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COMUNICAÇÃO E COMPREENSÃO
SÃO PAULO
2015
2
COMUNICAÇÃO E COMPREENSÃO
SÃO PAULO
2015
3
174 f. ; 30 cm.
AGRADECIMENTOS
SUMÁRIO
CAPÍTULO I ............................................................................................................................ 15
1.1 Conhecimento e pensamento compreensivo ........................................................... 15
1.2 Um breve histórico do Grupo de Pesquisa “Comunicação, Jornalismo e
Epistemologia da Compreensão” .................................................................................. 30
1.3 Metodologias utilizadas pelo grupo de pesquisas ................................................... 34
CAPÍTULO II ........................................................................................................................... 53
2.1 Martin Buber e o Eu-Tu, Eu-Isso ........................................................................... 53
2.2 Paulo Freire e a comunicação dialógica ................................................................. 68
2.3 Rubem Alves e o corpo, a ciência e a sapiência ..................................................... 79
2.4 Paul Feyerabend e a anarquia do método ............................................................... 93
CAPÍTULO III ....................................................................................................................... 109
3.1 Outras interlocuções: Empatia, Pensamento Dialógico e Compreensão .............. 111
3.2 Diálogo possível entre Freire e a Compreensão ................................................... 114
3.3 Esquecimento e compreensão ............................................................................... 118
3.4 Os saberes do corpo e a compreensão .................................................................. 119
3.5 A rigidez do texto acadêmico, sua indigestão e o anarquismo científico ............. 121
3.6 O conhecimento comum ....................................................................................... 123
3.7 Um resumo das principais contribuições à Compreensão .................................... 126
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 132
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 136
APÊNDICE A – Roda de Conversas sobre o tema “compreensão da Compreensão” ........... 141
APÊNDICE B – Lista da produção científica do Grupo de Pesquisa “Comunicação,
Jornalismo e Epistemologia da Compreensão” sobre o tema da Compreensão ..................... 157
ANEXO A – Projeto de Pesquisa: “A compreensão como método: suas teorias e práticas”. 167
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RESUMO
ABSTRACT
Understanding the comprehension, its state of art in the context of the Post Graduation
Program in Communication on Faculdade Casper Libero from the perspective of the Research
Group "Comunicação, Jornalismo e Epistemologia da Compreensão", understanding that
senses and empirical and theoretical possibilities there to produce and expand the horizon of
these studies from Martin Buber's contributions, Paulo Freire, Rubem Alves and Paul
Feyerabend, with special focus on current research project "A Compreensão como método:
suas teorias e práticas". Also point out elements to assist in producing a kind of semantic
network around the subject of comprehension, identifying its possible meanings both in the
field of inter-subjectivity, human and ethical relations as cognition and linked to this of
epistemology. These are the main objectives of this research in short aims to tread a path that
advances both the epistemology as the practice of comprehension. Its object, in the empirical
sense, is the scientific production of own research group as well as specific works of four
authors whose contribution we’re seeking. Largely, but not only, the theoretical frameworks
are made by the very texts that are studying, the Research Group and the mentioned authors.
A bet that is made outlines two possibilities: first to work an attitude or cognitive attitude,
ideally dialogical with respect to various types of knowledge - which, don’t let identify simply
with science, in the strict sense of the term - bringing the conversation runs both the same
science and other knowledge, as a rule, refuted by Reason - only when small, deified, cuts and
excludes other knowledge of the cognitive field - such as may be the mythical thought, the
arts, everyday experiences, religious thought and philosophical thought and others; and
second, to propose a complex and comprehensive ethics in the field of inter-subjectivity,
based on the word principle I-Thou (Martin Buber), which contributes to a gain in the field of
interpersonal relationships, citizenship, justice and peace. One and in the other direction, the
search retrieves the objectives and the stakes of the Research Project itself “A Compreensão
como método: suas teorias e práticas”. Methodologically, attends all the work the effort to
work out in understanding the method itself, the systematic study of the texts that make up the
corpus of research and experimentation in the implementation of the conversation circle
methodology, which usually attend the activities of the Research Group.
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa se desenvolve a partir de uma busca pelo pensamento que pensa a
Compreensão e, por esse motivo, encontra-se no rol de estudos epistemológicos de natureza
assumidamente compreensiva. Este trabalho insere-se na linha “Produtos Midiáticos:
Jornalismo e Entretenimento”, do Mestrado em Comunicação da Faculdade Cásper Líbero.
Essa busca calca-se no objetivo central de se compreender a Compreensão.
Buscamos caminhos possíveis para a seguinte questão: como essa ideia se deixa
explicitar a partir da produção científica dos integrantes do Grupo de Pesquisa (GP)
“Comunicação, Jornalismo e Epistemologia da Compreensão”? Ou, talvez, possa ser mais
bem formulada da seguinte maneira: de que modos o GP está pensando a Compreensão? E
quais possibilidades epistêmicas, éticas e práticas a Compreensão nos permite pensar ou
antever? Indo um pouco mais além, e buscando o reforço de autores específicos: de que
modos Martin Buber, Paulo Freire, Rubem Alves e Paul Feyerabend acompanham ou
fortalecem a noção da Compreensão, nos moldes que estamos tratando? Qual a rede
semântica gerada por esses esforços teóricos de pesquisa e prática da Compreensão? A partir
da leitura crítica e revisão bibliográfica desses autores (as obras específicas estudadas serão
mencionadas mais à frente), junto com o estudo sistemático dos esforços produtivos do GP,
tentaremos dar conta das questões levantadas.
Nosso objeto é a produção científica do próprio GP, com ênfase nos artigos científicos
e capítulos de livros publicados pelo responsável brasileiro (Künsch), tanto quanto obras
específicas dos quatro autores cuja contribuição se está buscando. Em grande parte, mas não
só, os referenciais teóricos são constituídos pelos próprios textos que se está estudando, do GP
e dos autores mencionados.
Feyerabend. A partir do estudo das ideias desses quatro autores, o segundo objetivo fica mais
completo por conta dos nexos que apontamos entre eles (filósofos) e suas contribuições para o
estudo da Compreensão, que também apontamos.
Tomamos como referencial teórico Martin Buber (da relação entre o Tu e o Eu é que
ambos os sujeitos se formam, sem deixar de lado o Tu potencial que existe em todo Isso),
Paulo Freire (sua prática, compreensiva, de contextualizar o outro no mundo entendendo-o
enquanto sujeito, e não objeto), Rubem Alves (critica o método científico que insiste em
diminuir e estreitar, ao invés de ampliar nossas visões e compreensões do mundo, bem como
sua aposta na sapiência) e Paul Feyerabend (a anarquia do método enquanto uma maneira
criativa – e necessária – de se produzir conhecimento).
São autores que têm como base de seu pensamento a abertura ao diálogo, ao outro, que
entendem o humano como ser de relações, de sonhos, devaneios, mistérios, consciência,
inconsciência, errante, andarilho, e que não vive exclusivamente num mundo linear e racional.
São autores que de alguma forma criticam a herança cientificista ou dão insumos para essa
crítica. Apesar do lugar de fala desses autores não ser homogêneo, cada um deles contribui
para o pensamento compreensivo, pois indagam sobre a abertura do nosso pensamento a
outros saberes que comumente não enxergamos, e aos quais muito menos ouvimos.
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Estudo sistemático de uma parte significativa da obra dos quatro autores (Eu e Tu, de
Buber; Extensão ou comunicação?, Pedagogia do oprimido, Educação como prática da
liberdade, de Freire; Variações sobre o prazer, Entre a ciência e a sapiência, Tempus fugit, O
amor que acende a lua, de Alves; e, de Feyerabend, um dos seus principais trabalhos: Contra
o método), para perceber, nelas, o que há de mais importante para a Compreensão do tema de
uma epistemologia compreensiva, na linha do projeto “A Compreensão como método” e com
foco na Comunicação.
As mãos que escrevem estas páginas, e todo o corpo que acompanha esse movimento
de ideias e de dedos, devemos ainda dizer, são herdeiras de um signo incompreensivo. E por
mais revisões que façamos e tentativas e mais tentativas de transformar o signo da
incompreensão em um signo compreensivo, nossa linguagem nos trai. O que significa pedir
ao leitor, de partida, que compreenda nossa própria incompreensão: lá, nesses momentos de
traição, que transforma essa noção de pluralidade do conhecimento em uma ditadura de
conceitos, é nesses mesmos momentos que clamamos por sua compreensão. Ademais... boa
colheita!
15
CAPÍTULO I
Por menos “portanto” e mais “talvez” (Künsch, 2006:7). A busca por respostas
capazes de dar sentido para nossas vidas, nossas pesquisas e tudo o mais tem utilizado
caminhos sumariamente propostos pela razão. Mas é aí que mora um grande perigo, a
tendência esmagadora em se entender o pensamento e o ato de pensar unicamente pelos
caminhos indicados e enquadrados como corretos pela deusa Razão. A crítica central dos
estudos sobre Compreensão que o GP desenvolve resiste em diversos aspectos a essa noção
de ciência que empobrece nosso conhecimento: não desejamos que o conhecimento seja
1
No final do trabalho, na parte dos apêndices, estão todas as produções de participantes, antigos e atuais, do GP,
para consulta.
16
reduzido apenas àquilo que a razão consegue dar conta; muito menos desejamos que a razão
seja renegada nos processos cognitivos. Imaginamos, sim, um terceiro caminho, que tente
unir, de maneira complexo-compreensiva, diversos saberes e tipos de conhecimento sobre os
quais, hoje, pouco se fala e, os quais, mal se enxergam.
dentro dos recortes de suas molduras, de suas esquadrias” (Baitello Jr. 2012:53) e, com isso,
as janelas transformaram-se em maneiras de se ver e entender o mundo. Maneiras fechadas,
determinantes. Baitello Jr. (2012:53) continua alertando que elas, as janelas, “reduzem e
simplificam o mundo direcionando o olhar para um pedaço do mundo, reduzindo a imensidão
do incerto e difuso”.
Existem diferentes tipos de janelas. Por exemplo, a janela física que temos em nossas
casas. A janela de um quadro de arte, que nos leva para outros lugares sem alterar a posição
do nosso corpo no espaço e no tempo, ou seja, leva apenas o pensamento para outro lugar.
Aliena o corpo de sua condição material, virtualiza-se outra realidade para o pensamento se
satisfazer. Daí que, indiferente do tipo de janela à qual estamos nos referindo, podemos
abstrair e pensá-la a partir da sua forma: um retângulo. Como diz Harry Pross (apud Baitello
Jr. 2012:54): “o poder do retângulo (...) é inegável na cultura ocidental (...), os retângulos (...)
quase nos adestram a só ver as coisas que estão dentro de retângulos, a ver
retangularmente”. A complexidade da janela recai sobre a ideia de que “toda janela, como
todo retângulo, como toda imagem, mais esconde do que mostra”, e é justamente isso que
tanto nos fascina, encanta e nos seduz: “porque escondem e nos desafiam a ver o que está
escondido”, conduzindo nossas mentes “a imaginar o que não é mostrado” (Baitello Jr.
2012:54).
viver mais completo no mundo, é preciso ou abrir outras janelas ou quebrar as paredes
erguidas que protegeram e acomodaram o homem.
Para a primeira opção, abrir outras janelas: complexo, como bem lembra Edgar Morin
(2011), quer dizer aquilo que “tece e entretece” ou que “é tecido junto”. Esse sentido de
complexidade, que acompanha o pensamento de Morin, é parte fundamental da nossa crítica à
racionalização. E ainda Morin (2011:89) quem comenta que é necessário substituirmos “um
pensamento disjuntivo e redutor por um pensamento do complexo”. Em outra passagem, ele
completa com as seguintes palavras: “o conhecimento é (...) um fenômeno multidimensional,
de maneira inseparável, simultaneamente físico, biológico, cerebral, mental, psicológico,
cultural social” (Morin, 2012:18).
Essas noções estão em sentido de alerta, pois indicam, muitas das vezes, para
pensarmos de maneira complexa. Tentar desvencilhar-nos do pensamento de tipo 0 ou 1, do
certo ou errado, do subjetivo ou objetivo, e um longo etc. de proposições lógicas entre
afirmações e seus negativos correspondentes.
Mais à frente, Flusser (2011:97-98) diz “os instrumentos são modelos de pensamento.
O homem se inventa, tendo por modelo seu próprio corpo”, esquecendo-se “depois do
modelo, ‘aliena-se’, e vai tomar o instrumento como modelo do mundo, de si próprio e da
sociedade”. Se pensarmos nisso enquanto uma metáfora, podemos dizer que o pensamento
contemporâneo, regado pela Razão deificada (no sentido estrito de uma razão não dialógica,
ditatorial e absolutizadora que, por vezes, é considerada uma deusa) e pelo positivismo,
funda-se como um instrumento que amplia o corpo do homem para se conhecer o mundo,
porém, nós esquecemos que o instrumento é um facilitador e não é um modelo do mundo, da
sociedade e de si próprio. Olha-se pela janela – instrumento criado pelo homem que simula o
19
olho – esperando ver o mundo, mas que só vê uma determinada síntese delimitada e recortada
dele. Lá, onde esperávamos encontrar uma janela, vemos um biombo. Em vez de mostrar,
esconde. Aliena. A preocupação de Flusser (2011:98) recai sobre a fotografia, argumentando
que uma filosofia da fotografia deveria ser uma crítica ao funcionalismo. Para nós, uma
filosofia da ciência, dessa forma, deve usar como guia certa crítica ao racionalismo
positivista, que reduz nossos sentidos acerca do mundo.
Nesse contexto é que nossa aposta recai numa epistemologia de tipo complexo-
compreensiva. Compreensão, que entendemos como “noção de um saber comunicacional
indissociável de uma ética cognitiva, que assume, defende e propõe uma reflexão sobre os
sentidos humanos de todo conhecimento” (Künsch, 2008b:174). Frisando os aspectos críticos
ao domínio do Signo da Explicação é que Künsch propõe outra forma de conhecer o mundo,
abrindo nosso corpo (e as janelas que usamos para enxergar fora do nosso próprio mundo)
para, também, expressar seu conhecimento de mundo, abrindo o pensamento para ouvir o que
outros saberes têm a nos dizer. “Melhor acalentar a ideia de que um ponto de vista
compreensivo possa e deva se fazer e refazer no diálogo com o diferente” (Künsch, 2009:65).
Tenhamos em vista que, por diversas vezes pensar o mundo a partir da razão nos
ajuda, nos é útil. E, isso, a Compreensão compreende. O que é indefensável, para um
pensamento compreensivo, é aquilo que “a vida e o mundo não se cansam de mostrar”, que é,
justamente, que eles “não cabem em, nem suportam, uma pirâmide invertida”, como nos diz, e
continua, Künsch, (1999:294), é “inútil arrochar o cinto do presente imediato para tentar fazê-
lo entrar, aos tapas e empurrões, na cela-forte do pensamento monocausal, redutor,
determinista, e das técnicas e vícios que nele se sustentam”.
20
Nesse caminho, podemos pensar em outros sentidos que afloram, mas que são
suprimidos pela deusa Razão, como bem lembra Alves (2011:66): “as cozinheiras trabalham
com efeitos sensíveis”. No momento em que fala das cozinheiras pensarem não a partir da
cabeça, mas a partir da boca, numa espécie de “ontologia do gosto”, o paladar da cozinheira é
seu medidor, eis que fica mais concreta a ideia de que o corpo, indisciplinado, anseia em
conseguir se mostrar e “dizer sua palavra”. A “disciplinização” – e sedação que daí decorre –
do corpo é uma das coisas que nos limita o horizonte de possibilidades de caráter espitêmico
para encarar o mundo por outros meios e outros olhares.
Daí decorre o que Muniz Sodré (2006) chamou de “ditadura do conceito”. Em uma
tentativa de abrir os sentidos e de tentar tecer uma rede de significados plurais, então, é que a
Compreensão vai agir de maneira mais concreta. A Compreensão pensa a partir do plurálogo:
Em nosso tempo, como indicado por Morin (2012:73), para o conhecimento, é vital “a
dupla, contraditória e complementar exigência: simplificar e complexificar; as estratégias
devem combinar, alternar, escolher a via da simplificação e a da complexificação”.
Contraditória porque se trata de termos antagônicos, mas só por isso. Numa visão
22
compreensiva da vida e dos nossos problemas, simplificar e complexificar vivem bem lado a
lado. Uma coisa não anula, necessariamente, a outra.
Voltamos a Künsch (2009:69), buscando não uma definição que feche essa noção de
Compreensão que estamos traçando, mas, que sirva como um ponto de partida: “Um
pensamento que não exclui, mas junta; que não descarta o que não cabe nos limites de uma
disciplina a se fazer doutrina, mas que chama para a conversa e o diálogo”, nesse sentido, é
um pensamento “que sabe ver o ser e o não-ser em sua dialogia, a complementaridade dos
opostos”, (Coincidentia oppositorum), “a lógica não-lógica do paradoxo”. Künsch (2009:69)
ainda diz: “Um pensamento, em semelhante medida, humanamente compreensivo, de respeito
e afeto para com quantos estão a caminho” e que nunca “imagina poder começar algo do zero,
mas que entende sua existência e possibilidade de avanço na medida mesma em que se
reconhece na intertextualidade dos sentidos e vozes plurais”. Em suma, um pensamento que
“não sendo dual, não se pretende único. Um pensamento, mais que sistemático,
ecossistemático. De interações de várias ordens, na desafiante tarefa de compreensão do
mundo – e não de explicação, que o tempo não é de pontos finais”, que se dá ao abraço, ao
afeto e à cordialidade, “bem além do que propõe a expressão ‘debate de ideias’. Um
pensamento que não abandone o vínculo com a vida, e que tem, por isso mesmo, em alta
conta o valor da ‘saúde de espírito’ de que fala Epicuro”.
A partir dessa leitura de Künsch, buscamos uma chave possível para abrirmos essa
caixa chamada Compreensão e organizar o seu conteúdo em três esferas2: ética, práxis e
epistemologia. É sob essa disposição que iremos trabalhar nas próximas páginas. Algumas
dessas noções serão aprofundadas, contestadas e melhor estudadas ao longo da dissertação
(principalmente no terceiro capítulo, em que iremos trazer as contribuições dos quatro autores
destacados anteriormente para dialogar com a Compreensão sob esses vetores).
Vetores da Compreensão
2
A ideia de três vetores da compreensão – como chamamos neste trabalho – nasceu na Roda de Conversas sobre
o tema da Compreensão, cuja transcrição encontra-se na íntegra. Lá onde eu iniciava minha fala sobre como eu
estava entendendo o tema do pensamento compreensivo, e que organizei os autores que eu estava estudando
(Buber, Freire, Alves e Feyerabend) sob esse prisma triádico.
23
que pode ser traduzida por “caminho escolhido”, ou seja, toda escolha que fazemos está no
campo da ética. Da subjetividade, portanto. Dessa maneira, a Compreensão, na esfera da ética,
se dá tanto pela intenção pessoal de cada sujeito quanto, e principalmente, pelas relações na
direção do outro, do planetário, em termos morinianos. Em outras palavras, a ética vai para o
caminho das relações dialógicas com o outro, o Eu com o Tu.
As relações entre as pessoas, relações de um Eu para com um Tu, ou, como também
acontece, de um Eu para com um Isso, são configuradas pelos desejos, vontades, medos e
pensamentos de cada uma das partes. Então é uma escolha eu me virar para o outro e tratá-lo
como uma coisa, um objeto que eu usarei para determinados fins, ou como um outro sujeito
que está ali para contribuir com o meu engrandecimento, tanto com seu próprio
engrandecimento através da minha postura. A essas posturas Martin Buber dedicou o nome de
palavra-princípio. Cada palavra-princípio é uma ação possível do sujeito frente ao mundo.
A educação, quando preocupada com a inserção social dos sujeitos, seja por ensinar a
ler e escrever, seja por ensinar os conhecimentos básicos e também os avançados de forma
que consiga subsidiar os estudantes para saberem falar, serem ouvidos e que garantam a sua
participação no jogo da democracia, é um dos expoentes da Compreensão na prática:
compreender, nesse caso, significa algo como a inserção social de outro sujeito no mesmo
mundo que o meu, ou seja, humaniza o outro. A partir de uma relação dialógica, transformo-
me num Tu para um Eu que, até então, não era ouvido nem considerado enquanto humano. É
24
No caso da fotografia, como veremos no último capítulo, quando busca trazer o outro
para o nosso mundo – e, para alcançar tal objetivo, é necessária uma relação entre fotógrafo e
fotografado –, também podemos aproximá-la à esfera da Compreensão na prática, pois sugere
a necessidade de encontrar uma relação de base Eu-Tu, entre fotógrafo e fotografado.
Da mesma maneira que outros mitos, o papel da astrologia já foi mais forte para nossa
sociedade: muito tempo atrás, antes da revolução renascentista que mudou os rumos da
história humana, nós vivíamos muito bem com o Sol sendo um deus e a Lua, uma deusa. Mas
houve um momento em que essa relação antropocósmica foi rompida. Isso tem início com os
estudos de Copérnico e Galileu, que, na medida em que desenvolviam a astrofísica, estavam
“desencantando” os astros. Nas palavras de Ortiz A. (2015:129): “Os Deuses deixaram de ser
o Sol, a Lua e outros que habitavam o Céu ou a natureza e a partir daí muita coisa mudou”,
como, por exemplo, a racionalidade virou o centro das atenções das qualidades humanas e,
com isso, “as estrelas e o mundo celeste passaram a ser estudados e pensados pelo olhar da
ciência” deixando de ser algo sagrado.
Retomar a astrologia é uma busca por outros conhecimentos, para além daqueles que
se encontram nos limites do campo científico e é, dessa maneira, uma busca sob a ótica da
epistemologia da Compreensão.
Quem estudou a fundo os significados contidos nesse tipo de narrativas foi a Carolina
Chamizo Henrique Babo, que terminou sua dissertação de mestrado sobre a retomada dos
contos de fada pela mídia em 2015, sob o título: “Era uma vez... outra vez. A retomada e a
reinvenção dos contos de fada pelo mundo (des)encantado da mídia”. O que ela nos fala
(2015:23) é que
devemos deixar que eles nos toquem, nos inspirem, nos mostrem seus
ensinamentos, nos encantem ou assustem, com suas belas fadas e terríveis
bruxas. Devemos acreditar nesses seres e, com seu auxílio, viajar para o
reino desconhecido, que habita nosso mais profundo mundo interior. Um
mundo cheio de mistérios, os mais diversos.
Há, nessa leitura, uma abertura compreensiva para uma condição psicológica muitas
vezes esquecida por nós mesmos: o inconsciente. O inconsciente é onde esse tipo de narrativa
encontra seu terreno fértil. Os caminhos que tangem os reinos do consciente e do inconsciente
compõem uma das chaves mais importantes para o desenvolvimento de uma visão humana do
mundo e das coisas. O diálogo consciente e inconsciente é de relevância para uma visão de
tipo integral do ser humano.
O que nos leva ao tema do mito. Apesar dos esforços de diversos pesquisadores há,
hoje, uma confusão no significado de mito: “mitificação da realidade se confunde com
mistificação dos fatos”, nos dizem Cremilda Medina e Dimas Künsch (2014c:64). Mito,
então, não significa uma história mentirosa. Os mesmos autores dizem, um pouco mais à
frente (2014:71), que há uma visão mais complexa para mito, na qual ele “busca uma ordem
possível de sentidos. É uma narrativa que organiza um cosmos no meio de um caos”. A
Compreensão, como espaço do plurálogo, tem como seu abre-alas o mito, porque ele é uma
das narrativas mais antigas e com maior quantidade de significados contundentes para a nossa
realidade atual, anterior e posterior.
Os mitos. A visão que se falava antes, e a mitologia, na visão de Jung (2008), são a
linguagem própria do inconsciente. E a sua função primordial, bem como a dos ritos, “sempre
foi a de fornecer os símbolos que levam o espírito humano a avançar”, funcionando como
uma força capaz de estabilizar, ou pelo menos, de tensionar a corda na qual aquelas “outras
fantasias humanas constantes que tendem a levá-lo para trás” estão ligadas, nos diz Campbell
(2005:21). O mesmo autor vai dizer, um pouco mais à frente, o seguinte: “Pode ser que a
27
incidência tão grande de neuroses em nosso meio decorra do declínio, entre nós, desse auxílio
espiritual efetivo”3.
Comunicação de riscos
Comunicação Organizacional
Nem tudo cabe nos conceitos já definidos pela ciência, nas teorias já
definidas. Especialmente neste campo em que tratamos de comunicação,
liderança e sentidos – questões tão abstratas, que já foram objeto de estudo
de centenas de milhares de trabalhos –, é exaustivo e pouco útil nos atermos
a conceitos duros, intransponíveis. A compreensão tem compromisso maior
com a realidade, e com uma dimensão de que pouco falamos até esse
momento, mas tão importante nos contextos da organização: os afetos.
(Mansi, 2014:69).
A Compreensão, nesse sentido, contribui como uma chave de leitura, como uma outra
maneira de enxergar o mundo corporativo, tão conhecido por sua dureza que, por vezes,
esquece que os funcionários não são máquinas e, sim, humanos. Enxergar os colaboradores
(vejam que diferença faz utilizar a palavra “colaboradores” no lugar de “empregados”!) como
sujeitos e não como engrenagens...
O ensaio
Os ensaios podem trazer, como demonstra Volponi em seu texto, mais riquezas e
profundidade para o jornalismo. O ensaio, aos moldes que Michel de Montaigne elaborou em
vida, “tentava compreender o comportamento humano por meio de anotações sobre suas
experiências pessoais, relacionando-as a uma bagagem intelectual adquirida durante a vida”.
Daí, que os ensaios se configuram mais como um texto aberto aos significados e questionador
e menos com um texto recheado de verdades e certezas. Para dar um exemplo, não resisto e
deixo aqui uma pitada saborosa de parte do ensaio escrito por Guilherme Azevedo
(2014b:232) intitulado “Canção do caminho: itinerário lírico de uma busca por conhecimento
e compreensão”:
Escutar, acolher a fala, a história de quem encontrei pela vida: foi assim
desde o princípio. Às vezes cismando, com lágrimas nos olhos, se essa
disposição ao encontro é uma dádiva, ou uma maldição. Ouço com muito
gosto, sorrindo, às vezes também chovendo e, de repente, vou me
esquecendo de mim, vou crescendo de mim, descobrindo que estou em
muito mais parte do que imaginava e estão também em mim. É decerto
forma de aprendizagem, de valorização e aproveitamento da experiência
compartilhada, um caminho para mim, também, uma aresta, uma fenda, um
portão amarelo ouro, como o da minha casa, recém-pintado, aberto
largamente.
29
Com maior liberdade intelectual nos modos de se referir às fontes, ideias de autores,
prendendo-se às normas e regras do "jogo científico”, Azevedo mostra com muita clareza as
ideias de Martin Buber sobre a relação “Eu-Tu”, principalmente quando fala que está
“descobrindo que está em muito mais parte do que imaginava” e de que os outros “estão
também em mim”. Estar no outro e o outro estar em si mesmo... E de que maneira poderíamos
ler palavras com estética tão elaborada e com significado tão profundo se não se tratasse de
uma prosa ensaística?
A beleza possível do ensaio muito tem a contribuir com a linguagem da ciência, que se
faz dura, impiedosa e, muito das vezes, prolixa e chata, apenas por “gosto”. A estética da
linguagem científica é fria. Já a estética da linguagem ensaística deixa-nos com sabor de
“quero mais”. O ensaio, quando bem escrito, faz isso mesmo conosco: “Ao propor o valor do
ensaio como expressão escrita e falada do labor científico e de seus resultados”, nos contam
Künsch e Carraro (2012:38), apoiando-se em Adorno em seu célebre “O ensaio como forma”
(1986), faz dele “um gênero de linguagem apto a dar conta de um pensamento que não avança
unilateralmente, e, sim, na forma de momentos ‘que se entretecem como num tapete’, cuja
fecundidade depende ‘da densidade dessa tessitura’”.
Sustentabilidade
A questão, aqui, é pensarmos que o planeta em que vivemos, um dia, acabará. Não de
forma natural. Ou seja, por meio das corrosões, erosões, explosões etc., mas porque a ação
humana (se continuar como hoje) degradará esse planeta. Aí, as sábias palavras de Pedro
Ortiz (2014:296) em seu texto “(In)Sustentável”, que “entre tantos desafios, nos colocamos
diante da necessidade de uma profunda mudança de mentalidade, de atitude com visões de
mundo mais inclusivas, tolerantes, abertas ao novo e ao desconhecido, com menos verdades e
mais incertezas”, dessa maneira, a sua proposição vai ao encontro de uma “visão complexa,
menos cientificista ou dogmática, não determinista ou simplificadora, que busque na dialogia
entre os vários saberes, científicos e não científicos, uma relação menos hierárquica e mais
democrática entre ciência, conhecimento, poder e sociedade.
sobra – espaço para tais conversas entre os saberes. Essa conversa é uma forma de oxigenar as
teorias. Desses embates surgiriam novas ideias ou as mesmas ideias que entraram sairiam
mais fortes. A aposta numa visão sustentável e compreensiva do conhecimento prevê o
desenvolvimento de ambientes aptos a receber ideias que, no mais das vezes, nunca
conversaram. Mas, não só. Não só de ideias vivemos. Também a experiência, o erro, conviver
com a incerteza... Ou seja, como Morin (2011) aponta, dialogar com a experiência é uma das
propostas do pensamento compreensivo.
5
EMENTA GRUPO DE PESQUISA. “Comunicação, Jornalismo e Epistemologia da Compreensão”. In: CNPQ,
Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil LATTES. Disponível em:
<http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/3281553501204551#instituicoesParceiras> Acesso em 08 Mai. 2015.
31
São dois, até agora, os projetos vinculados ao GP. O primeiro foi o “Conversando a
gente se entende” que se estendeu de 2010 a 2014, culminando no lançamento do livro
Comunicação, Diálogo e Compreensão no ano de 2014. O segundo se chama “A
Compreensão como método: suas teorias e suas práticas”, iniciado em 2015 e com previsão de
conclusão em 2017. Mais detalhes de ambos os projetos nas próximas páginas:
Essa vinculação bastante forte, entre educomunicação6 e a compreensão, foi o que me trouxe
para o tema da Compreensão. Por isso, a ideia de buscar entender de que maneira “comunicar-
se” faz com que o sujeito se adapte melhor ao ambiente em que “se vive”, tanto chamou a
minha atenção.
abrangência no campo do pensamento. Diz muito à Compreensão ser acolhida por duas
instituições (e diversos grupos de pesquisa de ambas as faculdades) que apostam no seu
método para uma ação transformadora do mundo.
Três são as principais metodologias que o GP utiliza, além de uma leitura crítica de
textos, sendo elas: a) as rodas de conversa; b) seminários e encontros acadêmicos; e c) a
gastrosofia. Serão apresentados os traços distintivos mais marcantes de cada uma delas tendo-
se em vista, sempre, que as metodologias que utilizamos, em verdade, são abertas, pois se
trata de caminhos que buscam caminhos.
Rodas de conversa
Conversar é uma ação em que o que importa são “os pensamentos que ela [a conversa]
provoca e não as conclusões a que se chega” (Alves, 2011:29). Como um “movimento solto
do pensamento e da fala”, continua Alves, ideias vão e vem, outros assuntos aparecem,
acontecem digressões, “pensamentos não pensados vão se intrometendo”. Exemplo disso
podemos ver na literatura de Luís Fernando Veríssimo, em seu livro A décima segunda noite
(2006). Fruto da entrevista que um papagaio dá a um jornalista (não identificado no livro), o
livro é apenas a voz do papagaio. Cada capítulo é um pedaço das fitas utilizadas para gravar a
entrevista. A história contada pelo papagaio, aqui, não é nem de longe o que nos interessa.
Importa mesmo é saborear as tagarelices do papagaio que comete digressão atrás de digressão
contribuindo com o que sublinhamos a respeito do que pode ser entendido como ontologia da
conversa:
35
Mon dieu, mon dieu, um gravador. Deus dos papagaios me acuda. Já ouvi
minha voz gravada. Quase silenciei para sempre. É o som do caldeirão
rachado com o qual pretendemos comover as estrelas e só conseguimos fazer
dançar os ursos (...). Tente dizer qualquer coisa séria, ou profunda, com voz de
papagaio. Mesmo em francês. Impossible. Foi por isso que não me deram
atenção, e a comédia que vou contar quase virou tragédia. Eu avisei, me
esganicei, mas me ouviram? (...). Quantos não devem sua fama póstuma ao
fato de não haver um gravador por perto? O mundo talvez fosse outro se
descobrissem que Péricles tinha a voz fina, Napoleão a língua presa e... Mas
vamos à entrevista. (Veríssimo, 2006:7-8).
