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PSICOLOGIA DO

DESENVOLVIMENTO E
DA APRENDIZAGEM

Autoria: Eduardo José Legal


Josiane da Silva Delvan

UNIASSELVI-PÓS
Programa de Pós-Graduação EAD
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Ozinil Martins de Souza

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel

Equipe Multidisciplinar da
Pós-Graduação EAD: Prof.ª Hiandra B. Götzinger Montibeller
Prof.ª Izilene Conceição Amaro Ewald
Prof.ª Jociane Stolf

Revisão de Conteúdo: Prof.ª Carolina dos Santos Maiola

Revisão Gramatical: Prof.ª Marcilda Regina da Cunha Rosa

Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci

Copyright © UNIASSELVI 2011


Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.

155
L496p Legal, José Eduardo.
Psicologia do desenvolvimento e aprendizagem /
Eduardo José Legal [e] Josiane da Silva Delvan,
Centro Centro Universitário Leonardo Da Vinci.
Indial : GRUPO UNIASSELVI, 2011.
98 P. : IL.

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7830-076-0

1. Psicologia do desenvolvimento. 2. Variáveis psicológicas -


Aprendizagem. I. Delvan, Josiane da Silva. II. Centro
Universitário Leonardo Da Vinci. Programa de
Pós-Graduação EAD. III. Título.

Impresso por:
Eduardo José Legal

Doutor em Psicologia Experimental pela USP/


São Paulo (2002). Atua como professor do curso
de Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí
(UNIVALI), Campus Itajaí. Leciona e pesquisa nas áreas
de Processos Básicos, Psicopatologia e Neurociências.
Coautor do livro: Estresse: conceitos, métodos, medidas
e possibilidades de intervenção. Autor e coautor de vários
artigos e capítulos de livro publicados em revistas e livros
na área de Psicologia.

Josiane da Silva Delvan

Doutora em Psicologia pela USP/


Ribeirão Preto (2007). Atua como professora da
Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) e do Centro
Universitário de Brusque, na disciplina de Psicologia do
Desenvolvimento Humano.
Sumário

APRESENTAÇÃO.......................................................................7

CAPÍTULO 1
Perspectivas Teórico-Metodológicas em
Desenvolvimento Humano . ..........................................................9

CAPÍTULO 2
O Desenvolvimento no Ciclo Vital .............................................35

CAPÍTULO 3
Aprendizagem: Conceitos, Perspectivas e
Implicações no Processo de Ensino............................................55

CAPÍTULO 4
Variáveis Psicológicas e Neurobiológicas
Determinantes do Processo de Aprendizagem.............................73
APRESENTAÇÃO
Caro pós-graduando:

Neste caderno de estudos de Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem,


estudaremos os processos de desenvolvimento e de aprendizagem, primeiro
separadamente, para que você possa entender as diferenças entre um e outro.
Apresentaremos as definições operacionais e as teorias mais influentes de ambos os
processos; discutiremos como os outros processos psicológicos (motivação, atenção,
memória, etc.) contribuem para o desenvolvimento humano e se são modificados
ao longo do tempo, bem como o papel do sistema nervoso no desenvolvimento e
aprendizagem. Por fim, discutiremos com você as relações entre os conhecimentos
desta área e o saber/fazer dos profissionais de educação.

A ciência psicológica tem como objetivo tentar compreender como as pessoas


fazem o que fazem. Tal empreendimento envolve, entre outras coisas, saber como
se dá o desenvolvimento do sujeito que “faz o que faz”. Parte do desenvolvimento
humano depende fundamentalmente do processo de aprendizagem, de tal modo que
muitas teorias são similares para ambos os processos.

O fenômeno desenvolvimento, em termos gerais, significa o processo de


mudança e de continuidade ao longo da vida. Contudo, como o termo desenvolvimento
sugere, algumas características, ao longo da vida, são modificadas e não dependem
necessariamente da experiência do indivíduo. É o caso do crescimento: todas as
pessoas crescem independente de terem ou não a experiência de crescer, ou seja,
estas mudanças podem ser influenciadas por fatores ambientais, mas o processo de
crescimento em si já é inerente à espécie.

Já a aprendizagem implica sempre em algo que foi adquirido pela experiência,


sendo que não existia antes que o indivíduo passasse pela situação.

Neste caderno estudaremos estes dois processos, primeiro separadamente


para que você possa entender as diferenças entre desenvolvimento e aprendizagem.
Apresentamos as definições operacionais e as teorias mais influentes de ambos
processos; discutimos como os outros processos psicológicos (motivação, atenção,
memória, etc) contribuem e são modificados ao longo do tempo, bem como o papel
do sistema nervoso no desenvolvimento e aprendizagem.

Por fim, discutimos com você as relações entre os conhecimentos desta área
com o saber/fazer dos profissionais de educação.

Os Autores.
C APÍTULO 1
Perspectivas Teórico-Metodológicas
em Desenvolvimento Humano

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Conhecer as perspectivas teórico-metodológicas sobre o desenvolvimento hu-


mano.

 Distinguir as propostas de cada uma das perspectivas teórico-metodológicas


sobre o desenvolvimento humano.
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

10
Perspectivas Teórico-Metodológicas em
Capítulo 1 Desenvolvimento Humano

Contextualização
Neste primeiro capítulo, discutiremos o desenvolvimento humano e
a necessidade do conhecimento da Psicologia do Desenvolvimento e da
Aprendizagem para os processos de intervenção do profissional de educação.

Você poderia se perguntar sobre a relevância de conhecer a área da


Psicologia do Desenvolvimento em um curso que não é de Psicologia. Algumas
pessoas buscam estudar a Psicologia do Desenvolvimento para responderem a
algumas perguntas sobre seus próprios comportamentos, de alguém da família ou
de um amigo. Talvez você já se tenha feito as seguintes perguntas:

- Quando os bebês reconhecem as suas mães pela primeira vez?

- Por que as crianças pequenas dizem, por exemplo, que o sol e as nuvens estão
vivos e as seguem.

- O ambiente familiar influencia a personalidade? Se sim, por que crianças de uma


mesma família são frequentemente tão diferentes umas das outras?

- Por que os seres humanos são, em alguns aspectos, tão similares uns aos
outros e, ao mesmo tempo, tão diferentes?

O desenvolvimento do ser humano é um processo de


construção social que se dá nas e através das múltiplas
interações que um indivíduo estabelece desde o seu
nascimento, com outras pessoas e, particularmente, com
aquelas com as quais ele mantém um maior vínculo afetivo.
Tais interações ocorrem em ambientes organizados e
modificados pelos adultos, conforme as concepções sobre
desenvolvimento infantil próprias daquela cultura, das quais
eles se apropriam através de suas experiências anteriores
(ROSSETTI-FERREIRA et al, 2004).

Atualmente, o estudo do desenvolvimento humano enquanto processo


abrange:

• a compreensão dos processos psicobiológicos nele envolvidos (genética,


evolução e regulações fisiológicas);
• a análise do espaço sociocultural (família, escola e amigos);
• a análise do tempo real (história e cultura);
• o desdobramento das ações das pessoas.

11
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

Em seguida, apresentaremos as principais teorias que explicam como ocorre


o desenvolvimento humano.

No âmbito científico, tentamos explicar como ocorre o desenvolvimento


humano a partir de observações detalhadas e sistemáticas que nos auxiliem
a compreender fenômenos como: as semelhanças na aquisição de alguns
comportamentos, como andar, falar, escrever; as diferenças individuais em relação
à aprendizagem; a forma como são resolvidos problemas e tomadas decisões
e muitas outras questões. Obviamente, não existe uma explicação simples para
tudo isto, pois, afinal, muitas variáveis são importantes e não podemos estudar
todas ao mesmo tempo. Por isso, alguns pesquisadores se dedicaram mais à
linguagem, outros ao pensamento, outros aos relacionamentos interpessoais,
outros, ainda, às emoções e ao seu controle (ou à falta dele).

Não existe uma De acordo com o assunto pesquisado pelos grupos de cientistas,
explicação simples explicações distintas foram levantadas para cada aspecto do
para tudo isto, comportamento. Ainda não chegamos a um consenso sobre qual
pois, afinal, muitas dessas explicações é mais adequada para responder a “tudo ao mesmo
variáveis são tempo”. Talvez uma explicação como esta seja pouco provável, mas
importantes e não
como ainda não sabemos, dispomos de um conjunto de boas teorias que
podemos estudar
todas ao mesmo conseguem guiar nossa compreensão sobre esses fenômenos. Essas
tempo. teorias nos auxiliam a entender como as pessoas se desenvolvem e
também a compreender o nosso papel nesse processo, no qual se faz
Teorias nos auxiliam presente o ensino, atividade voluntária que se propõe a modificar o
a entender como comportamento, os esquemas mentais e as atitudes do aprendiz. Em
as pessoas se outras palavras, APRENDER É MUDAR. Deste modo, é necessário
desenvolvem compreender o que estamos querendo mudar (as ações, as atitudes,
e também a a forma de resolver problemas, etc.), como essas ações, atitudes, etc.
compreender o
mudam e, se mudam ao longo do tempo, em qual ou quais momentos
nosso papel nesse
processo. as mudanças são possíveis e quais os contextos que facilitam tais
mudanças.

A Necessidade das Teorias para


Explicar os Fenômenos com os quais
nos Deparamos todos os Dias

Preste atenção nos dois trechos de artigos relacionados à educação, escritos


por Carvalho (2001), que transcrevemos a seguir.

12
Perspectivas Teórico-Metodológicas em
Capítulo 1 Desenvolvimento Humano

As estatísticas nacionais, embora precárias no que se refere


à desagregação por sexo, não deixam dúvidas quanto à
diferença de desempenho escolar entre meninos e meninas
em todo o ensino fundamental e médio. Podem-se tomar
os dados sobre evasão e repetência ou as informações
sobre defasagem entre série cursada e idade da criança:
qualquer dessas cifras indica que os meninos teriam maiores
dificuldades escolares (CARVALHO, 2001, p.554).

Por que meninos e meninas (em média) têm desempenhos diferentes no que
se refere à aprendizagem escolar? É uma questão da nossa biologia diferente
(incluindo aí a do cérebro)? Homens e mulheres são diferentes em relação aos
aspectos de desenvolvimento e de aprendizagem? Em que seriam diferentes,
além de em seus aparelhos reprodutivos e em outros detalhes corporais? Seriam
fatores sociais os responsáveis por essas diferenças? Quando iniciam essas
diferenças? De que modo a escola e outras organizações podem contribuir para
essas diferenças? Por que tantos meninos e tantas meninas têm problemas com
seu desempenho escolar?

Tradicionalmente a família tem estado por trás do sucesso escolar e tem


sido culpada pelo fracasso escolar. Quem não conhece o caso, comum no âmbito
das famílias de classe média e das escolas particulares, da mãe que acompanha
assiduamente o aprendizado e o rendimento escolar do filho, filha ou filhos, que
organiza seus horários de estudo, verifica o dever de casa diariamente, conhece
a professora e freqüenta as reuniões escolares? E quem não conhece o discurso,
freqüente no âmbito da escola pública que atende às famílias de baixa renda, da
professora frustrada com as dificuldades de aprendizagem de seus alunos e que
reclama da falta de cooperação dos pais? (CARVALHO, 2000, p. 143).

São os pais assim tão fundamentais no processo de ensino de seus filhos?


Como? Os outros meios sociais nos quais a criança convive não influenciam
também? Se esta concepção da influência dos pais no desempenho escolar é
tão correta, as crianças criadas em orfanatos e as de famílias desagregadas
estão fadadas ao fracasso? Assim sendo, as escolas nada podem fazer por
elas? Não há outras formas de compensação desse acompanhamento? O que
este discurso da professora frustrada – mencionado por Carvalho (2000, p. 143)
– pode significar em termos de motivação, tanto para professores quanto para
alunos? Por outro lado, a cobrança em demasia, a marcação cerrada dos pais
sobre a criança, também podem ser prejudiciais. Então, qual a “dose” correta de
acompanhamento? Podemos generalizar estas argumentações?

Em todas as questões que apresentamos, assim como nos relatos de


pesquisa, estão implícitas teorias sobre como esses fenômenos ocorrem e,
ao mesmo tempo, sobre como esses dados ajudam a reformulá-las. Teorias

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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

são assim! Não funcionam como crença, mas como mapas. Uma vez que haja
mudanças nas localizações, os mapas precisam ser reformulados para se
adequarem ao que pode ser, de fato, encontrado no ambiente e ajudar as pessoas
a se guiarem pelo território que representam.

Deste modo, diferentes mapas foram construídos ao longo do


desenvolvimento da ciência do desenvolvimento humano e todos eles, em suas
especificidades, nos ajudam a entender como passamos, de bebês imaturos e com
limitações bem claras quanto à aprendizagem, a adultos plenamente capazes de
administrar sua própria vida. De posse desses mapas, podemos compreender os
caminhos realizados pelas pessoas ao longo dessa jornada e ajudá-las a obterem
seus melhores desempenhos ou, ainda, caso haja problemas ao longo do trajeto,
podemos tentar ajudá-las a recuperarem seu rumo. Assim, não só seguiremos os
mapas, como também auxiliaremos as pessoas a construírem e a reconstruírem
seus próprios caminhos.

Desenvolvimento
e aprendizagem Desenvolvimento e aprendizagem são processos distintos, mas
são processos não se dão em separado. Contudo, para tornar o conteúdo mais
distintos, mas didático, apresentaremos os processos de desenvolvimento e de
não se dão em aprendizagem em capítulos separados, juntando-os novamente na
separado. síntese que realizaremos no último capítulo.

Perspectivas Teórico-
Metodológicas do Desenvolvimento
Humano
Afirmamos, anteriormente, que as teorias foram construídas com base nos
fenômenos que os pesquisadores se propunham entender. Contudo, também é
fato que, mesmo observando sob pontos de vista distintos, algumas características
são comuns a todas as teorias.

Para a compreensão do processo de desenvolvimento


humano, devemos nos voltar para uma orientação relacional que
considere a pessoa em seu meio e nas interações dinâmicas,
mutuamente construídas e que mudam os ambientes.

14
Perspectivas Teórico-Metodológicas em
Capítulo 1 Desenvolvimento Humano

Para a análise e a compreensão do desenvolvimento das pessoas, faz-se


necessário considerar, ainda, três elementos constitutivos:

- OS CAMPOS INTERATIVOS nos quais o sujeito age: na escola, ocorre


a relação professor-aluno, professores-pais, aluno-aluno. Os cenários são: o
ambiente físico que envolve as pessoas e seus papéis, as relações afetivas e de
poder, as funções e as rotinas;

- OS COMPONENTES INDIVIDUAIS os quais se referem aos aspectos


biopsicossociais dos envolvidos no processo: da criança, do professor e dos pais;

- O TEMPO envolvido no processo de desenvolvimento de cada pessoa: o


tempo vivido, o presente e o tempo prospectivo.

Não se esqueça...

Para que o processo de desenvolvimento promova


a humanização, o aspecto biológico da pessoa deve ser
considerado de maneira integrada aos aspectos relacional,
contextual e cultural.

Se você deseja conhecer mais sobre este assunto


consulte o livro de: ROSSETTI-FERREIRA, M. C. et al. Rede
de significações e o estudo do desenvolvimento humano.
Porto Alegre: Artmed, 2004.

Na educação, Sigmund Freud, Jean Piaget, Henri Wallon e Levi Semenovich


Vygotsky são teóricos muito conhecidos, pois suas ideias são abordadas na
graduação. Cabe, aqui, resgatar as principais ideias destes e de outros teóricos
da Psicologia do Desenvolvimento Humano.

a) A Visão Psicanalítica de Sigmund Freud (1856 – 1939)

Freud desafiou as noções que existiam em sua época sobre a natureza


humana ao propor que somos movidos por conflitos e por motivos os quais não
sabemos (inconsciente) e que nossa personalidade é moldada pelas primeiras
experiências da vida. Apesar de não ter investigado diretamente as crianças,
foi por meio do atendimento clínico com adultos que Freud elaborou uma teoria

15
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

sobre como ocorre o desenvolvimento psicológico do ser humano. Concluiu que


o desenvolvimento humano é um processo conflitivo, pois defendia a ideia de
que pelo fato de sermos criaturas biológicas, temos pulsões (desejos) sexuais
(produtivas) e agressivas (destrutivas) que devem ser atendidas. Entretanto, a
sociedade estipula que muitas dessas pulsões são indesejáveis e devem ser
refreadas. A maneira como os pais lidam com tais pulsões agressivas e sexuais
nos primeiros anos de vida tem fundamental importância, pois moldarão a conduta
e o caráter da criança.

As ideias mais conhecidas da visão psicanalítica são, sem dúvida, as que se


referem às etapas do desenvolvimento psicossexual, ou seja, são as afirmações
de que o desenvolvimento psicológico está fortemente atrelado às pulsões
sexuais. Para Freud, o sexo era o instinto mais importante, uma vez que é o que
garante a continuidade da espécie. Os relatos de seus pacientes com transtornos
mentais normalmente circulavam ao redor de conflitos sexuais infantis reprimidos.
Acreditava que à medida que a pulsão sexual amadurecia, seu foco mudava
de uma parte do corpo para outra, e cada mudança levava a uma nova fase do
desenvolvimento psicossexual. Para Freud, as fases do desenvolvimento humano
são: oral, anal, fálica, latência e genital.

• A Fase Oral – surge com o nascimento e perdura até o final do 1º


O bebê obtém
ano: o instinto sexual concentra-se na boca (sugar, mastigar, morder).
prazer, satisfação,
pela estimulação da O bebê obtém prazer, satisfação, pela estimulação da região da boca.
região da boca. Desta forma, presenciamos o bebê se tranquilizar quando mama no
seio da mãe ou na mamadeira e quando suga uma chupeta, o próprio
polegar ou o dedo do pé. Freud afirmava que os aspectos emocionais desta
fase estavam relacionados com os comportamentos passivo (até os 3 meses)
e ativo (após os 3 meses), isto é, relacionados à incorporação das relações
afetivas vividas com as pessoas próximas ao bebê e às respostas dadas a
essas pessoas.

• A Fase Anal – tem início no final do 1º ano e vai até o início dos
Urinar e defecar
voluntariamente 3 anos: urinar e defecar voluntariamente tornam-se os meios primários
tornam-se os de satisfação. A criança já inicia a maturidade neurológica da região
meios primários de pélvica e começa a sentir o enchimento da bexiga e do intestino.
satisfação. Esvaziá-los provoca a sensação de prazer, e a criança começa a
perceber o momento de fazê-lo. Como a fala já existe, a criança
sinaliza para os adultos quando urinou ou defecou na roupa, e esta passa
a ser uma das principais preocupações dos pais. O treinamento para o uso
do banheiro produz grandes conflitos entre a criança e seus pais, pois, em
algumas situações, há desentendimentos entre as partes, ora os pais brigando
ou castigando a criança, ora a criança enfrentando esse comportamento dos
pais com a retenção das fezes ou liberando-as nos momentos ou ambientes

16
Perspectivas Teórico-Metodológicas em
Capítulo 1 Desenvolvimento Humano

inapropriados. O ambiente emocional criado pelos pais pode produzir efeitos


duradouros no controle das fezes ou da urina que, segundo Freud, pode
ser levado para a vida adulta, como a prisão de ventre ou diarreia diante de
situações de grande ansiedade. Essa relação do controle esfincteriano também
desencadeia o processo de aprendizagem de autocontrole e da ciência de que
suas ações podem controlar mudanças no ambiente, como o comportamento
dos pais e dos outros adultos.

• A Fase Fálica – dura dos 3 aos 6 anos: o prazer vem da estimulação


A curiosidade sexual
genital. A criança, nessa fase, descobre que é “gostoso” manipular a é bastante presente,
região genital e, por isso, não é raro nos depararmos com crianças e as crianças
que estão com as mãos nos órgãos genitais. É a fase em que a querem saber
curiosidade sexual é bastante presente, e as crianças querem sobre a origem e
saber sobre a origem e o nascimento dos bebês. Também é nesse o nascimento dos
bebês
período que vemos a criança “se enamorar” por um dos pais,
o do sexo oposto ao da criança. Freud denominou esta relação de “querer
permanecer” com um dos pais e de “rivalizar” com o outro de Complexo de
Édipo, defendendo-a como uma relação saudável da infância e que propicia
a identificação da criança com os papéis sexuais. Nesse período, a criança
descobre seu corpo como fonte de prazer, mas, obviamente, não como um
adulto pensa ou desfruta do prazer. Também aprende a valorizar e a preservar
seu corpo, o que a ajuda a se autopreservar.

• A Latência – vai dos 6 aos 11 anos. Freud não denominou a latência de


fase porque as pulsões sexuais são dirigidas às atividades acadêmicas e
esportivas, e não ao próprio corpo como acontece nas fases anteriores. O
desenvolvimento psicológico continua a se desenvolver à medida que a
criança adquire mais habilidades de resolução de problemas na Boa parte das
escola e internaliza valores morais com a ajuda dos amigos os quais normas sociais
adquirem maior importância em sua vida. Boa parte das normas de convivência é
aprendida nesse
sociais de convivência é aprendida nesse período.
período.

• A Fase Genital – dos 12 anos em diante: a chegada da puberdade


As pessoas
desperta conflitos relacionados à identificação sexual, ou seja,
começam a
surgem dúvidas referentes ao papel sexual e a atividades sexuais. desenvolver
Os jogos sexuais são comuns e surgem como experiências auxiliares relacionamentos
nesse processo; os conflitos na adolescência se referem a expressar interpessoais
seus desejos de maneiras socialmente aceitas. A finalização dessa amorosos e também
fase se dá quando a pessoa sabe o seu papel sexual e com quem as amizades
deseja se relacionar sexualmente, já que a satisfação está em dar duradouras, bem
como obtêm maior
e receber prazer da outra pessoa. Esse período marca a entrada
controle sobre suas
na vida adulta. É durante esse período que as pessoas começam a emoções.
desenvolver relacionamentos interpessoais amorosos e também as

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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

amizades duradouras, bem como obtêm maior controle sobre suas emoções.
São capazes de elaborar seus projetos de vida pessoais levando em conta
seus sentimentos e os dos outros.

