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EMERGÊNCIAS PEDIÁTRICAS
E NEONATOLOGIA
Equipe SJT Editora
Pediatria geral, emergências pediátricas e neonatologia. São Paulo: SJT Editora, 2016.
ISBN 978-85-8444-103-7
http://www.sjteducacaomedica.com.br
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Apresentação à 16ª edição
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Sumário
1 Síndromes diarreicas em pediatria....................................................................................... 9
2 Desidratação e fluidoterapia em pediatria.................................................................... 21
3 Enteroparasitoses............................................................................................................................. 31
4 Afecções de vias aéreas superiores e médias...........................................................42
5 Afecções de vias aéreas inferiores: pneumonias na infância......................... 62
6 Afecções de aéreas inferiores: o lactente que sibila............................................ 78
7 Afecções de vias aéreas inferiores: tópicos de asma em pediatria.......... 94
8 Infecção do trato urinário (ITU) e refluxo vesicoureteral (RVU)...................103
9 Glomerulonefrite difusa aguda (GNDA) e síndrome nefrítica (SN)...........118
10 Síndrome nefrótica (SN)............................................................................................................ 125
11 Doenças exantemáticas........................................................................................................... 134
12 Doenças de Kawasaki (DK)..................................................................................................... 147
13 Avaliação do recém-nascido......................................................................................................... 151
14 Patologias maternas e suas repercussões neonatais.......................................156
15 Reanimação neonatal................................................................................................................. 159
16 Policitemia............................................................................................................................................174
17 Distúrbios respiratórios.............................................................................................................. 176
18 Distúrbios metabólicos........................................................................................................................193
19 Sepse neonatal................................................................................................................................203
20 Enterocolite necrosante........................................................................................................... 206
21 Infecções congênitas.................................................................................................................. 214
22 Hiperbilirrubinemia.......................................................................................................................228
23 Emerg. Ped. - parada cardiorrespiratória, insuf. respiratória e choque..............236
24 Emerg. Pedi. - sup. básico e avançado de vida (C-A-B da ressuscitação)......241
25 Emergências pediátricas - distúrbios do ritmo.........................................................................250
26 Urgências pediátricas - intoxicações agudas............................................................................. 254
27 Urgências pediátricas - acidentes com animais peçonhentos................................269
28 Urgências pediátricas - febre sem sinal localizatório.........................................................283
29 Urgências pediátricas - convulsão febril..........................................................................................291
CAPÍTULO
1
Síndromes diarreicas em pediatria
Deve-se ter especial atenção na caracterização o Na+ é transportado ativamente para fora da célula,
de diarreia em recém-nascidos ou lactentes jovens, através da membrana basolateral. Esse mecanismo é a
particularmente em aleitamento natural, que podem base da terapia de reidratação oral (vide aula Desidra-
ter normalmente evacuações frequentes e amolecidas. tação e Fluidoterapia).
Nesses casos, na caracterização da doença diarreica
A secreção intestinal ocorre principalmente pe-
aguda (DDA), deve-se levar em conta o hábito intes-
los enterócitos da cripta, existindo um aumento da
tinal da criança e outros parâmetros, tais como: com-
permeabilidade da membrana apical ao Cl-, mediados
prometimento do estado geral, diminuição da ingesta
por AMP-cíclico, GMP-cíclico e prostaglandinas. O au-
alimentar, febre, vômitos e irritabilidade.
mento destes mediadores estimula a secreção de cloro
e água pelos enterócitos da cripta.
Salmonella Rotavírus
As espécies de S. enteritidis contêm mais de É a principal causa de diarreia nas áreas ur-
1700 sorotipos identificados através do antígeno banas em climas temperados, no inverno, quando
somático (O) e o flagelar (H). São elas as mais fre- chega a se responsabilizar por 80% da etiologia
quentes causadoras das gastroenterocolites por das diarreias, principalmente em crianças entre 6
Salmonella (salmoneloses não tifoides). Exibem e 24 meses. As manifestações mais frequentemente
distribuição universal, com incidência relaciona-
associadas à diarreia líquida importante são vômitos
da à disponibilidade de água potável, destinação
(100%), febre (10%), infecção de vias aéreas superio-
do esgoto e práticas de preparação e conservação
alimentar. Acontecem mais frequentemente nos res (20% a 40%) e desidratação. A excreção de partícu-
meses quentes. O número estimado de bactérias las virais nas fezes, na fase aguda da doença é grande
que devem ser ingeridas para causar doença sinto- (1011 por grama de fezes) e como o vírus é resistente
mática em adultos sadios é de 106 a 108. Em virtude e estável às condições ambientais, há um grande po-
desse grande tamanho de inóculo, a ingestão de ali- tencial para infecções cruzadas, principalmente em
mentos é considerada a principal fonte de infecção. ambientes fechados, como berçários, creches e hospi-
Quando ingeridas, as bactérias invadem o in- tais. De fato, o rotavírus é um dos principais agentes
testino delgado e o cólon, sendo sua patogenia devi- encontrados em diarreias intra-hospitalares. Rotinei-
da também a uma ação toxigênica. Elas atravessam ramente o diagnóstico é estabelecido através da pes-
o epitélio mucoso, estabelecendo-se na lâmina pró- quisa de antígenos virais, utilizando-se ensaio imuno-
pria, causando microabscessos, podendo proliferar- enzimático, que é bastante sensível e específico.
-se dentro de macrófagos e atingir várias partes do
organismo, causando quadros sépticos graves. Após a
Protozoários
infecção, as salmonelas não tifoides são excretadas nas
fezes por um período mediano de 5 semanas, período Giardia lamblia
mais longo nos casos graves e em lactentes pequenos. Entamoeba histolytica
Em nosso meio, assumiram papel importante (vide aula: ENTEROPARASITOSES)
como agente etiológico de infecções intestinais, prin-
Uma causa não infecciosa a ser considerada nos
cipalmente em crianças de baixo nível socioeconômi-
casos de doença diarreica aguda (DDA) é a intoxicação
co, além de se transformarem num dos principais mi-
alimentar, após ingestão de toxinas pré-formadas (es-
cro-organismos responsáveis pela infecção hospitalar.
tafilocócicas, Bacillus cereus). São quadros de rápida
instalação (após horas da ingestão) e o processo evolui
Campylobacter jejuni para cura dentro de um a dois dias.
Não se sabe com exatidão seu mecanismo en- Do ponto de vista teórico, a diarreia parenteral,
teropatogênico, mas parece estar associado com sua isto é, aquela produzida por infecções não localizadas
capacidade de invasão da mucosa, principalmente no no tubo digestivo, é tema controverso. São particular-
cólon, e de produção de enterotoxinas. mente responsabilizadas as otites médias agudas e as
infecções urinárias. Convém lembrar que, em crianças
menores, particularmente lactentes, o sintoma diar-
Vírus reia pode ser parte de uma resposta geral a infecções
A patogênese da diarreia viral caracteriza-se pela localizadas em qualquer parte do organismo.
invasão de enterócitos dos vilos, determinando A coprocultura, indispensável para pesquisa clí-
necrose. Há ascensão de células ainda imaturas das nica, tem utilidade prática pequena na grande maioria
criptas, que são secretantes e pouco aptas à absorção, das diarreias agudas. Exame dispendioso e demorado,
especialmente da lactose. Há diarreia aquosa acom- dificilmente alterará a conduta do médico, excetuan-
panhada de vômitos e febre. As lesões são geralmen- do-se em casos muito graves (diarreias invasoras) ou
te focais, poupando áreas que permanecem normais. de infecções hospitalares.
Os principais vírus causadores de diarreia são: rota-
vírus, adenovírus, astrovírus e os calicivírus (Norwalk). A
importância do rotavírus sobrepuja, em muito, a dos ou-
tros vírus. A gastroenterite viral aguda é usualmente uma Diagnóstico etiológico
doença autolimitada, com recuperação histológica do
epitélio intestinal em 7 a 10 dias após ter cessado a
presuntivo da DDA
excreção do vírus. A recuperação funcional do intestino Diarreia secretora: fezes líquidas, abundantes,
ocorre pouco depois. Ocasionalmente em lactentes com claras, sem sangue, muco ou pus, pH normal e sem
menos de 12 meses de idade, pode ocorrer uma enterite substâncias redutoras + desconforto abdominal mas
pós-viral severa que dura até 6 a 12 semanas. sem dor à evacuação + tendência à desidratação + vô-
e outros distúrbios funcionais do aparelho digestivo. A alergia alimentar é uma entidade clínica
Essas relações fazem suspeitar da existência de fato- resultante da resposta imunológica anormal (hi-
res psicológicos individuais e familiares envolvidos na persensibilidade) de um indivíduo quando exposto
patogênese dessa condição. Comumente existe grande a uma ou mais proteínas alimentares, absorvidas
ansiedade familiar, contrastando com o bom estado através de uma mucosa intestinal permeável. Vários
geral e o bem-estar do paciente. alérgenos alimentares foram descritos, sendo os mais
frequentemente citados o leite, soja, trigo, ovo, peixe,
Existem associações entre as alterações da mo-
tomate, laranja, nozes e chocolate. O leite de vaca é o
tilidade intestinal e fatores dietéticos, tais como su-
alérgeno alimentar mais representativo para o gru-
peralimentação e excesso de ingestão de sucos hipe-
po pediátrico (maior potencial alergêncio e melhor
rosmolares. Aceita-se que há aumento no trânsito estudado). O leite de vaca contém mais de 20 com-
intestinal, com movimentos de segmentação e peris- ponentes proteicos, dotados de diferentes graus de
taltismo exaltados. Alimentos frios e soluções com atividade antigênica. A fração betalactoglobulina é
alta osmolaridade podem exacerbar os movimentos a fração que mais frequentemente induz sensibiliza-
de propulsão nas crianças com cólon irritável. Alguns ção. Para que a alergia se desenvolva em um indivíduo,
estudos demonstram espasticidade do segmento colô- é necessário que haja absorção do antígeno pela muco-
nico inferior, dificultando a chegada do bolo fecal para sa intestinal e consequente sensibilização, ocasionando
a reabsorção final de líquidos. Dessa maneira, quan- lesões teciduais e manifestações clínicas.
do ocorre evacuação em resposta aos movimentos de
Acredita-se que uma série de fatores possa in-
propulsão desencadeados pela ingestão de alimentos,
tervir como predisponentes ao desenvolvimento de
as fezes são eliminadas com grande conteúdo de líqui-
sensibilidade à proteína do leite. A imaturidade do
dos. Durante a noite, ocorre relaxamento do segmen-
trato gastrointestinal com aumento de permeabi-
to retoanal, sendo possível a dessecação das fezes. Isso lidade a macromoléculas alergenizantes e a imatu-
explica o fato de a criança não evacuar à noite e ter ridade do sistema imunológico com deficiência de
uma evacuação mais sólida no início da manhã. Ou- IgA secretório somam-se à exposição aos antígenos
tro fator considerado na etiologia do cólon irritável alimentares favorecida pela prática habitual da
refere-se à dieta ingerida. Uma baixa quantidade de introdução precoce do leite de vaca e de alimen-
gorduras diminui o tempo de esvaziamento gástrico. tos sólidos. Crianças em aleitamento materno estão
Uma dieta em que menos de 30% das calorias derivam mais protegidas por receberem IgA secretora e fatores
de gorduras constitui um fator de piora, de manuten- tróficos que aceleram a maturação intestinal, além de
ção ou mesmo de instalação da diarreia. Uma dieta serem poupadas da exposição aos antígenos da dieta.
com baixo teor de fibras leva à piora dos sintomas. A
ingestão aumentada de sucos de frutas com taxa de A grande maioria das alergias alimentares está
frutose/glicose elevada tem sido documentada como presente na infância. Sua ocorrência envolve predis-
fator agravante da diarreia (maçã, pera). Preparados posição genética, idade, poder alergênico do alimento
industrializados com excesso de sorbitol (açúcar não e natureza da exposição. Como a proteína do leite de
vaca é um dos primeiros antígenos que a criança
digerível) exercem efeito osmótico na luz intestinal.
tem contato, as reações alérgicas às proteínas do
Diante de um quadro clínico muito caracterís- leite são as mais frequentes.
tico, não estão indicados exames complementares,
As manifestações gastrointestinais podem ser:
quando excluídas, em nosso meio, as parasitoses. O
tratamento consiste na orientação e tranquilização � síndrome aguda: anafilaxia gastrointestinal;
dos pais, sendo contraindicados medicamentos ou � síndrome crônica: enteropatia induzida pelo
dietas restritivas. leite de vaca ou formas atípicas (cólicas, vômi-
tos, obstipação intestinal crônica, obstrução in-
testinal).
Alergia à proteína do leite de vaca
As manifestações clínicas da alergia à proteína
De modo geral, trata-se de uma entidade consi- do leite de vaca podem ser, além de numerosas, bas-
derada pouco frequente. Até pouco tempo, a alergia à tante variadas, dependendo dos órgãos-alvo atingidos
proteína do leite de vaca era uma justificativa diagnós- e dos mecanismos imunológicos envolvidos. A alergia
tica para uma diversidade de casos pouco esclarecidos, à proteína do leite de vaca é um fenômeno transitório
contribuindo para uma situação na qual essa doença de duração variável. Os sintomas, em geral, apare-
era superdiagnosticada. Grande parte dos casos de cem nos primeiros três meses de vida. Manifestações
diarreia que melhora após supressão do leite da gastrointestinais são as mais comuns, variando, em
dieta deve-se à intolerância secundária à lactose. É frequência, entre 50% a 80%, seguidas por manifesta-
fundamental a postura crítica diante de um diag- ções dermatológicas (20% e 40%) e respiratórias (4%
nóstico tão controvertido, em face dos problemas e 25%). Vale ressaltar que, embora as manifestações
que a exclusão do leite e dos derivados da dieta cos- no TGI predominem, costumam estar associadas a
tumam trazer para a criança e para a família. quadros respiratórios ou dermatológicos.
O diagnóstico é essencialmente clínico; correla- pode estar presente na enterocolite induzida pela pro-
ção alimentar observada, início precoce à exposição teína do leite de vaca. Deve-se também afastar outras
do leite de vaca, características das manifestações causas de intolerância ou falsas alergias ao leite de
clínicas, antecedentes de gastroenterites de evolu- vaca (mamadeiras com concentrações elevadas de leite
ção prolongada e antecedentes familiares alérgicos ou farinhas e mamadeiras contaminadas, por exemplo).
são elementos importantes a serem considerados.
O tratamento é dietético e consiste na exclusão
Anafilaxia gastrointestinal: minutos a poucas ho- da proteína do leite, que se acompanha da remissão
ras após ingestão do alérgeno, com náuseas, vômitos, dos sintomas dentro de dois a três dias. A substitui-
diarreia, flatulência, distensão e dor abdominal. Às ção ideal seria pelos preparados à base de hidrolisados
vezes febre, simulando GECA (gastroenterite-simile). proteicos (elevado custo). Pode haver reação cruzada à
Nas formas crônicas, os sintomas ocorrem horas proteína de soja (50%). A reintrodução do leite ou de
e dias após a exposição ao alérgeno alimentar e em seus derivados não deve ser feita antes dos 12 meses
muitos casos não se consegue uma associação níti- de vida e essa deverá ser lenta e cuidadosa.
da entre ingestão do alimento e início dos sintomas
(diagnóstico difícil). Por outro lado, alergia alimentar
e infecção intestinal coexistem com frequência, difi-
cultando mais ainda o diagnóstico. As manifestações
Causas menos frequentes
crônicas podem ser: Diante de uma criança que evolui com diarreia
� má absorção intestinal (lesões em intestino crônica de longa duração, apresentando sinais de má
delgado); absorção, expressos no déficit de crescimento ponde-
roestatural, e afastadas outras causas etiológicas mais
� colite (lesões em intestino grosso). frequentes, deve-se pensar na possibilidade de se tra-
Esses quadros são englobados sob a denomina- tar de doença celíaca ou doença fibrocística (mucovis-
ção enteropatia induzida por leite de vaca, com fe- cidose), duas doenças que, embora raras, são conside-
zes líquidas e explosivas, ou semipastosas, atraso de radas na literatura como as principais causas de má
crescimento e achados laboratoriais de má absorção. absorção em crianças.
� síndrome de Wilson Lahey: existe tão somen-
te perda de sangue oculto (1 a 10 mL/dia) pelas Doença celíaca (enteropatia indu-
fezes, mais comum no primeiro ano de vida;
zida pelo glúten)
� gastroenteropatia com eosinofilia induzi-
da por leite de vaca: em geral < seis meses, A doença celíaca é caracterizada pela atrofia
poucos sintomas gastrointestinais, nenhum das vilosidades da mucosa intestinal consequente à
sistêmico, sangue oculto positivo, eosinofilia presença de glúten na dieta e que se manifesta por
periférica e tecidual; quadro de diarreia crônica acompanhada de má ab-
sorção. A intolerância ao glúten pode ser conside-
� proctocolite: evacuações mucossanguinolen- rada como um estado de resposta imune anormal,
tas ou enterorragia. manifestada por indivíduos geneticamente pre-
O desaparecimento dos sintomas após a elimina- dispostos (é comum a recorrência de vários casos na
ção do leite da dieta e o reaparecimento dos sintomas mesma família).
dentro de 48 horas após reintrodução poderia repre- Existe uma relação evidente entre o início dos
sentar um critério diagnóstico. Entretanto, pelos riscos sintomas com a ingestão do glúten (fração peptídica
de exposição (principalmente nas reações mediadas por existente no trigo, no centeio, na aveia, na cevada
IgE), esse critério é questionável para o diagnóstico. e no malte). O tempo de latência entre a ingestão dos
Sobrepõe-se, ainda, a intolerância à lactose, cujo dife- referidos alimentos e as primeiras manifestações clí-
rencial, por esse critério, ficaria prejudicado. nicas é variável (cerca de três meses). A diarreia pode,
Até o presente momento não se dispõe de ne- inicialmente, ser intermitente, acompanhando qua-
nhum exame laboratorial para o estabelecimento de- dros de infecção respiratória alta ou surtos de infecção
intestinal; posteriormente, torna-se crônica. As fezes
finitivo do diagnóstico de alergia ao leite de vaca. Os
exames que permitem especular sobre o mecanismo são volumosas, amarelas, brilhantes e com odor bas-
imunológico envolvido são: RAST (teste in vitro para
tante desagradável; contêm alimentos mal digeridos,
variando a frequência entre uma e cinco vezes ao dia.
anticorpos IgE) e os testes cutâneos. Entretanto, resul-
Embora a diarreia seja o sintoma mais comum, ela pode
tados negativos não afastam a doença, pois são inefi-
estar ausente em 10% a 25% dos casos, principalmente
cazes para avaliar mecanismos independentes de IgE.
nas crianças maiores. O apetite torna-se diminuído e
O diagnóstico diferencial mais importante a ser instala-se uma desnutrição progressiva. A criança é
feito é o da intolerância secundária à lactose. Diferen- irritada, muito dependente, e chora facilmente. Há
ciação difícil, pois a intolerância secundária à lactose déficit acentuado de ganho de peso e altura, abdome
volumoso, hipotrofia muscular, especialmente em nalículos biliares e posteriormente risco para cirrose
região glútea e raízes de membros, com enrugamen- biliar. No pâncreas a doença canalicular exócrina
to característico da pele nessas regiões. De maneira acarreta insuficiência pancreática com defeito da
geral, observa-se uma involução no desenvolvimento digestão de gorduras, proteínas e amido. Azoospermia
motor; com frequência, a criança deixa de caminhar por obstrução é assinalada nos adolescentes e adultos.
ou mesmo de ficar de pé. Anemia é um achado comum, É uma doença genética, com transmissão autos-
assim como quadros de disvitaminoses. É fundamental sômica recessiva, com incidência 1:2.000 – 1:3.000 nas-
destacar que os quadros típicos e com exuberante sinto- cidos vivos. Mais de 400 mutações gênicas são descritas,
matologia correspondem a menos da metade dos casos. mas todas ocorrem no braço longo do cromossomo 7,
As dificuldades diagnósticas ocorrem justamente dian- num gene que codifica a proteína reguladora transmem-
te das formas clínicas mais leves. Uma vez que o com- brana da FC (RTFC), que expressa-se nas células epiteliais
prometimento maior ocorre nas porções proximais do das vias aéreas, do trato gastrointestinal, das glândulas
intestino delgado, pode haver compensações absortivas sudoríparas e do sistema genitourinário. A mutação
nos segmentos distais. A variação do tempo de latência mais prevalente da RTFC (70%) resulta da deleção de
dificulta a correlação entre a introdução dos cereais e as um resíduo de fenilalanina no aminoácido 508.
manifestações clínicas.
A manifestação respiratória da doença em geral
O diagnóstico é confirmado pela biópsia jeju- se faz com tosse, inicialmente com ou sem broncoes-
nal feita por via oral (diagnóstico de certeza). Com
pasmo, que torna-se recorrente e de caráter progressi-
a exclusão do glúten o paciente entra em remissão
vo, com expectoração espessa e purulenta, que coinci-
clínica e histopatológica. Da mesma forma, existe
de com as exacerbações infecciosas.
uma piora clínica com a reintrodução dos referidos
cereais na dieta. A diarreia crônica, na qual destaca-se a esteator-
A pesquisa da gordura fecal é positiva e o tes- reia, é causada pela insuficiência exógena do pâncreas;
te da d-xilose mostra diminuição da absorção dessa as manifestações dependem da intensidade do com-
pentose. Anticorpos antigliadina são encontrados prometimento da função pancreática.
em mais de 90% das crianças com doença celíaca O quadro típico é constituído pela diarreia crô-
não tratada e seus títulos diminuem à medida da nica que pode iniciar-se desde o nascimento, com fe-
restrição dietética. A dosagem dos anticorpos an- zes volumosas, de odor desagradável, gordurosas e
tiendomísio em associação com a dosagem de an- com muco. A criança apresenta, desde o nascimento,
ticorpos antigliadina pode alcançar 100% de sen- déficit de ganho de peso e altura. O apetite é con-
sibilidade e especificidade. Esses testes facilitam servado ou mesmo excessivo (chora de fome). Estas
o diagnóstico e a seleção dos casos que devem ser crianças se assemelham aos celíacos, faltando, con-
biopsiados. O diagnóstico de certeza é indispensá- tudo, a anorexia característica da doença celíaca. As
vel pelas implicações dietéticas e suas repercussões infecções respiratórias frequentes (P. aeruginosa, Cepa-
psicoemocionais na criança. cia e S. aureus) têm grande importância no comprome-
O tratamento é realizado com a exclusão dietéti- timento do ganho de peso. A síndrome da obstrução
ca do trigo, do centeio, da aveia e da cevada. Proíbe- intestinal distal leva à obstrução do intestino delgado
-se, por exemplo, o uso de pão, macarrão, farinha de tri- em cerca de 3% dos pacientes. Quadro de intussuscep-
go, aveia, bolos, biscoitos e papinhas industrializadas. ção (geralmente requer intervenção cirúrgica) e prolap-
so retal fazem parte das manifestações gastrointesti-
nais e são mais comuns nas crianças.
Mucoviscidose (fibrose cística) No pâncreas, a doença canacular exócrina,
acarreta insuficiência pancreática com defeito na
Outra entidade rara a ser considerada no diag- digestão de gorduras, proteínas e amido. Cerca de
nóstico diferencial dos casos de má absorção primária, 7% dos casos evoluem com insuficiência endócrina
afastadas, primeiramente, as causas mais comuns, é a e diabetes melito.
fibrose cística do pâncreas (mucoviscidose). A doença O diagnóstico de fibrose cística deve ser lem-
fibrocística é de múltiplas manifestações, pode carac- brado nas crianças com diarreia crônica de início
terizar-se por diarreia crônica com déficit de cres- precoce e déficit ponderoestatural associados à
cimento, frequentemente acompanhado de quadro presença dos sintomas respiratórios. A dosagem
respiratório (principal causa de morbidade, resultan- de cloro no suor é fundamental para o diagnóstico;
te das infecções pulmonares crônicas). valores entre 60 e 80 mEq/L são suspeitos; o exame
O primeiro sintoma costuma ser o íleo meconial, deve ser repetido e os níveis acima de 80 mEq/L são
pois a falta de enzimas pancreáticas comprometem o bastante sugestivos.
processo digestivo normal. A sintomatologia pulmo- A dosagem de gordura das fezes está aumenta-
nar caracteriza-se por processos bronquiectásicos da e a prova da absorção da d-xilose apresenta resul-
e infecções repetidas. No fígado há oclusão dos ca- tados normais, o que diferencia da doença celíaca.
O tratamento deve ser realizado com acompanhamento de especialistas; as exacerbações pulmonares me-
recem atenção especial. São crianças portadoras de doença crônica, de evolução entremeada por intercorrências
e com um prognóstico não favorável. O tratamento dietético consiste na redução da ingestão de gorduras e em
dietas hipercalóricas com alto teor de proteínas. O tratamento medicamentoso consiste na suplementação enzi-
mática e na reposição de vitaminas lipossolúveis. De um modo geral, quanto melhor o estado nutricional, mais
lento o declínio da função pulmonar.
Acrodermatite enteropática
Distúrbio autossômico recessivo raro caracterizado por diarreia crônica e dermatite. A erupção
cutânea consiste em lesões de pele vesicobolhosas, eczematosas, secas, descamativas ou psoriasiformes,
distribuídas simetricamente nas áreas perioral, perineal, bochechas, joelhos e cotovelos. Os cabelos exi-
bem uma matiz avermelhada e algum grau de alopecia é típico. Ela é enteropática devido à acentuada
queda dos níveis de zinco secundário ao déficit de absorção intestinal. São manifestações associadas: fo-
tofobia, conjuntivite, blefarite, estomatite, glossite, paroníquia, distrofia ungueal, atraso na cicatrização de
feridas e atraso do crescimento.
Esta dermatite pode ser observada em crianças mantidas por longos períodos em nutrição parenteral total,
com quantidades insuficientes de zinco e em recém-nascidos muito prematuros devido às reservas diminuídas.
2
Desidratação e fluidoterapia
em pediatria
A água é o solvente mais importante e o prin- Numa criança mais velha, portanto, de cerca
cipal componente do organismo; por ser um meio de 30kg, 18 litros serão água. Esses 60% de água
estável, é nela que ocorre a maioria das trocas vitais corporal total tem a seguinte distribuição: 40% no
para a manutenção da homeostase. A quantidade de espaço intracelular e 20% no espaço extracelular
água no organismo humano (água corporal total) (15% no intersticial e 5% no intravascular). Mas
varia desde 80% do peso de um recém-nascido, di- nem sempre a distribuição foi assim. Na criança
minuindo para 65% no fim do primeiro ano de vida, pequena, existe uma diferença na distribuição
até atingir cerca de 60% do peso adulto. Sendo a desse fluido nos compartimentos orgânicos. À
criança um ser em crescimento, portanto, não so- medida que ocorre o crescimento e o desenvolvi-
mente o volume, mas também a distribuição dos mento do organismo, há um aumento progressivo
fluidos se alteram nesse processo. Basicamente, a da celularidade e, por consequência, do líquido in-
água distribui-se em três compartimentos: extra- tracelular como um todo, havendo um decréscimo
celular (inclui o volume plasmático, o volume do proporcional na quantidade de líquido extracelu-
fluido intersticial e o volume linfático), intracelu- lar (LEC). Essa diminuição do líquido extracelular
lar e transcelular (líquidos cerebroespinhal, intra- ocorre rapidamente durante o primeiro ano de
ocular, pleura, peritoneal, sinovial, etc). As reações vida e após, lentamente, até a adolescência. A Tabela
bioquímicas vitais ocorrem especialmente no espaço 2.1 apresenta a composição corporal e a distribui-
intracelular, enquanto o compartimento extracelular ção dos fluidos no primeiro ano de vida, compara-
serve como meio de transferência das substâncias en- tivamente ao adulto. Observe que, no decorrer do
volvidas nessas reações e de seus metabólitos. Assim, primeiro ano, há nítida diminuição da água corporal
o meio extracelular se relaciona, por um lado, com o total (80% para 65%), com mudança da distribuição;
meio externo (absorção e excreção de substâncias) e, do predomínio do líquido extracelular nos primeiros
por outro, diretamente com as células, conduzindo meses para o predomínio intracelular a partir do se-
nutrientes e removendo catabólitos. gundo semestre de vida do bebê.
22
Pediatria geral, emergências pediátricas e neonatologia
% de água do peso 80 78 65 60
LEC (% do peso) 50 45 25 20
LIC (% do peso) 30 33 40 40
Tabela 2.1 Distribuição da água corporal total.
Os principais fatores responsáveis pela redução da água extracelular com o crescimento são o aumen-
to da massa muscular, dos ossos e do tecido conjuntivo.
Os três compartimentos que compõem a água total do organismo também diferem em composição. O po-
tássio (K+), representa o principal cátion na água intracelular, e os fosfatos e as proteínas, os principais ânions.
Grande parte do sódio (Na+) é eliminada desse compartimento por processos que requerem energia (bomba só-
dio/potássio). Assim, o sódio é o principal cátion do líquido extracelular, enquanto o Cl- e o HCO-3 representam
os principais ânions. A importância do Na+ está relacionada com o controle que ele exerce na distribuição da água
em todo o organismo. O número de moléculas de sódio por unidade de água determina a osmolalidade do LEC.
Se o Na+ é perdido, a água é excretada na tentativa de manter a osmolalidade normal, e se o Na+ é retido, a água
também deve ser retida para diluí-lo. Para fins didáticos, as composições iônicas do plasma e do líquido intersti-
cial podem ser consideradas idênticas, embora existam pequenas diferenças resultantes da concentração desigual
de proteína. A Tabela 2.2 apresenta a composição eletrolítica dos compartimentos intra e extracelular.
As diferenças na composição entre o líquido intracelular (LIC) e o LEC são mantidas ativamente pela mem-
brana celular. Essa é uma membrana semipermeável, uma vez que é totalmente permeável à água, porém é seleti-
vamente permeável a outras substâncias. As forças osmóticas, portanto, determinam a distribuição de água entre
os vários compartimentos hídricos do organismo.
O lactente possui superfície corpórea relativamente maior que o adulto. As perdas insensíveis basais são
relativamente maiores que dos adultos. A morbidade pediátrica da criança pequena é desidratante, por definição
(diarreias, vômitos, febre, taquipneia). Todos esses aspectos associados às particularidades da fisiologia renal da
criança pequena (menor ritmo de filtração glomerular, dificuldade de concentração urinária) e à composição cor-
poral com predomínio de líquido no espaço extracelular favorecem o fenômeno de desidratação, bastante comum
em Pediatria e, mais ainda, em crianças pequenas, diante de agravos que comprometem o equilíbrio hídrico.
Da mesma forma, a manutenção de um equilíbrio Portanto, quanto menor a criança maior sua vulnerabi-
hidroeletrolítico adequado faz parte dos cuidados bási- lidade para instalação de um quadro de sub-hidratação.
cos de atenção a qualquer paciente pediátrico, indepen-
A desidratação pode ser classificada de acordo
dentemente de sua doença de base.
com a magnitude do déficit de água, estimada através
Define-se desidratação como um evento pato- de sinais clínicos e pela perda ponderal, em leve ou
lógico em que ocorre a contração do volume extrace- de 1º grau (perdas de até 5% do peso), moderada ou
lular, secundário às perdas hídricas e eletrolíticas, de 2º grau (perdas de 5% a 10% do peso) e grave ou
cuja gravidade depende da magnitude do déficit em re-
de 3º grau (perdas de mais de 10% do peso). A Tabela
lação às reservas corpóreas e da composição da perda
2.3 apresenta, portanto, essa forma clássica de classi-
líquida (relação entre o déficit de água e de eletrólitos,
ficar a gravidade de desidratação; entretanto, deve-se
particularmente o sódio).
saber, que essa divisão é mais teórica do que prática
As perdas de fluidos representam perda de pois os sinais clínicos se sobrepõem e a informação
maior fração da água corporal total da criança.
sobre a perda ponderal da criança muito raramente
Portanto, as crianças e, particularmente, os lacten-
é disponível. Mais adiante, apresentaremos uma for-
tes, representam um grupo bastante vulnerável às
perdas hídricas e às manifestações clínicas da de- ma muito mais prática, definidora de condutas, e que
sidratação. É também na infância que sobrevêm as hoje deve ser utilizada para classificar uma criança
principais causas de perda hídrica, principalmente diante de um estado de perda hídrica. As classifica-
a doença diarreica aguda. Num recém-nascido, uma ções atuais agruparam as desidratações leves e mo-
diarreia de apenas 50 ml a cada 3 horas resulta numa deradas em um único grupo denominado algum grau
redução de quase 50% do volume de líquido extracelular de desidratação. Aproveite, entretanto, a Tabela 2.3
em um período de 36 horas, o que é equivalente, num para lembrar todos os pontos do exame físico para na
adulto, a uma perda de 8 litros de líquido extracelular. avaliação da hidratação de uma criança.
O melhor parâmetro para a avaliação da umidade de mucosas é através da boca: a avaliação da quantidade de
saliva e sua fluidez. Para a avaliação da circulação periférica (enchimento capilar), o examinador deve comprimir com a
própria mão a mão fechada da criança durante 15 segundos e, logo após, liberá-la, observando-se o tempo necessário
para a volta da coloração normal (rubor) da palma da mão. O turgor (elasticidade) da pele e do tecido subcutâneo é pes-
quisado fazendo-se uma prega na pele sobre o tórax, epigástrio, flancos ou testa. Nos quadros de desidratação a prega
se desfaz lentamente (como acontece normalmente com uma prega feita no cotovelo, com o braço estendido). A diurese
é um bom parâmetro para avaliação da hidratação. É preciso lembrar, entretanto, que pode estar presente nos quadros
de desidratação com diabetes (glicosúria, diurese osmótica) e nas desidratações hipotônicas (comuns nos desnutridos).
Outra forma de classificar a desidratação se baseia no nível sérico do sódio resultante dessas perdas. Assim,
tem-se a desidratação isotônica, hipotônica ou hipertônica.
A partir de 2002, a OMS, após estudos multicêntricos, chegou ao desenvolvimento de uma SRO mais eficaz
e segura. Essa solução, de menor osmolaridade (245 mOsm/L), tem redução de 90 para 75 mEq/L de sódio, e de
glicose de 111 mOsm/L para 75 mOsm/L. Essa solução é utilizada em muitos países; ainda não disponível em nosso
meio. A mistura de sais e glicose, acondicionada em pacotes aluminizados, parece ser mais estável com citrato
de sódio do que com bicarbonato de sódio. O bicarbonato de sódio é um sal alcalino e o citrato de sódio é um
sal alcalinizante. O bicarbonato de sódio, ao ser ingerido, sofre a reação: Na+ + CO3- + HCl = NaCl + H2O + CO2,
em que eleva-se o pH gástrico e há produção de gás. A ingestão de citrato gera 3 CO3- somente após metabolizado,
principalmente no fígado, sem aqueles inconvenientes.
A OMS também recomenda a administração de água adicional na proporção de uma parte de água para
cada duas partes da solução, principalmente nas crianças de baixa idade, devido ao risco de hipernatremia,
visto que, na diarreia infantil inespecífica, as perdas fecais de sódio não são altas e as perdas insensíveis da
criança pequena são mais elevadas.
A TRO está indicada no tratamento e na prevenção da desidratação infantil. Para a prevenção não é neces-
sário um esquema terapêutico rígido, basta orientar os familiares quanto à evolução da doença diarreica e reco-
mendar a administração da solução hidratante, água e outros líquidos após cada evacuação amolecida da criança.
A utilização de soluções de reidratação caseiras (o popular soro caseiro) deve ser reservada aos locais
sem assistência, em casos em que uma solução mais completa não pode ser adquirida. O preparo inadequado
dessas soluções caseiras (erros de medida das pitadas e punhados) pode ocasionar agravos significativos ao
equilíbrio hidrossalino.
Tabela 2.5
Definido o gasto energético basal, são calculadas Cal metabolizadas), adiciona-se NaCl 20% (3,3 mEq/
as necessidades hidroeletrolíticas e de glicose, da se- ml) na concentração e 136 mEq/L ou aproximadamente
guinte forma: 40 mL/L. Além disso, adiciona-se o potássio, na forma
Água: 100 mL para cada 100 kcal metabolizadas; KCl 19,1% (2,5 mEq/ml), na quantidade já apresenta-
da e proposta por Holliday, de 2,5mEq para cada 100
Sódio (Na+): 3 mEq para cada 100 kcal;
kcal metabolizadas. Temos então um soro que oferece
Potássio (K+): 2,5 mEq para cada 100 kcal (ou 1 a quantidade hídrica para a criança, glicose, potássio e
mL de KCl 19,1% = 2,5 mEq de K); sódio em uma concentração isotônica, que previne risco
Glicose: 8 gramas para cada 100 kcal. de hiponatremia hospitalar. Esse ainda é um conceito
Observa-se que as necessidades são definidas para muito novo e a maioria dos pediatras ainda deve infe-
o dispêndio calórico da criança e não diretamente para lizmente demorar para rever seus conceitos sobre os
o seu peso. Assim, até os 10 kg, como o gasto é de, por velhos paradigmas sobre o soro de Holliday.
exemplo, 100 mL de água para cada 100 kcal e para cada
kg, diz-se 100 mL de água por kg. Ou, ainda, 2,5 mEq de
K+ para cada 100 kcal para cada kg, diz-se 2,5 mEq por
kg. Entretanto, após os 10 kg, esse cálculo não é direto
Fase de reposição
e deve ser realizado baseado na Regra de Holliday, pelo Essa fase visa à reposição das perdas anor-
consumo calórico. Assim, em uma criança de 15 kg, o mais continuadas de água e eletrólitos, evitando
volume, por exemplo, de água é de 1.000 mL + 250 mL a reinstalação de déficits. O déficit é descrito como
(100 mL para cada 100 kcal, sendo 50 kcal x 5 = 250 perdas por quilograma de peso corporal. A estimativa
kcal) = 1.250 mL e não 100 mL/kg (1.500 mL). das perdas diarreicas ao longo de 24 horas é variável
Obviamente, a criança que está recebendo um e, portanto, o volume e a composição da solução de
soro de manutenção, também conhecido como soro reposição devem ser continuamente reavaliadas no
básico ou basal, na condição de estar internada por decorrer da terapia de hidratação. Via de regra, na
diarreia e/ou vômitos, nessa etapa do tratamento já reposição de perdas fecais em diarreias leves e mo-
está recebendo líquidos e alimentos por via oral. Em deradas, utiliza-se solução de partes iguais de SG
tese, o soro de manutenção oferece suas necessidades 5% e SF 0,9%, com volumes de 30 a 60 mL/kg, com
básicas como se a criança estivesse em jejum. Existem, reavaliação clínica contínua. Nas diarreias mais in-
entretanto, inúmeras condições clínicas que a criança tensas, que necessitem de volumes de reposição maio-
recebe, por via parenteral, suas necessidades diárias, res, normalmente faz-se necessária uma proporção
como, por exemplo, no tratamento de suporte das maior de soro fisiológico, sendo possível até utilizar
doenças em que a criança tem comprometimento de SF exclusivamente.
sua ingesta habitual ou em períodos pré-operatórios. O soro de reposição é infundido ao longo de 24
Todo médico deve saber confeccionar um soro de ma-
horas, adicionado ao volume da solução de manu-
nutenção basal para uma criança.
tenção. Este volume deve ser reavaliado e reajustado
O soro de manutenção, calculado sob esses prin- a cada 6 horas, com base nos parâmetros de ganho e
cípios apresentados, é, em tese, uma solução hipotôni- perda de peso, número e quantidade das evacuações
ca. Veja: embora ofereça a necessidade eletrolítica para ou presença de vômitos.
a criança em 24 horas, suas necessidades basais, é um
As perdas gastrointestinais de potássio são
soro hipotônico. Trabalhos recentes têm demonstrado
frequentes (fundamentalmente as perdas diarrei-
um risco de disnatremia em pacientes hospitalizados
com inúmeras condições clínicas, como nas pneumo- cas). Existem também perdas renais, decorrentes
nias, bronquiolites, meningites, etc. São pacientes com do fato de a hipovolemia estimular a aldosterona,
certa gravidade, geralmente com comprometimento de que, por sua vez, aumenta a reabsorção renal de
sua ingestão oral e, portanto, candidatos à soroterapia. sódio no túbulo distal, trocando-o por potássio. O
O risco de fazer hiponatremia devido a um quadro de déficit corpóreo de potássio deve, portanto, tam-
secreção inapropriada de ADH existe e não deve ser bém ser reposto e uma quantidade de 2,5 a 5 mEq/
negligenciado. A administração de líquidos isotônicos kg de potássio (dobrar ou triplicar o potássio do
minimiza esse risco, de maneira que, hoje, a solução soro de manutenção) deve ser acrescentada à so-
de manutenção mais recomendada deveria ter uma lução de reposição ou manutenção a ser infundida
concentração de sódio maior, em torno de 136 mEq/L, em 24 horas. Deve-se salientar que o nível sérico de
isotônica. Uma sugestão de confecção desse soro é: em potássio tem valor limitado no diagnóstico do dé-
uma base de soro glicosado 5%, cujo volume continua ficit total de potássio corpóreo e, portanto, o nível
a ser calculado com a regra de Holliday (100 mL/100 sérico normal não contraindicará essa reposição.
Tabela 2.7
Não havendo contraindicação à TRO, inicia-se a é o desaparecimento dos vômitos. Os antieméticos mais
fase de expansão com a SRO, de acordo com os seguin- clássicos, como o dimenidrato, são contraindicados, par-
tes critérios: ticularmente, pela sedação que provocam.
1. Não suspender o aleitamento materno e, Terminada a expansão, inicia-se a alimentação
nesses casos, as necessidades de SRO serão meno- normal da criança, podendo receber alta, com as orien-
res. O leite de vaca e os demais alimentos só deve- tações determinadas para a criança sem desidratação.
rão ser suspensos na fase de expansão.
2. Pesar a criança sem roupa no início de cada
hora, dado de maior importância na avaliação do
sucesso da TRO.
Crianças com
3. Oferecer TRO ad libitum, ou toda vez que a
criança quiser com colher (menor chance de vômi- desidratação grave
tos), sem limitação rígida do volume a ser ingerido. Considera-se como desidratada grave a criança
Não há maneira objetiva de determinar, previa- que apresenta, pelo menos, um dos seguintes achados
mente, qual será a quantidade de SRO necessária
clínicos: pulso muito fino ou impalpável ou sinais de
para hidratar a criança. A ingestão média é de 25 a
hipotensão (estados de choque), fluxo periférico
30 mL/kg/hora, mas com uma variação muito gran-
maior que cinco segundos, alteração de consciência
de (10 a 70 mL/kg/hora). É impossível, portanto,
fazer recomendações rígidas em relação à quan- e oligúria ou anúria prolongada.
tidade total de SRO que deve ser administrada. A Nesses casos, e também naqueles em que hou-
regra prática mais valiosa para o sucesso da TRO é in- ver contraindicação à TRO, está indicada a hidra-
sistir e persistir, mas sem forçar. tação parenteral, nas 3 fases, conforme discutido
4. O tempo para que seja completada a hidra- anteriormente neste capítulo. Mesmo em casos de
tação dever ser entre 4 a 6 horas. desidratação grave, em situações em que a hidratação
parenteral é impossível por falta de recursos, é possí-
5. Calcular a retenção de cada hora, com base
no volume da solução ingerida e no ganho ponde- vel salvar algumas crianças com hidratação oral inten-
ral, de acordo com a fórmula: siva. Também nos casos em que a hidratação venosa se
impôs, a hidratação oral deve ser mantida ou iniciada
tão cedo quanto for possível.
Retenção = Pesoatual) – Peso(inicial) × 100/volume ingerido A doença diarreica aguda frequentemente é
acompanhada de acidose metabólica, traduzida cli-
A retenção maior que 20% é satisfatória e in- nicamente pela respiração de Kussmaul (fome de ar:
dicativa de sucesso na TRO. Se a retenção for me- movimentos respiratórios profundos, rápidos e sem
nor que 20% na primeira hora, pode-se aguardar pausa). A acidose intracelular pode comprometer se-
até o final da segunda hora, que será decisiva. En- riamente o trabalho da célula, exigindo atenção no
tretanto, caso a retenção permaneça baixa, ou seja, as manuseio dessas situações. Nessas circunstâncias,
perdas forem maiores que a capacidade de ingestão, pode-se acrescentar o bicarbonato de sódio à solução
opta-se por TRO em sonda nasogástrica ou, o que é de reparação, para que a acidose mais grave se torne
mais frequente na prática, a hidratação parenteral. menos intensa, facilitando o trabalho celular. A cor-
6. A TRO por sonda nasogástrica inicia-se na reção completa da acidose ocorrerá espontaneamente
quantidade e velocidade de 30 mL/kg/hora nos pri- após a reidratação da criança.
meiros minutos, podendo aumentar, desde que bem Em linhas gerais, admitem-se três mecanismos
tolerada, até o valor de 60 mL/kg/hora. determinantes da acidose metabólica: superprodu-
7. A hidratação oral deve ser suspensa quando ção de ácidos orgânicos (hipóxia e hipoperfusão);
houver vômitos incoercíveis, crise convulsiva (pro- mecanismo renal: diminuição da capacidade renal de
vável distúrbio eletrolítico), distensão abdominal excretar hidrogênio, consequente à hipoperfusão re-
e valores de retenção persistentemente baixos nas nal e diminuição do aporte de precursores para a sín-
primeiras 2 horas de hidratação. Nesses casos indi- tese de amônia; mecanismo intestinal: produção de
ca-se a hidratação parenteral. ácidos orgânicos na luz intestinal, com retenção dos
A expansão oral tem sucesso na grande maio- íons hidrogênio.
ria dos casos. O bicarbonato de sódio poderá ser acrescenta-
Diante dos vômitos, que são frequentes na doença do à solução de expansão da seguinte forma: corrigir
diarreica, deve-se suspender a administração de líquidos acidose quando houver pH < 7,10 e/ou bicarbonato <
durante 10 ou 15 minutos e retomá-la após, mais vaga- 8 (situações em que, geralmente, ocorrem manifesta-
rosamente. À medida que a criança se hidrata a tendência ções clínicas), de acordo com a seguinte fórmula:
mEq de Bic a ser infundido = (15 – Bic inicial) × 0,3 × peso (desnutrição). Em outras ocasiões ocorre hiponatre-
mia do tipo dilucional (Na total normal), na síndrome
O bicarbonato administrado pode ser a 3% (1 mL de secreção inapropriada do hormônio antidiurético
= 0,36 mEq), diluído meio a meio com água destilada, (SSIHAD) e na intoxicação hídrica.
sendo a infusão prescrita em 2 horas. Nos casos de Na sérico inferior a 120 mEq/L,
A reposição pode ser progressivamente diminu- pelos riscos de manifestações neurológicas (edema
ída de acordo com a maior ingestão oral da criança e cerebral) indica-se correção imediata e cuidado-
concomitante diminuição de perdas. Suspensa a repo- sa, configurando-se uma emergência metabólica.
sição, inicia-se a retirada da manutenção (50 mL/kg a A correção é realizada num período de 4 horas, até o
cada 6 horas). Deve-se ter certeza de que a ingesta oral nível de 125 mEq/L ser atingido, baseando-se na utili-
supera as perdas, uma vez que estas persistem, ainda zação da seguinte fórmula:
que de forma mais branda. Quando a manutenção for
completamente suspensa, a criança deve permanecer
Na+ (mEq) = (Na+desejado – Na+atual) × peso × 0,6
em observação por um período mínimo de 6 horas,
para garantir que, via oral, sua capacidade de ingestão ou seja,
supere as perdas. Pode então receber alta hospitalar, Na+ (mEq) = (125 – Na+atual) × peso × 0,6
com as mesmas recomendações válidas para os pa-
cientes com diarreia e hidratados.
Utiliza-se uma solução de NaCl a 3%, sendo que
cada mL contém 0,5 mEq de sódio.
3
Enteroparasitoses
fectante do A. lumbricoides é o ovo maduro contendo Os vermes adultos podem causar doença pela
larvas. Os indivíduos infectados eliminam ovos nas obstrução do intestino ou da árvore biliar e por
fezes, que amadurecem até uma forma infectante comprometimento da nutrição do hospedeiro. En-
em cinco a dez dias, sob condições ambientais favo- tretanto, o estado nutricional das crianças com
ráveis. Após a ingestão pelo hospedeiro humano, as ascaridíase parece estar mais influenciado por sua
larvas são liberadas dos ovos e penetram na parede condição socioeconômica e história nutricional do
intestinal, ganhando a corrente sanguínea através que pelos efeitos da infestação por Ascaris. A pre-
do sistema porta. A seguir, nos pulmões, atingem os sença de vermes adultos no intestino delgado está
espaços alveolares, ascendem pela árvore brônquica e associada a queixas vagas, como dor, desconforto
pela traqueia e são novamente deglutidas. Alcançando e distensão abdominal. A obstrução resulta de uma
o intestino delgado, as larvas desenvolvem-se em vermes massa de vermes em crianças com infecção maciça. O
adultos maduros, de formato cilíndrico (o macho mede início, em geral, é súbito, com dor abdominal em cólica
15 a 25 cm x 3 mm e a fêmea 25 a 35 cm x 4 mm). O ciclo intensa e vômitos, progredindo rapidamente, seme-
interno do verme (período de migração das larvas) é de lhante à obstrução intestinal aguda de qualquer outra
aproximadamente duas semanas; porém, adquire a ca- etiologia. Radiologicamente, a imagem do novelo de
pacidade reprodutiva após cerca de 60 dias. Cada fêmea áscaris lembra o aspecto de miolo de pão.
tem a vida média de um a dois anos e é capaz de produzir
Migrações anômalas nas grandes infestações (par-
e eliminar cerca de 200 mil ovos por dia.
ticularmente durante a terapêutica) podem ocorrer para
A contaminação do solo e as condições pre- vias biliares, ducto pancreático, apêndice cecal e tubo
cárias de higiene são os fatores insalubres mais digestivo superior, com eliminação de vermes adultos
importantes que propiciam a endemicidade da as- pela boca, pelo nariz e penetração na tuba auditiva.
caridíase. O modo de contaminação para o homem é
da mão para a boca; os dedos são contaminados pelo Os vermes fêmeas adultos depositam ovos que
contato com o solo. De outro modo, os alimentos (em podem ser detectados e quantificados por exame dire-
particular aqueles consumidos crus) e a água tornam- to de fezes. As infecções bissexuais resultam na excre-
-se infectados por fezes humanas ou moscas (dirt ea- ção de ovos férteis maduros, ao passo que se observam
ting). Colabora com a alta endemicidade do A. lum- ovos inférteis em indivíduos infectados apenas com
bricoides, a altíssima produção de ovos dos vermes vermes fêmeas. Não se detectam ovos nas infestações
e a sua resistência em condições ambientais desfa- somente por machos.
voráveis. Os ovos são extremamente resistentes, su-
portam temperaturas altas e baixas e, em solo úmido,
permanecem viáveis e infectantes por meses.
A morbidade da ascaridíase pode manifes-
Terapêutica
tar-se durante a migração das larvas através dos Várias drogas são eficazes contra a ascaridíase.
pulmões ou estar associada à presença de vermes Nenhuma, entretanto, é útil durante a fase pulmonar
adultos no intestino delgado. A maior parte das in- da infecção. Deve-se ter cautela no tratamento, sobre-
fecções é assintomática. tudo de crianças com infecções maciças.
A ascaridíase pulmonar pode ocorrer após A suboclusão e a oclusão intestinal são emer-
exposição maciça e também é comum em indivídu- gências infecciosas que necessitam todos os cuidados
os que vivem em áreas de transmissão sazonal da dispensados a qualquer abdome agudo. O paciente
infecção (pneumonite sazonal). As manifestações deve ser mantido em jejum, com passagem de sonda
mais típicas são: tosse, escarro tinto de sangue e nasogástrica, sendo administrado óleo mineral (repe-
eosinofilia. Esse quadro, semelhante à síndrome tidamente) para uma tentativa de facilitar a elimina-
de Löeffler (comum a outras parasitoses com ciclo
ção dos vermes. Quando o óleo começa a ser eliminado
pulmonar), pode acompanhar-se de infiltrados pul-
pelo ânus, inicia-se a administração de piperazina. A
monares difusos e transitórios. O escarro tem eosi-
piperazina acarreta paralisia neuromuscular do para-
nófilos e cristais de Charcot-Leyden, que são grânulos
sita e a expulsão dos vermes ocorre pelo peristaltismo
eosinofílicos em degeneração. Em crianças, a dife-
intestinal. É, portanto, a droga de escolha para infes-
renciação entre esse quadro e o de larva migrans
tações maciças e quadros semiobstrutivos.
visceral (toxocaríase) pode ser difícil, mas sinais
ou sintomas abdominais são muito raros na ascari- O anti-helmíntico específico para a ascaridíase é
díase pulmonar. A patogenia desses quadros é desco- o levamisol (isômero do tetramisol), que inibe a ati-
nhecida, embora um fenômeno de hipersensibilidade vidade da succinato desidrogenase (contratura sus-
possa estar envolvido. O alérgeno do Ascaris é o mais tentada da fibra muscular do parasita). Possui baixa
ativo de todos os de origem parasitária, encontrando- toxicidade, baixo custo, 90% de eficácia e deve ser
-se em todas as fases do ciclo vital do parasita. Pode utilizado quando há somente esse helminto e não há
determinar reações de hipersensibilidade nos pul- infestação maciça, onde há riscos de quadros oclusivos
mões, pele, e tubo digestivo. após morte dos vermes ou migração anômala.
A ascaridíase intestinal não complicada também pode ser tratada com o mebendazol – anti-helmíntico de
amplo espectro – (dose de 100 mg, duas vezes ao dia, por três dias, com retratamento após duas semanas) ou
com o albendazol (posologia de 400 mg/dia, em dose única), esse último, não devendo ser utilizado em crianças
menores de dois anos de idade.
Tratamento da Ascaridíase
Medicamen- Apresentação Doses
to
Levamisol 1 cp = 80 mg Lactentes:
1 cp = 150 mg 40 mg via oral
1 a 7 anos:
80 mg via oral
7 anos ou mais: 150 mg via oral
dose única; repetir após 3 semanas
Mebendazol 5 mL = 100 mg 100 mg via oral 2 x/dia durante 3 dias; repetir após 3 semanas
(amplo espec- 1 cp = 100 mg
tro)
Nitazoxanida 1 a 3 anos:
(amplo espec- 100 mg 12/12 h, 3 dias
tro) 4 a 12 anos:
200 mg 12/12 h, 3 dias
Adultos:
500 mg 12/12 h, 3 dias.
Piperazina 5 mL = 500 mg 50-100 mg/kg/dia via SNG durante 2 a 5 dias. Indicado na suboclusão intestinal ou
ascaridíase maciça
Albendazol 1 fr = 10 mL = 400 400 mg via oral, dose única (discute-se a ação larvicida)
mg
1 cp = 200 ou 400
mg
Tabela 3.1
Atualmente a erradicação da ascaridíase é uma meta praticamente inatingível, visto que depende direta-
mente da melhora das condições socioeconômicas com investimentos pesados em saneamento básico, educação
em saúde e serviços médicos. A OMS recomenda, como medida de impacto em curto prazo, o emprego de anti-
-helmínticos em massa para as populações com altos índices de prevalência.
Ancilostomíase (amarelão)
As larvas infestantes dos ancilóstomos (duas espécies de maior importância: Ancylostoma duodenale e Ne-
cator americanus, sendo a última predominante no Brasil) são encontradas no solo (geo-helmintos) úmido e
quente (por 5 a 6 semanas) e atingem o hospedeiro humano penetrando na pele, mais comumente pelo pé. O
hábito de andar descalço na zona rural, nas favelas e na periferia dos grandes núcleos urbanos contribui decisivamente
para o incremento da perpetuação desse parasita em nosso meio. A infecção também pode ser adquirida pela ingestão
de água contaminada ou por ingestão de terra. As larvas migram da pele ou da parede intestinal para a circulação
venosa e são levadas até os pulmões, onde alcançam os espaços alveolares, migram pelas vias respiratórias e são
deglutidas para atingir seu hábitat final no intestino delgado proximal. Os vermes adultos, de cerca de 10 mm,
desenvolvem-se em 2 a 4 semanas. Existem estruturas bucais nesses vermes que os ajudam em sua fixação à mucosa je-
junal e na hematofagia. Secretam substâncias anticoagulantes, responsáveis por um sangramento contínuo nos locais
de fixação. Em 6 a 9 semanas atingem a maturidade sexual e começam a depositar ovos, que são excretados nas fezes.
As infecções são geralmente assintomáticas; doença clínica significativa ocorre numa pequena porcentagem
de indivíduos infectados. As lesões produzidas pelo ancilóstomo podem ocorrer durante a fase migratória da in-
fecção ou estarem relacionadas à presença de vermes adultos no intestino delgado. A primeira exposição da pele
a larvas infectantes pode ocasionar prurido e lesões papulares eritematosas (dermatite pruriginosa ou coceira da
terra), que desaparecem dentro de uma semana.
Lesões pulmonares e sintomas respiratórios (as- chados coletivos). Os ovos eclodem no estômago
matiformes), semelhantes aos descritos na ascaridía- e as larvas migram para a região cecal, onde ama-
se, podem ocorrer durante a migração larvária. durecem até vermes adultos. O ciclo evolutivo dessa
Embora existam infestações assintomáticas, helmintíase é do tipo direto (não há passagem sistê-
a presença de vermes adultos no intestino delgado mica das larvas). Os parasitas são brancos e peque-
acarreta anemia e desnutrição. A anemia, principal nos (0,5 – 1 cm), lembrando o aspecto de linhas; as
manifestação patológica da infestação, é relacio- fêmeas grávidas migram à noite para a região pe-
nada à carga de vermes (grau de infestação) e ao rianal para a deposição dos ovos. Os ovos não ne-
balanço de ferro do hospedeiro (espoliação versus cessitam obrigatoriamente do solo para tornarem-se
dieta). A perda de sangue varia segundo a espécie de infectantes, podendo haver (mais raramente) retroin-
ancilóstomo (0,03 a 0,3 mL de sangue/verme/dia); a fecção, onde as larvas que eclodem na mucosa anal mi-
infecção por A. duodenale causa perdas maiores do que gram para a região cecal.
por N. americanus. Sintomas de dor abdominal, perda A irritação perianal durante a oviposição por
do apetite, plenitude pós-prandial e diarreia são atri- vermes fêmeas produz prurido e irritação na pele
buídos à fase intestinal da ancilostomíase. perianal. Os ovos levados sob as unhas são trans-
O exame direto do esfregaço fecal permite a pes- mitidos diretamente ou disseminados no ambiente
quisa e a quantificação dos ovos e das larvas do para- para infectar outros indivíduos ou alimentos. O ho-
sita. Esses achados, associados à anemia microcítica e mem é o único hospedeiro natural do E. vermicularis.
hipocrômica da ferropenia, permite o diagnóstico da
Indivíduos sintomáticos queixam-se mais comu-
infestação pelos ancilóstomos.
mente de prurido anal noturno e insônia. Como não
O Ancylostoma brasiliense é um parasito de cães, ocorre invasão tecidual na maioria dos casos de en-
frequente em nosso meio e que pode penetrar na terobíase, não se observa eosinofilia. Pode ser cau-
pele humana, ocasionando uma dermatite, a larva sa de vulvovaginite na infância, manifestando-se
migrans cutânea. com corrimento genital inespecífico.
O diagnóstico definitivo é estabelecido pelo
achado de ovos do parasita ou isolamento dos ver-
mes. Os ovos são facilmente detectados numa fita
Terapêutica adesiva pressionada contra a região perianal no
Consiste no tratamento da anemia, com reposi- início da manhã (método da fita gomada). A posi-
ção do ferro oral e na administração de drogas anti- tividade do método aumenta se a coleta for feita logo
-helmínticas, como o mebendazol e o albendazol, nas cedo pela manhã. Pode haver necessidade de exames
posologias já descritas para ascaridíase. repetidos e, em certas situações, aconselha-se o exame
de todos os familiares.
Tratamento da ancilostomíase
Medicamento Apresentação Dose
Mebendazol 5 mL = 100 mg 100 mg via oral 2 x/dia Terapêutica
1 cp = 100 mg durante 3 dias. Repetir As orientações higiênicas e terapêuticas devem
após 3 semanas abranger o indivíduo infestado, a família e outras pes-
Tabela 3.2 soas que convivam com o hospedeiro, principalmente
em instituições do tipo creches e orfanatos. A medica-
ção específica é o pamoato de pirvínio na posologia
Enterobíase (Oxiuríase) de 10 mg/kg, em dose única tem eficácia de 90%-95%.
Recomenda-se a repetição mensal das dosagens um quadro dispéptico. A diarreia com eliminação de
durante um período de seis meses. Todos os comu- muco pode alternar-se com períodos de obstipação. A
nicantes do paciente devem ser submetidos ao trata- estrongiloidíase crônica pode acarretar uma síndrome
mento, inclusive os assintomáticos. semelhante à má absorção, com enteropatia perdedo-
ra de proteína e perda ponderal.
Na estrongiloidíase disseminada há invasão lar-
var dos órgãos internos acompanhada de bacteremia
Estrongiloidíase polimicrobiana secundária por gram-negativos, qua-
dro de relevante gravidade e mortalidade elevada.
A infecção pelo Strongyloides stercoralis, à
diferença daquela que ocorre por outros vermes,
pode causar autoinfestação com invasão maciça
e subsequente morte do hospedeiro. Essa compli- Terapêutica
cação é mais frequente em crianças desnutridas
ou imunossuprimidas. A infecção por S. stercoralis é O agente terapêutico mais amplamente usado
amplamente distribuída nas regiões tropicais e tempe- é o tiabendazol. A droga é administrada por via oral
radas, embora seja menos comum que a infecção por numa dose de 25 mg/kg duas vezes ao dia durante três
outros nematódeos intestinais. dias. Sugere-se a repetição do tratamento após duas
semanas. Não se deve ultrapassar a dose de 3 g/dia e a
Os indivíduos infectados eliminam larvas nas
administração deve ser restrita a crianças maiores de
fezes; esses parasitas desenvolvem-se em adultos
dois anos. O albendazol, na posologia de 400 mg/dia
de vida livre no solo ou se transformam em lar-
por três dias consecutivos, possui boa eficácia e tole-
vas filariformes infectantes. Estas últimas formas
penetram na pele humana, ganham a corrente
rância. A ivermectina (200 mcg/kg – dose única), em
sanguínea até os pulmões e seguem por uma via crianças com mais de 15 kg apresenta eficácia seme-
semelhante às larvas dos ancilóstomos e Ascaris lhante ao tiabendazol, com menos efeitos colaterais.
até atingir seu hábitat final no intestino delgado
proximal. Os vermes maduros (2,2 mm de compri-
mento) escavam a mucosa intestinal e começam a Tratamento da estrongiloidíase
liberar ovos aproximadamente 4 semanas após a Medicamen- Apresentação Doses
infecção, que eclodem rapidamente e pequenas lar- to
vas são eliminadas nas fezes. As larvas são capazes Tiabendazol 5 mL = 250 mg 25 mg/kg – 2
de infectar o mesmo indivíduo, penetrando em sua 1 cp = 500 mg x/dia por 2-5
parede intestinal ou na pele perianal. Essa caracte- dias.
rística peculiar do ciclo evolutivo do Strongyloides Repetir após
permite que o parasita sobreviva por muitos anos 7-14 dias
no interior do mesmo hospedeiro (20 a 30 anos) e Cambendazol 5 mL = 30 mg 5 mL/kg/dose
eventualmente cause infecção devastadora. 1 cp = 180 mg única, após o
Fatores do hospedeiro, como a nutrição e o es- jantar.
tado da imunidade desempenham um papel crucial Repetir após
no desenvolvimento da síndrome de hiperinfecção. 7-14 dias
Albendazol 1 cp = 200 mg ou 400 mg 400 mg/dia - 3
Os sinais e sintomas da estrongiloidíase 1 frasco-dose = 400 mg dias consecu-
ocorrem em apenas pequena porcentagem dos in- tivos
divíduos infectados ou naqueles com a síndrome
Tabela 3.4
de hiperinfecção. A penetração inicial da pele por
larvas infectantes, em geral, não produz lesões
patológicas. Às vezes, observa-se um quadro de
eosinofilia e sintomas respiratórios discretos (Sín-
drome de Löeffler) durante a migração das larvas
através dos pulmões. A eosinofilia também pode Tricuríase
ocorrer quando fêmeas adultas escavam a mucosa
intestinal, podendo ser, muitas vezes, a única in- (tricocefalíase)
dicação da fase intestinal da infecção. Os sintomas
de dor abdominal, vômitos e diarreia são causados O Trichuris trichiura ou tricocéfalo causa uma das
por vermes adultos no intestino delgado proximal. helmintíases humanas mais comuns. A infecção ad-
Esses sintomas ocorrem numa frequência incerta vém da ingestão de ovos do parasita, que são elimi-
e podem ter início abrupto, com recidivas periódi- nados nas fezes de indivíduos infectados e amadu-
cas. A dor abdominal frequentemente é epigástrica recem em 2-4 semanas se as condições de umidade
e assume características de queimação, simulando e temperatura do solo forem ideais, podendo per-
manecer viáveis no solo por até 5 anos. Após a in- ativam pelas alterações hormonais da prenhez, reini-
gestão, os ovos eclodem e as larvas penetram as vi- ciando o processo de migração somática no animal. Os
losidades do intestino delgado, onde permanecem anti-helmínticos para uso veterinário não são capazes
por 3 a 10 dias antes de moverem-se lentamente de eliminar as larvas encistadas nos tecidos das fême-
em sentido distal no intestino e amadurecer até as e, portanto, não previnem a ativação das larvas e
vermes adultos. O hábitat final do T. trichiura cor- sua transmissão transplacentária para os filhotes; tor-
responde ao ceco, cólon ascendente e sigmoide, po- na-se necessária, portanto, a vermifugação de cadelas
dendo aí viver de 3 a 8 anos. e filhotes (maior contaminante do ambiente) após
A maioria dos indivíduos infectados é assinto- 15 dias do parto. A ingestão de ovos pelo homem é
mática; contudo, queixas abdominais vagas, cólica e seguida por penetração do trato gastrointestinal
distensão abdominal estão associadas à infecção. A pelas larvas e migração para o fígado, pulmão e, às
diarreia crônica é o quadro clínico mais frequente e vezes, outros locais (sistema nervoso central, olho,
deve-se à deficiência na reabsorção de água no cólon, rim e coração). As larvas não se desenvolvem além
consequente à lesão inflamatória da mucosa intesti- desse estágio no hospedeiro humano. O ser huma-
no é um hospedeiro paratênico ou intermediário
nal. O Trichuris adulto suga cerca de 0,005 mL de
(não habitual, em que o agente não completa seu
sangue/verme/dia e somente infecções maciças
ciclo de vida).
produzem anemia, diarreia sanguinolenta/ente-
rorragia e prolapso retal. Esses casos são chamados A larva migrans visceral é particularmente
de tricuríase maciça do lactente e muitas vezes es- mais comum em crianças de 1 a 5 anos de idade,
tão associados à shigelose e a infecções por proto- particularmente naquelas com perversão do apeti-
zoários do trato gastrointestinal. O prolapso retal te (geofagia) e nas que têm contato com cães e ga-
(mucosa prolabada, edemaciada, ulcerada e repleta tos (os ovos infectantes dependem de alguns dias no
de vermes a ela fixados) se deve à hipermotilida- solo para evoluírem para a forma embrionada – não
de intestinal provocada pela penetração na parede são, portanto, infectantes, após a imediata eliminação
pelo verme adulto e o sangramento, à lesão direta pelo animal); a toxocaríase ocular ocorre mais fre-
da mucosa. quentemente em crianças maiores.
As larvas do Toxocara geralmente suscitam uma
resposta granulomatosa caracterizada por grande
número de eosinófilos, células mononucleares e ne-
Terapêutica crose tecidual. Essas lesões são encontradas no fíga-
Mebendazol (cura de 75% a 80%), albendazol em do, pulmão e outros órgãos através dos quais o hel-
dose única (65% a 80% de eficácia) ou albendazol por minto migra.
3 a 5 dias (eficácia 92%) representam opções terapêu- A reação inflamatória é bem menos intensa no
ticas, seguindo as mesmas posologias já mencionadas olho, onde as lesões consistem principalmente em cé-
para as respectivas drogas. lulas mononucleares e alguns eosinófilos.
O espectro de manifestações da SLMV relaciona-
-se diretamente com o grau de parasitismo, intensi-
dade da resposta inflamatória e localização tecidual
Toxocaríase (síndrome de das larvas. Na grande maioria dos casos, a SLMV se
comporta como uma doença benigna e de curso limi-
larva migrans visceral – tado. A forma assintomática (subclínica) decorre da
SLMV) infecção por um pequeno número de larvas, podendo
se caracterizar apenas por eosinofilia que desaparece
espontaneamente.
A larva migrans visceral é causada por infes-
tação com larvas de Toxocara sp., sendo uma antro- As principais manifestações da toxocaríase sin-
pozoonose cosmopolita em expansão. Caracteriza- tomática (forma visceral) são: febre (80%), tosse com
-se basicamente por febre, hepatomegalia, doença sibilância (60%-80%) e convulsões (20%). A dificul-
pulmonar e eosinofilia. O Toxocara canis (áscaris do dade respiratória pode ser intensa o suficiente para
cachorro, mais importante) e o Toxocara catis são pa- justificar a hospitalização. Dor abdominal pode even-
rasitas comuns de cães e gatos que infectam o homem tualmente estar presente. Os achados físicos também
quando este ingere ovos do helminto. Os vermes adul- compreendem hepatomegalia (65%-85%), estertora-
tos do Toxocara residem no trato gastrointestinal de ção pulmonar (40%-50%), lesões cutâneas papulosas
cães e gatos e liberam grande número de ovos, elimi- ou urticariformes (20%) e adenomegalia (10%).
nados nas fezes. Chama atenção a eliminação acentu- Os pacientes com toxocaríase ocular apresentam-
ada do agente após o parto da cadela (cerca de quatro -se mais comumente com redução da acuidade visual
semanas), pois as larvas encistadas em seus tecidos re- (75% dos casos), por vezes associada ao estrabismo,
dor ocular ou edema periorbitário. O exame fundoscó- pescoço e corpo formado por proglotes). Comu-
pico do olho, em geral, revela lesões granulomatosas mente é um parasita solitário e é hermafrodita (em
solitárias situadas na retina próximas à papila óptica cada proglote existem os elementos macho e fêmea
ou à mácula. de reprodução). No gado bovino é encontrada na
forma larvária. As proglotes grávidas desprendem-
Faz-se o diagnóstico com base nas manifesta-
-se do verme durante ou após a evacuação, ou,
ções clínicas e testes sorológicos. O único teste confiá-
nessa espécie, ativamente. As proglotes elimina-
vel (padrão-ouro) é um ensaio de imunoabsorção ligado das (uma proglote grávida pode eliminar cerca de
à enzima (Elisa), que utiliza ovos de T. canis como antíge- 50.000 ovos), contaminam água, alimentos e solo,
nos. Esse ensaio é positivo em cerca de 75% dos casos de podendo ser ingeridos pelos animais. No intestino
larva migrans visceral e em frequência menor nos indiví- animal, o embrião, por meio da circulação, che-
duos com diagnóstico clínico de toxocaríase ocular. ga aos músculos, onde se transformam em larvas
Eosinofilia (até 50%) está presente em quase to- (canjiquinha). O homem se contamina com a inges-
dos os indivíduos com síndrome visceral, mas é bem ta dessa carne malcozida. A sobrevida dos vermes no
menos comum nos indivíduos com doença ocular. In- intestino humano é de cerca de 20 a 30 anos.
tensas eosinofilias devem provocar suspeita de toxo- A Taenia solium é muito semelhante à anterior,
caríase. A eosinofilia pode durar meses. tendo como hospedeiro intermediário o porco. Atin-
Os achados inespecíficos podem incluir elevações ge um tamanho bem maior (até 2 metros). No para-
de gamaglobulinas séricas e isohemaglutininas em vir- sitismo humano pela T. solium existe a possibilidade
tude das larvas do toxocara compartilharem antígenos de o homem tornar-se hospedeiro intermediário,
de superfícies com hemácias humanas). Embora se pos- abrigando a forma larvária do verme, condição co-
sam encontrar larvas ao exame de cortes teciduais, a nhecida como cisticercose. Esta pode ocorrer pela
ingestão pelo homem de água ou alimentos conta-
biópsia hepática ou de outros órgãos, em geral, não é
minados por ovos (não larvas) e também por autoin-
indicada porque os dados clínicos e laboratoriais forne-
festação, em indivíduos que já têm teníase, quando
cem evidências suficientes para definir o diagnóstico.
a seu estômago chegam anéis (proglotes) maduros
O esquema terapêutico dependerá da forma clí- de tênia; geralmente por refluxo do conteúdo intes-
nica e da gravidade da sintomatologia. Nos casos as- tinal. A digestão da casca pelo suco gastrointestinal
sintomáticos, considerando o caráter autolimitado da libera o embrião que penetra na parede intestinal,
infecção, o tratamento pode ser expectante. Tiaben- atinge a circulação e invade os tecidos, provocando
dazol é uma droga clássica descrita para o tratamento quadro muito grave quando invade o SNC, determi-
dos sintomáticos graves. Mebendazol pode ser utili- nando quadro de neurocisticercose, quadro clínico
zado também, na dose de 100 mg, 2 x/dia, por 5 dias. semelhante à neurotuberculose.
