüência temida por Frege, a de que significados deixassem
de ser públicos. Estados psicológicos são “públicos” pois diferentes pessoas (e mesmo
pessoas em diferentes épocas) podem estar no mesmo estado psicológico. Na verdade, o
argumento de Frege contra o psicologismo é apenas um argumento contra identificar
conceitos com particulares mentais, não com entidades mentais em geral.
O caráter “público” de estados psicológicos implica, em particular, que se Oscar e Elmer
compreendem a palavra A de modo diferente, então eles devem estar em estados psicológicos
diferentes. Pois o estado mental de conhecer a intensão de A ser, digamos, I é o mesmo
estado, quer para Oscar, quer para Elmer. Assim dois falantes não podem estar no mesmo
estado psicológico em todos os aspectos e compreender o termo A de modo diferente; o estado
psicológico do falante determina a intensão (e, portanto, pela pressuposição (2), a extensão)
de A .
É esta última conseqüência das pressuposições (1) e (2) tomadas em conjunto que afirmo
ser falsa. Nós afirmamos que é possível para dois falantes estarem no mesmo estado
psicológico (no sentido estrito), muito embora a extensão do termo A no idioleto de um seja
diferente da extensão do termo A no idioleto do outro. A extensão não é determinada pelo
estado psicológico.
Isto será mostrado em detalhes nas seções posteriores. Se isto está correto, então existem
dois caminhos abertos para alguém que quer resgatar pelo menos uma das pressuposições;
desistir da idéia de que estados psicológicos (no sentido estrito) determinam a intensão, ou
desistir da idéia de que a intensão determina a extensão. Nós consideraremos tais alternativas
mais tarde.
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4. Os significados estão na cabeça?

Agora será mostrado que os estados psicológicos não determinam a extensão com a
ajuda de uma pequena história de ficção científica. Para o propósito dos exemplos de ficção
científica, suporemos que em algum lugar da galáxia existe um planeta que chamaremos Terra
Gêmea. A Terra Gêmea é muito parecida com a Terra; de fato, as pessoas na Terra Gêmea até
mesmo falam o inglês. De fato, exceto pelas diferenças que especificaremos em nossos
exemplos de ficção científica, o leitor pode supor que a Terra Gêmea é exatamente como a
Terra. O leitor pode supor que tem um Doppelgänger – uma cópia idêntica – na Terra Gêmea,
se quiser, embora minhas histórias não dependam disso.
Embora algumas das pessoas na Terra Gêmea (digamos, aquelas que chamam a si
mesmas “americanas” e aquelas que chamam a si mesmas “canadenses” e aquelas que
chamam a si mesmas “inglesas”) falem o inglês, existem, não surpreendentemente, mínimas
diferenças que agora descreveremos entre os dialetos do inglês falado na Terra Gêmea e o
inglês padrão. Estas diferenças dependem de algumas particularidades da Terra Gêmea.
Uma das particularidades da Terra Gêmea é que o líquido chamado “água” não é H 2O,
mas um líquido diferente cuja fórmula química é muito longa e complicada. Eu abreviarei esta
fórmula química simplesmente como XYZ. Suporei que XYZ é indistinguível da água em
condições normais de temperatura e pressão. Em particular, seu gosto é como a água e mata a
sede também. Além disso, suporei que os oceanos e lagos da Terra Gêmea contêm XYZ e não
água, que chove XYZ na Terra Gêmea e não água, etc.
Se uma espaçonave da Terra visita a Terra Gêmea, então a primeira suposição será a de
que “água” tem o mesmo significado na Terra e na Terra Gêmea. Esta suposição será corrigida
quando for descoberto que “água” na Terra Gêmea é XYZ, e o terráqueo da espaçonave
relatará algo como segue:
“Na Terra Gêmea a palavra ‘água’ significa XYZ”
(A propósito, é este tipo de uso da palavra “significa” que conta para a doutrina de que
extensão é um sentido do “significado”. Mas note que, embora “significa” não signifique algo
como “tem como extensão”, neste exemplo, não se poderia dizer
“Na Terra Gêmea o significado da palavra ‘água’ é XYZ”
a menos, possivelmente, do fato de que “água é XYZ” fosse conhecido por todo falante adulto
do inglês na Terra Gêmea. Nós podemos considerar isto em termos da teoria do significado
que desenvolveremos abaixo; neste momento nós apenas observamos que o verbo “significa”
algumas vezes significa “tem como extensão”, mas a nominalização de “significado” nunca
significa “extensão”).
Simetricamente, se uma espaçonave vindo da Terra Gêmea visita a Terra, então a
suposição inicial será que a palavra “água” tem o mesmo significado na Terra Gêmea e na
Terra. Esta suposição será corrigida quando for descoberto que “água” na Terra é H 2O, e o
terrestre gêmeo da espaçonave relatará:
“Na Terra(5) a palavra ‘água’ significa H2O”
Note que não há problema com a extensão do termo “água”. A palavra simplesmente tem
dois significados (como dizemos): no sentido em que é usado na Terra Gêmea, o sentido de
águaTG, o que nós chamamos “água” simplesmente não é água; enquanto no sentido que é
5
Ou melhor, ele relatará: “Na Terra Gêmea [o nome terrestre gêmeo para a Terra – HP] a palavra “água”
significa H2O”.
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usado na Terra, o sentido de água T, o que os terráqueos gêmeos chamam “água” simplesmente
não é água. A extensão de “água” no sentido de água T é o conjunto de todas as porções
consistindo de moléculas H2O, ou algo como isso; a extensão de água no sentido de águaTG é o
conjunto de todas as porções consistindo de moléculas XYZ, ou algo como isso.
Voltemos o tempo para 1750. Naquele tempo, a química não havia sido desenvolvida
nem na Terra, nem na Terra Gêmea. O típico falante do inglês da Terra não sabe que água
consiste de hidrogênio e oxigênio, e o típico falante do inglês da Terra Gêmea não sabe que
“água” consiste de XYZ. Seja Oscar1 um típico falante do inglês da Terra e seja Oscar 2 sua
contraparte na Terra Gêmea. Você pode supor que não existe crença que Oscar 1 tenha sobre a
água que Oscar2 não tenha sobre “água”. Se quiser, pode mesmo supor que Oscar 1 e Oscar2
são os mesmos em aparência, sentimentos, pensamentos, monólogos interiores, etc. Outra vez
a extensão do termo "água" era tanto H 2O na Terra em 1750 quanto em 1950; e a extensão do
termo "água" era tanto XYZ na Terra Gêmea em 1750 quanto em 1950. Oscar 1 e Oscar2
compreendiam o termo "água" diferentemente em 1750 embora eles estivessem no mesmo
estado psicológico, e apesar de que, dado o estado da ciência naquele tempo, tivessem que
aguardar suas comunidades científicas por cinqüenta anos para descobrir que eles entendiam o
termo "água" diferentemente. Assim a extensão do termo "água" (e, de fato, seu “significado”
no uso intuitivo, pré-analítico, daquele termo) não é em si mesma uma função do estado
psicológico do falante.
Mas, pode-se objetar, porque aceitaríamos que o termo "água" tenha a mesma extensão
em 1750 e em 1950 (em ambas as Terras)? A lógica dos termos de espécies naturais como
"água" é uma questão complicada, mas segue-se um esboço da resposta. Suponha que aponto
para um copo de água e diga “este líquido é chamado água” (ou “isto é chamado água", se o
marcador “líquido” ficar claro no contexto). Minha “definição ostensiva” de água tem a
seguinte pressuposição empírica: que o corpo do líquido que estou apontando preenche uma
determinada relação de ser o mesmo (digamos, x é o mesmo líquido que y, ou x é o mesmo -L
que y) para com a maioria da matéria-prima que eu e outros falantes em minha comunidade
lingüística temos, em outras ocasiões, chamado "água". Se esta pressuposição é falsa porque,
digamos, estou, sem saber, apontando um copo de gin e não um copo de água, então não
pretendo que minha definição ostensiva seja aceita. Assim, a definição ostensiva conduz para
o que deve ser chamada uma condição suficiente e necessária passível de ser anulada: a
condição necessária e suficiente para ser água é preencher a relação mesmo -L para com
matéria-prima no copo; mas isto é a condição necessária e suficiente somente se a
pressuposição empírica for satisfeita. Se não for satisfeita, pode-se dizer, então, que uma série
de condições de “desistência” é ativada.
O ponto chave é que a relação mesmo-L é uma relação teórica: quer algo seja o mesmo
líquido ou não, isto pode acarretar uma quantidade indeterminada de investigação científica.
Além disso, ainda que uma resposta “definida” tenha sido obtida através da investigação
científica ou através da aplicação de algum teste “do senso comum”, a resposta é algo que
pode ser anulado: a investigação futura pode reverter mesmo o exemplo mais “determinado”.
Portanto, o fato de que um falante inglês em 1750 ter chamado XYZ de "água", enquanto ele
ou seus sucessores não chamaram água de XYZ em 1800 ou em 1850, não significa que o
“significado” de "água" mudou para o falante mediano no intervalo de tempo. Em 1750 ou em
1850 ou em 1950 pode-se ter apontado para, digamos, o líquido no Lago Michigan como um
exemplo de "água". O que mudou foi que em 1750 poderíamos ter pensado de modo
equivocado que XYZ preenchia a relação mesmo -L com o líquido no Lago Michigan,
enquanto em 1800 ou em 1850 poderíamos ter sabido que não (eu estou ignorando,
obviamente, o fato de que o líquido do Lago Michigan fosse, naturalmente, somente água em
1950).
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Modifiquemos agora nossa história de ficção científica. Eu não sei se alguém pode fazer
caçarolas e panelas de molibdênio; e se alguém pode fazê-las completamente de molibdênio,
não sei se elas podem ser distinguidas facilmente das caçarolas e panelas de alumínio. (Eu não
sei nada mesmo ainda que tenha adquirido a palavra “molibdênio”). Assim, eu suporei que
caçarolas e panelas de molibdênio só podem ser distinguidas de caçarolas e panelas de
alumínio por um especialista. (Para enfatizar o interesse, eu repito que isto poderia ser
verdadeiro para tudo o que sei, e a fortiori poderia ser verdadeiro para tudo o que sei em
virtude de “conhecer o significado” das palavras alumínio e molibdênio). Nós iremos supor
que molibdênio é comum na Terra Gêmea como é o alumínio na Terra. Em particular, iremos
assumir que caçarolas e panelas de “alumínio” são feitos de molibdênio na Terra Gêmea.
Finalmente, assumiremos que as palavras “alumínio” e “molibdênio” são “comutadas” na
Terra Gêmea: “alumínio” é o nome de molibdênio e “molibdênio” é o nome de alumínio.
Este exemplo partilha algumas características com o exemplo anterior. Se uma
espaçonave da Terra visitou a Terra Gêmea, os visitantes da Terra provavelmente não
suspeitariam que caçarolas e panelas de “alumínio” na Terra Gêmea fossem feitos de
alumínio, especialmente quando os terráqueos gêmeos dissessem que eram. Mas existe uma
importante diferença entre os dois casos. Um metalúrgico terráqueo poderia dizer facilmente
que o alumínio era “molibdênio”. (As aspas na sentença precedentes indicam usos dos
terráqueos gêmeos). Enquanto em 1750 ninguém na Terra ou na Terra Gêmea poderia
distinguir água de "água", a confusão com alumínio e “alumínio” envolve somente uma parte
das comunidades lingüísticas envolvidas.
O exemplo toca o mesmo ponto do exemplo precedente. Oscar1 e Oscar2 são falantes
padrões do inglês da Terra e do inglês da Terra Gêmea, respectivamente, e nenhum deles é
químico ou metalúrgico sofisticado, então não pode haver diferenças em seus estados
psicológicos quando eles usam a palavra “alumínio”; apesar disso, diremos que “alumínio”
tem a mesma extensão que alumínio no idioleto de Oscar1 e a extensão molibdênio no idioleto
de Oscar2. (Também diremos que Oscar1 e Oscar2 significam coisas diferentes por “alumínio”,
que “alumínio” tem diferentes significados na Terra e na Terra Gêmea, etc.). Novamente,
vemos que o estado psicológico do falante não determina a extensão da palavra (ou do
significado, falando pré-analiticamente).
Antes de discutir este exemplo adiante, deixe-me introduzir um exemplo científico (não
ficção). Suponha que você seja como eu e não pode distinguir um olmo de uma faia. Nós
ainda dizemos que a extensão de “olmo” em meu idioleto é a mesma que a extensão de
“olmo” em qualquer outro idioleto, viz., o conjunto de todas os olmeiros, e que o conjunto de
todas as árvores faia é a extensão de “faia” em nossos idioletos. Assim “olmo” em meu
idioleto tem a mesma extensão de “faia” em seu idioleto (como é o caso). É realmente crível
que esta diferença em extensão tenha trazido alguma diferença em nossos conceitos? Meu
conceito de olmo é exatamente o mesmo que meu conceito de faia (eu fico vermelho em
confessar). (Isto mostra, a propósito, que a identificação do significado “no sentido de
intensão” com conceito não pode estar correta). Se alguém heroicamente sustenta que a
diferença entre a extensão de “olmo” e a extensão de “faia” em meu idioleto é explicada pela
diferença em meu estado psicológico, então podemos sempre refutá-lo construindo um
exemplo “Terra Gêmea” – apenas sejam as palavras “olmo” e “faia” comutadas na Terra
Gêmea (o modelo “alumínio” e “molibdênio” foi o exemplo prévio). Além disso, eu suponho
ter um Doppelgänger na Terra Gêmea que é molécula por molécula “idêntico” comigo (a
mim) (no sentido em que duas gravatas podem ser “idênticas”). Se você é um dualista, então
suponha que meu Doppelgänger pensa o mesmo que eu ao verbalizar pensamentos, que tem
os mesmos dados dos sentidos, as mesmas disposições, etc. É absurdo pensar seu estado
psicológico um pouco diferente do meu: outra vez, ele “significa” faia quando diz “olmo”, e
10

eu “significo” olmo quando digo “faia”. Corte a torta do jeito que você quiser, mas
significados não estão na cabeça!

5. Uma hipótese sociolingüística

Os últimos dois exemplos dependem de um fato da linguagem que, surpreendentemente,


parece nunca ter sido considerado: existe divisão do trabalho lingüístico. Dificilmente
podemos usar palavras tais como “olmo” e “alumínio” se ninguém possuísse uma maneira de
reconhecer olmos e alumínios; mas nem todos, para os quais a distinção é importante, têm a
habilidade de fazer a distinção. Mudemos o exemplo: consideremos ouro. Ouro é importante
por muitas razões: é um metal precioso, tem valor monetário, tem valor simbólico (é
importante para muitas pessoas que a aliança de “ouro de casamento” que usam realmente
consista de ouro e não apenas pareça ser ouro), etc. Considere nossa comunidade como uma
“fábrica”: nesta “fábrica” algumas pessoas têm o “trabalho” de portar anéis de ouro de
casamento, outras pessoas têm o “trabalho” de vender anéis de ouro de casamento e outras
pessoas ainda têm o trabalho de dizer se algo é ou não realmente ouro. Não é necessário, nem
eficiente, que todos portem um anel de ouro (ou uma abotoadura de ouro, etc.), ou discutam o
“padrão ouro”, etc., ou ocupem-se em comprar e vender ouro. Nem é necessário, nem
eficiente, que todos que compram e vendem ouro sejam hábeis em dizer se algo é ou não
realmente ouro numa sociedade em que esta forma de desonestidade é incomum (vender ouro
falsificado) e na qual se pode facilmente consultar um especialista em caso de dúvida. E
certamente não é necessário, nem eficiente, que todos aqueles que têm a oportunidade de
comprar ou portar ouro sejam hábeis a dizer com alguma confiabilidade se algo é ou não
realmente ouro.
Os fatos precedentes são apenas exemplos da divisão mundana de trabalho (num sentido
lato). Mas eles engendram uma divisão do trabalho lingüístico: todos, para os quais ouro é
importante por alguma razão, têm que adquirir a palavra “ouro”; mas não têm que adquirir o
método de reconhecer se algo é ouro ou não. Isso pode ser deixado a uma subclasse especial
de falantes. Todas as características que são geralmente pensadas estar presentes em conexão
com um nome geral – condições necessárias e suficientes para pertencer a uma extensão,
modos de reconhecer se algo está na extensão (“criteria”), etc. – estão presentes na
comunidade lingüística considerada como um corpo coletivo; mas o corpo coletivo divide o
“trabalho” de conhecer e empregar estas várias partes do “significado” de “ouro”.
Esta divisão do trabalho lingüístico fundamenta-se na divisão do trabalho não lingüístico
e a pressupõe. Se apenas as pessoas que sabem como dizer se algum metal é realmente ouro,
ou não, têm alguma razão para ter a palavra “ouro” em seus vocabulários, então a palavra
“ouro” será como a palavra "água" foi em 1750 com respeito à subclasse de falantes, e os
outros falantes apenas não querem adquiri-la de qualquer modo. E algumas palavras não
exibem qualquer divisão de trabalho lingüístico: “cadeira”, por exemplo. Mas com o
crescimento da divisão de trabalho na sociedade e o aparecimento da ciência, mais e mais
palavras começam a exibir este tipo de divisão do trabalho. "Água", por exemplo, não exibe,
de qualquer modo, nenhuma anterioridade para o aparecimento da química. Hoje é
obviamente necessário para todo falante ser capaz de reconhecer água (com confiança, sob
condições normais), e provavelmente todo falante adulto reconhece as condições necessárias e
suficientes de que "água é H2O" mas somente uma quantidade de adultos pode distinguir água
de líquidos que superficialmente se assemelham à água. No caso de dúvida, outros falantes
confiariam nos julgamentos destes falantes “especialistas”. Assim o modo de reconhecer que
estes “especialistas” possuem, através deles, torna-se patrimônio do corpo coletivo lingüístico,
11

mesmo que não seja o modo de reconhecer de cada membro do corpo, e desta maneira o fato
mais raro sobre a água pode tornar-se parte do significado social da palavra enquanto for
desconhecido para a maioria dos falantes que adquire a palavra.
Parece-me que este fenômeno da divisão do trabalho lingüístico é muito importante para
uma investigação da sociolingüística. Para tanto, gostaria de propor a seguinte hipótese:

HIPÓTESE DA UNIVERSALIDADE DA DIVISÃO DO TRABALHO


LINGÜÍSTICO: Toda comunidade exemplifica o tipo de divisão do trabalho
lingüístico descrito: isto é, possui pelos menos alguns termos aos quais os
“criteria” associados são conhecidos apenas para um subconjunto de falantes que
adquirem os termos, e cujo uso por outros falantes depende de uma cooperação
subestruturada entre termos e falantes em subconjuntos relevantes.