Freud chamou a atenção para não nos prendermos nas idades por ele
definidas. Essas idades servem apenas como parâmetros para sabermos em que
momento da vida os conflitos próprios de cada uma delas poderiam se apresentar.

Como podemos perceber, a teoria psicanalítica do desenvolvimento está


centrada na vida emocional das pessoas. Este modelo (ou como nos referimos
anteriormente, mapa) pressupõe que o desenvolvimento emocional condiciona
o desenvolvimento das outras características humanas, como a cognitiva
(percepção, memória, pensamento e linguagem).

Se o modelo psicanalítico prevê que o desenvolvimento


emocional dá condições para o desenvolvimento das demais
capacidades humanas, qual deveria ser o papel do professor e
da escola ao longo desse processo?

A seguir, apresentaremos a perspectiva dos teóricos da Psicologia do


Desenvolvimento Humano utilizados como fundamento nos Referenciais
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e nos Parâmetros
Curriculares Nacionais, documentos oficiais que fornecem as diretrizes para o
fazer do professor nas instituições de ensino brasileiras.

Testes de b) A Teoria Cognitivo-desenvolvimental, de Jean Piaget (1896-1980)


inteligência
mostraram a Piaget Os estudos de Piaget demonstraram que tanto as ações
que as respostas que a pessoa executa como o próprio pensamento implicam em
erradas eram, com
uma organização lógica, a qual, por sua vez, está montada sobre
frequência, mais
interessantes que capacidades reguladas pelo funcionamento do sistema nervoso. Por
as corretas. Piaget isso, para compreender o desenvolvimento da inteligência, Piaget
observou que as buscou articular dois conjuntos de variáveis: as de origem biológica e
crianças da mesma as de origem na capacidade para processar informações.
idade cometiam os
mesmos tipos de
Os resultados da aplicação de testes de inteligência mostraram
erros nas respostas.
a Piaget que as respostas erradas eram, com frequência, mais
interessantes que as corretas. Piaget observou que as crianças da mesma
idade cometiam os mesmos tipos de erros nas respostas. Isto o levou a tentar
compreender como se desenvolvem o pensamento e a lógica da criança, que é

18
Perspectivas Teórico-Metodológicas em
Capítulo 1 Desenvolvimento Humano

qualitativamente diferente da lógica do pensamento adulto.]

Foi por meio da elaboração do Método Clínico (de situações de


experimentação e de interrogação) que Piaget demonstrou ser possível
compreender que a lógica não é algo inato, isto é, que já nasce com a pessoa.
Trata-se de um fenômeno que se desenvolve gradativamente no ser humano e
que depende dos seguintes fatores:

• biológicos (crescimento orgânico e maturação do sistema nervoso);

• exercício e experiência física (ação da pessoa sobre os objetos que precisa


conhecer);

• interações e transmissões sociais (ocorrem por meio da linguagem);

• equilibração das ações.

Para compreender o processo de desenvolvimento da inteligência, Piaget


transferiu da Biologia a concepção de “adaptação” afirmando que a capacidade
cognitiva sofre um processo contínuo de ajustamento. Este ajustamento não tem
origem biológica (apesar de se dar sobre o sistema nervoso), mas psicológica, ou
seja, à medida que a criança passa por novas experiências, reconstrói sua forma
de analisar o meio que a cerca. Esta “forma de analisar o mundo a sua volta”
marca o que Piaget denominou de esquemas cognitivos. Antigas estruturas são
ajustadas a novas funções, e o desenvolvimento de novas estruturas preenche
funções antigas. Por exemplo: a criança nasce com o reflexo de sucção, antiga
estrutura que é ajustada à mamadeira, ao dedo ou a sugar o líquido por um
canudinho. Temos aqui o desenvolvimento de uma nova estrutura. Isto pressupõe
que o desenvolvimento do intelecto humano se dá de forma contínua, sendo
que cada função do pensamento se liga a uma base pré-existente e, ao mesmo
tempo, se transforma para ajustar-se a novas exigências do meio ambiente. Esta
é a expressão psicológica da adaptação.

Há dois mecanismos envolvidos na adaptação dos processos mentais às


novas situações às quais a pessoa precisa se adaptar:

• assimilação: que é a incorporação de novas experiências ou de informações


à estrutura mental já existente, sem alterá-la e

• acomodação: que é o processo de reorganização dessas estruturas, de tal


forma que possam incorporar os novos conhecimentos, transformando-os para
se ajustarem às novas exigências do meio.

19
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

Quando você entra, por exemplo, em contato com um conteúdo novo


(psicologia do desenvolvimento, por exemplo), precisa assimilar os conceitos
e, quando os compara ou os aproxima de algo que você já conhece, está
acomodando). Quando a assimilação e a acomodação estão em harmonia
(ocorrendo simultaneamente), o sujeito está em equilíbrio, ou seja, adaptou-se,
aprendeu uma nova situação. Procedendo num movimento em espiral, essas
estruturas começam a se adaptar às novas circunstâncias, indo em direção a um
estado superior e mais complexo de equilíbrio. Assim, à medida que o indivíduo
adquire conhecimento, modifica suas estruturas mentais de organização da
informação; isto, por sua vez, aumenta suas chances de adaptação ao ambiente.

Para Piaget, a adaptação é um processo contínuo no qual a estrutura


hereditária interage com o meio externo de modo a reconstituir-se visando
a uma melhor sobrevivência. O conhecimento é uma relação evolutiva da
criança e de seu meio. No decurso do relacionamento com o meio, a criança
exibe, em algumas idades, estruturas ou organizações de ação e pensamento
características, denominadas de estágios. Para Piaget os estágios são: sensório-
motor, pré-operatório, operatório-concreto e operações formais.

• Estágio sensório-motor – de 0 a 2 anos


A criança forma
conceitos sobre
a realidade física É a fase em que predomina o desenvolvimento das percepções
e social, aprende e dos movimentos. O desenvolvimento físico é acelerado, pois se
as formas básicas constitui no suporte para o aparecimento de novas habilidades. O
do relacionamento desenvolvimento ósseo, muscular e neurológico permite a emergência
emocional e adquire
de novos comportamentos, como sentar-se, engatinhar e andar, o que,
as bases de um
sistema de valores. por sua vez, propiciará um domínio maior do ambiente. A criança forma
conceitos sobre a realidade física e social, aprende as formas básicas
do relacionamento emocional e adquire as bases de um sistema de valores.
Nesse período, acontece a aquisição da linguagem articulada, cujo processo
se completará no estágio seguinte, e que constitui elemento de fundamental
importância para os outros aspectos do desenvolvimento humano.

• Estágio pré-operatório – de 2 a 7 ou 8 anos


A criança começa
a usar símbolos
mentais - imagens Corresponde ao período pré-escolar no qual o organismo se torna
ou palavras que estruturalmente capacitado para o exercício de atividades psicológicas
representam objetos mais complexas, como o uso da linguagem articulada. A criança começa
que não estão a usar símbolos mentais - imagens ou palavras que representam
presentes.
objetos que não estão presentes. De acordo com Piaget, o período pré-
operacional é dividido em dois estágios: a) de 2 a 4 anos de idade, em que a

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Perspectivas Teórico-Metodológicas em
Capítulo 1 Desenvolvimento Humano

criança se caracteriza pelo pensamento egocêntrico demonstrado pela dificuldade


em se colocar no lugar do outro. Mateus (4 anos) e Marcos (2 anos), por exemplo,
são irmãos. Perguntamos a Mateus quem era seu irmão, e ele imediatamente nos
respondeu que Marcos era o seu irmão. Então lhe perguntamos quem era o irmão
de Marcos, e Mateus não soube nos responder. Isto ilustra a ideia de Piaget de
que a criança, nessa fase, ainda não consegue se colocar no lugar do outro; b)
e dos 4 aos 7 anos, em que a criança se caracteriza pelo pensamento intuitivo.
As operações mentais da criança, nesse estágio, se limitam aos significados
imediatos do mundo infantil.

• Estágio operatório-concreto – de 8 a 11 anos


O desenvolvimento
da reversibilidade,
Neste estágio, a criança desenvolve noções de tempo, de espaço,
ou seja, da
de velocidade, de ordem e de casualidade, sendo capaz de relacionar capacidade da
diferentes aspectos e abstrair dados da realidade. Apesar de não representação de
se limitar mais a uma representação imediata, depende do mundo uma ação no sentido
concreto para abstrair. A criança se torna capaz de reconstruir, no inverso de uma
plano de representação, o que já havia construído no plano de ação. anterior, anulando
Passa de um estado inicial em que tudo está centrado no corpo e na a transformação
observada.
ação próprios do sujeito a um estado de descentração que implica em
relações objetivas com os acontecimentos, com os objetos e com as pessoas.
Um importante conceito desta fase é o desenvolvimento da reversibilidade, ou
seja, da capacidade da representação de uma ação no sentido inverso de
uma anterior, anulando a transformação observada. Nesse estágio, surge o
conhecimento das conservações físicas: quantidade, peso, volume, comprimento,
superfície e volume espacial. Surgem, também, as noções de classificação, de
seriação, de multiplicação e de compensação, que são o conhecimento lógico-
matemático.

• Estágio das operações formais – dos 12 aos 14, 15 anos O adolescente é


capaz de executar
O adolescente é capaz de executar o “raciocínio hipotético- o “raciocínio
dedutivo”, ou seja, é capaz de raciocinar com base em hipóteses que hipotético-dedutivo”.
o levariam a certas deduções lógicas. É capaz de inferir e deduzir
resultados de suas próprias proposições. O sujeito é capaz de raciocinar por
teorias, e não apenas pelos aspectos reais e empíricos observados, utilizando-
se, ainda, do método empírico, com base no mundo concreto e real. Entretanto,
dispõe, nesse momento, das habilidades necessárias para, por meio do processo
analítico, abstrair hipóteses e deduções dos pensamentos concretos. Piaget
também descreve as generalidades possíveis do raciocínio inferencial de um
adolescente nas relações que ele estabelece com Proporções e Probabilidades,

21
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

ainda que o mesmo não tenha consciência da existência dessa capacidade. Nas
operações formais entre adolescentes de 11-12 a 14-15 anos, a organização
hipotético-dedutiva é produto do funcionamento intelectual mais complexo; este
modelo impõe sua estrutura ao pensamento.Os domínios de operações lógicas
anteriores, juntamente com o desenvolvimento da linguagem, são os responsáveis
pelo que Piaget caracterizou de formação espontânea de um interesse pela
investigação, completando a estrutura mental própria do pensamento adulto.

A teoria cognitivo-desenvolvimental, como já designa seu nome, enfatiza


a questão do conhecimento, ou seja, como se desenvolvem as capacidades
cognitivas do sujeito. Isto não significa que os demais processos não sejam
importantes, mas que eles seguem o padrão do desenvolvimento cognitivo.
Assim, quanto mais adaptativa a estrutura cognitiva, mais adaptado emocional e
socialmente o indivíduo.

O curso desta adaptação não é guiado apenas pela maturação (ou pelo
desenvolvimento biológico), mas, principalmente pelas experiências às quais as
pessoas são submetidas. Deste modo, mesmo tendo padrões gerais similares, o
curso de desenvolvimento de cada sujeito é sempre individual.

Para refletir:

Usando o referencial cognitivo-desenvolvimental, como


poderíamos supor o papel de pais e de educadores no processo
de desenvolvimento e de aprendizagem das pessoas?

GOULART, I. B. Piaget: experiências básicas para


utilização pelo professor. Petrópolis: Vozes, 2005.

Neste capítulo, abordamos somente a teoria cognitivo-desenvolvimental de


Piaget sem entrar em seus aspectos relativos à educação. Exporemos o tema
mais apropriadamente quando falarmos do construtivismo, no capítulo 4.

c) A Teoria do Materialismo-dialético, de Henri Wallon (1872 – 1962)

Wallon dedicou-se a estudar a Psicologia considerando que a questão


fundamental desta área é o estudo da consciência e que, para isso, seria
necessário estudar o desenvolvimento da criança para explorar as origens

22
Perspectivas Teórico-Metodológicas em
Capítulo 1 Desenvolvimento Humano

biológicas da consciência. Buscou compreender o desenvolvimento Wallon buscou


humano sob a perspectiva da pessoa completa (emoção, afeto e compreender o
movimento), considerando que as condições orgânicas e sociais desenvolvimento
constituem a emergência das atividades em cada estágio. O organismo, humano sob a
em cada época e em cada cultura, desenvolverá características em perspectiva da
pessoa completa
cada estágio, criando possibilidades e limites para essas características.
(emoção, afeto
e movimento),
Wallon propôs cinco estágio, assim por ele denominados, do considerando que as
desenvolvimento humano: condições orgânicas
e sociais constituem
a emergência das
atividades em cada
• Estágio impulsivo-emocional (de 0 a 1 ano)
estágio.

Do nascimento aos três meses, as atividades do ser humano visam à


exploração do corpo e de suas sensibilidades externas e internas. É uma
atividade global, não- estruturada, com movimentos bruscos, desordenados, com
enrijecimento e relaxamento da tensão muscular. São selecionados pela criança
aqueles movimentos que garantem a aproximação do outro, que satisfazem
as suas necessidades; por isso eles funcionam como instrumento expressivo
de estados de bem-estar e de mal-estar. Dos 4 aos 12 meses, já há padrões
emocionais diferenciados para o medo, para a alegria, para a raiva. Inicia-se o
processo de discriminação de formas de se comunicar pelo corpo.

• Estágio sensório-motor e projetivo (de 1 a 3 anos)

As atividades se concentram na exploração do espaço-físico, sendo que são


auxiliadas pela fala a qual acompanha os gestos. A discriminação pelos objetos
promove o desenvolvimento afetivo e o cognitivo.

• Estágio do personalismo (de 3 a 6 anos)

Nesse estágio, ocorre a exploração de si mesmo por meio de atividades de


oposição ao outro (expulsão) e de sedução, de imitação. Inicia-se o processo de
discriminação entre o eu e o outro, com insistência nas expressões eu, meu, não.

• Estágio categorial (de 6 a 11 anos)

Como já está clara a diferenciação entre o eu e o outro, a criança se sente


mais à vontade para explorar o mundo físico em atividades de agrupamento, de
seriação, de classificação e de categorização em vários níveis de abstração.

23
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

• Estágio da puberdade e adolescência (dos 11 anos em diante)

Na puberdade e adolescência, acontece a exploração de si mesmo por meio


de atividades de confronto, de autoafirmação, de questionamentos, apoiando-se
em grupos de pares e contrapondo-se aos valores. Há o domínio de categorias
cognitivas de maior nível de abstração.

Wallon postulou quatro leis que regulam o funcionamento dos estágio do


desenvolvimento:

- Lei da predominância funcional: em cada um dos estágio, há o predomínio


de uma das dimensões (afetiva ou cognitiva), sendo o desenvolvimento motor
utilizado como manifestação dessa predominância;

- Lei da alternância funcional: o predomínio das dimensões afetiva, cognitiva e


motora se alterna ao longo dos estágio;

- Lei da integração funcional: há integração entre os estágio do desenvolvimento


humano, isto é, os primeiros são mais simples, com atividades mais primitivas,
como sugar o dedo, olhar para um objeto que se move a sua frente, que vão
sendo dominadas e integradas às atividades mais complexas dos estágio
seguintes, conforme as possibilidades do sistema nervoso e do meio ambiente;

- Lei da tendência do sincretismo à diferenciação: os movimentos, os afetos e


as ideias são confusas inicialmente e vão se tornando mais claros, precisos e
coordenados;

Para Wallon, educar significa promover condições que respeitem as leis


que regulam o processo de desenvolvimento, mantendo, a todo momento, a
integração dos conjuntos (motor, afetivo e cognitivo), levando em consideração as
possibilidades orgânicas e neurológicas do momento e as exigências dos adultos
(MAHONEY, 2003).

Algumas instituições de ensino adotaram a perspectiva


walloniana e estabeleceram a avaliação do aluno considerando
as dimensões afetiva, cognitiva e motora em separado, conforme
podíamos observar nos boletins escolares dessas instituições.

24
Perspectivas Teórico-Metodológicas em
Capítulo 1 Desenvolvimento Humano

Se você quiser saber mais sobre este assunto consulte


os seguintes livros:

GALVÃO, Izabel. Henri Wallon: uma concepção dialética do


desenvolvimento infantil. Petrópolis: Vozes, 2002.

MAHONEY, Abigail Alvarenga; ALMEIDA, L. (orgs.). Henri


Wallon: psicologia e educação. São Paulo: Loyola, 2003.

d) A Teoria Histórico-cultural de Levi Semenovich Vygostsky (1896 – 1934)

Vygotsky defendia a ideia de que o desenvolvimento do ser humano é


fortemente influenciado pelas condições históricas e sociais nas quais vive, pois é
nessas condições que a pessoa dá sentido ao que faz e pensa. A mente humana é
entendida como um sistema complexo e autorregulado de natureza social, cultural
e comprometida com a história da pessoa que sente, atua e dá significações às
suas ações no ambiente em que vive.

Vygotsky propõe o estudo da consciência com base em três ideias


fundamentais:

- a adoção de um método genético ou evolutivo como eixo básico: o estudo do


desenvolvimento a partir do surgimento das funções mentais como processos
biológicos que se tornam culturais, considerando os comportamentos que
evoluíram na espécie humana;

- os processos psicológicos superiores têm origem social: os processos


Durante o
psicológicos superiores (aprendidos) são distintos dos processos desenvolvimento
básicos (instintivos), porque dependem da interação do sujeito com humano, os
outras pessoas para se desenvolverem. Os processos básicos se processos básicos
definem pelas atividades do recém-nascido de sugar, de chorar, se transformam
de balbuciar. Durante o desenvolvimento humano, os processos em processos
básicos se transformam em processos psicológicos superiores, psicológicos
superiores, tais
tais como o pensamento, a imaginação, a abstração, a memória
como o pensamento,
mediada, a linguagem, etc. Para Vygotsky, primeiramente os a imaginação,
processos estão no universo coletivo (o interpsicológico) e, por a abstração, a
meio da aprendizagem, são internalizados (o intrapsicológico) pela memória mediada, a
pessoa de acordo com seu modo particular de pensar sobre o linguagem, etc.
mundo;

25
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

- o caráter mediado pelos instrumentos desses processos: a linguagem é o


processo psicológico mais importante, porque é por meio dela que o ser
humano constrói, na interação com outras pessoas, os significados sobre o
que faz e pensa.

As ideias de Vygotsky centralizam-se em três grandes áreas:

• A relação entre desenvolvimento e aprendizagem:

Defende a ideia de que o desenvolvimento humano não é sinônimo de


maturação orgânica; de que aprender consiste na apropriação do conhecimento
histórico e culturalmente construído pela humanidade. O desenvolvimento do ser
humano resulta do movimento dialético entre aprendizagem e desenvolvimento.

• O papel das interações sociais no desenvolvimento e na aprendizagem:

Incluem as relações entre adulto-criança e entre criança-criança; possibilitam


a apropriação das significações socialmente produzidas, bem como a formação
das funções psicológicas superiores.

• O conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP)

O desenvolvimento humano compreende dois níveis: o nível real de


desenvolvimento (seriam os frutos), o que a pessoa é capaz de fazer de maneira
independente; e o nível potencial de desenvolvimento (seriam as flores), o que a
pessoa seria capaz de fazer. Entre esses dois níveis, existiria uma região dinâmica
que permite a transição do funcionamento interpsicológico para o intrapsicológico
que acontece nas situações interativas. Essa região, Vygotsky denominou de
Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). Ex.: Há uma criança de 7 anos que
consegue montar uma pipa. Sobre essa habilidade, a criança estaria no nível real
de desenvolvimento. Se fosse colocada com outra que ainda não desenvolveu
tal habilidade, a criança de 7 compartilharia sua habilidade auxiliando a outra
no seu processo de desenvolvimento. A interação das duas criaria a Zona de
Desenvolvimento Proximal, na qual a segunda criança alcançaria, com o auxílio
da primeira, o nível potencial de desenvolvimento.

A utilização do conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal pode se dar


em três direções: a) enquanto medida que marca a distância entre a atuação
independente e a atuação assistida; b) por meio da brincadeira, sendo que essa
atividade assume o mesmo status que o processo ensino/aprendizagem; c) como

26
Perspectivas Teórico-Metodológicas em
Capítulo 1 Desenvolvimento Humano

diferença que surge no desenvolvimento da criança, quando esta se encontra em


contextos assistidos socialmente e em contextos individuais.

e) A Visão Etológica do Desenvolvimento Humano

A Etologia é a ciência que estuda as bases evolutivas do comportamento e as


contribuições de respostas evolutivas para a sobrevivência e o desenvolvimento
das espécies.

Nesta abordagem, é seguida a ideia de que as influências biológicas possuem


papel significativo no desenvolvimento humano. De acordo com a visão etológica
clássica, membros de todas as espécies animais nascem com certo número de
comportamentos biologicamente programados:

- Comportamentos que sao produtos da evolução e

- comportamentos adaptativos à medida que contribuem para a sobrevivência


do indivíduo.

Há a crença de que essas características programadas biologicamente


evoluíram como resultado do processo de seleção natural: no curso da evolução,
genes que geraram características mais adaptativas foram selecionados
favoravelmente, aumentando a taxa de reprodução de quem os possuía.

O estudo dos indivíduos ocorre em ambiente natural porque os etólogos
acreditam que os comportamentos inatos que moldam o desenvolvimento dos
seres humanos são mais facilmente identificados e entendidos, se observados no
ambiente em que evoluíram e se mostraram adaptativos.

