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DE .
S R. C O N S E L H E I R O A I I T R . U
P 1ÍI.O
£ H \ 3 . ô i l u f i n t í»c £ t o u ? á
Lente 'Ia resp ectiv a cadeira na fa c u ld a d e <lo Recife
. .r -y J B T H C Ç A o g -
EDITOR
R V . 'De cUítaeòeit-od
PERNAM BUCO
Typogmpliia Universal — Rua do Imperador, n. T.0
F A C U ID A W
OE D IR E IT O
ADVERTÊNCIA
(da p r im e ir a edicção )
Abril, de 1871,
O Autor.
PRELECCOES
• DE
PARTE PRIMEIRA
C A P I T U L O í
Prclccção /
$$ i.° — s .°
A m e s de c n lrar-se na exposição e desenvolvim ento
dos princípios de qualquer sciencia de que se lenlia de
tratar cum pre que se a defina.
E ’ assim que o nosso Com pêndio no seo § L ° delin e-
nos o Direito Publico Universal— « a sciencia que deduz da
natureza e fim do Estado a m elhor organisaçãò dos poderes
públicos com o meio de assegurar o império da justiça no
seio da sociedade, e que determ ina os direitos e deveres do
Estado para com o cidadão, c deste para com o Estado.
Esta definição, com quanto possa não ser isenta de
defleilo, segundo o rigor logico, co m tu do é uma explicação
acceilavel da sciencia a que se refere ; pois que ahi se c o n
sidera o que ba nesta de mais essencial a atlen der se, com o
seja : o seu objeclo que é o Estado ; os meios de acção
deste, que são os poderes públicos uelle co n stituído s; o o
seu (im, consistente n a rea lisa çã o do império da justiça ou
do Direito entre os liom ens, ou quanto á cada Estado par-
tieularm ente entre os seus m em bro s. .
Alas aquelles mei«$ de acção do Estado para funecio-
narem regularm ente, e aquellcs direitos c deveres para se
tornarem elficazes no seo seio, n ecessitâo, com o verem os
no decurso de nossas lições acom p an han do o Compêndio,
de traduzir-se ahi praticam ente em um m echanism o mais
ou m enos system atico e com plicado, e em numerosas e va
riadas instituições especiaes, que entrão todas na com pre-
liensão do Direito Publico. .
Os princípios ou regras desta sciencia, e os direitos e
deveres que ella determ ina, deduzem -se, co m o bem nos diz
o C om p ên dio, da própria natureza e fim do Estado, cm a is
rem otam en te da própria natureza h u m an a; pois que, em
ultima analyse, o Direito Publico Universal não é senão o
m esm o Direito Natural applicado á organisacão particular
de cada E stado. ■
Aquellcs princípios ou regras devem , portanto, ser
mais ou menos fixos e certos, c em geral, applicaveis a
todos os povos, lugares, e tempos. Desde que o homem é
esscncialm cnte idêntico em toda a parte e sem pre, idênticas
devem ser lambem as condições especiaes da constituição
e regim eu das sociedades políticas que form em os liomens,
em bora sejão estas diversas.
A s variações que a tal respeito podem dar-se, e n eces
sariam ente dão-se, versarão apenas sobre as form as e x t e r
nas, ou modos, sob que esses princípios ou regras serão de
facto praticados, ou em relação ás condições e meios de sua-'
elfectividade.
C erlam en te não querem os dizer que de facto, todos
os povos, desde que se reunão constituão politicamente
segundo aquellcs princípios, ou que todos do mesm o modo
os con cêbão e adoplcm . O que dizem os é que todos clles
são igualmente aptos para a d o p ta l- o s ; que tal deve ser o
seu desideratum ; c que si nem todos os preferem e pra-
ticão, não é porque não sejão elles os mais conform es com
as necessidades e aspirações de sua natureza c aos fins do
Estado, mas porcircum slan cias accidenlaes, que fazem quo
elles os desconheção ou os concêbão difforcntem enle. E
V
1^
para um li m que interessa a todos.» P o r o u tr a : é as o-
eiedade civil constituída em corpo de nação, regulando-se
por leis suas, destinadas a garantirem a lo d o s o s seos m e m
bros a o rd e m , a liberdade, o bem estar,e o p ro g r e s s o ; e go-
saudo de um direito m ais ou m enos exten so de soberania.
E m su m m a, é a nação politicam ente organisada ; pois
que nesta ideia de organisação social se abranjem todos os
elem e n to s indispensáveis para a subsistência, e boa direc
ção do corpo político denom inado Estado ; e desde que por
naçào en te n d e -se uma massa mais ou m enos considerável e
bo m o gen ea de povo, mais ou m enos lixa em um lerritorio.
C o m effeilo, não se pode dar o nom e do Estado a uma
reunião de hom en s por mais num erosa que ella seja, desti
nada apenas a uma co -ex isten cia provisória, sem um laço
c o m m u m capaz de íazel-a perdurar. Não seria essa a s o
ciedade hum ana para a qual o Direito Publico estabelece as
suas regras. Essa deve ser uma associação estável, na
qual se possa co n ta r, antes de tudo, com a continuidade e
a ce rto dos esforços de todos os seos m em b ro s, e de uma
autoridade suprem a ahi con stituída, no sentido de poder-se
alcan çar o gran d e fim a que o Estado se d e stin a .
Hordas ou tribus de nôm adas ou selvagens, c o n g re g a
das cm um ponto do globo, por m otivo e p h e m e ro ou para
a sim ples satisfação das mais instantes necessidades m aie-
riaes da vida h u m an a ; sem habitar co m anim o de fazer sua
tal ou tal porção da terra, su b m e lten d o -se nella ao freio e
direcção de um poder suprem o que as contenha e governe;
serão tudo m en os um Estado. Pois que este é, co m o d ice-
m o s, a sociedade civil organisada, e com taes elem en to s
toda a organisação regular é impossível.
Da definição que nos deo deduz o Com pêndio co m o co -
rollarios, qu e o Estado é uma sociedade perpetua, com
posta e desigual.
No sentido em qu e elle explica estas diversas asser
çõ es, p o d e m todas s e r acceitas sem in c o n v e n ie n te ; mas •
tam bém consagram cilas apenas uma dislinccão ou qualifi
cações dadas ao E stado, p uram ente cscho laslicas, e sem
real importância na scicncia.
Sem duvida o Estado é uma sociedade composta, desde
que elle consta de indivíduos e famílias, que por sua vez
form ão no soo seio outras a s s o c ia ç õ e s ; aqucllas a socic-
— 8 -
dade familiar, de Iodas a mais im portante, e os cidadãos in
dividualm ente, inúm eras ouiras particulares sob diversos
nom es, c para differentes fins, taes co m o , as sociedades re
ligiosas, beneficentes, scientilicas, litterarias, artísticas,
com m erciaes, industriaes, ou m esm o políticas.
Perpetua, porém, não se pode considerar cada s o cie
dade política ou Estado ; pois que estes form âo-se e desap-
parecem com o tempo e com as evoluções da hum anidade ;
são sugeitos ás vicissitudes de todas as instituições em cuja
existência, m echan ism o, ou jo g o entra a intelligencia e a
acção do hom em . A historia humana está m esm o cheia
de lições-terríveis neste s e n t i d o ; cila nos mostra com o os
grandes impérios de A lexan dre, de A ugusto e tantos ou
tros que assombraram o rnuudo com a sua extensão e p o
der, sum iram -se, afinal, na poeira dos séculos.
P erpetuasse pode, entretanto, dizer a sociedade h u
mana em geral, a qual não se confunde propriam ente com
o Estado, e m enos ainda com cada Estado em p a r tic u la r ;
desde que cila precedeo a este, é a sua base, e mais ou m e
nos perfeita existio sem pre, e existirá em quanto exista
o hom em com a sua natureza esseu cia lm cn lc sociável.
Quanto a ser o Estado uma sociedade desigual; o que
nos quer dizer com isto o Com pêndio, com o se vê de suas
próprias expressões, é unicam ente que ha no m esm o um
governo e súbditos, e que por tanto, sob o ponto de vista da
direcção social, ha da parte dos cidadãos subordinação, e
da parte dos poderes públicos, superioridade.
Não significa isso, de modo algum , que hajão no Estado
cidadãos ou classes que sejão mais favorecidas do que ou
tras-, que haja para os mesm os partilha desigual dos beneficio,
vantagens, ou garantias sociaes, ou real desigualdade ju r í
dica entre elles. Porquanto a igualdade de direito, ou p e
rante a lei, de todos os cidadãos e classes do Estado, é ao
contrario, um dogma do Direito Publico, com o o é do Di-
• reilo Natural.
Tam bém do que temos dito, em geral, do Estado, e
da sua própria definição, resulta já uma noção do sen fim
ou fins. Mas cum pre-nos desenvolvendo os §§ 3 .c e 4 .” do
C o m p ê n d io ,. occup arm o-n os mais particularm ente deste
assumpto ; e tanto mais quanto da dem onstração deste fim
ou fins do mesm o Estado, saliirá mais clara a demonstração
da necessidade e imporlancia de sua instituição.