Seria interessante, em particular, descobrir se povos extremamente primitivos


apresentam, algumas vezes, exceções a esta hipótese (que poderia indicar que a divisão é um
produto da evolução social), ou se a exibem. No último caso, pode-se conjeturar que a divisão
do trabalho, inclusive do trabalho lingüístico, é um traço fundamental de nossa espécie.
É fácil ver como este fenômeno dá conta de alguns dos exemplos dados acima da falha
das pressuposições (1) e (2). Sempre que um termo está sujeito à divisão do trabalho
lingüístico, um falante “mediano” que o adquire, não adquire nada que fixa sua extensão. Em
particular, seu estado psicológico individual certamente não fixa a extensão; é somente o
estado sociolingüístico do corpo lingüístico coletivo ao qual o falante pertence que fixa a
extensão.
Nós podemos resumir esta discussão indicando que existem dois tipos de ferramentas no
mundo: existem ferramentas como um martelo ou uma chave de fenda que podem ser usadas
por qualquer pessoa; e existem ferramentas como um navio a vapor, que requerem a atividade
cooperativa de um número de pessoas para serem usadas. Palavras têm sido pensadas em
demasia no modelo do primeiro tipo de ferramenta.

6. Indexicalidade e Rigidez(6)

O primeiro de nossos exemplos de ficção científica - "água" na Terra e na Terra Gêmea


em 1750 não envolve a divisão do trabalho lingüístico, ou pelo menos não a envolve da
mesma maneira que os exemplos de “alumínio” e “olmo”. Não havia (na nossa história)
quaisquer “especialistas” em água na Terra em 1750, nem quaisquer especialistas em "água"
na Terra Gêmea. (O exemplo, entretanto, pode ser construído para envolver a divisão do
trabalho através do tempo. Eu não desenvolverei aqui esta maneira de tratar o exemplo). O
exemplo envolve coisas de fundamental importância à teoria da referência e também à teoria
da verdade necessária, que agora discutiremos.
Existem duas maneiras óbvias de dizer para alguém o que nós significamos por meio de
um termo de espécie natural tal como "água", ou “tigre”, ou “limão”. Pode-se dar a chamada
definição ostensiva – “este (líquido) é água”; “este (animal) é tigre”; “esta (fruta) é limão”; na
qual os parênteses são usados para indicar os “marcadores” líquido, animal e fruta, que
6
O conteúdo desta seção foi apresentado numa série de conferências que dei na University of Washington
(Summer Institute in Philosophy) em 1968, e numa conferência na University of Minnesota.
12

podem ser explícitos ou implícitos. Ou pode-se dar uma descrição. No último caso, a
descrição dada consiste tipicamente de uma ou mais marcas junto com um estereótipo(7) –
uma descrição padronizada das características da espécie que são típicas, ou “normais” ou,
por qualquer razão, estereotípica. As características centrais do estereótipo geralmente são os
criteria – características que, em situações normais, constituem modos de reconhecer se a
coisa pertence à espécie ou, pelo menos, condições necessárias (ou condições probabilísticas
necessárias) para pertencer à espécie. Nem todos os criteria usados pela comunidade
lingüística, enquanto corpo coletivo, estão incluídos no estereótipo e, em alguns casos, os
estereótipos podem ser muito fracos. Assim (a menos que eu seja um falante muito atípico), o
estereótipo de um olmo é apenas aquele de uma árvore antiga comum. Estas características
são, de fato, condições necessárias para pertencer à espécie (eu digo “necessárias” no sentido
vago; eu não penso que “olmos são árvores antigas” seja analítico), mas elas estão longe de
constituir uma maneira de reconhecer olmos. De outro lado, o estereótipo de um tigre nos
habilita a reconhecer tigres (a menos que ele seja albino, ou está presente alguma outra
circunstância atípica), e o estereótipo de um limão geralmente nos habilita a reconhecer
limões. No caso extremo, o estereótipo pode ser apenas o marcador: o estereótipo de
molibdênio pode ser apenas o fato de que molibdênio é um metal. Consideremos ambas as
maneiras de introduzir um termo no vocabulário de alguém.
Suponha que eu aponto um copo de líquido e diga “isto é água”, a fim de ensinar a
alguém a palavra "água". Nós já descrevemos algumas das pressuposições deste ato, e o modo
pelo qual esta espécie de explanação do significado pode ser frustrada. Tentemos agora
clarificar como considerar este ato.
No que se segue, tomaremos a noção de “mundo possível” como primitiva. Fazemos isto
porque sentimos que, de vários modos, a noção faz sentido e é cientificamente importante
mesmo que seja necessário fazê-la mais precisa. Assumiremos posteriormente que em pelo
menos alguns casos é possível falar de algum indivíduo existindo em mais de um mundo( 8).
Nossa discussão inspira-se fortemente no trabalho de Saul Kripke, embora as conclusões
fossem obtidas independentemente.
Sejam W1 e W2 dois mundos possíveis nos quais eu exista e nos quais este copo existe e
nos quais eu estou dando uma explicação do significado, apontando para este copo e dizendo
“isto é água”. (Eu não assumo que o líquido no copo é o mesmo nos dois mundos).
Suponhamos que em W1 o copo está cheio de H2O e no mundo W2 o copo está cheio de XYZ.
Também suponhamos que W1 é o mundo real e que XYZ é a matéria-prima tipicamente
chamada "água" no mundo W2 (desse modo a relação entre falantes do inglês em W1 e falantes
do inglês em W2 é exatamente a mesma relação entre falantes do inglês na Terra e falantes do
inglês na Terra Gêmea). Assim, pode haver duas teorias acerca do significado de "água":

1. Pode ser verdadeiro que "água" fosse relativa a um mundo, mas constante em
significado (isto é, a palavra tem um significado relativo constante). Nesta teoria,
"água" significa o mesmo em W1 e W2; apenas água é H2O em W1 e água é XYZ
em W2.
2. Pode ser verdadeiro que água é H2O em todos os mundos (a matéria-prima
chamada "água" em W2 não é água), mas "água" não tem o mesmo significado em
W1 e W2.
7
Veja meu “Is Semantic Possible?”, em H. E. Kiefer e M. K. Munitz, eds., Language, Belief, and Metaphysics
(Albany, NY: State University of New York Press, 1970).
8
Esta pressuposição não é realmente necessária no que segue. O que é necessário é que a mesma espécie natural
possa existir em mais de um mundo possível.
13

Se o que foi dito antes sobre o caso Terra Gêmea for correto, então (2) é claramente a
teoria correta. Quando eu digo “isto (o líquido) é água”, o “isto” é, por assim dizer, um “isto”
de re, isto é, a força de minha explanação é que "água" é tudo o que preenche uma
determinada relação de equivalência (a relação que chamamos mesmo -L) com a porção de
líquido referida a “isto” no mundo real.
Nós poderíamos simbolizar a diferença entre as duas teorias como a diferença de
“escopo” da seguinte maneira. Na teoria (1), é verdadeiro o seguinte:

(1’) (Para todo mundo W) (Para todo x em W) (x é água = x preenche a relação


mesmo-L à entidade referida a “isto” em W)

enquanto na teoria (2):

(2’) (Para todo mundo W) (Para todo x em W) (x é água = x preenche a relação


mesmo-L à entidade referida como “isto” no mundo real W1)

(Eu chamo diferença de “escopo” porque em (1’) “a entidade referida como ‘isto’” está
no interior do escopo de “Para todo mundo W” – como a expressão “em W” deixa explícito,
enquanto em (2’) “a entidade referida a ‘isto’” significa “a entidade referida a ‘isto’ no mundo
real”, e tem assim a referência independente da variável ligada “W”).
Kripke chama designador “rígido” (numa dada sentença) se (naquela sentença) se refere
ao mesmo indivíduo em todo mundo possível no qual o designador designa. Se nós
estendermos a noção de rigidez aos nomes de substâncias, então podemos expressar a teoria
de Kripke e a minha dizendo que o termo "água" é rígido.
A rigidez do termo "água" segue do fato de que quando eu dou a definição ostensiva
“isto (líquido) é água” eu pretendo (2’) e não (1’).
Podemos também dizer, seguindo Kripke, que quando eu dou a definição ostensiva “isto
(líquido) é água”, o demonstrativo “isto” é rígido.
Kripke foi o primeiro a observar que esta teoria do significado (ou do “uso”, ou do que
seja) da palavra "água" (bem como outros termos de espécies naturais) tem conseqüências
surpreendentes para a teoria da verdade necessária.
Para explicá-la, introduzimos a noção de uma relação através dos mundos. Uma relação
de dois termos R será chamada através dos mundos quando é compreendida de tal modo que
sua extensão é um conjunto de pares ordenados de indivíduos que não estão no mesmo mundo
possível. Por exemplo, é fácil compreender a relação mesmo peso que como uma relação
através dos mundos: para compreender isto veja que, e.g. (p. ex.) se x é um indivíduo no
mundo W1 que tem 1,50 m de altura (no mundo W1) e y é um indivíduo no mundo W2 que tem
1,50 m de altura (no mundo W2), então o par ordenado <x, y> pertence à extensão de mesma
altura que. (Uma vez que um indivíduo pode ter alturas diferentes em diferentes mundos
possíveis nos quais existe; estritamente falando não é o par ordenado <x, y> que constitui um
elemento da extensão de mesma altura que, mas o par ordenado x-no-mundo-W1, y-no-
mundo-W2).
14

Similarmente, podemos entender a relação mesmo-L (mesmo líquido que) como uma
relação através dos mundos compreendendo que o líquido no mundo W1, que tem a mesmas
propriedades físicas importantes (em W1) que o líquido em W2 possui (em W2), preenche a
relação mesmo-L com respeito ao último líquido.
Então a teoria que temos apresentado pode ser resumida dizendo que a entidade x, num
mundo possível arbitrário, é água se, e somente se, preenche a relação mesmo-L (construída
como uma relação através dos mundos) com a matéria-prima que nós chamamos "água" no
mundo real.
Suponha, agora, que eu ainda não tenha descoberto quais são as propriedades físicas
importantes da água (no mundo real) – isto é, eu ainda não sei que água é H 2O. Eu posso ter
maneiras de reconhecer água que são bem sucedidas (claro, posso fazer um pequeno número
de erros que não serei capaz de detectar até um último estágio em nosso desenvolvimento
científico) mas não sei a micro-estrutura da água. Se eu concordo que um líquido com as
propriedades superficiais de "água" mas com diferente micro-estrutura realmente não pode
ser água, então minhas maneiras de reconhecer água (minha “definição operacional” por
assim dizer) não podem ser olhadas como uma especificação analítica de o que é ser água.
Melhor, a definição operacional, como a definição ostensiva, é simplesmente o modo de
apontar um padrão – apontar a matéria-prima no mundo real tal que para x ser água, em
qualquer mundo, x preenche a relação mesmo-L com os membros normais da classe de
entidades locais que satisfazem a definição operacional. "Água" na Terra Gêmea não é água,
mesmo se satisfaz a definição operacional, porque não preenche a relação mesmo-L com a
matéria-prima local que satisfaz a definição operacional, e a matéria-prima local que satisfaz a
definição operacional, mas tem uma micro-estrutura diferente do resto da matéria-prima local
que satisfaz a definição operacional também não é água, porque não preenche a relação
mesmo-L com os exemplos normais da "água" local.
Suponha, agora, que eu descubra a micro-estrutura da água – que água é H 2O. Neste
momento estarei habilitado a dizer que a matéria-prima na Terra Gêmea que antes interpretei
erradamente como água não era realmente água. Da mesma maneira, se você descreve, não
outro planeta no universo real, mas outro universo possível na qual existe matéria-prima com
a fórmula química XYZ que passa no “teste operacional” para água, teremos que dizer que a
matéria-prima não é água, mas tão somente XYZ. Você não descreveu um mundo possível no
qual “água é XYZ”, mas tão somente um mundo possível no qual existem lagos de XYZ,
pessoas bebendo XYZ (e não água) ou o que quer que seja. De fato, uma vez que tenhamos
descoberto a natureza da água, nada conta como um mundo possível no qual água não tem
aquela natureza. Uma vez que tenhamos descoberto que água (no mundo real) é H 2O, nada
conta como um mundo possível no qual água não é H 2O. Em particular, se uma afirmação
“logicamente possível” é aquela que vale em algum “mundo logicamente possível”, não é
logicamente possível que água não seja H2O.
Por outro lado, podemos perfeitamente imaginar ter experiências que poderiam
convencer-nos de que (e que poderia ser racional acreditar que) água não é H2O. Neste caso, é
concebível que água não seja H2O. É concebível, mas não é logicamente possível. Ser
concebível não é prova de possibilidade lógica.
Kripke refere-se a sentenças que são racionalmente não revisíveis (assumindo que
existam) como epistemicamente necessárias. Às sentenças que são verdadeiras em todos os
mundos possíveis ele simplesmente refere-se como necessárias (ou, algumas vezes,
“metafisicamente necessárias”). Nesta terminologia, a questão pode ser estabelecida como
segue: uma sentença pode ser (metafisicamente) necessária e epistemicamente contingente. A
intuição humana não tem acesso privilegiado à necessidade metafísica.
15

Desde Kant houve uma grande divisão entre os filósofos que pensavam que todas as
verdades necessárias eram analíticas e filósofos que pensaram que algumas verdades
necessárias eram sintéticas a priori. Mas nenhum desses filósofos pensou que uma verdade
(metafisicamente) necessária poderia deixar de ser a priori: a tradição kantiana foi tão culpada
quanto a tradição empirista em igualar necessidade metafísica e epistêmica. Neste sentido, o
desafio de Kripke à doutrina recebida foi para além da oscilação usual empirismo/kantismo.
Entretanto, neste trabalho, nosso interesse é a teoria do significado, não a teoria das
verdades necessárias. Aproximações relacionadas a Kripke foram feitas em termos da noção
de indexicalidade(9). Palavras como “agora”, “isto”, “aqui”, já há algum tempo foram
reconhecidas como indexicais, ou espécime-reflexivas (token-reflexive) – isto é, têm uma
extensão que varia de contexto a contexto ou de espécime a espécime. Para estas palavras
ninguém sugeriu a teoria tradicional de que “intensão determina a extensão”. Para tomar
nosso exemplo da Terra Gêmea: se eu tenho um Doppelgänger na Terra Gêmea, então quando
penso “eu tenho uma dor de cabeça”, ele pensa “eu tenho uma dor de cabeça”. Mas a extensão
do espécime particular “Eu” no seu pensamento verbalizado é ele mesmo (ou sua classe única,
para ser preciso), enquanto a extensão do espécime “Eu” em meu pensamento verbalizado sou
eu (ou minha classe única, para ser preciso). Assim a mesma palavra “Eu” tem duas diferentes
extensões em dois diferentes idioletos, mas não se segue que o conceito que eu tenho de mim
mesmo é de qualquer modo diferente do conceito que meu Doppelgänger tem de si mesmo.
Assim sendo, temos sustentado que a indexicalidade estende-se obviamente para além
das palavras indexicais e morfemas (e.g., os tempos dos verbos). Nossa teoria pode ser
resumida dizendo que palavras, como "água", têm um componente indexical não mencionado:
"Água" é matéria-prima que preenche uma relação determinada de similaridade à água aqui
em volta. Água, em outro tempo e em outro lugar ou mesmo em outro mundo possível, tem
que preencher a relação mesmo-L para com nossa "água" a fim de ser água. Portanto, a teoria
(1) de que palavras têm “intensões” que às vezes são como conceitos associados com as
palavras dos falantes; e (2) que intensão determina extensão, não pode ser verdadeira de
palavras de espécies naturais como "água" pela mesma razão que a teoria não pode ser
verdadeira de palavras obviamente indexicais como “Eu”.
Entretanto, (a) teoria de que palavras de espécies naturais, como "água", são indexicais
deixa em aberto dizer que "água" no dialeto da Terra Gêmea tem o mesmo significado que
"água" no dialeto da Terra e uma extensão diferente (que é o que normalmente dizemos sobre
“Eu” em diferentes idioletos), e por isso mesmo desiste da doutrina de que “significado
(intensão) determina extensão”; ou dizer, como escolhemos fazer, que diferença de extensão é
ipso facto uma diferença no significado de palavras de espécies naturais, e por isso mesmo
desiste da doutrina de que significados são conceitos, ou, obviamente, entidades mentais de
algum tipo.
Todavia, para ser claro, a doutrina de Kripke de que palavras de espécies naturais são
designadores rígidos e nossa doutrina de que são indexicais são duas maneiras de fazer a
mesma coisa. Nós amavelmente endossamos o que Kripke disse quando escreveu:

Suponhamos que fixamos a referência de um nome por uma descrição. Mesmo se assim
fazemos, não fazemos o nome sinônimo da descrição, mas, ao invés disso, usamos o nome
rigidamente para referir ao objeto assim nomeado, ainda que falando em situações
contrafatuais, em que a coisa nomeada poderia não satisfazer a descrição em questão. Ora,
aquilo que penso é de fato verdadeiro para aqueles casos dos nomes em que a referência é
9
Estas aproximações foram feitas em minhas conferências de 1968 na University of Washington e University of
Minnesota.
16

fixada por descrição. Mas, de fato, também penso, contrariamente à maioria dos recentes
teóricos, que a referência de nomes é raramente fixada, ou mesmo nunca fixada, por meio
da descrição. E, por isso, eu realmente não entendo o que Searle diz: “Não é uma
descrição única, mas antes um feixe, uma família de propriedades que fixa a referência”.
Eu entendo que propriedades, neste sentido, nunca são usadas( 10).