Quando falamos em Etologia, sobre comportamento inato, não Os etólogos


defendem a ideia de
estamos querendo dizer que o comportamento é IMUTÁVEL. Pelo
que a aprendizagem
contrário, o que marca a evolução do comportamento é exatamente é em si uma
sua capacidade plástica, ou seja, sua capacidade de mudar diante característica inata
dos novos desafios do ambiente. Neste sentido, os etólogos defendem de todas as espécies
a ideia de que a aprendizagem é em si uma característica inata de animais, mas que
todas as espécies animais, mas que se mostra distinta de acordo com se mostra distinta
de acordo com a
a complexidade do sistema nervoso e também das experiências do
complexidade do
indivíduo ao longo de sua vida.
sistema nervoso
e também das
John Bowlby, na década de 1970, acreditava que as crianças experiências do
realizam grande variedade de comportamentos pré-programados, indivíduo ao longo
como também que cada um desses comportamentos promove um tipo de sua vida.

27
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

particular de experiência que ajudará o indivíduo a sobreviver e a se desenvolver


normalmente, como, por exemplo, o choro do bebê.

O significado adaptativo do choro de um bebê garante que:

- as necessidades básicas (fome, sede, segurança) sejam satisfeitas e que

- o bebê terá contato suficiente com outro ser humano para formar o apego
emocional primário.

Os etólogos acreditam que as primeiras experiências são de extrema


importância no desenvolvimento do ser humano. Descrevem os períodos
sensíveis como o ponto ótimo para a emergência de determinadas características
ou comportamentos e no qual o indivíduo se encontra particularmente sensível
às influências do ambiente. Os três primeiros anos são considerados um
período sensível para o desenvolvimento de respostas sociais e emocionais nos
seres humanos, pois é neste período que há a formação de laços emocionais
significativos.

SHAFFER, David R. Psicologia do desenvolvimento:


infância e adolescência. São Paulo: Thomson Learning, 2005.

f) O Modelo Bioecológico de Bronfenbrenner (1917)

Para Bronfenbrenner, o desenvolvimento está intrinsecamente associado às


estabilidades e às mudanças que ocorrem nas características biopsicológicas da
pessoa durante o seu curso de vida e ao longo de gerações. Essas transformações
provocam uma reorganização que procede de maneira continuada dentro da
unidade tempo-espaço e em diferentes níveis: das ações, das percepções, das
atividades e das interações com o seu mundo (DESSEN; COSTA, 2008).

Quando a criança está vivenciando uma experiência familiar, entra em


contato com diferentes papéis, como o de mãe, de pai, de irmãos, de tios e de
avós, e, quando participa, por exemplo, do espaço da creche e da casa, tem a
oportunidade de estabelecer diferentes repertórios de comportamento para cada
um deles.

28
Perspectivas Teórico-Metodológicas em
Capítulo 1 Desenvolvimento Humano

Ambiente ecológico é definido por Brofenbrenner como um


Ambiente ecológico
conjunto de estruturas concêntricas, em que cada uma abarca é definido por
progressivamente a outra, começando com o microssistema e se Brofenbrenner
ampliando até o cronossistema. O esquema de sistemas proposto por como um conjunto
este autor está assim constituído: de estruturas
concêntricas,
em que cada
- Microssistema: pessoa;
uma abarca
progressivamente
- Mesossistema: família, escola, igreja, etc.; a outra,
começando com
- Exossistema: amigos da família, serviços de saúde da comunidade, o microssistema e
vizinhos; se ampliando até o
cronossistema.
- Macrossistema: políticas públicas, valores e crenças de uma cultura e

- Cronossistema: tempo e espaço.

Este modelo permite avaliar não somente os resultados do desenvolvimento,


mas também a efetividade dos processos que produzem esses resultados.
Possibilita revelar como os resultados do desenvolvimento e os processos
variam como uma função conjunta das características da pessoa e do ambiente,
o que permite identificar a associação de fatores que contribuem para o
desenvolvimento.

BRONFENBRENNER, Urie. A ecologia do


desenvolvimento humano. Porto Alegre: ArtMed, 1996.

DESSEN, M. A. e COSTA JR., A.L. (orgs.). A ciência do


desenvolvimento humano: tendências atuais e perspectivas
futuras. Porto Alegre: ArtMed, 2008.

Algumas Considerações
Para que tantas teorias diferentes para explicar um mesmo fenômeno? Existe
uma teoria mais correta? Como comentado no início deste capítulo, as teorias
sobre o desenvolvimento humano foram desenvolvidas em tempos e contextos
diferentes e tentaram explicar coisas diferentes. Veja: a teoria psicanalítica
foi criada no início do século XX por um médico psiquiatra e se concentrou
nos mecanismos formadores de transtornos mentais; a teoria cognitivista-
desenvolvimental foi desenvolvida por um biólogo e filósofo (especializado em

29
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

epistemologia – a origem do conhecimento), entre as décadas de 1930 e 1970,


e se concentrou nas habilidades intelectuais; a teoria materialista-dialética foi
desenvolvida entre as décadas de 1920 e de 1950 por um educador, médico
e político francês que trabalhou com crianças deficientes (principalmente
intelectuais), razão pela qual sua teoria releva mais as capacidades afetivas e
psicomotoras; a teoria histórico-cultural foi desenvolvida, também, entre as
décadas de 1920 e 1930 por um educador e linguista, em pleno momento do
desenvolvimento da extinta União Soviética. Naquele contexto, as ideias marxistas
influenciaram muito toda a atividade intelectual e, consequentemente, o trabalho
de Vygotsky, que se concentrou nas habilidades de linguagem e na capacidade
de interação social como motores do desenvolvimento humano.

Já a teoria etológica do desenvolvimento, de tradição evolucionista, mostra


que as continuidades entre as espécies não podem ser postas de lado, uma vez
que o ser humano é mais uma dentre tantas espécies animais. Desta forma, o
estudo do desenvolvimento humano tem muito a ganhar quando realiza uma
análise comparativa com outros animais, pois alguns processos devem ser
comuns a todos. Por fim, a teoria ecológica, criada entre as décadas de 1950
e de 1970 por um psicólogo clínico, amplia o fenômeno do desenvolvimento
para além do indivíduo (não que as outras também não o fizessem, mas não
tão explicitamente), colocando o seu entorno na análise. A teoria pressupõe que
vários profissionais de áreas distintas podem e devem trabalhar em conjunto
para que compreendamos o desenvolvimento humano, uma vez que cada
especialidade (psicólogos, assistentes sociais, educadores, cientistas políticos)
tem treinamento e habilitação para um determinado tipo de sistema. Assim,
o estudo e o planejamento do desenvolvimento humano devem ter em conta a
estruturação de meios contextuais (nos mais diversos níveis de organização)
adequados e saudáveis.

O importante, neste capítulo, é você entender que existem formas diferentes


de analisar o processo de desenvolvimento. Cada uma das teorias trouxe
contribuições importantes para a compreensão dos fenômenos que ocorrem ao
longo da vida de uma pessoa e cada uma delas abre um leque de possibilidades
para que seja estruturada uma intervenção educativa ou re-educativa. Conhecer
as ideias desses teóricos do desenvolvimento humano é fundamental para
entrarmos no próximo capítulo, sobre o ciclo vital.

30
Perspectivas Teórico-Metodológicas em
Capítulo 1 Desenvolvimento Humano

Reflita:

Teorias são mapas, e sua função é guiar o fazer profissional.


Contudo, há diferentes tipos de mapas, pois cada um deles se
dedica a representar fatos distintos (mapas geográficos, mapas
populacionais, mapas geológicos, etc.). Por isso, precisamos,
antes de usar os mapas, saber o que estamos querendo
encontrar! Você tem uma definição de desenvolvimento humano
e de como este se dá? Sua definição é baseada em quê? Sua
definição lhe permite fazer previsões sobre o que deve encontrar
ao longo do desenvolvimento? Sendo baseada em algo (como a
observação), ela é ou não uma teoria?

Atividades de Estudos:

Reflita sobre algumas questões básicas do desenvolvimento e


escolha uma ou mais afirmativas com a(s) qual(is) você concorda.
Não se esqueça de justificar a sua opção:

1) Influências biológicas (hereditariedade, forças maturacionais)


e influências ambientais (cultura, vizinhança, estilos dos
pais, experiências educacionais), ambos contribuem para o
desenvolvimento. Sobretudo:

a. Os fatores biológicos contribuem mais que os fatores ambientais


_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________

b. Ambos os fatores contribuem na mesma medida


_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________

c. Fatores ambientais contribuem mais que os fatores biológicos


_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________

31
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

2) Crianças e adolescentes são:

a. Seres ativos que possuem importante papel na determinação do


próprio processo desenvolvimental.
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________

b. Seres passivos, cujo processo desenvolvimental reflete, em


grande parte, as influências de outras pessoas e de circunstâncias
que não podem controlar.
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________

3) Reflita sobre as questões abaixo:

a. Você concorda com as ideias de Freud? Com quais e por quê?


_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________

b. Qual a contribuição da visão de Freud sobre o desenvolvimento


do ser humano?
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________

4) Faça uma lista com as semelhanças e diferenças entre as teorias


do desenvolvimento propostas por Piaget e Wallon.
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________

32
Perspectivas Teórico-Metodológicas em
Capítulo 1 Desenvolvimento Humano

5) Que comportamentos humanos você considera parte do código


genético humano, produto da seleção natural?
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________

6) Em que teoria desenvolvimental a influência de níveis múltiplos do


ambiente é fundamental para o ser humano?
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________

Referências
CARVALHO, M. E. P. Relações entre família e escola e suas implicações de
gênero. Cadernos de Pesquisa, v. 30, nº 110, p. 45-56, 2000.

CARVALHO, Marília Pinto de. Mau aluno, boa aluna? Como as professoras
avaliam meninos e meninas. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 9, n. 2, p.
554-574, dez. 2001.

DESSEN, M. A.; COSTA JR., A. L. (orgs.). A ciência do desenvolvimento


humano: tendências atuais e perspectivas futuras. Porto Alegre: Artmed, 2008.

MAHONEY, Abigail Alvarenga; ALMEIDA, L. (orgs.). Henri Wallon: psicologia e


educação. São Paulo: Loyola, 2003.

ROSSETTI-FERREIRA, M. C. et al. Rede de significações e o estudo do


desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artmed, 2004.

33
C APÍTULO 2
O Desenvolvimento no Ciclo Vital

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Identificar como ocorre o desenvolvimento na infância e na adolescência.

� Analisar os elementos contextuais envolvidos no desenvolvimento da infância


e da adolescência.

� Conhecer as principais psicopatologias do desenvolvimento infantil e da


adolescência.

� Analisar os fatores envolvidos nas principais psicopatologias do desenvolvimento


infantil e da adolescência.
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

36
Capítulo 2 O Desenvolvimento no Ciclo Vital

Contextualização
Neste capítulo, descreveremos o desenvolvimento do ser humano desde
o período pré-natal, passando pela infância e chegando à adolescência.
Posteriormente, apresentaremos as principais psicopatologias do desenvolvimento
da criança e do adolescente.

O processo de desenvolvimento do ser humano se dá durante todo o ciclo


vital, ou seja, desde a concepção até a morte. O ser humano se desenvolve a
partir das mudanças que lhe são exigidas, havendo momentos em que são
mais intensas e outros em que pouco ocorrem. Essas mudanças na vida do ser
humano envolvem ganhos e perdas, ascensão e declínio. Cabe frisar que existem
crises no ciclo vital, sendo fundamental entendê-las como um processo contínuo
de estruturações, de desequilíbrios e de reestruturações que caracterizam o
desenvolvimento do sujeito na busca constante pela própria identidade.

Alguns exemplos dessas crises são: o desmame; a entrada do bebê ou da


criança na creche ou na escola; a chegada da puberdade; a escolha vocacional;
a chegada de um bebê na família; a saída dos filhos de casa (para estudar ou
casar); a menopausa; a aposentadoria; uma doença crônica e/ou terminal; etc.
Essas crises provocam determinadas transformações em momentos específicos
da vida e possibilitam que o ser humano desenvolva habilidades e competências
diferentes, não necessariamente cumulativas.

No processo de desenvolvimento, há confrontos de emoções, de No processo de


desenvolvimento, há
motivações e de significações das pessoas que interagem nos mais
confrontos de
diversos contextos (familiar, escolar, da vizinhança, de trabalho, etc.). emoções, de
motivações e
Começaremos com a abordagem do processo de desenvolvimento de significações
durante o ciclo vital. Iniciaremos com o desenvolvimento pré-natal das pessoas que
e, para isso, necessitaremos recorrer a alguns conhecimentos da interagem nos mais
diversos contextos
Biologia.
(familiar, escolar,
da vizinhança, de
trabalho, etc.).

O Desenvolvimento Pré-Natal
A penetração do espermatozóide no óvulo marca o momento denominado
fecundação. A partir disso, ocorrerão uma série de divisões celulares e a formação
dos sistemas humanos caracterizando fases distintas do desenvolvimento pré-
natal.

37
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

a) O Zigoto

É a fase do desenvolvimento pré-natal compreendida deste a fecundação


até o final da segunda semana que transcorre após esse evento. É quando o
óvulo fecundado desce pela trompa de Falópio e se prende à parede do útero.
As células dividem-se rapidamente e, em grande número, formam uma pequena
estrutura que se diferencia em dois grupos celulares: um grupo de células é
responsável pela formação do embrião humano, enquanto o outro grupo formará
o cordão umbilical.

b) O Embrião

Depois da segunda semana de formação após a fecundação e quando


o grupo de células está no útero, inicia-se a segunda fase de formação do ser
humano, denominada fase embrionária. Nesse período, são formados os principais
sistemas orgânicos: coração, estômago, fígado, rins, pulmões, medula espinhal
e cérebro. É o período mais frágil de formação, pelo fato de que determinadas
doenças, se contraídas pela gestante nessa fase, como rubéola, sarampo, sífilis,
toxoplasmose, etc., podem trazer sérias consequências para o desenvolvimento
do embrião. Nos casos em que a formação dos principais sistemas orgânicos é
afetada, podem ocorrer abortos espontâneos.

c) O Feto

O período compreendido como fetal inicia-se a partir do terceiro mês de


gestação e finaliza-se com o nascimento. Nessa fase, surgem os movimentos, os
órgãos dos sentidos iniciam seu funcionamento e há o “acabamento” na formação
geral do feto humano. Surgem as papilas gustativas, os cabelos, as unhas, a pele,
além do ganho de peso e tamanho, importantes para a garantia de sobrevivência
desse indivíduo após o nascimento.

Entre os eventos que influenciam o processo de desenvolvimento durante


o período pré-natal, estão os genéticos, como, por exemplo, o daltonismo, e os
cromossômicos, como a Síndrome de Down. Além disso, há os eventos chamados
ambientais que podem influenciar o desenvolvimento do embrião ou do feto, como
a dieta, o uso de drogas, o número de gestações, a idade da gestante e o seu
estado psicológico. Podemos observar, portanto, que os eventos ambientais
que podem afetar o desenvolvimento pré-natal do ser humano referem-se aos
comportamentos da gestante e podem ser prevenidos por meio de informação e
de determinados cuidados.

38
Capítulo 2 O Desenvolvimento no Ciclo Vital

Pesquisas recentes indicam que variações no ambiente


pré-natal podem exercer importantes influências sobre o
desenvolvimento fetal. A ingestão de álcool por mulheres
grávidas pode causar a Síndrome Alcoólica Fetal (SAF). Os
sintomas incluem crescimento pré e pós-natal retardado,
nascimento prematuro, deficiência mental, deformações físicas,
distúrbios do sono e doença cardíaca congênita. Quantidades
e frequências maiores de ingestão de bebidas alcoólicas estão
relacionadas a um número maior de bebês afetado e a sintomas
mais severos (NEWCOMBE, 1999).

O Recém-Nascido
É a denominação recebida pelo ser humano no período que vai desde o
nascimento até os primeiros 30 dias de vida. O recém-nascido apresenta uma
aparência enrugada, nariz achatado e pele avermelhada. Com aproximadamente
50 cm de comprimento, pesa cerca de 3 quilos e se encontra coberto por uma
substância grudenta (Vernix) que o protegeu no interior do útero materno.

Para avaliar as condições do recém-nascido, é realizado, nos primeiros


minutos de vida, o teste de Apgar e repetido após cinco minutos. Esta avaliação
objetiva detectar irregularidades físicas e neurológicas severas e que exigem
atenção imediata.

O recém-nascido possui um conjunto de reflexos úteis, denominados reflexos


de sobrevivência, por sua capacidade adaptativa, pois oferecem proteção contra
estimulação aversiva e permitem ao bebê a satisfação de suas necessidades
básicas. Há, ainda, os reflexos primitivos. Estes não são tão úteis, pois tendem
a desaparecer em poucos meses. São remanescentes da história evolutiva de
nossa espécie. Entre os reflexos de sobrevivência, estão: o de respiração, de
sucção, de deglutição, palpebral, pupilar e de rotação. Os reflexos primitivos são:

• Babinski: abre e fecha os dedos do pé quando a sola deste é esfregada;

• de preensão: agarra objetos quando a palma de sua mão é tocada;

• Moro: diante de um forte ruído, abre os braços e arqueia as costas;

• natatório: imerso na água, apresenta movimentos ativos de braços e pernas,


prendendo involuntariamente a respiração; e

39
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

• de marcha automática: permanece ereto quando colocado de pé sobre uma


bancada, dando um passo como se fosse andar.

Além dos reflexos, o recém-nascido apresenta os cinco sentidos (audição,


visão, olfato, paladar e tato) funcionando bem. Alguns destes sentidos ainda
se desenvolverão melhor nos meses seguintes, mas os estudos com neonatos
(recém-nascidos) indicam que veem bem uma imagem a 20 cm de distância,
escutam o suficiente para detectar o que acontece a sua volta e diferenciam os
sabores doce, amargo e azedo. O olfato e o tato são os sentidos mais confusos
para o bebê, mas as interações estabelecidas no ambiente com as pessoas que
dele cuidam auxiliam no desenvolvimento destas capacidades.

O recém-nascido passa quase 70% do tempo dormindo. Isto é necessário


para que se adapte aos estímulos do ambiente de maneira gradativa e tranquila,
permitindo que o sistema nervoso se desenvolva. Nos períodos em que
permanece acordado, está alerta e receptivo à estimulação externa. Durante a
fase de neonato, ainda não há discriminação entre dia e noite, sendo que o bebê
dorme e acorda independente do turno do dia.

O choro é outro comportamento apresentado pelo recém-nascido. Os


primeiros choros são respostas involuntárias ao desconforto (fome, dor, frio)
e angústia (falta de contato físico, barulho muito intenso), sinalizando aos
cuidadores suas necessidades.

O que podemos concluir é que o recém-nascido passa o dia alternando


quatro estados de comportamento: inatividade alerta, atividade alerta, choro e
sono.

Maturação orgânica Ao observarmos vários recém-nascidos em uma maternidade,


possui, ao mesmo poderemos ver como são diferentes entre si e como agem de maneira
tempo, um ritmo diferente. A variedade e a diversidade dos seres humanos já podem ser
ditado pelo próprio percebidas em poucas horas de vida.
organismo e
também pelas
O desenvolvimento do recém-nascido é marcado por
interações
estabelecidas entre comportamentos que dependem da maturação orgânica. Esta
o bebê e as pessoas maturação possui, ao mesmo tempo, um ritmo ditado pelo próprio
que convivem com organismo e também pelas interações estabelecidas entre o bebê e as
ele. pessoas que convivem com ele.

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Capítulo 2 O Desenvolvimento no Ciclo Vital

O Bebê
É chamado bebê o indivíduo que completou um mês de vida, se prolongando
esse período até o final do primeiro ano. O desenvolvimento durante essa fase é
marcado pelo acelerado crescimento físico (peso e altura) e pelo desenvolvimento
da capacidade motora. Ao final do segundo ano, a criança possui o dobro da
altura com que nasceu, sendo que triplicou seu peso. Além disso,
O desenvolvimento
há um desenvolvimento bastante expressivo dos músculos, dos
durante essa
ossos e da gordura. Sobre o crescimento físico, incidem três fatores: fase é marcado
hereditariedade, hormônios e nutrição. pelo acelerado
crescimento
Os movimentos apresentados pelo recém-nascido restringem- físico (peso e
se aos reflexos que, durante o primeiro ano, são aprimorados e se altura) e pelo
desenvolvimento da
organizam em movimentos intencionais. Sentar, agarrar objetos,
capacidade motora.
engatinhar, apoiar-se em móveis e andar são marcos fundamentais do
desenvolvimento motor. A capacidade de manter a postura ereta e de ajustá-la
buscando o equilíbrio do corpo indica que o bebê utiliza a visão e a audição nessa
atividade. As habilidades motoras finas desenvolvidas podem ser observadas no
uso que o bebê faz das mãos: estende-as para agarrar objetos, e o movimento
das mãos é aperfeiçoado. Inicialmente vemos a dificuldade do bebê em dirigir
o movimento para o objeto; depois, consegue pegá-lo usando as duas mãos.
Posteriormente, consegue segurar objetos diferentes em cada uma das mãos,
mas os movimentos não são coordenados. Em seguida, consegue segurar
o objeto com uma das mãos e afagá-lo com a outra. Ao final do primeiro ano,
consegue utilizar uma colher para comer sozinha. O que podemos verificar é
que, à medida que a criança adquire novas habilidades, outros desafios lhe são
oferecidos, promovendo o seu desenvolvimento.

A fala é outro importante marco do desenvolvimento dos bebês. Eles riem,


choram e emitem grunhidos que se tornam cada vez mais claros e específicos.
O balbucio, em torno dos 5 ou 6 meses, é a utilização de uma única vogal na
linguagem do bebê. Depois, ele inclui entonação em seu balbucio e começa a
emitir uma sílaba para, posteriormente, emitir as primeiras palavras formadas
pela repetição de duas sílabas: “mamã, papá, bebê”. As crianças descobrem
que as palavras se referem a objetos, a pessoas, a ações e a propriedades. É
por volta dos 2 anos que descobrem o significado das palavras pela combinação
de algumas outras e ampliam extraordinariamente o vocabulário. A linguagem
constitui-se em uma ferramenta intelectual e social para as crianças.