A sintomatologia da teníase, na maioria dos ca-
sos, é escassa ou inexistente. A queixa mais frequente
Tratamento da toxocaríase
é o desconforto causado pela migração das proglotes
Medicamento Apresentação Doses pelo ânus, no caso da T. saginata. Sintomas como náu-
Tiabendazol 5 mL = 250 mg 25 mg/kg, 2 x/dia, (máxi- seas, vômitos e diarreia de intensidade variável, de
1 cp = 500 mg mo: 3 g/dia) por 5 a 7 dias curta duração, podem ocorrer.
Tabela 3.5
As drogas utilizadas no tratamento da teníase
(cestocidas) são o praziquantel (primeira escolha),
mebendazol (em doses maiores, quando comparadas
em relação ao tratamento de outras helmintíases) e o
albendazol (três dias).
Cestódeos
Teníase (Solitária) Trematódeos
É a infestação parasitária do intestino por dois
tipos de tênia: Taenia solium (hospedeiro intermediá-
rio é o porco) e Taenia saginata (hospedeiro intermedi- Esquistossomose
ário é o boi). A esquistossomose é uma parasitose causada
A Taenia saginata, no estado adulto, parasita pelo Schistossoma mansoni, vulgarmente conheci-
exclusivamente o intestino do homem. Pode medir da em nosso meio como barriga d’água ou doença
até 10 cm de comprimento, apresentando-se sob a do caramujo. Torna-se importante no Brasil, pela gra-
forma de uma fita achatada e segmentada (cabeça, vidade de suas formas complicadas. Embora seja mais
fecais através da técnica Elisa pode ser superior ao exa- apresenta boa eficácia, com a vantagem de seu es-
me direto, entretanto tem a desvantagem de não averi- pectro antiparasitário amplo. Essa indicação ainda
guar simultaneamente a presença de outros parasitas. é controversa para alguns autores. Outra droga re-
Há controvérsias sobre o tratamento de indiví- centemente liberada para o tratamento de giardíase
duos eutróficos assintomáticos, portadores de Giardia. é a nitazoxanida.
O tratamento de portadores assintomáticos (adultos e
crianças) em áreas altamente endêmicas não tem de-
monstrado eficácia no controle de epidemias em cre- As três principais apresentações de giardíase
ches e instituições (taxa de reinfecção alta). A maioria Estado de portador assintomático
dos autores ainda assim considera o seu tratamento, Má absorção crônica e retardo do crescimento
particularmente nos manipuladores de alimento. Gastroenterite aguda com diarreia e distensão abdominal
No tratamento da giardíase, os derivados imidazó-
Confiabilidade dos métodos diagnósticos
licos, representados pelo metronidazol, tinidazol e secni-
para giardíase
dazol, são, atualmente considerados drogas de primeira
escolha, sendo os dois últimos vantajosos por serem em Única amostra de fezes para pesquisa de trofozoítos ou
dose única. A furazolidona, apesar de apresentar índices cistos: 50 a 70%
de cura mais baixos que os derivados imidazólicos, ao re- Três amostras (uma a cada 72 horas): 90% a 95%
dor de 80%, apresenta como vantagem o baixo custo. Única amostra e Elisa para detecção de antígeno: 95%
Alguns estudos têm demonstrado que a admi- Biópsia e aspirado duodenal (padrão-ouro): quase
nistração de albendazol, na dose de 400 mg/dia, du- 100%
rante cinco dias, em crianças maiores de dois anos, Tabela 3.6
Medicamento Dose
Furazolidona 5 a 7 mg/kg/dia, via oral, dividido em 4 doses durante 7 dias.
Adulto: 400 mg/dia, 4 x/dia, por 7 dias
Metronidazol 50 mg/kg/dia, 3 x/dia
250 mg, 3 x/dia, por 5 a 10 dias
Tinidazol 50 mg/kg/dia dose única
Adulto: 2 g/dose única
Albendazol 400 mg via oral por dia durante 5 dias.
Secnidazol 30 mg/kg, dose única, após refeição
Adulto: 2 g, dose única
Nitazoxanida 100 mg 2 x/dia (1 a 3 anos), 3 dias
200 mg 2 x/dia (4 a 12 anos), 3 dias
Adultos: 500 mg, 2 x/dia, 3 dias
Tabela 3.7
Amebíase
Designa a protozoose humana causada pela Entamoeba histolytica. A transmissão ocorre pela ingestão
de água ou de alimentos contaminados com cistos do parasita ou por contato direto, pessoa a pessoa, por meio
de mãos sujas com fezes contaminadas. Os cistos ingeridos chegam intactos até a porção inferior do intestino
delgado, onde evoluem para a forma trofozoítica. Estes se movimentam por pseudópodes e habitam a parede e a
luz do intestino grosso (ceco e cólon). Alimentam-se por fagocitose do material fecal e de bactérias e se multiplicam
por divisão binária. Algumas amebas se encistam e são eliminadas pelas fezes para perpetuar o ciclo do parasita.
Os trofozoítas na luz intestinal podem invadir a parede do intestino grosso, multiplicarem-se, destruindo os
tecidos e provocando ulcerações intestinais ou, mais raramente, necroses e abscessos em outros órgãos.
A forma mais comum de infecção é o portador assintomático (90%), onde o agente vive como comensal intra-
luminal, sem tradução clínica expressiva. O parasito pode conviver pacificamente por longos períodos e ser eliminado
sob a forma de cistos pelas fezes.
Quando invade a mucosa, mais comumente manifesta-se como colite amebiana não disentérica. O
quadro caracteriza-se por início insidioso, com aparecimento de crises de diarreia com um pequeno número (2 a
4) de dejeções de fezes moles ou pastosas, com muco ou sangue, que se acompanham por desconforto abdominal,
flatulência, geralmente sem febre, alternados de períodos de melhora (eventualmente com obstipação).
A colite amebiana disentérica é a forma expressiva mais clássica da amebíase aguda não complicada. Esta
pode ser abrupta e é caracterizada pela tríade: evacuações frequentes com muco e sangue (8 a 10/dias), cólicas
abdominais e tenesmo. As fezes são líquidas, muco-sanguinolentes ou muco-pio-sanguinolentas, já traduzindo
lesão ulcerativa e inflamação do intestino. Podem estar acompanhadas de manifestações dispépticas e anorexia.
Pode haver elevação moderada da temperatura e calafrios (há confusão com quadros disentéricos bacterianos).
O diagnóstico de certeza da amebíase intestinal é feito pelo encontro do protozoário no exame de fezes. A re-
tossigmoidoscopia ajuda na caracterização da forma disentérica, permitindo a visualização das úlceras intestinais e
permitindo coleta para exame histopatológico.
As principais complicações intestinais, decorrentes da atividade invasora, são a colite necrotizante (necrose, isque-
mia e hemorragia com subsequente peritonite e altísima mortalidade) e o ameboma (reação desencadeada pelo parasita
no tecido conjuntivo com formação de massa granulomatosa e subsequente edema e estreitamento da luz intestinal).
Ao invadir a submucosa do intestino e penetrar na corrente circulatória, a ameba pode translocar-
-se para outros setores do organismo atingindo principalmente o fígado. É a forma de amebíase invasiva
extraintestinal mais frequente. Em decorrência de uma hepatite amebiana aguda, formam-se áreas de necrose
pela formação de múltiplos abscessos, que se fundem em um único (geralmente no lobo direito). A clínica carac-
terística é de dor em hipocôndrio direito, febre e hepatomegalia dolorosa.
Amplo é o arsenal terapêutico para a amebíase. A etofamida e o teclosan são amebicidas de ação direta sobre o
protozoário, não absorvíveis e eficazes na luz intestinal (amebicidas de contato ou luminais). Esses medicamentos não
tem difusibilidade tecidual e, desta maneira, não atuam sob trofozoítos invasores na disenteria amebiana aguda ou na
amebíase extraintestinal. Dos amebicidas de ação tecidual, destacam-se os imidazólicos (metronidazol, tinidazol e sec-
nidazol) que são eficazes na luz intestinal, na parede intestinal e no fígado (boa concentração em todas as localizações).
Todos os portadores assintomáticos devem ser tratados, pois, além de atuarem como fonte de propagação da
doença, existe o risco de desenvolverem a forma invasiva da amebíase. Nesses casos, recomenda-se o uso de um
amebicida de ação luminal exclusivamente ou um imidazólico. Nos sintomáticos e nas colites sugere-se metronidazol
ou secnidazol. Abaixo, algumas doses dos principais medicamentos disponíveis para tratamento da amebíase.
Medicamento Doses
Metronidazol 30-50 mg/kg/dia VO divididos em 3 doses por 7 a 10 dias
Adulto: 750 mg/dose (3 x/dia)
Etofamida 100 mg/dose, 12/12 h, 3 dias
Adultos: 500 mg 12/12 h, 3 dias
Tinidazol 50 mg/kg dose única VO
Adulto: 2 g/dia dose única VO
Secnidazol 30 mg/kg/dia dose única VO
Adulto: 2 g/dia, dose única VO
Tabela 3.8
4
Afecções de vias aéreas
superiores e médias
capazes de respirar pela boca encontram dificuldade A infecção viral das vias aéreas superiores (IVAS)
para sucção e deglutição (cianose ao mamar). O diag- é a doença mais comum na população pediátrica e adul-
nóstico é estabelecido pela incapacidade de introdu- ta. De caráter benigno e autolimitado, na maioria das
zir um cateter ou sonda pela narina por 3-4 cm até a vezes, tem sua importância sobretudo como uma en-
nasofaringe, procedimento esse que deve ser realizado tidade que determina inúmeros dias de absenteísmo
na própria sala de recepção do neonato. A endoscopia escolar e no trabalho. A população pediátrica é parti-
nasal e a tomografia computadorizada são os exames cularmente suscetível às infecções respiratórias, sendo
de imagem de escolha para complementação diagnós- as creches e escolas espaços socialmente mais densos e
tica. O tratamento é cirúrgico. palcos de alta prevalência dessas afecções virais.
De acordo com os atuais consensos, o termo ri-
nossinusite tem sido preferido para denominar os
processos infecciosos que acometem a mucosa nasal
Infecções de vias aéreas e os seios paranasais, uma vez que, quase sempre, a
superiores rinite e a sinusite são doenças em continuidade.
São as infecções que atingem as estruturas do Os sintomas/sinais de tosse, coriza, espirros, obs-
trato respiratório acima da laringe. Entretanto, a trução e prurido nasais, caracterizam as infecções respi-
maioria das doenças respiratórias afeta simultânea ratórias altas que, em sua grande maioria são causadas
ou sequencialmente as partes superior e inferior do por agentes virais. Crianças apresentem uma média de
trato respiratório. 6 a 8 IVAS/ano. Eventualmente, o quadro pode compli-
Muitos microorganismos diferentes, sobretudo car-se (em cerca de 5%) com uma infecção bacteriana
vírus (causadores da maioria dos quadros de infec- secundária dos seios da face, a rinossinusite bacteriana
ções respiratórias) são capazes de determinar doença aguda. Sendo a IVAS a infecção de maior incidência e
primária do trato respiratório. O mesmo micro-orga- frequência na infância, tem-se, portanto, um grande
nismo pode causar infecção inaparente ou sintomas número de complicações para sinusite ou otite média
clínicos de intensidade e extensão variáveis de acordo aguda (uma outra complicação da IVAS). Entretanto,
com fatores do hospedeiro, como idade, contato pré- chama a atenção, na prática, o excesso de diagnósticos
vio com agente, estado nutricional e predisposição de sinusites e, por consequência, da prescrição de an-
alérgica. Por exemplo, entre membros diferentes de timicrobianos para quadros que, em uma análise mais
uma família, um único vírus pode produzir ao mesmo detalhada, não mereciam nada mais além da higieniza-
tempo um resfriado típico nos pais, bronquiolite no ção e lavagem nasal com soro fisiológico, analgesia e hi-
lactente, crupe numa criança um pouco maior, farin- dratação da criança. Alguns autores cunharam o termo
gite em outra, e uma infecção subclínica em outro. As “epidemia de sinusites” alertando a necessidade de me-
crianças que frequentam creches têm maior risco para lhores parâmetros para o diagnóstico e tratamento das
infecções respiratórias. verdadeiras complicações bacterianas sinusais. Diante
dessa situação, recentes guidelines internacionais e
Embora exista uma superposição considerável, consensos nacionais esclarecem critérios diagnósticos
alguns micro-organismos são mais propensos a pro- e condutas, visando o uso racional de antibióticos em
duzir determinada síndrome respiratória do que ou- afecções de vias respiratórias pediátricas.
tros, e certos agentes são mais propensos a definir
quadros de maior gravidade. Assim, o vírus sincicial A rinossinusite infecciosa aguda viral (resfriado
respiratório é o principal causador de bronquiolite, comum) é o tipo de rinite mais comumente observado.
mas pode determinar quadros de pneumonia, larin- É a doença humana (adultos e crianças) mais frequente,
gite ou mesmo doença febril indeterminada. O vírus embora se destaque o número de ocorrências na popu-
parainfluenza é o grande responsável pelo crupe viral lação pediátrica. É uma afecção aguda e autolimitada;
(laringite), mas pode produzir bronquite, bronquiolite entretanto representa situação na qual inúmeras pres-
ou mesmo um quadro de resfriado comum. Os adeno- crições inadequadas de antibióticos em todo o mundo
vírus são responsáveis por cerca de 10% das doenças são identificadas. Inúmeros medicamentos OTC (over-
respiratórias, muitas das quais leves e assintomáticas; -the-counter), difundidos pela mídia e vendidos sem
a faringite e a febre faringoconjuntival são as manifes- orientação médica, também nos preocupam, por não
tações mais comuns em crianças. Entretanto, podem apresentarem indicação precisa e serem responsáveis
causar infecção grave do trato respiratório inferior. por quadros de intoxicação nas crianças.
Os rinovírus e os coronavírus geralmente limitam-se O quadro clínico do resfriado comum é causado
ao trato superior (síndrome do resfriado comum). Os por representantes de inúmeras famílias de vírus; os
coxsackie vírus A e B produzem doença principalmen- mais comuns são cerca de 100 sorotipos de rinoví-
te na faringe. Outros vírus respiratórios determinam rus, que representam cerca de 50% dos agentes dessa
manifestações sistêmicas associadas, por vezes gra- doença. Outros vírus implicados são o vírus sincicial
ves, como é o caso do vírus do sarampo. respiratório, parainfluenza, adenovirus, coronavirus,
enterovírus não-polio (echovirus e coxsackievirus) e sinal pode ser reconhecido como parte da evolução na-
metapneumovírus humanos. Embora alguns desses tural de uma IVAS viral não específica; a coloração é
vírus produzam imunidade duradoura, como os ri- devida à presença de leucócitos polimorfonucleares e
novírus, isso, na prática, não interfere nos resfriados não de bactérias.
subsequentes pelo grande número de sorotipos de ví- Na IVAS, descreve-se uma disfunção mucociliar
rus existentes. de duração de cerca de 10 dias; portanto, durante
O resfriado comum ocorre em qualquer época do esse período é habitualmente esperado sintomas de
ano; todavia, é mais incidente nos meses chuvosos e de tosse e rinorreia. Como veremos posteriormente, a
outono/inverno e tem alta prevalência familiar. Quanto possibilidade diagnóstica de rinossinusite bacteriana
à sazonalidade, devemos considerar a grande variabili- ocorrerá fundamentalmente em quadros mais pro-
dade em nosso país com dimensões continentais. longados do que esse.
A disseminação parte de crianças, particular- O diagnóstico do resfriado comum é fundamen-
mente, que frequentam creche ou escola. As crianças talmente clínico.
com idade inferior a dois anos têm maior concentra-
O resfriado comum é erroneamente denominado
ção de vírus na via aérea superior, por um período de
de gripe. O termo gripe (influenza) deveria ficar reser-
tempo maior, assim, constituindo-se transmissores
vado à clássica doença causada pelo vírus influenza,
mais importantes do que os adultos.
com um maior comprometimento sistêmico, cefaleia,
A transmissão ocorre por via respiratória ou mialgia, além das manifestações catarrais altas, e de
transferência do agente pelas mãos que entram em disseminação extremamente rápida (características
contato com as secreções respiratórias das mucosas. O epidêmicas). Frequentemente encontramos leigos e
principal mecanismo de disseminação das IVAS (parti- até médicos que, ao tentarem diferenciar as IVAS, di-
cularmente por rinovírus) é a transmissão de secreções zem que gripe cursa com febre e resfriado não. Essa
infectadas de mãos contaminadas para membranas informação não tem nenhum substrato, pois a maio-
mucosas do nariz e olhos para um receptor suscetível. ria das IVAS, causadas por diversos vírus, pode cursar
Daí a fundamental importância da higienização das com quadro febril, inclusive febre alta, mantendo-se a
mãos, particularmente de cuidadores de creches. denominação de resfriado comum. Esse resfriado co-
Adultos costumam ter dois a quatro resfriados mum não deve ser tratado com antibióticos.
por ano, com média de duração de três a cinco dias; Evidências recentes sugerem que o resfriado co-
crianças podem ter de seis a oito por ano, com média mum inclui, obrigatoriamente, o acometimento sinu-
de duração de cinco a sete dias. O contato com outras sal, pois a mucosa que reveste internamente as cavida-
crianças e a suscetibilidade individual a infecções do des paranasais é a mesma que recobre as fossas nasais.
trato respiratório superior podem ocasionar múltiplos Na fase aguda do resfriado pode ocorrer hiperemia de
episódios ou complicações com eventuais infecções membrana timpânica (sem a necessidade de haver oti-
bacterianas secundárias. te bacteriana), hiperemia e odinofagia (agravada pelo
A apresentação clínica varia com a idade da crian- ressecamento secundário à respiração bucal), mialgia
ça. O quadro pediátrico difere do adulto; esse último pelo comprometimento sistêmico e tosse, sinais que
costuma ser menos sintomático. O resfriado comum não devem assustar o clínico.
geralmente inicia-se com dor ou desconforto na gar- Na terapêutica das rinossinusites agudas virais
ganta. Nos escolares e adolescentes predominam a ri- não há indicação de antibióticos, descongestionantes
norreia, obstrução nasal, irritação faríngea, mal-estar, tópicos ou sistêmicos (principalmente em lactentes),
tosse e secreção retrofaríngea; entre 25% e 50% têm mucolíticos, antitussígenos, anti-inflamatórios ou vita-
reações febris e conjuntivite. mina C. O tratamento se baseia em medidas de suporte,
Nos lactentes, a febre é mais frequente; de leve/ com hidratação, fluidificação e remoção de secreções.
moderada intensidade, no início da infecção, por cer-
ca de 48 a 72 horas. Há irritabilidade, vômitos e/ou
diarreia e a obstrução nasal e a coriza interferem na
aceitação alimentar e no sono. Portanto, os resfriados Sinusite bacteriana aguda
são mais intensos (e com risco maior de complicações) Os seios paranasais se desenvolvem nos ossos
em crianças pequenas, quando comparadas às maio- faciais como células aeríferas revestidas com epité-
res, adolescentes e adultos. lio colunar pseudoestratificado ciliado e secretor de
A descarga nasal inicia-se clara e aquosa, tornan- muco. Lembre-se da contiguidade mucosa do epitélio
do-se mais espessa e mucoide e, depois, escura e opaca respiratório das vias aéreas superiores para o enten-
(purulenta), particularmente pela manhã por vários dimento das afecções aí localizadas; assim, qualquer
dias. Embora alguns acreditem que a rinite mucopu- processo inflamatório que ocorre na mucosa nasal
rulenta indique a presença de sinusite bacteriana, este pode acometer a mucosa sinusal.
O desenvolvimento dos seios começa aos três ranasais, garantindo arejamento adequado e pronta
a cinco meses de gestação, mas ocorre fundamental- eliminação de partículas ou microorganismos intro-
mente após o nascimento. Os pequenos seios etmoi- duzidos na cavidade sinusal.
dais e maxilares são os primeiros a se formar e são os A retenção de secreções nos seios paranasais é
principais acometidos nos processos infecciosos de devida a um ou mais dos seguintes fatores: diminuição
lactentes. Deve-se lembrar, portanto, que sinusite em da função mucociliar (disfunção do aparelho ciliar),
lactente é maxilo-etmoidal. Os seios frontais em geral obstrução dos óstios sinusais (edema de mucosa ou
começam sua ascensão no segundo ano; entretanto, efeito mecânico direto) e hiperprodução ou mudança
tornam-se pneumatizados aos 5-6 anos de idade (eles da viscosidade das secreções. A Tabela 4.1 apresenta
não são observáveis radiologicamente até essa idade). os principais fatores predisponentes para sinusite.
Os seios maxilares, etmoidais anteriores e fron- Deve-se lembrar que a IVAS determina uma disfunção
tais drenam para uma área conhecida como complexo mucociliar e perda de células ciliadas que pode persis-
óstio-meatal (COM), no meato médio. Em particular, tir até dez dias após a cura do processo infeccioso vi-
ral; esse fato, portanto representa um dos principais
a via de saída do seio maxilar está em um posiciona-
fatores facilitadores para a infecção sinusal. Processo
mento que dificulta a drenagem gravitacional; a remo-
inflamatório alérgico, espessamento de secreções na
ção de secreções é, portanto, dependente da adequada
fibrose cística e outras alterações da função ciliar são
drenagem mucociliar da mucosa.
exemplos de facilitadores para a infecção dos seios da
Qualquer obstáculo de drenagem ou compro- face. A pressão negativa da cavidade sinusal obstruída,
metimento no COM promove a estase das secreções permite a migração de bactérias do nariz e nasofarin-
dentro das cavidades paranasais. A manutenção dos ge, que associadas à produção de muco, contribui para
óstios abertos é fundamental na higidez dos seios pa- o início da reação inflamatória.
A aspiração do conteúdo sinusal, procedimento complexo e não realizado rotineiramente, permitiu o conhe-
cimento da microbiologia da sinusite. Vários estudos da década de 1980 evidenciam que os principais agentes
relacionados à etiologia da sinusite aguda são: Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae (não-tipável)
e Moraxella catarrhalis e patógenos virais. O pneumococo foi descrito como o agente mais comum, em 40 a
50% dos casos. Entretanto, poucos estudos de punção sinusal foram realizados posteriormente e, além disso, a
microbiologia da flora da nasofaringe de crianças sofreu mudanças importantes na última década. Como a pa-
togênese da otite média aguda (OMA) é semelhante à da sinusite, e, sendo a cavidade da orelha média, um dos
seios paranasais, dados obtidos de timpanocentese ajudam a entender a mudança no perfil etiológico das otites e
sinusites. Desde a introdução das vacinas conjugadas para pneumococo (7-valente e, posteriormente, 10-valente
ou 13-valente) houve uma mudança dos patógenos da OMA, com diminuição dos casos causados pelo pneumo-
coco e aumento relativo dos casos por hemófilos. Lembre-se que a vacinação antihemófilos não muda o perfil de
morbidade das vias aéreas superiores pois a vacina é direcionada para Haemophilus influenzae tipo b causador de
infecções graves e invasivas.
O principal desafio para o médico diante de uma criança com IVAS é distinguir um quadro viral simples de
uma sinusite bacteriana aguda, que poderão se beneficiar de tratamento antimicrobiano.
Três padrões de apresentação são descritos para A tomografia computadorizada (TC) pode ser
a sinusite bacteriana. O primeiro, mais comum, é o da útil na suspeita de complicações. As complicações po-
IVAS que se prolonga. Os sintomas respiratórios, com dem ser orbitais (celulite peri e orbitária, abscesso),
congestão e secreção nasal, com graus variáveis de tos- envolver o sistema nervoso central (meningite, abs-
se, persistem por mais de dez dias (resfriado “arrasta- cesso cerebral, trombose do seio venoso) ou a estrutu-
do”). A chave para reconhecer e distinguir essa apre- ra óssea (osteítes). O seio frontal e etmoidal são os que
sentação de uma IVAS simples é a ausência de melhora mais comumente apresentam complicações, particu-
após dez dias de quadro. larmente esse último devido às suas paredes finas que
A segunda apresentação é a dos sintomas bifási- facilitam propagação da infecção para a órbita, que são
cos (referida na literatura internacional como double as complicações mais comuns. Sinais de infecção orbi-
sickening) ou de agravamento clínico. Esses pacientes tal incluem edema palpebral, proptose e comprometi-
apresentam uma melhora inicial de uma IVAS simples, mento da musculatura ocular. Os seguintes achados
seguindo-se de uma piora significativa, com exacerba- devem alertá-lo para a possibilidade de complicações
ção da tosse, congestão ou descarga nasal. Pode haver orbitárias ou intracranianas:
reaparecimento da febre. � edema e hiperemia periorbital/orbital, com ce-
faleia persistente e vômitos;
A terceira apresentação da sinusite bacteriana é a
de início grave. Os pacientes apresentam febre alta (39 � vômitos e cefaleia que necessitem de internação
graus) acompanhada de secreção nasal purulenta, por hospitalar, particularmente em crianças mais
um período de três dias. velhas;
O pneumococo é a principal agente etiológico var a dose aumentada de amoxicilina para crianças com
bacteriano de pneumonias e de doenças invasivas em riscos de desenvolvimento de resistência: menores de
crianças em países em desenvolvimento. O uso não ju- dois anos, frequentadoras de creches e que receberam
dicioso de antibióticos para sinusites e otites tem-se antibioticoterapia recentemente (<30 dias).
associado ao surgimento de cepas resistentes aos an- Assim, no tratamento antimicrobiano, a droga
timicrobianos. A resistência dos pneumococos à peni- de primeira escolha é a amoxicilina, na dose habitual
cilina deve-se a alterações na afinidade das proteínas de 45 a 50mg/kg/dia, administrada duas vezes ao dia.
ligadoras de penicilina ao antibiótico, decorrente de
alterações cromossômicas da bactéria. Diferentemen- Dez dias de tratamento geralmente são suficien-
te de outras bactérias, lembre-se que a resistência do tes para os pacientes que apresentam rápida respos-
pneumococo à penicilina não envolve a produção de ta clínica; para aqueles que respondem em um ritmo
enzimas beta-lactamases, que destroem o anel beta- mais lento, mantém-se sete dias de tratamento após a
-lactâmico do antibiótico, inativando-o. A frequência resolução clínica do caso.
de pneumococos resistentes (resistência intermedi- Não havendo resposta clínica entre 48 e 72 horas,
ária ou total) à penicilina varia entre as diversas co- a associação da amoxicilina a um inibidor de beta-lacta-
munidades, vem crescendo, mas ainda é pequena em mase, como o clavulanato é uma opção justificável.
nosso país. Assim, orientações sobre prescrição de an- Não se deve esquecer do tratamento antipirético,
tibióticos oriundas de outros países para as infecções analgésico e a lavagem nasal com solução fisiológica
respiratórias devem ser vistas com ressalvas. Além que ajuda prevenir formação de crostas, facilitando a
disso, a grande maioria dos estudos são realizados liquefação dos fluidos sinusais. A redução na viscosi-
com cepas isoladas de infecções invasivas. dade e a melhora da qualidade do muco pode ajudar
Dados brasileiros mais recentes (2012) do estudo na resolução da infecção. Não existe recomendação
SIREVA (grande estudo sentinela de vigilância epide- de anti-histamínicos nas crianças que não tenham
miológica conduzido pela Organização Panamericana um componente alérgico subjacente; podem espessar
de Saúde na América Latina para monitorar infecções a secreção contribuindo para a obstrução do óstio de
invasivas causadas por S.pneumoniae, H.influenzae e drenagem. Descongestionantes tópicos devem ser evi-
N.meningitidis) identificou 92,5% de pneumococos tados: seu uso prolongado (>5 dias) pode causar va-
(isolados e identificados em não-meningites em me- sodilatação rebote e congestão, situação denominada
nores de 5 anos) sensíveis à penicilina e 7,5% com re- rinite medicamentosa.
sistência intermediária. A resistência ou a sensibilida-
de intermediária não representa uma limitação ao uso
da penicilina porque corresponde a cepas da bactéria
que necessitam de níveis séricos mais elevados do an- Rinite alérgica
tibiótico, os quais já são normalmente obtidos com as A rinite alérgica é a manifestação mais comum
doses usadas habitualmente para o tratamento. dos distúrbios alérgicos, conhecendo-se hoje a nítida
A produção de beta-lactamase é o mecanismo de predisposição atópica familiar. Trata-se de uma infla-
resistência antibiótica dos demais agentes de sinusite: mação da mucosa nasal, mediada por anticorpos IgE,
entre 10 a 40% dos H. influenzae são produtores dessa que ocorre após exposição a alérgenos. Uma vez que
enzima e virtualmente, em nosso meio, 100% da M. o revestimento das cavidades nasossinusais pode ser
catarrhalis a produzem também. considerado único e contínuo, todo o processo infla-
Alguns fatores de risco para o desenvolvimento matório que acomete a mucosa nasal determina al-
de resistência bacteriana são as crianças: teração da mucosa sinusal; daí o termo preferencial
rinossinusite alérgica hoje difundido. Os principais
� que habitam áreas com frequências altas de re- sintomas da rinite alérgica são espirros em salva, pru-
sistência;
rido nasal, rinorreia aquosa e congestão nasal. Prurido
� menores de dois anos; ocular, hiperemia conjuntival, lacrimejamento e foto-
� frequentadoras de creche; fobia podem estar associados. Os sintomas imediatos
após a exposição alergênica são consequência da ativa-
� que fizeram uso de antibióticos nos últimos 30
dias; ção imunológica e da liberação de mediadores no muco
e na mucosa nasal. Os antígenos difundem-se para
� não imunizadas com a vacina para pneumococo. dentro do epitélio e, em indivíduos atópicos, genetica-
Publicações internacionais sugerem altas doses mente predispostos, desencadeiam a produção de IgE
de amoxicilina associada ao clavulanato (90mg/kg/dia) local. A liberação (estimulada pela IgE) de mediadores
como primeira linha para o tratamento da sinusite, vi- dos mastócitos (pré-formados e neoformados), deter-
sando-se melhor cobertura para pneumococo que têm mina o subsequente recrutamento de elementos infla-
resistência intermediária e para os hemófilos produto- matórios. As reações subsequentes acarretam muco,
res de beta-lactamase. Em nosso meio, pode-se reser- edema, inflamação, prurido e vasodilatação. Os princi-
pais alérgenos ambientais desencadeantes são: poeira, desse anticorpo, como a exposição crônica ao tabaco
ácaros, fungos, pólens e epitélio de animais. Odores e parasitoses intestinais. Assim, a determinação de
fortes e fumaça de tabaco são os principais irritantes IgE sérica total não deve ser utilizada como parâmetro
inespecíficos (mecanismos não imunológicos). diagnóstico de rinite alérgica. A pesquisa de IgE séri-
ca específica é importante na avaliação da rinite. Para
Frequentemente a criança alérgica pode ser reco-
avaliar a presença de anticorpos específicos, utilizam-
nhecida por alguns maneirismos faciais: franzimento
-se os testes cutâneos in vivo ou in vitro (a prova de
do nariz (nariz de coelho) e saudação alérgica, prega radioalergoabsorção – RAST), que avalia a presença de
transversa nasal (crista horizontal na junção da ponta anticorpos IgE para vários antígenos. O teste cutâneo
bulbosa com a ponte nasal mais rígida), e olheiras por é menos dispendioso e tecnicamente fácil de executar.
estase venosa decorrente da mucosa nasal edemacia- Além disso, existe uma faixa mais larga de antígenos
da. Essas características da expressão nasal são rara- disponíveis, e os resultados podem ser interpretados
mente observadas antes dos quatro ou cinco anos de imediatamente. O RAST é indicado para o paciente
idade. Há um aumento progressivo das manifestações muito pequeno, no qual o teste cutâneo é difícil de ser
alérgicas com a idade e suas formas mais típicas são executado, ou quando não se pode interromper o tra-
observadas nos adolescentes. tamento com anti-histamínicos.
Dependendo da intensidade dos sintomas, as A terapêutica da rinite alérgica envolve a identi-
crianças com rinite podem ter alteradas suas condi- ficação e a remoção dos alérgenos, tratamento farma-
ções de vida diária, sua capacidade de concentração, cológico e, eventualmente, a imunoterapia.
apresentar irritabilidade ou sono alterado, diminuin- O afastamento do paciente aos alérgenos seria a
do, assim, a sua qualidade de vida. melhor terapêutica para doenças alérgicas. Isto inclui
O exame da cavidade nasal evidencia uma mucosa medidas de higiene ambiental, como eliminação de
edemaciada, coloração pálida e a presença de secreção pelos de animais, controle da poeira doméstica, espe-
aquosa principalmente se a criança estiver em crise. cialmente no quarto da criança, entre outras.
A base do tratamento farmacológico consiste
A classificação da rinite alérgica está baseada na
no uso de anti-histamínicos. Entretanto, apesar da
frequência dos sintomas e na gravidade do quadro clíico.
variedade de medicamentos disponíveis, a ação sobre
obstrução nasal costuma ser pobre. Para o início do
tratamento, a utilização concomitante de corticoides
Rinite alérgica – Classificação tópicos (beclometasona ou budesonida, por exemplo)
e anti-histamínico via oral tem mostrado maior eficá-
Intermitente Persistente cia na redução da obstrução.
< 4 dias por semana > 4 dias por semana A imunoterapia ou terapia de hipossensibili-
ou < 4 semanas e > 4 semanas zação consiste em provocar aumento progressivo de
anticorpos circulantes bloqueadores e uma redução na
liberação de histamina dos mastócitos, com a adminis-
tração gradativa e crescente de antígenos específicos
após serem previamente identificados por meio de
Leve Moderada-grave
testes cutâneos.
Sono normal Sono comprometido
Atividades normais Atividades
(trabalho, escola, comprometidas
lazer e esporte) Sintomas incomodam
Sintomas não Pólipos nasais
incomodam
Os pólipos nasais são tumores pedunculados be-
nignos, formados de mucosa nasal edematosa e croni-
Figura 4.1 camente inflamada. Em geral, originam-se do seio et-
moidal e se apresentam, na grande maioria das vezes,
no meato médio. Pólipos muito grandes ou múltiplos
Embora a rinite alérgica seja doença de diagnós- podem obstruir completamente a via nasal.
tico predominantemente clínico, na investigação do
paciente alérgico, alguns exames laboratoriais podem A fibrose cística é provavelmente a causa infantil
ser úteis. As secreções nasais de pacientes com rinite mais comum de polipose nasal; até 25% dos pacientes
alérgica geralmente contêm um número aumentado apresentam pólipos. Toda criança com polipose nasal
de eosinófilos: 10% a 20% de células no citograma deve ser investigada para fibrose cística, mesmo na
nasal. O hemograma pode apresentar eosinofilia. ausência dos sintomas respiratórios e digestivos típi-
Embora a determinação dos níveis séricos de IgE to- cos. A polipose nasal também está associada à sinusite
tal seja rotineiramente na pesquisa de sensibilização crônica de outras etiologias, rinite alérgica crônica e
atópica, outras condições podem ocasionar aumento asma. A síndrome de polipose nasal, asma e intolerân-
cia à aspirina é conhecida como asma em tríade.
A obstrução das vias nasais com hipofonação das adenoides e tonsilas palatinas funcionam como
nasal e respiração bucal é proeminente. Também primeiro sistema de defesa do organismo contra agen-
pode ocorrer rinorreia mucoide ou mucopurulenta. tes agressores.
O exame das vias nasais evidencia massas cinza, re-
Os quadros infecciosos faringoamigdalianos são
luzentes e semelhantes a uvas espremidas entre as
chamados de anginas (do latim angere: sufocar):
conchas nasais e o septo. Os pólipos são facilmente
distinguíveis do tecido bem vascularizado dos corne-
tos nasais, que é róseo ou vermelho. Os pólipos de-
vem ser removidos cirurgicamente se sobrevier obs-
trução completa ou rinorreia profusa; entretanto, se Anginas inespecíficas
o mecanismo patogênico subjacente não for elimina-
do, os pólipos logo retornam. � Angina eritematosa: ocorre mais comumente
nos quadros de origem viral (vírus influenzae,
adenovírus, parainfluenzae e rhinovirus). Mucosa
faríngea congesta, edemaciada e hiperemiada,
sendo o quadro acompanhado de dores muscu-
Afecções da garganta lares, coriza, tosse, febre, sintomas gastrointes-
tinais e lesões aftoides.
A dor de garganta é uma das queixas muito co- � Angina eritematopultácea: tem como prin-
muns em crianças e adultos, sendo as faringotonsi- cipal etiologia a bacteriana. Mucosa de aspecto
lites afecções pediátricas extremamente frequentes. semelhante à anterior, associada à presença de
Por vezes, constituem situações de uso não criterioso exsudato purulento e petéquias no palato. Febre,
e indiscriminado de antimicrobianos, justificado pelo odinofagia e adenite cervical dolorosa acompa-
medo das complicações supurativas e não supurativas nham o quadro. Pela confluência do exsudato
(febre reumática e glomerulonefrite aguda) das infec- purulento, pode-se formar uma estrutura de as-
ções causadas pelo Streptococcus pyogenes do grupo pecto pseudomembranoso (angina difteroide).
A. Embora a infecção da orofaringe por esse agente
constitua indicação apropriada para a utilização de � Angina de Ludwig: presença de celulite gangre-
antibióticos, diversos estudos demonstram que ape- nosa dos espaços submandibular e sublingual.
nas 10% a 20% das faringotonsilites são causadas por Normalmente tem origem em um foco bucal
essa bactéria. Entretanto, apesar de a grande maioria (infeccioso ou traumático). Os agentes etiológi-
das infecções das tonsilas e da faringe ser de origem cos podem ser aeróbios, anaeróbios ou fusoespi-
viral, estima-se que, em todo o mundo, 30% a 70% das roquetas. A celulite pode estender-se por vários
crianças com queixa de dor de garganta recebem pres- planos e obstruir as vias aéreas superiores.
crição de antimicrobiano.
Toda a superfície interna da faringe é forrada por
uma mucosa, chamada mucosa faríngea, que é revesti-
da superficialmente por um epitélio de natureza cilín- Anginas específicas
drica ciliada vibrátil, ao nível da nasofaringe, e do tipo
pavimentoso estratificado, ao nível da orofaringe e da
hipofaringe. Abaixo da camada epitelial da mucosa en- Angina diftérica
contramos uma estrutura denominada cório, rica em � Angina fusoespiralar ou de Plaut-Vincent:
glândulas mucíparas e folículos linfoides. A mucosa fa- causada pela simbiose entre o bacilo fusiforme
ríngea, em determinados pontos, sofre pregueamento (Fusobacterium plauti-vincenti) e o espirilo
múltiplo, abrigando no seu interior um conglomerado (Borrelia vincentii), saprófitos normais da ca-
de nódulos linfocitários que constituem as chamadas vidade bucal. O quadro clínico caracteriza-se por
tonsilas, sendo elas as linguais, palatinas, peritubárias disfagia dolorosa unilateral, geralmente sem fe-
e faríngeas (vegetações adenoides). Assim, todo esse bre e, ao exame, observa-se ulceração da tonsila
conjunto de formações amigdalianas forma um verda- comprometida com pseudomembranas, necrose
deiro círculo: o anel linfático de Waldeyer, sendo que e exsudato de odor fétido. Há lesões (ulcerações)
as tonsilas palatinas constituem, sem dúvida, o prin- gengivais concomitantes. A angina de Plaut-
cipal elemento deste conjunto. -Vincent é infecção pseudomembranosa aguda
Existem fortes evidências de que esse anel seja de faringe ou amígdalas, acompanhada de febre
responsável pela produção de células T e B e pela re- e linfadenopatia. Pode haver dificuldade no diag-
gulação e secreção de imunoglobulinas, constituindo nóstico diferencial com difteria, mas o achado da
um mecanismo de proteção das vias aerodigestivas associação fusoespiralar, ao exame direto do ma-
superiores. As IgAs secretoras presentes na superfície terial de orofaringe, confirma o diagnóstico.
� Uma criança com hipertrofia adenoidiana e ton- � quase inexistência de tecido celular subcutâneo,
silar pode também manifestar: aderindo intimamente ao pericôndrio e periós-
� história positiva de ronco noturno e respiração teo, fato que explica a magnitude da otalgia em
seus processos inflamatórios;
bucal e, quando ocorrem episódios de pausas
respiratórias e apneia, manifesta sonolência � folículos pilosos, glândulas sebáceas e glându-
excessiva durante o dia e queda do rendimento las especializadas, produtoras de cerúmen, ele-
escolar; mento básico na manutenção da umidade e pH
do CAE, indispensável na integridade do tecido
� disfunção da tuba auditiva e otites recorrentes; de revestimento.
� rinossinusites recorrentes; O CAE constitui uma estrutura de proteção e
� problemas de deglutição; limpeza própria: as secreções altamente viscosas
das glândulas sebáceas e as secreções pigmentadas
� redução de olfato e paladar – pode não comer,
ceruminosas do canal combinam-se às células su-
pois não consegue sentir o odor do alimento e
perficiais esfoliadas da pele para formar um reves-
nada tem sabor agradável; timento protetor, uma película acidificada, cérea,
� problemas de fala; que repele a água. A pele do conduto auditivo ex-
terno tem seu próprio mecanismo de limpeza, que
� anormalidades no crescimento facial. A crian-
carreia para fora o cerúmen e pequenas impurezas,
ça com hipertrofia geralmente manifesta res-
dispensando o uso de instrumentos para sua higie-
piração bucal, fácies adenoidiano típico (face
ne. A exposição frequente do canal auditivo externo
alongada, dificuldade de fechamento bucal, fala
à água, à instrumentalização ou à limpeza excessiva
hiponasalada e distorcida tipo batata quente,
com o emprego usual de hastes flexíveis de algodão
alterações dentárias, palato fundo), necessitan-
removem as secreções protetoras da pele do condu-
do quase obrigatoriamente de tratamento orto-
to auditivo externo, modificam o seu pH e alteram o
dôntico funcional em algum momento de seu
principal fator de resistência às infecções.
desenvolvimento.
A otite externa é definida como o processo infla-
A avaliação da obstrução pode ser realizada com
matório da orelha externa, de múltipla etiologia. As
a nasofibroscopia, que permite um exame dinâmico da
mais comuns são as formas difusas das otites bacte-
adenoide e de quanto ela obstrui as coanas. A radio- rianas das piscinas (otite do nadador ou otite das pis-
grafia de perfil da nasofaringe (cavum) somente forne- cinas) e, ocasionalmente, a forma localizada dessas
ce uma ideia estática da adenoide. infecções, como o furúnculo do CAE.
O mecanismo de instalação da otite externa, na
grande maioria dos casos, envolve fatores intrínsecos
ou extrínsecos, que predispõem o seu aparecimento.
Afecções da orelha
Os fatores intrínsecos são:
Otite externa 1. Variantes anatômicas do CAE: condutos es-
treitos e sinuosos que dificultam a limpeza natural,
A otite externa é bastante comum em pessoas acarretando retenção de material seroescamoso e va-
que vivem em países tropicais como o Brasil, onde o riações de umidade.
clima úmido e quente na maior parte de seu extenso
território, e os hábitos de imersões frequentes (ba- 2. Alterações de pele (descamações, dermatite
nhos de mar, piscina e prática de esportes aquáticos) seborreica, dermatite de contato por medicamentos
favorecem o aparecimento de afecções da pele que re- tópicos).
veste o canal auditivo externo (CAE). 3. Presença de otorreia secundária à perfuração
A orelha externa é constituída pelo pavilhão da membrana timpânica ou drenada pelos tubos de
auricular e pelo CAE, conduto esse anatomicamente ventilação.
formado, em seu terço lateral, por tecido cartilaginoso
e, nos 2/3 mediais (próximos à membrana timpânica)
com arcabouço ósseo. A porção mais estreita do CAE Os fatores extrínsecos são:
é a junção fibrocartilaginosa com a parte óssea, local 1. Manipulação excessiva do CAE, objetivando
mais comum da impactação dos corpos estranhos in- falsa limpeza e lavagem da orelha.
seridos na orelha. A orelha externa e o CAE são reves-
tidos em sua totalidade por pele, que apresenta carac- 2. Exposição à água e umidade excessivas.
terísticas próprias: 3. Traumatismos (digitais ou por corpo estranho).
O diagnóstico da otite externa é baseado nos si- A terapêutica baseia-se na analgesia (analgé-
nais e nos sintomas, e fundamentalmente na otoscopia. sico + calor local) e em preparações óticas tópicas
O sintoma predominante é a dor de ouvido, acentuada contendo antimicrobianos ou uma mistura contendo
por manipulação do pavilhão auricular e por pressão so- antibióticos-corticosteroides. É indicada a limpeza do
bre o trago, cuja intensidade pode ser desproporcional CAE, para ter melhor contato com a medicação tópica.
ao grau de inflamação pelas características de fixação da Pode-se utilizar soluções acidificantes (ácido acético
pele. O prurido é um precursor frequente da dor e geral- 0,25%) e agentes secantes, como o álcool boricado 2%.
As preparações óticas com antimicrobianos são mais
mente é um sinal característico do comprometimento
acidificantes do que as oftalmológicas e por isso mais
crônico do canal. A surdez condutiva pode decorrer do
indicadas; alguns pacientes não toleram a acidificação
edema, das secreções ou do espessamento crônico da e preferem gotas oftálmicas mais neutras.
pele do CAE. Edema, eritema e otorreia amarelo-esver-
deada são sinais proeminentes de doença aguda. Na otite externa localizada aguda (furunculose
do conduto auditivo externo), o edema é localizado e
Algumas vezes fica difícil a comprovação do sítio limitado a um quadrante, enquanto na otite externa o
primário de infecção (orelha externa ou orelha média), edema é concêntrico. Geralmente ocorre no terço ex-
em especial quando há comprometimento da orelha terno e é causada pelo S. aureus. O uso do calor local,
média com perfuração da membrana timpânica, exsu- analgésico e antibiótico oral é necessário. A presença
dato, dor e edema no CAE. A dor, quando a membra- de flutuação indica incisão e drenagem.
na timpânica está perfurada, drenando secreção, não
é importante, pois neste caso a efusão não está sob
pressão. Outro dado diferencial é que a otite externa Miringite bolhosa
secundária à perfuração ocorre cerca de 24 a 48 horas O termo miringite refere-se à inflamação da mem-
após o início da otorreia. O médico pode ainda lançar brana timpânica. Esta consiste em coleção intraepitelial
mão da otoscopia pneumática quando a membrana de fluidos na membrana timpânica, em geral associados
timpânica estiver íntegra: a cavidade da orelha média a infecções das vias respiratórias superiores. O ouvido
sem efusão permite uma boa movimentação da mem- apresenta-se bastante doloroso, havendo bolhas he-
brana timpânica. morrágicas ou serosas sobre a membrana. O diagnósti-
Nos lactentes, o diagnóstico diferencial entre a co diferencial com a otite média pode ser difícil, pois, no
otite externa e a otite média pode ser muito difícil. A início, o tímpano pode apresentar bolhas. Considerar
criança não se queixa de otalgia, mas agita-se e chora etiologia viral ou por Mycoplasma. Os quadros infec-
muito; manipula em demasia a orelha. Nessa faixa etá- ciosos por Mycoplasma pneumoniae caracterizam-se
ria, é difícil ocorrer otite das piscinas. Estatisticamente, por acometer crianças maiores, particularmente escola-
uma criança pequena com otalgia tem maior possibili- res e adolescentes (nestes últimos, mais comumente) e
dade de estar com otite média. Ao contrário da história manifestar quadro de tosse persistente, cefaleia e febre.
típica de otite externa, em que o escolar ou o adolescen- Um exantema maculopapular, principalmente em tron-
te, no meio do verão, apresenta-se com otalgia, edema co, pode ocorrer. A infecção pneumônica é, na maioria
do CAE, presença de secreção e exsudato sem febre. das vezes, de aspecto intersticial ou broncopneumôni-
ca. A presença de miringite bolhosa associada corrobo-
Em alguns pacientes com otite externa, o edema
ra a suspeita etiológica.
periauricular pode ser tão intenso que o pavilhão au-
ricular é empurrado para a frente, numa condição que
pode ser confundida com mastoidite aguda; entretan- Otite média
to, na mastoidite a prega pós-auricular é obliterada,
A inflamação da orelha média é a doença de maior
enquanto que na otite externa a prega é mantida.
prevalência na infância depois das infecções virais do
Nas crianças com história de remoção de corpo trato respiratório. O diagnóstico e o tratamento cor-
estranho da orelha, em que ocorra hiperemia ou trau- retos da otite média são importantes, não apenas
matismo do CAE, justifica-se a utilização de gotas an- porque é uma enfermidade bastante comum, como
tibióticas por cinco a sete dias. também porque, às vezes, é sucedida por complicações
A microbiota normal do conduto externo consis- significativas, como disseminação intracraniana da in-
te em Staphylococcus epidermidis, Corynebacterium (dif- fecção, com meningite e inflamação aguda do ouvido
teroides), Micrococcus sp e, ocasionalmente, S. aureus médio, seguida por derrame local persistente durante
e Streptococcus viridans. A maioria das otites externas um período de tempo variável. O último pode acarre-
é causada por bactérias gram-negativas, mais comu- tar significativa perda de audição condutiva, podendo
mente por Pseudomonas aeruginosa (50%-60%), prejudicar o desenvolvimento da fala e da linguagem.
Enterobacter aerogenes, Proteus mirabilis, Kleb- Quase 85% das crianças apresentam pelo menos
siella pneumoniae, estreptococos (9%-15%), S. epi- um episódio de otite média aguda até os três anos de
dermidis e fungos como Candida e Aspergillus. idade; 50% têm dois ou mais episódios.
A alta incidência da otite média aguda e sua re- e aumento relativo dos casos por hemófilos. Lembre-
corrência em crianças provavelmente refletem uma -se que a vacinação para hemófilos não muda o perfil
combinação de fatores, dos quais os mais importantes de morbidade das vias aéreas superiores pois a vaci-
são a disfunção tubária e a suscetibilidade infantil a na é direcionada para Haemophilus influenzae tipo
infecções respiratórias altas recorrentes. A tuba infan- b causador de infecções graves e invasivas. Não exis-
til é diferente da adulta, pois é mais curta e horizontal: tem trabalhos recentes brasileiros que estabeleçam a
nos adultos, a tuba tem um ângulo de 45 graus em re- distribuição relativa entre esses agentes para a OMA;
lação ao plano horizontal, enquanto que nas crianças alguns autores sugerem que o pneumococo ainda seja
esta inclinação é de somente 10 graus. Sua abertura, o o principal agente (aproximadamente 40%), enquanto
outros já apontam equivalência na frequência entre o
óstio da tuba, costuma ter numerosos folículos linfoi-
pneumococo e o hemófilos. A M. catarrhalis é menos
des ao seu redor. A criança também tem adenoides que
frequente (10%). Esse aspecto deve ser levado em con-
preenchem a nasofaringe, obstruindo mecanicamente
sideração na escolha da antibioticoterapia.
o nariz e o óstio da tuba auditiva, ou atuando como
foco de infecção, que pode contribuir para o edema e a Outra informação a ser mencionada é a resis-
disfunção da tuba. A trompa de Eustáquio (tuba audi- tência antibiótica dos microorganismos responsáveis
tiva) tem pelo menos três funções fisiológicas impor- pelas OMA. Tem sido cada vez mais descrito, em dis-
tintos países, o aumento da prevalência de cepas do
tantes para a orelha média: (1) proteção do ouvido das
pneumococo penicilina-resistente, mediada por pro-
secreções nasofaríngeas, (2) drenagem na nasofaringe
teínas ligadoras de penicilina. Considera-se que, no
de secreções produzidas no ouvido médio e (3) venti-
Brasil, a resistência do S. pneumoniae não seja tão
lação da orelha média para equilibrar a pressão aérea elevada quanto em outros países do mundo. Dados
com a do conduto auditivo externo. Quando ocorre brasileiros mais recentes (2012) do estudo SIREVA
comprometimento dessas funções, há aumento da (grande estudo sentinela de vigilância epidemioló-
quantidade de líquido favorecendo a infecção e com- gica conduzido pela Organização Panamericana de
prometimento da saída de secreções (obstrução); essa Saúde na América Latina para monitorar infecções
secreção pode, portanto, sofrer contaminação por bac- invasivas causadas por S.pneumoniae, H.influenzae
térias que participam da microflora da região. e N.meningitidis) identificou 92,5% de pneumococos
A otite média aguda (OMA) é definida pelo apa- (isolados e identificados em não-meningites em me-
recimento de fluido ou secreção na orelha média, as- nores de 5 anos) sensíveis à penicilina e 7,5% com re-
sociada a sinais ou sintomas de doença aguda local ou sistência intermediária. A resistência ou a sensibilida-
de intermediária não representa uma limitação ao uso
sistêmica. Diferencia-se da otite média com efusão
da penicilina porque corresponde a cepas da bactéria
(OME), definida quando houver a presença de fluido
que necessitam de níveis séricos mais elevados do an-
na orelha média com ausência de sinais ou sintomas tibiótico, os quais já são normalmente obtidos com as
de infecção aguda do ouvido, situação também conhe- doses usadas habitualmente para o tratamento.
cida como otite média secretora ou otite média serosa.
Tanto o Haemophilus influenzae quanto a Mo-
A incidência de otite é mais alta no inverno e raxella catarrhalis podem produzir as betalactamases,
mais baixa no verão, o que, epidemiologicamente, enzimas que hidrolisam a penicilina e seus derivados.
coincide com a maior incidência das infecções das vias Relata-se na literatura que 30% a 50% das cepas de
aéreas superiores (IVAS). São descritos outros fatores H. influenzae e ao redor de 100% das Moraxella catar-
predisponentes para as otites, além das IVAS: frequ- rhalis são atualmente produtoras de betalactamases,
ência em creches, curta duração do aleitamento ma- o que confere um problema importante à terapêutica
terno, alimentação em posição horizontal (com reflu- das otites médias.
xo de líquidos para a orelha média), pais tabagistas e
antecedentes atópicos. A título de curiosidade: dados recentes america-
nos apontam a seguinte distribuição dos otopatóge-
A microbiologia da OMA foi identificada a partir nos bacterianos: S.pneumoniae 12% (20% resistentes
de aspirados da orelha média obtidos por timpano-
à amoxicilina), H. influenzae 56% (50% resistentes à
centese. Infecções por bactérias, vírus ou coinfecções
amoxicilina) e M. catarrhalis 22% (100% resistentes
por esses dois tipos de agentes podem ocorrer. Os mi-
à amoxicilina). É importante destacar que esses dados
crorganismos bacterianos historicamente e mais co-
mumente encontrados nas OMA são o Streptococcus são americanos o que não necessariamente correspon-
pneumoniae, Haemophilus influenzae não capsulado de à distribuição e padrão de resistência local.
(não -tipável) e a Moraxella catarrhalis. Essa tradi- Existe um quadro sindrômico particular, chama-
cional ordem de frequência dos agentes bacterianos do de síndrome otite-conjuntivite. Trata-se de um qua-
da OMA tem sofrido modificações recentes. Desde a dro onde a dor de ouvido inicia-se ao mesmo tempo ou
introdução das vacinas conjugadas para pneumococo dentro de três dias após o início dos sintomas oculares
(7-valente e, posteriormente, 10-valente ou 13-va- (conjuntivite purulenta). O agente causador desse qua-
lente) houve uma mudança dos patógenos da OMA, dro é mais comumente o H. influenzae. Geralmente os
com diminuição de casos causados pelo pneumococo sintomas da OMA são mais leves e a febre é baixa.
O termo “otite média” engloba dois subtipos em Historicamente se descreve o uso de otoscopia
sua classificação: a otite média aguda (OMA) e a otite pneumática para melhorar a precisão diagnóstica. Para
média com efusão (OME). Essa é uma subclassifica- tanto, uma cabeça de otoscópio que permita a insersão
ção prática que facilita o entendimento do fenômeno de um insuflador, a adequada vedação do espéculo no
patológico subjacente. A otite média aguda (OMA) é conduto auditivo, contenção da criança e experência
definida pelo aparecimento de fluido ou secreção na técnica do examinador é necessária. A pneumootos-
orelha média, associada a sinais ou sintomas agudos copia permite a vizualização da mobilidade da MT que
de inflamação da orelha média. Diferencia-se da otite encontra-se reduzida na presença de líquido na orelha
média com efusão (OME), definida quando houver a média e, particularmente dolorosa na OMA.
presença de fluido na orelha média com ausência de As manifestações clínicas de uma OMA podem
sinais ou sintomas de infecção aguda do ouvido, situa- se confundir com as de uma IVAS; OMA quase sempre
ção também conhecida como otite média secretora ou ocorre no contexto de uma infecção viras das vias aé-
otite média serosa. reas superiores, entre o terceiro e sétimo dia. Assim,
essas crianças tem rinorreia, congestão nasal, e, even-
Os critérios diagnósticos para OMA estão mais tualmente temperatura corporal elevada. Podem es-
refinados nas publicações mais recentes. O quadro tar irritadiças e dormindo mal. Os clínicos (e pais) pre-
abaixo apresenta as principais informações sobre o sumem que uma criança puxando as orelhas tem uma
diagnóstico de OMA publicados nas recomendações OMA. No entanto, mesmo o puxar da orelha não é
da Academia Americana de Pediatria. uma manifestação clínica exclusiva e clara de OMA ou
OME. Quando a MT se retrai, como frequentemente
� Os médicos devem diagnosticar OMA em crianças ocorre nas IVAS, a mudança de posição da membrana
que apresentam moderada a grave abaulamento da causa desconforto e a criança pode apontar a orelha.
membrana timpânica (MT) ou surgimento de otorreia O diagnóstico de OMA baseia-se, portanto, no
não devido a otite externa aguda. conjunto de achados da otoscopia associados aos sin-
� Os médicos podem diagnosticar OMA em crianças tomas de suspeição como otalgia, febre, irritabilidade,
que apresentam leve abaulamento da MT, recente (me- otorreia recente e outros sintomas inespecíficos como
nos de 48 horas) aparecimento de dor de ouvido (ou mão no ouvido, diarreia (muito comum), rinorreia e
criança não-verbal segurando, puxando ou esfregando outras manifestações sintomáticas das vias aéreas su-
a orelha) ou intenso eritema da MT. periores; na OME, a maioria das crianças é assintomá-
� Os médicos não devem diagnosticar OMA em crian- tica ou algumas se queixam de ouvido entupido ou de
ças que não têm efusão do ouvido médio. estalidos no ouvido, e têm o diagnóstico na consulta
de rotina do pediatra.
Pelo exposto nos critérios diagnósticos, o exa- Assunto controverso, embora o uso de antibió-
me da membrana timpânica deve fazer parte da prá- ticos tenha tido pouco impacto sobre a incidência da
tica clínica rotineira em crianças. Note que o princi- OMA e seja sabido que a resolução espontânea, sem
pal aspecto de consenso para a identificação da OMA tratamento, acontece em 80% dos casos, ainda assim
está no achado otoscópico de abaulamento da MT, a antibioticoterapia tem a sua importância na OMA.
Os antibióticos têm impacto sobre as complicações da
obviamente associado à presença de líquido na orelha
OMA e na melhora mais rápida dos sintomas. Portanto,
média. O achado da MT abaulada é frequentemente
desde que o diagnóstico da OMA tenha sido criteriosa-
descrita pelos americanos como membrana bagel ou
mente realizado, a antibioticoterapia deve ser instituí-
membrana donut. Devido à inflamação e presença da da, acompanhada de drogas analgésicas e antitérmicas.
efusão, tipicamente a membrana torna-se espessa e
perde a translucência, podendo ficar completamente Como consequência da imprecisão dos sintomas
de OMA e sua semelhança com os sintomas de uma
opaca. Portanto, a membrana transparente não é as-
IVAS ou OME, assim como dificuldades em visualizar
sociada à OMA. A presença de transparência normal
a MT e realizar otoscopia pneumática, às vezes o diag-
e líquido na orelha média é compatível com o diag-
nóstico de OMA é incerto. Isto é especialmente ver-
nóstico de OME. A hiperemia isolada da membrana dadeiro em lactentes e crianças jovens, nos quais os
também não é um sinal muito valioso para o diagnós- sintomas são leves ou se sobrepõem com os sintomas
tico de otite; embora, em condições normais a MT de uma IVAS. Além disso, cerume pode impedir a vi-
não apresente vascularização visível, várias situações sualização adequada da MT. Nos casos em que a incer-
podem se apresentar com a membrana congesta, in- teza ocorre, se a criança não está com dor e não tem
clusive choro e febre da criança. Uma exceção seria a febre, pode ser adotada uma conduta expectante, des-
diferença de lateralidade da hiperemia, com presença de que haja possibilidade de acompanhamento e con-
de efusão na orelha média que poderia indicar o iní- tinuidade de cuidados. Ausentes quaisquer um desses
cio do quadro inflamatório. elementos, a opção de observação não é aconselhável.
O uso de analgésicos orais é recomendado para rências esporádicas. A duração do tratamento antibi-
todas as crianças com OMA e que tenham dor: dipiro- ótico deve ser de 7 a 10 dias. Crianças pequenas (< 2
na, paracetamol ou ibuprofeno. O uso de analgésicos anos) e com quadros mais graves devem ser tratadas
tópicos tem pouco benefício comprovado, não deven- por 10 dias.
do ser prescrito rotineiramente. A dose de amoxicilina é de 50 a 90mg/kg/dia, di-
Para a decisão de utilizar antibióticos, deve-se vidida em duas doses diárias. Para a escolha da dose
considerar a história natural de resolução espontânea maior de amoxicilina, considerar: exposição recente a
da OMA, o risco de aumento das taxas de resistência antibióticos (≤ 3 meses), frequência em creche/edu-
bacteriana, e ainda a possibilidade de evolução com cação infantil, estado vacinal e o perfil de resistência
complicações (meningite, mastoidite, otite média com do S. pneumoniae em sua comunidade, que, conforme
efusão). Os principais fatores a serem considerados vimos anteriormente, é baixo no Brasil.
para o tratamento antimicrobiano da OMA são: idade Uma segunda opção é a prescrição de amoxici-
da criança menor que seis meses, bilateralidade da oti- lina-clavulanato (50mg/kg/dia), que amplia a cober-
te, temperatura maior ou igual a 39ºC nas últimas 48 tura para os agentes produtores de beta-lactamase.
horas, otalgia por mais de 48 horas, estado toxêmico Esse antibiótico é particularmente indicado em crian-
/ sintomas sistêmicos, membrana timpânica do ouvi- ças com risco de infecção por agentes produtores da
do infectado não intacta (otorreia), episódio prévio de beta-lactamase (uso de beta-lactâmico nos últimos
OMA nos últimos três meses, sinais iminentes de per- 30 dias), nos casos de síndrome otite-conjuntivite e
furação do ouvido infectado e a percepção do médico quando há falha terapêutica.
de que a família não tem condições de avaliar a piora
clínica da criança. A tabela abaixo apresenta de forma Os macrolídeos (azitromicina, claritromicina e
sucinta e didática as recomendações mais atuais para eritromicina) são alternativas para pacientes alérgicos
o manejo antimicrobiano da OMA em Pediatria. à penicilina (anafilaxia, urticária, angioedema e mani-
festações IgE-mediada)
Pacientes com outras manifestações alérgicas po-
OMA OMA dem ser tratados com cefalosporinas, como a cefuroxi-
OMA com bilateral unilateral ma (30mg/kg/dia, 10 dias) ou ceftriaxone (50mg/kg/
Idade
otorreia sem sem dose, de 1 a 3 dias, mais comumente em dose única).
otorreia otorreia
< 6 meses antibiótico antibiótico antibiótico Não é recomendada outra terapêutica para OMA:
Antibiótico
antihistamínicos, corticosteroides, descongestionan-
6 meses - favorável ao favorável ao tes, antibióticos tópicos e anti-inflamatórios não hor-
ou
2 anos antibiótico antibiótico monais.
observação
Antibiótico Se iniciado somente o uso de analgésicos, uma
favorável ao favorável à
> 2 anos ou reavaliação deve ser garantida em 48-72 horas, caso
antibiótico observação
observação não haja melhora. O tratamento com antibiótico deve
Obs: antibioticoterapia imediata também para: OMA ser introduzido se após 48-72h os sintomas não se re-
complicada, aparência toxêmica, otalgia persistente solverem ou ocorrer piora.
por mais de 48h, temperatura > 39 graus (48h) e dú-
Embora ocorra melhora da sintomatologia em
vidas quanto à possibilidade de seguimento da criança
48 a 72 horas, é esperado que a efusão permaneça na
Tabela 4.3 Conduta para OMA em Pediatria orelha média por algumas semanas, após cada surto,
sendo o fluido estéril (70% até a segunda semana, 40%
Caso a conduta expectante seja cogitada é fun- até a quarta semana, 20% até o segundo mês e 10%
damental a discussão com os pais da criança e a verifi- até o terceiro mês). A efusão persistente (OME) não
cação da possibilidade de reavaliação breve da criança. requer antibioticoterapia e não deve ser considerada
Crianças maiores de dois anos, imunocompetentes, falha terapêutica. A persistência de efusão por mais de
sem anormalidades craniofaciais, com quadro leve de três meses requer avaliação especializada. Esta com-
OMA unilateral sem otorreia pode ser acompanhada plicação é de importante diagnóstico, já que está asso-
apenas com analgesia. ciada à perda auditiva condutiva, podendo estar rela-
Embora a Academia Americana de Pediatria, para cionada também com o atraso no desenvolvimento da
crianças de 6 meses até 2 anos, com OMA não grave, linguagem e mau rendimento escolar.
permita uma abordagem conservadora (vide quadro Recomendamos para crianças com OMA recor-
2) apenas com analgésicos, muitos autores sugerem rente com menos de um mês do 1º episódio ou que fez
também o tratamento com antibiótico nessa situação. uso de antibióticos por outras razões no último mês e
Na maioria das OMA, a amoxicilina tem sido a que apresenta OMA atual, a introdução de antibiótico
droga de escolha para tratamento inicial e nas recor- alternativo à amoxicilina isolada: amoxicilina-clavula-
nato (90mg/kg/dia amoxicilina e 6,4mg/kg/dia clavu-
lanato. Não há evidências para prolongar ou utilizar dem sofrer colapso com maior facilidade que outras, o
antibióticos profiláticos em OMA recorrente. que explica as diversas apresentações clínicas. O tecido
supraglótico não contém cartilagem, por isso, sofre co-
Deve-se ter critério ao analisar as recomenda-
lapso mais facilmente na inspiração (o estridor obser-
ções internacionais para manejo antibiótico das OMA
vado geralmente é inspiratório). Por este motivo, doen-
em virtude da diversidade de perfis de etiologia e de
ças que causam obstrução supraglótica são as que têm
sensibilidade dos microorganismos aos antibióticos potencial mais letal. Por outro lado, a glote e a traqueia,
disponíveis. Nas recomendações da Academia Ameri- por serem compostas por cartilagem, sofrem menos co-
cana de Pediatria, por exemplo, verifica-se a introdu- lapso (o estridor ocorre tanto na inspiração quanto na
ção de altas doses de amoxicilina como terapêutica de expiração, pois a forma e o tamanho desta parte da via
primeira escolha, em virtude da maior prevalência de aérea se altera pouco nas duas fases da respiração). As
pneumococos parcialmente sensíveis à penicilina nos obstruções de vias aéreas médias intratorácicas geram
EUA, realidade ainda (e felizmente) não observada em estridor mais audível durante a expiração, pois durante
nosso meio. a inspiração, essa via tende a se expandir, diminuindo a
Embora ocorra melhora da sintomatologia em ausculta dos ruídos respiratórios.
48 a 72 horas, é esperado que a efusão permaneça na Crupe é um termo genérico que abrange um gru-
orelha média por algumas semanas, após cada surto, po heterogêneo de distúrbios relativamente agudos
sendo o fluido estéril (70% até a segunda semana, (em sua maioria infecções), caracterizados por tosse
40% até a quarta semana, 20% até o segundo mês e peculiar ou crupoide que pode ser acompanhada de
10% até o terceiro mês). A persistência de efusão re- estridor, rouquidão e sinais de dificuldade respiratória
quer avaliação especializada. secundária a graus variáveis de obstrução. De modo
geral, a tosse ladrante e o estridor são características
marcantes do lactente e da criança pequena, enquanto
a rouquidão predomina nas crianças mais velhas e nos
Otite média recorrente adultos. A infecção em lactentes e crianças pequenas
raramente é limitada a uma única área do trato respi-
Define-se uma criança como propensa a desen- ratório; em vez disso, compromete em graus variáveis
volver otite quando ela apresenta três ou mais diferen- a laringe, a traqueia e os brônquios. Quando há envol-
tes e bem-documentados episódios de OMA em seis vimento suficiente da laringe para produzir sintomas,
meses, ou quatro ou mais episódios em doze meses. a parte laríngea do quadro clínico costuma ofuscar as
São fatores de risco descritos para as OMR: sexo outras manifestações.
masculino, irmãos com história de OMR, primeiro
episódio de otite média muito precocemente, não ter Causas de obstrução laríngea que podem apre-
sido amamentada, frequentar creche/berçário e expo- sentar-se como Síndrome do Crupe
sição ao tabagismo passivo domiciliar. (diagnóstico diferencial do estridor)
O médico deve reconhecer e controlar os fatores Laringotraqueobronquite viral aguda (causa mais comum)
predisponentes; a quimioprofilaxia atualmente não é Crupe espasmódico
mais utilizada Epiglotite
Traqueíte bacteriana
Abscesso peritonsilar
Abscesso retrofaríngeo
Inflamação laríngea causada por queimadura
Afecções das vias aéreas Obstrução por corpo estranho
médias (síndrome do crupe) Neoplasia/Hemangioma
Laringite diftérica
Tabela 4.4
As afecções agudas – particularmente inflama-
tórias – das vias aéreas médias (da faringe aos brôn-
quios principais) têm importância maior em lactentes e Os principais sintomas de uma obstrução res-
crianças pequenas do que em crianças maiores. Alguns piratória alta caracterizam-se pelo esforço acentuado
fatores anatômicos tornam as vias aéreas pediátricas dos movimentos respiratórios (retração supraclavicu-
potencialmente colapsáveis, mais suscetíveis a compli- lar, esternal e intercostal durante a inspiração) e cia-
cações respiratórias: narinas estreitas, língua propor- nose, com ou sem estridor. O choro e a obstrução na-
cionalmente grande, epiglote mais alongada e menos sal concomitantes podem agravar os sintomas de uma
rígida, além da laringe mais cefalizada com formato de criança com a via aérea já reduzida.
funil, estando sua porção mais estreita localizada na
Os agentes virais são responsáveis pela maio-
cartilagem cricoide. Estridor é o som respiratório pro-
ria das obstruções infecciosas das vias aéreas supe-
duzido pela passagem de ar em uma via aérea de grosso
riores, exceção feita aos casos de difteria, traqueíte
calibre estreitada. Diferentes partes das vias aéreas po-
bacteriana e epiglotite. Em infecções agudas, o pon-
to crítico é diferenciar uma laringite viral benigna e A avaliação do estridor é um ponto-chave na deter-
autolimitada de problemas mais sérios de etiologia minação da gravidade do quadro: estridor no repouso é
bacteriana – como a epiglotite – que são claramente um sinal significativo de comprometimento obstrutivo
ameaçadores à vida. das vias aéreas. Há vários sistemas de escores propos-
Laringotraqueobronquite viral aguda (LTBV) tos para avaliar a gravidade da obstrução, baseados em
achados clínicos como nível de consciência, cianose, es-
Também denominada crupe viral, é um processo tridor, expansibilidade pulmonar e retrações. Um dos
inflamatório agudo da laringe e das vias aéreas infe- escores mais clássicos para o crupe é o de Westley, que
riores, com edema subglótico e obstrução respiratória é largamente utilizado. Crupe leve é definido com esco-
subsequente. Ocorre geralmente na faixa etária entre re menor ou igual a dois; crupe moderado caracteriza-
seis meses e três anos, com o pico de incidência ob- -se por escore entre três e sete. Crupe grave é definido
servado entre um e dois anos de idade. Ocorre mais quando o escore é maior ou igual a oito.
comumente no sexo masculino. Predomina nos meses
de outono e inverno (particularmente nas madruga-
Escore de Westley para avaliação
das) e é a causa infecciosa mais comum de estridor
da gravidade do estridor
(90%) em crianças.