« O fim do Eslado, diz-nos o Compêndio, 6 realisar na
sociedade dos homens a protecção do Direito, e o seo c o m
pleto desenvolvim ento em todas as suas possíveis applica-
ÇÕes, ou em uma palavra, fazer entre elles efleclivo o jim -
perio da ju stiça.»
O homem como ente racional c moral <|uc é, tem um
importante destino a preencher no mundo, sem faltarmos
de outro maissuhlime (|ue lheassignão a philosophia e a re
ligião, e que aliás, tem com aquelle ligação intima. Para
conseguil-o lhe forão dadas nobilissimas faculdades, que o
destinguem de todos os mais entes da Creação, e ás <|uacs
elle deve dar o mais pleno e mais adequado emprego c sa
tisfação. '
Dolou-o Deos com a intelligencia e a liberdade ; mas
aquella nem sem pre o esclarece suíTicienlemenle, porque é
de sua essencia o ser limitada ; e a liberdade, por isso
mesmo que é liberdade, nem sempre o faz optar pelo bein
ou pelo que é conforme com a sua natureza ou com aquelle
seo destino.
Ella o desvia muitas vezes do recto caminho quando de
todo entregue a si própria ; e desses desvios nasce o reinado
do arbítrio c da violência entre os homens desde que se
encoritrão, e que aliás, não podem viver no isolamento.
D’ahi a necessidade imperiosa de uma lei suprema que
lhes sirva de norma de conducta em suas mutuas relações,
ou da lei do justo, a que elles realinenle, e só elles, s ã o s u -
geilos. Essa lei existe, é da mais incontestável realidade ;
porém, por mais soberanas que sejão as suas prescripções,
não contem ellas em si mesmas os meios de im por-sc; não
podem por sua unica e intrínseca virtude fazer-se efleclivas
na terra.
O emprego dos meios coaclivos, da força material,
quando seja isso necessário, é uma condição inprescindivel
de sua execução. Mas a força a que se deve recorrer para
este fim nao pode ser a de cada indivíduo, nem a de qual
quer grupo delles ; pois que é cx aclam cn lc contra os abu
sos e excessos a que lendo o individualismo, que ella tem
de ser applicada • e porque, demais, essa força seria ainda
insuílicientc, uma vez que lhe poderia seropposta força
igual ou maior de outros indivíduos ou grupos.
■>
- 10 -
Por co n segu in te só um co n ju n clo ile torças superior a
to d as"essa s forças individuaes, e isento dos m oveis que de
ordinário as impellem segundo o interesse proprio e em
dam no alheio, pode desem pen har tão im portante in cu m
bên cia.
Ora esse con ju octo de forças não pode ser outro senão
o que resulta da co m m u n h ã o social, do Estado.
Em ultima analyse, antes e fora deste reinão n ece ssa
riam ente a desordem e a injustiça, que co n ve rte m , afinal, o
hom em no mais m iserável e im potente d o s a n im a e s , contra
os designios do seo Creador. Só quando surge o Estado
faz-se a luz nessas trévas-, só elle pode m oderar todas
as paixões, co n te r todos os ex ce sso s, reprim ir todas as
violências, e por vontade ou pelo con stran gim en to fazer
convergir toda a aclividade social para o hem c o m m u m ,
e para ser garantido a todos os seos m em bros, m esm o no
m eio das paixões ruins que os ce rq u e m , o mais amplo c
m ais livre goso e ex crcicio de todos os seos direitos, de to
dos os aclos ou aspirações consentaneas a sua natureza e ao
plano da P ro vid e n cia , que nesta a seo respeito se revela ; e
ó nisto ex a cta m en le que consiste a realisacão da justiça cm
sua mais elevada con cep ção . Tal é, portanto, o fim do E s
tado .
Não pareça, en tretanto , que queiram os ex clu ir deste
tudo o que não consista na pura e simples garantia do di
re ito , ou do que ó estricla m e n le ju sto. Não : o Estado é
sem duvida, uma instituição antes de tudo im m in en te m en te
ju ríd ica •, m as além do eslriclo direito e da rigorosa ju s
tiça, q u e lhe cu m p re assegurar a todos os seos cidadãos,
m uito lhe in cu m be ainda, e m uito pode elle effectivam eute
fazer em bem destes. C o m p reh en d e se na sua grande
missão p rom over ou facilitar os benefícios e vantagens dé
qualquer o rd e m , m ateriaes, in lellecln a es, ou m oraes, a qu e
aquelles em tal qualidade ou na de sim ples hom ens tenhão
o direito de aspirar, e elle o poder de m in istrar-lh es pela
sua autoridade, e pelos recursos im m en so s que a sociedade
reune nas suas m ãos. , , ..
Eis a con cepção lheorica do Estado, e e sq consutc-
rando-o nesla altura, e tendo em attenção a sublim idade <o
seo principio, e a grandeza ideal de seo fim, que s e pode
I
. - 11 —
denominal-o, como o Compêndio no sco § J5 ", uma socie
dade perfeita. ' .
Com efleilo, si d’ alii descem os á realidade não pode-
m o sjdeixarde nolar mais on menos em qualquer Eslado, as
imperfeições inherentes a toda obra dos homeiís^ou cujos
bons eífeilos dependão destes. De faclo, nunca houve,
nem haverá jamais Estado algum que se possa reputar per-
feitamenle organisado ou regido, ou em que o grandioso lim
de sua instituição seja plcnamente conseguido.
O reinado de Saturno, que ainda assim era um Deos,
não passa de uma íicção poética da antiguidade, que d en u n
cia quando muito essa aspiração geral e perpetua que ator
menta a especie humana na prosecuçâo do ideal de paz e de
ventura para o qual ella s e c r ê destinada.
As próprias utopias ou sonhos dos mais engenhosos
reformadores, não conseguiram ainda esboçar, mesmo no
mundo dos cbimeras, um plano de associação polilica capaz
de reunir todas as adhesões, e de acceilar-se com o modelo.
O que nos diz, portanto, o Compêndio, a respeito da
perfeição da sociedade politica, deve-se entender de ac-
cordo com o mais que no mesmo paragrapho se lè. Quer
elle dizer-nos som ente que o Eslado c a mais excellenle
das instituições h u m a n a s ; que o sco fim é grandioso.
/ .
CONTINU AÇÃO DO CAPITU LO I
Prelecçào II
§ 6 .»
Sendo o Estado, como dicemos cm nossa anterior
prelecçào, a mais excellenle das instituições liumánas, o
la d o mais transcedente da vida dos povos, cumpre-nos
examinar com algum desenvolvimento, a questão suscitada
pelo Compêndio no seo § 6.°, de saber-se qual foi a origem,
e qual é o fundamento do mesmo Estado, ou da sociedade
civil-, tanto mais quanto isso interessa á m e lh o r intelli-
gencia e applicação dos princípios da sciencia, que nos oc-
cupa ; á uma mais justa apreciação da natureza e fins
daquelle, , .
Por origem da sociedade civil se entendera com mais
propriedade, a causa que de facto determinou "a íormação
da sociedade simplesmente natural e primitiva dos homens,
que precedeo áquella, e lhe servio de base-, c por seo iun-
•lamento a razão quu justifica e manlem propriamente a
existência do Estado, ou sociedade civil politicamente or-
ganisada.
Mas a questão de saber-se qual foi a causa determi
nante da primitiva formação social, importa antes a preju
dicial de saber-se, si os homens em algum tempo viveram
em um estado de completo affaslamenlo uns dos outros,
lóra de toda a sociedade de seos semelhantes, ou nesse es
tado extra-social, a que se tem dado a denominação de es
tado de pura natureza : e si admillida a realidade deste, é
clle o verdadeiro estado natural do homem.
Em geral entre os pliilosophos e escriplores do Direito
figura-se esse estado, como unia hypolhese, para por meio
delia fazer-se hem sensível, já a differença de condição do
liomera na sociedade ou fóra delia, já a dos direitos que
elle tem pela simples qualidade natural de pessoa, indepen
dentem ente do faclo social, em contraste com os que lhe
vêm especialm ente desta origem.
Isto se concebe, e é ntil na exposição da scicncia ; mas
a u th o r e s h a e notáveis, que não se tem limitado a isso;
que tem proclamado como certa a existência de tal estado,
que o tem considerado mesmo com o o estado natural do
hom em , e alguns que o tem exaltado até como um remanso
de paz e ventura, um typo de innocencia preferível ao estado
social civilisado, que qualiíicão como um accidcnte funesto
á humanidade !
Hobhes e Rosseau são os vultos mais proeminentes en
tre os inculcadores daquella ideia do estado d e p u ra natu
reza; mas descrevendo-o, e apreciando-o dillerenlem enle,
e cada um sob o ponto de vista do seo system a, deduzem
delle corollarios inleiramente diversos quanto á questão de
que tratamos, e quanto á natureza do Estado, e das rela
ções reciprocas entre elle e seos membros.
O q u e é certo, em lodo o caso, é que esses aulhores, c
quaesquer outros das mesmas escholas, não produzem, nem
podem produzir prova ou argum ento algum acceilavcl em
appoiode suas doutrinas, quer tirado da historia c das tra-
dicçõcs dos povos, quer da analyse directa da natureza
humana.
