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22/06/2019 O nosso país a afundar – Observador

AQUECIMENTO GLOBAL

O nosso país a afundar /premium


Alberto Gonçalves Seguir

22/6/2019, 0:16  496  61 

Grosso modo, é Portugal, que se afunda a uma velocidade com que Tuvalu e
a Terra e a Time não sonham. E o melhor é que não precisamos de
aquecimento global. O descaramento local é su ciente.

Na semana em que um português, António Guterres, enfeita a capa da Time, é


interessante notar a escassez da presença nacional na fachada da revista. Em
cerca de 5000 edições, contas por alto, o nosso querido país apareceu em
apenas cinco ocasiões nesse lugar de supremo prestígio da imprensa
tradicional. Para cúmulo, nenhuma das ocasiões foi exactamente prestigiante.

Nos primeiros vinte e tal anos da Time, merecemos o desprezo absoluto em


matéria de frontispício. Em 1946, estreámo-nos com Salazar, já então descrito
como o “decano dos ditadores”. Outros vinte e tal anos de indiferença e, em
1974, a propósito do “golpe em Portugal” (cito), surgiu Spínola, o herói que
ajudou a lançar-nos no PREC. Em 1975, a propósito do PREC, ou a “ameaça
vermelha” (volto a citar), a Time revelou aos leitores o belo triunvirato Otelo
Saraiva de Carvalho-Costa Gomes-Vasco Gonçalves. Passaram-se mais vinte e

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tal anos sem temáticas caseiras e, enfim, subiu à capa da Time em 2003 um
assunto prometedor: a explosão (salvo seja) da prostituição em Bragança.
Infelizmente, o assunto não cumpriu. Afinal, tratava-se de incompetência da
jornalista – espanhola, se não me engano – que redigiu o artigo, e que
confundiu os queixumes de meia dúzia de meretrizes locais contra meia dúzia
de meretrizes importadas com um alegado “bairro europeu da luz vermelha”.
Até agora, pois, havia um tirano, um germanófilo sem grande tino, três
estarolas próximos do estalinismo ou da demência e hordas de rameiras
inventadas. Agora, junta-se-lhes Guterres.

É natural que uma pessoa comece logo a imaginar. Guterres, o líder. Guterres,
o visionário. Guterres, o inspirador. É também evidente que essa pessoa está
equivocada e deve ser esclarecida de que falamos mesmo do eng. Guterres, o
ex-futuro do socialismo moderno, o fugitivo do pântano, o emplastro dos
refugiados e o secretário-geral da extraordinária ONU. Fatal e adequadamente,
o fotógrafo da Time enfiou o eng. Guterres num charco por altura dos joelhos.
Não terá sido necessário o fotógrafo requisitar a expressão que a criatura
ostenta há décadas: uma coisa entre o desconsolado e o conformado, atitude
encontrada com assiduidade nos sujeitos que chegam ao restaurante cinco
minutos após o fecho deste. E que quando o apanham aberto demoram hora e
meia a escolher o prato. No caso da capa, o contexto é o “aquecimento global”.
Sob o título “O Nosso Planeta a Afundar-se”, pretende-se sugerir que o nível
das águas está a subir e, não tarda, levará tudo à frente. Pelo ar derrotado do
eng. Guterres, um degelo que o leve parece inevitável, e um favor pessoal que
lhe fazem.

Um favor que ele e a Time nos fariam era não alinhar em trapaças. A fotografia
do eng. Guterres em encharcados preparos foi tirada no arquipélago de Tuvalu,
dito “um dos países mais vulneráveis do mundo” por causa do “aumento dos
níveis do mar”. No Twitter, o ambientalista Bjørn Lomborg, que não sendo um
fanático das “mudanças climáticas” não é de certeza um descrente absoluto,
veio explicar que, logo por azar, e apesar do factual aumento dos níveis do mar,
o território total de Tuvalu aumentou quase 3% nos últimos 40 anos e é
garantidamente habitável ao longo do próximo século. Além de esteticamente
desagradável, a capa da Time é pelos vistos uma fraude.

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22/06/2019 O nosso país a afundar – Observador

Não é surpreendente, nem demasiado grave, que fraudes assim definam a


Time e boa parte do jornalismo contemporâneo, menos interessado em
publicar as histórias do que as lendas, as fantasias, os delírios, as patranhas e
as puras mentiras que excitam gente que não consume jornalismo nenhum.
Não é surpreendente, nem demasiado grave, que fraudes assim definam a
ONU, de resto há muito definida por dezenas de pormenores igualmente
repulsivos. Não é surpreendente, nem demasiado grave, que fraudes assim
definam o eng. Guterres, que internamente ganhou fama de indeciso apesar de
ter decidido promover à ribalta inúmeros protagonistas da corrupção que hoje
saltita por cá. Por fim, não é surpreendente que fraudes assim definam um país
onde, com todas as proezas acumuladas durante uma carreira de embaraços, o
eng. Guterres continua a beneficiar de uma espécie de prestígio. Mas é grave.

E é grave não especialmente por causa do pobre eng. Guterres, no fundo (sem
trocadilhos) uma figura menor. É grave porque a reverência embasbacada a
sucessivas figuras menores, providas de petulância natural e impunidade
adquirida, não é só um elemento determinante da sociedade portuguesa:
grosso modo, é Portugal, que se afunda a uma velocidade com que Tuvalu e a
Terra e a Time não sonham. E o melhor é que não precisamos de aquecimento
global. O descaramento local é suficiente.

Todos queremos saber mais. E escolher bem.


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