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A Bienal de São Paulo em busca do grande público 1

Profª Drª Rita Alves Oliveira 2

Faculdade SENAC de Comunicação e Artes - SP


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Resumo

A Bienal Internacional de São Paulo é o principal evento de artes plásticas no Brasil e um


dos mais importantes do mundo. Seu formato foi sendo transformado em suas cinco
décadas de existência, à medida que as mudanças no mercado artístico assim exigiam e,
principalmente, de acordo com o desenvolvimento da indústria da cultura. Apesar de,
tradicionalmente, ser considerada como um evento da chamada cultura erudita, destinada
ao público sofisticado, a Bienal de São Paulo sempre procurou atingir o grande público.

Palavras-chave
Cultura; bienal; arte; política cultural; indústria cultural.

O maior evento das artes plásticas no Brasil é, sem dúvida alguma, a Bienal
Internacional de São Paulo, criada em 1951 pelo industrial paulista Francisco Matarazzo
Sobrinho, o “Ciccilo”, e mantida atualmente pela Fundação Bienal. É a terceira em
importância no mundo, ficando atrás apenas da Bienal de Veneza e da Documenta de
Kassel. Com um público massivo e orçamento de cerca 12 milhões de dólares, a Bienal de
São Paulo entrou no século XXI como uma mostra reconhecida no circuito internacional de
arte e como o evento artístico mais aguardado na América Latina.
Este trabalho é uma tentativa de análise da Bienal Internacional de São Paulo
como uma peça na engrenagem da indústria cultural, mas também como fruto das múltiplas

1
: Trabalho apresentado ao NP 10 – Políticas e Estratégias de Comunicação, do IV Encontro dos Núcleos de
Pesquisa da Intercom.
2
Doutora em Antropologia formada pela PUC-SP com a tese A Bienal de São Paulo: forma histórica e
produção cultural. Leciona Antropologia Visual nas Faculdades Senac de Comunicação e Artes de São Paulo
e pertence ao Departamento de Antropologia da Faculdade de Ciências Sociais da PUC-SP. Atua como

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articulações do cotidiano vivido por todos nós. Busca encontrar caminhos alternativos à
distinção entre as culturas popular/erudita/massiva e aposta no conceito de cultura como
experiência vivida no cotidiano (WILLIAMS, 1992). A Bienal é encarada como uma
construção cultural característica da produção industrial da cultura; diz respeito, assim, a
uma matriz cultural constituída com base nas relações sociais em constantes conflitos e
transformações (GRAMSCI, 1986; BAKHTIN, 1993); é uma expressão da concepção do
mundo e passa pelos elementos constitutivos da cultura contemporânea.
A proposta do presente trabalho é entender a Bienal como uma produção
cultural, fundamentada em práticas sociais, ou seja, pode ser vista como fruto de práticas
culturais construídas dentro de um processo histórico, envolvendo as relações entre
produtores culturais e a sociedade por intermédio das instituições reconhecíveis e dos meios
materiais de produção cultural.
A preocupação aqui está em historiar este modelo de produção cultural, ou
seja, parte-se da forma no presente para estabelecer um diálogo com a forma na origem;
busca-se o diálogo entre as origens e o formato presentificado. Assume-se a importância da
forma e do processo histórico que transforma e atualiza o formato no presente (MARTÍN-
BARBERO, 1997). As atenções voltam-se para as matrizes culturais; as continuidades
ganham mais relevância do que as rupturas.

2) O formato da Bienal de São Paulo

A Bienal é um produto cultural constituído, com formato determinado, que tem


sido reconhecido em várias partes do mundo. Se acompanharmos o caminho percorrido pela
expansão das bienais no século XX, perceberemos que elas estão estreitamente ligadas ao
processo de desenvolvimento do capitalismo e de hegemonia cultural perseguida no período.
A primeira Bienal surgiu em 1895, em Veneza, tomando por base o sucesso das Exposições
Universais do século XIX; no lugar de uma mostra industrial, Veneza passou a promover
uma imensa exposição artística, mantendo os mesmos moldes da feira universal. Em 1940 e
1950, quando os Estados Unidos passaram a investir pesadamente no domínio e na expansão
de um mercado artístico mundial - liderados pelo Departamento de Estado americano e por

pesquisadora no Núcleo de Estudos da Complexidade – COMPLEX – da PUC-SP na investigação