7. Sejamos realistas

Desejo agora contrastar minha visão com uma que é popular, pelo menos entre os
estudantes (parece acontecer espontaneamente). Para esta discussão, tomemos como nosso
exemplo uma palavra de espécie natural, a palavra ouro. Nós não faremos distinção entre
“ouro” e as palavras cognatas em grego, latim, etc. e focaremos “ouro” no sentido de ouro no
estado sólido. Com esta compreensão, sustentamos que: “ouro” não mudou em extensão (ou
não modificou significativamente) em dois mil anos. Nossos métodos de identificar ouro
foram se desenvolvendo para métodos incrivelmente sofisticados. Mas a extensão de xruso\\j
no dialeto grego de Arquimedes é a mesma extensão de ouro em meu dialeto de inglês.
É possível (e suporemos ser o caso) que existiram peças de metal que não poderiam ter
sido afirmadas não ser ouro antes de Arquimedes; assim (É possível (e suporemos ser o caso)
que assim como existiram peças de metal que não poderiam ter sido afirmadas não ser ouro
antes de Arquimedes; do mesmo modo ) existiram peças de metal que não poderiam ter sido
afirmadas não ser ouro nos dias de Arquimedes, mas que podem ser distinguidas de ouro
muito facilmente com técnicas modernas. Seja X tal peça de metal. Claramente X não
pertence à extensão de “ouro” no inglês padrão; minha visão é que não pertencia à extensão
de “xruso\\j” na Grécia Ática também, embora um grego antigo pudesse equivocar-se em
tomar X por ouro (ou melhor, xruso\\j).
A visão alternativa é que “ouro” significa qualquer coisa que satisfaça a “definição
operacional” contemporânea de ouro. “Ouro”, uma centena de anos atrás, significou satisfazer
a “definição operacional” de ouro em uso uma centena de anos atrás; “ouro”, agora, significa
satisfazer a definição operacional de ouro em uso em 1973; e “xruso\\j” significou satisfazer a
definição operacional em uso de xruso\\j da época.
Um motivo comum para adotar este ponto de vista é um determinado ceticismo sobre a
verdade. Na visão que estou defendendo, quando Arquimedes afirmou que algo fosse ouro
(xruso\\j) ele não estava apenas dizendo que tinha características superficiais de ouro (de fato,
em casos excepcionais, algo pode pertencer a uma espécie natural e não ter as características
superficiais de um membro daquele tipo natural); ele estava dizendo que tinha a mesma
estrutura invisível (oculta - hidden) geral (a mesma “essência”, assim dizendo) que qualquer
peça de ouro local. Arquimedes poderia ter dito que nossa peça hipotética do metal X era
ouro, mas ele poderia estar errado. Mas quem pode dizer que ele poderia estar errado?
A resposta óbvia é: nós poderíamos (usando a melhor teoria hoje disponível). Para
muitas pessoas ou a questão (quem diria?) é chatice, e nossa resposta não é chatice, ou nossa
resposta é chatice e a questão não é chatice. ( Para muitas pessoas ou a questão (quem pode
dizer) é insossa – has no bite - , e nossa resposta não o é , ou nossa resposta é insossa e a
questão não o é. ) Por que isto?
A razão, em (eu) creio, é que as pessoas tendem a ser ou fortemente anti-realistas ou
fortemente realistas em suas intuições. Para uma intuição fortemente anti-realista faz pouco
10
Veja “Identity and Necessity” de Kripke em M. Munitz, ed., Identity and Individuation (New York: New York
University Press, 1972), p.157.
17

sentido dizer que o que está na extensão do termo “ xruso\\j” de Arquimedes é determinado
usando nossa teoria. Pois o anti-realista não vê nossa teoria e a teoria de Arquimedes como
duas descrições aproximadamente corretas do mesmo reino fixado de entidades independentes
de teoria, e ele tende a ser cético sobre a idéia de “convergência” na ciência – ele não pensa
que nossa teoria é uma descrição melhor das mesmas entidades que Arquimedes estava
descrevendo. Mas se nossa teoria é apenas nossa teoria, então usá-la para decidir que X está
ou não na extensão de “xruso\\j” é tão arbitrário como usar a teoria Neandertal para decidir
que X está ou não na extensão de “xruso\\j”. A única teoria que não é arbitrária para usar é
aquela que o próprio falante subscreve.
O problema é que, para um anti-realista rigoroso, verdade não faz sentido exceto como
uma noção intrateórica(11). O anti-realista pode usar a verdade intrateórica no sentido de uma
“teoria redundante”; mas ele não tem as noções de verdade e referência disponíveis extra-
teoricamente. Mas extensão está ligada à noção de verdade. A extensão de um termo é
exatamente aquilo para o qual o termo é verdadeiro. Melhor que tentar reter a noção de
extensão através de um operacionalismo embaraçoso, o anti-realista deveria rejeitar a noção
de extensão, tal como ele faz com a noção de verdade (em qualquer sentido extrateórico).
Como Dewey, por exemplo, ele pode voltar à noção de “assertibilidade garantida” no lugar de
verdade (relativizada ao método científico, se ele pensa existir um método científico fixado,
ou para o melhor método disponível no tempo, se ele concorda com Dewey em que o método
científico desenvolve-se por si mesmo). Então ele pode dizer que “X é ouro ( xruso\\j)” foi
uma asserção garantida no tempo de Arquimedes e não é uma asserção garantida hoje (de
fato, esta é a afirmação mínima, no sentido de que representa o mínimo em que o realista e o
anti-realista podem concordar), mas a asserção de que X estava na extensão de “ xruso\\j” será
rejeitada como sem significado, assim como seria rejeitada a asserção de que “X é ouro
(xruso\\j)” era verdadeira.
É bem conhecido que o operacionalismo ingênuo não pode dar conta, com sucesso, do
uso real dos termos científicos ou do senso comum. Versões relaxadas do operacionalismo,
como a versão de Carnap da teoria de Ramsey, se não dão conta, concordam com o uso
científico real (principalmente por causa das versões relaxadas do acordo com qualquer uso
possível!), mas às custas de fazer a comunicabilidade de resultados científicos um milagre.
Para além disso, o fato é que os cientistas usam termos como se os criteria associados não
fossem condições necessárias e suficientes, mas aproximadamente caracterizações corretas de
algum mundo de entidades independentes da teoria, e falam como se as últimas teorias na
ciência madura fossem, em geral, melhores descrições das mesmas entidades que nas antigas
teorias. Em minha opinião, a hipótese de que isto é correto é a única hipótese que pode
responder pela comunicabilidade dos resultados científicos, pelo fechamento de teorias
científicas aceitáveis sob a lógica de primeira ordem, e por muitas outras características do
método científico(12). Mas não é minha tarefa argumentar isto aqui. Minha questão é que, se
nós estamos usando as noções de verdade e extensão de uma maneira extrateórica (isto é,
olhando estas noções como definidas para sentenças bem assentadas na linguagem de outras
teorias, mais do que na nossa própria teoria), então devemos aceitar a perspectiva realista às
quais estas noções pertencem. A dúvida acerca de se nós podemos dizer que X não está na
extensão de “ouro” tal como Jonas o usou é a mesma dúvida que aquela de saber se faz
sentido pensar a sentença de Jonas, “X é ouro”, como verdadeira ou falsa (e não apenas
“asserção garantida por Jonas e asserção não garantida para nós”). Enquadrar a noção de

11
Para uma discussão desta questão, veja “Explanation and Reference”, em G. Pearce e P. Maynard, eds.
Conceptual Change (Dordrecht: Reidel, 1973).
12
Para uma discussão brilhante de algumas dessas questões, veja de R. Boyd “Realism and Scientific
Epistemology” (não publicado: cópia xerox distribuída pelo autor, Cornell Department of Philosophy).
18

verdade, que é essencialmente uma noção realista, com algum preconceito anti-realista
adotando uma teoria indefensável de significado é não progredir.
Um segundo motivo para adotar uma abordagem operacional extrema é uma aversão a
hipóteses não verificáveis. À primeira vista pode parecer como se estivéssemos dizendo que
“X é ouro (xruso\\j)” fosse falso no tempo de Arquimedes embora Arquimedes não pudesse
em princípio saber que fosse falso. Mas esta não é exatamente a situação. O fato é que existe
uma quantidade de situações que nós podemos descrever (usando a verdadeira teoria que nos
diz que X não é ouro) na qual X poderia ter-se comportado de modo muito diferente do resto
da matéria-prima classificada por Arquimedes como ouro. Talvez X pudesse ser separada em
dois diferentes metais quando fundida, ou poderia ter diferentes propriedades de
condutividade, ou poderia vaporizar-se numa temperatura diferente, ou o que quer que seja.
Se nós tivéssemos feito os experimentos com os olhos de Arquimedes, ele poderia não ter
sabido a teoria, mas poderia ter sido capaz de checar a regularidade empírica de que “X
comporta-se diferentemente do resto da matéria-prima classificada como xruso\\j em muitos
aspectos”. Eventualmente ele poderia ter concluído que “X não podia ser ouro”.
A questão é que mesmo se algo satisfaz os criteria usados para identificar ouro num
determinado tempo (isto é, reconhecer se algo é ouro), poderia comportar-se diferentemente
em uma ou mais situações do resto da matéria-prima que satisfaz os criteria. Estes não podem
provar que algo não é ouro, mas levantam a hipótese de que pode não ser ouro, mesmo na
ausência da teoria. Agora, se vamos informar para Arquimedes que ouro tem tais e tais
estruturas moleculares (exceto para X), e que X comporta-se diferentemente porque tem uma
estrutura molecular diferente, existe alguma dúvida de que ele concordaria conosco de que X
não era ouro? Em qualquer caso, parece-me ridículo preocupar-se por causa de coisas que
podem ser verdadeiras (num dado tempo) e não podem ser verificadas (naquele tempo). Em
qualquer visão razoável, seguramente existem coisas que são verdadeiras e não podem ser
verificadas em qualquer tempo. Por exemplo, suponha que existam infinitas estrelas duplas.
Deveríamos ser capazes de verificar isto, mesmo em princípio?(13)
Até agora lidamos com as razões metafísicas para rejeitar nossa abordagem. Mas alguém
poderia discordar de nós dos fatos empíricos acerca das intenções dos falantes. Isto poderia
ser o caso se, por exemplo, alguém pensasse que Arquimedes (no Gedankenexperiment
descrito acima) dissesse: “não é questão se X não age diferentemente de outras peças de ouro;
X é uma peça de ouro, porque X tem tais e tais propriedades e que são todas tomadas como
ouro”. De fato, enquanto não se determinar que palavras de espécies naturais na Grécia Antiga
têm as propriedades das palavras correspondentes no inglês de hoje, não pode haver dúvidas
sérias acerca das propriedades do ouro. Se colocarmos preconceitos filosóficos à parte, então
acredito que bem poderíamos perfeitamente saber que nenhuma definição operacional
proporciona uma condição necessária e suficiente para a aplicação de qualquer palavra.
Podemos dar uma “definição operacional”, ou um feixe de propriedades, ou o que seja, mas a
intenção nunca é “fazer o nome sinônimo da descrição”. Melhor, “nós usamos o nome
rigidamente” para nos referirmos a coisas que partilham a natureza que normalmente
possuem as coisas que satisfazem a descrição.

13
Veja meu “Logical Positivism and the Philosophy of Mind” em P. Achinstein, ed., The Legacy of Logical
Positivism (Baltimore: John Hopkins Press, 1969); e também meu “Degree of Confirmation and Inductive
Logic”, em P. A. Schilpp, ed., The Philosophy of Rudolf Carnap (La Salle, IL: Open Court, 1962) e meu
“Probability and Confirmation” (programa de rádio para a Série Filosofia da Ciência da Voz da América,
Primavera, 1963); reimpresso em A. Danto e S. Morgenbesser, eds. Philosophy of Science Today (New York:
Basic Books, 1967).
19

8. Outros sentidos

O que analisamos até agora é o sentido predominante de palavras de espécies naturais


(ou melhor, a extensão predominante). Mas palavras de espécies naturais possuem,
normalmente, vários sentidos. (Ziff já sugeriu que elas possuem um continuum de sentidos).
Parte disto pode ser explicado com base na nossa teoria. Ser água, por exemplo, é
preencher a relação mesmo-L com determinadas coisas. Mas o que é a relação mesmo-L?
X preenche a relação mesmo-L com y apenas nos casos em que (1) x e y são ambos
líquidos, e (2) x e y concordam em propriedades físicas importantes. O termo “líquido” é, por
si mesmo, um termo de espécie natural que não tentaremos analisar aqui. O termo
“propriedade” é um termo de largo espectro que analisamos em trabalhos anteriores. O que
queremos enfocar agora é a noção de ser importante. Ser importante é uma noção de interesse
relativo. Normalmente as propriedades “importantes” de um líquido ou sólido, etc., são
aquelas que são estruturalmente importantes: as que especificam do que o líquido ou sólido,
etc., é feito, ao final das contas – partículas elementares, ou hidrogênio e oxigênio, ou terra,
ar, fogo, água, ou o que seja – e como eles estão arranjados ou combinados para produzir as
características superficiais. Deste ponto de vista, as características de uma porção típica de
água consistem de H2O. Mas pode ser importante, ou pode não ser, falar que existam
impurezas; assim, num contexto, "água" pode significar água quimicamente pura, enquanto
noutro pode significar a matéria prima no Lago Michigan. E um falante pode, às vezes, se
referir a XYZ como água, se está usando-o como água. De novo, normalmente é importante
que água seja o estado líquido; mas algumas vezes isto não tem importância, e alguém pode
referir-se a uma única molécula de H2O como água, ou à água a vapor como água ("água no
ar").
Mesmo alguns sentidos que até agora deviam ser olhados como pouco “desviantes”,
podem preencher a relação definida em um sentido preciso. Por exemplo, posso dizer “você
viu os limões” significando os limões de plástico. Um caso menos desviante é esse: nós
descobrimos “tigres” em Marte. Isto é, eles se parecem com tigres, mas têm uma química
baseada em silicone, no lugar de uma química baseada em carbono. (Um exemplo notável de
evolução paralela!). São os “tigres” marcianos tigres? Depende do contexto.
No caso desta teoria, como no caso de qualquer teoria que é assimétrica à maneira que as
pessoas têm pensado previamente, incompreensões estão fadadas a aparecer. O que já
apareceu é o seguinte: um crítico tem sustentado que o sentido predominante de, digamos,
“limão” é aquele no qual alguma coisa com as características superficiais de limão (um
número suficiente) é limão. O mesmo crítico sugeriu que ter a estrutura invisível – o código
genético – de um limão é necessário para ser um limão somente quando “limão” é usado
como um termo da ciência. Ambas as contestações parecem-me permanecer num mal-
entendido, ou, talvez num par de mal-entendidos complementares. O sentido literal, no qual
qualquer coisa com as características superficiais de um limão é necessariamente um limão,
longe de ser o caso dominante, é extremamente desviante. Assim, algo poderia ser um limão
se fosse visto como limão, com gosto de um limão, mesmo que tivesse uma química baseada
em silicone, por exemplo, ou mesmo se um microscópio eletrônico revelasse ser uma
máquina. (Mesmo se incluirmos o crescimento “como um limão” nas características
superficiais, isso não exclui o limão siliconado, se existirem “limoeiros” em Marte. Nem
mesmo exclui o limão-máquina; o limoeiro pode ser uma máquina também!).
Ao mesmo tempo, o sentido no qual ser como um limão tem algo a ver com o código
genético de um limão, não é o mesmo que o sentido técnico, (se existe um, o que eu duvido).
20

