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O livro do intelectual Gilberto Freyre é considerado o maior clássico da

sociologia brasileira. Longe de romantizar o colonizador português, o


sociólogo exalta a importância da miscigenação e da mistura das três
raças que formaram o nosso povo.

Casa-grande & senzala é considerado um dos livros fundamentais para se


compreender a história e a composição do Brasil.

Resumo
A obra concebida pelo sociólogo Gilberto Freyre é um clássico que trata
da formação do povo brasileiro, ressaltando seus defeitos e suas
qualidades e as peculiaridades da sua origem.

O livro sublinha o quanto a sociedade brasileira era patriarcal, destaca


aspectos do cotidiano na colônia (por exemplo, ficamos sabendo, a partir
de Freyre, que quase não havia escolas, as crianças eram criadas no
mato).

O autor também diferencia em sua obra o estilo de colonização


portuguesa tendo em vista a colonização espanhola e a inglesa.

Casa-grande & senzala aborda especialmente aspectos relacionados a


miscigenação, ocorrida com tanta intensidade potencialmente porque
havia poucas mulheres brancas disponíveis na colônia. A igreja Católica,
diante desse cenário de escassez, incentivou o casamento de portugueses
com indígenas (jamais com negras).

Freyre investiga também a origem do mito da promiscuidade brasileira,


da exacerbada sexualidade atribuída de modo equivocado aos indígenas e
escravos. O intelectual disserta igualmente acerca da origem da opressão
contra a mulher, como os homens cultivavam um sentimento de posse em
relação as suas senhoras.

Em Casa-grande & senzala comenta-se a influência da igreja católica nas


decisões da colônia, frisando o fato de ser proibido o acesso ao sacerdócio
para negros ou mestiços.

Em síntese, as palavras do sociólogo se debruçam sobre a descrição dos


hábitos da origem do Brasil e os papéis sociais desempenhados pelas
diversas camadas da população.
Formou-se na América tropical uma sociedade agrária na estrutura,
escravocrata na técnica de exploração econômica, híbrida de índio - e mais tarde
de negro - na composição. Sociedade que se desenvolveria defendida menos
pela consciência de raça. quase nenhuma no português cosmopolita e plástico,
do que pelo exclusivismo religioso desdobrado em sistema de profilaxia social e
política.

Leia Casa-grande & senzala na íntegra gratuitamente, em formato pdf.

Sobre a publicação do livro


Lançado em 1933, o livro Casa-grande & senzala foi a mais importante
publicação do autor Gilberto Freyre. A obra foi traduzida e publicada em
inúmeros países: Argentina (em 1942); Estados Unidos (em 1946);
França (em 1952); Portugal (em 1957); Alemanha e Itália (em 1965);
Venezuela (em 1977); Hungria e Polônia (em 1985).

A respeito da reação da crítica, o intelectual Antônio Cândido, que


considera Casa-grande & senzala uma das obras do século XX do Brasil,
afirma:

Hoje é difícil a vocês avaliar o impacto dessa publicação. Foi um verdadeiro


terremoto, com reações favoráveis por parte da maioria dos leitores, sobretudo
os mais esclarecidos, inclusive os comunistas. Mas houve muita restrição por
parte dos elementos conservadores e da direita. É preciso vocês esquecerem as
críticas posteriores sobre o corte conservador de muitas posições de Gilberto
Freyre, porque numa perspectiva de história das idéias o livro dele atuou como
força radical, devido à sua grande carga de desmistificação.

(Entrevista concedida a Revista Brasileira de Ciências Sociais.)