A fala e a linguagem, sempre tentam colocar as coisas em ordem. Todo ato de falar é
uma tentativa de organizar o caos em cosmo. Recorrendo às palavras de Liev Vygotsky
(2008:156-157), acerca da relação do pensamento com a linguagem: “O pensamento não é
simplesmente expresso em palavras; é por meio delas que ele passa a existir”. Ou seja, o
pensamento existe por conta da pronunciação de um conjunto de palavras. E mais: a
digressão, comentada no texto de Veríssimo, pode ser entendida da seguinte maneira, nas
palavras de Vygotsky: “Cada pensamento tende a relacionar alguma coisa com outra, a
estabelecer uma relação entre as coisas. Cada pensamento se move, amadurece e se
desenvolve, desempenha uma função, soluciona um problema” (2008:157).
interior e geram novos pensamentos, as digressões do outro que está falando comigo são
coisas mais do que esperadas. Então pôr para conversar sujeitos distintos, fazer com que
pensamento e falas exterior-interiores dialoguem com outros pensamentos e falas exterior-
interiores demonstra-se um método bastante rico para o GP, por conta de todas as digressões e
possibilidades de relacionamentos subjetivos e cognitivos que daí decorrem.
1ª Roda de conversas
o Convidado: Silvana Nader
o Data: 27/06/2013
o Tema: Desenvolvimento social e comunitário: as contribuições do pensamento
sistêmico e do diálogo entre empresas e terceiro setor
2ª Roda de Conversas
o Convidados: Guarda Civil Metropolitana (Ângela Almeida, Sara Freitas,
Valério Ramos e Ingrid Alfaya)
o Data: 16/08/2013
o Tema: Diálogo social e as Casas de Mediação
3ª Roda de Conversas
o Convidados: Escola do diálogo (Lamara Bassoli e Arnaldo Bassoli)
o Data: 23/08/2013
o Tema: A transformação social possível a partir do diálogo
4ª Roda de Conversas
o Convidado: Cacique Megaron Txucarramãe
o Data: 13/09/2013
o Tema: A usina de Belo Monte e o não-diálogo com os indígenas brasileiros
37
5ª Roda de Conversas
o Convidados: Ceantec – Comitê para Estudos das Ameaças Naturais e
Tecnológicas do Estado de São Paulo (Agostinho Tadashi Ogura, Aline
Betânia de Mattos Carvalho Signorelli, Iris Regina Poffo e Marcelo Fischer
Gramani).
o Data: 11/11/2013
o Tema: Diálogo nos cenários de risco e desastres
6ª Roda de Conversas
o Convidado: Dodi Leal
o Data: 06/12/2013
o Tema: Comunidades em conflito: a Justiça Restaurativa e a Comunicação Não-
Violenta
Uma dessas histórias foi a da família composta por três gerações de mulheres: Larissa
Medrado, filha com idade de 14 anos, Elaine Rocha Medrado, mãe de 30 anos, e Maria Lucia
Medrado, a avó com 56 anos. A relação entre as três tinha muitas inconstâncias, problemas na
comunicação impediam qualquer diálogo com mais de três frases. Elaine foi quem entrou em
contato com as Casas de Mediação: “Nós três voltamos a nos entender, e a minha filha Larissa
inclusive está se dedicando mais na escola. Esse serviço é muito importante”, pois, continua a
mãe, “tudo foi resolvido graças à conversa que tivemos aqui. Após a mediação recebemos até
encaminhamento social e psicológico”.
38
Relações abaladas são como gasolina que pode ser incendiada facilmente, com maus
tratos e maus feitos entre os envolvidos. As mágoas de cada um dos sujeitos, se não expostas
e não conversadas, muitas vezes terminarão em algum tipo de tragédia.
Sobre os principais temas mediados pela GCM, algumas estatísticas ajudam a mapear:
55% dos casos atendidos por eles se referem a conflitos de vizinhança, seguidos por 16% de
conflitos familiares, num levantamento feito por Evian Elias (2013:16). Os casos atendidos
pela GCM variam de perturbação de sossego a conflitos trabalhistas ou maus-tratos de
animais. Violação dos direitos das crianças e dos idosos, regularização de terras e loteamento
também são temas de discussões mediadas pela GCM.
A mediação acontece quando as partes estão de acordo. Mas, pelo que relata
Deccache, muitas vezes ambos os lados desejam reatar os laços ou, pelo menos, minimizar os
problemas decorridos da convivência (ou da falta dela).
39
Nesse caminho, o caso do Jornalismo de Paz, que também foi um tema de uma roda de
conversas em que convidamos Dov Shinar, um dos maiores estudiosos desse tema. O
Jornalismo de Paz propõe, como nos diz Júlio César Degl’Leposti (2014:251), “um modo de
responsabilidade e de consciência midiática que pode contribuir para a pacificação e a
manutenção da paz”, por meio da “mudança de atitudes dos proprietários, anunciantes e
executivos de mídia, além dos próprios profissionais que atuam nos cenários de guerra”. É
uma mudança de olhar para o jornalismo de guerra: hoje muito se preocupa com a estetização
da guerra, ou seja, sua “vendabilidade” e espetacularização.
A mudança é para noticiar não a guerra, mas seu oposto: a paz. Noticiar, por exemplo,
os acordos entre países em situação de conflito. O objetivo não seguiria o caminho atual, de
vender histórias negativas (ou, pior, para conseguir angariar maiores investimentos em seus
espaços publicitários), mas o oposto: demonstrar que a paz também existe, mesmo nos tempos
de guerra. O jornalismo da paz foge ao esquema vencedores e vencidos. É compreensivo em
sua proposta. Mesmo porque, “nas páginas multicoloridas dessas revistas, em que o texto
escrito se faz acompanhar de uma profusão de fotos e infográficos de última geração, o
leitor”, vai noz dizer Künsch (2004:204), em sua tese de doutorado, “é desafiado, antes de
tudo a empunhar o fuzil e a entrar também na guerra; veja, eu coloco a guerra bem aí, à sua
frente, e o que você está esperando para vestir o uniforme e se transformar em soldado?
Escolha o lado e comece a atirar”. A incompreensão reina num mundo em guerra.
40
Voltando nosso pensamento para essa metodologia de roda de conversas, pode parecer
distante da academia, que é um espaço reservado do saber, uma vez que, como Alves comenta
(2011:29-30):
O tema da experiência é muito caro a Montaigne, o pai do ensaio moderno. Que nos
aconselha a ouvir mais nossa própria experiência: pois é dela que vai nascer o ensaio – forma
de escrita em que se fala sobre algum tema. O mesmo autor nos chama atenção para o fato de
que “há mais trabalho em interpretar as interpretações dos outros do que interpretar as coisas,
e mais livros sobre os livros do que sobre outro assunto” o que acarreta em uma função
primordial para nós, humanos: glosar os outros, o que indica que “tudo fervilha de
comentários, mas de autores há grande escassez” (Montaigne, 1980:515). Feyerabend é outro
pensador que nos aponta o mesmo perigo: em meio a tantos dogmatismos no campo
científico, a proposta de uma anarquia do método é um caminho satisfatório para
conseguirmos conquistar certo grau de liberdade e criatividade para pensarmos,
verdadeiramente, sobre as coisas, o mundo.
41
Não seremos categóricos, ousando afirmar que: “as rodas de conversa se configuram
como a melhor metodologia para produzir ciência”, pois aí teríamos nos transformado naquilo
que criticamos: não compreensivos. Um gesto autoritário, e, às vezes, até ditatorial, onde a
crítica destrói o que se critica para chegar a algo assim como um “deus ex machina”
metodológico. Em vez disso, podemos dizer que, compreensivamente, as rodas de conversa
fincaram bandeira como parte fundamental da metodologia aplicada até o momento pelo GP.
Isso significa dizer que, ambos os projetos de pesquisa “Conversando a gente se entende” e
“A Compreensão como método: suas teorias e práticas” utilizarão essa metodologia da forma
mais conveniente. Entre as próximas rodas de conversa estão programadas uma sobre
Friedrich Nietzsche (“A multiperspectividade em Nietzsche e a Compreensão”), Hannah
Arendt (“Compreender o totalitarismo, compreender Adolf Eichman”) e Paul Feyerabend (“A
anarquia do método e a Compreensão”), com integrantes do próprio GP.
Nos outros três Seminários feitos pelo GP tive a felicidade de participar e, para esses
três, serei mais detalhista, uma vez que não há registro deles em nenhuma outra dissertação ou
livro. Começando pela sequência, o IV Seminário de Estudo do GP seguiu a lógica de seu
antecessor e contou com 12 apresentações, cada um dos participantes falou sobre sua pesquisa
e suas relações com o tema da Compreensão. O evento datado em 13 de agosto de 2011, dia
todo, na própria Faculdade Cásper Líbero.
Algumas coisas importantes aconteceram neste último seminário que precisam ser
sublinhadas. A primeira delas se refere à participação de um colega colombiano, da UdeA.
Ramón participou via Skype apresentando o seu texto “La universidad en la calle: el recorrido
urbano como descubrimiento”8, destacando aqui a possibilidade concreta e compreensiva do
uso das tecnologias digitais em ambiente acadêmico para promover um debate internacional
entre nosso GP e colegas pesquisadores de outro país.
8
O “recorrido urbano” tem um peso importante para Ramón Cardona e para o tema da Compreensão. A partir do
dia em que Ramón propôs aos alunos da Facultad de Comunicaciones da Universidad de Antioquia, em
Medellín, que saíssem das salas de aula para caminharem pela cidade conversando, ouvindo e percebendo os
detalhes e as minuciosas relações entre o que estudavam com o que sentiam ao andar pelas ruas, esse método
virou uma disciplina na Universidade de Antioquia. Em suma, o professor leva os alunos para passearem pela
cidade e propõe a experiência de compreender a cidade como um texto, como Roland Barthes disse que assim o
era. Nos anexos do trabalho, na descrição dos projetos pessoais de cada pesquisador participante do projeto de
pesquisa “A COMPREENSÃO COMO MÉTODO” estará presente o projeto em que Ramón faz suas
contribuições com o tema do “recorrido urbano”.
45
deles para com os estudos do GP. Lembrando o que Norval Baitello Jr. falou em outro evento
da faculdade Cásper Líbero, sobre a Iniciação Científica (IC), a pesquisa que mais traz
inovações para o campo da comunicação, no Brasil, hoje, é a pesquisa de IC. Para o GP ter
vínculos concretos com o Centro Interdisciplinar de Pesquisas (CIP) é uma oportunidade de
ampliar tanto o entendimento sobre a Compreensão quanto as relações interpessoais dos
participantes do projeto. Formando uma rede de amigos que pode seguir e produzir diversos
outros debates.
9
Não resisto à vontade de comentar sobre a capoeira, e da sua participação nesse jogo de símbolos em forma de
roda. A roda da capoeira é desenhada com o berimbau. Como assim? Cada um dos jogadores deve se sentar em
forma de roda, círculo esse, que é desenhado pelo berimbau – instrumento que comanda o jogo da capoeira. Essa
roda – capoeira – segue os moldes da roda ao redor do fogo: o que está no meio é o que chama a vida, o objeto
(ou o fenômeno) que pede a concentração. No caso da capoeira, o que está em destaque é a luta-jogo-dança entre
dois capoeiristas. O berimbau começa a ser tocado, o mestre que toca o instrumento dá início a uma ladainha.
Atabaques, pandeiros, outros berimbaus, agogô, reco-reco, enfim, todos os instrumentos começam a ser tocados
depois que o mestre os “autoriza”. Da mesma maneira os capoeiristas só dão início ao seu jogo, com a
“autorização” do mestre. Essa autorização, ordinariamente, se dá pelo manejo do berimbau para a frente, como
46
Assim que, na roda de conversas, ao redor de um tema, de um fogo que nos mantém
vivos, trocam-se segredos, arranha-se o território do insondável dos mistérios do mundo e da
vida. Estar numa roda, remete-nos ao tempo mais antigo da nossa própria humanidade. Além
de remeter a um tempo específico: responsável por transformações internas: kairós. Voltar à
roda serve, também, para fugir do tempo acelerado para o qual nossas relações humanas
evoluíram, assim como Romano (1998:16) nos aponta: “El espacio y el tiempo no sólo son las
coordenadas de la percepción, sino que también determinan los procesos sociales de la
comunicación”, a roda de conversas resgata um tempo intersubjetivo: um tempo mais humano
e menos máquina. A comunicação face a face, num geral, tem essa capacidade. Porém, nas
rodas de conversa se potencializa, ainda mais, essa característica de voltar-se ao tempo lento.
A ideia de contar histórias em volta dessa fogueira tem, ainda, um outro significado,
que continua nessa mesma linha: afastar a dor, a angústia, o sem-sentido. As narrativas de
heróis, que remetem aos arquétipos dos tempos do nunca, de desde que o homem é homem,
contribuem com essas fortificação e solidificação de que nós, hoje, resistiremos ao tempo e à
vida. A história do herói vai tocar no fundo de nossas próprias preocupações acerca do mundo
e das nossas vidas.
A refeição sempre foi um momento de encontro em que se divide a comida para todos
se alimentarem e manterem suas forças. A expressão “matar a fome” deve vir de um
primórdio em que, verdadeiramente, matávamos com nossas próprias mãos os bichos que
iríamos comer. Cozinhar fazia parte de um processo coletivo. Resgatar a cozinha, “o umbigo
da casa”, o ambiente mais central, é uma busca continua pelas raízes interrelacionais dos
sujeitos. Pois que, com o tempo que escorre pelas nossas mãos, nada podemos fazer senão
comprar alimentos já pré-cozidos, pré-temperados, pré-elaborados... Sempre na correria, fast-
food, ritmo em que engolimos a comida. Ora, não podemos pôr no mesmo saco a cozinheira
se estivesse abrindo a roda para os capoeiristas. O jogo começa de ponta-cabeça, cada um dos jogadores deve ou
entrar com um movimento chamado estrela (“au”, na língua da capoeira), ou em uma parada de mão (ou
“bananeira”) ou, ainda, fazendo um movimento chamado “queda de rim”, que é um tipo de parada de mão, mas
com os braços dobrados ao invés de esticados, fazendo com que o corpo do capoeirista fique todo encolhido. A
capoeira tem seu tempo e seu astral (“axé”, que vem do “àse”, termo ioruba que significa, comumente,
“energia”, “poder”, “força”) muito marcados. Como todos os presentes (principalmente os que estão em volta e,
formando, a roda) podem tirar um dos dois jogadores e se colocar no lugar de quem saiu, percebemos que,
também, na roda da capoeira, assim como aquela em volta do fogo, o poder está em todos os lugares. Esse é o
sentido da praça (ágora), que é redonda, na democracia ateniense: o poder de fala de cada um, gerando a ideia de
um poder não hierárquico, mas que está no centro, como resultado das falas/argumentos. A nota reflete os
interesses pessoais do pesquisador em aproximar a capoeira ao campo de estudos da Compreensão.
47
que pensa a partir da boca, junto dos técnicos que pensam a partir do Cronos. Cozinha é lugar
de Kairós, de um tempo mítico, e não do tempo do relógio. Eis aí, o mito, belíssimo. A
expressão que, talvez, pudesse substituir aquela primeira, trazida antes ficaria assim: “fazer a
fome”. Pois bem-aventurados aqueles que sentem fome, pois sentirão mais fome.
O tempo que nos foge das mãos, o tempo que o relógio consome e nos responde: “não
haverá mais tempo igual a este, senão em memória”, é o tempo tal como o vivemos e o
experienciamos costumeiramente em nosso dia a dia.
Ah! A parte mais saborosa de todo o trabalho! A Gastrosofia, ou cumbuca gastrosófica
como os mais íntimos costumam chamar, é uma metodologia daquelas mais cheias de
experiências, histórias, vivências, afeto e vínculos. Cansados de cafés filosóficos (não os
menosprezando, apenas ficamos cansados mesmo), onde geralmente se escuta uma ou
algumas poucas pessoas falando, enquanto se bebe café (ou outra bebida da sua preferência) e
mantendo o corpo sentado – e me permitam um parêntesis: sentar vem do latim “sedere” que
significa também “acalmar”, da mesma forma “sedar”, que tem origem na mesma palavra.
Sentar e sedar, portanto, são ações de significado muito próximo. Norval Baitello Jr., em seu
livro O pensamento sentado: sobre glúteos, cadeiras e imagens (2012), citado amplamente
nas páginas iniciais desta pesquisa, oferece-nos inúmeras possibilidades de entender os efeitos
da sedação em nosso pensamento.
Um pensamento calmo, parado, frio, vai servir apenas para nos prender em nossas
cadeiras. Baitello Jr. (2012:15), nos diz: “Uma educação que não aceita a agitação como
forma expressiva e cognitiva, que não sabe aproveitar a incansável energia da curiosidade e
da experimentação infantil. Quantos anos de nossas vidas passamos todos sentados”?. Essa
educação que não aceita a “agitação como forma expressiva e cognitiva” não está, também,
muito alinhada à lógica daqueles cafés filosóficos em que se fica sentado ouvindo com pouca
interação entre o filósofo e a plateia? Ficar parado esperando ser “enchido” pelos
conhecimentos do outro – que, outrora, foi batizada de educação bancária por Paulo Freire
(2011c) –, vez ou outra algum questionamento da plateia, mas, num geral, todos sedados e em
silêncio.
Esse modelo, porém, não é geral de todos os cafés filosóficos, muito menos dos
próprios filósofos. Vamos deixar isso bem claro com as palavras de Marc Sautet sobre a
função do filósofo e o modo como funciona, em seu livro Um café para Sócrates: como a
filosofia pode ajudar a compreender o mundo de hoje (1998:42): “Filosofar é, antes de mais
nada, escutar. O filósofo não é aquele que detém a resposta para todas as perguntas. (...). Pois
48
a boa posição do filósofo não está em afirmar, mas consiste em interrogar”. Assim fechamos
essa digressão, mais longa que o esperado, sobre os cafés filosóficos: não concordamos com
tamanha passividade que em alguns cafés se instauram. Preferimos compreender o agito e os
tempos de cada um dos corpos presentes nos nossos encontros gastrosóficos.
De qualquer maneira, e não que seja a salvadora da nossa pátria dos saberes plurais,
mas a Gastrosofia nos parece mais divertida... Isso, sem dúvidas. Reunirmo-nos,
pesquisadores e, também, não-pesquisadores, com intuito de, juntos, cozinhar um prato que
tenha relação com um tema que elegemos para aquele encontro, proporcionando a leitura de
textos e, em seguida, a discussão aberta (em que todos participam com opiniões, palpites e
sugestões de igual peso para a compreensão da obra em questão), parece-nos muito mais
saboroso. A proposta é que todos botem a mão na massa, façam parte desse ato complexo de
fazer a comida. Lembrando sempre que saber e sabor são palavras, também, de raiz
etimológica idênticas: “sapio” significa “eu saboreio”. “Homo Sapiens”, é o homem que
saboreia.
É ainda Peruzzo (2013:47) quem nos auxilia a compreender que o alimento e o prazer
que sentimos ao ingeri-lo são “o primeiro input estético do ser humano, anterior à linguagem,
à assimilação dos códigos culturais, desde sua fase pré-natal”. Portanto desde antes de sair das
aconchegantes barrigas – Freud amaria essa parte – de nossas mães, já temos a predileção por
sentir o prazer alimentar. E isso não desaparece em nossa evolução e crescimento individuais.
O que indica que esse mesmo prazer alimentar é uma “forma fundamental”, como diz
Peruzzo, “de sentir e de perceber a experiência humana”. Compartilhar desse prazer, ou seja,
comer junto com nossos amigos e colegas é uma maneira de compartir nossas percepções e
49
experiências. Compartilhar, não no sentido de perda (eu tenho de compartilhar minha comida
com o outro, então em vez de dois bolinhos para mim, eu fico com somente um e meu amigo
fica com o outro), mas, sim, o sentido de enriquecimento, de participarmos, juntos, da mesma
experiência estética.
Para o GP, essa prática é uma metodologia de pesquisa e já foi realizada algumas
vezes. Teve sua primeira edição em 21/09/2013. Foram encontros bastante diversificados, em
casas distintas e com pratos diferentes a cada vez. A única coisa que se repetiu, muito
provavelmente, foram as bebidas. Porque ainda não inventamos de fazer nossas próprias
bebidas. Nossos encontros são marcados sempre por algum tema que serve como fio condutor
de todo o evento, tanto o prato que cozinhamos quanto os autores sobre os quais conversamos,
há, sempre, alguma ligação com o tema.
A metodologia ainda não gerou nenhum registro (livro, vídeo, etc.). Mas há a ideia de
produzirmos um livro com nossos colegas colombianos sobre a gastrosofia. Até lá, nossos
encontros têm servido muito para manter o GP unido e como uma maneira de atualizar as
novidades das vidas acadêmicas e pessoais dos participantes. O que gera, compreensivamente,
vínculos cada vez mais fortes para nós, pesquisadores. Sobre o lado inter-humano dos nossos
encontros gastrosóficos, é importante nos lembrar dos aspectos da amizade (philia) que são
tão caros a Epicuro10: os amigos se encontram para a experiência da amizade, o reforço
mútuo, a felicidade do estar juntos. E por meio de todos esses aspectos vamos alimentando
nossas almas numa busca pela felicidade, pela “reconquista da simplicidade natural,
originária” (Pessanha, 1992:76), que se realiza mais fácil por meio desse instrumento
chamado por Epicuro de philia: “Pois a presença do amigo auxilia a procura e a manutenção
da sabedoria” (Pessanha, 1992:79).
Agora vou contar um pouco um dos nossos encontros gastrosóficos que, da mesma
maneira que os outros, também, muitos significativos, teve sabor de ancestralidade... Explico,
antes que fique ainda mais nebuloso: um de nossos encontros gastrosóficos se realizou com a
presença do prof. Dr. Raúl Hernando Osorio Vargas, um dos integrantes do GP, justamente
para firmar nossa parceria com a Universidade de Antioquia e, mais: clarear dúvidas acerca
dos projetos de pesquisa do GP e, ainda, um terceiro objetivo, fazer arepas colombianas11. As
10
Mais à frente, no segundo capítulo, enquanto estivermos ocupados com as ideias de Rubem Alves, vamos nos
aprofundar mais na filosofia epicurista.
11
Aliás, nada mais apropriado para o momento que uma pequena receita de como preparar arepas colombianas:
Os ingredientes necessários são: 1 xícara (chá) de farinha de milho amarela, 1/2 colher (sopa) de sal, 1 colher
(sopa) de alho em pó, 1 ovo, 1 xícara (chá) de Água fervente, Queijo mozzarella ralada a gosto, 2 colheres (sopa)
de manteiga.
50
arepas são um alimento preparado à base de milho que, por sua vez, é um alimento base para
muitas e tantas outras receitas latino-americanas. Aliás, o milho é, em diversas culturas, como
nos dizem Chevalier e Gheerbrant (2012:611), “o símbolo da prosperidade, considerada em
sua origem: a semente”. O milho é tido como a esperança do que pode ser, que é esse mesmo
o significado de semente: uma infinidade de possibilidades que podem brotar.
Por fim, como Buber vai dizer, e veremos mais à frente, todo Isso pode vir a se tornar
um Tu12, o que significa, na prática, que até o que comemos pode se transformar em um Tu
para nós. A situação colombiana parece propícia para um enunciado desses: na Colômbia,
pelo que nos parece, as arepas foram transformadas em um Tu cultural, que tem por
responsabilidade manter a cultura colombiana unida, pois cada uma das cidades colombianas
reconhece as arepas como seu marco distintivo: como um traço que ajuda a definir suas
próprias identidades.
Para preparar: Em uma tigela, misture a farinha de milho, o sal e a pimenta. Acrescente o queijo e misture mais
um pouco. Com um garfo, misture a massa adicionando a água fervente. Junte o ovo e continue misturando com
o garfo até a massa desgrudar das laterais da tigela. Amasse a massa com as mãos apenas até formar uma bola.
Molde pequenos pedaços da massa na forma de hambúrgueres grossos. Em uma panela antiaderente, aqueça um
pouco de manteiga e coloque as arepas até que fiquem douradas dos dois lados. Sirva as arepas quentes com
queijo ralado, molho de tomate ou com o recheio que preferir.
12
Em meio à nossa Roda de Conversas, ao comentar sobre a relação intersubjetiva da palavra-princípio Eu-Tu,
foi-me apontado para insistir mais na ideia de, além do Eu se transformar em sujeito por meio da relação com
outros sujeitos, a relação entre um Eu e uma teoria ou uma ideia (ou seja, um Isso) também pode transformar o
Isso em um Tu. O Eu se transforma em sujeito também ao entrar numa relação com um Isso.
51
Este capítulo contribui com uma ampla amostra mapeada do que foi produzido pelo
GP e do que entendemos por Compreensão. Aqui vamos apenas ressaltar algumas
características que foram pouco comentadas ou perspectivas não sublinhadas anteriormente.
Poderíamos, talvez, nos dar por satisfeitos partindo para nossas casas com a sensação de
tarefa concluída, com relação às páginas anteriores. Contudo, é necessário algum tipo de
sistematização desse emaranhado complexo-compreensivo da epistemologia da Compreensão.
Ainda no primeiro capítulo, esboçamos, para tentar nos aproximar dos quatro autores a
quem recorreremos nesta pesquisa, uma espécie de três vetores da Compreensão, que nos
52
auxilia enquanto uma chave de leitura para a Compreensão. A ética, intersubjetiva, das
relações Eu-Tu e Eu-Isso (e suas constantes alterações: de Isso a Tu, e vice-versa); a prática,
campo em que a Compreensão norteia os fundamentos das ações e atitudes compreensivas,
por exemplo, a Justiça Restaurativa e as mediações que, por conta desse projeto no campo do
direito, proporciona; e a epistemologia: área própria do pensar o pensamento – que é o caso
deste trabalho, que busca pensar o como tem se compreendido a Compreensão a partir dos
estudos do nosso GP –, que diz, ao exemplo do que já foi exposto, que a ciência da razão
pequena e mutiladora, não é aberta aos outros saberes, diferentes dos concebidos pelo meio da
razão, decorrendo, daí, a sua deificação.
A seguir, no próximo capítulo, exploraremos quatro dos fios que contribuíram para
tecer outros fios dessa rede da Compreensão. Na ordem: Martin Buber, Paulo Freire, Rubem
Alves e Paul Feyerabend.
13
E que veremos em profundidade no próximo capítulo.
53
CAPÍTULO II
Vida e obra
Martin Buber (1878-1965) foi filósofo e teólogo, tendo traduzido a Bíblia do hebraico
para o alemão e trabalhado durante sua vida pautado por uma filosofia do diálogo, da relação
54
e do encontro – termos que formam pedra angular da sua obra. Nasceu em Viena a 8 de
fevereiro de 1878 e faleceu em Jerusalém no dia 13 de junho de 1965. Era judeu de origem
austríaca e, inicialmente, sionista, rompendo depois com essa posição, por acreditar ser
possível a binacionalidade dentro do Estado Judaico14. Foi editor do jornal Der Jude (O
Judeu) no período de 1916 a 1924. No ano de 1923 foi nomeado professor de História das
Religiões e Ética Judaica na Universidade de Frankfurt. No período do nazismo, saiu da
Alemanha e foi, em 1938, para a Universidade de Jerusalém ensinar Sociologia. Buber projeta
no ato educativo, também, parte das suas ideias expostas em Eu e Tu, sua obra-prima, de
1923, como afirma Maria Betânia Santiago:
Buber foi leitor de Feuerbach e, apesar de utilizar o mesmo par de palavras (Eu-Tu) dá
a elas outra perspectiva, como diz Machado (2009:77), pois, para Feuerbach, esse par de
palavras “estava voltado especialmente às relações homem-mulher”. Buber amplia essa noção
para todo tipo de relação humana verdadeiramente dialógica (tanto com outro humano, quanto
com outros seres vivos, ou, ainda, com objetos presentes em nosso dia a dia).
14
O sionismo é um movimento de cunho político e filosófico que defende, principalmente, a legitimidade do
Estado Judaico e do povo judeu. Buber rompe com o grupo sionista em que atuava, por não concordar com a
orientação do então presidente Theodor Herzl. (1860-1904). Para o filósofo, o novo Estado de Israel deveria ser
palco para um binacionalismo: tanto para os árabes, quanto para os judeus. A atitude demonstra sua postura
dialógica frente à vida.
15
SANTIAGO, Maria Betânia. Formação e Diálogo nos discursos de Martin Buber. [online] Disponível em:
<http://29reuniao.anped.org.br/trabalhos/trabalho/GT17-2672--Int.pdf>. Acesso em: 15 Jan. 2015.
55
Segundo um dos tradutores de Buber para o português no Brasil, Newton Aquiles Von
Zuben, o texto Eu e Tu é a obra-prima do filósofo, uma vez que os outros textos tomam este
como base. Em Eu e Tu, a palavra proferida é o ato do homem a que o compõe e o situa no
mundo. A filosofia de Buber pode ser enquadrada como uma ontologia da palavra, de matriz
dialógica. E a categoria à qual pertence a palavra é a do “entre”. As palavras que podemos
proferir são duas: Eu-Tu e Eu-Isso, existindo, na primeira, a possibilidade de se falar com o
Tu-Eterno, entendido como Deus. As palavras-princípio funcionam como ações para o
homem compondo seu ethos, o caminho que trilhará pela vida, ou seja, elas são uma atitude:
“A atitude não é qualquer coisa exterior ao ‘Eu’ que a toma, por assim dizer, mas é
constitutiva de mesmo ‘Eu’. É o próprio ‘Eu’ realizando-se”16.
O homem pode agir pela relação Eu-Tu, ou objetivar a experiência pela palavra
princípio Eu-Isso. Para Zuben (2007:32), “uma é a atitude cognoscitiva e a outra ontológica”.
Ou, como afirma Liana Gottlieb (1996:79), para Buber “a palavra proferida é uma atitude
efetiva, eficaz e atualizadora do ser do homem. Ela é um ato do homem, através do qual ele se
faz homem e se situa no mundo com os outros”. É uma maneira de se atualizar perante o
mundo e os homens. Jasson Martins (2010:29) afirma que a palavra dialógica, “habita o
terreno do entre, requer abertura ao mundo, ao outro, invoca a relação. A palavra indica a
própria condição do homem como ser existente”, pois é nele que “habita a palavra. Ela não só
é proferida pelo ser, como instaura modos de existir do ser humano, ou melhor, uma postura
dual diante do mundo”.
16
ZUBEN, Von. O Sentido das “Palavras-Princípio” na Filosofia da Relação de Martin Buber [online]
Disponível em: <http://www.fae.unicamp.br/vonzuben/palavras.html>. Acesso em: 02 Set. 2012.
56
Decidido, Bentinho manda fazer algumas bolas de carne e nelas coloca veneno. Ao sair de
casa, dois dos três cachorros fogem sobrando apenas um. O que aconteceu, ninguém melhor
que o próprio autor para descrever:
Zuben (2006:40), ainda sobre a ideia da categoria do “entre”, dizer “o amor não é algo
possuído pelo Eu como se fosse um sentimento”, uma vez que “os sentimentos, o homem os
possui; porém, o amor é algo que ‘acontece’ entre dois seres humanos, além do Eu e aquém
do Tu na esfera ‘entre’ os dois”. Esse traço da categoria do “entre” nos leva a imaginar a
teoria de Buber como uma teoria do encontro e do acontecimento, uma vez que os momentos
em que “acontecem” relações, o homem se atualiza e profere a palavra-princípio Eu-Tu.
O Tu pode ser qualquer ser presente no face-a-face: homem, Deus, uma obra
de arte, uma pedra, uma flor, etc. Assim como o Isso pode ser qualquer ser que
58
Essa “coisificação” causa a nostalgia no Eu, que precisa da relação para sua plena
vivência humana; anseia e pede pelo encontro. Por este motivo é que a relação reside no
início – “No começo é a relação” (Buber, 2001:63) –, pois antes da fala, da palavra ser
pronunciada pelo humano, existe a relação (à mesma maneira, como já dito anteriormente,
que Peruzzo (2013:47) indica que o prazer alimentar é o primeiro input estético, poderíamos
dizer que a relação, no sentido buberiano do termo, significa o primeiro input estético e
cosmogônico do homem – daí o nosso entendimento de a relação Eu-Tu ser um arquétipo da
humanidade). E quando acontece a ação, o pensamento cognitivo, é aí que se chega ao Isso.