41
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

Leia mais:

KALIL, R. A criança. São Paulo: Pearson Prentice Hall,


2004.

SHAFFER, David. Psicologia do desenvolvimento:


infância e adolescência. São Paulo: Thomson, 2005.

A Infância
É durante os anos da infância que a criança sofre grandes transformações
que marcam o seu desenvolvimento. O desenvolvimento do cérebro, do corpo
e das habilidades motoras refere-se ao aspecto físico e também aos aspectos
cognitivo e emocional. O desenvolvimento cognitivo envolve as capacidades
sensoriais (visão, audição, paladar, olfato e tato) que estão presentes por ocasião
do nascimento e se aprimoram nos anos da infância. A forma de pensar sobre
o que acontece ao redor da criança também sofre transformações. Piaget e
Vygotski, autores vistos no capítulo anterior, referem-se à estruturação da
inteligência para adquirirmos conhecimento e a linguagem, exercendo papel
preponderante neste processo especificamente a fala. A atenção simultânea e o
uso da memória contribuem para a formulação de raciocínio para a resolução de
problemas.

Quanto ao desenvolvimento emocional, Freud e Wallon, autores também


apresentados no capítulo anterior, são referências para esta compreensão.
Esses e outros autores abordam a formação da identidade, do autoconceito, que
depende da diferenciação entre o eu e o outro. O outro inicialmente são os pais e,
posteriormente, irmãos e colegas da escola. A autoestima também se forma nesse
processo e se refere às realizações que a criança é capaz de ter. Agressividade,
altruísmo e respeito às regras sociais igualmente se desenvolvem na infância e
dependem do contexto cultural.
A família, a escola,
a televisão, a A família, a escola, a televisão, a internet e os amigos das
internet e os amigos crianças exercem influências importantes sobre os diferentes aspectos
das crianças
do desenvolvimento durante a infância. Alguns desses aspectos
exercem influências
importantes sobre (cognitivo, motor, emocional, social) já foram descritos no capítulo
os diferentes anterior, e você pôde acompanhar o desenvolvimento psicológico das
aspectos do crianças de acordo com as fases, os estágios ou os estágios propostos
desenvolvimento pelos teóricos do desenvolvimento humano.
durante a infância.

42
Capítulo 2 O Desenvolvimento no Ciclo Vital

A Adolescência
Não é muito fácil descrever quando a adolescência tem início, porque
estamos nos referindo a uma categoria social, isto é, que possui diferenças de
definição em virtude da concepção que cada sociedade construiu sobre o que
é “ser adolescente”. Um dos pontos para identificarmos o início da adolescência
são as marcantes mudanças que ocorrem no desenvolvimento físico da criança:
rápida aceleração na altura e no peso; é o chamado estirão do crescimento.
Simultaneamente ocorre a maturidade do sistema reprodutivo, conhecida como
puberdade, isto é, a maturidade sexual capacita a pessoa fisicamente para
conceber.

A maturidade sexual varia entre meninos e meninas. Para elas, a maturação


sexual inicia-se em torno dos 9 e 10 anos. As mamas e os músculos do aparelho
reprodutivo crescem. O órgão sexual cresce e se recobre de pelos. A menarca
(primeira menstruação) surge em torno dos 12 anos. Para os meninos, a
maturação sexual tem início entre 11 e 12 anos, com o aumento do órgão genital
e surgimento de pelos pubianos, mas é em torno dos 14 ou 15 anos que surge a
ejaculação, o que os torna capazes de gerar filhos. Nos anos seguintes, A partir das
as características sexuais continuam a se desenvolver: aparecimento mudanças físicas, o
da barba e pelos no peito, braços e pernas, engrossamento da voz e adolescente começa
aumento da musculatura. a se preocupar mais
com a aparência
e com a visão que
Mas as mudanças físicas e fisiológicas da puberdade não reduzem
os outros possuem
a adolescência a essas transformações. O impacto psicológico da dele.
puberdade gera uma série de reações emocionais que caracterizam
a adolescência. A partir das mudanças físicas, o adolescente começa
O contexto social e
a se preocupar mais com a aparência e com a visão que os outros
cultural desempenha
possuem dele. A imagem corporal construída na infância precisa ser papel fundamental
refeita, pois o corpo se transformou e faz o adolescente sentir-se nesta questão,
diferente. Para deixar de ser criança, algumas sociedades estabelecem pois definirá os
ritos de passagem como forma de o adolescente despedir-se da papéis sexuais no
infância e entrar em um novo período do desenvolvimento. Frequentar que se tange às
relações hetero
alguns ambientes sem a companhia dos pais e a festa de 15 anos
e homossexuais,
podem ser considerados, em nossa sociedade, como exemplos de bem como às
ritos de passagem. relações sexuais
pré-conjugais e
Em algumas famílias, surgem pequenos conflitos relacionados suas consequências
à falta de cumprimento das regras da casa pelos adolescentes. Um quanto a doenças
sexualmente
certo distanciamento da família e uma proximidade do grupo de amigos
transmissíveis
indicam o processo de construção da identidade do adolescente, que
e gravidez na
busca independência de pensamento para tomar decisões importantes. adolescência.

43
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

Outro aspecto relevante na adolescência refere-se à atividade sexual. Os


hormônios sexuais são responsáveis pelo aumento do desejo sexual e impelem o
adolescente a pensar sobre a sua própria sexualidade. Há, entre os adolescentes,
dúvidas sobre como lidar e expressar adequadamente seus sentimentos sexuais.
O contexto social e cultural desempenha papel fundamental nesta questão, pois
definirá os papéis sexuais no que se tange às relações hetero e homossexuais,
bem como às relações sexuais pré-conjugais e suas consequências quanto a
doenças sexualmente transmissíveis e gravidez na adolescência.

Para saber mais, leia:

PAPALIA, D. E.; OLDS, S. Desenvolvimento humano.


Porto Alegre: Artes Médicas, 2007.

Resumindo: é importante compreender o processo de desenvolvimento no


ciclo vital como algo em que o outro (família, escola, amigos) desempenha papel
central, tanto nos processos biológicos como culturais.

As Psicopatologias do
Desenvolvimento
O desenvolvimento patológico é uma forma extremada do comportamento
dito “normal”, e o estudo de suas causas parte da análise do que seria esperado
para o desenvolvimento de qualquer criança. Os problemas tanto podem ter
origem a longo prazo, como problemas de aprendizagem ou de funcionamento
A prevalência da família, quanto ter origem em fatores localizados, como eventos
de problemas estressantes. Os comportamentos considerados “anormais” precisam
emocionais na ser avaliados para que se tornem parâmetro para o que seria esperado
infância e na
de uma criança ou adolescente daquela idade pelo grupo social e
adolescência situa-
se entre 10 e 20% cultural do qual é membro.
desta população. É
considerada a causa A prevalência de problemas emocionais na infância e na
mais importante adolescência situa-se entre 10 e 20% desta população. É considerada
de problemas na a causa mais importante de problemas na infância. O ambiente onde
infância.
crianças e adolescentes se desenvolvem é considerado o fator que
mais influencia os problemas emocionais nesse período do ciclo vital. Condições
ambientais, como privação de estímulo físico e social, miséria, estresse e
exposição pré-natal a drogas, podem comprometer as funções do cérebro

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Capítulo 2 O Desenvolvimento no Ciclo Vital

(HALPERN; FIGUEIRAS, 2004). Em seguida, apresentaremos as principais


psicopatologias da infância e da adolescência.
a) Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)

Entre 3 e 5% das crianças em idade escolar pode apresentar esta


patologia, sendo a ocorrência maior entre os meninos. Os sintomas incluem
falta de atenção, atividade corporal excessiva e impulsividade. Estes sintomas
podem aparecer de forma isolada ou combinada e tendem a persistir Os sintomas
na adolescência, ficando mais amenos na vida adulta. Isto porque incluem falta de
o portador desenvolve mecanismos para lidar com o transtorno. atenção, atividade
É o distúrbio neurocomportamental mais comum na infância, pois corporal excessiva
e impulsividade.
há o comprometimento da região frontal do cérebro, responsável
Estes sintomas
pela inibição de comportamentos; capacidade de prestar atenção;
podem aparecer
autocontrole; e planejamento das ações. Desta forma, não podemos de forma isolada
mais aceitar a ideia de que a criança com TDAH é desobediente, porque ou combinada e
foi mal educada pelos pais. Segundo o Diagnóstico de Doenças Mentais tendem a persistir
(DSM), este transtorno é um problema de saúde mental, bidimensional, na adolescência,
que envolve a atenção e a hiperatividade/impulsividade, com “padrão ficando mais
amenos na vida
persistente, mais freqüentemente severo do que o observado em outras
adulta.
crianças da mesma idade” (APA, 2002).

Conheça os sintomas da desatenção:

- deixar de prestar atenção a detalhes ou cometer erros por


descuido em atividades escolares, profissionais e outras;

- ter dificuldade, nas tarefas ou em atividades lúdicas, de


manter a atenção no que faz;

- distrair-se, parecendo não escutar quando lhe dirigem a


palavra;

- ter dificuldade em seguir instruções e concluir deveres


escolares, tarefas domésticas ou deveres profissionais, sendo
que a dificuldade não se deve à incapacidade de compreender
as instruções nem a um comportamento de oposição à
autoridade;

- ter dificuldade para organizar tarefas e atividades;

- evitar tarefas que exijam esforço mental constante ou


antipatizar com elas, como tarefas escolares, estudos, deveres
de casa ou do trabalho. E só com relutância envolvem-se com
elas;

- perder brinquedos, lista de deveres escolares, lápis, livros


e outros materiais, os quais são necessários para tarefas ou
atividades;

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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

- distrair-se facilmente das tarefas a que está engajado devido


aos estímulos alheios;

- apresentar dificuldades para se lembrar de coisas


necessárias para as atividades diárias (SENA; DINIZ NETO,
2007, p.21).

Fique atento, agora, para os sintomas da hiperatividade:

- as crianças são muito ativas;

- movimentam mãos e pés, balançam o corpo, etc.;

- não conseguem ficar sentadas ou quietas;

- tocam tudo com as mãos;

- a atividade pela atividade: perambulam e vagam sem sentido


e objetivo;

- falam o tempo todo: cantarolam, fazem barulhos com a boca,


assobiam. (BONET; SORIANO; SOLANO, 2008, p.35).

Você conseguiria diferenciar os sintomas descritos como hiperatividade dos


sintomas de impulsividade? Conheça-os a seguir:

- tendência à satisfação imediata;

- pouca tolerância à frustração;

- impaciência;

- interrupção e intrusão freqüente nos assuntos dos outros;

- dificuldades para expressar-se adequadamente;

- pega objetos dos outros;

- não espera a sua vez;

- tropeça e não olha onde anda (acidentes);

- não considera o ‘perigo’ (APA, 2002).

É um quadro que traz muitas implicações educacionais. Por isso, há


necessidade de capacitação dos professores para o trabalho com crianças e
adolescentes com TDAH, além de orientações pelos especialistas e diálogo com
a família.

46
Capítulo 2 O Desenvolvimento no Ciclo Vital

A escola deve oferecer um ambiente tranquilo, com poucos estímulos


externos e ruídos. Deve disponibilizar recursos didáticos variados (modelos visuais
e auditivos: mapas, gráficos, CDs, computadores, livros ricamente ilustrados,
momentos para atividades artísticas e de brincadeiras).

O professor deve estar informado sobre o TDAH para ensinar. A seguir,


apresentamos algumas estratégias para ensinar de maneira eficaz, sugeridas por
Benczik (2000):

• Manter contato com os pais regularmente.

• Tentar acordos, perguntar à criança como ela acha que aprende melhor.

• Monitorar tarefas estabelecendo um curto período de tempo.

• Orientar o aluno previamente sobre o que é esperado dele quanto ao


comportamento e à aprendizagem.

• Usar recursos especiais (gravador, slides, etc.).

• Discutir precisamente mudanças do cronograma, currículo, realizando


alterações até a criança se adaptar ao processo educacional.

• Auxiliar a criança lembrando, repetindo, prevendo diretrizes e limites.

• Ser tolerante para a criança sentir-se aceita.

• Incentivar e recompensar todo bom comportamento e desempenho; elogios,


firmeza, aprovação e encorajamento são essenciais.

• Dar o conteúdo passo a passo verificando a aprendizagem.

• Apresentar tarefas em pequena quantidade.

• Motivar a criança para aprender.

• Reduzir estímulos que possam distrair o aluno (porta ou janelas).

• Manter a sala organizada e estruturada.

• Estabelecer regras claras e consistentes.

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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

• Estabelecer rotina escolar previsível.

• Alternar atividade de alto e baixo interesse durante a aula.

• Permitir movimentos dentro e fora de sala (ser ajudante, permitir ir ao banheiro,


beber ou buscar água).

• Preparar previamente para mudanças de rotina.

• Evitar tarefas repetitivas próximas umas das outras.

• Fornecer instruções diretas, curtas e claras.

• Focalizar mais o processo do que o produto/qualidade e quantidade.

• Separar o aluno de outros que incentivam o comportamento inadequado.

• Colocar a criança com um par ‘tutor’ para ser acompanhado.

• Olhar nos olhos da criança ao dar as orientações sobre as atividades.

• Desenvolver alternativas, fornecer dicas para a criança lidar com suas


dificuldades.

• Dar supervisão adicional sempre que necessário.

• Estabelecer limites e fronteiras com calma. Ser firme e direto.

• Enfatizar o aspecto emocional do aprendizado.

• Não enfatizar o fracasso.

• Dar retorno constante e imediato sobre o desempenho do aluno ajuda a


desenvolver a auto-observação.

• Incentivar a leitura em voz alta, contar histórias, falar por tópicos.

• Permitir a brincadeira, a diversão, e criar ambiente informal, sem


superestimulação.

• Usar giz colorido na explicação de matéria nova.

• Alterar o tom de voz para prender a atenção.

48
Capítulo 2 O Desenvolvimento no Ciclo Vital

• Estar atento ao talento, à alegria e ao humor que a criança manifesta.

O tratamento inclui psicoterapia, psicopedagogia e, em 30% dos casos, é


utilizada medicação.

b) Transtorno de Conduta
O diagnóstico é
feito diante de três
Refere-se ao comportamento antissocial de crianças e
atos antissociais
adolescentes. O diagnóstico é feito diante de três atos antissociais cometidos em
cometidos em um intervalo de seis meses, que podem ser roubo, um intervalo de
incêndio criminoso, destruição de propriedade ou brigas físicas seis meses, que
frequentes. É mais prevalente entre os meninos, e as causas são podem ser roubo,
diversas: estresse no momento do nascimento, falta de adequação incêndio criminoso,
dos pais, influência dos companheiros e altos índices de violência destruição de
propriedade ou
na comunidade. Os resultados mais promissores para o transtorno
brigas físicas
incluem o reforçamento dos comportamentos considerados adequados frequentes.
socialmente e a orientação à família para o padrão da relação entre
pais e filhos.

c) Ansiedade Preocupações por


um longo período
Há necessidade de diferenciar medos comuns na infância e de tempo, com
preocupações por um longo período de tempo, com possibilidades possibilidades de
de que não sejam realistas. A criança ou adolescente ansioso pode que não sejam
realistas.
somatizar apresentando problemas de saúde, como dores abdominais,
aceleração dos batimentos cardíacos, problemas relacionados à alimentação,
ao sono, etc. Os portadores desta patologia estão constantemente tensos e com
dificuldades para relaxar. Por isso, o uso de técnicas de relaxamento dá bons
resultados neste caso.

d) Depressão

A prevalência da depressão na infância e na adolescência é maior


Os transtornos
entre as meninas. Os fatores que podem provocar o quadro são: altos alimentares podem
níveis de estresse, dificuldades de comunicação familiar, atribuição causar problemas
de problemas e fracassos à própria pessoa, além do funcionamento fisiológicos sérios.
endocrinológico. É preciso ensinar crianças e adolescentes a
expressarem seus sentimentos.

49
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

e) Transtornos Alimentares

É mais comum na adolescência do que na infância. É quando o peso se


altera, para cima ou para baixo, do padrão esperado para a idade. O excesso
de ingestão alimentar pode levar à obesidade, enquanto que a preocupação
exagerada em perder peso pode levar à anorexia nervosa, sendo mais comum
nas meninas. A bulimia combina elementos da obesidade e da anorexia, pois
há ingestão compulsiva, rápida e descontrolada de alimentos, alternada com
comportamentos de vômitos autoinduzidos. Os transtornos alimentares podem
causar problemas fisiológicos sérios. A relação problemática entre pais e filhos
frequentemente exerce papel importante no desenvolvimento desses quadros.

f) Transtorno Autista

É considerado um quadro bastante complexo, porque afeta uma gama muito


ampla de áreas do desenvolvimento. Por isso, é também denominado Transtorno
Global do Desenvolvimento, se caracterizando

por um comprometimento grave e global em diversas áreas do


desenvolvimento: habilidades de interação social recíproca,
habilidades de comunicação ou presença de estereotipias
de comportamento, interesses e atividades. Os prejuízos
qualitativos que definem essas condições representam um
desvio acentuado em relação ao nível de desenvolvimento ou
idade mental do indivíduo [...] manifestam-se nos primeiros
anos de vida e freqüentemente estão associados a algum grau
de Retardo Mental. (APA, 2002, p.98, grifo nosso).

Os Transtornos Globais do Desenvolvimento referem-se ao:

- Transtorno Autista,

- Transtorno de Rett,

- Transtorno Desintegrativo da Infância,

- Transtorno de Asperger e

- Transtorno Global sem outra especificação.

Desta forma, precisamos ter claro que os sintomas representam o


comprometimento de três áreas do desenvolvimento, mas podem se apresentar

50
Capítulo 2 O Desenvolvimento no Ciclo Vital

de maneira distinta. Neste capítulo, abordaremos o Transtorno Autista.

O autismo aparece durante os primeiros três anos de vida e é quatro vezes


mais comum em meninos do que em meninas, nas quais, quando diagnosticado,
é mais devastador. A seguir, apresentaremos algumas características
comportamentais relacionadas a cada uma das áreas desenvolvimentais afetadas,
definidas pelo (APA, 2002):

• Interação social:

- alteração significativa no uso de múltiplos comportamentos não-verbais, como


olhar nos olhos, expressão facial, postura corporal e gestual;

- incapacidade para desenvolver com colegas relações apropriadas ao nível do


desenvolvimento;

- ausência de espontaneidade para compartilhar prazeres, interesses e objetivos


com outras pessoas;

- falta de reciprocidade social e emocional.

• Comunicação:

- retardo ou total ausência do desenvolvimento da linguagem oral;

- alteração acentuada na capacidade de iniciar ou manter uma conversação


com os outros, no caso de indivíduos com linguagem apropriada;

- utilização estereotipada e repetitiva da linguagem;

- ausência da representação ou imitação social.

• Padrões de comportamento:

- preocupação e interesse por um ou mais comportamentos esquisitos;

- apego inflexível a rotinas ou a rituais específicos;

- manias motoras repetitivas (agitar ou esfregar as mãos);

51
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

- preocupação persistente com partes de objetos (rodas de carrinhos, pratos).

As causas são multifatorias, e o tratamento é complexo, porque envolve


diversos fatores presentes na origem e manutenção do transtorno. Alguns
resultados são encontrados na utilização do método Teach de aprendizagem
adotado com essas pessoas. Teach consiste em um método cognitivo-
comportamental que busca, por meio do reforçamento, controlar alguns
comportamentos inadequados e desenvolver outros relacionados aos cuidados
de vida diária e conteúdos escolares.

Para saber mais:

ASSUMPÇÃO JR., Francisco B.; KUCZYBSKI, Evelyn.


Tratado de psiquiatria da infância e adolescência. São Paulo:
Atheneu, 2003.

CABALLO, Vicente E.; SIMÓN, Miguel Angel. Manual


de psicologia clínica infantil e do adolescente. São Paulo:
Santos, 2005.

LEWIS, Melvin. Tratado de psiquiatria da infância e da


adolescência. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

Atividades de Estudos:

1) Em 1900, a idade média da primeira menstruação era 14 ou


15 anos. Em 1950, a maior parte das meninas alcançava
a menarca com 13 ou 14 anos, e dados recentes abaixaram
para 12 anos e meio. Estamos amadurecendo antes? Como
podemos explicar isto?
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Capítulo 2 O Desenvolvimento no Ciclo Vital

2) Você acha que há a possibilidade de alguém com TDAH também


apresentar o transtorno de conduta?
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Algumas Considerações
De acordo com o que foi apresentado, o desenvolvimento no ciclo vital segue
uma sequência para a apresentação da algumas habilidades e competências. Já
durante o desenvolvimento pré-natal, estudos indicam a interação do feto com o
ambiente. Ele recebe algumas informações do ambiente, que é o corpo da mãe,
e, até mesmo, diferencia o timbre de sua voz e a do pai.

Atualmente, tem-se atribuído grande importância à interação do bebê com


o ambiente em que vive. Conversas, olhares e toques contribuem para o seu
desenvolvimento, humanizando-o. Nada de achar que pegar o bebê no colo o
deixará “manhoso”. Ele precisa do contato físico para desenvolver o tato, a noção
de equilíbrio e sentir-se acolhido. Para isto, a “massagem para bebês” é uma
técnica utilizada por muitas pessoas que se preocupam em estimular e interagir
com eles.

Percebemos, por meio das psicopatologias, como a saúde mental na infância


e na adolescência precisa ser olhada com mais cuidado. Segundo a Organização
Mundial de Saúde, 90% dos países não possuem uma política de saúde mental
para esta faixa etária. A capacitação de profissionais para identificar o quadro e
solicitar acompanhamento especializado é fundamental para que seja oferecida
uma qualidade de vida melhor às pessoas que apresentam esses transtornos.
A organização de um material como este que você está recebendo constitui-se
em uma possibilidade de enfrentamento desta situação, contribuindo para que
pensemos em fatores de proteção à criança e ao adolescente.

