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SINOPSE: Uma viagem pela história popular do nascimento das Festas da Cidade e
Gualterianas, e seus antecedentes/primórdios, a partir da chegada de São Gualter a
Guimarães, recorrendo a elementos identitários e a uma simbologia transversal aos folguedos
tradicionais da região Norte de Portugal.
PERCURSO CÉNICO: Adro da Igreja de Santo António dos Capuchos – Largo do Carmo
(sentido Rua Conde Dom Henrique – Lar de Santa Estefânia) – Rua de Santa Maria – Rua do
Condestável Nuno Álvares Pereira – Av. Alberto Sampaio (junto à muralha) – Senhora da Guia
– Alameda de São Dâmaso (percurso junto à antiga Muralha, pelo passeio público) – Jardim
público de São Dâmaso – Terreiro das Carvalhas (ou de São Francisco).
DRAMATURGIA
Adro da Igreja de Santo António dos Capuchos (Romeiro e Romeiras, Santo António corado,
São Francisco de Assis, Conservatório, Coro e percussão, São Gualter e Frei Zacarias).
A mole humana que se concentra no adro está dispersa, por entre personagens, membros do
coro comunitário, elementos da percussão e pessoas que se lhes junta.
À hora marcada, assinalada pelos sinos, a Romeira chega-se à frente e pede (alguma) ordem.
ROMEIRA
Antes que vos enganeis, o caminho faz-se por ali (aponta na direcção do percurso). Não quero
ninguém a ir, trocado, para os lados de São Torcato.
Não tenho jeito para isto, porra! Mas lá terá de ser. E vós (apontando para a percussão), aqui à
frente, vá! Rápido.
Vamos começar.
(O grupo de percussão toca incessantemente, até ao ponto em que se chega ao início do Largo
do Carmo. Aí, a Romeira faz sinal com o braço para que se detenha o “barulho”.)
Pelo que se sabe, já existia, antes disso, uma festa que celebrava o Santo.
Depois, e não é certa a data, a feira passou a realizar-se tendo por referência o primeiro
Domingo de Agosto. É possível que tenha algo a ver com a trasladação das relíquias de São
Gualter, que ocorreu no primeiro Domingo de Agosto de 1577.
Não viu a minha burrinha? A minha Alcina…disseram-me que tomou esta direcção.
(respira fundo)
No século XIX, a Feira de S. Gualter era especializada em gado de vários géneros: o cavalar, o
muar e o asinino. Chamavam-lhe, meio a sério, meio a brincar, a Feira das Cavalgaduras.
(O coro comunitário irrompe num canto improvisado (escolhido pela encenadora), sem aviso,
diante da Igreja do Carmo.)
De entre aquela gente toda, vem para a frente um Romeiro. Dirige-se para junto da Romeira.
ROMEIRA, intrometendo-se
Como a importância que me estás a roubar! Isto é assim? Falas na minha vez, sem pedir.
ROMEIRO, ripostando
ROMEIRA, respondendo
Roubaste-mo!
Estão os dois nesta troca de palavras (A discussão continua, acabando por resolver-se),
quando um grupo de romeiros, sentado numa toalha de linho, no Jardim do Carmo, acena:
Comem vitela assada.
A Romeira junta-se à mole, ficando o Romeiro em seu lugar. Estamos quase no outro extremo
do Largo do Carmo.
ROMEIRO, apaziguador
A minha estimada companheira prestou um bom serviço, mas não é possível, como lhe
expliquei, e ela sabe-o, completar toda a tarefa, sozinha. E o que é válido para ela, é valido para
mim. Alguém sabe as horas?
Ah! Aí está.
Vindo do lado contrário, muito apressado, vem um figurão ofegante e engravatado: Martins
Sarmento!
É a última quadra do século XIX, como lhe chamou o Coronel Flores: Depois da Exposição
Industrial de 1884, Guimarães, a nossa amada Cidade, caminha, solidamente, para uma meta de
afirmação, tendo por base a sua história, a sua singularidade e o conjunto do seu património. Se
isto já não é pouco, consideremos, ainda, como extra, a condição de terra-Mãe de Portugal.
No fim do século, ainda não existia, na cidade, uma grande celebração que dissesse respeito a
todos os Vimaranenses.
Havia as Nicolinas, que eram apenas dos Estudantes, e a Romaria Grande de São Torcato, que
não era exactamente na Cidade, assim como o S.Tiago da Costa.
(Martins Sarmento retira-se, com uma vénia, deixando no ar, e por concluir, o que iniciara,
seguindo para os lados do Largo da Mumadona)
O Romeiro acena-lhe, em sinal de “até breve”. Alguns dos intervenientes fazem o mesmo.
ROMEIRO, CONVICTO
É a minha deixa:
No início do século XX, eram muitos os pedidos, expressos em jornais locais, sobretudo, para
que fossem tomadas medidas que colocassem a Feira de São Gualter num patamar consentâneo
à condição de Guimarães, que acreditava estar na senda do progresso.