Uma vez que não é possível uma permanência na relação Eu-Tu, acontece constantemente um
distanciamento do Eu em relação ao Tu quando a percepção do homem passa de uma postura
arquetípica para uma forma teórico-cognitiva, decorrendo daí, o retorno do Eu para o passado,
para o reino das coisas, do Isso. Junto desse retorno, e com a nostalgia, o Eu sente a
59
Cabe dizer que essa é a principal perspectiva pela qual Freire trabalha suas ideias. Não
só ele Flusser aponta numa direção parecida, ao dizer que hoje nos tornamos funcionários da
máquina. Também Maffesoli (1998:36), ao falar que as premissas racionalistas se tornaram
um habitus, “algo que nos impregnou”. Em Weber (2004:106-107), essa visão aparece com
relação ao que ele chama Die Entzauberung (“o desencantamento”) do mundo que, após a
“eliminação da magia como meio de salvação”, somente por meio de “uma vida regida pela
reflexão constante podia ser considerada superação do status naturalis”. Mais à frente, Weber
continua seu argumento com relação à ascese cristã: “Tornara-se um método sistematicamente
arquitetado de condução racional da vida com o fim de suplantar o status naturae” (Weber,
2004:108), ou seja, tinha por objetivo subtrair do homem seus impulsos irracionais bem como
sua “dependência em relação ao mundo e à natureza, de sujeitá-lo à supremacia de uma
vontade orientada por um plano”, além de “submeter permanentemente suas ações à
autoinspeção e à ponderação de sua envergadura ética, e dessa forma educar o monge –
objetivamente – como um operário a serviço do reino de Deus e com isso lhe assegurar –
subjetivamente – a salvação da alma”. Com isso Weber quer demonstrar uma passagem
60
sociológica do pensamento guiado por diversos saberes (a religião, a magia, etc.) para um
pensamento guiado pela razão, pelos planos e metas: em suma, desencantado.
Cabe aqui uma crítica à ideia weberiana e a outros autores que tanto insistem na ideia
de um mundo desencantado. Se for verdade que, no mundo estudado por Weber – marcado
cada vez mais fortemente por relações de tipo burocrático dentro de uma formação capitalista
– e em outros ambientes isso, Die Entzauberung, possa ser visto, constatado, provado como
força dominante, também é verdade que, compreensivamente falando, o encantamento,
próprio do humano, a magia, o mito, a arte, a festa, os devaneios, etc., sendo humanos,
permanecem, continuam a existir. Não é difícil pensar que o desencantamento costuma
ocorrer, o mais das vezes, mais nas esferas acadêmicas e nos setores burocratizados ou
dominantes, do que na vida, no dia a dia, na capacidade humana de transcender o imediato, de
farrear, de amar, de reinventar o encanto – nem que seja para aguentar o tranco de uma vida
difícil. A arte é pródiga em mostrar isso.
Apesar do alerta à fatalidade das relações dialógicas sempre retornarem ao Isso, Buber
(2001:81) destaca:
A palavra-princípio Eu-Isso não tem nada mal em si porque a matéria não tem
nada de mal em si mesma. O que existe de mal é o fato de a matéria pretender
ser aquilo que existe. Se o homem permitir, o mundo do Isso, no seu contínuo
crescimento, o invade e seu próprio Eu perde a sua atualidade, até que o
pesadelo sobre ele e o fantasma no seu interior sussurram um ao outro
confessando sua perdição.
Não se deve cair na perdição de achar que o único caminho é o de proferir a palavra-
princípio Eu-Isso, pois esta, quando proferida sozinha, desatualiza o homem. Faz com que ele
viva num eterno passado próprio às coisas. Sem relação, o homem passa sua vida só. Mesmo
rodeado de pessoas, se não proferir o Tu verdadeiro, não se atualizará.
Mais à frente, quando formos nos ocupar com as ideias de Freire, veremos que ele
entende essa dinâmica como uma questão referente ao social, pois é uma atitude de um
mundo opressor. “Somente aquele que conhece a relação e a presença do Tu, está apto a
tomar uma decisão. Aquele que toma uma decisão é livre, pois se apresenta diante da Face”
(Buber, 2001:85). Portanto, aquele que não conhece tal relação (por ser tratado como objeto
pelos outros sujeitos) não consegue se presentificar. Não consegue experienciar o mundo.
Não existem dois homens num mesmo Eu, somente dois Eus no mesmo homem.
Virtualmente a condição humana compreende ambas as atitudes do Eu. De um lado está a do
egótico – “o egótico ocupa-se com o seu ‘meu’ (...) não só não participa como também não
61
conquista atualidade alguma. Ele se contrapõe ao outro e procura, pela experiência e pela
utilização, apoderar-se do máximo que lhe é possível” (Buber, 2001:93) – e, do outro, a
atitude dialógica. Ainda que existam dois “Eus” diferentes nas palavras-princípios,
relembremos que falar Eu-Tu ou Eu-Isso é uma atitude do homem, então ele pode agir de uma
forma ou de outra, dependendo da situação em que se encontra. O que queremos dizer ao
pronunciar o Eu, seja o da relação “Eu-Tu” ou aquele da experienciação “Eu-Isso”, denota um
caminho ao qual seguimos, é nosso ethos; nossa ética, nossa escolha. “O seu dizer-Eu (...)
decide seu lugar e para onde leva seu caminho. A palavra ‘Eu’ é o verdadeiro shibbolet17 da
humanidade” (Buber, 2001:94).
Faremos aqui uma abertura ao tema do mito, que representa um tema caro ao GP,
como já se observou. O mito possui um papel de conhecimento e de reflexão para o sujeito,
apesar de percebermos um significado que o associa a uma história falsa. Por isso se faz
necessário tentar abrir outra janela nos muros que fecharam nossa visão para o mundo, e,
especialmente, para o mito. Essa abertura ao mito tem como intuito a aproximação das ideias
de Martin Buber (Eu-Tu) às de Mircea Eliade (mito do eterno retorno). Nesses próximos
tópicos o que estamos buscando é uma aproximação entre o que Buber e Eliade pensam sobre
a ontologia, a relação intersubjetiva e o arquétipo18. Ou seja, se imaginarmos que o
pensamento é um condomínio onde cada casa é um pensador, nós estaríamos, nesse momento,
17
“Marco distintivo”, em hebraico.
18
O termo “arquétipo” pode ser entendido de duas maneiras: ou como “modelo exemplar” (Eugenio d’Ors e
Mircea Eliade compreendem assim, em algumas de suas obras) ou como “estruturas do inconsciente coletivo”.
Para este trabalho, em todos os momentos que falarmos em arquétipo, seguiremos com a referência de Eliade,
uma vez que estamos costurando as ideias de seu trabalho O mito do eterno retorno com as ideias de Eu e Tu, de
Martin Buber, seria desproporcional seguir com outro entendimento de arquétipo que não o de Eliade.
62
atravessando um corredor que liga as casas desses dois pensadores. Mas, antes, um pouco
mais sobre o mito.
Uma das principais características da nossa cultura ocidental é que a Razão é uma
deusa que o mundo todo deve seguir, supostamente, como guia máximo para se encontrar a
verdade, tanto do conhecimento quanto da ação, no sentido de um agir correto, verdadeiro.
Nessa cultura, o mito fica pouco compreendido e jogado num inferno subcultural. Armstrong
(2005:25) diz que “um mito não transmite informações factuais, é antes de mais nada um guia
do comportamento. Sua verdade só se revela se ele é posto em prática – em termos rituais ou
éticos. Se for lido como pura hipótese intelectual, torna-se remoto e inacreditável”. E aí já
conseguimos ter uma visão do primeiro problema: enxergar o mito como “hipótese
intelectual”, a partir do ponto de vista da racionalidade científica, reinante e absoluta em
nossa contemporaneidade, o que não é um fato, uma verdade, ou que não se chega por meio
de argumentos lógicos e medidas exatas de sua veracidade, não pode ser conhecimento.
Continuando, o mito exige uma ação ritualística (ou ética) que o insira no mundo, que
invoque seu significado e o traga para junto do nosso tempo, num processo de
contemporaneização do mito. Somente na repetição desse mito é que ele vai ter um
significado com aderência à nossa realidade. Daí que ele não pode ser confundido com uma
história antiga, mas, sim, com uma mensagem arquetípica do humano. Nesse sentido, Künsch
(2008a:50) defende que o mito “não é sinônimo de atraso, ilusão ou trevas. É, sim, uma
maneira de a cultura humana ontem como hoje tentar dar conta dos segredos e mistérios do
mundo”. Dessa maneira, nossa sociedade, ainda hoje, mantém relação próxima com o mito,
nesse sentido é que Campbell (2005:15) diz que o mito é uma abertura para as energias do
cosmos participarem das manifestações culturais humanas e, desse aparecimento nas
manifestações culturais, é que o mito aproxima o humano do mundo, uma vez que ele ampara
nossos medos, nossas angústias e nossos receios.
Podemos ter outra visão do mundo com o auxílio dos mitos; frente ao racionalismo
que ilumina o mundo, os mitos auxiliam numa perspectiva ontológica do homem. Quando o
homem precisa mergulhar em si mesmo para buscar algum entendimento, o mito confere
forças e guia caminhos possíveis para realizar essa tarefa. Não que a razão não colabore para a
compreensão do mundo, mas fechar nossos sentidos e nossa capacidade cognitiva num único
canal intitulado de Razão é que é prejudicial à nossa existência.
O tempo do mito é cíclico. Mas, o que significa isso? Lage Neto (2010) comenta que,
assim como o mito, nossa vida também é concebida por ciclos e, culturalmente, nós damos
63
início a um novo ciclo e nos despedimos do antigo ciclo mesmo sem nos darmos conta. Por
exemplo, a formatura do colégio e o ritual de passagem que marca a adolescência, momento
em que se espera que o formado não aja mais igual à maneira que ele agia no dia anterior,
posto que ele é agora um formado. Cada ciclo faz com que o sujeito se transforme num
“novo-eu” se despedindo do “antigo-eu”. O mito também é cíclico, porque de tempos em
tempos ele se renova e reaparece. O próprio marco adolescente é um mito: o mito da criança
que vira adulta.
Essa relação com o tempo é chave fundamental para a ponte que pretendemos erguer
entre as ideias de Eliade e Buber, por isso insistamos outra vez: o sujeito idealizado pela
modernidade se vê ligado unicamente à História Linear esquecendo-se da visão de tempo
cíclico, como ciclos que vão iniciando e se fechando, dando a noção de começo e fim, de caos
e cosmo, de complexidade. Os homens primitivos, pelo contrário, tendiam a se guiar pela
renovação do tempo, regenerando suas sociedades a partir de rituais. Ou seja, tratavam o
tempo de maneira mais complexa.
Aqui destacando a ideia do eterno retorno, podemos perceber que Eliade entende esse
ritual como uma repetição do ato primordial de criação do mundo. Explica
Há um movimento, já salientado, que tenta nos distanciar dos mitos. Esquecer o mito,
para Eliade, é o mesmo que não repetir mais tal arquétipo, é se desligar da tentativa de pôr
ordem (cosmo) no caos. É se desligar de nossa própria humanidade, da nossa história humana.
Um adendo sobre a dicotomia entre o tempo profano e o tempo mítico é que o sujeito
vive num tempo profano, ou seja, o tempo “normal” ou, melhor dizendo, “comum”, o que
implica que o tempo mítico acontece em períodos determinados, apenas “no momento certo”.
Em suas próprias palavras, Eliade (1992:37-38) explica:
Em ambos os autores percebemos a ideia da perda do humano que age no mundo para
tentar retornar a uma origem, em Eliade essa noção surge quando ele comenta da repetição
dos atos primordiais, conforme podemos observar na seguinte passagem (1992:38):
necessidade de repetir o ato primordial, que é entrar em relação com o outro, que significa em
outras palavras ter uma postura dialógica frente ao mundo.
Em um exemplo: no caso do rito do ano novo, que configura a “(...) ideia central do
retorno anual ao caos, seguido de uma nova criação” (Eliade, 1992:62), todo ano nós
renovamos o caos, recriamos o mundo, fazendo com que ele aconteça por outro ano. Eliade
compreende que o ato cosmogônico reencena o caos e depois a sua organização. Já, Buber,
entende que a relação Eu-Tu é o momento de atualização do sujeito, de organização: do
cosmo. O caos, dessa maneira se encontra na coisificação do sujeito, na transformação do Tu
num Isso, pela objetivação do mundo. O tempo cosmogônico está para a relação Eu-Tu, bem
como a história está para a palavra-princípio Eu-Isso. A História mora no reino do Isso, das
coisas.
Como afirma Eliade (1992:31): “O mito é ‘tardio’ apenas em sua formulação; mas seu
conteúdo é arcaico, e refere-se aos sacramentos – isto é, aos atos que pressupõem uma
realidade absoluta, uma realidade que é extra-humana”. À origem, ao ato primordial, damos o
nome de arquétipo claramente ouvindo as palavras de Buber (2001:63): “no começo é a
relação”. E quando tornamos a pronunciar a palavra-princípio Eu-Tu voltamos a esse início.
Voltar ao início é um ato de presentificação (usando palavras de Buber), ou seja, a relação
dialógica Eu-Tu é uma busca por esse arquétipo ao qual Eliade se refere. Decorrendo daí, uma
busca por organizar o caos em cosmo. O Eu se relaciona a um Tu. É aí que acontece o
reencontro, momento em que o caos do mundo das coisas é ordenado e se transforma em
cosmos. Dessa maneira, entendemos que ambos os pensadores dizem coisa semelhante: o
ritual renova o homem frente à vida sempre que falo a palavra princípio Eu-Tu, e aí eu
atualizo a minha existência.
Falar Eu-Isso é sair do tempo cíclico e retornar à História Linear. Coisa que é
impossível de não acontecer, pois todo Tu volta ao reino do Isso, ao passo que todo Isso, pode
se tornar um Tu em determinados momentos.
Cabe, aqui, parte do que Eliade (1992:89) diz: “Pouco importa se as fórmulas e
imagens através das quais o homem primitivo expressa a ‘realidade’ pareçam infantis e até
mesmo absurdas para nós”, pois é do seu “profundo significado do comportamento primitivo
que consideramos revelador; esse comportamento é governado pela crença numa realidade
absoluta, oposta ao mundo profano das ‘irrealidades’”, em suma: “este último não constitui
um ‘mundo’, propriamente falando: ele é o ‘irreal’ par excellence, aquele que não foi criado,
o não existente: o vazio”. Eliade, mais à frente, continua afirmando que considera “justo falar
67
de uma ontologia arcaica”, pois “é apenas ao levar em consideração essa ontologia que
seremos capazes de entender e de não desprezar com zombarias mesmo o mais extravagante
comportamento de parte do mundo primitivo”, porque, em verdade “esse comportamento
corresponde a um esforço desesperado no sentido de não perder contato com o ser”.
A falta que está sendo indicada por Eliade tem como entendimento do humano que nós
não fomos transformados em outra coisa senão os mesmos humanos de sempre, apesar de
todos os diferentes conhecimentos produzidos (inclusive os que a majestosa Razão produziu
por meio da ciência), continuamos na busca de entender a nós mesmos. Nessa busca,
infelizmente, descobre-se que nós tentamos a todo custo nos distanciar dos rituais que
ordenam nosso mundo desde os tempos antigos. E é nesse sentido que a afirmação de Eliade é
valiosa: não devíamos desprezar nossos conhecimentos arcaicos. Repetir um gesto arquetípico
significa “a regeneração do mundo e da vida através da repetição da cosmogonia” (Eliade,
1992:65), ou seja, significa organizar nosso mundo seguindo os próprios arquétipos das
nossas qualidades humanas.
19
Podemos ilustrar essa ideia de a relação Eu-Tu ser um arquétipo das relações intersubjetivas a partir da tirinha
de Calvin e Haroldo produzida por Bill Watterson. Calvin é um menino que tem seis anos de idade e que
quadrinho atrás de quadrinho está questionando o funcionamento do mundo, descobrindo o mundo das relações
entre meninos e meninas, bem como entendendo os valores de uma amizade com seu tigre – que muitos juram
ser de pelúcia, mas que ele bem sabe que seu bichinho vive e o acompanha em todas as suas aventuras.
A forma como Haroldo aparece e interage nessa cena é marcante. Uma das poucas tiras em que ele sai do estado
de coisa (bicho de pelúcia) passa para um tigre “de verdade”, volta a ser coisa e depois, outra vez, é “de
verdade”. Interpretar essa narrativa é relativamente simples: a cosmogonia instaurada em cada quadro depende
de um olhar atento de cada um dos personagens (pai e filho). Quando a organização da cena se dá pela ótica do
pai: Haroldo é um Isso. Mas, quando é Calvin quem está enquadrando a cena Haroldo é um Tu. Essa troca de
olhares, de posturas frente ao outro, é pedra angular pra compreendermos essa narrativa como um exemplo do
que vimos falando: a relação Eu-Tu põe ordem no mundo, transforma o caos em cosmo, e atualiza ambos os
sujeitos para serem verdadeiramente sujeitos em suas ações. Por que só Calvin consegue enxergar Haroldo como
68
Vida e obra
Foi exilado do Brasil para a Colômbia ainda no primeiro ano da ditadura brasileira, em
1964, o que o levou, após pouco tempo, começar a procurar outros lugares para aprimorar
suas ideias e práticas da pedagogia crítica e libertária, como o Chile, EUA, Suíça, em colônias
portuguesas na África como Guiné-Bissau e Moçambique. Retorna ao Brasil em 1980, um
ano após a Anistia. No Brasil ficou até o fim de sua vida, atuando na área da educação. No
governo da prefeita Luíza Erundina, na cidade de São Paulo, Freire atuou como Secretário da
Educação, nos anos de 1989 a 1991.
A obra de Paulo Freire é bastante centrada em estudos sobre educação e em sua prática
libertária. De todos os seus textos, destacamos três: Extensão ou Comunicação?, Educação
como prática da liberdade e Pedagogia do oprimido. Sua relação com as ideias marxistas é
um bicho de verdade? Ora, porque só ele quem considera o tigre um Tu. E, muito provavelmente, o mesmo se
passa na cabeça de Haroldo: pois Calvin é o único humano que figura como seu Tu.
20
“O ser mora na consciência”, essa é a máxima de Paulo Freire, ligando sua prática educativa ao iluminismo. É
isso que Rubem Alves critica na postura pedagógica de Freire. Alves, ao contrário, propõe que o ser mora na
inconsciência. Nas palavras de Alves (2011:77), embora Freire fosse criticado como romântico, era, como
filósofo da educação, um homem do iluminismo. Acreditava que o ser mora na consciência: essa é a razão por
que é preciso conscientizar. Voltaremos a essa discussão no começo do terceiro capítulo, quando formos colocar
os pensadores brasileiros lado a lado para conversar.
21
LEI Nº 12.612/2012, DE 13 DE ABRIL DE 2012 [online] Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12612.htm>. Acesso em: 18/09/2012.
69
notável, sua proposta de educação libertária toma muito como base uma visão dialética do
mundo: um sujeito que foi transformado em objeto (tese) deve apreender o que é feito com ele
(antítese) e aí retomar as rédeas de sua vida e voltar a pronunciar verdadeiramente a sua
própria palavra (síntese). Apesar disso, sua aposta no humano como sujeito é uma proposição
bastante aderente com o que pensamos sobre a Compreensão.
Principais ideias
Para Freire, como já afirmamos, o homem tem que reconhecer os temas da sua época
e, a partir da reflexão crítica, agir em sua própria realidade. Pois bem, o tema que Freire
entende como principal para apreender a sociedade fechada é a inexperiência democrática que
transformou o sujeito ativo num receptáculo, mero objeto da ação de terceiros. Ou seja, a
imersão dos sujeitos no tempo e no mundo, fazendo deles objetos da ação dos outros.
Toda nossa vida colonial tem como principal característica o seguinte: o homem sendo
“esmagado pelo poder. Poder dos senhores das terras. Poder dos governadores-gerais, dos
capitães-gerais, dos vice-reis, do capitão-mor. Nunca, ou quase nunca, interferindo o homem
na constituição e na organização da vida comum” (Freire, 2011a:100). As aspirações
democráticas foram sempre incipientes, por conta da “domesticação” feita pela metrópole
portuguesa, pois que os homens comuns sempre estiveram ausentes do funcionamento da
política no Brasil.
Dessa maneira, não existia, no Brasil, o “clima cultural específico” (ou a pororoca
cultural, como diz Freire) advindo da percepção do grande tema da sociedade naquele tempo.
Assim a “solução” foi importar o estado democrático de outros lugares, não dando nem sinais
de tentar interpretar e repensar o modelo político para adaptar às especificidades brasileiras...
Apenas importamos. Justamente num momento que ainda não tínhamos condições de
morrera em um dos lugares pelos quais a família passou. Deixaram para trás o único animal
que arranhava algumas palavras. Nessa observação é o status de “mudo” que temos como
perspectiva em relação ao objeto que é a história do livro: todos da família possuem essa
mudez, mas em especial o protagonista, Fabiano, demonstra essa característica.
Nesse sentido, da mesma maneira que as ideias freireanas, Graciliano Ramos mostra
um homem que não sabe dialogar e que é usurpado pelo Soldado Amarelo (símbolo do
Estado) e por outros personagens da trama. Por exemplo, o senhor da terra que compra o gado
de Fabiano, pagando preço inferior ao calculado por Sinhá Vitória e que justifica sua extorsão
com os “juros”... A família de Fabiano igualmente sofre pela falta de palavras. Quase não
conversa. Os filhos não têm nome, apenas a diferenciação de “mais novo” e “mais velho”.
Gritam, resmungam e andam. Brincam com Baleia. Brincavam, pois ela também morre na
história. Ela era considerada “como uma pessoa da família”, pois com os dois filhos
“brincavam juntos os três, para bem dizer não se diferenciavam, rebolavam na areia do rio”
(Ramos, 2007:86).
Importante sublinhar que todos os personagens dessa trama servem como alegoria para
a condição do sujeito brasileiro, na visão crítica de Freire. A essa condição do homem
brasileiro que foi transformado em objeto por conta das elites, é que Freire impõe todas as
suas críticas, pois nesse estado de coisas, o homem não mais está sendo, mas é. Vive no
tempo passado e ao achar que pensa, na verdade, está sendo pensado. Fabiano que é
enganado pelos ricos, que paga o tal dos “juros” e que não consegue se fazer entender reflete
a visão de Freire para com a condição (não-) humana de objeto e que só será superada com a
libertação desse sujeito do seu momento estático por meio de uma educação crítica.
22
A educomunicação e a media literacy muito têm a ver com essa dimensão política e muito contribuem, hoje,
para a prática da comunicação calcada numa produção de comunicação e da evolução das propriedades básicas
que uma sociedade midiatizada solicita (as instruções necessárias para que as máquinas funcionem e digam o
que os sujeitos desejam dizer)
74
âmbito da alfabetização de jovens e adultos. Pois é nesse âmbito que ele enxerga que mais há
carência de Compreensão.
A visão que Freire tem do ser humano como um sujeito em relação com o
mundo implica uma concepção das relações entre os homens que fundamenta
a compreensão de seu conceito de comunicação. Em sua visão do homem e do
mundo, Freire se credencia a ser incluído na mesma tradição filosófica de
existencialistas como Buber.
Ambos interpretam o diálogo como uma realidade existencial e ontológica. Freire
busca inspiração na obra de Eduardo Nicol para fundamentar sua posição. Em Extensão ou
comunicação?, trabalha a noção de que, “como não existe ser humano isolado, da mesma
forma também não existe pensamento isolado” (Lima, 2004:61). Não existe um “Eu-Penso”,
uma vez que não existe um “pensar” solitário, sempre pensamos de forma coletiva e a
comunicação se configura como “situação social em que as pessoas criam conhecimento
juntas” (Lima, 2004:62); “Assim como a tomada de consciência não se dá nos homens
isolados, mas enquanto travam entre si e o mundo relações de transformação (...), pode a
conscientização instaurar-se” (Freire, 2011a:104).
Pensador contemporâneo que possui noção parecida sobre o ato de pensar como uma
ação humana individual e social, Pierre Lévy (2001:135) afirma:
em objetos da ação de outros. Ser transformado em objeto é viver imerso num mundo
alienado.
A prática educativa, baseada no professor como único sujeito, não possui a palavra
enquanto significado, mas como som oco. Som e palavra ocos, distantes e discrepantes com a
realidade. Nesse contexto, o melhor professor é aquele que enche o maior número de alunos
com seu relatório do mundo e da vida.
O educador, na visão de Freire (2011c:86) tem sua ação identificada “com a dos
educandos, de orientar-se no sentido da humanização de ambos. Do pensar autêntico e não no
sentido da doação, da entrega do saber. Sua ação deve estar infundida da profunda crença nos
homens. Crença no seu poder criador”. E, para o pensador, é na práxis humana, coletiva por
essência, que reside a libertação dessa situação. A atitude libertadora toma como objeto não o
educando, mas o mundo que é um objeto cognoscível, que é a “incidência da reflexão sua [do
educador] e dos educandos” (Freire, 2011c:97). Dessa forma, a educação libertária pratica a
inserção do sujeito na sociedade. E não nega a ele o mundo, desligando-o, isolando-o desse
mundo.
76
Conquista
O ato de conquistar exige um ser que conquiste e outro que seja conquistado,
demonstrando, na prática, a teoria que está por trás dessa ação: a antidialógica. Para essa
conquista, o opressor rouba a palavra do oprimido, tira dele sua forma de expressão, sua
cultura, sua voz e sua “ad-miração” do mundo. Para se manter esse “território” conquistado, é
necessário que o opressor simule o mundo real criando símbolos fundadores dessa sociedade,
para que o oprimido mantenha-se sob seu comando.
A divisão se dá tanto no ideário coletivo das massas, quanto nos encontros entre
sujeitos nos espaços sociais, dificultando a união. Dessa maneira, a teoria antidialógica
objetiva a desunião dos sujeitos para evitar a organização em prol de causas comuns, agindo
no sentido de uma descomunitarização.
Manipulação
Invasão cultural
Do outro lado, a teoria da ação dialógica tem como base as ideias de Martin Buber.
Das ideias desse pensador, Freire (2011c:227) resgata a noção do eu e do tu, âmago do
pensamento buberiano:
78
Co-laboração
Em resposta à teoria antidialogal, a teoria dialógica tem por objetivo a união dos
homens num objetivo comum, e que se compõe como verdadeira dificuldade para a liderança
revolucionária. Dificuldade, segundo Freire, pois a mobilização por parte das elites (que
objetiva a divisão das massas) já possui estrutura pronta, que é própria do sistema dominante.
Dessa maneira, ela se encontra dentro dos sujeitos. Para a liderança revolucionária, o que se
pretende é justamente quebrar com essa divisão. É a organização e a união dos sujeitos.
23
Esse mundo de que Freire constantemente fala em sua obra, deve ser entendido como a sociedade e a realidade
experienciada pelos sujeitos.
79
Um dos primeiros passos para essa união reside na desmistificação da realidade. Como
explica Freire, “para dividir é necessário manter o eu dominado ‘aderido’ à realidade
opressora, mitificando-a” (Freire, 2011c:236). Logo, para seguir caminho inverso e buscar a
criticidade e a conscientização das massas, é necessário a desmistificação do mundo.
Organização
Síntese cultural
A tensão que existe no par permanência-mudança, que ora pende mais para um lado e
ora para outro, segundo Freire, é efeito da ação cultural que faz força na e sobre a estrutura
social, pressionando uma das duas possibilidades. A invasão cultural, como afirmado, é a
tomada da ação por alguns sujeitos e a entrega da visão do mundo, dos métodos e das
palavras, àqueles que foram invadidos. Dialeticamente, a síntese cultural se comporta como
um teatro sem telespectadores, contendo apenas atores que tomam a realidade como incidente
de suas ações. “Desta maneira, este modo de ação cultural, como ação histórica, se apresenta
como instrumento de superação da própria cultura alienada e alienante” (Freire, 2011c:247).
Durante sua vida, Alves teve de mudar algumas vezes de casa. Com doze anos, saiu de
Minas Gerais e foi para o Rio de Janeiro, em 1945. Não conseguiu se adaptar à cidade e com
as pessoas e, por isso, se dedicou aos estudos solitários da teologia. Pegando gosto pelos
estudos nessa área, entre os anos de 1953 e 1957 estudou Teologia, como já apontamos, no
Seminário Presbiteriano de Campinas. Já em 1958 iniciou suas atividades enquanto pastor, na
cidade de Lavras (MG).
Em 1959 se casou e no mesmo ano já nasceu seu primeiro filho: Sérgio. O segundo
filho, Marcos, é de 1962 e a terceira é Raquel (1975). Em 1963, e até maio de 1964, ficou nos
EUA, em Nova York, para fazer seu mestrado em teologia na Union Theological Seminary.
Após esse período retorna ao Brasil. Contudo, desde 1964, com a ditadura instalada no Brasil,
Alves é considerado pela Igreja Presbiteriana subversivo. Por conta disso foi exilado do
Brasil, tendo de abandoná-lo por conta do regime militar. Saiu do Brasil e foi para os Estados
Unidos e, lá, formou-se doutor em filosofia pela Princeton Theological Seminary. Em 1969
teve sua tese publicada em livro.
Retornou ao Brasil em 1968, sem seu antigo emprego de pastor, Alves fica
desempregado até 1969, pois neste ano Paul Singer o convida para lecionar Filosofia na
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro (SP). Em 1971 foi professor-visitante
no Union Theological Seminary e em 1974 iniciou seu longo percurso na Universidade de
Campinas (Unicamp).
Sua vida foi marcada pela teologia tendo se dedicado por longos anos a temas
religiosos, contudo foi beber em outras fontes para tentar exprimir suas ideias. Algumas de
suas referências foram Gastón Bachelard (principalmente a ideia de devaneio poético –
quando Alves diz que pensa por imagens), Fernando Pessoa (e, principalmente, a Alberto
Caeiro, a quem Alves, em diversos momentos de sua obra, refere-se como mestre, a principal
noção de Caeiro é a da substituição do pensamento pela sensação) e Friedrich Nietzsche (a
crítica ao absolutismo da razão e ao iluminismo racionalista). Outros pensadores também
81
compõem o rol de referências, como Marx, Adélia Prado, entre outros. Contudo, vemos com
maior frequência os três primeiros nomes no pensamento de Alves. Há, também, a história
sobre a personagem Babette24 que muito toca as ideias de Alves25.
Pluralidade e uma alta quantidade de textos são características de sua obra. Desde
contos infantis (A libélula e a tartaruga, A volta do pássaro encantado, A loja de brinquedos,
entre muitos outros até livros teóricos (O livro sem fim, ou, como foi chamado em uma edição
posterior: Variações sobre o prazer, Filosofia da ciência). Ainda assim, faremos uma
incursão nestas suas ideias tentando buscar quais os principais pontos de vista que utiliza para
pensar o mundo e a vida. Dividimos em alguns grandes grupos que aglutinam significados,
muitas vezes convergentes com outros pontos-chave do pensamento alvesiano, mas, que,
mesmo assim, auxiliam nessa exploração, sendo eles: o tema do tempus fugit e sua íntima
relação com a morte, os ipês (amarelos e de outras cores), as jabuticabas, a pimenta, a
cozinha, a ciência e o esquecimento e a sapiência.
