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POPULISMO

“No dia 3 de outubro, no Rio de Janeiro, era meio milhão de miseráveis, analfabetos, mendigos
famintos e andrajosos, espíritos recalcados e justamente ressentidos, indivíduos tornados pelo abandono
homens boçais, maus e vingativos, que desceram os morros embalados pela cantiga da demagogia berrada
de janelas e automóveis, para votar na única esperança que lhes restava: naquele que se proclamava pai dos
pobres, o messias charlatão.” Foi desta maneira que a revista Anhembi descreveu a ampla vitória eleitoral de
Getúlio Vargas nas eleições presidenciais de 1950. Mas essa postura moralista acaba por evidenciar uma
absoluta perplexidade perante a explosiva emergência política das massas no cenário brasileiro após a queda
do Estado Novo, em 1945. E ao considerar as grandes lideranças políticas, o movimento das massas em sua
relação com o Estado, os partidos e as eleições do período 1945-1964 como pura demagogia, joga-se fora a
possibilidade de compreensão de uma etapa de fundamental importância na história do Brasil
contemporâneo.
Superando as lineares simplificações do moralismo tradicional, predominante na crítica liberal,
historiadores, sociólogos e cientistas políticos vêm discutindo, desde o início da década de 1960, qual a
melhor caracterização para o fenômeno da presença das massas no cenário político brasileiro. Trata-se de
aprofundar a compreensão das condições que acabaram por estruturar, no Brasil, um fenômeno de tipo
populista. Ao mesmo tempo, é através desse debate que se pode entender o funcionamento do regime
liberal democrático e o golpe militar que o liquidou, em 31 de março de 1964.

POPULISMOS
A expressão populismo é, inicialmente, muito vaga. É um tema controverso, complexo, que recebeu
várias interpretações e suscitou muitas polêmicas. Enquanto um determinado estilo político, numa
determinada realidade social, vários movimentos ocorridos na África, Ásia, Europa do Leste, Rússia, Estados
Unidos e América Latina receberam tal nomeação. Mas é necessário ressaltar que a utilização deste conceito
recobre relações de classes que são, às vezes, muito diversas, abrangendo situações históricas extremamente
diversificadas. Assim, a produção e a validade dos conceitos não podem prescindir das configurações
históricas específicas e determinadas; em outros termos, os conceitos teóricos, como “abstrações reais”, são
historicamente determinados.
Para se avaliar a dificuldade de análise e interpretação teórica do populismo, basta examinar,
rapidamente, os casos norte-americano e russo, ambos da segunda metade do século XIX. O populismo
norte-americano se caracterizava pela entrada na cena política de um partido populista representante dos
interesses de pequenos proprietários agrícolas do Oeste, que lutavam contra o avanço do grande capital no
campo. Com a sua produção organizada em muitas pequenas unidades, operando a custos fixos, vendendo
num mercado mundial cada vez mais competitivo e esmagado pelas políticas tarifárias e fiscais, o capitalismo
agrário norte-americano estava lutando uma batalha perdida. Eram as suas exportações que subsidiavam
largamente a importação de capital necessário para financiar a indústria norte-americana, ao mesmo tempo
que o seu trabalho produzia, a preços cada vez menores, os gêneros que alimentavam o proletariado
industrial. Com o passar do tempo, tornou-se evidente que o fazendeiro não estava lucrando na mesma
proporção do crescimento econômico do país.
Reagindo e protestando contra os “parasitas” e os “ladrões” que controlavam o comércio, as finanças
e o aparelho do Estado, em prejuízo dos “verdadeiros produtores”. os populistas norte-americanos
apresentavam um programa agrarista definido, valorizando a terra como a mais importante fonte de riquezas.
Batiam-se pelo intervencionismo governamental nos assuntos econômicos, com ênfase nas questões
financeiras e nos problemas suscitados pela crescente importância dos transportes ferroviários.
Preocupavam-se muitíssimo com os temas monetários, porque sentiam que pela via do capital financeiro
lhes escapava uma parte dos lucros obtidos na agricultura.
Na Rússia czarista, no decorrer da segunda metade do século XIX, encabeçado por intelectuais não
pertencentes à nobreza, surgiu e se desenvolveu o movimento narodniki. Negava o capitalismo e valorizava o
agrarismo e os valores camponeses; pretendia-se revolucionário e fazia uso, como estratégia, de ações
armadas. Referindo-se aos populistas russos, Lênin ressalta que: “Os senhores populistas sussurram
languidamente que o capitalismo das cidades é coisa ‘artificial’, que é uma ‘planta de estufa’, que perecerá se
não for protegida etc. Acreditando encarar a realidade de frente, acreditando chamar a opressão por seu
próprio nome, os populistas apelam para a história e apresentam as coisas de tal forma que a propriedade
dos meios de produção pelo produtor seria um princípio ‘de sempre’, o ‘fundamento secular’ do trabalho do
camponês, e que a expropriação contemporânea do campesinato se explicaria, em conseqüência, não pela
substituição da mais-valia burguesa pelo sobreproduto feudal, não pela organização capitalista da nossa
economia social, mas pelo acaso de uma política infeliz, por um desvio passageiro do caminho prescrito por
toda a história da nação.”
Esses movimentos, o russo e o norte-americano, tinham em comum o fato de ser uma reação
negativa contra a hegemonia da cidade e da indústria sobre o campo e a agricultura. Nos Estados Unidos, o
populismo defendia o capitalismo agrário, acima de tudo. Na Rússia, extremava-se na negação do
capitalismo.

