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PRELECCOES .

>
DE .

DIREITO PUBLICO UNIVERSAL


. SOBRE O COMPÊNDIO

S R. C O N S E L H E I R O A I I T R . U
P 1ÍI.O

£ H \ 3 . ô i l u f i n t í»c £ t o u ? á
Lente 'Ia resp ectiv a cadeira na fa c u ld a d e <lo Recife

. .r -y J B T H C Ç A o g -

EDITOR

R V . 'De cUítaeòeit-od

LIVRARIA PRA1T33ZA ; LIV R AR IA IITDTISTRIAL


9 — iiua l.° de .Marro — 9 ; 7 — liua do Barão da Victoria — 7

PERNAM BUCO
Typogmpliia Universal — Rua do Imperador, n. T.0
F A C U ID A W
OE D IR E IT O

Digitalizado pelo Projeto Memória A cadêm ica d a F DR UFPE

ADVERTÊNCIA

São cm tudo applicaveis a esta segunda edicção de


nossas — Prcleccões dc Direito Publico Universal, — as
poucas palavras, que aos benévolos leitores dirigimos na
primeira. Foi unicamente por achar-se exgotada, e ainda
I a instâncias de nossos discípulos, que nos resolvemos a
preparar e publicar a presente, sem termos lido ainda
desta vez o tempo c vagar indispensáveis para organisal-a
com mais cuidado e sob melhor plano. Entretanto fizemos
nclla notáveis accresrimos e correcçues d primeira, que
podem tornal-a mais util aquelles a quem se destina ; e
. tacs são os nossos votos.

lkcife. Julho de 1882.


A O S L E I T O R E S

(da p r im e ir a edicção )

O livro que agora começamos a publicar não tem a prelcnção de


ser um tratado de Direito Publico, nem tão pouco a de ensinar cousa
alguma aos sábios, ou, simplesmente, aos homens já formados n’esla
scíencia. Nada encontrarão elles ahi de novo, ou de <pic possão tirar
mesmo qualquer proveito. _
Em compensação os mais leitores, si os liver, não acharão nelle
o estyllo nebuloso ou semi barbaro, nem a superabundancia de eru­
dição de livreiro, com qne n’esla especie de escriptos ou em quaesquer
outros, procuram muilos encobrir a sua real pobresa de ideas. E’
elle apenas uma explicação, não melhor, porém somente mais desen­
volvida das doutrinas do compêndio que lhe serve de texto, disposta
na mesma ordem em qne aquellas alli eslão destribuidas, que pftde
não ser a mais methodicu e conveniente, mas dc que não nos era licito
aflastar-nos á visla do fim a que o destinamos.
Deixamos em geral <lc parte, na analyse d’aquelle compêndio, o
que nelle nos pareceu não carecer ou não merecer desenvolvimento :
divergimos algumas vezes de suas idéas nas questões que cllo trata ;
e expomos e desculimos outras, de mais ou menos interesse, sobre
as quaes elle é omisso, ou apenas toca dc passagem ; mas tudo, o
mais summariamente possível, sem prejuízo da necessária clareza,
e procurando sempre comformar nossas theorias com as tendências
liberaes do século.
Si alguma vez confrontando certas disposições da nossa Cons­
tituição com os princípios, qne sobre os mesmos assumptos ascieucia
geraímente recommenda, notamos desacordo entre aquellas e estes,
tazemo-lo com o respeito que nos merece a mais importante das nos­
sas leis, e só por amor do que reputamos a verdade, da qul o ma­
gistério deve ser um escrupuloso sacerdócio. Não fomos levados a
isso por espirito de opposiçâo ou censura, nem podiamos repellir
taes disposições de um modo absoluto, cm consideração a regras que
necessariamente tem dc variar mais ou menos com as circumstancias
dos póvos. •
E’ fmalmcute, este nosso trabalho, uma obra imperfeita, qqasi
improvisada da véspera para no dia seguinte ser lida na cadeira, e
que só com o correr do tempo poderá vir a ser mais cr.mplela e me­
ditada, se algum conseguirmos roubar ás mais instantes necessidades
da vida que quasi de lodo o consomem.
Cremos énlrctanto, quo ainda assim, poderá cile, desde já, ser
alguma utilidade aquclles para quem foi feito, c a cujos desejos
* 0 ycrcm impresso, tivemos de annuir ; moços que apenas começao
rarreira de seus estudos jurídicos, cujas intelligcncias ainda não
affeitas ás suas luculirações, íiáo convem sobrecarregar com a tarefa
m ina de consultar inúmeros expositores c de coordenar em confor­
midade com o seguimento das doutrinas do compêndio, o q u en ’elles,
sem duvida, acharão, mas cm geral esparso, ou tratado sob diflerente

*K oar-nos-hemos por satisfeito sc podermos conseguir aquclle fim


modesto.

Abril, de 1871,

O Autor.
PRELECCOES
• DE

DIREITO PUBLICO UNIVERSAL

PARTE PRIMEIRA
C A P I T U L O í

DEFINIÇÃO 15 UTILIDADE DO DIREITO PUIíLICO UNIVERSAL


— ESTADO E SEUS FINS

Prclccção /

$$ i.° — s .°
A m e s de c n lrar-se na exposição e desenvolvim ento
dos princípios de qualquer sciencia de que se lenlia de
tratar cum pre que se a defina.
E ’ assim que o nosso Com pêndio no seo § L ° delin e-
nos o Direito Publico Universal— « a sciencia que deduz da
natureza e fim do Estado a m elhor organisaçãò dos poderes
públicos com o meio de assegurar o império da justiça no
seio da sociedade, e que determ ina os direitos e deveres do
Estado para com o cidadão, c deste para com o Estado.
Esta definição, com quanto possa não ser isenta de
defleilo, segundo o rigor logico, co m tu do é uma explicação
acceilavel da sciencia a que se refere ; pois que ahi se c o n ­
sidera o que ba nesta de mais essencial a atlen der se, com o
seja : o seu objeclo que é o Estado ; os meios de acção
deste, que são os poderes públicos uelle co n stituído s; o o
seu (im, consistente n a rea lisa çã o do império da justiça ou
do Direito entre os liom ens, ou quanto á cada Estado par-
tieularm ente entre os seus m em bro s. .
Alas aquelles mei«$ de acção do Estado para funecio-
narem regularm ente, e aquellcs direitos c deveres para se
tornarem elficazes no seo seio, n ecessitâo, com o verem os
no decurso de nossas lições acom p an han do o Compêndio,
de traduzir-se ahi praticam ente em um m echanism o mais
ou m enos system atico e com plicado, e em numerosas e va­
riadas instituições especiaes, que entrão todas na com pre-
liensão do Direito Publico. .
Os princípios ou regras desta sciencia, e os direitos e
deveres que ella determ ina, deduzem -se, co m o bem nos diz
o C om p ên dio, da própria natureza e fim do Estado, cm a is
rem otam en te da própria natureza h u m an a; pois que, em
ultima analyse, o Direito Publico Universal não é senão o
m esm o Direito Natural applicado á organisacão particular
de cada E stado. ■
Aquellcs princípios ou regras devem , portanto, ser
mais ou menos fixos e certos, c em geral, applicaveis a
todos os povos, lugares, e tempos. Desde que o homem é
esscncialm cnte idêntico em toda a parte e sem pre, idênticas
devem ser lambem as condições especiaes da constituição
e regim eu das sociedades políticas que form em os liomens,
em bora sejão estas diversas.
A s variações que a tal respeito podem dar-se, e n eces­
sariam ente dão-se, versarão apenas sobre as form as e x t e r ­
nas, ou modos, sob que esses princípios ou regras serão de
facto praticados, ou em relação ás condições e meios de sua-'
elfectividade.
C erlam en te não querem os dizer que de facto, todos
os povos, desde que se reunão constituão politicamente
segundo aquellcs princípios, ou que todos do mesm o modo
os con cêbão e adoplcm . O que dizem os é que todos clles
são igualmente aptos para a d o p ta l- o s ; que tal deve ser o
seu desideratum ; c que si nem todos os preferem e pra-
ticão, não é porque não sejão elles os mais conform es com
as necessidades e aspirações de sua natureza c aos fins do
Estado, mas porcircum slan cias accidenlaes, que fazem quo
elles os desconheção ou os concêbão difforcntem enle. E
V

laes podem ser mesmo essas circumslancias e sua especia­


lidade, que determinem c justifiquem notáveis diílerenças
na applicaçao pratica daquelles princípios ou regras á organi-
saçào e regimen politico de tal ou tal povo. J)’ahi a diver­
sidade até certo ponto legitima e necessária, nas constitui­
ções politicas, que formão o Direito Publico privado de
cada Nação.
D’aquellc caracter, que em geral, assignamos aos prin­
cípios do Direito Publico, provém a sua universalidade, em
razão da qual diz bem o Compêndio, que se pode denomi-
ual-o «philosopliia da ordem social.»
Quanto a utilidade desta sciencia, e do seo estudo, de
nenbum modo pode ser posta em duvida. Uma sciencia
que se propõe, i s d u ç ã o de problemas tão transceíenles,
como os que acabamos de indicar, não pode deixar de ser
ulil cm sumino gráo, senão a mais util de quantas possa
cultivar o espirito Immano, uma vez que todos os bens e
gosos que disfrueta o homem, ou lhe vêm do Estado, ou
lhe são por elle desenvolvidos, c garantidos ; e que o Estado
sem o soccorro da sciencia que o organisa e rege, a não ser
de todo impossível, seria um loco de confusão, desordem e
miséria.
Para nos convencermos praticamente desta verdade
bastaria lançarmos as vistas para os Estados modernos em
que a sciencia do Direito Publico e seo estudo mais se tem
avantajado, cpara as relações já de uns com outros, já com
os seus proprios cidadãos, e destes para com os seus po­
deres, e entre si, e comparal-os com aquelles em que a
mesma sciencia é menos conhecida ou cultivada, ou com
a maior parte dos antigos onde as noções imperfeitas dix
Direito erão abafadas pelo predomínio da força ou por uma
falsa concepção do governo dos povos.
Ninguém, de certo, ignora a differença enorme que ba
entre a condição polilica e social dos paizes mais adianta­
dos da Europa e da America onde mais ou menos domina o
legunen das instituições que a sciencia recommenda, e a
dos miseráveis povos da AlVica. e da maxima parle da Azia,
onde a par da ignorância dos princípios da mesma sciencia,
impera no Estado e na familia o despotismo com todas as
snas funestas consequências.
Diz-nos ainda o Compêndio no final do § citado, que a
— (i —
sciencia do Direito Publico c o fundamento da verdadeira
politica, que elle nos define na nota respectiva.
Assim é, com effeito, c isto basta para fazer-nos ver a
verdadeira relação em que está esta para com aquelle, e
vice-versa. A politica e o Direito Publico realm enle não se
confundem . Este não é como aquella, a simples arte de
aproveitar com mais ou menos habilidade e successo no
governo das nações os elem entos occasionaes que se po­
dem encontrar ou crear nas suas diversas situações. O
jgDireilo, em geral, lein por principio e fim a justiça, e a po-
d itica a força das circtimslancias c a utilidade social, s u ­
bordinada áquella. O Direito é um na sua essencia ; e si
modifica-se nos detalhes de sua applicacão pratica, ú s e m ­
pre dentro dos limites do justo, e sob as suas inspirações ;
ao passo que as regras da politica varião indefinidamente,
e sob as inspirações do ulil. A pratica conscienciosa do
Direito guiará sempre os povos nas vias da paz e da pros­
peridade, em quanto que os mesm os expedientes m era-
inente políticos, que ergueram tal ou tal Estado em uma
epoeba ao fasligio da gloria e da grandeza, poderão p recip i­
tar qualquer outro, ou o m esm o, em circum slancias diffe-
rentes, na obscuridade e no aviltamento.
Entretanto é claro que isto não quer dizer que o Di­
reito Publico e a politica não lenliào inúmeros pontos de
afinidade, ou que não possão caminhar unidos -, ao contra­
rio o devem , pois que o sco terreno é o m esmo, e suas re­
dras são com m uns sempre que o justo e o ulil social coinci­
dem . Ahi pertence a esta com o aquelle a solução dos
grandes problemas relativos á organisação e governo dos
povos. Dados por um os princípios geraes, de que não é li­
cito ás nações separar-se 11a sua constituição e regimen sem
injustiça ou perigo para seos cidadãos 011 para si proprios,
com pete á outra escolher e applicar os que forem mais co n ­
venientes segundo as condições peculiares de cada uma.
S i d o que temos dito resulta já uma noção geral do
que seja 0 Estado, cum pre-nos, entretanto , dar dellc uma
ideia mais precisa, e mostrar que elem entos são necessários
para que elle exista, segundo a sciencia. ,
O Estado, diz-nos 0 Compêndio 110 s e o § 2 °: «reunia
associação permanente de indivíduos e familias, habitando
um terrilorio determinado, sob um governo com m um , c

1^
para um li m que interessa a todos.» P o r o u tr a : é as o-
eiedade civil constituída em corpo de nação, regulando-se
por leis suas, destinadas a garantirem a lo d o s o s seos m e m ­
bros a o rd e m , a liberdade, o bem estar,e o p ro g r e s s o ; e go-
saudo de um direito m ais ou m enos exten so de soberania.
E m su m m a, é a nação politicam ente organisada ; pois
que nesta ideia de organisação social se abranjem todos os
elem e n to s indispensáveis para a subsistência, e boa direc­
ção do corpo político denom inado Estado ; e desde que por
naçào en te n d e -se uma massa mais ou m enos considerável e
bo m o gen ea de povo, mais ou m enos lixa em um lerritorio.
C o m effeilo, não se pode dar o nom e do Estado a uma
reunião de hom en s por mais num erosa que ella seja, desti­
nada apenas a uma co -ex isten cia provisória, sem um laço
c o m m u m capaz de íazel-a perdurar. Não seria essa a s o ­
ciedade hum ana para a qual o Direito Publico estabelece as
suas regras. Essa deve ser uma associação estável, na
qual se possa co n ta r, antes de tudo, com a continuidade e
a ce rto dos esforços de todos os seos m em b ro s, e de uma
autoridade suprem a ahi con stituída, no sentido de poder-se
alcan çar o gran d e fim a que o Estado se d e stin a .
Hordas ou tribus de nôm adas ou selvagens, c o n g re g a ­
das cm um ponto do globo, por m otivo e p h e m e ro ou para
a sim ples satisfação das mais instantes necessidades m aie-
riaes da vida h u m an a ; sem habitar co m anim o de fazer sua
tal ou tal porção da terra, su b m e lten d o -se nella ao freio e
direcção de um poder suprem o que as contenha e governe;
serão tudo m en os um Estado. Pois que este é, co m o d ice-
m o s, a sociedade civil organisada, e com taes elem en to s
toda a organisação regular é impossível.
Da definição que nos deo deduz o Com pêndio co m o co -
rollarios, qu e o Estado é uma sociedade perpetua, com­
posta e desigual.
No sentido em qu e elle explica estas diversas asser­
çõ es, p o d e m todas s e r acceitas sem in c o n v e n ie n te ; mas •
tam bém consagram cilas apenas uma dislinccão ou qualifi­
cações dadas ao E stado, p uram ente cscho laslicas, e sem
real importância na scicncia.
Sem duvida o Estado é uma sociedade composta, desde
que elle consta de indivíduos e famílias, que por sua vez
form ão no soo seio outras a s s o c ia ç õ e s ; aqucllas a socic-
— 8 -
dade familiar, de Iodas a mais im portante, e os cidadãos in­
dividualm ente, inúm eras ouiras particulares sob diversos
nom es, c para differentes fins, taes co m o , as sociedades re­
ligiosas, beneficentes, scientilicas, litterarias, artísticas,
com m erciaes, industriaes, ou m esm o políticas.
Perpetua, porém, não se pode considerar cada s o cie­
dade política ou Estado ; pois que estes form âo-se e desap-
parecem com o tempo e com as evoluções da hum anidade ;
são sugeitos ás vicissitudes de todas as instituições em cuja
existência, m echan ism o, ou jo g o entra a intelligencia e a
acção do hom em . A historia humana está m esm o cheia
de lições-terríveis neste s e n t i d o ; cila nos mostra com o os
grandes impérios de A lexan dre, de A ugusto e tantos ou­
tros que assombraram o rnuudo com a sua extensão e p o ­
der, sum iram -se, afinal, na poeira dos séculos.
P erpetuasse pode, entretanto, dizer a sociedade h u ­
mana em geral, a qual não se confunde propriam ente com
o Estado, e m enos ainda com cada Estado em p a r tic u la r ;
desde que cila precedeo a este, é a sua base, e mais ou m e­
nos perfeita existio sem pre, e existirá em quanto exista
o hom em com a sua natureza esseu cia lm cn lc sociável.
Quanto a ser o Estado uma sociedade desigual; o que
nos quer dizer com isto o Com pêndio, com o se vê de suas
próprias expressões, é unicam ente que ha no m esm o um
governo e súbditos, e que por tanto, sob o ponto de vista da
direcção social, ha da parte dos cidadãos subordinação, e
da parte dos poderes públicos, superioridade.
Não significa isso, de modo algum , que hajão no Estado
cidadãos ou classes que sejão mais favorecidas do que ou­
tras-, que haja para os mesm os partilha desigual dos beneficio,
vantagens, ou garantias sociaes, ou real desigualdade ju r í­
dica entre elles. Porquanto a igualdade de direito, ou p e ­
rante a lei, de todos os cidadãos e classes do Estado, é ao
contrario, um dogma do Direito Publico, com o o é do Di-
• reilo Natural.
Tam bém do que temos dito, em geral, do Estado, e
da sua própria definição, resulta já uma noção do sen fim
ou fins. Mas cum pre-nos desenvolvendo os §§ 3 .c e 4 .” do
C o m p ê n d io ,. occup arm o-n os mais particularm ente deste
assumpto ; e tanto mais quanto da dem onstração deste fim
ou fins do mesm o Estado, saliirá mais clara a demonstração
da necessidade e imporlancia de sua instituição.
« O fim do Eslado, diz-nos o Compêndio, 6 realisar na
sociedade dos homens a protecção do Direito, e o seo c o m ­
pleto desenvolvim ento em todas as suas possíveis applica-
ÇÕes, ou em uma palavra, fazer entre elles efleclivo o jim -
perio da ju stiça.»
O homem como ente racional c moral <|uc é, tem um
importante destino a preencher no mundo, sem faltarmos
de outro maissuhlime (|ue lheassignão a philosophia e a re­
ligião, e que aliás, tem com aquelle ligação intima. Para
conseguil-o lhe forão dadas nobilissimas faculdades, que o
destinguem de todos os mais entes da Creação, e ás <|uacs
elle deve dar o mais pleno e mais adequado emprego c sa­
tisfação. '
Dolou-o Deos com a intelligencia e a liberdade ; mas
aquella nem sem pre o esclarece suíTicienlemenle, porque é
de sua essencia o ser limitada ; e a liberdade, por isso
mesmo que é liberdade, nem sempre o faz optar pelo bein
ou pelo que é conforme com a sua natureza ou com aquelle
seo destino.
Ella o desvia muitas vezes do recto caminho quando de
todo entregue a si própria ; e desses desvios nasce o reinado
do arbítrio c da violência entre os homens desde que se
encoritrão, e que aliás, não podem viver no isolamento.
D’ahi a necessidade imperiosa de uma lei suprema que
lhes sirva de norma de conducta em suas mutuas relações,
ou da lei do justo, a que elles realinenle, e só elles, s ã o s u -
geilos. Essa lei existe, é da mais incontestável realidade ;
porém, por mais soberanas que sejão as suas prescripções,
não contem ellas em si mesmas os meios de im por-sc; não
podem por sua unica e intrínseca virtude fazer-se efleclivas
na terra.
O emprego dos meios coaclivos, da força material,
quando seja isso necessário, é uma condição inprescindivel
de sua execução. Mas a força a que se deve recorrer para
este fim nao pode ser a de cada indivíduo, nem a de qual­
quer grupo delles ; pois que é cx aclam cn lc contra os abu­
sos e excessos a que lendo o individualismo, que ella tem
de ser applicada • e porque, demais, essa força seria ainda
insuílicientc, uma vez que lhe poderia seropposta força
igual ou maior de outros indivíduos ou grupos.
■>
- 10 -
Por co n segu in te só um co n ju n clo ile torças superior a
to d as"essa s forças individuaes, e isento dos m oveis que de
ordinário as impellem segundo o interesse proprio e em
dam no alheio, pode desem pen har tão im portante in cu m ­
bên cia.
Ora esse con ju octo de forças não pode ser outro senão
o que resulta da co m m u n h ã o social, do Estado.
Em ultima analyse, antes e fora deste reinão n ece ssa ­
riam ente a desordem e a injustiça, que co n ve rte m , afinal, o
hom em no mais m iserável e im potente d o s a n im a e s , contra
os designios do seo Creador. Só quando surge o Estado
faz-se a luz nessas trévas-, só elle pode m oderar todas
as paixões, co n te r todos os ex ce sso s, reprim ir todas as
violências, e por vontade ou pelo con stran gim en to fazer
convergir toda a aclividade social para o hem c o m m u m ,
e para ser garantido a todos os seos m em bros, m esm o no
m eio das paixões ruins que os ce rq u e m , o mais amplo c
m ais livre goso e ex crcicio de todos os seos direitos, de to­
dos os aclos ou aspirações consentaneas a sua natureza e ao
plano da P ro vid e n cia , que nesta a seo respeito se revela ; e
ó nisto ex a cta m en le que consiste a realisacão da justiça cm
sua mais elevada con cep ção . Tal é, portanto, o fim do E s ­
tado .
Não pareça, en tretanto , que queiram os ex clu ir deste
tudo o que não consista na pura e simples garantia do di­
re ito , ou do que ó estricla m e n le ju sto. Não : o Estado é
sem duvida, uma instituição antes de tudo im m in en te m en te
ju ríd ica •, m as além do eslriclo direito e da rigorosa ju s ­
tiça, q u e lhe cu m p re assegurar a todos os seos cidadãos,
m uito lhe in cu m be ainda, e m uito pode elle effectivam eute
fazer em bem destes. C o m p reh en d e se na sua grande
missão p rom over ou facilitar os benefícios e vantagens dé
qualquer o rd e m , m ateriaes, in lellecln a es, ou m oraes, a qu e
aquelles em tal qualidade ou na de sim ples hom ens tenhão
o direito de aspirar, e elle o poder de m in istrar-lh es pela
sua autoridade, e pelos recursos im m en so s que a sociedade
reune nas suas m ãos. , , ..
Eis a con cepção lheorica do Estado, e e sq consutc-
rando-o nesla altura, e tendo em attenção a sublim idade <o
seo principio, e a grandeza ideal de seo fim, que s e pode
I

. - 11 —
denominal-o, como o Compêndio no sco § J5 ", uma socie­
dade perfeita. ' .
Com efleilo, si d’ alii descem os á realidade não pode-
m o sjdeixarde nolar mais on menos em qualquer Eslado, as
imperfeições inherentes a toda obra dos homeiís^ou cujos
bons eífeilos dependão destes. De faclo, nunca houve,
nem haverá jamais Estado algum que se possa reputar per-
feitamenle organisado ou regido, ou em que o grandioso lim
de sua instituição seja plcnamente conseguido.
O reinado de Saturno, que ainda assim era um Deos,
não passa de uma íicção poética da antiguidade, que d en u n ­
cia quando muito essa aspiração geral e perpetua que ator­
menta a especie humana na prosecuçâo do ideal de paz e de
ventura para o qual ella s e c r ê destinada.
As próprias utopias ou sonhos dos mais engenhosos
reformadores, não conseguiram ainda esboçar, mesmo no
mundo dos cbimeras, um plano de associação polilica capaz
de reunir todas as adhesões, e de acceilar-se com o modelo.
O que nos diz, portanto, o Compêndio, a respeito da
perfeição da sociedade politica, deve-se entender de ac-
cordo com o mais que no mesmo paragrapho se lè. Quer
elle dizer-nos som ente que o Eslado c a mais excellenle
das instituições h u m a n a s ; que o sco fim é grandioso.
/ .
CONTINU AÇÃO DO CAPITU LO I

ORIGEM E FUNDAMENTO DA SOCIEDADE C IV IL , OU DO


ESTADO ; — DO CONTRACTO SOCIAL

Prelecçào II

§ 6 .»
Sendo o Estado, como dicemos cm nossa anterior
prelecçào, a mais excellenle das instituições liumánas, o
la d o mais transcedente da vida dos povos, cumpre-nos
examinar com algum desenvolvimento, a questão suscitada
pelo Compêndio no seo § 6.°, de saber-se qual foi a origem,
e qual é o fundamento do mesmo Estado, ou da sociedade
civil-, tanto mais quanto isso interessa á m e lh o r intelli-
gencia e applicação dos princípios da sciencia, que nos oc-
cupa ; á uma mais justa apreciação da natureza e fins
daquelle, , .
Por origem da sociedade civil se entendera com mais
propriedade, a causa que de facto determinou "a íormação
da sociedade simplesmente natural e primitiva dos homens,
que precedeo áquella, e lhe servio de base-, c por seo iun-
•lamento a razão quu justifica e manlem propriamente a
existência do Estado, ou sociedade civil politicamente or-
ganisada.
Mas a questão de saber-se qual foi a causa determi­
nante da primitiva formação social, importa antes a preju­
dicial de saber-se, si os homens em algum tempo viveram
em um estado de completo affaslamenlo uns dos outros,
lóra de toda a sociedade de seos semelhantes, ou nesse es­
tado extra-social, a que se tem dado a denominação de es­
tado de pura natureza : e si admillida a realidade deste, é
clle o verdadeiro estado natural do homem.
Em geral entre os pliilosophos e escriplores do Direito
figura-se esse estado, como unia hypolhese, para por meio
delia fazer-se hem sensível, já a differença de condição do
liomera na sociedade ou fóra delia, já a dos direitos que
elle tem pela simples qualidade natural de pessoa, indepen­
dentem ente do faclo social, em contraste com os que lhe
vêm especialm ente desta origem.
Isto se concebe, e é ntil na exposição da scicncia ; mas
a u th o r e s h a e notáveis, que não se tem limitado a isso;
que tem proclamado como certa a existência de tal estado,
que o tem considerado mesmo com o o estado natural do
hom em , e alguns que o tem exaltado até como um remanso
de paz e ventura, um typo de innocencia preferível ao estado
social civilisado, que qualiíicão como um accidcnte funesto
á humanidade !
Hobhes e Rosseau são os vultos mais proeminentes en­
tre os inculcadores daquella ideia do estado d e p u ra natu­
reza; mas descrevendo-o, e apreciando-o dillerenlem enle,
e cada um sob o ponto de vista do seo system a, deduzem
delle corollarios inleiramente diversos quanto á questão de
que tratamos, e quanto á natureza do Estado, e das rela­
ções reciprocas entre elle e seos membros.
O q u e é certo, em lodo o caso, é que esses aulhores, c
quaesquer outros das mesmas escholas, não produzem, nem
podem produzir prova ou argum ento algum acceilavcl em
appoiode suas doutrinas, quer tirado da historia c das tra-
dicçõcs dos povos, quer da analyse directa da natureza
humana.
Com elTcito, si interrogamos a historia c as tradicções
mais dignas de fé ante a critica,vemos a associação humana
- u
mergulhar-se nas sombras da mais remota antiguidade; o
por isso som os levados a crer que ella exislio sem pre, e m ­
bora imperfeitissima em seos c o m e ç o s ; que ella nasceo
c o m o s h o m e n s pelo simples impulso do um instincto in-
nalo, que os levou a unirem-se desde que se avistaram ;
isso espontaneam ente, sem a minima previsão ou calculo
<las vantagens que d’abi lhes podião ou devião resultar;
sem cogitarem de um bem com m um que só assim poderião
conseguir.
Parecería, pois, que a sociedade civil, segundo a ex ­
pressão de Aristóteles, ou antes, a simples sociedade hu­
mana primitiva procedeo exclusivam ente d’ essa inclinação
para a mèsma que é natural ao hom em isto é, da sociabili­
dade innala que o caraclerisa.
O hom em é, com effeilo, dotado no mais alto gráo
desse instincto, de uma tendência irresistível para a c o n v i­
vência com seos sem elhantes.
To do s os altribu los que lhe são proprios, e que o des-
tinguem co m p lelam en le dos mais seres animados da crea-
ção, a sua intelligencia, a sua liberdade a sua sensibilidade
m oral, o dom da palavra, sobre tudo, que lhe é priva­
tivo, fazem delle um ente essencialm ente sociável, e a
sociedade uma condição indispensável de sua ex istên ­
cia. Fora desta seria elle um ente mutilado ; não seria
o que é.
Si é verdadeira a tbeoria de Darwin, é possível que o
ho m em para chegar ao que é boje, tenha na evolução das
especies passado prim eiram enle por todos os gráos inferio­
res na immensa e variadissima escala dos seres, antes
m esm o de ter attingido a cathegoria de chipanzè ou de go-
rilla. E ’ possível, em sum m a, que o homem pré-histo-
rico não fosse um ente racional, moral, e social, e que nos
tempos anteriores á epoeba qualernaria do nosso globo,
vivesse, com o muitos outros anim aes, isolado, ou em sim ­
ples bandos ou manadas.
O ho m em , porém , inlelligente, livre, e moral com o
p resen tem en te o vem os, e com o nol-o revela a paleonto­
logia pelo estudo dos craneos e mais restos fosseis de in d i­
víduos humanos ba muitas desenas de séculos sepultados na
profundeza das diversas camadas geológicas da terra, não
pode ser concebido naquelle estado.
-1 5 —
Entretanto cosia -se a conceber como a rellexão e a
vontade consciente e deliberada possão ter sido extra-
nlias a um facto a que tão intimamente se prende o que lia
de mais momenloso no destino do homem, e cujos magnífi­
cos effeitos devião lhes ser mais ou menos sensíveis em
qualquer tempo ou estado em que o supponhamos,
Diflicilmente se comprehende como a mais excellente
e indispensável das instituições humanas fosse o mero re­
sultado de uma qualidade que no homem é, até certo ponto,
commum com os brutos.
Mas nada ba, a nosso ver, que verdadeiramente se op-
ponha á conçiliação desses dous modos de explicar-se a
formação social, apenas na apparencia inconciliáveis. A m ­
bas aqueilas causas podem e devem realmente ter concor­
rido nesse sentido, tanto o instinclo da sociabilidade in-
nalo no homem, como a sua reflexão e vontade, ou segundo
a phrase de Platão, a «consideração da necessidade que tein
os homens de soccorrer-se mutuamenle para a segurança e
commodidades da vida.»
Aquelle instinclo deve ter influído antes de tudo para
aproximar os homens, ainda em pequeno numero, em gru­
pos limitados, e de imperfeita c o h e são ; e a reflexão e a
vontade para cimentar essas uniões, amplial-as, c desen-
volvel-as.
Pecca, portanto, por demasiadamenle absoluta a pro­
posição do Compêndio, quando nos diz que.a sociedade ci­
vil não tem outro fundamento senão a vontade dos associa­
dos. Tal proposição não é cxacla mesmo applicada espe- •
cialmente á sociedade política, ou ao estado já organisado
com uma constituição particular e positiva ; porque no Es­
tado se contem, ern lodo o caso, a sociedade humana, re­
flexo da primitiva, que elle presupõe, sobre qucelle assenta,
e cuja formação, como lemos dito, é caracterisada, sobre­
tudo, pela espontaneidade inslincliva.
Quer a analyse do homem, quer ada própria sociedade
civil ou Estado, nos mostrão por conseguinte, que nem
aquella sociedade em geral e primitiva,nem o Estado mesmo
na sua expressão ultima e mais complexa, são creações arbi­
trarias do h o m e m ; que assim como da formação da pri­
meira não é excluída de lodo a intervenção da vontade deli­
berada daquclle, lambem não e esta vontade a causa exclu-
siva ou a razão única da exislencia e permanência do se­
gundo.
Em ultima analyse, a sociedade humana considerada
em qualquer de seos dilferentes aspectos, on phases de sco
desenvolvimento •, tormada apenas, mais on menos aper­
feiçoada, ou linalmente armada de todas peças que consti­
tuem o meclianismo político actual, é sem pre um facto qi>c
se deve reputar ao m esm o tempo necessário e voluntário,
porque no sentido de sua formação e manutenção coinci­
dem as tendências naluraes, irresistíveis da especie hu­
mana, com os seos cálculos de legitimo interesse, as aspira­
ções próprias da sua natureza, e ã eflicacia dos meios que
lhe offerece aquella, c só ella, para a satisfação das impe­
riosas necessidades que esta lhe impõe.
Devemos na formação da sociedade humana distinguir
períodos. No primeiro apparecc a familia que lhe servio
de núcleo, e até certo ponto de modelo, e que multiplican­
d o -se gerou o patriarchado, que mais tarde por sua divi­
são deo nascimento a novos grupos sem elhantes. No
segundo, os patriarchados perdem em autoridade pela e x ­
tensão ; e as necessidades da defesa e do altaque no meio
do antagonismo que entre clles surge, fazem passar o po­
der das mãos dos palriarchas, ás dos mais fortes, ou dos
mais hábeis ou dos mais astutos. No terceiro desenhão-
se e v ã o -s e constituindo os Estados dos tempos propria­
m ente históricos.
No primeiro daquelles períodos predomina o principio
■ da sociabilidade in stin cliva ; no segundo faz-se já sentir a
vontade, mas ainda imperfeita e quasi inconsciente dos a s ­
sociados; e no terceiro, esta mais ou menos directa, c
scientem ente se pronuncia entre clles em relação á seos
chefes ou governos.
De certo esses períodos não se succedem ao mesmo
tempo, ou em perfeito synchronisino em toda a superlicie
da terra, pois que ainda hoje ahi vivem, e quem sabe até
quando viverão, muitos povos no estado de sociedade ru-
dim enlaria, e muitos outros apenas em com eço de organi-
sação. Mas nas regiões, ou entre os povos que os tcnhào
podido percorrer livres de influencias perturbadoras do seo
natural progresso, devem te ra ctu ad o sim ultaneam ente, e
em tal ordem, aquelles dons elem entos geradores e conser-
— 17 —
vadores da sociedade humana. Do primeiro ao segundo
cada vez m enos o puro instinclo social do hom em ; c do
segundo ao terceiro cada vez mais a vontade expressa ou
tacila do cidadão.
Nesta ultima phase social e na razão do desenvolvi­
mento do seo principio predominante, crescem e aperfei-
çoão-se as associações humanas, até constituir-se Estados
regulares, e mais ou menos florescentes ou poderosos.
Taes são, em conclusão, a verdadeira origem, e o ver­
dadeiro fundamento da sociedade humana, já considerada
cm sua constituição inicial e mal ordenada, e já na sua or-
ganisação perfeilainentc systemalisada, c definitiva.
A ’ vista do que acabamos de expender, c claro, que si
por um lado se pode de algum modo assimilar o Estado a
um pacto ou contracto, desde que na sua instituição se faz
intervir, c na sua manutenção prorogar-sc indefinida-
m en le a vontade dos que o organisarain ou são scos m e m ­
bros ; ou ainda desde que a simples existência c conserva­
ção destes no seo seio usufruindo as vantagens e garantias
que cile ofíercce, importa a implícita annuencia dos mesmos
ao faclo de sua organisaçâo, e á sua autoridade ; por outro
lado, differença-se o Estado de um verdadeiro pacto ou co n ­
tracto, cm não s e re lle um faclo puramenle voluntário, em
ter ao mesmo tempo o cunho de uma instituição necessá­
ria, que lhe com m unica, como á pouco mostrámos, a s o ­
ciedade humana sobre que ellc se modela, c que é seo
fundo.
D’ahi vem que o supposto contracto social não é um
contracto rcvogavcl ; por mais que a sua forma exterior se
altere ou se modifique, clle subsiste sempre em sua essên ­
cia, e do mesmo modo obriga a todos os que realmenlc es­
tão com prehendidos no seo vinculo, do qual nenhum pode
esquivar-se a seo arbítrio. Pode-se, sem duvida, deixar
de ser de faclo m embro de um Estado abandonando-se de
todo o seo terri.lorio, ou adoptando-se outra nacionalidade;
mas estes mesmos, assim com o todos, em quanto ali resi-
dão são sujeitos á sua constituição c leis, ainda que estas
lhes não agradem, ou que na sua confecção não tcnliâo tido
participação real e directa. • _
Ilobbes partindo do principio, que a guerra é o estado
natural do ho m em — homo liomini lupus, pensa que estes ti-
- 18
veram de con cordar, a lin a l, em bem da paz de Iodos, em
a b d icara sua liberdade c dircilos individuacs nas m ãos de
um mais forle, ou que este os deve ter usurpada ou c o n ­
quistado no m eio da sua d e so rd em ; c assim explica elle a
formação do Estado, e da sua soberania altribuida legiti-
m a m e n le a um ebefe unico. A esta theoria degradante da
dignidade hum ana, que enlbronisa o despotismo monar-
cb ico , Ilosseau oppoz a do «Contracto Social» que dá por
origem ao Estado uma convenção- livre, e faz consistir a sua
soberania na vontade geral de seos m em bros,
O sco livro sob aquelle titulo, que ainda boje c para
m nilos o verdadeiro Evangelho da dem ocracia, con tem ,
com cffeilo, a exposição mais completa e mais eloquente
dessa theoria ; ex e rcco sobretudo no fim do século passado
e no com eço do presente, na Europa e na A m erica, uma im -
mensa fascinação no espirito dos p o v o s ; e foi um dos mais
poderosos factores da grande revolução Franccza de 1789.
Mas uma analysc reflectida sobre as ultimas co n sequ ên ­
cias a que conduz essa theoria, nos lerm o s exagerados em
que a desenvolveo o seo author, põe a descoberto a falsidade
de seos princípios cardeaes, e condem na o que ha nclla de
mais essencial e característico.
Segundo Rosseau o Estado rspousa sobre uma co n ven ­
ção destinada a resolver o problema de «uma associação qne
proteja e defenda com toda a força co m m um a pessoa e bens
de cada associado, e pela qual cada um unindo-se a todos
não obedeça, côntudo, senão a si m esm o, e fique tão livre
co m o d’anles.» Para este fim cada indivíduo põe cm c o m ­
mum toda a sua pessoa e poder sob a suprema direcção da
vontade geral, e torna-se uma parle indivisível do todo ;
não ba ahi mais dircilos individuacs ,e sim so m en te um d i­
reito collectivo.
Estabelecido o contracto social sobre estas bases a von­
tade de todos é no Estado a ordem , a regra suprema e
unica, a soberania, cm sum m a, seja aliás qual for aquclla
vontade ou seo effeilo em relação aos particulares, uma vez
que seja ulil á co m m u n h ã o . .
Essa soberania reside essen cialm cn le no povo, no
corpo inteiro da nação, onde o governo não c mais do que
um instrumento executo r, um simples intermédio daquclla
entidade que é o verdadeiro soberano de poder infallivcl,
— n> —
ilimitado, que vai até ao proprio direito de lazer o mal.
desde que fazendo-o não o faz senão a si mesmo !
Será racional esta ilieoria, lirmada em solidos funda­
mentos, ou juslilicada pelos resultados reaes da sua appli-
cação ?
Primeirameule cila recorre a uma convenção que não
foi jamais feita, que não existe, e que mesmo quando se sup-
ponlia resultante da annuencia expressa ou lacila que presta
a generalidade dos cidadãos ao facto social, não foi de certo
nem é a mesma estatuída para aulhorisar a existência do
Estado ou para legitimal-o, mas unicamente para regula-
risar as suas formas exteriores, as condições e meclianismo
do seo governo. Não é admissível tal ideia, desde que a
sociedade humana não é um simples produeto livre da von­
tade dos homens, como aliás já o mostramos. Si o Estado
de sociedade é um facto que tem muito de necessário, um
contracto social livremente consentido para conslituil-o, é
nma hypolhese chimérica ; c deduzir-se um systema do
direitos e deveres sociaes de uma pura hypolhese, é crear
uma theoria arbitraria, um edifício sem alicerces.
Em segundo lugar, admitlindo-se mesmo que tal con­
tracto existio ou exista,não se podería considcral-o um acto
legitimo, ou capaz de gerar um vinculo jurídico para os pró­
prios que pessoalmenle o celebrassem, e muito menos para
os que nclle não tomaram parle directa, e explicita.
A vontade geral seja cila qual for para o bem ou para o
mal, com a unica condição de ser util a muitos ou a todos,
nunca pode ser a verdadeira medida da justiça, ou a regra
suprema daconducla quer dos indivíduos, quer dos povos.
Não sendo licito aos homens renunciarem de lodo á
sua liberdade individual, e aos direitos que cila vale, em be­
neficio de qualquer numero dclles, ou mesmo cm seo pro­
prio, pois que isso seria abdicarem a sua personalidade, e
mutilarem a sua natureza, é claro que não poderiüo despo-
jar-sc validamenlc desses scos cssenciaes altributos, para á
sua custa lormar-se aquclla soberania omnipotenle do lodo
SQciab
Este argumento que o proprio Rosseau emprega com
toda a razão e vantagem, contra os defensores da legilima-
soberania de um só, constituída pela cscravisação voluntá­
ria dos povos ou pela usurparão ou conquista daqucllc,
20 —
aplica-se do m esm o modo á sua ihcoria. E ’ esle um dos
m oilos casos cm <|nc se verilica a verdade da maxima que
«iodos os cx lrcm o s se loção.» Partindo de princípios e m ­
bora opposios Rosseau chega, afinal, a m esm a conclusão
monstruosa de Hobbes ou de Grocio, e dc sua escbola, ao
anniqüilamenlo completo do indivíduo, do cidadão, pois que
sujeilal-o ao despotismo de Iodos ou de um só, é sempre
annular a sua personalidade e seos direitos.
Para esquivar-se a esta objecção pretende Rosseau que
no seo syslema cada indivíduo n à o é , como no daquellcs,
simplesmente súbdito, mas é ao mesmo tempo súbdito e so­
berano, como parle indivisível da com m unbão : e que, por
conseguinte, os m em bros desta que, obedecem á vontade
geral, não obedecem afinal senão a si mesmos ; e que essa
vontade desde que é a de todos não pode ser nociva a cada
um de que o lodo se forma. Mas tudo isto não passa de uni
palavreado vão 5 é nada menos do que querer-se justificar
uma ficção por outra ainda menos acceitavel, por um mero
jogo de espirito. Essa perfeita união do lodo com cada
um : essa identidade harmônica da vontade e do poder dc
cada indivíduo e da universidade dellcs, por ser um só 0 seo
interesse e um só 0 soberano, será tudo menos uma co n cep ­
ção que se appoie na realidade.
Diz-se ainda que entrando cada indivíduo para a c o m -
munhão com a sua personalidade inteira, a condição é ahi
igual para todos. Mas que importa isto ? Primeiram ente, 0
Direito reprova, em lodo 0 caso, essa condição creada para
cada um pelo contracto, desde que cila é incompatível com
a dignidade e natureza humana. Em segundo logar tal
igualdade não se pode dar de facto entre 0 grande numero
soberano até para fazer a cada um 0 mal ulil ao todo, se­
gundo a lheoria de Rosseau, e 0 pequeno numero, que se­
gundo a verdade das cousas, não tem garantias reaes contra
as resoluções de tal ordem da parle do m esm o, que porcerlo
jamais acceitará como benefícios. E finalmente, si igual­
dade existe 11a condição social sob semelhante contracto,
não é senão a igualdade s o b a tyrannia,
E m s u m m a , si a doutrina de Hobbes c de sua escbola
com brutal franqueza reduz os súbditos do Estado a con di­
ção dc escravos de um déspota n n ico ; a dc Rosseau, não
obstante 0 encanto com que seduz os povos, confisca as
- 21
liberdades do cidadão cm proveito de um todo impessoal,
de uma com m uulião abslracla em que absorve todas as tor­
ças e direitos individuaes ; é o despotismo de Iodos contra
cada um substituído ao de um contra todos.
Si pois, a constituição social se^pode denominar, e Ire-
q u e n ícm e n le se donom ina, um pacto ou contracto, não e
isso senão com o uma expressão puramente analógica, e que
se deve empregar com as convenientes reservas quanto as
suas applicações ou consequências praticas.
CAPITULO II
DO PODER OU SOBERANIA SOCIAL, E DA SUA DELEGAÇÃO

Prelecçâo l ll

§ § 7. ° - 1 0 "

Já precedenlemente indicamos como elemento funda­


mental da organisação do Estado, a instituição, no seo seio,
de um podei- supremo, capaz de manter a sua existência, e
de imprimir aos seos movimentos a direcção conveniente,
E’ esse o poder puldico de que trata o Compêndio neste
capitulo, que elle faz consistir, e na verdade consiste, no di­
reito que, em geral, deve compelir á sociedade politica, de
escolher e empregar os meios condiicentes á realisaçào dos
seos grandes lins. Esse poder é, em summa, a soberania
social.
A realidade desta não pode ser contestada ; pois que
seria isso aniquilar-se toda a sociedade humana, tornando-se
impossível a sua regular organisação e governo. Também
jamais alguém a contestou, ao menos em quanto concebida
nos lermos em ipie realmenle deve s e l - o ; nem mesmo os
— 23 —
mais exagerados apostolos do nivelam ento de todas as clas­
ses e condições sociaes.
Os abalos, e alguns bem terríveis, pelos quaes tem
passado, e continuarão a passar, só Deos sabe até quando,
as associações políticas, tem lido antes por m otivos a orde­
nação ou limitação dos seos poderes, a sua forma ou e x ­
tensão, as condições ou modos do seo exercício, do que o
intento de suprimil os de lodo, ou de negar a sua inpres-
cindivcl necessidade e legitimidade.
Como c, porem , antes de tudo que se forma no Es­
tado esse poder suprem o ou a sua soberania, c de que ele­
m entos se com põe ella ?
Por um lado ó claro que n en h um m em bro daquellc
individualm ente, ou qualquer grupo delles por mais con si­
derável que seja, pode ter superioridade de poder sobre
cada um dos mais, e ainda m enos sobre iodos, desde que é
inquestionável o dogma da igualdade jurídica de todos os
hom ens •, e que não ba entre elles classe alguma prcvilc-
giada pela natureza quer quanto á qualidade, quer quanto á
legitima extensão de seos direitos.
P o r outro lado, não é menos certo que o Estado não é
senão uma entidade moral, que não pode ler direitos* como
os tem uma pessoa real. ou co m o allributos proprios, por si
m esm os subsistentes, c capazes, por sua unica virtude in­
trínseca, de traduzir-se em actos.
Sendo assim , mas sendo ao m esm o tempo a existência
da soberania na sociedade política não só uma concepção
necessária, com o ainda um facto incontestável, forçoso c
co n clu ir-se, não só que essa soberania ó legitima, mas lam ­
bem que por algum modo igualm cnlc legitimo cila se forma
naqnella.
E ste m odo de formação da soberania social não pode,
a final, ser outro senão a união de todos os poderes indivi-
duacs dos cidadãos, convergindo para co n slilu ir-sc no Es­
tado uma autoridade superior, que os exerça no sentido do
seo bem ser co m m u n i; isto em parle por uma necessidade
indeclinável, com o consequência natural c infajlivcl do pro-
prio facto da associação, c cm parle por acquiescencia vo­
luntária de todos, expressa a certos respeitos ou até certo
ponto, e lacita quanto a tudo o mais, c pela qual a totali­
dade dos m esm os cidadãos, ou pelo menos a sua maioria
- 24
activa, põe a sua foiça collecliva ao serviço da co m m u n h ã o ,
c do seo governo,
A soberania social, portanto, tem por elem en tos os
proprios poderes que tem cada indivíduo de governar-sc
por si, e de fazer cffeclivo o exercício de seos direitos, e m ­
pregando para isto, quando e quanto seja necessário, o
recurso de suas forças p h y s ic a s .'
E ’ este o m esm o pensam ento de Maçarei quando nos
d iz : «Resulta a soberania da própria convenção que forma
a sociedade civil ; todo o hom em tem n aluralm en te o d i­
reito de dirigir-se a si m esm o •, tem , por assim dize r-se, cm
si proprio as sem entes da soberania ; c a associação que os
re ceb e torna-se possuidora desse direito em tudo o que diz
respeito ao bem com m um .»
E m ultima analyse, a soberania social não é senão o
com p lexo de todos esses direitos ou poderes, o seo lodo
l, elevado á sua ultima potência pelo faclo da con cen tração
j em si de todas as faculdades e de todas as forças individuaes
dispersas na sociedade, c que pela sua união effecluada,
com o fica dito, assum e o cunho de superioridade que a ca-
racterisa.
Verificados assim o modo da form ação, e os elem entos
da soberania, facil é verificar-se qual seja a sua verdadeira
sédc, ou qual a entidade social em que cila realm cnte reside.
Resulta ainda claram ente do que lem os ex p e n d id o ,q u e
a soberania considerada em si mesma ou na sua essência,
não pode residir senão na própria sociedade, na nação, ou
no povo, tomada esta expressão no con ven iente sentido’ • e
com effeito ella ahi reside virtualm ente, em bora, de faclo,
se manifeste no Estado pelo interm edie ou pela accão di­
recta de algum ou alguns de seos m em bros, de alguma ou
algum as classes, ou assembleas mais ou m enos num erosas
daquelles.
Si com batem os a doutrina de Rosseau, não foi, cerla-
m cn le .p o r ler clle proclam adoo grande e luminoso principio
da soberania do povo ou.da nação; mas unicam ente em razão
da exten são c consequências exageradas que lhe a ltri-
Imio, com o já vimos, e teremos ainda occasiào de ver.
Dohalde os inventores de system as tem procurado des­
cobrir cm outra parte, ou em outra qualquer entidade a ver­
dadeira origem c sédc da soberania.
- 25 -

