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PUC-SP
MESTRADO EM TEOLOGIA
SÃO PAULO
2014
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
MESTRADO EM TEOLOGIA
SÃO PAULO
2014
Banca Examinadora
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RESUMO
Este trabalho acadêmico, em nível de mestrado, tem como objetivo principal verificar a
temática do Encontro com Jesus Cristo como exigência para o discipulado. Isto se justifica
pelo interesse com que a Igreja tem tratado o assunto. Utilizando o método teológico, fazemos
uma análise da atual realidade procurando perceber a influência do presente tema para a vida
e a missão da Igreja. Procuramos desenvolver a temática auxiliados por teólogos, bem como
as recentes manifestações do Magistério da Igreja. A conclusão é que o tema do encontro com
Jesus Cristo pode contribuir significativamente como base para uma reflexão teológica
profunda e êxito pastoral.
This academic work, in the master’s degree level, It has as meaning objective check the
theme of the encounter with Jesus Christ as requirement to the discipleship. This is justified
by interest that the Church has treaty the subject. Using the theological method, doing an
investigation of present reality to perceive the influence of the present subject to the life and
the mission of Church. We want develop the theme oriented by theologian and the recent
manifestation of the teachership of Church. The conclusion is that the theme of the meeting
with Jesus Christ is able to contribute significantly as base to a deep theological refletion and
effect pastoral.
MR – Missal Romano
INTRODUÇÃO
que vem ao encontro do humano a fim de torná-lo, à sua imagem e à sua semelhança,
participante da vida da graça e de chamá-lo a ser responsável pela criação, transmitindo vida e
utilizando-se dos bens criados para o seu bem e de todos os seres.
Ainda estudaremos nessa parte a temática do encontro entre Deus e o homem. A
partir da Revelação, o divino mostra-se ao humano e vem ao seu encontro.
Entretanto, nem sempre o homem responde positivamente a essa iniciativa de Deus,
que vem ao seu encontro: muitas vezes, pelo pecado, o homem apega-se às criaturas e destrói
as obras do criador, estabelecendo uma ruptura entre o humano e o divino.
Mesmo assim, Deus, em seu amor, continua a fazer-se presente na vida do homem e
deseja salvá-lo. Estabelece um reencontro por meio da Aliança, assim como fez com Abraão,
nosso pai na fé: constitui um relacionamento com o homem a fim de conduzi-lo à libertação,
através de Moisés, sendo presença constante e estabelecendo um encontro que gere um
verdadeiro conhecimento de seu amor e de sua ação libertadora por parte dos homens, a fim
de que assumam um verdadeiro caminho de seguimento.
No segundo capítulo, vamos desenvolver um estudo sistemático sobre o encontro
com Jesus Cristo, visto como caminho para uma formação integral daqueles que
verdadeiramente desejam segui-lo, ou seja, tornarem-se seus discípulos.
A partir do encontro com Jesus Cristo, tomamos consciência da nossa fé, da alegria e
da coerência que ela nos proporciona, a fim de que sejamos conscientes de que somos
discípulos e missionários de Cristo, de que é Ele que nos envia ao mundo para anunciar e
testemunhar nossa fé e amor.
O Cristo, que se encarnou e se fez homem para que nós pudéssemos participar de sua
divindade, convida-nos a assumir essa realidade de amor e a viver um encontro pessoal com
Ele. Tal encontro não é ideológico, mas um encontro pessoal e edificante que nos leva a
compreender nossa vocação batismal como caminho de conversão e comunhão.
2
JÚNIOR, Francisco de Aquino. Viver segundo o espírito de Jesus Cristo: espiritualidade como seguimento.
São Paulo: Paulinas, 2014, p. 37.
9
3
JÚNIOR, Francisco de Aquino. Viver segundo o espírito de Jesus Cristo: espiritualidade como seguimento.
São Paulo: Paulinas, 2014, p. 40.
4
Ibidem, p. 86.
10
Não podemos nos esquecer que essa opção é de uma Igreja verdadeiramente discipular
e missionária. “A opção pelo pobre é um componente fundamental do seguimento a Jesus”5.
Finalmente, estudaremos sobre o tema Maria no encontro com Jesus Cristo. Maria
nos conduz a esse encontro de comunhão e de serviço. Ela é exemplo para os seguidores de
Jesus Cristo, e mostra que o verdadeiro encontro com Ele nos impulsiona para o serviço.
Desse modo, nossa intenção é constatar que a temática do encontro com Cristo
perpassa todos os âmbitos teológicos. Desenvolvendo este estudo de maneira sistemática e
programática, lançamo-nos quais peregrinos nessa estrada e assumimos o desejo dos gregos
que disseram a Filipe: “Queremos ver Jesus!” (Jo 12, 21). Tal são o objetivo do nosso
percurso e, como discípulos, reconhecemos a importância dessa exigência.
5
GUTIÉRREZ, Gustavo. A opção profética de uma Igreja. In: SOTER e AMERINDIA (orgs) Caminhos da
Igreja na América Latina e no Caribe. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 290.
11
CAPÍTULO I
DEUS VEM AO ENCONTRO DO HOMEM PARA SALVAR
O Deus que cria também se faz presente junto de suas criaturas. Como não
reconhecer essa presença? Como ignorar ou não perceber esse encontro de Deus com suas
criaturas?
É preciso considerar um elemento importante na obra da criação: Deus criador do
mundo e criador do homem. A criação do mundo dá-se pela grandeza pela beleza de Deus em
sua obra criada. Ao contemplar a natureza, ou seja, o céu, a terra, as plantas, as águas e tudo
mais, somos convidados a reconhecer a presença reveladora de Deus. Contemplando essa
presença, poderemos reconhecer a bondade e a plenitude da vida de Deus, como o salmista no
salmo 104: “Quão numerosas são tuas obras, Senhor, e todas fizeste com sabedoria! A terra
está repleta das tuas criaturas.” (sl 104,24)
12
“A variedade das coisas visíveis ao ser humano, acessíveis a seu entendimento, porém, é
ínfima em face do que permanece oculto e inescrutável à compreensão humana”6. É Deus que
move e sustenta toda a criação; por mais que os homens desejem conhecer todas as coisas,
jamais conseguirão compreender o infinito ato criador de Deus.
Porém, não podemos deixar de reconhecer o ato da criação do homem como imagem
e semelhança de Deus. “Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, à imagem de Deus
Ele o criou, homem e mulher Ele os criou” (Gn 1, 27).
No encontro com Jesus Cristo, reconhecemos ainda mais o sentido de pertença ao
Criador, uma vez que o Filho sempre esteve presente desde o princípio da Criação. “Ora, ele
sempre existiu, se, como ele mesmo diz, está no Pai (Jo 14, 10s) e se Cristo é a Palavra, a
sabedoria e a força, que o Cristo seja isto, como sabeis, o dizem as divinas Escrituras (Jo 1,
14; 1Cor 1, 24); ora, essas são forças de Deus”8.
A plenitude da criação é a existência do homem. O ser criado à imagem e
semelhança de Deus é que confere ao homem a sua dignidade, a dignidade de pessoa, que o
torna um ser de relação e comunhão. Tudo foi criado para que o homem pudesse reconhecer a
Deus e a sua grandiosidade, bem como estabelecer sua vida de comunhão com seu Criador.
Por isso, nosso Deus é um Deus de comunhão desde o princípio; criando, Ele ama e, por
amor, Ele salva. O objetivo primeiro e último da criação é a manifestação da presença divina
junto às criaturas, e a criação é um louvor à grandeza de Deus.
Essa criação é manifestada por Deus para a nossa salvação, este é o seu desejo:
“Deus cria para salvar, ou Deus cria e salva”9. Assim, Ele estabeleceu a comunhão com as
criaturas e, ao criar todas as coisas por obra de suas mãos, manifestou a sua amorosa presença.
6
SATTLER, Dorothea; SCHNEIDER ,Theodor. “Doutrina da criação”. In Manual de Dogmática I. Petrópolis:
Vozes, 2000, p.146.
7
LIÃO, Ireneu de. São Paulo: Paulus, 1995, p.266.
8
DIONÍSIO. “Trindade e Encarnação”. In Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral,
São Paulo: Paulinas, 2007, p. 47.
9
DE LA PEÑA, Juan Luis. Criação, Graça e Salvação, São Paulo: Loyola, 1998, p. 10.
13
10
CELAM. Documento de Aparecida. Texto Conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-
Americano e do Caribe. São Paulo: Paulus, 2007, p. 104. (A partir desta referência, nas próximas citações
usaremos sempre a citação simplificada: DA).
11
QUEIRUGA, Andres Torres. Recuperar a Criação. São Paulo: Paulus, 1999, p. 45.
12
CEC 301
14
Como vemos, o nosso destino é estar em Deus e sermos sua imagem e semelhança.
Na encarnação do Verbo Divino, isso se concretiza ainda mais, pois Deus humaniza-se para
que nós possamos ser divinizados. A presença de Deus no homem, por meio de Cristo, foi-nos
revelada para que todo ser humano, dotado de alma e espírito, seja sinal visível de seu criador.
Ao revelar-se a nós, Deus quis estabelecer um encontro de amor conosco, por meio
de uma aliança. Ao longo da história, a Sagrada Escritura vai mostrar-nos justamente, o
encontro de Deus com a humanidade. “Por isso, o Verbo de Deus veio ele próprio, a fim de
que, sendo a Imagem do Pai, possa re-criar o homem segundo a imagem”13.
Assim, compreendemos que “enquanto o homem experimenta em si mesmo, na
natureza ou na história, a Deus como chegando a ele, como se manifestando a ele, está tendo a
experiência radical da revelação”14. É o próprio Deus quem estabelece esse encontro com o
homem; como todo encontro, nesse caso, não é diferente: o homem também tem a liberdade
de acolher e propiciar a integração desse encontro.
Nesse sentido, “mediante esta revelação, portanto, o Deus invisível, levado por Seu
grande amor, fala aos homens como a amigos, e com eles se entretém para convidá-los à
comunhão consigo e nela os receber”15. Portanto, o encontro de Deus conosco é um encontro
de amor, que estabelece relação, amizade, reciprocidade, comunhão, realização. “À medida
que Deus sai imediatamente ao encontro da liberdade humana, está iluminando e capacitando
o homem para que oriente na justa direção o processo do mundo, e assim alcance ele mesmo
sua autêntica realização”16.
É importante ressaltar que esse encontro de Deus, na sua revelação divina, dá-se com
todos os homens, e não somente com um povo específico. Deus está realmente presente em
todos os homens, e se revela a eles realmente, apesar de suas deformações; revela-se a eles,
sobretudo nas experiências mediadas por suas tradições religiosas17.
Portanto, o encontro de Deus com a humanidade acontece por uma experiência de fé
de uma religião. Há, porém, os limites desse encontro, limites que não vêm de Deus, mas
13
ATANÁSIO. “A Encarnação do Verbo, restauração humana”. In Compêndio dos símbolos, definições e
declarações de fé e moral. São Paulo: Paulinas, 2007, p.143.
14
QUEIRUGA, Andres Torres. A revelação de Deus na realização humana. São Paulo: Paulus, 1995, p. 149.
15
DV 2.
16
QUEIRUGA , Andres Torres. op. cit., 1995, p. 205.
17
Idem, p. 150-151.
15
próprios da criaturalidade humana. Porém, Deus quis se fazer presente a cada homem e,
mesmo na limitação humana, proporciona um encontro de amor que ultrapassa tal limitação.
O homem ignorou seu encontro com Deus, recusando viver a sua busca de plenitude
em Deus. “Levantou-se contra Deus desejando atingir seu fim fora dele” 20. Deus estabelece
um encontro de amor com o homem. Este, por sua vez, rompe sua aliança de comunhão com
Deus, afastando-se de sua presença.
Criado na liberdade, o homem afasta-se do Criador a partir do momento em que
adere totalmente às criaturas. Ao contemplar seu coração, o homem vê que tende a inclinar-se
para o mal. Percebendo tal possibilidade, ele rompe seu encontro de comunhão com Deus e
desestabiliza-se da sua relação consigo mesmo e com as demais criaturas. “O pecado é o
afastamento de Deus e apego às criaturas”21.
Agostinho parte da teoria do amor. Fomos criados por amor. A criação, mediante a
revelação, é um encontro de amor e nos impulsiona a amar. Essa busca de amor leva-nos a
18
FORTE, Bruno. Teologia da história: Ensaio sobre a revelação, o início e a consumação. São Paulo: Paulus,
1995, p. 185.
19
ATANÁSIO. “A Encarnação do Verbo, restauração humana”. In Compêndio dos símbolos, definições e
declarações de fé e moral. São Paulo: Paulinas, 2007, p.144.
20
DV 13.
21
MOSER, Antonio. O pecado. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 180.
16
buscar os bens que nos façam amar e sentirmo-nos amados. Isso gera uma busca de felicidade
na vida do homem, levando-o a apegar-se às felicidades desta realidade terrena, obscurecendo
a sua visão acerca da plena felicidade constituída por Deus desde a criação e afastando-o de
seu convívio. “O pecado, porém diminuiu o próprio homem, impedindo-o de conseguir a
plenitude”22.
O homem pode, muitas vezes, querer se utilizar das criaturas em busca de sua
felicidade, esquecendo-se de que ele foi criado para seu Criador; não reconhecer essa verdade
pode levá-lo a pecar e a afastar-se da vida de comunhão com Deus. “Consiste, antes, em
preferir ficar com a obra e a arte, em vez, de através delas, chegar ao artista”23.
O pecado pode limitar o homem a contentar-se com a criação, impedindo-o de
chegar ao encontro com o seu Criador. Eis a tendência humana de apegar-se
desordenadamente aos bens passageiros e limitados, afastando-se do Bem eterno e do
encontro com a plenitude, sua realização.
Para Agostinho, o afastamento de Deus acontece quando o homem cede à tentação
de “ser como Deus”. Se isso acontece, a quem o homem desejará chegar? Qual será a sua
meta? Ele perderá seu destino, logo, seu sentido de ser. Acreditando se bastar em si mesmo,
voltando-se somente para si, negando sua condição de criatura e fazendo-se um “deus”.
Essa consciência deve nos levar, a saber, que “o bem e a graça de Deus, por seu
plano, chegam a nós também mediante os outros. A fidelidade pessoal a Deus não significa
apenas a realização da vocação pessoal, mas a cooperação no bem de todos”24.