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grandes corporações, como a Standart Oil - as bienais começaram a se multiplicar no
mundo ocidental.
A Bienal de São Paulo tem formato historicamente definido e é composto por
segmentos. Seu segmento mais tradicional é o Representações Nacionais que, a exemplo da
Bienal de Veneza, com seus Pavilhões Nacionais, recebe os trabalhos enviados por meio de
relações diplomáticas (Itamaraty, consulados e embaixadas) entre o Brasil e dezenas de
países participantes. Por este motivo, é o segmento de menor interferência dos curadores e,
institucionalmente, é o mais forte. É nesse segmento que a relação entre as bienais e as
Exposições Universais é mais evidente. Assim como naquelas feiras da indústria e do
comércio, a Bienal de São Paulo recebe, até hoje, a participação das delegações nacionais
que enviam a São Paulo seus representantes. Nas primeiras décadas do evento paulista, cada
delegação tinha seu estande. Havia muita concorrência entre os países e a premiação da
melhor delegação era alvo de cobiça, disputa acirrada e polêmicas internacionais. Muitas
bienais foram avaliadas positivamente em virtude do número de países participantes. A
partir dos anos de 1980, aos poucos, os curadores passaram a ter alguma – pouca ainda -
influência sobre a seleção dos artistas. Ao mesmo tempo, à medida que a globalização foi
explodindo as fronteiras entre as nações, as barreiras entre os países foram sendo eliminadas
e as delegações nacionais foram se integrando – espacialmente - ao conjunto da exposição.
Em 2002 – 25ª edição da Bienal de São Paulo - o sistema das participações nacionais foi
mantido, mas com apenas um artista por país, numa tentativa de diminuir a participação
autônoma dos comissários internacionais, integrando-os ao tema geral da exposição,
Iconografias Metropolitanas.
O Núcleo Histórico é outro setor que se insere na tradição do evento de São
Paulo. Montado com base nas articulações da Fundação Bienal, de instituições museológicas
de várias partes do mundo, este segmento foi de extrema importância para a captação de
recursos da iniciativa privada por conta da atração que exercia sobre o grande público. O
Núcleo Histórico (ou as Salas Especiais) foi, durante décadas, uma das principais atrações
do público, a estrela da publicidade da Bienal e a alegria das seguradoras. Também foi
objeto de acirradas discussões de curadores preocupados com o espaço secundário ocupado

internacional sobre culturas juvenis que ali se desenvolve há três anos. E-mail: ritacao@uol.com.br

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pela arte contemporânea no evento. Paulo Herkenhoff, curador da 24ª Bienal, em 1998,
chegou a afirmar que:
[...]o peso da história da Bienal é um erro. Acho que a Bienal de São Paulo
cumpriu historicamente um papel de resgate histórico, mas eu acho que ela
tem que reformular sua crença na arte contemporânea porque senão ela vai se
tornar um recorte sobre o passado e não sobre o presente, ou seja, ela pode
perder seu sentido para o presente (OLIVEIRA, 2001: 148).

