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A contribuição da doutrina na (con)formação do direito

jurisprudencial:

A CONTRIBUIÇÃO DA DOUTRINA NA (CON)FORMAÇÃO DO DIREITO


JURISPRUDENCIAL:
uma provocação essencial
Revista de Processo | vol. 232/2014 | p. 327 - 361 | Jun / 2014
DTR\2014\2186

Dierle Nunes
Doutor em Direito Processual (PUC-Minas/Università degli Studi di Roma"La Sapienza").
Mestre em Direito Processual (PUC-Minas). Professor-adjunto na PUC-Minas e UFMG.
Membro do IBDP, ABDPC e IAMG. Advogado.

Helen Almeida
Mestranda em Direito Processual pela PUC-Minas. Advogada.

Marcos Rezende
Mestrando em Direito Processual pela PUC-Minas.

Área do Direito: Processual


Resumo: O presente estudo tem como proposta empreender uma abordagem da
importância e contribuição do papel da doutrina para a construção do direito como
integridade. A noção de doutrina aqui adotada vincula-se ao desenvolvimento de
atividade investigativa, científico-teórica e construtiva do direito. Buscou-se apresentar a
posição de subserviência que a doutrina tem ocupado ante a jurisprudência e, como tal
aspecto influencia negativamente na dinâmica jurídica, especialmente no que toca à
ciência processual. O agigantamento da jurisprudência tem reduzido o direito àquilo que
o Judiciário diz que ele é, aprisionando-o nas gaiolas do protagonismo judicial e do
neoliberalismo processual, circunstâncias essas que ferem de morte a dimensão do
processo constitucional. Por fim, empreendeu a discussão acerca de necessidade de se
refletir sobre uma teoria do precedente adequada ao ordenamento jurídico pátrio,
conclamando a doutrina a exercer seu papel fundamental na produção, interpretação e
aplicação do direito.

Palavras-chave: Doutrina - Jurisprudência - Precedente - Direito como integridade.


Abstract: This present study has a proposal to undertake an approach of the importance
and the contribution of the role of doctrine to the construction of the Law as Integrity.
The notion of doctrine adopted here is linked to the development of scientific- theoretical
and constructive investigative activity of the law. We attempted to present the position
of subservience that the doctrine has occupied before the case law and, how much this
interferes negatively in the legal dynamic, especially as regards procedural science. The
aggrandizement of the case law is reduces the law to what the judge says the law is,
trapping him in the cages of the judicial leading role and procedural neoliberalism, and
that circumstances hurt deadly the dimension of the constitutional process. Finally,
undertook the discussion of the need to reflect on a theory of the precedent proper of
the national legal system, calling the doctrine to exercise their fundamental role in the
production, interpretation and application of law.

Keywords: Doctrine - Case law - Precedent, law as integrity.


Sumário:

- 1.Introdução - 2.A expressão“doutrina“ - 3.Concepção da doutrina no contexto


tradicional - 4.Concepção da doutrina no contexto democrático-discursivo - 5.A
hipertrofia da“jurisprudência“ e a subserviência da doutrina: o neoliberalismo processual
e o protagonismo judicial - 6.Necessidade de uma construção teórica da aplicação de
precedentes no direito brasileiro - 7.Considerações finais

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A contribuição da doutrina na (con)formação do direito
jurisprudencial:

Recebido em: 24.02.2014

Aprovado em: 25.03.2014


1. Introdução

À luz do Estado Democrático de Direito, deve-se conferir também ao processo uma


abordagem democrática, a fim de possibilitar um debate comparticipativo, seja dentro
da estrutura processual, entre seus sujeitos (com interdependência e sem vínculos de
subordinação), seja fora, mediante a interlocução cada vez mais consistente entre a
doutrina e a jurisprudência.

Nesse sentido, é fundamental o papel que a doutrina possui ao problematizar as


questões jurídicas e ao subsidiar o aporte teórico na aplicação do direito. Entretanto,
observa-se que não está sendo atribuída à mesma a abertura necessária no cenário
processual participativo.

Em paralelo à realização do processo constitucional democrático, cabe à doutrina


contribuir para a construção e aplicação do direito, apresentando teorias, fornecendo
fundamentos para a delimitação do conteúdo jurídico dos princípios, e das discussões
jurídicas em geral.

Os sujeitos processuais, no desenvolvimento do processo, têm o dever de valorizar seu


papel. Não obstante, o dever não é apenas destes atores, já que os teóricos que
contribuem para o desenvolvimento técnico-científico do direito devem igualmente ter o
compromisso em valorizá-la.

O papel da doutrina na aplicação do direito precisa ser revitalizado, porque é a partir de


uma teorização adequada que a ciência do Direito processual se desenvolve e se renova.

O círculo vicioso instalado no campo processual, a partir de uma continuada valorização


equivocada da“jurisprudência“ (ou daquilo que se nomina como tal), impede o
aperfeiçoamento da ciência do processo, quando a aplicação do direito se limita quase
exclusivamente a observar o uso de ementas e enunciados de súmulas dos tribunais
1
(descontextualizados dos fatos e de seus motivos determinantes). Constata-se ainda
que, no Brasil, não há preocupação por parte dos tribunais com o modo como as
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decisões vêm sendo formadas e aplicadas.

Chega-se ao requinte de após a edição da Portaria 138, de 22.07.2009, pela presidência


do STF (que delega a admissibilidade do Recurso extraordinário para um servidor, sem
se passar próximo de um ministro ou assessor), se promover uma (pseudo) análise dos
recursos extraordinários com um simples carimbo no qual, sem verificação adequada, se
reenvia a impugnação ao Tribunal de origem com a aposição do número de um tema já
analisado; gerando comumente a situação de nem mesmo se colocar o número ou se
indicar tema diverso ao do objeto do recurso.

Essa situação é gravíssima e se agrava a cada dia quando a própria doutrina passa a se
contentar em apenas comentar superficialmente os julgados proferidos.

Diante dessa circunstância, faz-se indispensável o resgate do papel da doutrina na


3
construção do direito e, mais especificamente, na formação dos precedentes.

Assim, é importante apresentar e repensar o que se entende por doutrina e sua atual
posição no sistema jurídico brasileiro, uma vez que além de não cumprir as suas
funções, a mesma se limita a justificar a“jurisprudência instável“, de forma a legitimar e
fortalecer a atuação desta, como se fosse a principal fonte argumentativa para os
operadores do Direito.

A preocupação é urgente, uma vez que a aprovação do novo Código de Processo Civil e a
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introdução de uma normatização do precedente judicial faz com que a participação da


doutrina se torne essencial na construção do processo democrático e da fixação de bases
fortes de aplicação para as novas normas.

O presente estudo se desenvolve em breves seções e se inicia com a abordagem do


significado da expressão doutrina. A seguir, traça historicamente o estudo da doutrina no
contexto tradicional, para situá-la, posteriormente, no contexto democrático-discursivo.
Na seção vindoura, é apresentada a sua posição servil perante a“jurisprudência“ e
finalmente se faz a reflexão da doutrina em face dos precedentes judiciais, em razão da
modificação do uso deste instituto no ordenamento brasileiro, a partir da aprovação do
novo Código de Processo Civil.

Ao longo do trabalho se faz a crítica da posição que a doutrina assumiu na atual quadra
histórica e defende-se que a mesma volte a atuar na sua função, de forma a contribuir
participativamente para a construção do processo constitucional no Estado Democrático
de Direito.

Outrossim, o presente estudo defende a necessidade de se promover um rompimento,


inclusive terminológico, com o dogmatismo intrínseco na expressão“doutrina“ e procura
adequá-la à sua função precípua de questionamento e investigação. Neste sentido, o
termo“doutrina“, utilizado no trabalho, designa atividade investigativa, científico-teórica
e construtiva do Direito.
2. A expressão“doutrina“

A expressão“doutrina“ traz em si certa equivocidade. Em épocas mais remotas,


significava ensino, aprendizagem de uma matéria específica ou de um saber geral. Com
o passar do tempo, seu significado foi alterado para compreender um conjunto de
teorias, conceitos e princípios de uma ciência, filosofia ou religião. Afirma Testoni Binetti
que o significado mais usual é o que se relaciona com a religião, seu ensinamento
dogmático ou normativo associados à moral, como, por exemplo, doutrina cristã,
doutrina espírita, doutrina protestante.

Na política, o significado conduz a determinadas orientações e ações vinculadas a


determinada personalidade pública, em determinada quadra histórica,
exemplificativamente, doutrina de Monroe, doutrina de Truman, doutrina de Stimson,
4
doutrina de Drago.

No âmbito jurídico, o termo se encontra muitas vezes em oposição à jurisprudência e


5
indica estudos para a produção legislativa e para a interpretação do direito.

A crítica incide sobre a utilização da expressão no direito. Autores alemães, em vez do


termo“doutrina“, utilizam as expressões“literatura jurídica“,“literatura especializada“
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ou“literatura jurídica especializada“, o que parece mais apropriado para a ciência do
direito. É, também, uma forma de afastar interpretações semânticas indevidas,
relacionadas à crença e ao dogmatismo. Apesar das pertinentes críticas, optou-se, neste
estudo, pela continuidade do uso da expressão, porém, inserindo-a no contexto de
contribuição permanente para a consolidação do direito como exercício de interpretação
construtiva, consoante se discutirá adiante.
3. Concepção da doutrina no contexto tradicional

A doutrina, no contexto jurídico tradicional, atua a partir de um esquema sujeito-objeto


7
centrado no solipsismo subjetivista, no locus do positivismo.

Representa, assim, um conjunto de conhecimentos e concepções científicas de


especialistas, que contribui, para o esclarecimento da ciência e da técnica, possibilitando
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a construção e aplicação do Direito. Constitui ainda, atividade especulativa procedente
de um meio intelectualizado. As orientações de seus autores não traduzem
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imperatividade, por mais influência que os doutrinadores transmitam aos legisladores,
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na elaboração das leis, ou sobre aqueles que exercem a função jurisdicional.

Historicamente, a doutrina assumiu níveis distintos de relevância normativa e caráter de


imperatividade. No império romano, a contribuição da doutrina foi de fundamental
importância para o Direito, uma vez que, inexistindo regra jurídica aplicável ou havendo
dúvida acerca de qual norma aplicar ao caso, recorria-se ao entendimento dos
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jurisconsultos. Nesse contexto, destaca-se que a doutrina era considerada fonte
obrigatória do Direito. A relevância da mesma, ou ainda, o grau de coercibilidade
apoiava-se antes na autoridade do jurisconsulto do que, efetivamente, na sustentação
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científica de seus argumentos.

Na Alta Idade Média preponderou uma escassa produção científica no campo jurídico.
Por outro lado, na Baixa Idade Média, a partir do século XI, com a escola de Bolonha, a
doutrina demonstrou significativa proeminência, perdurando até a modernidade, com o
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advento das codificações, traço indelével do positivismo.

As revoluções burguesas do século XVIII, já da Idade Moderna, no campo jurídico, com o


movimento das codificações, evidenciou-se o surgimento do positivismo jurídico e a
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crença na razão, como critério de explicação e fundamento do mundo. O Direito
acompanhou tais modificações, assimilando, para a dinâmica jurídica, a racionalidade
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instrumental.

Na formação e consolidação do Estado Moderno, final do século XVIII e início do século


XIX, destaca-se a vertente teórica do positivismo desenvolvida na Alemanha. O embate
teórico travado entre Savigny e Thibaut, sobre a codificação do Direito alemão,
demonstrou a singularidade do pensamento de Savigny. Enquanto Thibaut, partidário da
codificação, defendia a adoção do Código Civil francês ou da elaboração de um código
para a Alemanha, Savigny sustentava que o contexto cultural alemão não era propício à
codificação, o que poderia resultar na cristalização de um direito em decadência. O
pensador ainda atribuía à ciência jurídica papel fundamental para a elaboração do
Direito, porque somente a partir do resgate da ciência jurídica seria possível“promover
vigorosamente o renascimento e o desenvolvimento do direito científico, isto é, a
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elaboração do direito por obra da ciência“.

Esse movimento, conhecido como Escola Histórica, mesmo filiando-se à corrente


positivista, por apresentar contraponto ao direito natural, buscou na história e nos
costumes um sistema de racionalidade aplicável ao direito. Daí se extrai a relevância da
ciência e, por conseguinte, da doutrina, vez que, ao vincular a formulação jurídica à
história, pautava-se no conhecimento histórico e investigação científica.

Lado outro, nos ordenamentos jurídicos em que prevaleceram as codificações, a função


exercida pela doutrina, não atingiu a mesma relevância que a lei. Isso porque, na
vertente do positivismo jurídico, ilustrada pela Escola da Exegese, a doutrina não tinha o
condão de gerar a norma jurídica, relegando-se sua importância, em relação à teoria das
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fontes, apenas a um aspecto informador. Outrossim, a teoria das“fontes do direito“,
admitia somente normas emanadas por autoridades do Estado, como fonte dotada de
qualificação jurídica. Às demais, dentre elas a doutrina, conferiu-se o caráter de fontes
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de conhecimento jurídico.