Nível de consciência
Em geral, os vírus responsáveis pelo quadro per- Normal ou dormindo 0
tencem à família Paramyxoviridae. O vírus parain- Desorientado 5
fluenzae tipo 1 é o responsável por mais de 50% dos Cianose
casos; os vírus parainfluenzae tipos 2 e 3 e o vírus sin- Nenhuma 0
cicial respiratório causam 5% a 15% dos casos. Outros Com agitação 4
vírus ocasionalmente envolvidos são: vírus do saram- Em repouso 5
po, vírus influenzae, adenovírus, rhinovírus, coxsackie Estridor
ou outros enterovírus. Em crianças maiores de 5 anos, Nenhum 0
tem importância etiológica o Mycoplasma pneumoniae. Com agitação 1
Em repouso 2
A transmissão se faz por contato direto, com
Entrada de ar
período de incubação variando de dois a seis dias até Normal 0
duas semanas, no caso do vírus parainfluenzae tipo 1. Diminuída 1
Esse agente tem tropismo pelo epitélio ciliado e carac- Muito diminuída 2
teristicamente o principal local envolvido é a região Retrações
subglótica, já que na região glótica o epitélio é do tipo Nenhuma 0
pavimentoso estratificado. Além do processo infla- Leve 1
matório agudo, com edema, exsudato e destruição Moderada 2
epitelial (e consequente estreitamento), o espasmo Grave 3
muscular laríngeo também contribui para a obstrução Tabela 4.5
das vias aéreas. A mucosa da região subglótica é pouco
aderente, permitindo a formação de um edema impor- Radiografias da região cervical geralmente não
tante, com potencial comprometimento das vias aé- são indicadas. Poderiam ser solicitadas, quando há
reas. Em lactentes, 1 mm de edema na região subgló- dúvida diagnóstica ou quando há suspeita de aspi-
tica causa 50% de diminuição luminal. Pode envolver ração de corpo estranho radiopaco. O achado radio-
somente a laringe (laringite), ou extender-se também lógico classicamente descrito na laringite viral é, na
para a traqueia e os brônquios, sendo que, nesses ca- radiografia em incidência anteroposterior, o aspecto
sos, pode ocorrer quadro de sibilância pulmonar asso- em ponta de lápis da região subglótica (ou sinal da
ciada (algumas séries fazem referência à presença de torre de igreja). Nos casos leves não há necessidade de
tal achado em cerca de metade dos casos). exames laboratoriais; porém em quadros mais graves
o leucograma revela discreta leucocitose, com acentu-
Normalmente, o quadro é precedido por pródro- ada linfocitose. Não há desvio à esquerda, o que ajuda
mo de IVAS (coriza hialina, febre e tosse leve) por um o diferencial com a epiglotite e a laringotraqueobron-
período de dois a três dias, após o qual a criança acor- quite membranosa (infecções bacterianas típicas).
da rouca à noite, com tosse de cachorro característica
O tratamento a ser instituído depende da gravi-
e estridor inspiratório. O estado geral da criança está dade do quadro. Crianças mais velhas, com pouca tos-
preservado. Em obstruções mais graves pode haver se e sem obstrução das vias aéreas, sem estridor e sem
estridor bifásico, taquipneia, retração xifoide, tiragem taquipneia, podem ser tratadas em domicílio, com os
intercostal e supraesternal. A criança apresenta-se pais orientados quanto aos sinais de agravamento. Po-
apreensiva, agitada, o que piora ainda mais o estridor rém, em crianças menores que apresentem qualquer
e também a angústia dos pais. Mais tarde, pode ocor- grau de dispneia, o tratamento deve ser realizado em
rer a diminuição do estridor (fadiga) e cianose. ambiente hospitalar, para maior segurança.
viral no epitélio da traqueia. Acomete principalmen- diagnóstico é clínico e confirmado pela laringoscopia
te crianças do sexo masculino, de um a três anos de direta (que exclui outras malformações ou tumores) e,
idade, sem antecedente algum de infecção de vias aé- geralmente, não requer tratamento.
reas superiores ou inferiores, ou seja, sem pródromo
viral. Subitamente ocorre agitação, tosse seca, rouca,
do tipo de cachorro, dispneia, tiragem, estridor inspi-
ratório, geralmente durante a noite. A tosse acorda o
paciente, que até então estava assintomático; a crian-
ça demonstra-se ansiosa e assustada. É uma situação As IVAS de repetição
alarmante principalmente para os pais, que normal-
mente ficam angustiados. Após pouco tempo (minu- A criança normal costuma apresentar vários epi-
tos ou horas), o quadro sintomático entra em declínio sódios respiratórios infecciosos, especialmente nos pri-
e se normaliza, com exceção da tosse, que geralmente meiros anos de vida, autolimitados, benignos, de locali-
permanece por alguns dias. O grande marcador dessa zação variável na árvore respiratória e sem prejuízo de
situação é a recorrência muito habitual do quadro; por seu crescimento. A queixa IVAS de repetição geralmen-
isso, a doença é também chamada de laringite espas- te não se trata de uma outra doença, mas sim de situa-
módica recorrente. ções de risco aumentado para as doenças respiratórias
Ocorre principalmente em crianças com respira- habituais. Diante desses processos de repetição e/ou de
ção bucal por hipertrofia adenoidiana ou rinite alérgi- uma criança mais vulnerável, devem ser identificados
ca. O prognóstico é benigno. os vários fatores de risco relacionados ao ambiente físi-
co familiar, às condições da criança e às características
Acredita-se que sua etiologia seja alérgica ou re-
dos agentes causais que podem interagir.
lacionada com o refluxo gastroesofágico, que sempre
deve ser investigado nos quadros de estridor recorren- Os principais fatores de risco são:
te. A maioria dos casos apresenta resolução espontâ- � ambiente físico na casa e na escola: presença de
nea ou alívio com umidificação do ar. O tratamento crianças com menos de cinco anos, densidade
durante a apresentação aguda do estridor (particular- por metro quadrado, condição de ventilação e
mente nos momentos iniciais) pode ser semelhante ao insolação, presença de umidade, fumantes do-
da laringite viral. miciliares, poluentes ambientais;
� história familiar: mães jovens e com baixo nível
de escolaridade, antecedentes para doenças res-
piratórias e alérgicas;
Laringomalacia (estridor
� história alimentar: desmame precoce, carências
laríngeo congênito) vitamínicas, condições clínicas atuais e pregres-
A laringomalacia é a anormalidade laríngea con- sas, presença de alergias ou malformações do
gênita mais comum e resulta de deformidade ou fla- trato respiratório ou cardíacas;
cidez congênitas da epiglote, abertura supraglótica e � características do agente: a exposição da crian-
fraqueza das paredes da via aérea, levando ao colapso e ça aos inúmeros agentes infecciosos, princi-
a um certo grau de obstrução da via aérea à inspiração. palmente vírus em áreas urbanas, determina a
É a causa mais comum de estridor em lactentes, sendo ocorrência de processos infecciosos respirató-
muito fácil de diagnosticar, pois ocorre logo após a pri- rios agudos frequentes (de seis a oito por ano),
meira semana de vida, tendendo a uma leve piora en- que fazem parte da experiência imunológica da
tre três e seis meses. Manifesta-se com uma respiração criança normal. Mesmo as eventuais complica-
ruidosa, sobretudo na fase inspiratória, que desapare- ções bacterianas (OMA, faringite ou sinusite)
ce quando a criança está em decúbito ventral e piora são comuns dentro desse contexto e não têm
no decúbito dorsal, bem como na vigência de infecções maior significado desde que não comprometam
de vias aéreas superiores. A voz e o choro são normais. o crescimento e o desenvolvimento e que não
Desaparece em torno dos 12 aos 18 meses de idade, apresentem recorrência monótona, particular-
com o crescimento e desenvolvimento da via aérea. O mente na mesma localização anatômica.
5
Afecções de vias aéreas inferiores:
pneumonias na infância
Pneumonias agudas
Definição
Dá-se o nome de pneumonia à inflamação do parênquima pulmonar, geralmente causada por micro-organis-
mos (vírus, bactérias e fungos). No entanto, existem causas não infecciosas, como aspiração de corpos estranhos,
suco gástrico e/ou alimentos, pneumonite induzida por drogas ou radiação. O quadro clínico é mais grave quanto
menor for a criança.
� Aglomeração.
Introdução � Baixo peso ao nascer.
As doenças respiratórias correspondem a apro-
� Desnutrição.
ximadamente 50% dos atendimentos ambulatoriais.
Destes, 12% são por pneumonias. As infecções do trato � Desmame precoce.
respiratório inferior representam importante causa de � Deficiência de vitamina A: as evidências ainda
morbidade e mortalidade em todo o mundo. A incidência são controversas. A carência de outros nutrientes
anual de pneumonias em crianças menores de cinco anos também poderia apresentar essa associação, como
de idade é de 30 a 40 casos por mil na Europa e América a deficiência de ferro, cobre e vitamina D. Estes es-
do Norte. Nos países em desenvolvimento, esta incidên- tudos necessitam de maior comprovação.
cia chega a ser até dez vezes maior, além de apresentar
coeficientes de letalidade mais elevados. Dados da Orga-
� Vacinação deficiente.
nização Mundial de Saúde identificam que 4,3 milhões
das mortes de crianças menores de cinco anos ocorram
anualmente por infecções respiratórias agudas nos paí-
ses em desenvolvimento, sendo que um terço da morta- Etiologia
lidade mundial na faixa etária pediátrica pode ser atri- O diagnóstico etiológico das pneumonias é difí-
buída às infecções respiratórias agudas (IRA). No Brasil, cil, o que justifica o tratamento geralmente empírico
as taxas de mortalidade infantil por pneumonias variam dessas patologias. Devido a isso, é importante que
por região, sendo mais altas nos estados do Norte e Nor- noções consolidadas por estudos clínicos e bacterio-
deste e mais baixas no Sul. Dados do Ministério da Saúde lógicos sobre seus agentes etiológicos sejam de conhe-
apontam as pneumopatias agudas como responsáveis cimento dos pediatras. Os fatores mais importantes
por cerca de 27% das internações e 12% dos óbitos em
a serem considerados são a idade do paciente, seu
crianças menores de cinco anos de idade.
estado imunológico e se adquiriu a infecção na comu-
Devido à importância das infecções respiratórias nidade ou em ambiente hospitalar. A infecção respi-
agudas (IRA), especialmente das pneumonias como cau- ratória inicial, na maioria das vezes, é de origem
sa de morte nos cinco primeiros anos de vida, foi instituí- viral, estabelecendo condições favoráveis para a
do no Brasil o programa IRA, no início da década de 1980, invasão bacteriana, pelo comprometimento dos
sendo elaborado um Manual de Normas para Assistência
mecanismos de defesa das vias respiratórias e
e Controle das IRA por um grupo técnico das Sociedades
da criança, sistemicamente. Nos países desenvol-
de Pneumologia, Pediatria e Enfermagem, publicado pelo
Ministério da Saúde, manual este revisado e publicado vidos, a etiologia viral das pneumonias parece ser mais
em nova edição em 1994. As normas definem os critérios frequente (60% a 90% das determinações etiológicas),
de diagnóstico e as condutas nos casos de IRA, orientam com menor proporção de isolamentos bacterianos
a hierarquização do atendimento segundo a gravidade e (10% a 15%). Os vírus responsáveis pelas pneu-
determinam os critérios de internação. É importante que monias comunitárias (PAC) são os vírus sinci-
todos que atendam crianças em nível primário ou servi- cial respiratório (VSR), parainfluenza, influenza,
ços de emergência tenham conhecimento de suas reco- adenovírus e, mais recentemente, o metapneu-
mendações, que deverão ser adaptadas às condições de movírus. Entre eles, o VSR é o mais prevalente, iden-
trabalho de sua unidade. tificado em metade dos casos de infecção viral do trato
respiratório inferior, com sazonalidade bem conheci-
da, sendo responsável por milhares de internações.
Os rinovírus são a segunda causa de bronquiolite e
Incidência pneumonia em crianças pequenas, sendo o vírus pa-
São reconhecidos vários fatores de risco para rainfluenza tipos 3 e 1, o influenza A e B e o adenovírus
pneumonias: associados a um menor número de casos. Nas primei-
� Sexo: principalmente em menores de um ano; vá- ras semanas de vida, as pneumonias virais fazem par-
rios estudos apontam maior risco para o masculino. te geralmente de um quadro de infecção generalizada
� Idade: especialmente nos menores de seis meses.
de aquisição intrauterina, pelo vírus coxsakie, vírus da
varicela e da rubéola. Uma vez situados nas pequenas
� Renda familiar: em vários estudos observou-se
vias aéreas, os vírus invadem o epitélio respiratório,
nítida relação entre baixa renda e mortalidade
produzindo perda da função ciliar e obstrução das
por pneumonia.
vias aéreas, com produção de muco, infiltrado de cé-
� Educação dos pais: a instrução dos pais, prin-
lulas inflamatórias e edema. Em casos mais graves, há
cipalmente das mães, tem sido demonstrada necrose epitelial e alveolar, com metaplasia dos brôn-
como fator de risco para hospitalização e morte quios e bronquíolos. A resposta imune local através da
por pneumonias.
ação da IgA secretora, macrófagos e interferon, mais
� Poluição atmosférica. do que a resposta sistêmica, é responsável pelo clea-
� Poluição intradomiciliar: fumo. rance do vírus, permitindo a regeneração do epitélio.
Nos países em desenvolvimento, a etiologia bac- tococo do grupo B, a Escherichia coli, e outros bacilos
teriana, provavelmente na maioria das vezes secun- gram-negativos entéricos, a Listeria monocytogenes e
dária, foi comprovada em 50% a 60% dos pacientes, a Chlamydia trachomatis. Devemos lembrar, ainda, da
em estudos de material colhido por aspiração pulmo- infecção pulmonar que acompanha a sífilis congênita,
nar transcutânea. Entre os agentes bacterianos, conhecida como “pneumonia alba”.
o Streptococcus pneumoniae e o Hemophilus in- Os lactentes até quatro ou seis meses de vida
fluenzae (Hib) são os mais frequentemente iso- constituem um grupo especial quando apresentam
lados dos processos pneumônicos de origem co- as chamadas pneumonias afebris ou atípicas, sendo
munitária, inclusive de lactentes. Nos pacientes outros agentes responsabilizados pela infecção, como
com pneumonia e derrame pleural que se apre- Chlamydia trachomatis, VSR, adenovírus, citomega-
sentam com menor gravidade clínica, o S. pneu- lovírus, Ureaplasma urealiticum e, eventualmente, o
moniae também tem sido relatado como germe Pneumocystis jiroveci.
prevalente em todas as idades. O Staphylococcus
aureus é um agente etiológico importante das Esses agentes são de identificação mais difícil, e o
penumonias graves, mais frequente em crianças diagnóstico laboratorial envolve geralmente técnicas
menores de 2 anos de idade, mas que ocorre nos sorológicas.
pacientes com complicações pleuropulmonares Nas crianças maiores, devemos suspeitar de
de qualquer faixa etária, sendo sinais de alerta outros agentes diante de pneumonias com quadros
para suspeita clínica dessa etiologia a verificação atípicos, que se assemelham por vezes mais a uma
de toxemia, palidez de instalação rápida e a pre- síndrome viral que bacteriana, como o Mycoplasma
sença de lesões cutâneas piogênicas no paciente pneumoniae e a Chlamydia pneumoniae. Predominam
ou nos familiares. Com a introdução da imunização na faixa etária de escolares e adolescentes e apresen-
de rotina com as vacinas conjugadas contra o hemó- tam, algumas vezes, características de microepide-
filos (Hib), observou-se em alguns países um desapa- mias na família ou na comunidade de convívio próxi-
recimento virtual das doenças invasivas causadas por mo, com tosse intensa característica e com evolução
este agente. Em nosso meio pudemos verificar que, a prolongada. As pneumonias por Mycoplasma podem
partir de 1999, com a introdução da vacina contra o ser mais graves nos pacientes com anemia falcifor-
Hib no calendário vacinal, houve uma queda signifi- me. Nos pacientes imunodeprimidos, as infecções
cativa de meningites por este agente. Ainda não dis- pulmonares, além de serem frequentes e graves, são
pomos de dados nacionais em relação ao impacto da comumente causadas por germes menos frequentes
vacinação sobre as doenças respiratórias. Em contras- ou oportunistas, constituindo um desafio no racio-
te com a doença pelo Hib, em que apenas um soroti- cínio clínico da provável etiologia: Pneumocystis jiro-
po é responsável pela infecção, a doença invasiva pelo veci, CMV e Paramyxovirus, Pseudomonas sp e outras
pneumococo está associada a vários sorotipos. Soroti- bactérias gram-negativas e S. aureus. Os fungos,
pos adicionais estão relacionados às infecções de vias como o Aspergillus sp., Candida sp e H. capsulatum
aéreas superiores, como OMA e sinusites. A vacina são agentes também importantes das pneumonias
pneumocócica conjugada disponível no mercado apre- nesses pacientes e devem ser sempre pesquisados no
senta sete sorotipos (4, 6B, 9V, 14, 18C, 19F e 23F) diagnóstico etiológico. A Legionella pneumophila tem
responsáveis por cerca de 85% a 90% das doenças in- sido descrita nesse grupo, principalmente em enfer-
vasivas nos EUA. A eficácia desta vacina na prevenção marias oncológicas, por contaminação da água usada
de pneumonias foi recentemente avaliada na popula- para limpeza de material de nebulização ou banhos.
ção, verificando-se eficácia de 33% para crianças com Uma situação especial é representada por infecções
pneumonias com qualquer alteração radiológica, de pulmonares adquiridas no ambiente hospitalar, onde os
73% para crianças com pneumonias com consolida- meios contaminados (mãos de profissionais, equipamen-
ções lobares ao raio X maiores que 2,5 cm e de 90% tos de respiração assistida, material fecal no leito, refluxo
para crianças com pneumonias com bacteremia. do conteúdo intestinal através de sondas nasogástricas
As pneumonias por germes gram-negati- e procedimentos de intubação) facilitam a colonização
vos ocorrem mais frequentemente em ambien- e a possível aspiração de germes gram-negativos, assim
te hospitalar, ou pacientes com diarreia, in- como o S. aureus ou de fungos, em particular nos imuno-
fecção urinária ou septicemia, principalmente deprimidos ou com sensório comprometido.
crianças com desnutrição proteico-calórica e Nos pacientes com síndromes aspirativas crônicas,
imunidade comprometida. principalmente associadas a neuromiopatias, as pneu-
Nos recém-nascidos, as pneumonias geralmente monias podem ter como agentes bactérias anaeróbicas.
têm como agentes os germes que estão presentes no No quadro abaixo, os agentes etiológicos estão
trato genital da mãe, sendo os prevalentes o Estrep- relacionados com as faixas etárias:
Idade Agente etiológico das secreções normais como a IgA secretória, a limpe-
za das vias aéreas pelo mecanismo de tosse e os meca-
Streptococcus do tipo B nismos de defesa imunológicos que incluem macrófa-
Gram-negativos gos, IgA secretória e outras imunoglobulinas.
Escherichia coli A pneumonia viral resulta da disseminação da
Klebsiella sp
Até 2 meses infecção ao longo das vias aéreas (VA), acompanhada
Proteus sp
pela lesão direta do epitélio respiratório, resultando
VSR em obstrução das VA pelo edema, secreções anormais
CMV e detritos celulares. O menor calibre das VA em crian-
Herpes simples ças mais novas as torna particularmente suscetíveis
Chlamydia trachomatis a infecções mais severas. Atelectasia, edema intersti-
cial, além de desproporção entre a ventilação-perfu-
VSR
2 a 6 meses são, causando significativa hipoxemia que em geral é
Streptococcus pneumoniae acompanhada por obstrução das VA. A infecção viral
Staphylococcus aureus do trato respiratório também pode predispor a infec-
Streptococcus pneumoniae ções bacterianas secundárias por causar distúrbios aos
mecanismos normais de defesa do hospedeiro, alte-
Haemophilus influenzae
6 meses a 5 anos rando as secreções e modificando a flora bacteriana.
Staphylococcus aureus Quando a infecção bacteriana se estabelece no parên-
VSR quima pulmonar, o processo patológico varia de acor-
Streptococcus pneumoniae do com o agente invasor.
Maiores de 5
Mycoplasma sp
anos
Chlamydia sp
Tabela 5.1 Diagnóstico
O diagnóstico pode ser feito a partir da histó-
A incidência das pneumonias de aquisição intra- ria e do exame clínico, devendo ser confirmado com
-hospitalar (PAH) varia de 16% a 29% dos pacientes raio X de tórax, se houver possibilidade. Os outros
pediátricos hospitalizados. As PAH representam 10% a exames laboratoriais são indicados de acordo com a
15% de todas as infecções hospitalares. A mortalidade, gravidade do paciente ou se a complexidade do caso
nesta situação, é muito elevada, variando entre 20% exigir. Os sinais e sintomas mais frequentes são: tos-
a 70% dos casos, dependendo do agente agressor e da se, febre, taquipneia, dispneia, tiragem intercostal
doença de base do hospedeiro. Os fatores de risco para ou subcostal e batimentos de asa de nariz. As mani-
PAH incluem internação em unidade de terapia intensi-
festações clínicas variam de acordo com a idade do
va, intubação, queimaduras extensas, cirurgia e doença
paciente, a extensão da doença e o agente etiológi-
crônica de base. Os agentes relacionados às PAH são
co. A apresentação clássica da pneumonia bacteriana
mais virulentos. Os vírus, particularmente o VSR, são
caracteriza-se pela presença de febre de início súbito,
agentes comuns de infecção respiratória nosocomial.
frequentemente acompanhada de calafrios, tosse e
As bactérias gram-negativas são responsáveis por 50%
taquipneia. Estes sintomas costumam ser precedidos
a 90% dos casos e o S. aureus, particularmente os resis-
tentes à oxacilina, podem atingir cerca de 10% a 20% por infecção de vias aéreas superiores (IVAS), com
dos casos. Dentre as bactérias gram-negativas, estão febre baixa e rinorreia. A frequência respiratória
o grupo das enterobactérias (E. coli, Klebsiella pneumo- (FR) é o sinal mais simples para suspeitar-se do
niae, Salmonella sp, Shigella sp, Enterobacter sp, Serratia diagnóstico de pneumonia, devendo ser avalia-
sp, Proteus sp, Citrobacter sp, etc.) e Pseudomonas sp. A da com a criança tranquila, se possível dormin-
E. coli, Klebsiella pneumoniae e Pseudomonas aeruginosa do, durante um minuto, e por duas vezes. Se há
são as bactérias gram-negativas predominantes e estão broncoespasmo associado, recomenda-se medicação
associadas a alta mortalidade. O S. aureus e o S. epider- broncodilatadora, seguida de nova reavaliação. São
midis são as bactérias gram-positivas mais comuns. sugestivas de pneumonia:
Outros agentes incluem fungos (Candida e Aspergillus),
citomegalovírus e P. jiroveci. FR ≥ 60/min em crianças < de 2 meses
FR ≥ 50/min em crianças de 2 a 11 meses
FR ≥ 40/min em crianças de 1 a 5 anos
A taquipneia mostrou-se, segundo vários auto-
Etiopatogenia res, um excelente sinal clínico preditivo de pneumo-
O trato respiratório inferior normalmente se nia, assim como sua ausência mostrou-se útil para
mantém estéril pela ação de mecanismos fisiológicos afastar a presença de pneumonia. Lembramos que a
de defesa, como o sistema mucociliar, as propriedades taquipneia é também uma manifestação de asma e
Biópsia transbrônquica
É um procedimento invasivo que pode trazer
informações, como a biópsia pulmonar, mas as com-
plicações também são significativas e existe a desvan-
tagem de menor quantidade de tecido para análise
histológica e impossibilidade de acesso a regiões mais
Figura 5.3 Broncopneumonia bilateral. periféricas do parênquima pulmonar.
admissão, e alguns vírus, como adenovírus e influenza, prometidas. As amostras de urina são melhores que as
podem suscitar grandes respostas inflamatórias, re- de soro, e as técnicas utilizadas são a aglutinação no
sultando em altos níveis de proteína C-reativa, suges- látex e a contraimunoeletroforese. O desenvolvimen-
tivos de infecção bacteriana. A Interleucina 6 (IL-6) é to de técnicas de diagnóstico viral rápido também pro-
outro marcador inflamatório já avaliado em infecções piciou o diagnóstico dos agentes virais em poucas ho-
respiratórias, evidenciando-se níveis aumentados ras, com orientação terapêutica adequada do paciente,
em adultos com pneumonia. Outro estudo demons- evitando o uso desnecessário de antibióticos e permi-
trou níveis de IL-6 mais elevados em infecções por S. tindo medidas imediatas de controle da disseminação
pneumoniae do que nas causadas por M. pneumoniae. hospitar da infecção. Infelizmente, estão ainda pouco
A produção de IL-6, por outro lado, parece ser funda- disponíveis em nosso meio.
mentalmente local, e os níveis séricos de IL-6 podem
Nos pacientes imunodeprimidos, devido à diver-
não representar um bom meio de diferenciar infecções
sidade etiológica e à possibilidade de progressão rápi-
virais de bacterianas. A pró-calcitonina (PCT) é um
da da pneumonia, o conhecimento preciso do agente
marcador inflamatório de utilização mais recen-
é muito importante para a terapêutica específica, e os
te e já foi estudada em pacientes com sepse bac-
métodos diagnósticos utilizados podem ser: hemocul-
teriana, no diagnóstico precoce de infecções bac-
turas, contraimunoeletroforese de fluidos biológicos,
terianas, no período neonatal e na diferenciação
exame bacteriológico direto, culturas e citológico de
entre meningite viral e bacteriana.
material aspirado (traqueal, lavado broncoalveolar e
punção transtorácico-pulmonar) ou escarro induzido
Métodos de detecção do DNA (crianças maiores), exame bacteriológico do líquido
pleural, estudos sorológicos especiais e, se necessá-
Provavelmente representam o recurso de maior
rio, a biópsia pulmonar, considerada “padrão-ouro”
potencial para o diagnóstico etiológico das pneumo-
para esses pacientes, comparada aos outros métodos
nias agudas. Sua principal utilização é no diag-
nóstico de patógenos de isolamento mais difícil diagnósticos. Nos processos pneumônicos difusos o
em meios de cultura ou sorologia indisponível. fragmento pode ser retirado da língua e, nos demais, o
Podem ser divididos em métodos de hibridização com local será indicado por exames radiológicos, se possí-
sondas e métodos de amplificação do DNA, cuja técni- vel pela tomografia computadorizada. A toracoscopia
ca mais utilizada é a reação em cadeia da polimerase com vídeo facilita o procedimento em crianças maio-
(PCR). Os métodos de hibridização com sondas apre- res e que não estejam em ventilação mecânica.
sentam desempenho muito semelhante aos métodos Na pneumonia comunitária grave, que necessita
de dectecção de antígenos. Existem métodos de hi- de tratamento intensivo, e nas pneumonias de origem
bridização disponíveis no mercado para identificação hospitalar, também se justificam os mesmos esforços
de alguns vírus e bactérias, como o M. pneumoniae, L. no diagnóstico etiológico.
pneumophila e C. trachomatis.
Os métodos de amplificação do DNA oferecem
a grande vantagem do aumento da sensibilidade para
identificação de patógenos virais, bacterianos e fún-
Tratamento
gicos. São métodos rápidos e complexos, mas sua uti- Em 1997, foi publicado pelo Ministério da Saúde
lização é crescente. Independem da viabilidade do o manual de tratamento das pneumonias em hospitais
patógeno, podendo identificar espécies ou genes de de pequeno e médio portes, visando complementar as
orientações também para os pacientes internados por
resistência. Métodos de PCR já foram avaliados para
pneumonia com os objetivos de:
identificação de diversos vírus respiratórios, citomega-
lovírus, S. pneumoniae, M. pneumoniae, C. pneumoniae, 1- Reduzir a mortalidade em menores de cinco
anos por infecção respiratória aguda, em especial por
L. pneumophila, B. pertussis, M. tuberculosis e S. aureus
pneumonia.
resistente à oxacilina, P. carinii, C. albicans e Aspergillus
sp, entre outros. Vírus respiratórios, como rinovírus 2- Reduzir o número de casos graves e complicações
e coronavírus, são difíceis de isolar em cultura, e não de infecções de vias respiratórias superiores e inferiores.
existem testes disponíveis para detecção de antígenos; 3- Diminuir o uso inadequado de antibióticos e
a técnica de PCR é a única maneira de investigar estas outros medicamentos em IRA.
etiologias adequadamente. Do mesmo modo, o méto- As pneumonias sem sinais de gravidade devem ser
do de PCR pode ser de grande utilidade no diagnóstico tratadas no ambulatório, com consulta de revisão clí-
etiológico das pneumonias “atípicas”, na identificação nica obrigatória, agendada com 48 horas. Na consulta
de M. pneumoniae, C. pneumoniae e L. pneumophila. inicial, os familiares devem ser orientados para tentar
garantir aporte alimentar e hídrico, manter as vias res-
Os exames rápidos para detecção de antígenos piratórias altas limpas de secreções, usar corretamente
bacterianos ou anticorpos, se disponíveis, devem ser os broncodilatadores, se necessários, e, muito impor-
realizados principalmente nos pacientes com uso pré- tante, reconhecer os sinais de agravamento do quadro e
vio de antibióticos, pois as culturas poderão estar com- quando retornar com urgência ao atendimento.
Os antibióticos de escolha para o tratamento das pneumonias bacterianas nas crianças acima de dois meses
de idade que se decidiu ser ambulatorial serão dirigidos aos germes prevalentes, S. pneumoniae e H. influenzae,
sendo recomendada a penicilina procaína, IM, ou a amoxicilina por via oral, por 7 a 10 dias. Na consulta de reava-
liação, se há melhora clínica, o esquema é mantido e, se não há melhora, mas não existem sinais de agravamento,
podemos trocar por amoxicilina mais clavulanato ou cefuroxima, continuando o tratamento ambulatorial. Se o
quadro clínico evidenciar sinais de piora, é recomendada a internação hospitalar ou em unidade de curta perma-
nência para observação clínica, realização de exames e decisão do tratamento, que vai depender da gravidade e
da presença de complicações. Nos pacientes nos quais há suspeita de pneumonia por Mycoplasma, a escolha do
antimicrobiano recairá sobre os macrolídeos, como o eritro, azitro e claritromicina. Os novos macrolídeos são de
administração mais fácil, facilitando a adesão ao tratamento, porém de uso limitado pelo custo. Os macrolídeos
podem ser boa opção para o tratamento de pneumonias em escolares e adolescentes, com quadros clínicos com-
patíveis com pneumonia pneumocócica de pouca gravidade. A eritromicina também é o antibiótico de escolha
para pneumonia afebril do lactente causada por Chlamydia trachomatis, assim como pneumonias por C. pneumo-
niae. Caso a criança necessite ser hospitalizada, a opção inicial para a pneumonia comunitária será a penicilina
cristalina endovenosa (ou ampicilina) e, nas crianças menores de dois meses ou lactentes pequenos com diarreia
ou infecção urinária associadas, acrescentar um aminoglicosídeo, também endovenoso. Orientar condutas de su-
porte geral como: jejum nas primeiras 6 a 12 horas, dependendo da gravidade do caso, para prevenção de vômitos,
correção de distúrbios eletrolíticos, tratamento da hipoxemia e manutenção das vias aéreas sem secreções. Tentar
encaminhar os exames laboratoriais, principalmente os bacteriológicos, antes de iniciar a antibioticoterapia.
Devemos ressaltar que a conduta cirúrgica adequada nos casos de derrame pleural é essencial para a boa evo-
lução do paciente, evitando trocas precipitadas de antibióticos e contribuindo para a recuperação anatômica e fun-
cional mais rápida. Também é importante lembrar que a febre é mais persistente nas pneumonias com derrame e, se
a drenagem está funcionando bem e o paciente está apresentando melhora clínica e radiológica, podemos aguardar
cerca de dez dias, sem necessidade de alteração do tratamento antimicrobiano. Nas pneumonias comunitárias gra-
ves, a associação de antibióticos é indicada desde o início, como oxacilina e cloranfenicol, com alteração do esquema
na dependência da evolução do paciente e dos exames bacteriológicos. Outra opção é o uso de cefalosporinas de
terceira geração, como o ceftriaxone associado à oxacilina. Os pacientes com pneumonias virais internados por
preencherem critérios de gravidade são os que necessitam de oxigenoterapia adequada, às vezes até intensivamente
com uso de ventilação mecânica em UTI. Quando o agente é o vírus sincicial respiratório e há gravidade clínica, pode
haver indicação de ribavirina, principalmente se há patologia de base como displasia broncopulmonar ou cardiopatia
congênita. Para a pneumonia pelo citomegalovírus, é feito tratamento com ganciclovir. As condutas nas situações
especiais, como das pneumonias dos pacientes imunocomprometidos adquiridas no ambiente hospitalar e pneumo-
nias aspirativas serão abordadas de acordo com suas mais prováveis etiologias, enquanto não se identifica o agente.
A maioria das pneumonias, desde que bem conduzidas, não determina sequelas a longo prazo. Entretanto,
infecções repetidas podem deixar sequelas anatômicas e funcionais, e os pacientes com pneumonias persisten-
tes ou de repetição devem ser encaminhados para diagnóstico em serviços especializados, sendo fundamental o
conhecimento de que a investigação adequada com intervenção oportuna pode evitar, para o futuro, bronquiec-
tasias, fibroses e outras pneumopatias crônicas.
Indicações de internação
� Idade < 2 meses.
� Toxemia.
� Prematuridade ou baixo peso ao nascer.
� Falha na terapêutica ambulatorial.
� Insuficiência respiratória.
� Sinais de hipoxemia.
� Comorbidades: anemia, cardiopatia, desnutrição grave, outras.
� Recusa em ingerir líquidos ou desidratação.
� Convulsões, apneias.
� Sinais radiológicos de gravidade: derrame pleural, pneumatoceles, abscesso.
� Problema social.
Estreptococo do gru- Período neonatal QC ≅ ao pneumo Ne- BCP difusa, grande Penicilina G (2 a 3 se-
po A crose, úlceras, derrames derrame pleural, manas), cefotaxima,
volumosos (serossangui- pneumatocele ceftriaxona e cefuro-
nolentos) xima
H. influenzae Principalmente lacten- Início insidioso, várias Pneumonia lobar, Clavulanato, ceftria-
tes de 3 a 6 meses semanas, tosse, febre porém sem padrão xona, cefuroxima,
típico cefotaxima e cloran-
fenicol
S. aureus 70% < de 1 ano e 30% Início abrupto, evo- Lesões extensas, bila- Oxacilina, clinda, ce-
< de 6 meses desnutri- lução rápida e grave, terais, BCP, absces- fazolina, cefalotina,
dos, imunodeprimidos grande comprometi- sos, pneumatoceles cefalexina, clindamici-
mento do estado geral, (40%), pneumotó- na, cefuroxima
febre alta, toxemia, rax (20%), empiema
sepse (60%), áreas de ne-
crose e cavitação
Mycoplasma e Crianças e adolescen- Discreto (crianças <). Pneumonia inters- Macrolídeos (eritro,
Chlamydia pneumo- tes de 5 a 15 anos PI 2 a 3 semanas, início ticial ou BCP. Lobos azitro ou claritromi-
niae arrastado, febre baixa, inferiores (micoplas- cina)
sintomas gripais, cefa- ma)
leia, dores articulares,
artralgia e rash
Klebsiella pneumoniae RN, adultos (alcoóla- Agudo, toxêmico, pros- Consolidação em Cefalosporinas de
tras, DM) tração, sepse lobos superiores, ↑ segunda geração
volume e/ou área de
necrose
Vírus (VSR, adenoví- Qualquer idade IVAS, taquipneia, fe- Infiltrado intersticial, Sintomáticos: anti-
rus, rinovírus, corona- bre, desconforto respi- sinais de hiperinsu- térmicos, inalações,
vírus, ratório, cianose, fadiga flação antivirais
parainfluenza influenza,
metapneumovírus
Tabela 5.5
três momentos: mãe para o RN (intraparto), relações nofluorescência é a mais utilizada clinicamente. A dro-
sexuais (abuso) ou transmissão respiratória (possibi- ga de escolha para o tratamento é a eritromicina por
lidade teórica). Cerca de 40% das crianças, filhas de 10 a 14 dias, assim como claritromicina e azitromici-
mães portadoras da bactéria que nasceram de parto na. A tetraciclina pode ser utilizada em adolescentes.
normal, vão apresentar manifestações oculares, e 3%
a 22% apresentarão doença pulmonar. O quadro clí-
nico inicia-se de modo insidioso, com manifestações Legionella species
de acometimento de vias aéreas superiores (coriza, Existem mais de 40 espécies de Legionella, sen-
obstrução nasal e tosse). A febre é pouco intensa ou do atribuída à Legionella pneumophila a maioria dos
até mesmo ausente. A tosse é seca (paroxística). O casos de pneumonia. Está associada com doença gra-
exame físico geralmente revela um lactente taqui- ve. Pode ocorrer em qualquer faixa etária, sendo mais
dispneico, mas em bom estado geral, sem sinais im- comum em adultos maiores de 30 anos. O raio X de
portantes de acometimento sistêmico. A ausculta é tórax apresenta consolidação, cavitação e der-
pobre, com alguns estertores finos e poucos sibilos. rame pleural. A transmissão ocorre por inalação ou
Radiologicamente, o padrão preferencial é de ingestão de água contaminada. O quadro clínico pode
acometimento intersticial bilateral e difuso, variar com manifestações leves como febre e tosse, até
com sinais de hiperinsuflação pulmonar. Podem um quadro grave de pneumonia com risco de morte.
ocorrer quadros unilaterais e/ou alveolares. A Estão presentes: mialgia, febre, tosse, dor torácica
história prévia de leucorreia durante o período ges- associada a escarro sanguinolento, dor abdominal,
tacional, o parto normal e o relato de conjuntivite vômitos, diarreia, letargia ou delírio. O diagnóstico é
no RN podem sugerir o diagnóstico. Este pode ser feito através da cultura, sorologia ou PCR, assim como
confirmado por meio de isolamento em culturas ce- detecção na urina do antígeno solúvel da Legionella. O
lulares a partir do material coletado de aspirado de tratamento é realizado com eritromicina (ou macrolí-
nasofaringe ou swab de conjuntiva. O hemograma deos mais modernos) por, no mínimo, três semanas. A
pode mostrar eosinofilia e também pode haver associação com rifampicina pode ser considerada
aumento inespecífico de imunoglobulinas. Os eventualmente em pacientes com doença grave,
exames sorológicos – imunofluorescência e ensaio imunocomprometidos ou com evidência de cavi-
imunoenzimático são os mais utilizados no diagnós- tações pulmonares. Outras drogas alternativas utili-
tico, por meio da constatação de títulos de IgG > que zadas são a associação sulfametoxazol-trimetoprima e
1:32 ou da detecção de anticorpos específicos da clas- tetraciclina, doxiciclina e quinolonas nos adolescentes.
se IgM. Porém, a cultura é o melhor e o único método
confiável, com elevada sensibilidade e especificidade.
O tratamento consiste em eritromicina ou sulfame-
toxazol-trimetoprima por 10 a 14 dias. Síndrome da
Chlamydia pneumoniae: causa infecção respi- pneumonia afebril
ratória em humanos de qualquer idade. Pode ser res- Alguns patógenos produzem um quadro de
ponsável por 5% a 20% dos casos de PAC em crianças pneumonia de curso clínico afebril na faixa etária de
e até 10% das pneumonias de adolescentes e adultos duas semanas a seis meses de vida, clinicamente indis-
tratados em ambulatório. A transmissão ocorre por tinguíveis entre si, a não ser pela realização de testes
meio de contato com secreções respiratórias contami- diagnósticos. Os agentes são: Chlamydia trachomatis,
nadas e pode haver associação com outros patógenos, Mycoplasma hominis, Ureaplasma urealyticum, Pneu-
como o M. pneumoniae ou o Streptococcus pneumoniae. mocystis jiroveci, vírus sincicial respiratório, adenoví-
O período de incubação pode chegar a 21 dias, ao final rus e citomegalovírus. O quadro se instala de forma
do qual o paciente apresenta odinofagia, rouquidão, insidiosa e caracteriza-se por tosse seca, às vezes pa-
febre, laringite e tosse que pode ser muito intensa e roxística (coqueluchoide), taquipneia, desconforto
prolongada. Alguns pacientes apresentam faringite e, respiratório leve e estado geral preservado. O padrão
uma a três semanas depois, iniciam quadro de pneu- radiológico mais comum é o infiltrado intersticial bila-
monia. O raio X de tórax é inespecífico e pode apresen- teral, hiperinsuflação e espessamento dos brônquios.
tar padrão intersticial bilateral e/ou alveolointersticial Pequenas atelectasias podem ocorrer. As alterações
e eventualmente presença de derrame pleural. Pode laboratoriais encontradas são leucocitose em 50%
haver acometimento sistêmico com dor abdominal, dos casos e eosinofilia em torno de 30%. A gasometria
diarreia e manifestações clínicas de pancardite. Qua- pode mostrar algum grau de hipoxia. O diagnóstico
dros graves e letais já foram descritos, sobretudo em etiológico baseia-se principalmente em exames soro-
pacientes idosos ou imunocomprometidos. Há vários lógicos (detecção de IgM específica ou demonstração
métodos de detecção da clamídia: isolamento por meio de aumento de 4 vezes nos níveis de IgG específica no
de cultura (mais específico), detecção de antígenos e intervalo de duas semanas). A detecção de P. jirove-
PCR. A pesquisa sorológica pela técnica de microimu- ci se faz por pesquisa direta na secreção do aspirado
6
Afecções de aéreas inferiores:
o lactente que sibila
de gestacional, e/ou bebês com doença pulmonar crô- � Contágio: o período de transmissibilidade é
nica da prematuridade e cardiopatas são a população prolongado, em média sete dias, podendo ser de
de maior risco para desenvolver doença mais grave. até 21 dias após o episódio agudo. Em hospitais,
Esse grupo de crianças possui bronquíolos de menor o risco de infecção adquirida durante a interna-
diâmetro, sistema imunológico menos desenvolvido ção é alto e aumenta com o tempo de perma-
e recebem menor quantidade de anticorpos maternos nência. Estima-se que crianças internadas por
transplacentários tornando-se mais suscetíveis à ação 30 dias em épocas epidêmicas tenham 100% de
do vírus. Estes fatores de risco têm impactos significa- chance de ser infectadas.
tivos, elevando consideravelmente o percentual de in- � Falta de amamentação.
ternação hospitalar para patamares entre 10% e 25%. � Nascimento prematuro.
É bastante frequente a confusão diagnóstica com � Displasia broncopulmonar.
o primeiro ataque de asma apresentado pela criança. � Enfermidades cardiovasculares.
As controvérsias atuais sobre os critérios diagnósticos
devem-se a fatores tais como a idade, as indicações de
pneumonia, a dificuldade respiratória e a atopia.
A bronquiolite por VSR em lactentes é uma doen- Etiologia
ça complexa, com muitas variáveis, que podem afetar as A bronquiolite aguda é de etiologia viral,
decisões do tratamento, tais como a idade do paciente, sendo o vírus sincicial respiratório (VSR) o prin-
o estágio da infecção no momento em que o tratamento cipal agente etiológico, encontrado em cerca de
de suporte tenha sido iniciado, a gravidade da doença, 50% a 90% dos casos e responsável pela grande
a etiologia, o local e o grau de obstrução das vias aéreas. maioria de epidemias atuais, além de casos iso-
lados. O VSR, o maior agente causal de bronquiolite
aguda, pode associar-se a outras síndromes virais res-
piratórias, tais como traqueobronquite e pneumonia.
Epidemiologia Muitos autores chamam a atenção para o aspecto sa-
O VSR constitui, como citado anteriormente, a zonal do VSR, com o máximo de incidência durante os
causa mais comum de pneumonia viral em crianças períodos de temperaturas baixas.
menores de cinco anos de idade, mas também pode Outros micro-organismos também podem
causar pneumonia no indivíduo idoso ou pacientes
causar a bronquiolite. São eles: metapneumoví-
imunocomprometidos. É importante lembrar que a
bronquiolite ou a pneumonia grave têm probabilidade rus humano, Influenza (A e B), Parainfluenza (1, 2 e 3),
elevada de ocorrência em lactentes. A infecção pelo VSR rinovírus, Mycoplasma pneumoniae e adenovírus (1, 3
em crianças de maior idade resulta em infecção de vias e 5), geralmente em casos isolados, mas também em
respiratórias menos agressiva do que aquela observada pequenas epidemias (menos que 10%). Os adenoví-
em lactentes com menos de seis meses de idade. rus (3, 7 e 21) assumem particular importância pela
A reinfecção pelo VSR é frequente, porém os sin- gravidade do acometimento bronquiolar, ocasionan-
tomas resultantes são mais leves, envolvendo as vias do, além de intensa reação inflamatória, necrose em
aéreas superiores (resfriados). São fatores de risco extensas áreas, levando à bronquiolite obliterante ou
para infecções pelo VSR: necrosante de evolução arrastada e elevada letalidade.
� Idade: ocorre mais frequentemente nos lacten- Ainda que não se possa dizer com absoluta con-
tes, com pico de incidência entre dois e seis me- vicção que a infecção bacteriana secundária depois do
ses de vida; 80% de todos os casos ocorrem no dano causado pelo VSR seja comum, em países em de-
primeiro ano de vida. senvolvimento existem algumas evidências de que isto
� Sexo: há leve predomínio do sexo masculino pode ocorrer. As infecções virais no trato respiratório
(1,5:1) nos pacientes mais graves e internados. influem sobre vários fatores de defesa do hospedeiro e
� Época do ano: acontece de forma endêmica em preparam o caminho para uma subsequente infecção
certas regiões frias e temperadas e epidemica- bacteriana secundária. Da mesma maneira, a pneumo-
mente nos meses de inverno e início da primave- nia causada pelo VSR é às vezes difícil de diferenciar da
ra. A umidade alta do ar e as variações abruptas bronquiolite e pode propiciar o desenvolvimento de in-
de temperatura diária podem também contribuir fecções bacterianas secundárias. Um dos estudos pros-
para a sobrevivência do VSR no ambiente. pectivos realizados ultimamente concluiu que tanto
� Fumo: dados recentes demonstram que a inci- as infecções virais quanto as bacterianas podem apre-
dência de bronquiolite, geralmente nas formas sentar sibilância nos lactentes. A bronquiolite ocorre
mais graves, ocorre em filhos de fumantes. caracteristicamente em crianças menores de dois anos
� História familiar de alergia: em quase 70% de idade, principalmente nos lactentes de países em de-
dos lactentes com bronquiolite. Há relatos de senvolvimento. Nas áreas urbanas dos Estados Unidos,
fenômenos de hipersensibilidade das vias aére- 50% das crianças menores de um ano e quase todas as
as em seus familiares. crianças de dois anos já foram infectadas pelo VSR.
O epitélio bronquiolar se recupera em três aparece dois a três dias depois do início dos sintomas). As
a quatro dias, enquanto os cílios demoram de mamadas tornam-se trabalhosas pela taquipneia. Pode-
10 a 15 dias para voltar ao normal. Os tampões -se notar palidez cutânea, cianose e sinais de falência
mucosos são eliminados ou fagocitados e, devido ao circulatória periférica. Pode haver desidratação, apesar
não comprometimento do tecido elástico e muscular, de a temperatura não ser habitualmente elevada, mas a
o pulmão recupera sua integridade anatômica. taquipneia pode acarretar maior perda de líquidos.
Não se sabe até hoje por que a reação inflamatória A presença de cianose indica hipoxia grave,
produzida e a consequente gravidade do quadro clínico que pode provocar períodos de apneia. Não foi
têm diferentes intensidades. Mecanismos imunopatológi- encontrada relação entre os achados clínicos e o grau
cos estão envolvidos nessas reações, pois indivíduos vaci- de hipoxemia. A hipoxemia em crianças hospitaliza-
nados com o VSR inativado apresentaram quadros mais das com sintomas severos quase sempre tem um curso
graves do que os não vacinados, em estudos na década de prolongado; consequentemente, a tensão de oxigênio
1960. Crianças cujas mães eram portadoras de elevados pode retornar a limites normais, entre três e sete se-
títulos de anticorpos para o VSR tiveram maior gravidade manas depois do início das manifestações clínicas.
quando em contato com o vírus. O desenvolvimento de
Ao exame, encontramos frequência respi-
IgE específica para o VSR, a demonstração da formação de
ratória aumentada, respiração superficial, tira-
leucotrienos e de anticorpos IgA contra VSR são exemplos
de pesquisas que buscam esclarecer a relação imunopato- gem intercostal e subdiafragmática e batimento
lógica entre o VSR e o organismo dos lactentes. de asas de nariz.
Várias teorias têm sido postuladas para explicar O tórax apresenta-se hipersonoro à percus-
os mecanismos patogênicos na bronquiolite, como a são, e pela ausculta notamos estertores finos e
presença de imunoglobulinas, o aumento da relação lin- disseminados, caracteristicamente no final da
fócitos T-estimulante/T supressor, a presença de com- inspiração e no início da expiração. O tempo ex-
plexos antígeno-anticorpo, mas os mecanismos patogê- piratório está aumentado.
nicos na bronquiolite permanecem ainda indefinidos. O bordo hepático e o esplênico podem ser pal-
A capacidade de recuperação depois da infecção com páveis a vários centímetros abaixo do rebordo costal.
VSR relaciona-se com os níveis secretórios das imuno- Para identificar indicadores relacionados com a
globulinas IgA, IgG e IgM e de anticorpos dependentes história clínica, o exame físico e os achados de labora-
da citotoxicidade mediada por células (ADCC). Estes tório que poderiam ajudar a predizer a severidade da
mecanismos poderiam ser os responsáveis pelos sinto-
doença, foram acompanhados prospectivamente 213
mas leves observados nas reinfecções. A variação dos
lactentes com bronquiolite. Foram identificados seis
achados clínicos em crianças pequenas poderia ocorrer
achados clínicos e laboratoriais de como os mais forte-
como consequência da falta de desenvolvimento das
mente associados à subsequente severidade da doença:
defesas individuais do hospedeiro.
� aparência da criança como “muito doente” ou
“tóxica”;
� oximetria menor que 95% estando em repouso;
Quadro clínico � idade gestacional menor que 34 semanas;
As manifestações clínicas são características e le- � frequência respiratória maior que 70 por minuto;
vam ao diagnóstico na maioria dos casos. Os sintomas
de catarro comum, como rinorreia, tosse e febrícola nos � radiografia de tórax com atelectasias;
estágios iniciais da doença, seguidos de dificuldade res- � idade menor que três meses.
piratória com sinais de obstrução bronquial e sibilos,
têm sido extensamente analisados pela literatura, que Os achados cardiovasculares foram determina-
considera alguns deles como critérios diagnósticos. dos principalmente como resultado do grau de hipoxe-
mia apresentado, ainda que a relação descrita entre a
A maior parte dos lactentes afetados apresenta uma
infecção pelo VSR e a taquicardia supraventricular em
história de exposição ou contato com indivíduos que ti-
lactentes sugira ação direta do vírus. Pode ocorrer de-
veram infecção viral das vias respiratórias na semana
sequilíbrio hidroeletrolítico, às vezes grave. A retenção
anterior ao início dos sintomas. O paciente apresenta
de líquidos pode ser explicada pela secreção aumentada
um quadro leve de infecção viral do trato respira-
do hormônio antidiurético (ADH), seguida de hiper-re-
tório alto, coriza e espirros, podendo se associar à
ninemia com subsequente hiperaldosteronismo secun-
febre moderada e à diminuição do apetite. A partir
de então, os sintomas podem evoluir rapidamente dário. Esta elevação da secreção de ADH provavelmente
e em dois a três dias alcançar a fase mais aguda da não é inapropriada e ocorre como resultado de recepto-
doença, ou se desenvolver lentamente. Nas duas for- res no tórax que respondem à hipovolemia.
mas de evolução, os sinais e sintomas são, basicamente, A idade do paciente (lactente ou até dois anos de
os mesmos: dificuldade respiratória progressiva, irritabi- idade) e o fato de que se trata de seu primeiro episódio de
lidade, tosse seca (que pode simular a da coqueluche), si- sibilância devem ser considerados. A bronquiolite recor-
bilos, anorexia e temperatura normal ou aumentada (que rente é rara, porém representa um dilema diagnóstico.
Diagnóstico diferencial
Levando em conta que os sibilos são de importân-
cia fundamental na bronquiolite e que outras condições
em lactentes também apresentam este sinal, o diagnós-
tico diferencial deveria incluir muitas outras doenças
agudas dentro do grupo das rotuladas como “síndrome
sibiliante” ou “síndrome do bebê ou lactente chiador”. Os
critérios clínicos da bronquiolite compreendem todas as
fases da infecção; depois das manifestações do trato res-
piratório superior, os sintomas sugestivos são dispneia,
Figura 6.1 Bronquiolite viral aguda. hiperinsuflação pulmonar, roncos e sibilância, ainda que
possam ser encontrados achados menos intensos.
Frequentemente, podem ser observadas áreas A patologia que mais se confunde com a bron-
atelectásicas provenientes de tampões mucosos, assim quiolite é a asma brônquica. Esta afecção crônica em
como infiltrados de baixa densidade e um espessamento crianças pequenas pode ser confundida com bron-
pleural pode ser evidente. Os raios X de tórax podem ser quiolite, considerando-se que os vírus são os maiores
de grande valor nos pacientes hospitalizados, revelando fatores precipitantes dos ataques de asma nesta idade.
complicações como infecções bacterianas, atelectasias e, Assim sendo, as crianças com predisposição genética
raramente, pneumotórax. As crianças podem ser classi- para a asma e com uma história familiar atópica po-
ficadas como afetadas por uma forma grave da doença, sitiva podem ser infectadas pelo VSR e desenvolver
mesmo com uma radiografia de tórax normal, princi- bronquiolite. Deve-se lembrar e valorizar para o diag-
palmente se apresentam dificuldade respiratória severa, nóstico diferencial o início do quadro (sabendo-se que
cianose ou manifestações gastrointestinais, tais como a asma é pouco frequente no primeiro ano de vida),
recusar líquidos com vômitos ou distensão abdominal. a existência de crises repetidas no mesmo paciente, o
Não tem sido demonstrada correlação alguma entre os início súbito sem história de infecção viral preceden-
achados radiográficos e as manifestações clínicas. Tem te, a existência de uma fase expiratória prolongada e a
sido sugerido que os raios X de tórax devem ser realiza- boa resposta aos broncodilatadores, o que não ocorre
dos quando é necessário tratamento médico intensivo, com a bronquiolite. A predisposição de uma criança a
quando ocorre uma piora súbita da condição respirató- ter sibilos recorrentes durante os episódios virais pode
ria ou quando existam doenças cardíacas ou pulmonares ter uma base genética, seja ou não hereditária.
prévias. Geralmente é difícil discriminar entre os achados
Devem ser levadas em conta outras condições
radiográficos de uma bronquiolite e uma pneumonia vi-
acompanhadas por sibilância, tais como síndromes de
ral. A partir deste ponto, o diagnóstico clínico radiológico
aspiração, que incluem o refluxo gastroesofágico, as mal-
permite esta diferenciação, baseando-se em um crescen-
formações congênitas de pulmão e vias aéreas (cistos,
te esforço respiratório encontrado na bronquiolite. É cla-
fístulas traqueoesofágicas), o anel vascular, as broncop-
ro que, em algumas situações, o exame radiográfico pode
neumonias associadas a enfisema obstrutivo, a insufici-
mostrar sinais de bronquiolite vinculada a consolidações
ência cardíaca congestiva, aspiração de corpo estranho,
mais densas que sugerem pneumonia bacteriana, o que intoxicação por fósforo inorgânico, fibrose cística, imu-
conduz a ambos os diagnósticos. nodeficiências, tuberculose, entre outros. A taquipneia, a
O hemograma geralmente não mostra altera- tosse e as retrações intercostais da pneumonite por Pneu-
ções significativas, enquanto a contagem de leucóci- mocystis jiroveci, a qual se dá quase exclusivamente em
tos se mantém dentro da normalidade e a velocidade distúrbios que cursam com imunodeficiência, podem,
de hemossedimentação pode estar aumentada. eventualmente, simular uma bronquiolite.
Mortalidade Síndrome do
A mortalidade associada com infecção primá-
ria pelo VSR em crianças previamente saudáveis é
lactente sibilante
estimada em 0,005% a 0,020%. Em crianças hos-
pitalizadas, a taxa de mortalidade é estimada
entre 1% e 3%. Entretanto, taxas de mortalidade Introdução
elevadas (superiores a 50%) têm sido observadas A ocorrência de chiado no peito é muito frequen-
em crianças com anormalidades cardiopulmonares te nos primeiros dois anos de vida e contribuem para
e imunodeprimidas. isto o elevado número de infecções respiratórias nessa
faixa etária e características do aparelho respiratório,
Comentários que facilitam a instalação dos fenômenos obstrutivos
nas vias aéreas.
A bronquiolite causada pelo VSR é uma doen-
É um sinal clínico inespecífico, decorrente do es-
ça do dia a dia da clínica pediátrica. Historicamente,
treitamento das vias aéreas, de forma que a passagem
esta frequente doença de lactentes, que em geral tem
dificultada do ar causa vibração das paredes das vias
um curso benigno e autolimitado, mas que pode, al-
aéreas e emissão de ruídos contínuos e musicais de-
gumas vezes, apresentar uma evolução clínica muito
nominados roncos e sibilos. Esse estreitamento é, em
grave, tem sido motivo de publicações e debates em
geral, devido à associação de três mecanismos fisiopa-
relação ao seu tratamento. Além da conduta diante
tológicos: edema de mucosa, secreção e contração da
do quadro de desconforto respiratório agudo, a pos-
musculatura lisa peribrônquica.
sibilidade de posterior desenvolvimento de hiper-
-responsividade das vias aéreas, induzindo a criança Como foi citado, nos primeiros anos de vida, as
a repetidos quadros de sibilância, tem sido enfatizada. vias aéreas têm calibre muito reduzido, especialmente
Os pediatras sabem que a maioria dos lactentes com nas porções terminais. Outra característica dos lacten-
bronquiolite apresenta um quadro respiratório leve e tes é o maior número de glândulas mucosas no epité-
pode ser tratada ambulatorialmente. A ingestão ade- lio das vias aéreas, o que determina tendência a maior
quada de líquidos e a observação da evolução clínica produção de muco, com hiperviscosidade de secre-
são suficientes nestes casos. No entanto, as crianças ções. Essas características do calibre e do epitélio das
com desconforto respiratório moderado ou grave não vias respiratórias são mais importantes na determi-
podem ser tratadas em ambulatório. Na verdade, esta nação dos fenômenos obstrutivos na criança pequena
doença continua sendo uma importante causa de hos- do que a contratura da musculatura peribrônquica.
pitalização em crianças menores de dois anos de idade Ao nascimento, o interstício pulmonar tem menor
em todo o mundo. São variáveis que indicam a hos- quantidade de colágeno e elastina, o que resulta em
pitalização: a idade do paciente (< 2 meses), a gravi- capacidade retrátil menor, alterando as relações en-
tre fluxos e pressões. As cartilagens da traqueia e dos
dade clínica da doença (qualquer idade) e a presença
brônquios também são incompletas e menos rígidas,
de doenças associadas (cardiopatia congênita, doen-
com maior tendência ao colabamento, exigindo maior
ças pulmonares, imunodeficiência, prematuridade).
trabalho respiratório. Além disso, a alta complacência
Ressalta-se que nos lactentes com estas doenças tem
do gradeado costal e a inserção horizontalizada do
sido recomendada a profilaxia da bronquiolite com pa-
diafragma determinam que, nesta época da vida, o es-
livizumab ou RSV-IVIG.
forço respiratório, a dificuldade de drenagem de secre-
Nos pacientes com bronquiolite em enferma- ções e as limitações ao fluxo aéreo sejam maiores. Na
rias de pediatria (poucos casos necessitam de UTI) é criança sem doença, com curso respiratório normal,
consensual a utilização apenas do tratamento de su- essas características anatomofuncionais compensam-
porte: hidratação venosa e oxigenoterapia. Entretan- -se, porém, nos agravos as vias aéreas superiores e/ou
to, várias outras intervenções terapêuticas já foram inferiores, na instalação do processo inflamatório, do
testadas, como o uso de corticoides (sistêmico ou edema e do acúmulo de secreções levam mais rapida-
inalatório), broncodilatadores e, mais recentemente, mente às limitações do fluxo aéreo, às modificações
de droga antiviral (ribavirina). Os benefícios destas das pressões alveolar e torácica e ao colabamento das
intervenções terapêuticas não são facilmente eviden- pequenas vias aéreas e alvéolos. Clinicamente, isso se
tes e alguns trabalhos publicados são contraditórios. traduz por maior esforço respiratório, surgimento de
Além disso, o diagnóstico diferencial entre bronquioli- retrações costais, dispneia e ocorrência de sibilos e/ou
te e crise aguda de asma é algumas vezes muito difícil, ruídos adventícios na ausculta pulmonar. A progres-
o que pode dificultar a interpretação dos resultados do são do processo leva ao aparecimento de áreas de hi-
tratamento empregado, sobretudo quanto ao uso do perinsuflação e de colapso do parênquima pulmonar,
corticoide e broncodilatador. favorecendo o aparecimento de atelectasias e modifi-
cando a ausculta. Progressivamente, as trocas gasosas ções, medicações habitualmente utilizadas, imunização
tornam-se comprometidas e, devido ao maior número e reação) e sobre antecedentes familiares (doenças pul-
de alvéolos e à deficiência de mecanismos de ventila- monares, atopias, vícios).
ção colateral interalveolar e bronquioloalveolar, insta- O exame físico deve ser completo. O exame geral
lam-se, com facilidade, a hiperpneia e a hipoxemia. deve salientar sinais de comprometimento pôndero-
Nos primeiros anos de vida da criança, não so- -estatural, de raquitismo e de insuficiência respirató-
mente as características anatômicas e funcionais pul- ria como palidez, cianose e alterações sensoriais. Ao
monares contribuem para o surgimento mais frequen- exame específico, devem-se salientar em tegumento:
te das crises de chiado no peito. Também o sistema sinais de atopia: cabeça e pescoço: obstrução nasal,
imunológico é imaturo; as infecções virais e bacteria- sinais de hipertrofia de adenoides, otites e sinusites;
nas são mais frequentes e graves; existe maior proba- tórax: alterações no formato do tórax, aumento do
bilidade de ocorrerem as síndromes aspirativas (como diâmetro anteroposterior pela hiperinsuflação pulmo-
o refluxo gastroesofágico), mesmo que transitórias e nar, tiragens, expiração prolongada, presença de ruí-
fisiológicas e há maior suscetibilidade inespecífica aos dos adventícios como roncos e sibilos ou crepitações
fatores ambientais, alergênicos ou não (más condições e avaliação cardíaca cautelosa; abdome: pode haver
ambientais, promiscuidade, fumo etc.). rebaixamento de fígado e baço pela hiperinsuflação.
Exames laboratoriais: com base nas hipóteses
diagnósticas mais prováveis, os exames laboratoriais
mais frequentemente solicitados são:
Definição � raio X de tórax frente e perfil;
Síndrome obstrutiva, caracterizada por sibilos,
� hemograma;
traduzindo clinicamente uma diminuição do calibre
das vias aéreas. Esta manifestação pode ser persis- � protoparasitológico de fezes;
tente e/ou recorrente (em crises) com frequência e � raio X de seios da face e cavum;
intensidade variáveis. Quando ocorre em lactentes é � EED (esôfago-estômago-duodeno);
denominada “síndrome do bebê chiador”.
� pHmetria;
� videodeglutograma;
� EDA + biópsia;
Diagnóstico
� pesquisa de sódio e cloro no suor;
A investigação do diagnóstico de pacientes com
� ecocardiograma;
chiado recorrente inicia-se com os dados da história
clínica. A anamnese e o exame físico são importantes � PPD;
para a seleção dos exames subsidiários necessários na � dosagem de IgE sérica;
investigação de cada caso. � RAST (IgE sérica específica para diferentes antí-
História clínica: caracterizar a idade de início genos);
(primeira crise), sintomas e sinais. Caracterizar tam- � dosagem de imunoglobulinas séricas (IgA, IgG, IgM);
bém os períodos crítico (duração, frequência, intensi-
� dosagem de alfa-1-antitripsina;
dade) e intercrítico (assintomático ou sintomático: tipo
de sintoma, duração, horário preferencial, frequência, � tomografia computadorizada;
interferência na atividade da criança, desenvolvimen- � broncografia;
to psicomotor e pôndero-estatural). Pesquisar fatores � arteriografia digital.
desencadeantes (infecção, alérgenos, irritantes, fatores
físicos). Avaliar as condições gerais de vida: habitação
(construção, número de pessoas, mobiliário, plantas,
animais, ventilação, umidade, fumantes), local onde a Causas de sibilância
criança passa a maior parte do tempo (casa, berçário,
creche, escola etc.), renda familiar e grau de instrução na infância
dos pais. Caracterizar tosse, dispneia, sudorese, cia- 1. Infecções de vias aéreas inferiores: As in-
nose, engasgos, regurgitação, vômitos, relação com a fecções das vias aéreas inferiores têm elevada frequ-
alimentação, evacuações etc. Investigar realização de ência em toda a infância, especialmente nos lactentes.
pré-natal, tempo de gestação, condições de nascimen- No curso dessas infecções, a ocorrência de chiado no
to, peso, estatura, necessidade de O2, se recebeu alta do peito é elevada. Os agentes infecciosos são fatores de-
berçário com a mãe. Saber sobre os antecedentes pes- sencadeantes ou cofatores em 15% a 50% dos episó-
soais (doenças comuns da infância, infecções respirató- dios recorrentes de chiado no peito. Em 50% a 90%
rias anteriores, infecções extrapulmonares, hospitaliza- das infecções das vias aéreas, os agentes causais são
os vírus; o parainfluenzavírus e o vírus sincicial res- a evolução são variáveis de acordo com o agente causal
piratório (VSR) são os mais isolados nos pacientes in- e as condições do hospedeiro. A relação causal entre
ternados e na comunidade. Esses vírus respiratórios bronquiolite e asma ainda não está bem esclarecida.
podem alterar a função e o desenvolvimento pulmo- Acredita-se que cerca da metade das crianças com
nar, levando a alterações de resposta das vias aéreas, bronquiolite evolua com chiado recorrente. É geral-
da função pulmonar e da resposta imunológica. mente o primeiro episódio de sibilância do lactente.
À semelhança das infecções respiratórias virais, Acredita-se que de 45% a 50% das crianças hospitali-
as infecções bacterianas podem evoluir com crises de zadas por bronquiolite pelo VSR tenham recorrência
sibilância autolimitadas, recorrentes ou persistentes. de crises e evoluam como portadoras de estados de
As doenças respiratórias causadas por Bordetella per- hiper-reatividade brônquica, algumas inclusive de-
tussis, Mycoplasma pneumoniae, clamídias, micobacté- senvolvendo alterações imunológicas específicas (por
rias e outros podem cursar com crise de sibilância na exemplo, IgE antivírus).
fase aguda e determinar quadros de hiper-responsivi- 2. Síndromes aspirativas: distúrbios da de-
dade brônquica transitória prolongada, principalmen- glutição e refluxo gastroesofágico (RGE): podem
te em lactentes. causar quadros de sibilância pulmonar por microaspi-
A- Laringotraqueobronquite ou crupe: trata- rações recorrentes do conteúdo digestivo para as vias
-se de uma obstrução laríngea, com rouquidão, tosse, aéreas e/ou por estimulação vagal. Vários problemas,
estridor inspiratório e febre, podendo ocorrer mani- como alterações neurológicas, anormalidades da boca,
festações pulmonares com roncos, estertores e/ou nasofaringe ou mandíbula, herniações esofagianas e
sibilos. Acomete 15%-25% dos pré-escolares e o pico outros predispõem à aspiração do conteúdo gástrico
de incidência ocorre nos primeiros dois anos de vida. para a árvore respiratória, causando graus variados de
Metade dos casos de crupe é de origem infecciosa, lesão e apresentações clínicas diversas. Caracterizados
por engasgos frequentes durante a alimentação. Pode-
causada principalmente pelo VSR e Parainfluenza ví-
-se observar a presença de leite em fossas nasais, tosse
rus tipo 1.
desencadeada pela alimentação e episódios de apneia.
B- Traqueobronquite (bronquite): trata-se Nos pacientes neuropatas observa-se acúmulo de sali-
de uma doença frequentemente associada às crises de va na boca. Mesmo sem que exista uma história clíni-
chiado no peito e ao redor de 80% das crianças rece- ca positiva para engasgos, regurgitações ou vômitos, é
bem este diagnóstico no curso de afecções de vias aé- possível pensar especialmente no RGE como crises de
reas inferiores, nos cinco primeiros anos de vida. chiado no peito, aventando-se um mecanismo de es-
C- Pneumonia: no curso dessas infecções res- timulação vagal para a ocorrência destes eventos. Na
piratórias, a ocorrência de chiado no peito é elevada. faixa etária de zero a dois anos de idade, nem sempre
Além disso, os agentes infecciosos, principalmente vi- é possível encontrar relação causal entre os distúrbios
rais, são fatores desencadeantes ou cofatores em 15%- da deglutição e os problemas respiratórios. Isso por-
50% dos episódios recorrentes de chiado no peito, que é esperado que a criança tenha, temporariamente,
sendo que em muitos deles o acometimento é restrito por imaturidade neurológica e do sistema digestivo,
às vias aéreas superiores, sem envolvimento ou lesão refluxos gastroesofágicos frequentes e fisiológicos e
das vias aéreas inferiores. Em 50%-90% destes proces- incoordenação à deglutição, que facilitam os engasgos
sos infecciosos os agentes causais são os vírus. e a regurgitação. Estes fenômenos podem coincidir
ou piorar com os problemas respiratórios frequentes
D- Bronquiolite: é uma doença que acomete, dos lactentes, sem haver nenhuma relação causal. De
em geral, crianças menores de dois anos de idade, sen- qualquer forma, uma vez detectados os distúrbios da
do o agente etiológico mais frequente o vírus sincicial deglutição ou o RGE, deve-se abordar adequadamen-
respiratório (VSR). Outros vírus também podem estar te tais problemas, buscando-se reduzir o risco de as-
implicados. O diagnóstico pode ser realizado pela so- pirações. O RGE deve ser investigado principalmente
rologia para vírus e a identificação do VSR obtida por nos casos com crises de chiado no peito frequentes ou
meio de imunofluorescência indireta e da cultura de perenes, que respondem mal às medidas terapêuticas
células da secreção de nasofaringe. Pode também ser habituais. O RGE pode ser considerado um evento fi-
realizada a sorologia para VSR e outros. Ao exame ana- siológico. Indivíduos saudáveis e doentes diferem ape-
tomopatológico observa-se necrose do epitélio bron- nas quanto à frequência de episódios, sua intensidade
quiolar com oclusão da luz do brônquio. Pode haver e presença de sintomas associados. A prevalência des-
metaplasia escamosa e de células globosas, áreas de sa afecção em adultos pode chegar a 10%, entretanto,
atelectasia e hiperinsuflação pulmonar. Necrose grave a frequência exata em crianças não é bem conhecida.
ocorre nos casos de bronquiolite obliterante. Clinica- Nas situações em que o RGE é patológico (doença do
mente, a criança apresenta-se com sinais de infecção, refluxo gastroesofágico), nota-se o aparecimento de
a princípio, de vias aéreas superiores e, a seguir, sinto- sintomas, aparentemente relacionados à ação do ácido
mas de obstrução de vias aéreas inferiores com piora sobre a mucosa esofágica. O RGE favorece sua manu-
no segundo ou terceiro dias de evolução. A gravidade e tenção, criando um círculo vicioso:
quando há sinais de deslocamento mediastinal com hi- suor positivo (análise iônica quantitativa de suor
perinsuflação contralateral, diferenças na retenção de estimulado pela pilocarpina) é o critério diagnós-
ar na inspiração/expiração, movimentos paradoxais do tico mais utilizado. Este teste está sujeito a erros, se
diafragma. A confirmação pode vir pela broncoscopia, a quantidade de suor coletada for inferior a 100 mg.
se o corpo estranho não for radiopaco. Os resultados da A maioria dos autores considera que valores de sódio
broncoscopia revelam que em 50% dos casos o corpo e cloro no suor superiores a 60 mEq/L são sugestivos
estranho localiza-se no brônquio fonte direito e inter- de doença, quando realizados em duas ocasiões dife-
mediário e, em 30%, no brônquio fonte esquerdo. Cor- rentes. Atualmente, o diagnóstico também pode ser
po estranho alojado em esôfago pode, também, causar feito pelo estudo genético, no qual são pesquisadas as
quadros respiratórios, às vezes associados à disfagia. mutações mais frequentes. Há também testes de tria-
gem diagnóstica, que podem ser feitos ao nascimento.