Uns lem pretendido, com elleilo. que ella reside em


Deos, c que só esle pode ser a sua fonle.
Em Deos reside, sem duvida, a soberania por excel-
lencia, a infin ita; e delle vem mesmo m ediatam cnle a pró­
pria soberania da sociedade polilica, assim como todo e
qualquer p o d e r : omnis potestas a Deo. No rigor da ex­
pressão só Deos, realmente, pode ser e é soberano, e não só
de tal ou tal Estado, ou de todos, mas ainda de lodo o uni­
verso.
A esses, porém, que contra o preceito do velho Hora-
cio, fazem intervir a Divindade dircctam ente em todas as
cousas terrenas, aniquilando a personalidade do homem nos
dominios proprios de sua liberdade, diremos que deslocão
com pletam ente a questão ; que não se trata de saber qual a
origem primordial, onlologica, ou sobro-nalural da sobera­
nia por excellencia, ou mesmo da soberania das nações ;
mas som ente de indagar qual seja a fonle irnmediata desta
corno um Cacto social resultante da própria natureza do ho­
mem e do Estado, e neste realmcnte existente c necessário
em razão de se o s proprios fins ; que não se trata de verifi­
car a sede da soberania infinita, que domina a Crcação,m as
apenas a dessa soberania, por assim dizer-se, tangível, que
no Estado se manifesta e obra, c pela qual de faclo as so cie­
dades humanas se governão.
Esta soberania relativa e finita não é nem pode ser
cousa do outro mundo, nem um attributo do Omnipolentc.
Os delensores da soberania de origem e sóde divina não
irão, de certo, até ao ponto de crerem que ó realmcnte Deos
quem dirige cada nação, que clle exerce nos seos negocios
uma ingerência pessoal e directa, que é elle quem faz as
suas leis, e a sua policia.
Tudo isto, que se poderá dizer em um sentido pura-
m enle mislico ; seria no sentido real, político, ou jurídico
uma estravagancia inqualificável. Mas o certo ó, que desta
exlravagancia nasceo a ominosa doutrina da soberania ilos
reis por direito divino, com que por tantos séculos se illu-
dio e opprimio os povos, c de que, infelizmente, ainda res-
lão vestígios em muitas das próprias monarchias acluacs.
Pensão outros aulhores que só a razão, a verdade, a
justiça podem ser soberanas entre os h o m e n s ; e que, por­
tanto, só dellas provem, e só uellas reside a verdadeira so-
\
herania. Ha nislo um pensamento nobre, mas ao mesmo
tem po, uma idéia falsissima.
Que a razão, a verdade, a justiça são potências moraes
superiores a Iodos os poderes humanos ; que o consenti­
mento dos homens, por mais que seja unanime, nunca fará
rasoavel o que é desarrasoado, verdadeiro o que é falso, ou
justo o que é injusto, são asserções cerlam en le incontestá­
veis. Mas tudo isso é estranho á q u e s tã o ; quem di/. sobe­
rania não quer dizer uma potência sim plesmente moral ;
nem a ideia de soberania corresponde á de justiça, verdade
ou razão, e sim á de compelencia e de poder real.
Os negocios humanos, ou as sociedades políticas não
se regem por méras abstracções ; para dirigil-as é preciso
que o direito ou a justiça, a verdade ou a razão se transfor­
m em em poder cITeclivo, que tomem corpo e forma externa
n o m eio social. Si suprimimos este poder assim concebido
não ba mais quem no Estado julgue as questões que nellc
se levantão, quem imponha a obediência, quem mantenha
a ordem , quem puna as suas infracções, quem o governe,
em summa.
llm poder legitimo pode errar, sem que por isso deixe
de ser com petente quando resolva sobre matérias próprias
de sua alçada ; pode abusar de sua autoridade, mas nem
assim será menos indispensável um poder supremo no Es­
tado. Todo c qualquer poder deve conformar seos aclos
com a razão, c o m a verdade, c com a justiça ; estas devem
sei os seos oráculos constantes, c cilas lhe tração limites
que elle não pode, com effeito, legitimamentc ultrapassar.
Mas disto não se segue que aquellas sejão realm ente o sobe-
lano ou a soberania social, ou que esta dcllas provenha ou
nellas resida,quando lhes íaltã o d e lodo para poderem ser ou
exercer a mesma soberania, as condições cssenciacs de uma
existência real, e de uma forca lambem real, e própria para
impôr os seos preceitos,
Não é igualmente admissível a doutrina daquelles que
entendem que a soberania social reside, de direito, somente
na parte, ou classes da nação que tcnhão ãs habilitações pró­
prias para governal-a, isto é ,a doutrina da soberania das
capacidades.
Sem duvida, muito convem que cm qualquer Estado
os seos poderes públicos sejão exercidos pelos mais babeis
— 27 —
dos seos cidadãos. E’ muito rasoavel (|»e ó volo de todos
convirja para ipic isto sem pre acconteça, ou para que a su­
prema direcção social nunca recaia oin mãos ineptas. Ue-
duzida a estes lermos a doutrina é sa, e digna de todas as
adhesões.
Mas uma cousa é o exercício de um poder, e ou­
tra é esse poder em si mesmo ; e de que aquelle deve ser de
preferencia confiado aos mais capazes, não se segue que este
se lhes deva altribuir como um direito proprio. E’ claro
«pie aquclles que suslenlão tal doutrina laboram em mani­
festo erro, confundindo o exercício de faclo.da soberania,
com esta em si mesma, ou considerada com o principio ou
potência.
Tal doutrina, afinal, não resiste á analyse.
Prim eiram enle si a igualdade humana perante o Di­
reito, é um dogma incontestável do Direito Publico ; si a
natureza deo a todos os homens igual poder de dirigir-se a
si mesmos dentro dos limites do ju s to ; si a nenhum conle-
rio a semelhante respeito superioridade alguma sobre os
mais ; não se concebe como qualquer dclles, ou qualquer
classe social, possa a rrogar-seo privilegio exclusivo de go ­
vernai-os.
Em segundo lugar a ideia de soberania implica a ideia
de poder superior, e desde que essas capacidades, por maior
que seja o seo numero e a sua força, jamais serão um poder
superior ao da totalidade ou da maioria activa de seos m e m ­
bros, é claro que cm caso nenhum poderão cilas por si m es­
mas ser consideradas com o soberanas naqnella, ou como a
séde de sua soberania. .
Demais restaria saber-se cm que consiste realmente a
capacidade especial para o governo do Estado; si ás p ró ­
prias capacidades corruptoras ou corrompidas deve do
mesmo modo pertencer aquelle previlegio ; e si os preten­
sos ou reaes capazes serão os juizes de sua própria capaci­
dade. Mas nada disto se pode admiltir, sob pena de en tre­
gar-se a sociedade de mãos aladas ao despotismo de uma
classe, que por si mesma, e segundo o s e o u n i c o interesse,
se constituiría governo exclusivo, c seria a vergonha e a
m ina da nação.
Aquellas capacidades tem, em lodo o caso, por juiz a
nação, nem podem deixar de tel-o, c só esta pode de l a d o
Digitalizado pelo Projeto Memória Acadêmica da FDR UFPE

inveslil-as do poder social, confiando-lhes o soo e x e r­


cício, si o entender conveniente, sem abdicar jamais, e
de modo algum o direito de inspeccionar a sua conducla, e
de cassar-lhes o mandato quando delle abusem.
A soberania das capacidades, em summa, apenas appa-
renlem enle seduetora, pode entendida em seo rigor logico,
ser 13o fatal aos povos, como a soberania dos reis por Di­
reito Divino, ou das olygarchias arislocraticas. Com effeilo
si ba na associação política, capacidades, a quem por um di­
reito proprio ou exclusivo compita o poder publico ou o seo
exercicio, n ã o e x is te mais autoridade suprema nacional, ou
n a çã o ; nem aquelle poder terá outros limites senão os que
essas mesmas capacidades lhe quizerem impôr.
C ontratai soberania, porem, não só proleslão a natu­
reza do homem e do Estado, como lambem levanta-se para
condemnal-a a sua própria impossibilidade real d e s u s lc n -
tar-se sem a intervenção e o apoio social.
O governo das capacidades para eonslituir-se neces­
sita de u m ju iz que as qualifique e designe, e que não po­
dem ser ellas próprias • depende da escolha ou acceilaçâo
da mesma sociedade cuja origem renega ; e para funccionar
e lazer effeclivas as suas resoluções carece de sua força. Si
tal é, pois, o juiz dessas capacidades, e só aquella força é
eílicaz garantia do poder supremo, é claro que a soberania
social só ali pode residir.
Mas si a soberania da nação ó inquestionável, nem
por isso se deve concluir que a totalidade dos m embros ou
cidadãos desta, ou mesmo a sua maioria, possa directa-
m ente m eum bir-se de exercel-a, ou que seja legitima sem e­
lhante pretenção por parle das massas populares. Como já
o (licemos, e o diz o Compêndio no seo § 8.° cuma cousa é o
direito e outra o exercicio do d ireito .» -, ou especialm ente
quanto á soberania, uma cousa é cila como principio, e o u ­
tra quando considerada como faclo.
Si por um lado é certo que a soberania em si mesma
não pode deixar de ser um direito da universalidade social •,
por outro não é menos certo que nenhuma nação pode di-
reclam ente governar-se por si mesma no seo lodo, ou pela
maioria de sua população.
E isto de lodo incompatível com a grande missão do
poder supremo social, com a promptidão e harmonia de
29 -
idéias e de vontade, de resolução e de aclos que delle recla-
mão a lodo o momento as necessidades da direcção do
Estado. Alem de que essa totalidade ou maioria não se
pôderia de facto occnpar exclusiva ou mesmo principal­
m ente com a gerencia dos negocios públicos, nem ter as
habilitações que ella exige, e nem deliberar com a co n ve­
niente calma e acerto.
Tal governo não se concebe mesmo em um povo que,
segundo o Compêndio ligura na nota ao citado paragraplio,
• tivesse outro povo de escravos á sua disposição para todos
os misteres da vida ;» ou diremos nós, uma nova Messenia
com o sseo silo tasco m o o utr’oraSparta; sendo aliás certo que
nem esla, nem qualquer outro povo no mundo, jamais se go ­
vernou por tal modo. Nem mesmo a Estados como a repu­
blica de S. Marinho seria applicavel tal lorma de exercicio do
poder social. .
Com razão accrescenla, pois, o mesmo Compêndio, que
o governo do povo por si proprio, assim entendido, não o f-
ferece nenhum principio de vida, traria èm si o germen fa­
tal de sua morte e decomposição, seria o governo da sem
razão e da injustiça, o desgoverno. Nós diremos, final­
mente, que seria o peior de Iodos os governos, si antes de
tudo não losse elle impraticável, uma verdadeira chimera.
E ’ preciso, entretanto,que haja algum meio racional de
realisar-sea soberania na sociedade política ; 'de tornal-a
possível e ulil de facto, sem se desconliecel-a, contudo, ou
prejudical-a como principio ou na sua essencia.
Não é, d e certo , concebido do modo a que acima allu-
•limos o governo do povo pelo proprio povo, proclamado
pelo Direito Publico moderno,a cuja rcalisaçâoaspiram aclual-
m enle as nações,que melhor tem comprehcndido o regimen
dos povos livres, e cuja ideia fundamental consiste em uma
legitima e plena representação do povo por mandatarios de
sua nomeação, e que em seo n o m e e s o b a sua inspecção
governem o Estado.
Com effeito, si o governo de todos ou de uma grande
multidão, ó cousa impossível, nenhuma impossibidade ha
em que a um numero mais ou menos limitado de cidadãos,
seja essa tarefa commellida daquclle modo e sob aqnellas
clausulas ; ou por uma delegação social. Esta realmente
não é só possível, como alé é necessária e justa, desde que
— 30 —
é a unica forma sob a qual sem desnalurar-se no seo p rin ci­
pio ou n osseos caracteres essenciaes pode funccionar effec-
tivamente a soberania nacional, ou os diversos poderes es-
peciaes em que cila praticamente tem de resolver-se no
Estado.
Deve dar-se, por tanto, em toda a sociedade polilica
regida segundo o Direito Publico m oderno, essa delegação
dos poderes públicos, cujo cunjuucto forma a sua sobera­
nia, allribuindo-se o seo exercício, ou seja a uma ou a di­
versas entidades collectivas mais ou menos numerosas ; ou
m esm o a um só cidadão de sua escolha ou acceilação, col-
locaclo a par d’ aquellas e de acordo com elIas, uma impor­
tante parle desse sagrado deposito ; sem que isto im porte
de modo algum uma renuncia do direito do delegante, ou
que possão taes delegados em qualquer tempo con vcrtel-o
em direito proprio.
A soberania nacional é,em ultima analyse,a unica fonte
legitima de qnaesquer poderes que se exerção no Estado ;
é um direito que (ica sempre salvo á nação apoz qualquer
delegação desta, e que a colloca sempre acima de todos que
a governão, como se exprime o Compêndio.
O governo do povo pelo proprio povo, tem pois em g e ­
ral por bases a representação da nação por mandatarios li­
vrem ente eleitos ; o direito garantido a todo o cidadão, s e ­
gundo o real m erecim ento e capacidade de cada um, de
tomar parle activa na gerencia ou direcção dos negocios pú­
blicos, como eleitor ou elegivel e por outros meios legal­
m ente esta tu itios ; o direito de exam e, reclamação, queixa
ou denuncia que a todos compete contra os abusos ou e x ­
cessos da autoridade; e outros que destes seo rigin ão , ou
os completào, ou constituem com clles os mais importantes
direitos políticos ou civis, e as mais preciosas liberdades in-
dividuaes dos mesmos cidadãos, de que adiante lerem os de
tratar especialmenlo.
C O N T IN U A Ç Ã O 1)0 C A P I T U L O 11

LtMITES li CARACTERES DA SOBERANIA SOCIAL

Prelecçâo IV

§§ 7 ."— 10°

Estabelecida a soberania co m o um direito proprio da


co in m o n b ã o social, vejamos qual é a sua legitima extensão.
Sera cila um poder ilimitado, ou terá lim ites, c de que n a ­
tureza, ou quaes ?
S egu nd o Ilobbes e sua escbola essa soberania que de
direito pertence ao Príncipe, ou a um chefe unico do Estado,
porque os súbditos por um contracto ou forçados a isso,
alienaram ou abdicaram nas suas mãos todos os seos direi­
tos e poderes, ou estes lhes foram por elle conquistados, ó
uma soberania ilimitada, absoluta. Segu nd o Rosseau e os
que a cceilã o em lodo o ponto a sua doutrina, a soberania
social que, de direito pertence ao povo, é lam bem da
mesm a especie, é para a co m im m bão política, considerada
na sna colleclividade o direito de fazer tudo, de praticar o
proprio mal. e a injustiça, uma vez que tenhão por objeclo
a utilidade daquclla, cm benelicio ila qual os cidadãos igual
mente alienaram ou abdicaram a sua liberdade individual.
E claro, porém, que tacs pliilosopbos ou aulhores, e
suas escbolas ou sectários laboram em erro, e loram levados
a tacs consequências extremas e inadmissíveis pelo único
espirito ou força de seos syslemas.
l o d o o poder humano por mais amplo que seja, liado
ser necessariamente limitado, quer como principio, quer
nas suas applicações praticas ; e quanto á soberania social é
isso tanto mais evidente, quanto já vimos que oi Ia tem por
elementos os proprios poderes ou direitos iudividuacs dos
cidadãos, que sao c não podem deixar de ser limitados, o
em mais de um sentido ; e que, por conseguinte, por mais
compacta e considerável que seja a sua reunião, nunca po-
deua resultar delles uma somma de poder sem limites.
Assim ,quer os súbditos 11a doutrina dc Hobbes, quer os
cidadãos na de Rosseau, ainda quando legitimamente pu­
dessem renunciar n asm ã o sd e u m ch cfe ,o u em favor da com -
munhuo,á sua individualidade, aos seos direitos pessoaes,cm
caso nenhum podião conferir-lhes poderes que não tinliào,
ou superiores aos que rcalmenle lhes compelião.
riercclin, na sua obra: — Princípios do Dircilo — . re ­
futa com toda a proficiência estes syslemas, c outros que
não são senão suas variantes, relativos á origem e extensão
da soberania social ; e si elle proprio cáe em um extremo
opposto, negando de todo esta soberania, é apenas por en ­
tender que a verdadeira soberania é um poder absoluto c
sem limite algum. Salva porem a denominação, esse n o tá­
vel publicista admilte, e nem podia deixar d ca d m itlir a re a ­
lidade desse poder social, limitado embora, que no Estado
se manifesta, que nelle obra com superioridade inconies-
tada, a que geralm enlc seattribue, e a que cabe, com ef-
teilo, aquelle nome.
Por ser limitado não deixa rcalm enle aquelle p o­
der de ser extensissimo no Estado, c sobre tudo de ser nelle
um poder supremo ; e negar-se-lhe 0 qualificativo de sobe­
rania só porque não é elle 0 poder de fazer tudo, a omnipo-
lencia de Deos ou do déspota, é converter a questão em
uma pura controvérsia dc palavras, acceitando-se, aliás, 110
, 0, a l,leia 011 » cousa como ella efteclivamenlc é e
deve ser.
33 —
Entretanto atlribuindo-se a soberania social ao povo,
não basta dizer-se vagam enle que cila é limitada ; é pre­
ciso determ inar-sc do modo o mais claro possível, a sua
real latitude. Quaes serüo, pois, os seos verdadeiros li­
mites ?
Não fallando já nos do justo e do honesto que a ne­
nhum poder humano, indivíduo ou povo, é licito ultrapas­
sar ; nem dos que cm geral resultão das próprias co n ve­
niências e fins do Estado, q u e a rasã o indica ; outros ba, que
devem ser posilivamente consignados nas leis fundamen-
taes de cada nação, e que com efleiio o são nas Constitui­
ções políticas respectivas.
Soberania social não quer dizer, pois, poder ilimitado
ou absoluto ; mas sim plesm ente poder supremo ou supe­
rior no Estado ao de cada um de seus m em bros, ou ao de
qualquer grupo ou classe delles, e fóra ou acima de cuja a u ­
toridade e jurisdicção nenhum destes se pode collocar; poder
tão allam ente com petente e tão amplo quanto é ind ispen ­
sável para o eíTcctivoc bom governo da sociedade, e para a
completa garantia e desenvolvimento de todos os legítimos
interesses ou direitos dos c id a d ã o s , c som ente ate ahi.
Ella não significa de m odo algum que aquelles a
quem são confiados os poderes que a constituem , ou a pró­
pria nação si por si mesma os pudesse direclam ente exercer,
tenha faculdade de dispor arbilrariam ente das pessoas, dos
bens, ou de quaesquer direitos dos cidadãos ; ou de aíTastar-
se das reslricções ou formulas que no exercício de taes po­
deres devão ser observadas, já segundo a razão e a justiça
absoluta, e j a mais particularmenle, segundo as leis positivas
do Estado. <
A exagerarão do principio da soberania do povo pode
ser e tem sido já muitas veses fatal á sociedade. Desde
que se crê, sob a palavra eloquente e seduetora de Rosseau,
que ella não tem limites em si m esma, que a vontade geral
pode tudo, os depositários do poder publico com facilidade
ju lgâo -se a tudo aulorisados. O que um tyranno não o u­
saria faser em seu proprio nom e, aquelles são capases de
suppor-se com o direito dc praticar, em quanto a vontade
geral os não contradiga. Mas com o contradisel-os a não
ser pela revolta, mais ou incuos"lorm al, recurso scm p ie
dilTicil c arriscado ? „
- 34 —
P elo lado do proprio povo não são m en o res os perigos
daquella exageração. Rosseau fez a soberania popular ilimi
lada, considerando-a im peccavel e infallivel; mas com o
esla supposição é uma cbim éra d esd e que sabe do dom inio
de pura a bstracção , a c c o n l e c e q u c os povos que fascinados
pelo seu cn can lo correm apóz a sua realidade, m ediante a
perlubação da paz publica, a co rJa m , afinal, nos bra ço s do
despotism o, con sequên cia necessária de toda a anarebia.
li’ porisso que com rasão se pode dizer que a doutrina da-
quelle celeb re escrip lo r que tantas veses tem sido invocada
em prol da liberdade, pode facilm en te con verter-se no mais
poderso auxiliar da lyrania.
O s lim ites que tem os assignado á soberania social não
são , de ce rto , meras ficções. Nos lerm os em qu e os lem o s
definido elles tem toda a realidade, toda a eíficacia indis­
pensável no Estado, e pode de f a d o ser n este garantida a
sua acção, já pela força moral que garante todas as verdades
reco n hecidas e aceitas pela con sciên cia e opinião ge ra l, e já
de um m odo mais seguro e positivo por m eio de uma bóa
organisação, destribuição, e equilíbrio dos diversos poderes
que a m esm a soberania co n te m no sco co m p lexo .
E ’ possível, en tretanto , que apesar de tudo, e da m elhor
organ isação social possível, o governo do Estado ultrapasse
não só os limites que n alu ralm en lc lhe im põem a razão, a
justiça, e d e um m odo geral as conveniências e fins sociaes,
mas até m esm o os lim ites con ven cion acs, expressos e posi­
tivos que lhe são traçados pela vontade nacional. E m q ual­
quer destes casos tal governo abusa, to rna-se arbitrário, e
m erece d o r da anim adversão p u b lic a ; mas é só no ultim o
que elle se c o n slilu e propriam ente um governo absotuto s e ­
gu n do a accepeão com m urn desta expressão na linguagem
poli li ca.
C om effeilo, o absolulism o governativo seria real
m esm o dentro dos limites do rasoavel e do ju s t o , si na d e ­
le g a ç ã o dos poderes públicos, a sociedade não íisesse reser­
va ex p ressa ou tacita do direito, ou não o tivesse em todo
o c a s o , de ex a m in a r o p ro ced im en to daquelles a quem os
houvesse confiado e de cassar-lhes o m andato quando por
qualquer motivo ju lgasse co n ven iente tom ar tal resolução.
Não deixão d c ter Sido de f a d o absolutos os governos
que a historia em grande copia nos aponta, cslabellccidos
quer pela violência ou usurpação, <|uor por qualquer outro
modo mais suave, porem extranho á vontade social, em bo­
ra exercidos alguns com justiça, e sabedoria.
O absolulismo ou não absolulismo do poder não con­
siste, a final, em sua exorbitância ou no seo respeito em
ralação á justiça o n a razão: mas sim em relação ao titulo
social que deve constituil-o e justifical-o ; ou elle é exercido
como um direito proprio daquelle que o exerce, ou como
uma delegação nacional c nos termos delia. No primeiro
caso elle é absoluto ainda que praticado de accordo com a
razão, com a justiça, e com os legítimos interesses da so­
c ie d a d e ; e no segundo não o será propriamente, ainda
quando, de facto, seja um governo detestável.
Queremos dizer, em summa, que si o governo social
pode tornar-se absoluto, não é porque possa e x c e ­
der os seos limites simplesmente racionaes, a que pa­
rece alludir o Compêndio no § 9 .u ; mas porque pode real­
mente não respeitar os limites expressos e positivos que
lhe -len ha prescripto a vontade suprema dos associados, e
de cuja íiel observancia lhes deve elle rcstriclas contas.
No proprio seio dos Estados organisados segundo os
princípios da moderna liberdade, não são de lodo im pos­
síveis as velleidades absolutislas dos governos ; apenas são
elles ahi obrigados a salvar as aparências, e a encobrir as
suas reaes tendências naquellc sentido sob as formulas ex ­
teriores da legalidade, Cumpre aos povos precaverem-sc
contra esse absolulismo disfarçado, que lhes pode ser tão
damnoso como o franco despotismo, e que não tcin ao
menos a dignidade deste.
v__ Do que lemos até aqui expendido a cerca da sobera­
nia social, dos elementos de que ella se forma, de sua
verdadeira origem ou sede, de sua natureza, cm fim,
é fácil concluir-se que ella deve ter necessariamente por
caracteres a indivisibilidade, e a inalienabilidade.
A soberania social deve, com efleilo, ser indivisível
no seo principio, ou em si mesma, desde que ella d a e x ­
pressão da vontade geral, e esta não se concebe senão na
unidade. Só o conjunclo, o todo collcctivo da nação pode
ler aquelle attributo, e não pode deixar de tel-o inlegral-
m en te. Desde que a soberania é o complexo de todos os
poderes e forças sociaes, não se comprehende como ella,
possa pertencer no Estado á mais de uma entidade, on
ser retalhada entre diversas. Dos seos poderes divididos
como atlributos proprios de cada uma destas, nenhum seria
soberano ; não haveria então uma soberania no Estado,
mas apenas fjracções delia esparsas, poderes iguaes ou de-
siguaes, mas sem pre inferiores á totalidade collecliva destes,
insufficientes para a direcção suprema da sociedade, e em
permanente antagonismo ou desaccordo entre si.
Mas é claro que tudo isto se entende apenas em relação
á soberania em si mesma ou em sua essencia, e não em re­
lação ao seo ex e rcid o real no Estado. Sob este ponto de
vista, ella é ao contrario im m inenlem cnte divisível, desde
que consiste, como temos dito, em um poder colleclivo, que
se decompõe em poderes especiaes, que pcrfeilam enle se
deferencião pelos seos caracteres e fins, c pelas condições
praticas dc sua applicação na sociedade.
Incontestável é do mesmo modo a inalienabilidade da
soberania social; ella não pode ser abdicada pela nação,
nem para ella perdida juridicamente, em caso ou tempo
algum. Ja vimos que era inadmissível a doutrina de Ilobbes
e d e seos sectários, que julgão não sóquea alienaçao da sobe
rania é possível, mas até que ella dc faclo se dá ou se
deo por um contrato entre o povo e um chefe unico, seja
príncipe, ou rei, ou por uma usurpação ou conquista
deste.
E’ possível, sem duvida, que um povo seja por estes,
ou por quaesquer outros meios semelhantes redusido á es ­
cravidão ; que supporle paeienlemenle um tyranno ou um
poder qualquer que não tenha tido origem na sua vontade
ou livre consentimento, e não lenha a sua adhesào. Mas
em tudo isso haverá apenas um faclo resultante da violência
e mantido pela compressão, porem jamais um direito ou
uma soberania legitima daquelle que eseravisa tal povo,
ou lhe impõe a sua autoridade.
O que é certo, em todo o caso, é que seja qual for o
titulo com que qualquer intruso daquella especie, indivíduo,
ou classe, tenha-se arrogado o poder social, ou os meios
por que nelle se sustente, e por mais antigo, ou mesmo be-
netico que pareça ou realm enle seja o seo dominio, jamais
prescreve ou será perdido para o povo que elie opprime ou
cujos foros desconhece, o direito de chamal-o a contas, de
«lerribal-o, c de substituil-o por oulro de sua escolha,
«liando c com o possa.
Este caracter de inalienabilidade e inseparável da s o ­
berania em rasão de sua própria naluresa e elem entos
constitutivos. Ella não poderia ser traspassada da nação
para qualquer entidade nesta ou fóra desta, sem deixar de
sél-o ; pois que nenhum a outra entidade que não a própria
nação, lhe pode fornecer os elem entos e condições que ella
essencialm ente suppõe. R esum indo em si a inlelligencia,
a vontade, e o vigor da sociedade, não pode esta renuncial-a
ou perdel-a em favor de quem quer que seja, do m esm o
m odo que a nenhum hom em é licito abdicar, e nem pode
perder em proveito de outro, ou de qualquer num ero delles,
as faculdades fundam enlaes do seo espirito e do seu corpo,
a sua personalidade, em sum m a, fazendo-se seo instru­
m ento ou escravo, .
Por maioria de rasão não poderião validamcnte alienar
a soberania de uma nação, ou faser esta perdel-a, aquelles
que apenas por mandato seo a exerçam , ou icnhão con­
seguido converter este m andato em poder proprio pela
nsnrpação apoiada na força, ou na astúcia.
Esta verdade que nos aflirmâo a razão e a sciencia, é
alias tão certa, que os proprios factos se incubem de d e -
monstral-a. Apesar de todos os system as com que se tem
querido desnalurar a origem , sede, e caracteres da sobera­
nia s o c ia l; e dos usurpadores, que tantas c tantas vezes a
tem desconhecido e tentado confiscal-a ou effecliyam ente
confiscado em suas m ãos, ella faz-se sem pre sentir mais
tarde ou mais cedo nas occasiões supremas em que o d e­
sespero a desperta. A i ! então daquelles que no meio das
tem pestades terríveis que ella desencadeia, ousão affron-
tal-a ! São implacáveis as fúrias da N em csis popular na es-
carm entação dos tyrannos que as provocão.
CAPITULO III

DOS ELEM ENTOS DO PO D ER SOCIAL, SUA DIVISÃO,


E ORGANISAÇÃO

Vrélecçâo V

§ $ 1 1 -1 7

O poder social, como bem observa o Compêndio no


seo § 11 .°, e como já precedentemeiile o dicem os, é um po­
der complexo, no qual se conlem a plenitude da soberania
da nação, e que.a conslilue.
Elle é um na sua essencia ; mas considerado sob as di­
versas maneiras por que tem de manil‘eslar-se,e com relação
aos fins immediatos a que deve applicar-se a sua acção na
sociedade, é divisível, e em vantagem desta e do seo g o ­
verno, deve ser eífeclivamente dividido em poderes espe-
ciaessob formas e condições peculiares a cada um.
Deixal-o na sua unidade abstracla, ou confundir na sua
applicação pratica as funcções diversas que nelle se conlem ,
seria condemnar o poder publico á inacção ou á desordem.
Em um só todo indiviso, elle diflicil e imperfeilamente func-
- 39 —
cionaria, ao passo que convenientemenledeslribiiidas c bar-
monisadas aquellas suas diíferenles funcções, elle marcba
com mais segurança e acerlo aos seos fins, a ordem, o bem
estar, e o progresso social, por vias diversas.
Qual deve ser, porem essa divisão do poder social em
um Estado bem constituído, ou qual é a que mais se con­
forma aquelles grandes lins do mesmo Estado ?
Diversas são as que tem dado os Publicistas, ou se
acbão consignadas nas Constituições políticas dos povos.
Uns partindo de um simifedo homem, que tem por fa­
culdades fundamenlaesde sua exislencia e desenvolvimento
a deliberação e a acção, tem divididoaquelle poderem dous
únicos ramos, o poder legislativo e executivo, que são para o
Estado como aquellas duas faculdades são para o indivíduo.
Outros accresenlão a estes um poder judiciário Benjamin
Constant indica ainda um quarto, o poder Iteal. E a nossa
Constituição, crca em lugar deste, e porelle mais ou menos
modelado, o poder que denominou Moderador.
A primeira destas divisões, que alem de outros Publi­
cistas, tem cm seoappoio a autoridadede Maçarei, é sem du­
vida, a mais simples, e será mesmo a mais exacla segundo a
lógica ; mas não é, de certo, praticamente a mais completa,
ou a que melhor se prestaauma boa organisação e equilíbrio
1 os P°deres públicos. O poder Iteal de Benjamin Constant,
e o Moderador de nossa Constituição não são, em rigor, po­
deres lormados de elementos distinclos dos daquellcs, mas
sim dc atlribuições destacadas dos mesmos, c que pariici-
pão de sua natureza e caracteres, conferidas juntamente
com ce rta sprerogalivas pessoaes, aliás importantíssimas, ao
ebefe do Estado.
Entretanto isto não quer dizer qnc a divisão que corji-
templa esse poder Iteal ou Moderador, não seja admissivel,
ou mesmo não se possa considerar bôa, altenla a especiali­
dade e importância das funcções que lhe são reservadas ;
sobretudo, si a titulo dc barmonisar e equilibrar por meio
delle os mais poderes, não for alguma parte essencial de
qualquer destes ou de todos, absorvida no mesmo em detri­
mento da nação, ou em proveito unieo dc uma autoridade
excessiva nas mãos da entidade em que elle se personifique.
Dentre as divisões acima indicadas o Compêndio opta
pela de— poder legislativo, executivo, e judiciário; e pare-
40 —
cendo-nos lambem esla a preferivel, Iralaremus de desen­
volver as doutrinas do Compêndio em relação a cada um
desses ramos do poder social No lugar proprio, e do que
diremos de cada u m , e particularmente do poder judiciário,
resullara a justificação da prelerencia dada a esla divisão,
que o accrescenta á de Maçarei, em vez de confundil-o no
poder executivo.
Inconteslavelm ente, quer na ordem lógica das idéias,
quer em razão da natureza de suas funcções, cabe o primeiro
lugar entre os diversos ramos do poder publico, ao poder l e ­
gislativo, de que trata o Compêndio no § 12 .° Este é sem
duvida o mais importante de to d o s; «delle depende, diz
Maçarei, a prosperidade dos E s ta d o s ; é pelos bons òn maos
syslem as de legislação, que se elevâo ou se abysmão os im ­
périos.» J
Comquanto este poder não seja absoluto ou ilimitado,
pois que o não é apropria soberania plena ; com quanto elle
tenha, alem dos limites naturaes do justo e do honesto,
aquelles que de um modo positivo lhe são marcados nas leis
orgameas da sociedade, ou dellas decorrem , com tndo exten-
sissima e, e deve ser a sua legitima alçada.
Consiste, em geral, esse poder na autoridade c co m p e­
tência que tem o Estado para dispor acerca já das pessoas e
bens de seos cidadãos, e já em relação a quaesquer objectos
determinados ou indeterminados, que interessem ásu a exis­
tência e bôa ordem , de conformidade com a natureza da-
quelles, com as prerogativas dos mesmos cidadãos, ou com
8- Sj : ° P r‘ ? s íinsj C °n s is te, em sum m a, no direito q u e a o
Estado pertence de deliberar, resolver, e impor as suas re-
d i l í S P°dre }Udv quanl0 convenha a l>em de sua m elhor
direcção, e dos legítimos interesses da com m unhão
annellp naJ p ! ° i r'dad,e eCOimpelencia lradu*em -se nas leis que
K / ? d Crela’ pe as quaes estabelece normas geraes
de conducta para a sociedade, e regula todas as relações j u ­
rídicas que existao ou devão existir, e se desenvolvão no seo
seio, ja entre seos m em bros, já destes para com elle, e vice-
Estados Ja aS SU3S pi 0pi ias re,aÇÕes exteriores com os mais
legislar, com o nos diz o Compêndio, não é própria-
fcr.e ar d,rcilosi mãs apenas declaral-os, m axim é si
nos retenmos a.uma certa classe dellcs que provem ao lio-
— 41 -

rnem das relações naluraos absolutas com (|iie Cntra paVâ a


sociedade; com tudo outros lia, alem desses, qtie ahi ad­
quire o cidadão, ou que mais directam enlc derivão do pró­
prio faclo s o c ia l; e si mesmo estes ainda de algum modo se
podem considerar naquelle caso, desde que o Estado não os
pode omittir ou suprimir abilrariamente, e antes é s e o im­
perioso dever rcconbecel-os, e declaral-os, todavia, quer
em relação a estes, quer mesmo aos primeiros, este aclo de
reconhecim ento e declaração legal c solem n eé de tal impor.
tancia que bem equivale a uma verdadeira creação. O que
scrião, com efieito,uns c outros sem aauloridade e asaucçâo
da lei que os declara e garante ?
Demais as condições e formas exteriores de seq exer­
cício e de suas garantias de tal modo podem variar sem
«densa da justiça absoluta, que ahi tem re alm en le o po­
der legislativo da sociedade um campo vastíssimo para as
suas providentes disposições de alvitre proprio.
Aqttella observação do Compêndio, nada deve tnlliiii,
portanto, para ler-se cm menor conta a magnitude (letal
poder. .
Não basta, porem, que no Estado se decretem leis ; sc­
rião ellas uma obra de mero apparalo ou irrisórias, se fos­
sem destinadas apenas a figurar nos seos archivos, ou a sei
applicadas por alguma entidade imprópria ou incapaz de as
•azer observar. « De que servirião as mais bellas leis do
mundo, diz Maçarei, si ellas não tossem fieimenlc execu­
tadas ? . E ’ indispensável que á sua decretação siga-sc a
sua exacta e prompta observância por todos c em toda a e x ­
tensão do Estado onde realmenle ellas devão ser cum pru as.
Para isto faz-se necessária a autoridade de outro poder,
que deve ser distinclo daquelle, e armado de lodosos meios
<iue tão alta missão e x ig e ; é indispensável, emlini, esse po­
der executivo a que se refere o Compêndio n o s e o ^ l o ; po
der, cuja importância na sociedade é tanto mais evidente,
quanto a sua acção deve ser ahi constante c permanente, c
quanto áquclla funeção que principalmenle o; caracten ,
reunem -sepor connexão intima,as extensas altriln ç
tivasao andamento e direcção dos variadissimos serviços cm
que consiste a alta administração do Estado.
Nem essa importância diminuc lambem por scr tal podei
subordinado ao legislativo, que fornece a matéria prm-
— í2 —

cipal á sua acção, e cujos decretos ilie cumpre observar.


A linha divisória c n lr e esles dous poderes, é aliás, vi­
sível. Ella resulta do proprio encargo de cada um . A in­
vasão de qu a lq u e r delles na espbera do outro, importa uma
grave perturbação no jogo liarmonico da machina governa­
tiva do Estado, que não pode deixar de ser para este de per­
niciosas consequências. .
O poder legislativo im põe o dever, ou estabellece o di­
reito , o executivo deve lim itar-se a promover a sua eflecti-
vidade, pelos meios e modos mais adequados, sem aug-
m ental-os nem dim inuil-os, co m o se exprim e Silvestre P i­
nheiro. A s disposições são quanto ao fundo actos do pri­
meiro ; ao segundo p ertencem propriam ente as formas e
condições exteriores de sua applicação. Si o poder legis­
lativo leni limites, mais restriclos os deve ler o executivo ;
a sua com petência é traçada pelas leis, a sua autoridade ou
m edidas não podem ir alem do que ellas lhe determ inão
ou p erm itlcm .
Nos detalhes da adm inistração propriam ente dita, que
não tenhão sido de um m odo positivo regulados por aquel-
las, ou que por ellas tenhão sido deixados ao seo prudente
arbítrio, a sua acção é mais livre ; mas ainda ahi não pode
ellc por-se em contradieção com qualquer dellas, antes
deve, em todo o caso,ir de perfeito accordo com o espirito e
plano geral da legislação do Estado.
O s Publicistas que no poder executivo abrangem o j u -
diçiario, recusando a este a cathegoria de poder distinclo,
prcoccupão-se exclusivam ente com o rigor da lógica ; ao
passo que aquelles que nesta cathegoria o considerão, al-
tendem principalm ente, e com razão, á importância e esp e­
cialidade de suas funeções, e exigências de sua co n ven iente
organisação.
E ’ certo que a funeção do poder judiciário, não é, em
ultima analyse, senão um modo de applicação das leis. Mas c
um modo tão parlicularmente caracterisado, e d e tanto al­
cance social, que bem pode e deve form ar por si na s o ­
ciedade o Dllribulo de um poder especial.
Com cífeito o modo de execução das leis peculiar ao
poder judiciário differe essencialincnle do m odo geral de
execução das m esmas que com pete ao executivo. Da parte
deste consiste cila no preparo c arranjo das condições e
. ■ T
— 43 —

meios para a applicação daqucllas, acompanhados da inti­


mação de sua observância, e da ameaça do contrangim enlo.
ou de uma pena, aos que se lhes opponhâo ou as infrinjão.
Mas tudo isso á priori, e sem relação a indivíduo ou a d o d e ­
terminado ou realisado ; e quando mesmo tal ou tal oppo-
sição ou infracção á lei é tentada, ou effeclivamente prati­
cada por t a l o u tal indivíduo, a acção do poder executivo,
limita-se a prevcnil-a, a conlel-a, ou a pôr os seos autores
em condições de se lhes applicara pena em que incorram ;
mas não ó e lle o proprio para impol-a ou para conhecer de
ta e s factos.
O modo, porém , de execução de lei proprio do poder
ju d iciá rio não se manifesta assim-, elle consiste cxacla-
m cn lc na applicação de tal nu tal disposição daquclla, ou da
sua sancção, a tal ou tal indivíduo, que deixou de observal-a
ou offendeo-a. Ella verifica-se sempre d posleriori e ap-
plica-se cspecialm cnte, já aos casos de conflicto de direitos
entre partes, e já aos de perpelraçâo de algum delicio.
Assim, a acção do poder executivo, em relação as leis,
se exerce no sentido de preparar e facilitar a seo cum pri­
mento por meio de medidas para esse fim adequadas; e a do
poder judiciário no de restabeleccl-as, ou os direitos que
ellas garantem, contra o seo menospròso já verificado.
Mas por isto m esm o , e diíferen tcm cn le do que acconlcce
quanto ao primeiro, ella suppõe no segundo a necessidade
de um exam e prévio e especial, de um debate solemne sobre
os factos que a provocão, e por conseguinte, a instituição de \
formulas e tribunaes, por meio dos quaesse apure a verdade
daquelles, e a justiça nas suas sentenças.
Já se vê, pois, quD funeções tão dislinctas, e tão diffe-
rentem ente caraclerisadas, com quanto sob um ponto de
vista puram enle theorico, derivem de um mesmo poder,
não podem deixar, com tudo, de ser separadas em suao rga-
nisação pratica na sociedade ; que é indespensavel que ellas
form em poderes distinclos, pois que om echanism o quecada
um dellcs é destinado a por em jogo exige comlicções
lambem diversas, e incompaliveis em um só.
Mas se na posse desses diversos ramos do poder
publico consiste a plenitude deste, não é, todavia, sufli-
cien le, que os possua o Estado como uma simples abs-
tracção, ou lheoria. E’ mister que essa divisão seja uma
u
realidade ; . , >■
perfeito accordoe harmonb! ■'ü *’otlei e.s P°ssflo mover-seem
*'in J«go nestas condições • „ 1m.a,11eira (*e os monlar e pôr
o exercício de cadaum
cx ie n .à filimii», J i'abeJecer
u,n- de' * confiado; 0del^soa!
• catJa-i~ deve a quem
„ xle,H'âo.
u H ao, e limites de sn a , fixar a forma
a e nxar forma,
] " e 0s devem unir, os nonto^ ecl,-v as attrilmições
)onin^eCllVas al,r*l»H«ÇÕe8 os laços
laços.
en tes; de regular, em sumina S ?e m filie d
m, f|l,e e v e m ser
(!evem s e r indepcn-
itidenen-
{.a,a que clles m utuam ente w a , ^.<?.<l uant<) seja necessário
|uncçoes, e nunca possão ser e m ^ " . 01” em suas legitimas
qne consiste a sua organisacãe !}*>araço uns a °s outros, é no
* 1 S « seguintes. - í, 'Saç5° de q«e trata o Compêndio no.
Aisio sc incerra n cnr» *»
|l*lca-; " Kls é <le solução d^fffcdn.0 ’m,ia ,J,,a constituição po-
" ‘.'.‘c a o Compêndio no S ir- n ,la Pro*dema. Com razão
sido lento o desenvolvime m odo geral, com»
t i j f r * 50 í,os poderes nublir !'l ° i<CSSa ideia <la divisão e
c e n d í,| S° C,eda<Jealéao Presente0*’ |leS<lea formaÇão l)l imi'
endente assumpto se tem em ! ' i es,Uf|o de tão trans-
1*1e s t a s : e si J nltima £ C e,,haldo 0ii mais notáveis P»-
S a «o í c c u r s o T o i s e c n , " 3 lal «« peito está ainda re-
Haer” o ^ n ç a d o nessa via as sne,C7 l? ’ com Il" ,° ’
sacão r. ' r 3 menle uma differe,, Cltíí*a^es humanas.
«aque||e glmenl,aria ,)os povos , ; a e " o rm e entre a organi-
se annlieJ ’ 6 3 ^os l,a>2es ronsiii (i lle allnde o Compêndio
ÁonH iaS °-bservaÇões q u e s p “ c,0naes m odernos, a que
devia s J r t 3 P,nmiliva orgaTisaeaC° nlem " o s e o § I 7 >
cessidiri s‘? Pfese•
1 udecomo oV í‘lal "ome*,ieq|ia<,ra>
°i'
cess dades daqneUcs p o v o s ? i n l m ,,o!e' os hábitos, e as ne-
i'«2 £ "í"s*4* u
VS Z ^ t - r»"
era necessa 8°S0S unicos a uni 130 lemer’ 011113
genhoso n-, o-° u,.n sys(ema nmli, P°l*,áo aspirar, não llies
voso o ma dlsP°s|Ç3o e acção de ComP*,cado ou muito eu-
S S K ? r le“‘e.' » <**>. 0 mais ,» « -
foi eniãn n SC? Se‘° P0r qualdii/i,- 0,1 Cln,!m o mais recom-
os nodere cbefeie nâ°nasstns °_ulro semelhante,
Só L d , l e da 3ss°ciaçao. o oover U°|S fora° reunidos to d o s .
classe, 1 V'1 ma-,S lai'J e,quando am ° - e al? ,,Ils 0,1 mi,itos
pal-o J ,le< om ,nantes, puderam ei '^0es <*'versas, ou certas
um só’ ^ua.n,*° os abusos ou a ; » le?p1 ao oceordo de usur-
M a s ? r C>SS(i. ríleio de remedTá^'^Çmncia do governo de
1 alii a divisão do nnri 31 (*e alguma sorte ornai*
I cr social em ramos dis-
— 45 —
tinclos, e, a c e r lo s respeitos, independentes; d’a liiá sua dis­
tribuição systemalica entre entidades diversas individuaes
ou collectivas, ba grande distancia. Esta ideia só podia
nascer com os progressos da sociedade, e com o con heci­
m ento pratico das com plicações do seo regimen ; só, linal-
m ente, quando a sciencia veio dem onstrar a sua possibi­
lidade e eflicacia.
Não querem os dizer que esta nos dê com pletam ente
formulado um lypo de organisação política amoldavel a todos
os paizes, e a todas as circumstancias ou epochas. Ella não
nos fornece, em geral, senão os grandes princípios, a cuja
luz devem os procurar a que mais convem a cada povo nas
suas diversas situações. _
Mas si não ha, como nos diz o Compêndio no seo citado
§, forma alguma de governo, que não tenha a sua bondade
relativa, não se segue, eom tudo, com o elle tambein reco­
nhece, que a sciencia não deduza da própria natureza e fins
da sociedade formas que mais se lhe acom odem , por serem
mais próprias para a segurança e desenvolvimento do direito
e da perfeclibilidade hu m an a ; e inconteslavclm enle uma
das primeiras condições para isto é uma bôa organisação dos
poderes públicos,
Existiram , de certo, em lodo o tempo, c ainda hoje
existem , Estados, onde o poder social não loi ou não tem
sido subm eltido á esse m echanism o orgânico, e que, não
obstante, prosperaram ou prosperão. Mas reconhece-se,
por lim, que isso tem sido ou é devido a circumstancias,
com que nem sem pre se pode contar, c que seos bons re­
sultados não offereccm garantias de permanência.
Não se pode encontrar,por exem plo, em todos os te m ­
pos, ou para todos os tbronos Titos ou Trajanos ; e pôr a
estabilidade dos Estados e o s direitos dos cidadãos 11a dep en ­
dência destes felizes, mas raros accidentes, ou das simples
virtudes de seos chefes, é abandonal-os ao accaso. O pro-
prio império R om ano, monarrhia moderada, tão forlemente
eslabellecida sobre as liberdades civis dos cidadãos, não
ponde por falta desolidas garantias de eífeclividadee duração
de sua forma de governo, escapar á tremenda catastroplie
que lhe prepararam os erros e crim es de seos imperadores.
Fazer com que a estabilidade social e a segurança
dos direitos dos cidadãos nasção da própria Constituição e
— 40 —

acção dos poderes p úblicos, de m odo que o g o v ern o do E s ­


tado possa ser b o m , ao m en os re la tiv a m en le, m esm o cora
ch e fe s iudividualm en te m áos, é o gran d e d e sid e ra tu m da
scie n cia , e o que ella, já de algum m odo ou até ce rto ponto,
tem alcançado pela órganisaçâo racional daquelles poderes,
qu e vem o s a c lu a lm e n le adoptada nos paizes m o d e rn o s mais
civilisados.
C O N T IN U A Ç Ã O DO C A P IT U L O III

Prelecçào Y l

§§ 18- 2-4

A organisacâo do poder social de que tratamos na ul­


tima parle da anterior prelecçflo, consiste antes de tudo em
estab clle cer-se para cada um dos ramos cm que elle se di­
vide, um orgno dislincto por meio do qual exerça cada um
as suas ftmeções, E ’ o que nos diz, em outros lermos, o
Compêndio no § 19 , que por hem da lógica na exposiç&o das
nossas idéias, desenvolverem os antes mesmo de nos o ccu-
parm os com o § 18 .
S e n d o cada um d’esses ramos do poder social desti­
nado a funeções diversas c da mais alta importância pratica,
nno poderia,com effeito, ser vanlajosamente confiado o e x e r -
cicio de todas a ntna entidade unica ou de urna só especie ;
visto que para lâo differentes e magnas incum bências, se
exigem lam bem habilitações especiaes, estudo, c actividadc
constantes c incompatíveis com as forças moraes ou pby-
sicas de um só indivíduo, ou mesmo de muitos entregues
— 48 — ‘
coiilusa e prpmiscuamentc a misteres de tão varia natureza
e de tão grande alcance social.
Só a applicação do principio cconom ico da divisão do
trabalho ás funções d’ aquelle poder, é capaz de assegurar o
seo completo desem penho, tanto quanto isso é possível na
sociedade humana.
Demais ha ainda outras razões que tornão necessária a
creaçâo iTesscs orgãos diversos. E' facil com prchendcr-se
que sendo tendcncia natural de toda a entidade unica, indi­
vidual ou collecliva, investida de poderes, exorbitar do cir­
culo legitimo d’ estes, o remedio a dar-se no Estado contra
tal perigo em relação aos poderes públicos, só póde achar-sc
na deslribuição das diversas funeçõesem q u celles consistem ,
por entidades lambem diversas que se vigiem, se m oderem ,
c se limitem m utuam enle. De modo que podendo todas
harmonisadas prom over o bem a que se deslinão, vejão-sc
cada uma de per si na impossibilidade de fazer o mal, ou de
praticar grandes abusos, a que sem tal freio poderião ser
tentadas.
E’ realm cnle isto o que prescreve a sciencia n’esla ma­
téria. Ella estabellece com o regra geral a deslribuição tios
poderes públicos por aquella forma, e entre orgãos especiaes
e distinctos •, mas não de tal sorte extrem ados que gire cada
um cm uma órbita de lodo extranha aos mais, ou que não
entre mais ou menos em cada um uma parcella de cada ou­
tro, para que seja possível a sua mutua inspecção, harmonia
e equilíbrio.
- Vejamos, por conseguinte, o que ha a fazer cm parti­
cular a respeito da organisação de cada um d’csses po­
deres.
Principiaremos pelo poder le gisla livo ,e éa q u iao cca siã o
de invocarmos o primeiro dos princípios exarados no § 18 do
Compêndio, e de o applicarmos á doutrina do seo § 20 que
passamos a desenvolver. .
Já dissemos, com Maçarei, que é sobretudo das bôas ou
más leis que depende a sorte dos Estados;e si o fim d’ estes,
com o também já demonstramos, c realisar na sociedade o .
império da ju s t iç a ; si esta é, portanto, o supremo bem
com m nm em que todo o cidadão deve ter a conveniente
parte ; é claro qne uma legislação verdadeiramente bôa sera
aquella em que todos estes ou todas as classes sociaes sejão
— 49 —
allendidas,em que iodos os scos interesses legítimos, aspi­
rações nobres c necccssidades reaes sejíio satisfeitas e garan­
tidas.
Mas por outro lado é evidente <]ue ninguém pode ler
mais exacto conhecim ento, nem melhor vontade de pro­
m over sem elhantes vantagens, e por conseguinte ser melhor
legislador, do que os proprios cidadãos ou classes a quem o
gozo dessas vantagens respeita ; e menos contestável é ainda
a sua com petência para isso depois do que lemos expendido
acerca da natureza da sociedade, dos elementos de que se
forma a sua soberania, e da igualdade de seos membros pe­
rante a lei natural e social.
A primeira consequência a deduzir-se d’alti éq u e todas
as classes sociaes devem ter, senão parte real e directa na
confecção das leis do Estado, porque lambem já demons­
tramos ser isso impossível, ao menos o direito reconhecido
e plcnam enle garantido de constituir para esse fim manda-
larios de sua livre escolha. .
- O orgão do poder legislativo, deve ser, pois, um corpo
colleclivo, mais ou menos numeroso, em que todos aquelles
cidadãos ou classes sejão ou possão ser representados
por seos delegados e de cujo seio, mediante esclarecido
exam e e conscienciosa discussão, saião as leis sociaes com
°. cunho da justiça c da sabedoria, e com o carecler de d e ­
cisões partidas da própria nação.
. E ’ facil o erro e o predomínio das paixões entre poucos
indivíduos ou classes. Um corpo, porém, em que dehberão
muitos sem interesse exclusivo em um sentido, as resoluções,
por via de regra, exprimirão o que é rasoavel c ulil a todos,
ou a todas as classes que aquelles represenlão.
Mostra-nos mais a sciencia, que si um corpo legislativo
assim organisado contem já em si bastantes garantias uo
bom desempenho de sua alta missão, podem essas sei aint a
augmentadas si em vez do ser elle único, for dnidulo (io
mesmo modo em dous ramos distincios, já em si, ja
alguns dos elem entos constitutivos de sua lormaçâo, ja ci
alguns pontos do circulo, aliás commu.n, de suas tunc^oes,
P ara collaborarem conjunclam ente na confecção nas icis oo
Estado.
Não ha, re a lm e n te modo mais consentanco, com a
dignidade e missão do corpo legislativo, de evitar o sse o .
desvios ou excessos. A sciencia procura assim, uao so
— 50 —
«leal- ° de mais luzes c prestigio, mas ainda moderal-o por
meio de seos proprios elem entos constitutivos.
Com efleilo pela instituição de um segundo ramo d’esse
poder, crea-se um novo grupo de inlelligencias e aptidões
superiores, de dedicações ao bem ser geral dasociedadc, que
pode dar a ultima demão á obra do primeiro e servir como
de senlinella destinada a conlel-o nos seos verdadeiros li­
mites, do mesmo modo que este, por sua vez em relação
aquelle
^ o só cada um desses dons corpos será então um p o ­
deroso e ulil auxiliar, nm com plem ento do outro, como
também será um parado outro nm contrapeso ou correctivo.
Ramos de um só poder devem comtudo ser elles, como
acabamos de dizer, organisados em condições que não sejão
idênticas. 1 J
Am bos devem ler, em regra, um periodo de funeção
limitado e ser renovado de tempo em tempo no lodo ou em
parle, como nos diz o Compêndio no § 22.
K isto conveniente, pois que as necessidades publicas
vanao, e lambem as idéias da nação, segundo as epoebas, e
e preciso que de accòrdo com ellas seja constituída a repre­
sentação nacional Só assim pódem realmente as funeções
legislativas ser consideradas um verdadeiro mandato social.
A nao se dar essa renovoção periódica, os eleitos do povo
deixanão, a final, de ser seos legítimos representantes : o
corpo legislativo se convertería então em mera represen­
tação de uma sociedade já passada, ou gran dcm en le m odi-
tiçada, c degeneraria cm oligarchia.
Devem, portanto, aquelles dous ramos do poder legis-
'a f v o çm regra, ser temporários, e renovados.
Mas porsua própria natureza e caracteres, em um, essa
renovação deve ser em curtos intervallos, ao passo que no
outro convem que o seja em intervallos mais longos. 0
nosso senado, que. corresponde a este segundo corpo legis­
lativo loi pot nossa Constituição feito vitalício, eco m quanto
pretendâo muitos que pela morte natural dos seos m em bros,
cm geral de idade avançada, a sua renovação se opera em
tempo breve, pensamos que esse soo modo de recom po­
sição lenta, parcial e quasi insensível,não acompanha os mo­
vimentos reaes da opinião : além de que não provindo d’csla
lonte, mas só da mão fatal das Parcas, nenhum valor político
pode ter em um pai/. de governo representativo. Parece,
alinal, repugnante tal vitaliciedatle no exercício do direito po­
pular por cxcellencia, que traduz de um modo directo a de­
legação da vontade nacional, e que deve cxprimil-a nas suas
diversas transformações.
Não tem entretanto, lugar aqui um exame mais delido
desta importante questfio do nosso Direito Constitucional.
Assim com o o pcriodo de renovação do segundo ramo
legislativo, exige maior espaço, é lambem conveniente exigir
se, para a entrada u’ ellc, maiores qualificações sociaes, e
mais experiencia adquirida nos negocios públicos por uma
idade superior.
São Caceis de altingir-se as razões d’ estas differcnças.
A não serem cilas, esses douscorpos, embora m alcrialmenle
diversos, serião moral e politicamente um só, as suas ten­
dências geraes serião as mesmas, e não poderião elles, por
conseguinte, servir-se rcciprocameutc de com plem ento e
correctivo,
Além de que devendo em um d’ e lle s se r mais directa-
m ente representada a variedade eactualidad e dos interesses
e aspirações da Nação, e devendo o-oulro conter no seo seio
mais elementos de conservação e prudência a oppôr as pre-
lenções exageradas d’aqucllc no sentido das mudanças irre-
fiectidas, deve um estar mais ao alcance do grande numero,
e para isso renovar-se mais frequentem ente o seo mandato,
ao passo que o outro deve ter mais lixidade, c por isso ser
menos snbm eltido a renovações repetidas.
Ainda outra diíícrcnça se pode dar entre estes douscoi -
pos, relativa ao modo da sua nomeação.
Segundo os princípios que lem os já em illido, sabemos
que todos os poderes públicos são exercidos por um m an­
dato Nacional, que isto é principalmente applicavel ao poder
legislativo, e a quaesquer ramos em que clle se divida, e
que, por conseguinte, só pelo sufTragiopopular póde esse
mandato vcrijicar-se nos membros de qualquer d’ estes.
Entretanto este principio que a scicucia proc lama cie
um modo geral, tem sido sujeito na pratica a modificações,
lacs como a que consagra a nossa Constituição fazendo in­
tervir o Imperador na composução do pessoal do nosso se­
nado em concurso com o voto do povo expresso em lista
tríplice.
Nas monarcliias representativas de paizes ainda não
preparados de lodo para uma ampla democracia, e dada a
plena liberdade do voto Nacional,aquella ingerência do chefe
do Estado em íaes nomeiações pode nüo ter grandes incon­
venientes, e ter mesm o alguma vantagem ; fora d’ islo,
porém, e sobretudo sendo aquellas vitalícias, sem elhante
prerogativa pode involver uma reslriccâo indébita á am pli­
tude d’aquelle voto, e uma ruptura do equilíbrio dos poderes
públicos em favor do monarcha.
Assim , em regra ao orgao do poder legislativo, ou elle
seja uno ou duplo, deve ser constituído exclusivam ente
por eleição popular, que é, segundo a bella expressão do
Com pêndio no § 22 l o seo principio gerador e renovador.
Mas si tal é o importante papel da eleição ; si ella é a
alma dos Estados d e m o crá tic o s; não são menos dignas de
attenção as formas praticas de sua verificação no Estado,
desde que ellas necessariamente entendem de um modo
immediato e essencial com a liberdade e extensão do voto
do cidadão, e com a sua capacidade eleitoral, que ellas de­
vem regular e garantir.
Sob esse ponto de vista a eleição pode ser feita pelo
suffragio universal, ou restrieta e reservada a certas ca lh e-
gorias, ou classes de cidadãos ; c pódc ser indirecta ou di­
recta.
0 suffragio universal a que se refere o nosso C om pên­
dio no s e o § 24 , o qual consiste na concessão do direito de
votar á massa geral dos cidadãos, exceptuados apenas os
únicos physica ou m oralm cnle incapazes de exercel-o, tem
gravíssimos inconvenientes, e os teria ainda cm grande
parte, mesm o reduzido a lermos menos exagerados. E’ pois
com razão que elle é rcpellido por todas as Constituições e
Publicistas mais sensatos. 0 voto de todos, assim como
a elegibilidade de todos, ou ainda da maxima parle dos ci­
dadãos é perigoso, senão inpraticavcl, do mesmo modo, e
por causas analogas ás que fazem impossivel o governo di­
recto de lodo o povo ou das grandes multidões.
Dos dous systemas de eleição — indirecta ou de dous
grãos, e directa ou de um só grão— trata o Com pêndio no
seo § 23 .
Pela primeira uma grande parte da população activa
do Estado escolhe um numero determinado e muito menor
de cidadãos dc qualilicações superiores, os quaes por sua
vez elegera os rcprescnlanlcs da respecliva circurnscripção
eleito ral; c pela segunda uma parle ainda considerável,
porém menos larga do que aquclla, porque nella sc exige
mais importantes requesitos, elege dircctam cnle estes,
(Juér cm um , qnér etn outro syslcma a capacidadecleitoral se
regula por um censo mais ou menos elevado, ou baixo, ou
por certas qualidades e circumsiancias «Io cidadão que a
lei presume indicativas daquella, ou por ambos esses meios
combinados.
Qual desses dous systemas será o preferível ?
A eleição indirecta pela qual em razão de sua própria
natureza, /leve caber o voto a um numero muito maior dc
cidadãos, pois que cila exige habilitações inferiores naqucl-
les, parece aproximar-se mais á verdade do governo repre­
sentativo e dar mais satisfação ao povo.
Mas primeiramente, por aquclla mesma razão, elia in­
troduz no processo eleitoral elementos /pie necessariamente
o viciam, viciando também o corpo eleitoral do segundo
grão que delle se origina. Em segundo lugar, não ti esse
seo grande numero de volantes que effeclivamente
nomeia os representantes do povo. Pela iutcrposiçào /Io
eleitorado do segundo grão que de facto os elege, ficain
estes a tão enorme distancia do primeiro grão da eleição,
que não podem mais reconhecer alli a sua origem, nem os
votantes rcpulal-os com o sua o b r a ; e assim quebra-se de
lodo a união que deve haver e subsistir entre a nação e
seos eleitos. _ .
Iía , pois, afinal mais verdade representativa, c mais
garantias de uma bôa eleição, no voto directo da parlo real -
m ente capaz /Ia população, embora cm numero menor, mas
ainda muito considerável, do que no voto indirecto^ de
sua totalidade ou grande maioria dc infimas qualilicações,
recahindo clle apenas em um grupo limitadíssimo de cida­
dãos, que são os que dc facto elegem os legisladores da
nação,
O syslcma de eleição indirecta é até inconsequente.
Tendo a prelcnção de evitar os males do suHragio universal
c rcpcllindo o sysluma eleitoral directo, não só mantém a
maior c a peior parte dos vicios originacs do primeiro con­
sistente na ignorância, corruptibilidade e turbulência das
massas que chama ás urnas; mas até por fim recorre ao
mesmo principio sobre que repousa o segundo, exigindo
habilitações mais completas, mesmo na grande massa a que,
por sua indole característica, devia estender o voto, e e x ­
cluindo d’ esie todos os qnc as não tenham. N’ cste caso,
coneiue com razão o publicista Hello, mais vale abraçar-se
logo francamente aquelle principio, e procurar-se na socie­
dade a allura em que convém fixar-se a presumpoão da c a ­
pacidade eleitoral. E ’ este certamente um problema dfficil,
acrescenta elle, mas deve-se resolvel-o, senão de um modo
perfeito, ao menos do melhor que possa ser. A sua incóg­
nita consiste em fazer-se eleitores inlelligenles, e inde­
pendentes no maior numero p o ssível; ou por outra, d ire­
mos nós, consiste em conferir-se o eleitorado sòmenle aos
que forem d’ elle capazes, mas conferir-se a todos que real-
merile o sejam. Pela primeira condicçâo evitam -se os
grandes deffeilos do suffragio universal, e pela segunda os
da eleição indirecta. Adm iltido isto nem aquelle nem esta
têm mais razão de ser.
Vimos o que foram as eleições indirectas entre nós,
durante meio século de experiencia que tivemos de tal sys-
lema ; sabemos que grande parle de scos inconvenientes,
procediam dos abusos que se com m ettam na sua pratica, '
laes como as falsificações das qualificações, o arbítrio das
mesas parochiaes, a pressão corruptora das influencias lo-
caes, e a intervenção indébita do poder em ambos os grãos
da eleição. Mas tudo isso, si não procedia immediata e
unicamente do proprio syslem a, era por elle alimentado,
e favorecido.
Em nossa primeira Edição destas P relecções disse­
mos : « No syslema eleitoral directo que assenta sobre
uma qualificação mais ou menos lixa, e em um eleitorado
mnis ou menos permanente, filho de suas próprias habili­
tações e da lei, mais ou menos numeroso, e portanto m e­
nos accessivel á seducção ; substituídas, além disto, as
acluaes mesas parochiaes, por outras que offerecessem mais
garantias, sob a inspecção de magistrados postos inleira-
mente fóra do jogo da politica. desapareceríam, sem duvida,
senão todas ao menos a maior e a mais terrível parte
daquelles deffeilos, »
Ora é isto exaclam enle o que prelendeo realisar a lei
— 55 —
n. 3020 de 0 de Janeiro do corrente anuo, que reformou
o nosso systema eleitoral, adoptando o da eleição directa,
e consagrando além de outras disposições importantes e
muito íiberaes, uma extensa lista de incompatibilidades,
destinadas a firmarem a independencia quer do eleitorado,
quer da representação nacional,
Inconteslavelmenle essa lei, já em razão de sua ideia
capital, já de muitas de suas outras disposições, é um
grande passo dado no sentido de moralisar as nossas elei­
ções, e de lornal-as, quanto possível, uma verdadeira ex­
pressão da vontade nacional.
Mas não haverão nella graves deffeilos, outras dispo­
sições mal pensadas, ou mesmo excesso ou defliciencia em
algumas daquellas que principalmente a caracterisâo e
constituem a sua excellencia, e que podem prejudical-a na
sua execução, e nos seos resultados ?
E ’ o que a experiencia nos mostrará brevemente.
Temos sobre este ponto sérios receios; mas prasa a Dcos
que elles sejam vãos, e que o novo systema realise com
elíeilo de um modo satisfaelorio os votos que a este res­
peito fizemos em nossa cilada primeira Edição; que m e­
diante cila . o governo representativo se torne entre nós,
d’ora em diante uma realidade; que as chamadas do nosso
povo ás urnas não sejam mais, como até hoje, meros con­
vites á reproducção das scenas tristes e vergonhosas, de
que fomos iufelizmente, testemunhas em todas as nossas
eleições; e as nossas Câmaras legislativas venham
a ter, afinal, não só a illuslração e a independencia neces­
sárias para fazerem leis uteisao p a iz, mas ainda energia e
consciência do dever bastantes para chamarem o poder a
contas, e reprimirem os seos abusos.
C A P IT U L O IV
1'relecção VII