Eu tomo o sentido técnico como se “limão” fosse sinônimo de uma descrição especificada do
código genético. Mas quando nós dizemos (para mudar o exemplo) que algo para ser água
tem que ser H2O, nós não significamos, como já deixamos claro, que o falante deve saber
disso. É somente se confundirmos necessidade metafísica com necessidade epistêmica que se
pode concluir que as condições de verdade (metafisicamente necessárias) de ser água é ser
H2O, e então "água" deve ser sinônimo de H 2O – neste caso é certamente um termo de
ciência. E similarmente, mesmo através do sentido predominante de “limão”, no qual para
algo ser um limão tem que ter o código genético de limão (eu acredito), não se segue que
“limão” é sinônimo de uma descrição que especifica explicitamente o código genético ou
qualquer outra coisa.
A confusão de pensar que existe um sentido importante de “limão” (talvez o
predominante), no qual ter as características superficiais de um limão é, pelo menos,
suficiente para ser um limão, é mais plausível se, entre as características superficiais, se inclui
ter fertilização cruzada com limões. Mas a característica de ter fertilização cruzada com
limões pressupõe a noção de ser um limão. Assim, mesmo se se puder obter uma condição
suficiente desta forma, tomar isto como inconsistente com a caracterização oferecida aqui é
cair num círculo vicioso. Além disso, a caracterização em termos de limão, pressupõe
“características superficiais” (como ser fértil no cruzamento com limões), não condições de
verdade que poderiam habilitar-nos a decidir que objetos em outros mundos possíveis (ou que
objetos, um milhão de anos atrás, ou que objetos um milhão de anos-luz daqui) são limões.
(Além disso, não penso que esta caracterização, que é circular, seja correta, mesmo como
condição suficiente. Eu penso que se poderiam inventar casos nos quais, algo que não fosse
um limão, fosse fértil no cruzamento com limões e olhado como limão, etc.).
Novamente, se pode tentar excluir o caso de limões-máquinas (máquinas-limões?) com
“crescimento” em limoeiros-máquina (máquinas-limoeiro?) dizendo que “crescer” não é
realmente crescer. O que é correto; mas é correto porque crescer é um verbo de espécies
naturais, e precisamente o tipo de abordagem que nós temos apresentado se aplica a ele.
Outro mal-entendido que poderia ser evitado é o seguinte: tomar a abordagem que
desenvolvemos como implicando que os membros da extensão de uma palavra de espécie
natural necessariamente têm uma estrutura invisível comum. Poder-se-ia apresentar porções
de líquido que chamamos "água" sem características físicas comuns exceto as superficiais. Em
tal caso, as condições necessárias e suficientes para ser "água" poderiam ser a posse suficiente
de muitas das características superficiais.
Incidentemente, a última afirmação não implica que água poderia falhar em ter uma
estrutura invisível (ou que água poderia ter sido qualquer coisa exceto H 2O). Quando dizemos
que poderia ser apresentada água sem estrutura invisível, o que queremos dizer é que o
líquido sem estrutura invisível (isto é, muitos diferentes tipos de líquidos, sem nada em
comum exceto características superficiais) poderia ser olhado como água, ter gosto de água, e
ter preenchido os lagos, etc. que são realmente cheios de água. Para encurtar, poderíamos ter
estado na mesma situação epistemológica com respeito a um líquido sem nenhuma estrutura
invisível por um certo tempo, como se o líquido fosse realmente água. Compare isto com
Kripke acerca da “estante feita de gelo”(14).
Há, de fato, muitos desses casos. Por exemplo, algumas doenças têm apresentado não ter
( revelaram-se como não tendo – turned out) estrutura invisível (oculta) (a única coisa que o
paradigma dos casos têm em comum é um feixe de sintomas), enquanto outras têm uma
estrutura comum no sentido de uma etiologia (e.g. tuberculose). Algumas vezes, ainda não
sabemos; existe uma controvérsia ainda pairando sobre o caso de esclerose múltipla.
14
Veja “Identity and Necessity” de Kripke.
21

Um caso interessante é o caso do jade. Embora os chineses não reconhecessem a


diferença, o termo “jade” aplica-se a dois minerais: jadeíta e nefrita. Quimicamente, existe
uma notável diferença. Jadeíta é uma combinação de sódio e alumínio. Nefrita é feito de
cálcio, magnésio e ferro. Essas duas micro-estruturas muito diferentes produzem as mesmas
únicas qualidades de texturas!
Voltemos ao exemplo da Terra Gêmea, por um momento; se H 2O e XYZ fossem
abundantes na Terra, então deveriam ser um caso similar a jadeíta/nefrita: seria correto dizer
que existem dois tipos diferentes de “água”. No lugar de dizer “a matéria-prima na Terra
Gêmea apresentada não era realmente água”, deveríamos dizer “a matéria prima na Terra
Gêmea apresentada era XYZ, um tipo de água”.
Resumindo tudo: se existe uma estrutura invisível (oculta), então esta geralmente
determina o que é ser um membro da espécie natural, não apenas no mundo real, mas em
todos os mundos possíveis. Posto de outro modo, determina o que pode, ou não pode, ser
contrafatual supor sobre a espécie natural (“água poderia ser inteiramente vapor?” sim / “água
poderia ser XYZ” não). Mas a água local, ou o que seja, pode ter duas ou mais estruturas
invisíveis – ou, então, muitas “estruturas invisíveis” tornam-se irrelevantes, e características
superficiais tornam-se as decisivas.

9. Outras palavras

Até agora temos usado apenas palavras de espécies naturais como exemplo; mas as
considerações que temos feito aplicam-se também a muitos outros tipos de palavras.
Aplica(m)-se à grande maioria dos nomes bem como a outras partes do discurso.
Consideremos por um momento os nomes de artefatos – palavras como “lápis”,
“cadeira”, “garrafa”, etc. Na visão tradicional, estas palavras são certamente definidas por
conjunções, ou possivelmente feixes, de propriedades. Qualquer coisa com todas as
propriedades em conjunção (ou suficientemente muitas propriedades no feixe, ou no modelo
de feixe) é necessariamente um lápis, cadeira, garrafa, ou o que seja. Além disso, algumas
das propriedades no feixe (no modelo de feixe) são usualmente asseveradas como necessárias
(no modelo de conjunção de propriedades, todas as propriedades na conjunção são
necessárias). Supostamente é necessário ser um artefato, bem como pertencer a um tipo com
determinada finalidade padrão – e.g. “lápis são artefatos” e “lápis devem ser usados na
escrita” são supostos ser necessários. Finalmente este tipo de necessidade assevera ser uma
necessidade epistêmica – de fato, analiticidade.
Novamente nos engajemos na ficção científica. Desta vez usaremos um exemplo
imaginado por Rogers Albritton. Imagine que, algum dia, nós descobrimos que lápis são
organismos. Nós os cortamos e os examinamos com um microscópio eletrônico e vemos no
máximo o tracejado invisível de nervos e outros órgãos. Espionamo-los, e os vimos
desovando, e vimos a prole crescer até chegar a lápis adultos. Descobrimos que esses
organismos não estão imitando outros lápis (artificiais) – não existem e nunca existiram
quaisquer lápis, exceto tais organismos. O estranho, para sermos cuidadosos, é que haja
inscrição em muitos desses organismos – e.g. registrado na Alfândega, DELUXE Nº 2, feito
nos USA – e talvez sejam organismos inteligentes, e esta é sua forma de camuflagem.
(Também temos que explicar porque ninguém atentou para os lápis manufaturados, etc., mas
isto é claramente um mundo possível, em algum sentido).
22

Se isto é concebível, e eu concordo com Albritton que é, então é epistemicamente


possível que lápis pudessem ser organismos. Segue-se que lápis são artefatos não é
epistemicamente necessário no sentido mais forte e, a fortiori, não analítico.
Entretanto, sejamos cuidadosos. Mostramos que existe um mundo possível no qual lápis
são organismos? Penso que não. O que mostramos é que existe um mundo possível no qual
determinados organismos são a contraparte epistêmica de lápis (a frase é de Kripke). Para
retornar ao instrumento da Terra Gêmea: imagine desta vez que lápis na Terra são apenas o
que pensamos que são, artefatos manufaturados para se escrever, enquanto “lápis” na Terra
Gêmea são organismos à la Albritton. Imagine, além disso, que isto é totalmente insuspeito
pelos terráqueos gêmeos – eles têm exatamente as mesmas crenças sobre “lápis” que temos.
Quando descobrimos isso, não diríamos: “alguns lápis são organismos”. Nós estaríamos mais
inclinados a dizer: “as coisas na Terra Gêmea que passam por lápis não são realmente lápis.
Elas são realmente uma espécie de organismo”.
Suponha agora a situação como no exemplo de Albritton, tanto na Terra quanto na Terra
Gêmea. Então poderíamos dizer “lápis são organismos”. Assim, se os “lápis-organismos” na
Terra Gêmea (ou outro mundo possível) são realmente lápis, ou não, é uma função de se os
lápis locais são organismos ou não. Se os lápis locais são apenas o que nós pensamos que são,
então um mundo possível no qual existem lápis-organismos não é um mundo possível no qual
lápis são organismos; não existem mundos possíveis nos quais lápis são organismos nesse
caso (que é, claro, o real). Que lápis são artefatos é necessário no sentido de verdadeiro em
todos os mundos possíveis – metafisicamente necessário. Mas não se segue que é
epistemicamente necessário.
Segue-se que “lápis” não é sinônimo de qualquer descrição – nem mesmo vagamente
sinônimo de uma descrição vaga. Quando usamos a palavra “lápis”, pretendemos referir ao
que quer que tenha a mesma natureza dos exemplos normais de lápis locais no mundo real.
“Lápis” é apenas um indexical como "água" ou “ouro”.
De um certo modo, o caso dos lápis tornando-se organismos (revelando-se serem
organismos – turning out, e não becoming) é complementar ao caso discutido alguns anos
antes(15) de gatos que se tornam (que se descobre serem – turning out to be) robôs
(remotamente controlados de Marte). Em Katz (a aparecer)( 16), Katz argumenta que nós
descrevemos mal este caso: que o caso poderia ser melhor (mais bem) explicado como ocorre
que não existem gatos neste mundo. Katz admite que nós devemos dizer “Gatos vieram a não
ser animais, mas robôs” (“Gatos revelaram-se ser não animais, mas robôs”), mas ele
argumenta que esta é uma sentença semanticamente desviante que é glosada como “as coisas
que eu referia como ‘gatos’ vieram a não ser animais, mas robôs”. A teoria de Katz é,
entretanto, má lingüística. Antes de tudo, a explicação de como podemos dizer “Gatos são
robôs” é simplesmente uma explicação proposta de como podemos dizer qualquer coisa. Mais
importante, a teoria de Katz prediz que “Gatos são robôs” é desviante, enquanto “Não existem
gatos no mundo” não é desviante no caso descrito, mas o fato padrão. Então, eu não nego que
existe um caso em que “Não existem (e nunca existiram) quaisquer gatos no mundo” seria o
padrão: nós devemos (falando epistemicamente) descobrir que estamos sofrendo de uma
alucinação coletiva. (“Gatos” são como elefantes cor de rosa). Mas no caso que descrevi,
“Gatos vêm a ser robôs remotamente controlados de Marte” é certamente não desviante, e
“Não existem gatos no mundo” é altamente desviante.

15
Veja meu “It Ain’t Necessarily So”, Journal of Philosophy 59 (1962), p. 658-671.
16
J. J. Katz, “Logic and Language: An Examination of Recent Criticism of Intensionalism” [em K. Gunderson,
ed., Language, Mind and Knowledge, Minnesota Studies in Philosophy of Science, VII (Minneapolis: University
of Minnesota Press, 1975)].
23

Incidentemente, a abordagem de Katz não é apenas má lingüística; é também ruim como


reconstrução racional. A razão pela qual não uso “gato” como sinônimo de uma descrição é
certamente que conhecemos o bastante sobre gatos para saber que eles não (exluir este “não”)
têm uma estrutura invisível, e é uma boa metodologia científica usar o nome para referir
rigidamente a coisas que possuem aquela estrutura misteriosa e não para o que acontece
satisfazer uma descrição. Naturalmente, se sabíamos (conhecessemos) a estrutura invisível
poderíamos moldar uma descrição em termos desta; mas não deste modo (a esta altura). Neste
sentido, o uso de palavras de espécies naturais reflete um importante fato sobre nossa relação
com o mundo: saber que existem tipos de coisas com uma estrutura invisível comum, mas não
temos ainda conhecimento para descrever todas essas estruturas invisíveis.
A visão de Katz, entretanto, tem mais plausibilidade no caso de “lápis” do que no caso de
“gatos”. Pensamos conhecer uma condição necessária e suficiente para ser um lápis, embora
uma condição vaga. Assim é possível fazer “lápis” sinônimo de uma descrição vaga. Nós
devemos dizer, no caso de “lápis são organismos” ou “lápis devem ser organismos” ou “não
existem lápis no mundo” – isto é, devemos usar “lápis” ou como uma palavra de espécie
natural ou como uma palavra de “critério-único”(17).
De outro lado, devemos duvidar que existam quaisquer palavras de critério-único de
verdade na linguagem natural, fora de contextos estipulativos. Não poderia ocorrer que
pediatras não seriam (fossem) doutores, mas espiões marcianos? Responda “sim” e você
abandonou a sinonímia de “pediatra” e “doutor especializado em cuidar de crianças”. Parece
que há uma forte tendência para palavras que são introduzidas como palavras de “critério-
único” para desenvolver um sentido “de espécie natural”, com toda a concomitância de
rigidez e indexicalidade. No caso de nomes de artefatos, o sentido de espécies naturais parece
ser predominante.
(Há uma piada sobre um paciente prestes a sair de um asilo para doentes mentais. Os
doutores fizeram perguntas por algum tempo e ele tinha dado as respostas de um (uma)
pessoa com perfeita saúde mental. Os médicos decidem dar alta e ao fim da entrevista um dos
médicos pergunta casualmente, “o que você deseja ser quando sair?” “Um bule de chá”. A
piada não seria inteligível se fosse literalmente inconcebível que uma pessoa pudesse ser um
bule).
Há, entretanto, palavras que retêm um caráter puro de no máximo um critério. São as
palavras cujo significado deriva de uma transformação: caçador = pessoa que caça.
Não apenas a abordagem dada aqui se aplica para muitos nomes, mas se aplica para
outras partes do discurso. Verbos como “crescer”, adjetivos como “vermelho”, todos têm
características indexicais. Por outro lado, algumas palavras sincategoremáticas parecem ter
mais de um critério. “Todo”, por exemplo, pode ser explicado assim: O exército cercou a
cidade pode ser verdadeiro mesmo se a divisão A não tomou parte no cerco. Todo o exército
cercou a cidade significa que cada parte do exército (de tipo relevante, e.g. a divisão A)
tomou parte na ação indicada pelo verbo (18).

10. Significado

17
A idéia de palavra de “critério-único”, e a teoria de analiticidade baseada nesta noção, apareceu em meu “The
Analitic and the Synthetic” em H. Feigl e G. Maxwell, eds., Minnesota Studies in the Philosophy of Science,
vol.3 (Minneapolis: University of Minnesota Press, 1962).
18
Este exemplo veio de uma análise de Anthony Kroch (em sua tese de doutorado no MIT, 1974, Departamento
de Lingüística).
24

Vejamos agora o que dissemos a respeito da noção de significado. Até agora temos visto
que a extensão de um termo não é fixada pelo conceito que o falante individual tem em sua
cabeça, e isto é verdadeiro porque a extensão é, em geral, fixada socialmente – há uma divisão
do trabalho lingüístico bem como uma divisão do trabalho “real” – e porque a extensão é, em
parte, determinada indexicalmente. A extensão de nossos termos depende da natureza real das
coisas particulares que servem de paradigma (19), e sua natureza real não é, em geral,
completamente conhecida do falante. A teoria semântica tradicional deixa de fora exatamente
duas contribuições para a determinação da extensão – a contribuição da sociedade e a
contribuição do mundo real!
Nós vimos, no início, que o significado não pode ser identificado com extensão. Contudo
não pode ser identificado com “intensão”, se intensão é um conceito do falante individual. O
que devemos fazer?
Existem dois caminhos plausíveis que poderíamos tomar. Um caminho seria reter a
identificação de significado com conceito e pagar o preço de abandonar a idéia de que
significados determinam a extensão. Se seguíssemos esse caminho, poderíamos dizer que
"água" tem o mesmo significado na Terra e na Terra Gêmea, mas diferentes extensões. (Não
apenas uma extensão local diferente, mas uma extensão diferente global. O XYZ na Terra
Gêmea não é a extensão dos espécimes de "água" que eu profiro, mas está na extensão dos
espécimes de "água" que meu Doppelgänger profere, e isto não apenas porque a Terra Gêmea
está longe de mim, mas uma vez que as moléculas de H2O estão na extensão dos espécimes de
"água" que profiro não importa quão longe de mim eles estejam no espaço e no tempo.
Também, o que eu posso contrafatualmente supor ser água é diferente do que meu
Doppelgänger pode contrafatualmente supor ser "água"). Enquanto este é o caminho correto a
seguir para uma palavra absolutamente indexical como “Eu”, parece incorreto para as
palavras que temos discutido. Considere “olmo” e “faia”, por exemplo. Se estas são
“comutadas” na Terra Gêmea, então seguramente não poderíamos dizer que “olmo” tem o
mesmo significado na Terra e na Terra Gêmea, mesmo se o estereótipo de uma faia (ou de um
“olmo” como ele chama) de meu Doppelgänger é idêntico ao meu estereótipo de um olmo.
Melhor, deveríamos dizer que “olmo” em meu idioleto Doppelgänger significa faia. Por esta
razão, parece preferível tomar um caminho diferente e identificar “significado” com um par
ordenado (ou possivelmente uma n-upla ordenada) de entidades, uma das quais é a extensão.
(Os outros componentes do “vetor significado”, por assim dizer, serão especificados mais
tarde). Fazendo isto, fica trivialmente verdadeiro que significado determina a extensão (isto é,
diferenças em extensão são ipso facto diferenças em significado), mas se abandona totalmente
a idéia de que se existe uma diferença no significado que meu Doppelgänger e Eu atribuímos
a uma palavra, então deve existir alguma diferença em nossos conceitos (ou em nossos
estados psicológicos). Seguindo este caminho, podemos dizer que meu Doppelgänger e Eu
significamos coisas diferentes quando dizemos “olmo”, mas isto não é uma asserção sobre
nossos estados psicológicos. O que tudo isto significa é que os espécimes da palavra que ele
profere têm uma extensão diferente dos espécimes da palavra que eu profiro; mas estas
diferenças em extensão não são reflexos de qualquer diferença em nossas competências
lingüísticas individuais, consideradas em isolado.
Se isto é correto, e penso que é, então o problema tradicional do significado divide-se em
dois problemas. O primeiro problema é dar conta da determinação da extensão. Uma vez que,
em muitos casos, a extensão é determinada socialmente e não individualmente, devido à
divisão do trabalho lingüístico, acredito que este problema é, propriamente, um problema da
sociolingüística. Resolvê-lo envolve explicitar, em detalhes, exatamente como a divisão do
19
Eu não tenho em mente a noção “esvoaçante” de “paradigma” no qual qualquer paradigma de um K é
necessariamente um K (na realidade).
25

trabalho lingüístico funciona. A chamada “teoria causal da referência”, introduzida por Kripke
para nomes próprios e estendida por nós para palavras de espécies naturais e termos de
magnitude física (20), é tema desta área. Dado que, em muitos contextos, atribuímos para os
espécimes de um nome que eu profiro qualquer referente que atribuímos aos espécimes do
mesmo nome proferido por uma pessoa a partir de quem eu adquiri os nomes (assim é que a
referência é transmitida do falante aos falantes, começando dos falantes que estiveram
presentes na cerimônia de nomeação, ainda que nenhuma descrição fixada seja transmitida)
este é simplesmente um caso especial de cooperação social na determinação da referência.
O outro problema é descrever a competência individual. A extensão pode ser
determinada socialmente, em muitos casos, mas nós não atribuímos a extensão padrão aos
espécimes de uma palavra W proferida por Jones sem importar como Jones usa W. Jones
precisa ter algumas idéias particulares e habilidades em conexão com W a fim de tomar parte
na divisão do trabalho lingüístico. Uma vez que desistimos da idéia de que competência
lingüística tem de ser tão forte para realmente determinar a extensão, devemos começar o
estudo numa moldura nova da mente.
Em conexão com isto, é instrutivo observar que nomes como “tigre” ou "água" são muito
diferentes de nomes próprios. Alguém pode usar o nome próprio “Sanders” corretamente sem
conhecer nada sobre o referente, exceto que se chama “Sanders” – e que pode mesmo não ser
correto. (“Era uma vez, há muito tempo atrás, numa Sexta-feira, o Ursinho Pooh vivia numa
floresta sozinho sob o nome de ‘Sanders’”). Mas não se pode usar a palavra tigre
corretamente, salvo per accidens, sem saber um bom número de coisas sobre tigres, ou pelo
menos sobre determinada concepção de tigre. Neste sentido, conceitos têm algo a ver com o
significado.
Como o estudo do primeiro problema é propriamente um tópico da sociolingüística, o
estudo do segundo problema é propriamente um tópico da psicolingüística. Agora nós
tomamos este tópico.