4. Fibrose cística (FC): é uma doença genética,
O diagnóstico pré-natal já é possível, por meio de estu-
autossômica, recessiva, de incidência variável conforme
do genético, em famílias de alto risco. A sintomatologia
a raça, sendo elevada entre os caucasianos. O gene da
clínica e o prognóstico são variáveis de acordo com o
fibrose cística foi clonado em 1989. Ele se situa no bra-
grupo etário e com a expressão de diferentes mutações
ço longo do cromossomo 7. Atualmente são conhecidas em sua forma homo ou heterozigótica.
mais de 800 mutações que levam à FC, sendo a mais
frequente a chamada ΔF508. A frequência estimada dos
portadores do gene da FC é de 5% na população bran-
ca. Pode se apresentar como crises de chiado no peito,
simulando um quadro asmático antes que ocorram as
alterações gastrointestinais e o comprometimento do
estado nutricional. Acomete as glândulas exócrinas,
que apresentam um canal em sua superfície epitelial,
que se torna impermeável ao cloro. Com isso, não ocor-
re o transporte adequado de cloro da célula para o lú-
men glandular, pois impede a reidratação adequada do
fluido luminal, leva à formação de secreções mais vis-
cosas; ocasiona a obstrução dos ductos destas glându-
las e a perda de sua função. Envolve múltiplos órgãos e
evolui de forma crônica e progressiva, sendo a doença
genética letal mais comum na raça branca. Caracteriza-
-se pela tríade clínica constituída por doença pulmonar
obstrutiva supurativa crônica, insuficiência pancreática
e níveis anormalmente elevados de eletrólitos no suor.
Porém, podem estar presentes outros dados clínicos,
como: íleo meconial (5% a 10% dos casos), estatorreia,
Figura 6.2 Infiltrado pulmonar em paciente com fi-
prolapso retal, hipodesenvolvimento pondo-estatural,
brose cística.
pansinusite crônica, polipose nasal recorrente, azoos-
permia e invaginação intestinal. A fibrose cística pode
apresentar-se com crises de chiado no peito, simulando
um quadro asmático, antes que ocorram as alterações
gastrointestinais e o comprometimento do estado nu-
tricional. Na FC existe grande suscetibilidade à coloni-
zação e infecção endobrônquica por bactérias específi-
cas, sendo a infecção broncopulmonar crônica a maior
causa de dano pulmonar progressivo. Nos primeiros
anos de vida, os pacientes costumam colonizar o seu
trato respiratório pelo Staphylococcus aureus. Ao re-
dor da primeira década de vida aparece a colonização
pela Pseudomonas aeruginosa, que é a característica
marcante da doença, e relacionada à progressão da do-
ença pulmonar; uma vez presente, raramente ela é er-
radicada. Outros agentes que podem colonizar o trato
respiratório destes doentes são: Haemophilus influen-
zae, Escherichia coli, Klebsiella, Serratia, Burkholderia
cepacia e Stenotrophomonas maltophilia. O diagnóstico
é baseado na presença de doença pulmonar obstrutiva
crônica supurativa e/ou insuficiência pancreática e/ou
história familiar de FC associada a aumento dos níveis
de sódio e cloro no suor. A confirmação diagnóstica
pode ser feita através de testes genéticos (quan- Figura 6.3 Bronquiectasias pulmonares em paciente
do disponíveis), porém o teste de sódio e cloro no portador de fibrose cística.
5. Cardiopatias: algumas anormalidades cardio- evolução insidiosa, com tosse seca irritativa, cansaço,
vasculares podem causar obstrução brônquica e evo- febre baixa e mal-estar. As manifestações pulmonares
luir com quadros de sibilância pulmonar. O quadro de podem ser duradouras, mas geralmente ocorre regres-
“chiado no peito” pode resultar de compressão ex- são e desaparecimento espontâneo após cerca de uma
trínseca da via aérea e/ou por falência de ventrículo a duas semanas. As manifestações sistêmicas variam
esquerdo. Anormalidades do arco aórtico podem re- de acordo com o agente etiológico envolvido, podendo
sultar na formação de anéis vasculares ou de estrutu- ocorrer anemia, dor abdominal, hepatomegalia e exan-
ras que comprimem a traqueia, causando obstrução tema cutâneo como na toxocaríase. A toxocaríase é a
da via aérea e determinando o aparecimento de estri- parasitose de ciclo pulmonar, causada pela migra-
dor, sibilância e/ou apneia. Nos pacientes cardiopatas ção lenta em vísceras de larva de Toxocara canis e
com “shunt” esquerdo-direito nos grandes defeitos de Toxocara catis. O homem é hospedeiro acidental do
septo ventricular e na persistência de ducto arterio- ciclo do parasita, e a reação de defesa leva à instalação
so, a sintomatologia respiratória aparece quando há de uma síndrome que inclui eosinofilia sérica, hepato-
aumento da artéria pulmonar e/ou do átrio esquerdo, esplenomegalia, anemia, sintomatologia pulmonar, le-
levando à compressão de grandes vias aéreas. sões oftalmológicas e outras manifestações. A suspeita
clínica é feita a partir do encontro de leucocitose com
Quando há falência de ventrículo esquerdo, há dis- eosinofilia superior a 20% em crianças com sintomato-
tensão do leito vascular pulmonar e obstrução de veias logia descrita, que tenham história de geofagia e con-
pulmonares, resultando no edema da parede dos bron- tato com cães ou gatos em casa. O diagnóstico labora-
quíolos com aumento da resistência periférica pulmonar, torial inclui exames de triagem, como a dosagem sérica
que determina o aparecimento de sibilância. Assim, aus-
de imunoglobulinas e de iso-hemaglutininas séricas,
culta cardíaca alterada em crianças com “chiado no peito”
que está elevada. A confirmação diagnóstica da in-
indica a necessidade de avaliação específica.
fecção por T. canis será feita pela positividade da
6. Tuberculose: chiado no peito pode ser sorologia específica para o agente. Um quadro mais
uma das manifestações clínicas da tuberculose, grave é a estrongiloidíase disseminada, que pode ocor-
decorrente do estreitamento das vias aéreas por rer em pacientes com doenças malignas ou em terapia
endobronquite ou por compressão extrínseca imunossupressora. Nessas crianças, pode ocorrer uma
provocada pela adenomegalia satélite. Devido à superinfestação sistêmica do parasita, inclusive nos
alta prevalência da doença em nosso meio, é impor- pulmões, com alta taxa de mortalidade.
tante investigar esta possibilidade diagnóstica em
crianças com crises de chiado no peito perene ou de di- O quadro radiológico mostra um padrão de in-
fícil controle, especialmente naquelas expostas a focos filtrado predominantemente alveolar, cuja principal
da doença e/ou sem vacinação correta. A tuberculose, característica é o caráter migratório, notado por meio
enquanto causa de aumento ganglionar mediastinal e de exames radiológicos seriados. O exame hematoló-
de lesão pulmonar fixa, deve ser diferenciada de ou- gico pode demonstrar eosinofilia acentuada (10% a
tros problemas, como massas mediastinais e lesões 20% dos leucócitos circulantes), podendo alcançar
pulmonares congênitas, que também podem causar até valores muito elevados, o que levanta a hipótese
sibilância e crises de chiado no peito. de leucemia eosinofílica. Na prática pediátrica, fre-
quentemente é a observação da eosinofilia que suge-
7. Parasitoses com ciclo pulmonar (síndrome re a hipótese de síndrome de Loëffler. O diagnóstico
de Löeffler): Alguns parasitas como Ancylosto- etiológico é feito por meio da pesquisa direta nas se-
ma duodenale, Necator americanus, Strongyloides creções de vias aéreas, exame pouco sensível, embora
stercoralis, Toxocara canis, Toxocara catis e Ascaris muito específico. O exame parasitológico das fezes
lumbricoides podem causar sintomas respirató- apresenta baixa especificidade, uma vez que a pre-
rios durante seu ciclo pulmonar na fase larvária. sença de verminose é bastante frequente em nosso
Dada sua alta prevalência em nosso meio, ao redor de
meio. No caso da toxocaríase, como citado anterior-
15%-20% das crianças menores de cinco anos estão in-
mente, a realização de sorologia por meio de ensaios
fectadas, é possível que esta seja uma causa frequente
imunoenzimáticos firma o diagnóstico.
de crises de chiado no peito que, no entanto, ainda é
pouco diagnosticada. A patogênese do processo pulmo- 8. Anormalidades laringotraqueobrônqui-
nar parece estar relacionada tanto com a presença das cas: as anormalidades e as malformações das vias
larvas quanto por um processo alérgico desencadeado aéreas causam sintomatologia respiratória variá-
por essas e/ou seus produtos biológicos. Essa última hi- vel, de acordo com a sua localização. As anorma-
pótese justificaria a presença de infiltrado eosinofílico lidades laríngeas são as mais frequentes, espe-
nos pulmões de pacientes acometidos e a ausência de cialmente a laringomalacia, que se manifesta com
larvas nas necropsias de pacientes que apresentavam estridor inspiratório evidente desde o nascimen-
a síndrome de Loëffler. O quadro clínico respiratório e to, mas pode aparecer até o segundo mês de vida.
sistêmico, que decorre da migração larvária, pode ter O estridor é exacerbado por choro, agitação e
sintomatologia e gravidade variáveis, dependendo da infecção. A laringomalacia é considerada afecção
interação entre o agente e a reação do hospedeiro. O benigna, com expectativa de resolução espontâ-
quadro clínico é geralmente leve, caracterizado por uma nea entre 12 e 18 meses de vida. As anormalidades
congênitas de traqueia e brônquios são mais raras, po- nores que três desvios-padrão abaixo da média para a
rém as malformações intrínsecas (estenoses, malacias, idade, estando, no entanto, a capacidade de formação
fístulas, comunicação anômala) e as compressões ex- de anticorpos preservada. A deficiência seletiva de IgA
trínsecas (vasos anômalos, massas mediastinais, mal- também pode ser frequente na criança. Pode ser assin-
formações pulmonares) podem ser causa de “chiado no tomática ou manifestar-se com quadros de infecções
peito”, principalmente nos quadros graves e/ou pere- respiratórias recorrentes. Os níveis de IgA são menores
nes. O diagnóstico laboratorial inclui radiografia lateral que 5 mg/dL, mas a concentração total de IgG e IgM e
de pescoço e de tórax, tomografia e endoscopia. a avaliação funcional das células T geralmente são nor-
9. Alergia ao leite de vaca: é uma doença de pre- mais. As deficiências combinadas dos sistemas B e T, do
valência variável, estimando-se que ocorra entre 0,3% a sistema fagocitário e do sistema complemento são me-
7,5% das crianças alimentadas com leite de vaca e em 1% nos frequentes, mais graves e acometem principalmen-
dos adultos. É mais frequente nos primeiros dois anos de te as defesas contra agentes oportunistas. Desnutrição
vida e, na maioria dos casos, resolve-se espontaneamen- grave, infecção pelo vírus HIV, tumores, síndrome ne-
te entre o terceiro e o sexto anos de idade. São várias as frótica, enteropatia perdedora de proteínas, esplenec-
proteínas do leite de vaca que causam alergia, sendo que tomia e uso prolongado de drogas (corticosteroides e
as mais alergênicas são: betalactoglobulina, caseína citostáticos) podem induzir quadros de imunodeficiên-
e alfalactoglobulina. As reações de hipersensibilidade cia secundária, com acometimento de vários órgãos e
induzidas pelo leite são dos tipos I (mediada por IgE), II quadros clínicos heterogêneos.
(citotoxinas), III (mediadas por imunocomplexos) e IV 11. Displasia broncopulmonar: pode ser
(tardia), de tal forma que a sintomatologia pode ocorrer uma das causas de chiado no peito em crianças com
em minutos ou horas após a ingestão do alimento, ou mais história de prematuridade, com uso de oxigenotera-
tardiamente, em 48-72 horas, sendo difícil avaliar, em pia e/ou ventilação mecânica no período neonatal.
cada caso, quais os mecanismos envolvidos na doença. De- O quadro clínico pode se confundir com o da asma,
vido à possibilidade de hipersensibilidade tardia, os testes com crises recorrentes de dificuldades respiratórias e
de exclusão devem durar de três a quatro semanas para se- sibilância, alterações radiológicas de hiperinsuflação
rem adequadamente interpretados. A alergia ao leite de pulmonar e áreas de atelectasia e fibrose difusas e
vaca pode se apresentar clinicamente com manifes- com boa resposta à terapêutica comumente utilizada
tações gastrointestinais (diarreia, vômitos, dores na asma, o que dificulta o diagnóstico diferencial.
abdominais, cólicas, síndrome de má absorção, san- 12. Asma: é, na infância, causa frequente de crises
gramento), respiratórias (sibilância e tosse), der- de chiado no peito, com prevalência estimada entre 10%
matológicas (eczema, angioedema e urticária), he- e 15%, chegando até a 30%, conforme a população es-
matológicas (eosinofilia, anemia, trombocitopenia) tudada. Nas crianças com chiado no peito, o diagnóstico
e outras (fadiga, irritabilidade, déficit ponderal). O de asma é frequentemente lembrado e, para sua confir-
diagnóstico clínico é sugestivo em crianças com essa mação, necessita-se mais de uma abordagem clínica evo-
sintomatologia, que receberam leite de vaca preco- lutiva criteriosa do que de exames laboratoriais. É diag-
cemente nas primeiras semanas de vida e cujas fa- nóstico de exclusão. Nos asmáticos, as histórias pessoal e
mílias tenham antecedentes positivos para atopia. familiar de atopia podem alertar para o quadro alérgico.
O diagnóstico pode ser confirmado pelas provas de A rinite alérgica é um diagnóstico diferencial de infec-
exclusão e provocação oral (padrão-ouro), auxilia- ções de vias aéreas superiores de repetição. A presença
dos pelos testes imunológicos (RAST para detecção de dermatite atópica em pré-escolares está associada ao
de IgE específica) e testes cutâneos. O tratamento maior risco de desenvolvimento de chiado persistente no
baseia-se na retirada total do leite de vaca da dieta peito. O diagnóstico de asma na criança é primariamen-
da criança por alguns anos. te clínico, com base nas evidências de atopia, nas crises
10. Imunodeficiências: as imunodeficiências desencadeadas por IVAS e mudanças de temperatura, na
congênitas ou adquiridas podem estar associadas a cri- boa resposta à terapêutica e na ausência de evidências
ses de sibilância recorrentes, pois facilitam a ocorrên- clínicas de outras doenças. Exames laboratoriais como
cia de infecções e podem se associar à atopia e à asma. a dosagem de IgE elevada, a eosinofilia periférica e a ci-
Na infância, as imunodeficiências congênitas que tologia da secreção nasal com eosinófilos acima de 10%
mais frequentemente se associam às afecções auxiliam no diagnóstico. As provas de função pulmonar
respiratórias recorrentes são devidas à defici- não são realizadas rotineiramente em nosso meio, pelas
ência de síntese de anticorpos e às deficiências dificuldades técnicas em crianças menores de seis anos
combinadas dos sistemas B e T, como hipogama- de idade, mas são muito importantes em crianças maio-
globulinemia transitória, deficiências seletivas res, complementando e conferindo o diagnóstico clíni-
de IgA e de subclasses de IgG e imunodeficiência co. Atualmente, a tendência é estabelecer o diagnóstico
comum variável. A hipogamaglobulinemia transitória diferencial de asma após os cinco anos de idade, já que
da infância é um prolongamento da hipogamaglobuli- muitas crianças apresentam sibilância por outras causas
nemia fisiológica, autolimitada, que persiste até os 18 até essa idade, sendo, no entanto, possível concretizar o
ou 24 meses de vida ou mais. Os critérios diagnósticos diagnóstico antes dessa idade nos casos típicos. A asma
variam, geralmente se encontram níveis de IgG me- persistente pode aparecer como causa de chiado crônico.
7
Afecções de vias aéreas inferiores:
tópicos de asma em pediatria
Asma Diagnóstico
A asma é uma das doenças crônicas mais comuns Diferentemente das crianças maiores, quadros
do mundo. Estima-se que existam 300 milhões de pes- de sibilância recorrente ocorrem em uma grande pro-
soas afetadas sendo uma das principais causas de ab- porção de crianças menores de 5 anos, tipicamente
senteísmo no trabalho e na escola. Sua real incidência acompanhados de infecções virais do trato respira-
não é conhecida, em parte pela sobreposição de vários tório superior (IVAS). Decidir quando esta é a apre-
quadros da infância que se manifestam com sibilos; sentação inicial da asma pode ser difícil. O desafio
porém, estudos locais estimam sua prevalência em diagnóstico fica maior ainda quando se considera que
cerca de 10% na população geral. metade dos asmáticos iniciaram o quadro de asma na
infância. O chiado é o sintoma mais comum associado
Asma é uma doença inflamatória crônica das vias à asma em crianças menores de 5 anos. Deve-se ter
aéreas, na qual muitas células e elementos celulares atenção na anamnese, pois os pais podem descrever
têm participação. A inflamação crônica está associada qualquer respiração ruidosa como “chiado”.
à hiperresponsividade das vias aéreas inferiores, que
Algumas infecções virais (vírus sincicial respira-
determina episódios recorrentes de sibilos, dispneia, tório e rinovírus) estão associados com sibilos recor-
opressão torácica e tosse, particularmente à noite ou rentes durante toda a infância. Assim, sibilância nessa
no início da manhã. Esses episódios são uma consequ- faixa etária é uma condição altamente heterogênea, e,
ência da obstrução ao fluxo aéreo intrapulmonar ge- portanto, nem toda sibilância nessa faixa etária indica
neralizada e variável, reversível espontaneamente ou asma. Além disso, não é possível avaliar rotineiramen-
com tratamento.
95
7 Afecções de vias aéreas inferiores: tópicos de asma em pediatria
te limitação do fluxo aéreo neste grupo etário. Uma função pulmonar informam sobre a intensidade da li-
abordagem baseada em probabilidade, com base no mitação ao fluxo aéreo, sua reversibilidade e variabili-
padrão dos sintomas durante e entre infecções respi- dade. A espirometria é útil para o diagnóstico (a partir
ratórias virais pode ser útil. Assim, em crianças pe- dos 5 anos), avaliação da gravidade, monitorização e
quenas com sintomas de duração menor que 10 dias, avaliação da resposta ao tratamento. O volume expi-
durante episódios de IVAS, cerca de dois a três episó- ratório forçado no primeiro segundo (VEF1) de espi-
dios/ano e nenhum sintoma entre os episódios, maior rometria é mais confiável do que pico de fluxo expira-
a probabilidade de crianças com chiado induzido por tório (PEF). O VEF1 pós-broncodilatador é o melhor
infecção viral. Duração e frequência maiores, com sin- parâmetro espirométrico para avaliar mudanças em
tomas intercríticos e antecedentes pessoais de atopia longo prazo na função pulmonar, sendo um indicador
ou familiares de asma, sinaliza maior probabilidade de de progressão da doença. Os achados funcionais pul-
propensão ao diagnóstico de asma. monares compatíveis com asma são:
O diagnóstico de asma se baseia na identificação � Espirometria demonstrando limitação ao fluxo
de um padrão característico de sintomas respiratórios aéreo do tipo obstrutivo, variável; VEF1/capa-
como chiado, dispneia, aperto no peito e tosse, e variá- cidade vital forçada CVF) menor que 80% em
vel limitação do fluxo aéreo expiratório. A tosse devido adultos e 90% em crianças, com reversibilida-
à asma não é produtiva, pode ser recorrente ou persis- de (resposta ao broncodilatador), definida por
tente, e acompanhada por chiado e dificuldade respira- aumento do VEF1 após inalação de beta-2 ago-
tória. Tosse noturna (quando a criança está dormindo) nista de curta duração (10 a 15 minutos após
ou tosse que ocorre com o exercício, riso ou choro, na 400mcg de salbutamol) de pelo menos 12% em
relação ao valor pré-broncodilatador e de, pelo
ausência de uma infecção respiratória aparente, apon-
menos, 200ml em valor absoluto (em crianças,
ta para o diagnóstico de asma. Pode haver descrição de
apenas aumento maior de 12% do previsto).
“falta de ar”, “dificuldade para respirar” e “aperto no
peito”. Nas crianças pequenas, a observação da ativida- � Teste de broncoprovocação positivo (pacientes
de reduzida (brinca menos, não ocorre e não sorri como maiores), realizado em serviços especializados.
outras crianças) pode ser indicativa do seu comprome-
timento funcional. A associação de sintomas (sibilos,
tosse, dispneia e desconforto) também é um padrão ca-
racterístico da asma. Os sintomas, muitas vezes, apre-
sentam piora à noite ou no início da manhã e variam
Avaliação da asma
ao longo do tempo e em intensidade. Os sintomas são O nível de controle da asma é a medida em que
desencadeados por infecções virais, exercício, risadas, as manifestações da asma podem ser observadas no pa-
choro, exposição à alérgenos, mudanças no clima, ou ciente ou que tenham sido reduzidas ou removidas pelo
irritantes, como fumaça, cigarro ou odores fortes. tratamento. A avaliação do nível de controle da asma
Reitera-se que, o início de sintomas respiratórios compreende dois aspectos: o controle atual dos sinto-
na infância, uma história de atopia (rinite alérgica ou mas (referente às últimas 4 semanas) e os fatores de ris-
eczema), ou uma história familiar de asma ou alergia, co futuro, ou seja, os fatores de risco de resultados in-
aumentam a probabilidade de que os sintomas respi- satisfatórios, que compreende o risco de exacerbações,
ratórios sejam devidos à asma. Os doentes com rinite de instabilidade, de declínio da função pulmonar e de
alérgica ou dermatite atópica devem ser perguntados efeitos colaterais das medicações usadas.
sobre sintomas respiratórios. A avaliação do controle dos sintomas da asma é
O exame físico em pessoas com asma muitas ve- baseada nos sintomas, na limitação das atividades e
zes é normal. A alteração mais frequente são os sibilos na utilização de medicação de resgate. Devemos rea-
expiratórios na ausculta, mas isso pode ser ausente lizar avaliação cuidadosa do impacto da asma nas ati-
ou só ser auscultado na expiração forçada. Chiados no vidades diárias de uma criança, incluindo esportes,
peito também podem estar ausentes durante as exa- brincadeiras e vida social. Muitas crianças com asma
cerbações de asma grave, devido ao fluxo de ar grave- mal controlada evitam exercícios para que a sua asma
mente reduzido (“tórax silencioso”); em tais ocasiões, possa parecer bem controlada, que pode determinar
há outros sinais físicos de insuficiência respiratória. maior risco de obesidade.
Crepitações e chiado inspiratório não são característi- As “perguntas-chave” para a avaliação do con-
cas da asma. O exame do nariz pode revelar sinais de trole dos sintomas e a subsequente classificação do
rinite alérgica ou pólipos. controle da asma estão apresentadas no quadro X-1,
A asma é caracterizada por limitação do fluxo seguindo-se as recomendações atuais da Global Initia-
aéreo expiratório variável, ou seja, a função pulmonar tive for Asthma (GINA – atualizado em 2016) e pelas
varia ao longo do tempo e em magnitude a uma exten- Diretrizes da Sociedade Brasileira de Pneumologia e
são maior do que nas pessoas saudáveis. Os exames de Tisiologia para o Manejo da Asma (SBPT - 2012)
roide sistêmico, uso de dois ou mais frascos de aerossol depender da evolução clínica do paciente. A primeira
dosimetrado de broncodilatador por mês, problemas medicação a ser prescrita deve ser o cortiscoteroide
psicossociais (depressão, baixo nível socioeconômico, por via inalatória.
dificuldade de acesso à assistência, falta de aderência a As etapas do tratamento são apresentadas a se-
tratamentos prévios), presença de comorbidades (do- guir. Uma vez que um bom controle de asma é obti-
ença cardiovascular ou psiquiátrica) e má percepção do do por 2 a 3 meses, regressão na etapa de tratamento
grau de obstrução por parte do paciente. Nos menores pode ser cogitada; diante da falta de controle, um eta-
de 5 anos, crise grave prévia com necessidade de venti- pa acima de tratameno deveer instituída
lação mecânica ou internação em UTI, idade inferior a
12 meses, doses repetidas e não usuais de β2-agonistas
de curta ação nas primeiras horas após a instalação das
anormalidades clínicas e recidiva abrupta do quadro clí-
nico apesar de tratamento adequado. Etapa 1 – Apenas medicação
inalada de alívio conforme a
necessidade
Tratamento da asma A opção que preferimos são os beta-2 agonista
de curta duração (SABA), conforme a necessidade.
Os objetivos de longo prazo do tratamento da SABA são altamente eficazes para o alívio de sinto-
asma são o bom controle dos sintomas e redução (mi- mas da asma. Essa opção deve ser reservada para
nimização) dos riscos futuros de exacerbações, limita- pacientes com sintomas pouco frequentes (menos de
ção fixa do fluxo aéreo e efeitos colaterais da medica- duas vezes por mês), de curta duração e sem fatores
ção. O manejo do paciente inclui: de risco para exacerbações.
- Medicações: As drogas utilizadas podem ser de
dois tipos: as de controle, utilizadas para o tratamen-
to de manutenção regular e que reduzem a inflamação
das vias aéreas, controlando sintomas e reduzindo os Etapa 2 – Baixa dose de
riscos futuros e as medicações de resgate, para alívio medicação de controle +
conforme a necessidade, inclusive durante o agrava-
mento da asma ou exacerbação. Essas últimas tam- SABA de alívio conforme a
bém são indicadas para a prevenção de curto prazo de necessidade
asma induzida pelo exercício.
Essa costuma ser a etapa inicial de tratamento
- Tratamento dos fatores de risco modificáveis: para a maior parte dos pacientes. A dose baixa de cor-
como a exposição ao tabaco ou outros elementos de- ticosteroides inalatórios reduz os sintomas, os riscos
sencadeantes. de exacerbações, hospitalização e mortes relacionadas
- Outras medidas não-farmacológicas, como in- à asma.
centivo para a prática de atividade física. Atualmente, as medicações disponíveis na for-
A educação, associada ao manejo farmacológico é ma de sprays dosimetrados (nebulímetros) são livres
fundamental na abordagem da asma, devendo ser parte de gás propelente clorofluorcarbono (CFC), “ambien-
integral do cuidado. O médico deve auxiliar o paciente talmente incorretos” (lesam a camada de ozônio).
e sua família na aquisição de motivações, habilidades e Uma alternativa ao CFC foi o HFA (hidrofluoralcano)
confiança. Um plano escrito de auto-manejo permite que é inerte, atóxico, não acumula na atmosfera, tem
melhor controle da asma e reduz hospitalizações. rápida absorção e eliminação pulmonar, liberação de
dose mais consistente, força de disparo menor do
aerossol e temperatura maior. Outro conceito que o
médico deve ter é o da potência do cortiscosteroide;
Tratamento de manutenção dependendo da dose administrada, ela é classificada
em baixa, média ou alta dose diária total. O quadro
No manejo da asma, tratamento farmacológico é X-3, apresenta, de forma resumida as doses dos prin-
ajustado em um ciclo contínuo que envolve avaliação, cipais CI disponíveis em nosso meio. Não é uma ta-
prescrição e revisão. O orientação de vários guidelines bela de equivalência, mas, sim, de comparação clínica
existentes divide o tratamento da asma em etapas estimada. A maior parte dos benefícios clínicos do CI
(steps) que podem ser progressivas ou regressivas a é observada em doses baixas.
Eventualmente, na etapa 2, podem ser prescri- população pediátrica (<5 anos), a melhor opção tera-
tos antagonistas de receptores de leucotrienos (LTRA) pêutica ainda não foi estabelecida. Poder-se-ia tentar,
com SABA conforme a necessidade. Os LTRA são me- por exemplo, o aumento da dose de CI, com doses
nos eficazes que doses baixas de CI. Podem ser usados mais frequentes por algumas semanas. Eventualmen-
para alguns pacientes que têm asma e rinite alérgica te, cogita-se uma dose baixa de corticosteroide por via
ou caso o paciente não vá usar CI. oral até melhora dos sintomas. Não há dados suficien-
tes sobre eficácia e segurança da combinação de CI e
LABA em menores de 5 anos.
Etapa 3 - Um ou dois
medicamentos de controle Etapa 5 – referir para um
+ SABA de alívio conforme a centro especializado e/ou
necessidade tratamento adjuvante
Deve-se lembrar que, antes de considerar a etapa
seguinte devemos verificar a técnica de uso do inalador Se mesmo com dois ou mais medicamentos de
e a adesão ao tratamento. A maioria das falhas de trata- controle a criança permanecer sintomática sugere-se
mento é por má uso da técnica. Nessa etapa 3, a opção tratamento adjuvante com omalizumabe (anti-IgE)
preferida para crianças é dose média de CI com SABA para pacientes com asma grave que não seja possível
conforme a necessidade. Para adultos e adolescentes, controlar com o tratamento da Etapa 4.
a opção preferida é a combinação de dose baixa de CI
com LABA (beta-2 agonista de longa duração), com
efeito semelhante ao de aumentar CI. Em nosso meio,
os LABA existentes são o formoterol e o salmeterol.
Técnica inalatória e
Etapa 4 - Dois ou mais escolha dos dispositivos
medicamentos de controle + Existem vários dispositivos para uso de me-
dicamentos para asma: micronebulização, inalador
SABA de alívio conforme pressurizado dosimetrado (IPD, conhecidos como
a necessidade nebulímetros, “bombinhas” ou “spray”), com ou sem
Visto que a asma passa a ser classificada como espaçador acoplado, valvulados ou não, e inaladores
grave devemos, preferenciamente, encaminhar o pa- de pó seco (IPS). Na nossa prática pediátrica, o mais
ciente para avaliação de um especialista. utilizado é o IPD com espaçador valvulado. O uso do
Nessa etapa, tenta-se a combinação de dose alta espaçador valvulado apresenta como vantagem prin-
de CI/LABA, porém há poucos benefícios adicionais e cipal a eliminação da necessidade de coordenar o jato
existem riscos aumentados de efeitos colaterais. Na com a respiração. Isso permite que crianças pequenas
e aquelas em crise moderada a grave consigam utilizar o IPD. Além disso, o espaçador funciona como um “filtro”
que retém partículas grandes e libera partículas respiráveis, reduzindo a deposição de medicamento na orofaringe
e, consequentemente, os efeitos sistêmicos. Na orientação à família da criança asmática, é importante ensinar a
técnica correta de uso do IPD com espaçador valvulado, seguindo os seguintes passos:
1. Montar corretamente o espaçador;
2. Encaixar o IPD no espaçador;
3. Agitar o IPD por 5 segundos;
4. Colocar a peça bucal ou máscara bem ajustados ao rosto da criança, na posição sentada;
5. Estimular a respiração pela boca quando possível;
6. Acionar o jato;
7. Tempo de respiração: 10 a 30 segundos (5 a 10 incursões respiratórias);
8. Aguardar 15-30 segundos entre cada aplicação;
9. Realizar apenas um jato de cada vez.
O choro prejudica a deposição pulmonar, mas não é um impedimento para a realização. A indicação do
uso de micronebulizadores está restrita a lactentes muito pequenos em que não se consegue boa adaptação da
máscara do espaçador à face e/ou cujo volume corrente não for suficiente para abrir a válvula do espaçador e, nas
formas graves em que há necessidade de oxigenoterapia concomitante.
Tratamento da exacerbação
O objetivo principal da abordagem da criança ou adolescente asmáticos deve ser proporcionar suporte
para que as exacerbações (“crises”, para os pacientes) não resultem em atendimentos em serviços de urgência,
internações (inclusive em UTI) e mesmo óbitos. Na maioria das vezes, quando o paciente e a família conhecem a
doença e seus fatores desencadeantes, têm acesso regular aos medicamentos e sabem como utilizá-los com tran-
quilidade e no momento certo (diante das primeiras manifestações de uma exacerbação), é possível reduzir signi-
ficativamente a morbidade relacionada à asma. Entretanto, ainda é uma triste realidade no nosso país, serviços
de pronto-atendimento muito sobrecarregados com crianças e adolescentes em crise de asma.
Todos os pacientes devem ter um plano de ação, por escrito, para a asma, e devem ser educados sobre como
reconhecer e agir diante de um agravamento da doença.
Uma breve história é importante para caracterizar a gravidade de crises pregressas quanto ao uso de corti-
costeroides sistêmicos, hospitalizações e necessidade de oxigenoterapia ou de terapia intensiva. O exame físico
deve avaliar os sinais de gravidade e os sinais vitais (nível de consciência, temperatura, frequência cardíaca,
frequência respiratória, pressão arterial, capacidade de completar frases, uso de músculos acessórios e sibilos).
Além disso devemos procurar por fatores complicadores (anafilaxia, pneumonia, pneumotórax, atelectasia ou
pneumomediastino). Sempre devemos afastar condições alternativas que poderiam explicar a falta de ar aguda
(por exemplo, insuficiência cardíaca, aspiração de corpo estranho ou embolia pulmonar). A oximetria de pulso
deve ser aferida; níveis de saturação menores que 90% em crianças ou adultos sinalizam a necessidade de te-
rapia agressiva.
Classificação da Crise
O quadro X-4 apresenta a classificação da crise asmática em leve, moderada e grave, através de dados da
história e do exame físico.
Insuficiência
Leve Moderada Grave
respiratória
Falta de ar Quando anda Quando fala Em repouso Em repouso
Respira entre Respira entre
Fala Respira entre frases Muito cansado para falar
sentenças palavras
Normal ou Aumentada, normal ou
FR Aumentada Aumentada
aumentada diminuída
FR normal em crianças acordadas:
Idade FR
< 2 meses < 60/min
2 – 12 meses < 50/min
1 – 5 anos < 40/min
6 – 8 anos < 30/min
Prostrado se crise Prostrado ou
Estado geral Normal Sonolento, confuso
prolongada agitado
Peak flow
(em relação ao pre- > 70% 50% - 70% < 50% Não é possível realizar
visto ou ao basal)
Musculatura Variável de intensa a sem
Não Leve a moderada Intensa
acessória desconforto (fadiga)
Murmúrio vesicular
Sibilos inspiratórios Sibilos inspiratórios
Ausculta Sibilos expiratórios diminuído, sem sibilos
e expiratórios e expiratórios
(tórax silencioso)
Sat O2 (oximetria) > 95% 90% - 95% < 90% < 90%
Tabela 7.4 Classificação da crise asmática.
• fenoterol ou salbutamol
• > 2 anos – aerosol com espaçador, 400 µcg/dose
• < 2 anos – inalação com SF (5 mL) e:
• fenoterol:
• 1 gota cada 3 kg (máximo 8 gotas)
• salbutamol:
• < 10 kg: 0,25 mL
Figura 7.1 Manejo da crise asmática leve. Se o paciente estiver em uso de corticosteroide ou β2-agonista regular
em casa, considerar tratamento da crise asmática moderada
• fenoterol ou salbutamol
• > 2 anos - aerosol com espaçador, 400 µcg/dose
• < 2 anos - inalação com SF (5 ml) e:
• frenoterol:
• 1 gota cada 3 kg (máximo 8 gotas)
• salbutamol:
• < 10 kg: 0,25 ml
• 10 - 20 kg: 0,5 ml
• > 20 kg: 0,75 ml
Corticosteroide (ataque) VO
Admitir na observação
Admitir na observação Alta com orientação de:
• O2 100%
• β2- agonista inalatório associado a brometo de ipratrópio • Corticosteróide VO
• O2 se necessário
(3 inalações seguidas) • prednisona ou prednisolona
• β2- agonista 2/2 hs • 1 a 2 mg/kg/dia, máximo 80 mg/dia, dividido
• dose de ipratrópio: • corticosteróide oral
• < 1 ano: 10 gotas •
• prednisona ou prednisolona em 2 doses,
• •
1 - 12 anos: 20 gotas • 1 mg/kg/dose, máximo 20 mg,
por 5 dias (3 - 10 dias, sem necessidade de
•
•
> 12 anos: 40 gotas de 6/6 hs, por até 48 horas regressão lenta)
corticosteroide oral ou endovenoso β2- agonista de 6/6hs por dia 5 dias.
• prednisona, prednisolona ou metilprednisolona Obs: se aerosol, diminuir dose para 200 µcg/dose
1 mg/kg/dose, máximo 20 mg, de 6/6 hs, por até 48 horas
Boa resposta
• O2 100%
• β2- agonista a cada 20’ (3x seguidas) Considerar
• sulfato de magnésio
• 50 mg/kg, máximo 2g, EV, em 30’ Resposta ruim • UTI
• corticosteróide oral ou endovenoso • Ipratrópio 6/6 hs
• prednisona, prednisolona ou metilprednisolona • β2- agonista EV contínuo
• • aminofilina EV
1 mg/kg/dose, máximo 20 mg, de 6/6 hs, por até
48 horas
Admitir na observação
• O2 100%
• β2- agonista inalatório associado a brometo de
ipratrópio (3 inalações seguidas)
• dose do β2- agonista (fenoterol ou salbutamol):
• fenoterol:
• 1 gota cada 3 kg (máximo 8 gotas)
• salbutamol:
• < 10 kg: 0,25 ml
• 10 - 20 kg: 0,5 ml
• > 20 kg: 0,75 ml
• dose do ipratrópio:
• < 10 kg: 10 gotas
• 10 – 20 kg: 20 gotas
• > 20 kg: 40 gotas
• corticosteróide oral, intramuscular ou endovenoso
• prednisona, prednisolona ou metilprednisolona
• 2 mg/kg, máximo 60 mg
• O2 100%
• β2- agonista a cada 20’ (3x seguidas)
• sulfato de magnésio Admitir na observação
• 50 mg/kg, máximo 2g, EV, em 30’
• corticosteroide endovenoso • O2 se necessário
• metilprednisolona • β2- agonista de 1/1 ou 2/2 hs
• 1 mg/kg/dose, máximo 20 mg, de corticosteróide oral
6/6 hs, por até 48 horas
• prednisona ou prednisolona
• considerar • 1 mg/kg/dose, máximo 20 mg,
• UTI de 6/6 hs, por até 48 horas
• Ipratrópio 6/6 hs
• β2- agonista EV contínuo
• O2 100% Boa resposta
• β2- agonista a cada 20’ (3x seguidas)
Resposta ruim • corticosteroide endovenoso
• metilprednisolona
• 1 mg/kg/dose, máximo 20 mg, de Resposta ruim
6/6 hs, por até 48 horas
• considerar
UTI
• UTI
• Ipratrópio 6/6 hs
• β2- agonista EV contínuo
• aminofilina
Figura 7.3 Manejo da crise asmática grave.
Prevenção
O desenvolvimento e persistência da asma são dependentes de interações gene-ambiente. Para as crianças,
uma “janela de oportunidade” existe no útero e no início da vida, mas estudos de intervenção ainda são limitados.
A sensibilização pelos alérgenos é um dos mais importantes fatores de risco para o desenvolvimento de asma. Al-
gumas medidas de prevenção primária têm sido propostas, embora nenhuma dessas medidas tenha demonstrada
inequívoca certeza que interferem na redução do desenvolvimento ou modificação da história natural da asma.
As recomendações atuais, com base em consensos, incluem: evitar a exposição ao tabaco durante a gravidez e no
primeiro ano de vida e incentivar o parto vaginal e a amamentação. Além disso, sempre que possível, evitar o uso
de paracetamol e antibióticos de largo espectro durante o primeiro ano de vida.
8
Infecção do trato urinário (ITU)
e refluxo vesicoureteral (RVU)
res, assim como sua dilatação; alteração na atividade No RN, a infecção acomete mais o sexo masculi-
mitótica das células da junção vesicoureteral, impedin- no, no qual predominam também as anomalias do trato
do sua maturação. A ação da bactéria no tecido renal urinário. O quadro reveste-se de maior gravidade, com
resulta em resposta inflamatória local que determina sério comprometimento do estado geral, com frequente
leucocitúria e resposta sistêmica com febre, elevação evolução para um quadro séptico. Febre sem sinais lo-
da proteína C reativa, VHS e leucocitose. A inibição calizatórios (FSSL) é comum, sendo a ITU responsável
da aderência bacteriana tem sido objeto de diversos por até metade dos casos. É a “criança que não vai bem”,
trabalhos experimentais, ainda não conclusivos, uti- com hiper ou hipotermia, icterícia (aumento de bilirru-
lizando vacinas preparadas com fímbrias bacterianas, bina direta), cianose, irritabilidade, anorexia, vômitos,
substâncias similares aos receptores e doses subinibi- distensão abdominal, apatia e sintomas relacionados ao
tórias de antimicrobianos, abrindo novas perspectivas SNC (choro persistente, hipoatividade ou convulsões).
para o controle das ITU. Sinais de bacteremia e sepse a partir de um foco uriná-
rio (urossepse) são frequentes em neonatos e lactentes
As bactérias podem ativar diretamente as células
jovens. Na exploração diagnóstica dessas crianças, a
epiteliais do trato urinário a produzirem mediadores
urocultura se impõe como exame obrigatório.
inflamatórios precoces, as citocinas, responsáveis pelo
desencadeamento da cascata inflamatória. A intensi- No lactente, a febre assume importância maior,
dade e a localização da resposta inflamatória no tra- o que geralmente motiva a procura do serviço médico.
to urinário determinam as manifestações clínicas da Disúria, urgência miccional e polaciúria, embora pos-
ITU. Em aproximadamente 30% dos pacientes com sam estar presentes, são sintomas difíceis de identificar
pielonefrite (PN), a bactéria invade a mucosa até al- nessa faixa etária, uma vez que a criança usa fraldas e
cançar a corrente sanguínea, causando bacteremia e, não consegue expressar a queixa. Os sinais e sintomas
ocasionalmente, sepse (especialmente em neonatos). da infecção são, em geral, inespecíficos, tornando difícil
Pacientes com PN aguda têm inflamação da pelve e distinguir entre ITU e a presença de outros focos infec-
do parênquima renal com sintomas sistêmicos (febre, ciosos extrarrenais, retardando o diagnóstico e trata-
queda do estado geral, leucocitose). mento adequados. Podemos ter relato de alterações no
aspecto e odor da urina, choro correlacionado a micção
A combinação de dano intersticial, enzimas tóxi-
ou alteração no número e volume das micções. Outros
cas, isquemia e reperfusão produz as alterações encon-
sintomas inespecíficos, isolados ou em conjunto, quan-
tradas no parênquima renal durante a PN aguda. Essas
do sem explicação aparente, devem indicar ao pediatra
alterações podem reverter completamente, com recons-
a necessidade de pensar em ITU: anorexia, ganho ina-
tituição do parênquima renal, em cerca de quatro a seis
dequado de peso, irritabilidade, vômito ou diarreia. Em
meses após o tratamento, ou evoluir para a formação
relação ao ganho inadequado de peso, vale ressaltar que,
de cicatrizes, encontradas em cerca de 5% a 15% das
antes de solicitar uma urocultura, deve-se aprofundar a
crianças investigadas radiologicamente. Essas crianças
história sobre a disponibilidade e a oferta de alimentos,
podem evoluir para insuficiência renal crônica (IRC),
pois a ocorrência de desnutrição entre lactentes pode
hipertensão arterial (HAS) ou proteinúria. Isso poderia
ser muito maior do que a incidência de ITU. Classica-
ser reduzido com diagnóstico e tratamento precoces e mente, alguns autores não valorizam a importância do
acompanhamento clínico-laboratorial adequado. déficit de crescimento como sinal para o diagnóstico do
primeiro episódio de ITU de um lactente. Consideram,
entretanto, que esse episódio é acompanhado de febre
na maior parte das vezes, enquanto nas recorrências
Quadro clínico ou infecções de longa duração há diminuição da apre-
sentação desse sinal, passando a ter maior importância
O quadro clínico de ITU varia de acordo com outros elementos, como a evolução pondero-estatural
o sexo, a idade de aparecimento do primeiro episó- insuficiente. Na prática, a presença de febre sem foco
dio, o segmento do trato urinário acometido pela aparente é o principal sintoma encontrado em ITU nos
infecção e a intensidade da resposta inflamatória. À lactentes e pode, principalmente em lactentes jovens,
medida que progride do recém-nascido ao escolar, aparecer como único sintoma da ITU.
verifica-se uma tendência à localização dos sinto- A partir da idade pré-escolar, crianças com contro-
mas, que passam a ser referidos especificamente no le esfincteriano (após 24-36 meses de idade), a sinto-
trato urinário. Assim, de um quadro de infecção ge- matologia começa a ser definida mais especificamente
neralizada, com tendência para sepse, observado no no trato urinário: disúria (emissão dolorosa e difícil da
recém-nascido (RN), passa-se àquele em que a febre urina), polaciúria (aumento da frequência miccional,
e os sintomas inespecíficos são os dados mais impor- sem aumento do volume), retenção urinária, tenesmo,
tantes e frequentes no lactente, até a referência de urgência, urge-incontinência, enurese noturna secun-
sintomas específicos do trato urinário, encontrada dária etc. Observamos que, paradoxalmente aos adultos
na criança maior e no adolescente. com ITU, que tendem a evoluir com polaciúria, as crian-
ças, em qualquer faixa etária, tendem a apresentar, mais fosse instituída terapêutica profilática em grande parte
frequentemente, retenção urinária. Esses sintomas po- dos pacientes, até a finalização de extensa investigação
dem estar associados a sintomas sistêmicos, tais como: complementar, além da realização de uroculturas de
anorexia, prostração, febre, vômitos, dor abdominal, controle seriadas por até 2 anos após a infecção inicial.
toxemia, irritabilidade, etc. Nas pielonefrites, podem Com o passar dos anos, outras sociedades in-
ser encontradas febre e dor lombar. Hematúria macros- ternacionais surgiram com novas propostas menos
cópica ocorre entre 20% e 25% dos casos de cistite agu-
invasivas. Entre elas, destaca-se a diretriz inglesa
da, e hematúria microscópica é achado comum. Embora
do National Institute for Health and Care Excellen-
o aparecimento de queixas específicas do trato urinário
ce (NICE-2007), que propõe critérios mais rigorosos
favoreça a suspeita de ITU, esse fato permite, também,
sobre a indicação de investigação complementar em
muitos erros diagnósticos. Alguns autores referem que a
pacientes com antecedente de ITU.
combinação de dois ou mais sintomas urinários encontra
uma correlação com ITU de 33%, enquanto apenas um Mais recentemente, em 2011, a AAP publicou no-
sintoma correlaciona-se a cerca de 10%. vos guidelines para o diagnóstico e seguimento de crian-
ças com ITU. Contudo, essas recomendações são voltadas
Nas fases iniciais de desenvolvimento, época em
unicamente para crianças entre dois meses e dois anos de
que ocorre o processo de controle esfincteriano, é co-
vida e que apresentem quadros de ITU febril.
mum a criança apresentar padrão de micção que pode
ser confundido com polaciúria e urgência. A criança pe- A presença de diversos guidelines sobre o mesmo
quena, que ainda não controla o esfíncter vesical, ao ter tema deixa evidente dois importantes pontos: 1. gran-
a sensação de bexiga cheia, tem a necessidade de micção de parte das diretrizes recomendadas está baseada em
imediata. A polaciúria também pode ocorrer em conse- consensos, e, não em evidências clínicas estabelecidas
quência de vulvovaginite, balanopostite, litíase urinária e 2.a ITU deve gerar preocupação no pediatra para se-
ou irritação química da uretra. Espera-se que os pré- guimento a longo prazo, pois é uma doença que pode
-escolares e os escolares urinem entre três e seis vezes gerar cicatrizes e sequelas.
ao dia. Destaca-se ainda a história de aumento isolado O que apresentaremos a seguir será baseado
e repentino da frequência de micções (em relação ao nos principais pontos dos vários consensos, tentando
padrão miccional pregresso), que em grande número sempre destacar os aspectos considerados fundamen-
de casos pode representar manifestação de reações de tais pela maioria deles.
ansiedade diante de situações vivenciadas pela criança.
Investigação clínica em
Diagnóstico crianças com ITU
Na prática pediátrica, a ITU talvez seja uma das Além dos sintomas específicos urinários, deve
doenças em que a confirmação do diagnóstico apre- ser dada atenção à pesquisa sobre o padrão miccional
sente mais problemas, sendo, curiosamente, uma do- da criança (frequência, intensidade, características do
ença tanto super quanto subdiagnosticada. O caráter jato urinário – entrecortes, gotejamento, perdas uri-
inespecífico da sintomatologia, particularmente no nárias - diminuição da capacidade ou instabilidade
período neonatal e no lactente pequeno, contribui vesical, enurese secundária, manobras ou posturas
para que o pediatra nem sempre pense em ITU como estranhas adotadas pelas crianças), que eventual-
possibilidade diagnóstica. Por outro lado, a frequência mente indicam uropatias ou distúrbios neurogênicos
com que os sintomas referentes ao trato urinário apa- associados. Deve-se investigar, também, a existência
recem como consequência de processos oriundos de de constipação intestinal, pois se verifica correlação
causas sem relação com o sistema urinário e a presen- entre crianças retentoras de fezes e de urina. A histó-
ça de inúmeros fatores determinantes de resultados ria pregressa de outras ITU, RVU, outros episódios de
falso-positivos em exames de urina colaboram para o FSSL, hipertensão, baixo ganho ponderal e estatural
hiperdiagnóstico das ITU. e vida sexual dos adolescentes são outros indícios im-
portantes que podem auxiliar o diagnóstico.
Há diversas diretrizes publicadas na literatura
internacional versando sobre o diagnóstico e, princi- No exame clínico, atenção deve ser dada à medi-
palmente, sobre o seguimento a longo prazo da criança da da pressão arterial, avaliação nutricional e do de-
com infecção urinária. Durante muitos anos, as diretri- senvolvimento neuropsicomotor, palpação abdominal
zes da Academia Americana de Pediatria (AAP), publi- (massas ou retenção) e ao exame genital. Deve-se ainda
cadas no fim da década de 90, foram a principal refe- examinar as regiões glúteas e lombossacras e proceder
rência para acompanhamento destes pacientes. Nestas à detecção de eventuais sinais de disrafismos ocultos de
diretrizes, sugeria-se que, ao fim do tratamento agudo coluna, que podem cursar com bexiga neurogênica.
(105) ufc/mL para confirmar ITU. Essa técnica está contraindicada em crianças que apresentam afecções perine-
ais com contaminação periuretral (vulvovaginites e balanopostites), independentemente da faixa etária, estando
indicada a coleta de urina por sondagem vesical.
Na criança sem controle esfincteriano, três possibilidades se apresentam (quadro :
� saco coletor estéril (SC): com trocas e “novas assepsias” frequentes, a cada 20 ou 30 minutos. Essa técnica
pode ser empregada apenas para exame inicial de triagem, que, quando positivo, deve ser confirmado por
método mais seguro. O índice de falso-positivo na urocultura colhida por esse método pode ser de até 85%,
sendo considerado útil apenas quando o resultado é negativo (bom valor preditivo negativo). Nos casos em
que o resultado obtido com a coleta por SC for positivo, recomenda-se que o exame seja repetido usando ou-
tros métodos de maior confiabilidade antes do início do tratamento. A AAP considera que a coleta de urina por
SC é válida apenas para exclusão de ITU.
� cateterização ou sondagem vesical (SV): A urina obtida por sondagem vesical tem sensibilidade de 95% e
especificidade de 99% quando comparada à PSP. A urocultura colhida por SV é considerada positiva quando
apresentar crescimento > 50.000 (104) UFC/mL, de acordo com as diretrizes mais recentes da AAP.
� punção suprapúbica (PSP): é o padrão-ouro para coleta. Técnica: criança em decúbito dorsal, com compressão
uretral, após, pelo menos, 1 hora sem micção e assepsia rigorosa, introdução de agulha (40 x 8 ou 30 x 7)
adaptada a uma seringa, 1,5 a 2 cm acima da sínfise púbica, na linha média, inclinando a agulha 20 a 30 graus
em direção caudal, com movimento rápido de introdução e aspiração. As complicações são raras, podendo
ocorrer hematúria microscópica e macroscópica em aproximadamente 2% dos casos. Ambas são transitórias
e benignas. A penetração acidental na alça intestinal (muito rara) não gera nenhum problema. A urocultura
colhida por PSP é considerada positiva na presença de qualquer número de colônias de bactérias.
Segundo a AAP, a sondagem vesical (SV) e a punção suprapúbica (PSP) são indicadas para confirmação da infecção
urinária em crianças sem controle esfincteriano e podem ser utilizadas rotineiramente para estabelecer o diagnóstico
de ITU. A escolha do método deve ser realizada com bom senso (local de coleta, urgência da coleta, fatores complicado-
res (vulvovaginites e balanopostites), gravidade do caso, fimose exuberante e uroculturas duvidosas prévias.
Geralmente, em mais de 95% dos casos, o agente isolado é único, e a presença de mais de uma bactéria sugere
contaminação. Um resumo dos valores considerados significativos de bacteriúria são apresentados na Tabela 8.1
almente utilizamos esquemas terapêuticos com 7 a Devemos ter atenção e corrigir o hábito miccio-
14 dias de duração. A AAP permite tratamentos mais nal. Na maioria das crianças o controle miccional diur-
curtos (5 dias) para as crianças maiores, com poucos no ocorre entre 24-36 meses. A criança deve ser orien-
sintomas, sem febre ou com febre baixa e sem fatores tada a urinar ao acordar e antes de deitar e, durante
de risco ou história pregressa significativa. o dia, com intervalos regulares de aproximadamente
A urocultura de controle, anteriormente consi- 2-3 horas, com tempo de micção de aproximadamente
derada obrigatória no meio e no fim do tratamento, um minuto, tempo suficiente para esvaziamento com-
acabou entrando em desuso, sendo apenas recomen- pleto do conteúdo vesical. As meninas devem urinar
dada em casos excepcionais, como em situações de sentadas, com os pés totalmente apoiados no chão
divergência entre a sensibilidade demonstrada no an- ou, quando pequenas, com os pés apoiados sobre um
tibiograma e a resposta clínica do paciente. suporte, procurando relaxar a musculatura perineal, o
que facilita o esvaziamento vesical completo. As crian-
A terapêutica de troca consiste na troca da via ças com RVU ou instabilidade vesical devem fazer a
de administração do antimicrobiano introduzido ini- micção em dois tempos (a cada micção, urinar duas
cialmente por outra droga de espectro semelhante e, vezes seguidas, com intervalo aproximado de cinco
de preferência, de sensibilidade comprovada pelo an- minutos).
tibiograma. Geralmente a troca é realizada entre uma
droga de uso parenteral (aminoglicosídeo ou ceftria- Na limpeza perineal, a família deve ter atenção
xona), entre o 3º e o 5º dia de administração, pelo me- ao sentido da higienização: sempre de frente para trás.
No tratamento de infecções respiratórias, sempre evi-
nos 24 horas após a melhora da febre, para outra de
tar antibióticos que promovem grande alteração da
uso oral, por mais 7 a 10 dias. Essa medida abrevia o
flora intestinal.
tempo de internação, é menos onerosa e mais confor-
tável para o paciente.
Com relação ao antibiograma, tem-se uma situa-
ção particular quando se lida com ITU. Como são uti-
lizados discos de antibióticos com concentrações pa- Quimioprofilaxia
dronizadas para determinar a inibição do crescimento
bacteriano no sangue, não se tem uma ideia precisa O uso da profilaxia medicamentosa é contro-
da eficácia daqueles agentes cuja excreção é predo- verso. Baseia-se na observação de que doses subini-
minantemente renal (concentrações urinárias eleva- bitórias de alguns antimicrobianos, habitualmente
das). Dessa maneira, mesmo quando os antibióticos utilizadas no tratamento da ITU, poderiam atingir
de primeira escolha são rotulados como “resistentes” concentrações urinárias suficientes para inibir a mul-
no antibiograma, é possível sua utilização com bons tiplicação de bactérias uropatogênicas no trato uriná-
resultados terapêuticos. rio. O objetivo seria diminuir o número de surtos de
ITU em indivíduos que apresentam infecções de repe-
Algumas medidas gerais devem ser consideradas
tição e, consequentemente, o risco de dano renal. Não
para as crianças que tem e tiveram ITU. É importante
deve ser utilizada em pacientes colonizados (bacteri-
informar à família que apenas 20%-30% das crianças,
úria assintomática), pelo risco de induzir resistência
principalmente meninas, apresentarão um único sur-
antimicrobiana. Questiona-se a real contribuição da
to. As demais terão novos episódios, e a repetição au- profilaxia no acompanhamento de crianças com ITU.
menta o risco de lesão renal irreversível e futura perda Estudo de revisão realizado em 2006 concluiu que
de função renal. Os fatores de risco para pielonefrite não há evidências claras de que a profilaxia previna
e formação de cicatriz renal devem ser abordados, ITU sintomática e também da “dose ótima” e duração
salientando-se, em especial, o risco da ITU em baixo adequada da profilaxia. Consta, até o momento, que a
grupo etário e do retardo no diagnóstico e tratamento indicação deve ser individualizada, e sua permanên-
da infecção. Diante de novas situações de febre, sem- cia deverá estar vinculada ao benefício efetivo para
pre deve-se pensar em recorrência da ITU. o paciente. Não foram encontradas até o momento
Crianças portadoras de constipação intestinal evidências claras de que a profilaxia antimicrobiana
crônica são, frequentemente, retentoras também de beneficiasse portadores de RVU graus I-IV, tornando
urina. A retenção voluntária de urina pode ocasionar sua indicação discutível. Já nos refluxos grau V, o nú-
aumento da capacidade vesical, secundária a estase de mero escasso de pacientes nesta condição na maioria
urina na bexiga e formação de resíduo vesical pós-mic- das revisões da literatura não deixa claro se há bene-
cional, que são os principais fatores de perpetuação fício na introdução de profilaxia. Nos portadores de
da ITU de repetição. A correção simultânea do hábito hidronefrose neonatal e doenças urinárias cirúrgicas,
urinário e intestinal é eficaz e fundamental para a ob- a profilaxia deve ser instituída desde o nascimento até
tenção de êxito no tratamento e eventual diminuição a realização do diagnóstico por imagem, quando sua
do número de surtos de ITU. manutenção deverá ser reavaliada.
No pós-operatório observamos, em alguns ca- noção estrutural e anatômica do trato urinário. Localiza
sos, um aumento dos surtos de ITU nos primeiros malformações calculosas renais e tem boa resolução para
meses (provavelmente pela manipulação e uso de ca- coleções líquidas. É método útil na detecção da maioria
teteres), podendo se beneficiar com a manutenção da das malformações do trato urinário. Quando realizada
profilaxia por 3-4 meses, até o restabelecimento das pré e pós-miccional, possibilita analisar as característi-
condições de defesa do trato urinário. cas da parede vesical e quantificar o volume residual de
urina. Nos casos de pielonefrite, pode evidenciar aumen-
to da ecogenicidade e aumento do volume renal (exame
normal, entretanto, não descarta pielonefrite). A sen-
O mapeamento renal com radioisótopos (cintilografia) apresenta como grande facilidade o baixo
índice de radiação recebido pelo paciente, quando comparado à UGE. Classicamente, três exames são os
mais realizados:
� Mapeamento renal com ácido dimercaptossuccínico marcado com tecnécio (DMSA): esse radiofármaco liga-
-se às proteínas plasmáticas, fixando-se nas células tubulares dos túbulos contornados proximais e alças de
Henle, onde forma uma imagem representativa da morfologia renal, tornando possível dimensionar o rim
(detecção de rim atrófico e vicariância), observação precoce de cicatriz pielonefrítica (preferencialmente nos
polos renais) e áreas hipocaptantes (função relativa de cada rim). Apresenta maior sensibilidade que a UGE
para detectar cicatrizes renais, pois áreas inflamatórias diminuem a captação do DMSA antes que a atrofia
do parênquima e as cicatrizes propriamente ditas apareçam. É um bom método diagnóstico, que permite
identificar a presença de pielonefrite aguda. Esse exame apresenta várias vantagens em relação à UGE: utiliza
radiofármaco que não apresenta reações alérgicas, não necessita de preparo intestinal prévio, menor taxa de
exposição à radiação, imagens de alta resolução, independentemente da faixa etária. Sabe-se que 10% a 15%
das pielonefrites agudas evoluem para cicatriz renal. A presença de comprometimento renal compatível com
pielonefrite na cintilografia renal com DMSA, quatro a cinco meses após o controle da infecção, representa
cicatriz. Entretanto, a investigação inicial na criança com ITU é controversa. Alguns autores preconizam que a
cintilografia renal com DMSA seja realizada na fase aguda da ITU em toda criança, com o objetivo de verificar
se há comprometimento renal; outros recomendam que esse exame seja feito apenas para a identificação de
sequelas (cicatrizes) renais. Em nossa prática clínica, vemos que, devido à baixa disponibilidade imediata do
exame, é um procedimento realizado prioritariamente na busca de cicatrizes renais.
� Estudo dinâmico com ácido dietilenotriaminopentaacético marcado com tecnécio (DTPA): marcador filtrado
e excretado pelo néfron. Fornece dados sobre a função renal e possibilita a avaliação da perfusão renal e da
capacidade de concentração e excreção de cada rim através do renograma, bem como permite o diagnóstico de
obstrução em qualquer nível do trato urinário.
� Cistografia isotópica: apresenta maior sensibilidade na detecção do refluxo, mas não mede seu grau nem dá
uma avaliação anatômica detalhada da região vesicoureteral, ou seja, embora tenha vantagens em relação à
UCM pela menor dose de radiação (10 a 20 vezes menor), não permite boa visualização anatômica da bexiga e
uretra, essenciais numa primeira avaliação da criança com ITU. É uma boa opção para seguimento.
Crianças de 2 – 24 meses
com febre > 38º C
SIM NÃO
Obter urocultura
(obrigatoriamente por sonda ou PSP)
SUSPENDER
Urocultura Negativa ANTIBIÓTICO
INICIAR
ANTIBIÓTICO
Solicitar UCM se:
Realizar USG de Rins e
2º episódio de ITU
Urocultura Positiva Vias Urinárias: sempre Casos complexos/atípicos
USG com alterações
Nas primeiras 48 horas para os
pacientes mais graves ou com
indícios de complicação
Ajustar pelo antibiograma
Orientar família se ocorrer
Completar de 7 a 14 dias de Realizar ambulatorialmente nos
tratamento pacientes com boa evolução clínica nova febre:
Alta probabilidade de recorrência
Procura rápida ao PS (<48h)
Não postergar nova coleta de urina
Figura 8.1 Fluxograma de abordagem da ITU em crianças de 2 a 24 meses. Fonte: Adaptada de AAP, 2011
Os exames solicitados por essa diretriz podem ser resumidos na Tabela 8.3.
6 meses a 3 anos
6 meses a 3 anos
6 meses a 3 anos
< 6 meses
< 6 meses
< 6 meses
> 3 anos
> 3 anos
> 3 anos
Realizar ambulatorialmente
Realizar ambulatorialmente
Realizar ambulatorialmente
Realizar precocemente
Realizar precocemente
Realizar precocemente
Realizar precocemente
Não Recomendado
Não Recomendado
USG
Não Recomendado
Não Recomendado
Não Recomendado
Não Recomendado
Recomendado
Recomendado
Recomendado
Recomendado
Recomendado
DMSA
Não Recomendado
Não Recomendado
Não Recomendado
Não Recomendado
Não Recomendado
Não Recomendado
Não Recomendado
Recomendado
Recomendado
UCM
Tabela 8.3 Investigação do trato urinário após ITU (NICE 2007)Adaptado de NICE, 2007.
Podemos notar que esta recomendação reserva a realização de USG de vias urinárias apenas nos lac-
tentes jovens (< 6 meses) e nos casos de ITU atípica ou recorrente. Percebemos ainda que nos casos de ITU
atípica, recomenda-se realizar o exame precocemente, ainda durante a infecção aguda, com o objetivo de
descartar complicações. Já nas outras situações, recomenda-se que este USG seja realizado ambulatorial-
mente, em até 6 semanas após o quadro agudo, com o objetivo de descartar malformações. Caso o USG de-
monstre anormalidades estará indicada a realização de uretrocistografia miccional (UCM). Também estará
indicada a realização de UCM nos pacientes abaixo de 6 meses com ITU atípica ou recorrente. Alteração do
fluxo urinário e história familiar de RVU também devem ser considerados para indicação da realização de
UCM. Como o objetivo da realização de DMSA nestes casos é investigar a ocorrência de cicatrizes renais, o
exame deverá ser realizado em 4 a 6 meses após a infecção aguda, para não haver confusão entre os achados
da infecção aguda e os achados de cicatrizes renais.
trato urinário
Malformações estruturais obstrutivas são en-
Estenose de JUV
contradas em cerca de 2% das meninas e em 10% dos (junção ureterovesical)
meninos com ITU sintomática. Outras condições que Em geral, esse processo malformativo está asso-
podem atuar como causa obstrutiva “funcional”, favo- ciado à origem ectópica do broto ureteral, levando à
recendo a instalação de ITU recorrente e pielonefrite,
dilatação do ureter correspondente (megaureter).
são representadas pelos distúrbios funcionais da mic-
ção secundários à bexiga neurogênica e aos distúrbios
metabólicos que ocasionam formação de cálculos uri- Duplicidades pieloureterais
nários. São as seguintes as causas estruturais obstru-
tivas mais observadas em crianças com ITU: e ureteroceles
Essas duas entidades estão intimamente relacio-
nadas, sendo que a maioria das ureteroceles ocorre em
Válvula de uretra posterior (VUP) sistemas duplicados na extremidade do megaureter,
Afecção restrita ao sexo masculino. Consiste em que drena a unidade hidronefrótica. As duplicidades
membranas, de espessura variável, que produzem um ureterais são geneticamente determinadas, autossô-
efeito valvular, fechando-se durante o ato miccional micas dominantes, afetando 0,1% da população. Po-
e impedindo ou dificultando o livre fluxo urinário dem ser completas ou incompletas, uni ou bilaterais.
9
Glomerulonefrite difusa aguda
(GNDA) e síndrome nefrítica (SN)
Introdução
Glomerulonefrite (GN) é um termo geral reservado a uma série de doenças renais caracterizadas por injúria
glomerular acompanhada de um processo inflamatório desencadeado por mecanismos imunológicos. Apesar de
esse mecanismo não ser conhecido por completo, há evidências de que diferentes agentes etiológicos são capazes
de ativar respostas biológicas (por exemplo: ativação de complemento; recrutamento de leucócitos; liberação de
fatores de crescimento ou citocinas), resultando em inflamação e dano glomerular.
Apresenta grande quantidade de sinais e sintomas, mas a tríade: hematúria, edema e hipertensão é
bastante característica.
A GN mais comum e clássica na faixa etária pediátrica é a GN difusa aguda (GNDA), também chamada síndro-
me nefrítica (SN), que geralmente se inicia abruptamente, acometendo todos os glomérulos de ambos os rins
e, junto com a Febre Reumática, representa sequela tardia (e não supurativa) de uma estreptococcia. Sendo assim,
também é denominada GNDA pós-estreptocócica ou simplesmente Glomerulonefrite pós-estreptocócica (GNPE).
Pode haver concomitância de outros achados, como oligúria, queda do ritmo de filtração glomerular (RFG)
e proteinúria.
Epidemiologia
A GNPE é doença frequente em países em desenvolvimento, representando cerca de 97% do total de ocor-
rências no mundo. Pode ocorrer de forma esporádica ou epidêmica.
119
9 Glomerulonefrite difusa aguda (GNDA) e síndrome nefrítica (SN)
Anatomia patológica
Macroscopia: os rins podem estar aumentados em
volume e apresentar pontos hemorrágicos na cápsula.
Microscopia de luz: na síndrome nefrítica aguda,
o padrão histológico mais comumente encontrado é o
da glomerulonefrite proliferativa pura. A proliferação
endocapilar existente nesse tipo de nefropatia se faz
à custa das células mesangiais e endoteliais. Os tufos
capilares tornam-se tumefeitos, com luzes vasculares Figura 9.3 Imunofluorescência.
Diagnóstico diferencial
Algumas glomerulopatias apresentam quadro
semelhante, podendo levar a dificuldades diagnósti-
cas. Entre elas, podemos citar:
� Glomerulonefrite membranoproliferativa
(GNMP): acomete preferencialmente o sexo
feminino e ocorre geralmente acima dos 7 anos
de idade. Pode ser acompanhada de síndrome
nefrótica, sendo também comum na infância
a hipocomplementenemia. Ao contrário do
Figura 9.6 Dismorfismo eritrocitário. que ocorre na GNDA, essa glomerulopatia não
apresenta oligoanúria na fase aguda. Deve-se Medidas dietéticas: a dieta deve ser restrita em
frisar que o complemento sérico permanece sal, e a restrição hídrica está indicada.
geralmente baixo por muitos meses nesses pa- � Restrição de sódio: deve ser limitada à fase de
cientes. Nos casos duvidosos, a biópsia renal
oligúria, edema e hipertensão. Recomendamos
elucidará o diagnóstico.
dieta de arroz e frutas, a qual contém 300 mg de
� Outras glomerulonefrites pós-infecciosas NaCl. Superada a fase aguda, passamos grada-
(p.ex.: endocardite bacteriana aguda). tivamente para dieta comum. Constitui erro a
� Glomerulonefrite lúpica. prescrição de dieta assódica prolongada.
� Púrpura de Henoch-Schönlein (PHS): além da � Restrição proteica: deve ser indicada quando
síndrome nefrítica, caracteriza-se por manifesta- a filtração glomerular permanecer muito dimi-
ções articulares, cutâneas e purpúricas e cólicas nuída. Devem ser prescritas dietas com baixo
abdominais. O complemento sérico é normal. teor proteico (0,5 g/kg/dia).
� Doença de Berger: manifesta-se geralmente � Restrição de potássio: deve ser iniciada ape-
por hematúria recorrente, faltando os outros si- nas em presença de oligúria importante (diure-
nais clínicos que habitualmente acompanham a se < 240 mL/m2/dia), isto é, nos primeiros dois
GNDA. O complemento sérico é normal e o a três dias de doença.
diagnóstico só poderá ser confirmado por
biópsia renal, com imunofluorescência posi- � Restrição hídrica: é importante na fase ini-
tiva para IgG e IgA em deposição mesangial. cial, em que há hipervolemia e oligúria. O vo-
lume hídrico prescrito depende da gravidade
Todas essas condições podem ser facilmente ex-
do quadro clínico, oferecendo-se inicialmente
cluídas por critérios clínicos e laboratoriais, com exce-
400 mL/m2/dia (ou 20 mL/kg/dia) para cobrir
ção da GNMP, que pode ocorrer após infecções estrep-
as perdas insensíveis e adicionando-se a esse
tocócicas em crianças e ainda apresentar um padrão
volume inicial uma fração gradualmente maior
semelhante de ativação da via alternada do comple-
de volume, dependendo do débito urinário de
mento. Como citado anteriormente, a GNMP pode ser
24 horas e da melhora do edema e da hiperten-
suspeitada caso haja proteinúria nefrótica, ou caso a
são arterial.
hipocomplementemia persista por mais de 8 semanas.
É importante lembrarmos que as manifestações renais Nos casos de edema mais intenso, com hi-
que ocorrem durante uma infecção geralmente repre- pertensão arterial e/ou sinais de congestão car-
sentam a exacerbação de uma glomerulopatia crônica diocirculatória, indica-se o uso de diuréticos
preexistente, como a doença de Berger ou nefropatia como a furosemida (1-2 mg/kg/dia até 6 mg/kg/
por IgA. Assim, é preciso diferenciar as doenças glome- dia). Nas hipertensões mais graves, devem-se ad-
rulares pós-infecciosas específicas (como a GNDA) do ministrar drogas hipotensoras, como os bloquea-
papel inespecífico de muitas infecções (principalmente dores de canais de cálcio (nifedipino 0,15 mg/kg/dia
virais), que exacerbam condições renais antigas, muitas até 1,5 mg/kg/dia de 6/6 horas).
vezes silenciosas. Tais exacerbações são geralmente ca- Caso ocorra convulsão devida à encefalopatia
racterizadas por um aumento transitório (ou mesmo hipertensiva, deve-se administrar diazepam na dose
início) de proteinúria e hematúria, no curso de uma in- de 0,1 a 0,5 mg/Kg/dose, devendo-se interromper seu
fecção, mas sem que haja um período de latência até o uso assim que cessar o episódio convulsivo.
início dos sintomas que seja compatível.