Com elTcito, si interrogamos a historia c as tradicções
mais dignas de fé ante a critica,vemos a associação humana
- u
mergulhar-se nas sombras da mais remota antiguidade; o
por isso som os levados a crer que ella exislio sem pre, e m
bora imperfeitissima em seos c o m e ç o s ; que ella nasceo
c o m o s h o m e n s pelo simples impulso do um instincto in-
nalo, que os levou a unirem-se desde que se avistaram ;
isso espontaneam ente, sem a minima previsão ou calculo
<las vantagens que d’abi lhes podião ou devião resultar;
sem cogitarem de um bem com m um que só assim poderião
conseguir.
Parecería, pois, que a sociedade civil, segundo a ex
pressão de Aristóteles, ou antes, a simples sociedade hu
mana primitiva procedeo exclusivam ente d’ essa inclinação
para a mèsma que é natural ao hom em isto é, da sociabili
dade innala que o caraclerisa.
O hom em é, com effeilo, dotado no mais alto gráo
desse instincto, de uma tendência irresistível para a c o n v i
vência com seos sem elhantes.
To do s os altribu los que lhe são proprios, e que o des-
tinguem co m p lelam en le dos mais seres animados da crea-
ção, a sua intelligencia, a sua liberdade a sua sensibilidade
m oral, o dom da palavra, sobre tudo, que lhe é priva
tivo, fazem delle um ente essencialm ente sociável, e a
sociedade uma condição indispensável de sua ex istên
cia. Fora desta seria elle um ente mutilado ; não seria
o que é.
Si é verdadeira a tbeoria de Darwin, é possível que o
ho m em para chegar ao que é boje, tenha na evolução das
especies passado prim eiram enle por todos os gráos inferio
res na immensa e variadissima escala dos seres, antes
m esm o de ter attingido a cathegoria de chipanzè ou de go-
rilla. E ’ possível, em sum m a, que o homem pré-histo-
rico não fosse um ente racional, moral, e social, e que nos
tempos anteriores á epoeba qualernaria do nosso globo,
vivesse, com o muitos outros anim aes, isolado, ou em sim
ples bandos ou manadas.
O ho m em , porém , inlelligente, livre, e moral com o
p resen tem en te o vem os, e com o nol-o revela a paleonto
logia pelo estudo dos craneos e mais restos fosseis de in d i
víduos humanos ba muitas desenas de séculos sepultados na
profundeza das diversas camadas geológicas da terra, não
pode ser concebido naquelle estado.
-1 5 —
Entretanto cosia -se a conceber como a rellexão e a
vontade consciente e deliberada possão ter sido extra-
nlias a um facto a que tão intimamente se prende o que lia
de mais momenloso no destino do homem, e cujos magnífi
cos effeitos devião lhes ser mais ou menos sensíveis em
qualquer tempo ou estado em que o supponhamos,
Diflicilmente se comprehende como a mais excellente
e indispensável das instituições humanas fosse o mero re
sultado de uma qualidade que no homem é, até certo ponto,
commum com os brutos.
Mas nada ba, a nosso ver, que verdadeiramente se op-
ponha á conçiliação desses dous modos de explicar-se a
formação social, apenas na apparencia inconciliáveis. A m
bas aqueilas causas podem e devem realmente ter concor
rido nesse sentido, tanto o instinclo da sociabilidade in-
nalo no homem, como a sua reflexão e vontade, ou segundo
a phrase de Platão, a «consideração da necessidade que tein
os homens de soccorrer-se mutuamenle para a segurança e
commodidades da vida.»
Aquelle instinclo deve ter influído antes de tudo para
aproximar os homens, ainda em pequeno numero, em gru
pos limitados, e de imperfeita c o h e são ; e a reflexão e a
vontade para cimentar essas uniões, amplial-as, c desen-
volvel-as.
Pecca, portanto, por demasiadamenle absoluta a pro
posição do Compêndio, quando nos diz que.a sociedade ci
vil não tem outro fundamento senão a vontade dos associa
dos. Tal proposição não é cxacla mesmo applicada espe- •
cialmente á sociedade política, ou ao estado já organisado
com uma constituição particular e positiva ; porque no Es
tado se contem, ern lodo o caso, a sociedade humana, re
flexo da primitiva, que elle presupõe, sobre qucelle assenta,
e cuja formação, como lemos dito, é caracterisada, sobre
tudo, pela espontaneidade inslincliva.
Quer a analyse do homem, quer ada própria sociedade
civil ou Estado, nos mostrão por conseguinte, que nem
aquella sociedade em geral e primitiva,nem o Estado mesmo
na sua expressão ultima e mais complexa, são creações arbi
trarias do h o m e m ; que assim como da formação da pri
meira não é excluída de lodo a intervenção da vontade deli
berada daquclle, lambem não e esta vontade a causa exclu-
siva ou a razão única da exislencia e permanência do se
gundo.
Em ultima analyse, a sociedade humana considerada
em qualquer de seos dilferentes aspectos, on phases de sco
desenvolvimento •, tormada apenas, mais on menos aper
feiçoada, ou linalmente armada de todas peças que consti
tuem o meclianismo político actual, é sem pre um facto qi>c
se deve reputar ao m esm o tempo necessário e voluntário,
porque no sentido de sua formação e manutenção coinci
dem as tendências naluraes, irresistíveis da especie hu
mana, com os seos cálculos de legitimo interesse, as aspira
ções próprias da sua natureza, e ã eflicacia dos meios que
lhe offerece aquella, c só ella, para a satisfação das impe
riosas necessidades que esta lhe impõe.
Devemos na formação da sociedade humana distinguir
períodos. No primeiro apparecc a familia que lhe servio
de núcleo, e até certo ponto de modelo, e que multiplican
d o -se gerou o patriarchado, que mais tarde por sua divi
são deo nascimento a novos grupos sem elhantes. No
segundo, os patriarchados perdem em autoridade pela e x
tensão ; e as necessidades da defesa e do altaque no meio
do antagonismo que entre clles surge, fazem passar o po
der das mãos dos palriarchas, ás dos mais fortes, ou dos
mais hábeis ou dos mais astutos. No terceiro desenhão-
se e v ã o -s e constituindo os Estados dos tempos propria
m ente históricos.
No primeiro daquelles períodos predomina o principio
■ da sociabilidade in stin cliva ; no segundo faz-se já sentir a
vontade, mas ainda imperfeita e quasi inconsciente dos a s
sociados; e no terceiro, esta mais ou menos directa, c
scientem ente se pronuncia entre clles em relação á seos
chefes ou governos.
De certo esses períodos não se succedem ao mesmo
tempo, ou em perfeito synchronisino em toda a superlicie
da terra, pois que ainda hoje ahi vivem, e quem sabe até
quando viverão, muitos povos no estado de sociedade ru-
dim enlaria, e muitos outros apenas em com eço de organi-
sação. Mas nas regiões, ou entre os povos que os tcnhào
podido percorrer livres de influencias perturbadoras do seo
natural progresso, devem te ra ctu ad o sim ultaneam ente, e
em tal ordem, aquelles dons elem entos geradores e conser-
— 17 —
vadores da sociedade humana. Do primeiro ao segundo
cada vez m enos o puro instinclo social do hom em ; c do
segundo ao terceiro cada vez mais a vontade expressa ou
tacila do cidadão.
Nesta ultima phase social e na razão do desenvolvi
mento do seo principio predominante, crescem e aperfei-
çoão-se as associações humanas, até constituir-se Estados
regulares, e mais ou menos florescentes ou poderosos.
Taes são, em conclusão, a verdadeira origem, e o ver
dadeiro fundamento da sociedade humana, já considerada
cm sua constituição inicial e mal ordenada, e já na sua or-
ganisação perfeilainentc systemalisada, c definitiva.
A ’ vista do que acabamos de expender, c claro, que si
por um lado se pode de algum modo assimilar o Estado a
um pacto ou contracto, desde que na sua instituição se faz
intervir, c na sua manutenção prorogar-sc indefinida-
m en le a vontade dos que o organisarain ou são scos m e m
bros ; ou ainda desde que a simples existência c conserva
ção destes no seo seio usufruindo as vantagens e garantias
que cile ofíercce, importa a implícita annuencia dos mesmos
ao faclo de sua organisaçâo, e á sua autoridade ; por outro
lado, differença-se o Estado de um verdadeiro pacto ou co n
tracto, cm não s e re lle um faclo puramenle voluntário, em
ter ao mesmo tempo o cunho de uma instituição necessá
ria, que lhe com m unica, como á pouco mostrámos, a s o
ciedade humana sobre que ellc se modela, c que é seo
fundo.