Assinala-se que, no momento histórico de consolidação do Estado Moderno, à decisão


judicial também se atribuiu o caráter de fonte de conhecimento jurídico, não sendo,
21
portanto, considerada, como fonte principal do direito. Nesse momento, a aplicação do
direito se realizava de maneira automática, a partir da adoção de métodos mecânicos
(subsunção), e por consequência, a doutrina passou a ser considerada como
desnecessária para o desenvolvimento do direito, uma vez que a demarcação da
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amplitude da norma não deveria escapar aos limites do texto legal.

Kelsen, caudatário de toda essa discussão, embora seja considerado um positivista,


expôs formulações teóricas dotadas de maior requinte, ao abordar com maior
profundidade a complexidade do sistema jurídico. Kelsen admitiu que o direito não se
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resumia ao texto de lei e entendia a impossibilidade de dissociar a prática jurídica da


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interpretativa.
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Cattoni de Oliveira demonstra a perda paulatina da influência da doutrina na teoria
kelseniana. A primeira edição da Teoria pura do direito, de 1934, não contemplava a
diferenciação entre interpretação autêntica e não autêntica. Nessa edição, Kelsen admite
que a adoção dos métodos desenvolvidos pela jurisprudência tradicional“levariam a um
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possível resultado, nunca a um único resultado correto “, e aponta que, o ato de
escolha por uma, dentre as possíveis opções, é antes uma questão política do que uma
questão ligada às discussões de teoria do direito. Assim, a função da doutrina seria
fornecer os subsídios ou fundamentos para o ato de escolha da norma aplicável,“os
comentários 'teóricos’, que supostamente buscam assistir a atividade de aplicação do
direito, na visão kelseniana, são políticos, pois buscam, através de suas sugestões,
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influenciar o legislador, as cortes ou os órgãos administrativos“.

Na edição francesa de 1953, a expressão“interpretação autêntica“ ingressa na obra e já


demonstra indícios do giro que posteriormente Kelsen iria empreender. Nesta edição,
Kelsen atribui à doutrina o papel de delimitar os limites da moldura de interpretações
teóricas possíveis, isto é, à doutrina cabe desenvolver uma atividade cognoscitiva,
27
enquanto aos órgãos estatais cumpre produzirem e aplicarem o Direito.
Assim:“enquanto à ciência do direito compete descrever o direito e formular o quadro
das possíveis interpretações, ao intérprete autêntico cabe a criação de uma norma, com
base na norma a ser aplicada, dentro do quadro das possibilidades (interpretação
autêntica). As razões jurídicas pela opção de uma determinada interpretação, desde que
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integrante do quadro de possibilidades, se existe, é irrelevante“.

Por fim, na edição de 1960 da Teoria pura do direito, o autor reduz, de forma
inequívoca, o ato de criação do direito a um ato de vontade. E decorreu daí, a brutal
desvalorização da doutrina em relação à aplicação do direito.

Mesmo reconhecendo a polissemia do texto legal, na perspectiva kelseniana apresentada


a partir de 1960, o papel da doutrina foi relegado ao aspecto meramente informador da
atividade jurídica, de forma que,“a interpretação científica é pura determinação
cognoscitiva do sentido das normas jurídicas. Diferentemente da interpretação feita
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pelos órgãos jurídicos, ela não é criação jurídica“.
30
Para Kelsen, tanto no âmbito legislativo, quanto no jurisdicional, a doutrina é
dispensável, porque consiste em interpretação não autêntica do direito, por conseguinte,
desprovida de caráter vinculativo:

“A interpretação jurídico-científico não pode fazer outra coisa senão estabelecer as


possíveis significações de uma norma jurídica. Como conhecimento do seu objeto, ela
não pode tomar qualquer decisão por si mesma reveladas, mas tem de deixar tal decisão
31
ao órgão que, segundo a ordem jurídica, é competente para aplicar o Direito“.

Não se pode descurar, pois, que a teoria kelseniana foi amplamente acolhida pela
comunidade acadêmica, influenciando indiscutivelmente os processos de produção,
interpretação e aplicação do direito, até os dias atuais.

Em outra perspectiva, a força do argumento de autoridade também repercutiu no âmbito


da doutrina, sendo que o valor desta, muitas vezes pode ser mensurado
32
proporcionalmente à importância que o jurista exerce na sua área jurídica de atuação,
revelando autoridade moral, de força persuasiva, consubstanciada nos argumentos
apresentados pelo doutrinador.

A doutrina, a jurisdição e todo o direito, ainda incorporam uma carga simbólica“mítica“


que pouco contribui para a ciência, e, por conseguinte, para a ciência do direito
processual. A valorização (sobrenatural) do juiz e dos doutrinadores de destaque
(argumento de autoridade) muitas vezes impede que o problema seja discutido em
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bases argumentativas, o que resulta em uma decisão solitária do juiz ou em um discurso


de autoridade, com repúdio aos pressupostos do processo constitucional-democrático.

Atualmente, com suporte em construções mais consistentes, pautadas nas aquisições


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das ciências e, especificamente da ciência jurídica, o conhecimento científico
configura-se um saber sempre incompleto, inacabado, porque considerado fruto de“uma
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procura, uma investigação, uma tentativa de compreensão“. Tal compreensão parte de
um horizonte interpretativo que gera uma tensão entre os textos e os preconceitos já
35
internalizados no intérprete.

Com efeito, a doutrina deveria desempenhar respeitável influência, especialmente, sobre


três espaços jurídicos: nos cursos de formação jurídica; na elaboração das leis e nas
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atividades jurisdicionais. A doutrina também deveria ter precípua função contributiva
da atividade jurisdicional, na construção da jurisprudência e na fundamentação das
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decisões, confirmando ou modificando orientações aplicadas pelos tribunais. Mas, o que
se verifica de forma simultânea é, de um lado, a expansão não autorizada da jurisdição,
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e de outro, a atrofia do papel da doutrina.

Assim, com suporte no desenvolvimento histórico e no contexto da alta complexidade


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das sociedades contemporâneas, é impossível conceber uma técnica jurídica que se
feche às contribuições críticas oferecidas pela doutrina, ou, ainda, que impossibilite a
formulação de novas concepções jurídicas desenvolvidas cientificamente.
4. Concepção da doutrina no contexto democrático-discursivo

No contexto do Estado Democrático, o direito se manifesta em reflexões e interpretações


construtivo-participadas, possibilitando que a sua aplicação seja a melhor justificativa
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das práticas jurídicas. Não há como desconsiderar, nessa nova dimensão, a
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participação da doutrina, atuando em um modelo de integridade.

A doutrina, ao operar em um esquema sujeito-sujeito, e não mais em uma relação


sujeito-objeto, afasta-se do método tradicional, ainda hoje utilizado por considerável
parcela dos órgãos julgadores, no qual o sujeito tem acesso preferencial às suas
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representações de forma pouco ou nada transparentes, valorizado pelo argumento de
autoridade e pelo subjetivismo.

Em um mundo complexo, a jurisprudência não tem o condão de ser, solitariamente, a


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portadora da melhor solução para a garantia dos direitos fundamentais, e o
Direito“(…), vez que praxis comunicativa, repousa em pressupostos compartilhados
socialmente, compartilháveis por todos os concidadãos. Mesmo aqueles que
corajosamente assumem ser dotados de um 'notável saber jurídico’ não estão
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legitimados a fazer do Direito aquilo que eles pensam como tal“.

Não há como admitir a jurisprudência como um sistema fechado e auto-referencial e não


perceber as vantagens que as teorias podem trazer para a solução dos conflitos levados
à jurisdição. Habermas, ao tratar da relação entre teoria e prática, critica os sistemas
fechados e afirma que:

“Os espaços públicos nacionais são, ao mesmo tempo, atravessados e completados por
correntes de comunicação planetárias. Esse espaço constitui a caixa de ressonância para
os problemas da sociedade como um todo, que não podem mais ser percebidos da
perspectiva dos sistemas funcionais fechados e autorreferenciais. O tecido difuso de um
espaço público ancorado na sociedade civil é, portanto, o lugar em que sociedades
altamente complexas ainda podem desenvolver uma consciência de si mesmas e tratar
os problemas que as obrigam a agir politicamente sobre si mesmas. Por certo, muitos
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atores trazem temas e contribuição“.

A doutrina, ao exercer o seu papel, deve fazê-lo em consonância com a concepção


jurídica do ordenamento e com os pressupostos políticos do Estado em que atua.

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A contribuição da doutrina na (con)formação do direito
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O estudo da doutrina no campo da aplicação do direito pode conduzir a uma importante


classificação, quando se considera o método que se utiliza em suas investigações
científicas. Tercio Sampaio, ao estudar esses métodos orientadores, destaca a dicotomia
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entre a zetética e a dogmática. Sob a perspectiva da zetética tudo é questionável,
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inclusive a própria questão, provocando investigações infinitas, ao estilo do ciclo de
Popper, para as quais, em tese, não são fixados limites e, desta forma, nunca se
alcançará um fim ou início, uma vez que há liberdade total para a investigação, na qual
os próprios pressupostos são colocados à prova e as questões estarão sempre abertas à
discussão e argumentação. Ao contrário, sob o enfoque dogmático há premissas rígidas
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insuscetíveis de indagações, que limitam a argumentação e o alcance investigativo. A
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orientação dogmática prevalece nas ciências normativas, como no direito, mas não de
uma forma radical, porque se assim o fosse os limites estariam fechados, impedindo os
avanços científicos e provocando uma fossilização da ciência, que, assim, deixaria de
sê-la.

Não há dúvida de que atualmente, mesmo em face de todas as conquistas


hermenêutico-filosóficos, ainda atribui-se ao direito, uma visão eminentemente
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dogmática, o que não quer dizer que as técnicas interpretativas sejam comple tamente
desconsideradas, vez que permitem a flexibilização da dogmática e são essenciais ao
52
funcionamento do sistema jurídico.

Lado outro, sob o marco do Estado Democrático de Direito, as investigações científicas


no direito serão adequadamente conduzidas se partirem de uma orientação da zetética,
compatível ao processo constitucional, cujas bases são principiológicas e pautadas na
53
participação argumentativa. Com efeito, a concepção do direito democraticamente
estruturado não pode se dar sob argumentos vinculados ao discurso de autoridade, uma
vez que, tal argumento ofende de plano a dimensão comparticipativa, elemento este
indispensável para a consolidação do direito democrático.

Nesta perspectiva, a doutrina, para se adequar aos perfis democráticos, deve deslocar o
seu eixo de orientação, afastando-se do excessivo caráter dogmático, fixando-se em
posições democrático-argumentativas, sob o pálio, agora prevalente da zetética, em
uma combinação dogmática reduzida, uma vez que seria utópico afastá-la
completamente.
54
Sustenta-se mais: com base nos estudos de Dworkin o Direito não pode ser reduzido
apenas ao que foi decidido no passado, porque se assim o fosse se caracterizaria como
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um simples fato (plain fact) e se desvincularia totalmente do dever ser. Dworkin
procura demonstrar que a técnica jurídica é um exercício de interpretação, uma prática
linguística, cuja interpretação é construída a partir de proposições jurídicas.

A construção do Direito depende das críticas das teorias existentes, bem como da
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elaboração de novas, sempre testificadas num ciclo infinito. A doutrina, na construção
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discursiva do direito, assume uma posição autoral, pois capítulos da construção e da
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aplicação do direito também lhe são destinados. A ausência ou a modesta participação,
como se verifica no atual cenário brasileiro, encarcera o discurso jurídico à arbitrariedade
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e a discricionariedade.

Com efeito, não há argumento que justifique a monopolização do Direito pelos tribunais,
notadamente, no caso brasileiro, pelos tribunais superiores e que estes funcionem como
guardiões absolutos da racionalidade, quando na alta modernidade, prevalece a
consciência falibilista, que se apoia na concepção de cooperação científica, na qual todos
os atores contribuem para a construção participativa da racionalidade e do
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conhecimento.

Eis o problema que se pretende enfrentar, pois ao se acomodar a uma simples posição
de comentadora de julgados, a doutrina desvaloriza-se, intimida-se na sua função de
interpretar. E a exigência de sua participação é de fundamental importância,
especialmente em um momento no qual se destaca não a qualidade dos julgados, mas,
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ao contrário, o aspecto quantitativo de resolução de demandas, sob o enfoque do


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neoliberalismo processual.