As jabuticabas
Não é possível mover o mundo pela ciência. O que move o mundo é a beleza (Alves,
2012:21), e o belo é a jabuticabeira florida. Belo e efêmero são, como diz o pensador, faces de
uma mesma coisa. O belo só é belo porque um dia acaba, porque é efêmero. Se não o fosse,
transformar-se-ia insuportável. “A ciência é escada encostada na jabuticabeira. (...). Escadas
são construídas com saber. Jabuticabas são gozadas com sabor” (Alves, 2011:61). O sabor
que há na jabuticaba é sempre indescritível, pois não há palavras que compreendam seu
significado. Os saberes, de construir uma escada, por exemplo, são meros brinquedos para
24
Existe tanto um filme “A festa de Babette” (1987), quanto um livro (1956), homônimo da autora Karen Blixen
(1885-1962), editado em português pela Cosac Naify no ano de 2006. Blixen também é conhecida pelo
pseudônimo de Isak Dinesen. Nasceu em Rungsted, Dinamarca, mas viveu a maior parte de sua vida no Quênia,
África. Essa parte de sua vida, logo após seu casamento com um primo distante, foi documentada em sua obra A
fazenda africana. Seu casamento, porém, não foi muito longe, em 1931 retornou para Dinamarca com o término
de seu casamento, após esses 17 anos casada volta-se à literatura. Em 1939 recebeu o Tagea Brandt Rejselegat,
prêmio dinamarquês para mulheres que tiveram contribuições em uma das seguintes áreas: ciências, arte ou
literatura.
25
A história de Babette, resumidamente, é a seguinte: Babette é uma grande cozinheira de um chique restaurante
francês, mas, em 1871 precisa fugir da França por conta da repressão à Comuna de Paris. Ela chega a um vilarejo
na Noruega e se hospeda na casa das filhas de um pastor, sem que ninguém saiba de suas funções e aptidões na
cozinha. Para isso, porém, empregou-se como faxineira e cozinheira nessa mesma casa. Após 12 anos, descobre
que ganhou uma pequena fortuna na loteria, correspondente a 10 mil francos. Em comemoração aos 100 anos de
vida do pastor, convida a todos do vilarejo para um jantar. Todos ficam assustados com isso, pois estavam pouco
acostumados com eventos desse tipo. Alguns acreditavam até que isso feria leis divinas... Mas, ainda assim,
todos participaram do jantar. E se deliciaram.
82
brincar com outros brinquedos. A ciência pode construir escadas, mas só o corpo pode
saborear a jabuticaba. E é o corpo que estimula a ciência a construir escadas.
Os ipês
Os ipês têm uma alta importância para Alves e seu pensamento. Aliás, transformam-
se, também, em metáforas para dizer de que maneira o amor poderia ser. Segundo ele: os ipês
“alegram-se em fazer as coisas ao contrário”, pois que eles fazem amor “justo quando o
inverno chega e a sua copa florida é uma despudorada e triunfante exaltação do cio” (Alves,
1990:13). Mais à frente, complementa dizendo que essa espécie de árvore “irrompe no meio
do asfalto, interrompe o tempo urbano de semáforos, buzinas e ultrapassagens, e eu tenho de
parar ante esta aparição do outro mundo” (Alves, 1990:14). Os ipês, e algumas árvores
capazes de nascer no meio do asfalto, mudam a nossa relação apressada com a cidade. Fazem
com que nós tenhamos de, preocupados, limpar nossas calçadas ou que, muito felizes,
contemplemos sua beleza. “O que é milagre para alguns”, continua Alves (1990:14) “é
canseira para a vassoura de outros. Melhor o cimento limpo que a copa colorida”.
Essas árvores, então, servem de metáfora para o que poderíamos ser, “seria bom se
pudéssemos nos abrir para o amor no inverno...” (Alves, 1990:15). Em época tão fria e gelada,
abrir para o amor é se esquentar o corpo e a alma. Manter-se vivo e em constante busca pela
felicidade. Viver como um ipê vive: irromper do asfalto duro e gelado no meio do inverno
para amar e fazer amor.
A pimenta
O calor é importante, não só para o corpo, mas também para o pensamento. Aliás, todo
pensamento é um incêndio. Começa com faísca, mas termina (se é que acaba) com incêndio.
A pimenta é uma metáfora que compreende essa dimensão acalorada que Alves comenta. As
pimentas “são frutinhas coloridas que têm poder para provocar incêndios na boca. Pois há
ideias que se assemelham às pimentas: elas podem provocar incêndios nos pensamentos”, nos
diz Alves (2014:9), e quando fala isso já vai logo adiantando a quem ele se refere:
Zaratustra sabia que suas ideias queimavam e que muitas pessoas, ao lê-lo
pensariam que estavam devorando fogo e queimariam suas bocas. Mas, para
se provocar um incêndio, não é preciso fogo. Basta uma única brasa. Um
único pensamento-pimenta.
Essa é a proposta declarada por Alves em muitos de seus textos: provocar incêndios na
boca (e nos corpos) de seus leitores. Incêndios que contribuíssem com a elucubração e
descoberta de novos ou outros pensamentos diferentes daqueles já pensados. Pensar o
diferente. Pensamento-pimenta (vejam o cuidado poético de Alves, que escolhe palavras
parecidas!) é aquele que nos leva a queimar tudo o que já existia, descascando as paredes e
trazendo novas ideias para a linha de frente.
A cozinha
A ciência
A ciência é uma maneira criada por nós para dar explicações sobre o mundo. Para
entendê-lo. E para fazer isso, como podemos ver em nossa própria história, foi necessário
criar maneiras de medir para comparar. Por que medir? Porque “no mundo da ciência só
entram objetos que podem ser ditos com precisão” (Alves, 2011:105). Ou, como questiona
Bachelard (2008:20): “Por que desejamos conhecer o número de elétrons de um átomo?”, essa
quantidade que foi medida sob determinadas metodologias serve para “explicar indiretamente
fenômenos que têm origem no domínio intra-atômico”. Ou seja, medimos porque é dessa
forma que concluímos outras coisas sobre o mundo, seus objetos e suas respectivas maneiras
atuantes no sistema complexo ao qual pertencem. A física e mais especificamente a
microfísica, como diz Bachelard (2008:17), preocupa-se com um mundo oculto determinado e
conhecido por uma “essência matemática”. Daí que, no século XX a física tanto se uniu à
matemática: para aplicar medidas mais complexas e mais precisas para o mundo atômico e
subatômico. A física aqui serve como um exemplo para o que ocorre no campo da ciência.
Para todos os lados que se olhe os cientistas tentam de maneira incessante produzir medidas
para o mundo. No mundo físico isso só aconteceu mais rápido. Esse mesmo mundo serve
como exemplo para o pensamento contemporâneo uma vez que continuamos perseguindo o
objetivo de medir e comparar tudo. Aos moldes do método cartesiano.
Uma das principais formas do conhecimento científico se tornar comum, desde muitos
séculos atrás, são os livros. Claro que antes deles vieram os manuscritos, e antes ainda, era
tudo por meio da fala, dos discursos. O ponto é: os livros acabaram se tornando o antro do
conhecimento. Se estiver escrito em um livro, logo, aquilo é verdade. O problema é que
nossos “olhos ficam tão acostumados aos textos científicos e aos laboratórios que acabam por
se tornar incapazes de ler literatura e de ver o mundo real” (Alves, 2012:43). A literatura, as
coisas da vida, o mundo real, figuram em segundo plano enquanto que a ciência (na forma de
ensaios, teorias, teses e livros) passou a ser o centro das atenções nesse jogo de significar o
mundo. Alves (2012:93) critica da seguinte maneira: “excesso de informações perturba o
pensamento”, ou, ao dizer que, “muitas pessoas, inteligentes por nascimento, ficaram burras
por excesso de leitura” (2012:55). Sua postura tem por base a ideia de que a leitura “é um
exercício de alienação”, mas, adverte: “alienação é palavra que os ativistas políticos de eras
passadas cobriram de excrementos. Nome feio e malcheiroso”. E continua:
Foi identificada com um estado no qual a pessoa não tem consciência do que
está acontecendo no mundo em que vive o oposto da tão louvada
“consciência crítica”, expressão obrigatória em todo documento sobre
85
Voltando para Alves (2012:90), ele diz que, à semelhança das vacas, a ciência
estômago chamado ciência. Pode não ser o único nem o principal, mas isso não o transforma
em não-vital. Precisamos das duas coisas, segundo Alves (2012:98) do conhecimento
científico e da beleza.
Essa ciência praticada pelos cientistas, que analisa, ordena, cataloga, recorta e critica o
mundo precisa de métodos para eleger e efetuar tais atividades. Esses métodos são como redes
para pegar peixes, como exemplificado por Alves (2012:102-103), sendo que, cada peixe
equivale a uma ideia, uma teoria.
As redes dos cientistas são feitas com palavras. Somente palavras que
possam ser amarradas com nós de números. Os peixes que caem nas malhas
da ciência são entidades matemáticas – do jeito mesmo como Galileu o
disse. Um tolo poderia dizer: “que pena que se tenha de usar redes! Nas
redes os buracos são muito maiores que as malhas! A rede deixa passar
muito mais do que segura! Seria melhor se, em vez de redes, usássemos
lonas de plástico que não deixam passar nada. Assim, pegaríamos tudo!”.
Palavras de um tolo. Uma lona de plástico, por pretender pegar tudo, não
pegaria nada. A rede só pega peixes porque seus buracos deixam passar. As
redes da ciência deixam passar muito mais do que seguram. As coisas que as
redes da ciência não conseguem segurar são as coisas que a ciência não pode
dizer. As coisas que não são científicas, sobre as quais ela tem de se calar.
Sobre as coisas que a ciência tem de se calar são exatamente aqueles saberes
renegados por essa Razão deificada. O mito é um peixe que passa nadando pelo rio e nem de
longe é notado pela rede da ciência, a não ser quando o pescador tem o intuito específico de
catalogar todos os mitos existentes... catalogar é um ato primordialmente científico.
Enumerar, classificar, ordenar, todos verbos que contribuem para descrever o que a ciência
faz. Voltando ao mito: fora dessas condições ele é um peixe livre. Não percebido pelas redes
de pesca da ciência e mal visto pelos pescadores-cientistas. Mal visto porque, de novo, se não
atende às duas condições – ser pego pelas redes da ciência e não pode ser digerido pelo
estômago da ciência –, ele não serve para o ser humano.
Antes que nos esqueçamos, sim, existem outras redes – para o nosso deleite. Alves
(2012:103) diz que o corpo é uma outra rede, “feita de coração, sangue e emoção” e que, em
vez de segurar os peixes da ciência os deixa livres, pois se ocupa em segurar “o que a ciência
deixa passar. Não mede os encantos do sabiá. Mas fica triste ao ouvi-lo, ao cair da tarde... isso
também é parte da realidade. Sem ser científico”.
Kuhn, principalmente em seu livro A estrutura das revoluções científicas, onde ele afirma,
segundo Alves (2012:108), que,
Esses dogmas, ou como Alves prefere chamar, essa linguagem científica não é a única
com a qual as pessoas gostam de brincar, visto que “brincam com muitos jogos de linguagem,
tendo em vista que a maior qualidade da inteligência é pular de um programa para outro, de
dançar muitas danças ao mesmo tempo” (Alves, 2012:112).
Para esclarecer que Alves (2012:115) não é nenhum louco, é importante salientar que
“a ciência é muito boa – dentro de seus precisos limites”. O problema reside “quando ela é
transformada na única linguagem para se conhecer o mundo”, pois, aí sim, “pode produzir
dogmatismo, cegueira e, eventualmente, emburrecimento” (Alves, 2012:115).
88
Ao cientista cabe a lição de casa de que toda ideia que lhe surge à mente, todas as suas
inspirações possuam um método explicado e que possa ser aplicado por outros de maneira
garantida para que diferentes cientistas cheguem aos mesmos resultados. Alves (2011:23) nos
adverte sobre a moda de falar “em construção do conhecimento, é preciso que se saiba que
nem sempre a ideia nos chega por um processo de construção. Inspiração é quando uma ideia
se oferece a nós, gratuitamente, sem que nós a tivéssemos procurado ou produzido”.
Inspiração é o caminho da livre associação para chegarmos a uma ideia – a palavra que Peirce
deu a esse processo é semiose, que pode ser entendida como um processo em que signo puxa
outro signo. As ideias simplesmente aparecem. É preferível, desse modo, não a inspiração,
mas a lógica, para o pleno funcionamento da ciência. Lógica, diz Alves (2011:27), é um jeito
não arbitrário de passar de uma ideia a outra. Não existe arbitrariedade nos saltos do
pensamento.
O relógio diz: “Tempus fugit”. “O tempo continuaria a fugir... Todas aquelas horas
vividas e morridas estavam guardadas” (Alves, 1990:9). O relógio é o responsável por salvar
o tempo, por guardá-lo de forma segura. Salvar o tempo e os seus instantes é isso que instiga
Alves a comentar uma lembrança da sua infância: na casa do seu avô, quando menino, havia
89
um relógio na parede da sala que anunciava, de hora em hora, um quarto de hora a menos de
vida aos que vivem. Alves diz que não gostava de dormir lá, “só muito mais tarde vim a
entender o que ele dizia: ‘Tempus Fugit’. E eu ficava na cama, incapaz de dormir, ouvindo
sua marcação sem pressa, esperando a música do próximo quarto de hora. Eu tinha medo.
Hoje, acho que sei por quê: ele batia a Morte” (Alves, 1990:8). O relógio marcava (e
marchava também) o tempo que falta para a morte. Mas, mais que isso, ele também
funcionava como espécie de guardião, protetor dos nossos quartos de hora.
Assim, apesar de o relógio sempre querer roubar o tempo, sempre haverá uma chance
de ser salvo e voltar ao mundo, de se manter atualizado e eternizado no mundo. Talvez Buber
pudesse entender a ideia de Alves de ressuscitar como um ato atualizador do Eu. Se assim o
fosse, Alves estaria dizendo, com outras palavras, aquilo que Buber também propõe com a
relação Eu-Tu: toda vez que entramos nessa relação, que amamos e consequentemente
suplicamos pela eternidade, estamos voltando, nós mesmos, ao papel ontológico e
fundamental de nossa humanidade.
Nos cemitérios, o tempo também foge? “Já notaram como os cemitérios são
tranquilos? Os relógios param, respira-se um ar de muitos anos atrás” (Alves, 1990:37) A paz
dos cemitérios se dá porque não há um relógio que roube o tempo. Aliás, ainda que existisse
tal responsável pelo tempo, é impossível roubar o tempo dos mortos, pois eles já se
transformaram em eternos. E para a eternidade não há relógio que consiga roubar algum e
nem nenhum tempo. Tempus fugit. Pois “o relógio não desiste”, lembra Alves (1990:11), ele
“continuará a nos chamar à sabedoria: Quem sabe que o tempo está fugindo descobre,
subitamente, a beleza única do momento que nunca mais será...”. Decorre disso o “efeito
90
sapiencial”. Quanto mais próximos da morte estivermos, mais ela nos abrirá “os olhos para
perceber o essencial” (Alves, 2011:50).
O esquecimento e a sapiência
Entusiasmado pelas palavras proferidas por Roland Barthes em sua aula inaugural da
cadeira de Semiologia Literária no College de France, pronunciada em 7 de janeiro de 1977,
Alves (2011:55) diz “para renascer, temos de esquecer”. Mas a que esquecimento Alves está
se referindo? Para responder a essa pergunta, retornaremos às próprias palavras de Barthes em
sua aula inaugural.
que os jovens possam começar a navegar a partir do porto aonde eles chegaram”, é o que nos
diz Alves (2011:52). Já na segunda fase, o ensinar a pesquisar, “é uma das grandes alegrias do
professor”, pois o professor se alegra ao ver seu “discípulo partindo para o desconhecido, para
voltar com os mapas que ele mesmo irá fazer, de um mar onde ninguém mais esteve” (Alves,
2011:53).
Sobre a terceira fase e o esquecimento: espanto. Pois que acadêmico erudito poderia
dizer uma barbaridade dessas? “Esquecer, desaprender”, lembra Alves (2011:54), “são o
oposto daquilo que a educação tem proposto até agora. Educar é ensinar, somar saberes sobre
fatos, acrescentar competências lógicas. Esquecer significa perder, abrir mão, deixar ir”, e,
sob a perspectiva de uma epistemologia cotidiana – fortemente marcada pela deificação da
Razão – “esquecimento é sempre empobrecimento”. Dessa forma de ver o esquecimento é
que Alves (2011:54) constrói a máxima da ciência ocidental contemporânea “esquecer é
diminuir; desaprender é diminuir”.
Barthes e Alves (2011:58) pensam que “os saberes ocultam algo”, do mesmo modo
que as janelas-biombo de Baitello Jr., “os saberes conscientes ocultam um outro mundo.
Debaixo da fina superfície especular onde aparecem os reflexos do que se sabe estão as águas
profundas do lago misterioso onde mora o que não se sabe”. Esse saber que mora no corpo,
desse modo, “vive na deliciosa ignorância de si mesmo” (Alves, 2011:140). Então podemos
dizer que os saberes são como janelas embaçadas, janelas-biombos. Mostram um mundo, mas
escondem muito mais que deixam ver. Barthes mergulhou nesse lago e lá descobriu uma
chave: sapientia.
A sapiência é uma busca pelos prazeres, pelos sabores. Pela felicidade do corpo que
degustará o mundo, “o prazer (hedoné) é o princípio e a finalidade da vida feliz” (Chaui,
2010). O corpo é a morada dos sabores, assim como as palavras são a morada dos saberes. “O
inconsciente é o lugar onde mora a sabedoria”, diz Alves (2011:72) e, continua estabelecendo
uma ontologia da sabedoria, que são “os saberes que o corpo sabe sem que deles a consciência
92
tenha consciência”. O corpo sabe de coisas que nossa mente nem desconfia. Ou nas palavras
de Alves (2011:76), “o corpo tem saberes que a cabeça desconhece”; que é uma citação
parafraseada do próprio Barthes (2010:24) “meu corpo vai seguir suas próprias ideias – pois
meu corpo não tem as mesmas ideias que eu”.
Assim, se a nossa educação se baseia pela conscientização, Alves (2011:80) vai pelo
caminho oposto: “em vez de conscientizar, proponho inconscientizar”, e elabora o seguinte
objetivo para a educação: “aumentar as possibilidades de prazer e alegria” (Alves, 2011:84).
A aposta na alegria ecoa lá na filosofia epicurista... Mas, como bem lembrado por Alves
(2011:87) “a alegria nunca se farta. A alegria pede mais alegria”, pois “a alma deseja sempre
retornar” (2011:89), numa espécie de “agir que dura a vida inteira” (Chaui, 2002:442),
retornar para uma época específica: a infância.
Eis aí outro motivo que demonstra a necessidade de uma ética que pregue o
esquecimento: esquecer que se esqueceu; raspar a parede para arrancar os cascos
sedimentados nos alicerces da nossa vida, do nosso pensamento: sapientia; “lembrar-se da
‘filosofia’ sem palavras que morava no corpo da criança” como bem disse Alves (2011:110).
Importante pontuar que essa sua visão (voltar-se para a criança que pintamos com tantas tintas
que se formaram cascos grossos, incapazes de nos deixar ver essa criança) muito se aproxima
da de Epicuro, como indica Chauí (2010:106):
ainda não foram tocados pela Razão com sua mão de Midas. Daí a aposta numa busca
contínua pela felicidade e pelo prazer – Pessanha (1992:74) complementa: “o motor e a meta
da vida humana são identificados ao prazer”, para Epicuro –, pois constante e continuamente
precisamos nos liberar de elementos que não nos propõem experiências prazerosas ou que não
nos levam aos caminhos da felicidade plena, ou seja, caminhos e experiências não naturais.
Como sábio que era, porém, ou filósofo, não propõe o prazer a todo custo, o prazer pelo
prazer: propõe, sim, o prazer lúcido, da razão inteligente, que avalia, pesa, pondera, como diz
o poema de Ferreira Gullar. A isso, podemos adicionar a referência às ideias e à filosofia
epicurista, nas palavras de Pessanha (1992:59), diz o seguinte: “aliar razão iluminadora e
amor à humanidade, lúcida compreensão dos fenômenos naturais e procura da felicidade
terrena, ciência e ética”.
Paul Karl Feyerabend (1924-1994) é austríaco nascido em Viena e teve como pai um
funcionário público e como mãe uma costureira. Formado em teatro, física e filosofia, estudou
diversas áreas do conhecimento como história e sociologia. Contudo, firmou principalmente
seus estudos no ramo da filosofia da ciência. Espaço esse, onde ficou marcado por obras como
as seguintes: Contra o método (1975), A ciência em uma sociedade livre (1978) e Adeus à
razão (1987). Sua vida e seus diversos trabalhos indicam uma alma bastante interrogativa e
inquieta. Abaixo vamos falar primeiro de sua vida, os principais momentos dela e suas
principais obras para, a seguir, adentrarmos no universo de seu livro Contra o método e na
ideia do anarquismo do método.
Vida e obra
Após terminar seus estudos básicos, aos 18 anos, portanto, em 1942, começa a fazer
parte do exército alemão, onde serviu até o término da II Guerra Mundial. Nesse período
94
serviu em Pirmasens, localizada na Alemanha, e em Quelerneen Bas (França), mas logo após
os primeiros meses de treino, voluntariou-se para a escola de oficiais. No ano de 1944 foi
condecorado com a cruz de ferro e, de oficial, foi promovido a tenente. Em 1945, ano
seguinte, enquanto retirava as tropas da Rússia recebeu três tiros (mão e coluna) o que o fez
utilizar bengala pelo resto da vida. O fim da guerra passou enquanto ele se recuperava.
Voltou a Viena para estudar história e sociologia na universidade, porém logo se virou
à física. Seu mestrado volta-se à filosofia, estudando Viktor Kraft – filósofo austríaco que
fazia parte do Círculo de Viena. E o doutorado foi sobre teoria quântica e Wittgenstein. Sua
caminhada intelectual, no doutorado, foi conturbada, pois se destinava a estudar o doutorado
com o próprio Wittgenstein, porém o filósofo morreu antes de Feyerabend chegar a Londres,
escolhendo, assim, Karl Popper – que conhecera pouco tempo antes em um seminário do
“Kraft Circle”, círculo parecido com o de Viena, porém focado apenas nas ideias de Kraft.
Segundo Morin (2012:21) esse círculo pode ser descrito como “um grupo de filósofos
e de cientistas, desejosos de liquidar a conversa fiada pretensiosa e arbitrária da metafísica”
que tomaram a decisão de “transformar a filosofia em ciência, fundamentando todas as suas
proposições com base em enunciados verificáveis e coerentes”.
Após o doutoramento, retornou à Áustria onde traduziu o livro The Open Society and
its Enemies para o alemão (1953). Um ano antes foi convidado para ser o assistente de Popper
na London School of Economics, Inglaterra. Em 1955 começa a dar aulas de filosofia na
Universidade de Bristol, na Inglaterra. Em 1958 visitou a Universidade da Califórnia,
26
Prefiro deixar as citações nas línguas originais, por acreditar que todo tipo de tradução acaba por reduzir,
mesmo que sem querer, os significados contidos no texto original. Como o espanhol é uma língua muita próxima
do português, não entendo que será um problema deixar as citações de Isaza em sua língua original.
95
Berkeley, por conta de alguns artigos que escrevera e que apoiavam o positivismo, sendo que
a partir de 1959 aceita o convite para trabalhar na mesma instituição, onde ficou até 1990.
Até então, suas ideias eram fortemente influenciadas pelas ideias de Popper, porém
nos anos que se seguiram (de 1960 a 1969), Feyerabend repensa sua proximidade com as
teorias de seu antigo orientador, dando lugar à questão do empiricismo e, em diversos artigos
e trabalhos publicados nesse período tenta ao máximo se distanciar de Popper.
Em 1974 Imre Lakatos, seu amigo, faleceu com uma hemorragia cerebral repentina.
Isso impossibilitou a publicação do livro elaborado a partir dos diálogos tecidos entre ambos
os pensadores, projeto que já estava em andamento e recebera o título For and against the
method. Parte do nome foi utilizado por Feyerabend no ano seguinte (1975) ao publicar o
livro Against the method. Seu primeiro livro e, talvez, o mais importante, tem como foco
principal o estudo mais aprofundado da ideia de “epistemologia anárquica”, que já tinha
aparecido anteriormente em um dos seus artigos de 1970, intitulado “Consolations for the
specialist”.
Seu segundo livro, A ciência em uma sociedade livre, é lançado em 1978, além dos
seus trabalhos filosóficos também terem aparecido em alemão. A tradução dos dois primeiros
volumes de seus escritos sobre filosofia para o inglês aconteceu em 1981. O terceiro livro
Science as an Art foi publicado em 1984, enquanto que Adeus à razão foi publicado em 1987.
No ano seguinte ocupou-se da segunda edição de Contra o método. A terceira edição desse
livro foi lançada em 1993.
Um dos momentos mais importantes para a sua vida aconteceu no ano de 1983, em
que conheceu a mulher que viria ser sua esposa em 1989: Grazia Borrini. Doutora em física
pela Universidade de Florença, Itália (1977) e mestra em Saúde Pública pela Universidade da
Califórnia, Berkeley (1986), tendo trabalhado tanto com pesquisas dentro de universidades,
lecionando na faculdade, bem como atuou como consultora em expedições por diversos países
espalhados pelo globo terrestre. Desde 2006 é a presidenta da Fundação Paul K. Feyerabend.
Sua vida, muito maior que apenas essas linhas introdutórias, foi cheia de reviravoltas
como vemos. Nos últimos trabalhos produzidos, muitos de seus posicionamentos sobre o
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relativismo, principalmente, passam a ser menos sólidos. A única crítica que levou a ferro e a
fogo até sua morte foi contra o objetivismo e um dos seus primeiros orientadores: Popper,
como podemos perceber nas palavras do próprio Feyerabend: “é por isso que Walter
Hollitscher é professor, ao passo que Popper, que também fiquei conhecendo muito bem, é
mero propagandista” (2003:328).
Em sua obra Contra o método podemos perceber, de uma maneira geral, de que
maneira um cientista critica a própria ciência. E, apesar de criticar o método cartesiano e o
positivismo lógico de ponta a ponta, foi impossível ao filósofo se desligar de métodos para
escrever essa obra. É importante salientar isso, para deixar claro, logo de início, que apesar de
criticar como a ciência faz para pensar o mundo, ele também, compreensivamente se utiliza
dessa mesma ciência que aprendeu para criticá-la. Deixando bastante claro que não se deve
jogar o método ou a ciência abaixo. Então que pensar o pensamento de dentro do próprio
pensamento, criticando a lógica por meio de argumentos lógicos: esse foi o exercício que
Feyerabend fez.
Outro apontamento feito por Feyerabend (2003:31), que sublinha a sua proposta (e
aposta) no anarquismo dentro do campo da epistemologia, é que “o anarquismo, ainda que
talvez não seja a mais atraente filosofia política, é, com certeza, um excelente remédio para a
epistemologia e para a filosofia da ciência”. A ciência, nesse sentido, muito teria a ganhar se
aplicasse critérios anárquicos às suas práticas e, mais ainda, à sua epistemologia.
Em sua defesa, Feyerabend (2003:33) diz que a história da ciência não se refere apenas
aos fatos e conclusões que cientistas deram para o mundo, mas “também contém ideias,
interpretações de fatos, problemas criados por interpretações conflitantes, erros e assim por
diante”, ou seja, como há ação humana para se produzir conhecimento, e essas ações acabam
por interpretar e “sujar” – mesmo que minimamente – os fatos, não existem “fatos nus”, pois
todos os fatos “já são vistos de certo modo e são, portanto, essencialmente ideacionais”.
O anarquismo prega a liberdade dos sujeitos: sua total autonomia com relação às
instituições, seja de cunho religioso ou político, como o Estado. Assim, que um anarquismo
dentro da ciência, como aponta Feyerabend (2003:35), configurar-se-ia por uma postura ética
que se opõem “a qualquer tipo de restrição” exigindo sempre do indivíduo a permissão de
“desenvolver-se livremente, não estorvado por leis, deveres ou obrigações”. Resumida, sua
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noção sobre o anarquismo é de que “mesmo uma ciência pautada por lei e ordem só terá êxito
se se permitir que, ocasionalmente, tenham lugar procedimentos anárquicos” (Feyerabend,
2003:42).
Desse modo, é que Feyerabend (2003:47) defende a anarquia nesse jogo da Razão,
entendendo o anarquista “como um agente” secreto que age para “que se solape a autoridade
da Razão”. Muito clara a proposta do filósofo da ciência: ele pede que a Razão, o método, os
cientistas sejam humildes frente à nossa humanidade.
De qualquer maneira, muitas vezes a ciência não andou desse modo. Muitas vezes a
postura que vemos é de que “as teorias não devem ser mudadas, a menos que haja razões
prementes para tanto” e “a única razão premente para mudar uma teoria é o desacordo com os
fatos”. Assim, continua Feyerabend (2003:51), para que os cientistas consigam se
desvencilhar dessa aporia é de suma importância ter em mente que “a discussão de fatos
incompatíveis com a teoria conduz ao progresso” e, portanto, é salutar que se aumente o
número de fatos relevantes. Só desse modo, com o aumento de fatos relevantes, os cientistas
conseguem fazer teorias crescerem.
necessárias excelentes razões para obter-lhe mesmo uma audiência moderadamente justa. As
razões são apresentadas, mas são amiúde desconsideradas ou ridicularizadas, e infelicidade é
a sina dos inventores audazes”, contudo, continua o autor, “gerações novas, estando
interessadas em coisas novas, ficam curiosas; consideram as razões, levam-nas adiante, e
grupos de pesquisadores iniciam estudos detalhados. Esses estudos talvez conduzam a êxitos
surpreendentes”, o que leva a teoria para tópicos de discussão aceitáveis e começa a ser
“apresentada em simpósios e grandes congressos. Os membros intransigentes do status quo
sentem-se obrigados a estudar um outro artigo, a resmungar alguns comentários, e, talvez, a
tomar parte em sua exploração”. Esse é o momento “em que a teoria já não é mais um tópico
esotérico de discussão para seminários e conferências avançados, mas ingressa no domínio
público”. E entrar no domínio público significa que começam a se produzir “textos
introdutórios e popularizações; questões de exames começam a lidar com problemas a serem
resolvidos nos termos da teoria”. Por conta de uma interdisciplinaridade, “cientistas
pertencentes a campos distantes e filósofos, tentando exibir-se, fazem alusões aqui e ali, e esse
desejo frequentemente mal informado de estar do lado certo é tomado como mais um sinal da
importância da teoria”.
Com essa proposta e gosto por teorias novas, livres, abertas “devemos encarar as
concepções de mundo da Bíblia, do egípcio Gilgamés, da Ilíada e dos Edda como
cosmologias alternativas plenamente desenvolvidas”, ou seja, “que podem ser utilizadas para
modificar, e mesmo substituir, as cosmologias ‘científicas’ de determinada época”
(Feyerabend, 2003:59). Acontece que, em nosso mundo científico de hoje, “o chauvinismo
científico triunfa”, posto que “o que é compatível com a ciência deve viver, o que não é
compatível com a ciência deve morrer” (Feyerabend, 2003:63). Muito próximo da metáfora
99
criada por Alves, de que a ciência é um dos estômagos possíveis para se compreender o
mundo. E o que não pode ser digerido por esse estômago é cuspido. Jogado fora. Até aqui não
há problema nenhum. Acontece que, historicamente, o que é jogado para fora do estômago da
ciência (portanto, não científico) não deve ser aproveitado por nenhum outro estômago,
porque, para o conhecimento, tudo aquilo que não for científico não serve.
As teorias são muitas, diversas, confusas e diferem muito, em alguns casos, umas das
outras. Essa riqueza de possibilidade é fator determinante para o sucesso da humanidade no
que concerne à epistemologia. Mais, até, como diz Feyerabend (2003:64), “o pluralismo das
teorias contribui para o engrandecimento da perspectiva humanitarista”. A ideia de
“metodologia pluralista” a que Feyerabend (2003:65) se refere, aparece principalmente no
escrito de John Stuart Mill intitulado On Liberty (1961).
Aliás, Mill é uma referência bastante forte para Feyerabend nesse assunto sobre a
pluralidade, como indicado por Isaza (2014:88): apesar da preferência de Mill pelo termo
“variedade de situações”, no lugar de pluralidade, ambos os pensadores estão se referindo ao
mesmo significado, porém com dois significantes diferentes. Nas palavras de Isaza
(2014:92):“comparemos nuevamente a Feyerabend con Mill: ‘el mayor número posible de
alternativas’, como lãs llama Feyerabend para hacer posible la formación de una opinión útil,
es, en Mill, ‘la variedad de situaciones’ para desenvolver el espíritu humano”. Mais à frente,
Isaza (2014:92) conclui que Mill “fue la principal influencia en el pensamiento de
Feyerabend”.