Conforme sublinha Moser, “para São Gregório Nazianzeno, a origem da guerra, das
revoltas e da tirania encontra-se justamente, no fato de alguns se apoderarem do que estava
destinado a todos” 25. O pecado também trouxe para a humanidade a injustiça, dentro da qual
uns enriquecem e outros ficam cada vez mais pobres. O mal do pecado gera a desigualdade e,
na sociedade, produz a miséria de muitos em detrimento do excesso do luxo de poucos.
O homem apega-se às criaturas e busca desordenadamente enriquecer-se delas,
transgredindo a ordem da criação e violentando-se contra o próprio criador. O pecado leva-o a
afrontar-se acima dos valores da sua dignidade estabelecida por Deus e usando violentamente
as coisas criadas, até mesmo a vida humana. No curso da história, podemos constatar que
muitos homens e mulheres foram tratados como propriedades de outros. Ainda hoje,
22
DV 13.
23
MOSER, Antonio. op. cit, p. 184.
24
LADARIA, Luis F. Introdução à Antropologia Teológica. São Paulo: Loyola, 2002, p. 95.
25
MOSER, Antonio. op. cit., p. 187.
17
26
RUBIO, Alfonso Garcia. Unidade na pluralidade: O ser humano à luz da fé e da reflexão cristã. 3.ed.
Petrópolis: Vozes, 2001, p. 111.
18
salvação: assim foi com a vocação de Abraão: “Javé disse a Abraão [...]” (Gn 12,1), assim foi
com a de Moisés [...] ”27.
Deus falou com os profetas. Estabeleceu um relacionamento com eles a partir de um
encontro. Esse encontro gerou neles uma escuta atenta e sensível da Palavra de Deus, certos
de serem fiéis à sua vontade, respondendo com aceitação à sua proposta.
Assim foi com Abraão. A Palavra de Deus foi dirigida a ele numa visão e disse:
“Não temas, Abraão! Eu sou o teu escudo, tua recompensa será muito grande” (Gn 15, 1).
Deus estabelece com ele uma aliança e promete-lhe uma grande e constante recompensa.
Ainda mais, promete-lhe uma descendência. Abraão responde com fé. Sua confiança lhe
proporciona um encontro de relacionamento com Deus, encontro que é representado da
maneira do seu tempo à maneira mais comum usada no Antigo Oriente: “repartir o animal no
28
meio e caminhar entre as partes separadas ligava as partes em aliança” ·. O fogo que ali
termina a celebração da aliança é sinal da presença de Deus. “Quando o sol se pôs e
estenderam-se as trevas, eis que uma fogueira fumegante e uma tocha de fogo passaram entre
os animais divididos. Naquele dia, Iahweh estabeleceu uma aliança com Abraão...” (Gn 15,
17-18a).
A aliança realizada com Abraão expressa um Deus presente a atuante na vida do seu
povo. “Abraão e os seus percebem uma presença ativa que fica além das formas, sem se
identificar com elas”29. Deus vai estabelecendo um relacionamento na vida de Abraão,
mediante sua presença. O encontro dá-se de maneira gradativa, revelando-se pouco a pouco,
estabelecendo sua aliança. Isso significa que o povo de Israel também foi percebendo a
proximidade de Deus e de sua vontade ao longo da história.
Abraão recorda-nos de que Deus estabelece um reencontro com cada um de nós,
fazendo-se presente e confiando-nos uma promessa. Estabelecendo uma aliança conosco, ele
exige de nós uma resposta com fidelidade. “Bendizemos a Deus pelo dom da fé que nos
permite viver em aliança com Ele até o momento de compartilhar a vida eterna”30.
27
FORTE, Bruno. Teologia da História: Ensaio sobre a revelação, o início e a consumação. São Paulo: Paulus,
1995, p.126.
28
BERGANT, Dianne. KARRIS, Robert. Comentário Bíblico Volume I. São Paulo: Loyola, 1999, p. 71.
29
MESTERS, Carlos. Deus, onde estás?, Belo Horizonte: 5.ed. Vega, 1976, p. 21.
30
DA 104.
19
31
RUBIO, Alfonso Garcia. Unidade na pluralidade: O ser humano à luz da fé e da reflexão cristã. 3.ed.
Petrópolis: Vozes, 2001, p. 94.
32
BINGEMER , Maria Clara L.; FELLER, Vitor Galdino. Deus Trindade: A vida no coração do mundo. São
Paulo: Paulinas; Valência: Siquem, 2002, p. 43.
33
Idem, p. 44.
20
sair do Egito, vós servireis a Deus nesta montanha” (Ex 3, 11-12). No monte de Deus, Moisés
recebe a incumbência de ser sinal de libertação e de levar o povo a um ato de fé. “Nela Javé se
revela como libertador, através de um gesto que acompanha e dá sentido a todo o itinerário
que leva seu povo ao encontro com ele”34. A fé no Deus da libertação leva o povo a prestar-
lhe culto. “Por isso libertação e culto ao Senhor estão estreitamente ligados”35. Para que o
povo preste verdadeiro culto ao Senhor, é preciso que ele esteja livre. O verdadeiro culto a
Deus supõe o estado de liberdade.
Moisés é sinal de libertação e de vida concedidos por Deus ao seu povo. A presença
divina junto do povo é dada pela mediação humana de Moisés. Deus não age sozinho. Ele
conta com a participação do homem.
O encontro pessoal com o Deus da vida e da libertação leva-nos a gerar vida e a
promover a liberdade daqueles que hoje estão aprisionados e escravizados. Deus conta
conosco para salvar, porém não caminhamos sozinhos e este não é um poder próprio, mas Ele
sempre está presente.
Não podemos ignorar esta verdade: “A ação de Deus requer que se ponham em
prática seus mandamentos”36. Somente a vivência dos mandamentos pode gerar vida e contar
com a intervenção humana na salvação do homem. Deus salva amando, nós somos chamados
a participar desse plano de salvação vivendo, sobretudo o amor e a justiça. “Deus não impõe a
sua aliança; ela é um dom, e, portanto, exige uma opção. Uma opção pela vida” 37. Portanto,
“optar pela vida é escolher a Deus, apegar-se a Ele como uma criança com seus pais, fonte e
proteção de sua vida” 38.
A presença de Deus será sempre manifestação de vida e libertação, por isso a
revelação do nome de Deus confirmará ainda mais essa presença. “Moisés disse a Deus:
“Quando eu for aos israelitas e disser: ‘O Deus de vossos pais me enviou até vós’; e me
perguntarem: ‘Qual é o seu nome?’, que direi?”Disse Deus a Moisés:“Eu sou aquele que é.”
(Ex 3, 13-14).
É importante salientar que “no mundo semítico, o nome de uma realidade é a própria
realidade, é o significado da presença e da ação de um ser”39. A revelação do nome de Deus
supõe a sua presença na vida de Moisés e de seu povo. O nome de Deus quer significar que
34
GUTIÉRREZ, Gustavo. O Deus da vida. 2aed. São Paulo: Loyola, 1992, p. 26.
35
Ibidem, p. 26.
36
Ibidem, p. 28.
37
Ibidem, p. 28.
38
Ibidem, p. 29.
39
RAVASI, Gianfranco. Êxodo. São Paulo: Paulinas, 1985, p. 42.
21
Deus está conosco, caminha com o seu povo, está presente. Deus se faz presente na
humanidade para comunicar a vida e libertá-la de toda opressão. “O eterno faz-se presente no
temporal, o absoluto na história, sem ser, porém, apenas uma presença: é também comunhão,
dom”40. O nome de Deus manifesta o seu desígnio de libertação e vida.
A importância da vida e da libertação é uma necessidade indispensável para o
homem; é nesse encontro com Deus e diante da sua presença que nós encontramos não apenas
os bens materiais, como o alimento, mas também a nossa liberdade e a nossa dignidade como
pessoa. No encontro com o Deus da vida, “deixamos de ser estrangeiros e peregrinos para nos
tornarmos possuidores no pleno exercício de todos os seus direitos, os homens e as mulheres
poderão dirigir a Deus um culto em espírito e verdade” 41.
No encontro com o Deus da vida e da libertação, somos convidados a reconhecer a
sua grandeza; esse reconhecimento de nossa parte coloca-nos em relacionamento com ele. “A
proximidade de Deus das suas criaturas faz compreender melhor o sentido do seu poder”42.
Essa proximidade e essa presença foram experimentadas pelo povo durante sua
caminhada pelo deserto. Entre sair da escravidão e chegar à terra prometida, houve um tempo
de deserto, de espera. O deserto proporciona um encontro maior com Deus e consigo mesmo.
O povo faz experiência de suas necessidades e, ao mesmo tempo, a experiência de um Deus
providente. É a experiência da necessidade, mas também da maturidade; da tentação, mas
também da mão prodigiosa de Deus. Na terra sem vida do deserto, é o próprio Deus que
sustém, a cada dia, cada membro do seu povo (Ex 16,4). Pão (maná) e carne (as codornizes),
água (Ex 17,5), até calçados e roupas (Dt 29, 4), são tantos outros sinais da amorosa presença
de Deus que, como um pastor, guia seu rebanho pelo deserto (Sl 78, 52)43. O deserto é
símbolo da caminhada do povo de Deus. Nele, faz-se a experiência de Deus, o encontro com
Deus também se estabelece nesse caminho.
Esse encontro com o Deus da vida e da libertação gera a salvação, mas também
passará pela ausência. O povo sente a ausência de Deus e é tomado de ingratidão e revolta.
“Antes fôssemos mortos pela mão de Iahweh, na terra do Egito, quando estávamos sentados
junto à panela de carne e comíamos pão com fartura. Certamente nos trouxestes a este deserto
para fazer esta multidão morrer de fome” (Ex 16, 3). Ao deparar-se com essa experiência, o
povo revolta-se e blasfema contra Deus a ponto de buscar ídolos ou outros deuses. O deserto
40
GUTIÉRREZ , Gustavo. O Deus da vida. São Paulo: Loyola, 1992, p. 36.
41
Ibidem, p. 42.
42
Ibidem, p. 43.
43
RAVASI , Gianfranco. Êxodo. São Paulo: Paulinas, 1985, p. 170.
22
Para se conhecer a Deus, é preciso um profundo encontro com Ele. Ele se deixa
encontrar, na vida e na história, no dia a dia do povo, nas lutas a nas esperanças, nas
tribulações e nas realizações da humanidade. Esse é o Deus da bíblia, da tradição da
comunidade.
Deus é um Deus pessoal e único que proporciona um encontro pessoal com o homem
mediante uma aliança de amor. Ele escolhe e converte o seu povo. E este o escolhe para servi-
lo e amá-lo. Há um caminho, uma pedagogia a ser traçada.
Nesse caminho é preciso considerar cada etapa a ser traçada: “Para identificar estas
etapas, poderíamos, recorrendo à tipologia do teólogo Juan Luis Segundo – chamá-las de: 1-
Deus terrível; 2-O Deus da aliança; 3-O Deus Transcendente e Criador; 4-O Deus justo para
além dos limites da vida e da morte” 44.
Não podemos nos esquecer que Deus está presente a todo o momento; pela graça, Ele
nos torna participantes da sua vida e, na graça, Ele nos proporciona esse encontro de
conhecimento de sua vontade e de seu amor.
44
Ibidem, p. 64.
23
religião, a qual sabe que foi fundada e é sustentada por Deus, colocando
também a mim em relação com Deus45.
45
RATZINGER, Joseph. Dogma e Anúncio. São Paulo: Loyola, 2007, p. 85.
46
Idem, p. 89.
47
Ibidem, p. 89.
48
Ibidem, p. 89.
24
CAPÍTULO II
O ENCONTRO COM JESUS CRISTO: CAMINHO DE FORMAÇÃO
INTEGRAL DO DISCÍPULO MISSIONÁRIO
49
JOÃO PAULO II. Redemptor Hominis. Carta Encíclica, 1979. São Paulo: Paulus, 1997, 11.
50
Missal Romano, Oração eucarística IV.
51
DV 4.
25
meio e o verdadeiro homem que nos mostra a maneira mais eficaz de viver a nossa verdadeira
humanidade.
Deus vem ao encontro de nossa humanidade para recriá-la, para mostrar o mistério
do homem e para restituir a sua verdadeira dignidade. A fé da Igreja, na Encarnação do
Verbo, é o grande sinal da fé cristã. Deus visitou o seu povo. A visita de Deus é definitiva. Ele
está conosco (Emanuel) e vai fazer de nós filhos de Deus, partícipes da natureza divina.
O Pai é o princípio desse encontro. Ele enviou o Filho e o Espírito para nos conceder
o dom da redenção, da adoção e da santificação, segundo o hino cristológico da Carta aos
Efésios. A ação do Pai é sempre iniciativa de revelação e salvação, pois sabemos que “o Deus
altíssimo que criou todas as coisas com sua palavra, fez aliança com os patriarcas, elegeu
Israel como um filho, derramou o Espírito sobre os profetas e ofereceu seu favor às nações”52.
Portanto, o Pai é a origem da vida eterna e fonte primeira de toda a bênção. “É o Pai
quem envia o Filho e, com o poder de sua paternidade, envia também o Espírito”53. O Pai é
quem abre os nossos corações para que possamos acolher Aquele que vem, ou seja, o Seu
Filho único, Fonte da vida plena para a humanidade. “É Deus Pai quem nos atrai por meio da
entrega eucarística de seu Filho (cf. Jo 6, 44), dom de amor com o qual saiu ao encontro de
seus filhos, para que, renovados pela força do Espírito, possamos chamá-lo de Pai”54.
É o amor do Pai, do Filho e do Espírito Santo que nos renova e nos conduz à vida de
comunhão e de novas criaturas. Essa vida de comunhão é o conceito mais próprio para se
entender o mistério da salvação. Comunhão é o encontro da vida divina com a vida humana.
Esse encontro nos eleva à comunhão com o Pai e nos proporciona o anseio de nos
aproximarmos cada vez mais da vida da Graça Divina. “Na história do amor trinitário, Jesus
de Nazaré, homem como nós e Deus conosco, morto e ressuscitado, nos é dado como
caminho, Verdade e Vida”55. Em Jesus, nós temos o sentido, o meio e a razão para viver. Ele
é quem nos conduz ao Pai e nos comunica o Pai.