O direito precisa ser compreendido a partir de uma visão participativa e integradora, que
não se restrinja a discursos oficiais e discricionários, fechados em si mesmos,
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comumente adotados em Estados que, apenas aparentemente, se dizem democráticos.
Não há dúvida que à doutrina incumbe contribuir qualitativamente para as decisões.

Nesse cenário, mais preocupante ainda, é a técnica que os órgãos julgadores adotam, ao
proferirem as suas decisões, essencialmente apoiadas em excertos de julgados
anteriores ou, apenas, em ementas e dispositivos que fundamentam, tourt court, as
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decisões. E nesta mesma onda jurisprudencial corrompida seguem também as partes
do conflito, ao fundamentarem as suas teses tão somente na“jurisprudência“. Essa
técnica de repetição de julgados gera como consequência o empobrecimento do discurso
jurídico, no qual prevalece, em detrimento da doutrina, apenas, o entendimento dos
tribunais superiores.

Já se destacou o paradoxo e o equívoco das posturas adotadas no sistema jurídico no


Brasil. De um lado, verifica-se a prática de reprodução automática de julgados e
enunciados de súmulas, sem uma preocupação com o contexto fático-jurídico que
possibilitou a formação de determinado entendimento. Lado outro, adota-se a postura do
marco zero, como se o julgador estivesse autorizado a criar, selecionar e aplicar
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princípios jurídicos a determinado caso concreto de forma mágica, isto é, como se as
interpretações pudessem ser construídas desconectadas de quaisquer proposições
jurídicas anteriores. Assim:

“(…) duas posturas são costumeiras no Brasil ao se usar os julgados dos tribunais como
fundamento para as decisões: (a) a de se repetir mecanicamente ementas e enunciados
de súmulas (descontextualizados dos fundamentos determinantes), como bases
primordiais para as decisões, seguindo uma racionalidade própria da aplicação das leis,
encarando esses trechos dos julgados como 'comandos’ gerais e abstratos ou (b) de se
julgar desprezando as decisões anteriormente proferidas, como se pudesse analisar
novos casos a partir de um marco zero interpretativo; num e noutro caso o juiz
discricionariamente despreza os julgados, a doutrina e o próprio caso que está julgando.
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Dworkin ensinou que o intérprete deve analisar o direito como um romance em cadeia,
com integridade e coerência, de modo a decidir o novo caso diante de si, como parte de
um complexo empreendimento em cadeia do qual os capítulos passados (julgados
passados e entendimentos doutrinários) devem ser levados em consideração, para que
se escreva um novo capítulo, em continuidade, que o respeite ou o supere, com
coerência. É dizer, para ele a interpretação do direito é construtiva: a decisão, ao
mesmo tempo em que foi uma resposta aos postulantes elaborada por um grupo num
certo período, é também produto de várias mãos e dá continuidade (sem ruptura)
66
àquela construção referida. O Juiz, assim, não pode ser só a boca da jurisprudência
67
(como já fora da lei, ao tempo dos exegetas), repetindo ementas ou trechos de
julgados descontextualizados dos fatos, ou usar julgados pontuais porque precisa ter
uma noção do que os julgadores do passado fizeram coletivamente. Não dá para se usar
julgados isolados como se estes representassem a completude do entendimento de um
tribunal. Isto, além de uma simplificação odiosa, está em desconformidade com a práxis
68
do common law de onde se diz estar buscando inspiração“.

Criticam-se também as decisões per relationem, nas quais a fundamentação da decisão


se faz, sob uma pseudolegitimidade, por meio de referência a julgados anteriores, ou em
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perfeita e“dedicada comunhão“ com as manifestações do Ministério Público.

Conforme se verá adiante, o exercício da jurisdição não pode limitar o seu conteúdo
discursivo apenas à interpretação normativa e jurisprudencial. Ao agir neste sentido, os
órgãos julgadores desprezam as relevantes contribuições da doutrina, fecham-se em si
mesmos e concebem um círculo vicioso e corrompido.

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A contribuição da doutrina na (con)formação do direito
jurisprudencial:

Parece que a doutrina não se apercebeu de suas novas atribuições democráticas, cujos
fundamentos não podem desconsiderar o Estado Democrático de Direito, o processo
constitucional e o giro linguístico. Os tempos são outros e os ventos empurram a
doutrina para uma nova postura, que exige dela mais atuação. A doutrina não pode
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subjugar-se ao ativismo judicial seletivo.

A doutrina, ao recusar o seu papel institucional, descerra um espaço a ser ocupado por
uma função estatal, que naturalmente pode se tornar (seletivamente) discricionária e
arbitrária. O déficit na atuação do cientista do direito tem contribuído eficazmente para a
71
sua própria desmoralização. Em vez de construir teorias aderentes ao espaço
democrático e se valorizar, as construções doutrinárias se propõe a apenas comentar e a
estudar o“trabalho“ dos tribunais superiores. Ao se ocupar, somente, em justificar e citar
a“jurisprudência“, explicando-a, a doutrina em nada contribui para a construção do
Direito democrático, tornando-se, na verdade, um apêndice servil.

A doutrina, assim, não tem contribuído, como deveria, na aplicação do direito. Para
confirmar esta situação deficitária apresentam-se duas hipóteses: (a) a mesma não está
cumprindo a sua função em criar teorias, conceitos, entendimentos sobre as normas e
institutos jurídicos e não serve de auxílio aos sujeitos processuais no suporte
argumentativo do caso concreto; (b) os juízes, de forma consciente ou inconsciente, não
estão utilizando a doutrina como contribuição para a formação das decisões, por
entenderem que esta colaboração é inexpressiva e de pouca valia e nada acrescenta na
solução dos casos concretos.

A valorização exacerbada da discurso jurisprudencial em contraposição ao“descrédito“ da


doutrina sobreleva a prevalência da discricionariedade do órgão julgador, do dogma da
72
supremacia do interesse público sobre o interesse privado, e assenta a interpretação
judicial como eixo principal da hermenêutica jurídica.

É sintomático no Brasil, há alguns anos, a sensível redução da influência desta literatura


jurídica sobre a atividade jurisdicional, principalmente na ausência de contribuição para
a formação das decisões e reflexamente na jurisprudência.

Por outro lado, como qualquer outro contributo científico, a doutrina deve passar pelo
crivo da falseabilidade e ser corrigida por meio de teorias discursivas, de modo se
identificar e a eliminar os seus erros e lacunas, evitando os argumentos de autoridades,
73
que pouco ou nada acrescentam ao conhecimento científico e à democracia. É nessa
perspectiva que a doutrina é essencial para a construção e aplicação do direito no Estado
Democrático do Direito.

Isso impõe a necessária crítica à desnecessária e oportunista tendência


panprincipiológica, criticada por Streck,“verdadeira usina de produção de princípios
74
despidos de normatividade“, que demonstra mais uma vez a necessidade de
redefinição do papel doutrinário.

Fixadas tais hipóteses e, delineado o problema que se pretende aqui enfrentar, é


indispensável a apresentação, doravante, dos sintomas desta disfunção no cenário
jurídico brasileiro atual. Além disso, serão investigadas as possíveis causas desta caótica
situação, no intuito de evidenciá-las e fornecer propostas para a sua superação.
5. A hipertrofia da“jurisprudência“ e a subserviência da doutrina: o neoliberalismo
processual e o protagonismo judicial

A doutrina sempre orientou a formação das decisões jurisdicionais. Porém, no Brasil dos
tempos atuais, a mesma está cedendo o seu lugar, como aporte na aplicação do direito,
em favor do direito jurisprudencial. A jurisprudência, ao ocupar o lugar da doutrina, vem
contribuindo de forma negativa, como técnica tout court de motivação decisional, em
75
simples atos de enumerar decisões, em flagrante ofensa ao princípio constitucional da
fundamentação das decisões, art. 93, IX e X, da CF.
Página 9
A contribuição da doutrina na (con)formação do direito
jurisprudencial:

Nesse contexto, constata-se o fenômeno da hipertrofia jurisprudencial no qual os


julgados (ou trechos descontextualizados dos mesmos) se tornam os principais
fundamentos das novas decisões, em desprezo considerável das contribuições da
doutrina.

Os profissionais (“operadores do direito“), que necessitam recorrer à jurisdição, para a


proteção dos interesses de seus representados, passaram a adotar, com eficácia,
76
julgados pontuais e isolados como suporte argumentativo das teses de suas pretensões
e defesas.

A valorização das decisões isoladas (descontextualizadas de sua história institucional),


fruto ou não de técnicas de causa piloto (repercussão geral ou recurso especial
repetitivo), passou a ter tamanha importância, que se tornou indispensável aos
77
profissionais conhecer, em profundidade, o entendimento dominante, principalmente a
dos tribunais superiores.

Aliado a esse fenômeno e, por intermédio de um ciclo de retroalimentação degenerado,


a doutrina se coloca sob uma postura subserviente em relação às decisões dos Tribunais.
Streck diagnostica, pontualmente a atuação da doutrina na cultura jurídica brasileira,
muito influenciada pela busca da sedimentação de padrões decisórios, a partir de
julgados dos tribunais superiores:

“Essa cultura 'standard’ vem acompanhada da indústria que mais cresce: a dos
compêndios, resumos e manuais, muitos deles já vendidos em supermercados e outras
casas do ramo. Aparecem obras de todo o tipo, com 'verdadeiros’ 'pronto-socorros
jurídicos’ (SOS do direito), ao lado de livros que buscam simplificar os mais importantes
ramos do direito. Tenho receio que, em seguida surjam livros denominados, por
exemplo, de 'direito penal (já) mastigado’, inclusive com o charme dos parênteses..!

(…).

Que tempos vive(ncia)mos…A maior parte da produção doutrinária, com aspas e sem
aspas, coloca-se como caudatária das decisões tribunalícias. Parcela considerável dos
livros apenas reproduz o que o Judiciário diz sobre a lei. Esse 'já dito’ é
condensado/resumido em verbetes (ou, se quisermos ser mais sofisticados, 'enunciados
78
assertóricos’). Mas, então, porque escrever livros?“.

Esse panorama evidencia uma (pseudo)doutrina e um (pseudo) doutrinador não


efetivamente preocupados com o desenvolvimento crítico-científico do Direito, no sentido
de se posicionar como fator de contribuição que inicie e sustente o debate jurídico.

Tal disfunção pode ser atribuída à lógica de mercado, que encampou o sistema estatal e
79
repercutiu no sistema processual, a partir da década de 1990, a partir do fenômeno
80
denominado“neoliberalismo processual“.

O modelo neoliberal do processo, caracterizado por um protagonismo judicial sui generis


, parece denotar um reforço do papel do Estado-Jurisdição a favor de um objetivo
socializante, contrariando, assim, concepções liberais preconizadas pelo neoliberalismo.
Porém, o que se pretende, efetivamente, é estruturar a atividade jurisdicional para
81
atender as imposições do mercado.

Assim, em que pese a consagração de um ativismo judicial (seletivo), em tal conjuntura


jurídica, isso não indica necessariamente o acesso a Direitos fundamentais pela via
82
jurisdicional. Os objetivos desse modelo se resumem em assegurar a“alta
produtividade decisória“ e a consequente aplicação em massa de decisões, a“máxima
sumarização da cognição“, não se preocupando nem com a socialização pretendida e
tampouco com“a importância do contraditório e da estrutura comparticipativa processual
83
que garantem procedimentos de cognição plena para o acertamento de direitos“.
84
Como já pontuamos no passado, em consequência da percepção do sistema
Página 10
A contribuição da doutrina na (con)formação do direito
jurisprudencial:

jurisdicional a partir da ótica da produtividade, o Judiciário passou a ser visto como um


órgão prestador de serviços e, o cidadão, como cliente/consumidor dos produtos e
85
serviços ofertados, possibilitando, ainda“ o surgimento de entendimentos judiciais
subjetivistas e particulares acerca da aplicação normativa, como se as decisões
86
pudessem surgir de modo solitário e voluntarístico da cabeça de alguém“.

Perceba-se que até mesmo as soluções autocompositivas (mediação e conciliação), que


por essência demandam tempo para sua aplicação, são consumidas por limites
temporais (exíguos) para sua realização.

Com efeito, se o espaço processual é dominado pela“lógica“ da produtividade em larga


87
escala e pelo lapso temporal discursivo reduzido ou até mesmo inexistente, não se
pode afirmar que, endoprocessualmente, o papel da doutrina seja relevante.

O que se problematiza de forma mais grave é o papel de subserviência da doutrina,


assumido também externamente à estrutura processual, na medida em que se contenta
88
em ser caudatária das decisões jurisdicionais, contribuindo para que o direito se
resuma àquilo que o Judiciário diz que ele é.

