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Quando Deus se cala

3. O ÊXODO DA
MULHER CANANEIA

E eis que uma mulher cananeia, que


viera daquelas regiões, clamava: Senhor,
Filho de Davi, tem compaixão de mim!

l
Minha filha está horrivelmente

ia
endemoninhada.
(Mateus 15.22)

Tr
A fama de Jesus em Tiro e Sidom
O Reino de Deus havia chegado e avançava rapidamen-
te através do ministério de Jesus. Era como um fermento que
rapidamente se espalha por toda a massa. Esse Reino iniciava
o
humildemente através de um simples jovem galileu da cidade
de Nazaré. E também crescia rapidamente tal como um pe-
Pr

queno grão de mostarda, que é uma das menores sementes,


mas cresce e logo domina o jardim. Assim, o Reino de Deus
também estava se expandindo com muita velocidade, ao pon-
to de ser conhecido em toda a região.
F

Desde o início do seu ministério na Galileia, Jesus pro-


pagava o Reino de Deus que vinha em aparente fraqueza, mas
com surpreendente poder. A palavra do Reino tinha poder para
PD

libertar os oprimidos, humilhar os inimigos do Reino e alegrar


os que eram alcançados por ele.
Com o avanço do Reino, a fama do ministério de Jesus
logo se espalhou por toda a Síria, Galileia, Decápolis, Jerusa-
lém, Judeia, Idumeia, região dalém do Jordão55 e, inclusive,
por Tiro e Sidom56, de modo que o povo vinha para ouvi-lo e

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Tiago Samuel de Carvalho

ser curado. Os que estavam padecendo de vários males e tor-


mentos (endemoninhados, epiléticos e paralíticos) eram trazi-
dos, de sorte que todos procuravam ao menos tocar nele, por-
que dele saía poder que curava a todos.
O Messias havia chegado, mas ainda não tinha ido para as
regiões de Tiro e Sidom. Seu ministério ainda estava circunscrito a
Israel. Os de Tiro e Sidom ainda não haviam sido privilegiados com a
visita de Jesus, mas chegaria o dia em que a profecia do Antigo Testa-
mento57 se cumpriria, e o povo de Tiro e de sua circunvizinhança

l
desfrutaria das bênçãos do Reino de Deus. Então, depois do conflito

ia
com os líderes de Jerusalém, Jesus foi para as regiões de Tiro e Sidom,
de alguma forma antecipando a proposta universal do Evangelho.
Jesus entrou numa casa e, segundo o evangelista Marcos, não

Tr
queria que ninguém o soubesse. Talvez estivesse procurando um
pouco de descanso ou ter uma ocasião a sós com seus discípulos,
pois, desde a morte de João Batista e o conflito que tivera com os
líderes de Jerusalém, ele não havia descansado. Por isso, provavel-
mente, fez o seu retiro para um lugar bem distante.
o
Porém, a sua fama já havia também chegado às aldeias que
ficavam na região de Tiro e Sidom, de sorte que seu intento de ficar
Pr

oculto não durou muito tempo e o seu período de descanso logo


terminou. Com muita rapidez se espalhou a notícia de que Jesus
estava em solo tirense. A notícia era que, em uma casa de alguma
aldeia entre Tiro e Sidom, estava aquele de quem tanto se ouvia
falar. As pessoas o descobriram e seu descanso acabou. No entanto,
F

ele não foi pego de surpresa. Ele mesmo, por causa do seu amor
pelos pecadores, permitiu-se ser descoberto58, assim como aconte-
cera anteriormente59.
PD

A mulher cananeia e a fronteira do preconceito

Jesus saiu da casa60 em que estava e começou a andar


com os seus discípulos, quando veio ao seu encontro uma
mulher cananeia daquela região. Os evangelistas Mateus e
Marcos não informaram seu nome. Mas, apesar de não ter seu

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Quando Deus se cala

nome gravado, a sua fé não será esquecida. Aquela mulher


ouviu falar a respeito de Jesus61 , teve fé e foi até ele. Ela não o
conhecia, só ouvira falar dele, mas a sua fé já era tão grande
que ela romperia fronteiras e se arriscaria no desconhecido
itinerante de Nazaré. Jesus rompeu fronteiras e fez o seu êxo-
do para fora de Israel. Mas a mulher cananeia fez igualmente
seu êxodo, rompendo fronteiras por meio da sua fé e indo até
Jesus. Ambos estavam saindo de seus contextos originais rumo

l
ao diferente. Nesse êxodo, a mulher cananeia teve, em primei-

ia
ro lugar, de romper com a fronteira da discriminação de gêne-
ro, ou seja, a discriminação que sofria pelo simples fato de ser
mulher.