D’ahi vem que o supposto contracto social não é um
contracto rcvogavcl ; por mais que a sua forma exterior se
altere ou se modifique, clle subsiste sempre em sua essên
cia, e do mesmo modo obriga a todos os que realmenlc es
tão com prehendidos no seo vinculo, do qual nenhum pode
esquivar-se a seo arbítrio. Pode-se, sem duvida, deixar
de ser de faclo m embro de um Estado abandonando-se de
todo o seo terri.lorio, ou adoptando-se outra nacionalidade;
mas estes mesmos, assim com o todos, em quanto ali resi-
dão são sujeitos á sua constituição c leis, ainda que estas
lhes não agradem, ou que na sua confecção não tcnliâo tido
participação real e directa. • _
Ilobbes partindo do principio, que a guerra é o estado
natural do ho m em — homo liomini lupus, pensa que estes ti-
- 18
veram de con cordar, a lin a l, em bem da paz de Iodos, em
a b d icara sua liberdade c dircilos individuacs nas m ãos de
um mais forle, ou que este os deve ter usurpada ou c o n
quistado no m eio da sua d e so rd em ; c assim explica elle a
formação do Estado, e da sua soberania altribuida legiti-
m a m e n le a um ebefe unico. A esta theoria degradante da
dignidade hum ana, que enlbronisa o despotismo monar-
cb ico , Ilosseau oppoz a do «Contracto Social» que dá por
origem ao Estado uma convenção- livre, e faz consistir a sua
soberania na vontade geral de seos m em bros,
O sco livro sob aquelle titulo, que ainda boje c para
m nilos o verdadeiro Evangelho da dem ocracia, con tem ,
com cffeilo, a exposição mais completa e mais eloquente
dessa theoria ; ex e rcco sobretudo no fim do século passado
e no com eço do presente, na Europa e na A m erica, uma im -
mensa fascinação no espirito dos p o v o s ; e foi um dos mais
poderosos factores da grande revolução Franccza de 1789.
Mas uma analysc reflectida sobre as ultimas co n sequ ên
cias a que conduz essa theoria, nos lerm o s exagerados em
que a desenvolveo o seo author, põe a descoberto a falsidade
de seos princípios cardeaes, e condem na o que ha nclla de
mais essencial e característico.
Segundo Rosseau o Estado rspousa sobre uma co n ven
ção destinada a resolver o problema de «uma associação qne
proteja e defenda com toda a força co m m um a pessoa e bens
de cada associado, e pela qual cada um unindo-se a todos
não obedeça, côntudo, senão a si m esm o, e fique tão livre
co m o d’anles.» Para este fim cada indivíduo põe cm c o m
mum toda a sua pessoa e poder sob a suprema direcção da
vontade geral, e torna-se uma parle indivisível do todo ;
não ba ahi mais dircilos individuacs ,e sim so m en te um d i
reito collectivo.
Estabelecido o contracto social sobre estas bases a von
tade de todos é no Estado a ordem , a regra suprema e
unica, a soberania, cm sum m a, seja aliás qual for aquclla
vontade ou seo effeilo em relação aos particulares, uma vez
que seja ulil á co m m u n h ã o . .
Essa soberania reside essen cialm cn le no povo, no
corpo inteiro da nação, onde o governo não c mais do que
um instrumento executo r, um simples intermédio daquclla
entidade que é o verdadeiro soberano de poder infallivcl,
— n> —
ilimitado, que vai até ao proprio direito de lazer o mal.
desde que fazendo-o não o faz senão a si mesmo !
Será racional esta ilieoria, lirmada em solidos funda
mentos, ou juslilicada pelos resultados reaes da sua appli-
cação ?
Primeirameule cila recorre a uma convenção que não
foi jamais feita, que não existe, e que mesmo quando se sup-
ponlia resultante da annuencia expressa ou lacila que presta
a generalidade dos cidadãos ao facto social, não foi de certo
nem é a mesma estatuída para aulhorisar a existência do
Estado ou para legitimal-o, mas unicamente para regula-
risar as suas formas exteriores, as condições e meclianismo
do seo governo. Não é admissível tal ideia, desde que a
sociedade humana não é um simples produeto livre da von
tade dos homens, como aliás já o mostramos. Si o Estado
de sociedade é um facto que tem muito de necessário, um
contracto social livremente consentido para conslituil-o, é
nma hypolhese chimérica ; c deduzir-se um systema do
direitos e deveres sociaes de uma pura hypolhese, é crear
uma theoria arbitraria, um edifício sem alicerces.
Em segundo lugar, admitlindo-se mesmo que tal con
tracto existio ou exista,não se podería considcral-o um acto
legitimo, ou capaz de gerar um vinculo jurídico para os pró
prios que pessoalmenle o celebrassem, e muito menos para
os que nclle não tomaram parle directa, e explicita.
A vontade geral seja cila qual for para o bem ou para o
mal, com a unica condição de ser util a muitos ou a todos,
nunca pode ser a verdadeira medida da justiça, ou a regra
suprema daconducla quer dos indivíduos, quer dos povos.
Não sendo licito aos homens renunciarem de lodo á
sua liberdade individual, e aos direitos que cila vale, em be
neficio de qualquer numero dclles, ou mesmo cm seo pro
prio, pois que isso seria abdicarem a sua personalidade, e
mutilarem a sua natureza, é claro que não poderiüo despo-
jar-sc validamenlc desses scos cssenciaes altributos, para á
sua custa lormar-se aquclla soberania omnipotenle do lodo
SQciab
Este argumento que o proprio Rosseau emprega com
toda a razão e vantagem, contra os defensores da legilima-
soberania de um só, constituída pela cscravisação voluntá
ria dos povos ou pela usurparão ou conquista daqucllc,
20 —
aplica-se do m esm o modo á sua ihcoria. E ’ esle um dos
m oilos casos cm <|nc se verilica a verdade da maxima que
«iodos os cx lrcm o s se loção.» Partindo de princípios e m
bora opposios Rosseau chega, afinal, a m esm a conclusão
monstruosa de Hobbes ou de Grocio, e dc sua escbola, ao
anniqüilamenlo completo do indivíduo, do cidadão, pois que
sujeilal-o ao despotismo de Iodos ou de um só, é sempre
annular a sua personalidade e seos direitos.
Para esquivar-se a esta objecção pretende Rosseau que
no seo syslema cada indivíduo n à o é , como no daquellcs,
simplesmente súbdito, mas é ao mesmo tempo súbdito e so
berano, como parle indivisível da com m unbão : e que, por
conseguinte, os m em bros desta que, obedecem á vontade
geral, não obedecem afinal senão a si mesmos ; e que essa
vontade desde que é a de todos não pode ser nociva a cada
um de que o lodo se forma. Mas tudo isto não passa de uni
palavreado vão 5 é nada menos do que querer-se justificar
uma ficção por outra ainda menos acceitavel, por um mero
jogo de espirito. Essa perfeita união do lodo com cada
um : essa identidade harmônica da vontade e do poder dc
cada indivíduo e da universidade dellcs, por ser um só 0 seo
interesse e um só 0 soberano, será tudo menos uma co n cep
ção que se appoie na realidade.
Diz-se ainda que entrando cada indivíduo para a c o m -
munhão com a sua personalidade inteira, a condição é ahi
igual para todos. Mas que importa isto ? Primeiram ente, 0
Direito reprova, em lodo 0 caso, essa condição creada para
cada um pelo contracto, desde que cila é incompatível com
a dignidade e natureza humana. Em segundo logar tal
igualdade não se pode dar de facto entre 0 grande numero
soberano até para fazer a cada um 0 mal ulil ao todo, se
gundo a lheoria de Rosseau, e 0 pequeno numero, que se
gundo a verdade das cousas, não tem garantias reaes contra
as resoluções de tal ordem da parle do m esm o, que porcerlo
jamais acceitará como benefícios. E finalmente, si igual
dade existe 11a condição social sob semelhante contracto,
não é senão a igualdade s o b a tyrannia,
E m s u m m a , si a doutrina de Hobbes c de sua escbola
com brutal franqueza reduz os súbditos do Estado a con di
ção dc escravos de um déspota n n ico ; a dc Rosseau, não
obstante 0 encanto com que seduz os povos, confisca as
- 21
liberdades do cidadão cm proveito de um todo impessoal,
de uma com m uulião abslracla em que absorve todas as tor
ças e direitos individuaes ; é o despotismo de Iodos contra
cada um substituído ao de um contra todos.
Si pois, a constituição social se^pode denominar, e Ire-
q u e n ícm e n le se donom ina, um pacto ou contracto, não e
isso senão com o uma expressão puramente analógica, e que
se deve empregar com as convenientes reservas quanto as
suas applicações ou consequências praticas.
CAPITULO II
DO PODER OU SOBERANIA SOCIAL, E DA SUA DELEGAÇÃO
Prelecçâo l ll
§ § 7. ° - 1 0 "
Prelecçâo IV
§§ 7 ."— 10°
Vrélecçâo V
§ $ 1 1 -1 7
Prelecçào Y l
§§ 18- 2-4
SS 2 5 -2 7
Prelecção VIII
. §§28-31
Prelecção IX
§§ 3 2 - 3 5
Prelecção X
§§ 3 6 - 3 7
rrelecção Xl
§§ 38— 40
DIREITO
no —
assim a sociedade cm palrimonio particular transmissível
de pais a filhos c a netos, que como tal a governarão. Nesta
forma de constituição a nação nito tem existência própria, a
sua real soberania é de todo desconhecida, confiscada cm
vantagem d’ aquellas, e será o que approuvcr ao seo bel-
prazer.