Assim, em 1905, a Câmara faz anunciar que pretende levar a cabo essa empreitada. Mas, de
boas intenções está o mundo cheio. O mundo…e o inferno.
CORO, em uníssono
ROMEIRO
João de Melo, que surge vindo da Travessa dos Laranjais/Senhora Aninhas, anuncia, a plenos
pulmões:
“Hoje, dia 4 de agosto do anno de 1906, as Festas a S. Gualter renascêram das cinzas.”
ROMEIRO, dirigindo-se a João de Melo
Aníbal Vasco Leão e o Padre Gaspar Roriz, vindos do mesmo local de onde surgira João de
Melo, dirigem-se à mole humana que compõe o improvisado cortejo, e entregam dois
documentos (desaparecendo ambos, em seguida): uma pauta musical e uma letra.
O Romeiro mantém-se em silêncio, maravilhado, até que todos se calam, a meio da indicada
rua, sem nunca pararem.
ROMEIRO
Aníbal Vasco Leão e o Padre Gaspar Roriz ofereceram à Associação Comercial e Industrial de
Guimarães o Hino da Cidade. O Padre Gaspar Roriz foi, ainda, o grande impulsionador da
Marcha Milaneza, ou Gualteriana.
PADRE GASPAR RORIZ, por ali perto, proferindo a sua habitual deixa
Por Guimarães!
Aparece um cauteleiro.
Olhá cautela! São três prémios, três prémios…1º, três vitelas; 2º, duas vitelas, 3º, uma vitela!
Compre já! Compre já! A menina quer? É barato.
- Os fulanos de Viana estão mais experimentados que nós. Viste o que fizeram em São Torcato?
- E o que tem? Nós podemos fazer, também. Vais ver, vai correr bem.
- Com sorte, vão chamar-nos sempre!
- Com sorte…e com trabalho!
A Romeira aproveita a oportunidade para recuperar o seu lugar. Limita-se a piscar o olho ao
Romeiro, que não riposta, voltando este para o lugar já ocupado anteriormente.
ROMEIRA, sorridente
Naquele Agosto de 1906, 4 de Agosto, curiosamente dia em que se assinala a fatídica Batalha de
Alcácer-Quibir, Guimarães acordou em festa.
(Passam, apressados, Bombeiros, que vão ensaiar uma demonstração, tagarelando entre si. Um
elemento da Banda dos Guise segue-os, também apressado.)
Uma senhora anuncia a venda de vários doces, enquanto o ensemble executa um número
musical (à escolha da encenadora). À chegada à Senhora da Guia, o coro comunitário entoa
um mantra. Todos param.
Senhora da Guia
Nas escadas da Capela da Senhora da Guia, um grupo de beatas recebe, com desconfiança,
aquela turba. Os impropérios são vários:
- Isto é que vai ser! Isto é que vai ser. Hão-de arregalar a vista!
Temos um convidado.
Chega, vindo do lado do Coreto, João Xavier de Carvalho, que toma a palavra:
Os empregados do comércio também se juntaram à festa, com o cortejo dos caixeiros. Quase
uma génese do que viria logo a seguir.
Em 1907, tendo por orientador este Senhor, Vimaranense cimeiro, o Padre Gaspar Roriz, sairia
à Rua a Primeira Marcha Milaneza, chamada de Gualteriana.
Todos os presentes atravessam um arco árabe, concebido por Abel Cardozo, que se encontra,
no local, a finalizá-lo, ou a certificar-se de que não cai. O ensemble para de tocar.
Quando dá fé daquela gente toda, afasta-se um pouco, e faz sinal para que passem à vontade.
Depois de toda a gente o atravessar, volta ao trabalho.
A Romeira chama para junto de si o Romeiro, e ambos, à vez, completando-se, encerram a sua
participação:
ROMEIRA
ROMEIRO
Nascidas a partir da antiga Feira de São Gualter. (apontando para Abel Cardozo) Para o efeito,
Abel Cardozo concebeu um magnífico arco árabe.
ABEL CARDOZO, acrescentando
Do meio da multidão, saem São Francisco de Assis, Santo António e São Gualter. Abel Cardozo
segura um pincel, com o qual pinta as faces de Santo António, de vermelho.
São Gualter chegou a Portugal em 1217, na companhia de Zacarias, a pedido de São Francisco
de Assis (aqui, coloca a mão pelas costas de São Francisco de Assis), instalando-se na zona de
Urgezes, Guimarães, num local agora conhecido por Fonte Santa.
As beatas ajoelham-se.
Gualter foi o fundador do primeiro convento de São Francisco, em Guimarães. Zacarias seguiu
para Sul (nesse momento, em silêncio, já Zacarias abandonara o grupo, sendo possível vê-lo,
dirigindo-se para os lados do Toural).
A sua acção e a sua bondade permitiram que a sua memória subsistisse. Ainda hoje é assim.
(Silêncio)
FIM
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