Tr
A situação social da mulher na época de Jesus

Na Palestina, nos dias de Jesus, a mulher era alvo de


enorme discriminação. A mulher não era reconhecida como
o
tendo a mesma importância e honra que o homem. No judaís-
mo, por exemplo, as mulheres não tinham seus nomes mencio-
Pr

nados em genealogias, salvo algumas exceções. A mulher per-


tencia ao homem como lhe pertencia qualquer outro bem. Um
ditado rabínico afirmava que todo homem devia agradecer dia-
riamente a Deus por não ter nascido mulher, nem pagão nem
escravo62.
F

Havia também outro ditado rabínico altamente precon-


ceituoso que dizia: Compra-se a mulher por dinheiro, contrato
PD

e relações sexuais. Compra-se um escravo pagão por dinheiro,


contrato e tomada de posse. Há então diferença entre a aquisi-
ção duma mulher e a dum escravo? – Não! Esse ditado repre-
senta bem a situação da mulher na época de Jesus: como o es-
cravo, a mulher depende de seu senhor-marido e tem que assu-
mir todas as tarefas; ela não podia nem mesmo aproveitar as
rendas do seu trabalho63.

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Tiago Samuel de Carvalho

Em público, a mulher quase não tinha vida social. Filo men-


ciona que “negócios, conselhos, tribunais, procissões festivas, reu-
nião de muitos homens, em suma, toda a vida pública com suas
discussões e assuntos, em tempo de paz ou de guerra, é feita para
homens”64. A vida da mulher não se passava na rua, e ela só deve-
ria sair de casa se fosse preciso. Ela saía de casa para buscar água
na fonte, mas tinha de ser discreta e não podia conversar com
homens. Se fosse obrigada a sair de casa, ela devia guardar o

l
anonimato e usar o véu para não ser reconhecida. O véu era com-

ia
posto de duas partes: uma parte sobre cabeça, cobrindo o cabelo,
e a outra em sua fronte, cobrindo a face. O véu era para ela não ser
reconhecida; isso mostrava que, em público, ela não tinha identi-

Tr
dade ou ao menos não devia mostrá-la. Para a mulher, sair sem o
véu era uma ofensa aos costumes antigos e podia dar ocasião para
que o marido pedisse o divórcio, sem que ele estivesse obrigado a
dar para ela a soma estipulada em contrato matrimonial65. Por
isso, a mulher solteira quase nunca saía de casa, e a mulher casa-
o
da, quando saía, sempre estava com o rosto coberto para que pas-
sasse despercebida.
Pr

Era impróprio que um homem falasse com uma mulher


na rua. Certo ditado rabínico dizia “não converses muito com
uma mulher e isso vale para a tua mulher e mais ainda em
relação à mulher do próximo”66. Caso ela necessitasse pedir
uma informação a um homem, a resposta devia ser dada rapi-
F

damente. Fora disso, não se devia dirigir-lhe a palavra, nem


olhá-la, nem cumprimentá-la67. Era uma desonra, por exem-
PD

plo, que um aluno de um escriba ou mestre falasse com uma


mulher em público.
Por esse motivo, os discípulos ficaram surpresos ao ver Jesus
conversando a sós com uma mulher em Samaria. A surpresa não
era apenas por ela ser samaritana, mas também por ser mulher.
Em João 4.27, quando os discípulos de Jesus voltaram ao poço de

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Jacó, encontraram Jesus sozinho falando com a mulher samarita-


na. O texto informa que “seus discípulos voltaram e ficaram sur-
presos ao encontrá-lo conversando com uma mulher. Mas nin-
guém lhe perguntou: “Que queres saber?” ou: “por que estás con-
versando com ela?” 68. Em outras palavras: ou Jesus estava pedin-
do uma informação, querendo saber algo, ou tinha outro motivo,
o que ficou mais evidente, pois a conversa era longa. Mas eles
não tiveram coragem de perguntar o motivo, embora tivessem

l
cogitado isso conforme revela o evangelista João.

ia
Para Keneth Bailey, esse “que queres saber?” ou “que
desejas?” era um modo típico de falar que nos ouvidos de um
oriental soaria como “Existe alguma coisa que posso fazer por

Tr
você?”, isto é, você gostaria que nos livrássemos dela? Das
duas perguntas que os discípulos desejaram fazer em João 4,
mas não fizeram, a primeira (“Que desejas?”) expressa que
eles se dispuseram a auxiliar Jesus. Mas a segunda pergunta
(“Por que estás conversando com ela?”) deixa claro que os
o
discípulos acharam extremamente estranho ver o mestre deles
conversando sozinho com uma mulher em um local deserto.
Pr