11. Estereótipos e comunicação

Suponha que um falante sabe que “tigre” tem um conjunto de objetos físicos em sua
extensão, mas não mais. Se ele possui competência lingüística normal com respeito a outros
temas, então poderia usar “tigre” em algumas sentenças: por exemplo, “os tigres têm massa”,
“os tigres ocupam espaço”, “dê-me um tigre”, “aquilo é um tigre?”, etc. Além disso, a
extensão socialmente determinada de “tigre” nestas sentenças seria a padrão, isto é, o
conjunto dos tigres. Ainda assim não poderíamos contar tal falante como “conhecendo o
significado” da palavra tigre. Por quê (que)não?
Antes de atentar para a resposta, reformulemos um pouco a questão. Nós falaríamos de
alguém como tendo adquirido a palavra “tigre” se ela (ele) fosse hábil a usá-la de tal maneira
que (1) seu uso passa desapercebido (isto é, pessoas não dizem dela coisas como “ela não sabe
o que um tigre é”, “ela não sabe o significado da palavra ‘tigre’”, etc.); e (2) seu modo geral
de estar situado no mundo e na sua comunidade lingüística é tal que a extensão socialmente
determinada da palavra “tigre” em seu idioleto é o conjunto dos tigres. A cláusula (1)
significa, grosseiramente, que os falantes tomados na hipótese do parágrafo precedente não
contam como tendo adquirido a palavra “tigre” (ou seja qual for). Falaríamos deles, em alguns
casos, como tendo parcialmente adquirido a palavra; mas vamos protelar isto por um

20
Em meu “Explanation na Reference” em Pearce e Maynard, Conceptual Change.
26

momento. A cláusula (2) significa que falantes na Terra Gêmea, que têm os mesmos hábitos
lingüísticos que nós, contam como tendo adquirido a palavra “tigre” somente se a extensão de
“tigre” em seu idioleto é o conjunto dos tigres. O resultado das seções precedente deste artigo
é que não se segue que a extensão de “tigre” no dialeto da Terra Gêmea (ou idioletos) é o
conjunto de tigres meramente porque seus hábitos lingüísticos são os mesmos que os nossos:
a natureza dos “tigres” da Terra Gêmea é também relevante. (Se os organismos na Terra
Gêmea têm uma química de silicone, por exemplo, então seus “tigres” não são realmente
tigres, mesmo que eles pareçam tigres, embora os hábitos lingüísticos da situação do falante
da Terra Gêmea correspondam exatamente àqueles dos falantes da Terra). Assim, a cláusula
(2) significa que, neste caso, nós decidimos dizer que os falantes da Terra Gêmea não
adquiriram nossa palavra “tigre” (embora eles tenham adquirido outra palavra com mesmas
letras e pronúncia).
Nossa razão para introduzir este modo de falar é que a questão “ele conhece o
significado da palavra ‘tigre’?” está influenciada pela teoria de que adquirir uma palavra é vir
a possuir uma coisa chamada “significado”. Identifique esta coisa com um conceito e
voltamos à teoria de que a condição suficiente para adquirir uma palavra é associá-la com o
conceito correto (ou, mais geralmente, estar no estado psicológico correto com respeito à
palavra) – a teoria que todo este tempo tentamos refutar. Assim, portanto, nós “adquirimos”
palavras mais do que “aprendemos seu significado”.
Agora vamos reformular a questão com a qual esta seção começou. O uso do falante
descrito não passa desapercebido, embora não seja tal que nos faça atribuir uma extensão não
padronizada para a palavra “tigre” em seu idioleto. Por que não passa desapercebida?
Suponha nosso falante hipotético apontando para uma bola de neve e perguntando
“aquilo é um tigre?”. Como é óbvio, não há muito do que falar sobre tigres com ele. Para ser
claro, ouvimos pessoas “comunicando” todo dias que não conhecem nada do que elas estão
falando; mas o sentido no qual o homem que aponta para uma bola de neve e pergunta “aquilo
é um tigre?”, não é apenas que ele nada sabe sobre tigres, mas está para além do sentido no
qual um homem pensa que Vancouver vencerá a Copa Stanley, ou que a Guerra do Vietnã
ocorreu para ajudar os Vietnamitas do Sul; aquele homem não sabe nada do que está falando a
ponto de surpreender-nos. O problema de pessoas que pensam que Vancouver ganhará a Copa
Stanley, ou que a Guerra do Vietnã ocorreu para ajudar os Vietnamitas do Sul, é o sentido que,
obviamente, não pode ser remediado pela adoção de convenções lingüísticas; mas não saber
do que se está falando no segundo sentido, o sentido que nos surpreende, pode ser evitado
intimamente por nossas convenções da linguagem. O que eu sustento é que aos falantes exige-
se saber algo sobre tigres (estereotípicos) a fim de contar como tendo adquirido a palavra
“tigre”; algo sobre olmos (ou, de qualquer modo, sobre seu estereótipo) para contar como
tendo adquirido a palavra “olmo”, etc.
Esta idéia não deveria parecer tão surpreendente. Antes de tudo, não permitimos que
pessoas dirijam em auto-estradas sem que primeiro passem em alguns testes para determinar
que elas têm um nível mínimo de competência; e não comemos com pessoas que não
aprenderam a usar uma faca e um garfo. A comunidade lingüística também tem seus padrões
mínimos com respeito à sintaxe e à “semântica”.
(parágrafo) A natureza deste nível mínimo exigido de competência depende fortemente,
entretanto, da cultura e do que está em questão. Em nossa cultura, aos falantes exige-se
conhecer como os tigres se parecem (se eles adquirem a palavra “tigre”, isto é virtualmente
obrigatório); não se exige conhecer os detalhes mais sutis (tais como o contorno de uma
folha) com os quais um olmo se parece. Aos falantes do inglês, suas comunidades
lingüísticas exigem que sejam aptos a falar de tigres a partir de leopardos (diferenciar tigres de
27

leopardos – to tell tigers from leopards) ; não se lhes exige que sejam aptos a falar de olmos a
partir de faias (diferenciar olmos de faias – to tell elm trees from beech trees).
Isto poderia facilmente ser diferente. Imagine uma tribo indígena, a quem chamamos
Cheroquoi, que tem palavras, digamos uhaba’ e wa’arabi para olmos e faias respectivamente,
e que seja obrigatório conhecer a diferença. De um Cheroquoi que não pudesse reconhecer
um olmo diríamos não conhecer o que é um uhaba’, não conhecer o significado da palavra
“uhaba’” (talvez, não conhecer a palavra, ou não ter a palavra); apenas de um falante inglês
que não tem idéia de que tigres são listrados poderia ser dito não saber o que é um tigre, não
saber o significado da palavra “tigre” (claro, se ele pelo menos conhece que tigres são felinos
grandes devemos dizer ele conhece parte do significado, ou parcialmente conhece o
significado), etc. Então a tradução de “uhaba’” como “olmo” e “wa’arabi” como “faia” seria,
em nossa visão, somente aproximativamente correta. Neste sentido existe uma dificuldade
real com a tradução radical(21), mas esta não é a dificuldade abstrata da qual Quine está
falando(22).

12. O que são estereótipos

Eu introduzi a noção de “estereótipo” em minhas conferências na University of


Washington e no Minnesota Center for the Philosophy of Science em 1968. O artigo publicado
subseqüentemente “Is Semantic Possible?” seguiu a argumentação e neste ensaio quero
novamente introduzir a noção e responder algumas questões que têm sido levantadas.
Na fala ordinária, um “estereótipo” é uma idéia convencional (que pode ser
incrivelmente inexata) (freqüentemente maliciosa) com a qual um X se parece, ou age como,
ou é. Obviamente, estou lidando com algumas características da fala ordinária. Não estou
tratando com estereótipos maliciosos (salvo quando a linguagem for por si mesma maliciosa);
mas estou lidando com idéias convencionais, as quais podem ser inexatas. Estou sugerindo
apenas que uma idéia convencional está associada com “tigre”, com “ouro”, etc. e, além disso,
que este é o único elemento de verdade na teoria do “conceito”. Nesta visão, para que alguém
conheça o que significa “tigre” (ou, como já decidimos dizer, para que adquira a palavra
“tigre”) é exigido saber que o estereótipo de tigre é listrado. Mais precisamente, existe um
estereótipo de tigres (pode haver outros) que é exigido como tal pela comunidade lingüística;
é exigido haver este estereótipo e conhecer (implicitamente) o que é obrigatório acerca deste.
Este estereótipo deve incluir as características de listras se sua aquisição for contada como
bem sucedida.
O fato de a característica (e.g. listras) estar incluída no estereótipo associado com a
palavra X não significa que é uma verdade analítica que todos os X’s têm aquela
característica, nem que a maioria dos X’s têm aquela característica, nem que todos os X’s
normais têm aquela característica, nem que alguns X’s têm aquela característica ( 23). Tigres de
três pernas e tigres albinos não são entidades logicamente contraditórias. Descobrir que nosso
estereótipo foi baseado em membros não-normais ou não-representativos de uma espécie
natural não é descobrir uma contradição lógica. Se tigres perderem suas listras não poderiam,

21
O termo é devido a Quine (em Word and Object. Cambridge, MA: MIT Press, 1960): significa tradução sem
indícios partilhados da cultura ou sem cognatos.
22
Para uma discussão da suposta impossibilidade da tradução radical correta única, veja meu “The Refutation of
Conventionalism” (a aparecer em Nous [8 (1974), pp.25-40] e também, numa versão mais longa, na coleção
editada por M. Munitz a ser publicada por New York University Press sob o título Semantics and Philosophy).
23
Isto foi argumentado em “Is Semantic Possible?”.
28

por causa disso, deixar de ser tigres, nem borboletas necessariamente deixariam de ser
borboletas se perdessem suas asas.
(Falando estritamente, a situação é mais complicada que isso. É possível dar a uma
palavra como “borboleta” um sentido no qual borboletas deixariam de ser borboletas se
perdessem suas asas – digamos através de mutação. Assim, se pode encontrar um sentido de
“borboleta” no qual é analítica a sentença “borboletas têm asas”. Mas o sentido mais
importante do termo, eu creio, é aquele no qual a falta de asas nas borboletas ainda as faz
borboletas).
Neste ponto, o leitor pode surpreender-se sobre qual é o valor da comunidade lingüística
de ter estereótipo, se a “informação” contida nos estereótipos não é correta necessariamente.
Mas isto não é realmente um mistério. A maioria dos estereótipos, de fato, captura as
características possuídas pelos membros paradigmáticos da classe em questão. Mesmo quando
os estereótipos estão errados, o modo no qual eles estão errados lança uma luz na contribuição
normalmente feita pelos estereótipos para a comunicação. O estereótipo de ouro, por exemplo,
contém a característica ser amarelo, apesar do ouro quimicamente puro ser próximo do
branco. Mas o ouro que vemos na joalharia é tipicamente amarelo (devido à presença de
cobre); assim, a presença desta característica é útil mesmo no ramo dos negócios. O
estereótipo associado com bruxa é seriamente mais errado, pelo menos se tomado com
importância existencial. Acreditar (com importância existencial), que bruxas entram em
pactos com o Demônio, que causam doenças e mortes, etc., facilita a comunicação somente
no sentido de facilitar a comunicação interna para a teoria das bruxas. Não facilitaria a
comunicação em qualquer situação na qual o que é preciso é mais concordância com o mundo
que concordância com a teoria de outros falantes. (Estritamente falando, estou falando do
estereótipo que existiu na Nova Inglaterra trezentos anos atrás; hoje bruxas não serem reais é,
por si mesmo, parte do estereótipo, e os efeitos perniciosos da teoria das bruxas são
neutralizados desse modo). Mas o fato de que nossa linguagem tenha alguns estereótipos que
mais impedem do que facilitam nossa lida com o mundo e com os outros somente aponta para
o fato de que nós não somos infalíveis, e como poderíamos ser? O fato é que, dificilmente,
poderíamos nos comunicar com sucesso se muitos de nossos estereótipos não fossem
adequadamente exatos como são.

13. O “significado operacional” dos estereótipos

Uma questão enganadora é esta: até onde a noção de estereótipo é “operacionalmente


definível”? Aqui é necessário ser extremamente cuidadoso. Tentativas nas ciências físicas para
especificar literalmente definições operacionais para termos têm falhado notoriamente; e não
existe razão para tentar ser bem sucedido em lingüística quando se falha na física. Algumas
vezes os argumentos de Quine contra a possibilidade de uma teoria do significado parecem
reduzir-se à demanda por definições operacionais em lingüística; quando for este o caso dos
argumentos, eles serão ignorados. Mas freqüentemente acontece que termos que devem ter
definições operacionais não estão no mundo real, mas em circunstâncias idealizadas. Dar
estas “definições operacionais” tem valor heurístico, como as idealizações freqüentemente
fazem. Somente quando erramos além da idealização conveniente é que a definição
operacional causa danos. Assim podemos perguntar: o que é a “definição operacional” de um
enunciado de que uma palavra tem um estereótipo assim e assado, sem supor que a resposta a
esta questão conta como uma abordagem teórica do que é ser estereótipo.
29

A abordagem teórica do que é ser um estereótipo progride em termos da noção de


obrigação lingüística; uma noção que acredito ser fundamental para a lingüística e que não
tentaremos explicar aqui. O que significa dizer que, quando se diz que ser listrado é parte do
estereótipo (lingüístico) de “tigre”, é obrigatório adquirir a informação que os estereótipos de
tigres são listrados quando se adquire a palavra “tigre”, no mesmo sentido de “obrigatório” no
qual é obrigatório indicar se se está falando de leão no singular ou leões no plural quando se
fala de leões em inglês. Descrever um teste experimental idealizado desta hipótese não é
difícil. Introduziremos uma pessoa de quem podemos chamar um confederado da lingüística.
O confederado será (ou pretende ser) um adulto cujo domínio do inglês é geralmente
excelente, mas que, por alguma razão (foi educado numa cultura alienígena? Veio de um
monastério?), tem falhado totalmente em adquirir a palavra “tigre”. O confederado dirá a
palavra “tigre” ou, melhor ainda, apontará para ela (como se ele não estivesse seguro em
pronunciá-la) e pergunta “o que esta palavra significa?” ou “o que é isto?” ou alguma outra
pergunta. Ignorando quais coisas que estão erradas com o experimento na prática, o que nossa
hipótese implica é que os informantes poderiam normalmente dizer ao confederado que os
tigres são, inter alia, listrados.
No lugar de contar com confederados, poder-se-ia supor o lingüista estudando crianças
aprendendo inglês. Mas crianças aprendendo sua língua nativa não estão quase ensinadas
como muitos filósofos supõem; elas aprendem, mas elas não estão ensinadas, como enfatizou
Chomsky. Ainda, algumas vezes crianças fazem questões como “o que é um tigre?” e nossa
hipótese implica que, nestes casos, os informantes também poderiam dizer-lhes, inter alia,
que tigres são listrados. Mas um problema é que os informantes são normalmente os pais, e
existem caprichos de tempo paternal, temperamento, e atenção a serem considerados.
Seria fácil especificar a grande quantidade de implicações “operacionais” adicionais de
nossa hipótese, mas fazer isso não teria valor particular. O fato é que nós mesmos somos
falantes competentes completos do inglês, com bastante bom senso do que são nossas
obrigações lingüísticas. Pretender que estamos na posição de marcianos com respeito ao
inglês não é o caminho da claridade metodológica; após tudo, foi apenas quando a abordagem
operacional foi abandonada que a lingüística transformacional floresceu numa ciência
elegante.
Portanto, se alguém fosse perguntar-me pelo significado de “tigre”, eu sei perfeitamente
bem o que diria a ele. Eu diria que tigres são felinos, diria algo sobre seu tamanho, que são
amarelos com listras pretas, que vivem na selva (algumas vezes), e que são ferozes. Poderia
dizer outras coisas também, dependendo do contexto e de sua razão para a pergunta; mas os
itens acima, salvo, possivelmente, o pouco sobre a floresta, julgaria dizer como obrigatório.
Eu não tenho experiência em saber que isto é o que eu observo como obrigatório dizer. Estou
seguro que, aproximadamente, isto é o que os demais falantes julgariam também como
obrigatório dizer. Naturalmente, existem algumas variações de idioleto para idioleto; a
característica de ter listras (fora das relações figura-fundo, e.g., são listras pretas num fundo
amarelo, que é o modo como os vejo, ou listras amarelas sobre um fundo preto?) seria
encontrada em todos os idioletos normais, mas alguns falantes podem julgar a informação de
que tigres (estereotipicamente) habitam selvas como obrigatória, enquanto outros não.
Alternativamente, algumas características dos estereótipos (ser-como-um-grande-gato, listras)
podem ser olhadas como obrigatórias, e outras como opcionais, no modelo de determinadas
características sintáticas. Mas nós não perseguiremos esta possibilidade aqui.