A aristocracia da sciencia ou do saber, seria ao m e
nos como facio, uma excellenlc forma governativa, si a
sciencia e a consciência, o saber e a moralidade, ou a pru
dência e a honradez andassem sempre de par, c se a eleição
de que cilas dependem para se collocarcm clfeclivamente
na suprema direcção do Estado, pudesse sempre bem rc-
conhcccl-as, e sobretudo, ler sempre a firme vontade e a
força necessárias para preferil-as. Mas infelizmente não
é assim ; a sciencia é muitas vezes perversa ou corrom
pida, e os que tem de eleval-a aos altos cargos sociacs sa-
criíicáo-na de ordinário ao charlatanismo que os illode c
favoneia. De modo que aquella especie de aristocracia
perde todo a seo encantamento quando se trata de sua
realisação na sociedade.
Maçarei, induzido pelo que cila tem de bello c racio
nal considerada cm si mesma, ou cm idealidade, a deno
mina a « verdadeira aristocracia ; » c é muito coimnum
ouvir-se repetir que a aristocracia do talento 6 a única
admissível. Mas isto não passa, cm rigor, de uma hom e
nagem devida á sciencia e ao talento ; quer dizer apenas
que são estas as melhores recommcndaçõcs para o exerci
d o dos poderes públicos. D'alii se não pode deduzir nem
a soberania das capacidades por direito proprio, que já
combatemos, nem o reconhecimento de que tal aristocra
cia seja realmente uma forma especial de governo; visto
que cila em todo o caso, para cslabelleccr-sc, já de direito
c já de facio, depende de eleição. Desde que a fortuna
não Í3z sábios, nem o talento se transmille por herança, é
indispensável qne a vontade social, expressa por aqucllc
único meio de verificar-se a delegação de scos poderes, in-
tervenha para conferir-lhes o governo.
Tal aristocracia, pois, cm rigor o não é. Sua origem
é propriamente democrática. Só podem scl-o, as duas
primeiras, cujo característico principal é a hereditariedade;
c d'cilas se pode allirmar coin segurança que constituem a
— 91
menos racional tias formas d e governo. Elias degenerão
mais ou menos em olygarchia ou prcdominio de uma ou
poucas famílias á custa da oppressão da grande massa dos
cidadãos. Tam bém as aristocracias d’aqucllas especies,
que vemos frequentemente enthronisadas nos séculos pas
sados, serião verdadeiros anachronismos incapazes de im-
por-se aôs Estados modernos em tacs 011 quacs condições
de adiantamento c cultura.
Gênova e Veneza forão sem duvida, poderosas so b se o s
doges aristocralicus, mas no meio de constantes lutas de
facções que as ensanguentaram, e somente em quanto po-
deram monopolisar o com m ercio do Mediterrâneo e do
Oriente, c o s povos circumvisinhos se debalião na fraqueza
c nas desordens. Logo que estas circumstancias forão
desapparecendo, a sua decadência foi rapida, e um sopro
dcDonaparte bastou para aniquillal-as.
A sorte da Polonia é ainda um terrivel exemplo dos
deploráveis effeitos de semelhante governo. Uma aristo
cracia ferrenha de alguns milhares de nobres, sob os ex te
riores de uma monarchia nominal, pesava sobre aquella
infeliz nação de l i milhões de habitantes, que veio a ser
ires vezes dividida entre as grandes potências lemilroplies,
c afinal inleiramentc riscada da lista dos Estados.
A monarchia pura ou simples dá-se quando todos os
poderes públicos c a suprema administração da sociedade
são exercidos por uma só pessoa ou em seo nome ou sob
sua privativa direcção, embora por meio de leis de carac
ter mais ou menos geral e fixo que essa entidade decrete,
ou como diz M a ç a re i,— quando todas as molas da m a-
cliia governativa se reunem em uma só mão, c são subor
dinadas a um centro commum.
Este mesmo publicista, de uma maneira succinta,
porém clara, nos assignala as vantagens e os perigos d’csla
forma de governo. Elle nos faz ver, que se por um lado
não se pode conceber outra cm que com um menor esforço
se produsão effeitos mais consideráveis, e mais facilmente
se faça marchar tudo a um íim idêntico sob o impulso de
um mesmo movei, por outro lado, nenhuma ha também cm
que a vontade individual de um só homem predomine mais
sobre todas as vontades sociaes, podendo acontecer que
nem sempre aquella tenha cm mira a felicidade publica.
— 92 —
Com efíiiiio seria csla a melhor das formas governati
vas si a p arda unidade e do vigor que ella pode imprimir
na direcção e marcha dos negocios sociaes, não corresse
o risco em m in en le de cahir muitas vezes nas mãos de m o-
narchas ineptos, perversos ou corruptos; tanto mais
quanto ella tem igualmenle por característico principal a
hereditariedade do poder, e por via de regra não provém
do voto nacional, devendo sua origem á usurpaçlio, que .
nenhuma antiguidade pode legitimar.
Mas admitlido m esmo que por voto da nação se esta
beleça no seo seio a monarchia pura, e ainda quando ella
se exerça segundo leis ou no meio de instituições filhas
do proprio m onarcha, destinadas a regular a sua autori
dade, nenhumas garantias solidas offerece á liberdade c d i
reitos dos cidadãos. Aquellas ou quaesquer outras b a rre i
ras serão insufficientes para conter um poder assim con s
tituído, que por fim as absorverá, annulando-as quando se
tornem incommodas aos seos planos de denominação
absoluta.
Neste sentido abundão infelizmente os exem plos nos
annaes da sociedade h u m a n a ; é mesmo isso a historia
com m um e quotidiana de todas as monarchias d’ esta es-
pecie. Em cada século apparece n e lla s um ou outro
monarcha verdadeiramenle digno do am or e veneração
dos povos, todos os mais os sacrificão, mais ou menos V o s
seos verdadeiros inleiesses, as suas ambições de poder ou
vã-gloria, quando os não immolão em altares ainda mais
impuros entre os applausos dos favoritos e lisonjeiros.
Para obterem aquellas garantias de modo efficaz, tem
sido os m esmos povos induzidos a abandonarem as formas
de governo puras, e. a recorrerem a combinações mais ou
m enos bem calculadas dos elementos mais aproveitáveis de
cada uma, para^assim com porem uma forma mixla que
reuna as condiçoes de uma melhor constituição e organi-
sação polilica. Ahi podem mais ou menos predominar os
elembntos proprios de alguma d a q u e lla s ; mas em geral a
sua concepção mais rasoavel e mais própria para chegar-se
áquelle desideratum, é a que nos aponta o C om pêndio no
b-W: ou cm lermos mais amplos, a que consiste na insti
tuição de um chefe suprem o no Estado tendo a seo lado
uma ou mais asscmbléas de eleição popular, e na conve-
- 93 —
n ienle deslribuição e n lre elles do exercício dos diversos
poderes públicos.
O Estado assim constituído será por via de regra,
uma m onarchia, se aquelle seo chefe suprem o for hereditá
rio ou perpetuo ; ou uma republica, si elle for electivo e
temporário. Mas em am bos os casos a sua constituição
será analoga, democrática no fundo, e representativa a
forma do seo governo.
CONTINUAÇÃO DO C APITU LO VI
Preleccão XU
■ ^ 41 — 44
C A P IT U L O VII
Prelecção XIII
§ § 4 5 — 48
Preleeçâo XIV
§, M
Prelecção X V
§S 30 - 51
Tracla o Compêndio no § 50 especialmente das 1'unc-
çõcs do poder executivo.
Já tivemos occasião de dizer quanto é importante o
papel d’este poder no Estado, c para o confirmarmos nada
melhor poderiamos fazer d o q e e repetir, cm resumo, o que
a este respeito diz o illustrc autor d’ esle Compêndio cm
outra sua obra ( 1 ).
« O poder executivo é a força motriz das sociedades
políticas ; representa nesses corpos moraes a potência mis
teriosa do homem que reune a acçao á vontade. A de
marcação, porém, de seus limites, e a concialiação exacla
dos seus meios com os seus fins, offerecem ao espirito h u
mano um dos mais vastos assumptos de reflexão. A sua
constituição c a principal diflicnldade de todos os syslemas
de governo.»