SS 2 5 -2 7

N os paragraphos acima indicados trata o Compêndio


da organisação do poder executivo.
Devendo as leis que o poder legislativo decreta ser íiel-
m enle observadas no Estado, é claro que o poder incum ­
bido de tornal-as, effcclivas no mesmo, deve ser constituído
de modo, que possa eílicazmentc realisar tão importante
encargo.
Assim, si o poder legislativo, como prccedenlcm ente
vimos, só pode ser bem exercido por muitos, ou por as-
sembléas mais ou menos numerosas, é da natureza do poder
executivo, é condição primeira de sua bôa organisação, que
clle seja conliado, ao menos como direito supremo, c na
sua totalidade, a uma pessoa unica no Estado, embora esta
o exerça nos seos detalhes e variadissimas applicações por
meio de ministros ou agentes seos.
E’ o mesmo (jue nos diz o Compêndio no sco § 25 , e
não ti isto outra cousa senão a applicaçâo do principio por
- o7 -
ellt* formulado sob d . 2 , no sco § 18 .°, a saber : «que â
execução das leis nunca é tão rapida, segura, o vigorosa,
com o quando é conliada a uma pessoa physica, que obra
por intermédio de agentes que lhe são inteiramente subo r­
dinados.»
Com effeito, só ao impulso de uma vontade unica e
superior será aquelle poder capaz de obrar livre de toda a
acção extranlia, c com a uniformidade, presteza e energia
que a sua missão reclama.
N’ esle modo de con sliluir-se o poder executivo não lia
perigo serio para o Estado ou para os seos cidadãos, desde
que elfe tem uma esphera de acção determinada dentro dos
limites proprios de sco encargo, que a constituição social
lhe impõe, e que elle nada cslabcllcce de novo ou crêa por
si m esmo em relação aos direitos d’aque!les, cumprindo-lhe
apenas rcalisar na sociedade o que as leis decretão. O bede­
cer-lhe, é por conseguinte, obedecer as próprias leis, que
são sem pre o seo objeclo, como se exprime Maçarei.
E ’ possível que a titulo de lazer executar aqucllas o po­
der executivo exorbite de sua legitima alçada ; mas os r e ­
m édios para esse mal, ccrtam en lc grave, devem ser outros,
que não o de s u b m clle l-o a uma organisação bastarda.
Meios de tornar dillficil tal abuso rcsullão já do proprio
m echanism o e jogo dos diversos poderes públicos, na vigi­
lância, ex a m e, ecorrectiv o s que cada um encontra nos mais;
e para reprimil-o devem haver outros adequados na respec­
tiva legislação.
Dir - s e - h a q u e n ad ad ’ isto é possível ou cITicaz nos E s­
tados cm cujas constituições se considere c declare inviolá­
vel a pessoa constituída chefe desse poder? Esta ficção j u ­
rídica que figura em nossa lei fundamental, e nas de outros
paizes que se regem pelo m esm o systerna, e que cm rigor
não é uma condição essencial d’aquella entidade, pode coin-
tudo ser admittida c sem grandes inconvenientes na pratica,
taes sejão as circumstaucias da sociedade política cm que se
adople, e as garantias de que se a rodeie.
Em todo o caso, não tem nem pódc ter cila a co n se ­
quência acima indicada, desde que a responsabilidade d’csse
poder se verifica nas pessoas dos conselheiros, ministros, e
mais agentes, sem cuja cooperação, na forma da mesma
constituição, aquelle chefe nada poderá obrar. Essa res-
Digitalizado pelo Proieto Memória Acadêmicada FDR UFPE

ponsabihdade é uma grande garantia social contra os abusos


do poder a que nos referimos, uma ves que seja uma reali­
dade e que lenha toda a exten são riecessaria.
Além d’ essa, deve-se contar ainda por alguma cousa
com a responsabilidade, ao menos moral, directa do proprio
chefe inviolável ; pois que a ficção constitucional de sua
irresponsabilidade legal, não o livra, nem poder algum o
pôde livrar d’ aqnella, que é tanto mais grave quanto mais
alto se acha collocado o responsável. T em esta, sua effica-
cia relativa, e com ella, de certo,conta o legislador co n sti­
tuinte quando dispensa a outra.
E haverão entre as diversas atlribuições que por sua
natureza são próprias do poder executivo, algumas, taes
com o as que a nossa Constituição reserva para o poder Mo­
derador que instituto, por cujo abuso não devão ser respon­
sáveis aquelles m inistros? Não as ha, em nossa o p in ião ,
nem m esmo essas estão em taes condicções, segundo os
princípios racionaes em que se funda a sciencia.e que a illu-
minão. E’ contra toda a razão pensal-o.
Não ha acto abusivo humano praticado com scicncia e
liberdade que não deva ser imputado áquelle que o pratica;
e si razões bastante fortes, de conveniência social, existem
que expliquem em relação aos aclos do poder, o desvio da
responsabilidade de cima da cabeça de seo real ou principal
autor para as de outros, que por elle respondâo, nenhuma
ba, quer de justiça, quer de utilidade publica, que justifique
a sua completa eliminação, quando se trata de abusos que
tão gravem ente podem com prom etler o Estado, ou os mais
sagrados direitos do cidadão.
D’ esta conclusão seria exceptuada apenas aquella at-
tribuiçào do nosso poder Moderador em que a responsabi­
lidade ministerial é d e facto impossível, por consistir no
exercício de actos do Imperador praticados exactam ente
quando ainda não existe, ou elle não tem mais a seo lado,
um ministério que por elles responda, isto é, nas próprias
nomeações e destituições dos ministros.
Segundo a lettra ou o espirito de nossa Constituição, tal
seja o modo de vel-os, pôde esta questão ser resolvida, e
por muitos o é, em sentido diverso •, e com quanto ainda
assim nos pareça mais sustentável e mais digna a doutrina
que expendem os, collocada a mesma questão n’ esse terreno
a sua discussão é mais cabivcl ua analyse de nosso Direito
Constitucional privado.
O chefe do p o d crcx ccu liv o , como nos diz o Compên­
dio no § 2 0 , pode ser eleclivo ou hereditário.
Se por um lado parece preferível a temporariedade
(Pesse primeiro cargo da Nação, por outro, razões assás
plausíveis existem cm favor da sua perpetuidade, ou here­
ditariedade. N’eslas se pode, com effeito, encontrar mui­
tas vezes garantias de estabilidade e vigor, desinteresse e
dedicação da parte do governo social em hem da causa pu­
blica, que mais difíicilmenlc offereção chefes temporários
de sua suprema administração.
A temporariedade d’ estes suppõe a eleição, e esta para
um cargo de tanta magnitude social é um alimento perigoso
ás ambições. Cada periodo de sua renovação deve ser, em
regra, uma épocha de estremecimento que perturbe a ordem
publica e embarace o progresso Nacional.
Demais a eleclividade tem o grande inconveniente de
tornar o eleito domasiadamenlo dependente d’ aquel!es que
o elegem, cóllocnndo-o assim em uma posição subordinada,
quando em vista do poder que elle representa, e da impor­
tante missão a que se destina, convém erguel-o a uma altura
correspondente na sociedade ; tira-lhe, por assim dizer, o
prestigio, sem o qual não ba poder verdadeiramente respei­
tável, nivelando-o de alguma sorte com os mais funcciona-
rios do Estado.
Finalm enle a temporariedade. que renova cm certos
periodos o chefe do poder executivo, interrompe a unifor­
midade, o seguimento concatenado das suas ideas e medi­
das governativas, e a unidade d o g o ve rn o so ci.il, transmil-
tindo-o frequentemente a outros animados de pensamento
diverso, c muitas vezes contrario, c nisto perde, sem du­
vida, a sua bôa direcção.
A hereditariedade d’ aquelle cargo póde ler o inconve­
niente de fixar permanenlemenle o governo social cm um
chefe ou successão d’ elles sem a necessária capacidade ou
zelo, e até com outros deffeilos peiores. Mas esse inconve­
niente de que não são inleiramente livres os de eleição,
torna-se nos syslemas de constituição política, segundo a
sciencia aconselha, quasi insensível. Essa incapacidade e
deffeilos não podem prejudicar gravcmenlc a causa publica,
— 60 —
visto com o, além das barreiras que ao chefe incapaz ou vi­
cioso resultão da acção dos mais poderes, ba ainda contra os
seos erros ou desmandos a garantia da responsabilidade de .
seos ministros c agentes. O meebanismo da organisação
dos diversos poderes, já em si, não lhe deixa grandes en-
chanças para os abusos, e a responsabilidade ministerial
dim inue-lbes ainda a possibilidade ; e se apezar de tudo, o
chefe do poder executivo pretendesse fazer sem pre c propo­
sitalmente o mal ou desviar-se do recto cam inho, ver-se-
hia, por lim, com os braços atados, nao acharia responsáveis
para os seos caprichos ou loucuras.
E’ possível imaginar-se uma sociedade politica bastante
corrompida, para que nunca laltem no seo seio instrumen­
tos a um semelhante poder. Mas para uma tal sociedade,
tão ruim seria uma monarchia hereditária como uma elec-
liva, ou como qualquer outra forma de governo. N’essas
condições o que seria indispensável, antes de tudo, era re­
generar os costumes, c infundir sangue novo e mais nobre
pas fibras da Nação. .
Em summa, si a hereditariedade do poder executivo dc
alguma sorte importa uma diminuição ou desconhecim ento
da soberania da naçao, privando-a da escolha de seo chefe
segundo as necessidades das occasiões, ou impedindo-a de
ser juiz dc sua conducla, tem a vantagem dc pôr mais elfi-
cazmente o governo social a salvo das desordens, de que or­
dinariamente sâo viclimas as democracias exageradas.
Póde-se pois admiltir a hereditariedade das funeções
no chefe do poder executivo ; e é esta, por via de regra, a
differença mais caracleristica entre a forma de governo pro-
priameute republicana, e a monarchia constitucional repre­
sentativa, na qual aquelle chefe é o monarcha.
Se a exislencia de ministros, e de outros agentes a par
do chefe do poder executivo, dada a irresponsabilidade legal
d’esle, é como vimos, indispensável soh o ponto dc vista de
sua própria essencia e constituição intrínseca, não o é m e­
nos considerado elle sob qualquer outro asp ecto,e até soh o
da própria posição e movimentos de seo chefe.
Deve forçosamente havel-os, e toda a constituição po­
litica os crêa, porque a unica personalidade, a unica iniclli-
gencia e acção individuaes d’aquelle chefe por mais vastas e
poderosas que sejão, jamais serão sufficientes para o desem -
— 01

penlio da pesada tarefa que lhe é confiada, assim como por


sua vez devem esses ministros dispor de agentes subalter­
nos, desde que nem a seo cheíe, nem a elles é possível mul­
tiplicar-se de modo a estar a um sò tempo cm toda a parle,
ou mesmo percorrer successiva e frequentemente todos os
recantos do Estado, onde devem ser executadas as leis, íis-
calisada essa execução, e exercidas todas as allribuições
administrativas que lhe com pete applicar a cada uma das
suas circumscripções lerritoriaes.
De que modo devão ser constituídos esses ministros e
mais agentes, que parle deva ter 11’ isso 0 chefe do poder
executivo, ou se deva este ser estranho a tal obra, dizem-no
claramente os proprios caracteres da autoridade d’esse
chefe, e as necessidades de seo alto cargo. Orgüos activos,
como os chama 0 Compcndio no § 27 , do poder cujo pensa­
mento c vontade aqucllc chefe representa, nao podem caes
ministros e agentes deixar de ser a este subordinados, e d e
dever-lhe a origem. São elles, diz Maçarei, os seos bra­
ços, e precisão de ser iniciados no plano do governo a que
devem ser fieis. Em seo nome obrão em todos os pontos,
e intervem em todos os variados misteres e serviços do Es­
tado ; e conseguinlcm eule é logico, que áquellc compita
sua nomeação, remoção, e destituição, salvos os únicos li­
mites do honesto e dos reaes interesses da Nação.
A pratica d’estes importantes aclos deve repousar so­
bre a plena liberdade d’aquclle que os exerce. A própria
irresponsabilidade legal do chefe do poder executivo não
torna para elle dispensável esta magna attribuição. Para
explical-a, quando outras muitas razões de conveniência so­
cial se não dessem, como se deprebende do que lemos dito,
baslarião a sua responsabilidade moral e a convicção pu­
blica de sua real iniciativa e influencia nos actos do poder a
que preside. ,
Mas nada do que temos expendido quer dizer que a
Nação deixe d e t e r o direito de impor ao exercício d essa
elevada attribuição as restrições que julgue necessárias ao
seo bom uso e proficuidade no Estado. Assim, cila se re­
serva ordinariamente a faculdade de estabelecer, já as con ­
dições da admissibilidade a certos cargos públicos,e da re m o ­
ção ou destituição de certas classes de lunccionarios ; já a
duração, a movibilidade ou i»ainovibilidade de alguns, e
— 62 —
acumulação on iucompaliliilidaJc das funcções de outros ,
já a de crear mesmo certa ordem de empregos a respeito
dos quaes nenhuma d’ aquellas attribuições que acima m en ­
cionamos como próprias do poder executivo, possão ser
por este exercidas ; e já, linalmenle, a de decretar sobre
este assumpto outras muitas disposições, que por sua natu­
reza ou consequências devem depender de resolução legisla­
tiva.
Comludo, e mesmo dentro d’esses limites, immensa é
ainda a grandeza d’aquelle poder social. A unidade e a
permanência que o devem earaclerisar, servidas por uma
infinidade de auxiliares de sua escolha, dão-lhe esse alto
prestigio e força que lhe são indispensáveis para prover de
modo satisfatório a todos os reclamos e exigências de sua
missão, já como executor das leis, já com o supremo admi­
nistrador da sociedade. Briarêo de milhares de braços,
elle os estende por toda a parte, toca por algum lado em
todas as mais importantes relações da vida social dos cida­
dãos, sobre cuja fortuna, liberdade e vida deve pairar, como
o espirito de Deos sobre as aguas, e é pela sua voz e aclivi-
dade incessantes que se fazem sentir e se transmillem o
pensamento e a vontade soberana, desde o centro até as ul­
timas extremidades da nação, e fóra d’ ella perante as mais.
Felizes os povos, se de posse de um poder tão bem fa­
dado para realisar, quanto possível, a paz e a felicidade de
cada um e entre todos, não se levantassem a par d’ elle os
erros e paixões próprias e mais ou menos inseparáveis de
todos os governos e homens, as ambições de uns e outros, e
sua corrupção reciproca, para, apezar de todas as caulellas
e combinações da sciencia, converterem muitas vezes esse
maravilhoso instrumento de ordem em polypo enorme devo-
rador da seiva Nacional, e até do seo sangue, tantas outras
copiosa e atrozm enle derramado por scos crimes, caprichos
ou ineptidão.
CONTINUAÇÃO DO CAPITU LO IV

Prelecção VIII

. §§28-31

Nos quatro últimos paragraplios (1’estc capitulo trata o


Compêndio da organisação do poder judiciário, e moslra-
nos a l i i : que elle deve ter um orgao distinclo dos outros
poderes públicos, que os seos membros nüo devem ser no­
meados por eleiçSo popular, nem temporárias as suas func-
çôes, mas pelo poder executivo, e ser estas perpetuas;
assim como que (festas ultimas regrasapenasse deve excep-
tuar certas classes de juizes. ,
Com efTeíto este poder deve ter um orgao privativa-
m enlc seo.
Esta consequência resulta n3o só da razSo muito va­
liosa que nos dá o Compêndio no § 3 8 , de que o oITicio de
julgador requer inlelligencia das leis,estudos especiaes,exa­
me dos factos e documentos em que as parles fundilo, pe-
rànlc aqtiélle poder as suas prelenções, o que se nfto pode
dar com um pessoal que náo seja exclusiva ou prmcipal-
mente empregedo em fào importante tarefa, mas também
da verdade não m enos incon leslavel, que jamais poderião
ser as a llrib uiçõ es próprias d’ esse poder, conferidas a
q ualquer outro sem grave transtorno na organisação d’ elles.
O poder legislativo que tem o seu assento em um
ponto apenas do território Nacional, que demais tem por
orgão um corpo n um eroso, que se reune interm íte n le -
m e n le , on de as decisões só se dão depois de largo ed iu tu rn o
debate, que já tão exten so s e m om en tosos deveres tem a
cum p rir, e que na qualidade de legislador suprem o deve ser
irresponsável, não seria de m odo algum proprio para exer-
cel-as.
O poder executivo lam bem não o poderia ser. E n ­
tregar-lhe e a seus agentes aquellas funeções, de envolta
co m as que lhe p ertencem , que ex igem , e em que se funda
a sua amovibilidade, seria tornar-se a justiça sua subordi­
nada ou a seu chefe, co m o aquelles, c converlel-a b re ve­
m en te em instrum ento de lyrania nas suas mãos.
Um a magistratura assim constituída não teria a minima
independencia, quando aliás é esta a primeira de todas as
con dições de uma bôa adm inistração da justiça, a ponto de
dizer H ello, « que toda a doutrina que tenda a erifraque-
cel-a deve ser regeilada com o subversiva ».
Entretan to não é licito inferir-se d’ islo, que não deve
c o m p e lir ao poder executivo ou a seu chefe a nom eiação
dos m agistrados, que lhe attribue o com pêndio no § 2 9 ,
desde que apenas se tracta do direito de nomeial-os, e não
co n ju n clam e n le do de destituil-os, ou de rem o vel-o s ad
nutum ; que um não suppõe necessariam ente o outro ; e
q ue, sem este a influencia do poder executivo sobre os m a­
gistrados com eça e linda no proprio aclo de os nomeiar.
Demais, se por um lado já a n le r io rm e n tc dissem os que
não ba n’aquelle simples direito inconveniente sensível,
traçada pela lei a linha de conducta dos juizes, c a órbita de
sua acção legitima, por outro é perfeitam ente sensato o que
a este respeito accrescenta o com pêndio na ultima parte do
citado §, isto é, que sendo o julgar um ramo do poder e x e ­
cutivo, no que ja tam bém con viem os, parece de razão qirc
da mesma fonte tirem os magistrados a sua origem.
O principio pelo qual se attribue ao poder executivo
esse simples direito de nomeiacão, em nada pode, oflender
a sua independencia. Elle não faz com isso mais do que
disignar o funccionario, não lhe transm itle nem Ih ecoarcla
faculdade alguma. O decreto que o nomeia nenhum a in­
fluencia real póde ler no seu proceder, nem os regtriamen-
l o s e inslmcções-rjucr clle receberd’aquelle podem destinar-
se-a oulro fim, com o bem diz ainda o Com pêndio, senão a
bôa execução das leis, e n’ eslas mesmas póde a magistra­
tura encontrar armas poderosas com que resista ás suas
invasões abusivas ou ás suas suggeslões corruptoras. N’ estas
condições se o magistrado se lhe torna'su bservien te, não
vem o mal da origem de sua nom eiação, mas de sua própria
fraqueza ou corruptibilidade.
Não só, pois, aquella allribuiçào conferida ao poder e x e ­
cutivo não tem esse supposto inconveniente, e sua co m p e­
tência firma-se na bôa razão lógica que nos dá o C o m p ê n ­
dio, mas é ainda incontestável que nenhum outro modo dc
escolher os juizes ofíerece m elhores garantias para a forma­
ção de uma bôa magistratura.
Em regra, o poder executivo, cm um Estado bem o r-
ganisado, nenhum interesse póde ler cm nomeiar máos
m ag istrad o s; ó sem pre e l le o mais habilitado para c o n h e ­
c e r os bons ; e para preferil-os, acha-se plen am cn lc livfc
do influxo das paixões que abaixo d’elle se agitâo. No-
meiado por si m esm o o poder judiciário se tornaria a bso ­
luto, e nomeiado pelo legislativo o espirito político predo­
minaria na sua form ação, além de outros inconvenientes
que traria quér a um quér a o utro . Sobre este ponto não
póde ser suspeita a opinião do illustre publicista Am ericano,
S to ry .
Deverão ser os juizes da escolha do povo ?
Uma magistratura de eleição popular seria, por via de
regra, intolerável. Alem de ser já a eleição em si mesma
um mal, e tanto maior quanto mais frequente, porque é
quasi sem pre occasião de desordem , e uma especie de luta
de gladiadores em que a victoria, de ordinário não cabe
ao mais digno, com p reh en de-se, demais quão frágeis g a ­
rantias de capacidade e independência olfereccrão juizes dc
tal modo constituídos, para decidirem da honra, fortuna,
liberdade, e vida do cidadão. Filhos do favor c da cabála,
exploradores da falsa popularidade a que deverião o e m ­
prego, c dc que lerião necessidade para conserval-o, serião
antes seus lisongeiros, e instrum entos (le facções, do que
sacerdotes da justiça : .
O principal argum ento dos partidários da magistratura
electiva repousa sobre a necessidade de seguir-se in ce s­
santem ente a vontade do povo. Mas esta razão que é muito
procedente quando se trata da nomeiação dos que tem de
fazer ou alterar as leis, é inadmissível quando se tr a ta d a
dos que a tem de applicar com o juizes. Em quanto o povo
pelos seus orgãos legítim os as não muda ou revoga, não
póde a soa vontade ser outra senão a fiel execução das m e s ­
mas. Não ha pois, a este respeito, necessidade alguma de
co n su ltai-o . . . .
Nas antigas republicas, quando os poderes judiciários
e políticos se accumttlavão nas m esm as mãos, os exem plos
de magistrados superiores eleclivos e de curta duração, são
frequentes ; mas nem por isso são mais edificantes, nem
desm en tem as aprehensões que temos manifestado sobre
tal especie de magistratura. E n tre os Estados modernos
nenhum co n hecem o s que tenha adoplado tal principio como
base exclusiva ou m esm o principal de sua organisação ju d i­
ciaria, sem excep tuarm os o povo dem ocrático por ex ce l-
lencia, os Eslados-U nidos, onde os juizes da Corte s u p r e ­
ma federal são nomeiados pelo Presidente, os tribunaes in­
feriores constituídos pelo Congresso, e todos, segundo a
Constituição, conservão seus cargos em quanto hem os de-
sem p en h ão. • .
O principio que consagra a eleclividade dos juizes deve,
sob pena de completa incolierencia, consagrar também a
temporariedade de suas funcções, e por conseguinte a sua
renovação periódica com todos aquelles inconvenientes e
perigos, que já assignalamos.
Mas ou venha d’ahi essa temporariedade ou de qualquer
outro syslem a de nom eiação d’aquelles, os resultados serão
sem pre em geral, os mesmos.
Em laes circunstancias ficaria a magistratura sob a pres­
são constante do temor, vendo todos os dias pendente sobre
a sua cabeça o cutello da destituição, ou o term o mais ou
m enos proximo do exercício de seu cargo : estaria sem pre,
mais ou m enos, a serviço de quem , governo ou povo, podes-
se despedil-o d’ elle, ou recusar-lhe a reconduccão, e e x ­
posta aos embaraços e vacillações, que devem necessária-
— 67 —

m enle assallar os que iuveslidos dc alguma autoridade,


tem ante si a lembrança desalentadora de que em breve
tempo terão de acbar-se nivelados com os mesmos a quem
actualmente a impõem.
A magistratura, portanto, para ser verdadeiramente
independente, quer dos particulares, quer do governo do
Estado, como diz o compêndio no § 30, precisa de ser per­
petua. Esta, é a principal garantia das funcções judicia­
rias, e da sua acção proleclora na sociedade, e não um sim ­
ples favor concedido a pessoa do magistrado ; é uma n e­
cessidade indeclinável para a bôa administração da justiça,
uma verdadeira medida de ordem publicado mais elevado
alcance.
Nem por ella se crêa um Estado no Estado
como pretendem alguns, ou uma ameaça á estabili­
dade do seu governo ; porque «em uma- monarchia,» co­
mo diz Maçarei, ou mesmo em uma republica, accrescen-
taremos nós, as mais altas dignidades da Nação ficão sem ­
pre a uma distancia incommensuravel da dignidade supre­
ma : lia sempre entre o chefe do Estado e os súbditos
uma barreira que as mais audaciosas ambições são obri­
gadas a respeitar.
Entretanto cumpre dizermos que para não ser a per-
petuidade das funcções judiciarias, effeclivamente umgrande
mal na sociedade é imprescindível não só que haja na no-
meiação da magistratura o maior escrupulo, mas ainda
que a sua responsabilidade legal seja uma perfeita reali­
dade. Sem estas condições não só a independencia dos
magistrados, que ella assegura, deixará de ser um forte
penhor da bôa justiça e do respeito devido aos direitos do
cidadão, como seria de facto, um perigo immenso e inven-
civel contra elles e contra o Estado.
Estas regras estabelecidas a cerca da nomeiaçüo dos
juizes pelo poder executivo e da sua perpeluidade, não são,
com ludo, absolutas. Assim é que, com razão diz o com -
pendio no § 3 1 , que a bôa administração da justiça não
repelle a divisão do poder judiciário em duas secções, uma
emanada do executivo mas independente d’ elle, e outra
emanada do povo ; em juizes dc direito e juizes de farto,
68 -
aqnelles perpétuos, e estes apenas casuaes 5 c nem mesmo,
diremos nós, rcpelle de lodo quer a lemporariedade, quer
a electividade popular, de certas classes dos primei­
ros.
D’ esla especie lem os, por exem plo, entre nós, os
juizes de paz, e d’ aquella os juizes municipaes, Mas a
experiencia, nada tem provado a favor de qualquer
d’eslas excepeões $ já da que diz respeito ao primeiros
convertidos em autoridades mais políticas do que judi­
ciarias, sem 0 que poderião talvez, por suas condições
especiaes, ser isentos da maior parle dos inconvenientes
da magistratura de eleição, e offerecer grande vantagem
para a administração local da pequena justiça criminal e
civil 5 e já da que é relativa aos segundos, em quem
forão absorvidas as principaes altribuições da magistratura
perpetua da nossa Constituição,
Q uanto aos juizes de faclo, de que Irada 0 Compêndio
no citado §, que elle considera mais proprios para as causas
crim es, mas que podem ser lam bem admitlidos nas eiveis,
a sua instituição a par dos juizes de direito, e o m odo e x ­
cepcional de sua nomeiação, fundão-se já na especialida­
de do seu encargo, já com o nos diz o Compêndio, nas
m esm as operações que lodo 0 julgam ento suppõe, isto é,
conhecim ento da lei, e do faclo a que ella deve ser ap-
plicada ; necessidades sem duvida, mais instantes em re­
lação as leis e factos da ordem criminal.
A creação d’esles juizes tem , com eflfeilo, além de
o u t r a s , as vantagens, a que 0 m esm o Compêndio al-
lude. •
Prim eiram enle, designados d’entre um certo circulo
determ inado de cidadãos para esse fim, já reconhecidos
com o babeis, pela sorte, e na própria occasião do julga­
m ento, não são esses juizes sujeitos aos inconvenientes
dos que procedem da eleição arbitraria das massas, e
estão em muito m elhores condições de poderem ser im -
parciaes, do que os juizes fixos e previamente con heci­
dos pelas parles e seus patronos.
Em segundo lugar ainda essas garantias são forta­
lecidas pela própria natureza de suas funeções.
Cum pre-lhes, apenas, examinar e verificar 0 crim e ou
69 —
o faclo, declarar a sua e x isle n cia o u não existência, as soas
circum stancias, c a identidade de seu autor, circum scrip -
tos assim em um terreno que lhes é c o m p le la m em e a cces -
sivel, e em que o juizo de m uitos é, por certo, preferível ao
de um só. A o passo que o juiz perpetuo ou perm anente
que a seu lado funcciona limita-se a applicar a respectiva
lei a esses crim es ou factos por elles reconhecidos, e a re­
solver as questões de direito que no processo do julgam ento
occorrâo, e nas quaes indubitavelm ente mais vale o juizo
de uma sô cabeça encanecida no estudo dos codigos, do que
a multidão dos votos.
r _ Do proprio caracter e missão d’esias duas especies de
ju izes, tira-se a conclusão, que em quanto o juiz de direito
tem com o regras imprescindíveis de suas decisões a lei e a s
\ provas colhidas no processo, os de facto tem por guia prin­
cipal senão uniea a sua consciência, c liberdade ampla em
sen sju izo s.
C o m p reh en d e-se quanto é importante, e deve ser s a ­
lutar na sociedade um tribunal assim constituído, c com
quanta razão, por conseguinte, é apreciada a instituição do
jury nos paizes onde se presa a liberdade c os fóros do c i­
dadão.
Mesmo sim plesm ente com o lheoria ella importa já um
reco n hecim en to , uma hom enagem á soberania popular, con­
sagrando o direito de ser julgado o povo por si m esm o, o
direito de só responder o cidadão perante os scos pares.
Infelizm ente, não podemos avalial-a pelo que ella é
entre nós. 'E sta bellissima peça do nosso m echanism ò s o ­
cial, por causas que não nos cabe aqui exam inar, acha-se
im perfeitam ente montada, e funcciona m a P p i e m odo que
cm vez de ser sem pre o terror do crim e c o pallndio da inno-
cencia, é muitas vezes o mais seguro meio de salvação dos
grandes crim es c dos grandes crim inosos.
R esta -n os dizer que os juizes podem ser individuaes
ou formarem Iribunáes collcclivos. Por via de regra, c o n ­
vém mais os da primeira especie nos gráos inferiores, e os
da segunda nos superiores da jerarchia judiciaria, de que
adiante tratarem os; pois que n’aquclles deve ser a justiça
mais expedita, ao passo que nestes, onde as questões se
decidem deíinilivam enle, não é a prom ptidão a principal
— 70 —
condição do ju lgam ento, e sim um mais acurado embora
mais delido exam e das m esm as,
Se na judicatura individual ha a grande vantagem da
responsabilidade pessoal e directa dos ju iz e s ; na dos trí-
bunaes colleclivos ha, por sua vez mais abnndaneia de lu zes,
e m elhores elem en tos de imparcialidade.
CAPITULO V

DÁ HARMONIA DOS PODERKS SOCIAKS

Prelecção IX

§§ 3 2 - 3 5

Trata o C o m p ê n d io n’ este capitulo da harmonia dos


diversos p oderes p úblicos, de cuja divisão e organisaçAo se
occupou no a n teceden te.
A harm onia desses poderes é, sem duvida, necessária
e não póde ex istir sem o rd e m , co m o bem observa o m esm o
C o m p ên d io n o § 3 2 ; é pois, m ister o rd en al-o s, ou dispôl-os
uns em relação aos outros, e os elem e n to s de cada um , de
m odo que sem prejudicar-se no ex e rcício sim ultâneo de
suas fu n cções, sirvâo-se recip ro cam en te de m oderam en,
e e n co n trem dem ais as forças de qualquer d’e!les um c o n ­
trapeso em si próprias.
E ’ preciso, em sum m a, arranjar-se e destribuir-se as
suas atlribu ições por fórma tal, que quando cada utn tenha
de realisar as que legitim am ente lhe p erte n ce m , não ache
— 72 —

estorvo, e sim auxilio em cada um dos mais ; ou que impe­


dido cada qual de lazer por si grande mal, possão todos bem
desem penhar as suas missões privativas, e preencher seu
lim geral.
N’ isto consiste o segredo de uma hôa organisação dos
poderes públicos-, é esta por assim dizer-se, a móla real dc
todas as evoluções e desenvolvim ento do governo social.
Da mesma forma, com o observa o Com pêndio no § 33,
que na natureza physica a concordância maravilhosa dos
m ovim entos dos corpos que povoão o espaço, resulta da
combinação das forças opposlas que os mantem e dirigem,
assim também na ordem social, um principio analogo de
mechanica politica deve ga ra n tira permanência e a regu la­
ridade no jogo dos poderes que obrão no Estado.
Já anteriorrnente vimos que a sua distineção c reci­
proca independencia erão necessidades indeclináveis de
uma bôa constituição dos m esm os. Mas fazel-os dislinctos
c independentes de um modo absoluto ou excessivo, seria
isolal-os, dispersar suas forças, soltando-as ao accaso, sem
freio e sem nexo, expol-as por conseguinte ao risco de con­
fundir-se ou de aniquillar-se em sen encontro desordenado.
Convém , pois, encandeal-os uns aos outros por algum
lado, fazer com que suas órbitas se toquem por algum
ponto, de modo que embora livres cada qual na sua, func-
cione, entretanto, sob as vistas e s o b uma tal ou qual coarc-
ção dos mais-, isto é, allribuir-se a cada um d’ elles uma
certa ingerência legal nos aclos dos outros, quanto basle
para que possão reciprocam ente moderar-se.
E ’ um principio certo, que lodo o poder humano tende
a exorbitar do circulo legitimo de sua autoridade; pelo que,
é necessário que ao lado de qualquer exista sempre algum
outro que o possa conter. Mas quando se trata de poderes
sociaes, todos mais ou menos soberanos, e sem superior no
Estado, onde se ba de achar essa forra que os refreie, e os
cham e a sen verdadeiro terreno ? Onde se deverá procurar
o remedio contra n sua exorbitância, a não ser n’ elles m e s ­
mos, ou na combinação de seus proprios elem entos?
Fora d’ahi só poderião ser invocados para esse lim, os
golpes de Estado do poder ou do povo, a dicladura ou a re­
volução-, meios extrem os e violentos que muitas vezes
uggravão o mal. e outras apenas o fazem cessar nà occasião
para renascerem logo após com mais intensidade sob di­
versa form a; recursos do desespero para os quaesnão se
pódc appellar em todos os tem pos; sendo, demais, o pri­
meiro a escada predilecla do despotismo, e o segundo um
terrivel direito sempre escoltado de catastrophcs.
Ii’ pois antes de tudo nas próprias relações d’ csses
poderes que a sciencia inverta as condições de sua mutua
harmonia.
Assim, contra os abuzos on excessos do poder legis­
lativo cila arma o chefe do executivo e do Estado com
certas allribuições importantes que entendem com as suas
funeções, laes como além de outras, o vèlo ou o direito
de recusar a saneção ás leis, com o qual fica aquclle h a ­
bilitado, senãopara intervir propriamente na sua confecção,
ao menos para impedir que cilas se decretem inúteis ou
perniciosas. E tal é a necessidade <l’ este direito, que o
grande Mirabeau dizia outr’ora na Assembléa Nacional, que
preferiría viver sob o império do Sultão, si em França o
rei o não tivesse.
Mas cxaclam eiile porque o vèlo só tem o fim ácima
indicado, é claro que não póde ser absoluto, que deve ser
apenas suspensivo, de cffeito temporário, e que póde ser
até muito limitado. Se uma lei reputada n’ aquellas con-
dicções se reproduz de modo a dever-se crór em sua bon­
dade, ou á alfastar a presumpção legal de que é má, não
deve mais atlingil-a o vèlo. Reduzido e s le á laes propor­
ções, não pódc resultar do seu abuzo damno grave ou
duradouro á causa publica, e tanto mais quanto aqnelle a
cujas mãos clle se confia, é o primeiro interessado em
não em bolar ossa arma poderosa pelo seu frequente máo
emprego, c cm não perder de sua força moral dando oc-
casiáo de serem , apezar disso, decretadas muitas leis.
Sérios perigos teria ao contrario o vèlo absoluto ou
demasiadamente extenso, instrumento da demagogia dos
antigos tribunos de Roma, que acabou, por fim, na tyrannia
feroz de Sylla. e no império ilimitado embora esclarecido
de Augusto. Importaria clle a completa destruição da in­
dependência c liberdade do poder legislativo, subordi­
nando-o ao executivo ou a seu chefe, c a titulo de cslabel-
iecer-se um equilibrioentre estes, rompel-o formalmenle cm
proveito do ultimo.
10
Ainda co m o m eios de conter os abusos ou excessos,
erros ou más tendências do coipo-legislativo, con fere-se
ao chelc do Estado o direito de addiar as suas sessões, e o
de dissolvel-o em casos mais graves, em que a salvação pu­
blica exija tal medida.
O poder legislativo é pois, por aquella fôrma contra­
balançado, em termos, con ven ientes, pelo executivo, ou
segundo a nossa C onstituição por este c pelo Moderador.
Mas a seu turno lam bem o executivo o é por aquelle, de
uma maneira analoga ás suas íuneções.
E ’ com o já m ostram os, importantíssima a missão,
deste e de im m ensas proporções m esm o dentro de seus
limites le g a e s ; mas nem por isso é elle isento da lendencia
eom m u m a todos, que á pouco assignalámos. Elle será le­
vado a e x le n d e r cada vez mais a esphera de sua acção, e
si não houver quem o faça recuar n’ esse cam inho, poderá
chegar aos últimos excessos.
Para m antel-o em sua justa posição, co m p ele ao po­
der legislativo, por sua própria natureza, o direito de im -
mediata inspecção sobre os seus actos, c de tomar conta
aos s e u s agentes no exercício de seus cargos. Si elle não
a llin ge d ire c la m e n le a pessoa do chefe quando este é irres­
ponsável segundo a lei, pode ao menos ferir a todos os
seus delegados, desde os primeiros ministros até aos últimos
funccionarios subalternos, e por este meio forçal-os ao
cum prim en to dos seus deveres.
T e m ainda o poder legislativo em suas mãos um co r-
rcclivo poderoso contra os desvios d’aquellc no direito que
lhe é proprio de co n ced er-lhe ou recusar-lhe os meios de
governo que lhe são indispensáveis, obrigando-o d’ esta
fórma a m udar de co n d u cla , ou a retirar da administração
os seus primeiros responsáveis, assim contrariados ou re-
pellidos, e a subsliluil-os por outros que le n h ã o a confiança
dos m andalarios da nação.
Quanto ao poder judiciário, é influenciado, por parle
do poder executivo, pela nomeiação dos juizes, c pela ins-
pecção que este s o b r e o s m e s m o s c x e r c e ,p e lo direito quedeve
ler de suspendel-os e rcm ovel-os, ao m enos cm certos casos
graves c m ediante certas garantias, e finalmente pela a l t r i -
buição que se confere ao chefe do Estado de perdoar e
minorar as penas, que este poder impõe.
U o m p reh cn d e-sc liem que uma magistratura c o n sti­
tuída por si m esm a, sem que estivesse n’ a(|iiella mil depen -
deucia, c além disso p erpetu a, cm breve se tornaria uma
casta prdvilegiada no Estado, um poder absoluto c p re p o -
T é í í í é r o que uão haveria m eio de co n te r. Por parte do
poder legislativo é o judiciário igualm ente co n trabalan çad o
pelas leis q u e e lle a respeito dc suas funeções d e c r e ta , for­
mulas que lhes p rescreve e a cuja observância é o m esm o
a d slriclo . •
O poder judiciário por sua vez influe no regular e x e r­
cício do executivo pela a llrib uiçào que em geral lhe p e r ­
te n ce de responsabilisar e julgar os seus agentes quando
aliuzcm ou ultrapassem os lim ites das qu e lhes são próprias.
E taes são os m eios de harm onisar os poderes públi­
co s que o Com pêndio no § 3 3 d en o m in a ex trin s eco s , por­
q u e não nascem propriam ente do seu intim o, mas resuliào
do arranjo particular das relações que devem existir de
un s para outros. Dos que elle den om in a in trín seco s, trata
no ^ 3 4 , e são os que devem provir da co m binação dos
proprios elem entos de cada um.
A ssim , a divisão do corpo legislativo em duas cam aras,
servindo cada uma co m o que de contrapeso e co m p le m e n to
á outra, as co n d icõ es diversas de sua form ação, a vitalicic-
dade ou maior duração das funeções de uma á par da tem-
porariedade e curtos intervallos de renovação da o utra, e
mais caracteres que as distinguem , co n trib u em para essa
sua harmonia interna.
No poder executivo c esta garan tida de um lado pela
perpelu id ad e 011 perm anência dc seu ch e fe , e de outro
pela amovibilidade de seus agentes superiores ou su b a l­
te rn o s ; pois que na verdade, sem a prim eira d’ eslas c o n ­
dições não poderia ter elle um pensam ento uniform e e
seguido na adm inistração p u b lic a ; e sem a segunda uão
poderia fazel-o e x e cu ta r d c uma maneira efíicaz cm lotlo o
tem po e em toda a ex ten são do lerrilorio Nacional -, isto é,
sem qualquer d’ ellas, seria elle im p o ten te , ante o seu pró­
prio pessoal, e ludibrio d ’ aquelles m esm os que lhe devem
ser subordinados. Um poder executivo com um chefe de
duração breve, ou co m agen tes inam ovíveis, traria em seu
proprio seio os gei m eus de sua fraqueza e co n stan te d esac-
co rd o .
No poder judiciário faz o Compêndio consistir essa co n ­
dição de harmonia interna nos d ife re n te s gráos de instân­
cia, isto é, na instituição de uma jerarchia na judicatura e
em seus tribunaes. E, com effeito, n’ essa diversidade de
gráos nas funeções judiciarias, uns subordinados aos outros
do inferior ao superior, ba não só uma importante garantia
para a regularidade do cxercicio dos outros poderes que
a seu lado se desenvolvem , mas ainda para o bom accordo
interior da's próprias funeções d’aquelle, em bem da l i b e r ­
dade e dos mais respeitáveis direitos do cidadão ; cila é nm
elem ento essencial de ordem c accordo final na adm inis­
tração da justiça. Sem isso não só aquelles direitos c liber­
dade eslarião sem pre m ais ou m enos expostos a ser alvos
do arbítrio e da prepotência, e o que peior é, sem recurso
algum , mas ainda estragado por seos proprios erros ou in­
justiças, cahiria tal poder em com pleto descrédito.
Mediante aquellas instâncias passão as decisões dos
juizes e tribunaes por uma (ieira onde a justiça successiva-
m en te se apura, e onde de exam e em exam e se corrigem
os erros ou abuzos dos juizes e tribunaes que afinal são
hom en s, ou com postos de hom ens.
E sla b e llecid a , pois, essa jerarchia o poder judiciário
acha em seu proprio organism o intimo a força que deve
contel-o na órbita de seus deveres, e portanto cm si
m esm o não só os m eios de sua justa harmonia com os
m ais, com o tam bém da que é indispensável no seu p ro ­
prio seio.
E ’ evidente afinal, que mal organisado e mal contido
qualquer d’ esses poderes, todos os outros devem ressen-
lir-sc da desordem de seus m ovim entos, porque todos
elles embora dislinctos, são peças com ponentes e c o o p e ­
rativas de um m esm o m echanism o, que só póde funccio-
nar bem quando todas são perfeitas.
No § 3 5 apresenta o Compêndio uma serie de consi­
derações, que em parte não passão de uma recapitulação
das doutrinas expendidas n’esle capitulo, e cm parte são
um adiantam ento sobre as matérias do cap, VI em que se
trata da bondade relativa das diversas formas de governo.
T end o nós já procurado dar aquellas o devido desenvolvi­
m ento, e tendo em breve de occupar-nos com estas, limi-
— 77 —
tar-nos-liemos a rccom m cndar a atlenla leitura do referido
paragrapho, que na verdade, quér pelo seu fundo, quer
pela suas formas é um bello resumo do que lia de mais
substancial n’csle assumplo.
C O N TINU AÇÃO 1)0 C A P IT U L O V

COM PLEM ENTO UK UMA BOA ORGANISAÇXO SOCIAL

Prelecção X

§§ 3 6 - 3 7

Trata o Compêndio n’este capitulo dos poderes munici­


pal e provincial, que elle com razão considera como co m ­
plementos de uma bôa organisaçüo social, e lambem da
harmonia dos mesmos com o poder geral do Estado.
E ’ realmente incontestável a importância d’ esses pode­
res,e sua instituição é natural, e exigida pelos proprios fins
a que se destinão, e elementos de que se compõem as asso­
ciações políticas. A municipalidade é para o Estado o que
a familia é para a sociedade ; e a provincia é esta mesma
convenientemente dividida para ser bem governada. Uma
é a fonte primeira de toda a vida publica, e a outra a condi­
ção essencial do seo desenvolvimento. Am bas são necessi­
dades, já políticas, já maleriaes de qualquer administração
regu lar; e sejão quaes forem os nomes que se lhes attribua,
nenhum Estado de qualquer exten são m esm o insignificante,
pode, de faclo, prescindir d ’ ellas.
O Estado é uma co m m un hn o que abraça todos os inte­
resses e direitos de seos m em bros, e que a todos deve a l-
tender com a devida solicitude e eílicacia, pelos m eios e
forma sem as quaes é isso .impossível. P o r con seguin te o
m unicípio e a província, que abrangem grupos consideráveis
de cidadãos, o nde, com o diz o C om pên dio no § 36, ha inte­
resses, e direitos co m m un s a adm inistrar, e que sem uma
existência de alguma sorte distincla, e poderes até certo
ponto independentes não poderia fazel-o, nem por outro
m odo conseguil-o, devem necessariam ente lel-os.
Q u er seja o Estado nma m onarchia, quer uma repu­
blica, d’ csde que seja organisado segundo os princípios que
a sciencia proclam a, não pode deixar de reco n h ecer legal -
m ente as c o m m u n h õ cs de ideas, de hábitos, de interesses e
necessidades que ca raclerisã o as suas diversas localidades, e
de attribuir-lhes portanto a parte do poder publico, que c
indispensável para o s e o governo.
Si se concebesse uma sociedade política cm que os po­
deres m nnicipaes c provinciaes não existissem , cm que a
administração d aquellas localidades fosse d irccla m e n lc
confiada aos poderes ce n lra es, ou a seos delegados, » em
vez de um governo representativo, não se teria, diz Maçarei,
senão uma reunião extravagante de instituições disparata­
das, um system a inco h eren te».
Basta até a sim ples reflexão para co m p reh en d e r-sc que
entregar aquella adm inistração a laes poderes ou a seos
agentes, mais ou m enos alheios as aspirações c necessida­
des locacs, e a seo real valor, e naluralm en lc mais preoc-
cupados com as questões geraes que se agitassem no E s ­
tado, e com as exigências dos poderes que os enviassem ,
seria condem nar as localidades a um governo insuflicienle,
e tão pouco habilitado para fazel-as prosperar, quanto fáceis
em deixar-se arrastar por influencia exlranha e infensa.
Aqucllas divisões terriloriaes, as províncias c sobretudo
os m unicípios, e a variedade de relações aliás importantes
para cada uma, que constituem a sua vida, são muitas vezes
consideradas cousas relalivam cnte pequenas pelo governo
central, e ficüode ordinário a muita distancia delle para m e­
recer-lhe todo o cuidado de que são dignas, não obstante
80 —

ser evidente que os benefícios que resullão de unia hòa


adm inistração especial revertem por fim em vantagem da
com m unidade inteira, ou que não ha verdadeiro progresso
e felicidade em uma nação, sem o mais ou menos pros­
pero desenvolvim ento de todas as suas circunscripções,
E m vista destas considerações, e de muitas outras
que poderiamos acerescentar, conclue-sc que deve haver
cm cada m unicípio, e em cada província um governo local,
com o poder de fazer leis, de executal-as e d e administrar
todos os interesses que lhes sejão peculiares ou principal­
m en te lhes respeitem, e este é, com eíleito, o principio
que com mais ou menos liberalidade, tem em geral s e r ­
vido de base á instituição dos poderes m unicipaes e pro-
vinciaes nos paizes que melhor os tem com preliendido.
Entre nós tem os municípios as suas camaras, e as
províncias as suas assemhléas ; aqucllas legislão por suas
posturas, e estas por suas resoluções legislativas ; e cada
qual tem seus agentes ou executores, já n o sfun ccio nario s
que lhes com pele crear, já nos proprios delegados do poder
geral. E não obstante ser a organisação das primeiras
muito deííectiva por este lado, e ainda mais pelo de suas
fontes de receita, c outros meios do governo ; e não obs-
le também a demasiada centralisação que pesa sobre as
segundas, a absorpção da maior c melhor parle de suas
rendas por aquelle, e a extrema mobilidade de seus pri­
meiros administradores, tal é a vitalidade própria dos po­
deres localisados, que mesmo com essa imperfeita a u to ­
nomia e escacos recursos, tem clles feito algum bem a
muitas partes do império.
Não entra em nosso plano de estudos examinar d c li-
damente os seus vicios, nem procurar-lhes os remedios
entretanto é claro, que si para aquelles contribuem pode­
rosamente as nossas desfavoráveis condições territoriaes c
econôm icas, a falta de applicação d’ cslcs deve, antes de
tudo, ser imputada ás nossas ainda’ peiores condições
moraes e políticas.
Mas si é verdade que os mnnicipios e provincias devem
ter vida própria, poderes e meios suHicienles para dirigir-
se e manter-se, não quer isto dizer, que sejão esses p o ­
deres isentos de toda a subordinação aos poderes superi­
ores do Estado. Se dentro de certos limites, e sobre certos
- 81
assumplos, lhes devem ser elles amplamenle atlribuidos,
com ludo, não devem sêl-o a ponto de isolal-os, ou de
tornar essas divisões lerriloriaes entidades cxtranhas á
com m unhão geral a (|ne pertencem . Sem uma tal ou
qual dependencia para com os poderes d’ esla, mesmo no
que dem ais perto lhes respeite, deixarião cilas de ser par­
les harmônicas de um m esmo lodo •, não serião mais ins­
tituições proleclóras da liberdade e hem estar dos cida­
dãos comprehendidos nos seus limites, mas antes uma
ameaça constante contra elles, c núcleos perpetuos de
perturbação na sociedade. D’ahi viria, mais tarde ou mais
cedo a dissolução do Estado de que nos falia o Compêndio
no § 3 7 , pela separação completa dos elem entos que o
form ão. Essa dependencia é a condição essencial de
sua mutua harmonia. ,
Em todos os paizes se tem posto essa reslricção aos
poderes lo cacs; nem outra cousa se pode exigir, a menos
que se não queira constituir em cada um uma infinidade
de pequenos Estados, ou impôr-lhe uma forma lederaliva
inconveniente, em que a unidade e a força commum serião
de todo sacrificadas.
As nossas cantaras municipacs dependem das assem -
bléas provinciaes para a approvação definitiva de suas pos­
turas c de sua receita c despeza ; e estas por sua vez
dependem do poder legislativo geral que pode cm certos
casos, suspender ou cassar as suas leis. Uma c outra
cncontrâo ainda meios de correcção c harmonia com o
poder central nos presidentes de províncias, delegados deste,
e que dispõem de allribuições destinadas já a conter, já a
auxiliar os poderes municipal c provincial no desempenho
de suas funeções e deveres.
Notável foi o papel das municipalidades na historia
da civilisação; forão ellas as depositarias das liberdades
civis e polilicas que de seu seio se derramarão por toda a
Europa meridional c Occidental.
O poder municipal instituído pelos Romanos, sob a
inspccção dos pro-consulcs nas cidades conquistadas, que
não podião sugeitar de lodo ao seu systema de governo,
foi mais ou menos respeitado pela própria invasão barbara
que subslituio os seus condes aos pro-consulcs. Abafado
pela feudalidade, com eçarão os reis em França, do
— 82 —
século XII em diante, a reergucl-o para oppol-o á pre­
potência dos barões, c muitas municipalidades por si
mesmas se forão emancipando pela resistência ou por
dinheiro.
Mais tarde os proprios reis, cousolidada a sua auto­
ridade, rcceiosos ou ciosos do poder d’ aquellas, o íorão
diminuindo pela creaçno de procuradores e oíliciaes régios,
até de todo concentral-o em suas mãos.
Mas do m esmo modo que na idade media a m unici­
palidade salvara a monarchia da absorpção dos senhores
leudaes, o espirito democrático dos tempos modernos a
tem salvo da ahsorpção da monarchia.
Grandes erão outr’ ora as suas isenções c direitos.
Algumas liverâo até o de enviarem -se depiitaçõcs, de fa­
zerem a guerra, de se fortificarem, c outras o de nomea­
rem magistrados vitalícios, de fazer a alta justiça criminal,
e de cunhar moeda.
Não é de certo possível restabelecer-se esses seus
antigos previlegios •, seria um anachronismo incompatível
c o m a actual constituição dos Estados ; mas o syslema
de sua organisaçâo c allribuições mesmo em mui­
tos dos paizes hoje mais adiantados, está longe do que
deve ser. «Parece elle fundar-se no principio, de que a
maior parle dos municípios é incapaz de administrar-se a
si mesmos, e em geral são todos vasados em um só molde •,»
entre nós, por exemplo, o da C ô rle rege-se pela mesma
forma que o de P ajeúde Flores. Seria no entretanto mais
racional calculal-os segundo as diversas condições locacs,
e dotar cada um com a somma de liberdade e poderes
qtie fosscm com pativciscom o sen adiantamento e recursos.
Quaes devão ser effcctivam entc essas liberdades e
poderes, sua forma c limites, não é facil, mas também
não é impossível resòlver-se
A difliculdade de uma bòa organisaçâo municipal, e
provincial, co n sisteexactam entecm altribuir-se-lhesa parte
de poder que a cada uma deve competir, ou cm deixar-sc-
Ihes, uma aulonom iaa mais extensa possivelsem enfraque­
cimento do laçocom m tim .
A ’ medida que se desenvolvem os princípios consti-
lucionaes, diz um notável escriplor, a vida publica pene­
tra por todas circnnscripçõesdo Estado, c é preciso offere-
— 83 —

c e r-se -lh e s o necessário alim ento, segundo as forças de cada


u m a. O espirito de localidade faz Iodos os dias novos pro­
gressos, c a ccntralisação se degrada, 15’ justo que esla
subsista nos devidos termos, porque faz a unidade c a força
dos Estados, mas não que se converta cm despotismo
administrativo á custa da individualidade c aclividadc lo-
caes.
De diversa natureza e alcance são as íuneções pró­
prias da municipalidade. Ella deve ler : primeiro, o direito
de regular por si, sob a simples inspecção do poder geral,
todos os negocios que lhe forem p e cu lia r e s : segundo, o
de deliberar, sob approvação formal d’aquellc, a cerca de
outros que sabindo de algum m odo do circulo da família
que a con slituc, tenhão ainda mais ou menos immcdiala
relação com elles ; terceiro, o de audiência c informação
sobre os que de qualquer maneira possão interessal-a de
envolta co m outros interesses geracs ou individuaes.
E ’ também conveniente que para a execução de suas re­
soluções tenham os municípios autoridades e agentes seus ;
m as, ainda em muitos dos paizes mais adiantados, na
França, e na Bélgica, por exem plo, pertence essa altribuição
ao Maire, ao burgom estre, e seus officiaes, de nom eação
do poder geral, e subordinados a este c a seus delegados.
O que lem os especialm cm te expendido acerca dos
municípios, tem applicação de lodo analoga ás províncias.
A cenlralisaçáo excessiva as infesa, e a conversão da maior
parte de sua renda e recursos em proveito da a d m in is­
tração geral, é uma usurpação incompatível com o seu pro­
gresso, c uma origem de aversão permanente contra
aquella. Assim com o os laços que as prendão ao centro
não devem ser demasiadamente frouxos, que ponhão cm
risco a unidade nacional, lam bem não devem ser de tal
modo apertados que as asphyxiem. E ’ preciso que seus
poderes tenhão uma esphcra bastante larga, para que cilas
se possão desenvolver na mesma escala, compenetrar-se
da real vantagem da união, ler verdadeiro interesse cn»
cooperar activam enlc para sua manutenção, c dispôr de
meios para realisar estas grandes concepções.
Quando as províncias de um Estado para darem o m e­
nor passo em sua administração c governo, precisão de
m e n d i g a r a intervenção e àssislcncia do poder geral, não
- 84 —
é possível nma unidade nacional forle e dignamcnte consti­
tuída ; alii Indo será pequeno e acanhado como o espirito
que sobre ellas paira.
Para assentar-sc um systema n'aquelle sentido em
bases racionacs, c prolicuas, é preciso antes de tudo,
ter-se em vista as condicções de divisibilidade já material,
já politica do território nacional.
Os Estados grandes cm território e população sub-
meltidos a uma unidade politica fortemente concentrada,
seriío poderosos e temíveis, faríío rnido no mundo por suas
façanhas, e principalmente por estrondosos abuzos de sua
força, mas não serão por via de regra, os mais bem gover­
nados, em que os povos gozem de mais liberdade e socego,
ou em qne sejão mais felizes. O Russo, que domina cm
quasi metade da Europa e em outro tanto da Asia, geme,
entretanto, servo da gleba, sob o knout do Czar e dos n o ­
bres ; o proprio lnglez que, como o Romano oulr’ ora, póde
ufanar-se de d izerem toda a parle eives sum Britanicus,
e cuja offensa real ou supposta nma esquadra de seu paiz,
si for preciso, irá vingar nos nltimos conlins da terra, morre
aos centos de frio e de miséria sobre as calçadas de
Londres.
Para as nações, pois, que naquellas circunstancias se
achem , e onde a população seja mais ou menos densa e
igualmente destribuida, sobretudo se ahi existirem núcleos
consideráveis desta, de origem, tradições e costumes par-
ticularmenle caracterisados, a forma mais conveniente de
sua divisão politica será, sem duvida, a federativa, ou pelo
menos em grandes províncias, que correspondão mais ou
menos áquellas distineções elhnographicas e com uma
autonomia extensa.
Não leria talvez acontecido á França a eslupendaca-
tastrophe, que acabamos de presenciar (” J se n’ ella hou­
vesse sido ao menos mantida e melhorada a sua antiga divi­
são em províncias. Sitiada Pariz, cada uma d’ aquellas seria
então um centro de organisação e direcção de forças, c de
resistência á nova invasão germ anica. A regularidade
symelrica dos pequenos departamentos cm que a retalhou
a republica de 17 9 2 em sua monomania de igualdade,