52
Marcial MAÇANEIRO, Deus Pai e seu amor salvífico em alguns documentos de Paulo VI e João Paulo II,
Roma, 2001, p. 18.
53
Ibidem, p. 18.
54
DA 241.
55
DA 242.
26
O Filho de Deus assumiu a nossa natureza humana para realizar nela a salvação. Ele
se fez homem para que nós pudéssemos ser inseridos na sua divindade e, assim, participar da
salvação. “E por nós homens, e para a nossa salvação, desceu dos céus e se encarnou pelo
Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e se fez homem”57.
Essa foi a sua prova de amor por nós e a prova de que nós pertencemos a Ele
eternamente, pois estamos inseridos Nele, uma vez que Ele nos assumiu. Jesus é plenamente
humano, sem perder a sua divindade. Entretanto, na plenitude de sua humanidade, é ícone da
criação, pois revela a verdadeira face do homem. Seus gestos, palavras, seu modo de viver, ao
mesmo tempo em que revela a presença de Deus, que aqui é nosso locus teologicus, revela
também a face do humano.
É no mistério da encarnação que descobrimos a grandeza da humanidade. Essa
grandeza foi estabelecida pelo próprio Deus por meio de Jesus Cristo.
Com efeito, pela Encarnação, o Filho de Deus uniu-se de algum modo a todo
homem. Trabalhou com mãos humanas, pensou com inteligência humana,
agiu com vontade humana, amou com coração humano. Nascido da Virgem
Maria, tornou-se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo,
exceto no pecado58.
56
DA 242.
57
CEC 456.
58
GS 22.
27
e deste vinho possamos participar da divindade do vosso Filho que se dignou assumir a nossa
humanidade”59. A gota d’água dilui-se no vinho. A água não se transforma em vinho, mas é
assumida por ele, participa da sua substância de vinho. O mesmo acontece conosco. Cristo
assume a nossa humanidade de forma que Ele é verdadeiramente homem, mas nós não somos
deuses. Porém, ao sermos assumidos por Ele, sem deixar nossa natureza humana,
participamos de sua divindade, experimentamos os frutos da sua vida, a salvação. “Essa prova
definitiva de amor tem o caráter de um esvaziamento radical (Kénosis), porque Cristo “se
humilhou a si mesmo fazendo-se obediente até a morte e morte de cruz (Fl 2,8)”60.
Essa é a fé da Igreja que nós professamos, na certeza de que Deus nos visitou e fez
sua morada entre nós, uma morada eterna. O evangelho de João nos quer relatar justamente
esse caráter do encontro do Senhor com a humanidade. Do Senhor que estava junto da
humanidade desde o princípio. “No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o
Verbo era Deus” (Jo 1, 1). O Deus que se revela na Palavra é Vida “e a vida era a luz dos
homens” (cf. Jo 1,4). “E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós” (Jo 1, 14). O encontro com
Jesus Cristo é vida e luz para a humanidade e nos impulsiona a partir deste encontro a mudar
nossa maneira de viver o seguimento de Jesus. “Tudo o que significa dar vida, e de diversas
maneiras, é próprio do seguidor do Senhor”61.
O mistério da encarnação nos insere numa realidade ímpar, sem igual. Neste mistério
vemos claramente a ação de Deus no homem. “No mistério da Encarnação, a natureza
62
humana foi assumida, não aniquilada” . Portanto, a encarnação nos dá a graça de
pertencermos a Deus e nos tornarmos plenamente humanos, realizando em nós a existência e
a essência desse encontro, que é vida e comunhão. O Senhor assumiu a nossa humanidade
para que pudéssemos nos tornar homens novos, recriados pelo seu infinito amor. “Deve-se
professar que ele, Sabedoria, Verbo Filho de Deus, assumiu o corpo humano, alma, sentir, isto
é, o Adão inteiro, e, para dizê-lo ainda mais expressamente, todo o nosso homem velho, sem o
pecado”63. Em Jesus Cristo, realiza-se e atualiza-se o mistério do homem.
Jesus é o Filho de Deus, a Palavra feita carne (cf. Jo 1, 14), verdadeiro Deus
e verdadeiro homem, prova de amor de Deus aos homens. Sua vida é uma
59
Missal Romano, Preparação das Oferendas.
60
DA 242.
61
GUTIÉRREZ, Gustavo. O Deus da Vida, São Paulo: Loyola, 1992, p. 113.
62
CEC 470.
63
DÂMASO I. “Per filium meum”. In Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. São
Paulo: Paulinas, 2007, p.65.
28
Quando, pois, o Logos se faz homem, essa sua humanidade não é algo que
preexista, mas o que se torna e surge em sua essência e existência, se e à
medida que o Logos se exterioriza. Este homem é precisamente enquanto
homem a auto-expressão de Deus como a expressão de si para fora de si,
pois Deus expressa-se a si precisamente quando se exterioriza, dá-se a
conhecer a si mesmo como o Amor, quando esconde a majestade deste Amor
e se mostra na ordinariedade do homem65.
64
DA 101.
65
RAHNER, Karl. Curso fundamental da fé. São Paulo: Paulus, 1989, p.267.
66
Ibidem, p.263.
67
Ibidem, p.267.
29
apesar, mas porque é a humanidade que foi estabelecida ao ser assumida, foi estabelecida
como a auto-expressão de Deus”68.
O homem se conhece e se reconhece a partir do momento em que ele busca ir ao
encontro de Jesus Cristo e a aprender dele o sentido de ser verdadeiramente homem criado à
imagem de Deus: só posso entender-me a partir e no horizonte do Verbo Encarnado, Jesus
Cristo. Ele se uniu à minha humanidade. Resgatou-me e deu-me uma dignidade sublime e
uma altíssima vocação. Essa dignidade é aquela dignidade de pessoa humana, livre e
inteligente. Uma dignidade pela qual partilho necessariamente minha existência com outros
seres humanos, responsável por meus atos e minhas omissões, por minha vida e destino, e
corresponsável pela vida e pelo destino dos outros. A vocação é a de ser filho de Deus, irmão
dos outros seres humanos, e um dia ressuscitado dos mortos, herdeiro do céu.
Podemos ter presente que “na realidade, tão só o mistério do Verbo encarnado
explica verdadeiramente o mistério do homem. Cristo, na própria revelação do mistério do Pai
e de seu amor, manifesta plenamente o homem ao próprio homem e lhe descobre sua altíssima
vocação”69.
Nisso, podemos concluir que experimentamos nossa humanidade quando nos
transcendemos, quando nos encontramos com Deus, quando buscamos a nossa divinização.
Esse desejo de divinizar-se já está inscrito em nosso coração. Segundo Leonardo Boff, a
natureza humana só é de fato humana quando buscamos a natureza divina e a participação na
mesma articula a essência mais secreta do homem.
68
Ibidem, p. 270.
69
GS 22.
70
BOFF, Leonardo. Graça e experiência humana. Petrópolis: Vozes, 1998, p. 288.
30
A encarnação é a participação na vida de Deus, uma vez que Ele desejou participar
da nossa vida humana. “Participar de Deus para o homem é poder ter aquilo que em Deus é
ser: é amar radicalmente, autodoar-se permanentemente... Viver em comunhão, dimensionar-
se para os outros... é divinizar-se e permitir que Deus se humanize”71. Podemos também
afirmar que Deus participa da natureza do homem, “vive-se o estar do homem em Deus
experimenta-se o estar de Deus no homem”72. Deus é presença na nossa vida, e nós nos
tornamos presentes na vida de Deus, quando estamos unidos, pela graça, a Jesus Cristo, Deus
e homem. Esse mistério é iniciativa da graça de Deus, mas que conta com a colaboração
humana.
Cristo é a imagem perfeita do mistério da Encarnação. A perfeita comunhão da vida
divina e humana, pois tudo o que Ele viveu não foi somente para si que ele viveu, mas para
todos nós seres humanos.
É no viver em Cristo que nos realizamos em nosso viver. Tornando nossa vida
semelhante à Dele, podemos modificar toda a nossa vida. Esse seria o verdadeiro caminho
integral de conversão do homem e o paradigma de uma perfeita comunhão.
71
Ibidem, p. 289.
72
Ibidem, p. 290.
73
SISTO III “Carta a Dionísio, bispo de Alexandria”. In Compêndio dos símbolos, definições e declarações de
fé e moral. São Paulo: Paulinas, 2007, p.103.
74
Andres Torres QUEIRUGA, Recuperar a salvação, São Paulo, 1999, p. 174.
31
A partir do encontro pessoal com Cristo, com a sua pessoa, sua humanidade e sua
divindade, podemos estabelecer com Ele uma aliança, uma vida de comunhão. Essa vida em
Cristo nos leva a percorrer um caminho de conversão e de comunhão. A conversão se dá em
Cristo, esta é a grande novidade do discipulado. Para o discípulo já não conta tanto as
aptidões humanas nem mesmo morais, mas o encontro com a pessoa de Jesus Cristo. O nosso
modo de viver e de agir modifica-se a partir do encontro com Cristo.
No encontro com Cristo, descobrimos a boa-nova da esperança plena para nós e para
o mundo. “Participar de Deus para o homem é poder ter aquilo que em Deus é ser: é amar
radicalmente, autodoar-se permanentemente... Viver em comunhão, dimensionar-se para os
outros... é divinizar-se e permitir que Deus se humanize”76.
Na Sagrada Escritura, a expressão “o tempo se cumpriu” refere-se ao termo grego
Kairós, que quer significar o tempo em que o Senhor se faz presente, se manifesta. Por isso,
ao dizer que o tempo se cumpriu, o evangelista quer nos mostrar que há uma revelação
especial de Deus com a qual Jesus se comprometeu, e nós podemos participar. Esse tempo nos
insere no caminho da conversão e é pressuposto para estabelecer uma vida de comunhão com
Ele.
75
Ibidem, p. 175.
76
Ibidem, p. 289.
32
Eles, juntamente conosco, formam essa realidade de conversão para Cristo e de vida de
comunhão com Ele. “Portanto, a unidade das Igrejas, que atende à oração de Jesus, que é uma
ordem para os cristãos, tem como finalidade a coerência com o Evangelho e a relevância para
com a humanidade”81.
Como podemos perceber, é fundamental, para um verdadeiro encontro com Jesus
Cristo, uma conversão pessoal, não individualista, pois já é claro para nós que a conversão em
Jesus Cristo exige a inserção na sua vida, no seu corpo, e esta é vivida na comunhão com Ele
e com os seus seguidores. Assim nasce a Igreja e a sua identidade é confirmada sempre mais.
Somos um corpo, o corpo de Cristo, por isso, devemos viver segundo os membros desse
corpo.
Para aqueles que querem seguir o mestre, é preciso abraçar a sua causa e aderir a Ele.
Permanecer com Ele todos os dias, não nos esquecendo que Ele se faz presente na história e
nos acontecimentos e nos convida sempre a perceber os sinais do seu reino presente, na nossa
vida, na vida de nossa sociedade. “Os sinais da vitória de Cristo Ressuscitado nos estimulam
enquanto suplicamos a graça da conversão e mantemos viva a esperança que não engana”82.
Esses sinais são sobretudo a vitória sobre o pecado e sobre a morte. Logo, toda a realidade de
morte e de pecado é transformada diante dessa certeza de ressurreição.
Uma verdadeira conversão edifica o homem e o humaniza cada vez mais. Ela
possibilita ao homem buscar o Reino e colaborar na construção desse Reino. O Espírito nos
inseriu no Reino para que pudéssemos crescer, na graça da conversão permanente. “A
conversão pessoal desperta a capacidade de submeter tudo ao serviço da instauração do Reino
da vida”83. É preciso que estejamos atentos a essa proposta de formação integral para todos
nós que desejamos viver a vocação do discipulado-missionário.
O desejo de se inserir no Reino anunciado por Cristo passa pela conversão e se
consuma no próprio Cristo. “Ao Reino anunciado por Cristo só se pode chegar mediante a
metanoia, ou seja, a íntima e total transformação e renovação do homem todo, de todo o seu
sentir, do seu julgar e do seu agir”84. A metanoia nos configura a Jesus Cristo, fazendo-nos
aderir de forma radical e concreta à edificação do seu Reino. Sem essa transformação radical,
81
AMERINDIA. V Conferência de Aparecida: Renascer de uma esperança. São Paulo: Paulinas, 2008, p. 136.
82
DA 14.
83
DA 366
84
SÍNODO DOS BISPOS, Assembléia Especial para a América: Instrumentum Laboris. São Paulo: Paulinas,
1997, p. 36.
34
a partir de um encontro pessoal com Cristo, fica debilitada toda e qualquer iniciativa pastoral
e missionária na Igreja.
A conversão é elemento essencial para que a Igreja cresça e cumpra sua missão. Por
isso, é preciso que cada fiel tome consciência de que, a partir das exigências do discipulado, a
conversão pessoal é elemento indispensável para se cumprir essas exigências. “A conversão
pessoal desperta a capacidade de submeter tudo ao serviço da instauração do Reino da vida”85.
As primeiras comunidades cristãs primitivas procuravam seguir os passos de seu
mestre a partir da sua maneira de viver. Essa opção de vida pela construção do reino gerava
em cada um o verdadeiro espírito de seguidores e, como testemunhas, procuravam difundir a
pregação do batismo e da conversão para o perdão dos pecados (cf. At 2, 37-38). É do contato
com o mestre, sobretudo pelo aprendizado adquirido com o Mestre, que os discípulos foram
se transformando em outros mestres, segundo o desígnio de Deus. “A conversão é um
conceito complexo, que significa uma profunda mudança de coração sob o influxo da Palavra
de Deus. Essa transformação interior exprime-se nas obras e, por conseguinte, na vida inteira
do cristão”86.
Além da conversão pessoal, adquirida mediante um caminho de realização plena, na
vida da Igreja e dos sacramentos, bem como, na vivência dos valores e na consciência reta
para com a Palavra de Deus, é necessária uma conversão social, que leve cada pessoa, em
comunhão com Deus e com o próximo, a buscar fazer a vontade do Senhor, para que “todos
tenham vida plena”. Aquele que não ama seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a
quem não vê (1Jo 4, 20). Para isso, é preciso olhar para os aspectos da vida social da
humanidade. “São realidades complexas que, sendo fruto das ações humanas, nem sempre de
acordo com a vontade divina, precisam ser iluminadas pelo Evangelho para servir ao homem
e à sua salvação pessoal”87. Como vemos, somente a partir de um encontro pessoal com Cristo
é que podemos chegar à conversão e ao seguimento na vida de comunhão da comunidade
eclesial.
