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13, 2017
Programa de Pós-Graduação em Letras | Universidade Federal do Maranhão
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Mestranda em Letras – Estudos Literários pelo Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade
Estadual de Maringá (PLE-UEM/CAPES). E-mail: psantosestela@gmail.com
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Quanto ao termo “modernista”, o crítico literário Alfredo Bosi pontua que este
caracteriza, intensamente, um código novo, diferente dos códigos parnasiano e simbolista:
“Moderno” inclui também fatores de mensagem: motivos, temas, mitos modernos.”
(BOSI, 1997, p. 375). Desse modo, o Modernismo aspirava uma “nova expressão”
artística (BOSI, 1997, p. 375), iniciada de modo mais esparso ainda no pré-modernismo,
mas continuada e cada vez mais intensa, sobretudo à medida da aproximação da Semana
de Arte Moderna, o marco do Modernismo no Brasil.
A Semana de Arte Moderna foi realizada em fevereiro de 1922 e inaugurou a
primeira fase do Modernismo brasileiro. Sob as vaias e desconfianças de um público
conservador, os modernistas ridicularizam, acima de tudo, o parnasianismo. Nesta
semana, de modo resumido, artistas apresentaram as suas novas concepções estéticas, as
quais tinham como característica central a marca de uma ruptura definitiva com a arte
tradicional, o que já vinha sendo preparado no Pré-Modernismo, por meio de nomes como
Monteiro Lobato e Lima Barreto. Os modernistas brasileiros prezavam uma arte livre de
estruturas fixas e de temáticas estipuladas.
Manuel Bandeira pertence à primeira fase do Modernismo, a qual almejava a
valorização dos elementos de primitivos de nossa cultura, buscando, assim, valorizar
obras que trabalhassem diretamente a cultura brasileira, que redescobrissem e
representassem os costumes, os habitantes e as paisagens brasileiras. E embora não tenha
participado, efetivamente, da Semana de Arte Moderna, seu poema “Os sapos”, de 1918,
foi lido em uma das noites do evento, pois este texto representava o espírito renovador e
iconoclasta dos modernistas.
Em relação ao poeta, é importante conhecer algumas histórias de sua vida pessoal,
uma vez que foram decisivas para o seu envolvimento com a poesia. Bandeira nasceu em
Recife, no ano de 1886; no entanto, durante toda a vida morou no Rio de Janeiro, onde
iniciou deus estudos, em 1904, na Escola Politécnica. Teve de abandonar os estudos à
medida que uma doença tomou conta de sua vida: a tuberculose. Em 1913, foi tratar-se
em um sanatório na Suíça, onde um médico disse a ele que não havia expectativa de
muitos anos de vida para o poeta. Foi assim que ele se agarrou à poesia, pois viu nela um
meio de consolo, uma saída para refletir sobre a vida, sobre as suas memórias e sobre as
cenas cotidianas, ou seja, a poesia era, para ele, uma forma de lidar com a possível
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chegada repentina da morte. Ironicamente, Bandeira viveu até 1968, ultrapassando todas
as expectativas do diagnóstico suíço.
Tanto as formas clássicas da lírica ocidental quanto as inspirações vanguardistas,
trazidas pelo contexto moderno, fizeram com que Bandeira escrevesse obras singulares e
inovadoras no contexto histórico brasileiro. Suas obras literárias são permeadas por uma
simplicidade na linguagem e pelo uso do tom coloquial, o que não deu aos seus poemas
um caráter empobrecido ou vulgar. Pelo contrário, por meio de seus poemas, Bandeira
captou, com recursos aparentemente simples, a complexidade da existência humana e a
delicadeza dos dias. Seus poemas, marcados por questões biográficas, carregam uma vida
singular e crítica acerca da vida e do mundo e têm, por vezes, um caráter confidencial. A
literatura, para Manuel Bandeira, era uma espécie de respiro na vida, um meio de
representar a vida, ou o que poderia ser feito dela.
Bosi denomina Manuel Bandeira como “um dos melhores poetas do verso livre
em português” (BOSI, 1997, p. 409), e os poemas do livro Libertinagem, publicado em
1930 pelo poeta, apresentam claramente o motivo desta denominação. Grosso modo, os
poemas do livro oscilam entre o forte anseio pela liberdade estética e temática, além de
apresentarem forte presença de imagens tipicamente brasileiras, de questões familiares e
amorosas que giram em torno de figuras femininas, evidenciando a possível solidão.