14. Os “Dois dogmas” de Quine revisitados


30

Em “Dois dogmas do empirismo” Quine lançou um poderoso e salutar ataque à distinção


correntemente em moda analítico-sintético. A distinção desenvolveu-se até ser uma verdadeira
devoradora filosófica de homens: analítico igual a necessário igual a não revisível em
princípio igual a qualquer verdade que o filósofo desejou explicar em outro lugar. Mas, nós
acreditamos que o próprio ataque de Quine foi muito longe, em determinados aspectos;
algumas classes limitadas de sentenças analíticas podem ser salvas ( 24). O que é mais
importante é que o ataque foi construído, pelo próprio Quine e outros, como implicando a
queda da noção de significado, a partir da queda da distinção analítico-sintético. Enquanto
deixamos claro que concordamos que a noção tradicional de significado tem vários defeitos,
nosso projeto neste ensaio é construtivo, não destrutivo. Vamos revisar a noção de significado,
não enterrá-la. Assim será útil ver como os argumentos de Quine se saem contra nossa
revisão.
Os argumentos de Quine contra a noção de analiticidade podem ser reduzidos
basicamente aos (ao) seguintes (seguinte): nenhuma significação de comportamento pode
estar ligada à noção de analiticidade. Seu argumento (novamente simplificando tudo) foi que,
basicamente, havia somente dois candidatos para o índice comportamental da analiticidade, e
ambos são insatisfatórios, embora por diferentes razões. O primeiro índice é a centralidade:
muitos filósofos contemporâneos chamam uma sentença analítica se, de fato, alguma
comunidade (digamos, os graduados de Oxford) afirmam-na imune à revisão. Mas, Quine
persuasivamente argumenta, imunidade máxima da revisão não é prerrogativa de sentenças
analíticas. Sentenças que expressam leis fundamentais da física (e.g. conservação da energia)
podem gozar do comportamento de imunidade máxima da revisão, embora dificilmente fosse
costumeiro ou plausível classificá-las como analíticas. Quine, entretanto, não conta com a
mera classificação implausível de todos os enunciados que são altamente relutantes em sua
situação como analíticos; ele aponta que “imunidade da revisão” é, na história real das
ciências, uma questão de grau. Não existe tal coisa, na prática real da ciência racional, como
imunidade absoluta da revisão. Assim, identificar analiticidade com imunidade à revisão seria
alterar a noção em duas maneiras fundamentais: analiticidade tornar-se-ia uma questão de
grau, e não existiria tal coisa como uma sentença absolutamente analítica. Este seria o ponto
de partida da noção clássica de analiticidade da Carnap-Ayer e outros. Quine sente que se isto
é o que nós queremos dizer, então seria menos equivocado introduzir um termo diferente,
digamos, centralidade.
O segundo índice comportamental é ser chamado “analítico”. Com efeito, alguns
filósofos tomaram como a marca da analiticidade que informantes treinados (digamos, os
graduados de Oxford) chamem a sentença de analítica. Variações deste índice são: que as
sentenças sejam dedutíveis das sentenças numa lista finita, no topo da qual alguém que
preenche a relação ancestral de estudante-graduado para Carnap imprimiu as palavras
“Postulados de Significado”; que a sentença seja obtida de um teorema da lógica substituindo
sinônimo por sinônimo. A última dessas variantes parecia promissora, mas Quine lançou
contra ela a questão: “qual o critério de sinonímia?”. Um critério possível seria: palavras W 1 e
W2 são sinônimas se, e somente se, o bi-condicional (x) (x está na extensão de W1  x está
na extensão de W2) for analítico, mas isto leva-nos a um círculo vicioso. Outro poderia ser:
palavras W1 e W2 são sinônimos se, e somente se, W 1 e W2 são intercambiáveis (isto é,
palavras que podem ser comutadas) salva veritate em todos os contextos de uma classe
adequada. Mas Quine convincentemente mostrou que este propósito também leva-nos a um
círculo vicioso. Assim o segundo índice reduz-se a este: uma sentença é analítica se ela, ou
alguma expressão, ou seqüência de pares ordenados de expressões, ou conjunto de expressões,
relacionados à sentença de determinadas maneiras específicas, está na classe de todos os
24
Veja “The Analytic and the Synthetic”
31

membros os (aos) quais os informantes treinados aplicam um determinado ruído: o ruído


ANALÍTICO, ou o ruído POSTULADO DE SIGNIFICADO, ou o ruído SINÔNIMO. No
fim das contas, esta proposta faz de “analítico”, etc. ruídos inexplicáveis.
Embora Quine não discuta isso explicitamente, é claro que tomar a interseção dos dois
índices de comportamentos não seria mais satisfatório; explicar a analiticidade de uma
sentença como consistindo em centralidade mais ser chamada ANALÍTICA é apenas dizer
que sentenças analíticas constituem uma subclasse das sentenças centrais sem dizer, de
qualquer modo, em quê consiste a excepcionalidade da subclasse. A conclusão de Quine é que
a analiticidade é centralidade mal concebida ou não é nada.
Muitos filósofos têm embarcado na malvadeza do poderoso argumento de Quine
abusando da noção de analiticidade, às vezes confundindo com um suposto grau mais alto de
centralidade. (Apesar do poderoso argumento de Quine, muitos filósofos continuaram
abusando da noção de analiticidade, às vezes confundindo-a com um suposto grau mais alto
de centralidade) Confrontado com as alternativas de Quine, eles têm elegido (escolheram)
identificar analiticidade com centralidade, e pagado o preço de classificar sentenças olhadas
obviamente como sintéticas, como “o espaço tem três dimensões”, como analíticas, e o preço
da obrigação de manter a visão de que existe, depois de tudo, algo com não revisibilidade
absoluta na ciência apesar da evidência impressionante do contrário. Mas esta linha pode ser
explodida unindo os argumentos de Quine com um importante argumento de Reichenbach.
(parágrafo) Reichenbach (1965, p.31(25)) mostrou que existe um conjunto de princípios,
cada um dos quais Kant poderia ter aceitado como sintéticos a priori, mas cuja conjunção é
incompatível com os princípios da reatividade (relatividade) geral e da co-variância geral.
(Estes incluem indução normal, a continuidade do espaço, e o caráter euclidiano do espaço).
Um kantiano pode consistentemente afirmar o que puder sobre a geometria euclidiana; mas
então a experiência pode forçá-lo a desistir da indução normal ou da continuidade do espaço.
Ou pode afirmar a indução normal e a continuidade do espaço; mas então a experiência pode
forçá-lo a desistir da geometria euclidiana (isto acontece mesmo quando o espaço físico não é
homeomórfico com qualquer espaço euclidiano). Em seu artigo em Schilpp (1951)
Reichenbach dá essencialmente os mesmos argumentos de uma forma levemente diferente(26).
Aplicada ao contexto presente, o que isto mostra é que existem princípios tais que os
filósofos cultuam, da noção exagerada de analiticidade, e, em particular, filósofos que
identificam analiticidade com não revisibilidade (máxima), classificados como analíticos, mas
cuja conjunção tem conseqüências empíricas testáveis. Portanto, ou se deve desistir de uma
vez por toda da identificação de analiticidade com centralidade, ou se deve desistir da idéia de
que a analiticidade é fechada sob conjunção, ou se deve acreditar na infeliz conseqüência de
que uma sentença analítica pode ter conseqüências empíricas testáveis (e, portanto, que uma
sentença analítica pode vir a ser empiricamente falsa).
Não é à-toa, a propósito, que as sentenças classificadas por Kant como sintéticas a priori
fossem classificadas por esses empiristas da última hora como analíticas; seu propósito em
inchar a noção de analiticidade foi, precisamente, dissolver o problema de Kant de identificar
o a priori com analiticidade e então, por sua vez, identificar analiticidade com verdade por
convenção. (Este último passo foi também criticado por Quine de modo devastador, mas a
discussão disso nos levaria longe demais do nosso tema).

25
H. Reichenbach, The Theory of Relativity and A Priori Knowledge (Berkeley: University of California Press,
1965).
26
H. Reichenbach, em P. A. Schilpp, ed., Albert Einstein: Philosopher-Scientist (Evantons: Library of Living
Philosophers, 1951)
32

Outros filósofos tentaram responder a Quine distinguindo entre sentenças e enunciados:


todas as sentenças são revisíveis, eles concordam, mas alguns enunciados não o são. Revisar
uma sentença não é mudar nossa opinião sobre o enunciado formalmente expresso por aquela
sentença; no caso, a sentença (significando o objeto sintático junto com seu significado)
depois da revisão não é, de fato, sinônima da sentença antes da revisão, isto é, a revisão é um
caso de mudança de significado e não mudança de teoria. Mas (1) isto se reduz, por sua vez, à
proposta de explicar analiticidade em termos de sinonímia; e (2) se existe uma coisa que
Quine contribuiu de modo decisivo para a filosofia, foi a compreensão de que mudança de
significado e mudança de teoria não podem ser separadas nitidamente. Não concordamos com
Quine em que mudança de significado não pode ser definida afinal, mas não se segue que a
dicotomia “mudança de significado ou mudança de teoria” é sustentável. Descobrir que
vivemos em um mundo não-euclidiano deve mudar o significado de “linha reta” (isto
aconteceria no caso – não razoável – em que o postulado das paralelas fosse parte do
estereótipo de ser reta); mas não seria uma mera mudança de significado. Em particular não
seria uma mudança de extensão: assim não seria correto dizer que o postulado das paralelas
fosse “verdadeiro no sentido anterior das palavras”. Do fato de que abandonar uma sentença S
envolveria mudança de significado, não se segue que S é verdadeira. Significados não podem
conformar o mundo; e mudança de significado pode ser forçada por descobertas empíricas.
Embora não estejamos tentando explicar a noção de analiticidade, neste trabalho estamos
tentando explicar uma noção intimamente relacionada, a noção de significado. Assim poderia
parecer que os argumentos de Quine iriam contra nossa abordagem. Chequemos isto.
Em nossa visão, existe um sentido perfeitamente bom no qual ser listrado é parte do
significado de “tigre”. Mas não se segue, em nossa visão, que “tigres são listrados” seja
analítico. Se uma mutação ocorrer, todos os tigre podem ser albinos. A comunicação
pressupõe que tenho um estereótipo de tigre que inclui listras, e que você tem um estereótipo
de tigres que inclui listras e que eu sei que seu estereótipo inclui listras, e que você sabe que
meu estereótipo inclui listras, e que você sabe que eu sei... (e assim por diante, a la Grice,
para sempre). Mas isto não pressupõe que qualquer estereótipo particular seja correto, ou que
a maioria dos nossos estereótipos permaneçam corretos para sempre. Obrigatoriedade
lingüística não é um índice de não revisibilidade ou mesmo de verdade; assim pode-se afirmar
que “tigres são listrados” é parte do significado de “tigre” sem ser pego na armadilha dos
problemas da analiticidade.
Então, os argumentos de Quine contra identificar analiticidade com centralidade não são
argumentos contra identificar uma característica como “parte do significado” de X com ser
obrigatoriamente incluída no estereótipo de X. O que resta dos argumentos de Quine acerca
dos “ruídos”?
Naturalmente, a evidência do que (relativa ao que) as pessoas dizem, incluindo
observações metalingüísticas explícitas, é importante na “semântica” como o é na sintaxe.
Assim se um falante aponta para um molusco e pergunta “aquilo é um tigre?”, as pessoas são
passíveis de gargalhar. (Quando param de sorrir) podem dizer “ele não sabe o significado da
palavra ‘tigre’” ou “ele não sabe o que são tigres”. Tais comentários podem ser úteis ao
lingüista. Mas não estamos definindo o estereótipo em termos de tais comentários. Dizer que
ser “como-um-grande-gato” é parte do significado de “tigre” não é meramente dizer que a
aplicação de “tigre” a algo que não é como-um-grande-gato (e também não é um tigre)
poderia provocar determinados ruídos. É dizer que falantes adquirem a informação de que
“tigres são como-um-grande-gato (à maneira do estereótipo)” quando adquirem a palavra
“tigre” e que podem sentir-se na obrigação de garantir que aqueles a quem ensinam usar a
palavra da mesma forma o farão. Informação acerca das habilidades mínimas exigidas para
33

entrar na comunidade lingüística é informação significante; nenhuma circularidade do tipo


criticado por Quine aparece aqui.

15. Tradução radical

O que nossa teoria não faz, por si mesma, é resolver a qualquer preço o problema de
Quine da “tradução radical” (isto é, a tradução de uma cultura/linguagem absolutamente
estranha). Não podemos traduzir nosso Cheroquoi hipotético em inglês comparando
estereótipos, porque descobrir o que é o estereótipo de wa’rabi, por exemplo, envolve traduzir
discursos Cheroquoi. De outro lado, o embaraço de que cada palavra em Cheroquoi
encontraria sua imagem em inglês sob a função tradução, até onde se aplica o estereótipo (ou
o faz aproximadamente, uma vez que, em muitos casos, não se pode alcançar comparações
exatas), põe um embaraço severo à função tradução. Uma vez que tenhamos sucesso no
vocabulário básico do Cheroquoi, podemos começar a extrair estereótipos, e estes servirão
para extrair traduções futuras e para checar a correção interna das partes da função tradução já
construída.
Mesmo onde podemos determinar estereótipos (relativos, por exemplo, a uma tentativa
de traduções do “vocabulário básico”), isso não é suficiente. Assim as palavras alemãs Ulme e
Buche têm o mesmo estereótipo que olmo; mas Ulme significa “olmo” enquanto Buche
significa “faia”. No caso do alemão, o fato de que Ulme e “olmo” sejam cognatos, poderia
apontar para a tradução correta (embora isto esteja longe de ser à prova de defeitos – em
geral, palavras cognatas não são sinônimas); mas no caso do grego não temos pistas para que
as duas palavras o\cu/a e ptele/a signifiquem olmo e faia; poderíamos apenas ter encontrado
um grego que poderia falar de olmos a partir de faias (ou de oxya a partir de ptelea). O fato
ilustra que aquilo que o lingüista deve tentar descobrir podem não ser as disposições dos
falantes típicos para concordar ou discordar; por causa da divisão de trabalho lingüístico;
freqüentemente, é necessário ao lingüista acessar quem são os especialistas com respeito a
oxya, ou wa’rabi ou gavagai, ou o que seja, antes de fazer adivinhação sobre a extensão
socialmente determinada de uma palavra. Então esta extensão socialmente determinada e o
estereótipo de um falante típico, apesar dele não ser especialista, funcionarão, bem como
agirão sobre a função tradução. A descoberta de que o estereótipo de oxya é extremamente
diferente do estereótipo de “olmo” desqualificaria a tradução de oxya por “olmo” em todos os
contextos, salvo os extensionais; mas a descoberta de que a extensão de oxya não é sequer
aproximadamente a classe dos olmos ensejaria o abandono conjunto (abandonar
completamente) da tradução em todos os contextos.
Notar-se-á que já alargamos a totalidade dos fatos contados como evidência de uma
função tradução para além da base ascética que Quine permitiu em Word and Object. Por
exemplo, o fato de que falantes digam assim e assado quando os “confederados” da lingüística
apontam para a palavra oxya e perguntam: “o que isto significa?” ou “o que é isto?” ou o que
seja, não é permitido por Quine (como algo que o lingüista pode “saber”) sob o fundamento
de que este tipo de “conhecimento” já pressupõe ter traduzido a questão “o que esta palavra
significa?”. Entretanto, se Quine está desejando assumir que alguém pode, de alguma forma,
adivinhar as palavras que significam concordância e discordância na linguagem estranha, não
parece de todo não razoável supor que se pode de algum modo conduzir um falante nativo ao
fato de que não se entendeu a palavra. Não é necessário que se descubra uma locução na
linguagem estranha que signifique “o que esta palavra significa” (oposta a: “não entendi esta
palavra” ou “estou embaraçado com esta palavra”, etc.). Talvez apenas dizendo a palavra
34

oxya, ou o que seja, com um tom de embaraço, fosse suficiente. Porque seria o embaraço
menos acessível ao lingüista que a concordância?
Estamos tomando vantagem também do fato de que a segmentação em palavras veio a
ser lingüisticamente universal (e existem mesmo testes para a segmentação de palavras e
morfemas que são independentes do significado). Naturalmente não há razão determinada
para permitir que o lingüista profira todas as sentenças e peça concordância e discordância,
enquanto se recusa permitir a ele proferir palavras e morfemas num tom de embaraço.
Eu repito, a reivindicação a ser alcançada não é que alargar a base de evidência desta
maneira resolve o problema da tradução radical. O que se faz é adicionar obstáculos à classe
dos candidatos admissíveis para a tradução correta. O que acredito é que, alargando a classe
dos obstáculos, pode-se determinar uma tradução única, ou a única tradução que temos na
prática. Mas obstáculos que vão além da própria teoria lingüística terão que ser usados, em
minha opinião; também haverá obstáculos sobre quais os tipos de crença (e conexões entre
crenças, e conexões de crenças à cultura e ao mundo) que podemos razoavelmente imputar às
pessoas. Discussões desses assuntos serão adiadas até um outro trabalho.