100
Toda teoria, por mais plural que sejamos, tem seus limites. Precisamente porque toda
metodologia tem também seu limite. Mas, além desse argumento já conhecido, Feyerabend
(2003:67) diz que a teoria, também, jamais estará “de acordo com todos os fatos conhecidos
em seu domínio”. Talvez no mundo da Física seja mais fácil compreender esse argumento: a
teoria da mecânica clássica de Newton não se encaixa como uma luva para os fenômenos
muito pequenos. Para tais dimensões minúsculas foi elaborada a física quântica. Pois bem, a
própria física quântica, também não se dá muito bem quando vai tentar explicar o terreno
físico de proporções humanas (movimento dos carros, movimento dos planetas, etc). Temos,
nesse sentido, duas teorias que ajudam a explicar muitos fenômenos, mas que, de um lado e
do outro, não dão conta de dar uma única resposta consistente para todas as perguntas.
Ainda assim, mesmo que algumas teorias não consigam explicar quase nada (ou nada
mesmo), “isso não é razão para desconsiderá-la” (Feyerabend, 2003:73). O problema, não
reside na ação de não-descartar a teoria A, ou a teoria B, mas, nas palavras de Feyerabend,
quando conservamos “a teoria e tenta-se esquecer suas deficiências” (Feyerabend, 2003:73).
Esquecer as deficiências de uma teoria somente para mantê-la como a principal teoria de um
certo campo: a isso que devemos tomar coragem e não aceitar. Este, sim, é o fechamento e o
estreitamento do pensamento.
Bem, fato é que, muitas vezes alcançamos os limites de uma teoria, mesmo sem saber,
e aí quando começamos a nos questionar e elucubrar o que está após a marcação que não
conseguimos atravessar, percebemos que para se chegar a alguma resposta no mínimo
satisfatória, teríamos de utilizar métodos contraindutivos, bem como hipóteses sem pé nem
cabeça. Ou seja, abrir nossos horizontes para outros saberes contribuiria com esse momento
derradeiro da pesquisa. Nos raros casos em que “os argumentos parecem ter efeito, isso se
deve com mais frequência à sua repetição física do que a seu conteúdo semântico”
(Feyerabend, 2003:39), ou seja, a aceitação de uma nova teoria se dá mais pela repetição
exaustiva de tentar e tentar e tentar provar alguma nova teoria do que pelo conteúdo
produzido pelo cientista.
evidência julgue nossas teorias diretamente e sem mais cerimônia. Um julgamento direto e
não qualificado das teorias pelos ‘fatos’ com certeza eliminará ideias simplesmente porque
não se ajustam ao referencial de uma cosmologia mais antiga”. A ciência, desse modo, deve
ser percebida como coisa social, histórica, datada em um determinado tempo. E essa data, que
é uma marcação no tempo, muito dirá sobre os cernes das teorias predominantes. Tomando
cuidado, sempre, como disse Feyerabend, para não deixarmos cair nas mãos dos “fatos” o
papel de julgar as teorias.
telescópica podia trazer ordem ao caos (que pode ter sido ainda maior, em virtude dos
diferentes fenômenos vistos na época mesmo a olho nu) e separar aparência de realidade”.
Essa teoria foi a que Kepler desenvolveu em 1604 e, depois, revisou em 1611.
Nesses termos, Galileu desafiou e questionou toda uma cosmologia, não usando
somente sua razão para conseguir crédito e respeitabilidade de outros cientistas, mas também
de propaganda. A propaganda, a qual Feyerabend (2003:159) se refere como essencial, segue
nos termos de um discurso responsável por incitar essa mudança de cosmologia, mas,
significa, também, como um meio “irracional”, ao seu ver. No mesmo patamar se encontram
as emoções, hipóteses ad hoc, preconceitos de todos os tipos. “É nesse contexto que se torna
tão importante o surgimento de uma nova classe secular, com uma nova perspectiva e
considerável desdém pela ciência das escolas, seus métodos, seus resultados e até sua
linguagem” (Feyerabend, 2003:154). Eis aí a proposta para uma quebra de paradigmas
firmemente consolidados.
O julgamento de Galileu
Nove anos antes de vir a falecer, em 8 de janeiro de 1633, Galileu recebeu seu
veredicto final, daquele que se tornou um dos julgamentos mais conhecidos da história
humana. Sua condenação foi a retratação pública na qual Galileu deveria assumir que sua
crença no heliocentrismo não era nada pertinente e que a Terra não se move em volta do Sol,
mas que o Sol é que gira em torno da Terra; além da retratação, teve de viver perpetuamente
em prisão domiciliar; e por três anos, semanalmente, tinha de repetir os sete salmos
penitenciais.
O problema para a Igreja não era tanto pelo o que Galileu dizia, escrevia e pesquisava,
mas, sim, pela maneira como dizia esses conhecimentos. Galileu apresentava a todos o
heliocentrismo como verdade. Por esse motivo que, se usasse de argumentos científicos para
provar à Igreja alguma teoria que fosse diferente daquela aceita, essa prova “era usada para
revisar a interpretação de passagens da Bíblia aparentemente inconsistentes com ela. Há
muitas passagens na Bíblia que parecem sugerir uma Terra plana. Ainda assim, a doutrina da
Igreja aceitava a Terra Esférica como coisa evidente” (Feyerabend, 2003:177), o que não
estava disposta era “mudar [sua cosmologia] somente porque alguém havia produzido
algumas conjecturas vagas”. Por pedir provas para as teorias e a argumentação científica,
conseguimos comparar seu modus operandi com outras instituições científicas
contemporâneas, o exemplo são as “universidades, escolas e mesmo institutos de pesquisa em
vários países usualmente esperam por um longo tempo antes de incorporar novas ideias em
seus currículos”.
Contra o método
Até aqui, já esboçamos algumas linhas principais que, se pensadas juntas, dão fortes
indícios da filosofia da ciência que Feyerabend construiu em seu texto. Agora vamos amarrar
melhor a ideia de “contra o método”. Esta é a última parada antes do terceiro capítulo.
Mas sem pânico, pois “esses ‘desvios’, esses ‘erros’, são precondições do progresso”,
alerta Feyerabend (207-208), na medida em que, como continua o autor, permitem que o
conhecimento sobreviva no mundo complexo e difícil que habitamos, permitem que nós
permaneçamos agentes livres e felizes. Termina por concluir que
28
Passados 359 anos, o papa João Paulo II, em 31 de outubro de 1992, representando a Igreja Católica
Apostólica Romana, desculpou-se pelo julgamento e pela condenação de Galileu Galilei.
107
O filósofo se questiona: “Não é possível que uma abordagem objetiva”, pautada pela
razão e “que desaprova ligações pessoais entre as entidades examinadas, venha a causar danos
às pessoas, transformando-as em mecanismos miseráveis, inamistosos e hipócritas, sem
charme nem humor?” E, então, coloca a questão nas palavras de Kierkegaard: “Não é possível
que minha atividade como observador objetivo da natureza venha a enfraquecer minha força
como ser humano?”, a resposta para essa pergunta, como Feyerabend suspeita (2003:203), é
afirmativa, uma vez que acredita “ser urgentemente necessária uma reforma das ciências que
as torne mais anárquicas e mais subjetivas (no sentido de Kierkegaard)”. Em outras palavras,
o que Feyerabend propõe é que devemos fazer a de subjetividade dialogar com o mundo
objetivo da ciência positivista, faz parte da atitude contra o método. Subjetividade no sentido
de se levar em conta aspectos humanos que muitas vezes são desconsiderados.
Essas lacunas e contradições vêm de aspectos humanos, ou seja, vem de dentro de nós
mesmos: “A ignorância, a teimosia, o basear-se em preconceitos, a mentira, longe de
impedirem o avanço do conhecimento, podem realmente ser-lhe de auxílio, diz Feyerabend”
108
“A ciência não é uma tradição isolada nem a melhor tradição que há”, começa a nos
contar Feyerabend (2003:303), “exceto para aqueles que se acostumaram com sua presença,
seus benefícios e suas desvantagens. Em uma democracia, deveria ser separada do Estado
exatamente como as igrejas ora estão dele separadas”. A separação da ciência do Estado diz
respeito à crítica feita por Feyerabend de que os cientistas agem dentro de sua instituição da
mesma maneira – guardadas as proporções – que os clérigos, monges, etc, nas instituições
regidas pela fé. Ou seja, pregam uma verdade para o mundo inteiro, sem aceitar a
possibilidade de sua proposição estar errada. Forçar uma visão sobre os assuntos está muito
longe da liberdade procurada por Feyerabend. E o papel do Estado, aos seus olhos, é o de
proporcionar o acesso à pluralidade e às diversas variações do conhecimento. Pôr os cidadãos,
então, para conversarem com diversos e distintos saberes. Nas palavras de Isaza (2014:91):
Si una sociedad cuenta entonces com la libertad necesaria para que sus
integrantes tomen sus propias decisiones y, además, permite que las distintas
prácticas humanas que nacen de ella sean respetadas por el Estado y por las
opiniones mayoritarias y puedan interactuar entre ellas, cada individuo podrá
desarrollar sus talentos y nutrir con sus productos a la sociedad que lovio y
le permitió desenvolverse. En suma, para desarrollar los talentos humanos de
suerte que los indivíduos puedan realizarse a partir de sus propias decisiones
y la sociedade beneficiarse de las virtudes o talentos de sus integrantes, es
necesario, y este es el tercer elemento que adopta Feyerabend de Mill, que
haya el mayor número posible de alternativas o variedad de situaciones.
Todos estos elementos harían posible conseguir la madurez ciudadana.
A ciência como a única resposta para tudo é o mundo ideal para os cientistas, mas
somente para eles. Pois ajuda apenas os que estão “dentro” da ciência. Já para os que estão
fora... “sugere a eles um comprometimento religioso da mentalidade mais estreita e encoraja
uma estreiteza de mentalidade por parte deles” (Feyerabend, 2003:317). A estreiteza e as
poucas possibilidades de conhecimentos é que se devem questionar.
109
CAPÍTULO III
Os sujeitos desta pesquisa são muitos. Mas quatro em especial: Martin Buber, Paul
Feyerabend, Paulo Freire e Rubem Alves. Agora, com eles e suas ideias, das quais nos
aproximamos nas páginas anteriores, vamos conversar mais abertamente sobre temas que
atravessam a Compreensão. Para tanto, nossa metodologia nessa fase final é a paralaxe. A
paralaxe é uma noção bastante compreensiva, se a pensarmos do seguinte ponto de vista: ela é
um jeito de entender que o mundo e as coisas, todas elas, têm sempre várias possibilidades de
110
interpretação e, com isso, várias leituras que muitas vezes poderão divergir entre si. Mas que
nunca deixarão de ser leituras possíveis, ou leituras verdadeiras. Algo como a velha história
do copo meio cheio ou meio vazio: depende do estado de humor daquele que vê o copo. A
compreensão como método inicia sua caminhada a partir dessa posição. A visada, portanto, é
de natureza dialógica, e não dialética, no sentido estrito do termo.
Falando de brincar, me veio essa ideia: toda criança devia brincar de Lego. A palavra
Lego vem do norueguês: Leg Godt, que no inglês tem seu significado traduzido por “play
well”, que se transforma em “brinque bem”, quando traduzido para o português. Explico
minha afirmação anterior: ainda não existem muitos estudos sobre isso, mas aposto (no
sentido de Pascal, que apostava na existência de Deus e se defendia das críticas com a
seguinte explicação: se eu apostar em Deus e ele não existir, bem, eu não perco muito; mas, se
ele existir e eu não apostar em sua existência, aí, sim, minha situação se complica; portanto,
se ele existir, e eu apostar em sua existência, eu só tenho a ganhar) que o Lego é uma ótima
maneira de aprender a pensar. Pois pensar e brincar são coisas muito próximas.
ficam tão bonitas assim. Existem aquelas peças que sequer encaixam, mas tinham que
encaixar, porque ficariam tão mais bonitas e tão mais agradáveis aos nossos olhos... Alves
(2013:30-31) diz que existem dois tipos de brinquedos: os brinquedos úteis e os brinquedos
lúdicos. Os primeiros estão classificados naquela longa lista de qualidades quantitativas, que a
ciência vive proclamando. Os brinquedos lúdicos, por sua vez, encontram-se não em listas,
mas nas manifestações mais sinceras/singelas do nosso pensamento. O pensamento é isso:
montar um brinquedo e, depois, brincar com ele.
Outra vantagem de brincar com o Lego é que, além de aprender que as coisas
encaixam, aprendemos que todo brinquedo montado pode ser desmontado. Toda ideia
produzida pode ser desmontada, remontada, transformada. Para o pensamento, e a
brincadeira, não há limites. Pelo percalço de um pensamento-brincante, ou de um pensamento
brincalhão, vamos conversar com todas essas vozes. No melhor estilo de uma roda de
conversas, os temas caminharão de forma livre, dentro do campo da compreensão e da
comunicação e, é claro, das ideias dos autores que vimos estudando. A proposta parece
bastante compreensiva, pois não se propor a fechar uma única visão e, sim, abrirá os biombos
para se pensar o mundo de múltiplas perspectivas, como o pensamento compreensivo aposta.
Retornaremos às janelas de Baitello Jr., fugindo dos biombos criados pelo nosso próprio jeito
de pensar.
Buber organiza sua obra Eu e Tu como proposta de uma ética, de uma maneira de viver no
mundo, partindo, em muitos momentos, de suas próprias experiências e vivências.
Das interações que temos com os outros acontecem num campo entre os sujeitos e, ao
se entrar nesses espaços, é necessário ter respeito e responsabilidade para com o outro. Eu e
Tu se formam num par de dependências, ou seja, o Eu só se desenvolve por contato com o Tu.
Aos vínculos, tão presentes na noção de uma relação dialógica Eu-Tu, podemos
acrescentar as ideias do primatólogo Frans de Waal. Em seu livro A era da empatia: lições da
natureza para uma sociedade mais gentil (2010), ele começa a obra questionando se o campo
que pensa a biologia tem algo a ensinar à sociedade, e por certo que tem. Ao afirmar que “o
vínculo é um elemento essencial para a nossa espécie”, pois “não há nada que nos faça mais
felizes” (Waal, 2010:29), o pensador propõe que pensemos nossas relações sociais não
somente com a razão, uma vez que “vivemos numa época que enaltece o que é cerebral”
(2010:20), mas “de baixo para cima”, ou seja, partindo daquilo que nos funda.
comportamentos que realmente nos fazem humanos não são os de guerra, mas “os
comportamentos que mantém as sociedades unidas”.
Nas palavras de Waal (2010:71): “as ideologias vêm e vão, mas a natureza humana
permanece”. Nossa natureza humana, com relação aos outros sujeitos, nos empurra para o ato
da empatia, como descreve Waal (2010:75):
Dessa maneira, não é por meio da imaginação (ou algum processo de abstração ou
racional) que se desencadeia os processos de empatia, ela “requer, antes de mais nada,
envolvimento emocional”, uma vez que “as conexões corporais vêm primeiro – a
racionalização vem depois” (Waal, 2010:108).
Como vimos nas ideias de Freire, há uma relação primordial entre sua proposta de
educação como prática da liberdade e sua teoria da ação dialógica com a proposta hegeliana
de dialética. Se classificássemos a teoria dialógica e sua antítese, a teoria da relação anti-
dialógica, conforme Freire expõe em seu livro Pedagogia do oprimido (2011c), ordenaríamos
115
ambas como teorias que seguem o método hegeliano. A tese, a antítese e a síntese, as
dicotomias entre o dialógico e o antidialógico, o papel das massas na revolução das estruturas
sociais, a superação, alienação, a tomada de consciência etc.
Para tanto, precisamos abordar seu texto de maneira complexa, pois, se ele mesmo
alterna entre ambos os métodos científicos aplicados à teoria e à sua prática, não seremos nós
os responsáveis por reduzir seu entendimento de mundo.
“A ação extensionista”, diz Freire (2011b:20), “envolve (...) a necessidade que sentem
aqueles que a fazem de ir até a ‘outra parte do mundo’, considerada inferior, para, à sua
maneira, ‘normalizá-la’”, para fazê-la mais ou menos semelhante a seu mundo. De partida já
vemos uma crítica para com o estreitamento de visões sobre o mundo. Extrapolando este
exemplo para o campo da ciência, não seria o mesmo que criticar a deusa Razão por ir aos
campos de outros saberes e dar as diretrizes e explicações sobre coisas que estão além do
racional?
O campo associativo (o que estamos entendendo neste trabalho por rede semântica) da
extensão encontra as seguintes palavras: transmissão, entrega, doação, messianismo,
mecanicismo, invasão cultural, manipulação... São todas palavras propostas por Freire
(2011b:20).
29
Isso é uma herança do marxismo, ao qual Freire se vinculava teórica e ideologicamente. Ora, o marxismo,
insistindo, inclusive em seu caráter científico, é um herdeiro, dos mais conscientes, do espírito positivista
dominante no século XX.
116
necessário que educador e educando sejam tidos como sujeitos do processo de aprendizagem
e não como objetos pois é só “enquanto sujeito, que o homem pode realmente conhecer”,
argumenta Freire (2011b:29). Não há uma dicotomia, nesse sentido, entre homem e mundo.
Assim, o que Freire propõe é que, para todos os casos em que o sujeito seja tratado
como objeto, por meio da comunicação (que ele entende como aberta e dialógica) haja um
ritual de purificação. Esse ritual é conhecido pelo nome de educação. Mas em outros termos
significa apenas um rito de passagem: o homem coisificado, objeto do pensamento, precisa
voltar-a-ser o sujeito do pensamento, o homem que pensa. Para alcançar tal condição, o
sujeito precisa aprender a falar a sua própria palavra, não repetir a palavra do educador que o
libertou, mas, verdadeiramente, a palavra interior de seu próprio pensamento. Freire aposta no
humano. E o que é isso se não um ato compreensivo? Inserir o outro – e a nós mesmos – no
mundo é justamente o que Buber propunha e, também, o que Freire faz.
Trecho retirado entre os minutos 1h03m17s e 1h04m58s da entrevista: SALGADO, Sebastião. “Entrevista com
30
Sebastião Salgado” Programa Roda viva. TV Cultura. 16 de Set. 2013, Dur. 1h31. [online] disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=IL3Ou7Khl3A> Acesso em: 10 Mai. 2015.
117
Eu tentei chegar nos jacarés da mesma forma que fiz com a tartaruga em
Galápagos. Eu me escondendo um pouco no mato, os Jacarés veem em 180º e
eles começaram a andar todos para a água. Aí eu pensei, como é que eu vou
fazer? Aí que eu falei: vou chegar em jacaré. Vou vir de jacaré. Também fui
deitado me arrastando em direção a eles. Eles acharam aquilo engraçadíssimo.
Eles começaram a sair da água, olha, teve jacaré que riu, você entende? (...).
Olha, na verdade, eu descobri no projeto Genesis que você deve respeitar tudo.
Pra fotografar paisagem, você tem que respeitar a paisagem. Voce tem que
tentar compreender a dignidade da paisagem.31
A proposta de Sebastião Salgado32 demonstra a sua preocupação em, não só trazer
para o mundo determinadas fotografias de animais, paisagens ou humanos que vivem em
cantos escondidos no planeta, mas um respeito ao outro. Salgado entendeu que, para
fotografar um animal, ele precisaria se pôr no lugar de um animal, ser um Tu para a
“tartaruga-Eu”, ou um Tu para o “jacaré-Eu”. Só por meio de uma relação que traga os
animais para o mundo, que atualize a sua existência no mundo, por meio da dialogia (Eu-Tu)
é que ele conseguiu retratar em fotografias essas suas vivências. O movimento que Salgado
traça é o de trazer para perto o outro, ir ao encontro dos animais para eles virem ao encontro
da humanidade por meio de suas fotografias. A foto, final, em si, não quer dizer muito sobre a
relação dialógica para nós, mas aposto que qualquer uma dessas fotografias que ele fez, muito
provavelmente, ele olhará pra elas e se lembrará do momento em que se encontrou com a
tartaruga de Galápagos. Dessa maneira, ele faz uma coisa que estamos chamando nesse
trabalho de prática da Compreensão.
E podemos nos indagar do seguinte: não está, Freire, nesse mesmo movimento de
prática da Compreensão que encontramos Sebastião Salgado, justamente por propor trazer o
outro para perto, para o mundo, para conhecer e produzir conhecimentos? Parece que o que
Freire fez foi a mesma coisa, só que em outro campo: do letramento, da alfabetização e da
educação, enquanto este vivo. Não é difícil ouvirmos críticas à postura iluminista de Freire,
principalmente porque sua educação é – nas próprias palavras dele – “conscientizadora, pois o
homem vive na consciência”. O próprio amigo de Freire, Rubem Alves, também pontua essa
crítica. Porém, a ação de Freire não poderia ser considerada, além de conscientizadora, mas
como um ato de amor ao próximo? Ensinar alguém a falar a sua própria palavra, sua visão de
mundo, não se trata apenas de transferir conhecimentos, mas de trazê-la para o mundo. De
31
Trecho retirado entre os minutos 1h05m20s e 1h06m38s da entrevista: SALGADO, Sebastião. “Entrevista
com Sebastião Salgado” Programa Roda viva. TV Cultura. 16 de Set. 2013, Dur. 1h31m19s. [online] disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=IL3Ou7Khl3A> Acesso em: 10 Mai. 2015.
32
Um pequeno adendo: podem ter existido outros fotógrafos que tenham como proposta a mesma que
interpretamos na atitude de Sebastião Salgado. Não discuto isso. Também não estou querendo dizer que essa
proposta é original. Quisemos apenas demonstrar como a Compreensão pode ser praticada sob essa ideia de
trazer para perto o outro que está longe.
118
Carlos Brandão, outro educador brasileiro, também fala sobre a relação de Freire e
Alves, e creio importante aceitar sua sugestão. Os dois personagens e pensadores brasileiros a
quem dei maior ênfase nessa dissertação, Freire e Alves, não devem ser considerados como
autores opostos. Isso é, trazer os dois pensadores para uma mesma roda de conversas não é
um ato controverso, ou um “erro epistemológico”. Ambos realmente discordavam em
diversos assuntos, porém, eles são complementares. Pois o que um fala, o outro critica, revê,
pensa por outro lado. Pensar com esses dois sujeitos não é um indicativo de antagonismo, “o
que falta em um chama o outro” (Alves; Brandão, 2010:104)
Esquecer o método é uma das maneiras de ser contra o método. Um ato de coragem
para dar este salto e ir buscar outros saberes aos quais comumente se renega o título de
conhecimento.
119
Um dos ingredientes necessários para esse ato que quebra as janelas-biombo (aquelas
a que nos referimos no começo, segundo Baitello Jr., que mais fecham do que mostram) é a
paralaxe. A paralaxe é comumente entedida por um deslocamento aparente de um objeto
causado pela mudança do ponto de vista de observação que permite nova linha de visão. Mas
é necessário ampliar um pouco nosso entendimento do que significa a paralaxe dentro dos
termos da filosofia e, principalmente, da epistemologia, como nos mostra Zizek (2008). A
começar pelos participantes dessa relação: há um sujeito (aquele que vê) e há um objeto-
fenômeno (enxergado). O sujeito que observa um objeto-fenômeno enxerga determinadas
formas e conteúdos. Aquilo que ele não vê no objeto-fenômeno é uma sombra da sua própria
inserção nessa relação. Isso quer dizer que a realidade que o sujeito enxerga nunca é inteira,
pois falta justamente uma parte, por menor que seja, que corresponde à sua “sombra”. O
sujeito encobre parte do objeto ao encará-lo.
Repetindo uma citação já usada anteriormente neste trabalho, e que faz muito sentido
nesse momento: “esquecer para lembrar” (Alves; Brandão, 2010:78), pois “os saberes ocultam
algo” (Barthes, 2011:58). A luz que ilumina, clareia e demonstra, com todas as suas medidas e
métricas criadas do raciocínio, os objetos analisados é a mesma que deixa de iluminar outros
saberes sobre o mesmo objeto. Pasmem, as luzes também são capazes de ofuscar!
Em 2014 tive a felicidade de publicar um texto intitulado “Ouvir bem para se viver
bem: as experiências das Casas de Mediação e da Comunicação-Não-Violenta” (Brito, 2014c)
no livro Comunicação, diálogo e Compreensão. Nesse texto, as primeiras palavras referem-se
à uma citação de um aforismo de Alves, retirado do conto “A escutatória” que pode ser
encontrado em seu livro O amor que acende a lua (2002). Ele diz o seguinte: “Todo mundo
120
quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir”. É forte essa crítica. É forte porque,
nossa vida inteira, aprendemos que temos de saber falar bem para sermos respeitados e
conquistar praticamente tudo que quisermos. Porém, o principal pilar que utilizamos para
construir qualquer relação intersubjetiva é o diálogo. A comunicação. Como queremos nos
comunicar, se poucas vezes damos importância e a devida atenção ao que os outros têm a
falar?
Ouvir bem tem o sentido de compreender o que se ouve, quem se ouve e o porquê se
ouve. O motivo fundamental de entrarmos em relações com os outros é o de exprimirmos a
totalidade do Eu, que só é possível no encontro com o outro (aquilo que falamos sobre a
relação Eu-Tu ser um arquétipo da condição humana, portanto, estamos sempre buscando
retornar a ela). A prática do ouvir bem, contudo, não somente no campo da ética e da
intersubjetividade, mas também no terreno das epistemologias. Epistemologia, dito de forma
simples, é o estudo de como se pensa o pensamento que produz conhecimento. O plural,
epistemologias, indica nossa crença e fé de que é possível pensar o pensamento a partir de
mais de um só lugar. Isso é o que colhemos da Compreensão. Então, e agora ouvindo as
indicações de Alves sobre o nosso corpo: que voz é essa que mora no corpo e que raras vezes
escutamos? De cara, já temos uma proposição que mostra o corpo que discorda das certezas
metodológicas, pois “simplesmente aposta na verdade de um pensamento que lhe aparece
repentinamente, vindo não sabe donde. E assim ele salta” (Alves, 2011:85). O corpo salta de
pensamento a pensamento.
Os saberes são necessários porque eles nos dão poder. Técnica. Meios para
viver. Usando-os como ferramentas temos a possibilidade de agir sobre o
mundo. Mas o corpo não entende a sua linguagem. Ele pode usá-los como
ferramentas, objetos exteriores a ele mesmo. Mas não se transformam em
sangue. São incapazes de dar um sentido à vida. Falta-lhes o poder das
palavras mágicas. O que move o corpo é o sabor sem palavras da sapientia
O mundo é conhecido pelo corpo, “existe um saber que mora no corpo, saber que
existe antes de poder ser dito em palavras”, Alves (2008:71) nos conta. Guimarães Rosa
concorda: “O que um dia eu vou saber, não sabendo, eu já sabia”, seguido de perto por
Riobaldo: “O corpo não traslada, mas muito sabe, advinha se não entende...” e Zaratrusta, que
121
usa as seguintes palavras para se expressar: “Há mais razão no seu corpo que na sua melhor
sabedoria” (apud Alves, 2008:71).
Há uma história, muito boa, para ilustrar esse argumento: a Centopeia e o Grilo. A
Centopeia andava pelo jardim quando encontrou o grilo que, intrigado, questionou: “Sra.
Centopeia, bom dia! Como consegue se coordenar Para andar? Não te atrapalha ter que pensar
e sincronizar suas 100 patas?”. Ao que a Centopeia responde: “Bom dia, Sr. Grilo. Nunca
havia pensado nisso... mas pode deixar que vou prestar atenção e lhe aviso quando
descobrir!”. O Grilo agradeceu, virou-se e seguiu seu caminho. Enquanto isso, a Centopeia
ficou parada, congelada. Aconteceu que ela nunca mais conseguiu se mexer, e então que
compreendeu a resposta ao questionamento do Grilo: só conseguia andar com a infinidade de
patas, porque não prestava atenção no próprio ato de andar, ou seja, nunca tinha tentado
transformar a experiência de andar em um processo racional e ordenado.
Daí que “a perda da sabedoria por causa da ciência”, nos conta Alves (2008:68), fosse
inevitável. Os saberes acabaram por sepultar a sabedoria. Nossa vida, contudo, não pode
seguir somente dos saberes: “Os conhecimentos nos dão meios para viver”, ferramentas
capazes das coisas mais impressionantes, só que é “a sabedoria”, continua Alves (2008:68),
“que nos dá razões para viver” e “sábias são as pessoas que sabem viver”, que se aproveitam
dos conhecimentos do corpo, da sabedoria, dos sabores... esquecem-se dos caminhos rígidos
construídos pela Razão e partem para a descoberta do novo. Melhor dizendo, eles partem para
a descoberta do que está por baixo, escondido, das muitas demãos de tinta que os saberes
utilizaram para esconder os conhecimentos “desnecessários”.
são chatos. “Via de regra”, completa Alves (2012:58), “a refeição acadêmica termina em
vômito ou diarreia. O engolido é esquecido”.
Mas por que não apostar em outras linguagens para expressar o conhecimento
científico? E não é que queremos jogar no lixo toda uma história do pensamento lógico e
racional. Do contrário, como Künsch e Carraro expõem (2012b:35), defendemos “que rigor,
conceitos, razão, lógica, pensamento abstrato e seus congêneres” que se encontram
espalhados aos montes pelo campo da ciência, “podem também ser entendidos, apresentados e
representados de diferentes modos, sem cadeias ou camisas-de-força. Podem ser
contemplados em sua fertilidade, em suas promessas de dialogia possível”. Dentro do campo
da comunicação parece bastante complicado pensar uma comunicação que não se comunica,
ou que, quando o faz, acaba por zonear todos os significados. Imaginemos, agora, no campo
do conhecimento como um todo: um conhecimento que não se comunica e/ou que se
comunica muito mal.
Nesse sentido que Feyerabend, Alves, Künsch e Carraro vão apostar, cada um a seu
modo, em maneiras de se comunicar o pensamento. Alves, por exemplo, demonstra em sua
filosofia o papel e a importância do corpo, muitas vezes deixado de fora das conversas sobre o
conhecimento. Feyerabend, com postura parecida, pensa ser necessário abrir o conhecimento
para que todos consigam produzir e, assim, tentar se diminuir as discrepâncias das linguagens
(do mundo das ciências com relação ao mundo comum). Künsch e Carraro têm sua aposta no
ensaio. Escrever de maneira ensaística é ter como ponto de partida que todo pensamento é só
uma tentativa de compreensão da realidade e, como a própria palavra diz: ensaiar uma
compreensão do mundo não é uma busca pela derradeira resposta, que resolverá todos os
problemas do homem. Ensaiar indica nada mais, nada menos do que pelo menos uma maneira
de interpretar o fenômeno.
estreita e a uma extensão de mentalidade estreita das últimas modas científicas a todas as
áreas do empreendimento humano” o problema da não-evolução da ciência.
Feyerabend (2003:333) traz o seguinte exemplo para contribuir com essa conversa:
Surge um problema. Nada é feito a respeito dele. As pessoas ficam preocupadas. Os políticos
disseminam essa preocupação. Chamam-se os especialistas. Eles desenvolvem teorias e
planos baseados nelas”, então, continua o autor, “grupos de poder, dispondo de seus próprios
especialistas, efetuam várias modificações até que uma versão aguada é aceita e efetivada. O
papel de especialistas nesse processo cresceu gradualmente”. A situação, agora, é a seguinte:
“teorias sociais e psicológicas do pensamento e ação humana tomaram o lugar desse próprio
124
pensamento e ação” e, no lugar de perguntar “às pessoas que estão envolvidas em certa
situação problemática, os promotores de desenvolvimento, educadores, tecnólogos e
sociólogos obtêm sua informação sobre” o que a população realmente quer e precisa, vai
continuar Feyerabend, “de estudos teóricos executados por seus estimados colegas naquilo
que eles pensam serem os campos relevantes. Não se consultam seres humanos, mas modelos
abstratos; não é a população-alvo que decide, mas os produtores dos modelos”.
Esse papo nos leva para outro campo, o campo da inteligência. Pois, “os produtores
dos modelos” a que Feyerabend está se referindo são, com certeza, cientistas de grande porte.
E a ciência, e seus fatos científicos, bem como seus métodos e suas metodologias, é a única
maneira de se responder os problemas, visto que desconhecem outros saberes e, também,
muitas vezes nem querem verdadeiramente conhecê-los. E, por falar em levar a outro campo,
encontramos em Isaac Asimov (2002), em seu texto “What is intelligence, anyway”, alguns
insumos importantes para essa conversa sobre o conhecimento comum e que creio ser
fundamental deixá-lo aqui na íntegra33.