A seguir, neste artigo, será pontuado como se dá a presença de imagens na poesia
de modo geral e suas significações. Em um segundo momento, será estudado o poema “A
poética”, publicado no livro Libertinagem, o qual apresenta imagens que representam a
estética modernista.
Imagem na poesia?
Segundo Octavio Paz, em Signos em rotação (2015), a imagem é “[...] toda forma
verbal, frase ou conjunto de frases, que o poeta diz e que unidas compõem um poema.”
(p. 38). Cada imagem ou composto de imagens pode conter inúmeros e distintos
significados. A imagem, de acordo com o estudioso, é a cifra da condição humana.
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A poesia permite que o poeta afirme que pedras são plumas, sem que estes
elementos percam seu caráter concreto e singular, ou seja, a imagem criada não faz com
que as pedras deixem de ser ásperas e duras, amarelas de sol ou verdes de musgo e nem
que as plumas deixem de ser leves e delicadas. Eis a questão “escandalosa” do resultado
da imagem quando construída, pois ela “desafia o princípio de contradição” (p. 38) e “Ao
enunciar a identidade dos contrários, atenta contra os fundamentos do nosso pensar.
Portanto, a realidade poética da imagem não pode aspirar à verdade.” (p. 38).
Por sua vez, o crítico literário e professor Alfredo Bosi pontua, em sua obra O ser
e o tempo da poesia (2000), que “O corpo das imagens é flexível, surpreendente, móvel,
proteico, novo a cada verso” (BOSI, 2000, p. 153). Tanto ele quanto Octavio Paz
defendem que, a partir da construção de um conjunto de imagens ou de um corpo de
imagens, o poeta mostra-nos o mundo e quem nele vive. Sendo assim, as imagens poéticas
revelam o que somos. E além desse poder de revelação do ser, a imagem poética tem o
poder de representar a pluralidade da realidade.
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Dentro de um poema, o poeta pode apresentar uma cadeira, objeto que têm uma
presença real, mas esse modo de apresentar não é a descrição. O poeta coloca a cadeira
diante de nós e, desse modo, a imagem representa um momento de sua percepção. Tanto
o verso quanto a frase e o ritmo suscitam uma apresentação e não uma representação: o
poema recria uma experiência do real por meio da imagem. O leitor, ao ler essa imagem
da cadeira, remete às suas experiências cotidianas, inclusive as mais obscuras e remotas.
É por isso que Octávio Paz afirma que “O poema nos faz recordar o que esquecemos: o
que somos realmente.” (PAZ, 2015, p. 47).
Paz defende que “Um poema não tem mais sentido que as suas imagens.” (p. 47).
O sentido das imagens são as próprias imagens, isto é, elas se explicam: “Sentido e
imagem são a mesma coisa.” (p. 47). Sendo assim, a imagem é sustentada em si mesma,
é o seu próprio sentido, instaurando o que entendemos como a lógica interna do poema.
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interdependência do real; e, por fim, há aquelas imagens que realizam as “núpcias dos
contrários” (p. 49). Em todas estas imagens distintas, acontece um mesmo processo, o
fato de que “a pluralidade do real manifesta-se ou expressa-se como unidade última, sem
que cada elemento perca sua singularidade essencial”, ou seja, as “plumas” são “pedras”,
sem deixarem de ser “plumas”.
POÉTICA
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
[protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor
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Abaixo os puristas
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Por sua vez, Antonio Candido destaca que, para a contribuição do ritmo no poema,
há homofonias, tais como “a repetição de palavras de frases e de versos, que se chama
Recorrência” (CANDIDO, 2006, p. 64), recurso muito utilizado na poesia moderna
brasileira. E isto vemos também no poema de Manuel Bandeira, já nos versos da primeira
estrofe: “Estou farto do lirismo comedido/ Do lirismo bem comportado/ Do lirismo
funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço
ao Sr. Diretor.” (BANDEIRA, 2000, p. 32 [negritos meus]).
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Já na segunda estrofe, composta por um único verso, há: “Estou farto do lirismo
que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo” (BANDEIRA,
2000, p. 32). A imagem aqui, mais uma vez, é a de um eu-lírico farto daquele lirismo
expresso por poetas de estéticas literárias anteriores modernismo, os quais, em seus
poemas, faziam uso de um vocabulário muito rebuscado, mais elevado, muitas vezes
buscado em dicionários; vocabulário este até de difícil compreensão às vezes.