O maior clássico da Sociologia brasileira, e um dos grandes livros dessa ciência em nível
mundial, Casa-Grande & Senzala é uma obra surpreendente e esclarecedora sobre a
formação do povo brasileiro- com todas as qualidades e seus vícios-, e foi importantíssima
para consagrar a importância do indígena- e principalmente do negro- no desenvolvimento
racial e cultural do Brasil, que é um dos mais complexos do mundo.
Confesso que antes de iniciar a leitura dessa obra de Gilberto Freyre acreditava que o livro
defendia a tese romântica de que no Brasil vigorava desde o início da colonização uma
espécie de “democracia racial”, tese que quem vive aqui sabe muito bem que é falsa.
Entretanto, Casa-Grande & Senzala é uma obra que exalta de maneira magnífica a
formação de nosso povo, mas em nenhum momento Gilberto Freyre tenta esconder nossas
mazelas de uma sociedade patriarcal, analfabeta e violenta desde a infância. Se o ilustre
sociólogo pernambucano defende de certa maneira a especificidade de nossa escravidão,
é porque comprovadamente não foi tão brutal e segregadora como a da colonização
espanhola, e muito menos como a da colonização inglesa na América do Norte, tese que
mesmo sociólogos americanos reconhecem, fora os testemunhos de quem presenciou os
acontecimentos da época.
Freyre defende a colonização portuguesa pelo fato de que não possuía o erro da
colonização espanhola, que foi o fanatismo religioso impulsionado pelo Concílio de Trento,
nem o racismo e a noção de pureza de raça da colonização protestante da América do Norte.
Desde o início nem a pureza da fé e nem os votos de castidade foram respeitados pelo clero.
Isso evitou que o fanatismo religioso de tipo hispânico penetrasse em solo brasileiro, porém
o pouco fervor do clero e seus preconceitos também o levaram a negligenciar a educação
mesmo dos “brancos”, e ainda a excluir dos seminários “gente de cor”.
Casa-Grande & Senzala é célebre pelos seus capítulos sobre a sexualidade do Brasil
Colonial. É importante a descoberta de Freyre de que não foram os indígenas e nem os
negros vindos da África que criaram a fama do brasileiro de promíscuo sexual. Mais até do
que o furor sexual do europeu, foi a promiscuidade do sistema escravocrata e patriarcal da
colonização portuguesa que serviu para criar um ambiente de precocidade da sexualidade
e de propagação de doenças venéreas como a sífilis, doença europeia por excelência. Tanto
os índios quanto os negros eram povos bem pouco sexualizados e nem de longe possuíam
a malícia sensual dos europeus.
Essa defesa que Freyre faz da sexualidade do índio e do negro foi fundamental para servir
de barreira para um crescente racismo “científico” que vinha se propagando desde o século
XIX, e que servia de arma para apontar no indígena e no africano as origens de nossas
mazelas sociais. Estas mazelas têm origem desde antes do Brasil ser descoberto, pois
alguns dos problemas de Portugal refletir-se- iam no futuro Brasil. Povo guerreiro e um
Estado organizado antes que as outras nações europeias, Portugal esteve sempre em
contato com o islã e seu sistema escravocrata. A cada batalha contra os mouros eram feitos
escravos, e isso foi péssimo, pois se sabe que a escravidão cria um desprezo pelo trabalho,
especialmente o manual. Trabalho era coisa de mouro, os portugueses logo aprenderam.
De Portugal também viria a feitiçaria da Europa, que vivia o auge da caça às bruxas. Freyre
também nesse ponto defende os africanos de terem “corrompido” o homem branco com
suas famosas “mandingas”.
A miscigenação deu-se pelo fato de que existiam poucas mulheres brancas disponíveis para
os colonizadores. A Igreja incentivou o casamento com as mulheres indígenas, mas não
com as negras de África, lembra Gilberto Freyre. Aos negros e mestiços seriam vetados o
acesso ao sacerdócio. A Igreja pouco iria preocupar-se com a educação do negro. Quanto
aos índios e ao sistema de missões criado pelos jesuítas, Freyre julga que o sistema só
poderia ter terminado em fracasso como acabou acontecendo, pois dava pouca autonomia
aos índios e, ao invés de ensiná-los trabalhos manuais- o que teria sido mais adequado caso
os missionários fossem os franciscanos-, os jesuítas tentavam ensinar Latim e monogamia
aos índios. É claro que não podia dar certo.
Crianças brancas, mestiças e negras eram criadas no mato, pois quase não havia escolas
e pouca educação religiosa. Nessa questão, Freyre aponta uma das raízes da nossa
sociedade violenta. O menino branco da Casa-Grande aprendia desde a infância a ser cruel
com os animais e com seus “inferiores”, ou seja, os mulatos e negros. Esse “moleque” negro
ou mulato, que acompanha sempre o menino branco em sua infância, serve mais como um
“saco de pancadas” e laboratório para a violência patriarcal futura a ser exercida contra
outras pessoas na vida adulta, principalmente contra as mulheres. O homem patriarcal
brasileiro herdou o costume do sentimento de posse em relação à sua mulher- ou de “lavar
a honra”, caso sentisse que estava sendo traído- de Portugal, que por sua vez sabia muito
bem do costume muçulmano nessa área. A violência, o sistema patriarcal opressor
da mulher, o ridículo costume do título de “vossa excelência” ou do “doutor”, que o brasileiro
dá a qualquer desqualificado que tenha um mínimo de autoridade ou dinheiro, são heranças
malditas da colonização. Não que o brasileiro não pudesse ser alegre também. Esta
característica Freyre atribui ao negro africano, povo alegre e adaptado ao nosso clima
tropical, que ele contrasta à melancolia do índio e ao mau-humor do português.
Como disse no início do texto, Freyre não romantiza o sistema colonial e escravocrata criado
no Brasil por Portugal. O livro tem um ar poético sem dúvida. O que Gilberto Freyre fez foi
exaltar a contribuição das três raças que formaram nosso caráter. Portugal criou um Império
que estava isento dos excessos de outras civilizações mais poderosas da época. Povo
português bem pouco “branco” para os padrões europeus, miscigenado graças às relações
com árabes e judeus ao longo de séculos, não trouxe para cá maiores preconceitos. Não foi
a miscigenação brasileira que nos deixou de legado muito de nossos problemas atuais, e
sim a escravidão e sua mentalidade, que ainda está presente em boa parte do Brasil do
século XXI. Casa-Grande & Senzala é uma das grandes obras nacionais que representam
o gênio criativo do brasileiro.