O POPULISMO NA AMÉRICA LATINA


Os diferentes casos latino-americanos têm sido bastante estudados, a partir de meados da década de
1950, especialmente por sociólogos e cientistas políticos. Como salienta Maria Lígia Prado em seu estudo O
populismo na América Latina, “na América Latina o populismo se refere a situações históricas diferentes
ocorridas em vários países; em alguns países, os líderes populistas chegaram ao poder e, em outros, jamais o
alcançaram. De forma geral, denominam-se populistas os governos de Getúlio Vargas (1930-1945/1951-1954)
e o de João Goulart (1961-1964) no Brasil, o de Juan Domingo Perón (1946-1955) na Argentina, o de Lázaro
Cárdenas (1934-1940) no México, o de Victor Paz Estensoro (1952-1956/1960-1964) e Hernán Siles Zuazo
(1956-1960) na Bolívia, o de José María Velasco Ibarra (1934-1935/1944-1947/1952-1956/1961 e 1968-1972)
no Equador, além de também serem considerados como populistas os movimentos políticos apristas (APRA-
Peru, liderado por Victor Raul Haya de la Torre) e o gaitanismo (Colômbia, liderado por Jorge E. Gaitán), que
nunca chegaram ao poder”.
As análises mais conhecidas sobre o populismo latino-americano procuram estabelecer algumas
características comuns a todos os movimentos, em busca de um conceito abrangente de todas as diversas
realidades sociais. Apareceram assim estudos gerais sobre o populismo que procuraram identificá-lo com
uma situação histórica, típica da América Latina. Os sociólogos argentinos Gino Germani e Torcuato di Tella
construíram modelos que pretendiam dar conta da explicação do fenômeno. Partiam do pressuposto de que
o populismo ocorria numa situação de “transição”, ou seja, na passagem da assim chamada sociedade
tradicional — agrária, pré-capitalista, atrasada para a sociedade moderna — capitalista, urbana e industrial.
As raízes do populismo estavam na assincronia entre os processos de transição de uma sociedade para a
outra. Germani fazia uma distinção muito clara entre o processo histórico europeu e o latino-americano,
distinguindo as especificidades próprias de uma sociedade subdesenvolvida. Assim, na Europa, a passagem
de uma democracia com participação limitada para uma democracia com participação ampliada se fez sem
grandes rupturas do ponto de vista político, ocorrendo uma integração através de canais legalizados pelo
sistema político vigente. Na América Latina, a mobilização prematura das massas, gerando pressões sobre o
aparelho político, não encontrou amadurecidos os canais de participação exigidos. Desse modo, a integração
das massas não ocorreu como no modelo europeu, surgindo a possibilidade da manipulação dessas massas
— caracterizada pela coexistência de traços tradicionais e modernos em sua constituição — por intermédio
das elites defensoras de sua situação social.
Di Tella partia dos mesmos pressupostos que Germani, e insistia na condição “periférica” da América
Latina. Entendia que o populismo é um movimento político que conta com o apoio das massas populares
urbanas e rurais e de outros grupos sociais — camadas médias e setores da burguesia — que se apoiavam
numa ideologia “anti-status quo”, motivados por uma insatisfação com a reversão de suas expectativas com
relação ao papel que deveriam desempenhar na sociedade (denominada pelo autor incongruência de status).
Resumindo, tanto Germani quanto Di Tella elaboraram modelos genéricos e tipológicos para realizar a
compreensão do populismo na América Latina.
Por outro lado, especialistas brasileiros como Otávio Ianni e, principalmente Francisco Weffort,
propuseram um estudo de situações concretas, específicas, para se chegar ao entendimento do populismo
em suas diversas vertentes latino-americanas. Dessa forma, para a compreensão do fenômeno seria
necessário o estudo das diferentes manifestações populistas, abandonando-se o estudo do “populismo em
geral”. Weffort aponta que o populismo foi um fenômeno político que assumiu muitas facetas e se tornou
muito difícil fazer “uma referência de conjunto ao movimento populista que englobe toda a sua diversidade”.
Para o autor, o populismo se apresenta como a expressão da emergência das classes populares no cenário
político. Essa emergência se torna possível no momento de crise aguda do sistema liberal-oligárquico que
explode com a crise de 1929, e propicia uma ruptura da hegemonia política oligárquica. Essa crise de
hegemonia, quando nenhuma fração de classe tem força suficiente para assumir o poder, oferece a
possibilidade do surgimento dos regimes populistas na América Latina.
Os casos onde melhor podem ser avaliados as perspectivas e os limites da política populista em
países capitalistas latino-americanos são, sem dúvida, o México, no período de Lázaro Cárdenas, e a
Argentina de Juan Domingo Perón.