A Igreja está inserida no mundo e na história de um povo. Por isso, ela deve estar
sempre atenta aos sinais do Reino presentes na atual sociedade, para poder perceber qual é a
85
DA 366.
86
JOÃO PAULO II. Reconciliatio et paenitentia. Exortação Apostólica. Petrópolis: Vozes, 1984, 12.
87
SÍNODO DOS BISPOS, Assembléia Especial para a América: Instrumentum Laboris. São Paulo: Paulinas,
1997, p. 37.
35
vontade de Deus e poder assim cumpri-la. “As transformações sociais e culturais representam
naturalmente novos desafios para a Igreja em sua missão de construir o Reino de Deus”88.
A construção do Reino enquanto missão específica da Igreja, confiada por Cristo, é
justamente perceber, sentir e anunciar a presença transformadora de Cristo Ressuscitado. “A
própria natureza do cristianismo consiste, portanto, em reconhecer a presença de Jesus Cristo
e segui-lo”89. Somente no encontro e no relacionamento pessoal com o Mestre, mediante o
seguimento, é que experimentamos e vivemos uma verdadeira conversão.
O anúncio de Jesus e a prática do seu seguimento sempre nos levam a percorrer um
caminho de transformação. Ao seguir Jesus, nós sentimos a necessidade de mudança, pois os
verdadeiros discípulos devem se configurar ao Mestre. Portanto, quem segue Jesus Cristo já
não consegue ser o mesmo, não pode continuar a viver no pecado.
A conversão será tanto mais frutuosa quanto maior for a nossa adesão e a nossa
consciência de que ela nos aproxima dos ideais cristãos, ou seja, de que ela nos leva a seguir o
Cristo e a imitar suas atitudes, sua obra e sua missão. O discípulo-missionário de Jesus Cristo
deve buscar a conversão, assumindo como seu próprio ideal a salvação de todos. O próprio
Cristo nos advertiu: “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e
siga-me” (Mc 8, 34).
O encontro com Cristo torna-se para o discípulo uma condição indispensável para a
conversão. É um processo que nos leva à comunhão, pois na comunhão, experimentamos a
vida de Cristo, e, com ela, as suas exigências.
88
DA 367.
89
DA 244.
90
DA 226.
36
91
DA 276.
92
SD 30.
93
A pecadora desse episódio, segundo os exegetas não deve ser identificada nem com Maria de Betânia, irmã de
Marta, nem tampouco com Maria Madalena. Aqui quer se ressaltar uma pecadora anônima, crente, que ama e é
perdoada.
37
94
DILLENSCHNEIDER, Clement. O Dinamismo de nossa fé. São Paulo: Paulinas, 1970, p. 74.
95
Ibidem, p. 75.
96
BOSETI, Elena; PANIMOLLE, Salvatore. Deus-Pastor na bíblia: solidariedade de Deus com seu povo. São
Paulo: Paulinas, 1986, p. 61.
38
daqui para frente, crer em Cristo e investir tudo nele e no Reino que ele anuncia. Nasce assim
o discípulo de Jesus”97.
Todo o fiel batizado deve acolher a proposta desse caminho oferecido pela ação do
Espírito Santo, que nos impulsiona a confessar a nossa fé em Jesus como Filho de Deus e a
chamar a Deus de Pai.
Portanto, é na comunhão de amor da Trindade que nós somos motivados a percorrer
e a abraçar esse caminho de comunhão de vida, tendo nela o modelo perfeito para vivermos
uma verdadeira vida de comunidade no amor. A Trindade será a nossa motivação para a
comunhão eclesial e pessoal com Jesus Cristo.
Por assim dizer, Deus Pai sai de si para nos chamar a participar de sua vida e
de sua glória. Mediante Israel, povo que fez seu, Deus revela seu projeto de
vida. Cada vez que Israel procurou e necessitou de seu Deus, sobretudo nas
desgraças nacionais, teve singular experiência de comunhão com Ele, que o
fazia partícipe de sua verdade, sua vida e sua santidade99.
Jesus, ao chamar os doze apóstolos, quis também estabelecer com eles esse mesmo
vínculo de amor, o vínculo da comunhão. Chamou-os para permanecerem com ele. Essa é a
característica mais especial de uma vida de comunhão com Deus. Poder participar da sua vida
97
HUMMES, Cardeal Cláudio. Sempre discípulos de Cristo: Retiro Espiritual do Papa e da Cúria Romana. São
Paulo: Paulus, 2002, p. 16.
98
JOÃO PAULO II. Ecclesia in America. Exortação Apostólica pós-sinodal, 1999. São Paulo: Paulus, 1999,
33.
99
DA 129.
39
e de sua missão. Poder estar com ele e ir ao encontro da santidade de Deus. Jesus chamou-os
para viver em comunhão com Ele (Mc 3, 14). Jesus quis favorecer a comunhão com os
apóstolos para poder instruí-los melhor, para que eles não só adquirissem conhecimento a
respeito de sua missão, mas participassem dela verdadeiramente. Por isso, estar em comunhão
com Jesus é participar da sua missão.
O discipulado se dá no encontro íntimo com Jesus, que toca até o interior mais
profundo do homem a fim de transformá-lo totalmente. “Ao que parece, o encontro a sós
indica que Jesus quer falar-lhes ao coração (Os 2,14). Também hoje o encontro dos discípulos
com Jesus, na intimidade, é indispensável para alimentar a vida comunitária e a atividade
missionária”100.
Somos chamados a estabelecer a comunhão com Cristo e com os irmãos. Esse deve
ser o nosso desejo. Membros do povo de Deus, da sua Igreja, devem ser sinal de comunhão,
porque os seus membros, como os ramos, participam da mesma vida de Cristo, a verdadeira
videira (cf. Jo 15, 5). “Com efeito, mediante a comunhão com Cristo, Cabeça do Corpo
místico, entramos em viva comunhão com todos os crentes”101.
Não podemos esquecer que estar com Ele, assumir a sua missão é assumir também as
consequências das suas atitudes de vida. O verdadeiro discípulo de Jesus Cristo é aquele que
abraça a fé em suas palavras e obras, que assume sua cruz e, se não o faz, não pode ficar com
Ele (Mt 10, 38). “O chamado ao discipulado inclui o chamado à provação, porque se trata da
comunhão com ele, que é rejeitado e que vai à paixão e à morte”102. Toda a comunhão dos
fiéis discípulos de Jesus sustenta-se na comunhão trinitária. Somos chamados a viver em
comunhão com o Pai, com seu Filho Jesus Cristo, morto e ressuscitado, e com o Espírito
Santo.
O discipulado exige uma adesão à vida de comunhão com o Mestre. “A vocação ao
discipulado missionário é convocação à comunhão em sua Igreja. Não há discipulado sem
comunhão”103. A Igreja deve ser sempre essa casa e escola de comunhão, e, juntamente com
seus pastores, estabelecer uma comunhão filial e fraterna. Por isso, a Igreja deve
constantemente ser promotora de comunhão. “Portanto, a comunhão na Igreja não é uma
simples experiência de participação democrática, mas, para além dela, é a própria realidade da
100
DA 154.
101
JOÃO PAULO II. Ecclesia in America. Exortação Apostólica pós-sinodal, 1999. São Paulo: Paulus, 1999,
33.
102
ALDANA, Hugo Orlando Martinez. O discipulado no evangelho de Marcos. São Paulo: Paulus, 2005, p. 87.
103
DA 156.
40
vida cristã que brota da relação de íntima comunhão do Pai com o Filho, na unidade que
fortalece e cria laços profundos, pois se dá pelo amor do Espírito Santo “que foi derramado
em nossos corações” (cf. Rm 5,5)”104.
A vida de comunhão autêntica produz o compromisso com a sociedade. Leva a
estabelecer relacionamentos e a se colocar a serviço dos irmãos, sobretudo dos que mais
necessitam e sentem-se excluídos dessa comunhão. Por isso, “a condição para que a
fecundidade do discipulado seja um fato é uma só: permanecer com Jesus. E permanecer com
Ele é permanecer em seu amor”105. Assim como Jesus foi impelido pelo amor do Pai, Ele
também nos impele por seu amor, e é na experiência desse amor com Jesus que o discípulo
também se torna capaz de amar. Essa certeza de ser amado deve nos impulsionar a amar.
Assim se concretiza o Reino e acontece o verdadeiro discipulado.
Para o discípulo que vai ao encontro de Jesus Cristo, é revelado Deus como Pai e
Amor. O Abba, paizinho. Jesus mostra-nos que essa expressão sinaliza sua expressão filial.
Os evangelhos nos mostram claramente a intimidade de Jesus com o Pai e a presença do Pai
na missão. “Os discípulos, vendo como rezava, como agia e como falava, foram descobrindo
a realidade da filiação de Jesus, e assim a presença da segunda Pessoa da Santíssima
Trindade”106. Jesus revela-se como o enviado do Pai. “Vós me conheceis e sabeis de onde eu
sou; no entanto, não vim por própria vontade, mas é verdadeiro aquele que me enviou e que
não conheceis. Eu, porém, o conheço, porque venho de junto dele, e foi ele quem me enviou”
(Jo 7, 28-29).O evangelho nos apresenta Jesus como quem procede do Pai. Ele veio de junto
de Deus Pai para habitar no meio de nós.
Temos diante desta realidade o paradigma de que “por meio do Filho que está no Pai
e que tem em si o Pai, manifestou-se o Deus que é o Pai dando testemunho ao Filho e o Filho
anunciando o Pai”107.
Por isso, a comunhão do Pai e do Filho, no Espírito Santo, dá-se numa perfeita
harmonia de modo que um anuncia e manifesta o outro em si mesmo.
104
COSTA, Pe. José de Anchieta Lima. A vocação à santidade à luz do Documento de Aparecida. In Revista
Eclesiástica Brasileira 273. Petrópolis: Vozes, 2009, p. 59.
105
BINGEMER, Maria Clara. Caminhos da Igreja na América Latina e no Caribe, São Paulo: Paulinas, 2006,
p.363.
106
BOFF, Leonardo. A Santíssima Trindade é a melhor comunidade. Petrópolis: Vozes, 1988, p.51.
107
LIÃO, Ireneu de. In Coleção Patrística. V. 4. São Paulo: Paulus, 1995, p.259.
41
O evangelho também nos mostra a relação que Jesus estabelece entre a sua missão e
o Espírito, a terceira Pessoa da Santíssima Trindade. “O Espírito do Senhor está sobre mim,
porque ele me consagrou pela unção para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar a
libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a liberdade aos
oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor” (Lc, 4, 18-19). Jesus é o ungido do
Pai e está intimamente unido ao Pai no Espírito Santo. É a perfeita comunidade presente na
vida do mundo a fim de salvá-lo e encorajá-lo na vivência comunitária. “O Pai e o Filho e o
Espírito Santo são indivisos sem confusão, sempiternos sem tempo, iguais sem diferença, já
que não a unicidade da pessoa, mas da essência realiza a unidade na Trindade”109.
O evangelista nos relata que Jesus é o ungido do Pai, o Espírito é a sua unção, e Ele é
o ungido, o enviado. No mistério pascal, Jesus também se apresenta como aquele que envia
como o Pai. “Como o Pai me enviou, também eu vos envio” (Jo 20, 21). A comunidade
recebe a missão de Jesus como ele a recebeu do Pai, e assim como o Pai lhe concedeu o
Espírito, Ele também concede à comunidade o Espírito como unção, dom e força para a vida e
a missão. “Dizendo isso, soprou sobre eles e lhes disse: Recebei o Espírito Santo” (Jo 20, 22).
O sopro de Jesus é o Espírito, a vida que ele nos dá. O sopro que nos recria, ou seja,
nos incorpora cada vez mais a Ele e nos faz receber a graça concedida desde a criação. Esse
sopro é o mesmo que fez com que o Verbo Encarnado realizasse a obra salvífica de Deus.
A Trindade se manifesta no batismo de Jesus. Nele, Jesus assume definitivamente a
missão, recebendo a confirmação da paz, “Este é meu filho muito amado, em quem me
comprazo” (Mc 1, 11). Ao mesmo tempo, segundo Marcos, Jesus viu o Espírito como uma
pomba descer até ele: “E, logo ao subir da água, ele viu os céus se rasgando e o Espírito,
108
DÂMASO I. Fragmentos de cartas aos bispos orientais. In Compêndio dos símbolos, definições e
declarações de fé e moral. São Paulo: Paulinas, 2007, p.63.
109
LEÃO I. Carta Ut nobis gratulationem. In Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral.
São Paulo: Paulinas, 2007, p.106.
42
como uma pomba, descer até ele” (Mc 1, 10). A Trindade em Jesus realiza a salvação e se faz
presente entre os homens.
Em Deus, pois, quando o Filho que é igual se une ao Pai que lhe é igual, ou o
Espírito Santo, que é também igual ao Pai e ao Filho, Deus não se torna
maior do que cada uma das pessoas, pois essa perfeição não lhe é
acrescentada. Perfeito é o Pai, perfeito é o Filho, perfeito é o Espírito Santo;
110
Marcial MAÇANEIRO, Deus Pai e seu amor salvífico em alguns documentos de Paulo VI e João Paulo II,
Roma, 2001, p. 33.
111
FORTE, Bruno. A Trindade como história: Ensaio sobre o a revelação, o início e a consumação. São Paulo:
Paulus, 1987, p.92.
112
IRENEU DE LYON: Adversus haereses IV, 20, Sources Chrétiennes 140, París, 1965, p. 627.
43
Os evangelhos ainda nos mostram que Jesus, o ungido, estava cheio da presença do
Espírito durante toda a sua vida.
Por isso, era o novo homem totalmente livre e libertado das amarras
históricas. Na força do Espírito, lança seu programa messiânico de total
libertação. O Espírito e Cristo sempre estarão juntos para reconduzir a
criação ao seio da Santíssima Trindade114.
Jesus recebe do Pai a missão de transmitir o Espírito, para que a sua ação realize, na
comunidade, a mesma força, a mesma alegria e a mesma sensibilidade que realizou em Jesus.
O Espírito é revelado, pois, como o sopro de Deus que anima e revitaliza, encoraja, esclarece
o sentido da missão salvífica de Deus na história humana.