33
Perdoem-me por não seguir as normas da ABNT conforme o restante deste trabalho, mas, como essa passagem
citada constitui um ensaio inteiro e muito extenso, preferi não deixar o recuo da esquerda nos 4cm como o
restante das citações diretas que passam de três linhas, em vez disso deixei o parágrafo centralizado com 2cm de
recuo tanto na direita quanto na esquerda. Assim, neste caso estou priorizando por uma leitura agradável, em vez
de uma norma técnica.
125
Yet, when anything went wrong with my car I hastened to him with it,
watched him anxiously as he explored its vitals, and listened to his
pronouncements as though they were divine oracles - and he always fixed
my car.
Well, then, suppose my auto-repair man devised questions for an intelligence
test.
Or suppose a carpenter did, or a farmer, or, indeed, almost anyone but an
academician. By every one of those tests, I'd prove myself a moron, and I'd
be a moron, too.
In a world where I could not use my academic training and my verbal talents
but had to do something intricate or hard, working with my hands, I would
do poorly.
My intelligence, then, is not absolute but is a function of the society I live in
and of the fact that a small subsection of that society has managed to foist
itself on the rest as an arbiter of such matters.
Consider my auto-repair man, again.
He had a habit of telling me jokes whenever he saw me.
One time he raised his head from under the automobile hood to say: Doc, a
deaf-and-mute guy went into a hardware store to ask for some nails. He put
two fingers together on the counter and made hammering motions with the
other hand.
“The clerk brought him a hammer. He shook his head and pointed to the two
fingers he was hammering. The clerk brought him nails. He picked out the
sizes he wanted, and left. Well, doc, the next guy who came in was a blind
man. He wanted scissors. How do you suppose he asked for them?”
Indulgently, I lifted by right hand and made scissoring motions with my first
two fingers.
Whereupon my auto-repair man laughed raucously and said, “Why, you
dumb jerk, He used his voice and asked for them”.
Then he said smugly, “I've been trying that on all my customers today”.
“Did you catch many?” I asked.
“Quite a few”, he said, “but I knew for sure I'd catch you”.
“Why is that?” I asked.
“Because you're so goddamned educated, doc, I knew you couldn't be very
smart”.
And I have an uneasy feeling he had something there.
Tão educado que não haveria possibilidade de ser tão inteligente… isso nos lembra o
que Alves falava: quanto mais lemos, menor é a nossa capacidade de pensar com nossa
própria cabeça. Ora, o que Asimov está criticando, no fundo, não é só um teste de Q.I., e, sim,
todo o complexo campo da ciência e da organização social para a produção do conhecimento.
O que está em jogo, neste texto de Asimov, é que os saberes “comuns”, não são considerados
“inteligência” ou, pelo menos, que eles não são tão “inteligentes” quanto os saberes
científicos.
Então que Feyerabend (2003:33) reaparece dizendo que “a educação científica tal
como hoje a conhecemos tem precisamente esse objetivo”, objetivo esse que busca a
simplificação da ciência por meio da “simplificação de seus participantes: primeiro: define-se
um campo de pesquisa. Esse campo é separado do restante da história (...) e recebe uma
126
‘lógica’ própria”. Essa lógica é uma hiperespecialização – nos termos de Morin (2001) – e,
também, um condicionamento que “torna suas ações mais uniformes e também congela
grandes porções do processo histórico. (...). Sua imaginação é restringida, e até sua linguagem
deixa de ser sua própria” (Feyerabend, 2003:33-34). Isso quer dizer que os que estudam
ciência são impelidos a reduzirem suas visões de mundo, simplificarem sua extensa e
complexa bagagem cultural e de conhecimento, a fim de reduzir as possíveis revoluções no
campo científico. O controle do pensamento, que enxerga Feyerabend existir por meio da
educação científica, visa, dessa forma, congelar o processo histórico no qual a ciência está
inserida.
A Compreensão se baseia numa crítica à ciência, quando ela, dogmática e fechada, não
abre espaço para o conhecimento plural e os mais distintos saberes existentes. A empatia, o
pensamento dialógico, a fotografia que traz o outro para o mundo, as relações Eu-Tu, saberes
do corpo, a prática da Compreensão no sentido de produzir compreensão entre as pessoas, ou
entre as ideias, o texto acadêmico indigesto, o anarquismo científico contra o dogmatismo e a
favor da liberdade de criação e de pensamento, o conhecimento comum dos sujeitos que
contribuem com as construções do conhecimento como um todo, bem como a ciência dos
livros e dos laboratórios que criou os testes de inteligência como uma forma de perpetuar seu
reinado, tudo isso diz respeito à Compreensão. Seja no campo da ética, da práxis ou da
epistemologia.
qualidades humanas e das ferramentas criadas pelos humanos para alcançar possíveis
entendimentos, interpretações e caminhos saudáveis aos questionamentos humanos.
Essas ideias específicas, bem como a dos autores estudados ao longo deste trabalho,
emaranharam-se nos fios tecidos neste capítulo e, por esse motivo, iremos recapitulá-las
sublinhando as suas principais relações com as ideias de Compreensão de maneira
sistemática.
Falar Eu- (-Isso ou –Tu) mostra a via de mão dupla que é a comunicação, pois sempre
existem pelo menos dois agentes (humanos ou não) em contato um com o outro. O que faz
esse contato na forma escrita de Buber é o hífen “-”. Símbolo que liga o Eu ao Tu, ou o Eu ao
Isso, mostrando que não há sujeito separado das coisas nem de outros sujeitos com quem ele
se encontra e profere uma das duas palavras-princípio. Todo Eu se liga ou a um Isso ou a um
Tu. O hífen denota a ligação espiritual que há entre todo humano com o mundo que o cerca. O
humano nunca está sozinho no mundo.
Essas ideias contribuem num sentido mais voltado à ética e para o universo do
intersubjetivo, âmbitos fundantes da Compreensão. Contribuem, especificamente, quando
pensarmos com as palavras de Morin: a compreensão pede que se compreenda o
incompreendido. Compreender o incompreendido exige de nós uma postura humana de
evocar o -Tu. Então que a ética compreensiva se abastece dessa relação do homem com seus
semelhantes e com as suas coisas, para conseguir, primeiro, existir no mundo e pensá-lo como
um mundo onde todos nós nos encontramos e que, por isso mesmo, estamos juntos sem
segregação.
Essa postura de Freire nos faz apostar em sua perspectiva mais de cunho dialógica que
a dialética, como já apontamos diversas vezes ao longo do trabalho. Isso significa que,
compreensivamente, agora podemos mudar a maneira com que lemos a obra, o pensamento e
a práxis freireana. Uma vez abertos os olhos, é possível compreender que o Freire, que atua
pautado por um pensamento, predominantemente, iluminista, está muito mais para o método
da Compreensão que o método científico. Freire pode transitar, dessa maneira, entre o status
de educador iluminista e educador compreensivo.
Para além da prática e da ética, dos saberes cotidianos, as artes, o erro, e outros saberes
comumente deixados de lado pela deusa-Razão, há uma que Alves tem em alta conta: a
sapiência. A sabedoria, que nos alcança na terceira idade da pesquisa, é uma das muitas
maneiras de compreender a vida e o mundo que nos rodeia, renegados pela ciência. Para
retornar a essa sabedoria, Alves indica o caminho traçado por Barthes: o esquecimento.
34
As intervenções consistem em visitas dos colaborados da ONG a homens, mulheres, crianças e velhinhos que
estão instalados nos leitos dos hospitais, com o objetivo de levar alegria e risadas. Como eles fazem isso? Ao se
vestirem de palhaço, todos os colaboradores se transformam em um ponto de contato humano com aqueles que
passam por dificuldades de saúde. Mais informações podem ser encontradas no próprio site do projeto:
<www.cantocidadao.org.br>. Acesso em: 05 Ago. 15. Outras fontes são os textos produzidos por Felipe Mello,
principalmente em seu texto “O universo do palhaço, o diálogo e a compreensão” (2014), que se encontra no
livro Comunicação, diálogo e compreensão (2014).
129
Esquecer, segundo a leitura desses últimos dois autores, torna-se um imperativo daqueles que
buscam os caminhos da felicidade. Mas esquecer o quê? Esquecer o que aprendemos? Mas
que aprendizados precisariam ser esquecidos e quais devem ser preservados?
Alves nos indica, novamente, o caminho: o esquecimento é para com as barreiras entre
os conhecimentos. Esquecer as janelas (aquelas a que Baitello se referia, que são, no fundo,
biombos, objetos oblíquos que bloqueiam nossa visão – menos mostra, que esconde),
esquecer os enquadramentos daquilo que está dado à nossa inteligência. Esquecer essa razão
mutiladora. O esquecimento é um passo importante para a Compreensão como método, pois,
sem ele, estaríamos presos à lógica científica já relatada. É provável que, muitas vezes,
quando falamos em Compreensão, tal ideia de esquecimento já opere como um pressuposto,
contudo, faz-se necessário sublinhar esse “passo metodológico” para não cairmos, após entrar
no terreno compreensivo, em contradição com nossos próprios preceitos.
Além do educador brasileiro, há outro nome que devemos sublinhar: Feyerabend. Ele
é um autor que também aparece com bastante força no tema de questionar os métodos
científicos. Feyerabend questiona de maneira veemente, os processos de produção do
conhecimento científico contemporâneos e indica que, por meio de uma epistemologia
anárquica, é que a ciência deu grandes passos em sua história. Ou seja, foi, muitas vezes, por
conta da teimosia, de erros nas contas, de descuidos dentro dos laboratórios, enfim, por não
seguir o método científico que os cientistas descobriram coisas relevantes em suas pesquisas.
Alves tem outra contribuição para o pensamento compreensivo que cabe a nós
sublinhar: ao salientar aspectos ônticos e epistêmicos do corpo, a morada da sabedoria, Alves
130
indica que, desde Epicuro e sua busca da felicidade, o prazer é a base da felicidade plena,
segundo os ensinamentos epicuristas, e é o corpo o primeiro na fila dos sentidos e sentimentos
relacionados ao prazer. O corpo é quem o sente, pois o “saber mora no corpo” (Alves,
2008:71) – lembrando da relação íntima entre as palavras saber e sabor. E é o corpo é quem o
pede, quem o deseja. O corpo é que toca e é tocado pelo prazer.
Essa fenomenologia proposta por Alves contribui com a Compreensão, pois abre um
campo pouco explorado pelos pesquisadores do Grupo de Pesquisas “Comunicação,
Jornalismo e Epistemologia da Compreensão” que é a importância sapiencial do corpo no
processo da produção e da comunicação do conhecimento. Dialogar com o corpo, então,
comporta o significado de abertura para saberes, buscado pela Compreensão, que há muito
foram postos de lado.
As esferas que mencionamos (ética, prática e epistemologia), estão para nós como uma
chave de leitura que abre o cômodo do pensamento que pensa a Compreensão, muito se
enriqueceram com as contribuições concretas e filosóficas de Freire, Buber, Alves e
Feyerabend – bem como as contribuições de diferentes autores que apareceram ao longo deste
trabalho –, que, pelo que percebemos, muito têm a agregar (ou já agregam) com o complexo
jogo das noções e significados tecidos no interior do GP.
Um pensamento que busca um vínculo com a vida, entre experiência e ciência, que, de
efeitos sapienciais, estimulada por efeitos causados de encontros gastrosóficos e das rodas de
conversa, está entre as mais altas prioridades de uma comunicação que incomunica. Tanto
quanto de uma ciência que traveste a razão dialógica, aberta e fértil (que Morin tanto
distingue da outra razão) em deusa-Razão: fechada, que exclui, mutila e empobrece o homem
ao retirar dele outras cognições e fruições cognitivas. Um pensamento que se complementa
pelos opostos, no lugar de separar pelos opostos, e daí a ideia de coincidentia oppositorum.
Relações interpessoais de tipo Eu-Tu, de sujeito para sujeito, que compreende além de –Tu
como outro humano, sujeito, mas, também um outro antigo –Isso que se eleva à posição de
sujeito. Um pensamento que junta e não que separa, que chama para a conversa e o diálogo;
humanamente compreensivo, de afeto que abraça, ouve as diversas vozes, mantendo-se aberto
à pluralidade. Um pensamento que pratica aquilo mesmo que pensa, contribuindo com a
compreensão entre subjetividades, que não se pretende único “por não ser dual” (Künsch,
2009:69); que não explica, pois, o mundo não termina, não tem ponto final, não é fechado; e
que experimenta e conhece partindo de diferentes cognições. Um pensamento compreensivo
consciente de sua própria inconsciência (ou douta ignorância, nas palavras de Nicolau de
131
Cusa). São por esses caminhos, métodos, práticas, éticas, apostas e epistemologias que a
Compreensão, no interior do GP, compreende.
132
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Se formos caminhando ao longo dos terrenos trilhados por esta dissertação poderemos
perceber o desenvolvimento não somente do tema, primeiro plano da pesquisa, mas também o
conhecimento sobre o conhecimento. A cada autor pesquisado, ou ideia explorada, é como se
tivesse plantado uma muda de árvore. Quem me ensinou isso foi Rubem Alves, que plantou,
em sua casa, uma árvore para cada um de seus amigos. Diz ele que para Carlos Brandão,
plantou um ipê amarelo – a sua preferida entre as árvores. Do mesmo modo que Alves fez
isso em sua casa, creio que o mestrado fez isso dentro de mim.
Já, no segundo capítulo, fomos nos quatro autores específicos que propusemos
conhecer mais a fundo, buscando decifrar os significados de suas ideias. As obras Eu e Tu e
Do diálogo e do dialógico formaram o objeto empírico do pensamento buberiano. Freire foi
lido a partir de três de seus textos: Extensão ou comunicação?, Pedagogia do oprimido e
Educação como prática de liberdade. Alves foi estudado, sistematicamente, a partir de três de
seus livros: Variações sobre o prazer, Entre a ciência e a sapiência e Tempus fugit, contudo,
especificamente em seu caso, encontramos outros livros bastante interessantes que também
entraram no corpus da pesquisa, sendo eles: Pimentas. Para provocar um incêndio não é
preciso fogo, Do universo à jabuticaba, O amor que acende a lua e um livro produzido a
partir dos diálogos que teceu com outro educador, Carlo Brandão, intitulado Encantar o
mundo pela palavra. Os temas do anarquismo científico e da crítica ao dogmatismo científico,
propostos por Feyerabend, tiveram como principal fonte de ideias o seu livro Contra o
método.
Enquanto isso, no terceiro capítulo, foi feita a amarração das ideias que, até então,
foram trabalhadas de maneira separada. Para tanto, tentamos virtualizar uma roda de conversa
com os quatro autores pesquisados a fundo sobre um tema central: o pensamento
compreensivo. Ressaltamos as contribuições de cada um dos autores, dessa maneira, a partir
dos nexos construídos entre suas ideias e o tema da Compreensão, bem como, recapitulamos,
de maneira sistemática, e explicitamos as aproximações das ideias desses autores com a
compreensão da Compreensão.
134
A maioria dos frutos desta dissertação ainda está no campo esperando pela colheita.
Mas já tivemos a felicidade de recolher alguns deles. O primeiro é o de enxergar o trabalho
concreto como produto de dois anos e meio cursando o Mestrado, sem contar os dois anos de
135
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140
A roda de conversas foi realizada no dia 06/06/2015 em Gonçalves, sul de Minas Gerais, e
teve cerca 2 horas de duração. O intuito dessa roda de conversas foi de aproximar o autor desta
pesquisa com os outros pesquisadores do GP numa tentativa de descobrir mais caminhos para
compreender e praticar a Compreensão. Ouvir o que os próprios participantes pensam e entendem por
Compreensão. As janelas do pensamento de cada um deles, suas expressões de base afetivo-volitiva,
ajudarão a aumentar a rede semântica do pensamento compreensivo. Os participantes foram os
seguintes, por ordem alfabética: Carol Maximo, Dimas Künsch, Erica Massini, Pedro Debs Brito,
Rodrigo Volponi, Thaís Torres e Viviane Mansi.
Dimas Künsch: A dinâmica será a seguinte: no primeiro momento, uns 20 minutos, o Pedro
Debs vai retomar a ideia de como ele está trabalhando a compreensão a partir de certos autores que ele
está estudando, que são: o Paulo Freire, Martin Buber, Rubem Alves, e depois, especificamente, o
Paul Feyerabend. O Feyerabend tem mais a ideia de contra o método.
Pedro Debs Brito: Junto desses autores que são mais centrais dentro do meu estudo, como o
Dimas comentou, tem alguns que atravessam como Edgar Morin, Friedrich Nietzsche, são todos
autores que estão juntos nesse caldo, não estou focando neles, mas a voz deles é ouvida também no
meu trabalho. Então aqui eu tenho um esquema das ideias desses autores que eu estou trabalhando e é
isso que eu quero apresentar em um primeiro momento, e depois entrar mais em como eu estou
entendendo essa compreensão, como eu estou pensando esse pensamento compreensivo. Então,
começando por esses que já foram citados, o Buber é principalmente essa ideia dele de eu tu e eu isso,
a reação dialógica como eu tu como uma coisa que naquela época já faltava relações dialógicas abertas
entre os sujeitos. Não olhando para o outro como uma coisa, não identificando o outro como um
instrumento para usar aquela pessoa. Isso tem muita relação com a ideia de compreensão,
principalmente no campo subjetivo. No texto do Luis Mauro Sá Martino, no nosso livro Comunicação,
Diálogo e Compreensão, ele separa e tenta organizar em três grandes grupos a compreensão: a
intersubjetividade, o pensamento compreensivo que é um pensamento aberto aos outros saberes, e a
compreensão como método. E eu acho que é muito interessante começar a pensar a partir daí. Então eu
acho que o Buber se encaixa muito bem na linha do intersubjetivo. Claro que podemos imaginá-lo
também nessa ideia da metáfora do eu tu, de uma relação mais dialógica com outros saberes, acho que
isso também dá para ser pensado, mas acho que é extrapolar demais o pensamento do Buber.
Dimas: Explora essa coisa que não é extrapolação, mas é uma proposta muito interessante do
Buber que você pode utilizar no seu trabalho, para além da relação intersubjetiva eu-tu tem o fato que
todos estudamos que o Buber diz o seguinte você pode transformar um isso em um tu então você pode
ter uma relação sujeito também com objetos, com coisas, com teorias e tudo. E essa é uma dimensão
pouco explorada. Então você vai um pouco mais fundo nisso. Estou atuando um pouco como
orientador, porque reduzir o Buber como aspecto da intersubjetividade é pouco. Ainda que você tenha
razão em dizer que é o aspecto mais importante, é onde nos tornamos humanos, no eu-tu, mas então
nos tornamos humanos também com coisas, com teoria, com animal, com a natureza, com qualquer
coisa, a gente tem uma relação de sujeito. Ai vira uma intersubjetividade também na relação com as
coisas. Aí isso quando você fala de respeito ao meio ambiente, é muito importante fazer das coisas
sujeitos, ter uma relação de respeito. Vá um pouco nessa linha. Agora retome seu pensamento, por
gentileza.
142
Pedro: Passando do Buber para Freire. Freire é um autor interessante. Engraçado que o
próprio Rubem Alves que conheceu o Freire em vida, comenta em um livro dele Variações sobre o
prazer comenta uma crítica dele ao Freire justamente porque ele, Freire, era muito baseado nas ideias
iluministas, de que o sujeito mora na consciência. Então você precisa conscientizar o povo,
conscientizar os outros sujeitos. Eu acho que essa crítica é válida, mas isso não exclui o Freire dos
nossos estudos de compreensão, porque a ação que ele fez, a atitude que ele toma como educador de
trazer o outro para o mundo, fazer com que o outro fale a própria palavra, eu acho que isso é
compreensivo demais! Acho que este aspecto da prática do Freire, é que a gente se importaria mais
com isso, acho que é o mais aderente ao nosso tema.
Dimas: E você tem um exemplo, Pedro, na pegada do Paulo Freire onde você acha que esse
fator da compreensão, para além do fato dele ser um cara que tem as ideias na retaguarda do
Iluminismo, você tem um exemplo que você ache que essa ideia do diálogo, da compreensão apareça
com mais força? Naquela coisa de educação bancária por exemplo.
Pedro: A própria teoria dele, apesar de baseada no Iluminismo é uma teoria que se propõe
enquanto prática muito compreensiva. Você não entende o aluno como um objeto que você vai
enchendo, colocando coisas. A ideia do banco é justamente você ir depositando ideias nele e ponto. O
Freire entende o aluno como um outro sujeito cognoscente, no qual eu, também um sujeito
cognoscente, vamos agir e pensar no mundo juntos. O método Paulo Freire de alfabetização é um
exemplo concreto e bastante forte para pensarmos isso, para dizer que a compreensão para o Freire
(apesar dele não chamar assim, somos nós que estamos chamando) aparece vista no método que ele
cria, desenvolve para alfabetizar. Por isso que eu acho que seria interessante a gente não se distanciar
de suas ideias, porque faz parte da história dele que tem a ver com as ideias Iluministas e Marxistas,
mas tentar trazer para mais perto o que ele praticou em vida para o que a gente entende por
compreensão.
Dimas: E aprender a dialogar com o fato dele vir de uma raiz Iluminista/Marxista, porque
independe de qual seja a origem, ele é dialógico. E eu tendo a pensar, mas é você quem vai responder
que onde nós pensamos compreensão, o Paulo Freire fala comunicação. Tanto que no Brasil, Paulo
Freire e Buber são entendidos como representantes de uma teoria dialógica da comunicação. Fale um
pouco disso.
Pedro: O livro dele Extensão ou comunicação?, se não me engano, foi o primeiro livro que
ele escreveu quando foi exilado. Então, essa ideia que ele coloca é exatamente estender o
conhecimento como forma de conversar, acho que não posso chamar de conversa, mas a extensão é
quando eu entrego ou deposito, eu dou as minhas ideias/palavras para o outro. E não importa se ele
está entendendo, eu simplesmente entrego. E aí a diferença com a comunicação: essa é justamente a
abertura para o diálogo de ouvir o outro, de estar com o outro dentro do mundo. Ele posiciona muito o
mundo, ele fala muito de estamos juntos, eu e o outro, no mundo. Eu acho que isso é uma dimensão
importante do pensamento dele, que é sua preocupação em ser concreto, de fazer acontecer, de ter
práticas disso.
Dimas: Então, estamos acompanhando, e se alguém tiver alguma pergunta ou alguma
contribuição, acho que entrar na conversa do Pedro nesse momento ajuda muito, ainda que vamos
falar, cada um a seu momento, sobre a compreensão. Então, acho que ficou bem explicitado pelo
Pedro o ponto de vista buberiano, o ponto de vista freireano, e as aproximações muito frequentes entre
a fala de um e de outro. Paulo Freire conhecia Martin Buber muito bem, o contrário não é verdade
porque o Martin Buber era um finado quando o Paulo Freire trabalhava com educação.
Pedro: E em um livro dele Educação como prática da liberdade, o Freire usa o termo eu-tu
em alguns momentos.
Dimas: Agora Rubem Alves, que, aliás, é um autor que o Pedro tem sempre trazido a
discussão e eu acho tão bacana. Essa semana ainda na aula de mestrado um menino que está estudando
sobre educação e falava sobre Paulo Freire e outras coisas, eu perguntei se ele conhecia Rubem Alves
e ele disse que nunca tinha ouvido falar. Não por causa dele. O fato de nós brasileiros não
conhecermos um autor que está tão perto e que eu considero, acho que não só eu, mas um dos maiores
educadores de todos os tempos. Faleceu acho que tem dois anos. Que bom que o Pedro está trazendo
143
Rubem Alves, que além de educador, era poeta, um místico, um filósofo e também exercia a crítica do
método científico. Era um crítico do método fechado de ciência. E eu lembro muito bem do texto, que
é um dos mais bacanas do Rubem Alves, que ele fala coisas do tipo a ciência não consegue entender o
canto dos passarinhos. Então vamos ao Rubem Alves, nosso terceiro autor.
Pedro: Esses três autores, eu estou tendendo a imaginá-los cada um com suas principais ideias
dentro de três esferas da compreensão, que são a Ética da Compreensão, a Prática da Compreensão e
uma Epistemologia da Compreensão. Estou dividindo por uma questão didática para mim mesmo,
para eu entender cada uma delas.
Viviane Mansi: E o que quer dizer cada uma delas?
Pedro: A ética, a meu ver, está muito próxima do que o Buber fala dessa ideia do
intersubjetivo, ou seja, da sua postura com o mundo, o jeito que você vive a sua vida é essa ética
compreensiva. Essa ética de olhar para os outros não como objeto, mas tentando resgatar relações
humanas com ele. Essa é a questão da ética. A prática eu acho que se destaca muito em Freire, porque
ele fez isso boa parte da vida dele, que é buscar maneiras destas pessoas socialmente,
economicamente, excluídas, deixadas de lado. Então a prática da compreensão é isso, mas é também
aquilo que imaginava sobre o Sebastião Salgado, que acho que ele aparece como uma prática
compreensiva no campo da fotografia. Em uma entrevista que vi dele no Roda Viva, ele falava de uma
viagem dele à Galápagos pois queria fotografar aquelas tartarugas gigantes. E ele contou como ele fez
para conseguir fotografar as tartarugas. E ele comenta e”u estava lá olhando para ela e eu nunca tinha
fotografado outro animal que não fosse o ser humano. Como eu faço para conversar com a tartaruga
para ela se abrir para mim, para a minha fotografia?”. E ele fala que fica um bom tempo pensando
nisso e a tartaruga estava indo embora, cansou dele, até que deu um momento que ele disse “quer
saber?Eu preciso agir como tartaruga, eu preciso ser um sujeito que a tartaruga reconheça para aí ela
se abrir para mim”. Achei isso de uma sagacidade tão grande, de primeiro entender a tartaruga como
um sujeito, um Eu que precisava de um Tu para a tartaruga ser tartaruga. E ele entender isso, e agir
como tartaruga para aí fotografá-la, eu acho que isso também é um exemplo de uma prática
compreensiva, dialógica, tudo mais. Ética e Prática são muito próximas, foi mais uma separação
didática, porque ele precisa uma ética compreensiva para manifestar a prática compreensiva.
Dimas: Pedro, esse exemplo do Sebastião Salgado que você vai citar e que eu acho muito
bom, você tem que explorar bem porque é você colocar-se no lugar do outro. Porque ele estava no
lugar de si mesmo, e só no momento que ele desce para se colocar no lugar do outro... e tem um
segundo exemplo, que é muito parecido, é um texto da Eliane Brum, o título é “O Sapo”, era um pobre
de Porto Alegre, tetraplégico, que ficava no chão, e ela para entrevistá-lo, conversar com ele e escrever
a história de vida, ela teve que quase deitar no chão e ela explica o que isso significa. É muito
parecido, porque aqui você tem o Buber, um Eu-Tu humano e um Eu-Isso que vira humano porque é
se colocar no lugar do outro, tentar ver o mundo na perspectiva do outro. Eu falo muito isso na relação
pais e filhos. O pai quando fala algo para o filho, pequeno, ele olha para cima, você tem dois pontos de
vista assimétricos. Belos exemplos. E agora, Rodrigo você estava tentando intervir?
Rodrigo Volponi: Não. Eu só me lembrei da Eliane Brum, o livro é A vida que ninguém vê, e
esse texto é fantástico. E eu vi esse documentário que ele está falando e achei fantástico. Ele fala até
que se coloca inferior a tartaruga uma hora que a tartaruga está mais de cento e poucos anos na terra e
ela que tem que ensinar algo para ele e não o contrário. Nesse momento, que se agacha e tal.
Dimas: Então vamos agora para o Rubem Alves que eu entendo que seria então mais a parte
do pensamento sobre o conhecimento, que é a epistemologia.
Pedro: Exatamente. O Rubem Alves tem uma obra bem grande, mas ele sempre pontua e
questiona muito o método cientifico e mais do que isso o pensamento racionalista que acabamos tendo
como único caminho possível para conhecer o mundo. Aí eu acho que o jeito mais legal que ele coloca
é o saber com sabor. Porque dentro de um pensamento racionalista, o sabor não é o que importa. Ele
fala que os educadores tentam ensinar coisas para as crianças dando jiló para elas. O jiló é uma
metáfora para o pensamento de gosto ruim, amargo, que é muito difícil de ser compreendido, não é
gostoso de aprender, é maçante. E ele fala que a gente devia tentar ensinar e pensar o mundo sempre a
partir de coisas mais saborosas. Ele busca isso do sabor lá do Roland Barthes, em um texto que se
144
chama Aula, que na verdade é o texto de quando Roland Barthes estava assumindo a cadeira de
Semiologia Literária no College de France, e neste texto, entre outras coisas que o Barthes fala, ele
comenta de três idades da pesquisa. A primeira idade que é quando a gente ensina o que a gente sabe,
que é quando você é chamado para dar aula sobre algo que você conhece e domina. A segunda idade
da pesquisa é quando você ensina aquilo que você não sabe, isso é o ato de pesquisar em si, quando
você vai atrás de algo que você não conhece. E ele fala que o terceiro momento, que é onde ele estava
chegando, é o mais importante, que é o desaprender, o esquecimento, que é neste momento onde ele
busca os significados da palavra sapientia, um pouco do saber, nenhum poder, um pouco de sabedoria
e o máximo do sabor possível. Ou seja, o que o Barthes está colocando e o Alves puxa para o que ele
desenvolveu, é que a gente tem que tentar esquecer um pouco esse modo de conhecer o mundo que a
gente aprendeu na escola. Por isso um desaprender, para começar a pensar de um outro ponto de vista,
de um outro lugar, de uma outra maneira. Em vários textos do Alves ele comenta sobre isso, tanto do
Barthes quanto essa ideia do sabor, eu acho que isso é algo que dá muito pano para a gente, encaixa
muito com o que a gente pensa, por isso que ele está nessa parte da epistemologia. E junto ao Alves,
entra também Feyerabend que também entra muito nessa ideia da epistemologia, mas sempre com um
outro caminho, um modo apreciativo de se propor um jeito de pensar. Porque você tem vários autores,
e aqui eu elenquei alguns que vão aparecendo com críticas a esse cientificismo, a esse racionalismo
tecnicista que a gente tem. Lá onde o Flusser fala que nós viramos funcionários da máquina, que nós
somos objetos do que a gente criou. Quando a Hannah Arendt comenta sobre o homo faber, que
fabrica ferramentas virou o grande paradigma da nossa sociedade, que acabamos reduzindo a
motivação humano a um principio de utilidade. Então, se não é útil não é bom, se não é útil não é
verdadeiro.
Viviane: Sabe que em um dos livros do mestrado, o meu texto foi exatamente sobre isso, foi
um texto a partir de um ensaio do Rubem Alves que ele fala sobre a caixa de ferramentas e a caixa de
brinquedos. Então eventualmente ele te serve.
Pedro: O Rubem Alves, junto com o Feyerabend, eles são os dois cabeças da epistemologia,
os outros autores só colaboram nessa parte.
Dimas: Pedro, só para colaborar, antes de você entrar nesse ponto de dizer que é uma visão
apreciativa, dialógica, você então está citando Rubem Alves e acho que está perfeito. Depois você
falou do Feyerabend. Na verdade, os nossos autores são todos assim, nós que os entendemos às vezes
de um jeito que eles não são. Por exemplo, Edgar Morin é muito crítico ao pensamento logicista,
racionalista, mas o tempo todo ele diz que a razão é dialógica, que não se trata de rejeitar a lógica e
sim de dialogar com ela. Quando ele fala que é a falsa razão, é o pseudo-método que rompeu com o
diálogo, ele está dizendo que no fundo o método, a razão são dialógicos. Um outro autor que sempre
trabalhei nessa perspectiva, é o autor de quem a Viviane não gosta, o Boaventura de Sousa Santos que
é um crítico ferrenho do racionalismo e sobretudo do empirismo, dessa ortodoxia do método
cientifico, ele o tempo todo deixa muito claro que se trata de criar ou estabelecer um diálogo que já
existia entre a ciência e as outras práticas de saber. Então isso está muito claro. Eu acho que quando
você entrar nessa parte, ainda que você não esteja estudando esses autores nessa perspectiva, mas
convém muito buscar o reforço dessas ideias. O Morin fala demais que não se trata de colocar uma
coisa contra a outra e sim de você colocar aí o pensamento que você naquele gráfico você chamava de
conjuntivo ao invés de disjuntivo. Então vamos em frente com Rubem Alves.