CARACTERÍSTICAS DO POPULISMO NO MÉXICO


O populismo mexicano se manifestou como um desdobramento da Revolução Mexicana. A burguesia
mexicana, conscientizada de seu papel pela experiência da própria história nacional, mostrou sua face mais
progressista no governo de Lázaro Cárdenas. A prática da concessão — sempre com limites precisos — foi a
mesma já utilizada em momentos decisivos da Revolução Mexicana. Um país que passou por um
acontecimento tão radical quanto o levante armado organizado e renitente do campesinato, ensinou à sua
classe dominante, vencedora nesse processo, “como” agir. Cárdenas surgiu como o espelho dessa burguesia
mais progressista que acreditava na necessidade das reformas para sua sobrevivência. No entanto, se o
presidente recebeu o apoio das forças políticas de esquerda, em particular do Partido Comunista Mexicano,
não fez um governo tranqüilo, que pudesse congraçar sob seu abrigo todas as frações de classe dominante.
As eleições para presidente, em 1940, demonstraram as dificuldades da linha de ação defendida por
Cárdenas. Seu candidato, que se propunha continuar sua política reformista, Francisco Mújica, não chegou a
ser o candidato oficial do partido. M. Ávila Camacho, como representante da corrente moderada, foi o
escolhido como candidato do Partido da Revolução Mexicana (futuro PRI) às eleições presidenciais. Seu
adversário, J. Andrew Almazán, representante dos grupos mais conservadores (ligados aos interesses norte-
americanos), foi derrotado no pleito. A oposição de direita ao governo populista foi considerável e o grande
número de pequenos partidos ou movimentos — como o Partido Revolucionário Anticomunista, o Comitê
Revolucionário de Reconstrução Nacional, a Frente Constitucional Antidemocrática, o Partido Nacional de
Salvação Pública e vários outros — davam uma medida de sua mobilização, aglutinando-se em torno da
candidatura de Almazán (patrocinada pelo Partido de Ação Nacional).
Além dessa luta partidária, desenvolveu-se durante todo o período cardenista um movimento
conhecido como sinarquismo, que perdurou até a década de 1960, com características, à época, nitidamente
fascistas, aliadas a um catolicismo ultramontano.
Do ponto de vista político e ideológico, em suas ações e em seus discursos (especialmente até 1938),
Lázaro Cárdenas mostrou-se progressista e não repressor. O Estado cardenista não reprimiu as greves nem
outras manifestações operárias ou camponesas. A oposição que se movia contra ele demonstrava, de certa
forma, onde se encontrava Cárdenas, no espectro das opções e posições políticas. No entanto, o presidente
estruturou de tal forma o partido oficial que integrou as organizações sindicais ao Estado, via partido político.
O Executivo, já pelas prerrogativas da Constituição de 1917 extremamente forte, cresceu em termos de
centralização do poder. O Estado, durante o período Cárdenas, consolidou-se, burocratizou-se e se fortaleceu
diante da sociedade como um todo; os principais canais de participação política passaram a estar articulados
à estrutura estatal, de forma particular ao PRI, além dos sindicatos urbanos e rurais.