Era uma atitude altamente suspeita e poderia manchar a repu-


tação de Jesus. Mas naquela situação nenhum deles teve cora-
gem de expressar em voz alta o que estava em suas mentes.
O lugar da mulher era no lar ocupando-se das atividades
domésticas e cuidando dos filhos. Tinha a obrigação de moer,
F

cozer, lavar, cozinhar, amamentar os filhos, fazer a cama do


seu marido e, às vezes, preparar a bacia para o marido, lavar-
PD

lhe o rosto, as mãos e os pés69. Em suma, mesmo em casa, a


mulher também tinha grandes limitações. Desde a infância já
havia uma distinção que chegava à vida adulta. Na casa pater-
na, o lugar das filhas sempre vinha após o dos meninos. Em
caso de herança, os filhos homens e seus descendentes tinham
prioridade em relação à filha mulher.

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Tiago Samuel de Carvalho

Juridicamente, a mulher tinha grandes limitações, pois vi-


via sob a tutela do pai enquanto solteira, ou do marido, quando
casada, ou dos filhos, caso fosse viúva. Ela não tinha o direito
de dar um testemunho, pois era considerada mentirosa. Em suma,
a vida da mulher estava sempre na dependência de um varão o
qual era seu representante para todas as questões. Caso ela assu-
misse um compromisso, uma dívida ou fizesse um voto, o espo-
so tinha autoridade para invalidá-los, sem que o credor tivesse

l
apoio legal para contestar. A mulher estava obrigada a obedecer

ia
a seu marido como seu dono chamando-lhe de rabi ou ba’al
como uma espécie de dever religioso. Até mesmo na condição
de mãe seus direitos eram inferiores aos dos seus maridos en-

Tr
quanto pais. Os filhos, por exemplo, estavam obrigados a colo-
car o respeito ao pai acima do respeito à mãe70.
As mulheres não comiam com os homens, mas deveriam
ficar em pé, servindo-os à mesa enquanto eles comiam. Nas ruas
e nos átrios do Templo, elas ficavam a certa distância dos ho-
o
mens. Sua vida, tanto no judaísmo como no mundo greco-ro-
mano, passava-se em casa; reclusa ao lar, evitava ser vista até
Pr

mesmo nas janelas71.


No casamento, os direitos da mulher também eram limi-
tados, pois não podia impedir que o homem dividisse a aten-
ção entre ela e outras mulheres que podiam ser esposas ou
mesmo concubinas. Os direitos das mulheres eram mínimos
F

dentro do lar e no casamento. Elas podiam exigir em tribunal


apenas os seus direitos mínimos: o alimento necessário, o ves-
PD

tuário e o cumprimento do dever sexual por parte do marido.


E, em geral, o direito ao divórcio era uma prerrogativa exclusi-
va do marido. Eram poucos os casos em que a mulher podia
exigir a anulação do matrimônio. Já ao homem, na visão predo-
minante da época, a escola de Hilel, era permitido despedir a
mulher caso ele encontrasse qualquer coisa feia ou vergonhosa

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nela. Mas, nesse caso, o homem tinha que devolver à mulher a


multa estipulada em contrato matrimonial. No entanto, quando
essa multa era muito alta, o homem preferia deixar a esposa à
margem e tomar uma segunda mulher em vez de despedi-la ou
lhe dar a carta de divórcio.
Na educação, a mulher também não tinha os mesmos
privilégios que os homens. A formação que a mulher recebia
limitava-se ao aprendizado dos trabalhos domésticos, cozer e

l
tecer. Não havia uma lei explícita que proibia aos pais ensina-

ia
rem a lei para suas filhas, no entanto havia um consenso de
que nenhum pai deveria ensinar a lei para suas filhas, pois
havia um ditado o qual dizia: aquele que ensina a Torá à sua

Tr
filha ensina-lhe a prostituição [ela fará mau uso do que apren-
deu]. A escola era disponibilizada para os meninos e vedada
às meninas. Por esse motivo, a mulher não podia acessar a
parte destinada a educação na sinagoga. A sinagoga tinha dois
espaços: um destinado para cerimônias públicas, a única parte
o
que a mulher podia acessar, e outro destinado para a educação
e ensino da lei, que só era acessado pelos homens (pais e fi-
Pr

lhos). Este último espaço era separado do primeiro e protegido


por estacas e grades para que as mulheres não entrassem72.
Na religião, a mulher também tinha direitos limitados.
No serviço litúrgico, a mulher somente escutava e não podia,
como os homens, ler a Torá. Ela não pronunciava a bênção
F

nem mesmo em casa. No templo, as mulheres também não


podiam acessar todos os lugares. As mulheres só podiam entrar
PD

no pátio reservado aos gentios e no pátio reservado às mulheres.