Pedro: Então esses autores estão sendo colocados aqui como pontos de grande referência para
gente, são autores bem conhecidos do grupo e muito referenciados, só o Freire eu acho que é menos e
o Feyerabend que eu acho que é novo para o grupo, que tem a ideia de um anarquismo cientifico, que
a proposta dele é de que tenhamos menos regras para se produzir o pensamento. A crítica dele é muito
forte quanto a academia como a única instituição responsável pela produção de conhecimento, ele a
entende como muito autoritária. Em alguns momentos há alguns exemplos dele que são muito
extremos, mas que soam de maneira muito interessante. Lá quando ele comenta que o que a gente faz
hoje, o que a ciência faz no campo da medicina, por exemplo, só pode ser médico que fez um curso de
medicina e uma prova de medicina, independe se você tem cuidado com o outro, se você tem respeito
pelo sujeito que você está cuidando, não importa. O que importa é que você tenha a técnica daquilo. E
saiba a técnica e o método de acordo com o método que a academia entende como correto, como certo,
145
como verdadeiro. Então não é qualquer pessoa que pode praticar a medicina, só pode praticar a
medicina quem é reconhecido como médico. E este é um ponto crítico da crítica dele, imaginar uma
ciência, a produção do conhecimento, não só pelo aquilo que determinadas pessoas acham que sejam o
certo, que não é porque três/quatro pensadores não concordam com uma ideia, com um pensamento
que aquela ideia é invalida. E ele como físico, que é um paradigma muito grande na física desde que
descobrimos da física quântica e das teorias da relatividade do Einstein, é que existem duas grandes
teorias no campo da física, a teoria da relatividade e a teoria do mundo quântico. E são duas teorias
que não se batem. Uma teoria serve para você explicar o universo, os grandes astros, e a outra serve
para você explicar as mínimas coisas. E o ponto dele é que se dentro da física existem essas duas
grandes teorias que não acontecem ao mesmo tempo, você não pode avaliar um fenômeno com as duas
teorias, ambas são verdadeiras, mas até certo ponto, as duas são falsas em determinados momentos,
porque não outras coisas do pensamento.
Viviane: Aí eu acho que, pensando um pouco sobre esse texto que eu acabei de ler sobre o
método, talvez seja o melhor lugar possível para falar sobre o complemento da compreensão e da
experiência. Porque se a gente olha exatamente esse exemplo da medicina, ela é válida. Eu acho que
ela não seria o caso de ser falsa, só incompleta. Aí a compreensão vem para dar uma visão mais ampla
de uma situação que vem colocar o sujeito em primeiro lugar e não a metodologia em primeiro lugar,
porque é normalmente o que fazemos com a racionalidade.
Pedro: E eu acho que o Feyerabend não deixa as coisas claras nesse sentido, quando ele fala
do anarquismo científico, mas eu acho que é bem isso que você comenta, Vivi, que todas as
metodologias tem seu limite, que nenhuma vai explicar o mundo inteiro. E eu acho que é essa a nossa
contribuição enquanto um pensamento compreensivo, não achar que eu vou pensar o mundo só com
uma metodologia, mas de múltiplas metodologias e de múltiplas perspectivas.
Dimas: Então, Pedro, eu acho que você deveria evitar no seu trabalho a ideia da explicação.
Depois eu tenho um comentário a fazer quando Morin fala da explicação. Então você diz que nenhuma
explicação vai explicar o mundo inteiro, fica parecendo que esta é a razão pela qual nos temos que ser
compreensivos, porque se nenhuma vai explicar o mundo inteiro você tem que pegar um pouco de um,
de outro. O mundo não vai ser explicado. Essa ideia de explicação das coisas grandes, a vida, o
mundo, a dor, morte, não tem explicação. Acho que você tem que trabalhar compreensivamente com a
ideia de caminhos, de entendimento, porque você pode, por exemplo, não ter explicação para uma
coisa, mas você pode entendê-la. Isso já é Hannah Arendt, nós não compreendemos, não há uma
explicação o nacional socialismo, para Auschwitz, para o totalitarismo. Mas eu preciso ter a
compreensão de que essas coisas existem e são parte do mundo que eu vivo. Então só com uma atitude
compreensiva nos dá forças para lutarmos contra esse tipo de realidade. Então fugir dessa coisa de
explicação, eu acho que no lugar de explicação, muitas vezes nós podemos colocar interpretação.
Porque eu posso interpretar com certos instrumentos uma coisa e você pode interpretar por outros
caminhos, são outros sentidos. A interpretação é aberta. E quem fala de interpretação é o Nietzsche, é
o texto que eu teria falado ontem sobre ele. A interpretação é multiperspectiva, você pode eleger as
mais diferentes perspectivas. Você pode interpretar pelos mais diversos métodos. Alguém entende o
mundo, por exemplo, pela experiência. É uma pessoa que não estudou nada na vida e que às vezes se
dá melhor com o mundo do que nós. Outro talvez interprete o mundo com o auxilio de certas teorias, o
outro pelo lado da dor, tem gente que acha sentido no mundo mesmo quando por um sofrimento muito
grande. Eu estava lembrando do Lars Grael, por exemplo, que perdeu a perna em um acidente em
Vitória. Ele não é uma pessoa que perdeu o sentido da vida, pelo contrário, às vezes ele não descobriu
qual o sentido da vida, mas ele descobriu para si. Porque nós podemos descobrir diferentes sentidos
para a vida. Então fugir dessa ideia de explicação. É uma crítica que eu vou fazer depois ao Edgar
Morin, ele coloca a compreensão versus a explicação, e eu não acho isso correto. Eu vou voltar mas
em uma conversa posterior. Então você veja, as visões compreensivas são visões abertas, que
possibilitam múltiplos caminhos, então você percebe ah, vamos pelo caminho do ensaio. É um
caminho. Está muito mais no campo da interpretação, que é uma parte fundamental do método
cientifico, mas que costuma ser muito esquecida. Porque as pessoas fazem uma pergunta a acham que
chega a uma resposta final, explicada. A verdade não é assim. Então a explicação às vezes serve para
coisas muito miúdas. Me explica onde você comprou esse livro. Aí não é um problema de
146
interpretação. Eu comprei na Livraria, no sebo. Mas não é a mesma coisa que eu dizer me explica a
sabedoria. A sabedoria você não explica, você trabalha um pouco a interpretação, que é muito mais
ligado a ideia de compreensão. Pedro, poderíamos passar para a segunda parte? Eu acho que estão
muito bem colocados os quatro autores. Os três primeiros no campo da ética, da prática e do
pensamento do conhecimento, que é a epistemologia. O Feyerabend com a ideia da anarquia. É muito
importante para você não ser massacrado por pessoas que não gostam do Feyerabend, que você deixe
muito claro que lá onde ele está dizendo anarquia, ele está dizendo que o dogmatismo metodológico
que inibe a criatividade. Então anarquia nesse sentido. De você não ser dogmático para você ser
criativo. Muitas coisas, na ciência inclusive, não nascem da aplicação de um método. Não tem aquela
história famosa, acho que quem inventou a lâmpada elétrica foi o Tomas Edson, que ele estava
tentando inventar, e ele já tinha tentado umas cem vezes e não tinha descoberto, e o pessoal começou a
zoar com ele dizendo que ele não ia descobrir nunca, pois já tinha errado cem vezes. E ele disse eu não
errei, eu descobri cem maneiras de como não fazer a coisa. Aquilo que falamos ontem também, que eu
mudei de objeto e você descobriu uma maneira que não era aquela de fazer.
Viviane: Tomas Edson tem a maior quantidade de patentes sob o nome dele. Ele tem mais de
três mil patentes.
Dimas: Agora a segunda parte da conversa, vai todo mundo participar. Pedro, eu tenho a
impressão que você vai começar ou você quer fechar? Porque até agora você estava apresentando
esses autores que são sua contribuição para a compreensão como método. Você vai começar ou
prefere ouvir as outras pessoas primeiro?
Pedro: Eu prefiro ouvir as outras pessoas primeiro. Mesmo porque, a ideia dessa roda surgiu
de fazer meio que uma entrevista com o grupo para ouvir do pessoal do nosso grupo como cada um
tem entendido e principalmente como cada um tem colocado a compreensão dentro dos próprios
estudos. Essa é a minha principal pergunta dentro do capítulo que vou discutir o nosso grupo de
pesquisa, como cada um entende e prática a compreensão dentro dos próprios estudos. Então nesse
sentido, que eu acho que vai ser mais interessante, primeiro ouvir vocês.
Dimas: Então eu vou conduzir a intermediação desta conversa, então a pergunta é esta: como
você entende a compreensão e trabalha a compreensão. Ou seja, tem uma parte que é de natureza mais
teórica e tem uma parte prática. E aí a gente recupera a compreensão como método, suas teorias e suas
práticas. Eu vou começar a conversar com as pessoas mais (não deu para ouvir pois fez barulho na
hora), porque depois eu quero que a Thaís, Carol e Erica falem o que entendem disso, para todo
mundo participar. Viviane você quer começar? Depois o Rodrigo, depois falo eu, depois vocês três e
no final você fecha.
Viviane: Bom, meu entendimento de compreensão passa fundamentalmente pelo
conhecimento do ambiente. Eu além de buscar as pessoas, eu vou falar no campo organizacional,
então além de buscar de forma bem concreta as pesquisas existentes que já são um extrato de uma
consulta a pessoas que de alguma forma são importante em um determinado assunto, eu também vou
buscar um conhecimento que eu acho pertinente e único, que é da pessoa, que não está expresso em
agrupamentos de pesquisa, ou outro lugar. Então a abordagem compreensiva para mim ela existe no
sentido da atenção, no cuidado daquilo, que se meu olhar na questão do organizacional contempla os
diferentes pontos de vista, se elas realmente contemplam um olhar sob diferentes ângulos. Eu venho
de um campo do organizacional que já foi muito funcionalista, então eu olho especificamente
comunicação interna, que era muito a prática do fazer, que estava no campo da administração e que foi
reconstituída ao campo da comunicação, mas que sempre foi o ‘siga a regra’. Então a minha área
sempre foi muito marcada por isso. Sobre dar espaço para, o jeito certo de fazer. E na verdade o que
temos encontrado, passados aí mais de 30 anos de maturidade da comunicação organizacional,
especificamente interna, a gente repara que todo o avanço que foi feito nessa linha funcional foi
insuficiente para garantir sentido do trabalho, engajamento das pessoas, então se tanto foi feito e ainda
faltam tantas respostas, é porque possivelmente nós não estejamos fazendo as perguntas certas. Então
o olhar compreensivo para mim veio para buscar outros pontos de vista para de alguma maneira
diminuir essas lacunas. Eu entendo que não seja necessariamente fácil fazer isso, porque de certa
forma eu olho o compreensivo para entender a realidade a sua unicidade. Então como ao mesmo
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tempo eu sou tão uni e ao mesmo tempo eu sou tão todo? A gente entender que de certa forma o nosso
papel na organização tem que ser muito menos funcional e muito mais mediadora. Então a
compreensão tem me levado muito mais para o lado da mediação de entender que ninguém da resposta
sobre as necessidades da empresa, então a melhor forma de entender e o melhor lugar que a gente
como comunicador se encontra, é permitir que as pessoas busquem suas próprias respostas porque os
ambientes não se repetem, não se reproduzem. As melhores respostas são aquelas que mesmo quando
você se debruce e ache as respostas, o ambiente não é mais o mesmo, então essas respostas não fazem
mais sentido. A gente está em constante transformação. Então o compreensivo para mim está muito
mais em não tentar fechar em respostas mas abrir para experiências. Aí que conecto Meg Wheatley,
quando ela fala de liderança em tempos de incerteza, ela basicamente faz essa reflexão. Não adianta eu
tentar achar certeza em um mundo que não é certo. Então será exaustivo para mim, como líder, como
gestor, tentar buscar respostas, porque as perguntas estão mudando a cada momento. Então o ideal
seria eu fazer ciência com consciência. No mundo organizacional, eu fazer prática com consciência, é
eu saber que a melhor resposta é construída pelos membros e não dada por um livro. Não que ela não
seja válida, mas ela precisa vir como uma referencia e não como um modelo de execução.
Pedro: Acho interessante isso porque o Freire, em uma passagem ele comenta sobre não
trazer a resposta de fora, tem um termo para isso. Mas a crítica dele é de uma educação local, ou seja,
é ali que você sabe os interesses de cada um, ali você tem dimensão possível de pensar as questões que
estão ali, e você chegar ao que se precisa conhecer e fazer. Bem interessantes.
Viviane: E aí eu acabo discutindo, não fiz isso na prática mas está mais no meu pensamento,
eu acho que é válido no futuro discutirmos o impacto de globalização.
Dimas: Viviane, eu vou tentar dar uma ajuda a você para nós trazermos mais para a prática da
produção cientifica. Isto é um lado fundamental em um grupo de pesquisa. Nós não temos um grupo
de pesquisa para ficar só conversando, mas também para colocar no mundo produções de natureza
científica. E aí eu vou dar só uma ajuda porque na verdade isso é parte do seu trabalho também, de
tentar mapear as produções que já ocorrem nesta linha. E eu começo falando do seu trabalho de
dissertação que se constitui em cima do diálogo e da compreensão. Eu acho que você poderia falar da
sua participação em congressos, artigos e livros, para termos já a partir daqui uma visão.
Viviane: Quando eu comecei a trabalhar essa visão menos funcional, de olhar as coisas como
acontecem na experiência prática, no meu primeiro livro sobre isso ele nem menciona dessa forma.
Acho que o último texto do livro, que é calorosamente chamado de livro vermelho, o último texto é
meu chutando a lata para a compreensão. Ou seja, nós falamos tudo isso, o que está por trás disso
como compreensão. E aí foram sete livros até esse, carinhosamente chamado de livro azul, onde de
fato eu trabalho, o tema central dele é diálogo, porque para mim o diálogo é meio de como a
compreensão se manifesta nas organizações. Fora os livros em si, eu não prestei atenção na publicação
científica, então eu tenho poucos artigos publicados em revistas científicas, eu destacaria só dois, na
verdade são só dois. Um que saiu na Contempo, que é menos maduro, que foi no começo da minha
trajetória, e um último sim bem maturo, que já extrato do mestrado, que saiu na Harvard Business
Review, na verdade no especial da Havard, que se chama One Point. Que saiu com Daniel Golleman,
Joel Dutra, um monte de gente que é expoente internacional e nacionalmente. Eu acho que aloca
dimensão do diálogo de uma outra forma. Esse saiu faz dois meses. Aí eu participei de uma série de
entrevistas que acabam falando dessa questão. Todas são públicas. Uma no Valor Econômico, no
Palavra Falada, no Cultura Colaborativa, são entrevistas extensas comigo que exploram essas
demandas, mas elas estão mais maduras, já sou eu mais consciente da consciência. Porque você vai
explorando e tem uma hora que tem mais condições de falar sobre as coisas. Essas três últimas elas
são de fato mais proveitosas nesse sentido. Fora isso eu devo ter participado nos últimos dois anos de
uns 30 eventos científicos que não vou me lembrar quais são, mas estão no Lattes. Mas onde está meu
campo mais natural, onde eu mais troco, é o Abrapcorp que é o congresso específico da minha área,
que é a Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Organizacional e Relações Públicas.
Então no Abrapcorp, eu tenho estado dentro de uma linha específica de discurso, eu e a esmagadora
torcida do Corinthians que participa dela fala sobre comunicação com empregado. É quase a maioria.
Tanto que já pedimos para a Abrapcorp considerar comunicação com empregados como tema de mesa.
Porque toda a prática que tem sido tratada lá é de comunicação com empregados. E eu continuo
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produzindo para o blog. Eu tenho um blog desde 2007 que trata de temas de comunicação com
empregados. Já são 530 postagens até hoje, então ele é robusto em termos de diversidade dos assuntos
tratados. E se você olhar de 2007 para cá, ele acompanha um pouco da evolução da minha história.
Então ele começou muito mais com a observação da realidade e hoje ele conversa mais com os
princípios de dialogo, ele conversa muito mais nesse tema. Assim, já sou eu modificada pelo universo
da compreensão. Talvez usando suas próprias palavras do início, para mim a ética da compreensão
está mais presente agora na fala do que estava antes. De uma forma mais objetiva. Então todo o meu
olhar, o que eu acho interessante para colocar lá, já vem com o olhar do diálogo. É o filtro.
Dimas: O Rodrigo então vai contar a história dele. E eu queria Rodrigo que você recuperasse
sua história desde a graduação, porque tem partes da história que não tem nome, mas indicam uma
trajetória.
Viviane: Eu tenho mais uma coisa a dizer que acho que faz sentido. Eu não dou mais aula de
comunicação com empregados na graduação, dou aula de comunicação pública. Mas eu tenho dado de
forma consistente os autores que eu estudo para o mestrado, eu tenho usado muito na graduação. Então
eles começam mais cedo que eu a beber dessa fonte. Isso está bem expresso, até no meu programa de
curso.
Rodrigo: Falando um pouco da trajetória. Quando fui fazer jornalismo na Rio Branco e tive
aula de ética com a Renata Carraro, eu tinha uma outra orientadora, e eu não estava conseguindo achar
um tema para trabalhar na época. E eu sempre fui da área de publicidade e propagando, sempre
trabalhei com marketing também, e eu queria estudar uma outra coisa que eu não tivesse domínio, no
caso o jornalismo acabou me atraindo. E aí essa orientadora quando eu fui começar a procurar que tipo
de monografia escrever, eu tive uma aula com a Carraro, ela me apresentou o gonzo jornalismo que eu
não conhecia na época e me chamou bastante atenção. Depois ela acabou me apresentando o formato
ensaio, veio o primeiro livro da Eliane Brum que eu li, isso já faz uns sete anos mais ou menos. E eu
fiquei maravilhado com o estilo de escrita dela. E aconteceu que quando eu comecei a escrever sobre
ensaio essa minha orientadora na época não tinha nenhum acesso na época, não tinha proximidade, e
não tinha interesse e realmente ela tinha um pensamento de jornalismo muito quadradinho, aquela
coisa do lide, da pirâmide invertida e só. E aquilo me causou sérios problemas e a gente fazia as
orientações e a coisa não acontecia e tal. E aí um dia ela me deu um livro sobre ensaios que tinha
chegado e ela me disse que não tinha lido. Aí foi a gota d’água para mim e eu pedi para a Carraro me
orientar e consegui dentro da faculdade uma orientação paralela, sendo que ninguém na faculdade
poderia saber pois era proibido de trocar de orientador. Mas consegui com a coordenadora depois de
explicar todo o caso, ela ficou sensibilizada. E a Carraro me ajudou muito sobre a conhecer a forma de
escrever, o ato de compreender, e o produto que eu tinha que desenvolver, eu criei um grande
reportagem chamada Garotos de 30 e poucos anos, que era um recorte de entrevistas com 10 homens
entre 30 e 40 anos falando sobre as principais questões da vida deles, o que era deus na vida deles,
principais questões, frustrações. E eu trabalhei um pouco de gonzo jornalismo porque eu estava
naquela fase também de me descobrir, eu estava em uma fase antecipada da meia idade e tem um
estudo científico que comprova isso, que era a crise dos 30, que antes era a crise dos 40, que foi
antecipada para os 30 por causa da velocidade do mundo, essas coisas. E aí entrevistando essas
pessoas, eu acabei me reconhecendo nessas pessoas. Então acho que foi o meu primeiro contato com
compreensão. De se colocar no lugar do outro para compreender, de Martin Buber e por aí vai. E aí foi
feito todo esse trabalho, o projeto virou uma grande reportagem, tinha essas citações, essas entrevistas,
e eu fiz um making off dessa grande reportagem mostrando como tudo foi feito. O Dimas participou da
minha banca, a gente quase se pegou na banca, ele acabou me convidando para ir para a Cásper e o
que ele batia no ponto é que ele esperava uma voz muito mais autoral na minha monografia, coisa que
eu ainda não tinha aprendido a fazer, e ele queria saber muito mais do ensaio do que da trajetória que
me levou até o ensaio. E aí acabei indo para a Cásper, comecei a estudar e fui para a parte do ensaio e
da compreensão, entendo primeiro como Michel de Montaigne fazia para elaborar os textos dele, se
colocar no lugar do outro, pensar como o outro e tudo o mais. Mas no caso da minha dissertação em si,
falando em termos práticos, eu tenho dois capítulos de livros publicados e um artigo publicado. Eu
trabalhei bastante com Morin, que é aquela tabela que você fez, eu tenho uma de pensamento simplista
e pensamento complexo. O que é o pensamento simplista, segmentado, pensamento complexo,
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Rodrigo: É até uma espécie de cura pela exposição, de tratar a dor que as pessoas estavam
sentindo.
Dimas: Tem também esse lado terapêutico porque sempre que você se situa ao lado de um
problema, você se sente melhor, é como se você tivesse em uma posição mais saudável. Porque de
outro lado, se você não sabe se posicionar sobre um assunto até de caráter pessoal, você tem crise, que
leva a depressão. É como se hoje no social, a gente tivesse uma depressão muito grande, porque
estamos em crise. O que está acontecendo, é tanta coisa que está sendo falada que você não sabe se
situar. Por isso que é importante profissionais que nos ajudem a nos situar. É no sentido de mediação.
Não é dar a coisa pronta! Nós somos todos seres inteligentes.
Rodrigo: Até levando isso para outra seara, no campo do espiritismo. Os guias em terreiros de
umbanda, por exemplo, fazem esse ato da compreensão. Porque ele faz a pessoa que está passando por
esse tipo de assistência, por exemplo, narrar a história e o problema dela e a ajuda a pessoa a
identificar o porquê ela está se sentindo daquela forma. Porque às vezes ela chega com um problema
específico e aquilo é um sintoma, quando ela vai acompanhando o guia, e seguindo as orientações para
chegar até isso, ela começa a se auto curar nesse sentido, lógico que tem a coisa de energia, mas essa
parte de compreensão é muito presente.
Dimas: Isso existe em todo o campo da mitologia. Em filosofia isso é chamado de
psicopompo, pompo é condutor em grego. Então são os condutores. Em toda a mitologia você tem
essas figuras, que na jornada do herói é chamado de mentores. São pessoas que te guiam no caminho.
Nós estamos tendo uma conversa tão legal, mas eu queria voltar lá atrás na sua trajetória, não é Pedro,
para atender bem a sua demanda aqui, que você falou sua experiência na graduação, seu trabalho de
conclusão, você falou de um momento da banca que você achou que estava brigando com você, na
verdade o que eu estava fazendo era chamando você para ser autor, para ser uma pessoa que tece
conhecimento, isso é algo que cobro de você e de todo mundo até hoje. Porque no geral, nós citamos
muitos os outros e nos assumimos pouco como autores. E quem falou isso no século XVI foi o senhor
Michel de Montaigne, que falou que já livros demais e há muita gente falando de livros e há poucos
autores. O pai do ensaio falou isso no século XVI. Então, Rodrigo, vamos então para o mestrado.
Rodrigo: Eu estava falando para a Vivi que eu trabalhei bastante Morin, no ato de
compreender, trabalhei com Edvaldo, e com Buber mais no final mesmo, essa coisa de eu tu. E eu
coloco até como o ato de compreender na minha tentativa de fluxograma como o ponto de mutação na
hora que você vai desenvolver o ensaio jornalístico. Isso eu ainda estou estudando nos meus textos,
como vou aplicar junto ao grupo de pesquisa. Mas uma seara que vou tentar encaminhar esse ato da
compreensão, talvez o jornalismo interpretativo, para ficar mais claro, para contribuir com isso.
Dimas: Sempre é possível vocês voltarem a conversa se esqueceram de algo. Agora um pouco
da minha trajetória. Essa coisa começou no meu caso bem lá trás, já tem mais de 20 anos, quando eu
comecei a estudar alguns autores, Edgar Morin, não tanto pela questão da complexidade e, sim, eu
entrei no Morin pelo lado da sociologia compreensiva, que é um lado pouco conhecido do Morin, que
ele fala bem da compreensão lá. E também o Maffesoli com a sociologia compreensiva, aquela obra, o
conhecimento comum, agora não lembro o título, mas que no subtítulo fala qualquer coisa sobre
sociologia compreensiva. Eu acho que aquela é uma das obras mais importantes do Maffesoli, o
conhecimento comum. Meu mestrado já falava bastante de compreensão e o doutorado veio na
sequencia e era explicitamente sobre compreensão. E aqui, Viviane, eu tenho uma coisa que sempre
repito: eu acho que há uma certa deficiência no pensamento do Morin, quando ele fala da
compreensão. O Edgar Morin, com toda beleza da complexidade e tudo, é filho do Iluminismo
também. Sendo francês... Então não pegue como uma crítica negativa, mas onde eu acho que o Morin
explora pouco as coisas lindas que ele fala sobre compreensão. Ele coloca a compreensão muito,
Pedro, no seu sentido ético e da intersubjetividade. Em um dos momentos que ele fala da
compreensão, ele fala das lágrimas de uma criança, que você não tem como explicar, você tem que
compreender. Então você percebe que é bem nessa relação eu tu, que é da mais alta importância. Mas
ele continua, indo um pouco contra o pensamento dele, colocando a explicação como necessária e
como o fruto de um esforço lógico e racional. E eu acho que o esforço lógico e racional não tem que
levar a uma explicação.
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corrigiu, que é um professor de psicologia analítica e que eu admiro, aceitou muito bem o tema. Ele só
fez duas correções: onde eu coloquei Dimas A. Künsch, ele disse que o A tinha que ser por extenso, e
onde eu coloquei considerações finais, ele pediu para colocar conclusões. Mas eu acho que ele gostou
muito. Assim que eu tiver o retorno, acho que em agosto, aí eu disponibilizo. Mas para você eu já
entrego logo. Eu acho que agora seria bom a gente conversar com a Thais, a Carol e a Erica, porque
tem o valor de estarem chegando e de terem uma maneira de perceber isso. Vou começar com a Thais,
na ordem de ontem, o tema da compreensão ligado ao marketing.
Thaís Torres: Na verdade você comentou sobre a escutatória e era o que eu estava pensando
em dizer, porque o Rubem Alves, desses autores, é o que eu mais conheço a obra. E eu tenho uma
fascinação por ele porque eu que ele tem uma sensibilidade incrível e eu acho que a compreensão está
muito forte nele. E em um dos trechos do livro dele, que ele fala que devemos ter muito menos aulas
de oratória e muito mais de escutatória, eu acho que é genial porque aí que está a compreensão. E é o
ouvir, isso é o que eu basicamente entendo de compreensão. Não é você de alguma forma dar o seu
tempo para simplesmente estar ali presente para escutar o que as pessoas te falam, mas é você
realmente querer trazer para você algum insight daquilo que a pessoa está dizendo. E o ouvir é algo
muito difícil, porque temos uma série de pré-conceitos, razões, coisas que achamos que são certas.
Então ouvir o outro de coração aberto, querendo realmente entender o que ele está dizendo é algo
complicado. E a compreensão realmente não é simples, mas quando conseguimos ter é fascinante, pois
você tem a compreensão genuína. Bom, estou começando agora a pesquisa em relação ao marketing e
eu acho que está bastante ligada a questão da escutatória com o marketing no caso de não mais impor
o seu produto, o seu serviço, e muito mais do que as pessoas gostariam que você oferecesse. E ali está
o estudo compreensivo, em que eu realmente entrego a você algo que cria um vínculo afetivo e supre
uma necessidade. Da minha visão de marketing é isso, mas eu vou me aprofundar melhor. Mas eu
acho que a escutatória é fenomenal nesse sentido. É o primeiro passo para você começar a se
aprofundar na compreensão em outros sentidos.
Dimas: É um modo de conhecimento, fundado naquela relação que o Rodrigo ontem sinalizou
como apreciativa. Eu tenho uma pergunta, Thaís, você em relação ao Pedro, acho que caberia
compreensivamente como você vê a trajetória de pesquisa do Pedro e quais sugestões você daria para
ele.
Thaís: Eu acho que no primeiro momento que já citamos, é a questão da mudança de caminho
do trabalho dele, que começou com a ideia de fazer o mestrado sobre educomunicação e passar para
compreensão. Primeiro de tudo, eu acho que eu me senti próximo ao tema de compreensão quando eu
comecei a conviver com o Pedro...
Dimas: Mas curiosamente a mudança ocorreu simultaneamente ao noivado dos dois.
Thaís: Porque na verdade, o Pedro não só estuda a compreensão como ele busca colocar isso
em prática no nosso dia a dia. Eu acho que eu tenho um perfil mais sim sim não não. E o Pedro me
mostrou outro caminho nesse sentido. Porque tudo que ele tem pesquisado nesse quesito de
compreensão, ele tem trazido para a nossa rotina no sentido de o que poderia se tornar uma discussão
terrível, ele vem e me mostra que estou tentando mostrar o seu lado antes, eu digo que eu preciso me
controlar. Eu acho interessante dizer porque a gente coloca a compreensão muito nas questões teóricas
e isso acontece de verdade. Mostra que não estamos fazendo nada em vão. E quando o Pedro trocou o
tema, ele tirou um peso das costas, pois ele viu que ali, o estudo da educomunicação que ele já
buscava, nada mais era do que um estudo compreensivo dentro da esfera da comunicação, da sala de
aula, e isso não se torna mais um fardo, se tornou um sabor, uma sapiência, que é trazer o saber com
sabor. Aí se tornou muito efetivo o seu trabalho porque você trouxe algo que já estava dentro de você
e fazia parte de você. E foi muito menos sofrido, mais prazeroso e está trazendo um resultado muito
melhor para você hoje.
Dimas: A gente entra em crise na verdade. O Jung falava que você entra em crise quando
começa a pensar as coisas nessa ótica. Só que a crise é o momento maturação, não é o momento
desgraça, só que a gente sofre o diabo. Só para vocês terem ideia, o Jung estava com o revolver dentro
da gaveta e ele disse que teve que se segurar para não pegar o revolver e atirar. Porque ele não
aguentava naquele momento aquela coisa difícil que é conversar consigo mesmo, ter uma visão mais
153
compreensiva. E eu acho engraçado que na família eu sinto isso. Eu acho que a Renata é parecida com
você. Por exemplo, quando nós chegamos na quinta-feira, eu tentei várias vezes tentar ligar e não
consegui. Quando eu consegui, ela ficou muito brava, me xingou, bateu o telefone. E eu fiquei quieto.
No outro dia eu liguei para ela e ela estava um doce. Mas eu entendi, porque ela é mãe... Então é muito
difícil, porque eu tendo a ficar puto da vida, é muito difícil fazer o que a Thais falou e que o Pedro faz.
Vou esquecer de mim para entender o que o outro falou. A gente mais erra do que acerta. Sempre é
possível voltar aos assuntos, vamos para frente. Carol.
Carol Maximo: Eu vou fazer um breve resumo, porque eu cheguei nesse título. Para começar,
quando eu tinha 13 anos, hoje eu tenho 30, eu comecei a me engajar em trabalhos voluntários em
comunidades carentes, Paraisópolis, Heliópolis, crianças com HIV, idosos, hospital do câncer. Isso são
coisas que sempre me envolveu e foi uma das coisas que me levou ao jornalismo. Eu queria mostrar ao
mundo algo que sempre me envolveu e eu queria mostrar ao mundo essa sociedade que era tão
excludente, por baixo dos panos, porque não era todo mundo que tinha acesso aquela informação.