Adequada é a denúncia de Streck, ao demonstrar que duas décadas de afirmação do


89
protagonismo judicial apenas desembocaram no velho positivismo jurídico, porque a
90
tendência à limitação do Direito em enunciados e padrões decisórios tenta suprimir a
interpretação e fossilizar o Direito:

“O que resta do direito? Qual é o papel da doutrina? Os julgamentos se tornaram


monocráticos…! Milhares de processos são 'resolvidos’ no atacado…! Não mais discutimos
causas, pois passamos a discutir 'teses’ jurídicas…! (…) as causas são julgadas de acordo
com conceitos previamente elaborados (súmulas, repercussão geral etc.). E as ações são
91
julgadas por 'pilhas’“.

E como já pontuamos anteriormente:

“(…) súmulas, repercussão geral, recursos especiais repetitivos e o projetado, incidente


de resolução de mandas repetitivas, mostram que se busca, mediante um pressuposto
exegeta, padronizar comportamentos mediante decisões padrão que não conseguirão e
não conseguem (como os grandes Códigos do século XIX não conseguiram) fechar o
92
mundo nos textos (antes os Códigos, hoje as decisões padrão)“.

Essa tendência de hipertrofia jurisprudencial, tal como se encontra, configura-se


patológica, encaminhando-se por um viés antidemocrático. A construção do direito, sob
essa perspectiva, passa a ter uma concepção restrita, concebida e aprisionada pelos
93
tribunais, que ofertam um direito contaminado por um peculiar protagonismo judicial,
portador de um deficit participativo das partes e da doutrina, essa última, como
instância de iniciação e sustentação do debate crítico.
94
Pertinentes, mais uma vez, as lições de Streck, em crítica às inúmeras decisões
proferidas pelos órgãos jurisdicionais no Brasil, quanto estes sustentam o entendimento
95
de que o direito se resume àquilo que o Judiciário diz que é. Acrescenta ainda que, a
doutrina precisa reassumir seu papel e doutrinar:

“Insisto: temos que redefinir o papel da doutrina. Nós podemos mais que isso…! E temos
que aprender a criticar as decisões dos tribunais, principalmente quando se trata de
decisões finais, daquelas que representam o 'dizer final’. E temos que ser veementes.
Caso contrário, podemos fechar os cursos de pós-graduação, as faculdades etc. E parar
de escrever sobre o direito. Afinal, se o direito é aquilo que o Judiciário diz que é, para
que estudar? Para que pesquisar? Doutrina(r)? Para quê(m)? Vamos estudar apenas
96
'case law’“.

Prossegue crítico o mencionado autor:

“O direito não é aquilo que o Judiciário diz que é. E tampouco é/será aquilo que, em
Página 11
A contribuição da doutrina na (con)formação do direito
jurisprudencial:

segundo momento, a doutrina, compilando a jurisprudência, diz que ele é a partir de um


repertório de ementários ou enunciados com pretensões objetivadoras. Do mesmo
97
modo, o Direito não é um dicionário recheado de conceitos“.

Assim, torna-se imprescindível a revitalização da doutrina, porque os horizontes do


Direito não podem fossilizar-se na jurisdição e não se ampliarão sem a sua contribuição.
98
A doutrina deve reassumir a postura e o compromisso de constranger
99
epistemologicamente, conforme sustenta Streck, e questionar os fundamentos de
decisões equivocadas, sem se portar como mera subscritora das decisões dos tribunais.
6. Necessidade de uma construção teórica da aplicação de precedentes no direito
brasileiro

No Brasil, conforme anteriormente mencionado, em consequência do neoliberalismo


processual, tem-se tornado cada vez mais frequente o uso da técnica da padronização
decisória (standard), apresentada como adequada e aproximada à“doutrina dos
precedentes“ dos países do common law.

Ainda que se trate de um tema relativamente novo para nós, as técnicas de


100
padronização decisória vêm sendo utilizadas em larga escala, nem sempre em
conformidade com o processo constitucional, as quais se preocupam, apenas, com a
metodologia de formação da decisão (decisões em Recursos Especial e Extraordinário),
independentemente da coerência, completude e consistência do julgado paradigma. Já
se advertiu que“a profusão de demandas (litigiosidade em massa e repetitiva) exige (…)
101
a criação de dogmática específica para seu dimensionamento“.

Certo é que, no sistema de common law, a aplicação do precedente não tem o condão
de funcionar como ponto de encerramento do debate jurídico, a partir de uma solução
automática de casos, ao contrário“para que um precedente seja aplicado há que se fazer
exaustiva análise comparativa entre os casos (presente e passado, isto é, o precedente),
para se saber se, em havendo similitude, em que medida a solução do anterior poderá
102
servir ao atual“.

Ao se pretender adotar determinadas decisões como precedentes vinculantes ou


obrigatórios e por estar o ordenamento jurídico brasileiro inserido em um civil law
103
system, configura-se necessário exigir uma densificação formal do procedimento,
ainda mais, quando o ordenamento jurídico inclina-se, como ocorre hoje, a uma
crescente vinculação à jurisprudência. Isto porque, a aplicação continuada de
determinada ratio decidendi em decisões subsequentes a transformará em obrigatória. A
forte conexão entre a fundamentação da decisão e a formação do precedente exige que
aquela se construa sob uma eficiente e participada técnica procedimental, possibilitando
104
a formação do precedente.
105
O art. 499 do CPC projetado, na versão do relatório do Deputado Paulo Teixeira,
aprimora a técnica da motivação da decisão, exigindo no art. 499, § 1.°, os requisitos
para a sua validade.

No sistema inglês, tipicamente um sistema do common law, a doutrina do precedente é


concebida como um conjunto de regras, segundo as quais cases anteriores vinculam a
106
solução de cases posteriores. Na teoria do precedente inglês a ratio decidendi, em
razão do princípio do stare decisis torna o precedente vinculante ou obrigatório. A ratio
decidendi não se refere apenas à fundamentação da decisão e alcançará outras partes
107
do case.

A ratio decidendi relaciona as proposições jurídicas discutidas no julgamento aos fatos do


case com as alegações das partes. Essa relação determina os limites da força obrigatória
da decisão. As declarações da corte na decisão que não fazem parte da ratio decidendi,
denominadas obiter dicta, não têm, em regra, caráter vinculante, embora possam
criar“autoridade persuasiva“ para outros julgamentos. Outro elemento importante na
Página 12
A contribuição da doutrina na (con)formação do direito
jurisprudencial:

teoria do precedente é a hierarquia entre as cortes. A corte hierarquicamente inferior


obriga-se a seguir os cases anteriormente decididos por uma corte de instância superior.
108

Whittaker esclarece que outra característica do sistema inglês é o judge made-law no


109
qual o Direito é construído e modificado por meio de decisões jurisdicionais,
entretanto, esse processo de mudança e construção do direito não é realizado de forma
110
aleatória ou despreocupada. O autor sustenta que, ao examinar a atividade judicial
inglesa, percebe-se que a tendência à inovação se vincula à autoimposição de certas
111
limitações. Os juízes ingleses, ao enfrentarem questões que, não são, originariamente,
de sua competência (judicial legislation) cercam-se de algumas cautelas, quais sejam:

“(1) se a solução é duvidosa, os juízes devem ser cuidadosos ao impor seus próprios
remédios; (2) a precaução deve prevalecer se o Parlamento rejeitou oportunidades de
clarear uma conhecida dificuldade ou legislou deixando a dificuldade intocada; (3) as
disputas envolvendo políticas sociais são menos adequadas à intervenção judicial, que
problemas puramente legais; (4) fundamentos doutrinários não podem ser desprezados;
(5) juízes não devem empreender mudanças, a menos que possam alcançar a finalidade
112
e a certeza (Grifos acrescidos)“.
113
Nesse aspecto, Dworkin apresenta um contraponto entre uma abordagem jurídica de
ordem teórica e outra de ordem prática. Segundo o autor, a abordagem teórica, não é
apenas mais sedutora, é também necessária, haja vista que a alternativa prática padece
do mal de não ter absolutamente nada de prática. Assim:

“Raciocinar em termos jurídicos significa aplicar a problemas jurídicos específicos, como


os que descrevi, uma ampla rede de princípios de natureza jurídica ou de moralidade
política. Na prática, é impossível refletir sobre a resposta correta a questões de direito a
menos que se tenha refletido profundamente (ou se esteja disposto a fazê-lo) sobre um
vasto e abrangente sistema teórico de princípios complexos acerca do significado da
responsabilidade civil, por exemplo, ou do significado da liberdade de expressão em uma
democracia, ou da melhor compreensão do direito à liberdade de consciência e à tomada
114
de decisões éticas e pessoais“.

Nessa perspectiva, o saudoso jurista ressalta que o desenvolvimento do raciocínio


jurídico pressupõe um amplo campo de justificação teórica. Com efeito, o autor afirma
que a dimensão teórica do direito não tem o condão de conduzir a formulação de uma
única teoria aplicável, ao contrário, o campo do direito é um espaço de teorias
abundantes e os juristas conscientes têm clara ciência das múltiplas teorias existentes.
115

Ao desenvolver seu“elogio à teoria“, à luz do direito como Integridade, Dworkin


apresenta uma síntese das discussões travadas entre ele e outros autores
norte-americanos, especialmente a discussão travada com Sunstein. Segundo Dworkin,
a fim de refutar a abordagem teórica, Sunstein apresenta o teorema da incompletude,
defendendo, em síntese, que“o desenvolvimento de teorias de grande alcance a respeito
116
do que é correto e do que é apropriado é uma tarefa democrática, não judicial “.
Porém, Dworkin afirma que, o próprio Sunstein, ao reconhecer a importância do
precedente na prática jurídica admite a essencialidade do papel da doutrina:“a
explicitação teórica pode facilitar a identificação dos erros, além de facilitar mudanças de
grande alcance quando as teorias enunciadas no passado forem, elas próprias,
identificadas como erros (…). A integridade abre caminho para mudanças úteis de
diversas maneiras: ao separar o fato do precedente de sua base teórica previamente
117
enunciada, por exemplo, e através do mecanismo da força gravitacional“.

Ainda que o direito norte-americano tenha como centro a construção do direito pelo
Judiciário, a partir da defesa da abordagem teórica é possível concluir que a pretensão
de Dworkin é inserir a reflexão teórica para o campo de produção do direito, em crítica
ao sistema positivista que vivenciava, mesmo porque, o autor sustenta que os juízes não
Página 13
A contribuição da doutrina na (con)formação do direito
jurisprudencial:

118
devem ser encarregados da interpretação final e definitiva da Constituição.

Retornando ao sistema brasileiro, no âmbito do Código de Processo Civil projetado,


evidencia-se a consagração do uso de padrões decisórios, no sentido de modelar
119
julgamentos em todo o país e, portanto, uniformizar a jurisprudência.

O projeto do novo Código de Processo Civil, na versão do relatório do Deputado Paulo


120
Teixeira, promoveu profundas alterações no dimensionamento normativo do instituto
dos precedentes, previsto no projeto aprovado pelo Senado Federal. O projeto muito se
preocupa com o procedimento de aplicação e alteração dos precedentes e endereça a
todos os tribunais o procedimento de sua formação, tal como se extrai dos arts. 520 a
522 e 1.049 a 1.054 do Código projetado.

Entre os objetivos declarados no projeto, para a introdução dos precedentes, estão, a


proteção da legalidade e da segurança jurídica, a duração razoável do processo, a
proteção da confiança e da isonomia.

Porém, entre as preocupações de fundo do projeto, quando introduz o instituto dos


precedentes obrigatórios, encontra-se a celeridade processual, elevada produtividade
decisória e redução do número de processos nos tribunais, objetivos vinculados à
121
ideologia de mercado, numa perspectiva neoliberal; orientações estas que podem
implicar ofensa ao direito fundamental de acesso à jurisdição.

A partir da Câmara se promoveu uma melhor vinculação entre as técnicas propostas e as


normas fundamentais que evidenciam a necessidade de respeito, v.g., do contraditório
como garantia de influência e não surpresa, potencializado, no que tange aos
precedentes, pelo aprimoramento de técnicas de distinguishing e overuling.

No entanto, somente a melhoria das técnicas processuais não gerará qualquer melhoria
se não acompanhada de uma nova literatura jurídica (doutrina crítica) que demonstre a
vinculação essencial com as normas fundamentais, inclusive com a indução da promoção
de mudanças sensíveis nos regimentos internos dos tribunais e do modo de produção do
direito jurisprudencial.
122
Observa-se que a“importação“ de institutos de outros sistemas pode ser benéfica,
123
entretanto, não se pode fazê-la de forma automática e precipitada, pois, corre-se o
124
risco de potencializar a desestruturação e o desequilíbrio do sistema jurídico.