O PERONISMO
Por outro lado, a Argentina populista apresenta um quadro muito mais conflitivo. O peronismo se
caracterizou também por uma política de concessões à classe operária; mas, ao lado das concessões, a
postura autoritária e repressiva do governo contra oposicionistas em geral foi evidente. Além disso, a política
posta em prática por Perón levou a um atrelamento dos sindicatos ao aparelho estatal, estabelecendo fortes
vínculos entre os sindicatos e o Estado. Porém, deve ser salientado que os sindicatos argentinos estavam
constituídos antes da instalação do governo populista e, durante o regime peronista, eram reconhecidos
como uma mediação entre trabalhadores e poder político.
Seu discurso político, distinto do discurso de Cárdenas, estava embasado, ideologicamente, no tripé
mais caracteristicamente nacionalista e conservador: Deus, pátria e “povo”. A Igreja Católica, profundamente
conservadora na Argentina, passou do irrestrito apoio à oposição mais ferrenha, contribuindo,
paradoxalmente, para sua ascensão e para sua queda. Determinadas frações da classe dominante, como os
grandes produtores de cereais e carne, a burguesia intrinsecamente ligada ao capital externo, também se
constituíram em opositores constantes. A esquerda cindiu-se, no apoio ao peronismo, desde antes da tomada
do poder até os anos posteriores à sua derrubada. Alguns grupos o apoiaram; outros, entre os quais os
partidos Comunista e Socialista, fizeram-lhe oposição constante. Diante desse quadro, ao qual se deve
adicionar o apoio irrestrito da maior parte da classe operária, torna-se difícil uma rotulação do fenômeno
peronista, correndo-se o risco de uma simplificação do populismo argentino.
A ambigüidade do peronismo como fenômeno histórico, principalmente após a queda de Perón, se
traduz na composição interna do movimento, em que lutavam, dentro de suas próprias fileiras, uma ala
direitista, conservadora, e outra progressista, situada à esquerda.
Mas apesar das diferenças e complexidades de cada uma das conjunturas onde se desenvolveram os
regimes populistas, pode-se afirmar que, do ponto de vista ideológico, tais governos alicerçavam seus
argumentos numa visão harmônica da sociedade, em que todos os conflitos devem se dissolver para a
grandeza da nação. Como diz o sociólogo Otávio Ianni, em seu livro A formação do Estado populista na
América Latina, “a ideologia populista tende a diluir as linhas que distinguem as classes sociais e marcam os
seus antagonismos, ao valorizar positivamente todas as manifestações da aliança policlassista. Em nome do
nacionalismo, por um lado, e da industrialização, por outro, negam-se ou minimizam-se as contradições de
classes. Os movimentos, partidos e governos populistas — principalmente estes — preconizam a ‘paz social’,
a ‘harmonia das classes’ ou a ‘aliança entre o capital e o trabalho’. Os inimigos são a oligarquia (patrões,
caciques, caudilhos, gamonales, coronéis) e os interesses estrangeiros e o imperialismo”.
Em suma, o populismo latino-americano representou uma ampla mobilização das classes populares e
sua inserção direta nas lutas políticas, transformando-se num dos principais setores sociais de que o sistema
político necessitava para sua legitimação. Os populismos mexicano e argentino acabaram contribuindo, de
um lado, para o crescimento e o fortalecimento da burguesia e, de outro, para o atrelamento dos sindicatos e
das organizações político-partidárias das classes populares ao Estado burguês.