(”) Isto era dito na L* Ediòção dc 1871.


matou toda a vida local fazendo-a refluir exclusivam ente
para o centro ; e foi, portanto, a m a d a s causas mais p o ­
derosas d’essa geral paralysia que alacou-a ante o unico
cerco de sna capital.
A esta brilhante nacionalidade, que á quasi um século
tem, com tanta infelicidade, experimentado todas as for­
mas governativas, talvez não reste, com efieito, outro re­
curso senão o appello franco á federação para reeguer-se.
Assim parecería que ella expia agora dura e ignomi-
niosamenlc o grande crim e do massacre dos illuslres pa­
triotas da Gironda, martyres principalm cnle d’aquella
grandiosa idea. .
C A P IT U L O VI

DA DIVERSIDAD E DAS CONSTITUIÇÕES DO ESTADO

rrelecção Xl

§§ 38— 40

O Compêndio tendo tratado no capitulo anterior da


divisão e organisação mais racionaes do poder social,
trata no presente da diversidade das constituições do E s ­
tado, ou dos modos porque n’ este se estabellecc, em ge­
ral e no seo com plexo, aquelle m esm o poder.
Com razão nos diz elle, no § 38, que todos os p ode­
res públicos pertencem primilivamente á sociedade, co m ­
pelem de direito á nação, onde reside a soberania em que
elles se resolvem. •
Mas, ou seja pelo facto da delegação do seo cxercicio,
cuja necessidade já demonstramos, ou seja por outras causas
exiranhas áquella, que produsão esse effeilo , elles passão
ou podem passar no Estado ás mãos de entidades de di­
versas especies, e por títulos differenles.
- 87 —
li’ por esle lado que o C om pêndio considera-os tra-
lando da diversidade das constituições políticas, ou antes
das diversas formas possíveis de governo dos povos ; e são,
com cfleilo, a qualidade do pessoal que dispõe d’aquellcs
poderes 11a sociedade, e 0 caracter em que os ex e rcem , as
circum stancias que determ inam essas diííerentes formas,
no sentido em que ellas, co m m u m en le se tomam. A di­
versidade do num ero n’aquellc pessoal é lam bem um dos
earacteristicos inseparáveis das mesmas. A ssim , em umas
o governo social pertence mais ou m enos extensa e direc-
tamente á grande massa p o p u la r; em outras, apenas a cer­
tas classes do listado ; em outras, íinalm enlc, a um só i n ­
divíduo por si e seos agentes ; e em muitos casos nas duas
ultimas, embora indevidam enle, cm nome dos proprios que
d’ elles estão na posse.
D’abi decorrem naturalm ente as Ires principaes for­
mas governativas que 0 Compêndio nos m enciona no § 39,
a saber, a dem ocracia, a aristocracia e a m onarebia, fo r ­
mas puras ou simples, e de cujas com binações podem nas­
cer quaesquer outras que imaginemos.
O governo propriamente dem ocrático é aquelle em
que toda a população activa do Estado toma parte im m e-
(liata 11a gerencia dos negocios públicos, ou tem n’ elles
voto decisivo em suas reuniões ou c o m i c i o s ; cm que 0
povo é, por assim dizer-se, de facto soberano.
C om prehende-se, e aliás já tivemos occasiâo de dizer
n este sentido alguma cousa, que se um governo d’ estes não
é de lodo impossível, é pelo m enos tle nma dilliculdade
pratica quasi invencível, taes e tantas são as condições sem
as quacs não podemos absolulam entc con ceber a sua rea-
lisação m esm o passageira. Diz Maçarei, que para uma de­
mocracia propriamente dita poder eslabellecer-se e func-
cionar era necessário que se applicasse a um listado de pe­
quena extensão territorial, com uma população de costumes
m uito simples, com certas virtudes que não são com m uns
nas grandes massas de hom ens, e cujos cidadãos tivessem
todos 'fortunas e posições quasi iguaes. Mas ainda mesm o
reduzida a esse espaço e numero de indivíduos limitadís­
simo • ainda n’ essas proporçõesacanhadas, não crem os que
tal forma de governo se possa reputar bôa ou m esm o de
lacil rcalisaçâo.
Cm povo por mais diminuto que soja é sempre uma
multidão, que nem pode ler as habilitações necessárias
para a gerencia directa dos negocios sociaes, nem pode
exclusiva ou principalmcnte empregar-se n’ isso. Sabedo­
ria nas deliberações ejpromptidão na execução das medidas
ac optadas, são condições de que se não pode prescindir em
qualquer governo bem constituído, e nada d’ isso pode vir
de uma assembléa popular mais ou menos numerosa, cm
que tenham todos os individos o direito de discorrer e de
votar
,io „r!r SSe-SUpp0Sl0 ? overno (,° povo nunca passará mesmo
de uma va apparenc.a , pois a historia de todas as dem o­
cracias exageradas nos mostra quão facilmente ellas dege-
irP m ?w iV n|a|IS lI‘ 8ilp0rt? vcl demagogia, e como d’ este ex-
a liberdade cabem em breve no extremo opposlo
do despotismo de um só.
A soberania da praça publica, cm summa, é ordinaria­
mente apaixonada, irrefleclida. e tumultuaria. Em A th e-
nas cila condemna Arislides o justo, Milciades c Cimon ;
<espresa os conselhos do prudente Nicias, e applaude os
felntes aventureiros Ctconte e Alcibiades ; em Uoma pro­
voca os excessos dos tribunos, boje victoría os Graccbos e
amanha os assassina, acende a furia das facções, c invoca
p®r, ' 7 ’ a dcctadura - e na França de 1793 , pela vo/, pavo­
rosa do comilé de salvação publica, reinão com ella 0 ter­
ror e a guilhotina.
Para não banirmos, pois, completamcnle a democracia
d entre as formas de govorno admissíveis, é preciso não a
tomarmos 11 aquella sua significação rigorosa. Terem os
então essa de que nos falia 0 Compêndio no citado para-
graplio, a qual consiste em urna representação electiva, em
que uma grande parle do povo que tem certas habilitações,
nomeia temporariamente todos os depositários do poder so­
cial, todos os funccionarios públicos, e é ao mesmo tempo
elegivel para todos os cargos e fuucções do Estado.
Na democracia assim concebida diminuem, sem du­
vida, os inconvenientes e perigos que acima apontamos, na
mesma razão cm que se restringe a interferência immcdiata
ciedade P° V0 idC S" a 8rande ,naioria »° governo ,1a so­
ltara í m e \ ^ amda s c o s conserva em dose bastante forte
1 a sciuicia a não acceite como a melhor das cons-
89
tiluiçõcs. Ila ainda ali, na frequência das eleições, nà
instabilidade de todos os funecionarios c funeções publi­
cas e nos mais corollarios proprios d’esla forma governa­
tiva, demasiado alimento para as facções, c quasi nenhu­
mas garantias de acerto, energia, e unidade na delibera­
ção e acção dos diversos poderes sociaes. A demagogia
e o despotismo, são sempre, embora mais alfaslados. os
dons abysmosentrc os qtiaes cila se move.
Se, portanto, a democracia propriamente dita, é
como principio, a mais legitima daqucllas formas, por ser
a em que o soberano de facto mais se identifica com o
soberano de direito na sociedade, comludo é lambem de
todas a mais impraticável em Estados que tal nomcmereçào.
A aristocracia ó o governo dos notáveis, o domiuio ex­
clusivo no Estado de certas classes de pessoas ou familias
distinctas por certas qualificações ou lilulos, tacs como os
que provem da fortuna, do nascimento, ou dascicncia.
A que deriva unicamente da fortuna ou do nascimento
é um previlegio odioso em favor d’aquelles que a constituem
sem relação alguma com as verdadeiras exigências da
causa publica, c uma instituição incompatível com a digni­
dade do homem social c com a natureza da sociedade, cuja
primeira base ó o dogma da igualdade política de todos os
scos membros, ao menos como principio.
A riqueza comquanto possa ser um elemento de o r­
dem, uma garantia de amor a paz no Estado, todavia não
pode ser por si só uma habilitação para o seo governo, c ja ­
mais seria um titulo legitimo para a posse exclusiva d’cslc,
ainda quando não fosse a nação o único e verdadeiro sobc-
berano, c a sna delegação o imico c verdadeiro meio
dc exereer-se a soberania na sociedade. Nas mesmas con-
dicções está o nascimento por mais illustre que seja. E’
um puro accaso se com elle coincinde o mérito real, e não
só, não se deve entregar ao accaso a sorto dos povos, mas
quando mesmo tal mérito fosse um dom inseparável das fa­
milias nobres, não era ainda assim aquellc um titulo jurí­
dico para semelhante previlegio, pelas mesmas razões que
acabamos de indicar.
A aristocracia da riqueza, e sobretudo a do nascimento
tem demais, como consequência necessária a hereditarie­
dade do poder nas familias que as formão, convertendo
12

DIREITO
no —
assim a sociedade cm palrimonio particular transmissível
de pais a filhos c a netos, que como tal a governarão. Nesta
forma de constituição a nação nito tem existência própria, a
sua real soberania é de todo desconhecida, confiscada cm
vantagem d’ aquellas, e será o que approuvcr ao seo bel-
prazer.
A aristocracia da sciencia ou do saber, seria ao m e ­
nos como facio, uma excellenlc forma governativa, si a
sciencia e a consciência, o saber e a moralidade, ou a pru­
dência e a honradez andassem sempre de par, c se a eleição
de que cilas dependem para se collocarcm clfeclivamente
na suprema direcção do Estado, pudesse sempre bem rc-
conhcccl-as, e sobretudo, ler sempre a firme vontade e a
força necessárias para preferil-as. Mas infelizmente não
é assim ; a sciencia é muitas vezes perversa ou corrom ­
pida, e os que tem de eleval-a aos altos cargos sociacs sa-
criíicáo-na de ordinário ao charlatanismo que os illode c
favoneia. De modo que aquella especie de aristocracia
perde todo a seo encantamento quando se trata de sua
realisação na sociedade.
Maçarei, induzido pelo que cila tem de bello c racio­
nal considerada cm si mesma, ou cm idealidade, a deno­
mina a « verdadeira aristocracia ; » c é muito coimnum
ouvir-se repetir que a aristocracia do talento 6 a única
admissível. Mas isto não passa, cm rigor, de uma hom e­
nagem devida á sciencia e ao talento ; quer dizer apenas
que são estas as melhores recommcndaçõcs para o exerci­
d o dos poderes públicos. D'alii se não pode deduzir nem
a soberania das capacidades por direito proprio, que já
combatemos, nem o reconhecimento de que tal aristocra­
cia seja realmente uma forma especial de governo; visto
que cila em todo o caso, para cslabelleccr-sc, já de direito
c já de facio, depende de eleição. Desde que a fortuna
não Í3z sábios, nem o talento se transmille por herança, é
indispensável qne a vontade social, expressa por aqucllc
único meio de verificar-se a delegação de scos poderes, in-
tervenha para conferir-lhes o governo.
Tal aristocracia, pois, cm rigor o não é. Sua origem
é propriamente democrática. Só podem scl-o, as duas
primeiras, cujo característico principal é a hereditariedade;
c d'cilas se pode allirmar coin segurança que constituem a
— 91
menos racional tias formas d e governo. Elias degenerão
mais ou menos em olygarchia ou prcdominio de uma ou
poucas famílias á custa da oppressão da grande massa dos
cidadãos. Tam bém as aristocracias d’aqucllas especies,
que vemos frequentemente enthronisadas nos séculos pas­
sados, serião verdadeiros anachronismos incapazes de im-
por-se aôs Estados modernos em tacs 011 quacs condições
de adiantamento c cultura.
Gênova e Veneza forão sem duvida, poderosas so b se o s
doges aristocralicus, mas no meio de constantes lutas de
facções que as ensanguentaram, e somente em quanto po-
deram monopolisar o com m ercio do Mediterrâneo e do
Oriente, c o s povos circumvisinhos se debalião na fraqueza
c nas desordens. Logo que estas circumstancias forão
desapparecendo, a sua decadência foi rapida, e um sopro
dcDonaparte bastou para aniquillal-as.
A sorte da Polonia é ainda um terrivel exemplo dos
deploráveis effeitos de semelhante governo. Uma aristo­
cracia ferrenha de alguns milhares de nobres, sob os ex te­
riores de uma monarchia nominal, pesava sobre aquella
infeliz nação de l i milhões de habitantes, que veio a ser
ires vezes dividida entre as grandes potências lemilroplies,
c afinal inleiramentc riscada da lista dos Estados.
A monarchia pura ou simples dá-se quando todos os
poderes públicos c a suprema administração da sociedade
são exercidos por uma só pessoa ou em seo nome ou sob
sua privativa direcção, embora por meio de leis de carac­
ter mais ou menos geral e fixo que essa entidade decrete,
ou como diz M a ç a re i,— quando todas as molas da m a-
cliia governativa se reunem em uma só mão, c são subor­
dinadas a um centro commum.
Este mesmo publicista, de uma maneira succinta,
porém clara, nos assignala as vantagens e os perigos d’csla
forma de governo. Elle nos faz ver, que se por um lado
não se pode conceber outra cm que com um menor esforço
se produsão effeitos mais consideráveis, e mais facilmente
se faça marchar tudo a um íim idêntico sob o impulso de
um mesmo movei, por outro lado, nenhuma ha também cm
que a vontade individual de um só homem predomine mais
sobre todas as vontades sociaes, podendo acontecer que
nem sempre aquella tenha cm mira a felicidade publica.
— 92 —
Com efíiiiio seria csla a melhor das formas governati­
vas si a p arda unidade e do vigor que ella pode imprimir
na direcção e marcha dos negocios sociaes, não corresse
o risco em m in en le de cahir muitas vezes nas mãos de m o-
narchas ineptos, perversos ou corruptos; tanto mais
quanto ella tem igualmenle por característico principal a
hereditariedade do poder, e por via de regra não provém
do voto nacional, devendo sua origem á usurpaçlio, que .
nenhuma antiguidade pode legitimar.
Mas admitlido m esmo que por voto da nação se esta­
beleça no seo seio a monarchia pura, e ainda quando ella
se exerça segundo leis ou no meio de instituições filhas
do proprio m onarcha, destinadas a regular a sua autori­
dade, nenhumas garantias solidas offerece á liberdade c d i­
reitos dos cidadãos. Aquellas ou quaesquer outras b a rre i­
ras serão insufficientes para conter um poder assim con s­
tituído, que por fim as absorverá, annulando-as quando se
tornem incommodas aos seos planos de denominação
absoluta.
Neste sentido abundão infelizmente os exem plos nos
annaes da sociedade h u m a n a ; é mesmo isso a historia
com m um e quotidiana de todas as monarchias d’ esta es-
pecie. Em cada século apparece n e lla s um ou outro
monarcha verdadeiramenle digno do am or e veneração
dos povos, todos os mais os sacrificão, mais ou menos V o s
seos verdadeiros inleiesses, as suas ambições de poder ou
vã-gloria, quando os não immolão em altares ainda mais
impuros entre os applausos dos favoritos e lisonjeiros.
Para obterem aquellas garantias de modo efficaz, tem
sido os m esmos povos induzidos a abandonarem as formas
de governo puras, e. a recorrerem a combinações mais ou
m enos bem calculadas dos elementos mais aproveitáveis de
cada uma, para^assim com porem uma forma mixla que
reuna as condiçoes de uma melhor constituição e organi-
sação polilica. Ahi podem mais ou menos predominar os
elembntos proprios de alguma d a q u e lla s ; mas em geral a
sua concepção mais rasoavel e mais própria para chegar-se
áquelle desideratum, é a que nos aponta o C om pêndio no
b-W: ou cm lermos mais amplos, a que consiste na insti­
tuição de um chefe suprem o no Estado tendo a seo lado
uma ou mais asscmbléas de eleição popular, e na conve-
- 93 —
n ienle deslribuição e n lre elles do exercício dos diversos
poderes públicos.
O Estado assim constituído será por via de regra,
uma m onarchia, se aquelle seo chefe suprem o for hereditá­
rio ou perpetuo ; ou uma republica, si elle for electivo e
temporário. Mas em am bos os casos a sua constituição
será analoga, democrática no fundo, e representativa a
forma do seo governo.
CONTINUAÇÃO DO C APITU LO VI

Preleccão XU
■ ^ 41 — 44

A’ vista do que temos expendido á cerca das diffe-


renles formas de governo, será licito concluir-se que al­
guma d’ entre ellas é absolulamenle bóa ou má, ou pre­
ferível a todas as mais ?
Quando m esmo se faça consistir a prosperidade dos
Estados principalmcnte no brilho de suas victorias, na
extensão de suas conquistas, possessões, com m ercio, in­
dustrias, e outras semelhantes vantagens, não pode o les-
•temunho da historia ser especialmente invocado pró ou
contra qualquer d’ aquellas.
Esta nos mostra ao contrario, que tanto sob umas
como sob outras, e alé sob as mais extravagantes, tem ao
mesmo ou em diverso tempo, florescido ou sido infelizes
muitos povos. De par nos aponta cila, em todas as ép o­
cas, monarchias e republicas poderosas ou mesquinhás -,
e ainda boje no grupo das primeiras a Inglaterra e a B é l­
gica, por exem plo, ao lado da União Americana e da Con-
95 —
lederação Snissa, e no das segundas cm geral todas as mo-
narcliias do Sul íla Europa e Iodas as republicas do Sul d’
America, excepluada talvez a do Chili, mais afortunada
<pie as suas.irmãas, aliás da mesma origem e costumes. E
até, quem tal crêra, um dos períodos mais prosperos de
Gênova foi aquello em que no século 13.° ali se decretou
que seus podcslás fossem engajados em paiz extranho distan­
te mais de 100 milhas das fronteiras !
Assim, o que n’esle assumplo se poderá quando muito
aventurar, é que, em geral, a monarchia convirá mais aos
paizes menos adiantados, mais extensos,de população mais
desseminada c mais desigual cm condicçõcs, c a republica
aos que tenhão altingido um mais alto gráo de civilisação,
tendo um território mais circumscriplo, com uma popula­
ção mais compacta c homogênea.
Quanto á influencia das raças e religiões sobre a apti­
dão ou ineptidão dos povos para tacs ou taes formas g o ­
vernativas, diga-se o que se disser do sentimento de inde­
pendência c liberdade individual proprio da raça gcrmanica,
c da tendência para a tutela da autoridade que se allribuc
como caracterislico áraça latina, a historia protesta contra
as consequências qne d’ ahi se costuma deduzir em desa­
bono da ultima. Foi entre esta que primeiro nasceram c
se distinguiram as mais famosas republicas, c si boje e de
ba muito não se moslrão com effcilo essasduas raças igual­
mente aptas para o governo do povo pelo proprio povo,
não é isso nas populações meridionaes um vicio de natu­
reza, mas simplesmente de educação; proveniente das ins­
tituições e hábitos da Roma imperial, cujas raizes se tem
n’ellas mantido atravez dos séculos,c sobretudo da Roma
catbolica. A indolc das religiões tom realmcntc n’aqucllc
sentido uma influencia decisiva- A inflexibilidade c into­
lerância dos dogmas chrislãos, e principalmentc das su­
perstições ullrarnonlíinas, que os envolvem para servirem
de base ao predomínio absoluto do poder espiritual, são
iuconviliayeis com a legitima amplidão das liberdadee po­
líticas c eives.
Mas seja como for, c si é verdade que o mundo ca­
minha c caminha sempre para o ideal de constituição polí­
tica dos póvos, não é menos certo que a maior parle
«lestes ainda se não acha nas circunstancias acima indica-
— 06 —
das, únicas em que p óde m ed ra r a forma republicana, c
q u e m esm o alguns dos qu e m ais se lhes a proxim ão, ainda
por m uilo tem po terão de lutar contra o poder das tra-
dicções c de mil interesses conspirados para retardarem a
sua inauguração.
E m ultima analyse, é forçoso na tlieoria da orgauisa-
ção dos E sta d o s le va r-se em conta a s c o n d ic ç õ e s cspcciaes
de cada paiz ; e sen do assim , nenhum a form a de governo
se póde, no estado presen te da hu m an idade, estabelecer
d priori co m o a bso ln la m en te m elhor que todas as mais,
ou que todos os póvos devão abraçar antes esta do que
qu a lq u e r outra, co m o a unica de que dependa a sua fe li­
cidad e. A n te s devem os re p elir com o C o m p ê n d io no §
4 1 , q u e o que faz, que um governo seja bom , é a sua
co n fo rm id a d e com as circunstancias do paiz q u e o adopta.
A p en a s se poderá a crescen tar, que as form as m ixtas em
que se co m bina o que de m elh o r se póde colh er nas sim ­
ples, são em lliese, preferíveis a estas, a que são essen cial­
m e n te in h eren le s certos vicios graves e m anifestos.
P elo q u e co n clu irem o s, que se a forma republicana é
c , em ab stra clo , a mais co n fo rm e com a natureza e a d i g ­
n id ad e do hom em e da sociedade, co m lu d o a m onarchia
representativa bem constituída, se póde considerar co m o
a m ais adoptavel pelo c o m m u m das nações cultas no seu
actual e s ta d o .
P o r ora p oderão os povos ser bem succcd id o s sob as
m ais u n icam e n te por e x ccp çà o ; ao passo que sob aquella
lhes será, em regra, mais facil en co n trar m elhores e le ­
m e n to s de paz, e m ais solidas garantias, quer para a acção
desem baraçada c profícua de seus poderes p úblicos, q uer
para as liberdades dos cidadãos.
Dada assim esta tal ou qual preferencia relativa em
favor d ’aquella forma de go v ern o , vejam ol-a mais particu­
la rm e n te em pratica.
E ’ uma verdade incontestável o que nos diz o C o m ­
p ên d io no § 4 2. A ordem publica e a liberdade dos c i­
dadãos são as duas necessidades capilaes de toda a asso ­
ciação politica, e co m o são duas forças que m ais ou
m en o s ten dem a ex a ge ra r-se , e os ex cesso s de uma são
incom patíveis com as legitim as exp ansões da outra, o re­
sultado e que vivem o rdin ariam en te em antagonism o,
- 97 —
sendo indispensável, entretanto, manter-se cada uma em
seu terreno proprio, e harmonisal-as de modo que nem a
ordem degenere em com pressão, nem a liberdade em l i ­
cença.
O m echanism o constitucional representativo propõe-
se a esse fim procurando conservar em mutuo respeito
essas duas potências rivaes e ciosas. Para assegurar a
ordem contra os ataques que lhe possam vir das ambições
particulares ou das tentativas da demagogia, elle creia no
Estado um poder forte, capaz, como diz, o Com pêndio, de
vencer todas as resistências illegaes, de amparar a ordem
quando se ache em perigo, e de so cco rrer a liberdade
quando am eaçada. Esse poder é a Realeza armada de
grandes prerogalivas e altribuições, mas ao m esm o tempo
cercada de caulcllas contra a possibilidade dos seus pró­
prios abusos.
Entre as mais elevadas prerogalivas do monarcha
sobresahem a sua hereditariedade c inviolabilidade. Jus­
tifica-se a hereditariedade no systema representativo, por
que predominando nas massas populares a exageração da
liberdade, sendo ahi ordinariamente mal com prehendidas
e mal vistas as medidas de ordem , um monarcha sabido
do seu seio por eleição não seria proprio para symbolisar
e tornar effectivo o principio da authoridade. Ale'm de
que, já anteriorm en le mostram os os inconvenientes da
electividade para tão em inente cargo, assim com o que
a hereditariedade n’elle era uma condição importante para
a unidade e permanência do governo.
A inviolabilidade é uma consequência necessária d’a -
quella, que sem isso seria uma va p ala vra ; não se pode­
ría considerar hereditário e perpetuo o monarcha sujeito
á responsabilidade ; e demais lam bem já fizemos ver em
outra occasião, que não ba grande inconveniente n’ ella,
estabelecida a responsabilidade legal dos ministros.
Ainda com o caracter particular de direitos mages-
talicos, ou de prerogalivas da Realeza, com pelem ao m o­
narcha n’esla forma de governo, altribuições laes com o
aquellas de que a nossa Constituição lormou o seu poder
Moderador, e que lhe são indispensáveis para que a sua
suprema vigilância em bem da ordem , possa ex ercer-se na
esphera de acção dos mais poderes públicos do Estado.
13
- 98 -
Ao lado do monarcha no regimen constilucional re­
presentativo íuncciona um corpo legislativo a cujo seio
tem de ser chamadas todas as classes sociaes, onde a par
das legitimas aspirações populares', lerão mais ou menos
entrada as suas paixões, e se farão sentir as suas naluracs
lendencias. D’ ahi a necessidade de conferir-se ao mo­
narcha atlribuições taes que lhe deem uma certa ingerên ­
cia nas deliberações e resoluções d’ aquelle corpo, e mesmo *
algumas extraordinárias para quando lhe seja necessário
interromper ou fazer cessar uma direcção desvairada que
em sua marcha se manifeste.
Assim deve a Realeza ser inyestida, como ja vimos, do
direito de sanccionar as leis ou recusar-lhes a saneção, de
prorogar ou addiar as sessões do corpo legislativo, e até
de dissolvel-o quando graves interesses da nação recla­
mem tal medida. Nem esta ultima concessão se deve
reputar excessiva, d’esde que os seus perigos em grande
parte desaparecem quando é amplo c livre o voto nacional
ao qual, em seguida, o monarcha tem necessidade de di­
rigir um novo appello.
Em relação ao poder judiciário, atlribuições não
menos importantes são conferidas ao monarcha, e a sua
missão de ordem com effeito as reclama, pois que no e x ­
ercício immoderado das fuucçõesd’ csse poder aquella seria
necessariamente involvida. Compete-lhe por isso, além
das que são próprias do executivo de que elle é chefe,
a de nomear os magistrados, a de removê-los em certas
circumstancias, a de suspendel-os para fazel-os responsabi-
lisar nos casos de abusos, e o direito de graca e amnislia,
allributo inherente ao poder soberano, cuja acção beneficà
c indispensável na sociedade, e que a nenhuma outra e n ­
tidade n’ esla poderia ser mais racionalmente confiada
ainda que o seja com reslricções.
Parecería que n’ estc systema tudo so sacrilica á or­
dem, que sc despojão lo d o so s poderes sociaes de uma
importante parte de suas funeções ou faculdades para com
ellas fazer-se um presente exagerado á Realeza. Mas já
tivemos occasião de ver como é concebido este mecha-
msmo do governo representativo, e da destribuição dos
poderes públicos sobre que elle assenta, mediante a qual
ao mesmo tempo que se procura garantir a ordem contra
— 99 —
quaesqucr prelenções populares m enos sensalas, procura-
se abrigar a liberdade contra q u alquer injuria dos g o ­
vern antes. . _
Em verdade todas aquellas grandes altribuições do m o-
narclia, da m esm a sorte que as do poder executivo , tem ,
já na sua naluresa, já nos seus lim ites conslitucionacs, cor-
reclivos que lhes não dcixão lugar a excessivo clasterio.
O seu velo é apenas suspensivo, o seu direito de
dissolver o corpo legislativo deve ser limitado, e dem ais o
seu uso irreíleclido seria fatal antes de tudo ao proprio
m o n a rc lia ; o de suspender os m agistrados, é de efleilo
apenas passageiro, restringe-se a casos muito particulares,
e è ou póde ser sujeito a con dições garanlidoras ; o de
perdoar ou minorar as penas, é de tal natureza que não só
em raras occasiões tem de e x e rc e r - s e , mas até não se
presta a abusos muito damnosos ao Estado, além de que
póde e deve também ler regras e limites, ( 1 J
Outras garantias mais poderosas tem ainda a nação
contra os desm andos possiveis da Realeza, prim eiram enlc
no direito de suprema inspccção que sobre os actos do
poder de que o monarclia é chefe, co m p ele ao le gislativo ;
e em segundo lugar nas altribu ições que são privativas
d’è s lc , ou de cada um de seus ram os, sobre as quaes nem
uma acção deve l e r o o é l o d'aquelle, c que são exacta-
m en tc as em que a m esm a nação é mais interessada ; laes
scjão, as de d ecretar os impostos, fix a ra força publica, e
de curar de q u a e sq u er reform as constilucionaes’.
Assim o suor do povo, ou o soo sangue, ou os reclamos
do progresso nacional (icão inteira m en te a salvo, os pri­
meiros das contribuições com que a Realeza ou seus agen­
tes pretendessem exploral os sob a capa de necessidades
phanlaslicas de ordem , e os ú ltim o s das tentativas ou da
inércia de um monarclia invasor ou retrogrado.
A magistratura é igualm cute no syslem a m onarchiro
representativo outra salvaguarda não m enos im portante
dos direitos do cid ad ão c das liberdades publicas.

[I] Não discutiremos se esses diversos poderes da Realeza


sãosufficientemente limitados em a nossá Constituição ; dircmoS
sómente que alguns não nos parecem sel-o qíianto devião, é
outros não o são de modo algum.
*

C A P IT U L O VII

DA LEI FUNDAMENTAL DO ESTADO, E DO SOBERANO.

Prelecção XIII

§ § 4 5 — 48

Faz-nos ver o Compêndio n’este capitulo o que seja a


lei fundamental de um Estado, o q u e n ’ ella se deve essen ­
cialm ente conter, e por fim, o que seja o Soberano em uma
monarchia constitucional.
Lei fundamental de um Estado, é como nos diz o m es­
m o Compêndio no § 4 5 e respectiva nota, aquella que d e ­
termina a sua forma de governo ou sua constituição, que
destribue e organisa os seus poderes públicos, designa as
pessoas por quem elles devem ser exercidos, e com que
condicções e limites •, é a lei, ou antes o com plexo de dis­
posições em que se formula as bases da organisação e g o ­
verno social, e certas obrigações e direitos mais importan­
tes, quer dos governantes, para com os governados, e
vice-versa, c quer d’ estes entre si.
U m a C o n stitu iç ã o p ô d e ser escrip ta ou n ã o , c o n s is tiu -
— 101 —

«Io n’este ultimo caso cm simples costumes ou maximas


reconhecidas e praticadas como regras do governo soq^al,
independentemente de serem consignadas em um codigo!
D’esta espccie foi, segundo nos diz o mesmo Compêndio,
a que Lycorgo deu a Esparla, que aliás não teve imitadores,
que se corrompem com o tempo, e Cleomones tentou em
vão restabelecer. Na idade media nao passavão as Consti­
tuições de Charlas incompletas, concessões ou previlegios
outorgados pelos reis e senhores feudacs ás cidades livres
e municipalidades, e que erão por clles proprios muitas
vezes illudidas ou nullificadas. Em França até 1 7 9 1 , e em
todos os povos da Europa, á excepção da Inglaterra cuja
magna Charla data de 12 1 5 , não consistião ellas também
senão em um complexo de leis e instituições provenientes
de origem analoga, ou firmadas nos costumes c tradições
nacionaes, mas tudo mal definido, desordenado, e sujeito ao
arbitrio dos reis e ás suas usurpações. •
Taes cspecies de Constituições simplesmente consue-
tudinarias ou estabelecidas sobre bases tão incertas, não são
mais applicaveis aos tempos modernos, em que os povos
comprehendem o que são e o que valem, assim como o que
podem ser e valer os seus governos sem regras fixas e
permanentes, que lhes sirvão de norma de conducta, ilefi-
n â o a s u a autoridade, e consagrem de um modo solemne
os seus proprios direitos e garantias.
0 mechanismo social dos nossos dias d muito compli­
cado, ed u ra por demais tem sido a expericncia dos povos
para coíial-o a tão frágil guarda. Só nos tempos da sim ­
plicidade primitiva, ou no estado rudimentario das associa­
ções polilicas poderião os uzos c os costumes suprir as
leis fundamentaes cscriptas, ou serem estas recebidas
como méros favores dos governos. Hoje ó isso incom­
patível com o regimen dos povos livres.
Que assim o tem afinal comprchendido as nações, hem
o mostrão a sua tendência geral, os seus constantes esfor­
ços, e seu sangne derramado desde o principio do pre­
sente século na conquista de suas Constituições; e és e m
razão que se tem pretendido confundir essa lendencia com
o espirito revolucionário, no mau sentido da palavra, consi-
dcral-a como uma enfermidade moral da nossa época, e in-
102 —

volvel-a no mesmo analhema com que se fulmina os fac­


ciosos.
Ao contrario ella existio mais ou menos cm todos os
tempos ; as lutas do poder espiritual contra o temporal,
diz um notável escriptor, das cidades contra a nobreza, da
nobreza inferior contra a superior, dos paisanos contra os
gentishomens, dos artistas contra a burguezia das cidades,
dos Suissos e dos Paizcs Baixos contra o poder arbitrário,
tem todas aquella mesma origem, embora sob formas dif-
ferentes.
Nos devidos termos é aquella lendencia tão natural e
legitima, quanto pódc ser funesta a sua exageração. Uma
Constituição não tem verdadeira força no espirito da nação,
nem offerece garantias de permanência quando é incapaz
de re a lis a ro q u e prometle. As que tem a prelenção de
estabelecer a priori um syslema completo de Direito P u ­
blico revolvendo todos os fundamentos da sociedade, não
tem de ordinário valor senão no papel, são uma origem
perigosa de desordens, e represenlâo apenas o excesso das
paixões que triumphão em um dia para serem supplanla-
das por outras no seguinte •, tal é o espectáculo que nos
apresenta, por exemplo, a França com as suas nove Cons­
tituições successivas de 1791 a 1852.
Por outro lado, o desdem mais affeclado do que real
pelas constituições regulares, não é menos absurdo. Por
mais que se exalte as intenções puras dos governos, e o
seu respeito pelos direitos do cidadão, jamais se conven­
cerá a um povo sensato, que elle nada tem a ganhar em su-
jeilal-os a regras do justo e honesto expressas e superiores
ao seu arbítrio. Mesmo sob o reinado do.s Titos e Marcos
Aurelios e preciso que elle se previna contra a possibilidade
dos Domicianos e dos Comodos. Na incerteza das legis-
ções tem a sua origem a maior parte dos abuzos do poder.
O desejo de obterem Constituições escriplas, não é
pois um méro capricho dos povos, nem uma prelenção de
visionários. Si a historia nos aponia certos periodos em
qoe elle degenera em vertigem, quasi sempre em razão da
em ’' ma<;ia c ccg»eira dos governos, é comtudo certo que
mniinCnr-»rSSa . asl'!,raí So lem um fim muito racional e
P aiicavel. No estado actual das nações é isso uma
103
condicção inprescindivel de sua exisleucia, progresso, e
felicidade. '
Mas não só os povos lem o incontestável direito de es-
labellecer as suas Constituições, como lambem o de modi-
(ical-as depois de eslabellecidas, quando e como as suas
circurnstancias o exijão ; este é nma consequência neces­
sária daquelle, ou antes é o mesmo sob diverso aspecto.
Nenhuma Constituição é ou pode ser perfeita. O texto
das antigas disposições constitucionaes altera-se, outro Di­
reito Publico prevalece muitas vezes na sociedade com
o correr do tempo, ou os abuz.os dos governos lanção a in­
certeza no sentido particular d’ aquellas ; e então é indispen­
sável revêl-as, e reiormal-as. N’eslas circumslancia é um
dever dos governantes e dos governados prover pelas vias
legaes ao que iiellas houver caducado, ou for reconhecido
inconveniente ou injusto. Quanto mais forem os povos
moderados 11’esta obra, tanto mais solidas serão as garan­
tias que adquirirão para os seus direitos c liberdades ; e
quanto mais leaes forem os governos em auxilial-os no
mesmo empenho melhor firmarão o seu poder. De outra
sorte serão estes considerados lyránicos, e diííicilmente
acccitarão aquelles quaesquer proposições suas, aliás rasoa-
veis e uteis.
As tendências reformadoras das Constituições lambem
nada tem de perigosas em si mesmas ; mas podem-se tor­
nar taes quando uma imprudente c teimosa resistência as
contraria. E’ um axioma de Direito Publico, e de bôa po-
litica, que só as reformas feitas a proposito, e segundo o
espirito da época, podem proteger os Estados e seus go­
vernos contra as revoluções violentas. A historia moder­
na está cheia de lições 11’esle sentido, e de exemplos de
reis que por não lerem querido ceder a tempo aos recla­
mos da opinião, quando a isso se resolveram era já tarde, e
no vórtice da tempestade popular tiverem de perder 0 Ihrono,
e alguns a cabeça.
Do que até aqni lemos dito infere-se 0 que essencial­
mente se deve conter em uma Coustiluição cscripta re­
gular.
Deve-se Iractar n’ella, já de assentar-se as bases da
existência da nação, de sua administração geral c local, de
estabellecer-se as prerogalivas da Realeza nas monarchias
representativas, e regular a sua successão, de crear, e divi -
dir os seus diversos poderes públicos, de compor os seus
org5os, de determinar as suas funcções, e relações recipro­
cas 5 já de definir as condicções de sua nacionalidade, os
direitos políticos dos cidadãos, e os civis de uma importân­
cia especial e suas restricções e garantias ; e já finalmenle,
os meios legaes porque a mesma Constituição possa e
deva ser modificada, quando se verifique essa necessi­
dade.
A consagração expressa d’ aquelles direitos civis do
cidadão na lei fundamental do Estado, não é cm rigor
indispensável, desde que elles são ao mesmo tempo di­
reitos naluraes e absolutos do homem, que em toda a so­
ciedade política devem ser reconhecidos independente­
mente d’ essa consagração solemne. Todavia é isso muito
conveniente, não só pela importância própria de laes di­
reitos, como porque, apezar de todos aquelles seus evidentes
e respeitáveis caracteres, tem sido elles muitas vezes calca­
dos aos pés pelos governos despolicos, ou violados nas pró­
prias relações individuaes em falta de sua expressa m en­
ção n’ aquella lei. Depois da celebre declaração dos direi­
tos do homem apresentada por Lafayelle á Assembléa Na­
cional Franceza em 1789, todos os povos modernos os tem
mais ou menos proclamado cm suas Constituições •, tal como
a nossa no artigo 17 9 e seus diversos paragraphos.
A Constituição soeial não creia propriamente aquelles
direitos, mas os impõe de uma maneira clara e positiva,
já a universalidade de seus membros e ao seu reciproco
respeito, já a todos os depositários da autoridade publica
para que os mantenhâo e tornem cITectivos. Em geral
estes direitos não diversificão, como os politicos, de ci-
dadao a cid ad ão ; porque como hem diz o Compêndio no
^ áb, na ordem civil a igualdade é o ideal da justiça ao
passo que na ordem política é util, necessária, e justa a
jerarclna dos direitos, visto que os homens dilferem na ca­
pacidade para as funcções sociaes.
Entretanto, com a hem ohserva ainda o mesmo Com-
Lfí 1 i? 110 esla declaração dos direitos naluraes do
nr n rfn i " 2 ei funda®en lal> n a o é s e n ã o a consagração de
íuembrn« P ,a1CS', Sl e,la é commum » todos os seus
i comtudo no estado social nem sempre é possi-
— 105

v e la sua applicaçào de ura modo absoluto. Em certas


circumslancias é indispensável que o exercicio d’esses di­
reitos soífra algumas limitações ; mas, em lodo o caso
não devem estas ficar ao arbilrio dos governos, nem subor­
dinadas ás eventualidades próprias da legislação ordinaria.
E ’ necessário que sejão cilas autorisadas e defiinidas de
uma maneira explicita na própria lei fundamental que laes
direitos declara e impõe. Só assim serão estes verdadeira-
menle garantidos ; e quando chegue a necessidade de veri­
ficar-se a excepção em relação a tal ou tal cidadão, este se
resignará de bom grado a essa exigencia de utilidade com-
mum, prevista n’aquella lei e geralmente consentida.
No § 18 define-nos o Compêndio o que seja o sobe­
rano na sociedade politica. Seria esta questão occiosa e
deslocada n’esle lugar, si o mesmo Compêndio a não refe­
risse especialmente aos Estados monarchicos c á autori­
dade que nelles realmente exerce o poder supremo. A n ã o
ser por este lado pelo qual elle a considera, estaria ella ja resol­
vida pelo que anleriormente dissemos sobre a soberania, c
sua verdadeira fonte ; isto é, pela doclrina que sustentámos,
que ella reside essencialmente na Nação, e que porlánlo só
esta, no seu complexo, póde ser o verdadeiro soberano de
Direito no Estado, seja qual fora sua forma governativa.
N’aquelle sentido, porem, e com referencia aos paizes
monarchicos, c especialmcnle aos que se regem pela for­
ma representativa, e aos que n’elles de facto exercem ou
representão os poderes da soberania, póde aquella denomi­
nação caber realmente á entidade politica individual que
por seu caracter e missão sobresáia a todas as mais entre
quem aquelles mesmos poderes são destribuidos.
Nos Estados propriamente democráticos essa especie
de soberano não existe, porque n’elles predomina a acção
do povo, c aquelles poderes são principalmenlc confiados
a corpos collectivos, aos quaes não póde aquclle titulo
caber com propriedade, c nem mesmo aos que são collo-
cados á testa de sua suprema administração, cujas prero-
galivas ditferem grandemenlc das de um monarcha, em ­
bora constitucional, c cujas attribuiçõcs além de temporá­
rias, são subordinadas de um modo mais directo as assem-
bléas de origem popular. E’ assim que tanto na lingua­
gem commum, como na dos esljllos inlernacionacs, o ti-
— IOÜ i -

tulo de soberano é realmente conferido aos monarehas em


geral, ejam a is aos presidentes de republicas. A p ro p ria
índole d eslas de algum modo o repelle com o signilicalivo
de uma calhegoria social pouco harmônica com a igualda­
de que mais ou menos deve caraclerisar as suas formas e
as relações de seus cidadãos e de seus governos.
Nem obslão a que aquelle titulo quadre bem aos m o-
narchas no systema representativo, as limitações que são
impostas á sua autoridade, porque, em todo o caso, já por
suas excepcionaes prerogralivas como chefes do Estado, já
por suas extensas altribuições como chefes do seu poder
executivo e suprema administração, elles se distinguem al-
lam enle de todos os mais poderes distribuídos por corpos
intermitentes ou por fuuccionarios que dependem de sua
nomeação, sujeitos á sua inspecção geral, e que ainda por
outras razões não poderião personificar a idea do poder so­
berano, com quanto tenhão parte no seu exercicio.
Ha pois, como diz o Com pêndio, em toda a sociedade
soberano e s ú b d it o s ; e nas monarchias, ainda mesmo con s-
titucionaes, o Soberano é com effeilo o monarcha, a quem
imcum be principalmenlc reger o Estado, c velar na sua co n ­
servação.
« Ellc personifica o poder supremo da sociedade, que
pelo consentim ento de todos os seos mem bros, a dirige a
seu fim.»
CAPITULO VIII

DAS FUNCÇÕF.S DOS PODRItF.S SOCIARS.