Resumo de Casa-grande
& senzala
FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala: formação da família
brasileira sob o regime da economia patriarcal. 52.edição
comemorativa. São Paulo: Global, 2013.

Em um ensaio estendido, Gilberto Freyre (1900—1987)


apresenta a interpretação do Brasil que foi a mais reeditada,
traduzida e debatida. Esse clássico do pensamento social
brasileiro, sem desconsiderar suas partes (e leituras) polêmicas,
rompeu com as explicações racialistas pelas quais a
“degeneração” da mistura entre portugueses, índios e africanos
seriam causas para o atraso do país. O Mestre de Apipucos não
só deu explicações culturais para o caráter brasileiro, mas
também viu com otimismo aquela miscigenação.

1. Objeto

O papel das relações raciais dentro ambiente doméstico no


latifúndio escravagista fundado na monocultura (plantation)
para forjar o caráter nacional — a identidade e ethos —
brasileiro no período colonial.
2. Tese

A sociedade colonial brasileira foi formada nas relações


domésticas íntimas e assimétricas nos engenhos de açúcar. Esse
sistema de plantation deu certo no Brasil porque o português,
transbordando luxúria, tinha predisposição para miscigenar e
aclimatar-se com outros povos nos trópicos.
3. Métodos
Coleta de dados: Não fez pesquisa sistemática com
documentos ou arquivo. Tampouco é uma etnografia. Trata-se
de uma colagem de observações casuais encontradas nos
escritos de viajantes estrangeiros, diários e cartas. Substanciou
seus argumentos com relatos orais e reminiscências.

Análise: a vida doméstica (a Casa-grande) como unidade


analítica. O foco é sobre o caráter nacional brasileiro. O método
interpretativista de análise é orientado pela perspectiva
do culturalismo boasiano, especialmente na vertente de cultura
e personalidade de Columbia. Rejeita o darwinismo social, os
determinismos genético e geográfico ou o racismo como
explicações para a configuração sociocultural do Brasil. Infere a
partir de uma perspectiva privada as estruturas sociais públicas.

Exposição: emprega o gênero ensaístico para demonstrar seus


argumentos, sem preocupar em cobrir todos os tópicos com o
mesmo peso, por exemplo, a religião em geral — e, sobretudo,
a religião africana e indígenas — relegada a nota de rodapé.
Centra-se na sexualidade (inclusive na consequente sífilis), na
alimentação e nas relações domésticas.
4. Resultados

Fundamentou a correlação entre a família senhoril, o modelo


latifundiário açucareiro exportador baseado na escravidão e as
normas sociais em voga no Brasil colonial.