A terceira pessoa da Trindade está intimamente ligada a Jesus. Ele age em toda a vida
e obra de Jesus, desde a concepção virginal de Maria; depois no batismo, nos acontecimentos
messiânicos, até a ressurreição.
Jesus viveu como ungido do Espírito Santo. Foi concebido no seio de Maria
por obra do Espírito Santo (Lc 1, 35). Batizado no Espírito Santo (Lc 3,22)
venceu as tentações na força do Espírito (Lc 4, 1). Sabia-se possuído pelo
Espírito para evangelizar os pobres (Lc 4,18) e expulsar os demônios (Mt
12,28). Alegrou-se no Espírito pela evangelização dos pequenos (Lc 10,21).
Ressuscitado pela força do Espírito Santo (Rm 1,4), enviou o Espírito como
continuador de sua obra, memorizador de sua mensagem, defensor de sua
causa, consolador e advogado de seus discípulos (Lc 24,49; Jo 14,16-17.26;
16, 5-15)115.
Por isso, podemos dizer que o encontro com Jesus Cristo se dá sob o sólido
fundamento da Trindade que é comunhão de amor e assim podemos adentrar a esse mistério e
113
AGOSTINHO. A Trindade. São Paulo: Paulus, 1994. p.227.
114
BOFF, Leonardo. A Santíssima Trindade é a melhor comunidade. Petrópolis: Vozes, 1988, p. 54-55.
115
CPMGJ, p. 26-27.
44
fazer a experiência desse Deus. Esse encontro foi eficaz desde a Igreja primitiva. Os primeiros
discípulos missionários já puderam experimentar e vivenciar essa comunhão trinitária.
120
DA 240.
121
AGOSTINHO. A Trindade. São Paulo: Paulus, 1994, p. 227.
122
DA 543.
46
Para o discípulo que se deixou formar pelo mestre é clara a consciência de que o
Espírito Santo é o protagonista da missão e o sustento do discipulado.
É o Espírito Santo que deu firmeza aos corações e às mentes dos discípulos,
que os iniciou nos mistérios evangélicos, que os iluminou nas coisas divinas;
por ele revigorados, não temeram as prisões nem as correntes pelo nome do
Senhor; antes, subjugaram as próprias potências e tormentos do mundo, já
armados e reforçados por seu intermédio, dotados que foram com os seus
dons que este mesmo Espírito reparte e envia como jóias à Igreja, Esposa de
Cristo. De fato, é ele que na Igreja suscita os profetas, instrui os mestres,
guia as línguas, realiza prodígios e curas, produz obras admiráveis, concede
o discernimento dos espíritos, confere os encargos de governo, sugere os
conselhos, reparte e harmoniza todo e qualquer outro dom carismático,
123
AMERINDIA. V Conferência de Aparecida: Renascer de uma esperança. São Paulo: Paulinas, 2008, p. 257.
124
CEC 688-189.
125
DÂMASO I. Fragmentos de cartas aos bispos orientais. In Compêndio dos símbolos, definições e
declarações de fé e moral. São Paulo: Paulinas, 2007, p.64.
47
Todo o batizado deve redescobrir a graça do Espírito Santo em sua vida e em suas
atividades. Na presença do Espírito, nós reconhecemos o Senhor e o verdadeiro sentido da sua
missão confiada a nós. É o mesmo Espírito que nos configura a Cristo e à sua obra redentora.
“O Espírito suscita nos fiéis o sentimento de uma comunhão e virtude da qual, pela fé e pelo
amor, eles estão em Deus e Deus neles (1 Jo 4, 13): Nisto reconhecemos que permanecemos
nele e ele em nós, ele nos deu o seu Espírito”128.
No evangelho de João, é o Espírito da verdade quem dá testemunho de Jesus Cristo,
juntamente com os seus apóstolos (Jo 15, 26). Ao fazer um encontro pessoal com Cristo o
discípulo missionário deve abraçar a mesma fé suscitada pelo Espírito aos apóstolos para que
126
CPMGJ, p. 26.
127
CPMGJ, p. 27.
128
CONGAR, Ives. Revelação e experiência do Espírito. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 84.
48
a sua obra, seu desejo e sua missão se concretizem na vida daqueles que ainda não fizeram
seu encontro pessoal com Cristo.
129
Ibidem, p. 85.
130
GREGÓRIO X. II Concílio de Lião. In Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e
moral. São Paulo: Paulinas, 2007, p.300.
131
DA 230.
49
Quem deseja ser discípulo de Jesus Cristo não pode ignorar o protagonismo do
Espírito Santo neste encontro, pois “no encontro com Cristo, graças à ação invisível do
Espírito Santo, realiza-se na fé recebida e vivida na Igreja”132.
O nosso desejo deve ser o mesmo dos primeiros discípulos e a nossa abertura à ação
do Espírito Santo deve nos ensinar e nos encorajar a ir ao encontro daqueles que querem
dedicar a sua vida como os primeiros discípulos.
A nossa adesão ao Espírito Santo conduz para uma verdadeira renovação eclesial que
implica reformas espirituais, pastorais e também institucionais. Essas reformas são muitas
vezes urgentes e necessita de nossa coragem e decisão consciente.
O Espírito Santo que encorajou os primeiros discípulos de Jesus Cristo é derramado
sobre nós também, para que possamos ajudar a construir um mundo melhor, uma sociedade
mais justa, uma Igreja mais comunitária e escola de comunhão e participação.
132
DA 246.
133
DA 14.
134
HUMMES, Cardeal Cláudio. Sempre discípulos de Cristo: Retiro Espiritual do Papa e da Cúria Romana.
São Paulo: Paulus, 2002, p. 57.
50
A Igreja prega um novo Pentecostes, que traga ânimo, coragem, e entusiasmo para
testemunhar Jesus Cristo e sua obra de salvação na alegria e na esperança. O Espírito Santo é
quem nos garante, na fé, e nos nomeia como verdadeiras testemunhas de Jesus Cristo, a fim
de que permaneçamos para sempre com Ele e vivamos esta alegria plenamente (Jo. 14 16.
26).
2.5 A Palavra de Deus como dom do Pai para o Encontro com Jesus Cristo
135
DA 244.
136
DV 9.
137
CEC 102.
138
RAHNER, Karl. Curso Fundamental da fé. São Paulo: Paulus, 1989, p.259.
51
Na Palavra de Deus, está a vida que nos garante a imortalidade. Todos os que vivem
Dele e de suas palavras têm a vida eterna. Por isso, “o Deus que se revela, na Palavra, é
fundamentalmente vida”139. A vida que Deus quer para nós é uma vida plena, ou seja, a
salvação. Por isso, a sua palavra quer ser para nós a meta a ser alcançada na nossa vida em
busca de uma realização plena e perfeita em Deus. “Os livros da Escritura ensinam com
certeza, fielmente e sem erro a verdade que Deus, para nossa salvação, quis que fosse
consignada nas Sagradas letras”140.
Com efeito, Ele enviou Seu Filho, o Verbo eterno que ilumina todos os
homens, para que habitasse entre os homens e lhes expusesse os segredos de
Deus (cf. Jo 1, 1-18). Jesus Cristo, portanto, Verbo feito carne, enviado
como “homem aos homens”, “profere as palavras de Deus” (Jo 3, 34) e
consuma a obra salvífica que o Pai lhe confiou141.
O Verbo feito carne habitou no meio de nós para que pudéssemos participar da vida
de Deus. E cada vez que nos colocamos à disposição de sua Palavra nós participamos da sua
vida e comungamos Dele. Cristo é Palavra eterna de Deus vivo. Pelo Espírito Santo, ele nos
guia, nos orienta e nos conduz a uma vida perene.
O próprio Cristo é a vida da Palavra que nos transforma. “O cristianismo é a religião
da Palavra de Deus, não de um verbo escrito e mudo, mas de um Verbo encarnado e vivo”142.
A Palavra de Deus nos leva ao encontro da justiça, da prática das boas obras. Ela só
pode dar bom fruto se for semeada num coração disposto a acolhê-la e testemunhá-la
radicalmente com uma autêntica coerência de vida. “Por isso toda Escritura divinamente
inspirada é também útil para ensinar, para argüir, para corrigir, para instruir na justiça: a fim
de que o homem de Deus seja perfeito, preparado para toda obra boa”143.
Em Cristo, nós conhecemos a Deus e podemos participar da obra de Deus no mundo
mediante os gestos, palavras, obras e sinais que o Senhor ensinou aos seus discípulos. O
Documento de Aparecida nos recorda da importância da Palavra de Deus, lugar do encontro
139
GUTIÉRREZ, Gustavo. O Deus da Vida. São Paulo: Loyola, 1992, p. 113.
140
DV 11.
141
DV 164.
142
CEC 108.
143
DV 179.
52
com Jesus Cristo: “Desconhecer a Escritura é desconhecer Jesus Cristo e renunciar a anunciá-
lo”144.
É preciso que cada cristão, fiel discípulo missionário do Senhor, obtenha um
profundo conhecimento da Palavra de Deus e uma vida segundo a Palavra. Por isso, somos
chamados a anunciá-la e a fazer a experiência concreta daquilo que lemos e proclamamos
para que assim as palavras do Senhor sejam verdadeiramente para nós “Espírito e vida” (Jo 6,
63).
Cristo está presente na Palavra revelada, e nosso encontro com Ele não é um
encontro de ausência, mas de ativa presença tanto no Antigo quanto no Novo Testamento.
A presença de Cristo, nas Escrituras, é uma presença real e ativa. Não é uma
presença ilustrativa.
144
DA 247.
145
DV 192.
146
DILLENSCHNEIDER, Clement. O Dinamismo de nossa fé: encontro pessoal do fiel com o Cristo e sua
Igreja. São Paulo: Paulinas, 1970, p.110.
53
Cristo é a Palavra encarnada, dom do Pai para a humanidade. Tudo o que foi dito
desde o princípio até hoje é revelação do Verbo de Deus. A fé do verdadeiro discípulo de
Jesus Cristo não é uma fé do passado, antiga, mas uma fé atual, no Cristo Ressuscitado, que
continua agindo pela força do Espírito em nós.
É na Palavra de Deus que os discípulos fortaleceram os vínculos que os unem a Jesus
Cristo.
147
Ibidem, p.115.
148
HUMMES, Cardeal Cláudio. Sempre discípulos de Cristo: Retiro Espiritual do Papa e da Cúria Romana.
São Paulo: Paulus, 2002, p. 15.
149
Ibidem, p. 15.
150
DA 248.
54
É preciso que todos os que são chamados a serem discípulos missionários de Jesus
Cristo procurem aprofundar, no conhecimento da Palavra de Deus, e também se aproximem
com espiritual desejo de ouvir o mestre.
Para que esse encontro com Cristo presente, na Palavra, dom do Pai para o discípulo
missionário, seja uma aproximação concreta e frutuosa, na vida do discípulo missionário de
Jesus Cristo: recomenda-se, vivamente, a leitura orante da Palavra de Deus, ou seja, a Lectio
divina. “Essa leitura orante, bem praticada, conduz ao encontro com Jesus-Mestre, ao
conhecimento do mistério de Jesus-Messias, à comunhão com Jesus-Filho de Deus e ao
testemunho de Jesus-Senhor do universo”152.
A leitura orante da Palavra favorece esse encontro pessoal com Cristo e nos coloca,
na mesma atitude daqueles que viveram o seu encontro pessoal com o Senhor, como
Nicodemos, a Samaritana, o cego de nascença, Zaqueu, Marta e Maria e tantos outros que lhe
foram ao encontro.
O Evangelho narrado pelos primeiros discípulos a partir de suas experiências com
Jesus Cristo nos insere no compromisso e no desejo de sermos amigos de Jesus e nos
tornarmos testemunhas de sua vida e anunciadores do seu Reino.
O encontro com Jesus Cristo é vivido pelos seus seguidores, no tempo presente, mas
também carrega a esperança escatológica da plenitude que não se dará aqui, mas será no dia
final. Em Cristo, nós contemplaremos face a face a felicidade e a realização plena, prometida
por Ele.
151
DA 248.
152
DA 249.
55
Na Encarnação Deus, veio ao nosso encontro e se fez próximo a nós de maneira real,
a fim de que todos vivessem na sua presença. E, na experiência de estar, na presença de Deus,
podemos, no dia em que chegar a nossa morte, estar, na sua presença sem os obscurecimentos
da finitude desta vida, sem o pecado, que nos afasta de sua presença.
Podermos estar na presença do criador e vê-lo como Ele é. Nós ansiamos por essa
presença. Desejamos, pois, repousar em Deus e sentir o céu junto de nós. A nossa experiência
de fé suscita, em nosso coração humano, o desejo e a felicidade do encontro com Deus.
A liturgia da Igreja celebra essa esperança e antecipa, na vida da graça, a vida eterna
que virá, mas é a celebração do mistério; nem se compara com o dia da plenificação e da
eterna presença de Deus na nossa vida. Essa presença já não será sacramental, mas real e
eterna, será a total e plena realização.
A teologia vai chamar este dia de parusia. Na linguagem bíblica, é a segunda vinda
do Senhor, que se dará, na ressurreição, na hora de nossa morte, ou seja, do nosso encontro
pleno e definitivo com o Senhor. Porém, essa parusia vai penetrando a nossa história. Na
peregrinação da vida, vamos experimentando já e ainda não esse fim glorioso.
No fim, o Senhor virá ao nosso encontro e viveremos plenamente com Ele. Esse
conhecimento é libertador, pois aquele que foi ao encontro do Senhor, e a partir do seu
relacionamento pessoal, viveu a prática da justiça, este permanecerá com Deus (cf. Sl 73, 18).
“Ainda não se existe a ideia de como Deus agirá, apenas a confiança de que “no fim” ele
estará presente e que, enquanto os malfeitores perecem, os justos podem estar com ele”153.
Contudo, não podemos esquecer que, Cristo faz-se presente em toda a nossa vida, até
nos sofrimentos. Pois o próprio Senhor passou pelo sofrimento da cruz. Esse encontro é
solidário. Cristo se solidarizou com todos, principalmente com os pobres e oprimidos. Por
isso, aceitou estar presente em todas as situações da vida humana, até na morte. O passar pela
morte é consequência natural da vida de Jesus, uma vez que ele se encarnou, pois “a morte é
um fato maior que configura decisivamente toda a existência e confere forma definitiva a todo
projeto humano”154. Portanto, a morte é condição de todo ser humano e o próprio Jesus
assumiu sobre si a nossa condição.