Prelecçâo XVI
§§ 5 3 - 5 4
Prdcccâo XVII
§§ 5 5 — 58
a«e« 0
CAPITULO X
Prelecção XVUI
S§ 5 9 - 6 2
snaosha rmuiia
: Xprecisão
» » n««•. r?tccc-,,os’ ci"rcla"10
estas 1 ^
’*•
(lc dizer-nos o
Prim eiram ente crem os que cm manler a
Compêndio restaurar a ordem *i crimc naodcSap-
on lem , pois que ° . m ' da pena, c e s t a , por
parece pela imposição ç soflnm dadc q „ er 0 índi-
conseguiiilc, nunca restiluc quer , 1 primitivo ou
viduo que foi victima (1’aquelle, ao social por aquellc
a n t c j r . Mamem ac, a ” e m * q” e » l'e»a
meio, c isto cx aciam en te em razuo . ‘ . * crjines
produz, e pelo qual previne a piati primeiro e
' o à J - M ainda .reata é, a
terceiro íins que o Compêndio a ^ s c n |jr de exemplo
restauração da ordem na sociedade ^ um só, restaurar
na mesma, se podem em rigor sle (, uc nao será
ou manter a ordem naquelto m se a\ a| rosullado.
propriamente senão o modo t e um dos Uns
Quanto a ser a corrccção d nhieceão. Conce
da pena, lambem se pode mover a g jsso a
be-se bem um criminoso incorng vel sem clerisli.
pena que s c lhe appVique deixe de t ^ a razão e o
cos que a devem constituir , c a i t , nL endurecido
simples bom senso nos dizem, que J lc»itima será
no crime for aquellc, mais necessária e ^ a l m c r u c inbc-
ella. Si pois essa correcçao nao , com0 um dos
rente á pena, não se pode cm i 'g or v |,om systcma de
seos fins. Sendo aliás certo, que * |(!var a possibi-
penalidade muito se deve attemier a ’ ' „a espçcic
lidade da emenda do delinquente muito em conta na i
e no modo da pena que sc lhe mulalis mulandis ao
O mesmo raciocínio sc app „ uü é anlcs ,,ma
exemplo que das penas possa ^ j fir cm vista, do
qualidade ou condicção que n ell £ sias não deixão de
que propriamente um dos seos n• ■ • , sua necessidade
sel-o verdadeiramente, e nada p e n‘e ito que n’aquelle
e legitimidade por menor que s j.
sentido produsão. „ v1(.ias áccrca dos lins
E co m estas n o(5es contestado a
da penalidade, que em srande l » " c sc
— 13G —
18
— 13 8 —
Prelecção XIX
§§ 6 2 - 0 3
• C A PIT U LO XI
PROMULGAÇÃO DAS L E I S ; R E G U L A M E N T O S ; S E N T E N Ç A S ;
Prelecção XX
64 — 66
V
149 —
Nacional, o no entretanto não dar-se ás leis que os çonsig-
nào uma publicidade solemne, clara e própria para que che
guem á noticia de todos quer as suas prescripções, quer a
intimação do poder publico competente cxigindo-lhes a sua
observância.
Já vimos que esse p o d eré o executivo, e que só d'elle
pode vir a promulgação das leis com todos os requisitos
que lhe são necessários. E’ portanto com razão, que Hello
combate a doutrina admitiida na Inglaterra, e sustentada
por Smitli e Blaskslone, que dispensa aquella promulgação
do modo porque a temos concebido, mostrando que essa
doutrina repousa apenas sobre a ficção de que na quali
dade de dclegante a Nação está presente no corpo legisla
tivo quando este decreta as leis. Fic.ção que aliás o pro-
prio iacto d.i delegação desmente, pois que de outra sorte
esta não teria objeclo.
Mas si todo o Estado se compõe de parles diversa
mente distantes do centro onde tem sua sede a autoridade
que publica as leis, é ainda claro, que não basta para
aquelle lim a simples primeira publicação d’ eslas n’aquelle
ponto,que ella deve aproximar-se o mais que for possível ás
suas differentes localidades e, segundo as distancias d’eslas,
marcar-se prasos correspondentes cm que se possa com
bom fundamento presumir a real difusão de sco conheci
mento em cada uma,
Mais vale, diz Berriat de Sainl Prix, retardar os eflei-
tos de uma reforma, do (jiie perturbar as expectativas par
ticulares; e nós diremos, do que perturbar todas as suas
relações e direitos, visto como a isso equivalería o sugei-
tar-se á disposição de uma lei netos praticados antes de ser
esta conhecida
Esta consideração nos leva naturalmenlc á questão da
relroaclividade ou não retroaclividade das leis, a que. se
refere o Compêndio na ultima parte d’este paragrapbo.
Diz-nos elle alii que do faeto de não obrigar a lei senão
depois de sua promulgação, deduz-se que uão pode ler
effeito retroactivo.
Na verdade applicar-se uma lei ' a actos que lhe são
anteriores, ou punil-os como crimes não sendo taes ao
tempo em que forão praticados, seria uma cilada contra os
cidadãos, injustificável c indigna do pqiler social.
Km uma sociedade onde o legislador tivesse o di
reito de allribuir ás leis semelhante cffcilo ninguém se po-
deria julgar seguro ; porque nenhum acto haveria que de
um dia para outro não podesse ser convertido em crime
e como tal punido.
Todavia não quer isto dizer que se deva reputar in-
quinadas de retroactividade as leis civis ou administrativas
ou concernentes a ordem c moralidade publica.ainda quando
applicadas a condicções a que antes andavão annexos c e r
tos direitos, e quando modificão estes para o futuro, so
bretudo se dos proprios a quem ellas aproveitão ou. preju-
dicão depende a opção entre o subm elter-se á suas dispo
sições para gozar do seo favor, ou eximir-se d’ ellas rennn-
ciando á sua posição anterior.
Assim a nossa lei de A d e Setembro de 18 4 7 ,a p p li-
cada aos filhos naturaes nascidos antes d’ ella, ou a que
augmenlasse a idade exigida para a maioridade, applicada a
indivíduos ífaquellas mesmas circumslancias, não poderião
ser como taes consideradas; nem tão pouco as que dim i
nuíssem vencimentos ou augmentassem condicções de apo
sentadoria dos funccionanos públicos, que outras leis pre
cedentes houvessem garantido, Taes leis poderião ser iní
quas, ou de injustiça revoltante, mas não serião propria
mente retroactivas. Aliás nenhuma lei nova deixaria de
sel-o,^ e nenhuma deveria ser executada, porque todo o
cidadão teria o direito de invocar contra as suas innova-
cões o regimen sob que houvesse nascido, ou alcançado
qualquer vantagem social.
O principio de que as leis não podem ler effeito re
troactivo, não c lambem applicavelás leis puramcnlc inter-
pelrativas. Kstas podem c devem com prehender em suas
disposições e regular os proprios casos já iuleiram enle pas
sados, que erão até então considerados fora de sua alçada.
Salva a equidade que em taes circumslaucias deve ser
observada para com aquelles que em bôa fé as deixarão de
cumprir, é evidente que pela inlerpetração das leis não se
laz senão esclarecer algum ponto das mesmas mal euten-
' i o, c reslabellecer a sua verdadeira signilicação. Em
lese, pois, a applicação do sua saneção áquclles casos, não
amhem outra cousa mais do que a sua liei execução a
icspcito de actos que realmenle lhe erão sugeitos e que só
— 151
Prelecção XXI
§§ 0 7 - 7 2
21
CAPITULO XII
Prelecção XXII
§§ 7 3 - 7 6
No § 73, opta o Compêndio pelo imposto progressivo
sob o fundamento de que a cada cidadão deve concorrer
para a cooperação social não só segundo as suas posses,
mas lambem conforme as suas necessidades ; c do modo
porque ahi se exprime dá-nos a entender que a contribui
ção simplesmente proporcional não é igual entre os que
possuem apenas o necessário para a sua subsistência, e os
que tem meios para viver na abastança ou no luxo.
E’ verdade que o mesmo Compêndio admitle que a
proporcionalidade do imposto é rasoavel applicada a fortu
nas que não deffirão muito umas das o u tra s; mas como
seja difficil conceber-se uma sociedade política de certa
importância, em que esta condicção se verifique, segue-se
que, segundo a sua maneira de ver, a imposição progres-
siva é a unica adoptavel em qualquer Estado, ou pelo m e
nos a que deve constituir a regra no sco systcm a de co n
tribuições.
Será esta doutrina acceitavel ? Ser3o bastante convin
centes em favor d’ ella quer as considerações contidas no
citado paragrapho do Com pêndio, quer os argum entos que
elle expende no § 7 5 , cm resposta á sua impugnação que
lam bem expõe no § 7 4 ?
Parece-nos que não.
E ’ esta uma questão propriamente dos domínios da
Econom ia Polilica, pelo que não só não nos com pete dar-
lhe grande desenvolvimento n’ esta cadeira, com o até sen ti
mos grande acanham enlo cm aprecial-a contestando a
opinião do illuslre autor do Compêndio, que n aqu ella
sciencia é mestre abalisado. Cum pre-nos, no entretanto,
dizer alguma cousa a similhante respeito.
Não vemos realm entc razão alguma plausível para que
a mesma som m a de fortuna de um ou de diversos cidadãos
deva contribuir differentem ente, ou com que justiça o
conto de reis d’ aquelle que possue trez ou quatro seja
obrigado a pagar mais imposto do que fiada couto d’ aquelle
que possue som ente u m . Sem duvida tanto vale o conto
( fe s le com o cada conto do primeiro ; o si o que mais goza
na sociedade, desde que pelo excesso paga ainda o m esm o,
desde que paga tantas vezes o imposto quantas este é supe
rior á unidade tributada, que mais pódc o Estado exigir
d’ elle rasoavelmente ?
