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[REVISTA CONTEMPORÂNEA – DOSSIÊ 1964-2014: 50 ANOS DEPOIS, A Ano 4, n° 5 | 2014, vol.1


CULTURA AUTORITÁRIA EM QUESTÃO] ISSN [2236-4846]

Margens do passado, limites do presente? Identidade, democracia e ditadura na


história recente do Brasil. Resenha do livro: REIS FILHO, Daniel Aarão. Ditadura e
Democracia no Brasil: do golpe de 1964 à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Zahar,
2014, 191.p.

PEDRO IVO CARNEIRO TEIXEIRENSE1

O acréscimo de uma nova década, entre o tempo presente e o ano de


1964, anunciou-se por meio de um vasto conjunto de ações comemorativas. Dentre as
iniciativas mais visíveis, pode-se destacar a realização de diversos seminários temáticos,
o lançamento de vários livros sobre o tema e, até mesmo, a exibição de uma faixa, que
flamulando nos céus da praia de Copacabana, provocou reações diversas nos olhares
curiosos que acompanhavam o pequeno avião, que fora silenciado pela agitação do
domingo de sol, em seu percurso entre as duas pontas da praia carioca.
Na maior parte das vezes, essas ações comemorativas foram tomadas no
sentido etimológico do termo: rememorar juntos, recordar coletivamente os eventos que
culminaram no golpe desferido naquele remoto abril de 1964. Todos esses eventos nos
convidam à reflexão acerca dos significados simbólicos das comemorações no tempo
presente. Nessas oportunidades, o aflorar das memórias parece ressaltar uma
contradição insolúvel: à medida que Cronos, implacável, acrescenta anos, décadas e, até
mesmo séculos, entre o tempo presente e o tempo passado - objeto de rememoração - ao
afastamento cronológico parece opor-se certa proximidade sentimental.
Em resumo, isso ocorre em virtude da permanência de disputas
memoriais que desafiam concepções aparentemente arraigadas. Ao mesmo tempo, nos
países que experimentaram transições políticas inconclusas, nas quais os crimes
praticados por agentes estatais permanecem sem resposta adequada, a passagem do
tempo constituiu-se impeditivo extra para a aplicação da justiça.
De todo modo, o imprevisível nos surpreende a todos com o ímpeto dos
problemas inesperados e passa a exigir explicações plausíveis ao encadeamento das
ações humanas no decorrer do tempo. Há, portanto, um espaço vazio; dir-se-ia um
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Doutorando em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHIS/UFRJ). Bolsista
CAPES.

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vácuo explicativo. Compete à narrativa histórica recheá-lo de sentido, ainda que


provisório: a História é o tempo encadeado em explicações satisfatórias e provisórias.
Dentre as ações comemorativas, nesses 50 anos do golpe civil-militar de
1964, encontra-se a publicação da obra Ditadura e democracia no Brasil: do golpe de
1964 à Constituição de 1988. A obra do historiador Daniel Aarão Reis Filho situa-se
entre os eventos que contribuem para o preenchimento dos vazios de sentido que nos
convidam à reflexão. O convite estendido pelo professor titular de História
Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF) está lançado. Aceitá-lo
significa atribuir sentido aos vazios que nos são apresentados pelo tempo presente, ao
encararmos essas cinco décadas que, ao mesmo tempo, nos separam e nos aproximam
de 1964.
A obra em tela pode ser agregada em torno de três seções, ao longo das
quais o autor propõe análises refinadas sobre os diferentes aspectos da formação
histórica e social da ditadura inaugurada em 1964. Na primeira parte, correspondente ao
capítulo de abertura do livro, o autor introduz um conjunto de reflexões acerca das
limitações impostas por uma memória hegemônica, cultivada por amplos setores da
sociedade brasileira. Para o professor da UFF, essa memória representa óbice às análises
que buscam compreender as bases sociais do regime ditatorial inaugurado no início da
década de 1960.
Uma incômoda e contraditória memória. Com esses termos, o professor
Daniel Aarão inaugura sua proposta de análise das oscilações da memória hegemônica
sobre o golpe de 1964 e, ao mesmo tempo, sobre as análises saturadas de memória que
fixaram, em certo momento, um modelo analítico que parece informar boa parte dos
esforços de compreensão do último ciclo ditatorial vivido pela sociedade brasileira.
Na crítica do autor, ao analisarmos as alterações do discurso político
hegemônico, tomando como objeto de análise as celebrações ocorridas nos aniversários
do golpe, tem-se a impressão de que as memórias prevalecentes parecem viajar em um
pêndulo invisível, que se desloca em sentido único, rumo ao progressivo retraimento
dos indivíduos que se identificavam com a ditadura de abril de 1964. Ao deslocar-se
nesse sentido, de acordo com o professor Aarão Reis, a sociedade brasileira optou por