Mas a morte de cruz, certamente, Deus não a queria para seu Filho ou o próprio Jesus
não a desejou para si. “a Cruz é um produto terrível do pecado... se a encararmos na
perspectiva humana, é manifestação do amor levado até as últimas consequências, se a
153
NOCKE, Franz-Josef. Escatologia. In Manual de Dogmática II. Petrópolis: Vozes, 2000, p.379.
154
QUEIRUGA, Andres Torres. Recuperar a Salvação. São Paulo: Paulus, 1999, p. 180.
56
olharmos na perspectiva de Cristo”155. Esse é o duplo sentido da cruz. Primeiro Jesus morre,
na cruz, porque não aceita a situação do pobre e do oprimido. E, por segundo, o opressor quer
calar a voz de Jesus que não se cansa. “Jesus morreu porque se colocou do lado dos
oprimidos, sem retroceder diante das consequências; porque foi fiel à sua missão, doando-se
sem reservas”156.
Jesus morre na cruz por amor à humanidade e também por afirmar ser o Filho de
Deus. A afirmação da sua identidade é comprometida até as últimas conseqüências. Ir ao
encontro de Jesus Cristo é assumir a sua missão e o seu destino doando inteiramente a vida
em favor de todos, principalmente dos pobres e oprimidos.
O discípulo de Jesus Cristo não pode ignorar a realidade da cruz. A cruz nos
identifica com a vida e a missão de Cristo. É no encontro com Jesus Cristo que se torna
evidente o sentido da cruz.
Ao participarmos desse fim, experimentamos a definitiva presença do Senhor e o
sentido de nosso encontro definitivo com Aquele que, por amor, veio até nós para nos salvar,
ou seja, nos garantir vida plena.
Este fim está próximo de cada homem. Pois o Senhor está sempre vindo. E
cada vinda do Senhor, enquanto última e escatológica presença de Deus
coloca cada um diante da opção radical em torno da qual todas as demais
decisões tomam sentido e se organizam. Essa parusia do Senhor em cada dia
de nossa existência adquire na morte o esplendor da transparência. Aquilo
que já éramos pelo definitivo de tantos encontros com o Senhor, na oração,
nas celebrações, na caridade fraterna, é assumida pela glória da aparição do
Senhor da Glória157.
Esse encontro é para todos e não há privilégios de uns e de outros. Todos serão
chamados ao encontro pleno e definitivo com o Senhor. Ninguém está excluído dessa
esperança. São Paulo nos ajuda a compreender melhor esta definição: “Quando o Senhor, ao
sinal dado, à voz do arcanjo e ao som da trombeta divina, descer do céu, então os mortos em
Cristo ressuscitarão primeiro; em seguida nós, os vivos que estivermos lá, seremos
arrebatados com eles nas nuvens para o encontro com o Senhor” (1 Ts 4, 13-18).
155
Ibidem, p. 180.
156
Ibidem, p. 181.
157
João Batista LIBÂNIO; Maria Clara L. BINGEMER, Escatologia cristã, Petrópolis, 1985, p. 215.
57
158
QUEIRUGA, Andres Torres. Recuperar a Salvação. São Paulo: Paulus, 1999, p. 194.
159
FORTE, Bruno. Exercícios Espirituais no Vaticano. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 90.
160
NOCKE, Franz-Josef. Escatologia. In Manual de Dogmática II. Petrópolis: Vozes, 2000, p.385.
58
O nosso encontro com Cristo deve ser permanente, integral, decisivo e definitivo. É
esse encontro que nos dá a verdadeira vida. O limite da morte física se torna relativo quando
fazemos nossa opção por Cristo e estabelecemos, a partir do encontro pessoal com Ele,
vínculos de verdadeiro amor. “porque se vivemos é para o Senhor que vivemos, e se
morremos é para o Senhor que morremos. Portanto, quer vivamos, quer morramos,
pertencemos ao Senhor” (Rm 14, 8).
Para João, a vida eterna já é agora, ou seja, Aquele que crê tem a vida eterna. Para
crer, é preciso fazer um encontro pessoal de fé com o Senhor. “Em verdade, em verdade, vos
digo: quem escuta a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna e não vem a
julgamento, mas passou da morte à vida” (Jo 5, 24).
Jesus é a glorificação de Deus. Quem ouve suas palavras e faz um encontro
definitivo com Ele tem a vida em plenitude. “Em Jesus a salvação está presente. Por isso o
encontro com ele significa o momento decisivo: rejeitá-lo (descrença) significa morte, aceitá-
lo (crer nele) significa vida eterna”161.
É no encontro de fé, no Senhor, que já alcançamos a salvação, porém a negação para
estabelecer esse encontro é que nos introduz ao juízo. “Quem nele crê não é julgado; quem
não crê, já está julgado” (Jo 3, 18). Na morte o nosso encontro com Cristo será o encontro de
nós verdadeiramente como somos diante do verdadeiro amor. “Sendo assim, o ser humano
encontra na morte aquele que durante sua vida na terra nunca condenou ninguém; pelo
contrário, chamava a si próprio de bom pastor. Aquele que segue suas ovelhas quando elas se
desgarram”162.
O encontro do homem com Deus é pleno e definitivo quando se está diante da morte,
pois o homem se vê a si mesmo, com suas mazelas e suas esperanças.
161
Ibidem, p.386.
162
BLANK, Renold J. Escatologia da Pessoa. São Paulo: Paulus, 2000, p. 169.
163
HUMMES, Cardeal Cláudio. Sempre discípulos de Cristo: Retiro Espiritual do Papa e da Cúria Romana.
São Paulo: Paulus, 2002, p. 147.
59
164
BENTO XII. Benedictos Deus. In Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral.
São Paulo: Paulinas, 2007, p.323.
165
BLANK, Renold J. Nossa vida tem futuro. São Paulo: Paulus, 1991, p. 117.
166
BOFF, Leonardo. Vida para além da morte. Petrópolis: Vozes, 1988, p. 56.
60
O nosso encontro com Deus é eterno, definitivo, pleno. Sua presença nos impulsiona
a viver o seu verdadeiro amor. Um amor sem medida. Essa abertura e essa disposição nos
conduzem ao encontro de sua presença eterna, que denominamos céu. Esse encontro, pleno e
definitivo com o Senhor, constitui a verdadeira vocação do homem e seu mistério mais
profundo. Seremos de tal forma inseridos no mistério do próprio Deus. E nossa história será
uma articulação da própria história divina.
167
Ibidem, p. 89.
168
HUMMES, Cardeal Cláudio. Sempre discípulos de Cristo: Retiro Espiritual do Papa e da Cúria Romana.
São Paulo: Paulus, 2002, p. 147.
61
CAPÍTULO III
IGREJA: COMUNIDADE QUE VIVE E PREGA O ENCONTRO COM
JESUS CRISTO
A missão de Cristo não se finda com a sua volta para o Pai. Ele permanece junto
daqueles que, tendo feito um encontro pessoal com Ele, vão dar continuidade à sua obra a
partir da experiência de sua ressurreição. Assim, nasce a Igreja, a comunidade daqueles que
fizeram seu encontro pessoal com o Senhor mediante a sua ressurreição e agora serão
testemunhas vivas da ressurreição no mundo.
No encontro com Jesus Cristo e após a sua ressurreição é que os apóstolos vão
tornar-se testemunhas vivas do seu mestre, mediante o seguimento, o ardor missionário, a
pregação incisiva e até o testemunho do martírio. Isso faz com que os seguidores de Jesus de
Nazaré sejam os sinais da sua presença salvífica e libertadora e levem outros a fazer também
seu encontro pessoal com Cristo, a partir desse mesmo anúncio.
Jesus Cristo esteve em nosso meio fazendo o bem, pregando e anunciando a Palavra
de vida e salvação. Agora, por meio da Igreja, fazem-se presente pelos sacramentos, pela
Palavra, pelo testemunho dos discípulos, membros do novo povo de Deus por Ele fundado.
Para cumprir a vontade do Pai, Cristo inaugurou, na terra, o Reino dos Céus,
revelou-nos seu mistério e por sua obediência realizou a redenção. A Igreja,
ou seja o Reino de Cristo já presente em mistério, pelo poder de Deus cresce
visivelmente no mundo169.
169
LG 3.
62
está a Igreja, está também a salvação, que constitui a comunhão entre Deus e os homens,
conduzindo-os à libertação total, estabelecendo um encontro de salvação, um encontro perene
de santificação.
Como o Pai pelo Filho vem ao ser humano, no Espírito, assim o ser humano,
no Espírito, pelo Filho, pode agora ter acesso ao Pai: o movimento de
descida consente um movimento de subida, num circuito de unidade, cuja
face eterna é a Trindade, cuja face temporal é a Igreja174.
Tudo na Igreja vem do amor do Deus três vezes Santo: o coração pulsante da
Igreja é o ‘agape’, o amor que vem do alto e tende a voltar para o alto. O
‘agape’ é a regra de vida dos discípulos de Jesus, que por força de sua
revelação acreditam no amor infinito do Pai. A Igreja vive do dinamismo
fundamental de deixar-se amar pelo Pai, por Cristo, no Espírito, a fim de
amar o Pai, por Cristo e no mesmo Espírito175.
174
ALMEIDA, Antônio José de. Sois um em Cristo Jesus. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 37.
175
FORTE, Bruno. Exercícios Espirituais no Vaticano: Seguindo a ti, Luz da Vida. Petrópolis: Vozes, 2005, p.
120.
176
DA 159.
64
177
BOFF, Leonardo. E a Igreja se fez povo. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 31.
178
CEC 776.
179
DA 159.
180
FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica, 2013. São Paulo: Paulinas, 2013, 23.
181
DA 158
65
Na Igreja, nós encontramos Jesus, somos por ele atraídos e recebemos dele a graça
para nossa caminhada até a plenitude. Somos povo que Deus escolheu e abençoou.
Sacramento de salvação, a Igreja é o Corpo Místico de Cristo. A imagem do corpo é
para mostrar a realidade da diversidade dos membros e das funções, e da unidade de todos em
vista do bem comum. “Com efeito, o corpo é um e, não obstante tenha muitos membros, todos
os membros do corpo, apesar de serem muitos, formam um só corpo. Assim também acontece
com Cristo. Pois fomos todos batizados num só Espírito para sermos um só corpo...” (1 Cor
13, 12-13).
A imagem do Corpo mostra-nos a Igreja como unidade na diversidade. Cristo é o que
dá origem à unidade, Ele é a cabeça da Igreja. Por isso, no encontro com Jesus Cristo,
encontramos a Igreja e, na Igreja, encontramos Jesus e do seu corpo participamos como
membros vivos e atuantes. Por isso, “a Igreja cresce, não por proselitismo, mas por atração:
como Cristo ‘atrai tudo para si’ com a força do seu amor” 183.
A Igreja será cada vez mais imagem deste Corpo de Cristo, na medida em que viver a
cada dia este encontro pessoal com Ele sentir-se atraída por Ele e ser sinal da presença do
182
BOFF, Leonardo. E a Igreja se fez povo. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 33.
183
DA 159.
184
BOFF, Leonardo. op. cit, Petrópolis, 1991, p. 33.
66
Mestre no mundo. “A Igreja atrai quando vive em comunhão, pois os discípulos de Jesus
serão reconhecidos se amarem-se uns aos outros como Ele nos amou (Rm 12, 4-13; Jo 13,
34)”185.
Podemos afirmar que a Igreja é sacramento de salvação quando concretiza entre os
homens o plano libertador de Deus. Diante das injustiças da nossa sociedade desigual onde
milhares de pessoas morrem de fome, de falta de atenção para com suas doenças e de tantas
situações de total aberração contra o ser humano, a Igreja é sinal da presença salvífica de
Deus, exercendo a sua função profética de denunciar tantas injustiças.
A Igreja é sinal de Deus quando, na atitude concreta de cada cristão, faz a sua parte,
promovendo a partilha e a solidariedade. “Na prática, a vivência cristã é, eminentemente, uma
vivência de Igreja. É, na Igreja, que nós nos tornamos cristão e resolvemos seguir a Jesus”186.
O verdadeiro cristão é aquele que está inserido em Cristo, fez um encontro pessoal
com Ele e vive a prática do amor e da justiça para com todos. Essa prática concretiza-se, na
verdadeira evangelização, que é a expressão visível da presença da Igreja no mundo. “Existe,
portanto, uma ligação profunda entre Cristo, a Igreja e a evangelização. Durante este “tempo
da Igreja” é ela que tem a tarefa de evangelizar. E essa tarefa não se realiza sem ela e, menos
ainda, contra ela”187.
É o Espírito quem dá vida, alma, ou seja, ânimo, sustento para todo o Corpo de
Cristo. O encontro com a Igreja leva-nos ao encontro com Jesus Cristo, no Espírito Santo,
para nosso sustento e ardor. “O que é o nosso espírito, isto é, a nossa alma em relação a
nossos membros, assim é o Espírito Santo em relação aos membros de Cristo, ao Corpo de
Cristo que é a Igreja”188.
Contudo, Cristo nos envia o Espírito Santo de junto do Pai e concretiza a unidade de
cada Igreja local com todas as outras na única Igreja Católica. “O povo de Deus se constrói
como comunhão de Igrejas particulares, e através delas como intercâmbio entre as
culturas”189.
É a comunhão universal das Igrejas geradas pela mesma Palavra, pelo mesmo Pão e
pelo mesmo Espírito. Por isso, cada Igreja particular se reconhece a si mesma em cada uma
185
DA 160.
186
GALILEA, Segundo. Discípulos de Cristo. São Paulo: Paulus, 1996, p. 91.
187
EN 16.
188
CEC 797.
189
DA 182.
67
das outras Igrejas, ao redor da Eucaristia presidida pelo bispo, participando assim da unidade
no Corpo de Cristo a fim de reconciliar o mundo.
A presença de Cristo na nossa vida pode ser percebida e sentida a partir da realidade
sacramental da Igreja. A Igreja nasce dos sacramentos e é edificada por eles. Desde o início
do Cristianismo, a Igreja já se fortalecia nos sacramentos. A imagem da água e do sangue que
jorraram do lado aberto de Jesus foi interpretada pela Tradição como o Batismo e a Eucaristia;
mediante estes sacramentos, nasceu a Igreja.