Talvez a questão não esteja na oposição entre o passado e o presente, mas na


imbricada relação temporal que caracteriza o cotidiano pós-moderno. O ecletismo histórico e
geográfico relaciona-se à sobreposição complexa de fragmentos, num verdadeiro
palimpsesto de referências de tempos e espaços diversos (HARVEY, 1994: 83).
Característica da produção artística e cultural contemporânea, esse acúmulo de referências
fragmentárias do passado é parte integrante da condição pós-moderna. O estreitamento da
relação entre os museus e o grande público verificada a partir dos anos de 1980 expõe o
interesse masssivo por esses fragmentos de passado ali expostos; passaram a correr o mundo
atraindo milhares de visitantes ávidos pela aproximação com esse passado representado por
obras de arte, artistas, estéticas, linguagens, costumes e cotidianos de outras épocas. Ao que
parece, para o grande público há um passado e uma memória que precisam ser salvos,
preservados, resgatados da avalanche niveladora do progresso, do desenvolvimento
tecnológico, do excesso de imagens e de informações (BENJAMIN, 1993). Justamente no
momento em que é impossível reter na memória os acontecimentos da vida cotidiana, cresce
o interesse das massas pelos museus e por megaexposições internacionais, assim como pela
fotografia e pelos vídeos amadores que registram as férias ou os rituais marcantes da vida
em sociedade como batizados, casamentos, aniversários e almoços em família. (HUYSSEN,
1997; MORIN, 1997). Em 2002, depois de séria crise institucional e financeira agravadas
pela alta do dólar, a 25ª Bienal de São Paulo aboliu o Núcleo Histórico e ocupou as salas
especiais com artistas contemporâneos selecionados pelos curadores. Ao contrário do que se
imaginava, o sucesso de público (mais de 660 mil visitantes) comprovou que o Núcleo
Histórico não é determinante para impor público à mostra. Mais da metade desse público
(350 mil) visitou a Bienal via arte-educação com escolas da rede pública e privada; quase
320 mil pessoas participaram de forma espontânea. Aqui vemos uma mudança de

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paradigma: os projetos de educação fazem o público aumentar e tornam-se importante fator
para o sucesso das grandes exposições.
As bienais do início dos anos de 1980 instituíram dois novos modelos de
atuação: a ênfase no trabalho curatorial e a montagem por analogias de linguagem. Foi
especialmente com base no projeto de Walter Zanini que a montagem da exposição nos
moldes dos salões de arte abriu espaço para um segmento emergente: uma mostra
internacional que propusesse uma reflexão sobre arte contemporânea, sob forte comando
conceitual dos curadores. Este é o espaço destinado aos iniciados em arte; não é exatamente
no grande público que o curador geral do evento está pensando quando concebe este
segmento. Aciona-se, aqui, o esforço dos monitores dos projetos educacionais para incluir o
público de massa nas discussões e nos conceitos propostos pelos experts no assunto. Em
1996 a 23ª Bienal apresentou, além dos tradicionais Representações Nacionais e Núcleo
Histórico, o segmento Universalis, que trabalhava o diálogo no tema da exposição –
Desmaterialização da obra de arte - as obras e os artistas selecionados. Em 1998 o
segmento Roteiros, roteiros, roteiros, roteiros, roteiros, roteiros, roteiros foi responsável
por discutir o tema Antropofagia, explodindo as barreiras e integrando todos os segmentos
da Bienal. Em 2002 essa tendência foi enraizada com o segmento 12 metrópoles e,
principalmente, com a restrição às Representações Nacionais e o desaparecimento do
Núcleo Histórico. A Bienal já não é mais um somatório de partes isoladas; com esse
segmento, as fronteiras nacionais ganham outra conotação e a histórica separação entre o
local, o nacional e o internacional começa a cair por terra.
Os segmentos destinados à arte brasileira e à net art completam os núcleos
emergentes na estrutura da Bienal de São Paulo. Surgidos em 1998 e mantidos em 2002, na
25ª edição, revelam a tendência à ação, ao mesmo tempo local e global, adotada pela
Fundação Bienal. A projeção internacional e a integração do mercado artístico brasileiro aos
mais importantes centros de produção e consumo de arte do mundo abrem espaço para a arte
brasileira; a propagação da Internet e dos computadores pessoais nos anos de 1990
introduziram no mercado artístico novas tecnologias, novas linguagens, novas estéticas.
Esses fatores produziram segmentos emergentes extremamente importantes no formato
adquirido pela Bienal na virada do século. A seleção de projetos artísticos para a Internet
colocou a produção artística brasileira em lugar de destaque ao lado de renomadas