A luxúria do português não discriminava parceiras. Propôs que


havia uma relação de sadismo dos senhores e um masoquismo
dos escravos. Arguiu que os mulatos e mamelucos, resultantes
do cruzamento do colono português com africanas e índias,
podiam ter uma vida social plena, diferente dos esquemas de
exclusões estruturais das américas espanhola e anglo-
americana.
5. Conceitos Freyrianos
 Democracia racial: arguta observação de Roger Bastide
para expressar a ideologia brasileira de negação do
racismo. Com o sentido literal, o termo já era usado desde
os primórdios da República Velha e foi (injustamente)
atribuído a Freyre em Casa-Grande & Senzala, no qual
não a usou.
 Miscibilidade: propensão do português, pelo contato com
as mouras e com o cruzamento de vários povos na
Península Ibérica, de manter relações sexuais e
matrimoniais com diferentes etnias.
 Climatabilidade: predisposição do português de se
aclimatar nos trópicos. Adaptabilidade tropical.
 Harmonização: encontro e convivência inter-étnica que
conduzida pelo colonizador português permitiu uma
proximidade íntima entre povos diferentes.
 Contemporizador: o colonizador português não possui
ideais absolutos, tampouco possui preconceitos
inflexíveis. Ora seus traços psicológicos assemelham-se ao
espanhol, ao inglês.
 Luso-tropicalismo: meio teoria social, meio ideologia em
apoio à portugalidade ecumênica de Oliveira Salazar. Um
conjunto de observações das características da empreita
colonial lusitana que a diferenciava de as outras nações
europeias. Desenvolveria o conceito em outros textos, mas
a ideia permeia toda usa obra.
7. Sumário

Freyre retoma muitos tópicos em diferentes capítulos, mas em


síntese, pode ser resumido o livro como se segue:

Capítulo I — Características gerais da colonização


portuguesa do Brasil: formação de uma sociedade agrária,
escravocrata e híbrida
O Brasil foi colonizado com base na agricultura, visto a
ausência de riquezas que permitiam uma rápida extração
aventureira como em outras colônias. Nessa agricultura
predominava o trabalho escravo, inicialmente do índio e depois
do africano, em um regime de monocultura. Todavia, foi
delegada à inciativa privada (donatários senhores de engenho)
essa exploração agrícola de longo prazo.

A unidade cultural do país se deu pela língua e religião. Assim,


não havia uma pureza de sangue, visto o hibridismo do
português, entre a África e a Europa e adaptado ao trópico.

Capítulo II — O indígena na formação da família


brasileira
O homem português encontrou nos indígenas a mulher para
procriar e trabalhar domesticamente e o homem para servir de
trabalho braçal, sem contar a população mameluca a serviço do
lusitano. Adotou com as mulheres e mães índias a higiene, a
medicina popular, a criação dos filhos e a culinária. A mulher
índia é vista como inocente e sensual, lembrava a moura
encantada ibérica.

A desestruturação das sociedades indígenas face à chegada dos


europeus, mais avançados para o autor, resultou na exploração
cruel do extrativismo espanhol e na assimilação dos índios
pelos portugueses. Entretanto, no Brasil esse encontro não foi
pacífico.
Os índios não afeitos à “civilização” dos jesuítas ou ao eito
sedentário no engenho, dariam lugar ao escravo de origem
africana, mais adaptado à vida da plantação.

Capítulo III — O colonizador português: antecedentes e


predisposições
O português teria sido o colonizador europeu que melhor
confraternizou com os colonizados, sendo menos cruel com os
escravos. Adota uma postura e aristocrática e patriarcal,
vivendo “a fazer de conta que é poderoso e importante”. Veste
seus melhores trajes na rua e trapos em casa. Admite na colônia
tão-somente o cristão católico, sem preconceitos de origens ou
nacionalidade. Importa artigos das Índias e da China, adapta
espécies da África, exporta açúcar à Europa.
O português é híbrido entre a indecisão e a dualidade da África
e Europa. Como escravagista traficou africanos com os quais
conviveu amigavelmente na colônia americana.
O ódio ao infiel, o mouro, é alimentado pela possibilidade de
apropriar-se das terras para a agricultura, garantindo-se assim
sua posse. Dos mouros veio a ética do trabalho braçal, do
cristão-novo judeu vieram as condições para financiar o império
luso.

