Departamento de Geografia Disciplina FLG 0150 – Fundamentos Naturais da Geografia Prof. Eduardo Girotto Aluno: Henrique Gerken Brasil n. USP 3734901
Faz sentido a dicotomia entre Geografia Física e Humana?
A oposição entre divisões de uma área do conhecimento, no caso da Geografia Física e da
Geografia Humana, como áreas estanques, não traz benefícios para a Geografia como um todo. Por outro lado, pode-se compreender, numa perspectiva diacrônica, como ocorreu essa divisão, principalmente colocando essa dicotomia como reflexo de outra dicotomia epistemológica, a oposição entre Ciências Humanas e Ciências da Natureza, conforme colocam Silveira e Vitte (p. 45, 2011). De forma mais direta, não faz sentido essa dicotomia, a não ser na discussão de como superá-la, uma vez que a divisão existe e está ligada ao próprio desenvolvimento da Geografia como campo de conhecimento e disciplina acadêmica. Nesse sentido, cabe definir o conceito de cada área, e sua gênese em meio ao desenvolvimento histórico da própria Geografia. Suertegaray e Nunes (p. 12, 2001) colocam Geografia Física como o conhecimento referente à natureza. Moreira (2014), por sua vez, define natureza como “conjunto de corpos ordenados pelas leis da matemática”. Não se distingue natureza e fenômenos naturais; a natureza é observável, exemplificada no relevo, nas rochas, nos climas, nos rios etc. Utiliza-se a matemática e a física para medir proporções e movimentos destes corpos. Por outro lado, ainda nas palavras de Moreira, o “Homem” da Geografia Humana é a estatística, é a demografia, o quantitativo da população. Nesse sentido, o Homem está excluído da natureza, quando essa é entendida por coisa física. A relação do homem com o meio, ao longo do tempo, se transforma em números, numa perspectiva econômica, pensando- se na produção e consumo, considerando a natureza “um estoque de recursos naturais”. A Geografia Física tem como ponto de partida o trabalho do alemão Alexander von Humboldt, na sua obra Cosmos, de 1845. Como apontam Suertegaray e Nunes (2001), Humboldt distinguia duas áreas que estudavam a natureza: a Física, que estudava os processos físicos, e a Geografia Física, que se ocupava da relação dos elementos da Natureza, por meio de uma visão integradora, baseada no conceito de paisagem. Ritter e La Blache iam além de Humboldt, propondo a relação dos elementos da Natureza no tempo e com a sociedade. No entanto, o desenvolvimento da Geografia como disciplina nesse momento, na última metade do século XIX, sofreu efeitos do desenvolvimento da Ciência como um todo, que, por conta do positivismo – e consequente cientificismo – estava se dirigindo para uma especialização das áreas; nesse sentido, a Geografia sofreria mais do que outras áreas, um pouco mais consolidadas, como História e Sociologia. O resultado, que se prolonga até meados do século XX, foi a divisão da Geografia em diferentes campos do conhecimento, como Geologia e Geomorfologia, mas principalmente a divisão da Geografia Física. E como aponta Suertegaray, a Geografia nasce com uma visão integradora mas acaba sendo dividida; nesse sentido, a autora cita Milton Santos na afirmação de que a Geografia tem discurso unitário, ou seja, se propõe a estudar e explicar um campo vasto, mas um método dual, pois se utiliza do método das ciências naturais e na análise do espaço, os métodos da ciência social (p. 44, 2013). O desenvolvimento da Geografia discute a relação do homem com o espaço, passando do determinismo geográfico, que coloca a natureza como causa da organização social, ao possibilismo geográfico, que coloca agência no homem na transformação da natureza, e também pensou essa relação mediada pelo trabalho (Suertegaray, 2013, p. 44). Dessa forma, a discussão da Geografia sempre teve no seu cerne tanto a questão da natureza quanto a questão da ação humana. Justamente por essa dupla preocupação, como continua Suertegaray, a Geografia se diferencia de outras ciências, pois estas podem, e foram, individualizadas em ciências naturais ou sociais. A gênese da dicotomia da Geografia Física e Humana pode ser localizada justamente nesse momento, quando a Ciência moderna segue o caminho da separação entre seus campos. A Geografia mantinha o discurso de uma unidade “natureza-sociedade”, mas esses elementos tinham métodos diferentes, e acabaram resultando em divisões dentro da própria Geografia. Posteriormente, geógrafos postularam uma aproximação da natureza e do Homem, principalmente por meio do conceito de espaço geográfico, o qual articula os dois elementos e apresenta uma intersecção entre natureza e sociedade (Suertegaray, p. 47). A formulação de Milton Santos sobre espaço geográfico, citado por Suertegaray, expressa totalmente essa junção de natureza e sociedade:
“O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório,
de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como um quadro único na qual a história se dá. No começo era a natureza selvagem, formada por objetos naturais, que ao longo da história vão sendo substituídos por objetos fabricados, objetos técnicos, mecanizados e, depois cibernéticos fazendo com que a natureza artificial tenda a funcionar como uma máquina” (Santos, 2009, p. 63)
Nesse sentido, o Homem, ou a presença do Homem, é considerada parte da Natureza e
nela causa efeitos, uma oposição que transforma a Natureza e que por sua vez também transforma as relações sociais. O conceito de Natureza, aqui, acaba sendo modificado em relação à proposição original de Humboldt e em relação ao desenvolvimento posterior da disciplina, mas, ao mesmo tempo, volta às origens dessa proposição original, ao colocar o objeto da Geografia, o espaço geográfico, com ambos elementos – Natureza e Sociedade – interrelacionados. Milton Santos (aproveitando de discussões feitas em sala de aula) aprofunda a reflexão sobre a relação entre Homem e Natureza. Em primeiro lugar, Santos coloca que a grande diferença entre Homem e outros animais é o trabalho, é a capacidade de produzir. Nesse sentido, a sociedade utiliza-se da Natureza para produzir, modificando-a. No decorrer do desenvolvimento, “a natureza socializa-se e o homem se naturaliza”. Por meio desse ponto, Santos questiona a divisão/dicotomia Geografia Física e Geografia Humana (Santos, p. 98, 2014). A partir desse pensamento, podemos inclusive afirmar que antes da presença humana, não existia geografia física – no limite, poderíamos até dizer que não havia natureza. A transformação da natureza pelo Homem a modifica completamente. Atualmente, a presença do Homem é sentida em todo o globo – e um exemplo perfeito disso é a mudança climática. A discussão sobre a dicotomia permeia, portanto, o próprio desenvolvimento da Ciência da Geografia. Silveira e Vitte colocam essa dicotomia como a própria “falência do projeto de integração dos saberes”, não só da Geografia mas entre as ciências modernas, uma vez que a Geografia pretendia ser uma ciência de síntese, com elementos da ciência positivista/moderna e do debate filosófico das ciências sociais (2011, p. 46). Segundo os autores, ainda, a superação dessa dicotomia é a aproximação da Geografia à Filosofia. A dicotomia, então, apesar de ainda presente, não faz sentido atualmente; isso não significa que não exista a divisão na Geografia, mas eles não são opostos ou estanques. A sociedade, a ação humana articula-se com a natureza, modificando-a, e concomitantemente, sofre efeitos dessa mudança. Bibliografia KAERCHER, Nestor André. A Geografia é o nosso dia-a-dia. In: Boletim Gaúcho de Geografia, Porto Alegre, n. 21, p. 109-116, ago., 1996. MOREIRA, Ruy. Para onde vai o pensamento geográfico? Por uma epistemologia crítica. São Paulo: Contexto, 2014. SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2009. ______. Metamorfoses do espaço habitado: Fundamentos teóricos e metodológicos da Geografia. São Paulo: Edusp, 2014. SILVEIRA, Roberison Wittgeinstein Dias da; VITTE, Antônio Carlos. A emergência de um novo saber geográfico: o retorno da ciência à filosofia. In: Soc. nat. (Online), Uberlândia, v. 23, n. 1, p. 37-49, 2011. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1982- 45132011000100004&lng=en&nrm=iso . SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes, e NUNES, João Osvaldo Rodrigues. A natureza da Geografia Física na Geografia. In: Terra Livre, São Paulo, n. 17, p. 11-24, 2001. Disponível em http://www.agb.org.br/publicacoes/index.php/terralivre/article/view/337/319 . SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes. Geografia e interdisciplinaridade. Espaço geográfico: interface natureza e sociedade. In: Geosul, Florianópolis, v. 18, n. 35, p. 43-54, jan. 2003. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/geosul/article/view/13601 . ______. Geografia Física e Geografia Humana: uma questão de método. Um ensaio a partir da pesquisa sobre arenização. In: Geographia, Rio de Janeiro, v. 12, n. 23, p. 8-29, 2010.
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