16. Uma crítica da teoria semântica davidsoniana

Numa série de publicações, Donald Davidson colocou evidenciou a sugestão interessante


de que uma teoria semântica da linguagem natural poderia ser modelada naquilo que os
lógicos matemáticos chamam definição de verdade para uma linguagem formalizada. Despida
de tecnicalidades, o que esta sugestão afirma é que pode haver um conjunto de regras
especificando (1) para cada palavra, sob quais condições a palavra é verdadeira de alguma
coisa (palavras para as quais o conceito de uma extensão faz sentido; todas as outras palavras
serão tratadas como sincategoremáticas); (2) para sentenças maiores que uma única palavra,
uma regra é dada especificando as condições sob as quais a sentença é verdadeira como uma
função do modo em que é construída de sentenças mais curtas (contando palavras como se
fossem sentenças de uma palavra, por exemplo, “neve” como “isto é neve”). A escolha de
sentenças de uma palavra como o ponto de partida é minha interpretação do que Davidson
pretende; em qualquer caso, ele pede que se comece com um estoque finito de sentenças
curtas para as quais as condições de verdade são afirmadas diretamente. A intenção de (2) não
é que haveria uma regra para cada sentença não manuseada sob (1), uma vez que isto exigiria
um número infinito de regras, mas que haveria uma regra para cada sentença tipo. Por
exemplo, numa linguagem formalizada, uma das regras do tipo (2) poderia ser: se S é (S1 &
S2), então S é verdadeira se, e somente se, S1, S2 são ambos verdadeiros.
Note que, no exemplo dado há pouco, as condições de verdade especificadas para
sentenças da sentença tipo (S1 & S2) especifica o significado de “&”. Mais precisamente,
especifica o significado da estrutura (–– & ––). Este é o sentido no qual a definição de
verdade pode ser uma teoria do significado. A argumentação de Davidson é que a teoria
completa do significado pode ser dada desta forma.
Não há dúvida de que regras do tipo ilustrado podem dar o significado de algumas
palavras e estruturas. A questão é: que razão há para pensar que o significado da maioria das
palavras pode ser dada, deixando todo o resto?
A dificuldade óbvia é esta: para muitas palavras, uma definição de verdade
extensionalmente correta pode ser dada, mas que não é a teoria do significado da palavra. Por
exemplo, considere “Água” é verdadeira de ––– se, e somente se, x é H 2O. Esta é uma
35

definição de verdade extensionalmente correta para “água” (rigorosamente falando, não é uma
definição de verdade, mas uma definição “da verdade de” – isto é, uma definição de
satisfação-no-sentido-de-Tarski – mas não seremos incomodados com tais refinamentos aqui).
Pelo menos, a definição é extensionalmente correta se ignorarmos o problema de que água
com impurezas é também chamada “água”, etc. Ora, suponha que a maioria dos falantes não
saiba que água é H2O. Então de modo algum esta fórmula diz-nos algo sobre o significado de
“água”. Deve ser interessante para um químico, mas não conta como uma teoria do
significado do termo “água”. Ou, conta como uma teoria da extensão do termo “água”, mas
Davidson está prometendo mais do que isso.
Davidson está muito ciente desta dificuldade. Sua resposta (em conversas, de qualquer
modo) é que precisamos desenvolver uma teoria da tradução. Como Quine, ele considera ser
este o problema verdadeiro. Relativizado a tal teoria (relativizado àquilo que nós sabidamente
ainda não temos), a teoria faz o seguinte: nós queremos um sistema de definições de verdade
que é simultaneamente um sistema de traduções (ou traduções aproximadas, se não se pode
obter a tradução perfeita). Se tivéssemos uma teoria que especificasse o que é ser uma boa
tradução, então poderíamos jogar fora a definição acima de “água” como desinteressante sob
o fundamento de que x é H2O não é uma tradução aceitável ou mesmo uma tradução
aproximada de x é água (numa comunidade pré-científica), mesmo se água = H 2O ocorre de
ser verdadeira.
Isto se torna perigosamente próximo de dizer que uma teoria do significado é uma
definição de verdade mais uma teoria do significado. (Se tivéssemos presunto e ovos,
teríamos presunto e ovos – se tivéssemos presunto e se tivéssemos ovos). Mas esta fábula é
mais maligna que promissora, tal como vejo.
Um segundo argumento de Davidson é que a teoria da tradução que nós ainda não temos
é necessariamente uma teoria cujas unidades básicas são sentenças e não palavras sobre o
fundamento de que nossa evidência em lingüística necessariamente consiste em concordar ou
discordar de sentenças. Palavras podem ser manuseadas, Davidson argumenta, tratando-as
como sentenças (“água” como “isto é água”, etc.).
Como este projeto ambíguo de construir uma teoria do significado na forma de uma
teoria da verdade forçada por uma teoria da tradução testada pela “única evidência que
temos”, a disposição dos falantes para usar sentenças, porta-se de acordo com a visão que
estamos defendendo aqui?
Nossa resposta é que tal teoria não pode ter sucesso, em princípio. Em casos especiais,
tal como a palavra “e” em seu sentido verifuncional, uma definição de verdade
(rigorosamente falando, uma cláusula na qual os lógicos chamam uma “definição de verdade”
– a soma total de todas as cláusulas da definição indutiva de “verdade” para a linguagem
particular) pode dar o significado da palavra ou estrutura porque o estereótipo associado com
a palavra (se se quer falar de estereótipo no caso de uma palavra como “e”) é tão forte que
realmente constitui uma condição necessária e suficiente. Se todas as palavras fossem como
“e” e “solteiro” o programa poderia ter sucesso. E Davidson certamente faria uma importante
contribuição em apontar que a lingüística tem que lidar com condições de verdade
indutivamente especificadas. Mas na grande maioria das palavras, os requisitos de uma teoria
de verdade e os requisitos de uma teoria do significado são mutuamente incompatíveis, pelo
menos no caso inglês-inglês. Mas o caso inglês-inglês – o caso no qual tentamos dar uma
teoria expressiva do significado de palavras em inglês que é ela própria expressa em inglês – é
certamente o caso básico.
O problema é que, em geral, as únicas expressões que são co-extensivas de X e têm
aproximadamente o mesmo estereótipo de X são expressões contendo o próprio X. Se
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jogássemos fora tais definições de verdade (rigorosamente falando, cláusulas, mas eu


continuarei usando “definição de verdade” para cláusulas individuais e para todo o sistema de
cláusulas, por simplicidade) como
“X é água” é verdadeira se, e somente se, X é água
sob o fundamento de que eles não dizem nada sobre o significado da palavra “água”, e
jogássemos fora definições tais como
“X é água” é verdadeira se, e somente se, X é H2O
sob o fundamento de que o que eles dizem é errado como uma descrição do significado da
palavra “água”, então seríamos deixados com nada.
O problema é que nós queremos
W é verdadeira de X se, e somente se, –––
para satisfazer as condições (1) de que a cláusula seja extensionalmente correta (na qual ––– é
para ser pensada como uma condição contendo “x”, por exemplo, “x é H 2O”); (2) que –––
seja uma tradução de W – na nossa teoria, isto significaria que o estereótipo de W é
aproximadamente o mesmo do estereótipo associado com ––– ; (3) que ––– não contenha o
próprio W, ou variantes sintáticas de W. Se tomarmos W como, por exemplo, a palavra
“olmo”, então não há nenhuma maneira de preencher simultaneamente todas as três
condições. Qualquer condição da forma acima que não contenha “olmo” e que seja
extensionalmente correta conterá um ––– que é absolutamente terrível como tradução de
“olmo”.
Mesmo quando a linguagem contiver dois sinônimos exatos, a situação é melhor. Assim
“Urze” é verdadeiro se, e somente se, x é tojo
é verdadeira, e assim também o é
“Tojo” é verdadeiro se, e somente se, x é urze
– isto é uma teoria do significado de “tojo” e “urze”?
Note que a condição (3) é precisamente aquilo que os lógicos não impõem sobre suas
definições de verdade.
“A neve é branca” se, e somente se, a neve é branca
é o paradigma da definição de verdade no sentido lógico. Mas os lógicos estão tentando dar a
extensão de “verdadeiro” com respeito a uma linguagem particular, não o significado de “a
neve é branca”. Tarski até poderia ter afirmado que ele estava dando o significado (e não
apenas a extensão) de “verdade”; mas ele nunca afirmou que estava dizendo alguma coisa
sobre o significado de “a neve é branca”.
Pode ser que aquilo que Davidson realmente pensa é que a teoria do significado, em
qualquer sentido sério do termo, é impossível, e que tudo o que é possível é construir funções
de tradução. Se for assim, ele deveria pensar que a única “teoria do significado” possível para
o inglês é aquela que diz “‘olmo’ é verdadeiro de x se, e somente se, x é um olmo”, “‘água’ é
verdadeiro de x se, e somente se, x é água”, etc., e raramente algo iluminado como “S1 & S2 é
verdadeiro se, e somente se, S1, S2 são ambos verdadeiros”. Mas se a “teoria” de Davidson é
apenas o ceticismo quineano sob o disfarce de uma contribuição positiva para o estudo do
significado, então é um osso duro de roer.
A alegação de que as únicas evidências disponíveis para o lingüista são as disposições
dos falantes com respeito à totalidade das sentenças é, além disso, vazia sob uma
37

interpretação, e plenamente falsa sob a interpretação que não é vazia. Se disposições para
dizer determinadas coisas quando inquiridas sobre palavras individuais ou morfemas ou
estruturas sintáticas estão incluídas na disposição para usar sentenças, então a restrição a
disposições para usar sentenças não parece jogar fora nada que seja interessante. Sob a
interpretação não vazia, o que Davidson está dizendo é que o lingüista não pode ter acesso aos
dados que os informantes (incluindo o próprio lingüista) têm quando lhes perguntam sobre o
significado de uma palavra ou morfema ou estrutura sintática. Nenhuma razão foi dada de por
quê o lingüista não pode ter acesso a tais dados, e é claro que os lingüistas reais confiam
intensamente sobre os testemunhos dos informantes sobre tais assuntos, no caso de uma
linguagem estranha, e em suas intuições sobre os falantes nativos, quando estudam suas
linguagens nativas. Em particular, quando estão tentando traduzir uma sentença completa, não
há razão porque não deveríamos nos guiar por nosso conhecimento das propriedades
sintáticas e semânticas dos constituintes de cada sentença, incluindo a estrutura profunda.
Como vimos, existem procedimentos para obter informação sobre constituintes individuais. É
notável que o procedimento que Quine e Davidson afirmam seja o único possível – ir da
sentença completa para as palavras individuais – é o oposto do procedimento sobre o qual foi
baseado todo o sucesso atingido no estudo da linguagem natural.

17. Crítica da semântica californiana

Quero, agora, considerar uma abordagem da teoria semântica iniciada pelo falecido
Rudolf Carnap. Uma vez que não desejo ser embaraçado em questões textuais, não atribuirei a
forma particular da visão que estarei descrevendo a algum filósofo particular, mas
simplesmente referirei a ela como “semântica californiana”.
Nós assumimos a noção de mundo possível. Seja f uma função definida sobre o “espaço”
de todos os mundos possíveis cujo valor f(x) em qualquer mundo possível x é sempre um
subconjunto do conjunto de entidades em x. f é chamada uma intensão. Um termo T tem
significado para um falante X se X associa T com uma intensão fT. O termo T é verdadeiro de
uma entidade e em um mundo possível x se, e somente se, e pertence ao conjunto f(x). No
lugar de usar o termo “associado”, Carnap tendeu a falar de “apreender” (grasping) intensões;
mas, claramente, o que ele pretendia não era apenas que X “apreende” a intenção f, mas que
ele apreende que f é a intensão de T – isto é, que ele associa f com T de alguma maneira.
Claramente este quadro do que é compreender um termo discorda da história que
contamos neste trabalho. A réplica do semanticista californiano seria a de que a semântica
californiana é uma descrição de uma linguagem ideal; que a linguagem real é vaga. Noutras
palavras, um termo T em uma linguagem real não tem uma intensão precisa única; tem um
conjunto – possivelmente um conjunto difuso – de intensões. Contudo, o primeiro passo para
descrever a linguagem natural é estudar cuidadosamente a idealização na qual cada termo T
tem exatamente uma intensão.
(Em seu livro Meaning and Necessity, Carnap emprega uma formulação aparentemente
diferente: uma intensão é simplesmente uma propriedade. Uma entidade e pertence à
extensão de um termo T apenas quando e tem qualquer propriedade que está na intensão de T.
A formulação em termos das funções f descritas acima evita tomar a noção de propriedade
como primitiva).
A primeira dificuldade com esta posição é o uso da noção completamente inexplicada de
apreender uma intensão (ou, em nossa reformulação desta posição, associar uma intensão
com um termo). Identificar intensões com entidades conjuntistas f supre uma compreensão
38

“concreta” da noção de intensão no estilo matemático corrente (relativo às noções de mundos


possíveis e conjunto), mas ao custo de fazê-lo muito difícil ver como se poderia ter uma
intensão na mente, ou o que é pensar sobre algo ou “apreender” algo ou “associar” algo com
algo. Eu não direi que pensar uma intensão é usar a palavra ou o substituto funcional para a
palavra (e. g. o análogo de uma palavra no “código cerebral”, se, como parece ser o caso, o
cérebro “computa” um “código” analógico e possivelmente apropria-se da linguagem; ou uma
forma de pensamento tal como um quadro ou um símbolo privado, nos casos em que estes são
empregados no pensamento) que se refere à intensão em questão, uma vez que referência (isto
é, estar na intensão do termo) tem sido justamente definida em termos de intensão. Embora a
caracterização do que é pensar uma entidade abstrata como uma função ou uma propriedade é
certamente correto, no presente contexto é patentemente circular. Mas nenhuma
caracterização não circular desta noção fundamental da teoria foi fornecida.
A dificuldade está relacionada com a dificuldade geral na filosofia da matemática
apontada por Paul Benacerraf(27). Benacerraf observou que as filosofias da matemática
tendem a ficar entre a cruz e a espada: ou considera o que são os objetos matemáticos e, pois a
necessidade da verdade matemática e falham em considerar o fato que as pessoas podem
aprender matemática, podem referir a objetos matemáticos, etc., ou, ao contrário, eles
consideram os últimos fatos e falham em considerar os primeiros. A semântica californiana
considera que intensões são, mas não proporciona nenhuma abordagem que não seja
completamente circular de como é que podemos “apreendê-las”, associá-las com termos,
pensá-las, referi-las, etc.
Carnap pode não ter notado esta dificuldade por causa de seu verificacionismo. Em seus
anos iniciais, Carnap pensou compreender um termo como possuir a habilidade de verificar
se qualquer entidade cai na extensão do termo ou não. Em termos de intensões: “apreender”
uma intensão importaria, então, em possuir a habilidade de verificar se uma entidade e em
qualquer mundo possível x pertence a f(x) ou não. O último Carnap modificou esta visão,
reconhecendo que, como Quine afirma, sentenças enfrentam o tribunal da experiência
coletivamente e não individualmente. Não há coisas tais como o modo de verificar se um
termo T é verdadeiro de uma entidade, em geral, independentemente do contexto de um
conjunto particular de teoria, hipóteses auxiliares, etc. Talvez Carnap tivesse sustentado que a
antiga teoria estava correta para uma classe limitada de termos, os assim chamados “termos
observacionais”. Nossa própria visão é a de que a teoria da verificabilidade do significado é
falsa em sua idéia central e para termos observacionais, mas nós não tentaremos discutir isso
aqui. Em qualquer caso, se alguém não é um verificacionista, então é difícil ver a semântica
californiana, de qualquer modo, como uma teoria, uma vez que a noção de apreender uma
intensão ficou totalmente inexplicada.
Segundo, se assumirmos que “apreender uma intensão” (associar uma intensão com um
termo T) supõe estar em um estado psicológico (no sentido estrito), então a semântica
californiana está comprometida com os princípios (1) e (2) que criticamos na primeira parte
deste trabalho. O estado psicológico de um falante determina a intensão de seus termos que
por sua vez determinam a extensão de seus termos. Seguiria que se dois seres humanos estão
inteiramente no mesmo estado psicológico, então necessariamente atribuem a mesma
extensão a todos os termos que empregam. Como vimos, isto está totalmente errado para a
linguagem natural. A razão pela qual isto está errado, como vimos acima, é em parte porque a
extensão é determinada socialmente e não apenas pela competência individual. Assim a
semântica californiana está comprometida com o tratamento da linguagem como algo privado
– ignorando totalmente a divisão do trabalho lingüístico. A extensão de cada termo é vista, por
esta escola, como totalmente determinada por algo na cabeça do falante individual por si
27
Paul Benacerraf, “Mathematical Truth”, Journal of Philosophy 70 (1973), p. 661-678.
39