Capítulo IV — O escravo negro na vida sexual e familiar do


brasileiro
Os brasileiros herdaram a ternura da fala, nos apelidos, nos
gestos e na música. A figura da ama negra deu uma relação
íntima dos filhos do senhor com o escravo. O negro é retratado
como alegre, festivo, e com melhores condições físicas que os
índios. As negras eram objetos sexuais dos senhores brancos,
propagando ainda mais a sifilização que mutilava a população.
Eram elas quem iniciavam os sinhozinhos.

As mulheres “brancas” da casa-grande ficavam relegadas à


procriação legítima, sendo negligenciadas em sua educação, e
administrando a vida doméstica e com crueldade as
competidoras negras.

Capítulo V — O escravo negro na vida sexual e familiar do


brasileiro (continuação)
A educação e desenvolvimento dos meninos era sem alegria,
precoce. A educação começava com os mestre-escola na casa-
grande e continuava nos colégios dos padres ou seminários.
Os negros e pardos foram aos poucos aceitos na educação
formal, emergindo uma classe de mestiços educados. Muitos
filhos de padres se tornariam intelectuais.
A escravidão gerou uma indolência da família senhoril. A
disputa pelo controle do trabalho teve a interferência dos
padres, que exigiam a observância do domingo. Nesse
ambiente, a alimentação era tipicamente negra, feita pelas
escravas domésticas.
8. Críticas

Mito da democracia racial: apesar da polêmica do termo, o


qual se deve salientar que Freyre não o usa, o esquema casa-
grande x senzala retrata uma relação que, no agregado, parece
ser harmônica e permite a mobilidade social sem considerar os
preconceitos de raça. Freyre registra sim a violência
escravagista, mas ao valorizar a visão da casa-grande em
detrimento da visão a partir da senzala, apresenta um quase
idílico retrato do Brasil. Desse modo, obscurece o papel do
racismo em forjar as desigualdades inerentes (e ainda presentes)
na sociedade brasileira.
Falta de rigor metodológico: em tempos em que uma
orientação positivista imperava na sociologia e rígidos
protocolos de trabalho de campo na antropologia, o ensaio de
Freyre parecia muito com especulações das histórias
conjecturais. Hoje, depois do giro pós-moderno questionando a
autoridade etnográfica, essa crítica metodológica cai por terra.

Ausência de conflitos entre as classes: apesar das


conturbações de fundo social na colônia (movimentos
nativistas, conflitos entre colonos e as reduções religiosas,
resistência escrava, messianismo-milenarismo, guerra dos
mascates e dos emboabas), Gilberto Freyre não os leva em
consideração. Essa crítica foi salientada por analistas de
abordagem marxista.
Discriminação institucional: Freyre não registra os impactos
da legislação portuguesa sobre a “limpeza de sangue”, que
restringia a mobilidade social. A origem de um remoto ancestral
africano, judeu, cigano, “gentio” (indígena) ou herege era
suficiente para vedar acesso de boa parte da população a
emprego público, concessões reais ou ao alto clero.
Visão senhoril: o modelo ideal de Freyre contrasta com o
modelo real, do negro do eito, da índia forçada sexualmente, do
filho mulato não reconhecido e da mulher confinada às portas
fechadas da casa-grande. Somente o patriarca português é
dotado de agência, enquanto todo o resto resultam da estrutura.
Não por menos, há o dito que Gilberto Freyre, o escreveu sua
obra-prima sentado na varanda da Casa-Grande olhando para a
Senzala.
Generalizações: um modelo de poucos engenhos na Zona da
Mata nordestina não serve para retratar todo o Brasil. Houve
ainda a civilização do gado no Sertão, as sociedades ribeirinhas
da bacia amazônica, o mundo dos quilombos, a esfera de
influência missionária, os campesinatos de subsistência na área
cultural caipira, as zonas mineradoras, dentre outras.
9. História editorial