Preleeçâo XIV

§, M

.lá nos capítulos precedentes expondo os princípios (]ne


elevem regular a organisação e devisão dos diversos po­
deres públicos, tivemos de m encionar, em geral, o papel
proprio de cada um. Era necessário, entretanto, ser
mais explicito sobre esta importante inaleria. E ’ por esta
razão que no presente capitulo, considerando separada­
m ente cada um dos referidos poderes, o C om pêndio tracta
de suas respectivas funeções de um m odo mais particular.
Sabem os que ao poder legislativo pertence o direito
de fazer as leis, pelas quaes se tem de reger o Estado e
as relações reciprocas dos seus cidadãos, c que é essa a
sua missão especial. E’ porem , preciso m ostrarmos qual
seja a verdadeira extensão d’ essa faculdade, e quaes as suas
mais importantes applicaçõcs.
- 108 -

Legislar é não só decretrar leis novas, mas lambem


uilcrpetrar de modo aulbenlico as já existentes, suspcn-
*'p.r a sua execução quando assim convenha ao bem pu­
blico, alterar o seu contexto, reyogal-as de todo, e substí-
tuil-as por outras. Sem este direito amplo não se póde
conceber nem legislador, nem legislação ; o poder legisla­
tivo do Estado o deve ter pois, e o tem em toda a sua ple­
nitude, com os umcos limites do justo, do honesto, e da
utilidade commum.
Não podcria qualquer outro dos poderes públicos ser cVelle
investido ou exercel-o com vantagem ou sem risco para as
liberdades nacionacs, e instituições destinadas a garanlil-
as. O Estado em que o poder legislativo demitte realmen-
le de si tão importantes altribuições, ou em que por
quaesquer causas, ellas são de faclo absorvidas pelo poder
executivo, que a issotende naluralmente, póde-se aílirmar
que está em vespera da ruina do syslema representativo, e
preste a ser preza de um absolutismo tanto mais perigoso
quanto se abriga sob as formas constitucionaes.
la l é, infelismente, o que entre nós acontece ! Além
das leis annuas, obrigadas, e que ainda assim muitas vezes
se prorogão a outros exercícios, limitão-se as nossas cama-
ras a conceder loterias, dispensas para matriculas de estu­
dantes e naluralisações, a aprovar pensões ou cousas se­
melhantes, gastando o resto do tempo precioso em dispu­
tas vãs de politica abslracta. O que ha de mais importan­
te em todos os ramos de nossa legislação e instituições,
não lhes merece a minima attenção. Quando, muito com -
metlom ao governo a faculdade de enlendel-as a seu lalanlc
ou confirmão pelo silencio indifinido o que elle de séu
molu proprio decreta em taes assumptos. Impassíveis ante
o grito de reformas que parle de todos os ângulos do
im pei i o , parecem apostadas por sua inércia ou incapacida­
de em não deixar á Nação outra esperança de ver resol­
vidos os grandes problemas que a preoccupão, senão a
que lhe póde vir dos recursos do desespero que inspira a
maxima latina : una salus miseris nullam, sperare sa-
lutem.
Se o poder legislativo c amplo no sentido a que acima
nos referimos, ainda mais o é pela extensão c importância
das matérias que abrange. As leis tem por objeclo tudo
— 109 —

quanlo póde dc alguma maneira entender com o bom g o ­


verno social, ou com a sorte dos cidadãos. E’ da sua
competência a solução de todas as inúmeras e transcenden­
tes questões relativas á ordem politica, administrativa, fi­
nanceira, militar, civil, judiciaria c criminal do Estado ; e
entre ellas merecem especial menção, as que constituem o
seu direito penal, na confecção das qnacs, si é possível, se
exige ainda mais sabedoria e cuidado no legislador, porque
ellas não só alTectão gravemente a fortuna e a liberdade,
mas até a vida dos que se possão considerar incursos cm
suas disposições, De modo que si a decretação das leis
com m uns é um direito exclusivo, e inalienável do poder
legislativo social, por maioria dc razão, deve ser elle cioso
do direito de determinar as penas. Não seria proprio, para
convenienlem entc excrcel-o, nem o poder judiciário, nem
o executivo. Alem de crear, em todo o caso, uma deplo­
rável confusão dos poderes públicos, tal direito unido no
primeiro ao de applicar essas mesmas penas, c á perpetuida-
de e independência da magistratura, faria desta um poder
quasi absoluto no Estado ; c unida no segundo ás altas al-
tribuições que o constituem c á unidade, permanência, e
natural antagonismo com as tendências liberaes da Na­
ção, que o caraclerisão, seria por elle convertida breve­
m ente em um instrumento irresistível dc lyrania.
Deve igualmcnle competir ao poder legislativo a crea-
ção dos empregos públicos, assim com o impor-lhes as re­
gras de que já em outra occasião falíamos. Ha para isso,
além de outras, duas .razões poderosas ; a primeira é que
os empregos públicos são inslituidos para execução das leis,
que aquelle poder decreta, ou para a realisação de outros
serviços de utilidade social, e só elle póde ser juiz da sua ne­
cessidade e das funeções de que os deve r e v e s tir ; e a se­
gunda é que a sua instituição importa despezas para a
Nação, grandes onus para os cidadãos que tem de contri­
buir para suslental-os, e que só o poder legislativo póde
ser autnrisadp a impol-os.
Além de que altribuir-sc esse direito ao poder execu­
tivo conjunctamentc com os que já lhe reconhecem os de
nomear e distituir em geral os funccionarios da administra­
ção e outros, seria ainda accumular uma somma e x o rb i­
tante de autoridade nas mesmas mãos, c expor esse poder
— 110

á tentação de crear 011 suprimir empregos e em pregados,


segundo as suas velleidades ou planos de corrupção, e pre­
domínio absoluto no Estado. Nada poderia resistir na so­
ciedade a um semelhante excesso de autoridade. Dizcmol-o
com pesar, grande parte d’ este mal verifica-se ainda entre
nós, porque de faclo o nosso poder executivo exerce
também em larga escala aquelle importanlismo direito, por
delegação de quem não póde delegal-o, e até em muitos
casos sem ella 1
São ainda essencial mente inherentes ao poder legis­
lativo as diversas altribuições, que o Com pêndio em se­
guida menciona no § 49.
O imposto é por sua natureza odioso, e um pesado
sacrilicio a que o Estado obriga os cidadãos. Se elle pro­
viesse de qualquer outro poder que não d’aquelle que
mais directamenle representa os interesses do povo e sua
participação na gerencia dos negocios pnblicos, encon­
traria perpetuas resistências, seria satisfeito com grandes
repugnaucias, e si por um lado haveria razão mais ou
menos plausível para isso, porque nas mãos do poder exe­
cutivo é, com , effeito, tal direito fonte de gravíssimos abu-
zos, por outro, visíveis e immensos seriào os embaraços
que d’ahi resultarião á marcha governativa da Nação.
O poder legislativo de uma nação privado de tal di­
reito é cousa que não se concebe-, em tal caso não
passaria elle de uma mera chancellaria do poder execu­
tivo.
A historia justifica o zelo extremo com que todos os
povos logo que começaram a ter consciência de si e de
sua força, procuraram disputar aos seus governos, mesmo
em pleno absolutismo, essa arma terrível com que nos s é­
culos passados sob mil nomes e formas differentes, estavão
aquelles na posse e goso de extorquir-lhes a mais pingue
parte de seu trabalho e suor. E’ notável sobre este ponto
a luta dos antigos parlamentos de França contra os seus
reis. Foi no meio de um delles e em resposta á sua tenaz
defeza do direito de autorisar os impostos, que Luiz XIV
em trajes de caçada e de chicote em punho ousou d i z e r : o
Estado sou eu. Triumphou nessa occasiüo a prepolencia do
grande monarcha -. mas esse e outros iguaes trinmphos seus
ou de seus anfecessores c suecessores sobre os mais sagra-
- 111 —

dos direitos da Nação,prepararam o medonho cataclisma de


17 8 9 ; assim como na Inglaterra os primeiros rebates da
revolução de 1648 se revelaram pela resistência do patriota
Hampden ao pagamento do Shypmoney, imposto arbilrario
criado por Carlos 1.".
Demais é claro que só os representantes immedialos
da Nação c de suas circumsGripções, podem ser aptos para
conhecerem de perto os haveres e condicções dos seu sco m -
mitlentes, a natureza e forças de suas industrias, para sobre
essas bazes assentarem um systema de tributos jasoavel e
equitativo, que não seja illusorio para os ricos, hem op-
pressivo para os menos favorecidos da fortuna ; que tudo
isso convem que seja debatido e deliberado com a maior
publicidade possivel, em presença e com conhecimento
do propriopovo, no seio de sua representação,
No mesmo caso estão a decretação do recrutamento
e a (ixação da força armada, que o suppõe, e que é indis­
pensável á policia e defeza do Estado. Ambas estas cs-
pecies, são ainda verdadeiros tributos, e os mais pesados
que ao cidadão se impõem porque são o do seu sangue; e si
o direito de estabelecer as imposições pecuniárias seria p e­
rigoso nas mãos de qualquer outro poder, o de decretar o
serviço militar forcado e suas condições, sei-o-hia incon-
teslavelmenle muito mais. Não seria isso uma simples
origem de prepotência contra o cidadão, mas uma cons­
tante ameaça contra a própria exislencia de qualquer
constituição livre. Para aniquilar-se em breve tempo
uma forma de governo constitucional, e com cila todas as
liberdades c garantias nacionaes, basta que ao chefe de seu
poder executivo já investido dos grandes poderes que lhe
são proprios, se confira o de recrutar a seu arbítrio, e de
armar soldados sem limitação de numero.
Crear as rendas e marcaras despezas publicas, é outra
faculdade da maxima importância social, que lambem só ao
poder legislativo do Estado póde pertencer.
Aquellas provem priucipalmente dos tributos e encar­
gos que se impõe aos cidadãos, e ás suas industrias ; mas
quando mesmo nasçâo de qualquer outra fonte, ó claro
que constituem o patrimônio da Nação, o thesonro com -
mum, de onde os representantes mais directos de sua von­
tade tem do tirar os recursos para a realisação dos henefi-
— 112 -

cios e melhoramentos cora que devem dolal-a. Por con­


seguinte só áquelle poder deve caber o direito de estabelle-
ceí-as e de applical-as .
Deixal-o usurpar pelo executivo, ou consentir que este
a seu lallanle crèe taes rendas ou d’ cllas disponha, seria
autorisal-o a exercer sobre o povo as mais inauditas extor­
sões para satisfazer seus caprichos, e a dispender o seu pro-
duclo odioso na obra da corrupção dos que deverião cha-
mal-o a contas.
E’ este direito uma das mais solidas bases do syslema
representativo, porque é o meio mais eflicaz de que dis­
põe a Nação por seus representantes, para corregir o seu
governo quando se lance em uma política tortuosa, ou no­
civa á causa publica, fazendo-o parar ou entregar a admi­
nistração a quem melhor a comprehenda, pela dencgaçào
dos recursos governativos que lhe são indispensáveis.
Entre as mais transcendentes attribuições do poder a
que nos referimos devemos mencionar ainda e especial­
mente, a de autorisar as reformas que sejão necessárias na
própria Constituição do Estado. Pódc o chefe d’ este, ou
do poder executivo, sem inconveniente, ter a faculdade de
indical-as ou propol-as aos mandatarios do povo ; é isso até
de sua parle nm dever de consciência tanto mais impe­
rioso quanto a experiencia dos negocios públicos para esse
fim perfeitamente o habilita.
Ahi deve, porem, parar a sua intervenção em seme­
lhante assumpto : não convém que lhe seja conferido qual­
quer direito de embaraçar taes reformas, ou de operal-as
por si. Deve ser isso da alçada exclusiva do poder legis­
lativo, com tanta mais razão quanto as reformas consli-
lucionaes são de ordinário reclamadas contra as tendências
absorventes e compressoras do executivo. Em relação
aquellas não deve ler este influencia de qualquer modo de­
cisiva. A semelhante respeito deve o povo ser muito zeloso
e susceptível para confiar em outro poder que não seja o
que d’el!e immediatamente dimana.
Parece pois exhorbitanle qualquer disposição consti­
tucional, em virludeda qual o decreto legislativo para a con­
vocação de uma camara autorisada para taes reformas ne­
cessite da saneção do chefe do Estado. D’ este modo si
por um lado se concedería á Nação aquelle importante di-
— 113 —

reilo, e único meio legal de affastal-a dos recursos e x ile ­


mos e violentos para melhorar as suas condicções conlitu-
cionaes, por oulro quasi inleiramcnto se o annullaria su-
geitando-o ao veto do monarcha, que aliás podemos snppor
já munido da arma poderosa das dissoluções.
Taes süo as principaes aliribnições que devem neces­
sariamente com pelirão poder legislativo em uma monarchia
constitucional representativa, compelindo-lhe ainda outras
muitas, já próprias em geral d’esse poder, já resuliantes
para elle das condicções ou instituições particulares de
cada constituição. Longo c desnecessário seria enumerar-
inol-as todas, e por isso nos limitaremos a repelir com o
Compêndio na parte final d’esle §, que em these, pertence
áquclle poder ordenar tudo quanto requer a conservação
do listado, ou o seu bem ser commum dentro dos limites
do justo.
Observaremos, por fim, que n’ essa generalidade, além
das altribuições propriamente legislativas que lhe são con­
feridas, outras igualmentc o s ã o c devem sel-o, embora não
lenhão esse caracter, por motivos importantes de ordem
política, tal é grande parte d'aqucllas que a nossa Consti­
tuição concede á nossa Assembléa geral, no art. 1 5 e seus
§§, as quaes tem exclusivamente aquelle cunho.
Nos paiz.es constilucionaes em que o corpo legislativo,
como entre nós, é dividido em dons ramos cabe a cada um,
já a iniciativa, já o exercicio privativo de taes ou taes d’a-
quellas altribuições, sendo o das mais comulalivo entre
ambos. Nas que mais dircctamenle interessâo á condicção
progressiva da Nação, ou aos direitos que mais deve zelar
o povo, compele a acção inicial ou exclusiva á camara
temporária e de renovação frequente, e á camara vitalícia
ou de longa duração, nas que mais entendem com os ele­
mentos de conservação da ordem e lixidade das insti­
tuições do Estado.
Em algumas monarebias mesmo, mas sobre tudo
nos Estados que se regem, pela forma republicana,
outras altribuições muito importantes, que na nossa
Constituição são conferidas ao nosso poder executivo,
competem ao poder legislativo; taes s e j ã o : a de-
dcclarar a guerra, c fazer a paz ; de celebrar trata­
dos, ou aproval-os edcsaproval-os.
15
CONTINUAÇÃO DO C APITU LO VIU

Prelecção X V

§S 30 - 51
Tracla o Compêndio no § 50 especialmente das 1'unc-
çõcs do poder executivo.
Já tivemos occasião de dizer quanto é importante o
papel d’este poder no Estado, c para o confirmarmos nada
melhor poderiamos fazer d o q e e repetir, cm resumo, o que
a este respeito diz o illustrc autor d’ esle Compêndio cm
outra sua obra ( 1 ).
« O poder executivo é a força motriz das sociedades
políticas ; representa nesses corpos moraes a potência mis­
teriosa do homem que reune a acçao á vontade. A de­
marcação, porém, de seus limites, e a concialiação exacla
dos seus meios com os seus fins, offerecem ao espirito h u ­
mano um dos mais vastos assumptos de reflexão. A sua
constituição c a principal diflicnldade de todos os syslemas
de governo.»

[t] Elementos de direito Publico Brasileiro


Assim é, com e ííe ito ; mas a própria natureza de sua
missão na sociedade, e as lições da expericncia tem feito
com (|ue, em geral, os Publicistas e os povos lenlião reco­
nhecido um certo grupo de atlribuições, que mais lhe co n ­
vém do (]ue a qualquer outro poder social, e sejão con­
cordes em lh’as conferir com mais ou menos amplitude ou
limitações ; taes são, além de outras, as que o Compêndio
menciona n’ esle §.
Assim, deve ser da competência d'esle poder a promul­
gação das leis ; já porque sendo ella o acto pelo qual as
mesmas são intimadas á observância dos cidadãos, constituo
de algum modo um principio, ou o primeiro passo de sua
e x e c u ç ã o ; já porque só esse poder é capaz de lornal-a
uma realidade e racionaes os seus cffeilos. E ’ certo que
em França, em Inglaterra ( e o mesmo acontece nos mais
p aizes), resulta de sua simples inserção nos respectivos
holletins ou jornaes que ofticialmente pnblicão os traba­
lhos legislativos, uma certa promulgação d’aquellas. Esta,
porem, sel-o-hn apenas de direito c incompleta ; não póde
ser acompanhada das condicções indispensáveis para deter­
minar a presumpção do conhecimento das mesmas leis
em todos os pontos diversamcnlc distantes em que devem
ser executadas, c nos prasos em que em cada um o deve
s e r ; não é a sua publicação effecliva e com esses requisi­
tos. que só póde partir do executivo em razão do seu ca­
racter de unidade e permanência e dos meios e agentes de
que dispõe em todas as circumscripções do Estado.
Por não fazerem aquella dislincção, que aliás o Sr. P i­
menta Bueno claramenle demonstra no seu Direito Publico
firasileiro, entende Berriat de Saint Prix, que a promulga­
ção das leis é um acto proprio do poder legislativo. Mas
não só são improcedentes as razões em que cllc funda esta
sua opinião, mas até elle proprio a deslróe reconhecendo a
necessidade da intervenção de um funccionario publico,
que assegure aquella promulgação em tempo ulil que al-
teste a conformidade das leis publicadas com as decreta­
das, e que responda pelas alterações qucellas n’ cssc acto
soíTrão.
Em summa, é evidente que o poder legislativo, que
apenas se reune periódica c temporariamente, que de di­
reito é irresponsável, e contra o qual seria mesmo illuso-
MO —

ria qualquer responsabilidade de faclo, não seria de modo


algum proprio para dirigir c fiscalisar esse principio de e x e ­
cução das leis.
Mas não basta que estas sejao promulgadas para po­
derem ser bem cumpridas. A maior parte d’ ellas recahe
sobre assum ptos c cstabellecom disposições que não podem
ser realisadas sem regulamentos ou instrucçõcs m ais deta­
lhadas que as com p letem , que organisem a sua applicação,
sem um m echanism o exterior, em sum m a, indispensável
para que sejão as mesmas executadas. A confecção d’ esses
regulam entos e in stru cçõ e s; a creação e ordenação d’esses
m eios, e d’ esse m echanism o, não podem pertencer a outro
poder senão ao executivo em um governo bem co n sti­
tuído. T u d o isso só quadra bem a esse poder caraclerisado
com o acima dissem os, e am plam ente m unido dos m eios de
inform ar-se e esclarecer-se sobre todas as circum slancias
quer geraes, quer especiaes que devem necessariam ente
en ten der com a execução das leis. N’ islo se funda a n e ­
cessidade de sua instituição ; é por esses regulam entos, ins­
trucções, e mais medidas que a execução das leis suppõe,
que aquelle poder principalmente se revela e obra na socie­
dade politica.
S e tal altribuiçüo é uma das mais importantes que lhe
cabem , é lam bem a mais especialm enle in h e r e n te e a d e­
quada á m issão que lhe incum be.
O direito que deve ter o poder executivo de nomear
todos os fu n ccio n ario s, salvas excepções especiaes, nas
m onarchias co n stitucio n aes representativas, já vim os tam­
bém anlerio rm e n le em que razões se funda, e com o não
p o d e r i a c o n v e n i e n t e m e n l e caber a qualquer outropoder no
Estado. Assim todas as classes de em pregados da Nação,
ou sejao <le ordem politica, ou administrativa, ou civil, ou
ecclesiastica, ou militar, ou m esm o judiciaria d evem , em
geral, ter n’ elle a sua origem-, e as de alguns d’ elles até
pela natureza de seus encargos, de imm ediala confiança
sua, devem ser por elle demissiveis ad nutum, tacs sejão
os de ordem puram enle administrativa, quando por motivo
de utilidade publica alguma lei os não declare vitalícios.
t .Dispor da força armada do Estado, segundo as e x i ­
gências de sua tranquilidade e segurança interna e externa,
e amua uma altribuição, que também só pelo poder cx c-
culivo social pòdeser bem exercida ; pois só n’elle se e n ­
contra a unidade de pensamento, a presteza de execução,
a permanência, c por assim dizer-se, a ubiquidade que o
multiplica por todo o terrilorio nacional, e que são indis­
pensáveis para se poder velar incessantemenle n’aquelle
sentido e empregar a força publica em toda a parle e desde
o primeiro momento em que a sua intervenção se torne
necessária.
Nem (1’aquella altribuição conferida ao poder execu­
tivo podem provir grandes males cm uma monarchia repre­
sentativa bem constituída, onde a opinião publica c a res­
ponsabilidade legal dos seus agentes tcnlião a forca c a re­
alidade que devem ter -, e tanto mais quanto o modo de
com porá força militar do Estado, o numero dos soldados, e
tudo mais quanto respeita a organisação e mareba d’ esse
importante ramo do serviço administrativo é regulado e
limitado pelas leis.
A arrecadação dos impostos e a applicação das rendas
nacionaes, está nas mesmas condicções-, as classes de ci­
dadãos ; ou as industrias que devem supporlar os tributos,
o seu quanlum, o mais importante no seu modo de percep­
ção e o destino que devem ter, são lambem cm geral defi­
nidos e decretados pelo poder legislativo ; e uma vez que
este exerça em tão grave matéria toda a vigilância que lhe
compete, não podem ter graves consequências para a Nação
os abuzos que alii possa commetter o executivo, Deve-lhe
pois, pertencer ainda aquelle direito, porque ó ainda elle,
pelos seus caracteres já mencionados o unico capaz de bem
pratical-o na sociedade. Se cm tal terreno não pode deixar
de licar-lho em loilo o caso, um poder um pouco vago e
por demais extenso de que elle pôde fazer mau uzo, outros
são os remedios de que para evilal-o ou reprimil-o deve-se
lançar mão no Estado, que não o de prival-o d’ essa parte
essencial de lodo o poder administrativo.
Devemos indicar ainda algumas importantes atlrihui-
ções próprias do mesmo poder que o Compêndio não
mencciona.
Taes sejão as de dirigir as negociações políticas com as
mais Nações, dc enviar-lhes os seus ministros ou agentes
diplomáticos, de receber os d’ estas, de declarara guerra,
ru m
Digitalizado pelo Profeto Memória Acadêmica da FDR UFPE

fazer a paz, celebrar tratados de qualquer especie, c o n ce ­


der distincções honoríficas, títulos etc. etc.
Com quanto, como já dissemos, seja certo que a
maior parle d’ estas lhe são recusadas 11’aquelles paizes em
cujas constituições predomina m uito pronunciadam ente o
elem ento dem ocrático, nos quaes são ellas de ordinário re­
servadas aos seus congressos ou assembléas de origem p o­
pular.
Mesmo nas monarchias conslitucionaes representativas,
não são ellas conferidas áquelle poder sem grandes restric-
ções. Ahi o seu exercício é direclam en le liscalisado pelo
poder legislativo, e depende em lodo o caso de sua ap-
provação. E a ingerência d'este em laes assumptos é
tanto mais eflicaz quanto sem os meios que só elle decreta
nada daqui 11o se pôde de facto realisar : os tratados de sub­
sidio, por exem plo, e sobretudo a guerra, cujo principal
nervo é o dinheiro.
No syslem a de governo a que nos referimos, devem
pois com pelir ao poder executivo, com mais ou menos a m ­
plitude ou limitação, segundo as possibilidades e conse­
quências dos seus almzos, todas as attribuições que temos
indicado, além das mais que essas suppõem ou que exige a
sua alta missão administrativa de todos os interesses col-
iectivos da sociedade.
Mas do m esm o modo que quando tractámos do poder
legislativo dissemos que algumas das que lhe com petem não
tinhão propriamente o caracter legislativo •, assim lambem
observarem os com o Publicista Hello, que d’ essas que se
confere ao executivo, nem todas se referem propria­
m ente á execução das leis. Algumas lhe pertencem não
com o emanações directas d’ este encargo, mas em razão
da posição que elle occupa no governo do Estado. A sua
acção nem sempre depende de uma lei particular que a
regule, circum screva, e siga em todas as suas evoluções.
R epresentando ao mesm o tempo a suprema direcção polí­
tica e a alta administração nacional, deve-lhe necessaria­
m ente c a b e r e m muitos e importantes negocios uma ini­
ciativa própria, e uma liberdade de desenvolver-se por si
m esm o, aulorisadas sem duvida pelas leis, mas não p ro ­
priamente applicadas na execução d’ ellas.
Entretanto, accrescenla o citado Publicista, com o
— 119 —

essas suas atlribuições, do mesmo modo que as mais, tem


todas por principio ou por contraste a lei, a sua dislineção
não é tal que não se possa lazer entrar umas e outras n’a-
quelle poder.
No linal d’csle § diz-nos o Compêndio que o poder exe­
cutivo é um complexo d’elles, que compreliende o gover­
nativo,, o administrativo, c o militar. Não nos parece,
porém, cxacla esta divisão. O poder militar tem certa­
mente uma importância especial, mas nem por isso deixa
de entrar cm qualquer dos dous primeiros, como o finan­
ceiro, ou outros ramos do serviço da alçada do poder e x e ­
cutivo de igual importância e especialidade. N’esle poder
o que propriamente se póde distinguir é o governo, e a
administração, si bem que ainda estas duas especies por
muitos lados se toquem e quasi se confundão. Mas o pri­
meiro tem em geral mais relação com a direcção complexa
do Estado, e o caracter político ; ao passo que a segunda
refere-se mais particularmente ao modo, e condicções do
desenvolvimento e applicação dos seus recursos, e por dis-
linclivo peculiar o caracter economico.
Quanto á matéria do § 5 1 do Compêndio, pouco nos
resta a accrescentar ao que já expendemos desenvolvendo o
§ 28 c seguintes, a menos que não quizessemos expor
aqui um systema detalhado ácerca das funeções das diver­
sas classes de juizes e tribunaes, segundo as diversas cons­
tituições dos Estados.
As funeções do poder judiciário consistem, em geral,
como nos diz o Compêndio no citado §, em applicar as leis
civis e penaes aos casos oceurrcnles a que ellas se desti­
nem ; e os seus actos praticados n’ esse sentido e segundo
as formulas prescriptas pelas leis, se chamâo julgamentos,
sentenças ou decisões. _
DiíTerem, entretanto, as funeções judiciarias quanto á
sua natureza e extensão segundo as classes c as juridicções
dos juizesetribunaes. D’ estes uns são, de facto, outros de di­
reito, c jà em outra occasião vimos em que consiste, e scdis-
tinguem as suas respectivas atlribuições. Os juizes de di­
reito são de 'urisdicção com m um , ou especial. Entre os
primeiros uns julgão as causas de menor valor ou gravi­
dade no civel ou no crim e, e outros as que d’esse valor e
gravidade excedem. Os juizes ou tribunaes especiacs
— 120

conhecem exclusivamenlo tias questões concernentes a


certas classes sociaesou de certa ordem particular.
São estes os juizes c tribunacs de primeira inslancia ;
na segunda se conhece por via de recurso ou de appella-
ção, das causas julgadas n’aquella. A funcção caracterís­
tica dos juizes c tribunaes d’ esta calhegoria é corrigir os
erros ou injustiças dos gráos interiores da judicalura ;
elles podem ser também de jurisdicção commum ou es­
pecial . .
O valor no eivei, ou a gravidade no crime, até onde
n’ esses diversos juizes ou tribunaes as causas se decidem
sem recurso, delcrminão as suas respectivas alçadas.
Além d’ estas diversas instâncias pode haver mais al­
guma, ou pelo menos, como entre nós, algum Tribunal
Supremo, que sem formar uma nova inslancia, tem com
tudo o direito de rever os julgados da ultima, c de os man­
dar examinar e decidir de novo por outro tribunal da
mesma.
Outras especies de juizes ou tribunacs podem haver no
Estado, taes como os que se destinem ao julgamento dos
crimes de certos funccionarios de alta posição política ou
social, e que por um principio de utilidade publica devão
gozar d esse privilegio.
Em que se destinguem as funeções dos poderes legis­
lativo, executivo, e judiciário, é claro á vista do que acerca
d»s de cada um d’elles temos até aqui expendido. Não é
pois necessário entrarmos na explicação do § íi 2 , cm que
o Compêndio tracta d essa distiucção. Diremos apenas
acompanhando-o mais ou menos, que o poder legislativo
faz as leis, suspende-as, derroga-as, revoga-as-, o executivo
as applica pela acção de seus agentes, e pelos meios admi­
nistrativos de que aispõe, independcnlemente de factos
que provoquem a sua execução, pois que a necessidade de
apphcal-as nasce da sua simples existência ; e o poder ju­
diciário applica as que são da sua competência unicamente
a medida que occorrem os factos que põem em questão ou
olfendem os direitos que ellas declarão, impondo á saneção
ou apena que ellas decretão aquelles que nas suas dispo­
sições seachcm incursos.
C A P IT U L O IX

L EIS CIV IS, SEU CARACTER

Prelecçâo XVI

§§ 5 3 - 5 4

Q u e nenhuma associação polilica pode subsistir sem


leis. é um axioma que nao carece de demonstração, assim
com o que ellas não podem ser (ilhas da simples vontade ou
arbítrio do legislador, por mais absoluto que clle seja, mais
devem fundar-se na justiça e nascer das próprias relações
naturacs c legitimas que o Estado determina, c que sào os
elem entos cssenciaes de sua vida e progresso.
Com quanto as leis, segundo as matérias a que cspe-
cialm enle se applicão, tomem diversos nomes c se dividão
em diversas classes particulares, comtudo cm um sentido
geral, c e m contraposição ás leis simplesmente moraes do
puro dominio da consciência, denomiuão-se civis todas
aquellas que se deslinão a declarar de um modo aitlhcn-
tico, com o diz o Compêndio no § 53, ou a regular c garan-
— m -
tir iodos os direitos individuaes qno das sobrcditas relações
resiiltão para os cidadãos ou entre elles. , .
A s leis civis abrangem pois todas as çspecies de leis
para cuja decretação é com petente a sociedade, e tem por
objecto aquelles direitos em todas as suas inúmeras e im ­
portantíssimas manifestações na mesma.
Os seos principaes caracteres, assumpto com que se
occnpa o Compêndio no § 54 , deduzem -se naluralmcnte
d’estas mesmas considerações que acabamos de expender.
A lei deve ser antes de tudo decretada por autoridade
com petente, isto é, pelo poder a «piem a sociedade haja
delegado essa alta atlribuição. Nenhuma outra entidade no
Estado poderia arrogar-se, por aclo proprio, o direito de
impor-lhe as suas determinações, ainda m esmo quando fos­
sem uteis c justas. Si por conformes cm tudo com a ju s ­
tiça, ou como expressões lieis dos direitos absolutos do h o ­
m em , forem ellas acceitas e observadas, sel-o-hão unica­
m ente por esse titulo, e não como emanações de um poder
social ■, n’ esses casos, segundo o pensamento do Cousin c i­
tado pelo Compêndio na nota a este paragrapho dar-se-lia
u m testemunho de respeito á razão e á justiça, co n d em -
nando-se em consciência o autor da lei incom petente.
Uma lei emanada de poder não anlorisado para decrc-
tal-a não só não poderia exigir a obediência dos cidadãos,
mas não lhe deveria esta ser m esm o por elles prestada ;
pois que isto importaria justificar-se a usurpaçào d’aquelle,
e animar as de qualquer outro poder ou entidade que ti­
vesse a intenção e os meios de arvorar-se em legislador sem
mandato e contra o voto social. Se isto não c lacil de rea-
lisar-se ás claras em nm Estado mais ou m enos bem consti­
tuído, com ludo n’aquelles que se regem pelo systema r e ­
presentativo é indispensável que da parte dos mais poderes
sociaes, assim como dos cidadãos se esteja sempre preve­
nido contra as invasões sorrateiras c disfarçadas mediante
as quaes o poder executivo muitas vezes n’ èlles r e a l m e n t e
se arroga aquelle direito exercendo actos de exclusiva co m ­
petência legislativa. _
A lei deve ser justa, e esta a primeira de suas co n d i­
ções in trín se cas; a que não tiver este caracter será c o n ­
traria a seos proprios lins, e mentirá á sua o rig e m ; trará
em si mesma elem entos de lraqueza e nullidade, porque
— 123 —

será a dislruição tia lei suprema imposta pela natureza a todos


os homens e sociedades ; e demais não poderá ser senão
apparenlem enle ulil. O que é injusto pode, quando muito,
aproveitar cm tal ou tal occasião, e a tal ou tal indivíduo ;
mas não pode jamais ser uma regra geral, e que consulte de
um modo duradouro os verdadeiros c legitimos interesses
d a com m un hão politica.
A lei que não tem por fundamento principal a justiça,
é um elemento de desordem na sociedade, já porque traz
prejuizo e oííensa real aos direitos d’aquelles, a quem cila
se refere, já pelas resisteucias que naturalmenle contra si
e sua execução deve naturalmenle levantar. Assim como
todo o homem por mais pervertido que seja reconhece em
sua consciência a necessidade da submissão a uma lei rasoa-
vel, lambem lodo o homem por mais pacifica que seja a
sua indole revolta-se contra as que impõem a iniquidade.
Ora não ha legislação nem ordem social que por muito
tempo se possa sustentar sem o assentimento mais ou me­
nos expontâneo da sociedade,ou que possa affronlar essa luta
inevitável e constante que a injustiça provoca ou deve pro­
vocar no seio de um povo que tenha a dignidade e a cora­
gem precisa para repellil-a.
A lei injusta não só prejudica o cidadão, cujo direito
desconhece ou sacrifica, mas lambem o proprio Estado,
cujas bases arruina.
E ’ certo, como diz o Compêndio n’ este paragrapho que
se d e vead m iltir como principio de ordem social, que toda
a lei que não é evidenlem enle injusta, presum e-se fun­
dada cm justiça. Pois que, realm entc, a não ser admiltido
este principio, qualquer indivíduo na sociedade poderia
querer arrogar-se o direito de constituir-se juiz da lei, e
de insubordinar-se contra ella, a pretexto de ser injusta
para com elle. lias é lambem incontestável que leis po­
dem haver a respeito das quaes tal presumpção não tenha
lugar, e que só por uma obediência passiva c absoluta da
parte dos cidadãos possão ser acceilas.
Mas esta especie de obediência não se poderia impôr a
nenhum cidadão, c menos ainda a qualquer povo ; nenhum
podei na sociedade pode ser autorisado, por qualquer prin­
cipio, a converlel-os cm puras machinas, ou a fazcl-os alvos
de seo arhilrio ; e pois em taes circum slancias, como cm
- m-
outras analogas, o seo direito de resistência é incontestá­
vel. Em que condições e de que modo deva ou poJe ser
este direito exercido é, sem duvida, uma questão delicada ;
muitas vezes será mesmo preferível renunciar-se a elle evi­
tando-se nm mal maior por outro m enor. Mas isto, que
não passa de um simples conselho de prudência, em nada
prejudica a realidade d’ aqu'elle direito, cuja negação importa
cnthronisar-se a lyrannia na sociedade, ou a theoria de que
os povos existem para seos governos e não estes para os
povos.
A lei deve ser geral ; mas isto não quer dizer que qual­
quer lei se applique posilivamentc a todos os cidadãos ou
a toda a extensão do Estado. A sua generalidade consiste
propriamente em ser ella concebida em lermos que o cons-
lituão uma regra para todos os indivíduos, classes, ou cir-
cumscripções do território Nacional, que se achem ou vc-
nhão a achar-se nas condições para que ella legisla. De
modo que as leis podem ler, c pela maior parle tem, com
effeito, por objecto assumptos especiaes, ou particular­
m ente alguma classe na sociedade, ou são decretadas para
tal ou tal de suas partes, sem com ludo deixar de s e rg cra e s
na sua respectiva comprehensão. Lei realmenle individual,
e por isso imprópria do legislador, é apenas aquella que a
alguma pessoa ou classe designada concede um favor ou
impõe um onus sem consignar ao menos a possibilidade ou
o dever para o executor de exlendel-a a todos que estive­
rem nas mesmas ou em melhores circumstancias.
Nos gevcrnos representativos quando o legislador re­
conhece a necessidade de alguma lei que deva referir-se e
approveilar nom inalm cnle a tal ou tal indivíduo, costuma
salvar o principio da sua generalidade decretando-a s o b a
forma de aulorisaçcão ao poder executivo como clausula no
sentido a que acima alludimos. Pois que, na verdade é a
este poder que propriamente compete, em matéria de g o ­
verno e administração, fazer a applicação individuada das
leis a cada um d’aquclles que a sua generalidade abranje
assim com o aos juizes e tribunáes tornar effectivas as dà
ordem judiciaria ás pessoas e factos particulares que provo-
cão a sua acção. (3 nosso poder legislativo entretanto usa
em larga escala d aquella forma de legislar, menos pela razão
acima indicada, do que com o um meio commodo de e x i­
— 125

m ir-se de fazer leis completas em matérias aliás de sua ex­


clusiva competência, e que rigorosamenle as exigem ; e
até muitas vezes são estas por ello decretadas em sentido
pura ereslrictam ente pessoal.
Também por utilidade com m um cm uma lei não se
deve propriamente entender o faclo d’ella garantir um bem
ou vantagem qualquer a todos os membros do Estado-,
deve-se antes attender aos resultados finaes que cila lenha
cm vista, e é isto o que verdadeiramenle lhe dá ou lhe tira
aquelle caracter. Assim não deixão de ser de utilidade
commum as leis que concedem protecção ou favor directo
a certas industrias, a certas classes, ou mesmo a certos in ­
divíduos em certas condicções cspcciaes. Os privilégios
d’esla ordem não o são em rigor, pois que a final revertem
cm beneficio da communhão ; taes sejão os que se conferem
áquelle que pratica uma acção heróica que approveitaou
honra a sua palria ou a humanidade, ou áquelle que faz
uma descoberta ou invenção util. ou á magistratura, á m i­
lícia, ao commcrcio, que concorrem de um modo também
especial e eflicaz para o bom governo c prosperidade social.
Taes excepções nada tem de odiosas, nem propria­
m ente de pessoaes, já porque é o hem geral que as deter­
mina, já porque mesmo no meio do sco apparente indivi­
dualismo ainda se mantem a igualdade social perante a lei, e
se conserva o seo caracter de generalidade, desde que os
mesmos favores se exlendcm a todos os cidadãos ou clas­
ses que se achem ou venhão a achar-se cm circumstancias
idênticas.
O que não é proprio das leis,c lhe tiraria aquelle carac­
ter que lhes é essencial, e que sua disposição lenha por fim
lavoreccr tal ou tal indivíduo ou classe, ou iscnlal-asde taes
ou taes onus sociacs, unicamente por considerações de seo
interesse particular sem uma razão evidente de conveniên­
cia publica.
A lei deve ser p erm a n en te; mas também não quer
isto dizer que deva ser perpetua ou inalterável; mas so­
mente queella deve conter garantias snfiicicnles de estabi-
libadadc, que não deve mudar sem que mudem as razões
de sua existência, ou sem que se reconheça de um modo
seguro a insuíficiencia ou impropriedade de suas disposi­
ções ; e finalmente que em quanto ella subsistir, a sua
— 12(5 —

observância o execução se deve fazer de um modo continuo


e sem interrupções em toda a extenção do Estado.
Se só podem ser verdadeiramenle permanentes e im-
mutaveis as leis de Dcos e da natureza, todavia as próprias
leis humanas não devem estar expostas a frequentes ou
quotidianas alternativas, pois que sem elhante . vacillação
n’ellas não pode deixar de influir grandem ente contra a boa
ordem e o progresso da sociedade.
Leis feitas em lermos, que desde a sua decretação sc-
jão destinadas a modificar-se em breve tempo, não podem
ler a necessária autoridade c prestigio, nem inspirar con­
fiança nos direitos que declarem, ou nas garantias que es-
tabelleção. E’ indispensável que o legislador quando de-
creia uma lei pese hem as razões de sua utilidade e opportu-
riidade, para não pol-a ua conligencia de ser feita em um
dia para desfazer-se no outro.
E lanto mais evidente é aquella necessidade de perma­
nência nas leis, quanto mais ellas se refirão aos direitos
absolutos do hom em , ou a certos direitos políticos que
toda a sociedade bem constituída é obrigada a reconhecer
em seos cidadãos ; pois que esses podem quando muito
variar nas formas e garantias exteriores de seo exercício.
Finalm enie, a lei deve ser acompanhada de uma sanc-
çâo. Se este caracter é mais parlieularmente proprio e
mais saliente nas leis criminaes, em que a saneção consiste
na pena imposta á sua violação ; com ludo nas leis civis
propriamente ditas não deixa de dar-se lambem uma talou
qual saneção analoga as suas disposições. N’ellas consiste
essa saneção na applicação dos meios coercitivos que o seu
executor ou os juizes tem o direito de empregar para fa-
zel-as effectivas, ou para forçar á sua obediência c respeito
aqnclles que voluntariamente o não fação, que attaquem os
direitos que ellas garantem, ou menospresem as obrigações
que ellas prescrevem. .
Quer as leis criminaes sem a pena, quer as civis sem
a coação que as impõe, scrião letras mortas na sociedade,
não scrião verdadeiras leis.
C O N TIN U A Ç Ã O DO C A P IT U L O IX

IN T E ÍtP E T R A Ç Ã O , DEROGAÇÃO E REVOGAÇÃO DAS L E IS , DAS


P E N A S , E SUA O RIGEM ; FUNDAM ENTO DO D IR E IT O SO­
CIAL D E P U N IR

Prdcccâo XVII

§§ 5 5 — 58

Si as leis, com o já vimos, sc lornáo obrigatórias


desde que são promulgadas, todavia a clareza nas suas dis­
posições é uma condicção indispensável de sua cxcquibili-
dade ; e se, com o lambem já dissemos, ellas devem ser
permanentes, nem por isso podem ser immutaveis. D’ahi
sc conclue que ellas devem ser interpetradas quando obs­
curas e derogadas ou revogadas, quando se reconheça se­
rem inconvenientes ou prejudiciaes á sociedade.
As leis devem ser claras, mas nem sem pre o são :
c portanto si não for esclarecido o seo sentido por meio
da intcrpelração, serão origem de incertezas c embaraços
quer para aquelles que as devem observar, quer para
i 28 —

aquelles <|iic as devem lazer cum prir. Por mais previ­


dente que seja o legislador, por maior que seja o sco c u i­
dado é facil acontecer, e frequentem ente acontece, que
as leis definâo mal os direitos ou obrigações que cstabel-
lecem, ou que alguma de suas disposições se preste a in-
telligencias diversas e inconciliáveis; c n’estas circum s-
tancias é indeclinável a necessidade dc sua interpretação
para que possão ser executadas.
A. interpretação das leis com pele, já ao proprio poder
que as faz, e n’ esse caso se chama aulhenlica e tem a
mesma força e caracteres que cilas, e já aos seos applica-
dores ou aos doutos no estudo e pratica da jurisprudência,
e então sê chama doutrinai, e só tem a autoridade que lhe
vem das razões em que assenta. A interpetraçáo doutri­
nai se chama lógica, quando se funda no espirito das leis,
grammalical quando se firma 11a sua lettra, e usual quando
estahellecida por um uso constante.
Quanto aos seos effeitos a inlcrpelração é extensiva
ou reslrictiva, quando comprehende nas disposições da lei
ou excluo d’ ellas os casos que parecem com prehendidosno
sco espirito, e declaraliva, quando simplesmente verifica
0 que n’ella se contém . Qualquer d’cstas só pode ter
lugar nas leis communs 5 as criminaes só admittem a ul­
tima. .
Um aclo tão importante, de que depende a regular e
hôa execução das leis, não pode ser entregue ao puro arbí­
trio dos inlerpetradores. A interpetração ó, com effeilo,
sujeita a regras destinadas a guiarem aquelles na procura
da verdadeira intenção do legislador atravéz das sombras
que a involvâo. N esse empenho é indispensável que se
proceda a um escrupuloso exame nos termos da lei ■ que
se comparem as suas partes mais obscuras com as mais
claras, ou com as de outras com que devão estar em har­
monia ; que se tenha em toda a attenção os seos motivos
os seos fins, e as circumslancias que a determinaram ■ que
se lhe não dê uma inlelligencia absurda, inexequivel ou
im m o r a l; que entre diversas se prefira a que traga menor
mal ou onus aquelles a quem ella deve ser applicada • e
que se consulte 0 modo porque segundo 0 uso c costume
rasoaveis cilas tem sido entendidas e praticadas.
São derogaveis e revogaveis as leis. Derogal-ns
— 12!) —

c alteral-as sóinenlc cm p arte ; revogal-as é lornal-as de


todo sem effeito.
As leis são sujeitas ás vicissitudes porque passào to­
das as obras e instituições humanas. As relações dos in­
divíduos na sociedade, como nos diz o Compêndio, mudão
com o tempo, c portanto, os direitos que das mesmas re-
sultüo. Elias devem variar, diz Maçarei, com o estado da
sociedade; com as condicções de fa d o que as tenhão de­
terminado, e desaparecer com as necessidades que erão
destinadas a satisfazer. O homem communica á sociedade
de que faz parte a instabilidade que o caraeterisa, e que é
a condicção essencial de seu aperfeiçoamento indefinido.
E’ preciso, pois, que as leis o sigão nas diversas s i ­
tuações em que ellc se colloca nas differentes phases de
sua existência social. Mas isto seria impossível si não hou­
vesse um poder competente para aquella derogaçào e re­
vogação dc taes leis segundo os reclamos do seo progresso
Seria isto condcmnar a sociedade a marchar sempre no
mesmo terreno, ou antes ao regresso, pois que nas vias da
civilisação necessariamente se atraza aquelle que não nro-
grede.
Em lhese aquelle direito só compete ao poder social
autorisado a fazer as le i s ; mas, entretanto, estas podem
algumas vezes perder os seos effeilos em parte ou no todo
independenlemenle do aclo directo e actual daquelle po­
der, e mesmo de qualquer intervenção sua n’ esse sentido.
Pode isso acontecer, já quando as suas disposições sejüo es-
labellecidas para uma duração limitada a certo lapso de
tempo, já quando tenha desapparecido ou cessado o seo
objecto, já íinalmcnlc pelo desuzo constante e hem fun­
dado.
., § 36 tracta o Compêndio das penas, que são como
ja dissemos, a saneção das leis criminaes, e que pela sua
importância merecem uma analyse especial.
_ As penas são uma triste necessidade de toda associa-
çao política. O homem é um ente sem duvida capaz de
todas as virtudes ; e si elle consultasse sempre as luzes de
sua razão hem esclarecida, e se sujeitasse sempre aos diela-
mes de sua consciência, nunca se daria o crime. Mas a
natureza humana'tem seos lados fraco s; e a santidade da
virtude letn m enosatlraclivos para o co m m u m doshom ens
17
_130 —
tio que a pralica daquelle, que, ao menos apparenlem cnlc,
além de mais facil, mais satisfaz os seos interesses e pai­
xões.
Para neutralisar essa maligna influencia que perverte
grande numero de inlelligencias- e vontades, a sociedade
vê-se forçada a prevalecer-se da superioridade de sua força
e meios de que dispõe, c a impor ao crime um soíTrimcnlo
suflieientemente certo e eflicaz para conlel-o.
Assim a pena é um facto legitimo desde que a socie­
dade o é, e desde que desarmal-a do direito de a impôr, se­
ria aniquilai—a , introduzindo no seu seio o reinado da vio­
lência e da desordem. Mas não é legitima a pena unica­
mente por esta razão, ou como uma simples condicção da
exislencia da sociedade que a eslabellece. Ella tem, alem
d’ isso, outra legitimidade, que lhe é por assim dizer intrín­
seca, e que lhe provém da própria noção do justo ou da
distineção moral entre o mérito e o dernerilo, que caracle-
risào especialmenle todos os desenvolvimentos da liberdade
humana.
Distineção que seria nulla, assim como nulla seria a
lei suprema do justo, si a punição dos seos transgressores,
não fosse em si mesma legitima, independentemente de
quaesquer considerações de utilidade política.
Aquelle que pratica um crime deve ser punido, não só
porque ofTcnde a ordem social, mas lambem, e antes de
tudo, porque ofíende a justiça absoluta. A pena não é, em
verdade, um simples meio de conter os abusos ou excessos
da liberdade individual; não é só uma medida de preven­
ção de deliclos possíveis ou fu tu ro s; ella contem exsencial-
inente uma expiação imposta á olfensa que por aquetlcs
directamente se pralica contra a lei do justo
Se pois a pena deriva sua legitimidade, já do facto da
exislencia social de que ella é uma condicção, já do princi­
pio jurídico absoluto que liga necessariamente um soffri-
mento qualquer á transgressão de uma lei, e sobretudo'da
que é imposta aos homens pela natureza, é claro que taes
são lambem os verdadeiros fundamentos do direito de punir
Não é, por conseguinte, só da necessidade de manter-
se a ordem social, como pretende o Compêndio no S 57 mas
também e principalmente da .necessidade de verificar-*.,
mesmo n’ este mundo.e nas relações humanas a distineção
— 131 —

e n lr e o justo e o injusto, que se deduz immediatamcnlo


aquelle direito da sociedade.
Nem se diga que só a Divindade pode ser legitima vin-
gadoura das offensas feitas á justiça, si se prescinde das
desordens que ellas causão na sociedade. Desde que a j u s ­
tiça é uma lei absoluta decretada para os homens, para ser
executada entra elles, e que não poderia sel-o sem a sua
acção -, desde, em s u m m a , que a justiça deve ser uma rea­
lidade na terra, lodo aquelle que menospresa ou calca os
pés os seos preceitos é passível de uma pena que não pode
ser addiada até á vida de além tumulo, onde além da justiça
e da injustiça se recompensa ou se pune cm geral lodo o
Item e todo o mal. Punindo o crime a sociedade não faz
outra cousa senão executar os proprios decretos da Divin­
dade.
Esta seria contraditória se o não permitlisse, assim
como contraditórios são aquelles que admitlindo a pena
como uma desaffronta da sociedade, não a admitlem como
um desagravo da justiça absoluta que a domina, e sem a qual
nenhuma pena pode ser legitima.
Depois do que temos dito é claro que concebida a so­
ciedade, só a esta pode compelir o direito de punir. Mas
terá o Compêndio razão alíirmando de um modo absoluto
no § 58 , que esse direito não é individual, mas pnramcnlc
social ?
Si por pena se entende eslrictamente a saneção legal
imposta por uma entidade superior aquelle que atlenta contra
a pessoa ou bens de outrem, e acompanhada de certos ca­
racteres e condicções capazes de fazerem que cila produza,
certos resultados já em relação ao offensor e ao offendido, já
á sociedade em geral, e não só sob o poiilo de vista jurídico,
mas lambem sob o moral, certarnenle nenhum indivíduo
pode ter por si só o direito de punir.
Mas si por outro lado se considera, que mesmo na so ­
ciedade a pena não é, em ultima analyse. senão um modo
mais completo e perfeito de exercer-se em nome e em van -
tagem de todos, os proprios direitos individuaes de defesa,
de prevenção, c reparação, que a cada indivíduo com pelem ,
c ninguém lhe oontesta no estado extra social, devemos
adm illir que, mesmo n’estc estado, aquelle direito existe
em cada indivíduo, embora em condicções de não se poder
— 132 -

praticar regularmente em consequência, já ria sua fraqueza


physica, já pela facilidade com que se introduziría no seu
exercício o arbítrio individual.
Desde que é evidente que suprimido o facto social nem
por isso seria suprimida a idéa de uma penalidade legitima,
pois que não pode sel-o por modo ou em hypothesc alguma
a idéa absoluta da justiça que é o seo principal funda­
mento, não se concebe como o direito de impor aquclla
ao menos como principio ou simples faculdade, deixe de
ser um predicado inseparável da natureza humana, inlic-
rente esscncialm ente á personalidade individual, embora
de um modo elementar e deffectivo quanto aos meios de
sua realisaçâo externa. O criminoso não deixaria de sel-o
por não existir a sociedade ; o crim e traz sempre a p ó zsi,
como consequência, a necessidade de sua punição.
Se não admittirmos esta theoria, como havemos de
admitlir na própria sociedade o direito de p un ir?
Si cada homem o não tem ao menos em germ en, a
maior ou menor reunião d’ elles não pode também tel-o •,
pois que não é a força resultante do numero que o crêa
ou legitima. Si a imposição da pena não é justa em si
mesma, ind ependenlem enle do caracter do poder que a
impõe, nunca o seria em qualquer estado em que consi­
derássemos o hom em . O titulo pelo qual a sociedade
pune, até com a m orte, não é outro senão aquelle pelo
qual o indivíduo sacrifica a vida do aggressor que o attaca,
e si tal amplitude pode ser e tem sido contestada a esse
titulo, uão é certam en te em referencia a este, mas áquella.
Si por hypolhese concebéssem os no estado extra s o ­
cial um indivíduo por tal modo superior aos mais em força,
intelligencia e virtude, capaz não só de com prehender
sem pre a justiça, mas de querel-a e podel-a sempre prati­
car, leriamos por ventura alguma duvida em lhe re co n h e ­
cerm os o direito de punir os que attentassem contra a sua
pessoa ou sua família ou bens ? De certo ninguém racio­
nalmente lhe poderia negar a faculdade de impor-lhes um
soffrimenlo qualquer por aquelle motivo , ninguém pode­
ria condemnal-o por isso.
Concluamos, pois, que se abstrahirmos da sociedade,
devemos reconhecer em cada indivíduo, ao meuos e n tg c r-
m eu ,o direito de punir e que só não pode cada um exer-
— 133 -
te l- o ; l . ° porque, em regra, lhe faltão as forças necessá­
rias para impor a pena; e 2.° porque, lambem cm regra,
quando as tenha abusará d cilas, e em vez de um direito
exercerá uma vingança.
Entendido o direito de punir corpo acabamos de con-
sideral-o, não pode elle ser negado ao homem fora da so­
ciedade, sem negar-se ao mesmo tempo a justiça e a legiti­
midade da própria pena social. A questão de um bom sys-
lema de penalidade é muito dislincta da de sua legitimidade
como principio. Esta é de todos os tempos e condicções ;
aquclle realmenle só em uma sociedade bem constituída
pode ser realisado. ................. .
Portanto, se aquelle direito individual não e propria­
m ente o fundamento do direito social de punir, que já vi­
mos serem como principio a própria noção do justo, e como
facto, a necessidade da ordem na sociedade, é pelo menos a
sua forma primitiva e rndimeutaria.

a«e« 0
CAPITULO X

O QUE SEJA. A PENA E SEU FIM ; IUIANDURA DAS PENAS ;


APUNIÇÃO E’. COMPATIVFX COM A COURKCÇÃO ; MEIOS
d 'e s t a . .