mesmo. Uma segunda razão de que isto está errado, como nós também dissemos, é que a
maioria dos termos é rígida. Na semântica californiana todo termo é tratado, de fato, como
uma descrição. O componente indexical do significado – o fato de que nossos termos
referem-se a coisas que são similares, em determinadas maneiras, a coisas que designamos
rigidamente, a estas coisas, à matéria que chamamos “água”, ou o que seja, aqui – é ignorado.
Mas e quanto à defesa de que não é uma linguagem real aquilo que o semanticista
californiano está preocupado, mas com uma idealização na qual “ignora-se a vaguidade”, e
que os termos da linguagem natural podem ser mais bem pensados associados com um
conjunto de intensões do que com uma intensão única bem definida?
A resposta é que uma palavra indexical não pode ser representada por uma família vaga
de palavras não indexicais. A palavra “Eu”, para tomar um caso extremo, é indexical, mas não
vaga. “Eu” não é sinônimo de uma descrição; nem é sinônimo de um conjunto difuso de
descrições. Similarmente, se estamos corretos, “água” não é sinônimo, nem de uma descrição,
nem de um conjunto difuso de descrições (intensões).
Similarmente, uma palavra cuja extensão é fixada socialmente e não individualmente não
é a mesma coisa que uma palavra cuja extensão é vagamente fixada individualmente. A razão
pela qual minha “apreensão” individual de “olmo” não fixa a extensão de olmo não é que a
palavra é vaga – se o problema fosse simples vaguidade, então o fato de que meus conceitos
não distinguem olmos de faias poderia implicar que olmos são faias, como uso o termo, ou, de
qualquer modo, casos de fronteira de faias, e que faias são olmos, ou casos de fronteira de
olmos. A melhor razão é que a extensão de “olmo” em meu dialeto não está fixada pela
quantidade de “apreensões” ou de não “apreensões”; está fixada pela comunidade, incluindo
os especialistas, através de um processo complexo de cooperação. Uma linguagem que
exemplifica a divisão do trabalho lingüístico não pode ser aproximada com sucesso por uma
linguagem que tem termos vagos e nenhuma divisão de trabalho lingüístico. Cooperação não
é vaguidade.
Mas, alguém poderia replicar, não se poderia substituir nossa linguagem real por uma
linguagem na qual (1) termos fossem substituídos por termos co-extensivos que não fossem
indexicais (e. g. “água” por “H2O”, assumindo que “H2O” não é indexical); e (2) nós
eliminássemos a divisão de trabalho lingüístico, fazendo todo falante um especialista em
qualquer tópico?
Nós responderemos a esta questão de forma negativa; mas suponha, por um momento,
que a resposta fosse “sim”. Que significado isto poderia ter? A linguagem “ideal” não poderia
ser similar à nossa linguagem real em nenhum sentido; nem a diferença poderia ser uma
questão de “vaguidade da linguagem natural”.
De fato, todavia, não se poderia efetuar a substituição, pela boa razão de que todas as
palavras de espécies naturais e de magnitude física são indexicais da maneira em que temos
descrido, “hidrogênio”, e, portanto “H2O”, tanto quanto “água”. Talvez os termos de “dados
dos sentidos” (sense-data) não sejam indexicais (fora os termos para a própria pessoa), se tais
existem; mas “amarelo” como uma coisa predicada é indexical pela mesma razão que “tigre”;
mesmo se algo parece ser amarelo pode não ser amarelo. E não ajuda dizer que coisas que
parecem ser amarelas em circunstâncias normais (para observadores normais) são amarelas;
“normal” aqui é exatamente a característica que chamamos indexicalidade. Simplesmente não
há razão para acreditar, em princípio, que o projeto de reduzir nossa linguagem à linguagem
não indexical poderia ser efetuado.
A eliminação da divisão do trabalho lingüístico poderia, eu suponho, ser efetuada “em
princípio”. Mas, se a divisão do trabalho lingüístico é, como eu conjeturei, um universal
40

lingüístico, que interesse haveria na existência possível de uma linguagem que carece de uma
característica constitutiva da linguagem humana? Um mundo em que todos são especialistas
sobre qualquer tópico é um mundo no qual as leis sociais são quase inimagináveis de tão
diferentes do que são agora. Qual é a motivação de tomar tal mundo e tal linguagem como
modelo para a análise da linguagem humana?
Casualmente, filósofos que trabalham na tradição da semântica californiana
recentemente começaram a modificar o esquema para superar estes defeitos. Assim sugeriram
que uma intensão pode ser uma função cujos argumentos não são apenas mundos possíveis,
mas, talvez, um mundo possível, um falante, e um contexto não lingüístico de proferimento.
Este mundo poderia permitir a representação no modelo de alguns tipos de indexicalidade e
alguns tipos de divisão do trabalho lingüístico. Como David Lewis desenvolve estas idéias,
“água”, por exemplo, teria a mesma intensão (mesma função) na Terra e na Terra Gêmea, mas
uma extensão diferente. (De fato, Lewis conserva o pressuposto (1) da discussão na primeira
parte deste trabalho e desiste de (2); nós escolhemos desistir de (1) e conservar (2)). Não há
razão pela qual os modelos formais desenvolvidos por Carnap e seus seguidores, assim
modificados, não poderiam ser valiosos. Nosso interesse aqui não foi na utilidade do
formalismo matemático, mas na filosofia da linguagem subjacente nas versões anteriores
desta visão.

18. Marcadores semânticos

Se a abordagem sugerida aqui está correta, então existe uma grande quantidade de
trabalho cientifico a ser feito: (1) encontrar que tipos de itens podem aparecer nos
estereótipos; (2) trabalhar um sistema conveniente para representar estereótipos; etc. Este
trabalho, entretanto, não é trabalho que possa ser feito pela discussão filosófica. É antes a
província da lingüista e da psicolingüística. Uma idéia que eu acredito que pode ser valorosa é
a idéia de um marcador semântico. A idéia vem do trabalho de J. Katz e J. A. Fodor; nós
modificaremos a idéia um pouco neste trabalho.
Considere, por exemplo, o estereótipo de “tigre”. Este inclui características tais como ser
um animal; ser como-um-grande-gato, ter listas pretas sobre um fundo amarelo (listas
amarelas sob um fundo preto?); etc. Ora, existe algo muito especial sobre a característica
animal. Em termos da noção de Quine de centralidade ou universalidade, ela é
qualitativamente diferente de outras características. Não é impossível imaginar que tigres
podem não ser animais (podem ser robôs). Trocando em miúdos, eles sempre foram robôs;
nós não queremos contar uma história sobre os tigres sendo substituídos por robôs, porque os
robôs poderiam não ser tigres. Ora, se não fossem sempre robôs, deveriam ter-se tornados
robôs, o que é mais difícil de imaginar. Se tigres são e sempre foram robôs, estes robôs não
devem ser tão “inteligentes” ou, ainda mais, nós não podemos ter um caso no qual tigres não
são animais – nós podemos, antes, ter descrito um caso no qual alguns robôs são animais. O
melhor é fazê-los robôs “semidirigidos” – digamos, ter um operador em Marte controlando
cada movimento remotamente. Trocando em miúdos, eu repito, é difícil, e é curiosamente
intricado pensar o caso para começar, porque é fácil cometer o erro de pensar que é
“logicamente impossível” para um tigre não ser um animal. De outro lado, não há dificuldade
em imaginar um tigre individual que não é listado; deve ser um albino. Nem é difícil imaginar
um tigre individual que não seja como um gato grande: deve ser horrivelmente deformado.
Nós podemos mesmo imaginar a totalidade da espécie perdendo suas listas ou tornando-se
horrivelmente deformada. Mas tigres cessando de ser animais? Grande dificuldade
novamente!
41

Note que não estamos cometendo o erro que Quine corretamente criticou de atribuir uma
não revisibilidade absoluta de sentenças tais como “tigres são animais”, “tigres não podem
mudar de animais em algo mais e ainda serem tigres”. Naturalmente, podemos descrever
casos forçados nos quais estas sentenças podem ser abandonadas. Mas sustentamos que é
qualitativamente muito mais difícil revisar “tigres são animais” do que “todos os tigres têm
listas” – de fato, a última sentença certamente não é verdadeira.
Não somente fazer características tais como “animal”, “coisa viva”, “artefato”, “dia da
semana”, “período do tempo”, ligadas com enorme centralidade com as palavras “tigre”,
“molusco”, “cadeira”, “Terça-feira”, “hora”; mas também fazê-las parte de um importante e
amplamente usado sistema de classificação. A centralidade garante que itens classificados sob
estes títulos virtualmente nunca têm de ser re-classificados; assim estes títulos são os naturais
para usar como indicadores categoriais numa multidão de contextos. Para mim parece
razoável que, assim como na sintaxe usamos marcadores como “nome”, “adjetivo” e, mais
estreitamente, “nome concreto”, “verbo tomando uma pessoa como sujeito e objeto abstrato”,
etc., para classificar palavras, assim em semântica estes indicadores de categorias poderiam
ser usados como marcadores.
É interessante que quando Katz e Fodor originalmente introduziram a idéia de marcador
semântico, eles não a propuseram para exaurir o significado – que nós chamamos o
estereótipo – em uma lista de tais marcadores. Mais propriamente, os marcadores foram
restringidos para indicadores categoriais de alta centralidade, que é o que propomos. As
características restantes foram simplesmente listadas como um “distintivo”. Seu esquema não
é facilmente comparável ao nosso, porque eles queriam os marcadores semânticos mais os
distintivos para sempre dar uma condição necessária e suficiente de pertencimento à extensão
de um termo. Uma vez que todas essas coisas – marcadores e distintivos – representa o que
todo falante implicitamente conhece, eles comprometeram-se com a idéia de que todo falante
implicitamente conhece uma condição necessária e suficiente de pertencimento à extensão de
“ouro”, “alumínio”, “olmo” – que, como mostramos, não é o caso. Mais tarde, Katz quis ir
além disso, e pretendeu que todas as características constituem uma condição necessária e
suficiente analiticamente de pertencimento à extensão. Neste ponto ele renunciou à distinção
entre marcadores e distintivos; se todas as características têm, por assim dizer, o grau infinito
de centralidade, por que chamar algumas de “marcadores” e outros de “distintivos”? Do nosso
ponto de vista, sua distinção original entre “marcadores” e “distintivos” estava correta –desde
que não se caia na idéia de que o distintivo (junto com os marcadores) dá uma condição
necessária e suficiente, e a idéia de que qualquer destas é uma teoria da analiticidade. Nós
sugerimos que a idéia de marcador semântico é uma contribuição importante, quando tomada
como sugerimos aqui.

19. O significado de “significado”

Agora podemos resumir o que foi dito na forma de uma proposta acerca de como se pode
construir a noção de “significado”. Nossa proposta não é a única que pode ser desenvolvida
com base nestas idéias, mas pode servir para condensar alguns dos maiores pontos. Em
acréscimo, eu sinto que recobre muito do uso costumeiro da fala do senso comum e da
lingüística que provavelmente estamos aptos a preservar de modo conveniente. Já que, em
minha visão, as pressuposições (1) e (2) listadas na primeira parte deste trabalho são
profundamente incrustadas no significado ordinário da fala, e estas pressuposições são
conjuntamente inconsistentes com os fatos, nenhuma reconstrução será feita sem alguma
conseqüência contra-intuitiva.
42

Resumidamente, minha proposta é definir “significado” não tomando um objeto que será
identificado com o significado (apesar de que possa ser feito nos estilo usual conjuntista se se
insiste), mas especificando uma forma normal (ou, preferivelmente, um tipo de forma normal)
para a descrição do significado. Se nós sabemos como uma “descrição da forma normal” do
significado de uma palavra deve ser, então, até onde estou interessado, nós sabemos o que é
significado, em qualquer sentido cientificamente interessante.
Minha proposta é que a descrição da forma normal do significado de uma palavra seria
uma seqüência finita, um “vetor”, cujos componentes certamente incluiriam o seguinte (deve
ser desejável também haver outros tipos de componentes): (1) marcadores sintáticos que se
aplicam à palavra, e. g., “nome”; (2) marcadores semânticos que se aplicam à palavra, e. g.
“animal”, “período do tempo”; (3) uma descrição de características adicionais do estereótipo,
se houver; (4) uma descrição da extensão.
A seguinte convenção é parte desta proposta: os componentes do vetor representam a
hipótese sobre a competência individual do falante, exceto a extensão. Assim a descrição da
forma normal para “água” pode ser, em parte:

MARCADORES MARCADORES ESTEREÓTIPO EXTENSÃO


SINTÁTICOS SEMÂNTICOS

Nome de massa; Tipo natural; Sem cor; H2O


Concreto; Líquido; Transparente; (dar ou dizer
Sem gosto; as impurezas)
Mata a sede; etc.

– isto não significa que o conhecimento do fato de que água é H 2O está sendo imputado ao
falante individual ou mesmo à sociedade. Significa que (nós dizemos) a extensão do termo
“água” como eles (os falantes em questão) usam é de fato H2O. A objeção “quem são nós para
dizer que é de fato a extensão de seu termo” foi discutida acima. Note que isto é
fundamentalmente uma objeção à noção de verdade, e que a extensão é relativa à verdades e
herda os problemas inerentes.
Chamemos duas descrições equivalentes se são a mesma, exceto quanto a descrição da
extensão, e as duas descrições são co-extensivas. Assim, se o conjunto variável descrito nas
duas descrições é, de fato, a extensão da palavra em questão, e os outros componentes na
descrição são caracterizações corretas dos vários aspectos da competência que representam,
ambas as descrições contam como corretas. Este é outra maneira de mostrar que, embora
usemos uma descrição da extensão para dar a extensão, nós pensamos do componente em
questão como sendo a extensão (o conjunto), não a descrição da extensão.
Em particular, a representação das palavras “água” no dialeto da Terra e “água” no
dialeto da Terra Gêmea poderia ser a mesma, exceto que na última coluna da descrição da
forma normal da palavra “água” da Terra Gêmea teria XYZ e não H 2O. Isto significa, em vista
do que foi dito, que nós estamos atribuindo a mesma competência lingüística aos falantes
típicos da Terra/Terra Gêmea, mas, entretanto, uma extensão diferente da palavra.
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Esta proposta significa que tomamos a pressuposição (2) de nossa discussão anterior.
Significado determina a extensão – por construção, por assim dizer. Mas (1) é deixado de
lado; o estado psicológico de um falante individual não determina “aquilo que ele significa”.
E acredito que na maioria dos contextos isto concordará com o modo como falamos. Mas
há um paradoxo: suponha que Oscar é bilíngüe em inglês e alemão. Em nossa visão, em sua
coleção total de dialetos, as palavras “faia” e “Buche” são sinônimos exatos. As descrições das
formas normais de seus significados seriam idênticas. Mas ele pode muito bem não saber que
são sinônimos! Um falante pode muito bem ter dois sinônimos em seu vocabulário e não
saber que são sinônimos!
É instrutivo ver como a falha da aparentemente óbvia “se S1 e S2 são sinônimos e Oscar
compreende S1 e S2, então Oscar sabe que S1 e S2 são sinônimos” está relacionada com a
falsidade de (1), em nossa análise. Note que se escolhermos omitir a extensão como um
componente do “vetor significado”, que é como compreendo a proposta de David Lewis,
então teríamos o paradoxo de que “olmo” e “faia” teriam o mesmo significado, mas extensões
diferentes!
Em qualquer teoria materialista, acreditar na proposição é processar alguma
representação daquela proposição, seja uma sentença em uma linguagem, uma peça do
“código do cérebro”, uma forma de pensamento, ou o que seja. Materialistas, e não somente
materialistas, são relutantes em pensar que se pode acreditar em proposições nítidas. Mas
mesmo materialistas tendem a acreditar que, se alguém acredita numa proposição, a
representação que se emprega é imaterial (perdoem o trocadilho). Se S1 e S2 são
representações que estão disponíveis para mim, então se acredito na proposição expressada
por S1 sob a representação S1, devo também acreditar na representação S2 – pelo menos, eu
devo assim faze,r se eu tenho qualquer reivindicação de racionalidade. Mas, como vimos, isto
não está correto. Oscar pode acreditar que isto é uma “faia” (se tem um signo na qual que diz
“faia”), mas não acreditar que isto é “Buche”. Não é somente porque a crença é um processo
envolvendo representações; ele acredita na proposição (se alguém deseja introduzir
proposições afinal) sob uma representação e não sob outra.
A coisa incrível sobre a teoria do significado é quanto tempo o tema foi dominado de
falsas concepções filosóficas e quão forte são estas falsas concepções. Significado foi
identificado com uma condição necessária e suficiente, filósofo após filósofo. Na tradição
empiricista, foi identificado com método de verificação, novamente, filósofo após filósofo.
Nem estas falsas concepções tiveram a virtude de exclusividade; uma quantidade de filósofos
defendeu que significado = método de verificação = condição necessária e suficiente.
Por outro lado, é incrível quão fraco tem sido o domínio de fatos. Depois de tudo, o que
foi apontado neste ensaio é um pouco mais que verdades familiares sobre o modo de como
nós usamos palavras e mais (ou melhor, um pouco mais) sobre como nós realmente
conhecemos quando usamo-las. Minha própria reflexão sobre tais assuntos começou depois
que eu publiquei um trabalho no qual eu, de modo confiante, sustentava que o significado de
uma palavra era “uma bateria de regras semânticas”( 28) e então comecei a querer saber como o
significado da palavra comum “ouro” pode ser considerada nesta forma. E não é que os
filósofos nunca tenham considerado tais exemplos: Locke, por exemplo, usa esta palavra
como um exemplo e não está preocupado pela idéia de que seu significado é uma condição
necessária e suficiente!
Se há uma razão para o aprendizado e, depois de tudo, desaparece a opinião equivocada
com respeito ao tópico que lidamos, com respeito a questões que estão na experiência de
28
“How not to talk about meaning” in R. Cohen e M. Wartofsky, eds. Boston Studies in the Philosophy of
Science, vol. 2 (New York: Humanities Press, 1965).
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todos, questões acerca das quais nós temos mais dados do que sabemos, questões acerca do
que temos, se nós largarmos preconceitos, as intuições claras atraentes, então isto deve ser
conectado com o fato de que, grotescamente erramos nas visões da linguagem que são e
sempre têm sido correntes e que reflete duas tendências filosóficas específicas e muito
centrais: a tendência a tratar a cognição como uma questão puramente individual e a tendência
para ignorar o mundo, na medida em que consiste em mais do que “observações” individuais.
Ignorar a divisão do trabalho lingüístico é ignorar a dimensão social da cognição; ignorar o
que temos chamado de indexicalidade da maioria das palavras, é ignorar a contribuição do
ambiente. A filosofia tradicional da linguagem, como grande parte da filosofia tradicional,
deixa fora outras pessoas e o mundo; uma filosofia superior e uma ciência superior da
linguagem deve incluir ambos.

(Tradução de Giovanni da Silva de Queiroz)

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