POPULISMO À BRASILEIRA
Aqueles que começaram a sentir e a entender o Estado brasileiro — principalmente no pós-1964 —
acabaram por estabelecer a idéia de que uma persistente crise de hegemonia, aberta com a Revolução de
1930, impediu que um setor específico da classe dominante formasse por si só a classe dirigente; e que a
exigência de equilibrar o atendimento de demandas dos diferentes setores dominantes, aliada à necessidade
de buscar força e legitimação através de concessões a alguns setores dominados, contribuiu para dar uma
autonomia relativa ao Estado do pré-1964. No decorrer desta análise, ficou caracterizada que o populismo,
no caso brasileiro, apareceu como uma espécie de recurso político do qual se lançou mão na luta de poder
quando o Estado estruturado durante a República Velha, controlado pelas oligarquias, entrou em crise e teve
de evoluir para a expressão de um pacto que começasse a incluir a massa.
Essa vertente explicativa demoliu as noções liberais, oriundas tanto de um impopular moralismo
tradicional, como de uma visão um tanto psicologizante da história, que procuravam explicar o fenômeno
populista fundamentalmente através do carisma do líder populista e pela ingenuidade inerente às massas.
Tais noções, trabalhando apenas com as aparências, definiam o surgimento do populismo quase que pela
simples aparição de um líder que, demagogicamente, carregava e dirigia as massas para a direção que lhe
aprouvesse. Não podiam compreender que o fenômeno populista corresponde a uma manipulação das
massas por parte do líder, mas também a uma satisfação de aspirações longamente acalentadas. Dessa
maneira, o líder populista, em geral com forte dose de carisma, ao mesmo tempo em que procurava
manipular as massas para que elas se enquadrassem dentro dos limites por ele impostos, também ativava
mecanismos de satisfação de velhas aspirações — como por exemplo a legislação social — das massas
trabalhadoras.
Um dos pioneiros na abertura de novas reflexões que pudessem dar conta da complexidade do
fenômeno populista — e da própria natureza do Estado brasileiro no pós-1930 foi o sociólogo Francisco
Weffort. Apesar de reconhecer, como já foi dito, que o populismo foi um fenômeno político que assumiu
muitas facetas e que se tornou difícil fazer “uma referência de conjunto que englobe toda a sua diversidade”,
o autor conseguiu traçar um quadro bastante preciso do populismo enquanto expressão da emergência das
classes populares no cenário político.
Em seu artigo O populismo na política brasileira, publicado pela primeira vez em 1967 e republicado
mais de dez anos depois em uma coletânea, Weffort assinala que: “O populismo, como estilo de governo,
sempre sensível às pressões populares, ou como política de massas, que buscava conduzir, manipulando suas
aspirações, só pode ser compreendido no contexto do processo de crise política e de desenvolvimento
econômico que se abre com a Revolução de 1930. Foi a expressão do período de crise da oligarquia e do
liberalismo, sempre muito afins na história brasileira, e do processo de democratização do Estado que, por
sua vez, teve que apoiar-se sempre em algum tipo de autoritarismo, seja o autoritarismo institucional da
ditadura Vargas (1937-1945), seja o autoritarismo paternalista ou carismático dos líderes de massas da
democracia do após-guerra (1945-1964). Foi também uma das manifestações das debilidades políticas dos
grupos dominantes urbanos quando tentaram substituir-se à oligarquia nas funções de domínio político de
um país tradicionalmente agrário, numa etapa em que pareciam existir as possibilidades de um
desenvolvimento capitalista nacional. E foi sobretudo a expressão mais completa da emergência das classes
populares no bojo do desenvolvimento urbano e industrial verificado nestes decênios e da necessidade,
sentida por alguns dos novos grupos dominantes, de incorporação das massas ao jogo político.”
Outra conquista das análises surgidas a partir de meados da década de 1960 foi a valorização da
historicidade nos exames da constituição e do desenvolvimento do populismo brasileiro. Afastando-se de
procedimentos formalistas e abstratos, que caracterizaram os teóricos da década de 1950, autores como
Weffort, Otávio Ianni, Fernando Henrique Cardoso, Décio Saes e outros procuraram identificar historicamente
os grupos sociais e as situações concretas que se responsabilizaram pela criação e pelo conteúdo da política e
da ideologia populista.

