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demonizar a ditadura dos anos recentes. Estavam dadas as condições para a celebração
de novos valores democráticos, por intermédio da valorização de memórias
apaziguadoras que reservassem espaços mais cômodos para o conjunto social do país.
Nesse ponto, deparamo-nos com o primeiro aspecto polêmico da tese de
Aarão. Na visão do historiador, ao erigir como memória hegemônica a narrativa que
situava em lados opostos opressores e oprimidos, em uma construção dicotômica pouco
afeita à realidade nacional, a análise das bases sociais da ditadura restou subtraída. Esse
modelo explicativo, consolidado a partir da fórmula sugerida pelo Projeto Brasil:
Nunca Mais, possibilitou a difusão da crença de que a noção democrática teria, entre
nós, autênticas raízes históricas.
É nessa chave explicativa que podemos compreender, por exemplo, a
reinterpretação da luta revolucionária contra a ditadura, que passaria a ser narrada como
uma resposta inevitável ao fechamento do regime; nas palavras do autor, por intermédio
desse modelo narrativo, o próprio regime passaria a ser o responsável pela luta armada.
Na segunda parte da obra, que se estende do capítulo dois ao capítulo
seis, o professor Daniel Aarão sustenta sua tese inicial, por intermédio do estudo de um
conjunto complexo de temas variados. Assim, em um primeiro momento, o autor debate
os processos históricos e culturais que possibilitaram a instauração da ditadura. Nessa
análise, de forma sucinta, o historiador desenvolve narrativa que procura inserir os
acontecimentos locais no contexto internacional e no quadro geral dos movimentos
sociais, que marcaram a década de 1960. Em seguida, valendo-se do conceito
desenvolvido por Elio Gaspari, o autor procura lançar luz sobre as contradições iniciais
de uma ditadura envergonhada, que parecem marcar os dois primeiros governos
ditatoriais entre 1964 e 1969.
Os governos Castelo Branco e Costa e Silva, no entendimento do autor,
traduzem as oscilações de um regime autoritário recém-instalado, que procurava
consolidar-se, nesse primeiro momento, por meio da definição de uma identidade
legitimadora. Essa proposição sugere duas reflexões que merecem análise mais extensa.
Em primeiro lugar, o professor Daniel Aarão assinala que a composição
heterogênea de sustentação do movimento civil-militar, que pôs fim ao governo
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jurídica a partir de 1979. De fato, no governo Geisel foi editado, em outubro de 1978, a
emenda constitucional número 11 que determinava, em seu artigo 3º, a revogação de
todos os atos institucionais (o AI -5, por exemplo) no que contrariassem a constituição
editada em 1969. Além disso, restituía o instrumento jurídico do habeas corpus.
Em oposição aos argumentos do professor Aarão, vale lembrar que a
mencionada emenda entrou em vigor no primeiro dia de 1979 sem, no entanto, alterar os
efeitos dos atos praticados com bases nos instrumentos ditatoriais, que haviam vigorado,
em alguns casos, por uma década. Os milhares de brasileiros que, de alguma forma,
foram atingidos pelo regime de exceção, ainda não podiam apresentar demandas
judiciais, pois os efeitos dos atos revogados permaneciam excluídos de apreciação
judicial.
De todo modo, as disputas pelas margens do passado, voltarão a aparecer
nas análises do historiador. A partir do capítulo quatro, por exemplo, o trabalho dedica-
se à exploração das contradições inerentes ao projeto de modernização conservadora,
que ganha contornos mais visíveis a partir da retomada do nacional-estatismo pela
ditadura civil-militar. Entre os anos de 1968 e 1974, outro fenômeno ressalta as
contradições do projeto grandioso de Brasil: a institucionalização do aparelho repressivo
por intermédio dos mecanismos criados com a adoção do ato institucional em 13 de
dezembro de 1968. Os anos dourados do “milagre” econômico trariam como marca
inequívoca a cor do chumbo e do sangue a partir do período no qual a chamada “linha
dura” impôs-se no comando do país.
Nos últimos dois capítulos dedicados à segunda parte da obra, o
professor Daniel Aarão situa o processo de distensão política, que fora encaminhado a
partir de 1974, dentro do quadro mais amplo de novos planos para a institucionalização
da ditadura. Nas palavras do autor, tratava-se de criar condições políticas para o
restabelecimento de um estado de direito autoritário, por intermédio da
institucionalização e superação do estado de exceção.
Na última seção do livro, o professor Daniel Aarão retoma o debate
acerca das margens cronológicas da ditadura, por intermédio da análise crítica do
processo de transição política. Os anos iniciais da década de 1980, até a aprovação da
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