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demonizar a ditadura dos anos recentes. Estavam dadas as condições para a celebração
de novos valores democráticos, por intermédio da valorização de memórias
apaziguadoras que reservassem espaços mais cômodos para o conjunto social do país.
Nesse ponto, deparamo-nos com o primeiro aspecto polêmico da tese de
Aarão. Na visão do historiador, ao erigir como memória hegemônica a narrativa que
situava em lados opostos opressores e oprimidos, em uma construção dicotômica pouco
afeita à realidade nacional, a análise das bases sociais da ditadura restou subtraída. Esse
modelo explicativo, consolidado a partir da fórmula sugerida pelo Projeto Brasil:
Nunca Mais, possibilitou a difusão da crença de que a noção democrática teria, entre
nós, autênticas raízes históricas.
É nessa chave explicativa que podemos compreender, por exemplo, a
reinterpretação da luta revolucionária contra a ditadura, que passaria a ser narrada como
uma resposta inevitável ao fechamento do regime; nas palavras do autor, por intermédio
desse modelo narrativo, o próprio regime passaria a ser o responsável pela luta armada.
Na segunda parte da obra, que se estende do capítulo dois ao capítulo
seis, o professor Daniel Aarão sustenta sua tese inicial, por intermédio do estudo de um
conjunto complexo de temas variados. Assim, em um primeiro momento, o autor debate
os processos históricos e culturais que possibilitaram a instauração da ditadura. Nessa
análise, de forma sucinta, o historiador desenvolve narrativa que procura inserir os
acontecimentos locais no contexto internacional e no quadro geral dos movimentos
sociais, que marcaram a década de 1960. Em seguida, valendo-se do conceito
desenvolvido por Elio Gaspari, o autor procura lançar luz sobre as contradições iniciais
de uma ditadura envergonhada, que parecem marcar os dois primeiros governos
ditatoriais entre 1964 e 1969.
Os governos Castelo Branco e Costa e Silva, no entendimento do autor,
traduzem as oscilações de um regime autoritário recém-instalado, que procurava
consolidar-se, nesse primeiro momento, por meio da definição de uma identidade
legitimadora. Essa proposição sugere duas reflexões que merecem análise mais extensa.
Em primeiro lugar, o professor Daniel Aarão assinala que a composição
heterogênea de sustentação do movimento civil-militar, que pôs fim ao governo

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Goulart, recorreu a um recurso já conhecido na história pátria: o medo. Naquele início