Não é exacto que pela imposição sim plesm ente pro
porcional se prive os que tem m enos fortuna de algum co m -
modo ou vantagem de que se não prive lam bem os que a
tem maior. Si essa privação se dá realmenle. a respeito
d’ aquelles e não d’ estes, não é em razão do imposto nem
da sua proporcionalidade, e sim em consequência da pró
pria differença on inferioridade de sens leres, inevitável em
ioda a sociedade polilica, e que esta não pode, nem tem o
direito de fazer desapparecer por meios forçados e arti-
ficiaes, .
A ccresce que quem mais tem, lambem maiores neces
sidades experim enta, e necessidades muito legitimas, cuja
satisfação o Estado não deve tornar clifiic.il ou onerosa
sobrecarregando de impostos, que nenhum outro principio
— 164 —
jnstilica. Tanto mais quanto as fortunas particulares,
e.xaclamente na ra/.ão de sua importância, além de im pos
tos superiores, deixão á sociedade outras vantagens que
mais ou menos contribuem para o seu progresso e riqueza
com m um , e is so se deve levar em conta nos proveitos que
á mesma é licito tirar d’ellas.
E’ com razao que os impugnadorcs d’ esle systema no-
tão-lhe com o um grande vicio, o não poder clle ser ap-
plicavel indelinidamente a lodo crescim ento das fortunas,
ou das rendas, sob pena de absorvel-as na maxima parte,ou
de deixar fóra da progressão as que excedâo o seu limite ;
e o Compêndio não responde satisfatoriamente a esta ar
gum entação. Para evitar aquella absorpção a taxa do im
posto progressivo, chegada a certa altura, leria necessaria
m ente de deerescer, e a desigualdade da contribuição en
tre as diversas fortunas ou rendas inferiores c superiores
ao termo adoplado na progressão, seria manifesta e sem
justificação.
Mas não é só ahi que essa desigualdade se revela em
sem elhante modo de imposição.
A progressividade que necessariamente tem de lom arcertos
p on lo sd ep a rlid a ed ep a ra d ap a ra as suas diversas taxas, deixa
sem pre nos pontos intermédios a supposla desigualdade
sim plesm ente proporcional, que pretende evitar, c que e n
tão se torna real, e tanto maior quanto as porções de fortu
nas ou de rendas sobre que tem -se de perceber o imposto
mais se approximão dos extrem os immcdiatos de cada duas
series successivas da progressão. Assim haveria razão
para perguntar-se com que justiça ou lógica se exigiría que
um conto de reis de renda pagasse 2,,/° por exem plo, e um
conto e um. mil reis 3 '/„ ? c a esta pergunta não poderião
os sectários do imposto progressivo dar uma resposta cabal.
Quanto ao segundo inconveniente do mesmo systema,
consistente em que elle attaca a perseverança no trabalho,
o am or da econom ia, e o progresso do capital, lam bem não
nos parece concludente a refutação do Compêndio, E’
claro que tudo isso, a actividade industrial, os estímulos
para a accnmulação das fortunas, dos capitaes, e do seu
emprego reproduclivo, devem necessariamente arrefecer
diante d’ aquelles obstáculos, ou de um modo de contribui
ção que rouba ao induslrioso e ao capitalista uma parle
— 165 —
lanto mais considerável do resultado dos seus cxforços,
quanto mais estes procurào avanlajar-se.
Como que ha no fundo d’ este systcma antes uma
exploração do trabalho individual e industrias do cidadão,
imprópria do Estado, do que uma exigencia fundada cm
necessidade real da communhão ; mais um desejo arbitrá
rio de angmenlar a todo o custo a renda publica, que aliás
pode até ser por tal expediente diminuída, do que impor a
cada cidadão segundo as regras da justiça.
Em summa, diz com razão um autor de nota, «o sys-
tema de impostos progressivos, com quanto pareça á pri
meira vista mais conforme á equidade, tem o deffeilo de
desanimar o trabalho e a economia, e offerece na pratica
tantos outros inconvenientes, queapezar de tentativas rei-
teiradas, não tem sido possível admitlil-o deíinilivamente.»
Em França elle é applicado, em medida muito mode
rada, apenas ao imposto pessoal e sobre os moveis ; c com
effeito só muito parcialmente e a respeito de um ou outro
ramo do contribuição directa poderá ser elle adoplado sem
aquelles inconvenientes, e com possibilidade de execução.
Si pois, além dos vicios que lhe temos notado, não
pode a progressão ser applicada aos impostos indirectos,
que em geral constituem a principal fonte de renda dos
Estados, é evidente que não pode ser ella lambem, como
aliás pretende o Compêndio, o principio fundamental da
imposição, e que apenas como cxcepção e em escala muito
limitada pode ser açceita como base d’ esla.
A simples proporcionalidade dos impostos, além de
s e r e m geral mais justa e mais igual, é mais facilmente ap-
plicavel a toda a cspccie d’elles, e mais desembaraçada na
pratica da necessidade prévia de cálculos das fortunas e
rendas, que aliás variâo quotidianamente. Como a tela de
Penepole, seria necessário desfazel-os e rcfazcl-os todos os
dias no syslema progressivo. _
Si a creação dos impostos é uma necessidade impres
cindível cm todo o Estado,não o é menos a da força armada
de que trata o Compêndio no § 76, para a sua delesa in
terna e externa. . . . . .
Como diz Silvestre Pinheiro — as mais sabias insti
tuições não seriáo bastantes para prevenir os ataques que
contra a ordem c segurança do Estado poderião provir dos
— 166 —
Prelecçuo XXIII
$$77-78
paute n
C A PITU LO I E II
Prelecção X X I V
§§ 79 - 82
1’rclcccâo XX V
§§ 83 - 87
Si, como vimos cm nossa ultima prclecção, nenhum
poder humano é competente para violentar as crenças intli-
viduaes csuas legitimas manifestações, si temos por isso,
a liberdade d’aque!las e dos cultos, é ainda do mesmo
modo, evidente que lodosos que professem qualquer reli
gião no Estado, e tcnlião portanto a indeclinável necessi
dade de pralical-a, devem ler igualmente o direito de a s
sociar-se para esse fim, como nos diz o Compêndio
no § 83.
E’ justa essa tendência dos homens que nutrem as
mesmas ideas e os mesmos sentimentos á pol-os em com-
mnnlião regular c permanente-, pois que só mediante a
cooperação e a ordem que d’alii resnllão podem ser elles
mais commoda e ellicazmentc cultivados, desenvolvidos e
propagados; e si esta aspiração é própria e commum a
- 184-
lodas as convicções profundas e sinceras, em nenhuma é
t 4 o V ' f é Ura ° ma'S V' Va <IU0 n'atl KGJlas que respci-
E só no grêmio de laes associações que osla se pode
cxpan ir, apurar-se, dar testemunho solemne d e s u a b o n -
<lade e pureza, satisfazer aos anhelos da devoção de seus
‘ ^ os’ e a^(fulr|r novos. Uma crença religiosa isolada
2 ,Ç i<e. Cai 3 ina,.vl(,u°i 011 limitada a viver no reco-
n e n r e nnfnln1 domesllco C01™ risco imminente de dege-
a tm ciiv n s Httecer-se, e perde muito de sua grandeza e
coiUemol^nn , C0',scie" í ' a do sua unidade e extensão, a
os esiinmln llS anle das Itomcnagens <|ue sc lhe rende,
nfra ó si u qUC “ C0lP1m " " ,'«° cria, os exemplos que ins-
í n i L , r mm,,nula(le ,los ,nale» 011 seffi imeiitos que
a , ' j a° i Ü1(l? conc?rre para fortalecel-a, exallal-a, e tor-
vicas 1 daS m a‘S her° ' Cas virtl,des religiosas ou ci
, ^ a0 P0's i 0 Estado ler o direito de impedir que
aes associações se formem c vivão no seu seio em ne-
liuma í-Bzao plausível poderia fundar-se semelhante
P ençao; ao contrario os seus proprios interesses bem
tecçio ld° 8 ° aCOnsell,ao a lilteralisar-lhes a sua pro-
Mas si toda a sociedade suppõe um governo nue a di-
nja, e que lenha poderes suíTicièntos para isso, c claro o e
toda a associação religiosa o deve ler, como nos diz o Com
pêndio no § 8 * , e que esse seu governo deve encontrar no
Lslado todas as garantias de que careca para obrar, em
quanto se contiver nos domínios que liie são proprios e
Vrelecçâo ATAVA
$ 88
25
— I9i —
xilios. Para os verdadeiros lieis, e alé para os proprios vi
ciosos, a austeridade e a virtude são os melhores lilulos ao
seu respeito, sobretudo quando aquellas são ehrismadas
pela pobreza e hum ildade; só isso pode com effeilo, asse
gurar aos ministros de qualquer religião, a iudependencia e
autoridade de que ellcs devem dispor no desempenho de
suas nobres funeções. Aquelles que embora pregando t o
das as virtudes, dão o exemplo de todos os vícios, ou que
abração o sacerdócio, porque o Estado lhe consigna uma
congrua, e s ó o exercem co m a mira nos mais beneses que
elle rende, e quando os pode render copiosamente, esses c
que devem temer o justo abandono e despreso com que os
fulminem os fieis. O ministério religioso deve ser como
a mulher de Cezar, superior a toda a suspeita • quando
com razão ou sem ella, se lhe pode lançar em rosto a paga
ollicial que recebe, corre perigo imminentc a crença na sin
ceridade de suas convicções, c na santidade dos motivos
que o impellem ; e d’ ahi exteude-se insensivelmente o
scepticismo ao que ha de mais essencial nas religiões.