A insuficiência renal na GNPE, em geral, é tran-
sitória e de curta duração. No entanto, quando severa
e duradoura, poderão ocorrer hipercalemia, hipocal-
cemia, hiperfosfatemia e acidose metabólica. A hiper-
Tratamento calemia leve, sem alterações ecocardiográficas, pode-
rá ser conduzida com restrição dietética de potássio
O tratamento da GNDA é geralmente sinto- e uso de furosemida. Podem ser utilizados também a
mático. A hospitalização do paciente nem sempre resina trocadora de cálcio pelo potássio (Sorcal 0,5-1,0
é obrigatória, tornando-se necessária em casos de mg/kg até 4-6 horas), a glicose hipertônica a 25% (1-3
complicações: congestão cardiocirculatória, insu- mL/kg/h), concomitante com a insulina (3 U/3-5 g de
ficiência renal aguda ou encefalopatia hipertensi- glicose), e o bicarbonato de sódio a 3% (2 mEq/kg IV
va. É necessária a avaliação diária do paciente, visando em 10-15 minutos). Na presença de hipercalemia se-
reconhecer a evolução do edema e peso, com controle vera, com alterações eletrocardiográficas graves como
da pressão arterial e do débito urinário. ausência de onda P, alargamento de complexo QRS,
Repouso: o repouso deve ser limitado pelo pró- arritmias, deve-se acrescentar o gluconato de cálcio a
prio paciente. Recomendado enquanto persistirem a 10% (0,5-1,0 mL/kg IV, 5-10 min, com monitorização
hematúria macroscópica, hipertensão e edema. eletrocardiográfica) e indicar a diálise.
Prognóstico
Complicações Uma recuperação completa ocorre em mais
de 95% das crianças com GNPE aguda. Em torno
de uma semana após o quadro inicial, há a normaliza-
As complicações são: ção da pressão arterial, aumento da diurese e queda dos
� congestão cardiocirculatória (12% dos casos). níveis de ureia e creatinina séricas. A resolução da he-
Ocorre devido à retenção de sódio e água, com matúria macroscópica ocorre em torno de 2-3 se-
queda da excreção urinária. Agrava-se pela hi- manas, enquanto a microscópica poderá persistir
pertensão (HAS), podendo levar à claudicação por um ou mais anos, sem que isso seja indicação
do músculo cardíaco. Não há evidência de dano de mau prognóstico. A proteinúria tende a se re-
miocárdico intrínseco no quadro de GNDA,
solver em torno de três a seis meses. A hipocom-
plementemia retorna aos níveis normais em seis
permanecendo o débito cardíaco e o tempo de
a oito semanas. Uma minoria de pacientes (1% a 5%
circulação geralmente dentro dos padrões da
dos casos) evolui de forma desfavorável, especialmen-
normalidade; te os adultos de maior idade, que podem evoluir para
� encefalopatia hipertensiva (4% dos casos). De- deterioração da função renal em 30% a 50% dos casos.
ve-se essencialmente à HAS e apresenta quadro Podem complicar com GN rapidamente progressiva,
clínico polimorfo. Metade dos doentes apre- proteinúria crônica, glomeruloesclerose focal e insufi-
senta-se sonolenta ou comatosa, e nos restan- ciência renal crônica. A mortalidade no estágio agudo
tes predomina agitação intensa. A queixa mais é evitável por tratamento apropriado da insuficiência
frequente é de cefaleia constante e vômitos, se- renal ou cardíaca aguda. As recorrências são raríssimas.
guindo-se, em escala menor, perturbações visu-
ais, diplopia e, em alguns casos, amaurose tran-
sitória. É também comum o desencadeamento Indicações de biópsia renal
de quadro convulsivo. O liquor tem pressão
� Oligoanúria com duração maior que 48-72 horas.
normal, e faltam, ao exame de fundo de olho,
as alterações características de HAS (edema de � Oligúria e/ou azotemia persistente por mais de
papila, hemorragia retiniana). Algumas vezes quatro semanas.
encontra-se vasoespasmo na retina. A sintoma- � Hipertensão arterial persistente por mais de
tologia neurológica não se prolonga por mais de quatro semanas.
um a dois dias, cedendo espontaneamente com � Hematúria macroscópica por mais de quatro se-
a normalização dos níveis tensoriais, levando manas.
raramente ao êxito letal e à insuficiência renal � Complemento total e frações persistentemente
aguda (1%). baixas por mais de oito semanas.
� estabelece-se oligoanúria intensa com retenção � Proteinúria nefrótica (> 50 mg/kg/dia) presen-
de escórias proteicas no plasma, acompanhada te por mais de quatro semanas.
de distúrbio hidroeletrolítico. Inclui ainda: hi-
Pacientes com história anterior sugestiva de
percalemia, hiperfosfatemia, hipocalcemia, aci-
nefropatia ou antecedentes familiares sugestivos de
dose, convulsões e uremia.
afecções renais hereditárias devem ser observados
Salienta-se que, em certas circunstâncias, as três com atenção e eventualmente biopsiados, se apresen-
complicações podem aparecer simultaneamente. tarem evolução atípica.
10
Síndrome nefrótica (SN)
Introdução
A síndrome nefrótica (SN) é uma entidade clínica caracterizada fundamentalmente por protei-
núria maciça (> 50 mg/kg/dia ou 40 mg/m²/hora), hipoalbuminemia (≤ 2,5 g%), edema, hiperlipide-
mia e lipidúria (corpos graxos). Pode ser considerada também uma manifestação comum a uma variedade de
processos clínicos caracterizados pelo aumento da permeabilidade renal e filtração de proteínas, como também
ocorrer no curso de uma doença renal primária ou secundária a uma causa sistêmica.
Na infância, 90% dos casos correspondem à SN primária ou idiopática, não sendo, portanto, as-
sociada a nenhuma doença sistêmica, hereditária, metabólica, infecciosa ou a uso de drogas ou medicamen-
tos. A glomerulopatia por lesões histológicas mínimas (LHM) é a causa mais comum da SN primária em
crianças, correspondendo a aproximadamente 80% dos casos. Em adultos, responde por aproximadamen-
te 25% das nefropatias primárias que cursam com SN. A LHM caracteriza-se fundamentalmente à microscopia
óptica (MO) por rins com escassas alterações glomerulares e por boa resposta ao tratamento com corticoides,
raramente evoluindo para insuficiência renal.
Quando a SN ocorre como parte de uma doença sistêmica ou relacionada a drogas ou outras toxinas, é cha-
mada de SN secundária. São causas de SN secundária em crianças:
� SN associada a doenças sistêmicas: lúpus eritematoso sistêmico; púrpura anafilactoide; nefropatia por
IgA; sífilis; GN pós-infecciosa; malária; hepatite; diabetes melito; linfoma; esquistossomose; toxoplasmose;
citomegalovírus; Aids; amiloidose.
� SN associada a drogas: drogas anti-inflamatórias não esteroides; penicilamidas; heroína; ouro.
� SN associada com toxinas e alérgenos: alergia alimentar, picada de insetos.
126
Pediatria geral, emergências pediátricas e neonatologia
Uma das principais características da SN é a hi- ses tanto na circulação arterial quanto na venosa e,
perlipidemia, podendo estar envolvidas praticamente algumas vezes, episódios recidivantes. A maioria dos
todas as frações lipoproteicas e lipídicas do plasma, de- pacientes tem estado hipercoagulável com níveis bai-
pendendo da gravidade do quadro nefrótico. Os níveis xos de AT III, aumento de fibrinogênio e colesterol. A
séricos do colesterol total livre e ésteres do coles- albumina sérica deve ser menor que 2 g/dL para que
terol e lipoproteínas acham-se elevados. Nos casos ocorram reduções sensíveis de ATIII. Todavia, pode
graves, os triglicérides também se encontram aumenta- haver ocorrência de fenômenos tromboembólicos,
dos. A causa da hiperlipidemia é controversa. mesmo durante a queda da albuminemia, ainda com
A hipoalbuminemia e a redução da pressão níveis satisfatórios de ATIII e de α-2-macroglobulina,
oncótica plasmática levariam a um aumento da com boa atividade total antitrombina.
síntese de proteínas pelo fígado. Sabe-se que a Outras alterações presentes na SN que facilitam a
albumina e as lipoproteínas de muito baixa den- formação de trombos são: hemoconcentração, aumento
sidade (VLDL) compartilham, no hepatócito, a da viscosidade sanguínea, hiperlipidemia, trombocitose
mesma via de síntese. Assim, ao mesmo tempo em e aumento de agregação plaquetária, do fibrinogênio e
que o organismo tenta repor as perdas proteicas uri- dos fatores V, VII, VIII, X e XI. Existe incremento da ati-
nárias, elevam-se as VLDL. Portanto, a hiperlipidemia vidade do sistema fibrinolítico. Também representam
estaria correlacionada à hipoalbuminemia, havendo condições propícias para o tromboembolismo: o uso de
aumento da síntese hepática de lipoproteínas de bai-
diuréticos, o tratamento com corticoides, as infecções
xa densidade (LDL), muito baixa densidade (VLDL) e
e o repouso no leito. A incidência de tromboembo-
densidade intermediária (IDL). Por outro lado, have-
lismo na criança com SN é calculada em torno de
ria diminuição da lipase lipoproteica (LPL) e ApoCII,
2% a 4%. No tratamento dessa complicação são utiliza-
um cofator necessário para sua atividade.
dos a heparina e, eventualmente, agentes fibrinolíticos.
Outro fator que pode ter participação no Após a fase aguda, empregam-se anticoagulantes indi-
mecanismo da hiperlipidemia é a maior disponi- retos (varfarina) por tempo prolongado, com posologia
bilidade de ácido mevalônico, precursor do colesterol, controlada pelo tempo e pela atividade de protrombina
habitualmente metabolizado e excretado pelos rins. (TP e AP). A profilaxia dos acidentes tromboembólicos
No estado nefrótico, tanto sua metabolização quanto é controversa.
sua excreção estão prejudicadas. Soma-se a esse fato o
aumento da atividade da HMG-CoA redutase, enzima A redução de absorção intestinal de cálcio e da
que catalisa a produção do colesterol. concentração sérica de 25-hidroxicalciferol e valores
normais, porém inadequados, de 1,25-di-idroxicalcife-
As principais consequências da hiperlipide-
rol, levam a situações de hipocalcemia e paratormônio
mia são a aterosclerose e a progressão das lesões
elevado. O cálcio ligado à proteína também se encontra
glomerulares. Em SN idiopática corticossensível da
diminuído devido à hipoproteinemia inerente à doença.
infância, na qual se alternam períodos de hiperlipi-
demia e períodos de lipemia normal, esses riscos são
pequenos. Já nos casos com alterações lipídicas per- Fisiopatologia do edema na SN
manentes, podem ocorrer repercussão cardiovascular
Aumento da permeabilidade glomerular
e também progressão para esclerose glomerular e in-
↓
tersticial. A hiperlipidemia deve ser medicada apenas Proteinúria
nos casos de SNCR e nos recidivantes frequentes que ↓
permanecem com dislipidemia durante a remissão. No Hipoalbuminemia
seu controle, é discutível a vantagem do uso de die- ↓
tas pobres em gorduras. Ultimamente, tem diminuído Redução da pressão oncótica plasmática
a restrição que se fazia ao emprego de estatinas em ↓
crianças, apesar de não existirem ainda estudos sobre Transudação intersticial e redução do volume circulan-
efeitos adversos a curto e em longo prazo, especial- te
mente sobre o crescimento. ↓
Hipoperfusão renal
Existe, ainda, propensão a fenômenos
↓
tromboembólicos determinados por redução de
Ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona
antitrombina III, plasminogênios, antiplasmi-
Aumento da atividade do sistema nervoso simpático
nas e aumento de fatores de coagulação (V, VII, Aumento na produção do hormônio antidiurético
VIII, X e XI), fibrinogênio e betatromboglobuli- ↓
na, além de hiperglobulia e aumento de adesivi- Retenção de sódio e água
dade e agregação plaquetárias. ↓
O tromboembolismo constitui uma das mais EDEMA
sérias complicações da SN, podendo ocorrer trombo- Tabela 10.2
Alterações sanguíneas
Eletroforese de proteínas: ocorre diminuição
do nível sérico de albumina (≤ 2,5 g%), gamaglobuli- Tratamento
na e α-1-globulinas, com aumento da α-2-globulina.
O aumento de gamaglobulina sugere etiologia secun- Primeiramente deve haver conscientização e
dária. informação dos pais e pacientes sobre a natureza da
SN, sua evolução, frequência de recidivas e impor-
Lípides: aumento nos níveis de colesterol e de
tância dos processos infecciosos no desencadeamen-
frações e de triglicérides.
to e agravamento do quadro. Trata-se de doença de
Ureia e creatinina: durante a instalação do evolução crônica na qual, habitualmente, ocorrem
edema ou em situações de hipovolemia podem se ele- muitas recidivas múltiplas infecções, necessidade de
var, com normalização após resolução da crise nos pa- emprego de várias medicações etc. Para tanto, é mui-
cientes com LHM. Avaliar a possibilidade de nefroto- to importante o bom relacionamento entre médico,
xicidade medicamentosa. família e paciente.
semanas após o início do tratamento (corticos- Outros tratamentos: Cerca de 10% a 20%
sensível). A seguir, o corticoide é administrado em dos pacientes são corticorresistentes, isto é, não se
dias alternados (a cada 48 horas), em torno de quatro beneficiam com o emprego de corticoides, persistindo
a seis meses. A dose utilizada inicialmente é de 35 mg/ com a proteinúria nefrótica após quatro a seis sema-
m2/dia mantida no primeiro mês e diminuída progres- nas do uso do medicamento. O uso de outros agentes
sivamente num esquema de “desmame” até retirada imunossupressores está indicado nos pacientes corti-
completa da droga. Em crianças que recebem o corti- corresistentes, corticodependentes e recidivantes fre-
coide pela primeira vez, a resposta ocorre em torno do quentes. As terapêuticas alternativas que podem ser
14º dia. Nas crises subsequentes a resposta é mais rá- utilizadas nesses casos são: pulsos endovenosos de me-
pida (quarto ou quinto dia). Apesar da remissão, o es- tilprednisolona, ciclofosfamida, clorambucil, levamisol,
quema diário deve ser mantido durante quatro sema- ciclosporina A, indometacina, inibidores da enzima de
nas. Quando a criança após quatro a seis semanas conversão da angiotensina, micofenolato de mofetila.
mantém proteinúria nefrótica, ela é considerada
corticorresistente e deve ser triada para biópsia
renal. Uma característica da SN idiopática é a recidi-
vidade que ocorre em cerca de 60% dos casos. Quando
há recidivas precoces após a primeira crise, há grande
propensão para os doentes se tornarem recidivantes
frequentes. As recaídas habitualmente são prece-
didas por processos infecciosos, principalmente
de vias aéreas superiores. A conduta consiste em
tratar a infecção desencadeante, e, caso a criança este-
ja recebendo corticoide diariamente, este deve ser al-
ternado, usando-se a dosagem adequada (35 mg/m2/
dia). Se o paciente estiver sem corticoterapia e após o
tratamento com antibiótico não entrar em remissão
espontânea, na ausência de quadros infecciosos, deve
ser reiniciado esquema diário com corticoide, mantido Figura 10.5 Melhora clínica após corticoterapia.
por até três dias após a remissão. Os recidivantes fre-
quentes necessitam de corticoterapia prolongada, em
geral seis meses de esquema alternado com retirada
progressiva e lenta da medicação.
Indicações de biópsia renal
Restringem-se cada vez mais as indicações de
Conceitos diante da resposta biópsia renal (BR) em SN. A priori, todas as crianças
entre 2 e 7 anos, com proteinúria e hipoalbuminemia
ao corticoide em níveis nefróticos, sintomatologia exuberante e
� remissão: proteinúria < 4 mg/m2/h ou 5 mg/ complemento sérico normal, devem ser consideradas
kg/dia ou ASS negativo ou traços por mais de e tratadas como portadoras de LHM. Nesse grupo,
três dias consecutivos; aquelas que não obtiverem remissão clínica e
� recidiva ou relapsia da doença: proteinúria laboratorial entre 4 e 8 semanas de corticotera-
> 40 mg/m2/h ou ASS > ++ por mais de três dias pia, desde que não estejam infectadas, devem ser
consecutivos; biopsiadas, pois provavelmente apresentam ou-
� corticossensível: remissão do quadro nefróti- tros padrões histológicos.
co durante o tratamento com esquema diário; As recidivas costumam ser mais frequentes
� corticorresistente: ausência de resposta após nos primeiros meses de doença. Quando persisten-
utilização por quatro semanas do esquema diário; tes por mais de 12 a 18 meses do diagnóstico, indi-
ca-se BR para obter diagnóstico histológico mais preciso
� corticodependente: apresenta proteinúria
negativa na vigência da corticoterapia e fre- e introduzir terapêutica imunossupressora adequada.
quentemente recidiva durante as duas semanas Crianças com mais de 8 anos podem receber trata-
após o início do tratamento com corticoide al- mento inicial para avaliar sua corticossensibilidade ou
ternado; ser biopsiadas já inicialmente. A BR no adolescente
� corticossensível recidivante frequente: deve ser precoce, minimizando o retardo no diagnós-
apresenta duas ou mais recidivas dentro de seis tico e no tratamento da doença de base, pois há maior
meses após a resposta inicial ou mais de três re- possibilidade de ocorrência de SN secundária ou de ou-
cidivas durante um ano. tras lesões anatomopatológicas que não LHM.
No primeiro ano de vida, deve ser realizada mophilus influenzae e outras bactérias Gram-negativas.
BR antes do início do tratamento, principalmente As complicações bacterianas mais frequentes são
nos casos de famílias com antecedente de SN. infecções de vias aéreas superiores, sinusites,
pneumonias, peritonites e celulites. As crianças
Pacientes com complemento sérico baixo nefróticas apresentam maior risco para septicemia.
também necessitam ser submetidos à BR, pois
Fenômenos tromboembólicos: o plasma do
esse dado exclui o diagnóstico de LHM.
nefrótico é hipercoagulável pelos seguintes fatores: di-
minuição da concentração de antitrombina III (perdas
Síndrome nefrótica (SN)
(primeiro episódio)
urinárias), aumento do nível sérico de fibrinogênio
e aumento no número de plaquetas. Outros fatores,
Checar: carteira vacinal, PPF,
hepatites, HIV (tratar) como hipovolemia e uso de diuréticos, aumentam o
risco de trombose.
Prednisona diária
60 mg/m2/d – 4 semanas
Insuficiência renal aguda: ocasionalmente
Corticossensível: Corticodependente: prednisona Corticorresistente:
pode complicar a SN. É, em geral, consequente à ne-
Prednisona em dias alternados
35 mg/m2/d – 4 a 6 meses
em dias alternados para manter remissão Estudo genético de mutações para SN crose tubular renal secundária à hipovolemia.
Alterações hormonais e minerais: ocorrem
Dose baixa de CCT: Dose alta de CCT:
Prednisona por 12 a 18 meses toxocicidade ao esteroide aumento da excreção urinária de T3 e T4 e diminuição
sérica de T3 e tireoglobulina. A hipocalcemia ocorre
BIÓPSIA RENAL
por diminuição do cálcio ligado à proteína e também
+
terapia dirigida da sua fração iônica.
Crescimento anormal e nutrição: crianças ne-
Figura 10.6
fróticas descompensadas sem corticoides podem apre-
sentar retardo de crescimento devido à desnutrição pro-
teico-calórica secundária à falta de apetite, proteinúria
e absorção ruim por edema gastrointestinal. Porém, em
Vacinações crianças que usam muito corticoides, a principal causa
As vacinações podem levar à descompensação do do retardo de crescimento é o próprio corticoide.
quadro nefrótico, o que não significa que os pacientes Crise nefrótica: dor abdominal intensa, simu-
devam deixar de recebê-las. Sob tratamento com altas lando abdome cirúrgico – trata-se de peritonite assépti-
doses de corticoides ou outras medicações imunossu- ca em crianças com anasarca (tratamento conservador).
pressoras, não se deve recomendar vacinas de vírus vi-
vos. A vacinação antipneumocócica deve ser realizada
com o paciente em remissão da SN ou fora do esquema
diário de tratamento com corticoide. Recomenda-se a
vacina antipneumocócica sete-valente para crianças Evolução
menores de cinco anos de idade e a 23-valente para os
maiores. Apesar da imunização, os níveis de anticorpos A resposta aos corticoides e a frequência das re-
adquiridos nem sempre são adequados, podendo ocor- cidivas após a terapia inicial são fatores prognósticos
rer peritonite ou sepse por pneumococo. A vacina de de evolução. Crianças corticossensíveis não perdem a
varicela num esquema de duas doses é bem tolerada e função renal, e aquelas com mais de duas recaídas nos
altamente imunogênica em crianças com SN, inclusive seis primeiros meses de tratamento vão ter mais reci-
naquelas que recebem esquema alternado com baixas divas no curso da doença quando comparadas àquelas
doses de corticoide. Pode ser administrada após um ano com duas ou menos descompensações. Estima-se que,
de idade com bons resultados. Os pacientes não imu- com o passar dos anos, os períodos de atividade dimi-
nizados devem ser controlados durante os surtos de nuam de frequência; aos cinco anos de doença, de 50%
varicela e receber imunoglobulina específica se houver a 70% não apresentarão recidivas; e que aos dez anos
exposição ao vírus. Caso a doença se manifeste, deve ser 85% estarão curadas. A mortalidade após a introdução
reduzida a dosagem do corticoide e utilizado o aciclovir. de corticoides e antibióticos diminuiu de 35% para 3%,
já que a principal causa de óbito eram os processos in-
fecciosos, os quais continuam sendo o grande risco na
SN, pois desencadeiam e mantêm as crises, criando um
círculo vicioso. Ao lado desses processos infecciosos,
Complicações outro fator de risco é o tromboembolismo, que deve ser
sempre considerado, apesar de não ser tão frequente
Infecções: crianças nefróticas apresentam sus- em crianças como em adultos. Portadores de LHM cor-
cetibilidade aumentada a infecções devido às altera- ticorresistentes ou que evoluem para perda da função
ções da imunidade humoral e celular, ativação da via renal, em regra, mostram padrão de glomeruloesclerose
alternada do complemento por perda urinária do fator em BR posteriores. Considera-se “eventualmente cura-
B, deficiência proteica generalizada, terapia imunos- da” uma criança que permanece cinco anos sem crises e
supressiva. Os agentes bacterianos mais frequente- sem medicação. Assim mesmo, às vezes, após períodos
mente implicados são: Streptococcus pneumoniae, Hae- muito longos, podem surgir novas recorrências.
11
Doenças exantemáticas
� bolhas: lesões de conteúdo líquido com mais de ca, histórico de viagens, estação do ano, apresentação
5 mm de diâmetro; do período prodrômico e presença de sinais patogno-
� pústulas: lesões de conteúdo purulento, inde- mônicos. Também é importante conhecer os períodos
pendentemente do tamanho; de incubação e de transmissão das principais doenças
exantemáticas infecciosas.
Na prática clínica é comum a associação de le-
sões maculopapulosas, vesicobolhosas, vesicopapu- Num segundo passo, é importante avaliar o
lobolhosas, etc. Os exantemas podem ser eritema- exantema, suas características, distribuição, tempo de
tosos - róseos ou avermelhados e que desaparecem início e duração. De acordo com suas características,
à vitro/digitopressão - e purpúricos, quando há ex- os exantemas devem ser classificados em maculopa-
travasamento de sangue no vaso (não desaparece à pulares (os mais frequentes na prática clínica), pa-
vitro/digitopressão). As lesões desse último tipo de pulovesiculares e petequiais ou purpúricos. Cada um
exantema podem ser pequenas (petéquias) ou maio- desses tipos direciona para diferentes possibilidades
res (equimoses). A crosta é o ressecamento da secre- diagnósticas. Os exantemas maculopapulares, por sua
ção serosa, purulenta, sanguínea ou mista. A escoria- vez, são classificados em:
ção é uma lesão epidérmica decorrente dos arranhões � morbiliformes: pequenas maculopápulas aver-
ou do ato de se coçar; denuncia, portanto, o caráter
melhadas com preservação de áreas de pele sã
pruriginoso do exantema.
entremeadas pelas lesões (é o exantema típico
do sarampo)
� rubeoliforme: semelhante ao morbiliforme, po-
Abordagem da criança rém róseo, com lesões menores e menos pápu-
las (exantema típico da rubeola, por exemplo.)
com exantema � escarlatiniforme: eritema difuso, puntiforme,
vermelho vivo, sem áreas de pele são entremea-
À primeira vista, as doenças exantemáticas agu- das (exantema típico da escarlatina)
das são muito parecidas, o que dificulta o diagnóstico � urticariforme: erupção papuloeritematosa de
diferencial. Numa primeira etapa é importante va- contornos irregulares, com placas mais percep-
lorizar os dados característicos, como por exemplo,
tíveis, róseas ou avermelhadas
a idade do paciente, seu estado nutricional (quadros
são mais graves ou atípicos em pacientes desnutri- Na tabela 11.1, apresenta-se, de forma resumi-
dos), antecedentes de imunizações e de doenças exan- da as principais doenças exantemáticas na infância,
temáticas prévias, dados epidemiológicos positivos classificadas de acordo com o tipo de apresentação do
para doenças infectocontagiosas, evolução da curva exantema, separados por causas virais (bastante co-
térmica, uso de medicamentos, localização geográfi- muns) e outros agentes.
Tabela 11.1 Principais doenças exantemáticas na infância, segundo etiologia viral e outras
Os dois maiores grupos de exantemas (maculo- contaminação de um indivíduo suscetível parece fa-
papulares e papulovesiculares), em pediatria, abran- zer-se quase exclusivamente através do contato direto
gem as doenças exantemáticas; entretanto, esses dois com pessoas doentes. A contagiosidade começa dois
tipos de erupção são encontrados em muitas outras dias antes do início do período prodrômico, alcança o
doenças além das infecciosas exantemáticas agudas. máximo durante a fase catarral e estende-se até qua-
Dentre os exantemas maculopapulares, encontram- tro dias após o aparecimento do exantema, diminuin-
-se os das cinco febres eruptivas clássicas: sarampo do de tal maneira que, após seis dias do seu início, o
(primeira moléstia), escarlatina (segunda moléstia), paciente não é mais contagioso. A disseminação má-
rubéola (terceira moléstia), eritema infeccioso (quinta xima do vírus dá-se por aspersão de gotículas durante
moléstia) e exantema súbito - roseola infantum (sexta o estágio catarral, havendo necessidade de isolamento
moléstia). A doença de Filatow, que seria a “quarta molés- respiratório do indivíduo infectado nesse período. O
tia”, hoje não é mais considerada uma entidade clínica (es- sarampo é muito contagioso, salientando-se que a in-
carlatina atípica). Entretanto, com o progresso dos conhe- trodução de um caso da doença no ambiente familiar
cimentos e, principalmente, das técnicas laboratoriais de faz com que cerca de 90% dos contatos familiares sus-
isolamento etiológico, muitas doenças tiveram seu agente cetíveis se contaminem. Raramente é subclínico.
conhecido e, atualmente, sabe-se que todas as doenças O sarampo é doença de notificação imediata e
que evoluem com vasculite, sejam infecciosas ou não, po- obrigatória; ou seja, diante de um caso suspeito, este
dem, em algum momento, apresentar erupção cutânea. deve ser notificado pelos profissionais que tiveram o
primeiro contato com o paciente.
A infecção pelo vírus do sarampo pode causar
uma variedade de síndromes clínicas, que incluem o
Sarampo sarampo clássico em pacientes imunocompetentes,
o sarampo modificado em pacientes com anticor-
O sarampo é uma doença viral exantemática pos pré-existentes, mas com incompleta proteção, as
aguda, altamente contagiosa, e que está em vias de síndromes neurológicas após a infecção do sarampo,
erradicação em nosso meio em virtude das estraté- incluindo a encefalomielite aguda disseminada e a pa-
gias de imunização, embora, até recentemente, ainda nencefalite subaguda esclerosante (PES) e sarampo
provoque alguns surtos. Assim, alguns países do mun- grave, em imunocomprometidos.
do ainda sofrem com esse problema e, em virtude de As manifestações clínicas do sarampo são, de
deslocamentos de uma sociedade globalizada, atenção modo geral, suficientemente características para per-
constante deve ser dada ao risco de propagação e rein- mitir o diagnóstico da doença sem o auxílio de qualquer
serção da doença. exame laboratorial. O período de incubação (entre con-
É causado por um vírus da família Paramyxoviri- tágio e primeiras manifestações clínicas) inicia-se após
dae (gênero Morbillivirus). a entrada do vírus pela mucosa respiratória ou conjun-
tiva e é de cerca de 10 dias. A disseminação do vírus do
Os anticorpos contra o sarampo, do tipo IgG,
sarampo nesse período, devido à viremia, com infecção
atravessam facilmente a barreira placentária. Os lac-
associada do endotélio, epitélio respiratório, monócitos
tentes adquirem imunidade por via transplacentária
e macrófagos, pode explicar a variedade de manifesta-
das mães que tiveram ou receberam imunização con-
ções clínicas e as complicações que podem ocorrer. Uma
tra o sarampo e as crianças nascem com título satis-
segunda viremia ocorre alguns dias após a primeira,
fatório de anticorpos e, portanto, protegidas. Essa
que coincide com o aparecimento de sintomas indicati-
proteção passiva vai desaparecendo à medida que os
vos do início da fase prodrômica.
anticorpos de origem materna vão sendo cataboliza-
dos. Essa imunidade é completa pelos primeiros 4 a 6 O período prodrômico, que dura cerca de três a
meses de vida e desaparece numa velocidade variável. quatro dias, caracteriza-se por febre, geralmente ele-
Assim, enquanto o sarampo é excepcional antes dos vada (muitas vezes excedendo 39ºC ou mesmo 40ºC),
seis meses de idade, por volta de um ano quase todas alcançando o máximo na época do aparecimento do
as crianças já são suscetíveis à doença. A imunidade exantema, para desaparecer, habitualmente em lise,
induzida é de longa duração, provavelmente persistin- dois ou três dias depois. Nessa fase, sintomas gerais
do por toda a vida. aparecem com grande frequência e variável intensi-
dade: anorexia, cefaleia, dores abdominais, vômitos,
A transmissão ocorre por via aérea, por meio de
diarreia, artralgias e mialgias, que associados a pros-
secreção ocular e das vias respiratórias do doente, por
tração e mesmo sonolência, que por vezes coexistem,
contato direto, pelas gotículas de Pflügge (gotículas
dão a impressão de doença grave. Sintomas oculares
de saliva que são expelidas durante a conversação) e
estão presentes. A conjuntivite traduz-se por fotofo-
por dispersão de gotículas com partículas virais no ar,
bia, edema palpebral, secreção ocular, congestão e la-
principalmente em ambientes fechados como creches, crimejamento. Todos esses sintomas geralmente são
escolas e meios de transporte (incluindo aviões). A
associados a sintomas catarrais altos: coriza e espirros. hiperemiados, queixando-se de desconforto na cla-
A coriza é abundante, inicialmente mucosa e torna-se ridade, intensa rinorreia e tosse implacável. Para os
mucopurulenta, às vezes com laivos de sangue, irri- não familiarizados, a aparência é de doença grave
tando o nariz e o lábio superior. Atinge o máximo de (semelhante à toxemia de uma doença bacteriana).
intensidade ao tempo do aparecimento da erupção e Ressalta-se, nesta fase, o aparecimento da pneumo-
desaparece rapidamente após a defervescência. A tos- nite intersticial que cursa com pequenos focos de
se nunca falta. É inicialmente seca, intensa, contínua e condensação no interstício e nos alvéolos. Geralmen-
incomoda o paciente. Como as demais manifestações te tem evolução benigna e é provavelmente causada
do período prodrômico, atinge máxima intensidade à pelo vírus do sarampo.
época do aparecimento do exantema, mas, ao contrá- O exantema começa a esmaecer em torno do ter-
rio dessas, não desaparece quando surge erupção, po- ceiro ou quarto dia, na mesma sequência em que sur-
dendo persistir por até quase duas semanas. giu, com o aparecimento de descamação furfurácea e
Embora a coriza, a tosse e a conjuntivite muitas uma leve pigmentação acastanhada.
vezes confiram ao paciente um aspecto facial muito O quadro clínico, em geral, dura de uma a duas
sugestivo de acometimento pelo vírus do sarampo (fa- semanas. Desaparece rapidamente a febre, os sinto-
cies sarampenta), são as manchas de Koplik, o enan- mas oculares e catarrais altos e lentamente a tosse
tema que precede à erupção da pele, que confirma o e os sintomas brônquicos. A tosse pode persistir até
diagnóstico. O enantema é a primeira manifestação 1 ou 2 semanas após a infecção do sarampo. Febre
mucocutânea a aparecer e é característico. Em 50% a persistente além do terceiro ou quarto dia de erupção
80% dos casos, 2 a 3 dias depois do período prodrô- sugere complicação.
mico (catarral) aparece o característico sinal de Ko-
O diagnóstico, em geral, baseia-se no quadro clí-
plik (patognomônico do sarampo): há hiperemia da
nico; raramente há necessidade de confirmação labo-
orofaringe (com um salpicado vermelho na região de
ratorial. Elevação dos títulos de anticorpos é detectada
palato) e na região oposta aos dentes molares surgem
entre os soros das fases aguda e convalescente (aumen-
manchas branco-azuladas ou acinzentadas, pequenas,
to de pelo menos quatro vezes o título de IgG) ou, na
de cerca de 1 mm de diâmetro, com discreto halo eri-
presença de anticorpos da classe IgM, na fase aguda.
tematoso ao redor. Começam em pequeno número,
por vezes duas ou três apenas, só podendo ser, nes- Embora antigamente conhecida como uma do-
sa ocasião, visualizadas com uma boa iluminação da ença da infância, o sarampo não deve ser considerado
mucosa bucal. Entretanto, rapidamente aumentam uma moléstia banal. O número de complicações é gran-
de número a tal ponto que quando do aparecimento de e as principais são: otite média, pneumonia e en-
do exantema, podem ocupar toda a mucosa da boca e cefalite. A infecção pelo sarampo pode causar imunos-
mesmo parte dos lábios. Nessa ocasião, o aspecto da supressão transitória, com diminuição de resposta das
mucosa lembra grãos de açúcar (ou sal) espalhados so- células T. A anergia pode estar presente desde antes do
bre um fundo intensamente avermelhado. Aparecem aparecimento do exantema até vária semanas após. As
e desaparecem rapidamente, em geral, entre 12 e 18 complicações pelo sarampo são mais comuns nos paí-
horas (podem durar até 72 horas). O aparecimento do ses em desenvolvimento, onde descreve-se letalidade
exantema marca também o início do desaparecimento de 4 a 10%. A maioria das mortes se deve às compli-
das manchas de Koplik, e, por volta do terceiro dia a cações respiratórias ou encefalite. Os grupos de risco
mucosa tem aspecto normal. para complicações incluem os pacientes imunodepri-
O exantema inicia-se com tênues máculas atrás midos, desnutridos, indivíduos com deficiência de vi-
do pavilhão auricular, na região da mastoide, pró- tamina A e nos extremos de idade. Sendo o sarampo
ximo à raiz do couro cabeludo. Dissemina-se rapi- uma infecção disseminada, complicações em vários sí-
damente, em cerca de 24 horas, em sentido caudal tios orgânicos podem ocorrer. Quando há persistência
e centrífugo, para face, pescoço, tronco, braços e da febre após o 3º dia de exantema, deve-se suspeitar
atinge as extremidades inferiores por volta do ter- de complicação. Cabe ressaltar a gravidade do sarampo
ceiro dia. O exantema é maculopapular, eritematoso em crianças desnutridas. O mecanismo imunitário pri-
e morbiliforme, com maculopápulas avermelhadas, mordialmente envolvido no sarampo é o do tipo celular
isoladas umas das outras e circundadas por pele não (comprometido também no desnutrido). A incidência
comprometida. Como regra, as lesões podem confluir de complicações bacterianas é bem mais alta nesses
em algumas regiões e desaparecem à digitopressão. casos e a mortalidade se eleva. Crianças desnutridas
As áreas inicialmente atingidas (face e pescoço) são que até serem acometidas pelo sarampo mantinham-
as que revelam exantema de maior intensidade. Aí -se equilibradas podem apresentar piora do quadro
as lesões podem ser confluentes, formando exten- nutricional, em razão da diarreia, hipercatabolismo e
sas placas avermelhadas. As palmas das mãos e as hiporexia, levando ao aparecimento do edema e das
plantas dos pés são raramente envolvidas. O prurido carências alimentares latentes, entre a quais a hipovi-
é leve. Na fase do exantema a doença atinge o seu taminose A. O tratamento com vitamina A oral reduz
auge os sintomas catarrais se intensificam, ficando a morbidade e a mortalidade em crianças com sarampo
o paciente toxemiado, prostrado, febril, com olhos grave nos países em desenvolvimento.
As infecções respiratórias ocorrem com mais fre- o sarampo, mas mantém-se e recentemente ocorreram.
quência em pacientes com menos de 5 anos. O envol- Seu início caracteriza-se por deteriorização insidiosa
vimento pulmonar da infecção do sarampo pode con- e progressiva do comportamento, comprometimen-
sistir em broncopneumonia, laringotraqueobronquite to cognitivo e mudanças de personalidade (semanas a
ou bronquiolite. A otite média pode ocorrer. Deve-se anos). Evolui-se para torpor, marcha irregular, quedas
lembrar que a pneumonia pode ser devida ao próprio e crises mioclônicas. O diagnóstico é estabelecido pela
vírus do sarampo (pneumonia intersticial), porém a evolução clínica típica e detecção de anticorpos para
mais frequentemente identificada é a broncopneumo- sarampo no líquor. O EEG apresenta picos paroxísticos
nia pelo vírus e/ou associada a bactérias (S. aureus, regulares e diminuição da atividade geral. No soro, há
pneumococos e hemófilos). títulos altos de anticorpos do sarampo. A morte costu-
ma ocorrer no prazo de um a dois anos após o início dos
A encefalite aguda é uma complicação relativa-
sintomas. O curso implacável e fatal desta complicação
mente rara, mas grave. A incidência de encefalomielite
ressalta a importância da vacinação contra o sarampo,
é estimada em 1-2/1.000 casos notificados. Não há cor-
não só para a prevenção do sarampo, mas também para
relação entre intensidade do sarampo e a intensidade
a prevenção de sequelas neurológicas graves do que
do envolvimento neurológico ou a gravidade do pro-
pode acontecer.
cesso e o prognóstico final. Embora possa manifestar-
-se no período pré-eruptivo, comumente inicia-se dois As manifestações oculares do sarampo podem
a cinco dias após o aparecimento do exantema. A pre- incluir a ceratoconjuntivite e úlcera de córnea, consti-
sença de febre, vômito, cefaleia, sonolência alternando tuindo-se em importante causa de cegueira.
com irritabilidade, convulsões, coma ou alterações da Outro perigo em potencial é a exacerbação de tu-
personalidade determina a suspeita do acometimento berculose preexistente, em razão da anergia provocada
neurológico. Ela está associada a uma pleocitose liquó- pelo sarampo. A persistência do quadro pneumônico
rica (predomínio linfocitário), aumento dos níveis de após o adequado tratamento com antibióticos justifica
proteína e normalidade da glicorraquia. A maioria das a pesquisa da etiologia tuberculosa. Lembrar que o tes-
crianças se recuperam bem, cerca de 25% tem sequelas te tuberculínico, nesses casos, geralmente é negativo.
no desenvolvimento neurológico (atraso mental, con- O tratamento do sarampo sem complicações é
vulsões recorrentes, distúrbios de comportamento) e puramente sintomático e de sustentação. Baseia-se
cerca de 15% podem ter uma rapidamente progressiva basicamente em repouso relativo, antitérmicos para
e fatal. Em crianças menores de um ano e em desnutri- febre alta e mal-estar, higiene dos olhos, umidificação
das é causa não desprezível de óbito. Em adolescentes e das secreções das vias aéreas superiores (vaporização,
adultos a gravidade pode ser maior. inalação com soro fisiológico) e administração de vita-
A encefalomielite aguda disseminada (EMAD) é mina A – 200.000 UI (menor de 1 ano: 100.000 UI), o
uma doença desmielinizante que se apresenta durante mais precoce possível, que reduz complicações e mor-
a fase de recuperação da infecção pelo sarampo, geral- talidade. É recomendada pela Organização Mundial de
mente dentro de duas semanas do exantema. Acredi- Saúde para todas as crianças com sarampo em países
ta-se que seja mais uma resposta de autoimunidade em desenvolvimento. É administrada uma vez ao dia
pós-infecciosa do que a atividade do vírus do sarampo por dois dias.
no sistema nervoso central. As principais manifesta-
ções incluem febre, cefaleia, rigidez nucal, convulsões
e alterações do estado mental (confusão e sonolência).
Outros achados podem incluir ataxia, mioclonia e si-
nais de mielite, com paraplegia, tetraplegia e altera- Escarlatina
ções de sensibilidade. A EMAD está associada a uma
A escarlatina é uma doença exantemática clássica,
mortalidade de 10 a 20%.
causada pela produção da exotoxina eritrogênica pelo
A panencefalite esclerosante subaguda (PEES) é Streptococcus pyogenes, ou beta-hemolítico do grupo
uma doença degenerativa fatal e progressiva do sistema A de Lancefield. A faringite causada pelo estereptoco-
nervoso central que ocorre de sete a dez anos após a in- co é uma infecção comum em Pediatria. Trata-se de
fecção natural pelo sarampo. É uma complicação rara e uma doença, em tese autolimitada, com melhora dos
tardia do sarampo, cuja patogênese não é bem compre- sintomas em dois a cinco dias. Entretanto, a antibioti-
endida. É uma infecção do SNC lentamente progressiva coterapia reduz a severidade e duração dos sintomas,
(diferentemente da encefalolomielite aguda dissemina- previne a disseminação do agente e diminui o risco de
da), causada pelo vírus (ou uma variante genética) que complicações causadas pela bactéria. Deve-se lembrar
progride lentamente no interior do sistema nervoso que existem uma série de complicações supurativas e
central. Cerca de metade dos pacientes com PEES tive- não supurativas da faringotonsilite pelo Streptococcus
ram sarampo antes de dois anos de idade. O número de pyogenes, resumidas na Tabela 11.2. A escarlatina é
casos caiu abruptamente com a cobertura vacinal para considerada uma das complicações não supurativas.
Febre reumática
Escarlatina
Síndrome do choque tóxico estreptocócico
Glomerulonefrite pós-estreptocócica
Desordem neuropsiquiátrica pediátrica autoimune associada com o estreptococo A (PANDAS – Pediatric autoimune
neuropsychiatric disorder associated with group A streptococci)
Celulites e abscessos tonsilofaríngeos
Fasciite necrotizante
Bacteremia e sepse
Para que ocorra escarlatina é preciso que o in- mente, poupadas. A área ao redor da boca também é
divíduo infectado não tenha imunidade antibacteria- poupada (palidez perioral) sinal conhecido como sinal
na contra o estreptococo, nem imunidade antitóxica de Filatov). As dobras profundas podem conter listras
contra a exotoxina eritrogênica (essa imunidade é lineares, às vezes de característica petequial, que não
tipo-específica, pois existem alguns tipos de toxina). empalidecem com a digitopressão (sinal de Pastia – li-
A transmissão se faz por conta do contato próximo nhas vermelhas na fossa antecubital). As áreas mais
com pessoas doentes, através da projeção de gotas de acometidas e onde o rash é mais observado, são a re-
secreção respiratória contendo bactérias. O período gião inguinal, axilar, antecubital, abdome e pontos da
de maior contágio da faringite e escarlatina é durante pele que estão sob pressão e o exantema é maculopa-
o estágio agudo da doença. A terapêutica antibiótica pular, avermelhado, empalidece à digitopressão e não
suprime rapidamente e, se continuada, erradica o es- deixa área de pele sã (escarlatiniforme). O exantema
treptococo do trato respiratório superior, de tal forma alcança sua intensidade máxima por volta do terceiro
que após o segundo ou terceiro dia de tratamento o ao sétimo dia e desaparece lentamente, quatro a cinco
paciente não pode mais ser considerado contagiante. dias depois, quase sempre provocando fina descama-
Além do quadro clássico de faringotonsilite, quan- ção (em farelo ou furfurácea) ou lamelar, especialmen-
do os estreptococos infectantes elaboram toxina eritro- te na margem das unhas, na ponta dos dedos e nas
gênica, para a qual o hospedeiro não produziu anticor- dobras cutâneas profundas, que pode durar até seis
pos específicos, aparecem as manifestações típicas da semanas. O exantema em si, consequente à ação da to-
escarlatina, que é uma erupção eritematosa difusa. xina eritrogênica, é um pontilhado finamente papular
(ou puntiforme) que na maioria das vezes, em alguns
Acomete geralmente crianças entre 3 e 12 anos de pacientes é mais facilmente palpável do que visto, com
idade. O período de incubação varia de um a sete dias, a textura de pele de ganso ou de lixa.
com média de três dias. O início é agudo, com febre
alta, calafrios, cefaleia, vômitos, mal-estar, anorexia e Em geral, a temperatura aumenta abruptamen-
dor de garganta. Dor abdominal pode estar presente. te e se normaliza num prazo de cinco a sete dias no
Um a dois dias após tem início o exantema. Durante o paciente não tratado; comumente, retorna à normali-
desenvolvimento da erupção cutânea, as mucosas po- dade 12 a 24 horas após o início da terapia com peni-
dem também ser acometidas (enantema). As amígdalas cilina. Além das manifestações tóxicas da escarlatina
estão aumentadas de volume, hiperemiadas, com áreas (cefaleia, dor abdominal, vômitos e febre), os efeitos
irregulares de exsudato mucopurulento e a faringe en- sistêmicos da toxina eritrogênica podem comprome-
contra-se hiperemiada. O palato geralmente apresenta ter os rins (causando hematúria), as articulações (ar-
eritema puntiforme e eventualmente algumas peté- trite) ou o coração (miocardite).
quias. A borda livre do palato e a úvula estão hipere- Na escarlatina a porta de entrada mais frequente
miadas e edemaciadas. A língua adquire uma aparência é a faringe. Ocasionalmente, no entanto, a escarlatina
característica, com papilas vermelhas e proeminentes, pode suceder infecções de feridas, queimaduras ou in-
que sobressaem em uma superfície difusamente cober- fecção cutânea estreptocócica. Nessas circunstâncias,
ta por uma camada branca (saburrosa) e que, quatro a pode desenvolver-se a chamada escarlatina cirúrgica,
cinco dias após, quando ocorre a descamação, aparece com as mesmas manifestações clínicas descritas ante-
uma superfície profundamente avermelhada, verme- riormente, mas as tonsilas e a faringe não costumam
lho-rutilante, com as papilas hipertrofiadas e edemato- ser acometidas.
sas (língua morango-vermelho ou framboesa). Pode ha- O diagnóstico da escarlatina é fundamentalmen-
ver também adenopatia cervical anterior e mandibular. te clínico, embora em alguns casos possa ser isolado o
O exantema inicia-se em cabeça e pescoço, ex- estreptococo beta-hemolítico do grupo A da orofarin-
pandindo-se rapidamente para o tronco, até as extre- ge, nasofaringe ou de uma ferida infectada. A eleva-
midades; palma das mãos e planta dos pés são, comu- ção do título de antiestreptolisina O (ASLO) durante a
convalescença é indicativa de infecção estreptocócica. teriores. A rubéola no início da gravidez pode causar
Porém, a erradicação precoce dos estreptococos hemo- anomalias congênitas graves, com comprometimento
líticos por terapêutica antimicrobiana pode suprimir de múltiplos sistemas, amplo espectro de expressão
o desenvolvimento de anticorpos. O hemograma pode clínica e longo período pós-natal de infecção ativa com
mostrar leucocitose, neutrofilia e desvio à esquerda, excreção de vírus. Neste capítulo nos limitaremos a
especialmete nos primeiros dias de infecção. comentar a rubéola adquirida. A rubéola é causada por
É importante lembrar que, a terapêutica da infec- vírus da família Togaviridae.
ção estreptocócica objetiva, além da melhora clínica e O maior número de casos de rubéola ocorria na
redução do tempo dos sintomas, a redução da incidên- primavera e no inverno, sendo relativamente raros os
cia das complicações e diminuição da transmissão do casos de rubéola no verão, fato que tem considerável
agente (erradicação). Melhora clínica é observada em importância, já que infecções por enterovírus, que po-
mais precocemente (48h) em indivíduos tratados com dem originar quadros clínicos muito semelhantes aos
antibióticos. As opções terapêuticas para o tratamen- da rubéola, ocorrem predominantemente nos meses de
to da infecção estreptocócica incluem as penicilinas (e verão. A infecção é transmitida de pessoa a pessoa pela
seus derivados ampicilina e amoxicilina), cefalospori- via respiratória, por meio de gotículas contaminadas.
nas, macrolídeos e clindamicina. Embora o estrepto- O período de incubação varia de 14 a 21 dias. A
coco do grupo A seja sensível a vários antibióticos, a fase prodrômica de sintomas catarrais leves é mais
penicilina continua sendo a droga de primeira escolha curta que a do sarampo e pode ser tão leve que pas-
para tratar pacientes não alérgicos a ela. A penicilina sa despercebida, principalmente nas crianças meno-
benzatina intramuscular garante o tratamento, evita res, mas em adolescentes e adultos o exantema pode
as complicações e erradica o agente. Não há vantagens ser precedido por um ou dois dias de mal-estar, febre
e, sim, potenciais desvantagens no uso de outros anti- baixa, dor de garganta e discreta coriza. O sinal mais
microbianos de amplo espectro. É condição necessária característico é adenopatia retroauricular cervical
para erradicação dos organismos infectantes mante- posterior e occipital dolorosa, presente em quase to-
rem níveis sanguíneos adequados por pelo menos dez dos os casos. A linfadenopatia é generalizada, afeta
dias e essa deve ser a duração do tratamento com peni- principalmente os gânglios suboccipitais, cervicais e
cilina por via oral (a prescrição mais clássica é de amo- retroauriculares, aparecendo desde 5 a 7 dias antes do
xicilina 50mg/kg/dia). Deve-se lembrar que as taxas exantema, podendo persistir até o seu desaparecimen-
de transmissão de um indivíduo infectado para conta- to em uma semana ou mais. Nenhuma outra doença
tos íntimos (família ou escola) é de aproximadamente causa o aumento doloroso desses linfonodos no grau
35%. Portanto, o isolamento nas 24 horas é medida da rubéola.
importante, após o início do tratamento.
O exantema começa na face sob a forma macu-
Pode haver colonização do estreptococo beta lopapular rósea, se espalha rapidamente, atingindo o
hemolítico do grupo A na orofaringe de portadores pescoço, o tronco, os membros superiores e inferiores
assintomáticos. Em climas temperados, durante o in- em menos de 24 horas. As lesões da face começam a
verno e na primavera, até 20% das crianças em idade desaparecer no segundo dia, quando as maculopápu-
escolar podem ser portadores assintomáticos. Os por- las do tronco podem coalescer. Na maioria dos casos, a
tadores tem baixa probabilidade de disseminar a bac- erupção permanece por três dias, justificando o antigo
téria e têm risco muito baixo risco muito baixo para nome dado à doença de sarampo de três dias. O exan-
o desenvolvimento de complicações supurativas ou tema não é pruriginoso e não é seguido de descama-
febre reumática aguda. Portanto, em geral, os porta- ção. A mucosa faríngea e as conjuntivas ficam pouco
dores de estreptococos não necessitam de terapia an- inflamadas; não há fotofobia e a febre é ausente ou
timicrobiana. Assim, diante de um caso de escarlatina, baixa durante o exantema e persiste por poucos dias.
não é necessária a investigação e tratamento de con- Metade dos casos apresenta esplenomegalia discreta.
tactantes, a não ser em circunstâncias especiais, como Especialmente em meninas maiores e mulheres, pode
manifestação de febre reumática e situações de surtos ocorrer poliartrite e artralgias.
de infecção pelo estreptococo. Muitas infecções são subclínicas, com uma pro-
porção de infecção inaparente para doença de 2:1.
Às vezes, é difícil diagnosticá-la clinicamente, pois
exantemas enterovirais e outros podem produzir
Rubéola aparência semelhante.
Felizmente, uma ótima notícia sobre a rubéola
A rubéola é uma doença contagiosa, caracteriza- em nosso meio ocorreu recentemente. Em abril de
da por sintomas leves, um exantema semelhante ao 2015, a Região das Américas foi declarada pelo Co-
do sarampo leve e aumento e dor à palpação dos linfo- mitê Internacional de Doenças Exantemáticas - OMS
nodos pós-occipitais, retroauriculares e cervicais pos- como a primeira região do mundo livre da transmissão
endêmica da Rubéola e da Síndrome da Rubéola Con- aumentando de tamanho, deixando a região central
gênita. Em 2 de dezembro de 2015, o Brasil recebeu da mais pálida, conferindo-lhe um aspecto rendilhado,
OPAS/OMS o Certificado de Eliminação da Rubéola. bastante característico da doença. Geralmente a pal-
Os dados epidemiológicos avaliados evidenciaram a ma das mãos e a planta dos pés são poupadas. Essa
ausência da transmissão endêmica do vírus da rubéo- segunda fase da erupção persiste em média por dez
la por cinco anos consecutivos em território nacional. dias, salientando-se que durante esse período o exan-
tema pode apresentar períodos de nítida exacerbação,
desencadeados por exposição da pele ao calor, frio, es-
tresse, luz do sol ou durante exercícios físicos. Não há
Eritema infeccioso – descamação residual.
que a principal característica do grupo de herpesvírus O exame físico revela poucos dados importantes, sa-
é a sua capacidade de permanecer em estado de latên- lientando-se, porém, a frequência do encontro de lin-
cia, podendo, eventualmente, reativar-se em situações fonodos um pouco aumentados de volume; pode haver
de imunodepressão. a presença de adenomegalia cervical, retroauricular ou
A patogênese da roséola é desconhecida. A vire- occipital. É comum a hiperemia de membrana timpâ-
mia ocorre nos dois primeiros dias de doença, antes nica (80-90%), levando à confusão diagnóstica com
do aparecimento do rash. No quinto dia de doença, uma otite média. (lembrar que atualmente o principal
menos de 10% das crianças são virêmicas. A benigni- achado otoscópico para o diagnóstico de otite média
dade da doença e o habitual não isolamento do agente aguda é o abaulamento).
etiológico são responsáveis pela relativa ausência de A irritabilidade, presente em algumas crianças,
dados sobre a patogênese e patologia do exantema sú- pode levar a um diagnóstico diferencial com um qua-
bito. Altos níveis de anticorpos em adultos, excreção dro de irritação meníngea. O enantema em junção
viral frequente na saliva e detecção de ácido nucleico uvulopalatoglossal (palato mole), de aspecto macular
viral nas glândulas salivares e células mononucleares é conhecido como “pontos de Nagayama” e ocorre em
no sangue periférico em crianças e adultos soroposi- cerca de 80% das crianças.
tivos falam em favor de um estado prolongado de la- A febre cede por crise (abruptamente) no 3º e 4º
tência viral do HHV-6. A natureza da doença de reati- dias e, quando a temperatura retorna ao normal, uma
vação em crianças maiores e adultos, especialmente os erupção macular ou maculoppular rosada surge no
imunocomprometidos, está começando a ser reconhe- corpo, começando pelo tronco e pescoço, estendendo-
cida (quadros febris em transplantados e em pacientes -se aos braços e envolvendo a face e os membros infe-
com supressão medular). riores com menor intensidade. Pode ser discreto, com-
A maioria dos recém-nascidos é soropositiva posto de poucos elementos esparsos ou então denso e
para o HHS-6, em decorrência dos anticorpos trans- confluente. Entretanto, mesmo quando os membros
placentários. As taxas de soropositividade caem entre são atingidos pelo exantema, encontram-se aí apenas
4 e 6 meses de idade, seguindo-se a aquisição rápida algumas máculas, restritas às coxas e braços. A erup-
de anticorpos. Entre um e dois anos de idade, mais de ção é de curta duração. Pode aparecer à noite e já ter
90% dos lactentes são soropositivos. Portanto, o exan- desaparecido pela manhã, passando assim totalmente
tema súbito é uma doença incomum no primeiro tri- despercebida, como pode também esvaecer em um a
mestre de vida, com incidência máxima aos 6-12 me- dois dias. Não há descamação ou alteração de colora-
ses de idade e 90% dos casos nos primeiros dois anos ção da pele após o término do exantema. O exantema
de vida. A absoluta raridade da doença antes dos seis não é pruriginoso.
meses e depois dos três anos sugere que as crianças Durante a fase febril da doença, o diagnóstico
maiores e os adultos têm imunidade adquirida e que a é muito difícil de ser cogitado. Entretanto, a doença
criança nasce com proteção fornecida por anticorpos deve ser lembrada em todo lactente de mais de seis
maternos transmitidos pela placenta. Acredita-se, por meses, com febre alta, excelente estado geral e exa-
isso, que até os três anos de idade praticamente todas me físico pobre em dados positivos, com exceção de
as crianças tiveram contato com os agentes causado- adenopatia. A defervescência súbita e o aparecimento
res da doença, mas apenas uma pequena parcela (cerca do exantema tornam mais fáceis o diagnóstico. Exa-
de 30%) desenvolveu o quadro clínico característico. mes laboratoriais são frequentemente desnecessários,
Cerca de um terço das crianças apresenta o exantema quando se considera o aparecimento do exantema; são
súbito, com ambos os sexos igualmente acometidos, justificados na investigação de uma febre sem sinais de
em todas as épocas do ano. localização, particularmente em lactentes pequenos.
O modo de aquisição do vírus ainda é desconhe- No primeiro dia de febre o hemograma pode revelar
cido, mas a sua detecção frequente na saliva humana uma discreta leucocitose, mas logo em seguida instala-
sugere propagação por secreções orais. Acredita-se -se leucopenia, podendo a contagem leucocitária cair a
que a doença seja menos contagiosa que as outras do- menos de 3.500/mm3, sendo a principal característica
enças exantemáticas da infância. da contagem diferencial uma acentuada neutropenia
A roséola do lactente caracteriza-se por um iní- (nadir no terceiro ao quinto dia de doença). A conta-
cio súbito, com febre alta (até 39ºC-40ºC), podendo gem leucocitária rapidamente retorna ao normal após
ocorrer convulsões febris (considerada uma das cau- o aparecimento do exantema. Crianças com roséola
sas mais comuns dessa condição). Embora a mucosa podem apresentar leucocitúria (10%).
faríngea possa estar hiperemiada e ocorra coriza leve Testes diagnósticos para o HHV-6 permitiram a
(sinais respiratórios em cerca de 25% dos casos), não definição de várias síndromes associadas ao vírus em
há sinais diagnósticos, pois se trata de um período lactentes com doenças febris agudas, sugerindo que
pré-eruptivo. Em geral, a criança mostra-se relativa- esse agente pode ser responsável por até 50% da pri-
mente bem apesar do grau da febre (não há toxemia). meira doença febril na infância.
O tratamento é apenas sintomático, ressaltando- nas crianças maiores. A febre tem duração média de
-se a necessidade de baixar a febre alta, especialmente três dias e, em alguns casos, é bifásica: ocorre por um
em crianças suscetíveis a convulsões febris. dia, está ausente por dois a três dias e então recorre
por mais dois a quatro dias. Pode haver náuseas, vô-
mitos ou dor abdominal leve, com algumas evacuações
Outros exantemas virais amolecidas. Os achados no exame físico são benignos
e não há alteração significativa no hemograma.
Ao lado dos exantemas típicos ou característicos Rash petequial e/ou purpúrico tem sido descrito
das febres eruptivas clássicas, são observados outros, descrito com o echovirus 9 e coxsackie A9; quando es-
nem sempre precedidos ou acompanhados de mani- sas erupções com componente hemorrágico ocorrem
festações que possibilitem a sua identificação. São há bastante confusão diagnóstica com a doença me-
ningocócica, especialmente se uma meningite assépti-
exantemas considerados atípicos ou incaracterísticos,
ca ocorre concomitantemente. Meningites assépticas
como, por exemplo, os das enteroviroses. Os enteroví-
(virais) ocorrem em indivíduos de todas as idades,
rus não-polio representam um grande grupo de vírus mas é particularmente mais comum em bebês meno-
(coxsackievirus, echovirus, enterovirus) – mais de 100 res de um ano de vida. Os enterovírus causam mais
– e são responsáveis por um amplo espectro de doen- de 90% desses casos nessas crianças, sendo a grande
ças em pessoas de todas as idades, embora ocorram maioria relacionados ao coxsackievirus B e echovirus.
principalmente em bebês e crianças pequenas. Outro Encefalites, conjuntivites, pleurodinia, miocardites,
grupo de vírus, os parechovírus, tem algumas carac- pericardites e infecções respiratórias são outras apre-
terísticas biológicas, clínicas e epidemiológicas seme- sentações clínicas relacionadas aos enterovírus.
lhantes aos enterovírus.
As maiores taxas de infecção desses vírus ocor-
rem no verão e no outono. Alguns possuem transmis-
são fecal-oral e respiratória, podendo também disse-
Doença mão-pé-boca
minarem-se por água contaminada, comida e fômites. Doença aguda em crianças, é mais frequentemen-
O contato com fraldas e fezes (papel dos cuidadores) te causada pelo coxsackie A16. O período prodrômico
pode facilitar a transmissão em crianças pequenas, geralmente começa com febre baixa, irritabilidade, mal-
ressaltando-se a higienização das mãos como medida -estar, anorexia, dor na boca e as lesões ocorrem um a
fundamental para controle dessas viroses. três dias após o início da febre comprometendo a boca
A doença causada por cada sorotipo desses vírus e depois a pele, que nem sempre é atingida. Aparecem
varia consideravelmente, podendo causar doenças em lesões vesiculares na boca que rapidamente erodem,
transformando-se em úlceras dolorosas de tamanho
surtos. Muitas das infecções causas pelos enterovírus
variável. As lesões na mucosa oral são constituídas
não-polio são assintomáticas e passam desapercebi-
por pequenas úlceras. As lesões nas extremidades são
das. A doença febril não específica a manifestação mais
constituídas por pequenas papulovesículas e acometem
comum dessas infecções virais. Algumas síndromes principalmente dedos, dorso e palma das mãos e plan-
clínicas, como meningite viral e alguns exantemas são tas dos pés. Perduram cerca de uma semana e depois de-
causados por muitos sorotipos de enterovírus; outras, saparecem. Lesões perianais e nas nádegas também são
como miocardites, são causadas por sorotipos mais observadas em lactentes e se mantêm como máculas,
especificamente por um determinado sorotipo (coxsa- raramente evoluindo para vesículas. As lesões desapa-
ckievirus B). recem sem deixar cicatrizes (duração do quadro de dois
Coxsackievirus, echovirus e parechovirus cau- a três dias). A doença mão-pé-boca é moderadamente
sam uma variedade de exantemas por vezes associa- contagiosa e os vírus persistem sendo eliminados nas
dos à enantemas. Com exceção da doença mão-pé-bo- fezes após a melhora clínica do paciente (importância
ca, esses quadros eruptivos não são suficientemente epidemiológica na disseminação). A herpangina e a do-
ença mão-pé-boca ocorrem frequentemente no verão.
distintos em sua apresentação, dessa forma, não per-
mitindo o diagnóstico etiológico. Os exantemas po-
dem ser virtualmente de qualquer tipo descrito, desde
o clássico maculopapular, até vesicular, morbiliforme,
petequial ou mesmo urticariforme. Essa diversidade
das manifestações exantemáticas faz com que as en-
Mononucleose infecciosa
teroviroses sejam incluídas no diagnóstico diferencial Hoje entendida como uma síndrome tem o vírus
de praticamente todas as outras enfermidades que Epstein-Barr (EBV) relacionado a 80% dos casos. A
cursam com exantema. ocorrência de erupção cutânea não excede 10% a 15%
O início da infecção costuma ser abrupto e sem dos casos, exceto quando se administra ampicilina (ou
pródromos. Nas crianças pequenas o achado inicial é outros antibiótiocos) ao paciente, quando o exantema
de febre e mal-estar; cefaleia e mialgia podem advir se torna bastante comum.
As lesões cutâneas difusas surgem quando a in- A varicela primária em crianças é geralmente
fecção entra numa fase virêmica. A erupção cutânea uma doença leve em comparação com formas mais
da varicela é muito característica, tanto em seu aspec- graves em adultos e pacientes imunocomprometidos
to como na rapidez de sua progressão. As lesões são de qualquer idade.
inicialmente máculas, intensamente pruriginosas que
Após a cura da varicela há remissão total do qua-
envoluem para pápulas, vesículas e finalmente há a
dro e o vírus permanece em estado latente nas células
formação de crostas. A passagem do estágio da mácula
dos gânglios das raízes dorsais em todos os indivídu-
para o início da formação de crostas é muito rápida. As
os que contraem a infecção primária. Sua reativação
vesículas têm um aspecto comparado classicamente à
resulta no quadro de herpes-zoster, um exantema
gota de orvalho (exantema em gota de orvalho sobre
uma pétala de rosa!). São localizadas superficialmente vesiculoso e localizado que costuma envolver a distri-
na pele, são circundadas por um halo eritematoso e buição do dermátomo de um único nervo sensitivo.
têm paredes finas, facilmente rompidas. Iniciam-se no Geralmente, a causa da reativação da infecção não é
couro cabeludo, face ou tronco. A turvação e a umbi- conhecida. Outras vezes, porém, estão presentes con-
licação da lesão ocorrem em 24-48 horas, evoluindo dições que deprimem a imunidade celular: linfomas,
para a formação de crostas. O processo de formação da leucemias e o uso de drogas imunossupressoras. As
crosta inicia-se no centro da vesícula, o que lhe confe- lesões cutâneas do zoster aparecem após um período
re uma discreta depressão central e, portanto, nessa de quatro a cinco dias de dor ao longo do dermátomo
fase uma aparência umbilicada. acometido, hiperestesias, prurido e febre baixa. Em
adultos, principalmente em idosos, a dor é frequen-
As crostas costumam se resolver em sete dias,
mas podem persistir por até três semanas, particular- te, pode ser extremamente violenta e é acompanhada
mente se houver contaminação bacteriana secundária de grande comprometimento do estado geral, mas em
da lesão. crianças a dor é geralmente discreta. A resolução com-
pleta ocorre em uma a duas semanas. O aspecto mais
As lesões aparecem em surtos, durante três a característico da erupção cutânea é a sua distribuição:
cinco dias, e acometem, predominantemente, o tron- é quase sempre unilateral; em crianças, os dermáto-
co (distribuição centrípeta), seguindo-se o pescoço, a
mos mais frequentemente atingidos são os correspon-
face e os segmentos proximais dos membros, poupan-
dentes aos nervos do segundo dorsal ao segundo lom-
do a palma das mãos e a planta dos pés. Há também
bar. O acometimento do quinto par craniano é comum
vesículas nas mucosas, especialmente a bucal, mas aí
em adultos, mas bastante raro em crianças. Por isso,
elas rapidamente se rompem, dando origem a úlceras
uma das formas mais temidas do zoster, o oftálmi-
rasas, indistinguíveis das encontradas em uma esto-
matite herpética. Lesões ulcerativas em orofaringe, co, com eventual conjuntivite, queratite e iridociclite
mucosa nasal e vagina são comuns e podem ocorrer é pouco conhecida na infância. Também o zoster dos
também lesões em pálpebras e conjuntiva. nervos facial e auditivo (síndrome de Ramsay-Hunt)
com paralisia facial e sintomas auditivos é muito raro
O surgimento das lesões em surtos sucessivos no grupo etário pediátrico.
justifica uma das mais importantes características do
exantema da varicela: o polimorfismo regional, isto é, a A varicela normalmente apresenta característica
presença em uma mesma área de lesões em todos os es- de benignidade ao acometer crianças eutróficas e sa-
tágios de desenvolvimento: máculas, pápulas, vesículas dias, mas, em certos grupos de alto risco, pode apre-
e crostas estão presentes próximas umas das outras. A sentar grande letalidade. A disseminação visceral do
intensidade do exantema é muito variável: pode haver vírus sucede a incapacidade das respostas do hospe-
apenas algumas poucas lesões, surgidas de um único sur- deiro de eliminar a viremia, o que acarreta infecção
to, ou o corpo todo pode cobrir-se de inúmeras lesões, nos pulmões, fígado, cérebro e outros órgãos. As com-
que surgem em cinco ou seis surtos, no decurso de uma plicações mais comuns, com suas frequências diminuí-
semana. O número médio de lesões da varicela é 300, das após a introdução da vacina, são as superinfecções
porém crianças sadias podem ter menos de dez a mais bacterianas, particularmente na pele e nos pulmões.
de mil. Nos casos domiciliares secundários e em crianças A infecção de pele é a complicação mais frequente nos
maiores, maior duração e maior quantidade de lesões são quadros de varicela em crianças. A varicela está asso-
prováveis. A hipopigmentação dos locais das lesões per- ciada a um aumento de incidência de infecção pelo es-
siste por dias ou semanas em algumas crianças. treptococo beta hemolítico do grupo A (Streptococcus
A febre em geral é baixa ou inexistente e sua in- pyogenes); as complicações infecciosas incluem celuli-
tensidade acompanha a da erupção cutânea, sendo tes, miosites, fasciite necrotizante e síndrome do cho-
tanto mais alta quanto mais extenso for o exantema. que tóxico. As complicações neurológicas (encefalites
Quando presente, e acompanhada de outros sintomas e, mais no passado, Síndrome de Reye) são as mais
sistêmicos, persiste durante os primeiros dois a qua- graves alterações relacionadas à infecção pelo VVZ,
tro dias após início da erupção cutânea. embora hoje sejam raramente observadas.
A encefalite responde por cerca de 20% das in- Na grande maioria dos casos de varicela e zoster, em
ternações por complicações de varicela. Duas distin- crianças, o tratamento é sintomático. O prurido, frequen-
tas formas de encefalite são descritas: ataxia cerebelar temente presente nas lesões de varicela, pode ser aliviado
aguda e encefalite difusa. Essas situações tipicamente com o uso de calamina tópica e, nos casos de maior inten-
se desenvolvem após a primeira semana de exantema. sidade, com o uso de anti-histamínicos por via oral. Aten-
Ataxia cerebelar aguda apresenta-se com perturbações ção especial deve ser dedicada para evitar-se a infecção
da marcha, ataxia e nistagmo e ocorre mais comumen- bacteriana secundária das lesões. Mantêm-se as unhas da
te em crianças (1:4000). É auto-limitada e evolui com criança curtas e limpas, evitando-se a coçadura contínua.
recuperação total. A recuperação clínica é tipicamente O tratamento sintomático da febre pode ser realizado com
rápida (24-72 h) e costuma ser completa. A encefalite paracetamol ou dipirona. O uso de antibióticos será neces-
difusa na maioria das vezes ocorre em adultos, que po- sário somente naqueles casos de impetigos secundários.
dem evoluir com sequelas. O aciclovir é um antiviral que inibe a replicação
A Síndrome de Reye pode se desenvolver durante dos herpesvírus humanos e se constitui uma terapêu-
o curso da infecção de varicela em crianças. Geralmen- tica efetiva e bem tolerada para a varicela primária em
te apresenta-se com uma constelação de sintomas, in- indivíduos saudáveis e imunocomprometidos. O VVZ
cluindo náusea, vômito, dor de cabeça, hiperexcitabili- é menos suscetível ao aciclovir quando comparado ao
dade, delírio com evolução frequente ao coma. Como o vírus herpes simples (HSV). A decisão de usar ou não
uso de salicilato foi identificado como um importante o aciclovir no tratamento da varicela dependerá do
fator precipitante para o desenvolvimento da síndro- tempo de apresentação do quadro, das características
me de Reye, essa complicação virtualmente desapare- do hospedeiro e da presença de outras comorbidades.
A orientação mais atual é de não tratar rotineiramente
ceu, concomitante com o alerta contra o uso de salici-
com aciclovir crianças saudáveis; o antiviral deve ser
latos em crianças febris. Pode haver uma hepatite na
utilizado em grupos de maior risco para doença mode-
varicela, geralmente subclínica.
rada ou grave, que são crianças maiores de 12 anos de
A varicela, em pelo menos duas situações, as- idade, pacientes com doenças cutâneas e cardiopulmo-
sume grande importância: quando acomete crianças nares crônicas, imunossuprimidos e imunodeprimidos
internadas, pois nesses casos disseminam-se com e pacientes que fazem uso crônico de salicilatos. Nos
grande rapidez pelas enfermarias (risco de microepi- pacientes imunossuprimidos e com quadros graves de
demias), e nos pacientes imunodeprimidos. As ma- varicela, inclusive encefalite, realiza-se tratamento
nifestações clínicas no hospedeiro imunodeprimido parenteral com aciclovir. A profilaxia com imunoglo-
pode incluir o desenvolvimento contínuo de vesículas bulina antivaricela-zoster (VZIG) é recomendada às
ao longo de semanas, lesões grandes e hemorrágicas crianças imunocomprometidas, mulheres grávidas e
na pele, pneumonia ou doença generalizada com coa- RN expostos à varicela materna, fornecida até 96 ho-
gulação intravascular disseminada. ras ou, preferencialmente, 48 horas após a exposição.