Neste contexto, revela-se essencial o reerguimento da doutrina, que não pode


permanecer inerte a esse fenômeno de padronização, nem tampouco pode ser excluída
da dinâmica endoprocessual, sob pena de, novamente, como ocorre nos Tribunais,
prevalecer o protagonismo judicial, pouco afeito ao processo constitucional. A formação
da decisão, a ser aplicada a um sem números de demandas (por meio da causa piloto),
deve se abrir ao mais amplo debate crítico, observando uma técnica comparticipativa
eficiente. Quanto a este aspecto, em texto anterior co-escrito com Bahia se acusou a
necessidade de que os Tribunais assumam uma postura de maior abertura e densificação
teórica, sobre o papel dos precedentes:“se a proposta é que eles sirvam para indicar aos
órgãos judiciários qual o entendimento“correto“, deve-se atentar que o uso de um
precedente apenas pode se dar fazendo-se comparação entre os casos – entre as
125
hipóteses fáticas –, de forma que se possa aplicar o caso anterior ao novo“.

O exemplo do ordenamento jurídico inglês é esclarecedor, na medida em que“o Direito


inglês contém uma série de doutrinas de grande abrangência, as quais tem mais força
126
do que quaisquer decisões em que se basearam ou nas quais são aplicadas“.

Resta claro que o precedente caracteriza-se pela necessidade de uma abordagem ampla,
no sentido de utilizar todo o aporte teórico discutido em um caso para que seja aplicado
em casos futuros. Nessa perspectiva, a doutrina deve ser atuante, no sentido de
problematizar e fornecer substratos teóricos, para a dinamização e permanente
construção do Direito a partir dos pronunciamentos jurisdicionais.
Página 14
A contribuição da doutrina na (con)formação do direito
jurisprudencial:

Dworkin também destaca a urgência de uma retomada da dimensão reflexiva,“se


pretendemos alcançar um Estado de Direito que não seja apenas instrumento de avanço
econômico e paz social, mas um símbolo e espelho da igual consideração pública, que
127
nos dá o Direito de afirmar a comunidade“. E ainda adverte:

“A modéstia intelectual parece ser o oposto de um grande número de vícios: do racismo


e do sexismo, que pressupõe superioridade, das ambições dos metafísicos e dos
criadores de sistemas, que parecem arrogantes, e, acima de tudo, do elitismo dos
mandarins intelectuais, que parecem nada ter de democrático. Todavia, acabamos de
ver a armadilha que consiste em confundir uma postura antiteórica com modéstia. (…).
A modéstia é uma atitude, não uma vocação. Somos modestos não quando damos as
costas a difíceis questões teóricas sobre nossos papéis e nossas responsabilidades
enquanto pessoas, cidadãos, autoridades, mas quando enfrentamos essas questões com
uma energia e uma coragem forjadas numa nítida percepção de nossa própria
falibilidade. Nossa capacidade de emitir juízos de valor a partir da reflexão pode nos
impor mil maneiras diversas de autocontrole, mas, aceitá-las só será um ato de
modéstia se tais juízos tiverem sido, verdadeira e plenamente, o resultado de um
128
processo de reflexão“.

Dessa forma, pode-se afirmar que a doutrina tem papel indispensável para que as
129
decisões sejam formadas por meio de um fluxo discursivo, desenvolvido dentro da
estrutura procedimental.

É preciso, pois, com suporte nas lições de Streck, aproveitar o momento de elaboração
do Novo Código de Processo Civil, a fim de que a doutrina reassuma seu papel
130
de“constranger epistemologicamente“ o Judiciário e apresentar fundamentos fortes
para reflexão e reformulação das condições de possibilidade de produção, interpretação
e aplicação do Direito.
7. Considerações finais

A expressão“doutrina“ apresenta, historicamente, um forte significado relacionado à


crença e ao dogmatismo, razão pela qual o uso da expressão, inserta em sua concepção
tradicional, não contribui para a consolidação do direito, como exercício de interpretação
construtiva, no Estado Democrático de Direito. Outrossim, ainda que existam outros
termos cientificamente mais adequados, como por exemplo,“literatura
jurídica“,“literatura especializada“ ou“literatura jurídica especializada“, a proposta aqui
adotada cuidou de ressemantizar o conceito tradicional do termo doutrina, a fim se
inseri-lo no contexto democrático, como condição de possibilidade para a produção,
interpretação e aplicação do direito, contribuindo assim para a formulação de novas
concepções jurídicas desenvolvidas cientificamente.

No contexto tradicional, a doutrina atuava a partir de um esquema sujeito-objeto,


caracterizada pelo solipsismo subjetivista, no locus do positivismo. Sob o aspecto
conceitual, representava, assim, um conjunto de conhecimentos e concepções científicas
de especialistas, e durante a história, as suas orientações apresentaram ampla
gradação, oscilando entre a vinculação obrigatória e a persuasão, este último aspecto
estritamente ligado ao argumento de autoridade da pessoa do doutrinador.

Com o surgimento do positivismo jurídico, prevaleceram as codificações e a função e


importância exercida pela doutrina se reduziram em face da lei, por ela não ter o
potencial de gerar a norma jurídica estatal, relegando-se sua importância, em relação à
teoria das fontes, apenas a um aspecto informador na aplicação do direito, que se
realizava de maneira automática, a partir da subsunção do fato à norma legal. Kelsen,
na medida em que revisava as edições de sua principal obra, Teoria pura do direito,
reduzia a função da doutrina no que se referia à aplicação do direito, a ponto de, na
edição de 1960, afirmar que o ato de criação do direito corresponderia a um ato de
vontade e que a criação jurídica não era função da doutrina, concluindo pela sua
dispensabilidade na aplicação, por consistir em interpretação não autêntica, desprovida
Página 15
A contribuição da doutrina na (con)formação do direito
jurisprudencial:

de caráter imperativo.

Na perspectiva dogmática, a doutrina incorpora uma carga simbólica“mítica“, (como


também o faz a jurisdição), pouco contribuindo para a ciência do direito processual. A
valorização (sobrenatural) do juiz e dos doutrinadores de destaque (argumento de
autoridade) muitas vezes afasta a possibilidade de argumentação, prejudicando a
construção do processo constitucional-democrático.

A doutrina, a partir de uma postura crítico-especulativa, ao cumprir seu papel, deve


contribuir para a atividade jurisdicional, auxiliando na fundamentação das decisões,
contribuindo para a superação de proposições jurídicas ultrapassadas e para a
construção de novas, sem se descurar da dimensão do direito. Com efeito, não é mais
possível conceber uma técnica jurídica que se feche às críticas e a novas concepções
jurídicas.

O direito no Estado Democrático se manifesta em reflexões e interpretações


construtivo-participadas e nessa dimensão é imprescindível a participação da doutrina,
atuando em um modelo de integridade.

O direito, como pontua Dworkin, não pode ser reduzido apenas ao que foi decidido no
passado. A técnica jurídica é um exercício de interpretação, construída a partir de
proposições jurídicas. A doutrina, na construção discursiva do direito, assume uma
posição autoral na construção e na aplicação do direito e a sua modesta participação, tal
como verificada no atual cenário brasileiro, encarcera o discurso jurídico à arbitrariedade
e a discricionariedade.

A literatura jurídica nacional desvaloriza-se ao se acomodar em uma simples posição de


comentadora de julgados, especialmente em um momento, sob o enfoque do
neoliberalismo processual, no qual se destaca prioritariamente o aspecto quantitativo na
solução de demandas, em prejuízo da qualidade dos julgados. Não há dúvida que a
doutrina contribui positivamente na qualidade das decisões.

O atual cenário jurídico inspira preocupação, pois, os Tribunais proferem as suas


decisões, essencialmente, apoiadas em excertos de julgados anteriores ou, apenas, em
ementas e dispositivos que fundamentam as decisões, desconectadas de seus motivos
determinantes, técnica esta que resulta no empobrecimento do discurso jurídico e no
desprezo das relevantes contribuições da literatura jurídica crítica.

A doutrina e os doutrinadores não se aperceberam do novo tempo e da essencialidade


de suas novas atribuições democráticas, consonantes com o Estado Democrático de
Direito, o processo constitucional e o giro linguístico. Estes não podem subjugar-se ao
ativismo judicial seletivo e se contentar apenas em estudar o trabalho dos tribunais
superiores.

Ao se ocupar, somente, em justificar e citar a“jurisprudência“, explicando-a, a doutrina


em nada contribui para a construção do direito democrático, tornando-se, na verdade,
um apêndice servil. A excessiva valorização da jurisprudência implica a expansão dos
limites da função estatal, que naturalmente pode se tornar (seletivamente) discricionária
e arbitrária, o que se comprova, inclusive, pela tendência exagerada na produção de
princípios carentes de conteúdo jurídico.

Esse panorama evidencia o desenvolvimento de uma pseudodoutrina, voltada para o


crescente mercado editorial de compêndios, resumos e manuais (descomplicados,
esquematizados, simplificados), pouco preocupado com o desenvolvimento
crítico-científico do direito, fator essencial de iniciação e sustentação do debate jurídico.
Notadamente, essa postura de subserviência é identificável dentro e fora do espaço
processual e tem apenas reforçado (e até atribuído ares de legitimidade) à concepção de
que o direito é aquilo que o Judiciário quer que ele seja.

Tal tendência consagra uma atuação protagonista sui generis, não se podendo garantir,
Página 16
A contribuição da doutrina na (con)formação do direito
jurisprudencial:

necessariamente, o acesso aos direitos fundamentais pela via jurisdicional.

Coube ainda suscitar a necessidade da construção de uma consistente teoria dos


precedentes a ser aplicável ao contexto jurídico brasileiro, principalmente após a
introdução de disposições sobre este instituto no Código de Processo Civil projetado, em
tramitação na Câmara dos Deputados.

Evidenciou-se que, no Brasil, as técnicas de padronização decisória têm sido utilizadas


em larga escala, preocupadas apenas com o aspecto metodológico de formação de
decisão, independentemente da coerência, completude e consistência do julgado
paradigma.

Indispensável, pois, resgatar a necessária conexão entre a fundamentação da decisão e


a formação do precedente, como forma de assegurar sua formação pela via de uma
eficiente e participada técnica procedimental.

Em que pese a construção e a modificação do direito ocorrerem precipuamente pela via


jurisdicional, nos sistemas inglês e norte-americano, tipicamente sistemas de common
law, tal procedimento não se dá de forma aleatória, nem tampouco se atribui aos juízes
a tarefa de interpretação final e definitiva do direito. Ao contrário, a dinâmica jurídica
impõe que os fundamentos doutrinários não podem ser desconsiderados, devendo
continuamente contribuir na produção do direito.

Resta claro que o precedente caracteriza-se pela necessidade de uma abordagem ampla,
no sentido de utilizar todo o aporte teórico discutido em um caso para que o mesmo seja
aplicado em casos futuros (Integridade).

E nas perspectivas abordadas neste trabalho, no contexto do processo constitucional


democrático, exige-se que a doutrina, em estado de permanência, seja instigante e
atuante, no sentido de problematizar e fornecer substratos teóricos para a produção e
dinamização dos pronunciamentos jurisdicionais.

A importância e a urgência da discussão aqui empreendida, dá-se, prioritariamente em


face do Código de Processo Civil projetado, que normatizou o instituto dos precedentes.
É inaceitável uma interpretação de seu texto que, a pretexto de preservar as garantias
constitucionais da legalidade, da segurança jurídica, da duração razoável do processo, da
proteção da confiança e da isonomia, institua-se precedentes obrigatórios para tão
somente alcançar a aceleração demasiada dos procedimentos, a alta produtividade
decisória e a redução do número de processos nos tribunais, a transparecer uma
(pseudo) eficiência da atividade jurisdicional. Tais constatações demonstram, também, a
possibilidade de, a partir da perspectiva neoliberal, ofender diretamente o direito
fundamental de acesso à jurisdição.

Há, por derradeiro, de se provocar a doutrina e os doutrinadores a analisarem o sistema


processual e todas as técnicas do Novo Código de Processo Civil em consonância com
suas normas fundamentais e, prioritariamente, com os ditames do modelo constitucional
de processo, de modo a resgatar uma literatura jurídica que cumpra seu papel essencial,
com responsabilidade, no fornecimento de bases essenciais e críticas do direito
jurisprudencial e, em decorrência, na construção do sempre inacabado Estado
Democrático de Direito.

* O problema ora enfrentado surgiu a partir das discussões desenvolvidas durante o ano
de 2013 nas disciplinas de Direito Processual Civil Comparado e Fundamentos
Constitucionais da Execução Civil, ministradas pelo primeiro autor, no curso de Mestrado
em Direito Processual da PUC-Minas. Agradecemos ao Prof. Dr. Flávio Quinaud Pedron
pela profícua interlocução.