E sem duvida no regimen das religiões e cultos s u b
vencionados, em que o sacerdócio sc converte em oíficio,
que a íelaxação dos ministros cedo ou tarde se introduz e
acha poderoso alimento ; pois que é já a relaxação das
cienças a razão principal de seu estahellccimenlo.
Supponha-se em uma religião qualquer crentes sin ce
ros, ministros desinteressados, e um culto singello, e não
se lenha o minimo receio de que as necessidades d estes
sejão superiores aos dons gratuitos e espontâneos da devo
ção pai ticular, e que aquelles venhão a morrer de fome ou
fiquem mhibidos de trovejar contra os vicios e os crimes ;
ao contrario, é então que o poderão fazer com mais inde
pendência e autoridade. Mas, quando mesmo para não
vender aos poderes da terra a sua pureza c dignidade por
um prato de lentilhas, houvesse qualquer religião de expor
os seus ministros á penúria ou á morte, não deveria.exhitar
nm momento cm dar esse testemunho solemne de sua le -,
tal loi o procedimento heroico dos primeiros christãos af-
Irontando os leões do circo Romano, e os martvrios atro
zes do furor pagão.
E uisie o argumento do Compêndio em appoio de
- 19a —
Prélecçâo XXVII
$$ 8 9 - 9 1
zsrr * ......
0
Cl V
,„ ,
cH aM)atla
aüC:lll,r da- celeste ; os de Campa-
U ) PÇrseguidos, o prim eiro por le r dito . tio
•n. dos m undos era inlinito, c segundo por ler
ilém' dVsi ° s.a " o ,ie circulava no organism o hum a n o ; e
nlo m , ’ °> ‘ ü lai!t,,s 0111108 sahios illuslrcs ou gênios,
n í
■ v
1.1 i v li a, l os, o l>or suas opiniões pura-
• • P ,,!' |cas, ou por suas desco b e rta s nas sc ien-
cias e x p e rim en tae s. .
h m suinm a, por qualquer lado que se co n s id ere a li-
d. dc, do p ensam e nto, ou da sua m anifestação pela pala-
nan ° \ 0 n n l'oss,vel e n c o n trar-s e uma razão justa
li ticos do |* l;n,|" cssao Q " e ^a sc refere aos oegocios po-
- I j Lstado, e então todos os m em bros d 'e s le a devem
201
Vrelecçâo XXVIlí
§ § 92 — 9 i
I.IBERDADE I)A im p r e n s a
Prelecçuo XXIX
SS 93 - 97
O Compêndio nos define no § 95, o tjue seja a im
prensa ; e para demonstrarmos a realidade do direilo <|iie
deve ler lodo o cidadão de publicar por meio d’ella suas
ideas ou opiniões, basla referirmo-nos ao que diz, a esse
respeito, o mesmo Compêndio no § 9 6 .
Com effeilo, si lodo o homem lem a faculdade de
iransmitlir seus pensamentos aos mais e dc acolher os que
estes lhes queirào connminicar pela palavra ou por cscripto,
e lambem a de ensinar e receber o ensino, por esses meios
ou por quaesquer outros a isso appropriados, como já pro
vamos, é claro que não pode deixar de pertencer-lhe o di
reito dc usar, para aquelles mesmos fins, da imprensa, que
é na sociedade o mais poderoso e profícuo meio de com-
municaçâo e ensino reciproco para seus membros.
— 214
Mas si por csla razão, c mais consequências qne d ’ahi
decorrem, é a liberdade da imprensa uma das mais p r e
ciosas do cidadão, é lambem de Iodas a que tem sido e
será sempre mais exposta a reslricções e ataques. A liber
dade da palavra em geral, e mesmo a do ensino fora da im
prensa, poderáõ mais ou menos escapar aos grandes altcn-
tados de qualquer poder, e manter-se até certo ponto no
meio de suas v i o l ê n c i a s a d ’aquella, porém , não só pódc
ser facil e gravém ente embaraçada em cada uma de suas
manifestações, como ainda inteiram enle abafada de um só
golpe.
Contra a imprensa, sobretudo, indigna-se a tyrannia
diante da qual ella se ergue com o orgão dós opprimidos,
denunciando-a e atordoando-a com a sua incessante flagel-
lação. Dispertador vigilante da consciência c dignidade do
cidadão, é ella realmente a machina mais terrível que os p o
vos conscios de seus brios e direitos podem asscslar contra
os desposlasdc qualquer genero, e a que estes raras vezes
resistem por longo tempo.
Explica-se, pois, o odio d’ aquelles contra a imprensa
livre, mas de nenhum modo se justifica. A censura imposta
á publicação ou circulação dos livros, jornacs, ou qualquer
outros impressos, a que allude o Compêndio em uma das
suas notas ao § 9 7 , é, em lodo o caso, a mais estúpida das
invenções da ignorância c do fanatismo dos séculos passa
dos. Para nos confirmarmos ifc s la convicção basta m os
trarmos as extravancias e horrores da censura cm um dos
mais adiantados paizes da Europa.
Os thcologos da Sorbonna cm França liavião já con-
demnado o illuslrc Abaillard por ensinar, que nenhum ho
mem deve crcrcousa alguma sem ler bôas razões para isso.
Mas tarde, sob o reinado de Francisco 1 o pai das Icllras, e
de seus successores immediatos, recrudesceo o furor d’ a-
quella. Foi proscripla a — Sabedoria — de Charron, que
ainda boje é um dos melhores tratados dem orai Uma e x
tensa lista de obras prohibidas foi organisada pela univer
sidade de Paris, figurando entre cilas os — Psalmos — de
Marot, os escriplos de ítabellais, etc. Não foi mais permit
i d o publicar-se quaesquer traducções da Biblia em lingua
'ulgar. Nenhuma caixa entrada do estrangeiro podia ser
aberta sem assistência de dons doutores em lheologia. O
— 215 —
Prelecção XXX
$§ 98—101
L IB ER D A D E DA IN D U STR IA
Prelccçào XXXI
§§ 102 — 10(>
30
gonknuação no capitulo vi
1'rclecção XXXI[
§§ 107-100
IJIR E IT O -D E RE U N IÃ O , E DE ASSOCIAÇÃO
Preleceão XXXIlI
§§ I 10 — 113
P R O P R IE D A D Ü ; — D IR E IT O SOCIAL EM RELAÇÃO a’
M E S M A ; — IM POSIÇÕES — SER V ID Õ ES
1'relccçâo X VA / V
■ §§ 41 í — 1 lí)
Prelecçâo XXXV
§§ 119— 121
Prelecção XXX VI
§§ 121 — 122
Na prcsenlc prelccçJo tomos dc traclar primciramenle
do direito de leslar, c da successão tesiamentaria, ainda soli
o ponto de visia d cseu fundamento, das regras que llie pode
impor a lei social, c das garantias que lhe deve prestar.
Aquelle direito, como já dissemos, ó uma emannçao
directa dos princípios do Direito Natural, uma consequência
necessária do direito de propriedade, ou antes é este mesmo
dircilo cm sou ultimo c mais solemno moilo do c x o ic u s< .
A circunstancia dc ser o testamento uma disposição de bens,
que só tem de realisar-se depois da morte do testador, em
nada affecla a sua legitimidade; negal-a, seria negar-se a
de quaesquer iransacções sobre a propriedade mesmo inler
Vivos; pois que sobre estas devia influir, do mesmo modo
e pelas mesmas razões, a supervcniencia do fallecimento
- 202 —
Prelecçào XXXVII
■ § 123
Preleccão XXXVI
%m - 12(5
' Os lioinons são loilos idênticos na sua oiganisaeão ; nas
suas faculdades fundainenlaes, c no seu ultimo destino, a
tacs respeitos nenhuma diflereuça fez entre elles a natureza.
Portanto todos os legítimos desenvolvimentos que elles pos-
são dar a esses atlrihutos essenciaes e commmts de que re
sulta a sua personalidade, devem ser do mesmo modo reco
nhecidos, e encontrar igual garantia na sociedade humana.
Mas a possibilidade d’esses desenvolvimentos da per
sonalidade individual, e sua applicaçflo a todos os objeclos
susceptíveis dos mesmos, são segundo a justiça absoluta,
que constituem o complexo de seus direitos, já con side
rados estes como simples potências, já como realmente
verificados íCaquelles ; c si a justiça social deve conformar-
se com nquella, salvas as modificações que a existência da
sociedade exige, e que ainda assim devem influir por igual
— 27 G —
Vrélecçâo XXXIX
§§ 127 - 131
Prelecção XL
% 131 — 134
F I M
ÍNDICE
• PA G .
ADVERTÊNCIA............................................
AOS LEITO RES (da primeira Edicção). . .
P a r t e p r im e ir a
í^ a r te s e g u n d a
ERRATA
PAG, LIN. ERROS EMENDAS