Faz-se importante notar, ainda, que o verso mencionado acima possui aliterações
do fonema /v/ nas palavras “vai”, “averiguar”, “vernáculo” e “vocábulo” e uma forte
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presença do fonema /a/, como nas nas palavras “farto”, “para”, “vai”, “averiguar”,
“dicionário”, “vernáculo” e “vocábulo”, estas duas últimas possuem, ainda, uma rima
toante entre elas mesmas. Em sua totalidade, o verso apresenta inteiro trinta sílabas
métricas, e isto caracteriza, mais uma vez, a transgressão da tradição em relação ao verso
e seu tamanho, o que evidencia que o eu-lírico busca manter o verso livre, característico
do Modernismo. Além disso, é apresentado também o seu ponto de vista ideológico, ou
seja, a sua crítica ao lirismo comedido e bem comportado, que dá para a poesia um caráter
engessado. Nesse sentido, a sua métrica é uma forma de subverter à métrica regular e
presar por uma liberdade no seu tratamento.
A quinta estrofe apresenta cinco versos, também livres: “Estou farto do lirismo
namorador/ Político/ Raquítico/ Sifilítico/ De todo lirismo que capitula ao que quer que
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Na sétima e penúltima estrofe há: “Quero antes o lirismo dos loucos/ O lirismo
dos bêbados/ O lirismo difícil e pungente dos bêbados/ O lirismo dos clowns de
Shakespeare” (BANDEIRA, 2000, p 32-33). Nestes quatro versos de métrica livre, o eu-
lírico expõe o lirismo que deseja, que é livre, solto, sem formalidades. Ao mencionar os
“clowns de Shakespeare” remete-nos à imagem de palhaços, artistas estes que são
burlescos, cômicos, satirizam, fazem rir, ou seja, propagam a felicidade ou até a ironia,
sem se preocuparem com formalidades e especificidades estéticas. Nestes versos há,
novamente, a presença das repetições das palavras “O lirismo” e “bêbados” que reforçam
esse lirismo almejado e julgado como ideal. Além disso, tais repetições dão ritmo e
musicalidade ao poema, sem a presença de rimas. A imagem presente é de alguém
desejoso de uma nova estética literária que possua um lirismo mais libertário.
O último verso sintetiza o poema: “ – Não quero mais saber do lirismo que não é
libertação.” (BANDEIRA, 2000, p. 33). Aqui temos o eu-lírico fazendo uma negação, na
qual afirma a sua insatisfação em relação aos valores estéticos tradicionais, estipulados e
pré-moldados. Neste verso, temos a imagem desse eu-lírico inquieto e incomodado com
a falta de liberdade desse lirismo que não é liberto, que é preso aos pressupostos estéticos
tradicionais. Ele quer apenas o lirismo que é livre, aquele que pode usar a arte poética de
modo autêntico e sem amarras. Ainda vale mencionar que, neste verso, temos a única
pontuação existente ao longo de todo poema, o ponto final, pois não há nem mesmo a
existência de vírgulas para marcar pausas, estas se dão pelo efeito rítmico dos versos, o
que demonstra também a falta de rigor e preocupação excessiva com as normas
ortográficas e a liberdade para que o ritmo marque suas pausas sonoramente.
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Considerações finais
De acordo com Alfredo Bosi (2000), estudar um poema não pode ser
simplesmente fixá-lo em um momento histórico ou estético, uma vez que isto não basta
para conhecer a história operante em cada poema:
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liberdade, seja ela formal, estética e/ou temática. Nesse sentido, as imagens existentes no
poema de Bandeira contribuem para a construção de um todo poético que evidencia a face
de uma poética libertadora. Por meio da construção imagética, a representação do
Modernismo se dá. Sendo assim, as imagens do poema são o meio pelo qual se dá a sua
interpretação, isto é, as imagens são o próprio sentido do poema.
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Referências
ANDRADE, Mário de. O movimento modernista. In: ____. Aspectos da literatura
brasileira. São Paulo: Martins, 1974. p. 231-254.
LINS, Álvaro. Por uma história literária do Brasil e por uma literatura brasileira. In:
_____. Filosofia, história e crítica na literatura brasileira: Afrânio Peixoto, João
Ribeiro, José Veríssimo, Mário de Andrade, Lúcia Miguel Pereira. Rio de Janeiro:
Tecnoprint, 1967, p. 113-123.
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