Prelecção XVUI

S§ 5 9 - 6 2

Moslra-nos o Compêndio no § 69 o qtie seja a pona, e


qual o seo fim, ou anlcs os seos fins.
A pena, diz clle, é a privação de um b c m ,c nós ac-
crescenlaremos, ou o sofTrimenio de um mal, por causa de
uma acção má, diz ainda o Compêndio, e nós diremos antes,
de uma acção criminosa. Porquanto não só a pena ordi­
nariamente não tem aquelle caracter negalivo ; como lam­
bem nem toda a acção má lhe é sugeila na sociedade.
A pena pode recahir ou sobre a fazenda, ou sobre a
liberdade, ou até sobre a própria vida do criminoso, con-
lormc a natureza e gravidade, do seo crime, c a severidade
da lei que o pune.
— 135 —

Segundo o Co™Pc “ J ^ d° J J ” *corrigir o°deVinquenlc, c

snaosha rmuiia
: Xprecisão
» » n««•. r?tccc-,,os’ ci"rcla"10
estas 1 ^
’*•
(lc dizer-nos o
Prim eiram ente crem os que cm manler a
Compêndio restaurar a ordem *i crimc naodcSap-
on lem , pois que ° . m ' da pena, c e s t a , por
parece pela imposição ç soflnm dadc q „ er 0 índi-
conseguiiilc, nunca restiluc quer , 1 primitivo ou
viduo que foi victima (1’aquelle, ao social por aquellc
a n t c j r . Mamem ac, a ” e m * q” e » l'e»a
meio, c isto cx aciam en te em razuo . ‘ . * crjines
produz, e pelo qual previne a piati primeiro e
' o à J - M ainda .reata é, a
terceiro íins que o Compêndio a ^ s c n |jr de exemplo
restauração da ordem na sociedade ^ um só, restaurar
na mesma, se podem em rigor sle (, uc nao será
ou manter a ordem naquelto m se a\ a| rosullado.
propriamente senão o modo t e um dos Uns
Quanto a ser a corrccção d nhieceão. Conce­
da pena, lambem se pode mover a g jsso a
be-se bem um criminoso incorng vel sem clerisli.
pena que s c lhe appVique deixe de t ^ a razão e o
cos que a devem constituir , c a i t , nL endurecido
simples bom senso nos dizem, que J lc»itima será
no crime for aquellc, mais necessária e ^ a l m c r u c inbc-
ella. Si pois essa correcçao nao , com0 um dos
rente á pena, não se pode cm i 'g or v |,om systcma de
seos fins. Sendo aliás certo, que * |(!var a possibi-
penalidade muito se deve attemier a ’ ' „a espçcic
lidade da emenda do delinquente muito em conta na i
e no modo da pena que sc lhe mulalis mulandis ao
O mesmo raciocínio sc app „ uü é anlcs ,,ma
exemplo que das penas possa ^ j fir cm vista, do
qualidade ou condicção que n ell £ sias não deixão de
que propriamente um dos seos n• ■ • , sua necessidade
sel-o verdadeiramente, e nada p e n‘e ito que n’aquelle
e legitimidade por menor que s j.
sentido produsão. „ v1(.ias áccrca dos lins
E co m estas n o(5es contestado a
da penalidade, que em srande l » " c sc
— 13G —

necessidade c a legitimidade da pena de m orte. Não s e­


remos nós que as sustentem os; mas com sem elhantes ar­
gumentos se poderia do mesmo modo e com a mesma ló­
gica contestar a necessidade e legitimidade de todas as
penas. Pois que si é certo que si d’aquella se não tira
exemplo na sociedade, ou não se lira lodo o que seria para
desejar-se, no m esmo caso estão todas as outras.
Não nos cabe entrar na magna questão da abolição da
pena capital, pela qual fazem votos todos os corações g e ­
nerosos o que quizemos foi mostrar unicam ente que as
razões deduzidas d'aquella consideração n e s s e sentido,
provão de mais, e como de uma determ inação in e x a cla d o s
fins da pena podem nascer theorias errôneas sobre as mais
graves questões penaes.
A nosso ver os m esmos fundamentos da pena, que
já em outra occasião indicamos, são os que determ inão os
seus verdadeiros fins, e assim se devem considerar com o
l a e s : 1 .° a própria punição do crim e, a desaffronta da
justiça offendida por este, offensa a que deve necessaria­
m ente andar annexo com o consequência o soíírim enlo de
um mal pelo seo autor só por essa razão, índ ep en den tc-
m eu te de quaesquer outras. O crim e não deixa de sel-o,
nem o criminoso pode ficar impune, ainda quando a pena
não possa operar a sua correcção, ou servir de exem plo a
o u t r o s : 2 ° com o fim subordinado áquelle, mas ainda
muito importante, destina-se a pena a manter a ordem na
sociedade -, e até esta, em ultima analyse, não é outra
cousa senão a própria manutenção da justiça en tre os bo-
mens.
No § 00 diz-nos o Compêndio que as penas, quanto
fòr possível, devem ser brandas. De certo, ellas devem li­
m itar-se a punir os d e lid o s sem excesso de rigor. Ellas não
se destinão a saciar odios ou vinganças de quem quer que
seja na sociedade, nem a dar ao povo espectáculos de fero­
cidade. Conseguida a desaffronta da justiça e a reparação
devida á viclima do crim e, mediante a applicação de um
soffrimenlo ao crim inoso, bastante n’ aquelle sen tido, a
própria justiça manda que se pare, e nenhum outro prin­
cipio pode aulorisar a ir-sc além, e a scr-se cruel. A lém
de ser isto um mal desnecessário, c sem justificação, feito
ao delinquente, que em lodo o caso é um hom em , e couti-
— 137 —

núa a ler direitos que devem ser respeitados, seria igual­


mente um grande mal para a própria sociedade, e ate
mesmo para realidade da justiça e das leis no sco seio.
Pois que a raz3o e a experiencia moslrao que o rigor
demasiado nas penas é ordinariamente, além do mais, uma
causa de sua inexecução c improficuidadc. D’ isto foi um
notável exemplo na antiguidade a legislação de Dracon,que
punia de morte quasi todos os deliclos. Assim como é
i‘ora de duvida que os séculos cm que se commellerão mais
e mais horrorosos crimes, são exaelamente aquelles em
que se applicava a estes as penas mais atrozes. Levada
mesmo em conta na explicação d’isso a rudeza própria de
taes épocas, ainda muito resta que allribuir-sc á razão a
que alludimos, isto ó, á ineííicacia de uma penalidade bar­
bara.
Comtudo, não se deve inferir do que temos dito, que
a brandura das penas consista em moderai-as de tal modo
que se tornem insuflicientes como desaffroma á justiça e á
lei violadas, ou incapazes de demover da pratica de iguacs
deliclos aquelles que a isso pudessem ser tentados. A ta­
refa do legislador criminal consiste em procurar entre a
extrema severidade e a brandura excessiva, a intensidade
penal própria para fazer da pena um meio eílectivo de pre­
venção e repressão dos deliclos e delinquentes, sem tor-
nal-as cruéis ou deshnmánas. De outra sorte, além do
mais, clIas não preencherão os seos lins.
A escala dos crimes ó immensa ; elles podem ir desde
a simples ameaça de uma offensa leve até a comsummação
do assassinato, e demais, podem ser praticados com cir-
cumstancias que os aggravem ou que osattenuem . Para
que, pois, a pena seja justa e produza todos os effeitos
desejáveis na sociedade ó preciso que seja não sé proporcio­
nal a cada especie de delicio, mas também á gravidade que
aquellas circumstancias determinem em cada um; ou como
díz o Compêndio, na nota a este paragrapho, que a lei p e­
nal admitta gráos na pena. .
Mas é evidente que esta graduação deve ler limites,
aliás a legislação penal se tornaria demasiadamente casuts-
tiea, e por mais que o fosse nunca seria aquella completa.
Para chegar á proporcionalidade das penas por esse meio, o

18
— 13 8 —

legislador penal não podendo aspirar á perfeição absoluta,


vai até onde é possível e rasoavel.
Em nosso codigo penal, assim como, em geral nos das
mais nações civilisadas, adm itle-se trez grãos nas penas : o
máximo, o medio, e om inim o e esses nos parecem, com ef-
feito, sufíicientes para aquelle fim.
Sem essa graduação na intensidade das penas segundo
a gravidade dos crimes determinada pelas suas circumslan-
cias, seria preciso deixar-se a sua moderação ou aggravação
ao arbitrio dos juizes e tribunacs, e isto poderia ser de fu­
nestas consequências para a sociedade.
Mostra-nos o Compêndio no § 61 como o direito de
punir que já altribuimos ao Estado, é compatível com o
direito de corrigir os delinquentes.
Dissemos acima que com quantoa correcção d’estes se
nao devesse considerar como um fim da pena, comtudo era
uma de suas condições, e tanto mais se deve pensal-o
quanto a pratica dos crimes provém, em grande numero de
casos, mais de um defeito de intelligencia, de um desvio
da razão, susceptíveis de emenda, do que de uma perver­
sidade congênita ao criminoso.
Por consequinte, se a pena além do castigo do delicto,
c da desalfronta da justiça e da sociedade, pode melhorar
os instinclos do criminoso e tornal-o para o futuro um ci­
dadão utilou pelo menos inoffensivo, não c só licito á so­
ciedade, mas é a l é um imperioso dever d’esta, calcular e
fazer executar n’ essa conformidade a sua legislação penal,
já em beneficio d’aquelle, o qual, no soffrimento da pena,
tem direito a toda a mais protecção c cuidado que a mesma
sociedade lhe possa liberalisar, e j á mesmo em beneficio
d’esta.
Cada criminoso que por esse meio se converte em ci­
dadão inoffensivo é um elemento de desordem que se sup-
prime na sociedade, e uma garantia de mais que se dá a
todos os seos membros. •
Por mais justa que seja uma pena não pode o Estado
ter prazer em impol-a ; ella é sempre uma violência, um
mal que clle deve por todos os meios adequados fazer que
se tom e o menos necessário possivel no seo seio ; e a este
desideratnm clle pode,sem duvida, approximar-se mediante
o emprego da correcção inherente ás penas. Nem uma
— 139 -
sociedade liem consliltiida deve jamais desesperar de con-
se"uil-o em grande parte pois que, salvas raras excep-
ções, por mais pervertido que seja o caracter de um irnli-
viduò, não se deve suppor de todo extinctos n’elle o seqli-
mentò do bem e os princípios absolutos da moral c da
justiça, _
Portanto, sempre que a punição e co.rrecçào do crim i­
noso possào com binar-se, sem pre i|ue esta se possa esperar
(Taquclla, o que aliás em todo o caso se presume, devem
cilas andar uma a p a rd a outra, ou conciliar-se como nos
diz õ Compêndio no final d’ este paragrapho.
Assim o tem entendido, com effeito, todos os patzes
onde a civilisação c as ideas humanilarias tem leito pio-
gressos, e com cilas os respectivos syslemas de penali­
dade, . .
Mas se o legislador penal deve ler muito em vista a
regeneração do crim inoso, comtudo é evidentem ente muito
mais util e mais digno da sociedade prevenir os c r im e s ;
muito mais conforme- a sua missão empregar os meios
condimentes ao aperfeiçoam ento intcllcclual e moral de
seos membros para que estes lenlião horror áqueljes, do
que reservar-se a tarefa ingrata de tentar rehabililal-os
depois de decabidos.
N’ estc sentido o meio mais prolicuo de que ellè pode
lançar m ão, é sem duvida, a educação do povo, que, com o
se exprime o Compêndio no § 62, é o fundamento de lodo
o systema de reforma penal. Nada, com effeito, seria
mais efiicaz, nem mais nobre para chegar-sc áquclle fim do
que a iustrucçâo de todas as classes sociaes nos verdadeiros
princípios da religião, da moral, c da justiça, do que a cul­
tura de sua intclligencia e sensibilidade, c a promoção do
trabalho e da abaslança entre todos. A ignorância, a
ociosidade, e a miséria, são realmente as fontes mais abun­
dantes do crime na sociedade
Só quando estes meios falbão ou não podem ser appli-
cados na extensão desejável, o que infelizmente em grande
parle acontece c acontecerá sempre mais ou menos em
todo o Estado por mais bem constituído e adiantado que
elle s e j a , ó o poder publico forçado a recorrer aos meios de
repressão c corrccção cffecliva, contra os que n o se o seio
delinquem. Não podendo evitar de lodo a pialica do
— 140 —
crim e por aquella forma suave, clle procura ao menos op e­
rar a reliabililaçao d a q u e lle s por outros meios, cmltora
alílictivos, que o seo delicio justifica.
Na seguinte prelecção, continuando na analysc do
§ 62, verem os em que esses meios consistem , e co m o tem
sido empregados m odernam ente em alguns dos paizes mais
civilisados.
CONTINUAÇÃO DO CAPITULO X

MEIOS DE CORRECÇÃO ; D IREITO DE PÈRDOAR E


MINORAR AS PENAS

Prelecção XIX

§§ 6 2 - 0 3

A correcçiio dos delinquentes a que se refere o Com­


pêndio no § 62 consiste, em geral, no emprego syslcmaiico
dosmeiosadequados para excitar-se n c llc s durante o c u m ­
primento das penas respectivas, o remorso de sua conducta
passada, e operar-se a sua regeneraçüo para o futuro.
Para tornar-se cffectivo este modo de correcçiio com
probabilidades de bom exilo, é necessária antes de tudo a
instituição de casas ou cslabellccimcntos, onde os condem-
nados, durante áquellc tempo, scjüo submeltidos a um re-
gimen especial e a uma disciplina severa, que tenhão por
142 —

base a pralica forçada e constante já do trabalho,' jâ dos


mais essenciaes e communs deveres moraes, religiosos, e
sociaes do homem. Assim não só se procura habitual-os
ao exercício d’ estes, ao amor d’ aquelle, mas ainda ensina-
se-lhes uma profissão honesta e util mediante a qual, e ao
abrigo da miséria e das paixões ruins que ella inspira, pos-
são perserverar em taes hábitos e conducta quando voltem
ao grêmio da sociedade.
Pode nido isso ser inefílcaz para os m onstros, como
certamente os ha na especie humana ; mas, por via de re­
gra, é licito á mesma sociedade nutrir a esperança de res-
tabellecer no coração de muitos que tenhão tido a des­
graça de commelter crimes, o sentimento do bem e do
justo, que ali muitas vezes se offusca, mas nunca de todo
se extingue.
Este modo de corrigir os delinquentes, cujo germen
já se encontra nas leis de Platão,mas só foi verdadeiramente
formulado por Benthan no fim do ultimo século, tem no
presente attrahido a allenção dos mais notáveis crim ina-
lislas e philantropos de todos os paizes civilisados, e p ro ­
duzido os diversos syslemas de penitenciarias instituídas
primeiramenle nos Estados-Unidos, e que d’ ahi passaram
para a Europa.
D’ esses syslemas dous são os principaes. Em umas
d’aquellas adoptou-se de preferencia o isolamento dos con-
demnados durante a noite, e o silencio no trabalho em
commum durante o dia ; em outras a sua reclusão perma­
nente, o isolamento e o silencio constante quer nas cellu-
las, quer no trabalho. Ambos estes syslemas forão postos
simultaneamente em pralica, como ensaio, na União A m e ­
ricana, e o seu fim principal foi o pensamento generoso de
verificar a possibilidade da abolição das penas perpetuas e
sobretudo da de morte. Mas infelizmenle, parece que
nem um nem outro tem produzido por ora, no sentido de
aulorisar essa suspirada reforma na penalidade, resultados
assáz decisivos. O ultimo como que começa a ser con-
demnado pela experiencia cm razão do seo excessivo rigor,
que embrulece ou mala em vez de corrigir ; e o primeiro
não se pode ainda prever si algum dia allingirá tal perfei­
ção c efiicacia, que possão importar a satisfação d’ aquelle
volo honroso, não só do illuslre autor do nosso Compên­
dio, como de todos os homens de alma bem formada.
E’ certo, entretanto, não só que as penitenciarias mo­
dernas, são já um grande melhoramento quer material,
quer moral em relação ao antigo e monstruoso systema de
prisões ; mas ainda, que as lheorias de que cilas nasceram
tem determinado, mesmo nas que não tem as pretenções
regencradoras das de Auburn e de Philadelpbia, certas con-
dicções e benefícios destinados a tornar menos horrível a
sorte dos condemnados e a impedir que elles mais se per-
vertão durante a expiacão de seos crimes.
Entre nós, dizemol-o com pezar, nada ou muito pouco
"se tem feito mesmo n’estc intuito, ali-ás tão modesto quanto
humanitário.
Si em toda a sociedade as penas, como já vimos, de­
vem ser brandas quanto for possível sem detrimento da
ordem social, e da justiça ; se demais, cilas devem fazer
entrar na sua execução, como acabamos de ver os elem en­
tos proprios para a relrabilitação dos criminosos, o mesmo
espirito de humanidade e do bem publico, além de outras
razões poderosas que lemos de indicar, nos induzem a
adm itlircom o doutrina incontestável, que a mesma socie­
dade deve ter também o direito de perdoar e minorar, em
alguns casos, as penas que impõe.
Si a justiça ó uma e immulavel cm sua essencia, com-
ludo, nas suas applicações sociaes nem sempre pode con­
servar esse caracter. Em these convimos que a sociedade
humana não pode dispensar nas suas disposições ; mas si
assim ó em qu an lo a concebemos sob a forma geral de um
principio, não é menos certo que quando cila tem de veri-
iicar-se praticamcnlc entre os homens, torna-se muitas
vezes mais ou menos relativa, necessitando de modiíicar-se
segundo oselfeitos que occasionc applicada aos factos que
a reclamem.
O dilcm m a de que nos falia o Compêndio na nota ao
§ 6 3 , pecca,pois, realmenle pelo lado que clle indica, isto
é, por sua nimiageneralidade. Nada pode ser absoluto na
esphera das acções humanas, ou nas instituições sobre que
repousa a sua existência social. A justiça que serve a e s ­
tas de fundamento, que tem por especial missão presidir e
ferlilisar os seos desenvolvimentos, tem necessidade dc
— iU —
descer, em alguns casos, da altura do seo rigor idéal para
amoldar-se a certas contingências próprias da natureza dos
homens, e do meio em que elles devem viver. Não pode
a sua acção regular-se em todas as circumstanciasd’aquelles
por uma forma fatalista, que se tornaria muitas vezes con­
traria a seus proprios fins.
Para salvar-se em tudoe por tudo a inflexibilidade da jus­
tiça seria necessário sacrificar-se em m uiloscasosoutras con­
siderações de que não dependem menos a subsistência e a
ordem social, sem a qual toda a justiça c vã. e impossível
para aquelles a consecução de seo destino. Osununumjus
levado ás suas ultimas consequências seria a summa injuria,
como tem allirmado a experieucia e a sabedoria dos iegis-'
ladores e dos povos desde a mais remota antiguidade.
iMas não é ainda d’esta única ordem de argumentos que
se deduz para a sociedade o direito de que tratamos.
A justiça absoluta para applicar-se aos homens tem ne­
cessidade de reduzir-se a regras positivas, a que andão
annexas as penas ; e além de qu e-p o d e n’eslas não ser
aquella fielmenle traduzida, é demais permitlido descon­
fiar-se sempre, ja do critério e rectidão dos juizes e trihu-
naes encarregados de fazel-as effectivas, e já dos meios de
que elles podem dispor parabém reconhecer oscriminosos
e qualificar direitamente os crimes e sua gravidade. Tudo
isso é fallivcl.e pode dar muitas vezes em resultado a pu­
nição do innocenle, ou uma demasiada severidade na puni­
ção do verdadeiro culpado. Si assim é, desde que a sim ­
ples possibilidade de laes factos sê admitte, não é mais
licito por-se como principio geral e invariável, a incompe­
tência do poder supremo social para perdoar ou minorar as
penas que clle proprio decreta, seja aliás qual for a idéa
que se forme da justiça ou caracter que se lhe attribua.
A experieucia nos mostra, com efleito, os horrores
que nesta matéria tem muitas vezes succedido ; os qui pro
quo terríveis pelos quaes verdadeiros innocentes tem sido
victimas da justiça humana ; quantas vezes indivíduos que
todas as apparencias condemnavão, forão executados, e
depois se vencou nenhuma parte terem tido nos crimes que
>he eram imputados ! ^
- 9 ra s ‘ (udo isto é exacto, e mais exacto ainda, o prin-
1 o t e que mais vale poupar a cem criminosos, do que
— 145 —
còndcmnar um innoeenle, é claro <]iie não se pode altri-
biiir á jusliça social mn caracter de absolutismo tal, (|ue
uma vez impostas as suas penas não possão mais ser ellas
revogadas.
Accresce que na immensa escala dos crimes e da sua
gravidade, podem as leis e as penas variar, e de fado va-
rião segundo o modo porque se os considera nas diversas so­
ciedades humanas ; e até factos ha que reputados taes em
umas, não o são ahsolulamcnte ou no mesmo gráo cm ou­
tras; ou que sendo-os em um tempo deixaram ou deixarão
de_sel-os em época dilíerenles. Ora si isto ó natural e le­
gitimo, pois que nenlmma legislarão social pode ser isenta
<l’esta condicção, é claro que na maior parle dos casos en­
tra e não pode deixar de entrar, na delinição dos crimes e
de sua gravidade, grande dose de arbítrio da sociedade, e
que por conseguinte, em relaçãoá maior parte de suas p e ­
nas esta não se pode reputar presa pelas exigências da
jusliça absoluta.
Em summa, si a justiça dos homens, c dos tribunaes
da terra não pudesse, em hypotliesc alguma, encontrar na
própria sociedade remellto contra os seos erros e abusos, ou
abrigo contra as imperfeições de sua penalidade, não seria
justiça, e o direito de punir (pie aquelle se allrihue se­
ria uma verdadeira monstruosidade. Tal direito conferido
a instituições contingentes suppõe necessariamente para
estas o de relevar e moderar lambem as penas que creem.
Inflexível só pode ser a jusliça de Deus,e no entretanto
o Deus inliuitamente justo, e ao mesmo tempo o Deus inli-
nilamenle misericordioso. Si é conforme a seos altos disig-
n in s q n c a sociedade humana exerça n o se o seio a jusliça,
cuja applicação por ser necessária não deixa de ser uma vio­
lência, um mal, não é possível suppor-se que a qnizesse
privar do nobre exercício da comiseração, quando fosse ra-
soavel. Esta é, com elTeilo, o complemento natural c inse­
parável d’aquella, e o que mais a realça, e torna capaz de
todos os seos hencficos edVitos. Não se pode conceber
uma associação humana onde não haja ahsolulamcnte lugar
para a equidade
Nem se diga que se o direito social de perdoar e m i­
norar as penas funda-se na imperfeição da jusliça humana,
na possibilidade de seos erros ou excessos, deve ser clle
11)
- m-
limitado aos casos em que estes nas mesmas penas se veri­
fiquem. Pois que não só já vimos que esse não é o unico
fundamento de tal direito, mas é claro, além d'isso, que
essa limitação imposta ao sco exercicio pela própria socie­
dade, não importaria uma limitação (felle em si. c seria até
vã, desde que a sociedade ou o poder publico a quem tal di­
reito fosse conferido, serião sempre os únicos competentes
para conhecer e declarar quando taes erros ou excessos se
devessem suppor nos julgamentos.
Aquelle direito social não pode, pois, deixar de ser
concebido em termos amplos e mais ou menos discricio­
nários ; o que não quer dizer comludo que não seja sugeito
a regras e a condições. Crimes ba de tal natureza ou de tal
modo averiguados, que perdoar-se-llies a pena ou minoral-a
estando na devida proporção de sua gravidade, seria uma
real oífensa á justiça, além de um escandalo na sociedade ;
crimes ba, em summa, que já pelas suas circumslancias, já
pelas dos seos autores ou victimas não devem m erecer com ­
paixão em um paiz moralisado.
O que temos dito do perdão das penas applica-se igual-
menie á amnislia, tendo esta ainda por fundamento, além
dos d’aquelle, o perigo e muitas vezes a impossibilidade real
da punição. Provém isto da differença que existe entre
essas duas especies, consistente em que o perdão verifica-se
a respeito de indivíduos e crimes determinados, ao passo
qué a amnislia refere-se a crimes não especificados, com-
mettidos por massas consideráveis de individuos ; isto é, o
perdão suppõe e pena, em quanto que a amnislia é o manto
do esquecimento lançado sobre os factos criminosos d’ aquelle
genero, antes mesmo de definidos estes e de averiguados
judicialmente os seos verdadeiros autores. O perdão, em -
lim. applica-se mais propriamente aos crimes communs, e
amnislia aos políticos.
A utilidade d’esta medida em certas circumslancias
sociaes é incontestável; ella é um dos meios efficazes de
restabellecer-se a paz publica depois dos grandes abalos
porque passão muitas vezes os Estados, a menos que o fu­
ror dos partidos a não converta em cilada para melhor as­
segurar suas vinganças, com osuccedeu á que foi concedida
aos Iluguenotes da Erança pouco antes da monstruosa car-
neficina de Sainl-Barthelemv.
— 117 —

Quanto aos seos offeitos o perdão não releva o per­


doado das reparações civis devidas á viclim a de seo crim e,
nem a amnistia deve com prehen der os indivíduos que pes-
soalm entc se possão reconhecer como responsáveis por
tacs ou laes deliclos destacareis do com plexo d’ elles a que
a mesma cm geral se refira.
ÍACULOADE
n r d ir e it o

Digitalizado pelo Proielo Memória Acadêmica da FDR UFPE

• C A PIT U LO XI

PROMULGAÇÃO DAS L E I S ; R E G U L A M E N T O S ; S E N T E N Ç A S ;

Prelecção XX

64 — 66

Toda a lei deve ser obrigatória para aquelles a quem


tem de ser applicada ; mas é evidente que esta obrigação
não se pode verificar antes de conhecidas as suas disposi­
ções, ou antes que pela voz da autoridade social a quem isso
incum ba, se declare que ellas com eção a ter e x e cu çã o . Ora
isto só se pode fazer por meio da sua promulgação, que já
anteriorm ente vimos em que consiste.
Ella não constitúe propriamente a lei, m a s é o meio de
verilicar-se a sua existência como tal. Antes de promul­
gada a lei é perfeita, como obra do legislador, mas não é
obrigatória para aquelles a quem se deve impor a sua obser­
vância. A obrigação de curnpril-a data de sua promulgação.
Esta é, sem duvida, indispensável : pois, seria um
contrasenso impôr-se deveres aos cidadãos, fazer-se depen­
der de seo fiel cumprimento a bôa ordem c a prosperidade

V
149 —
Nacional, o no entretanto não dar-se ás leis que os çonsig-
nào uma publicidade solemne, clara e própria para que che­
guem á noticia de todos quer as suas prescripções, quer a
intimação do poder publico competente cxigindo-lhes a sua
observância.
Já vimos que esse p o d eré o executivo, e que só d'elle
pode vir a promulgação das leis com todos os requisitos
que lhe são necessários. E’ portanto com razão, que Hello
combate a doutrina admitiida na Inglaterra, e sustentada
por Smitli e Blaskslone, que dispensa aquella promulgação
do modo porque a temos concebido, mostrando que essa
doutrina repousa apenas sobre a ficção de que na quali­
dade de dclegante a Nação está presente no corpo legisla­
tivo quando este decreta as leis. Fic.ção que aliás o pro-
prio iacto d.i delegação desmente, pois que de outra sorte
esta não teria objeclo.
Mas si todo o Estado se compõe de parles diversa­
mente distantes do centro onde tem sua sede a autoridade
que publica as leis, é ainda claro, que não basta para
aquelle lim a simples primeira publicação d’ eslas n’aquelle
ponto,que ella deve aproximar-se o mais que for possível ás
suas differentes localidades e, segundo as distancias d’eslas,
marcar-se prasos correspondentes cm que se possa com
bom fundamento presumir a real difusão de sco conheci­
mento em cada uma,
Mais vale, diz Berriat de Sainl Prix, retardar os eflei-
tos de uma reforma, do (jiie perturbar as expectativas par­
ticulares; e nós diremos, do que perturbar todas as suas
relações e direitos, visto como a isso equivalería o sugei-
tar-se á disposição de uma lei netos praticados antes de ser
esta conhecida
Esta consideração nos leva naturalmenlc á questão da
relroaclividade ou não retroaclividade das leis, a que. se
refere o Compêndio na ultima parte d’este paragrapbo.
Diz-nos elle alii que do faeto de não obrigar a lei senão
depois de sua promulgação, deduz-se que uão pode ler
effeito retroactivo.
Na verdade applicar-se uma lei ' a actos que lhe são
anteriores, ou punil-os como crimes não sendo taes ao
tempo em que forão praticados, seria uma cilada contra os
cidadãos, injustificável c indigna do pqiler social.
Km uma sociedade onde o legislador tivesse o di­
reito de allribuir ás leis semelhante cffcilo ninguém se po-
deria julgar seguro ; porque nenhum acto haveria que de
um dia para outro não podesse ser convertido em crime
e como tal punido.
Todavia não quer isto dizer que se deva reputar in-
quinadas de retroactividade as leis civis ou administrativas
ou concernentes a ordem c moralidade publica.ainda quando
applicadas a condicções a que antes andavão annexos c e r­
tos direitos, e quando modificão estes para o futuro, so­
bretudo se dos proprios a quem ellas aproveitão ou. preju-
dicão depende a opção entre o subm elter-se á suas dispo­
sições para gozar do seo favor, ou eximir-se d’ ellas rennn-
ciando á sua posição anterior.
Assim a nossa lei de A d e Setembro de 18 4 7 ,a p p li-
cada aos filhos naturaes nascidos antes d’ ella, ou a que
augmenlasse a idade exigida para a maioridade, applicada a
indivíduos ífaquellas mesmas circumslancias, não poderião
ser como taes consideradas; nem tão pouco as que dim i­
nuíssem vencimentos ou augmentassem condicções de apo­
sentadoria dos funccionanos públicos, que outras leis pre­
cedentes houvessem garantido, Taes leis poderião ser iní­
quas, ou de injustiça revoltante, mas não serião propria­
mente retroactivas. Aliás nenhuma lei nova deixaria de
sel-o,^ e nenhuma deveria ser executada, porque todo o
cidadão teria o direito de invocar contra as suas innova-
cões o regimen sob que houvesse nascido, ou alcançado
qualquer vantagem social.
O principio de que as leis não podem ler effeito re­
troactivo, não c lambem applicavelás leis puramcnlc inter-
pelrativas. Kstas podem c devem com prehender em suas
disposições e regular os proprios casos já iuleiram enle pas­
sados, que erão até então considerados fora de sua alçada.
Salva a equidade que em taes circumslaucias deve ser
observada para com aquelles que em bôa fé as deixarão de
cumprir, é evidente que pela inlerpetração das leis não se
laz senão esclarecer algum ponto das mesmas mal euten-
' i o, c reslabellecer a sua verdadeira signilicação. Em
lese, pois, a applicação do sua saneção áquclles casos, não
amhem outra cousa mais do que a sua liei execução a
icspcito de actos que realmenle lhe erão sugeitos e que só
— 151

por uma inlelligencia errônea de seos applicadorcs, «pie


não deve preja<Jical-as, lhes erâo tidos por cxtranlios.
Em summa, d exacto o que nos diz o Compêndio, que
as leis podem ter cffeito retroactivo todas as vezes que de
sua applicação a casos pretéritos não resulte offensa a di­
reitos adquiridos. Esta é realmentc a regra capital n’esla
matéria, comtanlo que por direitos adquiridos só se cn teu -
dão aquelles cujas condicções de aequisição, quer jurídi­
cas, quer de faclo estejão verificadas ariles das mesmas
leis, e que em caso nenhum se os admitia cm relação a
actos ou factos que enlcndão com a ordem oii moral pu­
blica.
Quanto as leis penaes soffre a theoria da não relroac-
lividade, uma modificação importante, e que alias ó conse­
quência genuina d’ aquella mesma regra.
Si a applicação d’estas leis a casos passados, quando
aggravão a penalidade anterior, seria uma monstruosidade
ainda maior do que a das leis civis, por outro lado a sua
applicação a esses casos quando ellas suavisão as penas que
até então lhes erâò impostas, não só é admissível, mas é
mesmo geralmente praticada na legislação penal de todos
os paizes civilisados.
Esla excepção se explica por um principio não só de
equidade, mas até de justiça, desde que a ultima pena decre­
tada para um crime deve ser sempre a que se considere
mais proporcionada á sua gravidade. Si, pois, este não foi
ainda punido, embora fosse praticado antes da nova pena,
não ba razão para que o seja com a antiga que por sua dimi­
nuição se reconheceu excessiva, c portanto injusta.
Nem estas considerações podem ser applicadas com
propriedade aos factos da simples ordem civil, cujo valor
jurídico depende principalmente do modo porque a socie­
dade os encara nas diversas épocas em que sobre cllcs le­
gisla, e cujas consequências não affectão propriamente a
pessoa do cidadão, nem de um modo tão grave os seos di­
reitos.
Tracta o Compêndio no § 65, dos regulamentos ncces-
cessarios para a execução das leis.
Ja vimos que lambem só ao poder executivo deve co m ­
petir o direito de expedil-os, e que era essa uma dc suas
mais importantes atlribuições.
152 -

Mas apezar <1’ islo, e de reco n h ecerm o s com o C o m ­


pêndio, <pic elles ohrigão do m esm o m odo i|ne as leis, lo-
<iavia não são taes, nem os sens caracteres, on lodo o sen
alcance. Elles as co m p le lã o , mas não as con stituem ;
nada podem innovar nas suas disposições, nem e x ce d e r os
seus lim ites; não as podem derogar nem revogar: não lhes
são superiores, são antes por ellas dom inados.
T e m os regulam entos por m issão explicar as leisa que
se referem , desen volvel-as, m elhodisar a sua observância,
crear as foi mulas e pôr em acção o pessoal, e mais meios
práticos de toda a especie de que depende a sua effectiva
ex ecu çã o , resalvando-a já de quaesqner duvidas ou dillicul-
dades que possão, sob pretextos mais ou m enos plausíveis
m over-lh e os particulares, já do arbítrio e sophism as dos
encarregados subalternos da m esm a.
Tal é a esphera em que se deve circum screver a acção
regulam entar do poder ex ecu tivo . Quando m esm o as leis
pareção ou sejão realm ente más, nada tem elle que ver
n isso, em quanto ellas co m o taes subsistirem . E ’ em
todo o caso m en or o mal que á sociedade pôde resultar da
observância exacta de um» ou outra lei menos pensada do
q u e d o arbítrio que aquelle poder se arrogue de dispensar
"'e lla s ou de ultrapassal-as a titulo de as tornar m elhores ou
mais exequíveis.
Não tendo os regulam entos o caracter de legislação,
nao nascendo da o n le unira de onde esta emana não po­
dem sem invasão das atlribuições legislativas,estabelecer re­
gras geraes reguladoras da sociedade, co m o se exp rim e o Sr.
Pim enta Bueno, e menos ainda ir de encontro a quaesqner
instituições con stilucionaes ou políticas do Estado Nas
próprias eis que tem de executar devem elles procurar os
limites de suas disposições, respeitando não só a sua letra,
mas lam bem o. seo espirito, e so m en te com estas co u d ic-
çoes podem s c r a c lo s legítim os, e ler aquella força obri«a-
loria que a pouco lhes re co n h ece m o s,
Si entre nós não só os regulam entos e inslruccões do
go vern o , mas ainda os seos sim ples Avisos, con stituem a
maxima parte de nossa legislação, e tem até mais im por­
tância do que cila, nas regiões ofPiciaes c en tre os que só
iM.st,i> piocurao os seos oráculos, é i.>so por um abu/.o
b 'ã '1 • que inlelizm enle tem sido de a muito e continua a
— 153 —

ser autorisado pelos proprios legisladores, que o reco m -


m en dão ou tolcrão.
No § 66, tracta o C om pên dio das sentenças, que elle
delkie, decisões de um juiz ou tribunal entre parles que li-
ligão sobre um direito que uma afirma, e outra nega. _
Esta definição refere-se principalm ente ás questões de
ordem civel, que se podem originar entre os c id a d ã o s ; mas
aos juizes e trihunaes com p ete igualm ente apreciar c julgai
os delictos, e im pôr-lhes as itenas que as leis decrctâo.
Excu sado é entrarm os na dem onstração de que as
sentenças são actos de justiça publica, e n ã o de autoridade
privada. Desde que já vimos an terio rm en le, que co n sti­
tuída a sociedade, só a esta pode com petir o direito de pu­
nir, é claro que tam bém só a ella, por intermédio ele sco
poder para isso autorisado, pode pertencer o direito de ju l­
gar em qualquer ordem de questões que a iirtercssem e aos
seos cidadãos em geral. .
A s sentenças, além de justas, imparciaes, ou confor­
m es ás leis, devem ser dadas por ju iz com p eten te, claras,
breves, fundamentadas, co m p rchen der todos os pontos c a ­
pitães das causas, equilalivas quando e quanto possão sel-o,
c intimadas aos in teressa d o s; assim com o a sua execução
deve ser prompta, fiel, e realisada com a maxima m odera­
ção possível.
C o m o actos de um poder soberano devem cilas lor-
n ar-se a final irrevogáveis, e ler força obrigatória igual á
das leis. Si o proprio poder judiciário as pudesse refor­
m ar indefinidam ente, os processos nunca lerião um term o ;
e si a outro qualquer fosse con ced ido esse direito, n3o s e­
ria aquelle um verdadeiro poder social, Nem m esm o o le­
gislativo pode ler faculdade para dispensar a sua execução.
Ap en as, d’ este principio excep lua-sc, em matéria crim e, o
perdão ou minoração das penas que compita á alguma e n ­
tidade suprema no Estado ; e isso em vista dos fundam en­
tos lam bem excep cion acs d’esse direito, que já em outra
parte e x p e n d e m o s . . .
Em todo o caso, as sentenças não podem legilim a-
m e n le assumir aquelle caracter e aquella força, senão
depois de amplo exam e ed iscussão dos direitos dos litigantes
no civel, c do d e li d o , de suas circum stancias, e do seus a u to ­
res nas causas criminaes. E indispensável que tanto a
- m —
estes com o aquelles, antes que os juizes e tribunaes proíi-
l a ° a ultnna palavra, que os tem de co n d e m n a r ou absolver,
se ollereção todos os m eios de prova da p rocedên cia de
suas p relençõ es ou em sua defesa ; que se e x g o te m , e m -
im , lodos os recursos que as leis devem co n ced er-lh es co n ­
tra a possibilidade da injustiça ou erro dos ju lgam entos.
1) aln a necessidade da instituição dos processos e suas
form ulas, c dos d.versos gráos de ju risdição de que tracla o
C o m p ên dio no paragrapho seguinte, co m q u e n o s o c c u p a -
rem os na próxim a prelecçao. 1
CONTINUAÇÃO DO CAPITU LO XI

GIIAOS DE JURISDICÇÂO ; IMPOSTOS ; I1EGHAS DA IMPOSIÇÃO ;


SUA PROPORCIONALIDADE

Prelecção XXI

§§ 0 7 - 7 2

,lá dissemos anteriormente que si é util abreviar os


processos e fazer ás partes justiça prompla, mais util é
garanlil as contra os erros e almzos dos juizes c tribunaes,
que são homens ou compostos d’ eiles.
E’ claro que julgando por si só e definitivamente cada
um d’esles as causas submeltidas á apreciação judicial, não
teria o cidadão suíficientcs seguranças para os seos di­
reitos.
Convém que as sentenças não sejão para as partes
vencidas um decreto irrevogável desde que são pela pri­
meira vez pronunciadas, por mais justas que pareçüo s e r ;
e admittido isto é, consequência lógica que outro deve ser
lambem o juiz ou tribunal incumbido de revel-as.
— 15G -
Assim è indispensável em lodo o Eslado regularmente
conslituido essa jerarchia judiciaria de que tracta o C om ­
pêndio no § 67, ou essa escala de jurisdicções. cujos gráos
superiores tenlião por missão corrigir os deffcilos de que
possao ser inquinadasas decisões dos inferiores.
Por este meio, até que seja proferida a ultima palavra
da justiça publica nos pleitos dos cidadãos, podem ler
estes a esperançado ver melhor examinado e altendido o
seu direito, que si muitas vezes será supposto, outras tan­
tas poderá ser real.
Muito maisdilíicil será então prevalecer a injustiça nas
sentenças, e só depois de expurgadas estas dos erros ou
abuzosde que são susceptiveis, serão forçados os litigantes
a curvar-se ao seo verdict.
Deve este vir afinal, extinctos todos os rectirsos que as
leis concedão para reconsideração d’aquellas, o que quer
dizer, que a graduação de jurisdicções, ou a diversidade de
instâncias de julgamento não pode ser indefinida, nem
mesmo demasiadamente extensa ; aliás, em vez de uma
garantia para os litigantes de boa fé, seria um eterno ali­
mento á chicana, um martirio imposto ás victimas de qual­
quer arbitraria indicação em crime, e uma trégua anima­
dora aos verdadeiros criminosos.
' Diz-nos o Compêndio que para conseguir-se n’esla
matéria o desideratum que se deve ter em vista, basta a ins­
tituição de duas instâncias, e de um tribunal supremo.
Vê-se que esta lheoria é modelada pela organisação
judiciaria eslabellecida em nossa Constituição, a qual con­
sagra, além d’ isso, para as causas crimes, o direito de
graça concedido ao Imperador. Pode ser cila verdadeira,
e bastar, com effeito, essa organisação em tacs ou taes
condicções d’ este ou d’aquelle paiz e no nosso, questão
que não nos pertence aprofundar; mas o que é certo, em
todo o caso, é que segundo os princípios geraes da sciencia,
não se pode determinar a priori e como regra invariável,
que numero de inlancias, ou de graduações nos juizes e tri-
bunaes sejâo precisamente necessárias ou sulíicienles para
aquelle lim.
Limitar-nos-hemos, pois,a dizer que o numero d’aquel-
las deve ser calculado de modo, que não sejão cilas illuso-
rias para os que lenhüo realmente por si o direito, nem
para os scos antagonistas um meio de lhes fazer pagar
caro o seo reconhecimento protellando-o indefinidamente
N os§§ 68 e 69 tracta o Compêndio da necessidade de
crear-se impostos no Estado, e de augmcntal-os á medida
que este cresce e se desenvolve.
Os impostos que ja precedentemenle vimos em que
consistem, são de diversas especies, e cm geral se dividem
em directos e indirectos. São directos os que recahcm
immediatamente sobre as pessoas ou bens dos cidadãos ; e
indirectos os que se percebem sobre as transacções, e
objectosdo commercio e consumo. Os da primeira classe
são lançados annual e nominativamente sobre os contri­
buintes e matérias que abrangem, laes como as terras, os
bens immoveis, os moveis, as patentes para o exercício das
profissões ou industrias, etc., ellcs são reaes ou pessoaes.
Os da segunda classe lomão a forma de uma obrigação fa­
cultativa; pois,de facto nenhum cidadão é obrigado a qual­
quer das situações ou actos que lhes são sujeitos, ao passo
que nenhum, desde que possua alguma cousa ou tenha
uma tal ou qual posição na sociedade, pode subtrahir-se a
todos os que constituem a contribuição directa. Nos im­
postos indirectos se comprchendem, além de outros mui­
tos, os direitos de alfandegas, dç registro, de sôllo, de hy-
polheca, de venda e circulação interior de certos generos.
«Elles varião infinitamente, escapão a toda a classificação
systematica, e a todas as regras fixas e communs, ja quanto
ao seo eslabellccim enlo, ja quanto á sua percepção, e pa­
gam ento.»
Que os impostos de qualquer especie são em geral in­
dispensáveis a todo o Estado, e que este deve portanto ter
o direito de estabellecel-os, e de augmenlal-os quando
isso for necessário, assim como tem o imperioso dever de
diminuil-os quanto for possível, são verdades de primeira e
simples intuição. Toda a associação política tem necessi­
dades importantes a satisfazer em bem proprio e dos seos
cidadãos, e carece para isso de uma renda como cilas certa
e permanente, e que lhes seja proporcionada.
Ora é claro que essa renda só lhe pode provir de duas
origens : ou dos domínios públicos, do produeto dos bens
nacionacs, ou das contribuições impostas sobre as fortunas
particulares. Mas concebe-sc perfeilamente, que aquclles
- 158 -
bens por mais consideráveis que sejão, nunca poderão
assegurar ao Eslado uma renda suílicicnle para o cco rre rá s
despezas de toda espccie c magnitude que ellc tem a seu
cargo. Si se pretendesse elevar a sua quantidade até tor-
nal-os capazes d’ isso, leriamos de fazer o mesmo Estado
um proprietário im m enso, concentrando nas suas mãos
uma demasiada accum ulação d’ clles, o que seria um mal
gravíssimo.
Primeiramente o Estado seria sem pre um máo p r o ­
prietário, incapaz de auferir d’essa propriedade enorm e
todos os produetos de que ella seria susceptível convcnien-
tem en lc deslribuida entre muitos ; e cm segundo lugar
quando m esm o assim não fosse, seria isso, em todo o caso
distrahir o governo social de sua verdadeira missão, q u e ­
brar a dependencia em quo ellc deve viver com a Nação, e
arm al-o com uma arma perigosissima contra as liberdades
publicas. De modo que um tal meio de c r e a r a r e n d a do
Estado é inadmissível, quer se o encare pelo la d o c c o n o -
m ico, quer pelo politico, e outro lhe não resta para cons-
tiluil-a senão a contribuição de cada cidadão com um
obulo de suas fortunas. Em troca obriga-se aquelle a ga­
rantir-lhes toda a especie de vantagens e gozos materiaes,
ou moraes, para cuja aequisição e effectividadc só o th c-
souro com m um , e uma administração zelosa e forte podem
ser sufíicientes.
Na verdade a sustentação da ordem publica, o m elho­
ramento de todas as industrias, a segurança de todos os le ­
gítimos desenvolvim entos da liberdade individual, a ins-
trucção e com m odos de todas as classes sociacs, a facilidade
das com m unicações,.e quanto mais se pode auferir de uma
sociedade bem governada, são benefícios que plenam enle
compensão eju s lificã o aquelle pequeno sacrilicio exigido
ás fortunas particulares, c sem o qual estas não poderião
m esm o ser adquiridas, conservadas, ou disfruetadas tran-
quillamente.
Nenhum cidadão pode, pois, legilim am ente recusar-se
a contribuir com a quota de imposição que legalmcnte lhe
caiba.
Si os impostos augm enlão com o progresso da so cie­
dade, com o nos dis o Compêndio, isto é, si angm en tãoja
as espccics de imposição, ja a sua somma total ; pode,
— 159 —
comtudo, diminuir, quer absoluta, quer rclalivamcnte a
quota da mesma para cada cidadão. Absolutamente por­
que com o desenvolvimento da riqueza publica deve lam­
bem augmentar o numero dos cidadãos em condicções de
contribuírem, de modo que se possa dispensar impostos
mais pesados ; e relativamente, si de fa d o cada contri­
buinte em razão d’aquelle desenvolvimento tiver adquirido
melhor fortuna, uma quota de impostos embora maior que
pague, pode-lhe realmenle ser menos onerosa. Neste
ponto toda a sciencia de um bom governo social consistirá
em saber augmentar o mais possivel a massa dos contri­
buintes, sem augmentar-lhes os encargos.
Quanto á repartição dos impostos, que d’ ellasão s u s ­
ceptíveis, pelas diversas cireumscripções ou localidades do
Estado, e quanto á effectiva arrecadação de quaesquer ques­
tões complicadas e diflicies podem surgir, cuja solução
não pertence propriamente ao Direito Publico Universal;
as regras geraes, porém, que devem presidirá sua creação,
e a que se refere o Compêndio no § 70, deduzem-se das
mesmas considerações que os autorisão, ou da sua própria
natureza e destino na sociedade.
Si o imposto é um sacrifício maior ou menor a que se
força o cidadão, por uma necessidade com m um indecliná­
vel, e sob a condicçüo de ser-lhe retribuído cm vantagens
que o compensem, é claro que para ser justo deve ser,
como nos diz o Compêndio, não só verdadeiramente neces­
sário, mas ainda ser a utilidade que d’elle resulte realmentc
superior ao desfalque que soffre o contribuinte.
Mas como por um lado o imposto considerado cm g e ­
ral é sempre necessário, pois que em toda a sociedade lia
um bem publico que se deve ter cm vista, e que sem aquclle
não pode ser alcançado ; e como, por outro, as quotas de
imposição que recahem sobre cada indivíduo formão no the-
souro Nacional uma massa que se applica indistinclamente
á satisfação de todas as necessidades sociaes, e d’ahi pro­
vém, para cada cidadão, vantagens, que se devem reputar
sempre superiores á privação que lhes cause mesmo um
imposto excessivo, segue-se que as regras, que nos dá o
Compêndio são demasiadamente vagas, não garantem suf-
ficientemenle o contribuinte contra um systema veixalorio
de impostos.
— 160 -
Com os simples fundamentos da necessidade d’cslcs,
e da superioridade dos gozos que clles assegurão, poder-se-
liia entrar arbitraria e exorbitantemente pelas fortunas dos
cidadãos com visos de justiça. Essas únicas limitações
deixariãò as portas da extorsão escancaradas ao poder a
quem competisse o direito de impôr.
As verdadeiras regras da imposição, ou antes as con-
dicções a que os impostos devem ser sujeitos para que
sejão percebidos na sua justa medida, e legiiimamente, são:
I a Que sejão moderados-, taes que senão tornem
insuportáveis a quaesqner classes contribuintes ; que a
pretexto de crear-sc uma renda para o Estado não se exerça
uma depredação no produeto do suor d’aquellas. Tanto
mais quanto a experiencia demonstra que os impostos e x ­
cessivos, quando não trazem realmente uma diminuição na
respectiva renda, pouco ou nada a angmentão, já porque
fazem escacear a matéria contribuinte, ja porque excilâo á
fraude no pagamento e arrecadação, ou antes por ambas
estas causas actuando sem ultaneam enle. Em summa, os
impostos devem antes de tudo consistir em uma Iracção
diminuta dos baveres ou rendimentos de cada cidadão, e
tal que os não tolha ou prejudique no exercicio de suas fa­
culdades ou industrias, ou não os torne miseráveis a titulo
de beneficial-o, ou de fazer prosperar o Estado, quando
aliás é evidente que a bôa ou má sorte d’aquelles se reílecle
necessariamente n’este. As necessidades so ciaesse devem
medir pelas posses de seus membros. Não se deve creal-as
no Estado, cuja sãtisfação, embora util, seja superior ás
suas forças e ás d aquellasque o com põem . O progresso
e o bem ser social tem suas leis, que se não pode forçar
impunemente.
2 . a O imposto deve, além d’ isso, ser igual não em
sentido absoluto, ou de modo que a quota de contribuição
seja a mesma para todos os cidadãos ; pois que seria isto a
mais revoltante de todas as desigualdades. Em tal svs-
tema ou o imposto seria elevado, e então seria um sacrifí­
cio immenso e até impossível para grande numero de con­
tribuintes, c insignificante para outros ; ou seria demasia­
damente modico, e então, além de conter ainda a mesma
i esigualdade, seria insuíBciente para produzir a renda ne­
cessária ao Estado.
— 1(M —

A igualdade do imposto deve ser entendida em relação


ás fortunas dos contribuintes, isto <5, proporcionadas a estas,
ou se considere verdadeiramente proporcional a imposição
em que sò se attende ao valor real dos scos bens e rendi­
m entos, ou aquclla cm que, a este valor determinado se
addiciona para a contribuição um segundo na razão do
augmento successivo dos mesmos.
O primeiro d’aqucllcs dons systemas- de imposição é o
que se denomina proporcional, e o segundo progressivo ; e
para bem lixarmos a distineçáo que entre elles faz o Com ­
pêndio no § 72, exemplificaremos : será simplesmente pro­
porcional o imposto que consista em pagar o cidadão, que
possuc até um conto de réis de fortuna ou de renda 2 „/",
por exemplo ; será porém, progressivo si o cidadão, que
possua ou tenha de renda trez ou mais contos de réis, for
obrigado a pagar pelo primeiro n’aquella razão, pelo s e­
gundo na de 3 „/°, pelo terceiro na de i 0/°, c assim por
diante.
Resta-nos indagar qual d’esses dous systemas é prefe­
rível, e fal-o-bem os na seguinte prclecçâo.

21
CAPITULO XII

RAZÕES A FAVOR DO IMPOSTO PROGRESSIVO, SUA IMPUGNAÇÃO,


E RESPOSTA A ESTA ; FORÇA ARMADA

Prelecção XXII

§§ 7 3 - 7 6
No § 73, opta o Compêndio pelo imposto progressivo
sob o fundamento de que a cada cidadão deve concorrer
para a cooperação social não só segundo as suas posses,
mas lambem conforme as suas necessidades ; c do modo
porque ahi se exprime dá-nos a entender que a contribui­
ção simplesmente proporcional não é igual entre os que
possuem apenas o necessário para a sua subsistência, e os
que tem meios para viver na abastança ou no luxo.
E’ verdade que o mesmo Compêndio admitle que a
proporcionalidade do imposto é rasoavel applicada a fortu­
nas que não deffirão muito umas das o u tra s; mas como
seja difficil conceber-se uma sociedade política de certa
importância, em que esta condicção se verifique, segue-se
que, segundo a sua maneira de ver, a imposição progres-
siva é a unica adoptavel em qualquer Estado, ou pelo m e ­
nos a que deve constituir a regra no sco systcm a de co n ­
tribuições.
Será esta doutrina acceitavel ? Ser3o bastante convin­
centes em favor d’ ella quer as considerações contidas no
citado paragrapho do Com pêndio, quer os argum entos que
elle expende no § 7 5 , cm resposta á sua impugnação que
lam bem expõe no § 7 4 ?
Parece-nos que não.
E ’ esta uma questão propriamente dos domínios da
Econom ia Polilica, pelo que não só não nos com pete dar-
lhe grande desenvolvimento n’ esta cadeira, com o até sen ti­
mos grande acanham enlo cm aprecial-a contestando a
opinião do illuslre autor do Compêndio, que n aqu ella
sciencia é mestre abalisado. Cum pre-nos, no entretanto,
dizer alguma cousa a similhante respeito.
Não vemos realm entc razão alguma plausível para que
a mesma som m a de fortuna de um ou de diversos cidadãos
deva contribuir differentem ente, ou com que justiça o
conto de reis d’ aquelle que possue trez ou quatro seja
obrigado a pagar mais imposto do que fiada couto d’ aquelle
que possue som ente u m . Sem duvida tanto vale o conto
( fe s le com o cada conto do primeiro ; o si o que mais goza
na sociedade, desde que pelo excesso paga ainda o m esm o,
desde que paga tantas vezes o imposto quantas este é supe­
rior á unidade tributada, que mais pódc o Estado exigir
d’ elle rasoavelmente ?
Não é exacto que pela imposição sim plesm ente pro­
porcional se prive os que tem m enos fortuna de algum co m -
modo ou vantagem de que se não prive lam bem os que a
tem maior. Si essa privação se dá realmenle. a respeito
d’ aquelles e não d’ estes, não é em razão do imposto nem
da sua proporcionalidade, e sim em consequência da pró­
pria differença on inferioridade de sens leres, inevitável em
ioda a sociedade polilica, e que esta não pode, nem tem o
direito de fazer desapparecer por meios forçados e arti-
ficiaes, .
A ccresce que quem mais tem, lambem maiores neces­
sidades experim enta, e necessidades muito legitimas, cuja
satisfação o Estado não deve tornar clifiic.il ou onerosa
sobrecarregando de impostos, que nenhum outro principio
— 164 —
jnstilica. Tanto mais quanto as fortunas particulares,
e.xaclamente na ra/.ão de sua importância, além de im pos­
tos superiores, deixão á sociedade outras vantagens que
mais ou menos contribuem para o seu progresso e riqueza
com m um , e is so se deve levar em conta nos proveitos que
á mesma é licito tirar d’ellas.
E’ com razao que os impugnadorcs d’ esle systema no-
tão-lhe com o um grande vicio, o não poder clle ser ap-
plicavel indelinidamente a lodo crescim ento das fortunas,
ou das rendas, sob pena de absorvel-as na maxima parte,ou
de deixar fóra da progressão as que excedâo o seu limite ;
e o Compêndio não responde satisfatoriamente a esta ar­
gum entação. Para evitar aquella absorpção a taxa do im ­
posto progressivo, chegada a certa altura, leria necessaria­
m ente de deerescer, e a desigualdade da contribuição en­
tre as diversas fortunas ou rendas inferiores c superiores
ao termo adoplado na progressão, seria manifesta e sem
justificação.
Mas não é só ahi que essa desigualdade se revela em
sem elhante modo de imposição.
A progressividade que necessariamente tem de lom arcertos
p on lo sd ep a rlid a ed ep a ra d ap a ra as suas diversas taxas, deixa
sem pre nos pontos intermédios a supposla desigualdade
sim plesm ente proporcional, que pretende evitar, c que e n ­
tão se torna real, e tanto maior quanto as porções de fortu­
nas ou de rendas sobre que tem -se de perceber o imposto
mais se approximão dos extrem os immcdiatos de cada duas
series successivas da progressão. Assim haveria razão
para perguntar-se com que justiça ou lógica se exigiría que
um conto de reis de renda pagasse 2,,/° por exem plo, e um
conto e um. mil reis 3 '/„ ? c a esta pergunta não poderião
os sectários do imposto progressivo dar uma resposta cabal.
Quanto ao segundo inconveniente do mesmo systema,
consistente em que elle attaca a perseverança no trabalho,
o am or da econom ia, e o progresso do capital, lam bem não
nos parece concludente a refutação do Compêndio, E’
claro que tudo isso, a actividade industrial, os estímulos
para a accnmulação das fortunas, dos capitaes, e do seu
emprego reproduclivo, devem necessariamente arrefecer
diante d’ aquelles obstáculos, ou de um modo de contribui­
ção que rouba ao induslrioso e ao capitalista uma parle
— 165 —
lanto mais considerável do resultado dos seus cxforços,
quanto mais estes procurào avanlajar-se.
Como que ha no fundo d’ este systcma antes uma
exploração do trabalho individual e industrias do cidadão,
imprópria do Estado, do que uma exigencia fundada cm
necessidade real da communhão ; mais um desejo arbitrá­
rio de angmenlar a todo o custo a renda publica, que aliás
pode até ser por tal expediente diminuída, do que impor a
cada cidadão segundo as regras da justiça.
Em summa, diz com razão um autor de nota, «o sys-
tema de impostos progressivos, com quanto pareça á pri­
meira vista mais conforme á equidade, tem o deffeilo de
desanimar o trabalho e a economia, e offerece na pratica
tantos outros inconvenientes, queapezar de tentativas rei-
teiradas, não tem sido possível admitlil-o deíinilivamente.»
Em França elle é applicado, em medida muito mode­
rada, apenas ao imposto pessoal e sobre os moveis ; c com
effeito só muito parcialmente e a respeito de um ou outro
ramo do contribuição directa poderá ser elle adoplado sem
aquelles inconvenientes, e com possibilidade de execução.
Si pois, além dos vicios que lhe temos notado, não
pode a progressão ser applicada aos impostos indirectos,
que em geral constituem a principal fonte de renda dos
Estados, é evidente que não pode ser ella lambem, como
aliás pretende o Compêndio, o principio fundamental da
imposição, e que apenas como cxcepção e em escala muito
limitada pode ser açceita como base d’ esla.
A simples proporcionalidade dos impostos, além de
s e r e m geral mais justa e mais igual, é mais facilmente ap-
plicavel a toda a cspccie d’elles, e mais desembaraçada na
pratica da necessidade prévia de cálculos das fortunas e
rendas, que aliás variâo quotidianamente. Como a tela de
Penepole, seria necessário desfazel-os e rcfazcl-os todos os
dias no syslema progressivo. _
Si a creação dos impostos é uma necessidade impres­
cindível cm todo o Estado,não o é menos a da força armada
de que trata o Compêndio no § 76, para a sua delesa in­
terna e externa. . . . . .
Como diz Silvestre Pinheiro — as mais sabias insti­
tuições não seriáo bastantes para prevenir os ataques que
contra a ordem c segurança do Estado poderião provir dos
— 166 —

mesmos que o compõem, e nem povo algum se acha de tal


sorte isolado que não deva receial-os dos mais— A força
emfim, ha de ser sempre um recurso necessário para a ga ­
rantia da justiça, e da paz entre os homens em quanto estes
forem o que são, não se podendo aliás esperar quo elles
venhão algum dia a ser anjos. A luta dos interesses e pai­
xões contra a razão e o direito nas relações individuaes, c a
guerra entre as nações, são infelizmente o estado quasi pe-
renne da humanidade, e jamais será possível feixar-se n’ ella
de lodo as portas do templo de Janus.
O serviço militar é ainda uma especie de tributo, e o
mais oneroso que na sociedade se pode impôr ao cidadão,
pelo que é elle sugeito a regras também especiaes, já quanto
ao modo de fazer-se effectiva a obrigação de prestal-o, já
quanto ás condicções de sua isenção, tempo que deve du­
rar, e j á finalmente quanto á penalidade applicavel ás suas
faltas.
Por diversas maneiras se pode compor a força pu­
blica ; pelo alistamento voluntário, pelo recrutamento
ao arbítrio do poder, pelo sorteio em todas as clas­
ses sociaes aptas para a milicia. O primeiro é incon-
testavelmente o mais suave, mas, em regra, é insuííicienle;
o segundo é o mais vexalorio, desigual, e intolerável; e o
terceiro se encontra difficuldades na pratica, nem por isso
deixa de ser o mais justo.
A cha-se elle actualmenle adoplado entre nós ; mas
ainda sem execução; e quem sabe quando a lerá e c o m o !
A ordem e a segurança interna e externa do Estado,
que com a sua força armada se garante, sendo bens com -
muns a todos os seus membros, para esta devem todos c o n ­
tribuir de algum modo. Em geral, pois, lodo o cidadão,
pelo simples faclo de sel-o, conlrahe a obrigação de pres­
tar-se áquelle serviço.
Todavia esta proposição não se deve tom arem um s e n ­
tido tão absoluto, que se lenha de converter o Estado em
um vasto aquartelamento, ou que se faça desapparecer toda
a ordem civil sob o dominio das instituições e regulamen­
tos militares. .
A organisaçâo de um exercito nacional é um acondic-
çào essencial de sua subsistência e defesa, mais unicamente
ate onde estas supremas necessidades a suppõem. Em
— 107 —
uma ou outra circumstancia apenas, será indispensável ao
Estado chamar ás armas a totalidade ou uma maxima parle
de seus cidadãos aclivos. Só em certas crises cm que to­
das as mais considerações e interesses devem calar-se pe­
rante a imminencia do perigo, podem todas as classes
sociacs sem distincção ser postas em pé de guerra.
Fóra d’essas circumstancias, que aliás não são dura­
douras nem communs na vida dos povos,sobretudo quando
não são provocadas por suas próprias ambições ou d’ aqucl-
les que as governão, militarisar os Estados é condemnal-os
ao atraso e á escravidão ; pois que de facto não ha situação
em que mais facilmente se possa o despotismo enlhonisar
na sociedade do que aquella em que na mesma se torna
predominante o regimen militar com os grandes exercilos
permanentes. Além de ser este regimen o mais oneroso
possivel aos cofres públicos e aos cidadãos cujas fortunas
tem de contribuir para elles em proporções corresponden­
tes, sabe d’ahi, por via de regra, aditadura da espada, a
mais insuportável e degradante de todas.
Mas ainda mesmo naquellas circumstancias, que
acima figuramos, ou sejâo quaes forem os riscos internos ou
externos que ameacem o Estado, ha sempre n’ estes indiví­
duos ou classes, que ja por suas condicções, ja pelos seus
empregos no mesmo, não podem deixar de ser isentos da
milicia, por interesse da própria causa publica. Esses,
dispensados do serviço pessoal, contribuem entretanto, cm
geral, e podem até ser sugeitos em consequência d’ essa
isenção, a uma contribuição peculiar aflecta ás necessida­
des d’aquelle serviço. Si, pois, o principio, que em itli-
mos, de que todo o cidadão deve ser soldado, não pode ter
na sociedade uma applicação lilteral, tem-na ao menos
n’aquelle sentido, em que a sua verdade se mantem do
modo menos vexatorio e mais util á mesma.
Si assim é em taes condicções, com muito mais razão,
e em maior escala o deve ser si considerarmos o Estado em
circumstancias normaes de ordem e socego, em que para
manter-se e fazer-se respeitar esses bens, baste um numero
relativamcnle muito limitado de soldados em serviço con­
tinuo e activo. Então apenas será prudente que além
d’ essa força de promplidão, de que o Estado pode im m c-
diatamenle lançar mão, os mais cidadSqs que cslejào no
— m -
caso de servil-o militarmente, sem prejuízo de oulros gran­
des interesses sociaes, componhão uma força de reserva on
subsidiaria, que possa ser chamada em casos extraordiná­
rios.
Temos entre nós para este fim, ou especialmente para
a nossa defesa contra os inimigos externos, a Guarda Na­
cional, planta exótica da França, transplantada para o nosso
solo, que como força publica só ahi existe no papel, e que
mesmo quando pudesse ser e se achasse cffeclivamente or-
ganisada e capaz de servir, não teria em nossas condicções
a minima razão de ser.
Feliz ou infelizmente não estamos nas circumstancias
da França rodeada immediatamente de Nações poderosas e
rivaes ; pouco temos a temer de serio por parte das repu-
bliquelas circumvisinhas. Para nos ampararmos contra
quaesquer velleidades suas de invasão em nosso território
ou fronteiras, temos os mais formidáveis exercitos nas nos­
sas montanhas e rios gigantescos, nos nossos campos sem
fim, nas centenas de léguas de matas ou terrenos despovoa­
dos, que essas miseras presas de continua fraqueza e anar-
chia tcrião necessidade de atravessar antes de nos fazer
realmenle algum mal notável.
E’ principalmente pelo lado do mar, e com uma hôa
esquadra, que nos devemos acautelar contra alguma daquel-
las, que por ahi nos pode mais encommodar.
Dir-se-ha que a nossa Guarda Nacional prestou gran­
des serviços em nossa ultima guerra contra o Paraguay.
Sem duvida ; mas não foi como guardas nacionaes que
esses heroicos brasileiros que accudiram n’aquclla occasião
ao appello do governo, foi como cidadãos, como voluntá­
rios da patria.
Para o que realmenle serve entre nòs essa irrisória
instituição, esse exercito fictício, em que ó maior o nu­
mero dos ofíiciaes do que o dos soldados, é para opprimir
os cidadãos das classes mais desprotegidas da sociedade, e
convertei-os em servos d’ aquelles ou em instrumentos de
sua influencia eleitoral a serviço do governo. Uma sim ­
ples ameaça de recrutamento, de uma revista, de um desta­
camento, ou diligencia longínqua, basta para que essas vic-
timas desgraçadas se sugeitem a toda a sorte de serviços,
corvôas e lyrannias que lhes querião impor os cormnandan-
1(59 —

(cs de seus pliantaslicos batalhões ou companhias, c até o


seu sargento ou caho !
Um dos maiores benefícios, que se podcria, pois, fa­
zer ao nosso povo, seria a abolição completa e immediata
(fossa terrível machina compressora da grande massa do
mesmo, sem o menor preslimo em bem da causa ou da
defesa Nacional, salva a sua substituição por alguma cousa
menos aparatosa. mais real, e mais ulil para este fim.)
CONTINUAÇÃO 0 0 C A P IT U L O XII

OBEDIÊNCIA PASSIVA 1)0 EXEUCITO, POLICIA.