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personalidades internacionais; a arte nacional ganha destaque como “vitrine” para os
estrangeiros que vem ao Brasil para a Bienal e para aqueles que visitam a bienal no
ciberespaço. A emergência da sociedade em rede a partir do desenvolvimento dos meios de
comunicação e de transporte gera uma complexa relação entre as chamadas culturas local e
global. Ao contrário do que se imaginava, o processo de globalização da cultura acabou
apontando para o que antes pareceria o seu oposto: o fortalecimento das diferenças (MIRA,
1994). A produção cultural, ao atingir a dimensão global, torna-se também mais flexível,
segmentada; é preciso incorporar as diferenças, as diversidades. Nas últimas décadas, o
crescimento da indústria cultural nacional acirrou a relação do espectador com o produto
local, refletindo uma nova estratégia de atuação das multinacionais de produção globalizada
da cultura: o espectador tende a dar preferência ao que lhe é culturalmente mais próximo. A
arte brasileira e a net art que invadem a Bienal, são tão locais quanto globais; elas não
aparecem ilhadas ou confinadas a espaços delimitados, mas vêm integradas à arte
globalizada, estabelecendo um constante diálogo com outros mercados artísticos, com outras
culturas locais, com outros cotidianos e outras linguagens.
A Bienal de São Paulo teve seu formato transformado ao longo dos seus quase
cinqüenta anos em razão das diversas estratégias utilizadas para a viabilização de sua
produção. Até determinado momento, essas estratégias exigiram a força das Representações
Nacionais, organizadas com base em relações diplomáticas. No entanto, para continuar
existindo como mostra importante para sua época, a Fundação Bienal teve de mudar as
regras do jogo, transformando seu formato. Nos anos de 1990, o necessário apoio
governamental e diplomático inviabilizou a extinção total das delegações nacionais; a busca
do público e os investimentos massivos impediram que os curadores apostassem apenas na
arte contemporânea e prescindissem do Núcleo Histórico. À medida que o mercado artístico
brasileiro foi ganhando projeção internacional, a tradição da parte histórica da Bienal perde
sua força e a Fundação Bienal passa a investir também na arte contemporânea –
especialmente a brasileira – com uma montagem realizada por analogias e diálogos entre
curadores, obras e artistas. Com a aceleração do processo de globalização, a Bienal
preocupou-se em abolir as fronteiras entre as delegações nacionais e eliminar as
contradições dos segmentos históricos e contemporâneos, apostando no diálogo em
diferentes temporalidades e espacialidades na montagem das suas últimas exposições.

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Como toda indústria cultural (MORIN, 1987), a Bienal de São Paulo segue o
duplo movimento de homogeneização e de padronização das mostras, por um lado, e a
necessidade de originalidade, criação e talento, por outro. Entre uma edição e outra da
Bienal verifica-se a repetição de estruturas tradicionais, facilmente reconhecíveis pelo
público e pelos patrocinadores. Ao mesmo tempo, de dois em dois anos, a Fundação Bienal
necessita apresentar novidades; todo evento tem de trazer um produto novo. Essa
necessidade de um evento novo, singular e individualizado encontra no tema central de cada
exposição (Antropofagia, Iconografias Metropolitanas, etc.) o principal mote da
originalidade perseguida. Percebemos, entretanto, que a própria estrutura da Bienal segue
este princípio. Lentamente, o formato da Bienal vai se transformando, adaptando-se às
mudanças no cotidiano, aos desejos do público e ao mercado artístico.