de 1964, a possibilidade de radicalização das legítimas demandas sociais que
propunham uma nova ordem na distribuição do poder, foi argamassa que selou quadro
tão variado de personagens e, que tornou possível a formação de ampla aliança social.
A argumentação de Aarão responde negativamente a um tema tão
discutido nos debates acadêmicos recentes; qual seja: estaria a ditadura inscrita no golpe
desfechado em abril de 1964? Não. Para o autor, o caminho que conduz o movimento
civil-militar de 1964, nascido sob a ótica da “salvação democrática”, para a ditadura, foi
pontuado de tropeços políticos, incompatibilidades inconciliáveis e a incapacidade de
construir um projeto comum após a vitória dos golpistas.
A segunda questão, ensejada por essa linha argumentativa – que
poderíamos elencar como a segunda questão polêmica levantada pelo autor - se
relaciona às margens cronológicas da ditadura civil-militar. A definição dos limites que
abrangem o regime instalado em 1964 não representam meramente recursos
metodológicos e práticos para o ensino e a aprendizagem da história; tampouco, esse
debate deve ser tratado como mera questão nominalista. As escolhas das margens que
balizam a ditadura instalada no país, embora construídas por intermédio da pesquisa
histórica, são, inegavelmente, uma escolha política diante do fenômeno colocado sob as
lentes do historiador.
Na proposta do livro em tela, o autor expande as fronteiras cronológicas
da ditadura até o ano de 1979 (1964-1979). As escolhas de Aarão são analisadas com
profundidade. Para o historiador, a escolha tradicional do período que se estende de
1964 a 1985 representa uma tentativa de encobrir a participação civil em todas as fases
da construção do regime autoritário. Para o autor, desde o início dos anos 1980, parece
prevalecer narrativa ancorada em raciocínios polarizados, que servem ao propósito de
contar a história da ditadura como uma longa noite que se abateu sob o povo oprimido;
nasce, na visão de Aarão, a ideia de que a sociedade brasileira apenas suportara a
ditadura.
Para além desse argumento, Aarão sustenta que os instrumentos legais,
que foram instituídos ao longo dos anos pelo regime de poder, perderam sua eficácia

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jurídica a partir de 1979. De fato, no governo Geisel foi editado, em outubro de 1978, a
emenda constitucional número 11 que determinava, em seu artigo 3º, a revogação de
todos os atos institucionais (o AI -5, por exemplo) no que contrariassem a constituição
editada em 1969. Além disso, restituía o instrumento jurídico do habeas corpus.
Em oposição aos argumentos do professor Aarão, vale lembrar que a
mencionada emenda entrou em vigor no primeiro dia de 1979 sem, no entanto, alterar os
efeitos dos atos praticados com bases nos instrumentos ditatoriais, que haviam vigorado,
em alguns casos, por uma década. Os milhares de brasileiros que, de alguma forma,
foram atingidos pelo regime de exceção, ainda não podiam apresentar demandas
judiciais, pois os efeitos dos atos revogados permaneciam excluídos de apreciação
judicial.
De todo modo, as disputas pelas margens do passado, voltarão a aparecer
nas análises do historiador. A partir do capítulo quatro, por exemplo, o trabalho dedica-
se à exploração das contradições inerentes ao projeto de modernização conservadora,
que ganha contornos mais visíveis a partir da retomada do nacional-estatismo pela
ditadura civil-militar. Entre os anos de 1968 e 1974, outro fenômeno ressalta as
contradições do projeto grandioso de Brasil: a institucionalização do aparelho repressivo
por intermédio dos mecanismos criados com a adoção do ato institucional em 13 de
dezembro de 1968. Os anos dourados do “milagre” econômico trariam como marca
inequívoca a cor do chumbo e do sangue a partir do período no qual a chamada “linha
dura” impôs-se no comando do país.
Nos últimos dois capítulos dedicados à segunda parte da obra, o
professor Daniel Aarão situa o processo de distensão política, que fora encaminhado a
partir de 1974, dentro do quadro mais amplo de novos planos para a institucionalização
da ditadura. Nas palavras do autor, tratava-se de criar condições políticas para o
restabelecimento de um estado de direito autoritário, por intermédio da
institucionalização e superação do estado de exceção.
Na última seção do livro, o professor Daniel Aarão retoma o debate
acerca das margens cronológicas da ditadura, por intermédio da análise crítica do
processo de transição política. Os anos iniciais da década de 1980, até a aprovação da

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constituição “cidadã” de 1988, foram marcados, na análise do historiador, por uma


mescla de perplexidade, idealização da identidade nacional e fracasso.
No projeto nacional que nascia, comandado em boa medida pelas
mesmas forças civis e militares, que gozaram de prestígio e poder ao longo das décadas
de 1960 e 1970, a democracia surgiria em um horizonte de altas expectativas para
resgatar o povo feliz, abençoado e de espírito francamente democrático, que suportara
por décadas o jugo opressor. À fina ironia, o autor acrescenta a crença no poder
transformador do conhecimento. “Não há como se libertar da ditadura sem pensar nela”.
Talvez, seja um caminho para definirmos novas margens para uma sociedade mais justa
e livre.

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