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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

Referências
APA (American Psychiatry Association) Manual diagnóstico e estatístico dos
transtornos mentais. 4. Edição, Textos Revisados - DSM-IV-TR. Porto Alegre
ArtMed, 2002.

BENCZIK, Edyleine Bellini Peroni. Transtorno de Déficit de Atenção e


Hiperatividade: atualização diagnóstica e terapêutica. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2000.

BONET, Trinidad; SORIANO, Yolanda; SOLANO, Cristina. Aprendendo com


crianças hiperativas. São Paulo: Cengage Learning, 2008.

HALPERN, R.; FIGUEIRAS, A. C. M. Influências ambientais na saúde mental da


criança. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, vol. 80, n.º 2 (Supl), 2004.

NEWCOMBE, Nora. Desenvolvimento Infantil: abordagem Mussem. 8. ed.


Porto Alegre: Artemed, 1999.

SENA, Simone da Silva; DINIZ NETO, Orestes. Distraído e a 1000 por hora:
guia para familiares, educadores e portadores de Transtornos de Déficit de
Atenção e Hiperatividade. Porto Alegre: ArtMed, 2007.

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C APÍTULO 3
Aprendizagem: Conceitos,
Perspectivas e Implicações no
Processo de Ensino

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Descrever as definições de aprendizagem nas perspectivas associacionistas e


construtivistas.

� Discutir as definições de aprendizagem e suas implicações no processo de


ensino.
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

56
Aprendizagem: Conceitos, Perspectivas e
Capítulo 3 Implicações no Processo de Ensino

Contextualização As teorias nos


ajudam a ver os
problemas com
Voltamos às definições! Por que são tão importantes? Como outros olhos
já apontamos antes, no primeiro capítulo, nossas definições nos e nos dão um
servem de mapas; logo, nos mostram a direção que devemos tomar, direcionamento
ao mesmo tempo em que servem de apoio para o que fazemos, pois para as melhores
nossas práticas educacionais são baseadas nas hipóteses de como soluções, atestadas
por anos e anos
funcionamos. As teorias nos ajudam a ver os problemas com outros
de pesquisa e
olhos e nos dão um direcionamento para as melhores soluções, prática controlada
atestadas por anos e anos de pesquisa e prática controlada (protocolos (protocolos de
de aplicação). aplicação).

Como vimos no primeiro capítulo, existem algumas formas diferentes de


entender o desenvolvimento humano. Assim o é também com a aprendizagem.
Falando em termos gerais, você deve ter aprendido, durante a graduação,
algumas dessas teorias da aprendizagem.

Vamos lembrá-lo(a) de algumas: a teoria behaviorista (aprendizagem pelas


consequências); as teorias cognitivistas (aprendizagem enquanto alterações
na forma de processar a informação); a teoria gestáltica da aprendizagem
(aprendizagem por insight); e as teorias construtivistas (que reúnem as
contribuições de Piaget, Vygostsky, Bruner e Ausubel e entendem a aprendizagem
como um processo de construção do conhecimento).

Acreditamos que as teorias são ferramentas importantes para operarmos


no mundo. Como formas organizadas de interpretação, de previsão e de controle
dos fenômenos, nos permitem inferir seu funcionamento e geram diretrizes para
a organização de intervenções mais seguras e eficientes. Contudo, devemos,
sempre, tomar cuidado para não usar nossas ferramentas indiscriminadamente.
Você, com certeza, não utilizaria uma chave de fenda para pregar alguma coisa.
Existe um instrumento mais adequado para tal: o martelo. Sim, na falta de algo
melhor, você até poderia usar a chave de fenda, mas estaria “dando um jeitinho”
no seu problema. Funciona! Lembre-se, porém, de que o fato de funcionar não
significa que ficou bom! Isto não implica que estamos defendendo uma “salada
mista” de teorias, mas, sem dúvida, precisamos saber o que estamos fazendo,
para que estamos fazendo e como executar o trabalho do modo mais preciso e
competente possível.

57
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

Características da Aprendizagem
Perguntamos para você:

- Aprendemos do mesmo modo a respeitar os valores de nosso grupo e regras de


três?

- A andar de bicicleta e a memorizar as tarefas que temos que executar hoje?

- Estabelecemos da mesma forma as relações existentes entre peso e tamanho e


o valor da higiene pessoal para a manutenção da saúde?

- As formas de aprender uma e outra coisa são totalmente similares? Educação


infantil, ensinos fundamental, médio, técnico e superior deveriam utilizar sempre a
mesma metodologia de ensino?

Se você respondeu não a todas as perguntas é porque percebeu que


aprendizagem é um termo muito amplo e pode querer dizer coisas diferentes em
contextos e tarefas diferentes.

Se você respondeu Neste capítulo, resgataremos alguns conceitos de aprendizagem


não a todas as
sem entrar em uma teoria específica de aprendizagem. Seguimos
perguntas é porque
percebeu que aqui uma escolha metodológica fundamentada em Pozo (1998, 2000)
aprendizagem é um que vai, além das teorias, em busca do entendimento não de suas
termo muito amplo particularidades, mas fundamentalmente de suas concordâncias e
e pode querer dizer discordâncias no nível de suas proposições mais gerais. Deste modo,
coisas diferentes em somos convidados a refletir sobre o que é aprendizagem, como se
contextos e tarefas
estrutura e quais são os papéis do aprendiz e do professor.
diferentes.

a) O que estamos Chamando de Aprendizagem?

Preste atenção neste trecho extraído de Catania (1999, p. 22):

Se aprendizagem pudesse ser definida em uma ou duas


frases, não teríamos qualquer problema. Definiríamos a
palavra e, então, discutiríamos as condições sob as quais a
aprendizagem ocorre, os tipos de coisas que são aprendidas,
as maneiras pelas quais diferentes instâncias de aprendizagem
podem ser combinadas, as limitações da aprendizagem,
e assim por diante. Mas, aprendizagem significa coisas
diferentes, em diferentes momentos, para diferentes pessoas.

58
Aprendizagem: Conceitos, Perspectivas e
Capítulo 3 Implicações no Processo de Ensino

Catania (1999) faz alusão ao problema que temos em definir exatamente


o nosso objeto de estudo: a aprendizagem. Assim como no desenvolvimento,
dependendo de qual variável você estiver observando e querendo compreender,
a aprendizagem pode gerar explicações um pouco diferentes das de outras
variáveis. Se você estiver estudando, por exemplo, o modo de aprender álgebra
em uma escola, pode chegar a determinadas conclusões, diferentes das de outro
pesquisador que estiver investigando o modo como um pedreiro semianalfabeto
utiliza regras algébricas lógicas (mas não necessariamente consciente da lógica
algébrica) para calcular dimensões de uma obra que executa. Os princípios
poderão ser os mesmos, mas a forma de aprendizagem são um tanto distintas.
Situações distintas, raciocínios semelhantes, métodos diferentes de aprender.

Veja o quanto isso complica no momento de transportarmos esses fenômenos


para regras mais gerais. Por isso, Catania (1999) remete, aqui, à dificuldade de
chegarmos a um ponto comum sobre o que seja o processo de aprendizagem,
não sobre os produtos da aprendizagem. Em outras palavras, não estamos
discutindo se podemos ou não constatar a aprendizagem; ela parece ser bastante
visível, bastando observar as mudanças que ocorrem ao longo da vida quanto ao
conhecimento que as pessoas têm em relação, por exemplo, a Papai Noel:

- Com um ano de idade: “O que é isso?” ou “Quem é esse estranho?”

- Com dois ou três anos: “Papai Noel vai trazer presentes!”

- Aos 7 anos ou menos: “Não é o Papai Noel que traz os presentes!”

- Aos 10 anos: “você ainda acredita em Papai Noel?”

- Aos 15 anos (ou menos): “Papai Noel? Que babaquice!”

- Aos 30 anos: “Não posso esquecer minha fantasia de Papai Noel! Tenho de
levar os presentes na creche!”.

O que discutimos, em termos teóricos, é como a aprendizagem ocorre,


conhecimento que nos daria poder de previsão e controle sobre o processo.

Então, como as pessoas modificam a sua percepção, as suas atitudes, o seu


comportamento no que se refere ao Papai Noel? É produto de uma reorganização
cerebral? É produto de reforçamentos diferenciais (você é incentivado a acreditar
em um momento e, depois, tal crença é colocada em extinção)? É resultado
das novas informações que você recebeu e que entraram em conflito com as
informações anteriores, levando à nova tomada de decisões? Pode ser tudo isto
ao mesmo tempo!

59
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

O primeiro passo importante que temos que dar rumo à compreensão de qual
o fenômeno que investigamos é tomar as definições geradas por essas diferentes
formas de entender a aprendizagem e tentar chegar a um lugar comum.

Leia atentamente as afirmações de alguns estudiosos sobre aprendizagem:

- “[...] o aprendizado consiste em uma mudança relativamente permanente no


comportamento potencial do indivíduo devido à experiência” (FONTANA,1998,
p.156).

- “Learning is the cognitive process of acquiring new skills, knowledge, and


worldviews” (LONDON, POLZER, OMOREGIE, 2005, p. 114”, ou seja, a
aprendizagem é o processo cognitivo de aquisição de novos esquemas,
conhecimento (tradução nossa).

- “A aprendizagem é uma mudança inferida no estado mental de um organismo


o qual é uma conseqüência da experiência e influi de forma relativamente
permanente no potencial do organismo para o comportamento adaptativo
posterior” (TARPY, 1997, p. 8).

O aprendizado: Perceba que, em todas as afirmações, há elementos comuns.


- é sempre um Vamos analisá-los:
processo (algo que
está em andamento, O aprendizado:
em construção);
- é o produto da
experiência; - é sempre um processo (algo que está em andamento, em construção);
- implica sempre
em mudança - é o produto da experiência;
(de atitudes, de
habilidades, de - implica sempre em mudança (de atitudes, de habilidades, de
capacidades).
capacidades).

Essas mudanças:

- são observáveis, mas também podem ser potenciais;

- duram um tempo relativo;

- sua finalidade parece ser aumentar a capacidade adaptativa do organismo.

60
Aprendizagem: Conceitos, Perspectivas e
Capítulo 3 Implicações no Processo de Ensino

Essas características indicam que a aprendizagem (por ser contínua) começa


com o início da vida (incluindo a fase intrauterina) e termina com o fim da mesma.
É uma capacidade que podemos chamar de inata e presente nos animais,
desde os mais simples até os mais complexos (em termos de sistema nervoso)
(CATANIA, 1999; POZO, 2002; TARPY, 1997).

Ao longo da vida, o que e como se aprende pode sofrer alterações, e isto


está ligado tanto a fatores psicobiológicos subjacentes (nível de excitação,
atenção, disposição física e mental, etc.), quanto à própria aprendizagem sofrida
ao longo do tempo. Isto quer dizer, então, que a aprendizagem interfere no próprio
processo de aprendizagem. Quando você lê, por exemplo, um artigo no jornal
sobre um assunto qualquer, está adquirindo informações. Estas informações
são processadas com base em outras que você já possui relacionadas às que
está lendo, ou seja, são interpretadas de acordo com o que você já conhece.
Deste modo, APRENDIZAGEM é um processo inato do organismo, mas o que
aprendemos, não. Neste sentido, APRENDIDO É DIFERENTE DE INATO! Você
não nasceu com essas informações. Você as adquiriu à medida que entrou, de
algum modo, em contato com elas pela experiência.

Evidências têm demonstrado que bebês recém-nascidos


podem se acalmar quando ouvem músicas às quais foram expostos
quando ainda estavam no período fetal (após os cinco meses). Isto
implica que os mesmos tenham armazenado algum tipo de memória
adquirida dessas experiências que tiveram nessa fase de suas vidas
(BEE, 2000).

As experiências (e sua aprendizagem) podem ocorrer tanto de forma


consciente como também não-consciente. Vamos explicar! Você usa corretamente
sua língua mãe (para os que nasceram no Brasil, o português) para se comunicar.
Mas você teve a intenção consciente de aprender esta língua? Você é capaz
de descrever como conseguiu passar de um ser não-falante para um exímio
elaborador de frases complexas? Quando estamos aprendendo a falar, não nos
dizem, obrigatoriamente, como podemos criar novas frases que nunca ouvimos
ou que não aprendemos naquele contexto. Mesmo assim, qualquer criança de
quatro anos ou menos pode utilizar as regras gramaticais corretas, sem nunca
ter sido formalmente instruída para isso. Nós não sabemos como fazemos isto...
mas fazemos. Não sabíamos, mas aprendemos de alguma forma. Muito diferente
é aprender a reconhecer números e a resolver sentenças matemáticas. Nós
fomos intencionalmente instruídos para isto (e muitas vezes punidos quando não

61
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

sabíamos) e passamos muitas e muitas horas praticando para executar de forma


adequada essas operações.

Outra característica clara do processo de aprendizagem é sua


iminente característica de mudança. PARA HAVER APRENDIZAGEM,
NECESSARIAMENTE HÁ MUDANÇA! Só podemos constatar que algo foi
aprendido quando foi modificado. Essas mudanças podem se dar nas ações,
na capacidade de resolver problemas, na tomada de decisão, nos julgamentos...
Geralmente, em todas estas ao mesmo tempo. Mesmo quando julgamos que não
ocorreu aprendizagem de fato, como no caso da “decoreba”, basta atentarmos
para um ponto na definição de aprendizagem “[...] influi de forma relativamente
permanente [...]” (TARPY, 1997, p. 8, grifo nosso). Relativo à quê? Relativo ao
tempo em que a informação seja necessária para o organismo. Pode ser por
alguns dias, algumas horas ou vários anos. Então, mesmo que, dias após estudar
para uma prova, nos esqueçamos de parte do conteúdo, este durou um tempo, ou
seja, foi relativamente permanente.

Parada obrigatória para pensar: Podemos afirmar que decorar


é uma estratégia antiga e não-válida de aprendizagem? Pense em
situações nas quais memorizar informações seja importante!

As mudanças ocorridas podem ser observadas de modo direto, como quando


alguém realiza algo que não fazia antes, depois de passar por uma instrução
(dançar, por exemplo). Contudo, a aprendizagem também pode ocorrer como uma
mudança potencial, isto é, mesmo que no momento não esteja sendo observada
alguma alteração no comportamento, em uma situação onde a ação aprendida
for esperada, poderá ser executada. Em uma consulta com um nutricionista, por
exemplo, você recebe uma instrução sobre os alimentos que deve comer quando
está sob dieta alimentar. É bem provável que você não vá comer no consultório
para mostrar ao nutricionista que compreendeu as regras. Porém, ao realizar suas
refeições, tal aprendizagem será demonstrada.

Por fim, a função da aprendizagem não é outra senão a adaptação dos


indivíduos ao seu ambiente, pois permite aos mesmos alterar as condições do
meio sem a necessidade de alterações morfológicas. Com efeito, a aprendizagem
pode ser observada em todos os organismos animais, desde os mais simples aos
mais complexos (CATANIA, 1999; POZO, 2002).

62
Aprendizagem: Conceitos, Perspectivas e
Capítulo 3 Implicações no Processo de Ensino

b) Os dois Grandes Grupos Teóricos

De modo geral, podemos dizer que as teorias de aprendizagem atuais


são baseadas em duas premissas básicas: 1) a aprendizagem se dá quando
há associação entre acontecimentos, experiências (associacionismo); e 2)
a aprendizagem como reorganização/re-elaboração das informações, dos
esquemas cognitivos e das formas de pensar (construtivismo).

Existe uma terceira teoria, o racionalismo, mas que não exerce


tanta influência sobre as teorias de aprendizagem modernas. O
racionalismo assume que existem ideias inatas e que não faz sentido
falar em aprendizagem, uma vez que o conhecimento já está contido
no indivíduo.

Cada uma das premissas apresentadas igualmente pressupõe um papel,


tanto para o aprendiz quanto para o tutor ou mestre, utilizando aqui as palavras
de Pozo (2002). O modelo associacionista pressupõe que a aprendizagem não
deixa de ser uma reprodução do que já existe e que o papel do aprendiz é quase
estático, uma vez que as mudanças ocorrem por força de variáveis externas
(e não internas). Muda a forma como algo é executado, sem importar se algo
“dentro do indivíduo” (suas ideias, seu raciocínio) foi modificado. O conteúdo
da aprendizagem sofre poucas alterações, dado que, à medida que novas
associações ocorrem, novos agrupamentos de informações ocorrem. Essas
mudanças, por sua vez, são quantitativas, pois, como há associação, ao conteúdo
anterior da aprendizagem foram adicionados outros conteúdos. O principal
representante deste grupo teórico é o comportamentalismo (behaviorismo). Na
teoria behaviorista, o comportamento é uma função das relações que o sujeito
estabelece com o seu ambiente (incluindo o social). Comportamento é toda a
ação possível de ser observada. Esta observação pode ser pública (observada por
mais de uma pessoa, como, por exemplo, a fala) ou privada (observada apenas
por uma pessoa, como a dor ou seus pensamentos). Obviamente, só podemos
trabalhar com aquilo que for tornado público, pois só deste modo temos acesso ao
conteúdo. Desta forma, o que se passa “dentro da pele” (pensamentos, emoções)
não interessa, a menos que seja exteriorizado.

As intervenções e técnicas comportamentais visam sempre à mudança


de uma ação específica. Isto é o que chamamos de aprendizagem. Para o
comportamentalismo, aprender significa, literalmente, mudar as relações
estabelecidas com o ambiente. Quanto falamos em relações, estamos nos

63
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

referindo tanto à ação do sujeito sobre o ambiente quanto o contrário, ou seja, à


ação do ambiente (contexto) sobre a ação do sujeito. Se cada vez que um pai e
seu filho, por exemplo, forem ao supermercado, o filho receber de seu pai algum
presente, a categoria “ir ao supermercado” passa a estabelecer para a criança a
condição para “ganhar presente”. Como sabemos que tal relação se estabeleceu?
Basta observar o comportamento da criança quando chega ao caixa, e o pai nada
lhe comprou. Ele pode falar para seu pai: “Por que você não comprou nada para
mim?”. Se a criança chorar, fizer “birra”, e isso afetar a ação de seu pai (comprar
alguma coisa para a criança a fim de evitar o choro, ou a birra) outra relação foi
estabelecida: “ir ao supermercado e não ganhar algum presente” leva a “fazer
birra” ou “chorar”, que tem como consequência reforçadora “ganhar presente”.
Logicamente a relação poderia ser outra; mas, de qualquer forma, foi estabelecida
uma relação. Nesse caso, não foi preciso levar em conta o que a criança estava
pensando ou sentindo (ela achava que deveria ganhar um presente ou, ainda, ela
ficou triste, com raiva). Afinal, suas ações são em função do que foi estabelecido
em sua história de idas ao supermercado. O pensamento ou a emoção não são a
causa do comportamento: foram o resultado da ação do pai, do filho e do contexto
onde ocorreram as suas ações.

Exemplos de intervenção fundamentados na abordagem comportamental


podem ser observados em programas de TV, como “Super Nanny” e “A domadora”.

Nesse modelo de aprendizagem, o feedback e o reforçamento (apresentação


de consequências positivas à resposta a ser dada) para o indivíduo devem
ser imediatos para que a associação com a resposta correta seja rapidamente
aprendida. A aprendizagem é, então, baseada no professor que controla as
variáveis da relação que será estabelecida entre aprendiz e ambiente.

O ensino deve ser organizado de modo a avançar das associações mais


simples para as mais complexas. Esse processo tecnicamente é chamado de
modelagem, que nada mais é do que a aproximação gradual da resposta àquela
que desejamos. Para o ensino da escrita, por exemplo, normalmente começamos
tentando desenhar as letras (a fim de ganhar habilidade) para, depois,
escrever palavras e, mais tarde, frases. Durante o processo de modelagem, as
respostas intermediárias (desenhar, desenhar formas, etc.) são reforçadas no
início, mas depois extintas, uma vez que uma nova resposta mais próxima ao
alvo (escrever) deve ser agora reforçada. As respostas erradas (desenhar um
cachorro ao invés de uma letra, por exemplo) não serão punidas, mas também
não receberão reforço. O objetivo desse procedimento é reduzir o nível de
estímulos contraditórios que deixem o comportamento alvo mais distante. Assim,
na perspectiva associacionista, não existe muito espaço para erros durante a
aprendizagem, apesar de eles serem tolerados.

64
Aprendizagem: Conceitos, Perspectivas e
Capítulo 3 Implicações no Processo de Ensino

Uma vez que a aprendizagem, nesta concepção, é individual, é o sujeito


que regula seu ritmo. Isto implica em duas condições básicas: 1) as pautas
de procedimentos devem ser similares, mas individualizadas; e 2) existe um
plano de ação pré-definido para o aprendiz. O professor tem plena clareza da
aprendizagem que deve ser realizada, mas o aprendiz não. A aprendizagem que
o sujeito já tem é interpretada como linha de base, pois demonstra de onde partir.
Afinal, se o objetivo da aprendizagem é a introdução de novos comportamentos,
não são de interesse do professor os comportamentos já estabelecidos, a não ser
no início, pois as condutas do aprendiz são importantes para estabelecer o ponto
de partida, porém não o de chegada.

Ao longo dos anos, esta abordagem foi modificada pela introdução de novos
conhecimentos advindos do avanço das ciências do comportamento. Contudo, ao
que tudo indica, apenas as versões mais antigas da abordagem são popularmente
conhecidas pela maioria dos profissionais de educação.

Já no modelo construtivista, as mudanças não ocorrem apenas na forma


como o indivíduo executa algo. Se algo de fora muda é porque alguma
coisa de dentro também mudou, ou seja, as ações mudam porque o O indivíduo não
apenas responde
sujeito as computa (percebe, raciocina) de outra forma. O indivíduo
ao mundo externo:
não apenas responde ao mundo externo: ele o internaliza, interpreta ele o internaliza,
e busca novas respostas. O processo de aprendizagem sempre gera interpreta e busca
alteração nas estruturas mentais (esquemas cognitivos). Logo, não novas respostas.
necessariamente algo foi anexado (associado); a nova aprendizagem
reestrutura o conteúdo anterior. Há sempre uma reformulação da forma e do
conteúdo do conhecimento tornando a aprendizagem um processo dinâmico e
produtivo.