CRISE DAS OLIGARQUIAS, ESTADO E CLASSES POPULARES


A Revolução de 1930, movimento liderado por homens de classe média (civis e militares) e por
alguns chefes oligarcas dissidentes das elites tradicionais, abriu a crise do sistema oligárquico de poder
estabelecido desde os primeiros anos da República e consagrado na Constituição liberal de 1891. Amálgama
de forças bastante distintas, o movimento da Aliança Liberal contra o antigo regime foi antes de tudo o
resultado de uma transação entre alguns grupos urbanos de classe média e alguns setores agrários que
mantinham uma posição divergente no interior do sistema oligárquico. A burguesia industrial, como força
política individualizada, esteve praticamente ausente do processo revolucionário. As camadas médias, por
sua vez, apesar de terem expressado com veemência seu inconformismo durante toda a década de 1920 (a
epopéia do movimento tenentista expressa muito bem isto), não possuíam condições objetivas para
transformar o movimento de 1930 no ponto de partida de um novo regime coerente com suas aspirações
liberal-democráticas.
A verdade é que o movimento revolucionário que nascia na cisão da minoria dominante e tinha
objetivos limitados quase exclusivamente à “representação e justiça”, conseguiu conquistar a simpatia das
massas populares e urbanas mas não chegou a “interessar-se” por sua participação ativa. A Aliança Liberal, e
seu candidato Getúlio Vargas, só visava a atender em mínima parte às aspirações populares e, no
fundamental, buscava antecipar-se a um possível movimento popular. O célebre slogan do político mineiro
Antônio Carlos — “façamos a revolução antes que o povo a faça” é muito elucidativo, neste sentido. Por
outro lado, interessava também aos líderes de 1930, e particularmente a Getúlio Vargas, a ampliação
institucional das bases sociais do Estado.
Para os oligarcas da República Velha, a questão operária era apenas “um caso de polícia”, e às classes
populares era negada qualquer perspectiva de participação. Agora, se bem não tivessem ainda condições
para pressionar, por si próprias, no sentido de obter uma participação autônoma no processo político, sua
incorporação ao jogo político-institucional dependeria do curso posterior dos acontecimentos e, em
particular, da característica instabilidade do novo equilíbrio de poder que se estabeleceu a partir da crise
oligárquica. A atitude da Aliança Liberal, tal como se encontrava expressa em sua plataforma eleitoral, tinha
uma orientação que buscava transferir os conflitos sociais da esfera policial para a do direito social. Já em
1930, Getúlio Vargas afirmava que se o protecionismo estatal “favorece aos industriais em favor da fortuna
particular, impõe-se também o dever de ajudar ao proletário com medidas que lhe assegurem relativo
conforto e estabilidade e o amparem na enfermidade como na velhice”. A partir das iniciativas de Lindolfo
Collor no recém-criado Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, viria a legislação trabalhista. Para as
massas populares tal legislação significaria a primeira forma através da qual poderiam identificar os
contornos de sua cidadania, seus direitos de participação nos assuntos do Estado, e seria também um dos
elementos centrais para se entender o tipo de aliança que passariam a estabelecer com os grupos
dominantes através dos líderes populistas.
O novo governo, formado à base de uma aliança tácita entre grupos das camadas médias, sem
horizontes políticos próprios, e alguns setores oligárquicos que ocupavam uma posição secundária na
República Velha, passaria por um longo período de instabilidade ou “crise de hegemonia” — até 1937,
quando foi instaurada a ditadura do Estado Novo. Foram várias as crises decorrentes das lutas entre os
“tenentes” e os chefes oligarcas, lutas em que se opunham não só os antigos inimigos como também os
amigos. As maiores dificuldades surgiram ao Sul, principalmente no estado de São Paulo — onde a agricultura
de exportação era mais desenvolvida e onde se centrou o apoio fundamental do antigo sistema de poder —,
que em 1932 se levantou numa insurreição contra o novo regime. Mas os problemas não surgiram apenas
das oposições com a oligarquia deslocada das funções de domínio. Setores de classe média radical se
agruparam, sob a liderança de Luís Carlos Prestes, na Aliança Nacional Libertadora (ANL), e setores de direita
encontraram expressão na Ação lntegralista Brasileira, movimento de inspiração e estilo fascista que buscava
conquistar as simpatias de Getúlio Vargas e das lideranças militares mais expressivas. A estabilidade do novo
regime só seria alcançada com a derrota desses dois movimentos e, de passagem, com a liquidação da
oposição liberal. O levante esquerdista da ANL, em 1935, deu a Vargas a possibilidade de fortalecer-se
pessoalmente como chefe do governo, amparado nas forças militares interessadas em combater a “ameaça
comunista”. Estabelecida em 1937, a ditadura liquidaria no ano seguinte com o ‘movimento integralista que,
desiludido de obter participação no poder, realizou uma frustrada tentativa de Putsch. É necessário ressaltar
que o golpe de Estado e a ditadura do Estado Novo foram uma solução para a consolidação do poder pessoal
de Vargas e para a instauração do Estado como soberano perante as forças sociais em presença. A alternativa
à ditadura consistiria em um ensaio de ampliação das bases sociais do poder.
Condicionadas desde o início pela crise interna dos grupos dominantes penetraram as massas
populares na política brasileira. Constituíam a única fonte social possível de poder pessoal autônomo para o
governante e, de certa forma, se constituiriam na única fonte de legitimidade possível para o próprio Estado.
O chefe do Estado passaria a atuar como árbitro dentro de uma situação de compromisso que, inicialmente
formada pelos interesses dominantes, deveria contar agora com um novo parceiro — as massas populares
urbanas — e a representação das massas nesse jogo estaria controlada pelo próprio chefe do Estado. Nas
funções de árbitro Getúlio Vargas passou a decidir em nome dos interesses de todo o povo, tendendo,
inclusive, a optar por determinadas alternativas que despertavam menor resistência ou maior apoio popular.
Essa tendência se efetivaria no decorrer do Estado Novo, principalmente na complexa conjuntura em 1945 —
antes e depois do golpe de Estado que depôs Vargas — e prosseguiria com quase todos os demais chefes de
Estado até 1964.
Alguns autores definem essa estrutura política como Estado de compromisso, apontando que o novo
regime já não era oligárquico, tivessem sido fundamentalmente afetadas em suas funções de hegemonia
social e política aos níveis local e regional e se encontrassem, de algum modo, representadas no Estado. Ao
mesmo tempo, este era um Estado de massas, expressão da prolongada crise agrária, da dependência social
dos grupos de classe média, da dependência social e econômica da burguesia industrial e da crescente
pressão popular.
Francisco Weffort salienta que uma das raízes da capacidade de manipulação dos grupos dominantes
sobre as massas está na sua própria debilidade como classe, na sua divisão interna e na sua incapacidade de
assumir, em seu próprio nome, as responsabilidades do Estado. Incapazes de legitimar por si próprias a
dominação que exercem, necessitarão recorrer a intermediários — primeiro Vargas, e depois os líderes
populistas da etapa democrática — que estabeleçam alianças com os setores urbanos das classes dominadas.
E está aí, por outro lado, uma das limitações decisivas do populismo. Primeiro: a eficácia do líder populista
nas funções de governo dependerá da margem de compromisso que ocasionalmente exista entre os grupos
dominantes, e de sua habilidade pessoal para superar, como árbitro, os enfrentamentos e para encarnar a
imagem da soberania do Estado, em face das forças sociais em conflito. Em segundo lugar: do lado das
massas populares a manipulação populista estará sempre limitada pela pressão que espontaneamente estas
podem realizar e pelo nível crescente de suas reivindicações.