Freyre concebeu e escreveu sua obra durante a estada em


Portugal e a finalizou em Pernambuco. O resultado foi um
calhamaço gigante. Sem um editor para um projeto dessa monta
no Recife, procurou um entre seus contatos no Rio. Seria o
livreiro e poeta Augusto Frederico Schmidt (1906 – 1965) que
reunia pensadores católicos, autores modernistas e regionalistas
em sua livraria. Era novo no ramo, pois tinha começado a
publicar livros em 1930, descobrindo a Graciliano Ramos. A
edição da volumosa obra de 768 páginas foi difícil para um
novato como Schmidt, mas deu bons resultados ao editor. A
edição de 1933 saiu com o selo Maia & Schmidt, duas outras
edições seguintes contam com a marca Livraria Schmidt
Editora.
O sucesso de Casa-Grande & Senzala não foi o suficiente para
firmar o negócio de Schmidt. Ele venderia sua editora para José
Olympio, o qual lançaria a quarta edição em 1943 e arranjaria a
publicação das traduções em Buenos Aires (Editora Emecé),
Nova Iorque e Londres (ambas pela Knopf). Dez anos depois
era lançada em Paris, com prefácio de Lucien Febvre (pela
Gallimard) e na Itália (pela Einaudi). Depois de José Olympio, a
Record e a atual editora Global continuaram a publicar Casa-
Grande & Senzala que, em 2013, estava em sua 53ª edição.

O sucesso editorial de Casa-Grande & Senzala deve-se, além


dos aspectos intrínseco da obra, ao momento. Na época, os
modernistas e o nacionalismo político estava em voga. À
mesma época surgiram outros clássicos da brasiliana. Ainda em
1933 Caio Prado Junior lança a Evolução política do Brasil que
seria um prelúdio ao seu Formação do Brasil
contemporâneo (1942), mais tarde lançaria o Raízes do
Brasil de Sérgio Buarque de Holanda (1936) e a História
Econômica do Brasil de Roberto Simonsen (1937).

Com o tempo, tornou-se canônico alguns elementos pré e pós-


textuais de Casa-grande & senzala. Há os poemas laudatórios de
Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral
de Melo Neto. Ora como capa, ora como encarte, a ilustração da
casa-grande do Engenho Noruega feita por Cícero Dias pode ser
considerada um elemento pioneiro na antropologia visual.
Aliás, a obra seria pioneira na representação visual de estudos
sociais, como a edição em quadrinhos de Ivan Wasth Rodrigues
com colorização de Noguchi. O longo prefácio à primeira
edição acompanha sempre a obra e pode ser considerado um
capítulo. A biobibliografia de Gilberto Freyre, feita por Edson
Nery da Fonseca com base nos papéis do autor, retrata sua
trajetória, uma lista de leituras e coleções de honrarias. Os
índices temático e onomástico ajudam o leitor a navegar a obra.
Um apêndice com a história editorial também dá a ideia do
alcance da obra-prima de Freyre.
Freyre concebeu Casa-grande & senzala como o primeiro
volume de uma trilogia sobre a Introdução à História da
Sociedade Patriarcal no Brasil, nome que serve de subtítulo.
Outras peças da trilogia – sempre com títulos dicotômicos
– são Sobrados e mocambos (1936) sobre o Brasil urbano no
século XIX e Ordem e progresso (1959) sobre a Primeira
República, todos abordando questões raciais sob uma ótica
culturalista. Planejava ainda uma quarta monografia, chamada
de Jazigo e Covas Rasas.
10. O autor

Nascido em uma família de classe média alta, viveu no casarão


familiar, o Solar de Apipucos, então nos arredores de chácaras
do Recife. Seu pai era o jurista e professor de Direito, bem
como eventual jornalista, Alfredo Freyre de tendências liberais.
Gilberto estudou no liceu norte-americano batista enquanto
privadamente estudava línguas e lia os clássicos. Por influência
da educação batista, converteu-se ao protestantismo aos
dezesseis anos, mas abandonaria suas filiações denominacionais
depois da vida nos Estados Unidos.

Em época que as classes altas mandavam os filhos para a


Europa como um rito de passagem, Freyre foi à Universidade
Batista de Baylor em 1918, seguindo a tendência dos egressos
do Liceu Batista do Recife. Baylor localiza-se na cidadezinha
de Waco no Texas, bem no “Bible Belt”, mas o programa
de artes liberais direcionado pelo professor Andrew Armstrong
remediava o provincianismo mediante a literatura. Embora
seu major era em ciências políticas e sociais, escolheu mais
disciplinas das letras (9 em 22 disciplinas no total) que de
ciências sociais.