Prelecçuo XXIII

$$77-78

Composta a força publica ilo Estado ou o seu exerci­


to, u principal necessidade d’ e s lc é inconlestavelm enle a
tie que nos falia o Compêndio na parle linal do § 76, c na
primeira de suas notas, isto é, a d c s e r e l l e subm ellido a
uma disciplina especial, e severa.
C om prehendc-se bem que uma multidão armada sem
esse freio poderoso, que deve ler por base uma obediên­
cia illim itadaa seus superiores ou chefes, c d’ c s le s a o po­
der social encarregado da segurança c defesa da Nação,
em vez de ser uma garantia para esta seria um elem ento
constante c terrível de perturbações no seu seio.
E ’ sem duvida esta verdade demonstrada pela razão,
o muitas vezes até pela triste expcrieucia dos povos, que
aulorisa o principio, gcralm eulc adm illido c praticado em
todas as actuacs organisações militares, da necessidade da
- 171 -

obediência passiva do soldado. Só assim, com elfeito. é


possível evitar-se a ressurreição dos Prelorianos, dos Ja-
nisaros, e dos Strclitz.
Oebalde os que se inspirão nas puras idèalidades, ou
vão beber suas theorias nas fonles de um liberalismo mal
entendido, clamarão contra aquella doutrina por lhes p a ­
recer que degrada o homem reduzindo-o a machina.
O soldado é sem duvida um homem, mas adstríeto a
deveres de tal importância e natureza, c de tal modo ca­
pazes de com prom etterem a sociedade, se forem mal cum ­
pridos, que para previnir-se este caso é indispensável su-
geitar-se todos os seus movimentos ou aclos concernentes
aos mesmos a regras inflexíveis de que lhe não seja licito
afastar-se um só apice por arbítrio proprio. Dc outra
sorte seria m elhor não armal-o, e deixar a ordem e a se­
gurança das Nações entregues aos azares de sua bôa ou má
fortuna. . .
N’aquelle circulo, cm summa, o soldado deve ser, com
elfeito, quasi uma machina. O que, cm vez dc obedecer
ao seu legitimo superior, reflexiona c pretende deliberar
por si cm tal assum plo, será o mais perigoso dos entes
nas occasiões criticas cm que o Estado mais necessite da
sua acção. Para o final triumpho dos Romanos contra a
tenacidade dosSam nitas 11’ u m a lu la de mais de meio sé­
culo, não conlribnio menos a severidade de Manlio lo r-
qualo fazendo executar seu filho vencedor, porque com-
batlêra contra a sua ordem , do que a dedicação heróica de
Decio Mus sacrificando-se pelas legiões.
Si cm nome d’aquella obediência passiva pódc o su­
perior alguma vez impellir o subordinado a com m etter um
excesso ou erro no desempenho de suas obrigações, res­
ponderá elle proprio pelo seu abuso ou incapacidade A
mesma lei militar, que lhe assegura essa obediência do in­
ferior, deve punil-o cm taes casos com igual severidade.
Póde o soldado, por cxcepção c em alguma hypolhcsc, ver
m aise melhor que seu superior ou cliele ; mas como este
deve ter, em regra, em seu favor a presumpção, e tem em
lodo o caso a responsabilidade da direcção ou do co m ­
utando, é necessário collocal-o cm condições deitada poder
invocar para desvial-a de sua cabeça.
Por mais seduetnras que seján as doutrinas que atarão
essa obediência, é impossível que a acccilcm os homens
de verdadeiro critério, para salvar-se nma snpposla digni­
dade individual com prom ellida, à custa da ruma social.
Entrando para a sociedade o homem abdica em favor d esta
e de seus proprios direitos uma boa parle de sua liberdade,
c si n’ isto não se degrada a sua dignidade pessoal, si é isso
atè uma condicção indispensável para que esta se torne
effeetiva e se mantenha, em que se póde fundar esse hor­
ror á obediência passiva a que é submeltido o soldado,
quando se alista no exercito ? Com isto nâo faz elle lambem
outra cousa senão privar se de uma porção mais extensa
d’aquella sua liberdade, porque assim o exige a especiali­
dade dos encargos que o seu novo estado lhe tmpoe.
Em fim, na ordem militar a obediência passiva ás or­
dens dos superiores é tão necessária, quanto seria repu­
gnante para c o m a s simples ordens dos governos nas rela­
ções pnramenle civis, como já dissemos em outra paite ,
porque ahi ella é uma condição essencial da segutança
comtnum, ao passo que aqui seria nma mutilação da li­
berdade do cidadão sem justificação plausível.
Mas si no serviço militar é indispensável aquella subor­
dinação com pleta, deve-se concluir que é lambem n eces­
sário que elle seja regido por uma legislação excepcional,
que tenha por base o rigor. Só assim, se poderá impôr a
homens esse silencio absoluto de suas próprias inspirações,
que naturalm énic tenderão a revoltar-se contra os laços
que as prendão.
Não póde, com eíTeilo, ser essa legislação modelada
pela m oderação que deve presidir à confecção das leis
civis e caraclerisar as suas disposições, ou o modo de pro­
ceder dos seus juizes. O regimen militar muitas vezes
terá de afastar-se das regras da jurisprudência com m um ,
quer nos seus preceitos, quer na sua penalidade, e quer nas
formulas do seu processo e execução das sentenças dos
seus tribunaes. . . . .
Isto não quer dizer, entretanto, que os princípios de
justiça, e mesmo os de equidade, devão ser banidos dos
codigos c regulamentos militares. Mas é incontestável
que ahi não póde a sociedade dar tanta expansão, ou fazer
concessões lâo largas ao espirito de brandura, que o le­
gislador ordinário deve ter muito em vista.
178 —

Seja, porém, como for, desde que o soldado, pelo faclo


de sêl-o, não perde a sua qualidade de cidadão da socie­
dade em que vive, cumpre queaquelles codigos ou regu­
lamentos não confundào nas suas disposições ou penas
excepcionaes os aclos por elle praticados que não respei­
tem áquelle seu estado peculiar. Pela lei e penalidade
com m uus devem ser tlles regidos, ou reprimidos os seus
delictos de ordem propriamente civil.
E ’ certo que em laes codigos e regulamentos muitas
vezes se é forçado a considerar como infracções ou crimes
militares, cm razão das circumslancias em que são prati­
cados, das ligações que lenliào com o serviço do exercito,
e da influencia que possão exercer sobre a sua disciplina,
fa d o s que verdadeirameme não pertencem aquella ordem ;
todavia muitos ha que, sem duvida, devem ficar fora da sua
alçada, embora com m eltidos por soldado, não sendo li­
cito com prehendcl-os em um rigor que só se justifica pela
especialidade dos seus motivos e do seu objecto.
No § 78 mostra-nos o Compêndio odireito que tem
ainda a sociedade de estabelecer no seu seio uma policia,
a qual consiste em um systema de vigilância e providencias
tendentes á prevenção dos males que lhe podem provir já
da sim ples incúria ou negligencia de seus mem bros, ja d a
sua malicia, e jà fiualinente da própria acção de causas
naluraes e fortuitas.
Na verdade por meio de uma activa c inlelligcnte po­
licia, não só a sociedade póde, com effeito, evitar no seu
seio a pratica de muiios aclos que a prejudicarião, e a
seus cidadãos, e até de muitos crimes ; mas ainda, acau­
telar em grande parle as injurias e calastrophes com que
a natureza physica muitas vezes aflílige os povos, ou pelo
m enos altenuar ou remover os seus estragos.
Por isso se costuma dividir a policia em correcio-
nal, judiciaria, e administrativa.
A primeira tracta propriamente de vigiar, prevenir, ou
corrigir os aclos que por sua natureza, sem serem ainda
crimes, mas som ente faltas ou irregularidades de condueta,
podem converter-se em laes ou dar occasião a sua pratica,
si n’aqucl)c sentido não providenciar o poder publico.
A segunda diz. respeito ã prisão dos criminosos, a
cerlas necessidades de ordem rios seus processos c julga­
mentos, e á execução das suas sentenças.
A terceira, em fim, a cerlas especies de melhora­
mentos, com m odidades,c segurança que devem ser promo­
vidos e garantidos ao publico.
\ policia cm geral vela, cm summa, e ao mesmo tem ­
po, já pela ordem e tranquilidade social, ja pela vida, sani­
dade, liberdade, e fazenda individual dos cidad ão s; c si
esta é exaclamente a missão do Estado, c claro que lhe
não pode ser contestado esse direito de policiar-se, ou
antes ao proprio Estado, e a seus poderes não é licito d e s ­
conhecer ou pôr a margem esse seu dever imperioso.
Não menos evidente é o que nos diz o Compêndio na
ultima parte d’ esle mesmo §, aflirmando que os meios po-
liciaes nunca devem ser injustos. Com cffeiio, havería
manifesta contradicção, em concedel-os ao Estado para evi­
tar-se na sociedade os males que lhe podem vir da injus­
tiça e ahuzos da liberdade individual, e attribuir-lhe ao
mesmo tempo a faculdade de ser arbi trario ou injusto na
sua escolha e emprego. O poder social, como todo e
qualquer poder, é sngeilo ás regras do justo e do honesto,
e mal estaria a sociedade em que de sua própria autoridade
partisse o exemplo da injustiça mesmo acobertada com os
mais plausíveis pretextos. Uma policia arbitraria seria 11a
sociedade um fiagello pelo menos tão insupportavel como
aquelles a que ella poderia ficar sugeila pela sua falta ab­
soluta .
Não ha bem que se possa comprar assas barato na
sociedade humana pelo preço da violência e da iniquidade
reduzidas a syslema, e armadas com recursos que as ha­
bilitem a ir impunimenle até onde lhes aprover, assim como
não ha povo, a não estar completamcnte aviltado, que de
bom grado por muito tempo possa resignar-se a uma policia
organisada sobre semelhante base.
Mas si 0 poder a quem é confiado 0 direito de policiar
a sociedade, deve con ler-se dentro dos limites da rasão, e
da prudência no desempenho de tão ardua tarefa ; por outro
lado não devem os cidadãos ser fáceis em nutrir desconfi­
anças, quando a sua aclividade procure expandir-se naquellc
fentido. « Mais vale, diz Maçarei, uma policia um pouco
mcommoda, do qnc de lodo paralysada.»
Km Mim ma, em todo o Eslado regular é indispensá­
vel uma policia, c <pic cila seja provida de amplos meios
de acção e dc poderes exlensos, e mesmo alé certo ponto
descricionarios ; c isso essencial para que ella possa satis­
fazer aos fins de sua instituição. Mas a par d’ isso, c mesmo
em razão d’csses meios c poderes que é necessário co n fc-
rir-se-lhe, e que se poderão facilmente converter em meios
dc prepotência,cumpre que as leis que a organisem lenlião
o maior cuidado na definição de sua competência, c na
fixação dos limites, o do modo porque as suas funeções
devão ser realisadas.
A policia, assim como toda a acção dc qualquer poder
na sociedade stippõe o apoio da força publica. Em geral
qualquer especic d’ csla consliluida no Estado concorre
n’ esle sentido ; o exercito propriamente dito em grande
parte auxilia. Mas, a bem do desempenho mais regulare
mais promplo dos deveres a seu cargo, convém que algu­
ma parte d’aquella força seja especialmenle destinada ao
seu serviço em cada uma das circumscripções civis, judicia­
rias ou administrativas do mesmo Eslado, e immediala-
m ente sugeita aos respectivos poderes.
Além d’ issoella deve ler o seu pessoal proprio, encar­
regados directos de seu exercício ; a policia correccional
é, por via de regra, commetlida a agentes ou autoridades
de nomeiação e pura confiança do governo, a judiciaria
aos juizes c tribunaes respectivos ; c n administrativa, a
lunccionarios ou corporações d'esla ordem. A acção dc
cada uma d’cllas se exerce no circulo dc suas juridicções
i|uc podem ser mais ou menos extensas, segundo o syste-
ina de divisão territorial do Eslado. _
Sobresabc entre nós a policia da primeira espeeie,
cujas atlribuições aliás enlrão demasiadamenle por esphera
(|uc Ibe não é própria, c onde os abuzos são frequentes c
terríveis; mas, não é nossa intenção, nem nos com peieana-
lysar aqui os defeitos dc sua organisação, ou enumerar e
esligmalisar os seus excessos, que aliás todos os dias c por
todos os modos estão sendo denunciados, e excitando o
clamor publico. •
Direito Publico Universal.

paute n

C A PITU LO I E II

DIREITO DO CIDADÃO, — LIBERDADE RELIGIOSA.

Prelecção X X I V

§§ 79 - 82

No primeiro (1’esles dous capilulos tracta o C om pên­


dio, em geral, dos direitos do cidadão, constitutivos de
sua personalidade, c que ellc diz-nos no § 79, que o Estado
não destróe, e antes consolida e assegura.
O hom em , tem com cífeito, pela natureza certos di­
reitos que lhe são essenciaes, inherenles a sua organisação
moral, que lhe é licito exercer em lodo o tempo e c m toda
a parle com a maior amplitude, ou sob a unica condicção
de não prejudicar iguaes direitos de seus semelhantes.
Si, por esta razão, quando elle entra para a sociedade
politica, esses direitos carecem de ser de certa maneira
modificados, é evidente que só podem sel-o até onde o exi­
girem as verdadeiras necessidades de sua harmonia entre
todos, e jamais ao ponto de serem aniquilados ou dim inuí­
dos a arbítrio de quem quer que seja no Estado ou dos
proprios poderes d’ cslc. Não sendo a sociedade politica
senão um meio para os homens de conseguirem seus fins
177 —
rarionaes, nenhuma razão legitima pode haver para que a
personalidade individual dos seus membros se extingua no
seu seio, ou seja por cila mnlilada. Seria isso dar-se por
missão ao Estado exaetam enle a perpetuação, soli foi ma
diversa, do mesmo mal tpie elle se destina a conjurar.
Si aquclle tem lam bem uma personalidade que deve
ser respeitada e mantida, é porque não é esta incompatí­
vel com a dos seus cidadãos, ou antes, porque é uma cnn-
dicção indispensável da sua realidade. Assim como não
ha ordem possível sem a-subordinação que a sociedade po­
lítica impõe a seus membros, lambem não pode esta leva­
da por tendências absorventes ou vãm enle meticulosas,
pôr peias ou rcslrirções imiteis ou prejudiciaes ás legiti­
mas faculdades d’ aqtielles.
O principio de individualidade, sem cujo respeito e
pratica conscienciosa não pode baver cidadão digno nem
verdadeiro progresso Nacional, deve, por certo, ser com ­
binado com o principio de unidade, fundamento primor­
dial da formação c subsistência da sociedade ; mas o poder
publico deve ler sempre cm mente que os direitos do cida­
dão, tein por via de regra, como diz A b reu s,— sobre as
faculdades reslriclivas do Estado urna primasia que a razão
e a natureza humana estabelecem em seu favor.—
Em summa, é evidente que a prosperidade de qual­
quer associação polilica, não c senão a somma das vantagens
(ie que gosão aquclles que a formão ; e si estas são impos­
síveis onde os cidadãos não tem perfeitamente garantidos
todos os direitos, o Estado que os nullilica ou restringe,
cava a sua própria ruina, sacrifica a interesses de oceasião
ou illegiiimos, ou a receios pueris, o seu verdadeiro pro­
gresso o felicidade futura.
Mas, como nos diz o Compêndio no §, 80, c aliás ja
vimos em nossas prelecções de Direito Natural, todos os
direitos humanos se poJem resumir em um só, que com-
prehende todos na sua generalidade. Todos elles, com
efleilo, revestem uma só lôrma, reduzem-se ao direito de
liberdade que entretanto, segundo as matérias sobre que
obra, toma nomes dilfercntcs e coiistitue outros tantos d i ­
reitos particulares dislinclos.
Conseguintemenle na garantia e desenvolvimento
d’ essc direito em todos os sentidos em que elle possa ex-
28
Digitalizado pelo Projeto Memória Acadêmica da FDR UFPE

icrnarncnlocspocialisar-se, consiste o mais imperioso dever


do Estado. A isso devem destinar-se as suas leis, c ins-
liluições, e applicar-sc lodo o cuidado e zelo dos seus po­
deres públicos. As legislações ou governos que de outra
sorte procedem não podem ser bem accéilos na socieda­
de. Esta os supporlará apenas em quanto o jugo não se
tornar insuportável, ou em quanto lhe faltarem os meios
de s acu d il-o ; e d’ alii essas lutas constantes, essas eom -
moeções violentas na mesma sociedade, que ainda depois
de vencidas no meio de míl estragos, ameação sempre
renovar-se, até que uma constituição mais sabia, leis mais
justas, ou um governo mais digno, venhão restituir ou ga ­
rantir a todos os cidadãos os seus direitos espesinhados.
São, de certo, condemnaveis todos os excessos, ainda
mesmo os commctiidos em nome da mais santa das causas.
Mas quando os proprios poderes incumbidos de fazerem a
felicidade dos povos, e que só para isso foráo instituídos,
procurào aviltai-os e opprimil-os, quem poderá contestar a
estes o direito de invocar e sublevar contra elles todas as
forças sociaes? A revolução é, sem duvida, um recurso
extremo, e quasi sempre acompanhado de horrores, mas
não pode deixar de ser um direito da Nação, nos casos em
que se torna rcalmenle indispensável. Não lia meio
lermo : ou a lyrannia é legitima, ou o é aquelle meio de
derruba la em falta de outro mais suave ; ou esse direito é
liqu id o ,.o u são vãs todas as theorias do Direito Publico.
Esligmatise-se com toda a energia as violências e atrocida­
des, muitas vezes até excusadas, que em tacs crises calami­
tosas se pratica, e que ainda assim não podem ser julgadas
pelas regras communs da ju s tiç a ; mas salve-se, em lodo o
caso, o principio da soberania Nacional, e a dignidade c li­
berdade do homem e do cidadão, ou os mais sagrados e im ­
portantes dos seus direitos em que aquellas se resolvem no
Estado.
Desses direitos o primeiro, que como tal nos indica o
Compêndio, é o de liberdade religiosa, ou das crenças c
cultos com que se oecupa no Cap. II. A crença, nos diz
eile no §7<S, consiste na idéa que o homem tem de Denso
de seus attribulos. e o culto na pratica de certos actosde
eonlormidade com aquella, e que o mesmo homem j" lg a
serem-lhe agradaveis; este [iode ser interno ou externo,
— 179-
consistir cm uma simples adoração espiritual, ou n o ex erei-
cio de ceremonias exteriores destinadas a manifestar a
mesma crença e a dar-lhe mais vivacidade e brilho.
A crença cm quanto pura crença não pode deixar de
scr livre, Dchaldc tentaria o Estado ou qualquer força hu­
mana contrarial-a ou substiluil-a por meio do constrangi­
mento. Nos domínios da consciência é impotente, de
facto, qualquer especie de lyrannia. Si pelo emprego das
torturas se pode reduzir alguém a confessar uma lé diversa
da que tem no coração, semelhante confissão não lhe pas­
sará dos lábios, e a religião que se lhe pretenJa impor lhe
será maldita, e um objecto de constante horror. (
Si é impossível aniquilar-se as crenças no fundo d alma,
é facil atacal-as ao menos no seu exercício externo, e é so­
bre tudo n’esle terreno que a ignorância e o fanatismo dos
poderes polilicos ou religiosos, aliás pouco preoccupados
com a sinceridade das conversões, tem cm todo o tempo
praticado os seus furores.
E ’ evidente, entretanto, que c-xceplnados os abusos ou
excessos da superstição, ou do espirito de seita, que uao
poderião invocar em seu favor, contia a repressão social, a
salva-gnarda da liberdade religiosa, deve scr esta garantida
a lodo o homem quer em relação á sua fé, quer ás expan­
sões exteriores d esta, seja qual for a idea que clle forme da
Divindade e de seus allributos, ainda que aos mais pareça
ou realmente seja cila pouco rasoavel, urna vez que n ã o o l-
fenda os seus reaes direitos ou certos deveres de moral e de
ordem, cujo respeito ó indispensável cm toda a sociedade.
Os falsos receios da liberdade, das crenças ou cultos,
ou o proposilo deliberado de perseguil-a tem sido origem
dos maiores horrores no mundo, e ensanguentado os autues
da humanidade. Mas com prehcndc-se bem que religiões
impostas pelas fogueiras ou pela espada, ou outros meios
semelhantes, são não só verdadeiros alternados contra a
natureza humana, como até os maiores insultos que se
possa dirigirá Divindade, a não seresta um Daal ouMolocli.
Servirão somente, e de mais tem servido, para exterm i­
nar-se raças e povos inteiros da face da terra, reduzir-se a
minas e a cinzas cidades, c reinos, mas nunca para fazer-
se um só prosclylo á verdade, ou ao Deus tenebroso a quem
semelhantes hecatombes e llagellos possào ser gratos.
— 180 —

Contra os erros em matéria de fé em quanto se ahri-


gão na consciência, ou se traduzem em praticas inoffensi-
vas, nenhum remedio lia legitimo c efiicaz, senão o da
persuasão e, da caridade. Por quacsqner outros meios ape­
nas se conseguirá augm enlar o numero ja crescido dos
hypocrilas, ou o dos marlyres.
O Estado, e até os proprios sectários de senso e hôa
l'é de qualquer crença tanto mais acautelados devem ser
n’esie assuinplo, quanto é difllcil ou antes impossível, de­
cidir-se no mundo, de uma maneira definitiva e geralmente
acceila, em que consiste 0 erro em religião ; e m esm o,
verificado elle, assentar-se de um modo geral e seguro, a
competência de qualquer poder humano para condemnal-o.
Cada partidário de uma religião, com a mais rohusta
e sincera convicção, tem a sua como unica verdadeira, e
por motivos para elle tão solidos c decisivos, como os m e­
lhores que os de qualquer outra possão invocarem favor da
que seguem. Esses motivos radicão-se no seu espirito,
não lhe são mesmo impulaveis, identilicâo-se com a sua
personalidade, constituem a sua vida intima, e tem neces­
sidade de expandir-se externamente. Em nome de que
principio compatível com a sua dignidade ou natureza lhes
poderá ser isso vedado ? ou cm nom e dc que privilegio
uma Irar cã o «Peites ou qualquer trihunal da terra se iul-
gara com direito exclusivo para tanto ? ' J
A não se querer, pois, autorisar 0 extermínio reci-
p.oeo da humanidade em nome e polo amor de Deus só
este pode ser j u i z das crenças que a dividem, e das diver­
sas n.anetras porque os povos cm sua ingenuidade lhe iri-
Jí i i vii suas adoraroes c 1jo ítipnngcns

i i , « " i S n,z -t<UCr r 1™


internelre de verdade ?
"“"c
0 a extí|,ecria ? Como

« i » I»™ Iodas o mesmo valor í. ,'. is . ....... ..


de igual dirpiin i,\ ii„ . o r’ c as *a,a cter-se na posse
maioria? tamlx-m não ■ T .C° m ° 0l^il0 (la tle uma
maiorias são nniit is c ’ ’ü l^ "r a v c n *a,*e é uma só. as
‘ «do fosse proceitcnte d ,.? 3* '«"3cs Si tal li-
'cr-se-hia reconhecer a cada unia
- 181 -

o dircilo de perseguir c prescrever as mais ; e o <|iic seria


cm tal caso a verdade religiosa ?
Entretanto é o que tont sem pre acontecido. Foi em
nome d’essa verdade que o paganismo innundou o circo de
líoma com o sangue dos primeiros Clirislâos, assim com o
que o Chrislianismo, p osteriorm enlc, reduzio a cinzas os
seus templos, destruio suas cidades, talou seus campos, e
que. por lini, no seio cfellc proprio surgio uma iulinidade
de seitas que conflagrarão o mundo.
A unica verdade religiosa, cm que todos os homens e
povos devem concordar, que ó conform e á sna dignidade,
ao seu hem ser com m n m , c ás pcrfeições de Deus, co n ­
siste na pratica sincera c constante do amor a este e ao pro-
ximo, e isto é possível mesm o no meio dos ritos ou cere-
nionias diversas c mais cu m enos extravagantes que for­
m ão o culto exterior de todas as crenças humanas. Ora,
si aquelles puros sentim entos não podem ser de faclo
ahalados peda violência, nem ser perseguidas com justiça as
manifestações simples c suhlimos em que deve consistir o
seu culto ; uào são, de certo, as exterioridades secu n ­
darias e em grande parte ridículas que os rodeião, c com
que os corrom pem a superstição e os cálculos profanos dos
seus ministros, que hão de justificar os horrores com que
as dillerenies religiões m u lu a m cn lc sc dilacerào, e a final
cm pura perda de todas.
Daldados, com eficito, forão sempre os cxforços quer
dos governos quer das sciias n’esse sentido. As crenças
sc apurflo no meio dos m a itv rio s; si estes as cxlingtiem
cm uma geração, renascem cilas na seguinte mais robustas;
é a historia do proprio Chrislianismo. Quando este, mais
tarde, de perseguido se tornou por sua vez. perseguidor,
esteve o mundo em lerm os de tornar-se Ariano pela sua
intolerância. Na Allem enha prevaleceu o luthcranismo
a p e za rd o s exércitos de Carlos V , e das fogueiras de Joflo
lin s, e de .leronymo de P ra ga ; na Escócia o prcsliytcria-
uismo, não obstante a caçada dos ('ouvenanturios sob os
Slu a rls ; e na Inglaterra a reforma de Henrique VIII, máo
grado a prepotência c crueldades de Maria.
Km lim toda essa longa serie de m onstruosidades que
nos refere a historia, esses m assacics inauditos de tantas
centenas de milhares de pacíficos Albigeuscs c Vaudescs,
— 182 -
essa immcnsidade de torturas c autos de fé dos Torquem a-
das, esses furores canibaes da liga, da Sainl-Bartlielem y,
da revogação do Edicto de Nantes, da guerra das Gevennas,
essa devastação fria e cruel a forro c fogo de tantas Nações
e povos em nome de um Deus de paz e caridade, não tem
tido a ti na I outro resultado senão o descrédito das reli­
giões que os tem aulorisado, e a incredulidade c indeferença
religiosa que caractcrisão o presente século.
Possào os conselhos de uma philosophia sã, digna da
humanidade e do Crcador, e as inspirações de uma educa­
ção moral verdadeiramenle piedosa e simples, reparar
esses immcnsos estragos, e introduzir a luz n’ esse cabos em
que a superstição e o fanatismo tem arremeçado o mniido
e que ainda procurão explorar cm seu proveito.
Baldado exforço ; pois que a razão uma vez em anci­
pada não pode mais ser presa do despotismo da ignorância.
A civilisação do mundo jamais recúa nos passos que avam a;
nunca mais ahandona as coiupiistas que fez, e que sclíou
com o doloroso sacrifício do sangue humano.
CONTINUAÇÃO DO CAPITULO H

ASSOCIAÇÃO r elig io sa; seu s d ireito s

1’rclcccâo XX V

§§ 83 - 87
Si, como vimos cm nossa ultima prclecção, nenhum
poder humano é competente para violentar as crenças intli-
viduaes csuas legitimas manifestações, si temos por isso,
a liberdade d’aque!las e dos cultos, é ainda do mesmo
modo, evidente que lodosos que professem qualquer reli­
gião no Estado, e tcnlião portanto a indeclinável necessi­
dade de pralical-a, devem ler igualmente o direito de a s ­
sociar-se para esse fim, como nos diz o Compêndio
no § 83.
E’ justa essa tendência dos homens que nutrem as
mesmas ideas e os mesmos sentimentos á pol-os em com-
mnnlião regular c permanente-, pois que só mediante a
cooperação e a ordem que d’alii resnllão podem ser elles
mais commoda e ellicazmentc cultivados, desenvolvidos e
propagados; e si esta aspiração é própria e commum a
- 184-
lodas as convicções profundas e sinceras, em nenhuma é
t 4 o V ' f é Ura ° ma'S V' Va <IU0 n'atl KGJlas que respci-
E só no grêmio de laes associações que osla se pode
cxpan ir, apurar-se, dar testemunho solemne d e s u a b o n -
<lade e pureza, satisfazer aos anhelos da devoção de seus
‘ ^ os’ e a^(fulr|r novos. Uma crença religiosa isolada
2 ,Ç i<e. Cai 3 ina,.vl(,u°i 011 limitada a viver no reco-
n e n r e nnfnln1 domesllco C01™ risco imminente de dege-
a tm ciiv n s Httecer-se, e perde muito de sua grandeza e
coiUemol^nn , C0',scie" í ' a do sua unidade e extensão, a
os esiinmln llS anle das Itomcnagens <|ue sc lhe rende,
nfra ó si u qUC “ C0lP1m " " ,'«° cria, os exemplos que ins-
í n i L , r mm,,nula(le ,los ,nale» 011 seffi imeiitos que
a , ' j a° i Ü1(l? conc?rre para fortalecel-a, exallal-a, e tor-
vicas 1 daS m a‘S her° ' Cas virtl,des religiosas ou ci­
, ^ a0 P0's i 0 Estado ler o direito de impedir que
aes associações se formem c vivão no seu seio em ne-
liuma í-Bzao plausível poderia fundar-se semelhante
P ençao; ao contrario os seus proprios interesses bem
tecçio ld° 8 ° aCOnsell,ao a lilteralisar-lhes a sua pro-
Mas si toda a sociedade suppõe um governo nue a di-
nja, e que lenha poderes suíTicièntos para isso, c claro o e
toda a associação religiosa o deve ler, como nos diz o Com ­
pêndio no § 8 * , e que esse seu governo deve encontrar no
Lslado todas as garantias de que careca para obrar, em
quanto se contiver nos domínios que liie são proprios e

do podei político na constituição e regimen esneci d das


egrejas seria uma usurpaçãoodiosa e injustificável. '
dadns) L r da,le,r° S lim" e r <le " m e (io 011110 poder são
l’r0,,ní)S fins-, Sabemos <le que natureza
sivamento N ■ " e s e ndo os da sociedade religiosa exclu­
a • mente cspirituaes, aos meios d’ esta esnecie ou aos as­
' P os que com elies tenhào intima dependência, deve
- 185 —
eircumscrever-se a sua acção ; alii porém, deve esla ser
livre. Só a autoridade religiosa pode, portanto, ser com ­
petente para curar das crenças de seus membros, para ins-
truil-os nas doutrinas que conslituão a sua fé, para definir
os seus dogmas, ou explicar os seus mistérios, para esla-
belleceras praticas c ceremonias de seu culto ; assim como
para deslribuir áquelles as vantagens ou applicar-lhcs as
penas rjue cada um mereça segundo o seu procedimento
ifiessa qualidade, fazer leis para regular tudo isso, c prover
á sua execução. Ella deve, pois, em surnma, como nos
diz o Compêndio no final do § 8 3 , ter um poder legislativo
executivo, c judiciário independente dos poderes civis.
Mas em vista da natureza de sua missão que acaba­
mos de indicar, o motor senão exclusivo, ao menos princi­
pal de todos esses seus poderes, ou antes a primeira senão
unica fiança de sua effectividadc, deve ser a persuasão,
assim corno as suas recompensas ou castigos não devem
passar da prestação ou privação do gosos ou benefícios es-
pirituaes que a sua communhão offerece. A coação mate­
rial é de lodo exlrauha á sua competência, e a religião que
d’ ella precisa para manter-se e fazer-se respeitar, está cm
caminho da decadência. Tudo quanto ifeslo genero se
tem introduzido nas leis e instituições religiosas, lodo esse
apparato de formulas e meios externos emitados da socie­
dade temporal, que quaesquer seitas religiosas mais ou
menos ostentão, são verdadeiros almzos e aberrações, que
só atlestâo por sua parte o desconhecimento de seus fins
sublimes, e só servem para disvirlual-as cm unico proveito
real e profano d’aquelles a quem ó confiado, ou que se ar-
rogão o seu governo.
A independencia da sociedade religiosa em relação á
civil, não pode rasoavelmente ser posta em duvida, deter­
minada com precisão a espliera de seus respectivos pode­
res. Mas as dilliruldades, muitas vezes levantadas de má
fé, quanto á maneira de cnlender-se o que devo pertencer
corno proprio a uma ou a outra, e a tendência de ambas as
partes a invadirem-se, tornaram outr’ ora essa independên­
cia contestada em relação ao Estado, e boje a prcjudicão
contra a religião. Eoi isso enr todos os tempos causa de
tremendos confiictos entre a queles poderes, laes como o
que sc conhece na historia sob a denominação de cnnlro-
24
- 186 -
versia das investiduras, entre o papadoc o império Allemào,
«pie durou por mais de meio século, e lào 1'erlil loi cm es-
candalos e desastres, <|uer para a bôa política e paz dos
povos, quer para o proprio catholicismo.
Para evital-os, na difiiculdade de reconhecer cada um
dos ditos poderes as verdadeiras raias de sua legitima ju -
risdicção, serião precisas, ao menos, muita moderação, e
reciprocas concessões de parto a parte ; mas em ambas
as sociedades tem lido sempre mais ou menos entrada as
paixões ruins, e iníelizmenle não tem sido as auloridades
religiosas as menos provocadoras de taes desordens. Si o
Estado tem muitas vezes abusado n’ esse sentido do seu po­
der político, aquellas não tem menos d esu a lorça moral c
da simplicidade dos lieis.
Cumpre que esses dons poderes se manlcnhão c se
respeitem cada um na sua espbera.
Si a iudependencia do poder civil é indispensável a
da sociedade religiosa o é igualmenle a bem da consecução
de seus lins. Ella não pode deixar de ser admittida
desde que se adm ilte a liberdade das crenças e dos cultos'
e que o exercício d’esla suppõe meios e eondicçCes inlei-
ramente diversos d’aquellcs que são proprios da alçada do
poder político ; e desde que a pratica d’aquelias crenças e
cultos repousa sobre o sdictam es da consciência individual
lita toda a sua virtude dos movimentos espontâneos da
sua vontade, a tespeilo dos quaes não é licito influir pela
força, c que nos poderes políticos não assenta o papel de
pregadores ou apostolos. 1
Si nos domínios cspirituacs ou das cousas que a clle
immediata e rcstrictam enle se prendem e no seu regimen
onde a lorça umea admissível é a d a persuasão, não é pos-
sivel verilicar-se a acçüo do poder civil que essencialm enle
consiste em resoluções ou ordens que-seapo ião na coacçâo
matei tal, si essa tarefa só pode ser allribuida a uma asso­
ciação organisada de modo adequado á natureza d’aquelles
actos, e esta não pode ser outra senão a própria com m u-
nlião dos fieis de cada crença, é claro que as sociedades
religiosas, em geral, devem ser n’ esse terreno, ind ep en ­
dentes e conter em si mesmas os elementos necessários á
sua direcção.
Mas si ainda se considera que qualquer sociedade re­
— 187 —
ligiosa presupõe a exislencia da sociedade civil, sem a qual
nenhuma outra é possível; que aipiellas vivem no seio
d’csla, e seus membros c aló os proprios encarregados de
sen governo sao súbditos d’ ella ; qnc laes sociedades não
podem de todo prescindir dascousas exteriores ou do jogar
com interesses temporaes confiados á guarda c defesa do
listado ; em summa, que é fácil, sobretudo por parle
d’aquellas desconhecer e ultrapassar, mesmo em bóa fé, a
linha divisotia entre o que é da sua especial competência,
ou pertença á sociedade civil, torna-se patente que a sua
independência em relação a esta não pode ser absoluta,
nem isenlal-a de uma suprema inspeeção de sua parte, in­
dispensável para conlel-a sempre em seus rcaes limites, e
evitar os dantnos que de suas disposições ou praticas pos-
sào provir, quer aos direitos do cidadão, quer á ordem
publica. Aliás seria constiluil-as verdadeiros Estados no
listado, e tornar a sua exislencia sirnultanca incompa­
tível.
As sociedades políticas onde as associações religiosas
existem devem ter, portanto, sobre os actos de seu go ­
verno, e sobre as manifestações exteriores de seus cultos,
esse direito cm virtude do qual, como nos diz o Compên­
dio no § 80, lhe será até pcrmitlido prohibil-as em certas
circumstancias ou mesmo absolulamcnlc, desde que cilas
saião fora do recinto dos templos, ou de outros edifícios,
ou de lugares reservados á reunião intim ados seus fieis.
PCesses casos o poder civil não procede como censor
em matérias religiosas, nem entra no merecimento intrin-
scco dos actos ou cousas que prohibe, apenas os aprecia
pelo lado de suas consequências sobre os legítimos inte­
resses temporaes da so cie d a d e; procede em virtude do
direito de policia, que lhe pertence ifesla, e do dever de
garantil-a contra os males que d’ aln lhe possão nascer.
Recusado este direito ao Estado, eatlribuida ás diver­
sas sociedades religiosas, que sc formem em sen seio, uma
compjela independência, e armada esta de todas as facul­
dades necessárias para consliluil-a n’ cste pé, inclusive a d e
entender a seu arbítrio os limites de sua própria alçada,
breve seria absorvida por cilas toda a ordem civil.
Uma igreja deve ler, sem duvida, pleno direito de en­
sinar sua moral, sua doutrina, e dogmas, de celebraras
— 188 —

suas ceremoniaSjC por fim, de excluir de seu seio aquelles


que a cscandalisem pela incredulidade ou pela heresia, Mas
si cila ensina uma moral, doutrina ou dogmas subversivos
da sociedade, si prega o fanatismo, ou pratica um culto
m onstruoso; e si em vez de limitar-se a expellir de sua
commun.hão os incrédulos ou hereges, entende que deve
lortural-os ou queimal-os, o Estado tom, incontestavel-
merite, o direito, e o imperioso dever de contel-a c repri-
mil-a.
Os fieis de quah|uer religião só pela sua consciência
são e podem ser sugeitos ao governo da m esm a ; não po­
dem ser constrangidos pela força material a submetlerem-se
á sua disciplina, preceitos, ou penas corporaes que ella
pretenda impov-lhes, e o Estado que para fazcl-as elíectivas
presta o seu braço secular á autoridade ecclesiastica,
desconhece a sua missão, torna se Ivranno, e cédo ou
tarde solfrerá as consequências fataes desse sen erro ou
crime.
Eia, pois, cm ultima analyse, como se deve entender
qualquer igreja independente do Estado, ou a verdadeira
significação e alcance que devem ter nelle os seus po­
deres.
Si ape/.ar de toda a resistência dos Estados as diver­
sas religiões tem pretendido em nome do Céu avassalar a
terra ; si os seus governos inculcando-sc ministros da
Omnipotencia divina a que nada deve oppôr-se, tem ja tan­
tas vezes conseguido, não obstante os protestos da razão c
da liberdade dos povos, extender a sua autoridade quasi até
as raias do infinito, o que seria do governo humano, da
sua dignidade, c dos seus direitos, si essa sna preterição se
firmasse definitivamente no m undo?
Não é possivel no presente século ler-se saudades,
ou fazer-sc votos pela ressurreição das theocracias do an­
tigo Oriente, ou dos tempos de Gregorio V il, e dc lun o-
ccncio III.
Por mais que fação os endeosadores sinceros ou liy-
pocritas do poder espiritual para demonstrarem a superio­
ridade da associação religiosa sobro a sociedade civil,
deduzindo dahi argumento para absorver o Estado na
Egroja, jamais conseguirão convencer alguém, que o ho­
mem antes de traclar de sua salvação eterna na vida fu-
— 180 —

l i m , não tenha a necessidade e o dever imperioso de


salvar ífe s la a sua existência e direitos, de desen vo lver-se
e civilisar-se, até para m elhor co m p rclien d er naquella e
cum prir as obrigações <1110 ella lhe impõe.
Sem elhante doutrina levada ás suas ultim as c o n s e ­
quências reduziría a hum anidade a um vasto co n ve n to , a
uma im m ensa T h chaida.
CAPITULO III

Vrelecçâo ATAVA

$ 88

.V 'mos fl ,ie 0 Es lado deve protecção igual a todas as


religiões que cx is tã o no seu seio, s a l™ o seu direito de
reprim ir os e x ce sso s da superstição e do fa n a tis m o . Corno
p o rem se devera e n ten d e r ou até que ponto deve ir a sua
libeialidar.e a s em elh a n te re s p e it o ? Deve o m esm o Estado
m an tei a sua custa todas essas religiões c o n c o rre n d o di-
r e c ta m e n le por seu s cofres para a susten tação de seus
cu lto s e m in istro s, ou antes deve a b s te r -s e d’ isto em r e ­
lação a todas cilas.
O C o m p ên d io no § 88, opta pela primeira d’ c s s a s d o u -
in n a s ; mas n ós, apezar dos a rgu m en to s co m qu e ellc
procura apoiai-a, p re ferim o s a ultim a.
As eg reja s assalariadas pelo poder civil perdem toda a
- 101 —

sua dignidade e independência, e por íim, de todo se c o r ­


rompem e annullào. -
Para ler-se uma irisle demonstração d’esla verdade,
basta comparar-se os tempos primitivos de nossa própria
religião, os ires primeiros séculos em que ella viveu e x ­
clusivamente do fervor da .sua fé, com os séculos posterio­
res de opulência e poder material que lhe provierão do
seu consoreio hybrido com o Estado, e com a situação las­
timável em que no presente se acha o calholicismo. Aquella
sua época de pobresa, perseguições, e martyrios, foi la m ­
bem inconlestavelmente a de sua maior pureza e gloria, a
sua idade de o u r o ; começou a sua decadência no dia em que
clle subio ao Ihrono do mundo na pessoa de Conslantino.
Esta sua alliança bastarda com o poder terreno lhe
communicou todos os vicios e tendências d’este, e fez-lhe
esquecer de toda a sua natureza sublime. N’essa diuturna
e immediata convivência e troca de auxílios em grande
parte repugnantes aos legilirnos fins de cada uma das duas
sociedades religiosa c política, forão-se confundindo cada
vez mais os domínios de Deus e os de Cezar, e crescendo
em ambas, de mãos dadas, a corrupção e a lyrannia. Mais
tarde entre ellas próprias surgirão asusurpações reciprocas,
as pretenções ao predomínio absoluto, e lutas cruéis e es­
candalosas, que terminarão, a final, pelo descrédito das
crenças, c pelo despotismo dos reis, que a civilisação m o­
derna apenas agora principia a chamar a severas contas.
0 que aconteceu á religião de Chrislo, é. a historia de
todas em idênticas circumslancias. Avassaladas aos cofres
do Estado, ellas insensivelmente se deslisão de sua es-
phera espiritual, para se constituírem potestades profanas;
e aquellc, por sua vez, á m ercê do sallario e serviços ma-
teriaes que lhes presta, tende e julga-se por liin autorisado
a involver-se direclam ente no seu governo c disciplina, na
pratica e publicação de s e u s a c lo s o u decretos, e em todas
as suas instituições.
Nada d’ isto, entretanto, leria razão ou occasiâo de
ser, si as diversas religiões existentes em qualquer Estado,
se compenetrassem bem do seu verdadeiro caracter c des­
tino, si se decidissem a dar inleiram cnle de mão ás exlerio-
ridades c pompas vãs de qnc todas mais ou menos se
rodeião, e curassem mais das necessidades c anhelos espi-
— 192 —
nliiaes dos seus crenlcs do quo dos gosos e prcvilegios
mundanos de seus ministros, ou menos de constituírem
esles uma classe predominante na ierra, do que de guiarem
aquelles nas verdadeiras vias do Céu.
Consistindo a religião sobretudo na sinceridade e c a n ­
dura do amor do Deus e do proxirno, é evidente que sim­
ples e modestas como esses puros sentimentos devem ser
as suas manifestações exteriores. Para adorar-se a Divin­
dade não são, de certo, necessárias as maravilhas da líasi-
lica de S. Pedro, de Nolrc-Dame, dos pagodes de Gol -
conda ou de Jaggernat, ou de outros iguaes monumentos
de mármore arrendado, e cobertos de o n r o e pedrarias. Ao
Cnte iníimtamente Sabio, Poderoso e Bom , deve ter sido
mais grata a primeira missa que fez celebrar Colombo
diante de uma cruz de madeira tosca, no meio do recolhi­
mento ingênuo dos selvagens de Guanahani, e sob o docel
de suas palmeiras, do que todas as semanas Santas de
Doma, verdadeiros espectáculos profanos a que concorrem
os curiosos do mundo e de todas as seitas. Não se ora a
fisrm ãíw w ' idl llei’,sa.. 11 f llc 110 meio d e s s e s ouropéis que
lascinao os o i,os abafando a piedade nos co raçõ es.
-issim" , ! ! ■ (,o ° ° .m,1,spensavel a quaesquer religiões,
m m ?, r "íH uenca que lhes é própria não lhes podem
m inistiV^ím n1? ? ^ 108 va',la<le’ ne,n de uma legião de
r ?S ° m U,na j c,aicl,ia cerca,Ia de bon-
tas e poderes mundanos, nem de um cento de praticas,
sollre oifem J T “ i la0 l'"11™ ' 38 ,|uanl° 0''C>'osas áos lieis,
,l í r,ccal,em as e x l°rsões ja das respectivas
<gie|as, ja dos Estados que as subvencionào.
scouiulf» n'Vm?na’ i " ma reJÍS'ã° limitada ao que deve ser
a nobreza e a ,ial*i.J*Çza e íim ; cujos ministros mais amem
d ivid a <lncas ' ''Kiezas, os confortos
, I,re' otniuio terreno ; e cujo culto consista no
. , I ecenle, mas singelo, ,|0s aclos e ccremonias
1 'ta s p a ra a mamleslação de sua fé, dispensa inteira-
me,He o deve ate^repelhr a protecção do poder civil nos
-r nos em que o Compêndio a c o n c e b e ; e tudo aquillo é
ao so muito racional, mas também muito possível, quando
d e V n n ^ m |," ra1.e r:,l,usla- J a .cm algum dos Estados mo-
e no m ? a,h CIVI l s a ., l o s 0SS(! ri'gimen se acha em pratica ;
ibino sen lido agita-so de alguns annos para cá a
— 103 —

parte mais cordata do Calholieismo na Àllemanlia c na


Suissa,
Por outro lado o proprio Estado não tein menos ra­
zões para recusar tal protecção. Ou essa crença existe
n’aquellas condicções, e então as religiões respectivas lerão
vitalidade bastante em si mesmas para manter-se, e a seus
cultos e ministros, limitados ao seu verdadeiro caracter, c
não carecerão d’ essa protecção, nem o Estado deve procu­
rar prolegel-as por tal meio ; ou essas religiões não tem
raizes nos corações de seus sectários, e então não deve o
mesmo Estado sustentar laes parasitas, crenças mortas e
tão inúteis áqucllas como á sociedade. Eslipendial-as em
semelhantes circumstancias seria profanar, e sem vanta­
gem real, o que ha de mais respeitável entre os homens
equiparando-as aos espectáculos e lestas que pagão ordina­
riamente os Estados em decadência para entreter os povos
no aviltamento.
Diz-nos o Compêndio que como a religião interessa o
Estado, os que se dedicão ao seu ministério preslão um
serviço publico, cuja paga deve correr pelos seus cofres.
Mas primeiramente, este argumento é capcioso ; nem tudo
o que interessa ao Estado deve ser por clle sustentado á
custa do Thesouro publico. Aquillo que interessa, antes
de tudo, pessoalmenle a cada individuo, e respeita exclusi-
vamenlc á sua consciência, é mais racional pensar-se que
por clle proprio seja mantido. Em segundo lugar já mos­
tramos como c porque as religiões que podem prestar real
serviço á sociedade, são cxaclameitlc as que não carecem
do seu salario para subsistirem, e até somente repcllindo-o
podem elíectivamcnle operar n’aquella os benelicios pró­
prios de sua missão bem comprehendida. O simples lácto
de receber uma religião tal auxilio do Estado, denuncia já
a consciência que tem esta de sua mi11idade, já a que tem
aquellc de que ella não passa de uma religião de mera con­
venção e apparato.
Nem se diga, como 0 Compêndio, que os ministros de
uma religião, para poderem reprehender severamente os
vieios, precisão de ser pagos pelos cofres públicos, porque
sem isso (ieariào expostos a ser abandonados pelos lieis, ou
a tornarem-se relaxados para poderem esperar os seus au-

25
— I9i —
xilios. Para os verdadeiros lieis, e alé para os proprios vi­
ciosos, a austeridade e a virtude são os melhores lilulos ao
seu respeito, sobretudo quando aquellas são ehrismadas
pela pobreza e hum ildade; só isso pode com effeilo, asse­
gurar aos ministros de qualquer religião, a iudependencia e
autoridade de que ellcs devem dispor no desempenho de
suas nobres funeções. Aquelles que embora pregando t o ­
das as virtudes, dão o exemplo de todos os vícios, ou que
abração o sacerdócio, porque o Estado lhe consigna uma
congrua, e s ó o exercem co m a mira nos mais beneses que
elle rende, e quando os pode render copiosamente, esses c
que devem temer o justo abandono e despreso com que os
fulminem os fieis. O ministério religioso deve ser como
a mulher de Cezar, superior a toda a suspeita • quando
com razão ou sem ella, se lhe pode lançar em rosto a paga
ollicial que recebe, corre perigo imminentc a crença na sin­
ceridade de suas convicções, c na santidade dos motivos
que o impellem ; e d’ ahi exteude-se insensivelmente o
scepticismo ao que ha de mais essencial nas religiões.
E sem duvida no regimen das religiões e cultos s u b ­
vencionados, em que o sacerdócio sc converte em oíficio,
que a íelaxação dos ministros cedo ou tarde se introduz e
acha poderoso alimento ; pois que é já a relaxação das
cienças a razão principal de seu estahellccimenlo.
Supponha-se em uma religião qualquer crentes sin ce­
ros, ministros desinteressados, e um culto singello, e não
se lenha o minimo receio de que as necessidades d estes
sejão superiores aos dons gratuitos e espontâneos da devo­
ção pai ticular, e que aquelles venhão a morrer de fome ou
fiquem mhibidos de trovejar contra os vicios e os crimes ;
ao contrario, é então que o poderão fazer com mais inde­
pendência e autoridade. Mas, quando mesmo para não
vender aos poderes da terra a sua pureza c dignidade por
um prato de lentilhas, houvesse qualquer religião de expor
os seus ministros á penúria ou á morte, não deveria.exhitar
nm momento cm dar esse testemunho solemne de sua le -,
tal loi o procedimento heroico dos primeiros christãos af-
Irontando os leões do circo Romano, e os martvrios atro­
zes do furor pagão.
E uisie o argumento do Compêndio em appoio de
- 19a —

sua doutrina, quando afllrma que a não serem pagos pelo


Estado os ministros das diversas religiões n’ elle ex isten ­
tes não serião as consolações espiriluaes igualm ente des-
tribuidas entre os ricos e os pobres. Isto revela bem a
base falsa e repugnante em que essa doutrina carece de as­
sentar-se. Com efieilo, só julgando-se as religiões sem fé,
e os seus ministros de lodo pervertidos se pode invocar a
intervenção dos cofres públicos para a sua sustentação.
Mas não cessarem os do repetir que laes ministros, não são
dignos de sem elhante protecção, que aliás, em vez de pre­
p arara rebabilitação d’estcs ou d’aquellas serve apenas para
affastal-os p erm anentem ente de sua real e importantíssima
m issão. .
Demais, si as religiões subvencionadas, e por mais que
o sejão, não se resignão a viver só ou principalm ente d 'iss o ;
si em lo d o o caso, lançào mão para esse lim de outros e x ­
pedientes d e lu cro mais em proporção com as necessidades
do faslo, e das pretenções terrenas que as caraclerisão ; si
vemos na nossa, por exem plo , uma extensa escala de taxas
e retribuições impostas aos fieis pelos baptismos, ca sa m en ­
tos, sulfragios, licenças ou dispensas de um cento d e e s p e -
cies c denom inações, nova razão lem os para pensar «pie
bem pode ser suprimido esse concurso pecuniário do Estado
em favor d’ ellas, e de seus cultos c m inistros. Mantidas
essas fontes de renda ecclesiastica, e reguladas com a c o n ­
veniente moderação e justiça, não serião ellas bastantes
para a sustentação de quaesquer religiões, cultos, ou mi­
nistros com o os tem os figurado ?
Si o em prego d’ esses meios cm cuja exploração, ou
alta e baixa de lucros, en lrã o ainda n ecessariam ente por
grande parte a liberalidade e a parcimônia espontâneas ou
forçadas dos fieis ricos ou pobres, não constituo um com -
m ercio sacrilcgo de venda e compra dos benefícios e conso­
lações espiriluaes sob o regim en da paga oflicialdos cultos e
seus m inistros, ou não faz recciar que esses m esm os bene­
fícios e consolações sejão mais c de m elhor vontade lihe-
ralisados aos que mais gen erosam en te possão relribuil-os,
m enos o devia assim considerar o C om pêndio no regimen
da m anutenção d’ aqueUes cultos e m inistros pelos dons
gratuitos c espontâneos dos lieis, ou por essas m esm as fon-
— 190 —

lc:.s de renda co n ve u ien le m en le reguladas. N’cs tc sentido


e que sei ia indispensável e uiilissirna a inlcrven ção do E s ­
tado.
Por qualquer lado, pois, que se encare a questão de
qnc liactam os, não veinos outra solução a não ser a que
lem os exposto.
LNa nota ao paragraplio que analysnmos co m bate o
t.ompendio o argum ento d’aquelles que dizem q u e s u b v e n -
cionar o Estado todos os cultos é forcar os cidadãos a c o n ­
tribuir para religiões que suas consciências repellem . Elle
o Ia/, com vantagem , porque re alm en lc esse argum ento
nao tem grande torça, desde que, o cidadão é, e não
pode deixai de ser obrigado a co n co rrer para tudo quanto
seja vcrdai en-amente ntd em geral á sociedade de que faz
pa u ainda que isso senão conform e com as suas opiniões
|í!Í'l h N<> ('as0 ?eilcnl(! aill]ella contribuição não
, v ^ com o sectário, mas co m o m em bro do Estado.
, dtsli nela. Assim o Judeu e o Maliometaiio
versa d ^ mo |iai3 Slls[e il*ar 0 cuUo dos C b rislã o s , e vice-
3 l í 1 -*>«*0 ni°«|0 c pela m esm a razão, p o r q u e o r c -
I
paia i m a icpublica
iemiídü-n1ondo
)nV ai-a 3 m01l0lia|cliia c o m onarcbisla
vivão.
mar !!0lem’ CSM? .'cfutação (lo Compêndio em fir-
lil oi V i T !K> l,Mno,l"° <le que toda a religião por ser
mil
.nos (i u m c ! deve ser paga por este, quando ja moslra-
lUpiA,nipii' „ S. IC'?l0es (|ue verdadciramenle podem ser
mie moTi i n C| (*"C M CSlC Caso nao Slí pode considerar as
•p ic p eciscm de ser sustentadas a custa dos seus cofres.
nn i e."*(!s ( 110 at.c a,l>1' tio p roiecção pecuniária do
ma s r a S se i ° ,l“ 8a8.rcl,8 ,5 ‘* q«e a seu lado cx is .ã o , com
rnro ern r. v í’1 Ca “• (!uc ellc l,0Ssa prestar do m esm o ge-
a l„nm rn lif °ft“ c s l.)cc,a*m eillc (lc alguma d’ cilas, ou de
algum culto olbcial ex clusivo .
. l'"lalrn en te, deve o Estado todo o respeito e igual
olecçau a quaesquer religiões de seus cidadãos, m enos a
ue cons.sta cm si.sientai-as, ou seus cultos, e ministros
| ‘ o b e n o s públicos-, deve inteira liberdade às suas
Sln l0LS" :i. Plc'dica de suas doutrinas, ás funeções de
o m n i n '1 Üll<, ai t'-S a publicação dos seus decretos, em
em (lf, | , ^ ! e . on(!e Ma” cx ccd ã o os seus naluraes limites
enlo da ordem social. T u d o quan to, nos do-
— 197 —

minios <|ne legilim am enlc llics pertence, puderem ellas


conseguir pela persuasão ou pola adhesão voluntária dos
lieis, d extranho e superior ú competência do poder po-
litieo. . ,
Reslabellccidòs assim o poder religioso e o civil
nos seus verdadeiros terrenos, e renunciando cada um
dVlies para sem pre ao fatal espirito de invasão c predo­
mínio, tão fértil cm escândalos c calamidades, ter-sc-ha—
a eijreja livre no Estado livre— que é o grande desidera-
lum a que aspira a civilisação moderna como uma con -
dicção indispensável da paz e prosperidade dos povos.
CONTINUAÇÃO 0 0 C APITU LO III

LIBERD ADE 1NTKLLECTUAI : D IR E IT O DE M A N IFESTA R O


PENSAM EN TO P O R PALA VRAS OU P O R ESC R IPTO ; D E EN ­
SIN A R K D O U T R IN A R .