Havia um espaço destinado aos homens que ficava mais próxi-
mo do templo, após o pátio das mulheres, no qual elas não
podiam entrar. Estranhamente, o pátio dos homens estava mais
próximo do templo e, automaticamente, mais próximo de Deus,
segundo a interpretação da época. Isso não endossava a inter-

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Tiago Samuel de Carvalho

pretação de que Deus é mais favorável ao homem e que este


está mais perto dele? Não se deve esquecer que o rito que in-
cluía alguém como membro do povo da Aliança era o rito da
circuncisão, e a mulher obviamente não participava desse rito;
logo, a mulher não tinha a mesma dignidade do homem em re-
lação à lei. Por isso é que elas até estavam sujeitas a todas as
proibições da Torá, mas não tinham o mesmo privilégio que os
homens na vida religiosa.

l
Tudo isso pode ter sido endossado a partir de uma inter-

ia
pretação errônea do relato da criação e da queda da humanida-
de. Ou seja, a interpretação de que a mulher tinha sido culpada
pela queda e pelo pecado desenvolveu no povo judeu uma vi-

Tr
são negativa em relação à mulher. Ela era vista como perigosa
e sempre uma fonte de tentação. Por causa disso, a relação
com a mulher era preconceituosa. Em suma, ela era proprieda-
de do varão e sua única função estava associada a ter filhos e
servir ao homem. Além disso, a mulher não era considerada
o
apenas fonte de tentação, mas também frívola, sensual, pre-
guiçosa, fofoqueira e desordenada73 . Em todo caso, a mulher
Pr

não vivia numa situação delicada apenas no judaísmo, mas em


todo o antigo oriente. Será que era essa a visão de Deus em
relação às mulheres, tal como se pregava no antigo oriente e
também no judaísmo? Era isto que Deus realmente queria?
No campo, os costumes podiam ser um pouco mais fle-
F

xíveis. Às vezes, por questões econômicas a mulher precisava


ajudar o marido em sua profissão e isso podia fazer com que a
PD

mulher ficasse mais exposta. As necessidades do campo tam-


bém podiam interferir na situação das mulheres; por exemplo: a
mulher vai à fonte, dedica-se junto com o marido e os filhos ao
trabalho do campo e, às vezes, vende azeitonas ou qualquer ou-
tro produto à porta74. No entanto, mesmo no campo a mulher
não deveria manter uma conversa sozinha com um homem.

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Quando Deus se cala

É provável que, por estar num ambiente mais rural, a


mulher cananeia estivesse mais à vontade para se aproximar
de Jesus. Mas mesmo ali, num ambiente campesino, era estra-
nho para os costumes antigos que uma mulher sozinha, sem a
companhia de um varão, viesse atrás de um grupo de homens
clamando por Jesus. Mateus e Marcos, porém, nada falam acer-
ca do estado civil dessa mulher cananeia. Ela é vista em públi-
co falando com Jesus e pedindo ajuda por sua filha. A ausência

l
do seu esposo, tanto na ação como no relato, tem levado al-

ia
guns estudiosos a supor que ela fosse viúva. De qualquer for-
ma, o fato de ser mulher e de estar clamando atrás de um ho-
mem mostra que ela se porta de forma reprovável para os pa-

ral existente. Tr
drões culturais de sua época, em virtude do preconceito cultu-

Como se não bastasse a discriminação que sofria pelo


simples fato de ser mulher, a mulher do relato bíblico é cha-
mada por Mateus de cananeia. O termo cananeu era arcaico e
o
pejorativo, pois não havia mais cananeus na época de Jesus. E,
apesar de não haver mais cananeus nos tempos de Jesus, a re-
Pr

gião de Tiro e Sidom era a mesma em que os cananeus haviam


habitado no passado. Dessa forma, quando algum judeu que-
ria referir-se ao aspecto religioso e pagão dos habitantes da-
quelas regiões, podia muito bem usar o termo cananeu, que
trazia à lembrança a história do paganismo dos cananeus no
F

passado. Foram eles os que mais prejudicaram os judeus no


passado, com a influência do baalismo na religião de Israel.
PD

Uma provação ao orgulho judaico

Mas por que o evangelista Mateus teria usado a expressão


cananeia ao se referir à mulher, ao passo que Marcos diz tratar-
se de uma mulher grega, de origem siro-fenícia? Em primeiro
lugar, não há contradição entre ambas as designações, já que o

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