Boa parte do que chamamos construtivismo tem origem no trabalho de Jean


Piaget. Como estudamos no capítulo 1 deste caderno, Piaget estava interessado
no desenvolvimento cognitivo (na capacidade de produzir conhecimento), mas
não essencialmente estudou as práticas de ensino, apesar de ter feito muitas
sugestões importantes na área. O construtivismo é uma junção de várias teorias
sobre a capacidade de aprender e sobre como ocorre a aprendizagem. É
caracterizado, além de pelas ideias de Piaget, pelas contribuições de Vygostsky
(que gerou explicações importantes sobre as condições sob as quais ocorre
o desenvolvimento e a aprendizagem) e pela psicologia cognitiva. Entre os
principais pesquisadores cognitivistas que se dedicaram à compreensão das
relações entre ensino e aprendizagem, podemos citar Jerome Bruner e David
Ausubel (LEFRANÇOIS, 2008).

Bruner e Ausubel (apud LEFRANÇOIS, 2008) discutiram como o processo de


ensino poderia ser viabilizado sob a perspectiva construtivista. Bruner comparou

65
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

o processo de ensino e aprendizagem com a atividade de pesquisa e afirma que


a aprendizagem é um processo de descoberta, ou seja, os aprendizes não devem
receber as informações em seus formatos finais (a explicação sobre um fenômeno,
por exemplo). Devem ser capazes de se auto-organizar (estabelecer as condições
necessárias para realizar a compreensão de algo ou para realizar algo) a fim
de encontrar respostas, compará-las, discuti-las e chegar a conclusões. Bruner
sugere que os conteúdos educativos devam partir do específico para o geral,
dos fenômenos para as teorias (raciocínio dedutivo). Ausubel propõe o contrário:
partir do geral para o específico (raciocínio indutivo). De qualquer forma, ambos
concordam que a finalidade desse processo é o desenvolvimento de esquemas
mentais.

A exposição A preparação do ambiente (contexto) onde ocorre a aprendizagem


a variadas também é um fator importante, pois a exposição a variadas
experiências
experiências permite ao aprendiz construir esquemas mentais cada
permite ao aprendiz
construir esquemas vez mais abrangentes que, por sua vez, permitem a identificação e a
mentais cada vez classificação de novas informações de modo mais eficiente.
mais abrangentes
que, por sua Desta forma, a opinião do aprendiz sobre o que está estudando
vez, permitem a (alicerçada em suas observações) e o modo como desenvolve
identificação e a
explicações coerentes com suas opiniões devem ser encorajados para
classificação de
novas informações que o mesmo possa se auto-organizar.
de modo mais
eficiente. Outro fato importante na pauta de procedimentos educativos
construtivistas é a necessidade de que os currículos disciplinares
A opinião do
possam rever conteúdos já aprendidos em contextos diferentes, de
aprendiz sobre o
que está estudando modo a favorecer a transferência do conhecimento, ou seja, a favorecer
(alicerçada em que você, de modo coerente, utilize em outro contexto a aprendizagem
suas observações) adquirida. Exemplificando, você já teve contatos anteriores com
e o modo como controles remotos de vários aparelhos eletrodomésticos e, ao se
desenvolve deparar com um novo aparelho e seu controle remoto é bem provável
explicações
que não precise ler o manual de instruções para saber como utilizá-lo.
coerentes com suas
opiniões devem ser Você recordará os conhecimentos adquiridos em outra situação e por
encorajados para analogia, os utilizará para manejar o novo aparelho.
que o mesmo possa
se auto-organizar. Crucial no processo de aprendizagem é a necessidade de o
aprendiz se tornar cada vez mais responsável pela sua educação à
medida que seu próprio conhecimento aumenta.

A metodologia de resolução de problemas é a técnica educacional por


excelência que encarna os objetivos de aprendizagem construcionista, pois
pressupõe que existe uma (ou mais) solução provável para uma tarefa e
considera que o aprendiz precisa aprender a se organizar para resolvê-la. Nesta

66
Aprendizagem: Conceitos, Perspectivas e
Capítulo 3 Implicações no Processo de Ensino

tarefa, ele parte de algumas regras básicas pré-estabelecidas e tenta chegar


a um objetivo conhecido. Durante o processo de resolução, o aprendiz precisa
buscar seus conhecimentos já adquiridos, fazer analogias, utilizar de estratégias e
tomar decisões. Estas são as tarefas básicas de (re)construção das informações
aprendidas.

Para refletir: Com qual dos dois modelos você considera que a
Educação a Distância está mais afinada?

c) Existem Convergências entre estes dois grandes grupos Teóricos?

Cada uma dessas grandes vertentes teóricas tem suas diferenças,


porém partilham algumas características comuns. Hulse (1996) comenta que,
em ambas as tendências teóricas, a relação entre os estímulos (incluindo o
ambiente e consequência das respostas) e a resposta é complexa e que só uma
análise minuciosa é capaz de estabelecer sua regulação. Logo, a observação
das interações entre sujeitos e seu contexto é fundamental para entender a
aprendizagem.

Também é comum entre as abordagens associacionista e construtivista a


necessidade de identificar os estímulos relevantes para a aprendizagem a fim
de permitir um controle sobre a mesma. Afinal, os métodos derivados dessas
abordagens não visam banir os currículos escolares, mas adaptá-los para permitir
o sucesso acadêmico e a construção de conhecimentos. Essa adaptação passa,
sobretudo, pelo rearranjo das condições de aprendizagem (meios, contextos) com
o objetivo de facilitar o processo de aquisição/construção do conhecimento.

Para ambas as abordagens, os aprendizes adquirem/constroem


conhecimento em diferentes ritmos. Como toda aquisição/construção é única, os
ritmos individuais devem ser respeitados. Isto se reflete, por sua vez, no arranjo
das condições de aprendizagem.

De modo geral, o associacionismo e o construtivismo concordam que a


motivação do aprendiz é parte fundamental do processo educacional. Sem eles,
não há como manter o foco no que deve ser aprendido, e outros estímulos poderão
competir com o conteúdo das atividades. Por outro lado, quando os motivadores
permanecem estáveis enquanto o comportamento/conhecimento se altera, há
uma tendência à saciação. Em outras palavras, a motivação, quando excessiva

67
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

e monótona, tende a diminuir o interesse do aprendiz. Outro efeito colateral


da motivação excessiva é a perda de foco, pois o aprendiz tende a realizar as
tarefas de modo “automatizado”, sem compreender as relações existentes entre o
contexto e sua ação.

Por fim, ambas as abordagens concordam, também, que os aprendizes


sempre devem avaliar o seu próprio desempenho e alterar seus comportamentos
ou estratégias quando for apropriado. Para tanto, precisam realizar uma leitura
adequada do contexto, de suas habilidades e das tarefas que precisam cumprir a
fim de estabelecer se os objetivos podem ser ou estão sendo cumpridos, tomando
as decisões apropriadas de correção quando necessário. Neste sentido, há
necessidade de que a instrução seja individualizada, em alguns momentos, a fim
de gerar tempo e espaço para a organização pessoal.

d) Qual a melhor Interpretação de Aprendizagem?

Para responder a esta pergunta, você deve fazer outra: O que queremos
aprender? Pozo (2002) indica que a aprendizagem é sempre o produto de uma
prática (a experiência, como estudamos anteriormente). Todavia, esta prática
pode auxiliar o desenvolvimento de uma capacidade (linguagem, andar, comer,
memória musical, por exemplo) ou, mesmo, introduzir uma nova habilidade
(dançar, fazer cálculos matemáticos, recitar versos, realizar uma tarefa técnica,
etc.). Normalmente, tendemos a chamar de aprendizagem as situações nas
quais há um instrutor e um aprendiz. São estas as situações que nos interessam
diretamente aqui.

Durante muitos anos, houve a crença, nos meios acadêmicos, de que a


prática era associada ao conhecimento. No entanto, nem sempre foi assim. A
prática executada de modo estereotipado pode levar a uma aprendizagem pobre
e pouco reflexiva (na qual é exigida a resolução de problemas, geralmente novos).
Contudo, para algumas situações, essa prática pode ser fundamental. Pense
conosco: Seria necessário você conhecer todos os mecanismos existentes no
seu automóvel (incluindo o funcionamento do motor, a combustão, as condições
de desgaste, a corrosão de pneus, o atrito, etc.) para poder dirigir o mesmo?
Seria necessário ensinar a todas as pessoas os mecanismos de ação dos
clorofluocarbonetos (CFC) sobre a atmosfera terrestre para estas mudarem seus
hábitos de uso de desodorantes, desodorizadores de ar e outros, contribuindo
para a manutenção da camada de ozônio? (Reflita: Você sabe, de fato, como
funcionam os motores e a combustão ou como esses gases interferem no
equilíbrio do meio ambiente?). No entanto, hoje, boa parte das pessoas não utiliza
mais esses produtos e continua a dirigir tranquilamente seus automóveis. É óbvio
que saber tais detalhes e refletir sobre os mesmos pode ajudar na mudança de

68
Aprendizagem: Conceitos, Perspectivas e
Capítulo 3 Implicações no Processo de Ensino

seu comportamento, mas não sabê-los também não interfere tanto assim!

De modo geral, quando o objetivo da aprendizagem implica


em tarefas repetitivas, é mais importante ser eficiente (o que não é
pouco) do que reflexivo. Por outro lado, quando as condições da tarefa
mudam frequentemente, é mais importante a resolução de problemas
e a consequente tomada de decisões (que são processos reflexivos)
do que a simples repetição de procedimentos que tende a ser ineficaz
nesses casos. Em situações distintas, somos requisitados a dar
respostas condicionadas ou a construir novas estratégias de resolução
de problemas. Ambas, então, são aprendizagens importantes dentro de
seus devidos contextos.

Podemos afirmar, deste modo, que a melhor organização da


instrução é aquela que atende aos objetivos de aprendizagem, devendo ser
levado em conta se a proposta requer métodos associacionistas, reflexivos
ou ambos, pois, como aponta Pozo (2002, p. 66), “A instrução deve se basear
num equilíbrio entre o que se tem que aprender, a forma como se aprende e as
atividades práticas planejadas para promover esta aprendizagem”.

Atividades de Estudos:

1) Como você define aprendizagem e com qual das definições


(associacionista ou construtivista) ela se adapta?
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2) Liste as diferenças entre as definições associacionista e


construtivista de aprendizagem.
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69
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

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3) As abordagens associacionista e construtivista implicam em formas


diferentes de organizar o ensino e de compreender o papel do
professor e do aprendiz. Contudo, também são coincidentes
em alguns pontos, em relação ao que é necessário para haver
aprendizagem. Escreva, no quadro a seguir, as diferenças entre
estas abordagens e aponte o que as mesmas têm em comum.

ASSOCIACIONISMO CONSTRUTIVISMO

PONTOS COMUNS

Algumas Considerações
As teorias não devem ser obstáculos ao desenvolvimento de novas ideias;
pelo contrário, devem contribuir para isso. Como vimos, teorias não são credos
religiosos nem exigem fidelidade. Seu objetivo é fazer com que o conhecimento
sobre um tema avance cada vez mais rumo a sua compreensão.

70
Aprendizagem: Conceitos, Perspectivas e
Capítulo 3 Implicações no Processo de Ensino

Foi com base neste pensamento que mostramos a você que não existe
uma boa fórmula de como ocorre a aprendizagem. Na realidade, tudo depende
sempre do para que, em que condições e para quem ela é direcionada. Desta
feita, os métodos de ensino devem ser ajustados aos objetivos que pretendem.
As teorias nos ajudarão a tomar esta decisão apontando as forças e as fraquezas
desta ou daquela compreensão, e o mais importante, nos ajudando a esclarecer
seus pontos de contato, ampliando sua abrangência e nos auxiliando a formular
processos de ensino e aprendizagem mais adequados, produtivos e eficientes.

Referências
BEE, Helen. O ciclo vital. Porto Alegre: ArtMed, 2000.

BRUNER, Jerome. Sobre a teoria da instrução. São Paulo: Phorte, 2006.

CATANIA, A. Charles. Aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.

FONTANA, David. Psicologia para professores. São Paulo: Loyola, 1998.

HULSE, Stephen F. Learning theories: something for everyone. In: DOWD,


Steven B. (Org.). Teaching techniques in the radiologic sciences: a selection
of Teaching Techniques columns published in Radiologic technology, 1988-1996.
New York: American Society of Radiologic Technologists, 1996.

LEFRANÇOIS, Guy R. Teorias da aprendizagem. São Paulo: Cengage


Learning, 2008.

LONDON, Manuel; POLZER, Jeffrey T.; OMOREGIE, Heather. Interpersonal


congruence, transactive memory, and feedback processes: an integrative model
of group learning. Human Resource Development Review, vol. 4, nº 2, p. 114-
135, 2005.

POZO, Juan I. Aprendizes e mestres: a nova cultura da aprendizagem. Porto


Alegre: Artes Médicas, 2002.

______. Teorias cognitivas da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas,


1998.

TARPY, Roger M. Aprendizaje: teoría e investigación contemporáneas. Madrid:


McGraw-Hill, 1997.

71
C APÍTULO 4
Variáveis Psicológicas e
Neurobiológicas Determinantes do
Processo de Aprendizagem

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Explicar as relações entre a aprendizagem e os processos de atenção, memória,


emoções, motivação, linguagem, pensamento, inteligência e criatividade.

� Apontar as principais contribuições das neurociências cognitivas para a


compreensão do processo de aprendizagem e de desenvolvimento.

� Examinar o papel dos processos básicos estudados nas situações de


aprendizagem..

� Analisar as contribuições das neurociências cognitivas para o processo ensino-


aprendizagem.
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

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Variáveis Psicológicas e Neurobiológicas Determinantes
Capítulo 4
do Processo de Aprendizagem

Contextualização
Sempre que você aprende algo, vários outros processos ocorrem ao mesmo
tempo. Resumidamente, quando você está lendo esta informação, sua visão envia
informações luminosas para seu cérebro (sensação), que as transforma em letras,
cujo significado você já havia aprendido antes e se encontra em sua memória. As
informações da memória ativam outras áreas do cérebro e transformam aquelas
manchas no papel em letras, as letras em palavras, as palavras em frases e,
assim, em um discurso. Logo, a aprendizagem que você já possui (das palavras
e de seus significados) transforma as páginas, as letras e as palavras em um
texto (neste caso, o caderno de estudos que você tem em mãos). Para que você
possa ler (o que está fazendo agora), é necessário manter a atenção (foco) no
material, no significado, para poder interpretá-lo de modo coerente. Sua atenção
está sendo mantida pela necessidade de completar este curso e passar para a
próxima disciplina ou por seu interesse nos temas que aqui são tratados ou por
ambos. Enquanto você lê, repete para si mesmo, de modo subvocal, as palavras,
o que ajuda a entender o significado das mesmas. Se você ler uma palavra errada,
será assim que a interpretará. Graças a sua capacidade de linguagem, você pode
executar essas tarefas.

Ainda lendo, você precisa usar suas capacidades de raciocínio para avaliar
se as informações que recebe são lógicas ou não, se você está compreendendo
de modo correto aonde quer chegar com essas palavras e sequências de frases.

Nestas poucas palavras, listamos um grande número de fenômenos Atenção, percepção,


memória, motivação,
psicológicos: atenção, percepção, memória, motivação, linguagem,
linguagem,
pensamento e inteligência. Todos são importantes no processo de pensamento e
aprendizagem, e podemos incluir outros, como a emoção. inteligência. Todos
são importantes
A capacidade de aprender também depende do estilo cognitivo no processo de
do aprendiz, da disponibilidade e da qualidade dos reforços incluídos aprendizagem, e
podemos incluir
nesse processo, do acompanhamento e das correções realizadas ao
outros, como a
longo da tarefa, do papel assumido pelo aprendiz (ativo ou passivo), emoção.
das habilidades metacognitivas, do contexto social onde se dá a
aprendizagem e da habilidade de transferir o conteúdo para outras situações.

Em outra frente, as neurociências têm lançado luz sobre os mecanismos


cerebrais que garantem o processo de aprender e nos auxiliado a compreender
como nossas práticas educativas podem ajudar a construir o próprio cérebro.

Neste capítulo, estudaremos as relações entre alguns processos psicológicos


básicos (memória, percepção, atenção, motivação, resolução de problemas),

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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

as condições contextuais (pessoais e sociais) e a contribuição dos estudos


neurocientíficos para o entendimento do processo de aprendizagem.

O que acontece quando você está aprendendo alguma coisa?

A aprendizagem enquanto processo, como vimos no capítulo anterior,


depende de um grande conjunto de capacidades e de contextos para que possa
ocorrer. Memória, motivação, capacidades sensoriais e perceptivas, inteligência e
criatividade, além de ambientes ricos, estimulantes e reforçadores são condições
elementares para a aprendizagem.

Faremos uma pequena revisão sobre estes processos e como eles


contribuem para o processo de aprendizagem. Especificamente detalharemos
as contribuições dos processos atencionais (atenção), os estilos cognitivos/
de aprendizagem, a importância do reforçamento/feedback, o lócus de controle
e o papel da percepção, da memória, das estratégias metacognitivas, da
motivação e da resolução de problemas. Por fim, discorreremos brevemente
sobre as contribuições da neurobiologia para a compreensão do processo de
aprendizagem.

Atenção
Por atenção designamos o processo de direcionamento da consciência
(focar, se concentrar). A atenção está diretamente ligada à capacidade de adquirir
informações do meio e de si mesmo, e falhas no seu processamento levam,
fatalmente, à perda ou à limitação da capacidade de aprender, como
A atenção está
diretamente ligada nos casos de lesões cerebrais, ansiedade e transtorno de déficit de
à capacidade de atenção e hiperatividade (TDAH).
adquirir informações
do meio e de si A atenção pode ser classificada em voluntária (prestar atenção em
mesmo, e falhas no algo) ou involuntária (um barulho forte no outro cômodo da casa que lhe
seu processamento
“roubou” a atenção no que estava fazendo). Ambas são necessárias e,
levam, fatalmente, à
perda ou à limitação juntas, compõem o sistema de alerta do organismo frente aos desafios
da capacidade de do ambiente.
aprender.
A capacidade de manutenção da atenção e o poder de foco
aumentam à medida que a criança cresce. Neste processo de desenvolvimento
da atenção, nossos interesses são importantes, pois, ao longo da vida, nossa
aprendizagem define, pelo menos no que concerne à atenção seletiva, o que é ou
não importante. De modo geral, quanto maior o nível de desenvolvimento cognitivo
da criança, maior é sua capacidade para focar os aspectos mais relevantes de
uma informação.

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Variáveis Psicológicas e Neurobiológicas Determinantes
Capítulo 4
do Processo de Aprendizagem

Limitações nesta capacidade levam, necessariamente, a prejuízos no nível


da memória e no da aprendizagem. Algumas dessas limitações podem ser
provocadas organicamente, como no caso do transtorno de déficit de atenção
e hiperatividade, por exemplo. Outras podem ser resultado de disfunções
emocionais, como a depressão e a ansiedade. Contudo, não abordaremos, nesta
disciplina, as patologias deste ou de outros processos, uma vez que os mesmos
serão mais bem esclarecidos em disciplinas específicas.

Estilos Cognitivos / Estilos de


Aprendizagem
Falamos, no capítulo anterior, sobre as definições de aprendizagem, mas não
sobre como as pessoas preferem aprender. Pesquisas sobre tomada de decisões
(o modo como as pessoas definem o que farão) e resolução de problemas (as
estratégias usadas para chegar à solução de um problema) mostram que, de
modo geral, as pessoas preferem usar estratégias habituais de pensamento
e de rememoração de informações (ANDERSON, 2002; EYSENCK; KEANE,
2006; MATLIN, 2004). Estas estratégias habituais, por sua vez, são dependentes
das condições sociais e biológicas e pelas experiências da pessoa e refletirão
diretamente na sua personalidade (PITTA et al., 2000). Apesar das discussões
entre os autores da área, os estilos cognitivos geralmente são apresentados em
dimensões dicotômicas:

Verbal X Imaginativo, Campo Independente X Campo


Dependente, Holista X Serialista, Associação Remota X
Diferenciação, Impulsividade de Resposta X Reflexividade,
Concreto X Abstrato, Convergência de Pensamento X
Divergência, etc. (PITTA et al., 2000, p. 41).

Bariani (1998, p. 42-44) define operacionalmente quatro destas dimensões


dicotômicas.

Dependência-Independência de Campo

Dependência de campo: indivíduos com campo dependente


contam com uma estrutura externa de referência e assim preferem
conteúdo e seqüência previamente organizados; requerem mais
reforçamento extrínseco. São hábeis em situações que demandam
de percepção pessoal e habilidades interpessoais; preferem uma
interação professor-aluno mais informal e gostam de aprender em

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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

grupo, porém relutam em dar feedback crítico.


Independência de campo – as pessoas com campo
independente contam com uma estrutura interna de referência,
preferindo envolver-se na organização e seqüenciação de conteúdos;
respondem a reforçamento intrínseco. Saem–se melhor em situações
que requerem uma análise impessoal; facilmente corrigem o outro
e expõem porque erraram; preocupam-se mais com o conteúdo
do que com a interação professor-aluno e preferem aprender
independentemente e individualizadamente.

Impulsividade- Reflexividade de Resposta

Impulsividade – pessoas impulsivas detêm-se pouco em


ponderação e organização prévia a uma resposta.

Reflexividade – as pessoas cujos pensamentos são mais


organizados, seqüenciados e que fazem ponderação prévia a uma
reposta são consideradas reflexivas.