Página 17
A contribuição da doutrina na (con)formação do direito
jurisprudencial:

1 NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Enunciados de súmulas: Falta aos tribunais


formulação robusta sobre precedents. Revista Conjur. Disponível em:
[http://www.conjur.com.br/2014-jan-07/falta-aos-tribunais-formulacao-robusta-precedentes#autores].
Acesso em: 18.01.2014.

2 NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Formação e aplicação do direito jurisprudencial:


alguns dilemas. Revista do TST, vol. 79, p. 118-143, Brasília, abr.-jun. 2013.

3 Os limites deste estudo restringem-se ao campo da interpretação e da aplicação das


normas e sua influência na construção das decisões jurisdicionais. A contribuição da
doutrina na elaboração das normas jurídicas é citada en passant e não faz parte do
objetivo do presente trabalho.

4 TESTONI BINETTI, Saffo. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; GIANFRANCO,


Pasquino. Dicionário de política. Trad. Carmen C, Varriale et al. 11. ed. Brasília: UnB,
1998. vol. 1, p. 382.

5 Idem, vol. 1, p. 382.

6 Os termos“literatura jurídica“,“literatura especializada“,“literatura jurídica


especializada“ são usadas com frequência em: SCHWABE, Jürgen. Cinquenta anos de
jurisprudência do tribunal. Col. Orig. Leonardo Martins. Trad. Beatriz Hennig, Leonardo
Martins, Mariana Bigelli de Carvalho, Tereza Maria de Castro, Vivianne Geraldes.
Ferreira. Disponível em: [http://www.mpf.gov.ar/docs/RepositorioB/Ebooks/qF655.pdf].
Acesso em: 17.07.2013, p. 7, 76, 141, 193; MARTINS, Leonardo. Introdução à
Jurisprudência do tribunal constitucional federal alemão. Disponível em:
[http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/5/2241/4.pdf]. Acesso em: 17.07.2013, p. 33,
34, 36, 37, 41, 57, 67, 72, 76, 78, 81, 84, 89, 97; ALVES, Napoleão. Direitos humanos,
Direito tributário e política fiscal: descrição da experiência dos órgãos das Nações Unidas
– reflexões para o Brasil. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Jan.
fev. mar., 2010, vol. 74 – n. 1 – ano XXVIII. Disponível em:
[http://revista.tce.mg.gov.br/Content/Upload/Materia/856.pdf]. Acesso em: 17.07.2013,
p. 119, 121, 124.

7 STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? Protogênese
do protagonismo judicial. In: MACHADO, Felipe; CATTONI, Marcelo (coords.).
Constituição e processo – entre o direito e a política. Belo Horizonte: Editora Fórum,
2011, p. 225, 227.

8 A noção de doutrina é referenciada em diversos compêndios de autores clássicos


brasileiros, v.g., TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 20. ed. atual.
ampl. São Paulo: Saraiva, 1998, vol. 1, p. 183; DINIZ, Maria Helena. Compêndio de
introdução à ciência do direito: introdução à teoria geral do direito, à filosofia do direito,
à sociologia jurídica e à lógica jurídica. Norma jurídica e aplicação do direito. 21. ed. rev.
e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 324; GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil.
11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 47.

9 A interpretação doutrinária, em determinado período do Direito romano, o principado,


sob o instituto do responsa prudentium, apresentou tal importância, que o juiz não podia
decidir afastando-se da doutrina, sob pena de incidir em falta grave, acarretando-lhe
responsabilidade civil em relação à parte prejudicada. Desse modo, a doutrina, no
período imperial romano, era considerada fonte obrigatória do Direito. MOREIRA ALVES,
José Carlos. Direito romano. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, vol. I, p. 36;
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 20. ed. atual. ampl. São Paulo:
Saraiva, 1998, vol. 1, p. 166-167; GARCIA MAYNEZ, Eduardo. Introducción al estudio
del derecho. 53. ed. Editorial Porrúa: México, 2002, p. 76.

10 Idem, p. 76.
Página 18
A contribuição da doutrina na (con)formação do direito
jurisprudencial:

11 MATA-MACHADO, Edgar de Godói. Elementos de teoria geral do direito. Belo


Horizonte: Vega, 1981. p. 251-252.

12 Idem, p. 252.

13 MATA-MACHADO, Edgar de Godói. Elementos de teoria geral do direito. Belo


Horizonte, Vega, 1981. p. 252.

14 STRECK, Lenio Luiz. O que é isto… cit, p. 13.

14 Idem, p. 116.

16 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad e Notas:


Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 2006. p. 62.

17 Frisa-se que, neste ensaio, não se pretende adentrar na discussão acerca das“fontes
do Direito“, nem tampouco as reflexões que envolvem o contexto histórico do
positivismo jurídico, no que toca ao desenvolvimento das ciências pautadas em uma
racionalidade moderna instrumental.

18 MATA-MACHADO, Edgar de Godói. Elementos de teoria geral do direito. Belo


Horizonte, Vega, 1981, p. 251.

19 Apesar do uso, não se negligencia que a expressão“fontes do Direito“ está


intimamente vinculada ao positivismo jurídico do século XIX. BUSTAMANTE, Thomas da
Rosa. O direito e a incerteza de suas fontes: um problema em aberto para a dogmática
jurídica contemporânea. Revista da Faculdade de Direito da UFMG. Belo Horizonte, n.
especial, 2013, p. 301.

20 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad e Notas:


Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 2006, p. 166.

21 Idem, p. 171.

22 Idem, ibidem.

23 Note-se que este é um grande salto empreendido por Kelsen até então. KELSEN,
Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 6. ed. 5.ª tir. São Paulo:
Martins Fontes, 2003, p. 387-397.

24 CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Direito processual constitucional. Belo


Horizonte: Mandamentos, 2001.

25 Idem, p. 31.

26 Idem, p. 37.

27 Idem, p. 39.

28 Idem, p. 40.

29 KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 6. ed. 5. tir. São
Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 395.

30 “A interpretação feita pelo órgão aplicador do Direito é sempre autêntica. Ela cria
Direito“ KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 6. ed. 5. tir.
São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 394.
Página 19
A contribuição da doutrina na (con)formação do direito
jurisprudencial:

31 KELSEN, Hans. Idem, p. 396.

32 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 20. ed. atual. ampl. São
Paulo: Saraiva, 1998, vol. 1, p. 183.

33 O linguistic turn, a partir do século XX, empreende uma ruptura com o sistema de
pensar até então vigente. Rejeitou-se o padrão racional sujeito objeto para se adotar a
linguagem como elemento fundamental da compreensão. Segundo Streck“é na
linguagem que se dá a ação; é na linguagem que se dá o sentido (e não na consciência
de si do pensamento pensante). O sujeito surge na linguagem e pela linguagem“.
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 4. ed. rev. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 14.

34 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria geral do processo. 2. ed. Belo
Horizonte: Del Rey, 2012, p. 13.

35 GADAMER, Hans Georg. Verdade e método. Petrópolis: Vozes, 1997, vol I, p. 404. Na
mesma obra, o autor trabalha a historicidade de Heidegger, dizendo que o ser é sempre
um ser em construção. A partir daí, Gadamer aduz que a experiência hermenêutica
possibilita o diálogo (integração) entre a obra e o intérprete, e, por isso, o problema da
hermenêutica não é outro, senão, a compreensão da obra. O processo dinâmico entre
obra e intérprete é circular. Cada processo hermenêutico é limitado, único, então, cada
experiência posterior é ampliada e alterada a partir da anterior. Tal processo gera
mudança no intérprete e, paradoxalmente, haverá a transformação do intérprete, a
partir dos elementos obtidos no próprio processo hermenêutico, na forma de analisar a
obra. Todo o processo hermenêutico depende da pré-compreensão e da pré-disposição
do intérprete em estabelecer a uma relação de afinidade com a obra (filia). Daí se
conclui que, sempre haverá reconstrução e re-elaboração de preconceitos. Por isso,
Gadamer afirma que a compreensão só ocorre quando o intérprete mergulha no
horizonte da obra e retorna ao seu, só que agora, ampliado. Para Gadamer, o ato de
compreensão envolve necessariamente a dimensão da aplicação.

36 GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p.
48.

37 Idem, ibidem.

38 Criando princípios e normas jurídicas abstratas, julgando com“justiça“ e


fundamentando as decisões em argumentos solitários, transgredindo, assim, os limites
democrático-constitucionais das funções do Estado, assinaladas por Chamon Junior:“Se
no processo legislativo, argumentos referidos a valores (axiológicos), argumentos morais
(referidos à justiça) e argumentos pragmatistas (referidos a uma concepção a tomar em
conta meios adequados para a realização de determinados fins) podem assumir de
maneira determinante a força de argumentos capazes de determinar a decisão
legislativa, por outro lado, em um processo jurisdicional tão somente argumentos
jurídicos podem cobrar força em uma decisão, uma vez que estamos nos referindo a um
discurso de aplicação normativa, e não a um discurso de criação, ou justificação, de
normas. (…), é que a atividade de aplicação jurídico-normativa jamais se pode confundir
com a atividade legislativa, com o processo democrático“ (grifos do autor). CHAMON
JUNIOR, Lúcio Antônio. Teoria da argumentação jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2009. p. 181-182.

39 “Hoje, porém, todos nós vivemos em sociedades pluralistas que se afastam muito do
formato de um Estado-nação fundado numa população relativamente homogênea em
termos culturais. Já é enorme a diversidade das formas culturais de vida, dos grupos
étnicos, das visões de mundo e das religiões, ou no mínimo em franca expansão“.
HABERMAS, Jürgen. O Estado-Nação europeu frente aos desafios da globalização: o
Página 20
A contribuição da doutrina na (con)formação do direito
jurisprudencial:

passado e o futuro da soberania e da cidadania. Trad. Sérgio Rocha. Revista Novos


Estudos. São Paulo: n. 43, nov. 1995. Disponível em:
[http://www.novosestudos.com.br/v1/files/uploads/contents/77/20080626_o_estado_nacao_europeu.p
Acesso em: 10.07.2013, p. 96.

40 DWORKIN, Ronald. Law’s empire. Cambridge: Harvard University Press, 1986, p. VI.

41 Idem, p. 228.

42 Em conformidade com Fernandes e Pedron, embasados em DWORKIN:“A integridade,


portanto, funciona como um elemento de promoção da vida moral e política dos
cidadãos, fundindo circunstâncias públicas e privadas, além de criar uma interpenetração
dessas questões. A política ganha um significado mais amplo: transforma-se em uma
arena de debates sobre quais princípios a comunidade deve adotar como sistema, bem
como sobre que concepções de equanimidade, justiça e devido processo legal adjetivo
devem pressupor. Os Direitos e deveres políticos dos membros dessa comunidade não se
esgotam nas decisões particulares tomadas pelas instituições, sendo dependentes do
sistema de princípios que essas decisões pressupõem e endossam“. FERNANDES,
Bernardo Gonçalves; PEDRON, Flávio Quinaud. O Poder Judiciário e(m) crise. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 211.

43 HABERMAS, Jürgen. Verdade e justificação: ensaios filosóficos. Trad. Milton Camargo


Moto. São Paulo: Edições Loyola, 2004. p. 187.

44 A acepção vem de Habermas, quando critica a dominação da filosofia sobre o


conhecimento:“Quando a filosofia se presume capaz de um conhecimento antes do
conhecimento, ela abre entre si e as ciências um domínio próprio, do qual se vale para
passar a exercer funções de dominação“. HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir
comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989. p. 18.

45 CHAMON JUNIOR, Lúcio Antônio. Teoria da argumentação jurídica cit., p. 183.

46 HABERMAS, Jürgen. Verdade e justificação: ensaios filosóficos. Trad. Milton Camargo


Mota. São Paulo: Loyola, 2004. p. 324.