3) A Bienal de São Paulo como indústria cultural

A Bienal de São Paulo faz parte da complexa indústria de produção da cultura


que envolve a virada do milênio. Os 36 mil metros quadrados do prédio projetado por Oscar
Niemeyer dentro do Parque do Ibirapuera transformam-se num cenário espetacular nos dois
meses do evento. A rede pública de televisão exibe a abertura do evento ao vivo e em cores
para todo o país, com direito a discurso do presidente da República e flashes de
celebridades; os principais jornais de São Paulo e as revistas de maior circulação do país
lançam seus cadernos especiais sobre a Bienal, com mapas e roteiros recheados de imagens
das principais obras e dos artistas destacados. Mais de 500 mil pessoas circulam pelos três
andares enlaçados pelas rampas curvilíneas do arquiteto. Milhares de crianças e adultos, de
centenas de escolas e grupos diversos acompanham o batalhão de monitores treinados pela
Fundação Bienal para estimular a reflexão sobre as obras e a exposição. Lojas, serviços,
estandes e lanchonetes disputam a atenção desse imenso e seleto público. Dezenas de
patrocinadores do evento (na maioria instituições financeiras e seguradoras) estampam suas
marcas em todos os lugares possíveis, dentro e fora da Bienal, na TV, nos jornais, nos
outdoors. Os organizadores desse megaevento não escondem: para que a Bienal de São
Paulo se viabilize artística, financeira e institucionalmente, ela necessita apresentar-se como

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um evento de massa, precisa atrair todas as atenções, especialmente as dos consumidores, as
dos investidores e as dos poderes públicos.
O pólo massivo desse evento pode ser encontrado também nas novas tecnologias
implantadas para garantir o acesso do grande público. Em 1996, os organizadores da 23ª
Bienal Internacional de São Paulo implantaram o controle sobre o fluxo do público para
permitir maior conforto aos visitantes - esperava-se cerca de 600 mil pessoas - procurando
racionalizar as visitas em determinados dias, quando filas imensas eram esperadas diante das
bilheterias e dos portões de entrada. Anúncios freqüentes nos jornais, nas rádios e nas
emissoras de televisão aconselhavam as pessoas a marcar sua visita com antecedência pelo
telefone para garantir seu lugar na maior Bienal de todos os tempos. Como conseqüência,
65% do público acabou adquirindo seu ingresso por telefone. Também em 1996 a Bienal
inaugurou sua home page na Internet, trazendo um histórico da Fundação Bienal e
informações sobre sua 23a edição; nos dias do evento este site foi um dos mais visitados no
país.
O caráter massivo e espetacular que constitui a Bienal de São Paulo não é
exclusividade da versão brasileira do evento; as outras bienais espalhadas pelo mundo
também se inserem nesse mesmo contexto, pelas mesmas razões. No evento paulista,
entretanto, essas características parecem ampliadas, radicalizadas, mais visíveis.
Em 2003, por exemplo, a Bienal de Veneza apresentou números bem mais
modestos que sua derivada paulista: a área ocupada pela exposição veneziana representava
a metade da ocupada pela brasileira; o público visitante da Bienal italiana foi de 260 mil
pessoas, menos da metade do evento brasileiro, sabendo-se que a Bienal italiana estende-se
por cinco meses e a paulista não chega a três meses de duração; o projeto educacional de
Veneza envolveu cerca de 3.400 visitantes, enquanto que em São Paulo a Bienal
implementou um impressionante projeto pedagógico que recebeu cerca de 350 mil
estudantes em visitas monitoradas, previamente agendadas. Apesar de a Bienal de Veneza
acontecer no verão europeu, época em que a cidade fervilha com centenas de milhares de
visitantes do mundo inteiro, a Bienal permanece com sua discreta presença; a estação de
trem, um dos principais acessos à cidade, quase não traz divulgação do evento; os banners
espalhados pelas ruas venezianas chamam mais a atenção para as mostras paralelas do que
para a própria Bienal; o vaporetto que leva os visitantes ao Giardini di Castello, o principal