Pela pouca utilidade prática do diploma de bacharel em artes


liberais, Freyre continuou seus estudos pós-graduados na
Columbia University em Nova Iorque em 1921. Lá cursou o
mestrado em Ciências Políticas, Jurídicas e Sociais. Das
quatorze disciplinas estudadas somente quatro foram em
sociologia e antropologia. Elaborou sua tese sob orientação do
historiador latino-americanista William R. Shepherd (1871-
1934). Sua tese de mestrado, defendida em 1922 com o
título Vida Social no Brasil em meados do século
XIX, argumentava que os escravos brasileiros foram melhores
tratados e alimentados do que os operários ingleses do século
anterior. Na tese original (não em sua tradução publicada mais
tarde no Brasil) há uma tendência eugenista e favorecimento da
imigração europeia para melhorar o caráter do brasileiro.
Indubitavelmente, não se trata de orientações de Franz Boas, o
pioneiro da antropologia norte-americana, a quem Freyre
gostava de insinuava que fora seu mentor. Todavia, há indícios
de influência do círculo boasiano de estudos da cultura e
personalidade sobre o autor recifense.
Após concluir o mestrado, Freyre passou um ano viajando pela
Europa. Retornou ao Brasil e arranjou um emprego como
secretário do governador de Pernambuco, além de contribuir
com artigos para os jornais locais. Com a ascensão de Vargas
em 1930, acompanha o governador deposto ao exílio. Vai a
Portugal e dá uma aula sobre o Brasil em Stanford, quando
esboça o Casa-grande & senzala. Outra vez retornado ao país,
esperava assumir a cátedra de antropologia da Universidade do
Distrito Federal (mais tarde, a Universidade do Brasil), mas
Arthur Ramos que contava com um doutorado, ficou com a
cadeira. Seria o balde gelo em Freyre para trabalhar na
academia, apesar de ocasional docência na Escola Normal e na
Faculdade de Direito no Recife.

Integrou a Esquerda Democrática em oposição a Vargas, mas


romperia com essa tendência quando foi eleito deputado federal
udenista em 1946. Seu mandato não foi notório, exceto ter sido
enviado como emissário do Brasil na ONU quando discutiu as
questões de raça. Na época, antropólogos como Charles
Wangley e sociólogos como Donald Pierson vendiam a imagem
de uma democracia racial possível tendo o Brasil como
exemplo. A obra de Freyre, já publicada em inglês com o título
de Masters and Slaves, veio a calhar. Ganhou renome
internacional. Na esteira do sucesso, propôs a criação (e
subvenção pública) do Instituto Joaquim Nabuco, fundação sob
seu controle na qual trabalhou após o término de seu mandato
legislativo até o final da vida.

Chamado por Nélson Rodrigues de “o conservador


revolucionário”, Gilberto Freyre adotou várias posturas
ambíguas na vida. Politicamente, flertou com o anarco-
sindicalismo tanto com o autoritário nacionalismo integral de
Maurras. Envolveu-se em escaramuças contra o antissemitismo
e o racismo, mas tinha uma visão condescendente do negro. Era
aristocrático, mas fumou maconha com canoeiros alagoanos.
Ex-protestante, mas o eterno WASP frequentou terreiros do
xangô. Puritano, casaria para lá dos 40 anos, mas não sem ter
experiência homossexuais. Entusiasmou-se com o golpe de
1964 e orientou o programa da ARENA, mas em 1985 foi um
dos proponentes de um estado de bem-estar social nos moldes
de uma social-democracia na Comissão Afonso Arinos para o
anteprojeto constitucional.

“[Gilberto Freyre] Saboreia elogios como bombons”, disse seu


admirador Darcy Ribeiro sem um pingo de dolo. Vaidoso, o
recifense colecionava honrarias e gostava de se gabar de sua
rede social influente e erudita. Ora se apresentava como
antropólogo, ora como sociólogo, ora como escritor informado
pelas ciências sociais. Era um tanto disso tudo.

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