47 Na explicação de Tercio Sampaio:“Temos, portanto, duas possibilidades de proceder


à investigação de um problema: ou acentuando o aspecto pergunta, ou acentuando o
aspecto resposta. Se o aspecto pergunta é acentuado, os conceitos básicos, as
premissas, os princípios ficam abertos à dúvida. Isto é, aqueles elementos que
constituem a base para a organização, conservam seu caráter hipotético e problemático,
não perdem sua qualidade de tentativa, permanecendo abertos à crítica. Esses
elementos servem, pois, de um lado, para delimitar o horizonte dos problemas a serem
tematizados, mas, ao mesmo tempo, ampliam esse horizonte, ao trazerem esta
problematicidade para dentro deles mesmos. No segundo aspecto, ao contrário,
determinados elementos são, de antemão, subtraídos à dúvida, predominando o lado
resposta. Isto é, postos fora de questionamento, mantidos como soluções não atacáveis,
eles são, pelo menos temporariamente, assumidos como insubstituíveis, como postos de
modo absoluto. Eles dominam, assim, as demais respostas, de tal modo que estas,
mesmo quando postas em dúvida em relação aos problemas, não põem em perigo as
premissas de que partem; ao contrário, devem ser ajeitadas a elas de maneira aceitável.
No primeiro caso, (…), temos um enfoque zetético, no segundo um enfoque dogmático.
Embora entre ambas não haja uma linha divisória radical (toda investigação acentua
mais um enfoque que o outro, mas sempre tem os dois), sua diferença é importante. O
enfoque dogmático releva o ato de opinar e ressalva algumas das opiniões. O zetético,
ao contrário, desintegra, dissolve as opiniões pondo-as em dúvida. Questões zetéticas
têm uma função especulativa explícita e são infinitas. Questões dogmáticas têm uma
função diretiva explícita e são finitas. Nas primeiras, o problema tematizado é
configurado como um ser (que é algo?). Nas segundas, a situação nelas captada
Página 21
A contribuição da doutrina na (con)formação do direito
jurisprudencial:

configura-se como um dever-ser (como deve ser algo?). Por isso, o enfoque zetético visa
saber o que é uma coisa. Já o enfoque dogmático preocupa-se em possibilitar uma
decisão e orientar uma ação“. FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do
direito – Técnica, decisão, dominação. 4. ed. rev. ampl. São Paulo: Editora Atlas, 2003.
p. 39 e 41.

48 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Idem, p. 41.

49 Idem, ibidem.

50 Tercio Sampaio assinala o caráter dogmático-zetético do direito ao afirmar que:“Isso


porque o direito pode ser objeto de teorias básicas e intencionalmente informativas, mas
também de teorias ostensivamente diretivas. Definamos (estipulação) uma teoria como
uma explicação sobre fenômenos, a qual se manifesta como um sistema de proposições.
Essas proposições podem ter função informativa, ou combinar informativo com diretivo.
Ora, depende do enfoque adotado o uso que se fará da língua. Assim, o direito, como
objeto, pode ser estudado de diferentes ângulos“. FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio.
Introdução ao estudo do direito… cit., p. 40.

51 Nesse sentido Tercio Sampaio:“(…), enquanto para as demais ciências o objeto de


estudo é um dado que o cientista pressupõe como uma unidade, o objeto de estudo do
jurista é, por assim dizer, um resultado que só existe e se realiza numa prática
interpretativa“. FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito… cit.,
p. 39. Em outro ponto afirma:“Nossa opção é pelo estudo da visão dogmática, e a razão
é evidente: este é o ângulo privilegiado com que o direito é conhecido e ensinado nas
Faculdades de Direito. (…). Trata-se, apenas, de escolher uma tônica dominante“. Idem,
p. 51.

52 Idem, p. 49.

53 “O importante aqui é a ideia de que uma investigação zetética tem como ponto de
partida uma evidência, que pode ser frágil ou plena. E nisso ela se distingue de uma
investigação dogmática. Em ambas, alguma coisa tem de ser subtraída à dúvida, para
que a investigação se proceda. Enquanto, porém, a zetética deixa de questionar certos
enunciados porque os admite como verificáveis e comprováveis, a dogmática não
questiona suas premissas, porque elas foram estabelecidas (por um arbítrio, por um ato
de vontade ou de poder)“. Idem, p. 43.

54 DWORKIN, Ronald. Law’s empire cit.

55 Idem, p. 7.

56 Adota-se neste ponto o ciclo de Popper: P1 TT EE P2. POPPER, Karl Raimund.


Conhecimento objetivo: uma abordagem evolucionária. Trad. Milton Amado. Belo
Horizonte: Itatiaia, 1999. p. 126.

57 “A linguagem não pode ser compreendida como puro instrumento de comunicação de


conhecimentos já realizados; antes disso, ela é condição de possibilidade para a
construção desse conhecimento“. FERNANDES, Bernardo Gonçalves; PEDRON, Flávio
Quinaud. O Poder Judiciário e(m) crise cit., p. 186.

58 “We can find an even more fruitful comparison between literature and law, therefore,
by constructing an artificial genre of literature that we might call the chain novel. In this
enterprise a group of novelists writes a novel seriatim; each novelist in the chain
interprets the chapters he has been given in order to write a new chapter, which is then
added to what the next novelist receives, and so on. Each has the job of writing his
chapter so as to make the novel being constructed the best it can be, and the complexity
of this task models the complexity of deciding a hard case under law as integrity. (…).
Página 22
A contribuição da doutrina na (con)formação do direito
jurisprudencial:

Television soap operas span decades with the same characters and some minimal
continuity of personality and plot, though they are written by different teams of authors
even in different weeks. In our example, however, the novelists are expected to take
their responsibilities of continuity more seriously; they aim jointly to create, so far as
they can, a single unified novel that is the best it can be“.“Podemos encontrar uma
comparação ainda mais fecunda entre literatura e Direito, construindo, por conseguinte,
um gênero artificial de literatura que podemos chamar de romance em cadeia. Neste
projeto, um grupo de escritores escreve um romance em série, cada escritor da cadeia
interpreta os capítulos que recebeu e escreve um novo capítulo, o qual é, então,
adicionado ao próximo escritor, e assim por diante, cada escritor tem o trabalho de
escrever seu capítulo de modo a tornar o romance que está sendo construído o melhor
possível. E a complexidade destas tarefas modela a complexidade de decidir um hard
case sob a concepção do Direito como Integridade. (…). Novelas televisivas se estendem
por décadas com os mesmos personagens e mínima continuidade de personalidade e
enredo, embora sejam escritas por diferentes times de autores mesmo em diferentes
semanas. No nosso exemplo, no entanto, os escritores devem assumir as suas
responsabilidades de continuidade mais seriamente, pois eles visam criar
conjuntamente, tanto quanto possível, um único e unificado romance, que é o melhor
que pode ser“ (tradução livre). DWORKIN, Ronald. Law’s empire cit., p. 229.

59 Em sentido semelhante, observa Chamon Junior:“Estaríamos conferindo aos


especialistas do Direito, que são os juízes e também os Ministros dos Tribunais
Superiores, o título de 'legisladores de plantão’, a ocupar o locus do discurso
democrático, da própria Sociedade civil, decidindo, a partir de seus valores, a partir do
que acreditam ser justo e a partir do que gostariam que fosse o Direito, 'normas
jurídicas’ que não passariam de uma interpretação axiológica, moral ou pragmatista
daquilo que eles desejassem que fosse a solução para o caso“. (grifos do autor).
CHAMON JUNIOR, Lúcio Antônio. Teoria da argumentação jurídica cit., p. 182-183.

60 HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo


Brasileiro, 1989. p. 30-31.

61 NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica
das reformas processuais. 1. ed. 4. reimpr. Curitiba: Juruá, 2012.

62 FERNANDES, Bernardo Gonçalves; PEDRON, Flávio Quinaud. O Poder Judiciário e(m)


crise cit., p. 181.

63 Nesse sentido, Lenio Streck:“Aliás, é prática recorrente – afinal, não há sentença ou


acórdão que assim não proceda – a mera menção de ementas de acórdãos, utilizados
como pautas gerais nas decisões. Tal circunstância acarreta um enfraquecimento da
força persuasiva da doutrina, deixando-se a tarefa de atribuição do sentido das leis aos
tribunais, fenômeno que é retroalimentado por uma verdadeira indústria de manuais
jurídicos, que colacionam ementários para servirem de 'pautas gerais’, verbetes,
enunciados. Tentativas de conceptualizações. Nada mais, nada menos do que a velha
metafísica, recheada de conceitos sem coisas.“ STRECK, Lenio. Entrevista à Carta
Forense sobre súmulas no nosso sistema jurídico. Disponível em:
[http://www.leniostreck.com.br/site/tag/dworkin/]. Acesso em: 10.10.2013.

64 Em uma perspectiva similar, Chamon Junior adverte:“O juiz, ou o Tribunal, jamais


está legitimamente autorizado a 'criar’ princípios, ou a 'inventar’ normas para os casos
difíceis não inseridos dentre as 'leituras possíveis’ ou não anteriormente tomados em
consideração pelos 'programas condicionais’ que as normas representariam“. CHAMON
JUNIOR, Lúcio Antônio. Teoria da argumentação jurídica cit., p. 182.

65 DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 287 e
ss.; DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p.
221 e ss.
Página 23
A contribuição da doutrina na (con)formação do direito
jurisprudencial:

66 Falando sobre os avanços do constitucionalismo americano que passaram pela


Suprema Corte, Dworkin noutro texto ainda enfatiza que a interpretação construtiva é
uma práxis que já começa pela leitura que os Ministros da Suprema Corte fazem da
Constituição, uma vez que muito do que é a parte mais importante desta“are drafted in
abstract language; [logo] justices must interpret those clauses by trying to find
principles of political morality that explain and justify the text and the past history of its
application“ (DWORKIN, Ronald. Bad Arguments: The Roberts Court &Religious Schools.
The New York Review of Books, 26.04.2011. Disponível em:
[http://www.nybooks.com/blogs/nyrblog/2011/apr/26/bad-arguments-roberts-court-religious-schools].
Acesso em: 26.04.2011).

67 BAHIA, Alexandre. As Súmulas Vinculantes e a Nova Escola da Exegese. RePro, vol.


206, p. 359-379, abr. 2012.

68 NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre.“Jurisprudência instável“ e seus riscos: a aposta


nos precedentes vs. uma compreensão constitucionalmente adequada do seu uso no
Brasil. In: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. (coord.). Direito jurisprudencial. São
Paulo: Ed. RT, 2014. vol. 2 (no prelo).

69 Tal entendimento é textualmente acolhido nos tribunais superiores. Em diversas


oportunidades, o STJ já se posicionou:“A fundamentação per relationem afasta a
necessidade de repetir os dispositivos legais e constitucionais constantes, seja na
jurisprudência, seja na doutrina, constante do julgado embargado“, STJ, Ag. 937785/SP,
rel. Min. José Delgado, DJe 25.10.2007.“É perfeitamente admissível a técnica de
fundamentação denominada 'per ralationem’, pela qual o Magistrado faz remissão aos
fundamentos utilizados em manifestação das partes, precedentes ou mesmo em decisão
anterior, proferida no mesmo feito“, STJ, HC 226.148/MG, rel. Marco Aurélio Bellizze,
DJe 25.11.2011. E ainda, no Informativo de Jurisprudência n. 517, da 2.ª T. do STJ de
02.05.2013, extrai-se:“É legítima a adoção da técnica de fundamentação referencial (per
relationem), consistente na alusão e incorporação formal, em ato jurisdicional, de
decisão anterior ou parecer do Ministério Público. Precedente citado: REsp 1.194.768-PR,
2.ª T., DJe 10.11.2011. EDcl no AgRg no AREsp 94.942-MG, rel. Mauro Campbell
Marques, j. 05.02.2013“.

70 “Delineia-se claramente um ativismo judicial seletivo, incentivado em alguns casos e


reprimido em outros“. Cf. as críticas em: NUNES, Dierle; TEIXEIRA, Ludmila. Acesso à
justiça democrático. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013.

71 “Não deixa de ser sintomático que a doutrina, ao identificar complexidades no


sistema, proponha resolvê-las com“mais do mesmo“, ou seja, com outros modelos
pré-concebidos de interpretação“. STRECK, Lenio. Entrevista à Carta Forense sobre
súmulas no nosso sistema jurídico. Disponível em:
[http://www.leniostreck.com.br/site/tag/dworkin/]. Acesso em: 10.10.2013.

72 FERNANDES, Bernardo Gonçalves; PEDRON, Flávio Quinaud. O Poder Judiciário e(m)


crise cit., p. 180.

73 POPPER, Karl Raimund. Conhecimento objetivo: uma abordagem evolucionária. Trad.


Milton Amado. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1999. p. 122.

74 STRECK, Lenio. O pan-principiologismo e o sorriso do lagarto. Revista Conjur.


Disponível em:
[http://www.conjur.com.br/2012-mar-22/senso-incomum-pan-principiologismo-sorriso-lagarto].
Acesso em: 20.01.2014.

75 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Súmula, jurisprudência, precedente: uma escala e


seus riscos. Temas de direito processual civil: nona série. São Paulo: Saraiva, 2007. p.
Página 24
A contribuição da doutrina na (con)formação do direito
jurisprudencial:

300.

76 “(…), concluiu Windscheid, o que nasce da lesão de um Direito, por exemplo, do


Direito de propriedade, não é um Direito de acionar (ação), senão um Direito do
proprietário à restituição da coisa, dirigido contra o violador de seu Direito, ou seja, em
face da violação do Direito de propriedade, surge um Direito do proprietário contra o
violador, que ainda não é o Direito de ação, mas a pretensão (anspruch).“ BRÊTAS,
Ronaldo de Carvalho Dias. Processo constitucional e Estado Democrático de Direito. Belo
Horizonte: Del Rey, 2012. p. 78.