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local de exposição, chega ao seu destino tranqüilamente, sem os atropelos da multidão que
foi ficando pela estação Rialto e adjacentes. Dentro da Bienal, poucas lojas de suvenires e
lanchonetes oferecem as escassas oportunidades de consumo aos visitantes; nada de
publicidade ostensiva ou estandes dos patrocinadores do evento. Apesar do caráter massivo
que também constitui a Bienal italiana, aparentemente o público que invade Veneza no
período de férias escolares de verão não interessa aos organizadores do evento. Ainda é
possível flanar pela exposição veneziana. Ao contrário da experiência vivida pelo visitante
da Bienal de São Paulo, Veneza parece dizer: não tenha pressa, repouse sob as árvores entre
um pavilhão e outro, descanse seu sensorium, reflita sobre o que você está vendo.
As espetaculares bienais de massa, em especial a de São Paulo, acompanham a
as mudanças ocorridas na atividade museológica a partir de 1980, quando a explosão de
público na Europa e nos Estados Unidos apontou a mudança dessas instituições e suas
atividades. A museumania, nas palavras de Andreas Huyssen, incorpora definitivamente os
museus à cultura produzida para o grande público: a corrida das massas pela cultura nos
museus movimenta milhões de dólares nessas instituições, agita o mercado publicitário,
exige consideráveis investimentos públicos, movimenta o turismo e aumenta a ocupação dos
hotéis. O papel do museu como “um local conservador elitista ou como um bastião da
tradição da alta cultura dá lugar ao museu como cultura de massa, como um lugar de um
mise-en-scène espetacular e de exuberância operística” (HUYSSEN, 1997: 223). Os museus
são, agora, os “mandachuvas da indústria cultural” (HUYSSEN, 1997: 229).
Este novo museu é acompanhado por uma importante mudança do perfil dos
freqüentadores que, cada vez mais, parecem estar “em busca de experiências enfáticas,
iluminações instantâneas, magaeventos e espetáculos de grande sucesso, ao invés da
apropriação meticulosa do conhecimento cultural” (HUYSSEN, 1997:224). Ao que parece, a
revolução na relação arte/técnica iniciada no século XIX pelos panoramas e pelas exposições
universais (BENJAMIN, 1991) marcou definitivamente a percepção do homem
contemporâneo. Assim como a experiência nos espaços públicos vem transformando,
progressivamente, nossa sensibilidade, a metrópole como espetáculo aciona cada vez mais o
olhar ao mesmo tempo em que atrai cada vez mais público para a experimentação e a
imersão nesses ambientes produzidos pelas indústrias da diversão que propõem a pura
fantasia, magia e sensibilidade estética. O cotidiano na metrópole e a vivência nesses

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ambientes espetaculares implicam na “intensificação dos estímulos nervosos” (SIMMEL,
1981) com o excesso de choques direcionados ao olhar, à audição e ao tato. A conseqüência
disso é a atitude blasé e a incapacidade de reagir a novas sensações com a energia
apropriada; daí a necessidade de experiências enfáticas, de iluminações, de choques
sensoriais para que este novo público dos museus e bienais sinta-se à vontade, como se
estivesse na sua caminhada agitada pela cidade ou nos excitantes espaços públicos de
comércio ou diversão de massa.
Assim como os museus, a Bienal de São Paulo, como todo sistema industrial,
busca o máximo consumo e, para isso, visa ao “público universal” (MORIN, 1987:35), ou
seja, dirige-se ao mesmo tempo a todos e a ninguém. Já não existem mais as barreiras de
classes sociais, de idades, do nível de educação que delimitavam as zonas respectivas de
cultura no início do século XX. Resta questionar se isso significa alguma forma de
democratização. De qualquer maneira, como peças na engrenagem da indústria cultural, os
museus e as bienais são “grandes terrenos de comunicação entre as classes socias” (MORIN,
1987:41). Atendem, portanto, às exigências de homogeneização da produção, dos valores de
consumo e dos costumes que regem este setor industrial.
A cultura de massas, como se sabe, desenvolve seus “campos comuns
imaginários” (MORIN, 1987:45). Este público de massa, como todo o lazer moderno, deseja
conectar-se aos mundos imaginários por meio do espetáculo; é através deles que os
conteúdos imaginários da cultura de massa de manifestam. Esta espetacularização favorece
as trocas entre o real e o imaginário; afinal, o mundo imaginário é consumido sob a forma de
magias, ritos e cultos, mas também sob a forma de espetáculos, de relações estéticas. O
público de massa passa a buscar na Bienal o mesmo que ele busca na cultura de massa:
participação estética e consumo imaginário. Assim como a metrópole pós-moderna, a Bienal
de São Paulo faz do espetáculo e da teatralidade um meio para atrair capital e pessoas;
busca-se um mundo de fantasias rumo à imaginação pura e à ficção (HARVEY, 1994:95).

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