12
Doenças de Kawasaki (DK)
Introdução
A doença de Kawasaki (DK) é um distúrbio febril infantil, notório por sua associação com a vasculite dos
grandes vasos sanguíneos coronários e uma constelação de outras queixas sistêmicas.
Descrita primeiramente em crianças japonesas após a Segunda Guerra Mundial, era anteriormente conhe-
cida como poliarterite do lactente. É uma inflamação aguda dos vasos e a principal causa de cardiopatia adquirida
em crianças nos EUA, ultrapassando a febre reumática, afetando mais de quatro mil crianças por ano. Foi reco-
nhecida em todo o mundo, e sua frequência parece estar aumentando.
Consiste em uma vasculite aguda, sistêmica e autolimitada, de etiologia desconhecida, não havendo, por-
tanto, exame auxiliar específico da doença. Seu diagnóstico precoce e a adoção de medidas terapêuticas pertinen-
tes diminuem de modo marcante a incidência das complicações
Epidemiologia
Em 1967, Tomisaku Kawasaki descreveu cinquenta crianças japonesas com a doença, que recebeu seu nome,
caracterizada por febre, exantema, hiperemia conjuntival, eritema e edema de mãos e pés e linfadenomegalia cer-
vical. A DK é mais frequente em meninos, 80% das crianças acometidas têm menos de quatro anos, e é
rara antes dos três meses de idade. É mais frequente em orientais e seus descendentes. Nos EUA, a incidência
anual por 100 mil crianças menores de cinco anos é de dez casos para não descendentes de asiáticos e 95 pacien-
tes entre os descendentes de asiáticos, incidência idêntica à verificada no Japão. Não há nenhuma evidência de
transmissão interpessoal.
148
Pediatria geral, emergências pediátricas e neonatologia
Etiologia
A partir da descrição inicial, a DK foi reconheci-
da em todo o mundo, constituindo a segunda causa de
vasculite mais frequente em pediatria, após a púrpura
de Henoch-Schönlein. A etiologia permanece desco-
nhecida, e algum agente infeccioso parece atuar como
fator desencadeante de uma resposta imunológica exa-
cerbada ou não controlada. Vários produtos inflamató-
rios estão envolvidos, como as citocinas, interleucinas –
IL-1 e IL-6, fator de necrose tumoral e interferon gama.
A causa parece ignorada, mas presume-se que seja
de origem infecciosa (toxinas bacterianas?) e que evo-
lua com vasculite generalizada mediada por depósito de
imunocomplexo na parede dos vasos sanguíneos.
O início é abrupto, anunciado por febre alta, con- reia, tosse, pneumonite e otite média; e outros: mio-
tínua, que dura uma semana ou mais (geralmente dez site, meatite com piúria estéril, estomatite ulcerativa,
dias) e é refratária à antibioticoterapia. Outros acha- hepatoesplenomegalia e reativação da cicatriz vacinal
dos incluem conjuntivite bilateral sem secreção (du- da BCG. Encontra-se iridociclite em muitas crianças
ração de uma a duas semanas), lábios fissurados, eri- submetidas ao exame oftalmológico.
tematosos e secos (duração de uma a duas semanas),
O exame físico de uma criança na fase aguda da
língua em framboesa e mucosa faríngea hiperemiada.
DK geralmente revela apenas um estado hiperdinâmi-
A linfadenopatia envolve um ou vários nodos, em ge-
co, com taquicardia e, por vezes, ritmo de galope e so-
ral cervicais. Não são supurativos, podem ser grandes
pro inocente. As alterações miocárdicas são transitó-
e, comumente, são indolores. A erupção cutânea erite-
rias, e a contratilidade miocárdica volta ao normal nos
matosa acomete o tronco, a face ou os membros; pode
casos não fatais, com resolução rápida após terapêuti-
ser maculopapulosa ou morbiliforme. Uma erupção
ca com imunoglobulina, simultaneamente à melhora
perineal descamativa e eritematosa inespecífica está
presente em muitos pacientes durante a primeira se- das outras manifestações clínicas. Essa reversibilida-
mana da doença. Após vários dias de doença, as mãos de imediata sugere que o mecanismo de depressão da
e os pés tornam-se edematosos, tumefatos e doloro- contratilidade miocárdica é provocado por toxinas e/
sos; ocorre descamação da pele das pontas dos dedos, ou citocinas.
palmas e plantas, geralmente durante a segunda ou
terceira semana.
O diagnóstico pode ser difícil quando as manifes-
tações clínicas ainda estão incompletas e nos casos atí- Diagnóstico laboratorial
picos. Em alguns pacientes com DK, as manifestações
clínicas são limitadas e insuficientes para preencher o Não há exames laboratoriais relevantes para o
critério diagnóstico acima descrito. Excluídas outras diagnóstico. Existem apenas algumas alterações que
doenças, esses casos são diagnosticados como doença corroboram o diagnóstico. A leucocitose sanguínea,
de Kawasaki incompleta ou atípica. Essa apresentação em valores maiores que 15.000/mm3, com predomí-
é mais comum em lactentes, que apresentam apenas nio de formas imaturas, ocorre na fase aguda da do-
febre e exantema, com alterações laboratoriais seme- ença em metade dos pacientes. A trombocitose é
lhantes à forma clássica. Nesses casos, a temível coro- mais tardia, entre a segunda e terceira semanas
narite também pode ocorrer. Por esse motivo, o diag- de evolução, com valores entre 500 mil e 1 mi-
nóstico de DK deve ser considerado em toda criança lhão de plaquetas/mm3. A plaquetopenia pode ser
com febre inexplicada por mais de cinco dias, associa- ocasionalmente observada em casos com formação de
da a duas ou três das outras manifestações clínicas as- aneurismas de artérias coronárias, ou pode ser obser-
sociadas citadas anteriormente. Nos menores de seis vada apenas no período inicial da doença. A proteína
meses com febre por mais de sete dias e quadro clínico C reativa (PCR) e a velocidade de hemossedimentação
escasso, deve ser realizado ecocardiograma para ava- (VHS) podem estar elevadas. Os exames laboratoriais
liar sinais de coronarite. compatíveis com DK incluem PCR maior que 3 mg/dL
Por se tratar de uma vasculite de vasos de médio e/ou VHS acima de 40 mm/hora. A detecção de auto-
calibre, há um extenso espectro de manifestações clí- anticorpos, fator reumatoide e FAN estão negativos, e
nicas da DK, decorrentes de alteração de qualquer ór- o complemento é normal ou pouco elevado. Os níveis
gão ou sistema. O acometimento cardíaco na fase agu- séricos de transaminases hepáticas e bilirrubinas po-
da é habitualmente benigno, sem expressão clínica. dem estar um pouco elevados.
Porém, casos mais intensos, e inclusive fatais, já foram Outro exame laboratorial simples que pode cola-
observados previamente. Outras manifestações clíni- borar com o diagnóstico é a análise urinária que trará
cas pouco frequentes podem ocorrer no sistema ner-
leucocitúria importante com urocultura negativa (pi-
voso central (irritabilidade, paralisia facial periférica
úria asséptica).
unilateral. Quase todas as crianças estão irritáveis e
muitas têm alteração da consciência, podendo ocorrer Os exames do coração (radiografia de tórax, ele-
meningite asséptica. A irritabilidade e a anorexia po- trocardiograma e ecocardiograma) são vitais para a
dem persistir por alguns dias, mesmo após a resolução avaliação inicial de todos os pacientes. Desses, o ECO
da febre). No sistema osteoarticular podem ocorrer é o mais útil para reconhecer a doença coronariana
artralgia e artrite transitórias, sobretudo em crianças e revelar a dilatação ou formação de aneurismas das
maiores. A tumefação articular dolorosa costuma ter artérias coronárias. A arteriografia das coronárias
distribuição simétrica e pode acometer as grandes e também revela lesões nos pacientes, mas esse procedi-
pequenas articulações. No sistema digestório po- mento invasivo não é realizado rotineiramente, fican-
dem ocorrer: diarreia, vômitos, dor abdominal e cólica do reservado apenas para os aneurismas gigantes que
biliar sem litíase. No sistema respiratório: rinor- eventualmente ocorrem.
13
Avaliação do recém-nascido
Recém-nascido prematuro
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (1961), é considerado pré-termo o RN que apresenta menos
de 37 semanas de idade gestacional ao nascimento.
prematuro: < 37 semanas;
termo: 37 a 41 6/7 semanas;
pós-termo: > 42 semanas.
O RN pré-termo, dependendo de sua maturidade ao nascimento, do tipo e da intensidade dos fatores que atua-
ram durante sua vida intrauterina, poderá apresentar maior risco de distúrbios no período neonatal, eventualmente
responsáveis por maiores índices de mortalidade, além de ocasionar sequelas que poderão comprometer a sua evolução.
Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria, desde 2005 os prematuros podem ser divididos nos seguintes
grupos: pré-termo tardio (nascido de 34 semanas até antes de 37 semanas), pré-termo moderado (nascido de 28
semanas até antes de 34 semanas) e pré-termo extremo (nascido antes de 28 semanas). Os riscos mais frequentes
de cada fase podem ser vistos na tabela a seguir.
Grau de
sucção e deglutição deficientes;
Riscos insuficiência respiratória/apneia;
prematuridade
Pré-termo tardio – Controle irregular da temperatura imaturidade neurológica.
34-36 6/7 – Alterações da sucção e deglutição
semanas – Hiperbilirrubinemia
– Desconforto respiratório
Moderado – Insuficiência respiratória: doença
28-33 6/7 das membranas hialinas, apneia Classificação
semanas – Asfixia perinatal
– Hiperbilirrubinemia Uma vez determinada a idade gestacional, os
Extremo – Asfixia perinatal RNs são classificados de acordo com curvas de cres-
< 28 semanas – Dificuldade na manutenção da cimento intrauterino, podendo o peso de nascimento
temperatura corpórea relacionado com a idade gestacional ser avaliado da
– Insuficiência respiratória: DMH, seguinte forma:
apneia, displasia broncopulmonar
– Hiperbilirrubinemia
– Infecções adquiridas, síndromes AIG (adequado para a Peso entre p 10 e p 90 para a
hemorrágicas, anemia idade gestacional) idade gestacional
– Distúrbios metabólicos: hipo e hi- PIG (pequeno para a Peso abaixo do p 10 para a
perglicemia, hipocalcemia idade gestacional) idade gestacional
– Enterocolite necrosante GIG (grande para a Peso acima do p 90 para a idade
– Hemorragia intracraniana idade gestacional) gestacional
– Persistência do canal arterial
Tabela 13.2
– Retinopatia da prematuridade
– Doença metabólica óssea
– Malformações congênitas Percentis de peso ao nascer (g) para a idade ges-
Tabela 13.1 tacional
Idade Percentis
gestacional 5 10 50 90 95
(sem)
20 249 275 412 772 912
Prematuros tardios 21 280 314 433 790 957
22 330 376 496 826 1023
São recém-nascidos com idade gestacional entre
23 385 440 582 882 1107
34 semanas completas (34 0/7 semanas ou 239 dias) e
24 435 498 674 977 1223
menos de 37 semanas completas (36 6/7 ou 259 dias).
25 480 558 779 1138 1397
Trata-se de um grupo de risco intermediário de e estão
26 529 625 899 1362 1640
associados a fatores que mais frequentemente estão
27 591 702 1035 1635 1927
associados à prematuridade, como a ruptura prematu-
28 670 798 1196 1977 2237
ra de membranas, a infecção urinária e a hipertensão
materna, e principalmente a alguns outros fatores que 29 772 925 1394 2361 2553
estão diretamente relacionados com o aumento dessa 30 910 1085 1637 2710 2847
população, como o aumento nas taxas de reprodução 31 1088 1278 1918 2986 3108
assistida e gemelaridade, indução do trabalho de parto 32 1294 1495 2203 3200 3338
em idades gestacionais menores e macrossomia, situa- 33 1513 1725 2458 3370 3536
ções estas muitas vezes relacionadas ao estilo de vida e 34 1735 1950 2667 3502 3697
aos extremos da idade materna. 35 1950 2159 2831 3596 3812
36 2156 2354 2974 3668 3888
Apesar dos avanços tecnológicos e dos cuidados
37 2357 2541 3117 3755 3956
com a gestante e recém-nascido, os prematuros tardios
38 2543 2714 3263 3867 4027
podem apresentar vários distúrbios e intercorrências
39 2685 2852 3400 3980 4107
que os diferenciam dos recém-nascidos a termo. Entre
as principais estão: 40 2761 2929 3495 4060 4185
41 2777 2948 3527 4094 4217
menores escores de Apgar;
42 2764 2935 3522 4098 4213
maior frequência de hipotermia;
43 2741 2907 3505 4096 4178
hipoglicemia; 44 2724 2885 3491 4096 4122
hiperbilirrubinemia; Tabela 13.3 Curva de crescimento ponderal e idade
risco de infecção; gestacional segundo Alexsander et al.
Causas de RCIU
Causas fetais Causas maternas Causas placentárias
Cromossomopatias Intercorrências clínicas Doenças placentárias
Trissomia do 21 Síndrome hipertensiva Placenta prévia
(Sd. Down) Diabetes mellitus Placenta circunvalada
Trissomia do 18 Cardiopatias Corioangiomas
(Sd. Edwards) Doenças autoimunes Inserção velamentosa de cordão
Trissomia do 13 Anemias
(Sd. Patau) Desnutrição
Monossomia X
(Sd. Turner)
Mosaicismos
Outras alterações genéticas Infecções Insuficiência placentária
Defeitos do tubo neural Virais: CMV, Rubéola, Herpes e Varicela-Zóster, HIV Tromboses e infartos na placenta
Acondroplasia Bacterianas: Tuberculose Gestação gemelar
Condrodiwstrofias Protozoários: Toxoplasmose, Malária, Doença de
Osteogênese imperfeita Chagas
Malformações congênitas Drogas e substâncias tóxicas
Sistema cardiovascular Metotrexate
Sistema nervoso Fenitoína
Sistema geniturinário Cocaína/heroína
Sistema digestivo Metadona
Sistema musculoesquelético Trimetadiona
Dicumarínicos
Tetraciclinas
Propranolol
Álcool
Fumo
Radiações ionizantes
Sd= síndrome.
Tabela 13.4
14
Patologias maternas e suas
repercussões neonatais
15
Reanimação neonatal
A posição do pescoço do RN durante todo o aten- blender em sala de parto e ajusta-se a necessidade de
dimento deve ser em leve extensão, visando manter oxigênio conforme a saturação esperada. Caso não se
as vias aéreas pérvias, podendo ser utilizado um coxim tenha a possibilidade de mistura de gases através de
sob os ombros. um blender, continuar a VPP com 100% de O2.
A aspiração de vias aéreas pode ser feita com o Em relação aos recém-nascidos com idade gesta-
bulbo ou sonda traqueal nº 8 ou 10. Deve-se aspirar cional ≤ 34 semanas, recomenda-se iniciar o primeiro
primeiro a boca e depois as narinas, com movimentos ciclo de VPP com uma concentração de 40% de oxi-
suaves, utilizando pressão negativa de aproximada- gênio, reduzindo ou aumentando a fração de oxigênio
mente 100 mmHg. Os passos iniciais devem ser exe- conforme saturação.
cutados em no máximo 30 segundos. A VPP inicialmente é realizada com balão e más-
Após os passos iniciais deve-se realizar a cara. Utiliza-se o balão autoinflável com capacidade de
avaliação dos parâmetros: frequência cardíaca 200 mL a 750 mL (250 mL para prematuros e 500 mL
e respiração. para termos). O balão deve ter uma válvula de escape
ajustada em 30-40 cm de H2O para segurança e estar
A avaliação da coloração da pele e mucosas do
conectado à fonte de oxigênio com fluxo de 5 L/min,
RN não é mais utilizada para decidir procedimentos
além de conter reservatório de oxigênio para que for-
em sala de parto. Estudos recentes têm mostrado que
neça, dessa maneira, FiO2 aproximada de 100%. Os
a avaliação da cor das extremidades, tronco e mucosas,
ventiladores mecânicos manuais podem ser utilizados
rósea ou cianótica, é subjetiva e não tem relação com a
para a ventilação com pressão positiva, principalmen-
saturação de oxigênio ao nascimento.
te para os prematuros com menos de 32 semanas de
Caso o RN apresente respiração regular, frequên- idade gestacional. Esses aparelhos permitem adminis-
cia cardíaca > 100 bpm, seja de termo (idade gestacio- trar uma pressão inspiratória com PEEP constantes.
nal 37-41 semanas), com bom tônus em flexão, não As máscaras podem ser redondas ou anatômicas,
necessita de qualquer manobra de reanimação. com coxim e feitas de material maleável transparente ou
Se o paciente, após os passos iniciais, não apresen- semitransparente. A redonda é mais apropriada ao pre-
tar melhora, indica-se a ventilação com pressão positiva, maturo, e a anatômica, ao termo. Estão disponíveis em
três tamanhos: para termo, para prematuro e para pre-
maturo extremo. O tamanho adequado deve ser aquele
que cubra a ponta do queixo, da boca e do nariz do RN.
Ventilação A frequência utilizada deve ser 40-60 movi-
A ventilação pulmonar é o procedimento mais mentos por minuto, podendo seguir a regra prá-
simples, importante e efetivo de toda a reanimação. tica do “aperta, solta, solta...”. Durante a VPP é
As indicações da ventilação com pressão positi- importante observar a adaptação da máscara à
va (VPP) são apneia/respiração irregular e/ou FC < 100 face do RN, a permeabilidade das vias aéreas e a
bpm após os passos iniciais. Esta precisa ser iniciada nos expansibilidade pulmonar. Os principais sinais de
primeiros 60 segundos de vida (The Golden Minute). VPP efetiva são o aumento da FC e o início da res-
piração regular, respectivamente. Após 30 segun-
Para discutir a VPP, é necessário entender qual dos de VPP com balão e máscara, os parâmetros
a concentração de oxigênio complementar a ser utili- devem ser reavaliados. Caso apresentem melho-
zada. Se o RN ≥ 34 semanas, deve-se iniciar a ventila- ra, ou seja, FC > 100 bpm e respiração regular,
ção com ar ambiente. Uma vez iniciada a ventilação, suspende-se a VPP mantendo apenas O 2 inalató-
recomenda-se o uso da oximetria de pulso, que deve- rio até sua suspensão gradativa, caso o RN esteja
rá ser realizada no pulso ou na palma da mão direita, recebendo VPP com oxigênio suplementar.
e guiar-se pela saturação conforme a tabela a seguir:
Caso o RN não melhore (FC < 100 ou respi-
ração irregular), a primeira e principal conduta
Recém-nascido de alto risco SatO2 pré-ductal é reavaliar a técnica da VPP.
Até 5 70-80% As principais causas de falha na VPP são a má
5-10 80-90% adaptação da máscara à face do RN, vias aéreas não
>10 85-95% pérvias (posição inadequada da cabeça, secreções e
Tabela 15.1 Valores de SatO2 pré-ductais conforme a idade. boca fechada) e pressão insuficiente.
Após verificar a técnica, deve-se corrigir os erros
Quando o RN ≥ 34 semanas não melhora e/ou e realizar novo ciclo de VPP com técnica correta por 30
não atinge os valores desejáveis de SatO2 com a VPP segundos. Se após esse ciclo com técnica correta o RN
em ar ambiente, recomenda-se o uso de oxigênio su- não apresentar melhora, considera-se VPP ineficaz ou
plementar, inicialmente a 40%, quando se possuir um prolongada e procede-se à intubação traqueal.
NÃO
PASSOS INICIAIS
30 SEGUNDOS
RESPIRANDO / FC>100
AVALIAR FC, COR, CIANOSE CENTRAL
RESPIRAÇÃO
30 SEGUNDOS
INICIAR MASSAGEM
CARDÍACA
FC<60
FC<60
CIANOSE PERSISTENTE ADRENALINA
FALHA NA VENTILAÇÃO
Asfixia
A asfixia perinatal é caracterizada pela deficiência no suprimento de oxigênio tecidual. São dois
os mecanismos patogênicos: hipoxemia (diminuição do oxigênio circulante) e isquemia (diminuição
da perfusão tecidual).
Noventa por cento dos insultos asfíxicos acontecem nos períodos anteparto ou intraparto, como consequ-
ência da insuficiência placentária. O remanescente ocorre no pós-parto, normalmente secundário a insuficiência
pulmonar, cardiovascular ou neurológica.
De acordo com a Academia Americana de Pediatria, para o diagnóstico de asfixia perinatal são necessários
os seguintes critérios:
Apgar de 0 a 3 por mais de cinco minutos.
acidemia metabólica ou mista profunda (pH < 7) em sangue do cordão umbilical.
manifestações neurológicas no período neonatal (convulsão, hipotonia, coma etc.).
disfunção orgânica multissistêmica (alterações renais, cardiovasculares, respiratórias etc.).
Repercussões metabólicas
Repercussões pulmonares Acidose metabólica: resultante da redução do
Apneia: pode surgir pela depressão do centro pH sanguíneo e dos níveis de bicarbonato séricos e
respiratório, secundária à hipoxemia no SNC. elevação da concentração sérica de lactato.
intracerebral (PIC) (PPC = PAM - PIC). A PIC do recém- 7. Tratamento de convulsões: ocorrem preco-
-nascido com EHI não é monitorada habitualmente na cemente na evolução clínica da EHI, são focais ou mul-
prática clínica. A perda da autorregulação cerebrovascu- tifocais. Recém-nascidos que têm pH < 7 no sangue de
lar faz com que a PPC seja reflexo direto da PAM, e a ma- cordão e que mantenham acidose metabólica 2 horas
nutenção da PPC requer uma PAM no mínimo entre 45 após o nascimento apresentam crises convulsivas fre-
e 50 mmHg. A oxigenação do sistema nervoso central quentemente nas primeiras 24 horas de vida. As crises
depende da PaO2 e da perfusão tecidual. A cardiopatia convulsivas estão relacionadas com o aumento do me-
isquêmica causada pela lesão asfíxica causa diminuição
tabolismo cerebral que ocorre na EHI. Os barbitúricos
da contratilidade cardíaca e do débito cardíaco. Para que
são preferíveis porque reduzem o metabolismo cere-
o débito cardíaco seja mantido em níveis adequados e
que se tenha uma pressão de perfusão efetiva, faz-se bral, promovendo a preservação de energia. Quando a
necessário o uso de drogas vasopressoras. convulsão é clinicamente bem-definida, a realização do
EEG pode ser retardada, mas se o recém-nascido está
3. Temperatura: a importância da manutenção em ventilação mecânica e paralisado com pancurônio, o
da temperatura corpórea dentro de uma faixa fisioló- EEG torna-se obrigatório. A distinção clínica entre con-
gica é uma medida básica de suporte vital. Deve-se evi- vulsões multifocais e movimentos mioclônicos rítmicos
tar a hipotermia e a hipertermia.
segmentares é muito difícil e, portanto, o EEG é funda-
4. Glicose: a glicemia deve ser mantida em ní- mental. A primeira escolha no tratamento das convul-
veis fisiológicos, ou seja, 50 mg/dL a 80 mg/dL. A hi- sões secundárias à encefalopatia hipóxico-isquêmica é
poglicemia é uma condição agravante, pois, além de o fenobarbital. Emprega-se dose de ataque de 40 mg/
reduzir reservas energéticas (ATP) e iniciar a cascata kg, podendo ser administrados inicialmente 20 mg/kg
de eventos bioquímicos, pode potencializar os amino- seguidos de mais 20 mg/kg se necessário. Se as convul-
ácidos excitatórios (aspartato e glutamato) e aumen-
sões persistirem, é necessária a associação de fenitoína
tar o tamanho da área de hipóxia-isquemia cerebral.
(20 mg/kg dose de ataque e manutenção de 4 a 8 mg/
Por outro lado, não adianta manter níveis de glicose
elevados como estratégia terapêutica. A hiperglicemia kg/dia). As convulsões são difíceis de controlar nos es-
pode causar elevação do lactato cerebral, aumento da tágios precoces da EHI (primeiras 72 horas), devendo-
lesão celular e do edema intracelular e vários distúr- -se atingir o nível máximo terapêutico do fenobarbital,
bios na regulação do tônus vascular cerebral. quando necessário, para controle das crises.
5. Balanço hidroeletrolítico:
cálcio: os níveis plasmáticos de cálcio devem
ser mantidos em 7 mg/dL a 11 mg/dL. Hipocalcemia Terceiro passo
é uma alteração metabólica comum no recém-nascido (intervenções preventivas)
asfixiado. Como os mecanismos que promovem lesão
neuronal da EHI estão relacionados com o aumento 1. Barbitúricos: os barbitúricos em altas doses
do cálcio intracelular, a utilização de níveis de cálcio podem promover redução do metabolismo cerebral e da
abaixo do normal com bloqueadores dos canais de cál- área de lesão isquêmica, especialmente o fenobarbital.
cio poderia ser interessante, desde que não causasse O tratamento com fenobarbital antes do desenvolvi-
efeitos cardiovasculares adversos, como o comprome- mento das manifestações clínicas da EHI tem sido estu-
timento da contratilidade miocárdica, além do maior dado como estratégia de neuroproteção. Estudo realiza-
risco de crises convulsivas secundárias à hipocalcemia; do com um número pequeno de recém-nascidos a termo
sódio e potássio: hiponatremia pode ocorrer gravemente asfixiados em que foi utilizado fenobarbital
por SSIHA ou por NTA. Hipercalemia é frequente nos (40 mg/kg dose única, sem dose de manutenção) com
recém-nascidos com insuficiência renal aguda decor- uma idade média de 6 horas de vida e antes do início de
rente de asfixia. A monitoração desses eletrólitos e sua crises convulsivas mostrou que aos três anos de idade
correção, quando alterados, se fazem necessárias. havia uma diferença significativa entre os dois grupos
com relação ao desenvolvimento neuropsicomotor,
6. Edema cerebral: o recém-nascido que sofre
sendo o prognóstico mais favorável no grupo tratado.
uma agressão hipóxico-isquêmica tem predisposi-
Porém o uso profilático ainda permanece controverso.
ção à sobrecarga hídrica, principalmente em função
da redução do débito urinário (oligúria) comum na 2. Bloqueadores dos canais de cálcio: o cálcio
EHI. Anúria ou oligúria (diurese inferior a 1 mL/kg/ é o mediador central de uma série de eventos bioquí-
hora) pode ocorrer por SSIHA (secreção inapropria- micos que causam a morte neuronal. É possível que a
da do hormônio antidiurético) ou por NTA (necrose redução dos níveis de cálcio no citosol no momento da
tubular aguda). Ambas as situações devem ser mane- agressão hipóxico-isquêmica seja benéfica, mas os efei-
jadas com restrição hídrica (oferta de 60 mL/kg/dia). tos adversos cardiovasculares desses bloqueadores não
No manejo do recém-nascido asfixiado, no entanto, compensam os eventuais benefícios da terapêutica. De
pode ser necessária a expansão volumétrica com soro momento, não existe indicação do uso de bloqueadores
fisiológico para manutenção da PAM e da PPC. do canal de cálcio em recém-nascidos asfixiados.
Tratamento
As convulsões neonatais representam especificamente um insulto neurológico, portanto devem ser identifi-
cadas e tratadas ao mesmo tempo em que se realiza a investigação etiológica. O tratamento das convulsões neo-
natais é realizado atualmente com drogas anticonvulsivantes que são bastante eficazes, pois estudos sugerem que
as crises convulsivas repetitivas ou prolongadas resultam em injúria cerebral significativa. Além do tratamento
etiológico e do controle das convulsões, alguns cuidados com o RN são fundamentais, tais como:
estabilizar o RN do ponto de vista respiratório e hemodinâmico;
corrigir distúrbios metabólicos e eletrolíticos; manuseio mínimo do RN e mantê-lo em um ambiente o mais
tranquilo possível;
monitoração contínua (frequências respiratória e cardíaca, saturação).
Fenitoína
A fenitoína está indicada quando não houver resposta ao fenobarbital, sendo então associada ao esquema
terapêutico.
1. Dose de ataque: 15 a 20 mg/kg/dose EV, numa velocidade de infusão 1 mg/kg/min para evitar arritmias
cardíacas ou hipotensão.
2. Dose de manutenção: 57 mg/kg/dia a cada 12 horas, iniciada 12 horas após a dose de ataque. Assim
que for possível, deve-se suspender a fenitoína, mantendo o fenobarbital como única droga anticonvulsivante.
Benzodiazepínicos
Os benzodiazepínicos mais utilizados são o diazepam, o lorazepam e, no nosso meio, o midazolam. Atual-
mente, devido a algumas restrições, o diazepam é raramente indicado nas convulsões neonatais. O lorazepam tem
ação semelhante à do diazepam, porém possui meia-vida maior e leva a menores sedação, hipotensão e depressão
respiratória. A dose é de 0,05 a 0,1 mg/kg EV em 2 a 3 minutos, produzindo um efeito anticonvulsivante rápido
em alguns minutos. Essa dose pode ser repetida a cada 4 a 8 horas. No Brasil, não dispomos da apresentação in-
jetável. Dentre os benzodiazepínicos, o midazolam é o mais utilizado em nosso meio, sendo indicado nos
casos severos de convulsões que não respondem ao fenobarbital ou à fenitoína. Após controle das crises
convulsivas, o desmame do midazolam deve ser feito lentamente, pelo risco da síndrome de abstinência.
Outras drogas
O tiopental pode ser indicado nos casos mais graves, desde que o RN esteja em ventilação mecânica e com
controle rigoroso dos seus efeitos colaterais.
Os estudos relatam uma incidência de 10% a 30% de epilepsia posterior às convulsões neonatais. Segundo
Volpe, a decisão de suspender o tratamento, seja no período neonatal, seja posteriormente, deve ser baseada no
exame neurológico do RN, na etiologia da convulsão e no eletroencefalograma. Caso se opte por manter o trata-
mento depois do período neonatal, o fenobarbital é a droga de escolha.
Tabela 15.10
Prognóstico
A etiologia e a gravidade do processo neurológico responsável pela convulsão neonatal são o fator deter-
minante do prognóstico neurológico do RN. Este é reservado para encefalopatia hipóxico-isquêmica grave, erro
inato do metabolismo, encefalopatia por herpes, hemorragia parenquimatosa e malformações do SNC. A norma-
lidade do exame neurológico e do EEG intercrises relaciona-se com uma evolução neurológica favorável.
16
Policitemia
Introdução
Definição: hematócrito venoso acima de 65%.
É uma das alterações hematológicas mais frequentes em recém-nascidos e promove aumento do consumo de
glicose pela massa eritrocitária, podendo gerar hipoglicemia como manifestação clínica. À medida que o hemató-
crito aumenta, acontecem uma elevação na viscosidade e um decréscimo no fluxo sanguíneo. Consequentemente,
pode haver prejuízo à microcirculação, observada principalmente na circulação pulmonar e mesentérica. À medi-
da que a viscosidade aumenta, ocorre a redução da oxigenação do tecido e da glicemia e há maior tendência para
formar microtrombos.
Etiologia
Embora a etiologia mais comum seja a idiopática, as causas identificáveis resultam basicamente de
dois mecanismos:
175
16 Policitemia
Manifestações clínicas
Nos recém-nascidos sintomáticos, as apresentações mais comuns relacionam-se a anormalidades do SNC,
incluindo letargia, hipotonia, tremores e irritabilidade. O envolvimento severo do SNC pode resultar em con-
vulsões. É comum a hipoglicemia. Outros sistemas orgânicos podem estar envolvidos, incluindo o trato
GI (vômitos, distensão, ECN), os rins (trombose da veia renal e insuficiência renal aguda) e o sistema cardio-
pulmonar (desconforto respiratório, insuficiência cardíaca congestiva). As manifestações periféricas podem
incluir a gangrena e o priapismo. É importante observar que os recém-nascidos com policitemia são frequen-
temente assintomáticos.
Tratamento
Como a policitemia resulta de uma série de etiologias diferentes, é difícil determinar se as consequências
dependem mais da etiologia ou da elevação crônica da viscosidade. Há controvérsia quanto às diretrizes para o
tratamento. Os RN assintomáticos com hematócrito venoso periférico entre 60% e 70% podem ser tratados com
aumento da taxa hídrica, repetindo-se o hematócrito entre 4 a 6 horas. Naqueles com hematócrito venoso central
≥ 70% independentemente da sintomatologia ou naqueles com hematócrito central ≥ 65% sintomáticos está in-
dicada a exsanguineotransfusão parcial.
As exsanguineotransfusões parciais podem ser realizadas por meio de cateter venoso umbilical, cateter ar-
terial umbilical ou cateter venoso periférico. Retiram-se alíquotas iguais a 5% do volume sanguíneo estimado e
substituem-se as mesmas por plasma fresco congelado, plasmanato, albumina ou soro fisiológico. Dá-se prefe-
rência às duas últimas soluções, uma vez que elas evitam o risco de infecções adquiridas por transfusão associado
ao uso do plasma. A quantidade de volume sanguíneo a ser trocada por cristaloide ou coloide pode ser calculada
utilizando-se a seguinte fórmula:
17
Distúrbios respiratórios
Prematuridade
Maturação pulmonar
Gravidade da SDR
Figura 17.2 Boletim de Silverman-Anderson. Nota acima de 4 expressa dificuldade respiratória de moderada a grave.
Quadro radiológico
Infiltrado reticulogranular difuso bilateralmente (vidro moído) com broncogramas aéreos su-
perpostos. Esse padrão representa as áreas de atelectasia, podendo coexistir edema pulmonar. Quanto mais
intenso o processo, mais evidente é a diminuição da transparência pulmonar e maior é o borramento da silhueta
cardíaca. Os achados radiológicos da SDR são de difícil distinção da pneumonia neonatal causada pelo
estreptococo do grupo B.
Tratamento
As medidas terapêuticas na SDR visam funda-
mentalmente conservar uma oxigenação adequada,
ventilar o neonato adequadamente e medidas gerais
de manutenção térmica (reduz-se o consumo de O2),
Figura 17.4 Aspecto radiológico de SDR grave.
calórica e hídrica. Cerca de 70% dos RNs com SDR
melhoram apenas com o uso de O2 isoladamente;
os 30% restantes requerem algum tipo de assis-
tência ventilatória, o que poderá ser feito pelo
uso da pressão positiva contínua (CPAP) ou ven-
Diagnóstico tilação mecânica (VM).
O diagnóstico pré-natal da doença baseia-se
em testes bioquímicos para detecção do grau de
maturidade pulmonar realizados no líquido amni-
ótico. Os principais testes realizados são: relação
Medidas terapêuticas
lecitina/esfingomielina (quando maior que 2, há
indicação de maturidade) e dosagem de fosfatidil- Cuidados gerais
glicerol e fosfatidilcolina no líquido amniótico.
Os princípios da terapia de suporte dos recém-
Até o momento, os critérios diagnósticos dispo- -nascidos prematuros em geral e naqueles com SDR
níveis para a SDR não são precisos; no entanto, suge- em particular estão bem estabelecidos desde o início
rimos a aplicação dos critérios adotados por Walther e da década de 1970. Com o advento do surfactante exó-
Taeusch em 1992, que incluem: geno e de novas técnicas ventilatórias, consegue-se,
evidência de prematuridade; atualmente, na grande maioria dos casos, o controle
da fase inicial da insuficiência respiratória. No entan-
evidência de imaturidade pulmonar; to, esses pacientes apresentam graus variados de in-
desconforto respiratório de início precoce, em suficiência de múltiplos órgãos, que têm determinado
até três horas de vida; o prognóstico, principalmente dos neonatos de muito
Oferta de líquidos
Deve-se ajustar a oferta hídrica de acordo com a
idade gestacional, o tempo de vida, o débito urinário e
os procedimentos a que o neonato estiver sendo sub-
metido (fototerapia, ventilação mecânica etc.).
Suporte hemodinâmico
Na presença de hipotensão arterial associada a
taquicardia, diminuição do débito urinário e acidose Figura 17.5 SDR pré-surfactante.
metabólica persistente na ausência de hipoxemia, uti-
lizar expansores de volume (SF 0,9%, 10 mL/kg, infu-
são endovenosa em 10 a 30 minutos). Na presença de
hipotensão arterial sem sinais de hipovolemia, iniciar
infusão e uso de drogas vasoativas.
Nutrição
Manter jejum oral, com velocidade de infusão de
glicose de 4 a 6 mg/kg/min, com controle de glicemia
capilar e glicosúria. Ofertar nutrição parenteral o mais
precocemente possível e, após estabilização clínica, in-
troduzir dieta enteral mínima. Figura 17.6 SDR após uma dose de surfactante.
A manipulação racional dos parâmetros do res- modo que os ajustes dos parâmetros ventilató-
pirador para otimizar o suporte ventilatório só é pos- rios devem ser dinâmicos na SDR. Se for possível
sível com uma monitorização contínua e adequada do o emprego da curva fluxo versus tempo, procurar
paciente, principalmente dos gases sanguíneos e, se ajustar o tempo inspiratório de tal modo que o
possível, da mecânica pulmonar. Vale lembrar alguns fluxo inspiratório permaneça em zero por um
pontos relativos à SDR que influenciam a estratégia mínimo período possível. E o contrário, o tempo
ventilatória convencional: expiratório deve ser ajustado para manter o fluxo
expiratório em zero o máximo de tempo possível.
em relação à mecânica pulmonar, na fase aguda
da SDR observa-se diminuição da complacência
e pouca alteração da resistência de vias aéreas, Ventilação convencional com
de modo que a constante de tempo (complacên- novos objetivos:
cia versus resistência) está diminuída. Essas ca-
racterísticas permitem utilizar como estratégia Hipercapnia permissiva
ventilatória tempos inspiratórios curtos de 0,2 Durante muitos anos utilizou-se a ventilação
a 0,3 segundos e frequências respiratórias altas. pulmonar mecânica no sentido de manter a normo-
Vários estudos clínicos mostram que o uso de capnia, empregando-se para isso volumes correntes e
tempos inspiratórios prolongados e frequências suporte de pressão elevados. No entanto, dados de ex-
respiratórias baixas levam a maior incidência de perimentos em animais e em humanos têm sugerido
complicações, como a síndrome de escape de ar. que essa estratégia ventilatória está associada à hiper-
na SDR, a oxigenação está diretamente relacio- distensão alveolar, ocasionando o baro/volutrauma,
nada à pressão média de vias aéreas (MAP), que que pode agravar a lesão pulmonar aguda já instalada
corresponde à área total sob a curva pressão ver- (lesão pulmonar induzida pelo respirador). No perío-
sus tempo de um ciclo respiratório controlado do neonatal, apesar da diminuição da mortalidade, o
pelo respirador. Como a CRF está diminuída na grande desafio, ainda, é o combate à displasia bron-
SDR, para alcançar uma MAP “ótima” em termos copulmonar (DBP). Entre os vários fatores associados
de oxigenação, dentre os parâmetros controla- com a DBP incluem-se a duração e a intensidade do
dos pelo aparelho, a manipulação da PEEP é a suporte ventilatório. Vários estudos mostram que as
que traz melhores resultados. A PEEP estabiliza estratégias ventilatórias que provocam hipocapnia
a CRF, melhora a complacência e diminui o dese-
nos primeiros dias de vida aumentam o risco de ocor-
quilíbrio entre ventilação e perfusão. No entanto,
rência da DBP. É possível que estratégias ventilatórias
deve-se lembrar que o aumento da PEEP reduz
que evitem a hipocapnia e tolerem a hipercapnia mo-
o diferencial de pressão (Pinsp-PEEP), podendo
derada possam reduzir a incidência e a gravidade da
prejudicar a eliminação do CO2, uma vez que o
volume corrente é mantido pela diferença entre a DBP. Nesse sentido, vários autores defendem a ideia
Pinsp e a PEEP. Para obter uma Pinsp adequada, da hipercapnia permissiva, definida como uma mo-
observar o movimento da parede torácica, que dalidade de ventilação pulmonar mecânica na qual
deve ser ao redor de 0,25 a 0,5 cm de elevação da se procura evitar as altas pressões em vias aéreas e a
caixa torácica, na altura do esterno. hiperdistensão alveolar, permitindo um aumento dos
níveis de PaCO2. Estudos preliminares com a hiper-
Se a monitorização do volume corrente estiver capnia permissiva no período neonatal mostram uma
disponível, recomenda-se ajustar o pico de pressão redução da necessidade de ventilação pulmonar mecâ-
inspiratória, a PEEP e o tempo inspiratório para man- nica nos primeiros dias de vida, sem efeitos adversos.
tê-lo entre 4 e 6 mL/kg.
A SDR caracteriza-se pelas alterações constantes
nas características da mecânica respiratória, ou Ventilação convencional controla-
seja, durante a fase de gravidade máxima da do- da pelo paciente
ença ocorre diminuição da constante de tempo
(diminuição da complacência), sendo apropriado
Na IMV, as ventilações mecânicas são fixas e pre-
o uso de tempos inspiratório e expiratório cur- determinadas pelo médico, sendo totalmente indepen-
tos. Porém, na fase de recuperação, com a me- dentes da necessidade e do ciclo respiratório espontâneo
lhora da complacência, a constante de tempo au- do paciente. Os avanços tecnológicos têm possibilitado
menta, e esses tempos podem ser insuficientes uma mudança nessa abordagem para uma nova forma de
tanto na fase inspiratória (hipoventilação) como estratégia ventilatória, na qual o paciente ajusta total ou
na expiratória (autoPEEP). Lembrar também que parcialmente o ciclo respiratório controlado pelo apare-
essas alterações são mais rápidas após a terapia lho, de acordo com as suas necessidades fisiológicas. Se-
com surfactante exógeno. Portanto, devido às gundo as variáveis que o paciente pode controlar, divide-
mudanças constantes na mecânica respiratória, -se a ventilação convencional controlada pelo paciente
um suporte ventilatório “ótimo” num dado ins- em ventilação desencadeada pelo paciente, ventilação as-
tante pode ser “péssimo” noutro momento, de sistida proporcional e ventilação com suporte de pressão.
Taquipneia transitória
do RN (TTRN) Figura 17.8
Tratamento
Principalmente a oxigenoterapia e, se necessário, suporte ventilatório, pois frações inspiratórias de oxigênio
menores do que 40% costumam ser suficientes para manter a saturação do RN superior a 90%.
Pneumonias neonatais
Processo inflamatório nos pulmões de forma difusa ou localizada, que pode ser adquirido antes, du-
rante ou após o nascimento do concepto. Os germes podem ser transmitidos intraútero por via placentária
ou líquido amniótico, através do canal de parto, ou, mais tardiamente, podem ser adquiridos do meio in-
tra-hospitalar ou intradomiciliar. A pneumonia adquirida no perinatal é componente frequente de sepse.
Tem sua maior incidência no grupo de gestantes com ausência de pré-natal, com doenças sexualmente
transmissíveis e infecções durante a gestação, entre outros fatores.
Fatores etiopatogênicos
Próprios do hospedeiro Prematuridade-baixo peso (um dos mais importantes)
Imaturidade imunológica
Imaturidade pulmonar
Fatores perinatais Rotura prematura de membranas > 24h Fisometria
Corioamnionite
Asfixia perinatal
Contaminação no canal de parto
Fatores metabólicos Hipoxia e acidose
Hiperbilirrubinemia
Hipotermia
Exposição a agentes intra-hospitalares e domiciliares Infecções bacterianas
Infecções virais
Infecções congênitas
Tabela 17.4
Classificação
pneumonia congênita: adquirida por via transplacentária; é um componente da doença congênita generalizada;
pneumonia intrauterina: usualmente associada a asfixia fetal ou infecção intrauterina;
pneumonia adquirida durante o nascimento: a sintomatologia ocorre nos primeiros dias, e os agentes são,
geralmente, colonizadores do canal de parto. A patogênese da pneumonia adquirida no parto ou imediatamente
após este é, presumivelmente, a aspiração de líquido amniótico infectado ou secreções no canal de parto;
pneumonia adquirida após o nascimento: a doença se manifesta no primeiro mês de vida. As fontes de
infecção incluem contatos humanos e equipamentos contaminados.
Quadro clínico
Na SAM pode-se observar insuficiência res- Medidas profiláticas
piratória de maior intensidade inicialmente, com Pré-natal adequado, boa monitorização da mãe e do
hiperinsuflação do tórax (aumento do diâmetro feto durante o trabalho de parto e condições ideais para
anteroposterior do tórax), taquidispneia, retra- recepcionar o RN são medidas preventivas ao insulto asfí-
ção intercostal e subdiafragmática, gemência, ba- xico e, consequentemente, ao risco de desenvolver a SAM.
timento de asa nasal e cianose de extremidades. Deve-se lembrar da aspiração da traqueia, sob visu-
A ausculta pulmonar pode apresentar estertores alização direta em neonatos deprimidos ao nasci-
em todo o tórax e expiração prolongada, indicando o mento, em que há a presença de líquido amniótico
comprometimento das vias aéreas de pequeno calibre. meconial durante as manobras de reanimação do
Na gasometria podemos observar graus acentuados de neonato (veja capítulo de reanimação neonatal).
Fisiopatologia
Circulação de transição Os mecanismos fisiopatológicos podem ser
classificados em quatro tipos: má adaptação cir-
Durante a vida intrauterina, a resistência vascu-
culatória, muscularização excessiva, alteração
lar pulmonar é elevada, devido à compressão mecâni-
do desenvolvimento pulmonar e obstrução ao
ca dos pulmões, aos regimes de hipóxia e acidose vi-
fluxo sanguíneo.
gentes, à produção de leucotrienos e tromboxanos no
pulmão fetal, ocorrendo desvio do fluxo sanguíneo das A má adaptação circulatória é a forma mais
câmaras cardíacas direitas para a circulação sistêmica comum de HPP, caracterizada por vasoconstrição
pelo canal arterial e forame oval. pulmonar funcional com desenvolvimento estrutural
Após o nascimento, passa-se por uma circulação normal dos pulmões. Essa forma é reversível e poten-
de transição, na qual vários fatores interagem regu- cialmente tratável. Esse mecanismo ocorre na hipóxia
lando a remodelação fisiológica da circulação pulmo- e acidose, SAM, DMH, pneumonia e sepse.
nar, permitindo uma queda acentuada da resistência A muscularização excessiva caracteriza-se por
vascular pulmonar e perfusão pulmonar adequada. hipertrofia estrutural arterial pulmonar, aumentando a
Durante a primeira respiração ao nascimento, ocorre espessura da parede média das artérias intra-acinares e
abertura do leito vascular pulmonar pela distensão extensão da muscularização até as arteríolas periféricas,
mecânica dos alvéolos e elevação abrupta da tensão que parece ocorrer intraútero, tornando esses RN inca-
de oxigênio alveolar, reduzindo a resistência vascular pazes de se adaptar à vida pós-natal. Esse mecanismo
pulmonar, aumentando o fluxo sanguíneo e a oxige- pode ser observado na hipoxia intrauterina crônica, no
nação pulmonar. Entre 12 e 24 horas de vida, entra- fechamento precoce do canal arterial intraútero (como
-se na fase na qual ocorre maior redução da resistência no uso materno de salicilatos durante a gestação), nas
vascular pulmonar, em torno de 80%, por atuação da cardiopatias congênitas com hiperfluxo pulmonar e au-
prostaglandina e óxido nítrico endógenos, que apre- mento da pressão venosa pulmonar idiopática. O prog-
sentam potente ação vasodilatadora e geram relaxa- nóstico é reservado, dependendo da gravidade do caso.
nutrição adequada;
controle do hematócrito;
estimulação tátil.
Fatores etiopatogênicos –
fisiopatologia
Dentre os principais fatores que interferem so-
Tratamento bre a integridade do parênquima e arquitetura do te-
Oxigenoterapia: inalatória ou suporte ventila- cido pulmonar, contribuindo para a gênese da DBP,
tório adequado. podemos citar os seguintes elementos:
Medicamentos: metilxantinas, teofilinas e ci- Toxicidade pulmonar pelo oxigênio (forma-
trato de cafeína. ção de radicais livres que contribuem para lesão
*O tratamento deve ser administrado até 34 se- e destruição celular no epitélio pulmonar).
manas de idade gestacional corrigida ou até sete dias Ventilação mecânica, barotrauma e volu-
após o último episódio de apneia. trauma (uma ventilação excessiva para as con-
*O citrato de cafeína tem algumas vantagens so- dições respiratórias do RN gera lesões teciduais,
e esse fator pode ser monitorado através da
bre a teofilina, no sentido de que tem maior efeito es-
PaCO2, que, quando muito baixa, sugere venti-
timulante sobre o centro respiratório, menores efeitos
lação agressiva ou excessiva. A hiperinsuflação
colaterais, distanciamento maior entre o nível tóxico e
pulmonar provoca roturas na estrutura pulmo-
terapêutico do medicamento. nar, gerando processo inflamatório local).
Processo inflamatório pulmonar (a liberação de
mediadores inflamatórios – citocinas – promove a
Displasia broncopulmonar migração de leucócitos para os pulmões, aumentan-
do a permeabilidade do epitélio pulmonar, edema
(DBP) intersticial e edema alveolar. Esse processo pode já
estar sendo desencadeado intraútero, assim como
os processos infecciosos pulmonares concomitan-
A DBP é resultante da ação de múltiplos fa- tes acentuam ainda mais o grau de lesão tecidual).
tores que agem sobre um sistema pulmonar ima-
Desnutrição.
turo, que inicialmente sofre uma interrrupção
no seu desenvolvimento, gerando dependência Persistência do canal arterial.
da oxigenoterapia acima de 28 dias de idade pós-
-natal ou 36 semanas de idade gestacional cor-
rigida acompanhada de alterações radiológicas
compatíveis. Também é conhecida como doença Anatomia patológica
pulmonar crônica neonatal. A maior sobrevivência de O dano oxidativo causado pelo O2 e o recrutamen-
RNPT extremos, associada às terapêuticas agressivas to de células de defesa, com liberação de mediadores in-
ventilatórias, constitui o fator mais importante para a flamatórios, determinam proliferação de fibroblastos,
DBP. Portanto, o pré-requisito inicial para o desenvol- com destruição intra-alveolar e intersticial disseminada
vimento da DBP é a imaturidade pulmonar que requer (desorganização em graus variados da arquitetura pul-
intervenção médica. monar) e remodelação do parênquima pulmonar.
Diagnóstico
Clinicamente, há a presença de fatores de risco como prematuridade extrema, insuficiência respiratória
precoce, necessidade de ventilação mecânica agressiva e dependência de oxigênio além de 28 dias de vida, asso-
ciada a um quadro evolutivo com crises de cianose, episódios de broncoespasmo, hipercapnia e hipoxemia em ar
ambiente e a manutenção de ausculta pulmonar rica. Há uma piora progressiva da insuficiência respiratória e
dependência de O2 após melhora relativa da doença pulmonar de base.
Tratamento
Utilizar técnicas ventilatórias menos agressivas para prevenir a lesão pulmonar.
Aportes hídrico e nutricional adequados.
Uso racional da oxigenoterapia.
Uso de medicamentos: diuréticos e broncodilatadores (sistêmicos e inalatórios).
A corticoterapia é controversa.
18
Distúrbios metabólicos
Tabela 18.1 *Nos casos de sepse pode haver também episódios de hiperglicemia.
Para os casos em que há necessidade de infu- intra e extracelulares de cálcio, fósforo e magnésio e suas
são de glicose com fluxo maior que 12 mg/kg/min, inter-relações com calcitonina, paratormônio e vitamina
as seguintes medicações poderão ser utilizadas: D, atuando nos tecidos-alvo: ossos, rins e intestino.
hidrocortisona na dose de 10 mg/kg intraveno-
sa dividida em duas doses diárias;
glucagon;
Hipocalcemia
diazóxido; Considera-se hipocalcemia quando os níveis de
cálcio total estão abaixo de 7,5-8 mg/dL (1,8-2 mmol/L)
somatostatina;
ou concentração de cálcio ionizável abaixo de 4,4 mg/dL
hormônio de crescimento. (1,1 mmol/L) para o recém-nascido a termo e cálcio total
abaixo de 7 mg/dL (1,75 mmol/L) para os prematuros.
No organismo, 99% do cálcio (Ca) localiza-se no es-
Hiperglicemia queleto sob a forma de hidroxiapatita e 1% nos líquidos
extracelulares e tecidos moles. Já no soro, 50% está sob
Há controvérsia sobre a definição de hiperglice- a forma ionizada, 40% ligado à proteína e 10% sob a for-
mia, porém o critério mais utilizado é de glicemia maior ma de complexos. O cálcio é um mensageiro intracelular
que 125 mg/dL em recém-nascidos a termo e maior e extracelular, tendo importante papel na proliferação
que 150 mg/dL em prematuros. Muito menos frequen- celular, síntese proteica, sistema de coagulação, função
te que hipoglicemia, porém também pode apresentar enzimática, contração muscular, comunicação neuronal
consequências desastrosas devido à hiperosmolaridade e neuromuscular. A capacidade das glândulas paratireoi-
e consequente diurese osmótica levando a quadros de des neonatais em responder a um estresse hipocalcêmico
desidratação com risco de hemorragia intracraniana. varia diretamente com a idade gestacional e com a idade
pós-natal. A hipocalcemia neonatal costuma ser acom-
panhada de hiperfosfatemia ou de hipomagnesemia.
Etiopatogenia Pode ser assintomática ou sintomática. Quanto à época
Prematuridade, nutrição parenteral, asfixia, in- de aparecimento, pode ser precoce ou tardia ou, ainda,
fecção, uso de drogas como metilxantinas e glicocorti- aparecer em qualquer época dentro do período neonatal.
coides, estresse e diabetes melito transitório neonatal.
Causas de hipocalcemia neonatal
A. Precoce
1. Fatores maternos:
Tratamento deficiência de cálcio
redução da VIG em 1 mg/kg/min, com con- deficiência de vitamina D
trole de dextro a cada uma hora, podendo redu- hiperparatireoidismo
zir a VIG até 2 mg/kg/min; diabetes melito
pesquisar e tratar a causa da hiperglicemia; suspen- 2. Fatores intraparto
der drogas hiperglicemiantes, pesquisar infecção; asfixia
prematuridade
na persistência do quadro, considerar a admi- 3. Fatores pós-natais
nistração de insulina. parada abrupta do inflluxo materno de cálcio via placenta
aumento da calcitonina
baixo aporte de cálcio na dieta
Distúrbios de cálcio, hipoparatireoidismo
B. Tardia
fósforo e magnésio hiperfosfatemia
deficiência de magnésio
Durante a vida intrauterina, a maior fase de incor- má absorção intestinal de cálcio
poração de cálcio e fósforo ocorre no terceiro trimestre C. Miscelânea
gestacional, a partir da 24ª semana, correspondendo a ausência congênita da paratireoide
80% do processo de mineralização óssea, com pico de in- fototerapia
corporação entre 34 e 36 semanas de idade gestacional deficiência ou defeito do metabolismo da vitamina D
(cálcio entre 100 a 120 mg/kg/dia e fósforo entre 65 e exsanguineotransfusão com sangue citratado
70 mg/kg/dia, nesse momento). Portanto, as concen- terapia com diuréticos de alça
trações de cálcio e fósforo estão diretamente rela- acidose corrigida com álcalis
cionadas com a idade gestacional de nascimento aumento de ácidos graxos livres de cadeia longa
e o tipo de alimentação instituído (leite materno, insuficiência renal
fórmulas, nutrição parenteral, jejum prolongado). A ho- sepse
meostase mineral envolve o controle das concentrações Tabela 18.3
plasmática para dosagem de PTH é de utilidade poste- Nos recém-nascidos sintomáticos sem convulsão
rior na investigação diagnóstica. Dosagem de calcidiol ou assintomáticos com cálcio ionizável < 3,5 mg/
e calcitriol não é realizada rotineiramente. dL ou cálcio total < 6 mg/dL vários esquemas têm
sido propostos quanto às doses, intervalos (in-
No eletrocardiograma (ECG), um QTC maior que
termitente ou contínua), vias de administração
0,4 s pode sugerir, valores baixos de hipocalcemia, e redução de doses. Atualmente, o mais aceito é
mas não predizê-los. a forma de administração contínua (pois evita
grandes perdas renais) e em doses decrescentes,
dando-se 75 mg/kg/dia (8,3 mL/kg/dia de glu-
conato de cálcio a 10%) nas primeiras 24 horas
de tratamento, até que a concentração sérica de
cálcio tenha atingido valores normais. Após isso,
a velocidade de infusão é reduzida em 50% em
24 horas e em 25% nas 24 horas seguintes, sendo
possível suspender após esse período.
Os preparados de gluconato de cálcio a 10% para uso
endovenoso são bem tolerados por via oral, e as doses diá-
rias descritas podem ser administradas por via enteral em
intervalos de quatro a seis horas. Entre as principais compli-
Figura 18.1 Na hipocalcemia há alongamento do in- cações decorrentes da infusão endovenosa de cálcio estão o
tervalo QT à custa do segmento ST. Na hipercalcemia há extravasamento para os tecidos moles ocasionando necrose
diminuição do intervalo QT também à custa do segmen- tecidual e calcificação, bradicardia e as precipitações quando
to ST, de forma que a onda T parece partir diretamente administrados juntamente com bicarbonato e fosfatos.
do final do complexo QRS.
O diagnóstico das hipercalcemias na infância é rea- Assim como com o cálcio, ocorre o acúmulo de
lizado por meio dos seguintes exames: dosagem do cálcio fósforo (cerca de 80%) durante o terceiro trimestre da
(total e ionizado) e fósforo, fosfatase alcalina, hemograma, gestação. Os níveis séricos de fósforo estão aumenta-
proteínas totais, ureia e creatinina, dosagem do PTH e ra- dos no feto (em relação ao materno) e continuam ele-
diografias de tórax, de crânio, da coluna lombar e das mãos. vados nas primeiras 24 horas de vida, ao contrário do
Os casos que cursam com PTH elevado frequen- cálcio, mantendo-se acima dos encontrados em adul-
temente se relacionam ao hiperparatireoidismo pri- tos. A maior parte do fósforo plasmático encontra-se
mário ou persistente devido à hiperplasia da parati- na forma inorgânica (monovalente e divalente) e uma
reoide após transplante renal, secreção ectópica de pequena porcentagem sob a forma orgânica, forman-
PTH, uso crônico de diuréticos tiazídicos ou hipercal- do os fosfolípides. Somente 1% do fósforo corpóreo
cemia familiar benigna. total está distribuído no espaço extracelular, enquan-
No hiperparatireoidismo primário existem au- to 85% estão depositados nos ossos (ligado ao cálcio)
mento do cálcio (total e ionizado), redução do fósforo e 14% nos tecidos moles.
e do magnésio, aumento da fosfatase alcalina, anemia,
Cerca de 50% a 65% da do fósforo ingerido é
aumento do VHS, aumento da ureia, acidose hiper-
clorêmica e aumento da secreção de AMP cíclico. absorvido principalmente no jejuno, o que pode
ser diminuído pela alta ingestão de cálcio ou
Nos casos de tuberculose, sarcoidose e na intoxi- pelo uso de antiácidos. Aproximadamente 80% do
cação por vitamina D, os níveis de PTH costumam es-
fósforo inorgânico é reabsorvido no túbulo proximal
tar normais. A radiografia do esqueleto pode auxiliar
por processo ativo, com o sódio. A reabsorção renal é
no diagnóstico, se houver desmineralização óssea ou
nos casos de fraturas patológicas. diminuída pelo PTH e pela calcitonina, resultando no
aumento da fosfatúria.
Na hipercalcemia familiar benigna os pacientes
são assintomáticos. Os níveis de cálcio (total e ioniza- Expansões de volume aumentam a perda uri-
do) estão elevados e o PTH, normal. nária desse íon, assim como estão envolvidas com a
diminuição da concentração sérica de cálcio ionizado.
Vale ressaltar que os exames solicitados deverão
As soluções salinas utilizadas como expansores de
ser pertinentes com as etiologias mais frequentes e
deverão ser individualizados. volume e o resultante aumento na excreção renal de
sódio inibem secundariamente a absorção de fósforo.
Outros hormônios, como corticoides, a glicose e a vi-
Tratamento tamina D também diminuem sua reabsorção renal.
O tratamento deve ser direcionado principal- A hipofosfatemia estimula a síntese de calcitriol,
mente para a remoção da causa básica. que aumenta a reabsorção renal e a absorção intestinal
Na fase aguda, o tratamento consiste basicamen- de fósforo e de cálcio.
te na eliminação das causas básicas, hidratação endo- Virtualmente todo o fósforo plasmático encon-
venosa com expansão volêmica com solução salina (10 tra-se na forma inorgânica, uma pequena parte com-
a 20 mL/kg), furosemida (1 a 2 mg/kg), reposição de pondo os fosfolípides. Os níveis séricos variam de
magnésio e suplementação de fosfato nos casos de de-
acordo com a idade:
pleção do mesmo. Essa última correção deve ser lenta,
objetivando a prevenção da hipocalcemia, resultante recém-nascidos = 4,2 a 9 mg/dL;
do excesso de fosfato. As perdas urinárias de sódio, de de um a cinco anos = 3,5 a 6,5 mg/dL;
potássio e de água devem ser repostas a cada seis ho-
ras e o desequilíbrio hidroeletrolítico evitado.
maiores de cinco anos = 2,5 a 4,5 mg/dL.
uso da via endovenosa, complicações como hipoten- ocasionada pela diminuição da contratilidade da mus-
são sistêmica, prolongamento do tempo de condução culatura lisa, que ocorre também em nível vascular.
atrioventricular e bloqueio atrioventricular devem ser Sonolência deve-se, pelo menos em parte, à hipóxia
monitoradas. Pode ser necessário repetir a dose a cada secundária à paresia dos músculos respiratórios. Esses
oito ou 12 horas. efeitos do bloqueio neuromuscular podem ser rever-
tidos com a administração de altas doses de cálcio ou
pela fisostigmina.
Hipermagnesemia
Hipermagnesemia é caracterizada por concen-
tração sérica do íon maior que 2 mEq/L, embora a
Tratamento
maioria dos casos só apresente manifestações clínicas O tratamento do recém-nascido com hipermag-
quando essa concentração está acima de 4 mEq/L. nesemia sérica pode requerer manobras de ressuscita-
Dos casos relatados de hipermagnesemia em ção cardiorrespiratória e ventilação mecânica assistida
crianças, a maioria se refere a recém-nascidos de mães até que a depressão do centro respiratório e a hipoto-
com eclâmpsia ou pré-eclâmpsia grave, tratados com nia muscular sejam superadas.
sulfato de magnésio sistêmico antes do parto. A in- O cálcio tem sido usado para antagonizar a de-
suficiência renal aguda e a insuficiência suprarrenal pressão do sistema nervoso central e o bloqueio na
podem cursar com elevações importantes dos níveis transmissão periférica causado pelo excesso de mag-
séricos de magnésio. A intoxicação iatrogênica pode nésio. O efeito do cálcio é temporário, e nos casos
ocorrer pelo uso de enemas de sulfato de magnésio, graves não deve ser esperada uma reversão completa
como no tratamento do megacólon ou de purgativos do quadro, uma vez que parece pouco provável que o
por via oral. cálcio consiga antagonizar todo o magnésio que foi es-
tocado no tecido muscular e no osso. A dose recomen-
Quadro clínico dada é semelhante à usada na hipocalcemia (glucona-
to de cálcio a 10% - 6 mL/kg/dia, por via endovenosa,
Concentrações séricas elevadas de magnésio
que corresponde a 54 mg de cálcio elementar).
causam bloqueio neuromuscular periférico e depres-
são do sistema nervoso central. Têm ação semelhante Embora a diurese forçada não seja um método
ao curare na placa motora, causando diminuição da eficiente para o tratamento, a fluidoterapia intraveno-
liberação de acetilcolina e paralisia muscular. Ocorre sa é importante para a manutenção do balanço hidro-
depressão da função cardíaca devido ao efeito direto eletrolítico e para a correção de acidose metabólica. A
na musculatura cardíaca. Hipotensão arterial deve ser diálise peritoneal é outra opção terapêutica.
19
Sepse neonatal
Vale ressaltar que os parâmetros hematológicos po- 2- Correção de distúrbios metabólicos e acidemia.
dem variar, dependendo do tempo de vida do neonato. 3- Antibioticoterapia:
20
Enterocolite necrosante
Introdução
Doença grave do recém-nascido, caracterizada por uma síndrome de etiologia multifatorial e não comple-
tamente conhecida, que cursa com inflamação e graus variáveis de necrose de coagulação da mucosa ou de toda
a espessura da parede intestinal. Acomete principalmente a região do íleo terminal e cólon ascendente, determi-
nando manifestações clínicas intestinais e/ou sistêmicas. Sua incidência é inversamente proporcional ao peso de
nascimento e idade gestacional, porém pode acometer recém-nascidos a termo em algumas situações. Trata-se da
emergência cirúrgica mais frequente no período neonatal. Devido aos avanços nos cuidados neonatais e à maior
sobrevida de recém-nascidos prematuros, houve aumento na incidência dessa patologia.
Fatores predisponentes
Prematuridade
Muito baixo peso ao nascer
Asfixia perinatal
Rotura prematura de membranas > 18 horas
Malformações do trato gastrointestinal
Cardiopatias congênitas
Persistência do canal arterial
Uso de indometacina
Policitemia
Restrição de crescimento intrauterino
Transfusões sanguíneas/Exsanguineotransfusões
Cateterismo de vasos umbilicais
Hipotensão
Uso materno de cocaína
Tabela 20.1
207
20 Enterocolite necrosante
Figura 20.3 Raio X de abdome mostrando pneuma- Figura 20.5 Sinal da “bola de rúgbi” – Imagem radi-
tose de aspecto cístico. ológica do confinamento da coleção de ar na cavidade
abdominal superior, delineando o ligamento falciforme.
São descritos ainda outros sinais radiológicos que
indicam a presença de pneumoperitônio, como o sinal da
“dupla parede” e o sinal da “bola de rúgbi”. Normalmen-
te, na radiografia simples de abdome só a face da mucosa
intestinal é visível, devido ao contraste do ar presente na Critérios diagnósticos
luz intestinal e à superfície mucosa. Em situações de pre-
sença de ar livre na cavidade peritoneal observa-se tam- A ECN caracteriza-se pela presença da tríade:
bém o contraste na superfície serosa da alça, tornando distensão abdominal, enterorragia micro ou macros-
ambas as superfícies (sinal da “dupla parede”) visíveis ao cópica e pneumatose intestinal.
raio X. O sinal da “bola de rúgbi” é a imagem radiológica No entanto, deve-se lembrar que os dois primei-
do confinamento da coleção de ar na cavidade abdominal ros sinais são inespecíficos, podendo estar presentes
superior, delineando o ligamento falciforme.
numa variedade de outras doenças, como sepse, dis-
A ultrassonografia abdominal vem se firmando túrbios hemodinâmicos e metabólicos. O diagnóstico
como método útil para o diagnóstico da ECN. Vários da ECN implica o achado radiológico da pneuma-
estudos mostram que o ultrassom parece ser mais sen- tose intestinal, porém esta não é patognomônica
sível do que a radiografia na detecção de pneumopor- dessa afecção, podendo ser também encontrada, por
tograma, pneumatose intestinal e espessamento da exemplo, na enterocolite da moléstia de Hirschsprung
parede das alças. O ultrassom também é útil na ava- e na pneumatose intestinal colônica. Além disso, a
Pausa intestinal +
Estádio Medidas adicionais
ATB-terapia
I 3 a 5 dias
IIA 7 a 10 dias
IIB 14 dias Aumentar oferta hídrica
Drogas vasoativas:
dopamina; inotrópicos; e ventilação mecânica
IIIA 14 dias IIB +
Considerar paracentese
IIIB > 14 dias Laparotomia exploradora
Drenagem peritoneal
Tabela 20.7 Agressividade das medidas terapêuticas na ECN, segundo o estadiamento clinicorradiológico.
sentam-se em estágio intermediário, e a decisão da O repouso intestinal deverá ser mantido por
necessidade e do momento adequados da intervenção três a cinco dias após a normalização das fun-
é, na maioria das vezes, individualizada, sendo basea- ções gastrointestinais, época em que, nos casos de
da na análise evolutiva dos achados clínicos, laborato- crianças portadoras de estomias, está indicado o seu
riais e radiológicos. Além disso, deve-se levar em conta fechamento. No entanto, antes de realizá-lo, deve-se
que esses pacientes, muitas vezes, encontram-se em lembrar que a incidência de estenoses pós-ECN situa-
estado crítico, dificultando a decisão, que deve, pre- -se em torno de 15% a 30% dos casos. Tais estenoses
ferencialmente, ser tomada em conjunto pela equipe: ocorrem preferencialmente no cólon, e o ângulo esplê-
cirurgião, anestesista e neonatologista. nico é o local mais frequentemente acometido. Podem
O procedimento cirúrgico de preferência também ocorrer no intestino delgado e frequente-
é a realização da laparotomia exploradora com mente são múltiplas, daí a necessidade de se realizar o
ressecção das alças inviáveis e exteriorização da estudo radiológico contrastado do intestino delgado e
parte viável através de estomias, seguida de dre- do cólon antes de se reconstruir o trânsito intestinal.
nagem da cavidade peritoneal. Raramente a lesão po-
derá estar bem restrita e localizada, podendo então se
realizar a ressecção seguida de anastomose primária.
Convém lembrar que as enterostomias determi- Prognóstico
nam, nesse grupo etário, grandes perdas de fluidos
e eletrólitos, sendo difícil a manipulação hidroele- A mortalidade situa-se entre 20% e 40%, de-
trolítica no pós-operatório. Para evitar esse tipo de pendendo do grau de prematuridade, da gravidade
inconveniente, indica-se a reanastomose o mais pre- da infecção e da insuficiência de múltiplos órgãos. As
cocemente possível. complicações que podem ocorrer na fase aguda são
as relacionadas à septicemia, como choque, necrose
Nos recém-nascidos com menos de 1.000 g ou
tubular aguda, CIVD, neutropenia, trombocitopenia,
naqueles que se encontram em má condição clínica, in-
dependentemente do peso, o procedimento mais reco- meningite, bem como a peritonite com ou sem per-
mendado é a drenagem peritoneal simples com anes- furação intestinal. Dentre as complicações tardias, a
tesia local e que pode ser realizada na própria unidade mais frequente e importante é a síndrome do intes-
neonatal à beira do leito. Essa estratégia foi proposta tino curto nos pacientes submetidos a grandes res-
pela primeira vez por Ein e cols., em 1977. Em estu- secções intestinais. Outras complicações tardias são:
do recente, esses autores, comparando a utilização da síndrome de má absorção, atresias ou estenoses in-
drenagem peritoneal e da laparotomia convenciona- testinais, fístulas enteroentéricas ou enterocólicas,
lem grupos de neonatos com diferentes faixas de peso, pseudocisto intraperitoneal e colestase. A complicação
concluem que a drenagem deve ser o procedimento de tardia mais frequente é a estenose, à qual já nos referi-
escolha nas crianças com peso inferior a 1.000 g, ao mos, devendo a sua suspeita clínica ser feita em casos
passo que, para aquelas com peso acima de 1.000 g, de recorrência de sangramento intestinal, distensão
a cirurgia convencional mostrou-se mais efetiva. Para abdominal ou através do quadro bem-caracterizado
aqueles em que é realizada primariamente a drenagem de semioclusão intestinal, após reconstrução do trân-
peritoneal, oportunamente, o recém-nascido é subme- sito digestivo. O prognóstico a longo prazo depende
tido à laparotomia exploradora para ressecção das al- da ocorrência ou não da síndrome do intestino curto,
ças necrosadas e realização das estomias e, se possível, observando-se bom desenvolvimento ponderoestatu-
da anastomose primária. ral nos casos que não desenvolvem essa síndrome.
21
Infecções congênitas
Patogenia
Após sua passagem transplacentária, o treponema ganha os vasos umbilicais e multiplica-se ra-
pidamente em todo o organismo fetal. Os órgãos e os tecidos em que as lesões são mais frequentes e
abundantes são fígado, ossos, pele, mucosas, sistema nervoso, pâncreas e pulmões (estes, em doença
precoce no período fetal, podem mostrar a chamada Pneumonia Alba, lesão incompatível com a vida).