“A DEMOCRACIA POPULISTA”
O intenso movimento oposicionista que caracterizou os últimos três anos do Estado Novo fez com
que Getúlio Vargas apelasse ainda mais claramente à massa trabalhadora. Articulando, Vargas iniciou uma
série de medidas liberalizantes, ao mesmo tempo em que foi perdendo paulatinamente o apoio das
principais lideranças militares que o haviam ajudado no golpe do Estado Novo. Deposto em outubro de 1945,
ele perderia o monopólio sobre a manipulação da opinião pública, mas pacientemente estruturaria uma
estratégica mudança de imagem — de ditador para democrata — visando uma futura ascensão.
A presença popular foi, sem dúvida, o fato político novo na conjuntura da redemocratização. Pela
primeira vez na história brasileira as massas urbanas apareceram livremente no cenário político, e o próprio
movimento operário renasceu, após longos anos de inércia, disposto a exigir uma efetiva representação. Mas
tal liberdade se mostrou, na prática, bastante relativa e só foi possível dentro dos limites de uma estrutura de
poder cuja composição de força permaneceu, em seus aspectos fundamentais, a mesma do período anterior.
É verdade que a persistência deste esquema de poder se expressou em muito no sistema de partidos
baseados em duas grandes agremiações. Criadas pelo próprio Vargas ao término do regime ditatorial, o
Partido Social Democrático (PSD) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que representavam uma tradução
nos termos da nova linguagem política do compromisso social em que a ditadura se apoiara. É verdade
também que as forças conservadoras não abandonariam nunca a permanente vigilância contra as pretensões
populares. Mas a existência de um movimento sindical forte, do Partido Comunista legalizado e atuante (com
cerca de duzentos mil militantes) e de uma ampla liberdade de expressão fazia daquele momento um dos
mais arejados de nossa história.
Dois anos apenas durou o sonho de uma democracia que efetivamente incorporasse uma
representação autônoma das massas populares. O governo Eurico Dutra, embora eleito à base do prestígio
de Vargas, estabeleceu uma forte aliança conservadora e sua gestão foi extremamente repressiva ao
movimento operário e popular, intervindo em mais de quatrocentos sindicatos entre 1947 e 1950, e atirando
o Partido Comunista novamente na ilegalidade. O próprio recurso ao populismo só não desapareceu em
função do fracasso da burguesia brasileira em conseguir uma estabilidade conservadora. Tal fracasso deveu-
se não só à incapacidade da própria burguesia enquanto classe hegemônica, mas sobretudo porque nessa
etapa se fazia muito claro o enfrentamento das forças sociais dentro do grande compromisso sustentador do
Estado.
Depois de quase seis anos afastado do Catete, Getúlio Vargas conquistou novamente, pela força do
voto e com a confiança das massas trabalhadoras, a cadeira presidencial. Continuava sendo o grande chefe
do populismo, ao qual todos os demais líderes — como Ademar de Barros, por exemplo — estariam
vinculados, com a única exceção de Jânio Quadros. Melhor do que ninguém soube exercer uma política
nacional e populista, que canalizou as massas e soube tirar proveito delas. No entanto, este seu segundo
governo traria de fato um salto organizativo aos trabalhadores, pois o estímulo à sindicalização, a política de
não-repressão às greves e as manifestações nacionalistas permitiam conquistas de interesse popular. A
destruidora oposição conservadora movida contra ele por si só já era um forte indício de suas perspectivas
progressistas.
Num quadro mais geral, pode-se dizer que aquele compromisso surgido no pós-1930 entrava em
crise. As tentativas golpistas se apresentavam como um permanente recurso ao qual as forças conservadoras
ameaçavam recorrer para reparar sua perda de importância eleitoral e para neutralizar os mecanismos
institucionais que abriam passo à pressão popular. A gritaria direitista à posse de Vargas em 1950, a crise de
1954 que terminou com seu suicídio (único ato capaz de prolongar a sobrevivência do regime democrático),