Quando eu entrei na faculdade, eu comecei a fazer estágio em comunicação interna e eram empresas,
uma era indústria, e ela tinha questões ambientais muito agravantes, pois era indústria elétrica, sempre
autuações e eu tinha que acompanhar pois eu era da área de comunicação, e a outra era de saúde, mas
humana. E eu pensava o que eu faria no meu TCC, e eis que no meio de 2007, eu cheguei a um ponto
que era comunicação sustentável. Eu queria elencar como era a participação das empresas na
sociedade. Então eu fui atrás de empresas socialmente responsáveis, naquela época o termo
sustentabilidade ainda estava se fixando e ainda se falava em responsabilidade social, então ia a muitos
seminários, muitas palestras, e meu tema ainda não estava na tríplice (econômico, ambiental e social),
ele estava mais na responsabilidade social. E eu desenvolvi uma monográfica e um produto, que era
uma revista voltada para o mercado corporativo sobre as melhores práticas, com artigos, coberturas de
atividades de grandes empresas, algumas nacionais como a BMF Bovespa, a Medial, algumas
internacionais, como a Basf, a Philips, Avon, Unilever. E foi um projeto bem interessante. Eu acabei
interrompendo o projeto porque fui fazer uma pós na FGV em administração e eu fiquei no foco
menos humano nessa relação. Apesar de continuar no trabalho voluntário, eu não tratei mais disso na
vida acadêmica. Eu me formei em 2010 e fui fazer intercambio, voltei em 2011, e retomei alguns
estudos de comunicação interna, foi quando conheci a Viviane e fiz alguns cursos de extensão. E eu
comecei a pensar o que eu queria. E apesar da idade, 30, eu achei meio arriscado ir direto para o
mestrado. E eu fiquei em um impasse muito grande se eu entrava no mestrado, pois não me achava
preparada para apresentar um projeto, ou se entrava na pós. Foi quando eu entrei na pós de relações
públicas, e fui amadurecendo. Mas curioso que apesar de ter muitas ideias concretas do que eu gosto,
esse ano eu passei por três mudanças, eu fui de comunicação interna, em que eu queria fazer um
recorte de melhores práticas baseadas nas obras da Aberje, fui para ritos e cerimônias, e eu decidi fazer
o que sempre gostei, que eu achei interessante e que você compre a ideia, e decidi fazer sobre
sustentabilidade, pois é algo que sempre esteve enraizado em mim. Então decidi fazer sobre diálogo e
compreensão na sustentabilidade e talvez agora eu mude o projeto da pós baseado nesse daqui como
práticas de sustentabilidade e compreensão. A diferença de 2008, que foi quando me formei, para
agora, é que naquela época quando eu fiz minha monografia, vocês estavam falando de autores, e eu
estava pensando em quem eu busquei e entrevistei. E na época foi o Paulo Rogério dos Santos, que é
um ícone do Ethos, eu peguei muitas biografias dele que são nacionais, o Ricardo Voltolini, e voltado
mais para a área de comunicação, a Margarida Kunsch, Paulo Nassar, e o Belmiro Neto, que mistura
comunicação interna e externa nos trabalhos dele. E agora eu vou ter a oportunidade de conhecer
Buber, Meg, Morin, que podem me dar uma outra visão sobre compreensão. Porque, de fato, quando
eu atuei com isso nas comunidades, é uma abertura também a você escutar as crianças, pessoas que
não tem muitas perspectivas de vida, pois terá um óbito em breve por câncer, HIV. E perceber que isso
está estruturado no meio acadêmico e talvez me fazer entender porque eu me interessei por isso tão
jovem e porque eu me interessei em trazer para área acadêmica um pouco da minha experiência. Então
é uma oportunidade de seguir com isso adiante, me preparar para o mestrado. A ideia inicial de entrar
como aluna especial agora no meio do ano, mais para amadurecer, até porque estou com pós-
graduação e trabalhando, enfim... eu acho que para mim será super construtivo estar com vocês, estou
super empolgada para começar a ler essas obras que são novas para mim, sobre método, Nietzsche,
154
estou bem ansiosa para ir a fundo nisso. Hoje eu me sinto madura para assumir tudo isso e ir para um
caminho que me deixa confortável para assumir tudo isso.
Dimas: Queria fazer uma pergunta e dar uma sugestão. Você faz na pós-graduação a
disciplina mídia e poder, e o tema da última aula é viver sob o signo da compreensão, então eu tenho
tentado ali também trabalhar com esse tema. E aí, como você sente que isso dialoga com a disciplina?
Carol: Eu acho que a disciplina é muito humanista e me ajuda a sair um pouco do lado mais
racional que eu tenho. Ela faz com que você esteja sempre produzindo, pensando, lendo. Toda aula
tem um trecho para que pensarmos sobre e também temos que escrever no blog. Eu nunca tinha tido
contato com Morin, com Bauman sim por causa do meu avô, mas Morin, por exemplo, não. Eu acho
que conversa muito, pois são muitos pensadores que você traz para a aula, volta lá no comecinho com
Aristóteles, Sócrates, o mito da caverna. Então como começaram as relações humanas, a gente não
tinha carro, internet, e a gente já se relacionava. Eu acho que conversa muito, tem muito a ver com a
compreensão. E eu acho que foi até o que me fez me interessar por esse grupo, pois eu estava em
dúvida sobre sociedade do espetáculo, mas eu não sou tão midiática assim, eu sou mais relações
humanas. Eu achei que esse era o ideal para mim.
Dimas: Então a proposta que se você vai fazer como aluna especial do mestrado, a disciplina
que eu dou nesse semestre é a que mais dialoga com a compreensão, que é estudos de mitos, estudos
mitológicos como um dos campos com os quais nós devemos conversar, com os símbolos. Está aí o
convite. A disciplina é narrativas, conhecimentos: estudos míticos.
Pedro: Carol, pela sua fala e até um ponto para se pensar, Dimas, é muito forte a dimensão
política. Pelo que você foi falando da sua história e é uma coisa que me lembrou que eu não coloquei
no meu texto ainda porque faltaria folego para mim, mas eu acho que é uma dimensão importante para
ser pensada também, da prática que envolve uma política. Acho que de repente não está tão clara, mas
está ali dentro. Quando Freire propõe a educação dele, é um ato político.
Carol: Para todas as camadas, principalmente as desfavorecidas.
Dimas: Isso que você está falando, Pedro, seria um sonho, de abrir a discussão sobre a
convenção para o campo da política. Sobretudo no momento que estamos vivendo no Brasil uma fase
ruim, em política virou radicalização de posições e o resultado disso é sempre violência, seja verbal ou
física. Outro dia a Dilma estava falando e o povo batendo panela. E eu pensei que eu lutei tanto na
ditadura para que as pessoas pudessem se expressar, bater panela, e eu tenho que defender esse direito.
Mas eu fiquei com medo, eu falava para as crianças saírem da janela, porque eles ficavam gritando
seus paneleiros, seus reaça. Isso está muito próximo da violência, porque isso não é um simples gesto,
uma manifestação, um direito de cidadão. São posições que parecem muito nazifascistas. Eu não gosto
disso. Mas isso é só um parêntese. Eu penso que a compreensão no campo da política ela deve partir
da rejeição da ideia de partidos, porque esse modelo, esse paradigma dos partidos... partido é parte, já
é reducionista por natureza, para pensar a política em termos de negociação, vamos sentar, vamos
conversar. Eu tenho um autor, que ainda não estudei, mas sei que fala muito bem disso, mas eu não
tive condições de integrá-lo no nosso grupo, chama Innerarity, acho que é português. Que fala que o
paradigma da política da disputa, no fundo é o paradigma que você vê em toda a sociedade, que o
melhor caminho nasce da disputa, e na compreensão diz que o melhor caminho nasce da conversa.
Isso seria um sonho, em algum momento podemos abrir para ele. O espaço da política não como o da
indiferença, do conflito, mas no ponto que a Carol insiste bastante que você tem relações assimétricas,
justiça, que você tem que conversar.
Carol: Mas hoje eu nem sou mais tão idealista, aquele sonho de mudar o mundo que eu tinha
quando eu tinha 17 anos. Hoje eu sei que o mundo tem uma ordem, que as vezes não é a mais correta,
por várias questões externas que não dependem só de mim.
Dimas: Eu acho que isso seria um ponto. No campo do direito e da justiça penal, nós já
estamos entrando um pouco. Domingo eu estava lendo um jornal e tinha uma entrevista de página
inteira, cujo nome eu não lembro, falando sobre o valor da negociação, da mediação de conflitos. Ele
estava citando o caso do Pão de Açúcar com o Casino. O cara falando que conseguiu chegar em um
acordo com esses dois gigantes através da negociação, que é fugindo daquela ideia de que um vai
155
vencer e um vai perder, para um paradigma que temos que sair todos vencedores. No caso da
mediação tem chegado muita coisa, tanto da mediação de conflitos quanto no campo jurídico penal.
No campo da política, acho que poderíamos em algum momento avançar para propor o fim da política
partidária, representativa, e pensar em termos de conversar com seu adversário. E para isso você
precisa entender o lugar do outro, porque ele é seu adversário, mas é humano, ele é um tu. Mas eu
estava esperando o Rodrigo voltar porque agora a conversa com a Erica, que eu não sei se ela está no
grupo ou não. Eu acho legal assim, eu aprendi isso com outras pessoas, a pessoa mais próxima de
quem aprendi isso foi a Betina, que ela sempre colocava todo mundo da roda. O fato de você fugir da
ideia que tem que ter só sumidades em um grupo de pesquisa. Se você cair nesse erro, você não estará
sendo compreensivo, além de correr um sério risco de essas sumidades terem vícios por serem
sumidades. Então, você captar o vigor de experiências como a da Thais, da Carol, da Erica, não
estando conosco no campo acadêmico, mas estando juntos no campo da vida, ou alguém da iniciação
cientifica, isso eu acho uma atitude compreensiva. Porque na academia você tem sempre aquela ideia
de que tem gente que sabe e gente que não sabe. Está errado, porque quem sabe, por exemplo, a
Viviane tem um monte de livro, quem sabe tem que ser mediador, servidor dos outros, tem que escutar
os outros. Mas assim, eu acho bem importante você ter relações com pessoas mais do que com títulos,
mas isso não significa que não estejamos convidando a caminhar com a gente. Mas eu acho que a
primeira coisa é atender a demanda do Pedro. Como você que tem nos acompanhado, percebe e sente
o tema da compreensão.
Erica Massini: Eu não li vários autores, então vou dizer o que sei de experiência de vida.
Uma coisa que estava na minha cabeça a manhã inteira, é que agora essa semana eu vi várias vezes na
internet um meme falando você sempre vai achar que o lobo mau é mau se você só ouvir a versão da
chapeuzinho vermelho. Isso eu fiquei pensando o tempo todo aqui de manhã. Se você só ouvir um
lado, você só vai achar que um lado é verdade. Eu só realizei isso agora que eu comecei a ler os
estudos do Rodrigo. Quando comecei a ter contato com a compreensão? Na faculdade. Eu fiz letras na
USP, e apesar de ter sido um período difícil, porque é denso, os professores são muito competentes, e
para mim a contribuição foi mais como pessoa do que como profissional. Foi um período lindo na
minha vida. E foi lá na faculdade, com alguns professores, nem todos, que eu aprendi que o que me
diziam até aquele dia, podia não ser verdade, que existiam vários outros pontos de vista. Eu lembro
que várias vezes eu sai da aula de literatura brasileira, do professor Pasta, eu sai falando meu Deus,
isso existe. Das coisas que ele falava na aula, porque sempre me falavam que era uma coisa, e ele me
mostrava que existiam outras visões. Aí eu comecei a pensar gente, existem outros modos de ver o
mundo, do que a TV te fala, seus pais, e não por maldade por causa de uma criação, existem outras
vozes que você tem que ouvir. E isso mexeu com minha cabeça de uma forma revolucionária e eu
nunca apliquei isso em nenhum lugar, a não ser na minha vida diária, que é tentar ouvir as pessoas,
não seguir somente um caminho, ouvir somente uma opinião. E hoje que estou mais madura, depois de
ler o trabalho do Rodrigo, de ouvir as histórias desse grupo, o que eu penso no marketing, que é o que
você falou, que o marketing é sempre assim, o que a empresa tem que falar para o cliente e não
importa. No meu ponto de vista, o papel certo do marketing, considerando tudo isso, a gente tem que
ouvir o que o cliente quer para oferecer para ele o melhor dentro das condições da empresa. Na minha
empresa a venda é consultiva. A gente não vai no cliente falar você tem que comprar esse potinho,
azul e branco, que cabe 100 bolinhas, você vai, ouve o cliente, volta para a empresa, faz sua lição de
casa, e depois volta para ele com sua solução dentro do que você tem disponível no seu portfolio.
Então, a aplicação que eu vejo prática disso na minha vida é nessa área. Eu fico super feliz de
participar desse grupo pois cada vez mais abre sua mente para várias coisas e você vai indo além. Eu
me sinto muito feliz de ter essa oportunidade, de ter estudado com pessoas que abriram minha cabeça
para tudo isso e se eu puder participar do grupo e contribuir... Eu tenho vontade de continuar, mas eu
tenho medo de não dar conta. Eu vi tudo o que ele passou estudando, sei que é complexo, existe
dedicação, eu fiquei meio traumatizada depois da faculdade.
Dimas: Mas nós pensamos assim, Erica: cada um dá aquilo que pode. Vocês estão aqui com
dois filhos, estão em quatro pessoas. Tem muita gente que não veio. No momento certo, você dá
aquilo que você pode. Não significa que por dar aquilo que você pode, você é menos participante. Não
tem essa relação. Quem pode dar mais, dá mais. Tem gente que nunca vai estar em uma reunião como
156
essa daqui, mas isso não quer dizer que não faça parte do grupo. Eu acho que depende só de você. Para
nós você já é parte. Viviane, vamos encerrar. Pedro, você acha que atendeu as suas expectativas?
Pedro: Eu acho que atendeu sim. Eu tinha uma expectativa principal de ouvir como vocês
estão imaginando e trabalhando a compreensão, porque como eu estou fazendo um mapeamento do
grupo, a principal parte é ouvir o grupo. E por mais que eu lesse os trabalhos de vocês, conhecer uma
parte da história de vocês, nunca teria tido uma oportunidade de conhecer tão a fundo se não fosse
conversando como estamos conversando aqui. Então, mais uma coisa que aprendi no mestrado, mas
que o Guilherme fala na dissertação dele e eu acho justíssimo, que nós, grupo de pesquisa, não somos
um grupo de pesquisa, mas sujeitos que eu estou pesquisando. Então não seria compreensivo não falar
com vocês, não ouvir vocês. Essa era minha principal expectativa mesmo. E de tentar sedimentar essa
coisa que eu estava imaginando de ética, prática, epistemologia, e de dimensões da compreensão, a
minha percepção é que está muito alinhado com o que estão todos estudando, está alinhado nesses três
grupos. Pensando agora em uma política da compreensão, não tinha imaginado esse nome, mas fiquei
muito feliz.
Dimas: Pedro, o seu trabalho vai ganhar muito no momento em que você trouxer casos como
o da tartaruga, do sapo, do lobo mau, que são elementos da nossa cultura, que todo mundo sabe. Então
quando alguém fala, ah, mas ele é mau, mas porque não ouvir o ponto de vista dele. São metáforas
ricas para tentar, não explicar, mas fazer as pessoas participarem daquilo que você chama de campo
semântico da compreensão.
Carol:Eu acho que tem uma obra que pode te ajudar, que pode parecer bobinha, mas é a
reconstrução da Bela Adormecida pela Malévola, um filme de 2014. Você consegue entender outro
ponto de vista, você não consegue sentir raiva dela como vilã. E isso pode te ajudar em observações de
narrativas dessas histórias do lobo mau, do sapo. Porque é bem bacana, interessante. Todo mundo que
assistiu ao filme comentou sobre como conseguiram fazer uma narrativa tão interessante de uma
história tão batida e que a princípio você diz nossa, uma vilã como qualquer outra da Disney, e eu acho
que o autor foi bem inteligente quando fez a reconstrução da personagem.
Rodrigo: Tem uma menina do nosso grupo também que o projeto dela é a valorização dos
vilões em Hollywood. Então, elaestuda Breaking Bad, Dukster, do House of Cards. É a Mayra.Ela fala
também da Malévola.
Dimas: Ela ainda está tentando definir o objeto de pesquisa dela, mas o objeto é bom, mas
provavelmente irá na linha da construção desses personagens de diferentes séries. Queridos, alguns
compromissos aqui. Nós temos um monte de gente que não teve o privilégio de estar aqui com a gente.
Então talvez a maneira mais simples de fazer isso, seria que cada um de nós colocasse um post no blog
contando a sua história, a sua experiência. Relatando a reunião e voltando para o seu lado.
Viviane: Gente, do ponto de vista prático, colocar no blog significa mandar o texto para a
Gabriela, que faz a curadoria do blog.
Dimas: Pedro, acho que é legal colocar isso no blog. Você conhece alguém que fez uma roda
de conversa como metodologia de pesquisa?
Pedro: De dissertação não.
Dimas: Então, nem eu. Coisa simples. Acho que é uma maneira de conversar com os colegas
que não estão aqui.
157
Essa lista reúne monografias, dissertações, teses, livros, capítulos de livros, trabalhos
completos publicados em anais de eventos científicos e artigos em periódicos acadêmicos produzidos
pelos integrantes dos pesquisadores que integram o Grupo de Pesquisa “Comunicação, Jornalismo e
Epistemologia da Compreensão” e que possuem tema central o estudo da Compreensão, suas teorias e
práticas, ou trabalhos científicos que se utilizam de metodologias próprias à Compreensão como
método. A produção aqui listada tem por objetivo ser o mais completa possível, tendo isso em vista,
entendemos que o trabalho de sistematização configura-se como uma atividade constante.
Desse modo, o que aqui chamamos de produção científica se refere aos trabalhos já
produzidos até o momento e que conseguimos reunir nessa lista.Ocasionalmente, é possível que
algumas produções não estejam aqui listadas, cabendo como medida, a atualização dessa lista.
Um último comentário importante é o seguinte: a partir desse mapeamento prévio é que
criaremos o repositório, um dos objetivos secundários da pesquisa. Ou seja, inicialmente utilizaremos
essa listagem como norte de quais as produções que devem ser depositadas no repositório.
compreensivamente
Fundação
Memorial
Companheira Cremilda Medina. (Org.). Poética dos da
incerteza e utopia da saberes: complexidade, compreensão América
Dimas A. Künsch compreensão. 2012 e cultura Latina
Do conceito de um
Deus perfeito e único
a teorias que não
dialogam: Antônio Roberto Chiachiri Filho;
comunicação, Dulcília Helena Schroeder Buitoni.
epistemologia e (Org.). Comunicação Cultura de Rede
Dimas A. Künsch compreensão 2012 e Jornalismo Almedina
Cláudio Coelho Novaes Pinto; Dimas
A. Künsch; José Eugenio de Oliveira
O saber da ternura e a Menezes. (Org.). Estudos da
epistemologia da comunicação contemporânea: Editora
Dimas A. Künsch comunicação 2012 perspectivas e trajetórias Plêiade
Antonio Hohlfeldt; Marialva
Barbosa; Sonia Virginia Moreira.
(Org.). Enciclopédia Intercom de
Dimas A. Künsch Verbete Compreensão 2010 Comunicação Intercom
Aquém, em e além do
conceito: Walter Teixeira Lima Júnior, Cláudio
comunicação, Novaes Pinto Coelho. (Org.).
epistemologia e Comunicação: diálogos, processos e Editora
Dimas A. Künsch compreensão 2010 teorias Plêiade
Comunicação e
pensamento Dimas A. Künsch, Luís Mauro Sá
compreensivo: um Martino. (Org.). Comunicação, Editora
Dimas A. Künsch breve balanço 2010 jornalismo e compreensão Plêiade
Cremilda Medina, Sinval Medina.
Comunicação e o (Org.). Energia, meio ambiente e Mega
Dimas A. Künsch signo da compreensão 2009 comunicação social Brasil
Os deuses voltam à
cena: ciberespaço,
Dimas A. Künsch razão e delírio 2009 Esfera pública, redes e jornalismo E-papers
Dimas A. Künsch; Laan Mendes de
Teoria compreensiva Barros. (Org.). Comunicação: Saber, Editora
Dimas A. Künsch da comunicação 2008 Arte ou Ciência? Plêiade
Andança mágica em Dimas A. Künsch; Guilherme
outra história: uma Azevedo; Pedro Debs Brito; Viviane
Dimas A. Künsch e conversa sobre a Mansi. (Orgs.). Comunicação, Editora
Cremilda Medina narrativa do mito 2014 Diálogo e Compreensão Plêiade
Criança, o grande Dimas A. Künsch; Guilherme
motivo de uma Azevedo; Pedro Debs Brito; Viviane
Dulcília Schroeder narrativa de muitas Mansi. (Orgs.). Comunicação, Editora
Buitoni vozes 2014 Diálogo e Compreensão Plêiade
Dimas A. Künsch, Luís Mauro Sá
Narrativa complexo- Martino. (Org.). Comunicação, Editora
Eliane Deák Silva compreensiva 2010 jornalismo e compreensão Plêiade
Cultura em revista sob Dimas A. Künsch, Luís Mauro Sá
o signo da Martino. (Org.). Comunicação, Editora
Fabíola Tarapanoff compreensão 2010 jornalismo e compreensão Plêiade
161
compreensivamente
Do conceito de um deus perfeito e
único a teorias que não dialogam:
Comunicação, epistemologia e
Dimas A. Künsch compreensão 2010 Compós Rio de Janeiro, RJ
Mais interrogações e vírgulas,
menos pontos finais: ciência,
pensamento compreensivo, teorias e Intercom
Dimas A. Künsch práticas de comunicação 2009 Nacional Curitiba, PR
Aquém, em e além do conceito:
Comunicação, epistemologia e Belo Horizonte,
Dimas A. Künsch compreensão 2009 Compós MG
Teoria Compreensiva da
Comunicação: Saber Científico, Intercom
Dimas A. Künsch Comunicação e Dialogia de Saberes 2008 Nacional Natal, RN
Encontro
Internacional
de
A construção guerreira do diferente: Comunicação,
incomunicação em coberturas de Cultura e
Dimas A. Künsch conflitos internacionais 2006 Mídia São Paulo, SP
Narrativa jornalística e reconstrução Intercom
Dimas A. Künsch do cosmos 2006 Nacional Brasília, DF
Comunicação e incomunicação:
visão complexo-compreensiva da Intercom
Dimas A. Künsch questão 2006 Nacional Brasília, DF
A Comunicação Sob o Signo da
Compreensão: o Protesto do Ensaio
Dimas A. Künsch e Contra a Chatice e a Arrogância do Intercom
Renata Carraro Discurso Científico Dominante 2011 Nacional Recife, PE
Luciana Pelaes A Representação do Paraguai na Intercom
Rosseto Revista Veja 2014 Sudeste Vila Velha, ES
Relato de Pesquisa: cobertura
jornalística brasileira do conflito de
Luciana Pelaes terras entre campesinos paraguaios e Interprogramas
Rosseto brasiguaios 2014 de Mestrado São Paulo, SP
A força do estereótipo e a ação da
mídia na formação das identidades
Luciana Pelaes na região de fronteira do Paraguai Intercom
Rosseto com o Brasil 2013 Sudeste Bauru, SP
A narrativa das galerias de fotos na
Luciana Pelaes representação da crise do governo Interprogramas
Rosseto paraguaio 2013 de Mestrado São Paulo, SP
Complexidade das imagens da
Luciana Pelaes Guerra do Paraguai no jornal 'O Interprogramas
Rosseto Cabrião' 2012 de Mestrado São Paulo, SP
Epistemologia da Compreensão: A
contribuição de Paul Feyerabend
para os estudos da Compreensão Interprogramas
Pedro Debs Brito como método 2015 de Mestrado São Paulo, SP
Comunicação, Diálogo e
Compreensão nas Organizações: Interprogramas
Viviane Mansi Narrativas de Liderança 2014 de Mestrado São Paulo, SP
Viviane Mansi O Tempo para o Diálogo nas 2014 Confibercom Braga, Portugal
165
Organizações
A Representação da Sociedade do
Espetáculo nas Organizações: o Intercom
Viviane Mansi Caso das Convenções de Venda 2014 Sudeste Vila Velha, ES
Congresso
Brasileiro
Científico de
Comunicação
Complexidade, Comunicação Organizacional
Organizacional e Comunicação e de Relações
Viviane Mansi Interna 2014 Públicas Londrina, PR
Os Ritos como Abordagem
Compreensiva das Relações Intercom
Viviane Mansi Humanas nas Organizações 2013 Sudeste Bauru, SP
A Comunicação da Liderança a Intercom
Viviane Mansi partir de uma Visão Compreensiva 2013 Nacional Manaus,
Liderança e Construção de Sentidos
na Organização: A Comunicação Interprogramas
Viviane Mansi Dialógica 2013 de Mestrado São Paulo, SP
166
PROJETO DE PESQUISA
Docente responsável (Brasil, Faculdade Cásper Líbero): Prof. Dr. Dimas A. Künsch
Docente responsável (Colômbia, Faculdade de Comunicações – Universidade de Antioquia): Prof. Dr.
Raúl Hernando Osorio Vargas
Pesquisadores brasileiros:
Pesquisadores colombianos:
DESCRIÇÃO
OBJETIVOS
apenas como um outro sujeito, mas também como outras formas de pensar, de investigar, de narrar e
de compreender o mundo.
A esse objetivo, de natureza mais teórica, junta-se a busca por compreender a compreensão, de
forma aplicada, em distintos projetos de investigação, formais ou não formais, dos participantes do
projeto-mãe A COMPREENSÃO COMO MÉTODO.
Como objetivos específicos podem ser mencionados os seguintes:
(1) Contribuir para a elaboração de um conjunto de sugestões teórico-metodológicas que
possam auxiliar na produção científica e no estudo de textos, imagens, produtos e processos midiáticos
sob uma ótica compreensiva, dialógica, de escuta e reconhecimento do Outro, de produção social,
interdisciplinar e inter-saberes de conhecimentos, que, sendo compreensivos, estejam por isso mesmo
mais afetos à ideia de cidadania, de democracia e de paz.
(2) Identificar, valorizar e sublinhar a participação latino-americana nesses esforços, em
diálogo com autores e teorias de outras partes do mundo.
(3) Consolidar e ampliar as possibilidades do convênio de cooperação acadêmica celebrado
entre as duas instituições de ensino e pesquisa, a Faculdade Cásper Líbero e a Universidade de
Antioquia, em uma relação de tipo Sul-Sul, com o olhar atento para as oportunidades de ampliação
desses diálogos, de modo a abranger outros países latino-americanos.
(4) Integrar, no contexto de um pensamento compreensivo, as teorias e práticas de natureza
inter- e transdisciplinar.
(5) Destacar a relevância da Comunicação em todas essas buscas compreensivas, sobretudo
em processos de mediação de conflitos, como ferramenta adequada ao cultivo da não-violência, do
reconhecimento e do respeito ao Outro, da cidadania, da democracia e da paz.
REFERENCIAL TEÓRICO
A parte brasileira do projeto, em sua busca por diálogo com as teorias que elaboram,
explicitam e propõem a ideia de compreensão, selecionou como objeto autores que, seja no campo
primordialmente epistemológico (Weber, Dilthey, Morin, Maffesoli, Jung, Feyerabend e outros), seja
no campo ético e político (Buber, Levinas, Bohm, Said, Hannah Arendt e outros) como da estética e
da narrrativa (Schleiermacher, Nietzsche, Ricoeur, Cassirer, Langer e outros) contribuem para a
formulação de uma noção de compreensão.
A parte empírica, relativa aos trabalhos de investigação formais ou não formais, em que
comparecem tanto o desejo de compreensão da compreensão quanto o de sua aplicação como método,
compreende uma lista de projetos, de caráter aberto, levados em frente pelo conjunto de participantes
do projeto A COMPREENSÃO COMO MÉTODO.
Essa lista apresenta-se do seguinte modo, neste momento inicial de desenvolvimento do
projeto:
Ana Cristina Vidal Ortiz Projeto temático: Diálogos com os astros: mídia, compreensão e
astrologia.
Barbara Mussi Valter Projeto de Iniciação Científica junto ao CIP: O projeto “A
compreensão como método nas redes”.
Carolina Lauro Maximo Monografia de conclusão do curso de Especialização em
Comunicação Organizacional e Relações Públicas: Diálogo e
compreensão na sustentabilidade.
Carolina Chamizo Babo Projeto temático: Diálogo entre consciente e inconsciente pela via
dos mitos e dos contos de fadas.
Caroline Arice Projeto temático: Publicidade, gênero feminino e compreensão.
Cilene Víctor Projeto temático: Prevenção de desastres, comunicação e
compreensão.
Cynthia Provedel Projeto temático: Diálogo, compreensão e empatia entre
colaborador e gestor imediato nas organizações.
Dimas A. Künsch A compreensão como método
170
http://www.peterlang.com/index.cfm?event=cmp.ccc.seitenstruktur.detailseiten&seitentyp=produkt&p
k=84800&concordeid=265893. O Grupo de Estudos Literários (GEL) tem dado continuidade ao
projeto e, no momento em que se inicia este projeto, está editando os papers para a publicação do
Tomo II.
O projeto de pesquisa colombiano contribui com o presente projeto A COMPREENSÃO
COMO MÉTODO com os seguintes projetos em desenvolvimento por parte dos pesquisadores:
Andrés Antonio Vergara La crónica y losneofolletinistas.
Aguirre
Edison NeiraPalacio Función social y política del escritor en Colombia.
Edwin Alberto Carvajal Ediciones críticas, lexicografia e interpretación de textos.
Córdoba
Jaime Andrés Peralta Agudelo Culturas étnicas y tradiciones populares.
Juan David Londoño Isaza Comprensión, pluralismo metodológico y formación
ciudadana.
María Eugenia Osorio Soto Literatura escrita por mujeres en Colombia.
Pedro AntonioAgudeloRendón. La construccióndel concepto de ecfrasis: relaciones entre arte
y literatura.
Ramón DaríoPineda Cardona Recorrer y narrar laciudad: cuerpos transeuntes.
Raúl Hernando Osorio Vargas La comprensión como método.
Selnich Vivas Hurtado PensamientoAborigen Americano.
METODOLOGIA
O projeto A COMPREENSÃO COMO MÉTODO prevê, entre suas ações, reuniões mensais
dos pesquisadores, ordinariamente na terceira sexta-feira de cada mês, das 20h00 às 22h30.
Um evento de maior envergadura deve encerrar o projeto, no primeiro semestre de 2018, o “I
Encontro Internacional de Estudos e Práticas de Compreensão”.
Seminários envolvendo os integrantes do projeto, mas abertos à participação externa, bem
como seminários, igualmente abertos, juntando as partes brasileira e colombiana do projeto irão sendo
realizados no decorrer do período.
Prevê-se o pós-doutoramento do responsável brasileiro pelo projeto na Universidade de
Antioquia e do responsável colombiano na Faculdade Cásper Líbero.
Projetos de dissertação de Mestrado e de Iniciação Científica serão orientados, e artigos,
capítulos de livros e livros, publicados, incluindo um livro encerrando o projeto.
Provisoriamente, fica assim constituído o cronograma geral do projeto, visto sob a ótica
brasileira:
MARTINO, L.M.S. A compreensão como método. In: KÜNSCH, D.A., AZEVEDO, G., BRITO, P.
D. e MANSI, V. Compreensão, diálogo e comunicação: contribuições do projeto de pesquisa
“Conversando a gente se entende”. São Paulo: Plêiade, 2014.
KÜNSCH, D.A. e MARTINO, L.M.S. Comunicação, jornalismo e compreensão. São Paulo:
Plêiade, 2010.
MORIN, E. O método, vol. 6: Ética. Porto Alegre: Sulina, 2005.
NIETZSCHE, F. A gaia ciência. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
RICOEUR, P. O si mesmo como outro. São Paulo: Martins Fontes, 2014.
SAID, E. Orientalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
SCHLEIERMACHER, F. Hermenêutica: arte e técnica da interpretação. 5ª..ed. Bragança Paulista:
Editora Universitária São Francisco, 2006.
WEBER, M. Economia e sociedade. Brasília: Ed. UnB, 1991.
BALDERSTON, D., GUY, D. Sexo y sexualidades en América Latina. Buenos Aires: Paidós, 1998.
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1982.
BLOCH, E. (1976). Das Prinzip Hoffnung. Dritte Auflage. Frankfurt am Main: Suhrkamp,
Taschenbuch Wissenschaft 3, 1976.
BOURDIEU,P. Meditaciones pascalianas. Barcelona: Anagrama, 1999.
CANCLINI, N.G. Culturas híbridas: estrategias para entrar y salir de lamodernidad. Buenos Aires:
Paidós, 2008.
FUENTES, C. Valiente mundo nuevo: épica, utopía y mito en la novela hispanoamericana. México:
Fondo de Cultura Económica, 1992.
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em: <www.icesi.edu.co/revista_cs/images/ stories/revistaCS2/articulos/05-cristobal.pdf>. Consultada
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Editor, 2009. Con prólogo de Bronisław Malinowski.
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Tomo XI, pp. 82-90. México: FCE, 1997.
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