Quadro clínico
Sífilis congênita precoce: quando os sinais e Lesões cutaneomucosas (50% dos casos)
sintomas surgem até os dois anos de vida Pênfigo palmoplantar (precoce e facilmente identificável; bolhas com
halo eritematoso, conteúdo seroso ou hemorrágico)
Diversos graus de gravidade Sifílides maculosas (máculas róseas arredondadas por todo o corpo,
Forma mais grave: sepse maciça principalmente tronco, palmas das mãos e plantas dos pés)
(manifestações viscerais predominam) Fissuras peribucais
Coriza sifilítica (segunda ou terceira semana, secreção espessa seros-
Não existe sinal específico. sanguinolenta ou purulenta com obstrução nasal)
A associação de critérios epidemiológicos,
clínicos e laboratoriais deve ser usada para o Lesões ósseas (frequentes)
diagnóstico Osteocondrite metaepifisária (lesão mais precoce, 80% dos casos, ir-
regularidade, serrilhamento e imagem “em taça” das metáfises)
Periostite (espessamento cortical)
Rarefação óssea nas metáfises
Choro ao manuseio
Impotência funcional dos membros (particularmente os membros
superiores – Pseudoparalisia de Parrot) – 5% a 10% dos casos
Lesões viscerais
Hepatomegalia, hepatite, icterícia
Esplenomegalia
Anemia e manifestações hemorrágicas
Alterações respiratórias/pneumonite intersticial
Meningite pouco sintomática, com pleocitose liquórica e hiperprotei-
norraquia
Outras
Atraso de ganho ponderal
Febre
Adenomegalia
Coriorretinite
Sífilis congênita tardia: quando os sinais e sin- Tíbia em lâmina de sabre (osteoperiostite)
tomas surgem a partir dos dois anos de vida Nariz em sela
Dentes incisivos medianos superiores deformados (Dentes de Hu-
tchinson)
Arco palatino elevado com ulcerações e perfurações
Surdez neurológica
Dificuldade de aprendizado
Natimorto sifilítico
Todo feto morto após 22 semanas de gestação
ou com peso > 500 g, cuja mãe portadora de sí-
filis não foi tratada ou o foi inadequadamente
Tabela 21.1
Diagnóstico precoce das mulheres em idade re- Considera-se tratamento adequado para a sífilis
produtiva e em seus parceiros. materna todo aquele realizado de forma completa,
Realização do teste VDRL em mulheres que ma- adequado para o estágio da doença, feito com penici-
nifestem intenção de engravidar; nas gestantes, lina, finalizado pelo menos 30 dias antes do parto e
realizar o teste na primeira consulta, repetindo-o tendo sido tratado o parceiro concomitantemente.
por volta da 28ª semana e no momento do parto. Considera-se tratamento inadequado para sífilis
Tratamento imediato dos casos diagnosticados em materna:
mulheres e em seus parceiros, dando importância todo tratamento realizado com qualquer medi-
ao registro dos resultados dos testes e eventuais cação que não seja penicilina; ou
tratamentos no cartão de pré-natal da gestante. tratamento incompleto, mesmo que tenha sido
Assistência ao pré-natal. realizado com penicilina; ou
Notificação dos casos de sífilis congênita. tratamento inadequado para a fase clínica da
doença; ou
instituição do tratamento nos 30 dias anterio-
Tratamento da sífilis em não res ao parto; ou
gestantes ou não nutrizes ausência de documentação de tratamento anterior;
ou
Sífilis primária: Penicilina benzatina 2,4 mi-
lhões UI, IM, em dose única (1,2 milhão UI em ausência de queda de títulos (sorologia não tre-
cada glúteo). ponêmica) após tratamento adequado; ou
Sífilis secundária e latente precoce: Penicili- parceiro não tratado ou tratado inadequada-
na benzatina 2,4 milhões UI, IM, repetida após mente ou quando não se tem a informação dis-
uma semana. ponível sobre o tratamento.
Sífilis terciária e latente tardia: Penicilina teste anti-HIV: é recomendado para toda ges-
benzatina 2,4 milhões UI, IM, em dose semanal, tante com sífilis, tendo em vista que crianças ex-
por três semanas. Total de 7,2 milhões UI. postas ao Treponema pallidum durante a gestação
Mulheres não gestantes e não nutrizes com aler- têm maior risco de adquirir o HIV materno.
gia comprovada à penicilina podem ser dessensibiliza-
das ou então receber tratamento com tetraciclina ou Manejo adequado do RN
estearato de eritromicina 500 mg VO 6/6 horas por 15
Realizar VDRL em amostra de sangue periféri-
dias na sífilis recente ou 30 dias na sífilis tardia. Outra
co em todos os RNs cujas mães apresentaram
opção é o uso de doxiciclina 100 mg VO 12/12 horas
VDRL reagente na gestação ou parto ou em caso
por 15 dias na sífilis recente e 30 dias na sífilis tardia. de suspeita clínica de sífilis congênita (o san-
gue do cordão umbilical não deve ser utilizado
pelo fato de que nele pode ocorrer mistura com
Tratamento da sífilis durante o sangue materno e há atividade hemolítica in-
a gestação tensa, o que pode alterar o resultado).
Solicitar hemograma, radiografia de ossos lon-
Deve-se realizar o tratamento imediato dos
casos diagnosticados em gestantes e seus parceiros: gos e estudo do liquor, incluindo neste a análise
usar as mesmas dosagens apresentadas para a sífilis adqui- de celularidade, proteínas e VDRL.
rida. Gestantes comprovadamente alérgicas à penicilina Notificar e investigar todos os casos detectados,
devem ser dessensibilizadas. Na impossibilidade, podem incluindo os natimortos e abortos pela doença.
ser tratadas com eritromicina 500 mg, VO, de 6/6 horas,
durante 15 dias (sífilis recente) e 30 dias (sífilis tardia).
Entretanto, essa gestante não será considerada ade-
quadamente tratada para fins de transmissão fetal,
sendo obrigatórios a investigação e o tratamento
Manejo terapêutico
adequado da criança logo após seu nascimento. da sífilis congênita
Reforçar a orientação para que as pacientes e A – Nos RNs de mães com sífilis não tratada, ou
seus parceiros evitem relação sexual durante o tra- inadequadamente tratada, independentemente do
tamento, e, após, só com o uso de preservativos. Re-
resultado do VDRL do RN, realizar: hemograma, ra-
alizar o controle mensal de cura por meio do VDRL,
considerando resposta adequada ao tratamento o de- diografia de ossos longos, punção lombar (na impos-
clínio dos títulos e a negativação até um ano. Reini- sibilidade de realizar esse exame, tratar o caso como
ciar o tratamento em caso de interrupção, ou se hou- neurossífilis) e outros exames quando clinicamente
ver quadruplicação dos títulos (ex.: de 1/2 para 1/8). indicados:
A1: se houver alterações clínicas e/ou sorológicas Se o VDRL não for reagente e o RN for assintomá-
e/ou radiológicas, o tratamento deverá ser feito tico, fazer apenas seu seguimento ambulatorial. Na
com Penicilina G cristalina 50.000 UI/kg/dose, impossibilidade de garantir o seguimento, deve-se
EV, 12/12 horas (se tiver menos de uma semana administrar Penicilina G benzatina, IM, na dose úni-
de vida) ou de 8/8 horas (se tiver mais de uma se- ca de 50.000 UI/kg;
mana de vida), por dez dias ou Penicilina G proca- Se o RN for assintomático e o VDRL for reagente
ína 50.000 UI/kg, IM por dez dias. com titulação menor ou igual à materna, fazer o
A2: se houver alteração liquórica, o tratamen- seguimento ambulatorial. Na impossibilidde de
to deverá ser feito com Penicilina G cristalina, garantir o seguimento, tratar como A1(sem alte-
50.000 UI/kg/dose, EV, 12/12 horas (se tiver me- ração do LCR) ou como A2 (com alteração do LCR)
nos de uma semana de vida), ou de 8/8 horas (se
tiver mais de uma semana de vida), por dez dias.
A3: se não houver alterações clínicas, radiológicas
e/ou liquóricas e a sorologia for negativa no RN, Seguimento ambulatorial
deve-se proceder ao tratamento com Penicilina G mensal no primeiro ano de vida;
benzatina, IM, na dose única de 50.000 UI/kg. O realizar VDRL com 1, 3, 6, 12 e 18 meses, inter-
acompanhamento é obrigatório, incluindo o segui-
rompendo quando negativar;
mento com VDRL sérico entre um e três meses após
conclusão do tratamento. Se for impossível garantir retratar o paciente em caso de manutenção dos
o acompanhamento, o RN deverá ser tratado. títulos sorológicos ou de elevação dos mesmos
em duas a três vezes;
B – Nos RNs de mães adequadamente trata-
das: realizar o VDRL em amostra de sangue peri- recomenda-se o acompanhamento oftalmológi-
férico do RN; se este for reagente com titulação co, neurológico e audiológico semestral;
maior que a materna e/ou na presença de alte- nos casos em que o LCR esteve alterado, deve-
rações clínicas, realizar hemograma, radiografia -se proceder à reavaliação liquórica a cada seis
de ossos longos e coleta de LCR: meses até a sua normalização;
Se não houver alterações liquóricas, porém nos casos de crianças tratadas de forma ina-
com alterações clínicas e/ou radiológicas, e/ dequada, na dose e/ou tempo do tratamento
ou hematológicas, o tratamento deverá ser preconizado, deve-se convocar a criança para
feito como no esquema A1; reavaliação clínico-laboratorial, e, se houver
alterações, retratar a criança conforme o caso,
Se houver alteração liquórica, o tratamento de-
obedecendo aos esquemas descritos, ou, se não
verá ser feito como no esquema A2.
houver alterações, seguir ambulatorialmente. O
C – Nos casos de mães adequadamente tra- algoritmo a seguir foi proposto pelo Ministério
tadas, solicitar VDRL em amostra de sangue pe- da Saúde em 2005 para abordagem da gestante
riférico do recém-nascido: com sífilis (disponível em www.aids.gov.br):
Mãe com Sífilis:
NÃO TRATADA OU INADEQUADAMENTE TRATADA ADEQUADAMENTE TRATADA
RN sintomático RN assintomático
RN sintomático RN assintomático
Figura 21.1 Algoritmo para abordagem do RNno caso da gestante com sífilis.
Pirimetamina: 2 mg/kg/dia por dois dias e ultravioleta e tem o homem como único hospedeiro
posteriormente 1 mg/kg/dia uma vez ao dia por dois natural. Doença que na infância geramente tem
a seis meses e, a seguir, 1 mg/kg/dia três vezes por se- evolução benigna, quando ocorre durante a gestação
mana até um ano de tratamento, uma vez ao dia. torna-se uma patologia de maior gravidade devido ao
A pirimetamina é antagonista do ácido fólico, e risco de acometimento fetal e, consequentemente, do
seu efeito tóxico principal é uma depressão gradual e surgimento da Síndrome da Rubéola Congênita
reversível da medula óssea com plaquetopenia. Ou- (SRC). A importância dessa patologia, além do risco
tros efeitos tóxicos são: leucopenia; anemia; mal-estar fetal, está na possibilidade de que o neonato infectado
gástrico e gosto amargo na boca. Na superdosagem seja fonte de infecção até um a dois anos de idade.
acidental observam-se vômitos, tremores, convulsões O vírus pode ser encontrado em 80% das crian-
e depressão da medula óssea. Em vista de sua toxici- ças no primeiro mês de vida; 62% do primeiro ao quar-
dade, recomenda-se a realização de hemograma com to mês; 33% do quinto ao oitavo mês; 11% entre nove
contagem de plaquetas duas vezes por semana, pelo e 12 meses e apenas 3% no segundo ano de vida.
menos, ou de acordo com a evolução clínica.
O perfil epidemiológico da rubéola sofreu
Ácido folínico: 5 mg/dia, três vezes por sema- algumas alterações que se iniciaram em 1992, quando
na aumentando para 10 mg/dia após um mês de vida foi introduzida a vacinação contra a rubéola no Brasil
(nos tratamentos com pirimetamina). por meio da vacina tríplice viral (sarampo, rubéola e
Prednisona ou prednisolona: 1 mg/kg/dia, caxumba) e, posteriormente, com a inclusão da rubéola
12/12 horas (se coriorretinite aguda ou hiperprotei- e da SRC na lista de doenças de notificação compulsória
norraquia). Poderá ser utilizada até redução do proces- em 1996. A seguir, no período de 1997-2000, observou-
so inflamatório. se um deslocamento da incidência da doença para a
O tratamento da toxoplasmose congênita sin- população de adultos jovens, mais precisamente entre
tomática é realizado por um ano. No RN com testes 15 e 29 anos de idade, e, acompanhando essa tendência,
inconclusivos cuja infecção materna foi adquirida du- a incidência de SRC também aumentou. Devido ao risco
rante a gestação, recomenda-se a terapêutica por 30 de uma epidemia de SRC no Brasil, o Ministério da Saúde
dias; a manutenção do tratamento depende da evolu- e a Organização Pan-Americana de Saúde promoveram
ção clínica e laboratorial. um plano de prevenção da rubéola congênita por meio
de uma campanha vacinal entre os anos de 2001 e 2002
em diversos estados brasileiros e que teve importante
impacto na diminuição da incidência da SRC, conforme
Prevenção ilustra o gráfico a seguir.
Não há vacina antitoxoplasma. Desse modo, é de 120 3,5
grande importância que, durante o pré-natal, a gestante 3
Fonte: Sinan
*Denominador: População < 1 ano, IBGE
Os principais mecanismos envolvidos no proces- de que aparentemente não haja viremia. Há também a
so de lesão fetal são: possibilidade de realização do teste de avidez da IgG nos
inibição mitótica: mais frequentemente rela- casos de presença de IgM no sangue materno.
cionada à destruição do cristalino, restrição de O diagnóstico de infecção fetal pode ser feito
crescimento, lesões ósseas e desorganização da através da detecção de anticorpo (AC) IgM em sangue
organogênese; obtido por cordocentese ou isolamento viral em amos-
lesão do endotélio vascular: ocasionando en- tras de vilos coriônicos ou em líquido amniótico.
cefalite, retardo mental e surdez central e coclear. O diagnóstico laboratorial de infecção no recém-
-nascido é obtido através de: isolamento viral em se-
creções respiratórias, detecção de Ac IgM específico ou
IgA em sangue de cordão umbilical ou do RN, persis-
Quadro clínico tência e/ou elevação dos títulos de Ac IgG antirrubéola
As alterações clínicas da SRC podem ser classifi- em crianças de até três a seis meses de idade.
cadas como: Segundo o CDC (Center for Disease Con-
Transitórias: decorrentes do acometimento sis- trol), os critérios para o diagnóstico da SRC são:
têmico. Os recém-nascidos que apresentam as confirmado: defeito compatível, confirmado
manifestações transitórias costumam evoluir com laboratorialmente.
restrição de crescimento intrauterino e déficit de
crescimento após o nascimento. Podem apresen- provável: presença de dois defeitos primários
tar ainda hepatoesplenomegalia, hepatite com ou um primário e um secundário, não confirma-
icterícia colestática, trombocitopenia, anemia he- do laboratorialmente.
molítica, adenomegalia, meningoencefalite, mio- suspeito: apenas alguns achados compatíveis.
cardite, osteopenia de ossos longos (rarefações infecção congênita: assintomática e exames
lineares nas metáfises) e exantema crônico. laboratoriais negativos para rubéola, mas su-
Permanentes: correspondem aos defeitos estru- gestivos de infecção congênita.
turais e congênitos como as malformações car-
díacas (persistência do canal arterial e estenose
pulmonar), alterações oftalmológicas (retino-
Os defeitos primários são:
patia pigmentar, catarata, glaucoma, microf- catarata;
talmia), microcefalia, retardo mental e a surdez glaucoma;
neurossensorial que acomete cerca de 80% ou
mais dos infectados.
cardiopatia congênita;
Tardias: geralmente observadas no seguimento dos
deficiência auditiva de origem central;
recém-nascidos acometidos. Destacam-se o diabe- retinopatia pigmentar.
tes melito insulinodependente, disfunções tireoi-
dianas e as lesões oculares, vasculares e do sistema
Os defeitos secundários são:
nervoso central, que podem ter início mais tardio.
púrpura;
hepatoesplenomegalia;
Diagnóstico icterícia;
microcefalia;
Deve existir a suspeita se houver rubéola materna
durante os primeiros três meses de gestação, ou quando retardo de desenvolvimento;
o contato com o vírus tiver sido íntimo ou prolongado. meningoencefalite;
Lembrar que a maior parte das gestantes já tem imuni- radiolucência de ossos.
dade à rubéola. A possibilidade de a gestante desenvolver
a doença assintomática dificulta o diagnóstico. O diag-
nóstico laboratorial da infecção materna é fundamen- Conduta após exposição materna:
tal. Convém frisar que a infecção primária da rubéola averiguar o grau de exposição (contato domésti-
é acompanhada por uma resposta inicial em anticorpo co versus contato ocasional);
IgM seguida por um aumento de IgG, enquanto na rein- realizar sorologia para rubéola (hemaglutina-
fecção a resposta é um aumento de IgG, com a caracte- ção) tão logo seja possível. Se positiva, significa
rística resposta tipo booster. O tempo de persistência da infecção antiga e, portanto, não há risco da in-
IgM é importante para a distinção entre infecção primá- fecção atual. Se negativa, repetir o exame duas
ria e reinfecção. Na primária há grande risco para o feto, semanas depois. A administração de gamaglo-
enquanto na reinfecção parece não haver problemas, des- bulina tem efeito insignificante para o feto.
relatos frequentes de complicações referentes à toxi- almente infectadas pelo T. cruzi em todo o território
cidade da droga, principalmente com neutropenia. O americano. O baixo nível socioeconômico bem como a
tratamento com ganciclovir em crianças com infecção precariedade das habitações na maior parte dessas regi-
congênita por CMV deve ser considerado, pesando os ões contribuem para a prevalência da doença.
riscos e benefícios, com indicações restritas e indivi-
dualizadas. As crianças que poderiam se beneficiar do
tratamento são aquelas com infecção sintomática con-
firmada, idade inferior a 1 mês ao diagnóstico e evi- Etiopatogenia
dências de acometimento do sistema nervoso central, O parasita circula no sangue humano sob a forma
alteração auditiva e/ou coriorretinite, excluindo-se chamada tripomastigota, sendo que divisões celulares
outras etiologias de infecção congênita. O esquema não ocorrem na corrente sanguínea. Quando no teci-
proposto por Kimberlin e colaboradores e atualmen- do, o parasita perde o flagelo e a membrana ondulante
te utilizado é feito com ganciclovir na dose de 8 a 12 se modifica para uma forma chamada amastigota, que
mg/kg/dia de 12/ 12 horas em infusão endovenosa se multiplica por divisão binária. Massas de amastigo-
lenta, por uma hora, durante seis semanas. Em casos tas se agrupam em pseudocistos, onde se modificam
de neutropenia (≤ 500 células/mm3) e plaquetopenia para as formas tripomastigotas, que rompem o pseu-
(≤ 50.000/mm3) deve-se reduzir a dose da medicação docisto, novamente entrando na corrente sanguínea. A
para 4 a 6 mg/kg/dia, e se as alterações persistirem transmissão congênita do T. cruzi para o feto pode
por mais de uma semana suspender a medicação até a ocorrer em qualquer fase da doença materna. A
normalização desses parâmetros. parasitemia materna é maior na fase aguda da infecção,
porém o período de intensidade é curto. A maioria das
infecções congênitas ocorre em crianças de mães
que se apresentam na fase crônica da doença.
Profilaxia O parasita chega na placenta por via hematogê-
As mulheres grávidas soropositivas para o CMV nica e passa da região do vilo placentário para o trofo-
têm um risco de dar à luz uma criança sintomática. blasto. Depois da diferenciação para a forma amasti-
As soronegativas devem ser aconselhadas quanto às gota, o parasita permanece nas células fagocíticas da
medidas de higiene. Não existe nenhuma vacina efi- placenta até estas serem liberadas para a circulação fe-
caz para CMV. É importante o isolamento do RN pela tal. A placenta infectada é pálida, amarela e volumosa,
sua excreção viral prolongada e possibilidade de con- com aparência semelhante à que é vista nos casos de
eritroblastose fetal. A infecção placentária é muito
tactantes, particularmente gestantes sorologicamente
mais comum que a infecção fetal. A doença é im-
negativas. A contaminação em creches ou escolas ma-
portante causa de abortamento e hidropsia fetal.
ternais bem como em famílias é alta, principalmente
pela grande quantidade de vírus isolado na saliva e
urina dessas crianças com infecção assintomática.
Quadro clínico
A doença pode se manifestar logo ao nasci-
Prognóstico mento ou após alguns meses. Os recém-nascidos
doentes, na sua grande maioria, são pré-termo
A mortalidade não é alta na forma congênita ou de baixo peso ao nascer. Vários órgãos ou sis-
subclínica, porém a forma clássica é potencialmente temas podem estar comprometidos nas crianças
fatal. O prognóstico neurológico é ruim, com retardo doentes, e a presença de icterícia e esplenomega-
no desenvolvimento neuropsicomotor e perda da acui- lia são os principais sinais da infecção congênita.
dade visual e auditiva, mesmo nos casos subclínicos.
O sistema nervoso pode estar afetado em
50% dos casos, com presença de meningoence-
falite, hidrocefalia e convulsões. A meningoen-
cefalite, a princípio, pode ser assintomática. Os
Doença de Chagas olhos podem apresentar ceratite. Nas formas congê-
nitas da doença, a miocardite chagásica não é comum,
congênita sendo pouco frequentes as complicações cardíacas.
O sistema hematopoiético também é comprometido,
A doença de Chagas é uma infecção causada com o aparecimento de anemia, petéquias e púrpura.
pelo Trypanosoma cruzi, na maioria das vezes gra- O comprometimento gastrointestinal é caracterizado
ve, com acometimento de vários órgãos, transmi- pelo aparecimento de disfagia, megaesôfago e peris-
tida ao homem por hemípteros hematófagos da taltismo. Em pele e mucosa podem aparecer lesões
subfamília Triatominae (barbeiro). Estima-se que necróticas que correspondem à disseminação hemato-
aproximadamente 20 milhões de pessoas estejam atu- gênica de chagomas.
22
Hiperbilirrubinemia
dase, que reconverte a bilirrubina conjugada em não alaranjada; nos casos de hiperbilirrubinemia direta,
conjugada, podendo ser reabsorvida num ciclo conhe- ou seja, do tipo obstrutivo, manifesta-se com uma co-
cido como circulação entero-hepática. Bactérias na loração amarelo-esverdeado ou fosco.
luz intestinal (escassas no RN) convertem a bilirru- O primeiro passo para o diagnóstico diferencial
bina conjugada em urobilinogênio e estercobilinogê- das icterícias do recém-nascido é a divisão das mesmas
nios, que não sofrem ação da betaglicuronidase (efeito em precoces e tardias. Icterícia precoce é a que se torna
protetor para a circulação entero-hepática).
visível nas primeiras 24 horas de vida, e tardia é a que
O metabolismo da bilirrubina no RN está em aparece depois desse período. Há uma grande diversida-
transição do estágio fetal, durante o qual a placenta é de de condições que provocam icterícia após 24 horas ou
a principal via de eliminação da bilirrubina lipossolú- até mais tardiamente. Porém, nas primeiras 24 horas, a
vel, para o estágio adulto, no qual a forma conjugada grande maioria decorre de problemas de isoimunização
hidrossolúvel é excretada pelo hepatócito no sistema por incompatibilidade sanguínea materno-fetal; portan-
biliar e depois no trato gastrointestinal. to, esse diferencial de apresentação clínica é essencial na
Há basicamente dois mecanismos responsáveis pelo abordagem prática das hiperbilirrubinemias.
quadro de hiperbilirrubinemia indireta no recém-nascido: Será discutida a seguir a icterícia fisiológica do
1- Sobrecarga de bilirrubina aos hepatócitos: O recém-nascido, bem como as principais causas de icte-
recém-nascido produz duas a três vezes mais bilirrubina rícia patológica no período neonatal.
que o adulto devido à menor vida média das hemácias
fetais (70-90 dias) e à maior quantidade de hemoglobina.
Além desses fatores, as doenças hemolíticas tais como a
incompatibilidade Rh, ABO e deficiência de G6PD, au- Icterícia fisiológica do
mento da circulação enterro-hepática e as coleções extra-
vasculares contribuem para esse mecanismo.
recém-nascido
Sob circunstâncias normais, o nível de bilirrubi-
2- Deficiência na captação, conjugação e excreção
na de reação indireta no cordão umbilical é de 1 a 3
da bilirrubina.
mg/dL e se eleva a uma taxa de menos de 5 mg/dL/24
O risco de efeitos tóxicos de níveis elevados de h; assim, a icterícia torna-se visível no segundo ou
bilirrubina não conjugada no soro é aumentado por terceiro dia de vida, geralmente atingindo o máximo
fatores que reduzem a retenção da bilirrubina na cir- entre o segundo e quarto dias de vida, diminuindo
culação (hipoproteinemia, deslocamento da bilirrubi- posteriormente até o fim da primeira semana nos re-
na dos seus sítios de ligação na albumina por ligação cém-nascidos a termo. Essa é a chamada “icterícia
competitiva de drogas, como sulfonamidas, ceftriaxo- fisiológica”, que se deve a inúmeros fatores:
na, ácido fusídico, AAS, ácidos graxos livres secundá-
rios à hipoglicemia ou hipotermia), ou por fatores que 1- maior produção de bilirrubina pela degrada-
aumentem a permeabilidade da barreira hematoence- ção das hemácias fetais;
fálica ou das membranas das células nervosas à bilir- 2- limitação transitória da conjugação da bilirru-
rubina, ou a suscetibilidade das células cerebrais à sua bina pelo fígado do RN (ação da glicuroniltransferase);
toxicidade como asfixia, prematuridade e infecção). 3- aumento da circulação enterro-hepática, com
Com base em estudos epidemiológicos, alguns elevados níveis de betaglicuronidase, ausência de bac-
neonatos a termo ou próximos ao termo podem ser térias na luz intestinal e menor trânsito;
considerados de risco para hiperbilirrubinemia na pri- 4- diminuição da quantidade de ligandinas (me-
meira semana de vida. São eles: nor captação hepática);
etnia asiática;
5- níveis relativamente maiores de eritropoese
idade materna acima de 25 anos; inefetiva.
filhos de mãe diabética; Entre prematuros, a elevação da bilirrubina sérica
idade gestacional entre 35 e 38 semanas; tende a ser a mesma ou um pouco mais lenta do que em ne-
irmão prévio que necessitou de tratamento para onatos a termo, mas é de maior duração, o que geralmente
icterícia; resulta em níveis mais altos, atingindo o máximo entre o
quarto e sétimo dias de vida; o padrão depende do tempo
sexo masculino;
necessário para que o prematuro adquira os mecanismos
presença de equimoses ou céfalo-hematoma; maduros do metabolismo e excreção de bilirrubina.
dificuldade no aleitamento materno. Praticamente todos os recém-nascidos de muito
A icterícia é a manifestação clínica da hiperbilir- baixo peso apresentam hiperbilirrubinemia indireta,
rubinemia e resulta do depósito de bilirrubina indireta sendo que a grande quantidade de glóbulos vermelhos
na pele apresentando coloração amarelo-brilhante ou e a deficiência na conjugação hepática da bilirrubina
rapia, e os restantes apresentam a doença em graus A placenta também edemacia, agravando mais a
variáveis e índice de neonatimortalidade de 3,5% hipoxemia tecidual. Podem ocorrer derrames pleurais,
(índices com recentes modificações em função dos edema pulmonar podendo evoluir até com hipoplasia
avanços em TIU – transfusão intrauterina –, cuida- pulmonar (compressão).
dos pré-natais e administração da imunoglobulina Ocorrem trombocitopenia (fenômenos hemorrá-
anti-D na puérpera).
gicos) e neutropenia, por atividade medular desviada.
Os níveis de bilirrubina no feto não são altos,
Para que haja sensibilização é necessário pois esta cruza facilmente a barreira placentária,
que o antígeno tenha contato com a mãe (trans- ligando-se à albumina materna. Excepcionalmente,
fusão de sangue Rh incompatível, hemorragia apresentará icterícia ao nascimento. A icterícia cos-
transplacentária durante a gestação ou parto, ce- tuma ser evidente no primeiro dia de vida porque os
sárea, versão externa, amniocentese e abortos); sistemas de conjugação e excreção de bilirrubina do
que exista reação com formação de anticorpos neonato são incapazes de lidar com a carga resultan-
(mãe não tenha o antígeno D); te da hemólise maciça.
que os anticorpos exerçam seus efeitos sobre o As manifestações irão depender da intensidade
feto (feto com eritrócitos com antígeno D). da hemólise intraútero e da capacidade de o feto reagir
a esse agravo. Há três níveis de gravidade:
Basicamente, a resposta imunológica leve: anemia ausente ou leve, não atingindo ní-
materna poderá ser: veis de bilirrubina para exsanguineotransfusão
primária: lenta, à custa de IgM, podendo demo- (EXST);
rar até seis meses; moderada: há palidez, esplenomegalia, BI no
secundária: nas reexposições, resposta rápida, cordão indicativa de EXST imediata e/ou icterí-
à custa de IgG, que pode atravessar a placenta. cia precoce, com progressão rápida;
A sensibilização processa-se geralmente no grave: anemia progressiva, hidropsia fetal, hi-
momento do parto por penetração das células fe- poglicemia, manifestações hemorrágicas.
tais na circulação materna, de modo que, quando Na evolução, observa-se colestase (2 a 4 semanas
ABO-incompatíveis, essas células podem ser des- de vida).
truídas rapidamente (efeito ABO protetor), ao
São descritas três formas clínicas da DHRh: icté-
passo que terão uma sobrevida normal se ABO-
-compatíveis. Uma vez ocorrida imunização, rica, anêmica ou hidrópica, conforme o predomínio e a
doses consideravelmente menores de antígeno gravidade dos sintomas.
estimulam um aumento do título de anticorpos. O diagnóstico definitivo requer a demons-
O mecanismo patogênico da DHRh resume- tração de incompatibilidade do grupo sanguíneo
-se à passagem para o feto de anticorpos anti- e do anticorpo correspondente fixado às hemá-
-D, com subsequente destruição dos eritrócitos cias do neonato.
fetais Rh-positivos. O feto responde à hemólise Em mulheres Rh-negativas, história de
produzindo eritropoetina e células vermelhas. transfusões prévias, aborto ou gravidez devem
Há intensa eritropoese extramedular (fígado e sugerir a possibilidade de sensibilização. A pro-
baço). A anemia desenvolve-se no feto, e ocorre pedêutica laboratorial imuno-hematológica da
hipoxemia tecidual. O controle da maturação eri- gestante deve incluir o acompanhamento dos
troide torna-se irregular, e aparecem eritrócitos anticorpos anti-D maternos. A avaliação do feto
nucleados no sangue periférico. Quando a capa- pode exigir informações obtidas por ultrassonografia,
cidade compensatória do sistema hematopoético amniocentese e coleta de amostras sanguíneas umbili-
é excedida, a anemia intensifica-se, há sinais de cais. Detecta-se hidropsia fetal com achados de edema
descompensação cardíaca (cardiomegalia, difi- de pele ou couro cabeludo, derrame pleural ou pericár-
culdade respiratória), anasarca maciça e colapso dico e ascite. Outros sinais precoces incluem organo-
circulatório evoluindo com hidropsia e morte. megalia (fígado, baço, coração), edema de alças intes-
À medida que o processo se intensifica, a tinais e espessamento da placenta. A amniocentese é
eritropoese hepática causa alterações em sua ar- usada para avaliar a hemólise fetal. A hiperbilirrubi-
quitetura, modificando a circulação local, poden- nemia é removida pela placenta, mas uma proporção
do causar hipertensão portal e comprometimen- significativa entra no líquido amniótico e é mensurá-
to da função celular, com redução da produção de vel por espectrofotometria. Anemias graves são diag-
albumina, diminuição da pressão coloidosmótica nosticadas por coleta de amostras sanguíneas fetais, e
e o secundário edema generalizado. transfusões intrauterinas (TIU) podem ser realizadas.
de respiratória. Podem vir opistótono, abaula- Além da dosagem sérica de bilirrubina, devem
mento de fontanela e choro estridente. Em ca- ser solicitados os seguintes exames para os recém-
sos avançados ocorrem convulsões e espasmos. -nascidos com hipótese de icterícia patológica:
Se não morrerem, parecem recuperar-se, e durante tipagem sanguínea da mãe e do RN, avaliando
dois a três meses manifestam poucas anormalidades. os sistemas ABO e Rh;
Mais tarde, no primeiro ano de vida, opistótono, ri- teste de Coombs direto (no sangue do cordão ou
gidez muscular, movimentos irregulares e convulsões do RN) e indireto (mãe);
tendem a recorrer. No segundo ano, opistótono e as
convulsões cedem, mas os movimentos involuntários
pesquisa de anticorpo anti-A ou anti-B (eluato)
no sangue do cordão ou do RN;
irregulares e a rigidez (ou hipotonia em alguns lacten-
tes) aumentam constantemente. Aos três anos, a sín- hemoglobina ou hematócrito para pesquisar
drome neurológica completa é comum e evidente, com anemia ou policitemia;
coreoatetose bilateral, espasmos musculares involun- morfologia das hemácias, reticulócitos e esferó-
tários, sinais extrapiramidais, convulsões, deficiência citos;
mental, surdez, estrabismo e fala disártrica. Nos lac- dosagem sanguínea de G6PD;
tentes levemente afetados, a síndrome pode caracteri-
pesquisa de anticorpos maternos para antíge-
zar-se por apenas incoordenação neuromuscular leve,
nos irregulares se necessário.
surdez parcial ou “disfunção cerebral mínima”.
Terapêutica das
Determinação da bilirrubina e hiperbilirrubinemias indiretas
investigação laboratorial O tratamento da icterícia deve ser direcionado
Uma das maneiras de se avaliar a icterícia no ne- para a doença de base, procurando-se conduta apenas
onato é através do exame clínico, utilizando a classifi- observadora nos casos em que a bilirrubina possa es-
cação de Kramer, que observa uma progressão da ic- tar presente somente como efeito protetor. O trata-
terícia no sentido craniocaudal, dividindo o corpo em mento da hiperbilirrubinemia, por aumento da fração
cinco zonas. Essa avaliação, apesar de muito utilizada indireta, tem por objetivo principal evitar a encefalo-
na prática clínica, deverá ser feita por profissional ex- patia bilirrubínica. Duas abordagens terapêuticas são
periente, pois é subjetiva e propensa a variações indi- amplamente conhecidas e eficazes: a fototerapia e a
exsanguineotransfusão (EXST).
viduais, tais como diferenças na pigmentação da pele e
intensidade da luz ambiente. A seguir, são apresenta-
dos a classificação de Kramer e os níveis de bilirrubina Fototerapia
associados a cada zona:
É o mecanismo pelo qual a bilirrubina, que é
uma molécula lipossolúvel, sofre transformações
Partes do Concentração média (isomerização e oxidação) pela luz, tornando-se
Zonas
corpo de bilirrubina
mais hidrossolúvel e sendo eliminada do orga-
Zona 1 Cabeça e pescoço 5 mg/dL: de 4,3 a 7,8 mg/ nismo sem a necessidade de conjugação hepáti-
dL ca. Acredita-se que quanto maior for a intensidade de
Zona 2 Até a cicatriz 8,9 mg/dL: de 5,4 a 12,2 luz emitida, maior será a eficácia da fototerapia, até
umbilical mg/dL um ponto de saturação, por volta de 20 a 25 micro-
Zona 3 Até joelhos e 11,8 mg/dL: de 8,1 a 16,5 watts/cm2/nm.
cotovelos mg/dL
Zona 4 Até tornozelos e 15 mg/dL: de 11,1 a 18,8 Os valores indicativos de fototerapia dependem do
punhos mg/dL tempo de vida do RN, do peso de nascimento, do nível de
Zona 5 Plantas dos pés e BI superior a 15 mg/dL bilirrubina sérica e da presença de fatores de risco.
palmas das mãos Não existe um consenso sobre a interrupção da
Tabela 22.2 fototerapia, mas poderá ser suspensa quando o nível
estiver pelo menos 2 mg% abaixo do nível de indicação,
Faz-se necessária a dosagem sérica de bilirrubi- ou nos RNs com doença hemolítica quando os níveis es-
nas totais e frações. Outro recurso ainda não utilizado tiverem em declínio e inferiores aos de indicação.
em larga escala em nosso meio é a utilização de medi- Não há indicação de fototerapia “profilática” para
das de bilirrubina transcutânea – BiliCheck –,método os RNs de baixo peso, pois há aumento de perdas in-
esse que possui valor limitado para níveis de bilirrubi- sensíveis. Exceção: presença de grandes sufusões he-
na acima de 13-15 mg/dL. morrágicas (equimoses, céfalo-hematoma).
25 428
20 342
Total Serum Bilirubin (mg/dL)
15 257
μmol/L
10 171
5 85
Infants at lower risk (≥ 38 wk and well)
Infants at medium risk (≥ 38 wk + risk factors or 35-37 6/7 wk. and well)
Infants at higher risk (35-37 6/7 wk. + risk factors)
0 0
Birth 24h 48h 72h 96h 5 Days 6 Days 7 Days
Age
Figura 22.1
Exsanguineotransfusão
É o mecanismo de troca de sangue no qual se removem parcialmente as hemácias hemolisadas, anticorpos
ligados ou não às hemácias e bilirrubina plasmática. Estima-se que 80% dos anticorpos e 50% da bilirrubina
plasmática sejam removidos durante um procedimento. Ela está reservada para os casos em que não se conseguiu
controlar a hiperbilirrubinemia por meio da fototerapia de alta intensidade e que necessitem de rápida redução
dos níveis de bilirrubina.
Indicações
Ao nascimento: RN hidrópico (pálido e/ou ictérico, com hepatoesplenomegalia, edema, ICC, petéquias), com
dados maternos de sensibilização pelo antígeno Rh.
Nas primeiras 24 horas (sensibilização Rh).
Após exames laboratoriais: sangue do cordão com Coombs direto positivo, BI > ou = 4 mg/dL e Hb
< ou = 13 g%.
Elevação da bilirrubina indireta acima de 0,5 mg/dL/h, nas primeiras 24 horas de vida.
Após 24 horas de vida.
23
Emergências pediátricas - parada
cardiorrespiratória, insuficiência
respiratória e choque
27% nos eventos hospitalares. A sobrevida sem seque- ção do controle da respiração. As obstruções de vias
las de crianças submetidas a graves lesões, traumáti- aéreas superiores comumente encontradas na pedia-
cas ou não, depende de um pronto atendimento e de tria são o crupe viral, obstrução por corpo estranho e
sua qualidade, pré-hospitalar e hospitalar. anafilaxia. As vias aéreas inferiores podem apresentar
Assim, a abordagem da PCR em pediatria deve ca- resistência à entrada do ar em patologias como bron-
minhar em duas vertentes: prevenindo os agravos que quiolite e asma. Dentre as doenças do parênquima
a causam e iniciando precocemente e de forma eficaz as pulmonar a mais frequente na infância é a pneumo-
manobras de RCP quando ela já estiver instalada. nia infecciosa, enquanto a alteração do controle da
respiração,como etiologia da insuficiência respirató-
Para prevenir a PCR na faixa etária pediátrica é ria, pode ocorrer em casos de intoxicações exógenas
importante o reconhecimento dos sinais e sintomas da ou na vigência de alterações neurológicas como o au-
falência respiratória e do choque, permitindo o início mento da pressão intracraniana.
rápido do tratamento dessas circunstâncias e evitando
a progressão para a cessação da atividade cardíaca.
Causas de insuficiência respiratória
Obstruções de vias aéreas superiores
Obstruções de vias aéreas inferiores
Insuficiência Doenças do parênquima pulmonar
sejam insuficientes, ocorrem a piora dos parâmetros ção do volume circulante efetivo. Devemos lembrar
circulatórios e a evolução para a hipotensão arterial que a pressão arterial (PA) é igual ao débito cardíaco
sistólica. A partir do momento em que a PA sistólica (DC), multiplicado pela resistência vascular sistêmica
fica abaixo dos níveis de normalidade para a faixa etá- (RVS). Portanto, como temos queda da RVS no choque
ria, chamamos o choque de descompensado. séptico, o organismo aumenta o seu DC (por meio da
Em resumo, o choque compensado é aquele liberação de catecolaminas e outras substâncias) para
com pressão arterial sistólica normal, enquanto manter uma PA adequada.
o choque descompensado é aquele com pressão 4. Obstrutivo: ocorre quando existe aumento
arterial sistólica baixa (hipotensão).. da resistência contra a qual o coração trabalha. A con-
dição mais frequente em que pode ocorrer o choque
obstrutivo é no pneumotórax hipertensivo. Deve-se
Valor da PA sistólica no percentil 5% suspeitar dessa condição em pacientes politraumati-
Idade Percentil 5 da PAS zados ou em ventilação mecânica. Além dos sinais de
0 – 1 mês 60 mmHg choque, estão presentes a diminuição dos murmúrios
1 mês – 1 ano 70 mmHg à ausculta pulmonar e o timpanismo à percussão. O
70 mmHg + 2 x idade em tamponamento cardíaco é uma causa pouco usual
1 ano – 10 anos
anos de choque obstrutivo, mas deve-se estar atento a ele
> 10 anos > 90 mmHg quando o paciente não responde ao tratamento da
Tabela 23.4 maneira esperada. O abafamento das bulhas cardíacas
e o achatamento do complexo QRS (no ECG) podem
causar suspeita sobre esse diagnóstico, que pode ser
confirmado pelo ecocardiograma.
Classificação
1. Hipovolêmico: causado por redução do volume
intravascular, seja por sangramento, diarreia, baixa inges-
Tratamento
ta ou oferta de líquidos, diurese osmótica. É a causa mais O tratamento do choque consiste em restabe-
comum de choque em pediatria. Um aspecto importante lecer o balanço entre oferta e consumo de oxigênio e
no choque hipovolêmico é que a hipotensão só ocorrerá demais nutrientes teciduais. Conforme veremos no
quando a perda volêmica for maior do que 20% da vole- próximo capítulo, a sequência de ressuscitação car-
mia; portanto, é um sinal tardio da gravidade do paciente. diopulmonar foi alterada do A-B-C para o C-A-B nas
Diretrizes da American Heart Association 2010, mas
essa alteração é válida somente para pacientes que se
SVR encontram em PCR. Em todas as outras situações de
emergências pediátricas em que o paciente não esteja
em parada cardiorrespiratória a avaliação e conduta
devem seguir a sequência: A- abertura de vias aéreas,
Normal
Para choques frios, as drogas comumente utilizadas plada pelas diretrizes pediátricas. Quando profissio-
são a dopamina (enquanto paciente normotenso) e a nais de saúde reanimarem crianças a partir de 1 mês de
epinefrina, enquanto para choques quentes prefere-se vida até o início da adolescência (definida pela presen-
a norepinefrina. Nos pacientes que apresentam res- ça de caracteres sexuais secundários), deverão fazê-lo
posta pouco satisfatória às drogas vasoativas ou que segundo as normas pediátricas. Socorristas leigos, ao
façam uso crônico de corticosteroides, deve-se consi- realizarem o suporte básico de vida (SBV), continuam
derar o uso de hidrocortisona, devido ao risco de insu- seguindo as recomendações pediátricas para crianças
ficiência adrenal. até 8 anos de idade.
Diminuir o consumo de oxigênio, com controle O diagnóstico da parada cardiorrespiratória é re-
da febre, sedação e ventilação mecânica precoce, pode alizado pela ausência de pulsos em grandes vasos, ap-
auxiliar no controle do choque séptico. neia (ou respiração ineficaz: gasping) e inconsciência.
A determinação do pulso em crianças no momento da
emergência, mesmo para indivíduos treinados, pode
ser difícil. Assim, se uma criança se encontra em ap-
Choque cardiogênico neia e inconsciente e o profissional de saúde, em até
10 segundos, não sentir o pulso ou estiver inseguro
Após garantir oxigenação e ventilação adequa-
quanto a isso, ele deverá iniciar as manobras de res-
das, sem que se tenha o diagnóstico de que o choque
suscitação cardiopulmonar (RCP).
é cardiogênico, caso se proceda a uma expansão volu-
métrica, o paciente pode evoluir com estertoração pul-
monar, hepatomegalia e piora da taquicardia. Por isso,
é importante que, caso haja suspeita de choque cardio-
gênico, a expansão seja, quando necessária, realizada
de forma mais cuidadosa, utilizando-se apenas 5 a 10
Suporte Básico de Vida
mL/kg de soro fisiológico 0,9%. O tratamento especí- (SBV) para profissionais
fico do choque cardiogênico é a introdução de droga
vasoativa com ação inotrópica, que deve ser escolhida de saúde
conforme o quadro clínico do paciente.
A principal diferença em relação ao SBV apli-
cado por profissionais de saúde e socorristas leigos,
além da faixa etária, é a consideração da provável
Choque obstrutivo causa da parada na decisão do melhor momento para
Como em todos os outros tipos de choque, deve- acionar o serviço de emergência (call first X call fast)
-se iniciar com permeabilização da via aérea e oferta para socorristas que atuam sozinhos. Por exemplo,
de oxigênio. A expansão com SF 0,9% produz apenas se um profissional de saúde testemunhar, sozinho,
melhora fugaz. Ao suspeitar de pneumotórax hiper- o colapso repentino de uma vítima (mesmo que seja
tensivo, a punção de alívio deve ser realizada imedia- uma criança), poderá presumir que ela sofreu uma
tamente. A seguir, procede-se à drenagem do tórax PCR primária (origem cardíaca) com um ritmo des-
(geralmente realizada por cirurgião). No tampona- fibrilável e deverá acionar imediatamente o serviço
mento cardíaco, após as medidas iniciais, deve-se fa- de emergência, buscar um DEA (desfibrilador auto-
zer punção de alívio e drenagem (feitas por cirurgião). mático externo) e retornar assim que possível para
aplicar a RCP. Esse procedimento é chamado de “call
As primícias que regem o Suporte Básico e Avan- first”, ou seja, pedir ajuda antes de iniciar as mano-
çado de Vida em Pediatria adotados na maioria dos bras de ressuscitação, e está indicado para colapso
países do Continente Americano são provenientes de súbito testemunhado para qualquer faixa etária, já
estudos e debates realizados pela American Heart As- que, para esses pacientes, o fator prognóstico mais
sociation (AHA)- Emergency Cardiac Care Committee. importante para a sobrevida é o intervalo entre o co-
O primeiro consenso pediátrico em suporte avançado lapso circulatório e a desfibrilação. Porém, para uma
de vida foi publicado em 1986 e tem sido sistematica- criança sem colapso súbito testemunhado em que o
mente revisado à luz de novos estudos e pesquisas. A provável evento que levou à PCR é a hipóxia ou hiper-
revisão mais recente deu origem às Diretrizes da AHA capnia a prioridade é aplicar compressões torácicas
2010 para RCP, que trazem mudanças importantes, com ventilação de resgate por cerca de 5 ciclos (apro-
por exemplo, a alteração da sequência da RCP do anti- ximadamente 2 minutos) antes de acionar o serviço
go A-B-C para C-A-B. de emergência. Nesses casos, o provável ritmo de
Contudo, muitas recomendações permanecem parada é a assistolia, e a reanimação cardiopulmonar
inalteradas, como a ênfase quanto à necessidade do deve ser feita o mais precocemente possível com a
início precoce das manobras e a faixa etária contem- posterior (mas não tardia) ativação dos serviços
24
Emergências pediátricas - suporte
básico e avançado de vida
(C-A-B da ressuscitação)
Figura 24.5 Respiração boca a boca-nariz em lactente Figura 24.6 Uso de bolsa-máscara (Ambu) por dois
menor de um ano de idade.. ressuscitadores.
rítimo chocável deve receber a desfibrilação. Porém cardiopulmonar. As punções de veias periféricas po-
nenhum dos procedimentos deve atrasar ou atrapa- dem ser realizadas em qualquer sítio, com o dispositi-
lhar as compressões torácicas que têm sido considera- vo mais calibroso possível.
das fundamentais para a diminuição da morbimortali- Se o acesso venoso não for rapidamente obtido,
dade na PCR em qualquer faixa etária. uma punção intraóssea deve ser realizada. O acesso
Se durante a monitorização for detectado um intraósseo é uma opção segura e rápida para ad-
ritmo de parada chocável, como por exemplo fibrila- ministração de drogas, fluidos e sangue. Pode ser
ção ventricular (para maiores detalhes veja Capítu- obtido em 30-60 segundos. Nessa técnica, o médico uti-
lo 3), o choque deve ser aplicado e os ciclos de RCP liza uma agulha rígida, preferencialmente específica para
iniciados imediatamente. Após 2 minutos ou cinco esse fim, introduzindo-a perpendicularmente à tíbia an-
ciclos, se não houver mudança do ritmo um novo terior (ou com leve inclinação caudal), 1-3 cm abaixo da
choque deve ser aplicado. tuberosidade medial, na superfície anteromedial; após a
punção, a agulha adequadamente posicionada deve ficar
A dose inicial é de 2 J/kg, e se forem necessários
fixa no osso. O acesso intraósseo pode ser obtido em ou-
choques subsequentes a dose deve ser de no mínimo 4 J/
tros locais, como fêmur, espinha ilíaca etc. e em qualquer
kg (podendo ser aumentada até o máximo de 10 J/kg).
idade, inclusive adultos. A região tibial costuma ser esco-
A obtenção de acesso venoso é fundamental para lhida, na prática, por ser um local de fácil acesso durante
a administração de drogas e outros fluidos durante o as manobras de RCP e que pode ser utilizado em qual-
suporte de vida avançado. Durante a PCR, o melhor quer idade. Complicações ocorrem em menos de 1%
acesso é aquele obtido o mais rapidamente possível, dos casos e incluem fratura, síndrome comparti-
desde que não atrapalhe as manobras de ressuscitação mental, extravasamento de drogas e osteomielite.
A Sitio
Recém-nato B Adolescente
alternativo 60º 1-2 cm abaixo da
Maléolo
tuberosidade fibial medial
75-80º 60º
Superfície medial
anterior da tíbia
80º
platão Fêmur
da tíbia
C Crista
ilíaca Espinha D Lado distal E
ilíaca da tíbia Recém-nascido
Espinha
anterior para
ilíaca
superior crianças
posterior
mais
superior
velhas
Criança
Apesar de o acesso venoso central ser uma via mais segura e eficaz que a periférica durante a PCR, ele ge-
ralmente não é necessário na maioria das RCP. Além de poder retardar a administração de drogas, a inserção de
um cateter central durante a RCP pode causar complicações como laceração vascular, hematomas e sangramen-
tos. Assim, é preferível a obtenção de um acesso periférico ou intraósseo em relação ao central no momento da
reanimação. No entanto, se o paciente já estiver com acesso central durante a PCR, este deve ser escolhido para
administração dos fármacos.
A via endotraqueal de administração de drogas, embora possível, é muito pouco utilizada atualmente nas
crianças devido à absorção irregular dos fármacos e ao retardo da administração destes (o paciente deve, primei-
ro, ser submetido a intubação orotraqueal para depois receber as medicações). Quando utilizada, essa via pode
receber as seguintes medicações: atropina, naloxona, epinefrina e lidocaína.
IMPORTANTE: Após a infusão endovenosa ou intraóssea de medicação, deve-se SEMPRE realizar um flush
de solução fisiológica de 5 a 10 mL para “empurrar” a droga para a circulação central.
Adrenalina
Dose 0,01 mg/kg = 0,1 mL/kg da solução 1:10.000
(1 mL de adrenalina + 9 mL de soro fisiológico)
Deve ser repetida a cada três a cinco minutos, na mesma dose. Atualmente, não é mais preconizado o uso da
adrenalina “pura” ou “dose alta” durante a RCP, exceto em algumas situações especiais como na intoxicação por
betabloqueador.
Vasopressina
Pode ser usada como uma alternativa à epinefrina para o tratamento de fibrilação ventricular refratária ao
choque em adultos. Os dados ainda são insuficientes para avaliar a eficácia e a segurança em pediatria, e seu uso
rotineiro não está recomendado.
Glicose
Está indicada em caso de hipoglicemia, na dose de 0,5 a 1 g/kg EV/IO. Hiperglicemia durante a PCR está
associada a um pior prognóstico neurológico; portanto, não deve ser usada desnecessariamente.
Cálcio
Deve ser usado APENAS em hipocalcemia documentada, intoxicação por bloqueadores de canal de cálcio,
hipermagnesemia e hipercalemia grave. A infusão rápida pode causar bradicardia e assistolia. Precipita-se na pre-
sença de bicarbonato. As Diretrizes da AHA 2010 reforçam a recomendação de administrar cálcio apenas nessas
situações específicas, já que estudos mostraram que o uso de cálcio de rotina na PCR não produz benefícios.
Bicarbonato de sódio
Apesar de a acidose metabólica ser extremamente comum em PCR, não se recomenda o uso do bicarbonato
de sódio rotineiramente. Ele está indicado especificamente em pacientes com hipercalemia, intoxicação por anti-
depressivos tricíclicos ou bloqueadores dos canais de cálcio. Em geral, a acidose metabólica é tratada por meio de
ventilação e oxigenação adequadas e melhora da perfusão tecidual. O bicarbonato de sódio pode ser considerado
nos casos de PCR prolongada após o manejo com compressões torácicas, ventilações e adrenalina.
Atropina
É uma droga parassimpaticolítica, que promove o aumento da frequência sinusal e acelera a condução atrio-
ventricular. É indicada em casos de bradicardia, acompanhada de sinais de perfusão ruim, que não responderam à
oxigenação e ventilação adequadas, cuja causa suspeita-se que seja aumento do tônus vagal ou bloqueio atrioven-
tricular. É utilizada também em algumas intoxicações como naquelas por organofosforados. A dose é 0,02 mg/kg,
mínimo de 0,1 mg (para evitar bradicardia paradoxal associada a doses menores), máximo 0,5 mg em crianças e
1 mg em adolescentes.
Cânula endotraqueal
Os cânulas endotraqueais podem ser com cuff (manguito) ou sem cuff, dependendo da necessidade do pa-
ciente. Sabe-se, atualmente, que tubos com cuff, quando utilizados de forma adequada, não só não são prejudiciais
como podem ser úteis em situações especiais, por exemplo, quando for necessário utilizar altas pressões ventila-
tórias. Para escolher o tamanho adequado da cânula utilizamos, em geral, a regra a seguir.
Cânulas sem cuff = I/4 +4 Cânulas com cuff = I/4 + 3,5 I: é a idade da criança em anos
Tubos traqueais 0,5 mm maiores e menores devem estar disponíveis no momento da IOT. Por exemplo,
numa criança de seis anos, devemos usar: 6/4 + 4 = 5,5 (sem cuff). Portanto, usaremos cânulas traqueais no 5,5.
Cânulas nos 5 e 6 devem estar disponíveis. Existem, também, métodos para estimar o tamanho do tubo endotra-
queal através da estatura da criança.
Laringoscópio
Laringoscópio é o instrumento utilizado para a exposição e visualização da laringe durante a intubação. Seu
funcionamento adequado deve ser checado antes do momento da IOT. A intubação orotraqueal é preferível à na-
sotraqueal, pois a primeira pode ser realizada mais rapidamente. As lâminas do laringoscópio mais utilizadas para
intubar crianças são as retas, e a técnica é a do pinçamento da epiglote com a lâmina. Porém, se o profissional que
estiver procedendo à intubação tiver mais experiência com lâminas curvas, estas podem ser utilizadas, lembran-
do, sempre, da técnica correta dessas lâminas (colocação da ponta do laringoscópio na valécula).
Monitorização
Para a realização da IOT o paciente deve estar monitorizado. A presença de oxímetro de pulso desde o início
é obrigatória, e após a IOT a detecção de CO2 exalado (capnografia ou colorimetria) é recomendada como técnica
complementar para avaliar a posição do tubo traqueal (Diretrizes da AHA 2010).
Durante as tentativas de IOT, deve-se observar a oxigenação do paciente, e, se houver queda da saturação, o
procedimento deve ser interrompido e a criança ventilada por meio de bolsa-valva- máscara, com O2 a 100%. Após
a IOT, o posicionamento correto da cânula deve ser checado por meio da visualização da expansibilidade torácica
bilateral, da ausculta de murmúrios vesiculares, da ausência de ruídos aéreos na ausculta do abdome superior
(significando que o tubo traqueal não está localizado no estômago), da visualização de vapor na cânula traqueal e
da monitorização do CO2 expirado. Na criança, a ausculta para checagem do posicionamento da cânula deve ser
feita primeiro em região axilar, seguida por ápices pulmonares, e só depois o abdome superior deve ser ausculta-
do devido a peculiaridades anatômicas dessa faixa etária. O raio X de tórax deve ser realizado logo que possível.
Caso o paciente intubado apresente súbita piora do padrão respiratório ou da oxigenação, devemos checar se
está ocorrendo DOPE (Deslocamento do tubo traqueal, Obstrução do tubo traqueal, Pneumotórax hipertensivo,
Equipamento com falência).
A B
Epiglote
Valécula Língua
Glote Cordas
Esôfago vocais
A B
Língua
Epiglote
Valécula
Glote
Traqueia
Esôfago
Cuidados pós-ressuscitação
As Diretrizes da AHA 2010 enfatizam os possíveis benefícios da hipotermia terapêutica (32 °C a 34 ºC)
para pacientes em estado comatoso após a ressuscitação de uma parada cardíaca. Os estudos em adultos têm de-
monstrado grande eficácia da hipotermia induzida, e segundo as diretrizes atuais esta pode ser considerada para
lactentes e crianças que permaneçam comatosos após a RCP.
25
Emergências pediátricas -
distúrbios do ritmo
Introdução R
PR
T
P
O eletrocardiograma é uma representação
Q
gráfica da despolarização e repolarização miocár- S
Nodo
Sinoatrial
Nodo Auriculeta
Atrioven- Esquerda
tricular
Feixe de Divisão Posterior
Hills Divisão Anterior
Auriculeta Sistema de
Direita Purkinje
Figura 25.1 Sistema de condução cardíaca.. Figura 25.3 ECG: ondas P e QRST normais.
251
25 Emergências pediátricas - distúrbios do ritmo
Bradicardia
A bradicardia é definida como uma FC baixa
quando comparada às frequências cardíacas normais
para a idade do paciente. Uma bradicardia é consi-
derada clinicamente significativa quando está asso-
ciada a sinais de má perfusão sistêmica (perfusão
Figura 25.4 ECG normal. periférica ruim, hipotensão, insuficiência respirató-
ria, alteração do nível de consciência). Frequências
A frequência cardíaca (FC) normal depende da cardíacas menores que 60 bpm com perfusão
idade e do nível de atividade da criança, com FC maior inadequada indicam o início das manobras de
quanto menor for a criança. A tabela a seguir mostra a RCP. As causas mais comuns de bradicardia são por
média de FC para cada faixa etária. hipoxemia, hipotensão e acidose. Essas situações de-
vem ser sempre tratadas quando presentes. Quando
FC paciente FC paciente a bradicardia persiste está indicado o tratamento
Idade
acordado dormindo farmacológico, administrando adrenalina na dose de
RN- 3 meses 85-200 bpm 80-160 bpm 0,1 mL/kg da solução 1:10.000 EV/IO (0,01 mg/kg),
3 meses- 2 anos 100-190 bpm 75-160 bpm repetida a cada 3-5 minutos se necessário. Atropina
anos 60-140 bpm 60-90 bpm pode ser usada em suspeita de estímulo vagal ou to-
>10 anos 60-100 bpm 50-90 bpm xicidade por droga colinérgica (dose 0,02 mg/kg EV/
Tabela 25.1 IO, mínimo de 0,1 mg, máximo de 0,5 mg em crian-
ças e 1 mg em adolescentes).
Devemos nos lembrar de que o ECG proporciona
informações sobre a atividade elétrica cardíaca e não
sobre a efetividade da contração miocárdica, que deve
ser observada clinicamente através da avaliação da
perfusão periférica e da presença e qualidade dos pul-
sos. Em todas as arritmias, as causas tratáveis devem
ser sempre consideradas (6 Hs e 5 Ts: hipoxemia, hi-
povolemia, hipotermia, distúrbios hidroeletrolíticos e
acidobásicos, hipoglicemia, hipo/hipercalemia e hipo/ Figura 25.6 Bradicardia.
hipercalcemia, tamponamento cardíaco, toxinas/in-
toxicações, tromboembolismo pulmonar, tensão no
tórax-pneumotórax hipertensivo, trauma).
Fibrilação ventricular (FV)
É um ritmo caótico, desorganizado, incapaz de
Assistolia promover uma contração miocárdica efetiva e, por-
tanto, incapaz de gerar um pulso palpável. Ocorre
É o ritmo mais frequentemente encontrado em menos de 10% dos casos de PCR monitoriza-
na PCR e é caracterizado por ausência de ativi- da na faixa etária pediátrica. Para tratar a parada
dade elétrica cardíaca. Deve ser tratada com mano- cardíaca associada a FV, as Diretrizes da AHA 2010
bras de ressuscitação cardiopulmonar (ABC); a droga recomendam a aplicação de choques únicos, seguidos
utilizada é a adrenalina (dose 0,1 mL/kg da solução imediatamente de um ciclo de RCP, começando com
1:1.0000 EV/IO = 0,01 mg/kg), que deve ser repetida compressões torácicas. Os socorristas não devem in-
a cada 3 a 5 minutos, nas mesmas doses. terromper as compressões torácicas para verificar
presença de pulso até aproximadamente 2 minutos de
RCP terem sido aplicados após o choque. Após 2 minu-
tos de RCP, o ritmo deve ser checado através do moni-
tor, e, somente se houver mudança no ritmo, o pulso
deverá ser verificado. A adrenalina deve ser adminis-
trada assim que uma via de acesso estiver pronta, ti-
picamente se FV persistir após a aplicação do primeiro
ou segundo choque. O uso de antiarrítmicos deve ser
considerado após a primeira dose de adrenalina, e a
Figura 25.5 Assistolia. amiodarona é a droga geralmente utilizada.
Taquicardia supraventricular
Taquicardia ventricular (TV)
(TSV)
É um ritmo incomum em pediatria. O complexo
QRS é gerado no próprio ventrículo, ocorrendo alar-
É a taquiarritmia que provoca comprometi-
gamento do QRS no ECG (QRS > 0,09 s). Pode ocorrer
mento cardiovascular mais comum da infância. É
taquicardia ventricular com ou sem pulso. A taquicar-
dia ventricular sem pulso é tratada como fibrila- um ritmo rápido e regular, que pode surgir e desapare-
ção ventricular, ou seja, desfibrilação imediata cer abruptamente (paroxismo). A causa mais comum é
(2 J/kg) seguida das manobras de ressuscitação um mecanismo de reentrada. Em menores de um ano,
e drogas (adrenalina 0,1 mL/kg da diluída = 0,01 a FC é geralmente maior do que 220 e, em maiores de
mg/kg). Caso não haja retorno da circulação espontâ- um ano, maior do que 180, com QRS estreito (< 0,08
nea, novas tentativas de desfibrilação devem ser reali- s) na maioria dos casos. Crianças maiores podem se
zadas com carga de, no mínimo, 4 J/kg. Amiodarona e queixar de desconforto torácico, tontura, delírios, ta-
lidocaína são outras opções de drogas em caso de não quicardia. O diagnóstico diferencial é realizado com a
ocorrer resposta à adrenalina. taquicardia sinusal. TSV com perfusão ruim (per-
A TV com pulso e perfusão ruim (perfusão pe- fusão periférica ruim, insuficiência respiratória,
riférica ruim, insuficiência respiratória, alteração do alteração do nível de consciência ou hipotensão)
nível de consciência ou hipotensão) deve ser tratada deve ser tratada imediatamente com cardiover-
imediatamente com cardioversão elétrica 0,5 a 1 J/kg. são elétrica ou química. A cardioversão elétrica
Amiodarona, lidocaína ou procainamida podem ser deve ser realizada com 0,5 a 1 J/kg, e a cardioversão
consideradas como alternativas. química, nos pacientes que já possuem acesso venoso,
com adenosina 0,1 mg/kg EV/IO, por meio de infusão
rápida, seguida de um flush de soro fisiológico; a ade-
nosina provoca um bloqueio transitório da condução
através do nodo AV. TSV com perfusão normal não ne-
cessita de tratamento imediato; manobra vagal (gelo
na face por 10-15 s) pode ser considerada, e cardio-
Figura 25.8 TV. versão elétrica ou adenosina são opções terapêuticas.
26
Urgências pediátricas -
intoxicações agudas
Introdução Epidemiologia
“A diferença entre o remédio e o veneno é a O Sistema Nacional de Informações Tóxico-
dose” (Paracelso, século XVI). -Farmacológicas – Sinitox, no ano 2006, registrou
107.958 casos de intoxicação humana pelos Centros
Intoxicação é o contato com qualquer substância
de Informação e Assistência Toxicológica em atividade
que cause dano, se dentro do organismo. Praticamen- no país.
te todos os produtos químicos podem ser tóxicos, se
Em 2006, os principais agentes de intoxicações
em quantidade suficiente para tal.
em seres humanos em nosso país foram: os medica-
A exposição a substâncias nocivas é uma impor- mentos (30,46%), os animais peçonhentos (19,93%),
tante causa de acidentes na infância, principalmente os agrotóxicos de uso agrícola/doméstico (8,88%) e
abaixo dos 6 anos de idade. Felizmente, na maioria os domissanitários (11,02%) (Tabela 19.1). Dentre
dos casos, o agente tem mínimo ou nenhum efeito tó- os medicamentos, destacam-se: analgésicos, antitus-
xico importante. Ocasionalmente, porém, essa exposi- sígenos, antigripais, vitaminas, anti-hipertensivos,
ção pode causar morbidade significativa e até a morte. sedativos benzodiazepínicos, antidepressivos e anti-
-inflamatórios.
Embora medidas preventivas reduzam a frequ-
A principal circunstância é o acidente, respon-
ência das intoxicações agudas, os acidentes desse tipo
sável por 53,7% do total de casos registrados, seguido
continuam a acontecer. É necessária uma estratégia da tentativa de suicídio com 21,39% e da intoxicação
de atendimento e prevenção efetivas, e também que o ocupacional com 6,1%. Para os medicamentos, ratici-
médico generalista esteja familiarizado com o assun- das, agrotóxicos de uso agrícola e drogas de abuso, a
to, já que frequentemente será ele o responsável pelo tentativa de suicídio apresenta a maior participação
primeiro e decisivo suporte. percentual, ficando à frente do acidente (Tabela 19.2).
255
26 Urgências pediátricas - intoxicações agudas
Quanto às faixas etárias mais acometidas, des- do paciente (incluindo controle de hipo/hipertermia)
tacam-se as crianças menores de 5 anos, com 24,07% (E). O choque, as arritmias, a parada cardiorrespira-
do total de casos, os adultos de 20 a 29 anos com tória e as convulsões devem ser tratados como em
18,89% e os de 30 a 39 anos com 13,63%. qualquer outro paciente enfermo. Porém, há algumas
Os principais agentes que causam intoxicações situações que requerem abordagem específica, como:
em crianças menores de 5 anos são os medicamentos administração precoce de bicarbonato de sódio na in-
domissanitários. Para os jovens de 15 a 19 anos desta- toxicação por antidepressivo tricíclico (ATC), evitar
cam-se os medicamentos e as drogas de abuso. De 15 fenitoína nas convulsões secundárias à cocaína e ATC,
a 39 anos é a faixa de maior frequência de intoxicações porque pode haver exacerbação da cardiotoxicidade
com drogas de abuso. dessas drogas pela propriedade de bloqueio de canais
de sódio e nos casos de envenenamento por paraquat,
Foram registrados 488 óbitos (30 em crianças e manter o oxigênio no mínimo indispensável, para
com menos de 5 anos), com letalidade geral de 0,45%. não agravar o estresse oxidativo e a fibrose pulmonar.
Os principais agentes tóxicos envolvidos em óbitos fo-
ram os agrotóxicos de uso agrícola, os medicamentos Nesse passo inicial, é importante atentar que as
e os raticidas. As maiores letalidades foram geradas crianças têm maior risco de desidratação, hipoglice-
pelos agrotóxicos e pelas drogas de abuso, com valo- mia e distúrbios hidroeletrolíticos, que podem neces-
res de 3,03% e 0,95%, respectivamente. Felizmente, sitar de condutas imediatas. Além disso, nessa faixa
os óbitos são menos frequentes em crianças, e a faixa etária, pode haver maus-tratos, o que implica risco de
entre 20 e 39 anos de idade faixa é a de maior número traumas e intoxicações intencionais.
de mortes. Diante desses dados, é importante enfati-
zar que os casos de intoxicação graves são raros, e em
geral os sinais clínicos severos ocorrem em menos de 2- Reconhecimento da toxsíndro-
5% dos pacientes.
me e do agente causal
As tentativas de suicídio respondem por 63%
dos casos de óbitos por intoxicação exógena registra- Essa é a etapa de obtenção de história e exame
dos no Brasil. físico, completos e detalhados, do quadro e da identi-
Mais de 90% dos casos em crianças ocorrem no ficação do agente tóxico por relato, suspeita clínica ou
ambiente doméstico. A rota de exposição mais comum laboratorial.
é a ingestão, correspondendo a 75% dos casos, com as
vias oftálmica, cutânea e inalante ocorrendo cada uma
em cerca de 6% dos acidentes. As crianças de 6 a 12 2.1 Anamnese
anos de idade são bem menos propensas a esse tipo de Obter informações de diferentes membros da
acidente; já os adolescentes e adultos jovens são víti- família e do paciente, se possível. Em situações de ex-
mas de casos intencionais, mais frequentemente pelo posição não presenciada, o início súbito e incaracte-
vício ou suicídio. rístico de sintomas, estado mental alterado, a epide-
miologia e a conjuntura ambiental do paciente podem
fazer suspeitar de intoxicação aguda.
Assistência médica O local onde a vítima foi encontrada, substâncias
nas proximidades, uso de medicações por coabitantes,
ao paciente vítima local onde são guardados remédios e produtos quími-
de intoxicação aguda cos e condutas já efetuadas são informações valiosas
nesses casos suspeitos.
Normalmente se divide o atendimento ao pa- Na situação de exposição sabida e presenciada, é
ciente intoxicado em cinco etapas: importante haver uma descrição o mais precisa e de-
estabilização; talhada possível do produto, sempre tentar resgatar a
embalagem, obtendo dados de dose e concentração, e
reconhecimento da toxsíndrome e identificação
da hora do contato e início dos sintomas. Além disso,
do agente;
detalhar os antecedentes pessoais da vítima: a gra-
descontaminação; videz, por exemplo, é um fator importante de influ-
aumento da eliminação; ência na tentativa de suicídio na adolescência e pode
influenciar no plano terapêutico.
antídotos.
Onde ocorreu?
Quem estava cuidando do paciente (maus-tratos)?
Há quanto tempo ocorreu a exposição?
O que foi feito?
4- Aumento da eliminação
Na prática, a tentativa do aumento de excreção de um tóxico é útil em poucos casos. As técnicas são consi-
deradas em situações específicas, levando em consideração riscos e benefícios.