as séries dificuldades opostas à posse de Juscelino Kubitschek em 1955, a renúncia de Jânio Quadros em
1961, a oposição civil e militar à pose de João Goulart como sucessor de Jânio, a turbulência do governo
Goulart foram característicos episódios de uma instabilidade política indicadora do esgotamento do quadro
surgido em 1930.
Também é necessário levar em conta que nos últimos anos do período democrático, em particular
após 1961, surgiram formas de ação popular que iam muito além dos esquemas tradicionais. As freqüentes
greves de trabalhadores, a crescente importância dos grupos e reivindicações nacionalistas, a mobilização da
opinião pública em torno da temática das reformas de estrutura (particularmente da reforma agrária), a
extensão dos direitos sociais aos trabalhadores do campo, a mobilização dos camponeses para a organização
sindical ou para as ligas camponesas, colocavam problemas cujas soluções implicavam alterações de base na
composição de forças sociais em que se apoiava o regime. Do ponto de vista de uma política de
desenvolvimento industrial nacional, bem como do ponto de vista do processo de democratização social e
política, as reformas de estrutura apresentavam-se como essenciais. Contudo, nenhum dos grupos
dominantes se mostrava capaz de oferecer suportes indispensáveis a uma política de reformas, ainda que
alguns deles pudessem retirar proveito delas. Todos se voltavam para o Estado e, mais uma vez, as massas
populares apareciam como a grande força social capaz de proporcionar a sustentação para essa política e
para o próprio Estado.
O governo Goulart, pelas condições em que se estruturou e por condicionar, por ação ou omissão, o
conjunto do movimento que emergia, apresentava as reformas de base como uma de suas principais
orientações. Precipitava-se a crise final do “regime populista”; se até então as massas tinham servido como
fonte de legitimidade para o Estado, isto só era possível enquanto estivessem contidas dentro de um
esquema de aliança policlassista, que as privava de autonomia. Agora, crescia uma mobilização popular que,
embora muitas vezes dependesse da iniciativa do Estado, tendia a superar os limites institucionais vigentes.
Estrangulado pela história, o grande compromisso social em que se apoiava o regime se viu
condenado por todas as forças que o compunham, execrado pela direita e pelas camadas médias que se
aterrorizavam em face da pressão popular crescente; pelos grandes proprietários assustados com o debate
sobre a reforma agrária e com a mobilização do campesinato; pela burguesia industrial temerosa também da
pressão popular e vinculada, através de alguns de seus setores mais importantes, aos interesses estrangeiros.
Contando com o apoio e o estímulo de agências governamentais norte-americanas, a derrubada do governo
Goulart teve a participação decisiva das forças armadas, as quais — a partir de meados de abril de 1964 —
impuseram ao país uma nova ordem político institucional com características crescentemente militarizadas.
As reformas, necessárias ao capitalismo brasileiro, seriam agora implementadas. Repudiando o nacionalismo
reformista, as classes dominantes, através do Estado militarizado, optariam pela chamada “modernização
conservadora”, excluindo, assim, as classes trabalhadoras e populares da cena política e pondo fim à
“democracia populista”.
Edgar Luís de Barroscolaboração especial

FONTES: ARAÚJO, M. Segundo; CARDOSO, F. Dependência; CHACON, V. Estado; CONTRERAS, A. México;


DEBERI, G. Ideologia; DREIFUSS, R. Conquista; ERICSON, K. Sindicalismo; FARIA, A. Getúlio; GELLNER, E.
Populismo; IANNI, O. Colapso; IANNI, O. Formação; MARANHÃO, R. Brasil; MARANHÃO, R. Estado; MOISÉS, J.
Reflexões; PRADO, M. Populismo; SAES, D. Industrialização: TABAK, F. Ideologias; TOLEDO, C. Governo;
TVARDOVSKAIA, V. Populismo; WEFFORT, F. Populismo.

http://www.fgv.br/Cpdoc/Acervo/dicionarios/verbete-tematico/populismo

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