Convergência-Divergência de Pensamento

Convergência – [...] identifica-se com pensamento lógico, com


raciocínio. As pessoas com pensamento convergente são hábeis
em problemas que requerem uma clara resposta convencional (uma
informação correta), a partir das informações fornecidas. Preferem
problemas formais e tarefas melhor estruturadas que demandam
mais as habilidades lógicas. São inibidas emocionalmente, sendo
identificadas como mais conformistas, disciplinadas e conservadoras.

Divergência - é associada à criatividade, a respostas


imaginativas, originais e fluentes. São os indivíduos que preferem
problemas menos estruturados, que preferem tratar de problemas
que demandam a generalização de várias respostas igualmente
aceitáveis, em que a ênfase é na quantidade, variedade e
originalidade das respostas. Socialmente são considerados como
irritados, disruptivos e, até, ameaçadores.

Holista-Serialista

Holista – os indivíduos holistas dão mais ênfase ao contexto


global desde o início de uma tarefa; preferem examinar uma grande
quantidade de dados, buscando padrões e relações entre eles. Usam
hipóteses mais complexas às quais combinam diversos dados.

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Variáveis Psicológicas e Neurobiológicas Determinantes
Capítulo 4
do Processo de Aprendizagem

Serialista – [...] dão maior ênfase aos tópicos separados e a


seqüências lógicas, buscando, posteriormente, padrões e relações
no processo para confirmar ou não suas hipóteses. Assim, usam
hipóteses mais simples e uma abordagem lógico-linear (de uma
hipótese para outra, passo a passo).

Os estilos cognitivos variam de indivíduo para indivíduo e estão Há evidências


de que alguns
diretamente relacionados ao modo como as pessoas se organizam para
estilos podem ser
aprender e se comportar socialmente. Logo, podem predizer a trajetória encontrados de
educacional das pessoas (BARIANI, 1998). Também há evidências de forma combinada
que alguns estilos podem ser encontrados de forma combinada nas nas pessoas. Por
pessoas. Por exemplo, indivíduos mais impulsivos podem, também, exemplo, indivíduos
ser mais criativos (BARIANI, 1998; PITTA et al., 2000). Pergunte a você mais impulsivos
mesmo(a): “Como prefiro que a informação seja organizada para que podem, também, ser
mais criativos.
eu possa aprender melhor?”; “Como abordo a informação para tirar o
máximo proveito dela?” Perguntando de outro modo: “Uma vez que a informação
está a minha disposição, como estudo? Por onde começo? Faço leituras rápidas e
lentas? Faço apenas uma leitura lenta? Faço anotações? Esquemas? Procrastino,
ou seja, deixo para a última hora? Estudo apenas quando necessário? Todas
estas questões permeiam o modo como as pessoas preferem estudar e, para o
nosso tema de foco, aprender.

A importância de conhecer os estilos cognitivos do aprendiz (seja ele o outro


ou nós mesmos) é fundamental para poder intervir no processo de aprendizagem,
uma vez que eles ditam o modo como nós agimos diante do ato de aprender.
Intervenções nesta área têm demonstrado resultados positivos em relação ao
aumento da eficiência da aprendizagem acadêmica (BARIANI, 1998; PITTA et al.,
2000).

Reforçamento/Feedback
Quando fazemos uma tarefa qualquer, é importante saber se O reforçamento
ou feedback pode
estamos no caminho certo a fim de corrigirmos o que está incorreto
ocorrer ao fim da
ou melhorarmos ainda mais nosso desempenho. Tal correção pode vir tarefa ou durante
na forma de sugestões, de elogios, do prazer de ver a tarefa cumprida a execução da
de modo eficiente, etc. O feedback pode ser dado por outra pessoa, mesma.
como nos processos de orientação direta do aprendiz, ou pode ser
autoadministrado, quando a pessoa avalia sua produção comparando os
resultados obtidos até o momento com seus objetivos, como ocorre, por exemplo,
na Educação a Distância. Se essa ação auxilia na melhora da resposta do

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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

aprendiz, a chamamos de reforço ou feedback (LEFRANÇOIS, 2008). O reforço


tende a aumentar a frequência desta resposta que poderá ser generalizada para
outras situações, desde que assim sinalizada: desde que o aprendiz aprenda
que é possível ou que deve fazê-lo. O reforçamento ou feedback pode ocorrer ao
fim da tarefa ou durante a execução da mesma, quando a resposta/habilidade/
competência a ser adquirida exige um processo de aprendizagem em etapas.

Sempre que falamos em reforçamento, não podemos deixar de levar


em conta o valor do mesmo para o aprendiz. Diferentes indivíduos podem ser
reforçados por coisas diferentes (MOREIRA; MEDEIROS, 2007). Situações
diferentes também podem mudar o valor de um reforço. Em casa, entre familiares,
determinadas ações podem ser reforçadas, mas, em outros ambientes, podem
mesmo serem punidas (contar piadas, falar a verdade, agir de modo agressivo,
etc.).

Além disso, o fato de ter sido eficiente algumas vezes não significa que o
será reforçador sempre, principalmente quando compete com outros reforços
importantes. Um exemplo: cada vez que você participa, em sala de aula, de
modo correto, pode receber um reforço verbal (um elogio ou um consentimento
do professor, afirmando seu discurso). Porém, junto a isto, vem um certo
constrangimento dos colegas de classe que passam a excluí-lo(a) do grupo. É
possível que o que tenha sido reforçador (o elogio diante do comportamento de se
expor, falando) possa diminuir em frequência, pois perder o grupo de identidade
pode ser mais punidor do que a força do reforço.

Então, antes de iniciar qualquer processo de reforçamento/feedback, é preciso


levantar quais os reforçadores importantes e que podem ser disponibilizados ao
aprendiz, de modo que, quando utilizados, possam ser eficientes na mudança do
comportamento.

Reforçamento e feedback adequados durante o processo de ensino tendem


a aumentar a autoeficácia (o quanto você se considera eficiente) do aprendiz,
melhorando sua autoestima e motivação diante das tarefas de aprendizagem
(RIBEIRO, 2000) .

Lócus de Controle
Como abordamos no item anterior, o reforço tem um papel fundamental no
processo de motivação, uma vez que sinaliza para o aprendiz que ele procedeu de
modo correto. Portanto, quando o sujeito percebe que realiza de modo adequado
a tarefa, tende a se interessar mais pela mesma. Deste modo, a tarefa não lhe

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Variáveis Psicológicas e Neurobiológicas Determinantes
Capítulo 4
do Processo de Aprendizagem

parece ameaçadora (como estudar pode parecer para muitas pessoas) e ele pode
exercer seu controle sobre a mesma. Essa percepção de controle favorece uma
ação ativa no processo educativo. De posse do controle da situação, o sujeito pode
direcionar seu comportamento de modo a buscar eficientemente os reforçadores.

No processo educativo, essa postura é traduzida em aprendizes Esta postura ativa


dinâmicos, cônscios de suas obrigações e responsabilidades e que, no processo de
geralmente, vão além das expectativas de seus mestres. Buscam aprendizagem (seja
ativamente o conhecimento e se auto-organizam com mais facilidade ela em que instância
para as tarefas a serem cumpridas (RIBEIRO, 2000). ocorra) é chamada
de lócus de controle
interno. Já a postura
Por outro lado, quando o sujeito percebe que suas ações e
passiva, traduzida
esforços não modificam a situação, tendem a perder o interesse pelas pelo distanciamento
mesmas, ficando passivos no processo e realizando, quando muito, o do processo, é
indispensável para poder “se livrar” da tarefa. Na escola, são os alunos chamada de lócus
que procuram, na maioria das vezes, usar a decoreba como prática de controle externo.
eficiente, pouco comprometida e sem muita elaboração, porque é este o
papel que os professores lhes impõem.

Esta postura ativa no processo de aprendizagem (seja ela em que instância


ocorra) é chamada de lócus de controle interno. Já a postura passiva, traduzida
pelo distanciamento do processo, é chamada de lócus de controle externo.

Loci (plural de lócus) de controle podem ser compreendidos como as atitudes


das pessoas em relação ao controle percebido das suas ações, ou seja, se ESTOU
NO CONTROLE (lócus interno) ou se ESTOU SOB CONTROLE (lócus externo).
A postura que a pessoa assume (interna ou externa) é fundamental na formação
dos seus modelos mentais (ou percepção) sobre a sua condição no processo
educativo e, por esse motivo, influencia diretamente o processo de aprendizagem.

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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

Modelos Mentais (Percepção)


Observe a figura que segue:

Figura 1 – Pato ou coelho?

Fonte: Disponível em: <http://tribuenas.blogspot.com/2007_10_01_


archive.html>. Acesso em: 15 fev. 2009.

O que você vê? Um pato? Um coelho? São os dois ao mesmo tempo? O que
você viu primeiro?

Quando você vê uma figura não apenas recebe a informação visual:


seu cérebro reúne todas as informações relevantes e compara com todas as
possibilidades que você já experienciou. Por fim, você decide pela forma mais
adequada e toma uma decisão: “É um...”.

Como você pode notar, a percepção que temos está intimamente ligada
à nossa experiência (ou à falta dela), ao entrar em contato com um objeto,
situação, pessoa, etc. Nossa percepção também define o modo como avaliamos
essas coisas (objeto, situação, pessoa, etc.) e, por isso, afeta diretamente nossa
resolução de problemas e tomada de decisão (COON, 2005; LLERA, 1996). A
percepção pode definir o afeto apropriado para a cena e mesmo a motivação da
pessoa que percebe. Deste modo, podemos afirmar que as percepções, ou os
mapas mentais, são as representações da realidade que as pessoas utilizam para
entender o mundo a sua volta e a si mesmas.

As percepções que formamos, ao influenciarem nossos sistemas decisórios,


permitem certo poder de previsibilidade e explicação quanto às interações e nos
ajudam a controlar o mundo a nossa volta.

Deste modo, não vemos, necessariamente, o mundo como é, e sim como


“achamos” que é. Nossas percepções, em sua maioria, nos ajudam a nos mover
no mundo. Contudo, em algumas situações, podem interferir no escrutínio mais

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Variáveis Psicológicas e Neurobiológicas Determinantes
Capítulo 4
do Processo de Aprendizagem

minucioso de uma situação. Se você dirige automóveis com frequência, Basicamente, se


por exemplo, já deve ter percebido que, quando segue um trajeto já percebemos a
conhecido, muitas vezes não se dá conta do que ocorreu no caminho, escola e o processo
pois não estava prestando muita atenção no que acontecia fora dos educacional
seus pensamentos. É estranha sensação (mais uma constatação) do como algo bom,
“Já estou aqui? Que coisa?”. Pergunte a outros motoristas e você vai tendemos a nos
comportar de forma
notar que é um fenômeno comum.
positiva em relação
a eles. Porém,
Mas como a percepção afetaria a processo de aprendizagem? De se a percepção
duas formas: 1) o próprio processo de percepção é sustentado pela é negativa, os
aprendizagem (perceber é interpretar, com base em conhecimento interpretaremos
prévio); 2) a aprendizagem, por sua vez, é afetada pelo modo como como ameaçadores
ou entediantes e
interpretamos as coisas. Basicamente, se percebemos a escola e o
julgaremos tudo que
processo educacional como algo bom, tendemos a nos comportar de o vem de lá como
forma positiva em relação a eles. Porém, se a percepção é negativa, os sendo desagradável,
interpretaremos como ameaçadores ou entediantes e julgaremos tudo chato.
que o vem de lá como sendo desagradável, chato.

Para muitas pessoas, por exemplo, Matemática é uma disciplina com a qual
elas não têm afinidade. Quando lhes é apresentado algo, como uma equação,
um problema algébrico ou, mesmo, uma simples operação matemática básica,
elas torcem o nariz, franzem a testa e afirmam: “Matemática não é comigo!”.
Fazem isto, mesmo sem primeiro tentar analisar o problema (e que muitas vezes
sabem resolver). O medo de falhar é iminente e inibe sua ação de resolução.
Isto significa que seu julgamento está sendo guiado pela sua experiência anterior
com Matemática em um contexto específico (escola). Porém, essas pessoas não
discriminam que seu problema com matemática possa ter sido gerado por outros
fatores que não sua “inabilidade” para tal.

Memória Logo, o indivíduo


aprendeu, porque
Geralmente, quando pensamos em uma definição de aprendizagem, manifesta a ação,
é quase impossível separá-la de memória, pois só há garantia de que a habilidade,
houve aprendizagem se um comportamento (ou sua frequência ou, a competência
ainda, sua probabilidade de ocorrência) é modificado. Logo, o indivíduo adquirida antes, ou
seja, ele se lembra
aprendeu, porque manifesta a ação, a habilidade, a competência
do que fazer, de
adquirida antes, ou seja, ele se lembra do que fazer, de como proceder como proceder ou
ou de que informação é importante. de que informação é
importante.
Apesar de inseparáveis em termos operacionais, são processos
básicos distintos. Podemos definir memória como o processo de aquisição,

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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

decodificação, armazenamento e evocação das experiências. Isto significa que


a memória envolve várias ações complexas: 1) aquisição: por meio dos órgãos
sensoriais, mas filtradas pela nossa atenção e percepção, 2) decodificação: as
informações adquiridas são processadas (analisadas) por nossa aprendizagem
anterior e codificadas analógica (imageticamente) ou proposicionalmente
(linguagem), 3) armazenamento: as informações passam a fazer parte do nosso
repertório de informações (nas redes neurais cerebrais) e podem permanecer lá por
segundos ou anos; 4) evocação: lembrar-se das informações ou buscar entre as
memórias armazenadas aquelas que estão sendo utilizadas no momento (COON,
2005; IZQUIERDO, 1999; LEFRANÇOIS, 2008).

Por imagético não estamos nos referindo apenas a imagens


visuais. Tecnicamente, na área de psicologia cognitiva, imagem é
todo o percepto (unidade perceptiva) e pode ser visual, auditiva, tátil,
gustativa, olfativa, vestibular (dos órgãos do equilíbrio) e nociceptiva
(dor) (MATLIN, 2004).

Nossa memória não funciona como um filme. Mais e mais evidências somam-
se nos mostrando que ela se parece mais com um amontoado de anotações
com as quais tentamos refazer as histórias (MYERS, 1999). Cada vez que nos
recordamos do passado, não vamos buscar a informação incólume. Ela sofreu
várias alterações de conteúdo (acréscimos e decréscimos) à medida que novas
informações se sobrepuseram (experiências semelhantes ou próximas, não só
em relação a conteúdo, mas também ao significado) (SCHACTER, 2003). Desta
forma, dizemos que a memória é sempre um processo de reconstrução ATIVA do
conhecimento pré-existente.

A memória pode ser classificada em relação ao tempo e ao conteúdo


armazenado. Quanto ao tempo, pode ser classificada em memória de curto prazo
(para muitos autores também é chamada de memória de trabalho) e de longo
prazo. A memória de curto prazo (ou de trabalho) dura de segundos a minutos,
aproximadamente de 3-4 segundos a 30 minutos. É limitada quanto à quantidade
de informações capazes de serem adquiridas e é facilmente corrompida (lembre-
se da situação de ser apresentado a várias pessoas diferentes e com nomes
similares... ao final das apresentações, você já deve ter se esquecido do nome
das primeiras).

Exatamente por ser limitada e durar pouco, várias informações que


acompanham a experiência são perdidas no processamento (é por isso que muitas

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Variáveis Psicológicas e Neurobiológicas Determinantes
Capítulo 4
do Processo de Aprendizagem

vezes você se lembra de que já leu algo parecido em algum lugar, mas Se nossa memória
não se lembra de onde, quem e nem quando). O que chegou à memória de curto prazo
de longo prazo (que pode durar de 30 minutos a toda a vida) já foi filtrado (trabalho) é limitada,
na memória de curto prazo e, por esta razão, só conteúdos específicos esta limitação
(ditos também de significativos) passaram a fazer parte deste arquivo deveria ser levada
“mais” permanente. Por exemplo, você deve ter algumas lembranças em consideração
nos planejamentos
das quais não sabe se são suas mesmo, se viu em um filme, se alguém
de ensino, pois
lhe contou ou sonhou. Tal fato ocorre, porque normalmente os detalhes grandes quantidades
da informação são acessórios ao principal (seu significado) e, como as de informações
outras experiências de nossa vida, vão sendo sobrepostas a estas, e os deveriam ser
conteúdos mais gerais (seu valor emocional, seu contexto) é que são divididas em
lembrados. Este modo de funcionar de nossa memória tem implicações partes menores
e sequenciadas
diretas e muito sérias sobre o processo de aprendizagem. Primeiro,
de modo que
se nossa memória de curto prazo (trabalho) é limitada, esta limitação a aquisição
deveria ser levada em consideração nos planejamentos de ensino, pois dos conteúdos
grandes quantidades de informações deveriam ser divididas em partes significativos de fato
menores e sequenciadas de modo que a aquisição dos conteúdos possa ocorrer.
significativos de fato possa ocorrer. Do contrário, não há garantias
de que haja compreensão das informações. Segundo, essas informações são
relevantes, também, para a auto-organização durante os estudos. Dividir o
conteúdo em “porções” menores e o tempo de estudo em mais dias (revendo com
mais frequência, e não apenas antes das provas) favorece a formação eficiente
de memória de longo prazo. Terceiro, como a memória de longo prazo é sempre
associada a outras experiências, uma forma de facilitar o processo seria combinar
o novo conteúdo com aquele que já é bem conhecido. Ao lembrar o conteúdo
antigo, é mais fácil lembrar o novo (MYERS, 1999). Quarto, quanto maior o tempo
de prática, mais fácil lembrar um conteúdo específico. Como já apontou Sêneca
no século I de nossa era, “A mente é lenta para desaprender o que levou muito
tempo para aprender” (MYERS, 1999). Isso é o que chamamos de efeito do
espaçamento (MATLIN, 2004; MYERS, 1999).

Quanto ao conteúdo armazenado, a memória pode ser classificada em


explícita ou declarativa e implícita ou de procedimento. A explícita ou declarativa é
formada por todos os conteúdos que podem ser trazidos à consciência e envolve
as memórias episódicas (de eventos, como o que você estava fazendo antes de
iniciar a leitura deste capítulo), as semânticas (dos significados das palavras) e as
autobiográficas (da sua história pessoal – qual o seu nome, o de seus pais, onde
morou, seus melhores amigos, universidade em que estudou, etc.). Já a memória
implícita ou de procedimentos está diretamente ligada às nossas habilidades
motoras, nossos modos preferenciais de resolver problemas, nossas respostas
emocionais, localização espacial, faces conhecidas.

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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

Mesmo sendo distintas em relação ao seu funcionamento neural, as memórias


declarativas e de procedimentos formam nossa experiência fenomenológica total,
pois, ao me lembrar, por exemplo, de minha escola, me recordo, também, das
emoções experimentadas (e talvez até possa senti-las, como o não gostar que
me chamassem por apelidos), do rosto de alguns colegas, das brincadeiras e dos
nomes de algumas pessoas, de algumas cenas específicas, de algumas matérias
e de alguns professores.

Assim sendo, as aprendizagens que realizamos se dão “tudo ao mesmo


tempo, agora” (como já cantou Arnaldo Antunes nos Titãs... que boas lembranças!).
Vários conteúdos são aprendidos concomitantemente àquele que pretendemos
ensinar e é bem provável que sejam recuperados também conjuntamente. Isto
quer dizer que o planejamento do processo de ensino deve levar em conta
outros aspectos presentes no contexto de aprendizagem, pois certamente eles
interferirão no como estas informações serão recuperadas. São clássicas as
situações de ansiedade relativas ao momento de avaliação devido à história da
pessoa em relação a esses eventos. Nesses momentos, seu desempenho pode
ser profundamente afetado tanto pelos êxitos quanto pelas frustrações. Os êxitos,
enquanto reforçadores, reafirmam a autoeficácia e diminuem o impacto negativo
da avaliação, como a ansiedade, e melhoram o uso da memória. As frustrações,
como carrascos, diminuem a confiança no conhecimento adquirido, reativam
percepções de futuro desastrosas e impedem a recuperação das informações ou
de seu uso eficaz.

Metacognição
Apesar de ser relativamente recente como objeto de pesquisa, a metacognição
tem demonstrado ser um tema de profundo interesse na compreensão dos
mecanismos de auto-regulação das capacidades cognitivas (aprendizagem,
percepção, memória e inteligência) devido ao seu impacto positivo na melhora do
desempenho de estudantes em relação as suas habilidades acadêmicas.

Matlin (2004) define metacognição como o conhecimento das próprias


capacidades cognitivas ou qualquer coisa relacionada a elas, como os requisitos
para se organizar no tempo e espaço a fim de tirar o melhor proveito de suas
habilidades. Está diretamente relacionada à monitoração ativa e regulação do
processo cognitivo (DAVIS; NUNES; NUNES, 2005).

Resultados de pesquisa têm apontado que o uso de estratégias


metacognitivas está relacionado positivamente à performance acadêmica
(RIBEIRO, 2003), conforme aponta a autora:

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Variáveis Psicológicas e Neurobiológicas Determinantes
Capítulo 4
do Processo de Aprendizagem

[...] a metacognição exerce influência em áreas fundamentais


da aprendizagem escolar, tais como, na comunicação e
compreensão oral e escrita e na resolução de problemas,
constituindo assim, um elemento chave no processo de
aprender a aprender (VALENTE, SALEMA; MORAIS; CRUZ,
1989 apud Ribeiro, 2003, p.110).

Como se trata de um processo consciente, a pessoa precisa aprender


a utilizar sua capacidade metacognitiva, e isto se dá por meio do pensamento
reflexivo (pensar sobre seus próprios pensamentos) (MATLIN, 2004; RIBEIRO,
2003). Deste modo, o processo metacognitivo, apesar de depender do próprio
processamento cognitivo pré-existente (e, em parte, da maturação do sistema
nervoso), depende de aprendizagem para ser executado. Em outras palavras,
pensar sobre como se aprende não é uma habilidade natural do ser humano: é
necessário aprendê-la para utilizá-la. É comparável à habilidade de dançar, apesar
de depender da capacidade de movimentos já existentes nos seres humanos: ela
vai além do simples movimento de deslocação no espaço e implica em sequências
motoras monitoradas e organizadas a partir da música ouvida.