5- Antídotos
Há poucos tóxicos para os quais existem antídotos. A lista a seguir relaciona alguns exemplos mais relevantes:
Agente Antídoto
Paracetamol N-acetilcisteína
Benzodiazepínicos flumazenil
Opioides naloxone
Betabloqueadores glucagon
Sais de ferro deferoxamina
Inibidores da acetilcolinesterase (organofosfo-
atropina e pralidoxima
rados)
Digoxina anticorpo antidigoxina (Fab)
Arritmias por ATC bicarbonato de sódio
Isoniazida piridoxina
Hipoglicemiantes orais (sulfonilureias) octreotida
Metemoglobinemia azul de metileno
Síndromes extrapiramidais anti-histamínicos e biperideno
Etilenoglicol e metanol etanol/fomepizol
Monóxido de carbono oxigênio
hidroxicobalamina, nitrito de amila + nitrito de sódio + tiossulfato
Cianeto
de sódio
Tabela 26.2
Resumo 1
Principais agentes intoxicantes: medicamentos, domissanitários, produtos químicos
Epidemiologia industriais e agrotóxicos
Principais circunstâncias: acidente, suicídio
Faixa etária mais acometida: crianças < 5 anos
Conduta na emergência ABCDE
Toxsíndromes Anticolinérgica: inibição do parassimpático (anti-H1, ATC)
Anticolinesterásica: estimulação do parassimpático (organofosforados)
Simpaticomimética: estimulação do simpático (cocaína, xantinas)
Narcótica: depressão orgânica com miose puntiforme (opioides)
Liberação extrapiramidal: Plasil, antipsicóticos
Metemoglobinêmica: oxidação do ferro da hemácia (dapsona, sulfonas)
Descontaminação TGI Sem evidências por estudos clínicos controlados satisfatórios
Contraindicada em: ingestão de cáusticos e corrosivos, obstrução e perfuração intestinal,
ingestão de objetos cortantes, hidrocarbonetos, depressão do nível de consciência e respirató-
ria antes da proteção das VA
Xarope de ipeca: a princípio não usar
Lavagem gástrica: não usar de rotina
Carvão ativado dose única: usar o mais precocemente possível (<1 hora), atenção aos
agentes não adsorvidos pelo carvão
Irrigação intestinal: substâncias não adsorvidas pelo carvão ativado ingeridas em grande
quantidade, pacotes de drogas ilícitas, medicamentos de liberação lenta ou entérica e nas in-
toxicações por sais de ferro
Aumento da eliminação Diurese alcalina: salicilatos, fenobarbital, metotrexate, clorpropamida
Hemodiálise: drogas com baixo peso molecular, baixa ligação proteica, baixo volume de
distribuição, alta hidrossolubilidade
Antídotos Memorizar os principais
Tabela 26.3
A síndrome coronariana aguda (SCA) resul- aguda. O uso do ecstasy vem aumentando nos últimos
ta da estimulação beta-adrenérgica, com aumento do anos e é “popular” em festas rave, pois potencializa a
consumo de oxigênio pelo miocárdio, associado à va- desinibição, a disposição e a sexualidade. Pode provocar
soconstrição coronariana pela estimulação alfa-adre- problemas permanentes físicos e psiquiátricos nos usu-
nérgica e serotoninérgica e pelo aumento da agrega- ários e levar à morte por hiperpirexia, hiponatremia,
ção plaquetária. Ocorre em 6% dos pacientes com dor rabdomiólise, coagulação intravascular, arritmias cardí-
torácica e pode acontecer tanto no usuário crônico acas, acidente vascular cerebral e isquemia miocárdica.
como no primeiro contato com a droga. O ECG é útil, A efedrina é um agente adrenérgico de uso
mas pode mostrar-se alterado mesmo na ausência de sistêmico, com ação nos receptores α e β. Utilizado
SCA; a troponina parece ser mais sensível e específica principalmente como descongestionante nasal, na
no diagnóstico. incontinência urinária, na falência ejaculatória, na hi-
Hematológico: ativação e agregação plaquetá- potensão anestésica e, em algumas vezes, como droga
rias; pode causar lesão endotelial e aceleração da ate- de abuso. Tem efeitos simpaticomiméticos, predomi-
rosclerose em usuários crônicos. nantemente hipertensão, taquicardia, midríase e agi-
Muscular: rabdomiólise, mioglobinúria. tação. Pode provocar intoxicações agudas, principal-
mente em crianças.
Renal: insuficiência renal aguda pode ocorrer
pela mioglobinúria. Os derivados imidazolínicos, como a nafa-
zolina e a oximetazolina, são drogas α-2-agonistas
dos receptores pós-sinápticos periféricos, com ação
Tratamento tópica vasoconstritora local. São usados como descon-
Suporte da via aérea, oxigenação e ventilação. gestionantes de aplicação nasal e oftálmica. Os efeitos
sistêmicos intoxicantes são provocados pela estimula-
Instalar monitor cardíaco – tratar arritmias sin-
ção dos receptores centrais α-2 pré-sinápticos, que são
tomáticas ou instáveis.
inibidores da atividade simpática cerebral. As princi-
Estabelecer acesso venoso e tratar arritmias pais manifestações clínicas das intoxicações agudas
presentes e o choque hemodinâmico. são: sonolência e depressão do SNC, sudorese, pali-
Considerar medidas de descontaminação. A ir- dez, hipotensão, bradicardia, apneia, hipoventilação,
rigação intestinal é muitas vezes utilizada na alterações pupilares (miose ou midríase), hipotermia
ingestão de pacotes de cocaína. e hipertensão inicial transitória em alguns casos. Por-
Para o controle da agitação, administrar benzo- tanto, apesar de ser um agente com ação estimulatória
diazepínicos e evitar as butirofenonas e fenotia- em receptor simpático, perifericamente tem ação va-
zínicos, como o haloperidol e a clorpromazina, soconstritora, mas quando em doses tóxicas atua em
que podem interferir na regulação térmica e receptor inibidor central, provocando depressão.
precipitar ataques convulsivos.
O manejo da síndrome coronariana aguda cau-
sada pela cocaína difere do tratamento clássico
do infarto do miocárdio. As medicações de pri-
Bloqueadores de canais
meira linha são: oxigênio, benzodiazepínicos de cálcio
(que reduzem a estimulação central, taquicardia
Fármacos utilizados no tratamento da hiperten-
e hipertensão), nitratos como vasodilatadores
são e na insuficiência cardíaca.
coronarianos, e aspirina e heparina (redução da
agregação plaquetária). Os bloqueadores de ca- Agentes: anlodipino, diltiazem, felodipino, ni-
nais de cálcio e os alfabloqueadores podem ser cardipino, nifedipino, verapamil e nimodipino.
úteis. A trombólise não deve ser usada de rotina,
pois pode não sobrepor o espasmo coronariano.
Sinais e sintomas
Não dar betabloqueadores (aumentam a pres-
são arterial e a vasoconstrição coronariana). Sistema nervoso: alteração do estado mental,
síncope, convulsões e coma, causados por hipoperfu-
A fentolamina pode ser útil na SCA, e o bicarbo-
nato de sódio, nas arritmias ventriculares. são cerebral.
1,0
Plasma paracetamol (mg/l)
Sinais e sintomas 40
0,3
0,2
Náuseas, vômitos e mal-estar surgem precoce- 20
0,1
mente por 24 horas. Depois, segue-se uma melhora 0
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24
0,0
aparente nas próximas 48 horas, com início de dor em Horas após ingestão
hipocôndrio direito, elevação de enzimas hepáticas, bi- Figura 26.2 Nomograma de Prescott.
lirrubinas, prolongamento do TP e alteração da função
renal, com ureia diminuída por alteração de sua forma-
Suporte da via aérea, oxigenação, ventilação e
ção no fígado. Após 72 horas, ocorrem as sequelas da
necrose dos hepatócitos com evidência clínica e labora- circulação.
torial de disfunção hepática. Se o dano for reversível, Considerar descontaminação gastrointestinal
ocorre recuperação em quatro dias a duas semanas. precoce – carvão ativado, lavagem gástrica.
Salicilatos
A incidência de intoxicação por salicilatos decli-
nou, sobretudo em crianças pequenas, pelo uso mais
Organofosforados e carbamatos
comum de outros antipiréticos. Afeta os sistemas São utilizados como inseticidas ou acaricidas
através do desacoplamento da fosforilação oxidativa, em ambiente doméstico, industrial e agrícola como
inibição das enzimas do ciclo de Krebs e inibição da agrotóxicos. Os organofosforados e carbamatos são
síntese de aminoácidos. Em geral, se considera a dose absorvidos por todas as vias de exposição, mais fre-
tóxica aguda de 150 mg/kg. quentemente pelas vias oral, cutânea e respiratória.
Inibem a atividade da acetilcolinesterase, colinestera-
se verdadeira ou eritrocitária, e promovem o acúmulo
de acetilcolina nas terminações nervosas.
Sinais e sintomas O chumbinho é um raticida sem registro oficial,
vendido clandestinamente no comércio informal, e
Fase 1: estimulação direta do centro respiratório
contém um agrotóxico carbamato de nome técnico
levando a hiperventilação, alcalose respiratória e
Alicarb (figura a seguir).
alcalúria; hiperpirexia, letargia, hiperglicemia, convul-
sões e vômitos pela estimulação de quimiorreceptores
centrais. Essa fase pode durar até 12 horas, ou mesmo
ser inaparente em lactentes.
Fase 2: hipocalemia com acidúria paradoxal
(troca de K+ por H+ nos túbulos renais) na vigência de
alcalose respiratória.
Fase 3: edema cerebral, edema pulmonar, de-
sidratação, hipocalemia, acidose metabólica com
anion gap aumentado e hiperventilação compensa-
tória, secundárias ao acúmulo de ácidos metabólicos.
Pode começar em 4-6 horas nos lactentes pequenos ou
em 24 horas ou mais em adolescentes e adultos.
Os efeitos de irritação gástrica podem provocar
dispepsia, vômitos e hemorragia digestiva, e os efeitos
de inibição da adesividade plaquetária podem provo-
car hemorragias diversas. Figura 26.3
Cuidado com remédios de uso infantil e de adulto com embalagens muito parecidas. Erros de identificação
podem causar intoxicações graves e, às vezes, fatais.
Nunca use medicamentos com prazo de validade vencido.
Descarte remédios vencidos. Não guarde restos de medicamentos. Despeje o conteúdo no vaso sanitário ou na
pia e lave a embalagem antes de descartá-la.
É importante que a criança aprenda que remédio não é bala, doce ou refresco. Quando sozinha, ela poderá
ingerir o medicamento.
Pílulas coloridas, embalagens e garrafas bonitas, brilhantes e atraentes, com odor e sabor adocicados, desper-
tam a atenção e a curiosidade natural das crianças. Não estimule essa curiosidade.
Guarde detergentes, sabão em pó, inseticidas e outros produtos de uso doméstico longe dos alimentos e dos
medicamentos, trancados e fora do alcance das crianças.
Nunca coloque produtos derivados de petróleo (querosene, gasolina), alvejantes e domissanitários
em embalagens de refrigerantes e sucos.
Ensine às crianças que não se deve colocar plantas na boca.
Conheça as plantas que tem em casa e arredores pelo nome e características; não coma plantas desconhecidas.
Lembre-se de que não há regras ou testes seguros para distinguir as plantas comestíveis das venenosas. Nem
sempre o cozimento elimina a toxicidade das plantas.
Não faça remédios ou chás caseiros preparados com plantas sem orientação médica.
Resumo 2
Antidepressivos Sintomas: anticolinérgicos/TCA (Coma, Convulsão, arritmia Cardíaca, Acidose)
tricíclicos Bicarbonato de sódio no tratamento das arritmias e benzodiazepínicos nas convulsões
Sintomas: simpaticomiméticos, síndrome coronariana aguda (SCA)
Cocaína MONA no tratamento da SCA, não dar betabloqueadores, benzodiazepínicos para seda-
ção e controle da agitação
Sintomas: depressão hemodinâmica e arritmias com bloqueios
Bloqueadores de Tratamento com expansões volêmicas, cloreto de cálcio, drogas vasoativas e marca-passo se ne-
canais de cálcio cessário
Sintomas: inicialmente sintomas gerais seguidos de uma melhora aparente e posterior insufi-
Paracetamol ciências hepática e renal
Tratamento com N-acetilcisteína
Sintomas: inicialmente alcalose respiratória com posterior acidose metabólica com anion gap
Salicilatos aumentado
Tratamento com alcalinização urinária e diálise em casos graves refratários
Sintomas: colinérgicos
Organofosforados
Tratamento com atropina e pralidoxima
Ferro Corrosivo do TGI, deferoxamina como antídoto
Paraquat Fibrose pulmonar, evitar oxigênio no tratamento
Hipocalemia, hipomagnesemia e hipercalcemia potencializam sua toxicidade
Digoxina
Arritmias cardíacas diversas e anticorpo Fab específico para digoxina
Prevenção Trava de segurança é a medida mais efetiva
Tabela 26.6
Casos registrados de intoxicação humana por agente tóxico – Brasil 2006 (Cont.)
Agente Nº %
Metais 606 0,56
Drogas de abuso 4.404 4,08
Plantas 1.691 1,57
Alimentos 1.518 1,41
Animais peçonhentos 21.522 19,93
Animais não peçonhentos 4.388 4,06
Desconhecido 4.928 4,56
Outro 1.586 1,47
Total 107.958 100
Tabela 26.7
Casos registrados de intoxicação humana por agente tóxico e circunstância – Brasil 2006
Circunstância/Agente Acidente Ocupacio- Automedica- Abuso Tentativa Violência/
nal ção Suicídio Homicídio
Medicamentos 10.223 43 1.036 381 14.263 53
Agrot./Uso Agrícola e Doméstico 3.690 2.045 1 10 3.360 56
Produtos veterinários 643 64 4 4 342 2
Raticidas 1.556 9 - 7 2.642 43
Domissanitários 9.611 560 2 26 939 7
Cosméticos 1.141 27 1 6 52 1
Produtos químicos industriais 4.340 861 1 86 396 22
Metais 315 246 - 2 15 8
Drogas de abuso 152 3 - 3.566 312 30
Plantas 1.420 32 23 24 38 4
Alimentos 360 2 4 50 85 13
Animais peçonhentos 13.046 1.998 - - - -
Total 53,7% 6,1% 1,0% 3,94% 21,39% 0,27%
Tabela 26.8
Casos registrados de intoxicação humana por agente tóxico e faixa etária – Brasil 2006
Faixa etária – Agente <5 05-09 10-14 15-19 20-29 30-39 40-49 Total
Medicamentos 9.389 2.288 1.736 3.201 6.540 4.341 2.698 32.884 30,46
Agrotóxicos/uso agrícola 448 108 167 569 1.534 1.168 946 5.873 5,44
Agrotóxicos/uso doméstico 1.350 165 157 253 582 443 325 3.712 3,44
Produtos veterinários 346 57 54 90 208 154 73 1.159 1,07
Raticidas 1.212 127 173 574 1.016 567 391 4.437 4,11
Domissanitários 5.512 685 371 611 1.476 1.134 809 11.896 11,02
Cosméticos 911 67 32 43 83 70 53 1.329 1,23
Produtos químicos indus- 2.313 363 175 311 1.026 725 459 6.025 5,58
triais
Metais 219 40 19 19 57 82 85 606 0,56
Drogas de abuso 43 19 134 612 1.476 922 602 4.404 4,08
Plantas 759 300 122 73 122 97 74 1.691 1,57
Alimentos 30 171 137 158 303 233 120 1.518 1,41
% 24,07 6,59 5,29 8,56 18,89 13,63 10,07
Tabela 26.9
27
Urgências pediátricas - acidentes
com animais peçonhentos
Introdução
Animais peçonhentos são aqueles que possuem glândulas de veneno que se comunicam com dentes ocos,
ferrões ou aguilhões, por onde o veneno passa ativamente. Portanto, peçonhentos são os animais que injetam
veneno com facilidade e de maneira ativa. Ex.: serpentes, aranhas, escorpiões, lacraias, abelhas, vespas, marim-
bondos e arraias.
Já os animais venenosos são aqueles que produzem veneno, mas não possuem um aparelho inoculador,
provocando envenenamento passivo por contato (lonomia ou taturana), por compressão (sapo) ou por ingestão
(peixe baiacu).
Por volta de 1896, com as descobertas dos soros antidiftérico e antitetânico, o cientista do Instituto Pasteur
de Paris, Albert Calmette, que estudava a possibilidade de se descobrir um remédio eficaz contra os venenos ofí-
dicos, direcionou suas investigações para o terreno da imunologia. Após laboriosas pesquisas, chegou à conclusão
de que, também com o veneno das serpentes, imunizando-se animais de laboratório, poderia ser obtido um soro
capaz de neutralizar completamente os efeitos nocivos das peçonhas tanto in vitro como in vivo. Continuando
seus estudos, acabou por firmar definitivamente os princípios básicos da soroterapia antiofídica.
Em nosso país, pela mesma época, Vital Brazil, também preocupado com o problema do ofidismo, estudava
várias plantas preconizadas como antídotos contra os venenos ofídicos. Os trabalhos de Calmette, chegando às
suas mãos, deram novos rumos às pesquisas. Estudando detalhadamente o veneno de nossos ofídios e após uma
série de experiências, Vital Brazil resolveu definitivamente o problema do ofidismo, criando para nossas espécies
peçonhentas os respectivos soros.
270
Pediatria geral, emergências pediátricas e neonatologia
Epidemiologia Ofidismo
Em 2004, os principais agentes tóxicos que cau- No mundo todo existem, aproximadamente,
saram intoxicações em seres humanos em nosso país 2.500 espécies de serpentes. Dessas, 250 são conhe-
foram os medicamentos (29,0%), os animais peçonhen- cidas no Brasil, das quais 70 são consideradas peço-
tos (24,8%) e os domissanitários (7,8%). Dentre os nhentas e pertencentes a dois grupos: Crotalíneos e
20.259 envenenamentos por animais peçonhentos, os Elapíneos, e quatro gêneros, Bothrops, Crotalus, Lache-
escorpiões contribuíram com 7.213 (35,6%), as serpen- sis (pertencentes ao primeiro grupo) e Micrurus (do
tes com 5.165 (25,5%), as aranhas com 3.840 (19,0%) grupo dos elapíneos) sendo responsáveis por cerca de
20 a 30 mil vítimas/ano, notificados à Fundação Na-
e os demais animais peçonhentos com 4.041 (19,9%).
cional de Saúde (Funasa).
Esse perfil é próximo ao apresentado pelo Sistema de
Informação de Agravos de Notificação (Sinan) referen- O coeficiente de incidência para o Brasil foi de
te aos Acidentes por Animais Peçonhentos registrados 13,8 acidentes/100.000 habitantes (2008), sendo os
para o ano de 2004, em que, do total de 86.728 casos maiores índices nas regiões Norte e Centro-Oeste. Os
gêneros mais frequentes nos acidentes são mostrados
registrados por esse sistema, 30.428 foram causados
no gráfico a seguir:
por escorpiões (35,1%), 27.501 por serpentes (31,7%),
18.046 por aranhas (20,8%), 7.888 por outros animais Bothrops 90,5%
peçonhentos/venenosos (9,1%) e 2.865 por animais pe-
çonhentos/venenosos ignorados (3,3%). É importante
salientar que o Sinan só apresentou maior percentual
de casos provocados por escorpiões, em detrimento a
serpentes, a partir do ano de 2004.
Micrurus 0,4%
Crotalus 7,7%
Primeiros socorros para Lachesis 1,4%
os acidentes em geral
Figura 27.1 Distribuição dos acidentes ofídicos, se-
1. Lave o local da picada, de preferência com gundo o gênero da serpente peçonhenta (Brasil, 2008).
água e sabão.
2. Mantenha a vítima deitada. Evite que ela se A grande maioria dos acidentes ofídicos ocorre
movimente, para não favorecer a absorção do veneno. na zona rural, e o sexo masculino é o mais acometi-
3. Se a picada for na perna ou no braço, mante- do. São mais frequentes nos períodos de calor e chuva,
nha-os em posição mais elevada. coincidindo com períodos de maior atividade humana
no campo e proximidade das serpentes com o homem.
4. Não faça torniquete. Impedindo a circulação
do sangue, você pode causar gangrena ou necrose. Os locais mais comuns da picada são o pé e a
perna (cerca de 70%); a faixa etária mais acometida é
5. Não fure, não corte, não queime, não esprema, entre 15 e 49 anos (52,3%), estando o sexo masculino
não faça sucção no local da ferida e nem aplique folhas, envolvido em 70% dos acidentes. O maior índice de le-
pó de café ou terra sobre ela, para não provocar infecção. talidade de acidentes com serpentes pertence ao gêne-
6. Não dê à vítima pinga, querosene ou fumo, ro Crotalus, com taxas de até 1,8%. A letalidade geral
como é costume em algumas regiões do país. no Brasil é de aproximadamente 0,4%, sendo a região
Nordeste o local que apresenta maior índice.
7. Leve a vítima imediatamente ao serviço de saúde
mais próximo, para que possa receber o soro em tempo. Letalida-
Gênero N° casos N° óbitos
8. Leve, se possível, o animal agressor, mesmo de(%)
morto, para facilitar o diagnóstico. Bothrops 59.61 185 0,31
Crotalus 5.072 95 1,87
9. Lembre-se: nenhum remédio caseiro substitui
o soro antipeçonhento. Lachesis 939 9 0,95
Micrurus 281 1 0,36
10. A dose utilizada de soro deve ser a mesma Não 13.339 69 0,52
para adultos e crianças, visto que o objetivo do trata- informado
mento é neutralizar a maior quantidade possível de vene- Total 79.250 359 0,45
no circulante, independentemente do peso do paciente. Tabela 27.1 Letalidade dos acidentes ofídicos por
11. Não esquecer da profilaxia antitetânica. gênero de serpente.
Olho
Narina Presas
Fosseta Loreal
A identificação entre os gêneros referidos também pode ser feita pelo tipo de cauda.
Dos animais sem fosseta loreal, o gênero Micrurus, representado pela cobra-coral verdadeira, apresenta dentes
pouco desenvolvidos e cabeça arredondada, e, apesar dessas características, é uma serpente bastante peçonhenta.
Olho
Narina
Presa
Não
As manifestações clínicas podem ser divididas
Peçonhentas em locais e sistêmicas:
Peçonhentas*
Acidente botrópico
Figura 27.6
Insuficiência renal, por causa da ação tóxica do O tempo de coagulação é utilizado como con-
próprio veneno associada ao hipofluxo renal e à trole de tratamento, e, se permanecer alterado 24 ho-
formação de microtrombos renais. ras após a soroterapia, está indicada dose adicional de
As complicações sistêmicas mais graves descritas duas ampolas de antiveneno.
são o choque, a insuficiência renal e a CIVD. O prognóstico de sobrevida geralmente é bom
Os exames complementares que ajudam na (letalidade de 0,3% nos casos tratados adequadamen-
avaliação clínica e no seguimento são: coagulograma te), porém há possibilidade de sequelas locais anatô-
e tempo de coagulação, hemograma, urina tipo 1, fun- micas e funcionais.
ção renal e eletrólito. O antígeno do veneno botrópico
pode ser detectado pela técnica de Elisa.
O tratamento inclui as medidas gerais de su-
porte avançado de vida, manutenção do membro pica- Acidente crotálico
do elevado, estendido e imobilizado, analgesia, hidra-
tação suficiente para manter diurese de 1 a 2 mL/kg/
hora e antibioticoterapia se houver evidência de infec-
ção. É importante lembrar da profilaxia antitetânica.
Firmado o diagnóstico de síndrome de com-
partimento, a fasciotomia não deve ser retardada.
O debridamento de áreas necrosadas delimitadas e
a drenagem de abscessos também devem ser efetua-
dos, se necessário.
O tratamento específico consiste na administra-
ção precoce do antiveneno soro antibotrópico (SAB)
endovenoso, e, na falta deste, pode-se utilizar as asso-
ciações antibotrópico-crotálico (SABC) ou antibotró-
pico-laquético (SABL). A tabela a seguir resume a clas- Figura 27.8 Cascavel.
sificação de gravidade e as indicações de tratamento.
A cobra cascavel é encontrada em campos
abertos, regiões secas e pedregosas e também em
Manifestações e Classificação
pastos. Até o momento, ainda não foram identi-
tratamento Leve Moderada Grave ficadas no litoral e não ocorrem em florestas e no
Locais Ausen- Evidentes Inten- Pantanal. Chegam a atingir, na fase adulta, 1,6 m de
dor tes ou sas** comprimento. Sua característica mais importante
edema discretas é a presença de um guizo ou chocalho na ponta da
equimose cauda. Não tem o hábito de atacar, mas quando se
Sistêmicas Ausen- Ausentes Presentes sente ameaçada denuncia sua presença pelo ruído
hemorragia grave tes característico do chocalho. Seus ataques possuem o
choque maior índice de letalidade entre as serpentes,
anúria
provavelmente pela frequência elevada de evolução
Tempo de coagula- Normal Normal Normal
para insuficiência renal aguda.
ção (TC)* ou ou ou
alterado alterado alterado O veneno da cascavel tem as seguintes ações no
Soroterapia 2-4 organismo:
(n° ampolas) 4-8 Neurotóxica: provoca bloqueio neuromuscular
SAB/SABC/ 12 através da fração crotoxina do veneno, que é uma
SABL*** neurotoxina de ação nas terminações pré-sináp-
Via de Intravenosa ticas, o que inibe a liberação de acetilcolina.
administração
Miotóxica: produz rabdomiólise, com liberação
Tabela 27.2 Classificação quanto à gravidade e so- de mioglobina e enzimas musculares.
roterapia recomendada. *TC normal: até 10 min; TC
prolongado: de 10 a 30 min; TC incoagulável: > 30 min.
Coagulante: atividade trombina-like, podendo
**Manifestações locais intensas podem ser o único levar ao consumo de fibrinogênio. Geralmente,
critério para classificação de gravidade. ***SAB: anti- não leva à plaquetopenia.
botrópico; SABC: soro antibotrópico-crotálico; SABL: As manifestações clínicas podem ser divididas
soro antibotrópico-laquético. em locais e sistêmicas:
A surucucu é uma serpente de grande porte. Apre- Manifestações sistêmicas: são relatados hipo-
senta cauda com escamas arrepiadas e presas inoculado- tensão arterial, hemorragias, vômitos, tonturas e ma-
ras de veneno. É a maior serpente peçonhenta das Amé- nifestações vagais de diarreia, visão turva, bradicardia
ricas, atingindo até 3,5 metros. Habita áreas florestais e e cólicas abdominais.
matas úmidas do Nordeste. Existem semelhanças nos O diagnóstico diferencial com o acidente botró-
quadros clínicos entre os acidentes laquético e botrópico, pico é difícil e a presença de sinais de estimulação va-
com possibilidade de confusão diagnóstica entre eles. A gal pode ajudar, bem como o teste específico de Elisa
frequência do acidente pela surucucu é baixa, responden- para identificação exata de antígenos do veneno.
do por 1,4% dos acidentes notificados. Acredita-se que
os acidentes são subnotificados por ocorrerem em áreas Dentro dos exames complementares, o tempo
florestais, onde a densidade populacional é baixa e o sis- de coagulação é importante no diagnóstico e acompa-
tema de notificação não é tão eficiente. nhamento dos casos. HMG, função renal e eletrólitos
são colhidos de acordo com a evolução.
O veneno da surucucu possui as seguintes ações
sobre o organismo: As medidas gerais citadas para o acidente por ja-
raraca devem ser feitas de forma semelhante.
Proteolítica: semelhante à ação do veneno bo-
O tratamento específico consiste na adminis-
trópico.
tração de antiveneno, soro antilaquético (SAL) endo-
Coagulante: atividade tipo trombina. venoso ou, alternativamente, o soro antibotrópico-
Hemorrágica: hemorragias decorrentes da ação -laquético (SABL). Nos casos de acidente laquético
das hemorraginas. comprovado, e na falta dos soros específicos, o tra-
Neurotóxica: estimulação vagal. tamento pode ser realizado com soro antibotrópico,
apesar de este não neutralizar de maneira eficaz a ação
As manifestações clínicas podem ser divididas coagulante do veneno laquético.
em locais e sistêmicas: O quadro é sempre classificado como moderado
Manifestações locais: semelhantes ao acidente ou grave pelo fato de ser a surucucu uma serpente de
botrópico. São precoces, com edema, dor, vesículas e san- grande porte e a quantidade de veneno potencialmen-
gramento no local da picada. Pode apresentar as mesmas te muito grande. A tabela a seguir resume as indica-
complicações locais presentes na picada da jararaca. ções de tratamento:
Soroterapia Via de
Orientação para o tratamento
(n° de ampolas) administração
Poucos casos estudados. Gravidade avaliada pelos sinais locais e intensida- 10 a 20 intravenosa
de das manifestações vagais (bradicardia, hipotensão arterial, diarreia) SAL ou SABL*
Tabela 27.4 Tratamento específico indicado. *SAL: soro antilaquético; SABL: soro antibotrópico-laquético.
Soroterapia Via de
Orientação para o tratamento
(n° de ampolas) SAE administração
Acidentes raros. Pelo risco de Insuficiência Respiratória Aguda, devem 10 Intravenosa
ser considerados potencialmente graves
Tabela 27.5 Soroterapia recomendada.
tes no período de setembro a dezembro. Ocorre uma são arterial, distermias, sialorreia, arritmias car-
discreta predominância no sexo masculino, e a faixa díacas, insuficiência cardíaca, tremores, agitação
etária de 25 a 49 anos é a mais acometida. A maioria psicomotora, sonolência, arritmias respiratórias,
das picadas atinge os membros, havendo predominân- vômitos e diarreia. O edema pulmonar agudo é a
cia dos membros superiores (mãos e dedos em 65% complicação mais temida.
dos casos). O tratamento sintomático para o alívio da dor
O veneno é rapidamente absorvido pela pele e é feito com a utilização de analgésicos orais e endove-
pelos músculos, deslocando-se para o sangue, rins, nosos, e/ou do bloqueio local com anestésicos, através
pulmão e sistema nervoso. Tem atividade de despo- da infiltração de lidocaína a 2% sem vasoconstritor no
larização das terminações nervosas pós-ganglionares, local da picada.
com liberação de catecolaminas e Ach, com efeitos lo- A manutenção das funções vitais é fundamen-
cais e sistêmicos, simpáticos e parassimpáticos. tal. A bradicardia sinusal e o BAV com repercussão
A maior parte dos acidentes em adultos é benig- hemodinâmica devem ser tratados com atropina, a
na, mas em crianças e idosos é quase sempre fatal se hipertensão arterial mantida é tratada com anti-hi-
não forem tomadas as devidas providências em curto pertensivos e a insuficiência cardíaca e o choque são
espaço de tempo. prontamente revertidos com drogas vasoativas.
No quadro clínico, têm sido relatadas as se- A gravidade no escorpionismo depende de fato-
guintes manifestações locais e sistêmicas: res como a espécie e o tamanho do escorpião causador
do acidente, a massa corporal do acidentado, a sensibi-
Manifestações locais: caracterizam-se por lidade do paciente ao veneno, a quantidade de veneno
dor intensa no local da picada, às vezes irra- inoculada e o retardo no atendimento.
diada por todo o corpo, podendo ainda ocorrer
edema e rubor leves ao redor da ferida. O tratamento específico pode ser feito com a ad-
ministração dos soros antiescorpiônico e antiaracní-
Manifestações sistêmicas: menos frequentes,
dico (ambos são opções eficientes) nos pacientes com
podendo ocorrer de minutos a 2-3 horas após o
acidente. Quando presentes, caracterizam os aci-
formas moderadas e graves.
dentes como moderados ou graves. Além da dor A classificação quanto à gravidade clínica e à te-
local, surgem alterações como: hiper ou hipoten- rapêutica está resumida na tabela a seguir:
Araneísmo
As aranhas são animais carnívoros, alimentando-se principalmente de insetos como grilos e baratas. Muitas
têm hábitos domiciliares e peridomiciliares. No Brasil, existem três gêneros de aranhas de importância médica:
Phoneutria, Loxosceles e Latrodectus. Os acidentes causados por Lycosa (aranha-de-grama), bastante frequentes, e
pelas caranguejeiras, muito temidas, são destituídos de maior importância clínica.
Foram notificados em 2008 cerca de 20 mil acidentes com aranhas no país, com incidência de 11,1 por 100
mil habitantes. O loxoscelismo foi responsável por 38% dos casos, enquanto o foneutrismo respondeu por 14,1%
e o latrodectismo, por 0,5%. Quase 30% dos casos notificados em 2008 ficaram sem identificação. A maioria dos
acidentes por Phoneutria foi notificada no estado de São Paulo. Com respeito aos acidentes por Loxosceles, os
registros provêm das regiões Sudeste e Sul, particularmente no estado do Paraná, onde se concentra a maior ca-
suística de loxoscelismo do país. A partir da década de 1980, começaram a ser relatados acidentes por viúva-negra
(Latrodectus) na faixa litorânea das regiões Nordeste, Sudeste e Sul.
Foneutrismo
São as chamadas aranhas-armadeiras, devido ao fato de, quando ameaçadas, tomarem a postura de se
“armar”, levantando as patas dianteiras e eriçando os espinhos. São extremamente agressivas.
Habitam sob troncos, normalmente folhagens densas, como bananeiras, montes de lenha ou materiais de
construção empilhados, e, eventualmente, aparecem dentro das residências, principalmente em roupas e dentro
de calçados. Caçam principalmente à noite, e os acidentes ocorrem principalmente dentro das residências e nas
suas proximidades, ao se manusear material de construção, entulhos e lenha, ou calçando sapatos.
O animal adulto mede 3 cm de corpo e até 15 cm de envergadura de pernas. Não fazem teia geométrica e têm
coloração marrom-escura com manchas claras, formando pares no dorso do abdome.
O veneno da aranha-armadeira tem as seguintes ações no organismo:
Neurotóxica: ativa os canais de sódio e despolariza as fibras musculares e terminações nervosas sensitivas, moto-
ras e autonômicas, favorecendo a liberação de neurotransmissores, principalmente acetilcolina e catecolaminas.
Recentemente, também foram isolados peptídeos do veneno que podem induzir tanto a contração da muscu-
latura lisa vascular quanto o aumento da permeabilidade vascular, por ativação do sistema calicreína-cininas
e de óxido nítrico, independentemente da ação dos canais de sódio.
Os acidentes são frequentes, mas raramente levam a quadros graves. As picadas costumam ocorrer em mãos
e pés, e os casos classificados como leves correspondem a 91% dos acidentes.
As manifestações clínicas locais predominam. A dor imediata é o sintoma mais frequente, de intensidade
variável, podendo se irradiar até a raiz do membro afetado. Edema, eritema, parestesia e sudorese são outras
manifestações locais.
O tratamento local é realizado pela infiltração anestésica ou troncular com lidocaína, imersão em água mor-
na e analgésicos comuns. Opioides são associados nos casos mais graves e refratários.
Verifica-se, nos casos graves, leucocitose com neutrofilia, hiperglicemia, acidose metabólica e taquicardia sinusal.
A soroterapia tem indicação restrita aso casos moderados e graves, e o soro antiaracnídico utilizado netrali-
za frações do veneno de Tityus, Phoneutria e Loxosceles.
O quadro clínico geral, sua classificação de gravidade e o tratamento são resumidos na Tabela 20.7:
Loxoscelismo
Conhecida como aranha-marrom, é encontrada com facilidade nas residências, atrás de quadros, armários
e closets, no meio de livros, caixas de papelão e outros objetos pouco remexidos. No ambiente externo, podem pro-
liferar em telhas ou materiais de construção empilhados, folhas secas, em cascas de árvores e outros. São animais
pequenos, atingindo 1 cm de diâmetro corpóreo e envergadura das pernas de 3 cm quando adultas, com coloração
que varia de marrom-claro a marrom-escuro.
Gostam de lugares escuros, quentes e secos. Constroem teias irregulares com aparência de algodão esfiapado
e se alimentam de pequenos animais (formigas, tatuzinhos, pulgas, traças, cupins etc.). Saem em busca de alimen-
to à noite, e é nessa oportunidade que podem se ocultar em vestimentas, toalhas e roupas de cama.
Não são agressivas. Os acidentes acontecem quando a pessoa ao se vestir, ou mesmo durante o sono, com-
prime o animal contra a pele. A picada nem sempre é percebida pela pessoa, por ser pouco dolorosa. A dor pode
ter início várias horas depois.
O veneno da aranha-marrom contém hialuronidase e esfingomielinase, proteínas que lisam membranas
celulares, principalmente do endotélio vascular e das hemácias. Ocorre ativação da cascata inflamatória e da
coagulação, desencadeando intenso processo destrutivo no local da picada. Também é responsável pelo processo
hemolítico intravascular sistêmico nas formas mais graves de envenenamento.
O momento da picada quase sempre é imperceptível, e normalmente se localiza nas áreas onde a aranha é
comprimida quando a vítima está se vestindo: parte superior do braço, tórax lateral, face medial da coxa e, rara-
mente, mãos e face.
O quadro clínico se apresenta sob duas formas principais:
Forma cutânea: 87% a 98% dos casos, de instalação lenta e progressiva, com dor, edema e eritema. Os sin-
tomas se acentuam depois de 24 a 72 horas do acidente, podendo variar desde uma bolha com sinais flogísticos a
uma lesão com dor em queimação, bolhas, áreas hemorrágicas focais, áreas pálidas por isquemia e necrose intensa.
Em tecidos frouxos, como na face, pode desenvolver-se edema exuberante. A lesão pode evoluir para escara
em cerca de 7 a 10 dias, que ao se destacar deixa uma úlcera de difícil cicatrização.
O quadro cutâneo pode ser acompanhado de manifestações gerais secundárias de febre alta, astenia, vômitos,
diarreia, cefaleia, exantema morbiliforme, prurido generalizado, mialgia e alterações da consciência.
As complicações locais mais descritas são: infecção secundária, perda tecidual e cicatrizes desfigurantes.
Forma cutaneovisceral (hemolítica): além do quadro cutâneo, ocorrem hemólise intravascular e suas
manifestações clínicas. Icterícia, anemia e hemoglobinúria geralmente surgem nas primeiras 24 horas. Nos
casos graves, pode haver evolução para CIVD, com petéquias, equimoses e sangramentos. A principal causa de
óbito é a insuficiência renal aguda provocada pela má perfusão renal, associada à hemoglobinúria e CIVD.
Os exames complementares podem mostrar leucocitose e neutrofilia, plaquetopenia, anemia, reticuloci-
tose, hiperbilirrubinemia indireta, alteração da função renal e do coagulograma.
O tratamento soroterápico e a classificação de gravidade são resumidos na tabela a seguir:
Classificação dos acidentes quanto à gravidade, manifestações clínicas, tratamento geral e específico
Classificação Manifestações clínicas Tratamento
Leve Loxosceles identificada como agente causador do acidente Sintomático: Acompanhamento até
Lesão incaracterística 72 horas após a picada*
Sem comprometimento do estado geral
Sem alterações laboratoriais
Moderada Com ou sem identificação da Loxosceles no momento da picada Soroterapia: 5 ampolas de SAAr**
Lesão sugestiva ou característica IV e/ou
Alterações sistêmicas (rash cutâneo, petéquias)
Sem alterações laboratoriais sugestivas de hemólise Prednisona: adultos 40 mg/dia;
crianças 1 mg/kg/dia durante 5 dias
Grave Lesão característica Soroterapia: 10 ampolas de SAAr
Alteração no estado geral: anemia aguda, icterícia IV e
Evolução rápida
Alterações laboratoriais indicativas de hemólise Prednisona: adultos 40 mg/dia;
crianças 1 mg/kg/dia durante 5 dias
Tabela 27.8
Embora não existam estudos controlados, a corticoterapia com prednisona é preconizada por 5 dias. Para
as manifestações locais, administram-se analgésicos e compressas frias no local. É importante a limpeza da lesão,
antibióticos no caso de infecção secundária e tratamento cirúrgico da ferida, com debridamento do tecido necró-
tico e drenagem de abscessos.
Latrodectismo
São conhecidas popularmente como viúvas-negras. As fêmeas têm um abdome globular com um desenho
em forma de ampulheta no ventre, e tamanho total de cerca de 3 cm. Os machos são muito menores, não sendo
causadores de acidentes. Habitam vegetações arbustivas e gramíneas, podendo também apresentar hábitos domi-
ciliares e peridomiciliares. Os acidentes ocorrem geralmente quando são comprimidas contra o corpo. Ao contrá-
rio do que se verifica em outros países, é agente raro em nosso país, embora seja encontrado na região Nordeste,
principalmente na faixa litorânea.
O veneno é uma neurotoxina (alfalatrotoxina) que provoca dor no local da picada, ativação do sistema ner-
voso autonômico e liberação de neurotransmissores, inclusive na junção neuromuscular.
O local da picada tem manifestações discretas, com dor em queimação, edema e sudorese discretos.
O quadro clínico, o tratamento sintomático e o soroterápico são resumidos na tabela a seguir:
Considerações da soroterapia
A soroterapia antiveneno (SAV), quando indicada, é um passo fundamental no tratamento adequado dos
pacientes picados pela maioria dos animais peçonhentos. A dose utilizada deve ser a mesma para adultos
e crianças, visto que o objetivo do tratamento é neutralizar a maior quantidade possível de veneno
circulante, independentemente do peso do paciente.
Os soros heterólogos antivenenos são concentrados de imunoglobulinas obtidos por sensibilização de di-
versos animais, sendo mais utilizados os de origem equina. A via de administração recomendada é, geralmente,
a intravenosa (IV), e, apesar de poder ser administrado puro, a forma diluída (1:2 até 1:5 em SF ou
SG 5%) parece diminuir a frequência de reações à soroterapia. O prognóstico dos acidentes por animais peço-
nhentos melhora com a administração precoce (até 6 horas depois) do SAV. As reações à soroterapia podem ser
classificadas em precoces e tardias. Precocemente, podem surgir urticária, tremores, tosse, náuseas, dor abdomi-
nal, prurido e rubor facial. Mais raramente pode-se ter reações semelhantes à reação anafilática ou anafilactoide.
Reações tardias, também conhecidas como “Doença do Soro”, podem ocorrer de 5 a 24 dias após o uso da SAV. Os
pacientes podem apresentar febre, artralgia, linfadenomegalia, urticária e proteinúria.
28
Urgências pediátricas -
febre sem sinal localizatório
avaliação laboratorial e terapia específica. Todavia, em rianas comprovadas, nessa circunstância, situa-se em
alguns casos, pode tratar-se de resposta a uma infec- torno de 10% a 20% dos casos. A febre, portanto, não
ção séria e potencialmente ameaçadora. Essa diferen- é manifestação específica de quadro bacteriano nessa
ciação entre o mais prevalente e não grave e o menos faixa etária, em que predominam as infecções virais.
frequente, porém perigoso, é o grande desafio do mé- Alguns autores chegam a recomendar a internação de
dico pediatra emergencista. todos os pequenos lactentes com febre e início ime-
O rápido diagnóstico e início de terapêutica ade- diato de antibioticoterapia parenteral. Outros estudos
quada são considerados significativos para redução da procuram caracterizar fatores de risco (dados clínicos
morbimortalidade nessa situação clínica. Porém, as e laboratoriais), além da ocorrência da febre para dis-
manifestações clínicas dos pequenos lactentes acome- criminar os quadros bacterianos dos demais.
tidos por infecções bacterianas são frequentemente No entanto, existem grupos de alto risco bem-
pouco específicas, dificultando seu reconhecimen- -definidos, que na vigência de febre, de acordo com a
to. A febre é descrita como sinalizador sensível para idade, doenças associadas e estado de imunodeficiên-
identificação de lactentes com quadros infecciosos de cia, requerem uma avaliação e conduta mais extensas,
natureza bacteriana. A frequência de infecções bacte- mesmo antes de a patologia específica ser determinada.
Distúrbio Comentários
Pacientes imunocompetentes
Sepse e meningite causadas por estreptococos do grupo B, E. coli, Listeria mo-
Recém-nascido nocytogenes, vírus herpes simples
Lactentes < 3 meses Doença bacteriana grave, bacteremia
Lactentes e crianças de 3-36 Bacteremia oculta: risco aumentado se a febre > 39 ºC e contagem de leucócitos >
meses 15.000
Hiperpirexia (> 41ºC) Meningite, bacteremia, pneumonia
Bacteremia e meningite causadas por Neisseria meningitidis, H. influenzae, S. pneu-
Febre com petéquias moniae
Pacientes imunocomprometidos
Anemia falciforme Sepse, meningite pneumocócica, osteomielite por salmonela
Asplenia Bactérias encapsuladas
Deficiência do complemento Sepse meningocócica
Agamaglobulinemia Bacteremia, infecção
Aids S. pneumoniae, H. influenzae tipo b, Salmonella sp
Cardiopatia congênita Risco aumentado de endocardite
Cateter venoso central Staphylococcus aureus, estafilococos coagulase-negativos, Candida (fungos)
Bactérias entéricas Gram-negativas, S. aureus, estafilococos coagulase-negativos,
Câncer Candida (fungos)
Tabela 28.1
Temperatura
Doença bacteriana grave O risco de doença bacteriana grave e BO é dire-
Doenças em que o atraso no diagnóstico pode tamente proporcional à intensidade da febre em
gerar morbidade importante ou até mortalidade. Bac- crianças de 3 a 36 meses de idade. Com temperaturas
teremia oculta, meningite bacteriana, celulite, osteo- retais abaixo de 38,9 ºC, a taxa de bacteremia é de 1%,
mielite, diarreia aguda bacteriana, pneumonia e artri- de 38,9 ºC a 39,4 ºC é de 4%, entre 39,4 ºC e 40,5 ºC é
te séptica são exemplos. de 8% e acima de 40,5 ºC pode chegar a 10,5%.
É importante ressaltar que, nos recém-nascidos,
a hipotermia pode representar sinal ainda mais im-
portante do que febre e nos lactentes menores de três
Características clínicas meses não há relação bem-estabelecida entre a inten-
para avaliação da FSSL sidade da temperatura e o risco de má evolução.
A boa resposta a antipiréticos não indica um menor
risco de infecções bacterianas graves, ou seja, a crença
popular de que a febre que não cede com antitérmicos é
sinal de gravidade não tem fundamento científico.
Idade
Devemos ter muita atenção na avaliação e acom-
panhamento de lactentes com quadros febris. Um al-
goritmo bem- elaborado deve ser aplicado na avaliação História e exame físico
e seguimento de lactentes com quadros de FSSL. Esses A história e o exame físico são muito valiosos na
lactentes são tradicionalmente divididos em três sub- avaliação da criança febril. A literatura internacional,
grupos: neonatos (do nascimento até 28 dias de vida), principalmente a americana, adota a temperatura re-
lactentes jovens (comumente definidos como lacten- tal, considerada mais precisa para aferir a temperatura
interna do organismo. A medida da temperatura bucal foram criadas várias escalas de observação clínica, que
(também preferida pelos americanos, mas que não é procuram identificar as crianças com doença bacteria-
fácil em crianças e acarreta algum risco) também pode na grave. A mais conhecida é a Escala de Observação
ser utilizada. Em nosso meio, o método universalmen- de Yale. Na prática clínica diária, as escalas não têm
muita utilidade, e a grande questão é saber se o pedia-
te aceito e culturalmente incorporado é a medida da tra consegue identificar, através de sua avaliação clíni-
temperatura axilar, que, embora não seja tão precisa ca, as crianças com bacteremia. Uma vez que apenas
como a retal, satisfaz plenamente para propósitos clí- a avaliação clínica não é suficiente, foram avaliados
nicos. Como citamos inicialmente, nos serviços pediá- diversos exames laboratoriais inespecíficos como tria-
tricos em nosso meio, estabelecemos um valor de 37,8 gem para identificação das crianças febris com doença
ºC de temperatura axilar, a partir do qual se determina bacteriana grave ou bacteremia.
que a criança está com febre.
Anamnese dirigida à queixa de febre:
1. Idade: determinar a faixa etária (atenção para
Indicações de
a faixa de risco). investigação imediata
2. Intensidade da febre: procurar saber se ela 1. Faixa etária de risco: recém-nascido (inves-
chegou a 39,5 ºC ou se ocorreu hipotermia (abaixo de tigação obrigatória), dois primeiros meses de vida
36 ºC). (investigação recomendada) e terceiro mês de vida
3. Associação de febre com tremores de frio (di-
(desde que a impressão geral seja satisfatória, é acei-
tável manter em observação atenta). A partir dos três
ferenciar de simples calafrios ou abalos musculares).
meses, são válidos a observação e acompanhamento
4. Apetite; diminuição evidente. ambulatoriais frequentes.
5. Alterações de comportamento: irritabilidade 2. Febre maior que 39,4 ºC, especialmente se
acentuada, sonolência exagerada, apatia, choro incon- acompanhada de tremores de frio, sugere infecção
solável, choramingação, alucinações, gemência. Per- bacteriana/ bacteremia. Suspeitar também em casos
guntar também se após a diminuição da febre com o de temperatura abaixo de 36 ºC em crianças abatidas.
uso de antipiréticos ocorreu uma melhora evidente da 3. Estado infeccioso/toxêmico acentuado: má im-
disposição ou a criança permaneceu abatida. pressão geral, aspecto abatido, inapetência, irritabili-
6. Outros sintomas localizatórios: coriza, secre- dade alternada com sonolência, letargia, apatia, fácies
ção nasal, espirros, tosse, chiado e falta de ar, vômitos de sofrimento, choro inconsolável ou choramingas,
e diarreia e cefaleia. gemência (sinal de alarme) e a disposição da criança.
7. Duração do episódio febril: febre contínua ou 4. Duração da febre maior que 3 dias (mais de 72
picos febris isolados. horas), contados com a maior precisão possível a par-
tir do momento presumido do início da febre.
Além dos sintomas recentes, perguntar na ana-
mnese sobre vacinação, exposição recente a doenças
infectocontagiosas e histórico neonatal. Se a criança
recebeu vacinas apropriadas, ela tem um risco menor
para infecções bacterianas graves.
Características
laboratoriais para
avaliação da FSSL
Aspecto clínico geral
A criança toxemiada apresenta um risco aumen-
tado bem-estabelecido para infecção bacteriana grave.
Portanto, sinais de má perfusão e choque hemodinâ-
mico (hipotensão, taquicardia, oligúria), hiporreati- Hemograma
vidade, alteração do nível de consciência, taquipneia, A contagem total de leucócitos é o exame mais
esforço respiratório aumentado e distúrbios da coagu-
utilizado, tanto para orientações sobre a necessidade
lação devem encaminhar o paciente para tratamento
e investigação de sepse severa, mesmo não havendo de novos exames quanto para decisões terapêuticas.
sinal de localização infeccioso clinicamente detectável. Há uma forte associação, diretamente propor-
Nesses casos, o diagnóstico presumível de sepse deve cional, entre o número total de leucócitos no hemo-
ser considerado e a criança tratada como tal. Esse tra- grama e a chance de bacteremia. Utiliza-se geralmente
tamento inclui, além das medidas de suporte, coleta
de hemocultura, urocultura, liquor e introdução de an- o número de 15.000/mm3 para separar as crianças com
tibioticoterapia empírica inicial. Entretanto, a maio- FSSL em alto e baixo riscos. A leucopenia (< 5.000/
ria das crianças com FSSL não está toxemiada, e para mm3) também é considerada sinal de gravidade, prin-
auxiliar o pediatra e tornar a avaliação mais objetiva cipalmente nos primeiros meses de vida.
Quando o número total de leucócitos é menor A análise do sedimento urinário isolada, sem
que 10.000/mm3 a taxa de bacteremia é de 1,2%, mas cultura, nem sempre afasta ITU. Até 20% das infec-
se for maior que 20.000/mm3 essa taxa sobe para ções urinárias documentadas por cultura podem ter
11,5%. Uma criança com glóbulos brancos entre 5.000 urina tipo 1 falso-negativa na fase inicial.
e 15.000/mm3 tem probabilidade de 97% de não ter
bacteremia, ou seja, nessa faixa o leucograma tem va- O número de leucócitos no exame de urina é
lor preditivo negativo de 97%. considerado normal se menor do que 5/campo ou
10.000/mL. Além do número de leucócitos, a detec-
A contagem total de neutrófilos > 10.000/mm3
e/ou de neutrófilos jovens > 500/mm3 também está ção indireta da presença de bactérias por teste de
associada a doença severa. conversão de nitrito positivo geralmente tem especi-
ficidade boa e baixa sensibilidade.
A sondagem uretral e a punção suprapúbica são
Provas de atividade inflama- os métodos de escolha para coleta de urina. O saco
coletor, apesar de mais prático e menos doloroso,
tória (provas de fase aguda) implica risco de falso-positivo por contaminação de
Valores de VHS (velocidade de hemossedimen- 12% a 83%. Em geral, o isolamento de bactéria única
tação) acima de 25 a 30 mm/h estão correlacionados por saco coletor bem aplicado ou por jato médio com
com a presença de bacteremia oculta. Entretanto, o mais de 100.000 UFC/mL é considerado ITU. Por
VHS não é mais útil do que a contagem total de leu- sondagem vesical, o número de colônias que sugere
cócitos. A proteína C quantitativa (PCR) é considerada positividade deve ser superior a 10.000 ufc/mL. Na
mais bem indicada que a contagem de leucócitos e de punção suprapúbica, qualquer número de unidades
neutrófilos, e ainda melhor que a VHS. Níveis supe- formadoras de colônia encontrado é considerado po-
riores a 40 mg/L são sugestivos de bacteremia, mas
sitivo para ITU.
seu papel na detecção de bacteremia oculta, na criança
com FSSL, não está estabelecido. Concentrações me-
nores de 5 mg/dL excluem infecção bacteriana grave.
As citocinas também já foram estudadas como marca-
dores de doença bacteriana grave.
Radiografia (raio X) de tórax
De maneira geral, considera-se não necessária
Hemocultura a realização de raio X de tórax na avaliação de todas
as crianças com FSSL, porque muitos estudos encon-
Sua realização é útil em casos selecionados de traram baixa incidência de pneumonia em crianças
alto risco, mas não necessária de rotina. O diagnóstico com febre e sem sinais e/ou sintomas de doença
de bacteremia oculta baseia-se na hemocultura. Quan-
respiratória. Por outro lado, na presença de taquip-
do indicada, deve ser obtida apenas uma amostra com
técnica de coleta adequada. Mais de uma amostra não neia e outros sinais ou sintomas respiratórios, ou na
se faz necessária. Hemocultura falso-negativa pode criança toxemiada, o raio X de tórax é obrigatório.
ser encontrada em crianças que estejam recebendo Frequência respiratória maior que 50 por minuto em
antibioticoterapia prévia. menores de seis meses de idade ou maior que 42 por
minuto em crianças de seis meses a dois anos é con-
siderada uma boa indicação.
Urina tipo 1 e urocultura (na Entretanto, alguns estudos recentes relatam
taxas relativamente altas de pneumonia oculta em
avaliação da FSSL) crianças sem sinais e sintomas respiratórios quando
A prevalência de ITU em crianças de dois meses a a contagem total de leucócitos é maior que 20.000/
dois anos com FSSL é de aproximadamente 3% a 7%, mm3. Em crianças abaixo de cinco anos, com tempe-
sendo a infecção bacteriana mais comum como causa ratura maior ou igual a 39 ºC e leucocitose maior ou
de febre em menores de 3 meses. Os sintomas de ITU igual a 20.000/mm3, foi reportada pneumonia oculta
em lactentes geralmente são inespecíficos e incluem em 26% dos casos de FSSL. Portanto, também nessa
vômitos, diarreia, febre, irritabilidade e recusa ali-
situação, o raio X de tórax deve ser obrigatoriamente
mentar. Uma história de choro ao urinar ou cheiro po-
dre da urina aumentam a especificidade das queixas. solicitado.
Sendo o diagnóstico clínico pouco preciso e a ITU Usualmente, nas crianças maiores de três meses
uma infecção bacteriana prevalente e potencialmente de idade com temperatura menor do que 39 ºC e sem
grave na faixa etária pediátrica, são importantes a uti- sinais clínicos de doença pulmonar, o raio X de tórax
lização e a interpretação adequadas de meios laborato- não é realizado, já que se houvesse infecção pulmo-
riais de diagnóstico. nar seria identificada clinicamente.
domiciliar, orientando sinais de alerta e sintomáti- tações, observar em domicílio e reavaliar diariamente
cos, com reavaliação médica obrigatória em 12 a 24 checando culturas (HMC e UC); ou, no caso de vaci-
horas. Isso somente será viável se o grau de com- nação completa, comprovada, para hemófilo tipo B e
preensão e o nível socioeconômico da família forem pneumococo conjugada, pode-se optar pela mesma
satisfatórios e se houver recursos para retorno em
conduta sem a introdução de antibiótico, já que o risco
tempo hábil ao serviço de saúde em caso de piora do
de bacteremia é menor. A punção lombar para coleta
quadro. Caso contrário, a observação deverá ser em
ambiente hospitalar. de liquor fica sujeita a julgamento clínico.
O lactente jovem com FSSL é considerado de alto Na reavaliação, se a criança estiver bem e afe-
risco se não preencher os critérios de Rochester. Este bril, checar culturas; se negativas, suspende-se
necessita ser internado com introdução de antibiótico o antibiótico. Se a hemocultura for positiva para
e ampliação da investigação com hemocultura, urocul- pneumococo, terminar o tratamento com penicili-
tura, coleta de LCR e raio X de tórax. na ou amoxicilina via oral. No caso de o paciente
Nos lactentes de baixo risco, há ainda as opções apresentar febre prolongada persistente, com evo-
de internação desde a apresentação com antibiótico lução desfavorável ou com hemocultura positiva
empírico ou de colher investigação laboratorial com- para meningococo, hemófilo ou outro agente que
pleta e administrar ceftriaxona 50 mg/kg/dia intra- não pneumococo, opta-se por internação, nova co-
muscular (IM), com observação domiciliar e reavalia- leta de hemocultura e antibiótico direcionado para
ções diárias com checagem de culturas.
os antibiogramas das culturas colhidas.
Resumo
Crianças de 3 a 36 meses
FSSL Febre sem etiologia definida após his-
Separa-se esse grupo de pacientes com FSSL em tória e exame físico cuidadosos, com
febre alta e baixa, tendo como limite a temperatura início há menos de 7 dias
axilar de 39 ºC. Nas crianças com febre < 39 ºC e bom
estado geral são orientados os sinais de alerta, sinto- Bacteremia Presença de bactéria no sangue (em
oculta (BO) hemocultura) de uma criança em boa
máticos e reavaliação em caso de persistência da febre
aparência e com FSSL
em 24 horas.
Principal agen- Streptococcus pneumoniae (70% – 85%)
Nos casos classificados como febre alta, inicia-
te nas BO
-se a investigação por coleta de U1 e UC. Se a leucoci-
túria > 100.000/mL, diagnostica-se ITU, administra- Avaliação clí- Idade: inversamente proporcional
-se antibiótico adequado e a cultura deve ser checada. nica da FSSL – Febre: diretamente proporcional (com-
Se U1 com < 100.000 leucócitos/mL, prosseguir, risco de doença provação científica a partir de 3 meses
investigação da FSSL com coleta de HMG. bacteriana gra- de idade)
ve e BO Estado geral: toxemia indica gravi-
Com os dados do leucograma, é possível avaliar dade
outro parâmetro de risco, ou seja, se leucócitos totais
< 15.000/mm3 e neutrófilos totais < 10.000/mm3, esse Avaliação labo- HMG: leucocitose indica risco
ratorial da FSSL U1 e UC: clínica pouco precisa + ITU
paciente, apesar de apresentar febre alta, tem U1
– risco de do- infecção prevalente – utilização e
normal e HMG sem evidência de leucocitose im- ença bacteriana interpretação adequadas de exames
portante; portanto, pode ser observado em domicílio grave e BO laboratoriais
e reavaliado diariamente, lembrando de checar a uro- Radiografia de tórax: temp ≥ 39 oC e L
cultura colhida no início da investigação. ≥ 20.000 – 26% de pneumonia oculta
Na situação de febre alta, U1 normal ou < Recém-nasci- Faixa etária mais frequente em ques-
100.000 leucócitos/mL e HMG com > 15.000 a dos tões de prova: internação, investiga-
20.000 leucócitos/mm3, colhe-se HMC e solicita- ção e antibioticoterapia inicial
-se raio X de tórax, mesmo sem sinais respiratórios
Tabela 28.3
(26% de pneumonia oculta). Se o raio X estiver alte-
rado, tratar e conduzir como pneumonia. Se o raio X
estiver normal, ainda há risco aumentado de bactere- A seguir, o algoritmo proposto de avaliação de
mia oculta tanto pela temperatura ≥ 39 ºC como pela FSSL em crianças de 0 a 36 meses de idade. Vale lem-
leucocitose. Pode-se optar, nessa última situação, por brar que há vários protocolos de conduta propostos de
administrar ceftriaxona 50 mg/kg/dia IM, dar orien- acordo com cada instituição, e nenhum é perfeito.
Toxemia
SIM
NÃO (independente da idade)
U1 normal ou leucocitúria
Internar
< 100.000/ml
U1 com leucocitúria >
HMC, UC
Antitérmico 100.000/ml: considerar
LCR
Observação clínica domiciliar ITU e iniciar antibiótico
RX tórax
Reavaliação obrigatória em 12 a 24h HMG
Antibiótico empírico Hemograma normal
Rx alterado: pneumonia
Ceftriaxone 50 mg/kg IM 1 vez/dia Antibiótico
Retorno diário para reavaliação e
checar resultado hemocultura HMC
RX tórax
Rx normal: risco de bacteremia oculta
Considerar LCR
Vacinação para Hib e pneumococo conjugada.
Manter sem antibiótico com observação e Abreviações: HMG-hemograma, HMC-hemocultura, U1-urina
reavaliação obrigatória em 12 a 24 hs tipo 1, UC-urocultura, RX-raio X, LCR - liquor
Comentários finais
Nos lactentes jovens, os focos infecciosos bacterianos tendem a ampliar-se e apresentar disseminação por via
hematogênica, originando, por vezes, quadros septicêmicos e acometimento secundário de outros órgãos. A reper-
cussão sistêmica dos quadros infecciosos é também geralmente mais intensa nos pequenos lactentes. As crianças
dessa faixa etária, quando infectadas, devem merecer um enfoque especial. Para esses lactentes é importante o reco-
nhecimento precoce das infecções, particularmente as bacterianas. Porém, as manifestações clínicas dos pequenos
lactentes acometidos por infecções bacterianas são frequentemente pouco específicas, dificultando seu reconheci-
mento. A febre é descrita como sinalizador sensível para identificação de lactentes com quadros infecciosos de natu-
reza bacteriana (comprovadas em torno de 10% a 20% dos casos). A febre, portanto, não é manifestação específica
de quadro bacteriano nessa faixa etária, em que predominam as infecções virais. O emprego de métodos diagnós-
ticos virais, como o imunoensaio ou a imunofluorescência, de resultado muito mais rápido que as culturas, poderia
elucidar mais precocemente a causa da febre, reduzindo a utilização da antibioticoterapia e a hospitalização. Apesar
de não estarem citados nos protocolos de manejo de lactentes com febre, alguns autores defendem seu emprego.
Foram elaborados vários protocolos para avaliação de lactentes com FSSL . O assunto é bastante complexo, os
resultados dos vários estudos são muitas vezes conflitantes, e a realidade do atendimento das crianças com FSSL
pode ser muito diversa.
A extensão da avaliação, uso de antibioticoterapia empírica, necessidade de exames laboratoriais mais inva-
sivos (como por exemplo a coleta de liquor) e a necessidade de internação hospitalar dependem da faixa etária da
criança, da aparência do paciente (toxemia, irritabilidade, alteração do estado neurológico etc.) e de fatores de risco
baseados na história clínica e no exame físico. É importante ressaltar que nenhuma rotina de atendimento é perfeita
e infalível. Nada substitui a anamnese e o exame físico cuidadosos, o bom senso do médico atendente e as reavalia-
ções em curto prazo (em 18 a 24 horas). A conduta do pediatra também vai depender da condição sociocultural da
família, da sua disponibilidade para trazer a criança para reavaliação e da sua compreensão dos riscos. Cada profis-
sional ou serviço de saúde deve procurar adaptar a conduta ao perfil de seus profissionais e de sua clientela.
29
Urgências pediátricas -
convulsão febril
A crise febril (CF) é o problema neurológico De qualquer forma, sabe-se que as CF raramen-
mais comum durante a infância. Apesar de entidade te podem ocorrer no lactente novo (antes de 3- 6 me-
primordialmente benigna, que remite espontaneamen- ses) e/ou após os 5 anos de idade. A persistência de
te sem tratamento, gera tensão aos familiares e a alguns CF após os 6 anos, associada ou não a crise afebril,
médicos, às vezes provocando condutas terapêuticas e com remissão espontânea em torno dos 12 anos, é
diagnósticas excessivas e possivelmente iatrogênicas. denominada convulsão febril plus e tem um forte
componente familiar, provavelmente de transmissão
autossômica dominante.
Atualmente, prefere-se a denominação crises
Definição febris, porque elas podem ser convulsivas ou não
convulsivas.
O consenso do National Institute of Health
(NIH), publicado em 1981, conceitua crise febril
como um evento na infância, usualmente entre três
meses e cinco anos de idade, associado a febre, mas
sem evidência de infecção intracraniana ou de outra
Epidemiologia
doença neurológica aguda ou de causa definida para Estudos populacionais nos Estados Unidos
a convulsão, excluindo crianças que já apresentaram (EUA) e Europa mostraram que 2% a 5% das crianças
previamente crises na ausência de febre. apresentam pelo menos uma crise convulsiva febril
Nos últimos anos, a literatura tem apresentado, antes dos cinco anos de idade. A maioria dos casos
como faixa etária para crise febril, a idade entre seis ocorre entre seis meses e três anos, com pico de
meses e cinco anos, e esse intervalo é o adotado na incidência aos 18 meses. Há uma tendência de os
definição da Academia Americana de Pediatria (AAP). casos mais severos surgirem mais precocemente.
292
Pediatria geral, emergências pediátricas e neonatologia
São descritas como fatores de risco para de- plenomegalia, falência de crescimento, regressão de
senvolver uma primeira crise febril: a presença DNPM) ou de síndromes neurocutâneas e para o ta-
de uma desordem neurológica não epiléptica de base manho da circunferência da cabeça.
e uma história familiar positiva para CF em parentes Quanto à investigação laboratorial, os exames
de primeiro e segundo graus. Prematuros, alta tardia de sangue de rotina não são recomendados, a menos
da unidade de terapia intensiva neonatal e atraso de que por motivos da doença intercorrente. A coleta de
desenvolvimento neuropsicomotor parecem também liquor deve ser realizada na presença de sinais menín-
aumentar esse risco. geos. Como esses sinais são menos sensíveis em crian-
Após o primeiro episódio de crise febril, 2% a 4% ças jovens, há uma forte recomendação de coleta de
das crianças terão pelo menos um episódio de convul- LCR para todos os menores de um ano de idade; entre
são não provocada, um risco discretamente maior de 12 e 18 meses é recomendada, e acima de 18 meses
desenvolver epilepsia que o da população geral, que é fica a critério clínico do médico acompanhante. A pun-
de 1%. Visto de outra perspectiva, aproximadamente ção lombar deve ser fortemente considerada quando
13% a 19% das crianças com crises afebris têm antece- houver uso prévio de antibióticos (pode mascarar os
dente de convulsão febril. sintomas), pós-ictal com alteração neurológica pro-
O risco de desenvolver epilepsia é maior se a longada, nas crises (complicadas) focais, múltiplas e
crise tiver sido complicada, se houver história familiar prolongadas, e quando há história de irritabilidade ou
de epilepsia e o surgimento precoce de alterações no toxemia ao exame.
desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM). O eletroencefalograma não está indicado de
O risco de recorrência da convulsão febril é rotina. Não há correlação entre a presença de altera-
de cerca de 30%, sendo que mais da metade das ve- ções irritativas, que ocorrem em normalmente 3% da
zes ocorre no primeiro ano após o episódio inicial e população, e maior incidência de recidivas. Não deve
mais de 90% dessas recorrências ocorrem dentro de ser utilizado para identificar anormalidades estrutu-
dois anos. O número de recorrências está geralmente rais ou para prever recorrências e epilepsia.
limitado a dois ou três episódios. Dentre os fatores de Exames de neuroimagem não são indicações de
risco, as crianças com menos de um ano de idade pa- rotina nas crises febris simples e nem em todas as crises
recem ser, isoladamente, os casos mais prováveis de complicadas. Deve ser considerada nos seguintes casos:
recorrência. Outros fatores relevantes são: história Micro ou macrocefalia, suspeita de síndrome
familiar de crise febril em parentes próximos, crises neurocutânea, deficiência neurológica pregres-
complicadas com mais de um episódio convulsivo na sa não esclarecida ou investigada.
mesma doença, evento ocorrido em vigência de febre Pós-ictal com alterações neurológicas persistentes.
baixa e logo no início da patologia febril.
Crises complexas recorrentes.
Especificamente no estado de mal epiléptico fe-
bril, não há predisposição para recorrência, desenvol-
Suspeita de hipertensão intracraniana.
vimento de epilepsia ou sequelas. A ressonância magnética é superior à tomografia
Algumas síndromes epilépticas na infância apre- computadorizada, especialmente se houver um qua-
sentam relação com a convulsão febril. Na epilepsia dro inflamatório ou estrutural subjacente.
tipo ausência, encontra-se antecedente positivo em
15% a 25% dos casos; na epilepsia parcial benigna
verifica-se tal antecedente em 9% a 20% dos casos.
Quanto à epilepsia do lobo temporal, há uma relação
Tratamento
controversa baseada em estudos retrospectivos, mos-
trando que até 40% desses casos têm antecedentes de
prolongadas crises febris complicadas.
Avaliação do paciente
Deve ser obtida uma história detalhada, enfati-
zando-se antecedentes familiares de crises febris e de
epilepsia. Deve-se descrever completamente o episódio e
excluir outros diagnósticos como intoxicações exógenas.
No exame físico, atentar para evidência de in-
fecção do sistema nervoso central (SNC), alterações Figura 29.2 Criança de 18 meses com crise complexa
neurológicas, sinais de doença metabólica (hepatoes- registrada no vídeo-EEG.
Resumo
Crise febril
Definição Idade: 3 meses a 5 anos, AAP de 6 meses
a 5 anos. Associado a febre
Sem evidência de infecção intracraniana
ou de outra doença neurológica aguda ou
de causa definida para a convulsão
Exclusão: antecedentes de crises neona-
tais ou na ausência de febre
Classificação Simples – generalizada, não focal, < 15
minutos, sem recorrência, sem altera-
ções neurológicas no pós-ictal
Complicada – focal ou de padrão focal
Figura 29.3 Crise típica da síndrome de West. durante qualquer período do evento, >
15 minutos, recorrente no mesmo pro-
cesso febril, alterações neurológicas fo-
A maioria das DAE é ineficaz no tratamento, mas cais ou prolongadas no pós-ictal
costumam ser introduzidas drogas como o ácido val- Exames LCR- na presença de sinais meníngeos,
proico, vigabatrina e benzodiazepínicos. A medicação de diagnósticos < 1 ano de idade; entre 12 e 18 meses é
eleição na síndrome de West continua sendo o hormô- recomendada e > 18 meses fica a critério
nio adrenocorticotrófico (ACTH), que diminui os níveis clínico do médico acompanhante. Forte-
mente considerado uso prévio de antibi-
do hormônio liberador da corticotrofina (CRH), o qual óticos no pós-ictal com alteração neuroló-
parece ter papel na gênese da síndrome. O prognóstico gica prolongada, nas crises (complicadas),
é reservado, e a maioria dos casos evolui para sequelas irritabilidade ou toxemia ao exame
graves motoras e cognitivas, sendo melhor nos casos EEG- não está indicado de rotina.
Neuroimagem- não são indicados de
criptogênicos. Com o uso de ACTH, pode haver melhora rotina. Considerada:
das crises em cerca de 60% dos casos. micro ou macrocefalia, suspeita de síndro-
me neurocutânea, deficiência neurológica
pregressa não esclarecida ou investigada;
pós-ictal com alterações neurológicas
persistentes;
Epilepsia rolândica crises complexas recorrentes.
A ressonância magnética é superior à
A epilepsia benigna da infância, com paroxismos tomografia computadorizada se houver
um quadro inflamatório ou estrutural
centrotemporais (epilepsia benigna rolândica), é do subjacente.
tipo parcial e tem um excelente prognóstico. Caracte- Prognóstico Fatores de risco para desenvolver 1ª
riza-se por manifestações clínicas típicas, achados no crise febril:
EEG de focos rolândicos e pela ausência de uma lesão desordem neurológica não epiléptica de
neuropatológica. base;
história familiar próxima de convulsão
Ocorre entre 2 e 14 anos de idade, sendo mais febril;
comum iniciar entre 9 a 10 anos, em crianças previa- febre alta e rápido aumento da temperatura.
mente hígidas e muitas vezes com história familiar de Fatores de risco para desenvolver epilepsia:
epilepsia. As crises são de curta duração (1 a 2 minu- crise complicada;
história familiar de epilepsia;
tos), parciais simples, com sintomas motores e sen- alterações no DNPM.
soriais geralmente confinados à face. Fatores de risco de recorrência (30%):
Os eventos acontecem predominantemente à < 1 ano de idade;
noite, após poucas horas de sono. Os sintomas oro- história familiar de convulsão febril em
parentes de 1º e 2º graus;
faríngeos costumam ser de parestesia da língua, dor- crises complicadas;
mência unilateral da bochecha, dificuldade na fala, crise com febre baixa e logo no início da
ruídos estranhos e salivação excessiva. Pode haver patologia febril.
contraturas unilaterais tônico-clônicas da parte infe- Tratamento Crise: ABCDE, diazepam; não adminis-
rior da face e movimentos clônicos ou parestesias dos trar antiepilépticos no pós-ictal
Profilático:
membros ipsilaterais.
contínuo: em desuso;
O EEG é muito sugestivo, com descargas de gran- intermitente: considerar risco de recor-
de amplitude na região centrotemporal. O tratamen- rência e aceitação familiar;
to normalmente é introduzido para os casos com re- sem drogas: preferido.
Síndrome de West
corrência frequente, e as crises costumam responder
Espasmos em salvas, retardo mental, hipsiarritmias
muito bem às DAE. A evolução é benigna, e geralmen- Tratamento – ACTH
te desaparece na adolescência sem deixar distúrbios
neurológicos. Tabela 29.1
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