Em Jesus, a nossa humanidade pode encontrar-se com Deus, pois, ao assumir nossa
carne mortal, Ele deu-nos a possibilidade de experimentar a divindade. Porque Jesus é o Filho
de Deus, o encontro com Ele é o encontro sacramental com o próprio Deus. “Cristo é o
Sacramento fundamental do encontro com o Deus invisível na humanidade visível”191.
Os sacramentos são atos de Cristo e da Igreja. A Igreja age na pessoa de Cristo,
santificando o mundo através da ação sacramental. Nos sacramentos, encontramos a Cristo
glorificado, sua ação e presença atuante. Por meio dos sacramentos, “os discípulos de Cristo
penetram mais, nos mistérios do Reino e expressam de modo sacramental sua vocação de
discípulos e missionários”192.
Os sacramentos são inseparáveis da Igreja e sua ação. Por isso, tornam-se expressão
de uma realidade invisível, ou seja, os frutos da salvação concedida por Cristo. Os
sacramentos realizam a ação de Cristo, no mundo, por meio da Igreja e sustentam a comunhão
da comunidade eclesial.
A incorporação a Cristo e à Igreja desde os primórdios dá-se pelo batismo. O fator de
comunhão eclesial, para a Igreja primitiva, era a admissão e participação na comunhão
190
ROCCHETTA, Carlo. Os sacramentos da fé. São Paulo: Paulinas, 1991, p. 166.
191
Ibidem, p. 168.
192
DA 117.
68
193
LG 31.
194
BOFF, Leonardo. Os sacramentos da vida e a vida dos sacramentos. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 56.
69
195
Ibidem, p. 57.
196
Ibidem, p. 57.
197
GS 48.
70
consagram-se, na vida religiosa, de modo que sua vocação batismal seja o grande referencial
para alcançar a santidade, vivendo os conselhos evangélicos de maneira radical.
O sacramento da ordem realiza essa consagração unindo o fiel a Cristo e à Igreja,
tornando-se aquele que serve em nome de Cristo e da Igreja. O ministro ordenado age na
pessoa de Cristo e da Igreja. É o encontro com Cristo e sua consagração. “O sacerdócio
ministerial se insere em continuidade como mistério de Cristo, em continuidade com o
mistério de sua encarnação, e é em si mesmo, inseparavelmente, relação com Cristo e relação
com a Igreja, corpo de Cristo”198.
Existe, porém, na vida de todo ser humano a fragilidade, a doença, a ameaça à vida
humana, a dependência. É necessário que, nessas ocasiões, sintamos a presença de Deus e o
encontro de Cristo com nossas dores. “O sacramento da Unção dos Enfermos expressa o
poder salvífico de Deus”199. Deus vem ao encontro do homem também na dor e no
sofrimento. Ele fortalece, consola, restaura, cura e nos prepara para o encontro pleno e
definitivo com Cristo. O sofrimento nos redime e nos une à paixão redentora de Cristo.
“Desse modo, o sacramento é a preparação para a vitória definitiva sobre o mal e a morte, que
completará a assimilação a Cristo iniciada com o batismo”200.
A experiência do pecado gera a morte e a ruptura com Deus. Ao negar a Deus, o
homem se perde e, sem sentido, busca compensações desordenadas e até mesmo a morte
eterna. Mas sempre há a possibilidade do retorno. Por isso, no Sacramento da Reconciliação,
o homem encontra com Jesus Cristo e com sua misericórdia que é sem limites. O sacramento
expressa a experiência do perdão e da reconciliação com Deus, com a Igreja, com os irmãos e
consigo mesmo.
198
ROCCHETTA, Carlo. op. cit., São Paulo: Paulinas, 1991, p. 397.
199
BOFF, Leonardo. Os sacramentos da vida e a vida dos sacramentos. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 57.
200
ROCCHETTA, Carlo. op. cit., São Paulo: Paulinas, 1991, p. 373.
201
RAHNER, Karl. op.cit., São Paulo: Paulus, 1989, p. 488.
71
encontramos na Igreja que administra esses sinais sensíveis da graça de Cristo. “Os
sacramentos são inseparavelmente palavra e evento: indicam o que realizam e realizam o que
indicam”202.
Jesus faz-se presente, na vida humana de diversas formas e maneiras. Como vimos
em capítulos anteriores, Ele vem ao nosso encontro e nós estabelecemos um encontro com Ele
de diversas maneiras no decorrer da vida e da história.
Não há dúvidas de que a realidade central do sacramento é o batismo. Mas sabemos
da importância que se têm para a comunidade dos discípulos de Jesus a sólida vida de
comunhão com o Mestre na Eucaristia. “A Eucaristia é o lugar privilegiado do encontro do
discípulo com Jesus Cristo. Com esse sacramento, Jesus nos atrai para si e nos faz entrar em
dinamismo em relação a Deus e ao próximo”203.
Todos os sacramentos são lugares de encontro com Jesus Cristo. Neles,
experimentamos a presença do Senhor e sua ação salvífica. Entre eles, a Eucaristia é o
sacramento por excelência, O meio excelente da presença de Cristo na vida da Igreja. “A
Santíssima Eucaristia contém todo o Bem Espiritual da Igreja, a saber, o próprio Cristo, nossa
Páscoa”204.
Desde a Igreja primitiva, reconhece-se a presença do Senhor na fração do pão da
comunidade (At 2, 42). É uma presença velada, que, porém, suscita na vida da comunidade o
desejo da vinda do Senhor (Maranatha), pois traz a promessa da plenitude. A fórmula da
consagração, palavras do próprio Cristo, demonstra o caráter pessoal da presença do Cristo
ressuscitado: Isto é o meu corpo. O corpo, na linguagem semita, exprime presença, pois é
idêntico à pessoa. Jesus está presente no sacramento da Eucaristia, culminando assim o seu
grande desejo de permanecer com os seus até a consumação dos séculos (cf. Mt 28, 20).
A presença de Jesus, na Eucaristia, é sacrifical, ou seja, é presença e sacrifício, pois é
o sacramento que realiza o memorial do sacrifício redentor de Cristo, atualizando-o e
202
ROCCHETTA, Carlo. Os sacramentos da fé, São Paulo: Paulinas, 1991, p. 189.
203
DA 251.
204
CEC 1324.
72
205
ROCCHETTA, Carlo. op. cit. São Paulo: Paulinas, 1991, p. 297.
206
JOÃO PAULO II. Mane nobiscum domine. Carta Apostólica, 2004. São Paulo: Paulinas, 2004, 15.
207
JOÃO PAULO II. Ecclesia de Eucharistia. Carta Encíclica, 2003. São Paulo: Paulinas, 2003, 11.
208
ZILLES, Urbano. Os sacramentos da Igreja Católica. Porto Alegre: Edipucrus, 2001, p. 258.
73
ressuscitado e passamos a permanecer com ele num relacionamento pessoal de vida e destino.
“Quem come minha carne e bebe meu sangue permanece em mim e eu nele” (Jo 6, 56). A
presença sacramental do Senhor é permanente e constante na vida de quem o recebe. A
comunhão é plena. O fiel que a recebe torna-se cristificado, divinizado. É inserido na vida do
Senhor que o envia a ser no mundo sinal da presença do Cristo, da salvação no mundo inteiro.
209
RAHNER, Karl. op. cit. São Paulo: Paulus, 1989, p. 493.
210
DA 180.
211
BENTO XVI. Sacramentum Caritatis. Exortação Apostólica pós-sinodal. 2007. São Paulo: Paulinas, 2007,
64.
74
sangue que ele estabelece uma aliança nova e definitiva com seus discípulos e com a
humanidade inteira.
É altamente conveniente que Cristo tenha querido ficar presente à sua Igreja
desta maneira singular. Visto que estava para deixar os seus na sua forma
visível, Cristo quis dar-nos a sua presença sacramental; já que ia oferecer-se
na cruz para nos salvar, queria que tivéssemos o memorial do amor com o
qual nos amou até o fim (Jo 13,1), até ao dom da sua vida212.
3.4 O Encontro com Jesus Cristo nos pobres: missão da Igreja discípula missionária
Jesus é o sinal libertador de Deus. Enviado pelo Pai e ungido pelo Espírito, ele vem
instaurar o Reino de Deus, reino de amor e de vida. Esse reino é pregado por Jesus por meio
de suas palavras e atos. A vida de Cristo é um referencial do Reino.
A partir dos evangelhos, vemos claramente a opção de Jesus pelos pobres e
pecadores. O Jesus histórico não é imparcial. Ele assume a causa dos oprimidos para
devolver-lhes a esperança da luta e da conquista que o Reino veio trazer. Com sua opção,
Jesus mostra radicalmente que a verdadeira prática da religião não é o culto, a lei ou o
sacrifício, mas a prática da justiça e da solidariedade para com aquele que mais necessita.
Jesus fez-se pobre, assumindo nossa pobreza e nossa pequenez, a fim de que
pudéssemos participar da sua vida e assim restituir nossa dignidade (Fl 2, 7).
É certo que “Jesus Cristo, existindo na condição divina, não ficou esperando que o
ser humano dele se aproximasse; ele tomou a iniciativa de vir ao nosso encontro, tornando-se
um dos nossos, um homem entre os homens e um homem servidor”214.
O Senhor veio ao nosso encontro e fez-se pobre por causa de nós, a fim de que
fôssemos enriquecidos mediante sua pobreza (cf. 2 Cor 8,9). Por isso, podemos afirmar que,
212
CEC 1380.
213
ALDAZÁBAL, José. A Eucaristia. Petrópolis: Vozes, 2009, p. 375.
214
RUBIO, Alfonso Garcia. O Encontro com Jesus Cristo Vivo: Um ensaio de cristologia para nossos dias. São
Paulo: Vozes, 2007, p. 181.
75
215
Ibidem,p. 182.
216
BENTO XVI. Deus caritas est. Carta Encíclica, 2005. São Paulo: Paulinas, 2005, 17.
217
HUMMES, Cardeal Cláudio. Sempre discípulos de Cristo: Retiro Espiritual do Papa e da Cúria Romana.
São Paulo: Paulus, 2002, p. 167.
76
Vemos claramente que a opção de Jesus é pobres. Ele ama-os e dedica-se de modo
particular a eles, curando suas enfermidades, defendendo-os dos poderosos prepotentes,
devolvendo-lhes a dignidade e pregando o anúncio de que todos se sentarão à mesa eterna que
o Pai preparou.
A pregação de Jesus acerca do Reino mostra claramente qual é a opção de Deus para
com a humanidade e, conseqüentemente, qual deve ser a opção de todos que desejam segui-lo.
“Os preferidos de Deus, os que definitivamente se sentam à sua mesa, para alegrar-se com ele,
no Reino, são todos os pobres e marginalizados de Israel, apesar de serem pecadores”218. Em
todas as parábolas contadas por Jesus, ele mostra que o pobre e o pecador são reconduzidos à
libertação, são chamados filhos de Deus, são incluídos, na sociedade, recebem uma dignidade,
são recompensados. O Reino foi instaurado no meio de nós, logo, de todos; porém os
excluídos são os preferidos de Deus que quer devolver a cada um a dignidade deformada pela
opressão.
Em muitas passagens da Escritura, percebemos, nitidamente, que Jesus tem uma
atitude frente ao povo sofrido que vem ao seu encontro. A multiplicação dos pães (Mc 6, 30-
44; 8, 1-9) é sinal da presença de Deus entre os famintos, os que morrem porque não têm o
que comer. A parábola do rico epulão e o pobre Lázaro (Lc 16, 19-30) o rico vai para o
inferno e o pobre, à comunhão no seio de Abraão. Vemos também, no encontro com o jovem
rico (Mt 19, 21-26), uma proposta de amor que o Senhor faz para ele segui-lo e abraçar a
verdadeira riqueza e partilhar com o outro o que lhe pertence. As curas realizadas visam
devolver, a cada doente, a dignidade perdida pela enfermidade, pelo peso ideológico do
pecado, pela pobreza e pela miséria. Jesus vai ao encontro de todos e os toca devolvendo a
oportunidade de se viver em sociedade e comunitariamente. E, ainda, concedendo a dignidade
de pessoa humana, amada e querida por Deus. Ele restitui essas pessoas a fim de que elas
participem novamente da vida da comunidade.
Portanto, a missão da Igreja é ir ao encontro do Senhor, sobretudo presente nos
pobres e excluídos, e permanecer com ele seguindo seus ensinamentos.
218
SEGUNDO, Juan Luis. A história perdida e recuperada de Jesus de Nazaré. São Paulo: Paulus, 1997, p. 195.
77
A nossa fé e nossa adesão a Jesus Cristo nasce de nosso encontro com ele, da
sensibilidade para com as realidades do mundo onde Ele está presente. A concretude desse
encontro acontece, nas opções que fazemos e dos gestos que assumimos que devem ser os
mesmos gestos e as mesmas atitudes daquele a quem seguimos: Jesus Cristo.
Dessa forma, ao estabelecermos um encontro com Jesus Cristo, somos chamados a
ter os meus sentimentos do Mestre, ou seja, defender a vida sobremaneira, desde seu início até
seu declínio natural, promover e defender os direitos dos mais vulneráveis e excluídos. A
Igreja de Jesus Cristo que fez um encontro com Ele e optou por segui-lo não pode deixar de
concretizar, na sociedade, muitas vezes, desigual e injusta, os valores do Reino que são a
justiça, a igualdade, o sustento e a promoção da vida. “A Igreja está convocada a ser advogada
da justiça e defensora dos pobres diante das intoleráveis desigualdades sociais e econômicas,
que clamam ao céu”220.
Deus quer estabelecer um encontro pleno de vida com cada um de nós. Esse encontro
é real e concreto. Nele, somos inseridos na eterna comunhão de amor com Deus e com os
irmãos. A preferência pelos pobres se dá precisamente porque se encontram em uma situação
injusta, contrária ao amor e à vontade de vida de Deus.
Jesus compadece-se dos menos favorecidos, dos pobres, excluídos, daqueles que
perderam sua dignidade e esperam pelo Reino da Justiça e do amor. No encontro com Jesus
Cristo, a Igreja deve ser sinal dessa libertação, desse Reino que foi inserido no mundo. O
Reino já está entre nós, porém é missão da Igreja, como discípula e missionária, fazer chegar
a todos, principalmente aos mais pobres, os valores desse Reino.