A capacidade metacognitiva parece depender fundamentalmente do sistema


nervoso central, mais especificamente do funcionamento do córtex frontal, que
é o centro executivo cerebral, ou melhor, a região cortical que regula e organiza
o comportamento. Por isso, o desenvolvimento desta área tem a ver com o da
metacognição e deve estar presente e passível de ser aprendida tão logo esta
região esteja preparada para receber novas ligações. Ribeiro (2003) aponta que
a capacidade metacognitiva pode estar presente em idade tão tenra quanto 7
anos (COSTA, 1984 apud RIBEIRO, 2003), mas a maioria dos dados apontam a
adolescência como fase do ciclo vital de desenvolvimento em que esta capacidade
é plenamente capaz de ser aprendida.

Outra característica importante citada por Ribeiro (2003) é que a aptidão


metacognitiva não ocorre toda de uma só vez, isto é, ao longo do desenvolvimento,
determinadas aptidões importantes, como a exposição a situações de
aprendizagem em que sejam requeridas aptidões metacognitivas (dos pais, dos
professores, etc.), fornecem estruturas de apoio (scaffolding) para que essas
mesmas aptidões sejam aprendidas pelos aprendizes. Neste sentido, a exposição
social a situações de resolução de problemas parece sensibilizar a pessoa para
o autoquestionamento e para a necessidade de melhorar suas estratégias de
monitoramento e de organização das habilidades de raciocínio (RIBEIRO, 2003).
Como consequência dessa exposição e desenvolvimento da metacognição, a
pessoa aprende com os outros a fazer sua própria organização.

87
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

Resolver problemas requer o uso de estratégias, reflexões e


tomada de decisão, a respeito dos passos a serem seguidos,
que não são solicitadas pelos exercícios. Envolve raciocinar
percorrendo diferentes etapas, as quais vão desde a
identificação do problema, de sua natureza e da melhor forma
de representá-lo mentalmente, passando pela construção de
estratégias, pela organização das informações disponíveis
e pela alocação dos recursos necessários e do tempo
disponível, até o monitoramento desse processo e a avaliação
dos resultados conseguidos (DAVIS; NUNES; NUNES, 2005,
p. 213).

Por ser uma capacidade aprendida e dependente da capacidade


executiva cerebral, é possível imaginar que a estimulação específica para o
seu desenvolvimento seja proveniente de situações nas quais sejam exigidas
novas estratégias para resolução de problemas. Desta forma, os jogos cognitivos
devidamente orientados também se mostram como eficientes estratégias para o
desenvolvimento de aptidões metacognitivas (DAVIS; NUNES; NUNES, 2005). Os
jogos cognitivos oferecem oportunidade para a prática não só das habilidades
cognitivas quanto das metacognitivas e, como é uma prática lúdica, aumenta a
motivação do aprendiz para a execução das tarefas.

Jogos cognitivos são aqueles que exigem mais habilidades de


atenção, raciocínio e tomada de decisão do que habilidades físicas
ou acaso (sorte). Jogos de tabuleiro, como xadrez, damas, go,
mancalas, banco imobiliário, jogos de memória são exemplos desta
modalidade lúdica (CARVALHO; BEGNIS, 2006).

As habilidades desenvolvidas nessas atividades podem e devem ser


transferidas para outras atividades, como o próprio gerenciamento do processo de
aprendizagem, melhorando-o em ritmo, frequência e eficiência.

Motivação
Aprender implica em trabalho; logo, sua manutenção depende, também, de
fatores motivacionais. A motivação, como definida por Petri (2003 apud COON,
2005, p. 350), “[...] diz respeito à dinâmica do comportamento – às maneiras como
nossas ações são iniciadas, sustentadas, orientadas e concluídas”.

Estar motivado(a) implica em ter alguma necessidade (um desejo) que move

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Variáveis Psicológicas e Neurobiológicas Determinantes
Capítulo 4
do Processo de Aprendizagem

a pessoa na direção da satisfação desta. Contudo, não podemos esperar que a


motivação seja igual para todas as esferas de funcionamento da pessoa. Assim
como as necessidades são diferentes, dependendo do contexto e do estado de
excitação geral do indivíduo, os motivos e motivadores também são distintos.
Por isso, não faz sentido dizer que alguém é motivado. TODOS são motivados,
mas por alguma coisa que pode ser diferente de pessoa para pessoa.

No processo de ensino, ocorre o mesmo fenômeno. Podemos encontrar


várias crianças, adolescentes e adultos dispostos a aprender e auto-reforçados
pelo conhecimento adquirido. Porém, este não é um processo inato e precisa ser
adquirido a partir de experiências reforçadoras no ambiente.

De modo geral, podemos classificar a motivação em dois tipos:

– INTRÍNSECA: fazer algo por prazer, para ganhar habilidade, para demonstrar
suas habilidades (nesta modalidade motivacional, o reforço é interno);

– EXTRÍNSECA: fazer algo para obter uma recompensa, um reforço externo.

A motivação do tipo intrínseca é a que desejamos estar relacionada ao


processo de aprendizagem. Entretanto, até que a pessoa possa, de fato, ser
reforçada pelo seu próprio desempenho acadêmico, é necessário que ela primeiro
experimente o ato de estudar. Normalmente, no início do processo educacional
formal, as crianças são apresentadas aos conteúdos escolares de modo lúdico, o
que torna o processo de aprender intrinsecamente divertido e mesmo os fracassos
são recompensados (“Não deu certo, poxa...mas tudo bem, amanhã vamos
tentar de novo!”). Contudo, ao entrar no ensino regular fundamental, boa parte
da estratégia lúdica dá lugar a uma postura mais “dura” de ensino, e os fracassos
já não são tão tolerados. Para as pessoas que não conseguiram internalizar o
processo motivacional tornando a tarefa em si reforçadora, a separação entre
as ações e seus reforçadores (notas ao fim do bimestre) e a probabilidade de
insucessos podem enfraquecer a relação de autoeficácia naquelas tarefas, o que,
por sua vez, pode se refletir na baixa motivação para a aprendizagem formal.

Pesquisas sobre a relação motivação e aprendizagem têm demonstrado que,


para que as tarefas tenham (por si sós) valor reforçador, devem partilhar de três
características (COON, 2005):

1) demonstrar algum desafio para a pessoa;

2) surpreender;

3) oferecer alguma complexidade.

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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

As tarefas devem ser planejadas para oferecerem desafio e complexidade ao


aprendiz. No entanto, devemos tomar cuidado na dosagem desses dois atributos.
Desafio e complexidade, além da capacidade da pessoa, tornam a tarefa
estressante e, por isso, desagradável, desmotivadora. Complexidade e desafio
devem ser graduais e assumirem o nível de desenvolvimento e de desempenho
que o aprendiz já possui no seu planejamento. Ao mesmo tempo, a atividade
proposta deve surpreender, ou seja, deve demonstrar alguma novidade para o
aprendiz. Algumas tarefas, por serem repetitivas, acabam se transformando em
enfadonhas, se não sofrem alguma variação. Outras, são por si estimulantes,
pelo fato de permitirem plasticidade (modificações), como é o caso dos jogos,
pois cada adversário pode trazer esquemas diferentes que implicam em ter de
executar uma nova estratégia.

De modo geral, como já lhe mostramos nos outros itens comentados, a


motivação incide diretamente sobre os mecanismos que mantêm a atenção,
garantindo sua aprendizagem e possível recuperação pela memória. Podemos
relacioná-la diretamente com o reforçamento, pois garante a manutenção da
resposta motivada, bem como aos estilos cognitivos, uma vez que, se a tarefa
mantiver certas características que a instiguem, é mais provável que você a
procure.

Aprender deve se tornar um hábito (COON, 2005). Em outras palavras, a


aprendizagem precisa ser internalizada e proporcionar, por si só, estimulação
reforçadora (ser intrinsecamente motivadora). Porém, no início, tais tarefas
precisam ser reforçadas de modo extrínseco.

Resolução de Problemas
Quando quisermos nos referir à resolução de problemas (RP), precisamos,
primeiro, defini-la. RP é um dos processos do pensamento e também pode ser
uma estratégia de aprendizagem, chamada por outros autores de Aprendizagem
Baseada em Problemas (ABP), utilizada com frequência e principalmente
no ensino de técnicas e no desenvolvimento de raciocínio clínico (CYRINO;
TORALLES-PEREIRA, 2004; SOBRAL, 1993).

Não vamos nos ater ao método de ensino, pois queremos enfatizar o


funcionamento da capacidade de resolução de problemas e suas implicações
sobre o processo de ensino e aprendizagem.

Podemos definir a RP como pensamento que é dirigido para a resolução


específica de um problema e que implica na formação de respostas e na
seleção de uma entre várias opções de resposta (MYERS, 1999).

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Variáveis Psicológicas e Neurobiológicas Determinantes
Capítulo 4
do Processo de Aprendizagem

Resolver problemas envolve construir uma representação interna que tenha


uma estreita relação com o problema a ser resolvido (EYSENCK; KEANE, 2006;
MATLIN, 2004). Para tanto, a pessoa deve possuir um conhecimento básico
sobre o problema a fim de encontrar, em seu repertório cognitivo (memórias de
outras experiências similares), informações relevantes para a sua compreensão.
Desta forma, o conhecimento que a pessoa tem de alguma coisa filtra os dados
sensoriais, pois ela vai procurar, no problema, variáveis que elencou (a priori) como
sendo importantes para a resolução daquele problema específico. Chamamos
esta forma de processar o problema de top down (de cima para baixo).

Resolver problemas envolve necessariamente dar atenção seletiva para as


partes relevantes, diminuindo-as para as irrelevantes. Isso demanda experiência
anterior, pois, para decidir a relevância das variáveis, precisamos ter tido, em
algum momento, algum contato com situação similar.

Ao selecionar as informações relevantes, podemos ter dificuldade para buscá-


las ou, ainda, para relacioná-las em um novo contexto, pois a cognição muitas
vezes é condicionada a um contexto específico e nem sempre é generalizável
(MATLIN, 2004), ou seja, o que aprendi em uma situação nem sempre consigo
aplicar em outra. É o problema da transferência do conhecimento. Transferir o
conhecimento para outras situações denota que a pessoa construiu um modelo
interno (padrão) das situações extraindo delas suas características essenciais.
Contudo, para que a transferência seja efetiva, se faz necessário aprender a
realizá-la. Isto pressupõe a necessidade de orientação pelo instrutor.

É sempre importante assinalar ao aprendiz a necessidade de


pensar em como uma mesma estratégia de resolução de problemas
pode ser utilizada em situações novas!

De modo geral, resolvemos problemas não pela utilização de raciocínio formal,


claro e objetivo, voltado para as especificidades da tarefa que pretendemos ou
tentamos resolver. Utilizamos, via de regra, estratégias usadas antes e que deram
certo. A este tipo de resolução de problemas baseado nas experiências pessoais
chamamos de heurística. Por definição, heurística é uma regra geral normalmente
correta de resolver os problemas do dia-a-dia. Trata-se de um modo habitual de
resolver um problema e que tem muitas chances de dar certo. Pode parecer certo
comodismo de raciocínio, mas é um atalho que geralmente funciona, diminuindo
as chances de procurarmos novas formas de organizar os esquemas mentais de
resolução de problemas.

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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

Falando de modo bem direto, quando você está diante de uma tarefa que exija
seu raciocínio, necessariamente não tenta primeiro pensar nas características do
problema e nas possibilidades possíveis e viáveis. Saca logo de sua forma padrão
de resolução de problemas (que já usou antes em situações similares) e começa a
tentar acabar com a tarefa o mais rápido possível (MATLIN, 2004; MYERS, 1999).
Contudo, o mais rápido pode se tornar também o mais lento, se você precisar
voltar e escolher outra estratégia. Correto? Na maioria das vezes, você soluciona
o problema... mas não necessariamente da forma mais eficiente. Além disso, para
generalizar uma resposta (ou estratégia), você precisa conhecer a lógica por trás
do problema. Sem parar para fazer uma análise mais precisa, o erro torna-se mais
provável.

Em tarefas em que a solução exige uma resposta fora das suas experiências,
a heurística passa a ser menos efetiva, e “pensar” sobre as possibilidades torna-
se a estratégia mais adequada. Buscar novas formas de resolver problemas é
fundamental para se adaptar a um mundo em constantes mudanças como o
nosso e está totalmente relacionado à plasticidade cerebral, ou seja, à capacidade
de as células neurais fazerem e desfazerem ligações entre elas(GAZZANIGA;
HEATHERTON, 2005).

Estudos recentes têm demonstrado que a estimulação de formas diferentes


de resolver problemas, como, por exemplo, uso de jogos de memória tem,
inclusive, efeitos positivos na preservação das capacidades cognitivas em idosos
e em pacientes demenciados. Para a maioria das pessoas, está relacionada a
melhoras no desempenho acadêmico, melhoras na qualidade de vida e formação
técnica mais eficiente.

Resolver problemas envolve, acima de tudo, a capacidade de reconhecer os


problemas, de colocá-los sob análise e simular soluções. Exige o funcionamento
adequado da memória, das capacidades metacognitivas e é afetado diretamente
pelos estilos cognitivos (menos impulsivos, mais soluções). Incide diretamente
sobre as características que nomeamos de “inteligentes” e tem relação íntima
com a capacidade criativa (Fontes).

As afirmações realizadas ao longo deste tópico mostram, por si sós, sua


importância no desenvolvimento cognitivo e seu amplo espectro de influências
sobre toda a vida das pessoas.

Neurobiologia
As neurociências têm contribuído sobremaneira para o conhecimento
do funcionamento do sistema nervoso e suas relações com o comportamento.

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Variáveis Psicológicas e Neurobiológicas Determinantes
Capítulo 4
do Processo de Aprendizagem

Uma das linhas de trabalho que muito nos interessa na área de aprendizagem
e desenvolvimento é a neurociência cognitiva. Esta subdisciplina tem a
finalidade específica de estudar as relações entre o funcionamento do cérebro,
principalmente as áreas corticais e as capacidades cognitivas: aprendizagem,
memória, atenção, percepção, pensamento e linguagem.

Nessas linhas de trabalho, há o interesse específico pela maneira como


o funcionamento das células neurais (neurônios e glias) determina a cognição.
Chamamos esta área específica de neurobiologia. Entre as várias linhas de
pesquisa na neurobiologia da cognição, a aprendizagem e a memória são os
principais temas de estudo.

As descobertas nesta área têm lançado alguma luz sobre os mecanismos


de aprendizagem e também estão proporcionando a psicólogos e a educadores
novas percepções sobre o processo de ensino e aprendizagem.

Entre os principais achados, está o fato de que a aprendizagem ajuda a


“esculpir” a estrutura cerebral, mais especificamente a sua camada mais externa,
o córtex. Cada nova experiência tende a mudar a configuração de neurônios
(células do tecido nervoso especializadas em comunicação celular) em regiões
específicas (dependendo dos sentidos – órgãos dos sentidos – requisitados na
experiência). Estas novas ligações formam redes neurais complexas que unem
muitas informações e que são recrutadas quando você precisa se lembrar delas.
Quando não são mais necessárias ou não mais utilizadas, as informações tendem
a ser perdidas (esquecidas), e este fato acompanha o desligamento das ligações
realizadas entre os neurônios que regulavam aquela atividade específica.

Esta capacidade de ligar e de desfazer ligações neuronais é conhecida como


NEUROPLASTICIDADE. Seu estudo tem permitido conhecer como determinados
temas podem ser ligados e desligados com certa facilidade (como números de
telefone, coisas que precisam ser realizadas, conteúdos de disciplinas), bem
como outros, porém, são dificilmente ligados (ligações conceituais e teóricas)
ou desligados (como as experiências negativas, o caminho de casa, hábitos)
(MUSZKAT, 2006).

Porém, ao se lembrar de algo, você não poderá se lembrar exatamente


como aconteceu, pois, dado que as redes são continuamente modificadas (pelas
experiências), a memória de nossas vivências nunca é uma cópia fiel do que
ocorreu. Como aponta Myers (1999), lembrar não é como ler um livro: está mais
para reescrever um livro a partir de suas anotações. Em outras palavras, nos
lembrarmos é fruto de nossas interpretações atuais sobre nossas vivências do
passado, sejam elas remotas ou recentes.

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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

Estudos na área de atenção têm demonstrado algumas questões


interessantes em termos de ativação cerebral. Estímulos novos apresentados
antes de serem reapresentados estímulos antigos aumentam a atenção das
pessoas aos estímulos recentes e antigos. Por outro lado, informações novas
apresentadas após revisões de assuntos antigos tendem a confundir tanto o
material novo quanto o antigo (FENKER; SCHÜTZE, 2009). Além disso, a atenção
funciona como um filtro na entrada sensorial, limitando o conjunto de informações
sobra as quais somos capazes de ter consciência (MATLIN, 2004; FRIEDRICH;
PREISS, 2006). Este filtro é realizado ao nível do sistema límbico, parte mais
antiga do cérebro, em termos evolutivos, principalmente pelos gânglios basais
(ver figura a seguir). Este mesmo circuito está envolvido no processamento
das informações emocionais e, por isso, informações relacionadas a conteúdo
emocional (prazeroso ou não) tendem a ser lembradas com mais facilidade do
que aquelas cuja vivência foi praticamente neutra. Isso nos ajuda a entender
porque as atividades lúdicas e as situações que envolvem emoções negativas
(medo, tristeza, nojo) tendem a ser aprendidas de forma relativamente rápida e se
mantêm na memória por vários anos (FRIEDRICH; PREISS, 2006).

Figura 2 - O sistema límbico e os gânglios basais

Fonte: Os Autores.

Como o funcionamento do cérebro depende das regulações metabólicas do


organismo, qualquer alteração nestes processos tende a provocar modificações
nos níveis normais de atividade deste órgão. Com efeito, evidências demonstram
que alterações metabólicas decorrentes de doenças, intoxicações, estado
nutricional, etc. podem modificar o funcionamento das atividades cognitivas
(KOLB; WISHAW, 2002; LENT, 2002). E o contrário também é verdadeiro, ou seja,
atividades cognitivas alteradas por fatores ambientais (excesso de estimulação,

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Variáveis Psicológicas e Neurobiológicas Determinantes
Capítulo 4
do Processo de Aprendizagem

estresse, hábitos alimentares inadequados, problemas com sono) podem alteram


o funcionamento do cérebro (CARLSON, 2002; KOLB; WISHAW, 2002; LAMBERT;
KINSLEY, 2006). Por isso, o cuidado com a saúde geral deve ser acompanhado
como forma de se estabelecer base orgânica suficiente para o empreendimento
de tarefas de aprendizagem, sejam elas simples (como aprender um número de
telefone) ou complexas (como a aprendizagem de regras gramaticais).

Outra contribuição importante da neurobiologia para a compreensão do


desenvolvimento e da aprendizagem foi o estabelecimento da relação entre as
experiências ocorridas na infância e a neuroplasticidade. Evidências apontam
que experiências prazerosas e motivadoras na infância tendem a deixar o cérebro
(a pessoa) de prontidão para novas experiências, pois suas áreas de satisfação
(no núcleo accumbens, dentro do sistema límbico) são prontamente ativadas
pela novidade, pela surpresa, disparando uma cascata de neurotransmissores –
substâncias produzidas pelos neurônios e que fazem a comunicação entre eles –
que aumentam a atenção e a sensação de prazer (FRIEDRICH; PRIESS, 2006).

Isto tem nos permitido pensar em possibilidades de inovação nos


currículos escolares, levando em consideração o que temos aprendido sobre o
funcionamento cerebral. Também tem nos permitido aprender mais detalhes
sobre o envolvimento do sistema nervoso nos transtornos de aprendizagem
(KAUSCHKE, 2006; SCHUMACHER, 2006). Contudo, como alertam os
pesquisadores (LEFRANÇOIS, 2008), temos que tomar cuidados ao realizarmos
as transposições destas informações para a área da educação, pois as pesquisas
neurobiológicas não têm finalidade específica de traduzir o conhecimento
adquirido em tecnologia e, muito menos, em métodos educacionais. Temos
acompanhado alguns exageros e interpretações apressadas destes achados
neurobiológicos, como a Brain-Based Education (BREUER, 1999), que ainda
precisam ser depurados para que entendamos qual a sua possível contribuição
para o processo de ensino e aprendizagem. Isto porque ainda sabemos pouco
sobre o funcionamento específico do sistema nervoso nas atividades cognitivas
e, por enquanto, temos achado mais correlações (relações entre duas ou mais
variáveis), mas não sabemos se existe de fato uma relação de causa e efeito.
Portanto, “ajudar a pensar” não é “dizer como”; falta ainda muito detalhamento
para tal.

Algumas Considerações
Como pudemos acompanhar ao longo deste capítulo, são muitos os fatores
que podem influenciar o processo de aprendizagem, e todos devem ser levados
em consideração para que possamos compreender o processo educativo.

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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

Há outros ainda não abordados nesta breve descrição, como é o caso do


próprio preparo do ambiente onde ocorre o processo educativo, da história de
aprendizagem da pessoa (sua bagagem cultural) e de seu o ritmo biológico (o
modo de funcionamento de acordo com o período do dia).

Tais fatores apontados demonstram a complexidade do fenômeno


aprendizagem e a necessidade de um levantamento preciso destas informações
para que possamos empreender uma intervenção adequada no quadro levantado
e eficiente em termos de resultados.

Pense nisto na hora de planejar sua próxima seção de estudos!

Atividades de Estudos:

1) Resuma as contribuições de cada um dos temas apresentados


para a compreensão da aprendizagem.
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2) Com base no que você aprendeu sobre estas contribuições, como


você planejaria atividade de aprendizagem? Você pode escolher
um tema e, pensando nos aspectos estudados, relate como
implementaria o processo de ensino para alunos de uma escola
regular.
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Variáveis Psicológicas e Neurobiológicas Determinantes
Capítulo 4
do Processo de Aprendizagem

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