77 Não no sentido do conhecimento aprofundado das questões fáticas e jurídicas da


demanda, mas sim em relação às ementas e dispositivos da decisão.

78 STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? cit., p.
82-83.

79 NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático… cit., p. 157.

80 A noção de neoliberalismo processual encampa“um contorno neoliberal que se


preocupa, tão só, na busca desenfreada da produtividade e eficiência, como se o
processo e o Direito pudessem ser quase reduzidos a dados estatísticos“. NUNES, Dierle;
TEIXEIRA, Ludmila. Por um acesso à justiça democrático: primeiros apontamentos.
RePro, ano 38, n. 217, mar/2013, São Paulo: Ed. RT, 2013, p. 77.

82 NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático… cit., p. 166.

82 Idem, p. 159.

83 Idem, ibidem.

84 Idem.

85 Idem, p. 163.

86 Idem, p. 164.

87 Idem, p. 167.

88 STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? cit.

89 Nesse sentido, a crítica de Bahia e Nunes:“O que se critica é que após todos os
avanços da teoria do direito e da ciência jurídica, se aceite a reprodução, mesmo sem se
perceber, de uma peculiar aplicação do positivismo normativista da jurisprudência dos
conceitos (Begriffsjurisprudenz), que defendia a capacidade do Judiciário criar conceitos
universais; um sistema jurídico fechado que parte do geral para o singular e que chega a
'esse’ geral com a negligência às singularidades. Perceba-se: nos séculos XVIII e XIX
acreditava-se que o legislador poderia fazer normas 'perfeitas’, gerais e abstratas de tal
forma que seriam capazes de prever todas as suas hipóteses de aplicação. Descobrimos
no século XX que isso não é possível (que, e.g., por detrás de toda pretensa objetividade
da lei estavam os preconceitos daquele que a aplicava). Agora, em fins do século XX e
início deste apostamos, mais uma vez, no poder da razão em criar regras perfeitas,
apenas que agora seu autor não é mais (só) o legislador mas (também) o juiz“. BAHIA,
Alexandre; NUNES, Dierle. Falta aos tribunais formulação robusta sobre precedentes.
Revista Conjur. Disponível em:
[http://www.conjur.com.br/2014-jan-07/falta-aos-tribunais-formulacao-robusta-precedentes].
Acesso em: 21.01.2014.

90 Como exemplo, destaque-se o entendimento da Ministra do STF Ellen Gracie quando


Página 25
A contribuição da doutrina na (con)formação do direito
jurisprudencial:

da edição da Súmula Vinculante 14/2009“a súmula vinculante não era algo passível de
interpretação, pois deveria ser suficientemente clara para ser aplicada sem maior
tergiversação“. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=102548. Acesso
em: 20.07.2013.

91 STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? cit., p. 116.

92 THEODORO JR., Humberto. NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Breves considerações


da politização do judiciário e do panorama de aplicação no direito brasileiro – Análise da
convergência entre o civil law e o common law e dos problemas da padronização
decisória. RePro, vol. 189, nov. 2010.

93 Ao longo da obra, em diversos trechos, Nunes faz alusão ao panorama do


protagonismo judicial. Remete-se o leitor a uma análise mais detida nas seguintes
passagens: p. 48, 53, 98, 103, 104, 114, 142, 144, 164, 177. NUNES, Dierle José
Coelho. Processo jurisdicional democrático… cit. Um bom exemplo do protagonismo
judicial do Tribunal Constitucional Federal Alemão é referenciado por Ingeborg
Maus:“Assim, a 'competência’ do TFC – como de qualquer outro órgão de controle de
constitucionalidade – não deriva mais da própria Constituição, colocando-se em primeiro
plano. Tal competência deriva diretamente de princípios de Direito suprapositivos que o
próprio Tribunal desenvolve em sua atividade constitucional de controle normativo, o
que leva a romper com os limites de qualquer 'competência’ constitucional. O TFC
submete todas as outras instâncias políticas à Constituição por ele interpretada e aos
princípios suprapositivos por ele afirmados, enquanto se libera ele próprio de qualquer
vinculação às regras constitucionais“. MAUS, Ingeborg. Judiciário como superego da
sociedade. O papel da atividade jurisprudencial na“sociedade órfã“. Trad. Martonio Lima
e Paulo Albuquerque. Revista Novos Estudos, n. 28, p. 191-192, nov. 2000.

94 STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? cit.

95 Streck colaciona inúmeros trechos de julgados, demonstrando como é sedimentado o


entendimento entre os julgadores de que a decisão nada mais é que um ato de vontade
advinda da consciência do julgador. STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme
minha consciência? cit., p. 24-32. Streck, também, anota que a própria terminologia já
indica qual o papel precípuo da doutrina e, portanto, qual postura deve assumir.
STRECK, Lenio Luiz. Devemos nos importar sim com o que a doutrina diz. Revista Conjur
. Disponível em:
[http://www.conjur.com.br/2006-jan-05/devemos_importar_sim_doutrina?pagina=3].
Acesso em: 26.06.2013.

96 STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? cit., p. 83.

97 Idem, p. 117.

98 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria geral do processo. 2. ed. Belo
Horizonte: Del Rey, 2012. p. 173.

99 “Trata-se de uma forma de, criticamente, colocarmos em xeque decisões que se


mostram equivocadas (…)“a doutrina deve voltar a doutrinar“ e não se colocar,
simplesmente, na condição de caudatária das decisões tribunalícias“. STRECK, Lenio
Luiz. Ministro equivoca-se ao definir presunção da inocência. Revista Conjur. Disponível
em:
[http://www.conjur.com.br/2011-nov-17/ministro-fux-presuncao-inocencia-regra-nao-principio].
Acesso em: 10.02.2014.

100 NUNES, Dierle. Processualismo constitucional democrático e o dimensionamento de


técnicas para a litigiosidade repetitiva: a litigância de interesse público e as
Página 26
A contribuição da doutrina na (con)formação do direito
jurisprudencial:

tendências“não compreendidas“ de padronização decisória. RePro, ano. 36, vol. 199, p.


41-82, São Paulo: Ed. RT, set/2011, p. 54.

101 NUNES, Dierle. Processualismo constitucional democrático e o dimensionamento de


técnicas para a litigiosidade repetitiva… cit., p. 54.

102 NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Falta aos tribunais formulação robusta sobre
precedentes. Revista Conjur. Disponível em:
[http://www.conjur.com.br/2014-jan-07/falta-aos-tribunais-formulacao-robusta-precedentes].
Acesso em: 21.01.2014.

103 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O processo civil brasileiro entre dois mundos.
Temas de direito processual civil: oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 45, 49, 52.

104 WHITTAKER, Simon. Precedent in English law: a view from the citadel. In:
HONDIOUS, Ewoud (editor). Precedent and the law. Utrecht: Bruylant Bruxelles, 2007,
p. 29-73.

105 Emenda aglutinativa global ao PLC-8046/2010, apensado ao PL 6.025/2005.

106 WHITTAKER, Simon. Precedent in English law: a view from the citadel cit., p. 29-73.
Tal aspecto possibilita vislumbrar a dimensão do Direito como Integridade.

107 “This statement is too concise because it does not indicate that the only part of a
previous case which is binding is the ratio decidendi (reason for deciding)“.“Essa
declaração é muito concisa, porque não indica que a única parte de um caso anterior,
que é vinculativa é a ratio decidendi (razão de decidir)“ (tradução livre). CROSS, Rupert;
HARRIS, J. W. Precedent in english law. 4. ed. reimpr. New York: Oxford University
Press. 2004, p. 39.

108 WHITTAKER, Simon. Precedent in English law: a view from the citadel cit., p. 29-73.

109 Idem, p. 56.

110 Idem, p. 29-73.

111 Idem, p. 61.

112 Tradução livre. No original:“(1) if the solution is doubtful, the judges should beware
of imposing their own remedy; (2) caution should prevail if Paliament has rejected
opportunities of clearing up a know difficulty or has legislated while leaving the difficulty
untouched; (3) disputed matters of social policy are less suitable áreas for judicial
intervention than purely legal problems; (4) fundamental legal doctrines should not be
lightly set aside; (5) judges should not make a change unless they can achieve finality
and certainty“. WHITTAKER, Simon. Precedent in English law: a view from the citadel
cit., p. 65.

113 DWORKIN, Ronald. A justiça de toga. Trad. Fernando Santos; revisão técnica Alonso
Reis Freire. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.

114 Idem, p. 72-73.

115 Idem, p. 82.

116 DWORKIN, Ronald. A justiça de toga cit., p. 101.

117 Idem, p. 101.

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A contribuição da doutrina na (con)formação do direito
jurisprudencial:

118 Idem, p. 82.

119 NUNES, Dierle. Processualismo constitucional democrático e o dimensionamento de


técnicas para a litigiosidade repetitiva… cit., p. 55.

120 Emenda aglutinativa global ao PLC-8046/2010, apensado ao PL 6.025/2005.

121 NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático. Curitiba: Juruá.
2008. p. 159.

122 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Notas sobre alguns aspectos do processo (civil e
penal) nos países anglo-saxônicos. Temas de direito processual civil: sétima série. São
Paulo: Saraiva, 2001. p. 155-159.

123 Sobre a“importação“ acrítica de institutos pertencentes a sistemas jurídicos


diferentes do brasileiro, cita-se nota do administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello
que denuncia a existência dessa prática desarrazoada no sistema brasileiro:“Cumpre,
pois, estar advertido contra o típico servilismo intelectual de povos periféricos em
relação às metrópoles culturais, cujas produções jurídicas teóricas costumam ser havidas
como as 'verdadeiras’ e, destarte, reproduzidas acriticamente. Ao incorrer no sobredito
equívoco, prescinde-se de obviedade de que as considerações doutrinárias neles
formuladas correspondem ou podem corresponder a descrições exatas (verdadeiras) dos
respectivos Direitos Positivos, mas não são necessariamente aplicáveis ao nosso próprio
Direito Positivo, cujas instituições, aliás, compreensivelmente, passam muito ao largo
das preocupações dos juristas de tais países. As referidas observações, evidentemente,
não implicam, de modo algum, qualquer menoscabo ao estudo da produção
jurídico-teórica dos países culturalmente mais avançados ou ao interesse na perquirição
sobre a origem e desenvolvimento das respectivas instituições. Pelo contrário,
reconhece-se a imensa utilidade que proporcionam. Com efeito, são valiosos, e não
apenas em razão do refinamento científico que – isto sim – devemos imitar, mas
também por ensejar-nos filiar tanto nossos próprios institutos jurídicos quanto a origem
da maior parte das posições doutrinárias entre nós sustentadas. Graças a isto, pode-se,
de um lado, visualizá-los com maior clareza e detectar equívocos decorrentes de
transposições acríticas indevidamente efetuadas“. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio.
Curso de direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Malheiros editores, 2006. p. 314-315.

124 Humberto Ávila exemplifica esta situação a partir do instituto da modulação dos
efeitos na ação direta de inconstitucionalidade, que transferido do sistema normativo
alemão, que adota o sistema do civil law, para o Brasil, teve a sua aplicação distorcida
pelo Supremo Tribunal Federal. In: Relativização da Coisa Julgada e a Modulação
Temporal das Decisões do STF. Palestra proferida pelo Professor Humberto Ávila durante
o IV Congresso Brasileiro de Direito Tributário, realizado nos dias 31.10.2011 e
01.11.2011 em Salvador, Bahia. Disponível em:
[http://www.humbertoavila.com.br/site/category/palestra/]. Acesso em: 07.06.2013.

125 NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Falta aos tribunais formulação robusta sobre
precedentes. Revista Conjur. Disponível em:
http://www.conjur.com.br/2014-jan-07/falta-aos-tribunais-formulacao-robusta-precedentes.
Acesso em: 21.01.2014.

126 Tradução livre. No original“English law contains a number of doctrine of great


breadth which are more powerful than any of the decisions on which they are based or in
which they are applied“. WHITTAKER, Simon. Precedent in English law: a view from the
citadel cit., p. 53.

127 DWORKIN, Ronald. A justiça de toga cit., p. 106.

128 Idem, p. 104-105.


Página 28
A contribuição da doutrina na (con)formação do direito
jurisprudencial:

129 “Assim, toda decisão deve ser resultado de um fluxo discursivo balizado por um
procedimento embasado nos princípios fundamentais (processo) que permita uma
formação processual de todo exercício de poder“. NUNES, Dierle José Coelho. Processo
jurisdicional democrático… cit., 2012, p. 203.

130 STRECK, Lenio Luiz. Porque agora dá para apostar no projeto do novo CPC. Revista
Conjur. Disponível em:
[http://www.conjur.com.br/2013-out-21/lenio-streck-agora-apostar-projeto-cpc].
Acesso em: 21.10.2013.

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