219
DA 393.
220
DA 395.
221
RAHNER, Karl. op. cit. São Paulo: Paulus, 1989, p. 366.
78
Faz-se necessário assumir a santidade da pobreza, ou seja, optar por anunciar Jesus
Cristo a todos aqueles que ainda não entenderam o significado da partilha e de buscar os
verdadeiros tesouros e, ao mesmo tempo, ser sinal de esperança e de justiça para aqueles que
sofrem a exploração de sua cultura, sua dignidade: os pobres.
Jesus optou pela pobreza e simplicidade a fim de que todos pudessem participar de
sua missão. O fato de se fazer pobre não excluiu aqueles que possuíam bens materiais, mas
manifestou claramente sua opção pelos pobres, exigindo de seus seguidores o total desapego
dos bens e a partilha como condição essencial para segui-lo. Essa é a verdadeira caridade de
Cristo e daqueles que fizeram um encontro pessoal com Ele.
222
COMBLIN, José. O Caminho: ensaio sobre o seguimento de Jesus. São Paulo: Paulus, 2004, p. 166.
223
BENTO XVI. Caritas in veritate. Carta Encíclica, 2009. São Paulo: Paulinas, 2009, 6.
79
Aqueles que oprimem os pobres e tiram o que lhes pertence por direito são
destruidores do Povo de Deus, os destruidores do plano de Deus para a
humanidade. Cabe, pois, ao Povo de Deus começar a criação de uma nova
humanidade sem dominação, onde todos seriam irmãos225.
A opção pelo pobre se situa no espaço da fé. Na verdade é pela fé que os discípulos
também corresponderam ao chamado de Jesus e fizeram uma opção por Ele e por sua obra. A
opção pelo pobre é um componente fundamental do seguimento a Jesus. Aquele que fez uma
opção por Cristo para se tornar seu discípulo não pode ignorar esta verdade.
Maria é modelo da Igreja que, no encontro com o Senhor, decide radicalmente segui-
lo e tornar-se modelo de serviço-doação. A Igreja é sacramento de Cristo enquanto traz a sua
presença, no mundo, enquanto é sinal de salvação, enquanto é o Reino de Deus inaugurado na
terra e que peregrina rumo ao Reino definitivo.
224
BOMBONATTO, Vera Ivanise. Seguimento de Jesus: Uma abordagem segundo a cristologia de Jon
Sobrino. São Paulo: Paulinas, 2002, p.387.
225
GUTIÉRREZ, Gustavo. A opção profética de uma Igreja. In: SOTER e AMERINDIA (orgs) Caminhos da
Igreja na América Latina e no Caribe. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 289.
80
Maria é exemplo de Virgem e Mãe, pois acreditou e aceitou o plano divino a seu
respeito e procurou fazer em tudo a vontade daquele que a consagrou. Por isso, ela é figura do
encontro pessoal com Cristo e é exemplo de seguimento total à vida. “Por certo a Igreja,
contemplando-lhe a arcana santidade, imitando-lhe a caridade e cumprindo fielmente a
vontade do Pai, mediante a palavra de Deus recebida, na fé, torna-se também ela mãe”227. Por
isso, a Igreja é mãe e é imaculada, pois, a exemplo de Maria, pela ação do Espírito Santo,
conserva uma fé inquebrantável, uma esperança sólida no Senhor e uma caridade constante. A
Igreja, como Maria, é mãe.
A exemplo de Maria, a Igreja continua a gerar Cristo para o mundo e a gestar, no
seio da humanidade, a salvação e a presença de Deus. Essa é a missão de Maria, essa é a
missão da Igreja, essa é a nossa missão.
Pela doação de Maria, nós fomos repletos da presença salvífica de Deus. Mediante a
sua materna aceitação, Deus fez-se presente em nossa vida de modo definitivo e pleno. Por
isso, pelo “sim” de Maria, nós temos a presença do Senhor e podemos estabelecer um
relacionamento com ele, podemos ir ao seu encontro e segui-lo. Maria nos conduz ao
encontro de Cristo e nos ensina como segui-lo verdadeiramente na doação e no serviço.
Maria é exemplo para todo aquele que deseja fazer um encontro pessoal com Jesus
Cristo e segui-lo.
Maria torna-se mãe da humanidade porque gera para o mundo o autor da salvação
que vem para libertar o homem de toda a opressão.
226
LG 63.
227
LG 64.
228
LG 61.
81
Maria mostra-nos que todos nós podemos estabelecer um encontro com Jesus Cristo,
pois ao encarnar-se, Ele se fez homem para que pudéssemos nos relacionar com ele como
pessoas.
Em Cristo, foi-nos dada a graça de participarmos da sua vida, da sua obra, da sua
missão, do seu projeto. Maria também aderiu a este projeto e convida-nos a fazermos o
mesmo, fazendo tudo o que ele nos disser (cf. Jo 2, 5).
“Maria é a grande missionária, continuadora da missão de seu Filho e formadora de
missionários”229. Ela se fez discípula e por isso se tornou tornou também missionária, pois o
seu desejo não foi outro senão o de testemunhar Jesus Cristo.
229
DA 269.
230
PAULO VI. Marialis Cultus. Exortação Apostólica, 1974. São Paulo: Paulus, 1997, 25.
231
BOFF, Clodovis. Introdução à Mariologia. 3a. Ed. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 21.
232
FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica, 2013. São Paulo: Paulinas, 2013, 287.
233
BOFF, Lina. Mariologia: interpretações para a vida e para a fé. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 123-124.
82
Por issso, “Maria é modelo, sobretudo, daquele culto que consiste em fazer da
própria vida uma oferenda a Deus: doutrina antiga e perene, essa, que cada um de nós pode
ouvir repetir, se prestar atenção aos ensinamentos da Igreja”234.
No encontro com Jesus Cristo, nós decidimos permanecer com ele. Essa permanência
consiste, sobretudo em fazer a sua vontade, ou seja, em oferecer a nossa vida em oferta a Ele e
à sua missão. Essa oferta nós celebramos em Maria e em nossa vida de verdadeiros discípulos
missionários.
Toda a vida de Maria foi uma oferta: na maternidade virginal, aceita ser a Mãe do
Deus encarnado, na Pessoa de Jesus Cristo; sua Imaculada Conceição a isentou do pecado
original, tornando-a toda santa a fim de que o Senhor pudesse habitar, no seu ventre e
santificar toda a humanidade; agraciada, foi assunta a céu em corpo e alma depois de sua
caminhada terrena a fim de que nela todos os homens e mulheres que, indo ao encontro com
Jesus Cristo, pudessem tornar-se parecidos com Ele.
Maria cantou o Magnificat como resposta a Isabel diante do reconhecimento do fruto
do seu ventre, diante do reconhecimento de Cristo e de seu amor. Nesse canto, Maria expressa
seu sentimento diante do encontro com o Filho de Deus e resplandece nele o mistério desse
Deus que entrou, na história, e que estabeleceu um encontro com o homem de uma vez por
todas. Ela professa a sua fé no Deus da Aliança, que cumpre sua promessa e sua misericórdia.
234
PAULO VI. Marialis Cultus. Exortação Apostólica, 1974. São Paulo: Paulus, 1997, 21.
235
FORTE, Bruno. Exercícios Espirituais no Vaticano: Seguindo a Ti, Luz da Vida. Petrópolis: Vozes, 2005, p.
117.
83
mesmo canto que Maria cantou, não pode deixar de buscar viver a verdade sobre Deus, por
isso, deve fazer sua opção segundo a do seu Mestre e Senhor, optar pelos mais excluídos,
procurando ser fermento de libertação junto aos mais necessitados deste mundo. Maria
mostra-nos a integridade e o sentido da missão da Igreja no mundo.
236
FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica, 2013. São Paulo: Paulinas, 2013, 286.
237
DA 451.
84
CONCLUSÃO
Vinde e vede! Jesus nos convida ao encontro pessoal com ele. Vinde! Ir a seu
seguimento, assumir o discipulado e a missão a partir de uma experiência concreta de vida
com ele. Vede! Contemplar a suavidade do Senhor, mas, ao mesmo tempo, assumir sua opção
e a causa do evangelho, muitas vezes com perseguições e desafios. Ele está conosco! Não nos
abandonou; pelo contrário, permanece conosco para sempre (cf. Jo 14, 16).
Neste trabalho, procuramos trabalhar a temática do encontro com Jesus Cristo e
observamos como esse encontro foi sendo construído no desenvolvimento da própria história
da salvação do povo de Deus.
Deus veio ao encontro do seu povo desde o princípio e concedeu ao homem a graça
de estar sempre com Ele; O encontro entre o humano e o divino.
Nesse encontro, Deus sempre se revelou, manifestou-se de diversas formas e,
definitivamente, na Encarnação do Verbo Divino, Jesus Cristo. Ao longo da história, nós
podemos vivenciar esse encontro com o Senhor, pois ele fez-se homem e elevou-a a mais alta
dignidade. Assim, Ele se fez Senhor do tempo e da história.
Nesse trabalho, procuramos observar, estudar, refletir, discernir, sentir e reconhecer
as exigências e características do encontro vivo e pessoal com Jesus Cristo, que nos insere, no
verdadeiro discipulado, no caminho da realização plena, na vivência dos verdadeiros valores.
Fomos criados para esse encontro de amor e de vida, de estar constantemente na
presença de Deus e sermos verdadeiramente transformados e revigorados.
238
DA 244.
85
Segundo o Papa Emérito Bento XVI, do encontro da fé, é que nascem a cultura cristã
e as diversas tradições religiosas que, embora, na diversidade de culturas e línguas, procuram
estar unidas, na mesma história e no mesmo credo. Contudo, na atualidade, essa fé enfrenta
desafios que colocam em desarmonia a identidade católica dos nossos povos. Por isso, a partir
do encontro com Jesus Cristo conscientizamo-nos acerca da nossa fé e da alegria e coerência
que ela nos proporciona.
O verdadeiro encontro com Jesus Cristo nos leva à ação, ao seu seguimento. Faz-nos
caminharmos conscientes de que Deus está presente, na história do seu povo, muitas vezes,
perseguido, sofrido, marginalizado. Nós, que fizemos esse encontro com Ele e decidimos
segui-Lo, precisamos aderir à verdade do seu evangelho, sendo capazes de denunciar as
injustiças e pregar a verdadeira justiça.
O Encontro com Jesus Cristo torna o cristão um homem autêntico, capaz de
sensibilizar-se com os sofredores e viver a integridade do evangelho. Ele gera seguimento,
opção por Ele e por sua missão, e não proselitismo e relativismo que isenta de todas as
responsabilidades e esforços, que busca formas interesseiras para atrair simplesmente a
adesão de pessoas em quantidade, descomprometendo-se com suas vidas e sua verdadeira
realização.
Cristo, ao assumir a nossa humanidade, assumiu uma família, um povo, não se
fechando a esses, mas concedendo a graça a quem desejar estabelecer um encontro de
salvação com ele. O encontro com Jesus Cristo é pessoal, mas não individual. Ele veio ao
encontro de todos.
Buscamos o mesmo Senhor, que se entrega por todos. Por isso, a Igreja é constituída
como o novo Povo de Deus, para ser sacramento de salvação, sinal eficaz do encontro com
Cristo. Na Igreja, nós encontramos Jesus e, por meio dela, podemos aderir à sua missão e
viver o seu seguimento.
239
BINGEMER, Maria Clara. Discípulos de Jesus hoje. In: SOTER e AMERINDIA (orgs) Caminhos da Igreja
na América Latina e no Caribe. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 360.
86
O seguimento de Cristo é um chamado para todos e cada uma das pessoas, feito à nós
em plena liberdade. Ninguém vai para um encontro sem desejar estar com a pessoa que nos
convidou para tal. Assim é o encontro que Cristo estabelece conosco: somos livres para
responder e aderir.
Jesus jamais pregou o medo e o castigo, ele não veio para aprisionar, mas para dar
cumprimento à nossa livre escolha. O encontro com Jesus Cristo é sempre um encontro de
vida e libertação. Também a Igreja, fiel discípula do Senhor deve, no seu ministério, ser
sacramento que conduz a Cristo que proporciona o encontro com ele, na vivência concreta do
amor e da liberdade, não promovendo a teologia do medo e do castigo, mas, em sua missão
ser sinal do amor de Deus.
A natureza do Cristianismo consiste em reconhecer a presença de Jesus Cristo e
segui-lo. Essa foi a experiência dos primeiros discípulos que, encontrando Jesus, ficaram
fascinados e cheios de temor frente a suas palavras e sua maneira de proceder. Hoje, nós
também somos convidados a fazer a mesma experiência, a fim de sermos impulsionados para
o discipulado e para a missão. “A vida do discípulo de Jesus será regida por uma nova
hierarquia de valores, em que o amor de Jesus iluminará tudo e porá cada coisa em seu devido
lugar e grau de importância”240.
De fato, o verdadeiro encontro com Jesus Cristo acontecerá quando encontrarmos o
amor, a justiça, a liberdade e a dignidade humana. As situações de morte, miséria, injustiças,
opressões, ódio convidam-nos a buscar uma profunda conversão e a vivência concreta do
amor. Somente no encontro com Jesus Cristo é que poderemos superar essa situação. Vinde e
Vede! Permanecei Nele e Ele permanecerá em vós.
O encontro com Jesus Cristo é, para o verdadeiro cristão, dom e tarefa. Dom
porque ele se oferece gratuitamente; é um fato, ele veio ao nosso encontro. Tarefa porque
exige a participação afetiva e efetiva do homem, que deve desejar e buscar a Cristo.
No encontro com Jesus Cristo o homem reconhecerá a sua verdadeira realização;
uma vivência autêntica e radical do amor salvador. Nada substitui o encontro pessoal, pois
Cristo não é uma idéia. Ele é uma pessoa que vai ao encontro de outra pessoa.
É preciso ir ao encontro e desejar ser encontrado pelo Senhor. Somente com esse
desejo puro e sincero poderemos superar o individualismo e o imediatismo. Renunciando a
cultura do superficial e do provisório.
240
BINGEMER, Maria Clara. Discípulos de Jesus hoje. In: SOTER e AMERINDIA (orgs) Caminhos da Igreja
na América Latina e no Caribe. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 368.
87
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