Prélecçâo XXVII

$$ 8 9 - 9 1

A maior parle <lo que dissemos íicerca da liberdade


das crenças, c do respeito c das garantias que lhe deve o
Estado, lem inteira appIicaçSo á liberdade inlellectnal de
sens cidadãos, a qual consiste, com o nos diz o Compêndio
no § 8 9 , no direito de manifestação do pensam ento quer
pela palavra, quer por escriplo.
No paragrapho seguinte mostra-nos o mesmo C om pên­
dio a realidade desse direito que pertence a todo o liometn,
que lhe provém da própria natureza, com o um attribulo e s ­
sencial de sua organisação moral, e que co n segu in lem en le
lhe não pode ser, por titulo algnnr, contestado ou extor-
quitlo.
() listado «pie assim procedesse não s«í rommettcria
um alieutado contra a personalidade ile seus cidadãos, mas
ainda prejudicaria gravemente a própria sociedade.
Obrigar-se alguém a professar opiniões «]iiu não sejão
assoas, ou a seguir as de outrem, que repngnem á sua m-
lelligeucia, fora uma lyraiinia, cujo unico resultado seria
perverter os caracteres, e entreter no mundo um commer-
cio de mentiras.
Pode, sem duvida, aquella liberdade dar occasiflo a
erros c abusas ; mas não «• isso razão para seaniquilla-a,
ou impor-lhe restricçõcs arbitrarias.
Contra os erros da intclligeucia os melhores, on antes,
os únicos remédios prolicoos são o ensino c a discussão li­
vres. O emprego do constrangimento nada pode conse­
guir de real c duradouro ifesta inaleria ; 6. uma tyranuia
tão cruel quanto inútil, c que em vez de curar o mal o ag-
grava. Abreus nota, com razão, que c «cxaclauicnle nos
paizes onde mais se pratica a hberdade do pensamento, que
menos opiniões extravagantes apparccem». Assim deve
ser, com elfeilo, desde que comprimindo-se aquclln liber­
dade para evitar-sc os seus erros comprime-se igualmcnte
a de demonstrai-os impedindo-se o seu livre exame.
Quanto aos abusos quo no exercido da mesma liber­
dade se possa com m cttcr, não ba duvida «pie devem ser
reprimidos, uma vez que verdadeiramenle o sejão, e não
como taes considerados apenas pelo arbítrio, ignorância,
paixões, ou interesses illegilimos dos que pretendão emba-
raçal-a. A predica de doutrinas immoraes ou anarcbic.as,
assim como a dilfumação, a injuria, a calumnia não podem
deixar ile ser vedadas e punidas sendo como são crimes
contra a sociedade, «pie oflendem e perlurbáo, ou contra a
pessoa ou direitos dos cidadãos «pie lhe cumpre fazer res­
peitar nas suas reciprocas relações.
Não pode o direito de livre manifestação do pensa­
mento servir de capa a semelhantesattenlados ; mas tam ­
bém, determinados esses seus justos limites, neiiliuns ou­
tros Mie podem legiliinamculc ser im p ostos; dentro
d'aquelle$ deve ser a liberdade inlelleclual plena e plena-
inente garantida pelo poder social a todos os cidadãos.
Qtiacsqucr que sejão os inconvenientes que «resta ampla
garantia possJo resultar ao listado, nunca serão tão grave»
como os que a seus m em bros em geral, e a elle proprio,
piovirão cie sua violenta c indébita c o m p r e s s ã o .
A c c r e s c e que esta tanto m enos pode ser justificada,
quanto 6 certo que ninguém cm qualquer listado, nem este.
•se pode reputar na posse exclusiva da verdade, ou corno
seu Unicode indefectível oráculo, e por co n segu in te, muitas
vezes será esta considerada com o abuso ou erro por quem
quer que se arvore em seu censor.
Demais nem toda a verdade é evid en te, c as que o são
tem por st o assentim ento geral independonttím cnle de im­
posição ; na maior parle dos casos ella c cie diüicil co n ­
quista, e depende do tem po, e do debate prolongado de t o ­
das as opm ioes. V edar, portanto, a livre manifestação
destas, e offaslar-se d aquella, e con dem n ar-se ao erro e á
im obilidade.
A historia nos m ostra, de faclo, a que resultados
deploráveis, pode dar e tem dado lugar a preteuçâo de e n ­
cadear o pensam ento a titulo de abuso ou erro, ou de ino-
delal-o a capricho de qualquer autoridade. Sem foliarmos
• as perseguições^ m onstruosas contra a livre manifestação
« as ideas e opm ioes religiosas, que formão a chronica negra
< a l.u m an u ia d ed esd e o com eço da era cbristà até ao u l ­
timo século-, liinilando-nos a factos cie violência contra o
* L rt", " r " in “ ' s ,l;„ K iM jcia s c
e - I d S prolauas, bastaria para dem onstral-os citarm os o

zsrr * ......

0
Cl V
,„ ,
cH aM)atla
aüC:lll,r da- celeste ; os de Campa-
U ) PÇrseguidos, o prim eiro por le r dito . tio
•n. dos m undos era inlinito, c segundo por ler
ilém' dVsi ° s.a " o ,ie circulava no organism o hum a n o ; e
nlo m , ’ °> ‘ ü lai!t,,s 0111108 sahios illuslrcs ou gênios,
n í
■ v
1.1 i v li a, l os, o l>or suas opiniões pura-
• • P ,,!' |cas, ou por suas desco b e rta s nas sc ien-
cias e x p e rim en tae s. .
h m suinm a, por qualquer lado que se co n s id ere a li-
d. dc, do p ensam e nto, ou da sua m anifestação pela pala-
nan ° \ 0 n n l'oss,vel e n c o n trar-s e uma razão justa
li ticos do |* l;n,|" cssao Q " e ^a sc refere aos oegocios po-
- I j Lstado, e então todos os m em bros d 'e s le a devem
201

ler am plam enlc garantida, pois n’ islo consiste a sua p rin ­


cipal prerogaliva corno cidadãos; ou refere-se a doutrinas
religiosas, e então ó uma consequência necessária da li ­
berdade de crenças, que já demonstramos no capitulo
precedente ; ou finalmente diz respeito a quacsquer outros
jactos ou conhecim entos humanos, e então só em nome da
ignorância c de absurdos preconceitos pode ser a mesma
contrariada.
Si o poder social, ou o religioso mediante o auxilio
do seu braço secular, impedindo a livre manifestação do
pensamento, por um lado só o podem fazer em nome da
verdade, c por outro jamais conseguem levar ao espirito de
suas victim asa convicção de que só clles sejão os seus lieis
depositários e iule rp e lrcs; si, ao contrario, assim conlir-
mão o titulo que ellas próprias invocão, e com que on lo-
risão aquella manifestação, é claro que laes poderes proce­
dendo por tal forma, ngução contra si mesmos as armas
de que se servem , e provocão na sociedade uma lucla que
cada vez sc tornará mais tenaz,e desahrida contra a sua
lyrannia e acabará por supplanlal-os no meio de excessos.
E’ ainda a mesma historia que nos faz ver, com cf-
feito, como essa ominosa prepotência que outr’ora e x e r ­
ceram, quer o poder civil, quer sobretudo o poder re ­
ligioso nos Estados cbrislãos contra as liberdades do pen­
samento e das crenças, sem impedir, por fim, as g r a n ­
des conquistas da verdade e da civilisação, apenas servirão
para arrastar aquellas mesmas liberdades c todas as mais a
expjosõcs estrondosas em que muitas vezes ultrapassarão
os limites da razão e da justiça. A intolerância e arbitra­
riedade de um c outro poder em taes assuinptos, lem sido
indubitavelmente, a principal causa d’ cssas fortes rcacçõcs
dos povos contra seus governos, ou dos sectários contra
suas egrejas, que se revelão nas innumcravcis heresias e
scistnas que tem retalhado a religião de Jcsus-Clwislo
desde os seus primeiros séculos, c nas grandes revoluções
que no ultimo lem tão violenlam enle abalado c transfor­
mado a organisação política dos Estados.
Dos princípios acima expendidos sobre a liberdade da
manifestação do pensam ento, ó facil deduzir-se a liberdade
tio ensino. Ern verdade si livre deve ser a manifestação
de quacsquer idéas. corno temos dem onstrado, aqnelle o
26
__ 2 0 2 __

deve ser igualmcntc c pe!as mesmas razões, pois que ern


ii 1li ma analyse não é e ll e outra cousa senão o m esm o uso
oa palavra (aliada ou escripia, o mesm o exercício extern o
<lo pensam ento sol» um aspecto mais particular, segundo
um certo m etbodo ou systema, e constituindo uma profis­
são que se destina á com m unicaçào mais regular e prolicua
dos conhecim entos dos que a pralicão aos que os ignorão
e precisão aprendel-os ; e tão liquido ó, e tão garantido
deve ser no Estado o direito dos primeiros de lidos trans­
mitir, com o o dos segundos de procural-os, Do mesm o
modo que o direito mais geral, de que elle ó uma simples
apphcação peculiar, esse direito de uns c outros lem um
caracter im m in en lem eh le individual, com o nos diz o C o m ­
pêndio no § 9 1 , é uma prerogaliva natural da personalidade
humana ; não pode, portanto, deixar de ser livre o seu
exercício dentro dos únicos limites que já acima assignala-
mos á liberdade intelleclual, o honesto e o justo, o respeito
devido a ordem publica, e aos mais direitos dos cidadãos.
Com tudo em relação ao ensino a obrigação do Estado
não se reduz, com o no caso da manifestação do pensa­
m ento em geral, a uma simples lolcrancia ou protecção
passiva. Ahi deve a sua acção ser mais directa e mais a m ­
pla ; e nem d isso o inhibe o cunho individual que caraele-
nsa e torna incontestável aquelle direito em cada cidadão ;
antes cm razão de sua mesma natureza c eífeitos na s o c ie ­
dade, e desde que não lia a m enor incompatibilidade entre
o exercício pleno do ensino por livre deliberação d’ aquelles,
e con curren tem en le pela intervenção especial dos poderes
públicos, tem estes não só o direito, mas lam bem o im pe­
i tosoi dever de promovel-o por sua parle, por todos os meios
egilim os a seu alcance ; é o que nos diz o Compêndio no
com eço do paragrapbo com que nos occupam os.
O Estado, pois, além da obrigação de reco n hecer e ga ­
rantir o direito de ensinar a todos os cidadãos que ao seu
exercício queirão dedicar-se, tem ainda a de hberalisar por
si, c na maior escala possível, a inslrucção a todas as clas­
ses soeiaes, em benelicio d estas e d’ellc proprio. Tanto
mais que uma larga e bôa inslrucção publica suppõe bons
mestres, em grande numero derramados por todas as cir-
eurnsei ipções d aquelle, e muitos outros meios c condições
que imporlão cm despezas consideráveis, a que só o mesmo
203 —

Estado pode supprir. Nem isto se entende exclusiva-


inenle a respeito do ensino elementar e primário, com
quanto lhe lenha mais rigorosa applicação, e do secundá­
rio ao qual ainda em grande parte a tem ; mas lambem o
mesmo se deve pensar em relação ao ensino superior, e m ­
bora este exija a fundação de cslabellecimentos apropriados,
e um certo regimen, e concessões, ou privilégios sem os
quacs não pode medrar, e para cuja decretação e eíTecliva
pratica lambem só o Estado tem autoridade e recursos suí-
licienles. . . .
Mas a par d’aquella obrigação, sobre tudo acerca da
inslruceão primaria, deve o Estado ter o direilo de tornai
obrigatória a aprendizagem ? Impôl-a de um modo directo
e mais ou menos absoluto, seria uma empreza não só de
ilidicil ima execução paia aquelle, mas ainda em muitos c a ­
sos um «raiide vexame para os cidadãos. A mstrucção que
o Estado” oíferece a estes, só pelo faclo de ser gratuita não
isenta os que tem de sugeitar-so forçadamenle a procural-a,
dc muitos outros onus c sacrifícios, que essa imposição
lhes cre.i, que suas condicçõcs em muitos casos não lhes
permillirào supportar, e que o mesmo Estado, por mais li­
beral que queira ser em tal assumplo, jamais poderá tomar
a sen cargo ou fazer cessar de todo. Altribnir semelhante
direito aó poder publico, acompanhado como deve ser do
de irnpôr nmllas ou penas aos rernissos reaes ou supposlos,
seria armal-o com um arbítrio inqnisitorial sobre as lami-
iias e abrir-lhe a porta para os maiores abusos contra as li­
berdades do cidadão. Mas ou seja pela consciência intima
da inpralicabilidade real d’esso systerna ou por qualquer
outra razão, o certo é que nenhum Estado se anima a exe-
cutal-o á risca. Mesmo ifaquelles que proclamâo a sua
cxcellcncia, e que oslensivamenle o adoplão, nunca elle se
rcalisa senão dc uma maneira muito incompleta, e ó só por
isso que se torna inais ou menos tolerável.
E’ sorte cominum de todas as lheorias dcmasiadamenlc
nreienciosas ficarem sempre na sua applicação muito
áquem da rnéta que visão, o á qual muito mais seappro-
ximão quacsquer outras menos exigentes e mais sensatas
sobre o mesmo assumplo. N’essc caso está a da escola
obrigatória, que sc pretende conciliar com a do ensino
livre.
- 204

Ainda suppondo-sc que a obrigação de aprender se


podia irapôr em algum Estado dc um modo geral c rigo­
roso, e até sem os graves inconvenientes a que temos al-
ludido, os seus resultados não serião grande cousa, nem a
sua falta muito sensível. Nunca serião aquelles equipara-
veis aos (pie naluralm enle provirão dos proprios e únicos
estímulos do interesse individual bem entendido. A plena
liberdade de cada chefe de íamilia, e a consideração dns
vantagens que a instrucção assegura, serão sem pre muito
mais eliicav.es para a vulgarisação d’esla, do que qnaesquer
meios artiliciaes de que para tal fim lance mão o poder
publico.
Seja o ensino livre e bem dirigido, multipliquem-se os
bons m estres e as escolas de modo que fiquem ao alcance
dc todos, facilitem-se os m eios de frequentai-as .sem sacri­
fício até as classes m enos favorecidas do Estado, faça-sc
tfiesle a devida justiça ao m erecim ento e habilitações intei-
lecluaes dos cidadãos, e não se tenha o menor receio de
que aquellas sejão abandonadas. N'eslas condicções, a
aprendizagem será necessariamente espontânea c extensa •,
pois é certo que nem o mais ignorante dos pais ignora a
utilidade do saber, nem alguém, a não ser uma excepção
monstruosa, quererá sem motivo dc força maior, privar
d’ elle os seus filhos.
Mas o ensino sõ será verdadeiramente livre quando o
Estado não se julgar com o direito de sngeital-o a quacs-
quer rcslricçõcs, além das que já vimos serem próprias da
liberdade intelleclual, e de toda a liberdade humana ;
quando limitar-se a impor e a punir o ensino da immora-
lidade ou de doutrinas offensivas da ordem social liem en ­
tendida, deixando tudo o mais, cm sem elhante assum plo,
á apreciação e deliberação dos proprios interessados. São
estes, sem duvida, os que menos se podem illudir a tal res­
peito, m axim e nos paizes que suppuzermos organisados c
regidos de conformidade com os princípios da sciencia, c
em que dominem a publicidade e a opinião.
Com ludo não quer isto dizer, que o Estado não possa
e deva empregar a bem do ensino, certos m eios indirec­
tos, a concessão de certos íavores especiaes para estim u­
lar o cuidado dos que tem a sen cargo a educação de me­
nores, no cum prim ento d'esse seu dever, e a privação de
— 205 —

certos gosos ou vantagens imposta a estes quando o não


cumpráo, on aos que não aprendào. Uma faculdade ra-
soavelmentc limitada n’ esle sentido, c praticada com
critério, pode produzir bons cffeitos no importantíssimo
empenho de generalisar o mais possível a instrucção do
povo,
CAPITULO IV
AINDA A LIB ER D A D E 1)0 ENSINO ; SUA IN D liPE N D E N Ç IA
DO PO D ER DO ESTA D O ; L IB ERD A D E E PISTO L A R

Vrelecçâo XXVIlí

§ § 92 — 9 i

_ A ’ vista do que expuzemos na preleccão anterior


acerca da liberdade do ensino, c do que a constituo, po-
der-se-ha admiltir a doutrina rjue se contém no § 9 2 , do
Compêndio, de que ao Estado com pete prescrever e veri­
ficar as condicções de moralidade, c sobre tudo as de ca­
pacidade dos que se propuzerem a cxcrcel-o ?
Quanto á moralidade dos professores, parece-nos mais
conveniente c mais racional que ella seja avaliada posl fac-
tum , ou ria própria pratica do cusino, e que então sejão
devidamente reprimidos os seus desvios, do que c o m m el-
ler-se ao poder publico o direito de prejulgal-a. Esse a r ­
bítrio antecipado pode ser origem de graves abusos contra
o ensino liv re ; e tanto mais quanto não é absolulamenle
impossível que um mestre pouco moralisado cm tudo o
- 207

mais, o não seja no que toca ao exercício do magistério ;


ao contrario rarissimas vezes o immoral ensinará a im m o-
ralidade ou dará o exem plo d’ella no ensino, pois que n’este
sentido lhe aconselha o seu proprio interesse. Demais
não será facil tarefa ao Estado fazer cflecliva tal prohihição
quando aquelle que pretende o professorato, apezarda sua
real ou supposta immoralidade, possa encontrar disposi­
ções da parle dos pais para lhe conliarcm seus íilhos, o que
aliás lambem não é de tem er-se quando aquella é certa e
uotoria
Si o poder publico tem ou deve ler, em lodo o caso, a
faculdade de repellir o professor que se .prevaleça do ensino
para inocular no espirito de seus discípulos princípios im-
moraes ou ideas perniciosas, desde que se lhe reconheça
este vicio, que didicilmente escapará ás suas vistas, e mais
ainda á dos proprios interessados, para que reveslil-o pre-
viamenle de tal arbilrio, de que elle muitas vezes poderá
fazer máo uso. já pelo erro, ja pelo propositode converlel-o
cm instrumento de patronato ou de prepotência ?
Eátabclleceremos, pois, como regra n’estc ponto, quo
o Estado deve ser facil em suppor suflicicnlem enle morali-
sados todos os que pretendão dedicar-se ao ensino, reser­
vando toda a sua vigilância c severidade para os que no
exercício do m esmo mostrem o contrario por factos ou i n ­
dícios vebem en les.
Não somos levados a pensar d’esle modo por excessiva
ou mal entendida indulgência para com a immoralidade,
digna sem duvida do maior rigor cm tão delicado assnmplo;
mas pelo muito respeito que nos deve m erecer a verda­
deira liberdade do magistério ; aliás, a pretexto de res­
guardar-se a moral, se sacrificaria aquella e s n a s vantagens.
Esta tbeoria c mais prudente na pratica, e os seus resulta­
dos íinaes são mais seguros no sentido desejado.
Quanto á capacidade professional propriamente dita,
ainda com mais razão se deve recusar ao Estado aquelle
direito de verificação que lhe confere o Compêndio, a m e­
nos que sc não trate só dos mestres que elle direclam ente
instituo e paga. Sem elhante lutella em relação aos mais,
ou eslabellecida de um modo geral, além de arvorar o p o ­
der publico indevidamcnle em autoridade scienlifica, é
lambem de todo exettsada. O mestre ignorante o u in lia -
— 208 - ™ ,T [II <áilr
Digitalizado pelo Projeto Memória Acadêm ica da FDR - UFPE

liil, indepeiulentem ente d'aquella intervenção ofíicial, dei­


xará mais cedo ou mais tarde de ler discípulos, será por
lim forçado a feixar sua escola, Para com pelil-o a isto é
sem pre muito mais activa e intclligenle a vigilância dos
proprios interessados na inslrucção d’aquelles que h o u ve­
rem confiado a seus cuidados.
Em certas condicções será até prejudicial ao Estado
essa prohibição imposta aos pretendentes do magistério por
causa de ignorância ou inhabilidade, ainda quando estas
sejão reacs. Uma vez que estes deffeilos não se traduzão
effectivam enle no ensino de doutrinas im m oraes ou n o ci­
vas, nenhum damno pode resultar ao Estado de sua tolerân­
cia para com tacs m estres, ao passo que alguma utilidade
pode vir d’ elles, cm todo o caso, á sua população. Si
embora sabendo pouco, forem elles animados da bôa von ­
tade de ensinar isso m esm o, e da m elhor maneira que lhe
seja -possível, essa imperfeita inslrucção que m inistrem ,
sem pre valerá mais do que nenhuma. Si nem todas as lo­
calidades de um Estado podem ler, nem todas as classes so-
cines pagar proíessores optim os, ou o m esm o Estado for-
necél-os á sn a custa, porque razão c com que vantagem terá
este, a titulo do verificar a capacidade professional, o di­
reito de privar qualquer parte de seus m em bros ou qualquer
ponto de seu território, d’ aquelle beneficio, que si não é o
mais com pleto, é pelo m enos o mais accessivel a estes, e
muitas vezes será o unico que lhes possa caber em sorte ?
A verdadeira liberdade do ensino repelle, pois, esse
snpposlo direito do Estado, em relação a quaesquer cida-
d ã o sq u e queirão abrir escolas, c sustental-as por seus re­
cursos proprios e individuacs: supposlo direito que se tra­
duz na pratica pela necessidade imposta a estes de obterem ,
para lal lim, uma licença do governo, o de subm ellerem -se
a outras exigências, que nenhuma razão plausível aulorisa.
Mas para que o ensino seja tão livre e tão indepen­
dente da acção ofíicial do Estado, quanto convém que
real monte o seja, não bastão ainda as garantias e isenções
que lhe temos até aqui allribuido, são-lhe ainda indispen­
sáveis as que o Compêndio indica no § 98.
Salvos os abusos ou crim es a que por vezes lem os
alludido, e de que é .s usceptível a liberdade ampla do ensino
como qualquer outra, o estado nada deve ter que ver pro-
20!) —

priamento nas doutrinas <]11o professem os mestres ou nos


nielhoilos de <|ue sc sirvào na sua exposição e transmis­
são. Os que elle clireclamenle institua e mantenha p o de­
rão, aconselhados pela necessidade de conservar seu em ­
prego, pautar as suas opiniões pelas d’aquelle, segundo
sua vontade, ou sacrificar a sua consciência e a verdade
ante o plianlasma da miséria. Mas além de ser indigno do
poder publico forçar a semelhante papel o magistério olli-
cial, e n ’esle apenas desculpável tal fraqueza, nenhuma ra­
zão ha para que o mesmo syslema prevaleça a respeito de
todos os mais professores ; e em geral clle não produzirá
também os effeilos a que se destina.
Debalde o poder civil procuraria impedir a manifesta­
ção da verdade quer nas materiasulo ensino, quer nos m o­
dos de seu desenvolvimento. Como bem observa o C o m ­
pêndio n e s t e mesmo paragrapho, seria isso uma questão
apenas de mais ou menos tempo, porque aquelía vencería
afinal todos os obstáculos que sc lhe oppuzcsse, e penetra­
ria em todas as intelligencias. Nem isto só sc deve en ten ­
der quanto á verdade evidente e por tal reconhecida, mas
ainda áccrca de quaesquer ideas ou opiniões em que aquclla
se não manifeste com esse caracter, ou em que pareça
m esm o ser-lhes con traria; pois que, como lemos por ve­
zes repetido, a verdade não é previlegio exclusivo de alguém,
nem o proprio Estado se acha a este respeito em melhores
condicções. Sendo assim não pode este conslituir-se auto­
ridade em matéria de ensino. Nos dominios da sciencia
não pode haver, em ultima analyse, outra autoridade legi­
tima, senão a da própria sciencia pelos seus orgãos na-
turaes.
Em lhese não se ensina, ou pelo menos não se deve
ensinar, senão aquillo de que sc tem convicção, ou se re­
puta a verdade, c pelos processos que para esse lim se sup-
põe mais apropriados. Por consequência desde que o
Estado a isso se opponha, forçando os mestres ao ensino
de quaesquer lheorias, e á adopção de quaesquer m e-
thodos, só porque elle os prefere, matará o magistério,
converlendo-se elle proprio cm mestre uuieo e universal.
Não ba meio termo no seguinte dilema : ou o ensino c
seus methodos devem ser livres aos professores, ou o E s ­
tado os deve de lodo despedir. Si este expediente pôde
27
- 210 _

er falaes consequências na sociedade, não são menos gra­


ves os do primeiro, e ern lodo o caso, é clle mais logico
<a pai le d o poder publico, e menos degradante para o ma-
gislerio. 0 1
Lm summa, deve o ensino por todos esses lados que
temos indicado, estar fora do alcance das medidas rcslric-
ti\as do Lstado, para poder ser, como convém, indepen­
dente d ellc, ate onde esta independência é legitima, O
governo de qualquer pai?. pode ser muito apto para diri-
gil-o em Iodos os sentidos, para administrarem geral todos
os interesses colloclivos de seus cidadãos; mas essa sua
aptidão, e sobretudo a soa competência, necessariamente
tem de circumscrcver-se dentro de certos limites, quando
se ira cie dos detalhes de seu eíTectivo exercicio, e maxime
a respeito de certas instituições especiacs, cm que a ini­
ciativa e a liberdade individual podem mais, e são mais
proticuas do que todo o seu poder e recursos.
, ^ 01 V a rcS!’a 0 utais intelligente dosgòvernos não
sera ornais entendido cm Iodas as sciencias e disciplinas
que devem constituir o ensino publico, nem o melhor con ­
traste jlc suas regras e condicções. Além dos attenlados a
que alludimos na ultima prelecção, contra muitos dos mais
d nstres pensadores de alguns dos passados séculos, cuias
ideas sas, ou descobertas maravilhosas, forão proscriptas
como eiros pelos poderes então predominantes no Estado
poderiamos, para comprovar o que deixamos dito, m en ­
cionar com relação especial ao exercicio do professoralo
as perseguições e condemnações de que por esses mesmos
tempos, turão viclimas os Abailard, o sL a -R a m éc, os Dos-
cartes, e tantos outros homens iminentes nas sciencias,
pelo crime de haverem combalido certas doutrinas abstru­
sas de Aristóteles, declarado infallivcl pelo Parlamento e
borbona de fran ca .
L assemos á analyse do § 9 í-, em que o Compêndio
Iracta da liberdade cpislolar. E ’ esla ainda uma das diver­
sas formas sol» que se manifesta e deve ser garantida no
Estado a liberdade geral do pensamento, visto que não c
d ia , com effcito, mais do que um modo de transmillil-o
poi escripto ; e q u e já precedenlem enle íicou demonstrado
ser isto um direito incontestável de lodo o cidadão.
11a com tudo na liberdade cpislolar alguma cousa de
— 211

especial. Consistnulo a sua realidade na fuc.il, prom pta, e


segura expedição das carias, e sobre tudo ena ser o co n ­
teúdo destas um segredo inviolável, é este o ponto para
onde devem convergir principalmente todas as garantias,
que o listado é obrigado a p restar-lhe. .
O direito que tem qualquer cidadão de consignar os
seus pensamentos cm uma correspondência cpislolar que
dirige a outrem , é tão respeitável com o o que elle tem de
conimunical-os a um amigo, por qualquer outro meio cm
confidencia intima. E si ninguém pode ser legilim am eute
aulorisado a sorprehender e devassar estas justas relações
individuaes, que cxclusivam entc respeitSo a o s q u e ahi figu­
rão, d claro que lambem a ninguém deve ser licito violar
aquelle segredo, ou m esm o tornar publico o conteúdo de
uma carta contra ou sem o consentim ento de seu autor,
quando por qualquer maneira llie venha elle a ser c o n h e ­
c id o . . , • • i
Tal sigillo c uin deposito sagrado entregue princip al-
m ente á guarda e protecção do poder social, e que este
deve portanto, não só fazer respeitar por todos os cidadãos,
mas respeitar elle proprio antes de todos c com o maior es­
crúpulo. Sem' a certeza e segurança d’ cssa inviolabilidade
deixaria de ser livre o pensamento d’aquelles cm um de
seus mais com m nns e importantes modos de exlernar-sc ;
a correspondência cpislolar uma cilada p erm anentem ente
armada áquelles que lhe confiassem os seus mais reservados
sentim entos, ou seu mais sérios ncgocios.
Todavia não quer isto dizer que essa inviolabilidade
deva ser absoluta ; nada o pode ser nas instituições hum a­
nas nem ba liberdade sem limites no Estado. Casos po­
dem occorrer tão graves ou dar-se tão bem fundadas sus­
peitas da pratica de algum grande crim e á sua sombra, que
a ordem c segurança, ou salvação do m esm o Estado aulori-
sem a sua violação. . •
Si isto é permittido ao poder social em circum stancias
idênticas, em relação á propriedade, á quaesquer ou li as
liberdades, e até á vida do cidadão, nenhum l.m dam cnlo
ha para que ao sigillo cpislolar se attrihua aquelle privile­
gio exclusivo em quaesquer conjuncturas, e cm damno al­
guma vez, dos mais vilães e legítimos interesses da com-
tnunhão.
212 -

Mas só por cxcepeão pode lal faculdade c o m p e l ir ã o


Estado, e só a clle ; jamais aos particulares. Além d’ isso,
e mesmo concedida aquella. deve sêl-o por lei que a deíina,
e que rodeie o seu exercício excepcional de condicções e
formalidades, que garan lão o cidadão de todo o arbitrio
cm tão delicado assumpto. Fazer lal rcslricçSo, e com taes
rautcllas, á liberdade epistolar, não é d e m odo algum pre-
júdical-a, é antes eslabelecel-a em suas legitimas bases, e
m elbor (irmal-a.
A nossa Constituição politica garante de uma maneira
formal o sigillo das cartas, sem llie iinpôr mesmo limitação
de especie alguma. Mas é tão certo que ba casos em que
taes considerações não podem deixar de prevalecer, que
entre nós o poder publico, não obstante isso, tem sido
muitas vezes obrigado a modilicar a extensão d’ essa garan­
tia individual, e fazendo-o tem conseguido apprchender em
nossos correios cartas contendo objectos de contrabando, c
até mesmo moeda falsa introduzida no paiz por meio d’ ellas;
e o que mais é, com a conveniência do proprio chefe d’es-
sas re p a rtiçõ e s !
Nem é som ente entre nós que assim se tem procedido.
Ainda á pouco, na própria Inglaterra, o paiz clássico do res­
peito ás liberdades do cidadão, o governo resolveu recorrer
á violação daquelle sigillo para frustrar os planos dos agita­
dores da Liga Agraria.
E claro, porem , em todo o caso, que qualquer go­
verno deve ser sem pre o mais cautclloso c parco em s e m e ­
lhantes experieneias, pois que si o seu procedimento ó em
geral tolerado, ou pode mesmo ser applandido quando se
veriíieão as suspeitas que o d clcrm in ã o , grande é a respon­
sabilidade e o o d io que recahem sobre clle quando o resul­
tado as desm ente.
CONTINUAÇÃO DO CAPITULO III

I.IBERDADE I)A im p r e n s a

Prelecçuo XXIX

SS 93 - 97
O Compêndio nos define no § 95, o tjue seja a im­
prensa ; e para demonstrarmos a realidade do direilo <|iie
deve ler lodo o cidadão de publicar por meio d’ella suas
ideas ou opiniões, basla referirmo-nos ao que diz, a esse
respeito, o mesmo Compêndio no § 9 6 .
Com effeilo, si lodo o homem lem a faculdade de
iransmitlir seus pensamentos aos mais e dc acolher os que
estes lhes queirào connminicar pela palavra ou por cscripto,
e lambem a de ensinar e receber o ensino, por esses meios
ou por quaesquer outros a isso appropriados, como já pro­
vamos, é claro que não pode deixar de pertencer-lhe o di­
reito dc usar, para aquelles mesmos fins, da imprensa, que
é na sociedade o mais poderoso e profícuo meio de com-
municaçâo e ensino reciproco para seus membros.
— 214
Mas si por csla razão, c mais consequências qne d ’ahi
decorrem, é a liberdade da imprensa uma das mais p r e ­
ciosas do cidadão, é lambem de Iodas a que tem sido e
será sempre mais exposta a reslricções e ataques. A liber­
dade da palavra em geral, e mesmo a do ensino fora da im ­
prensa, poderáõ mais ou menos escapar aos grandes altcn-
tados de qualquer poder, e manter-se até certo ponto no
meio de suas v i o l ê n c i a s a d ’aquella, porém , não só pódc
ser facil e gravém ente embaraçada em cada uma de suas
manifestações, como ainda inteiram enle abafada de um só
golpe.
Contra a imprensa, sobretudo, indigna-se a tyrannia
diante da qual ella se ergue com o orgão dós opprimidos,
denunciando-a e atordoando-a com a sua incessante flagel-
lação. Dispertador vigilante da consciência c dignidade do
cidadão, é ella realmente a machina mais terrível que os p o ­
vos conscios de seus brios e direitos podem asscslar contra
os desposlasdc qualquer genero, e a que estes raras vezes
resistem por longo tempo.
Explica-se, pois, o odio d’ aquelles contra a imprensa
livre, mas de nenhum modo se justifica. A censura imposta
á publicação ou circulação dos livros, jornacs, ou qualquer
outros impressos, a que allude o Compêndio em uma das
suas notas ao § 9 7 , é, em lodo o caso, a mais estúpida das
invenções da ignorância c do fanatismo dos séculos passa­
dos. Para nos confirmarmos ifc s la convicção basta m os­
trarmos as extravancias e horrores da censura cm um dos
mais adiantados paizes da Europa.
Os thcologos da Sorbonna cm França liavião já con-
demnado o illuslrc Abaillard por ensinar, que nenhum ho­
mem deve crcrcousa alguma sem ler bôas razões para isso.
Mas tarde, sob o reinado de Francisco 1 o pai das Icllras, e
de seus successores immediatos, recrudesceo o furor d’ a-
quella. Foi proscripla a — Sabedoria — de Charron, que
ainda boje é um dos melhores tratados dem orai Uma e x ­
tensa lista de obras prohibidas foi organisada pela univer­
sidade de Paris, figurando entre cilas os — Psalmos — de
Marot, os escriplos de ítabellais, etc. Não foi mais permit­
i d o publicar-se quaesquer traducções da Biblia em lingua
'ulgar. Nenhuma caixa entrada do estrangeiro podia ser
aberta sem assistência de dons doutores em lheologia. O
— 215 —

direito de imprimir tornou-se o monopolio de alguns sob a


vigilância rigorosa dos censores c olíiciaes regios.
° Em IG20 o Parlam ento decretou, sob pena de m orte,
a infallibilidade das doutrinas de Aristóteles, c não só forão
cru elm cu le perseguidos trez cbim icos dislinclos, Clave, li i -
laut, e Villon, que ousarão ccm b a tcr as suas calhcyorias e
formulas subslanciacs, mas ainda outros muitos inlclligen-
tes e livres pensadores, soffrerâo, por crim c.indenlico, a
amputação da lingua e a forca !
INcm melhorarão ascousas quando a censura se tornou
leiga. Ao passo que era approvada uma traducção do Korão
por nada conter contra a religião, a moral, e aos interesses
do Estado, erão condcm nadas as sublimes — Meditações —
de Descartes foragido. O fundador da pbilosopbia moderna
arrojara-se a dizer ali, que devem o-nos desem baraçar de
quaesquer preconceitos, c duvidar de tudo, antes de e s ­
tarmos seguros de algum conhecim ento. No iinmortal mo­
num ento de M onlesquieu —— o Espirito das Leis, en co n ­
trou a Sorbonna 18 proprosições dignas do patíbulo ou da
fogueira; nem mais telizes forão as doutrinas do grande
BÒIfon, sobre a forma c antiguidade da terra ; e até as suas
opiniões p uram cn lc mclaphysicas sobre a identidade da
existência e da alma humana, e sobre a impassibilidade es­
sencial d’ esta. O sabio Marmontel, no seu rom ance — o
miisario — magnífica exposição dos mais sãos princípios da
lolerancia política e religiosa, aflirmára que Deus só pune
quando não póde perdoar, que o mal não vem d clle, que
a religião nos prende porque nos torna mais humanos, e
que Deus que crcou os homens será indulgente para com
e l l e s ; c e sta s e outras iguacs sentenças, o fizerào considerar
infecto das mais negras heresias c machinações contra o
altar e o llirono ! . .
Não forão respeitadas as próprias cinzas do venerável
cban ccller Lhopital. A s imm inentes virtudes d’estc grande
hom em , não as puzorão a salvo da profanação 200 annos
depois de sua m orte. A s obras de Raynal, de Mably, c final -
m en te as de um num ero infinito de outros sábios e philoso-
phos, forão ainda por essa mesma cpoca, e até muito depois,
c os proprios autores, viclim a sd o santo furor d a ig n o ia n c ia .
Ainda nos últimos tempos da sua decadência e d e scré­
dito continuou a censura a ser um tormento para a q u e lle s c
p a u os livreiros. Indignado contra as suas alicanlinas o ab-
rade La-Grange querendo publicar as suas — Investigações
iistoncas, preferio dirigir-se ao proprio chanceller nos se­
guintes lermos : Senhor, examinai vós mesmo a minha obra,
<- nao a envieis aos asnos cios vossos censores. — A impressão
< o Mahomet dc Yoltaire foi objecto de uma activa e longa
coilespondencia entre os ministros, o cbele dc policia, e os
olliciaes da censura ; e Baumarchais antes de conseguir li­
cença para a do seu — Barbeiro de Sevillta, — foi obrigado,
como file proprio declara, a fazer inutilmente 59 viagens á
secretaria da Inlendencia p o lic ia l!
Si em outros paizes os censores não erão menos in­
dolentes. também não erão mais sensatos Um livreiro de
- omcli mandara vir de Paris o mais innocente dos livros —
a c osinheira Burgueza,— e o censor d’aquclla cidade depa-
tanuo n elle com o capitulo — Recellepouraprêler les carpes
an gras, julgou-se em consciência obrigado a con dem -
nal-o como irreligioso.
Mas toda a espccie de censores titulados se reduzirá,
a hnal, pouco mais ou menos ao que elles forão outr’ora,
desde que sem elhante ollicio não pódc ser proprio dos ver­
dadeiros sábios que com prehcndem a sua completa inutili­
dade, e monstruoso absurdo.
Subm eltei, pois, ao juizo das mediocridades, ou dos
servidores do fanatismo ou da lyrannia, únicos que se in­
cumbirão de tal tarefa, as obras de Vico, de Cuvier, de
Newlon, dc L a-P lace, e de Humboldl, e tende por certo que
elles serão capazes de condemnal-os sem comprehendel-os
O odio proprio de toda a incapacidade contra os cenios que
a assom brao, o desejo de ostentar saber que tenta todo o
ignorante arvorado em autoridade scicnliíica, ou simples­
m ente a subserviência áquelles a quem seu zelo nliari-
saico possa agradar ou ser util, bastão para induzil-os a um
rigor ignóbil. 1
Subordinada d'cstc modo aos caprichos da ignorância
ou do despotismo, como poderá a verdade manifestar-se e
progredir a ciyilisação? Só 08 endeosadores da lyranniaèm
poli íca e os hypocrilas em religião podem, portanto, sus-
j na p o ra q u e b e passado vergonhoso, e achar excedentes
Pio IX C Ua ° kn0Ul R l,sso> c as « llim asen cvclicas de
~ 217 -
Entretanto ainda ao rebentara revolução do 17 8 9, exis-
tiào em França 9b censores régios, aos quaes o espirito da
liberdade moderna fez a devida justiça. A Restauração res-
■ suscitou aquella arma favorita do absolutismo, mas para ca-
Jiir logo apoz corn ella.
No estado presente do progresso da humanidade não é
mais possível restabelecer-se a censura, embora se possa
ainda, mais ou menos, sopbismar, c de fa d o se sophisme a
liberdade da imprensa.
Prescindindo-se do mais, quem seria boje capaz de cen­
surar as obras do Iodos os grandes autores, e em todos os
ramos de sciencia e disciplinas? Seria insufficicnle para isso
até um tribunal composto de todos elles, desde que nenhum,
por rnaisencyclopcdico que seja, póde ser omnisciente, ou
autoridade com petente e infallivel cm cada uma.
E' certo que pela liberdade da imprensa s c p ó d e c a b ir
em grandes erros, mas em caso nenhum orem edio proprio
contra estes póde ser a suppressão d'aquella, ou antes é
este o meio mais elíicaz de toruar-sc impossível a desco­
berta c propagação de quaesquer verdades, e de perpetuar o
reinado do obscurantismo. O melhor ou único remedio
n’aquellc sentido encontra-se na própria liberdade da im ­
prensa. Desde que n esta fôr segura a livre discussão a
todos, serão os seus erros facilmente denunciados e des­
feitos. E ’ esse 0 verdadeiro cadinho onde devem passar e
apurar-se todas as idéas c doutrinas. Não póde haver cm
qualquer Estado ou no mundo outra bitola por onde cilas
se adirão a não ser a da opinião esclarecida.
Já no capitulo cm que traclam osda liberdade das cren­
ças c do pensamento cm geral, mostramos, além d’ isso,
como são ineficazes todos os altentados da tyrannia em tal
assum plo, ou antes, quanto mais formidáveis são os cffeitos
da reacção d’essas liberdades, á medida que aqnelles rc-
dobrão de audacia e violência. Quanto mais se esforça
aquclla por abafar a publicação 011 vulgarisaçào de quaes­
quer livros, jornaes, ou outros impressos, tanto maior im­
portância estes adquirem ; já porque a curiosidade se aguça
ante as medidas de rigor que os perseguem, já porque cm
puroodio aos tyranuos, a demanda e leitura d’aquelles aug-
mentão, c cstimulão á sua reproducção. Elles e outros do
m esm o geuero então se multiplicão, e cada vez mais acer-
28
— 218 -

lios no ataque que lhes allrahio aqucllas iras. Como as da


hydra de L em e as suas cabeças renascem mais tcmorosas
s o b o c u le llo da prepotência. *
Cumpre, por conseguinte, aos governos sensatos, assim •
como ás religiões que bem com prehendao sua indole.e mis­
são evitar semelhantes confliclos e explosões, c o melhor
meio para isso é não dar motivos bem fundados á censura
publica, c tolerar todas as opiniões c crenças pacificas, ainda
que ellas lhe pareção errôneas ou extravagantes, ou apenas
importunas aos seus planos de dominação, ou preconceitos.
Para a imprensa livre, em quanto se contenha em seus
limites naluraes, que não podem ser regulados por conside­
rações d’ aquella especic, deve haver espaço bastante cm todo
o listado, e em toda a religião. Esta ou aquelle que com cila
se declara incompatível, sendo-o, por este unico motivo,
com todas as mais liberdades do cidadão, que ella domina,
lavrão a sentença de sua própria condemnação. C m a c outro
lornão-se impossíveis para homens ou povos, que tenhão
consciência de sua dignidade e do seu destino ; e mais tarde
ou mais cedo a sua quéda é certa.
Eis quanto aos erros ou simples desvios da imprensa ;
mas se não se tracta só d’ estes, e sim dos crimes ou abusos
graves d e q u e ella é lambem susceptível, é claro que se lhes
deve impôr correctivos na sociedade.
A injuria, a calnmuia, a perturbação da ordem uu as
oflensas á moral publica, de que nos falia o Compêndio em
outra de suas notas a o § que aualysamos, jámais poderão ser
consideradas como legítimos exercícios tia liberdade da im­
prensa para gosarem da protecção que lhe é d e v id a ; são
d e lid o s perfeiiamcntc qualjlicavcis que devem ser sugeilos
á penalidade social, como todos os mais que se com m etlão
contra o Estado, ou contra os seus cidadãos, em n o m eo u
sob a capa de qualquer outra liberdade. Previnindo-sc ou
puninde-se o que verdadeiramente íôr crime ou abuso da
imprensa, c não simplesmente como tal havido pela igno­
rância ou arbítrio de qualquer autoridade, não se lhe faz
injuria, antes se a fortalece.
Mas a pratica de um syslema, que n’ eslc sentido satis­
faça por todos os lados, não é matéria fácil. Para isso, além
de outras condicções, é necessário que a responsabilidade c
punição dos deliclos da imprensa, recahindo individual e
— 219 -
exclusivam cnlo sobre os sons am ores rcaes ou legacs, d i­
rectos ou subsidiários, e sobre os impressos cm que clles,
de facto, tenhão sido com n iellidos, jamais importem a in­
terdição dos prelos que os ten hão publicado, ou a inter­
rupção da continuidade dos jornaes a que pertença o numero
em que o dilicto se verificou.
Deste modo se poderá conciliar a liberdade da im­
prensa com o necessidade de reprimir os seus excessos.
Mas n’ esse empenho de lixar as condiccões de tal respon­
sabilidade sem locar rdaquella, cum pre que Iiaja da parle
do legislador a maior reflexão, porque aliás correrá o risco
de tornar as suas providencias illusorias, fornecendo á im ­
prensa meios de abusar im punem cnle da liberdade á sombra
da própria lei.
C APÍTU LO S IV E V

U B E R P A .D E ARTÍSTICA } — LIB ERD A D E DE LOCOMOÇÃO

Prelecção XXX

$§ 98—101

As bellas artes comprehendem principalmcnte a poe­


sia, a pintura, a musica, a esculptura, a arcliilectura ; c a
sua liberdade de que tracta o Compêndio no Capitulo IV,
consiste no direito que deve ter lodo o cidadão de appli-
car-se ao cultivo de quaesquer d’ ellas, e de dar ao publico
as composições ou obras de que no exercício das mesmas
sejão capares os seus exforços e o sen engenho.
Todas as garantias, que ja vimos deverem ser attribui-
das no Estado á manifestação e discussão livre das ideas e
opiniões, como o melhor ou o unico meio de chegar-se á
verdade em qualquer assumpto, devem com eüeilo, sêl-o
também, e com a mesma amplidão, ás creações da arte,
destinadas a representação e communicaçâo do bello. Assim
como só pela liberdade da palavra, sobre tudo da escripla
ou impressa, podem os homens alcançar os conhecimentos
22 J_

e as descobertas que mais os interessão e lhes assegnrão


uma existeucia com m oda, só pela liberdade ailistica podem
produzir os prodígios d’ arte que fazem a admiração e deli­
cias da humanidade, e tanto contribuem para dar-lhe uma
idéa grandiosa da sua superioridade e do seu destino.
P ode-se, sem duvida abusar das bcllas artes, e sobre­
tudo de algumas. Mas isto não é rasão para que se a su­
prima, ou se procure cerceal-a, com rcslricções excessivas
ou inconvenientes. A poesia canta e eruleosa muitas vezes
o vicio em torpes dyctiram bos, c atassalha a virtude; a
musica de ordinário acompanha esses desvarios ao som da
lyra antiga ou das modernas orchestras ; a pintura e a cs-
culptura creão suas caricaturas affronlosas, os scos Baclios
e suas Venus indecentes, c outros painéis ou grupos ainda
mais asquerosos. Puna-se os seus abusos ; mas quem dei­
xará deapplaudir extactico a musa de Anachreonte ou de
Ilom cro, os concertos de Paganim, as operas de Belltmi,
os quadsos de Raphael ou Miguel Ângelo, c as maravilhas
do buril d’este ou de Canova ?
As bellas artes, quando bem com prehendem a sua
verdadeira missão, não só procurão ao hom em os mais
reacs e ineffaveis dos gosos terrestres, capu rão -lhc o s e n ­
timento no co ração ; mas até exercem uma influencia de­
cidida e beneíica sobre a moralidade dos povos. A opi­
nião de Rosseau a este respeito ó um p arad o xo ; o pensa­
mento verdadeiramente nobre e grandioso não pódc al-
liar-se ao espirito corrompido e aviltado. .
P o r conseguinte, si aquellcs que se dedicão as bellas
artes tem o dever de exercel-as com o um sacerdócio, tem
o Estado por sua vez, não só o de garantir-lhes para esse
íim ampla liberdade, mas lambem o maior interesse cm
amparal-as para que se não convcrtão em meras especu­
lações E' por falta do necessário acolhimento c das van­
tagens que lhes devem ser lihcralisadas pela parte sã do
publico, e principalmentc pelos governos, que cilas muitas
vezes se dégradào e prostituem. . ’ .
Da liberdade que o u tro ra diffundio seus raios lumi­
nosos sobre a cidade de Minerva nascerão cm tão gram e
copia os gênios portentosos que cclebrisarão o .século de
Pericles ; nos de Augusto, Leão X , e Luiz XIV floresce­
rão, ao menos sob a sua especial e poderosa protecção,
iguaes no numero e nas grandezas, os que illuslrarão os
sens reinados.
O qne lemos dilo das bellas artes enlende-se igual­
mente a respeito das mcchanicas ou ofticios, mais modes­
tas, porém não menos senão mais uleis á humanidade.
Diziüo Bacon c Colbcrt, que nunca serião demasiadas as
honras que se llies concedesse, ou os meios que em pre­
gasse o Estado para aperfeiçoal-as; e Alembert, que o
arlilice não fazia menos em bem d’ este, do que aquellos
que vencião seus inimigos ou tomavão-lhessuas pragas fortes.
Entretanto, ordinariamente todas as homenagens são
reservadas para as artes liberaes, ao passo que ás mcclia-
nicas apenas se concede uma consideração duvidosa e de
inferior quilate. Elias próprias contribuirão grandemente
nos tempos passados para o seu dinlurno atrazo, defen­
dendo tcnazmenle o regimen das corporações a que eráo
sugeitas, qne leve sua razão de ser c talvez sua utilidade
no meio do cabos da idade media, mas que posteriormente
aniquilava todas as industrias pelo monopolio, e reslric-
ções arbitrarias que ao seu exercício impunha. O illuslrc
Turgol deu-lhe o primeiro e terrível golpe ; mas só a Con­
venção com a sua inflexível energia ponde de lodo suppri-
mil-o, e inaugurar nas prefissões artísticas o da liberdade
moderna.
lam bem só de então cm diante puderão todas as in­
dustrias e seus prodnclos em França e na Europa, onde
o sopro da liberdade se propagou, chegar ao estado de
perfeição e abundancia cm que boje os vemos no mundo
civilisado.
Salvos, pois, os abusos ou crimes, que na pratica dos
odicios mechanicos possão ser commellidos, como na das
bellas artes, ou como no uso de qualquer outra liberdade,
e que devem ser reprimidos no Estado, não tem este que
intrometler o s e n ju iz o o u a sua acção nos seus legítimos
domínios para impôr-lhes regras ou condicções arbitrarias
e lalaes ao seu desenvolvimento. À incompetência c absur­
do de semelhante ingerência de sua parte são, evidente­
mente, os mesmos que já allribuimos á preterição de violar
as crcnçasj de encadear o pensamento, e á censura previa
das publicações da imprensa.
Ao contrario, o verdadeiro dever do Estado é ainda a
— 223 —

este respeito, corno so exprim e o Compêndio no final do §


99, não só d e ix a rem liberdade, mas acoroçoar, além d’isso,
o genio artístico em quanto elle se contiver nas raias do
ju sto e do honesto, Sem o reconhecim ento e pratica li­
beral d’esta verdade, não pode haver Estado florescente,
pois só por esse meio se desenvolvem e engrandecem todos
as industrias, condicção sem a qual são impossíveis a ri­
queza e a prosperidade das Nações.
No capitulo V § 100, define o Compêndio o que seja
a liberdade de locom oção, e indica diversos aclos pelos
quaes pode ser ella contrariada.
Consiste essa liberdade no direito de transporlar-se o
homem de qualquer lugar para outro que mais lhe conve­
nha, e quando assim lhe aprasa, dentro do Estado ou fòra
d’ este. -
Oppõem -se, como nos diz o Compêndio, ao legitimo
e x e rc id o d’ este direito incontestável dc todo o cidadão,
já a sua prisão injusta, já quacsquer outras difljculdades
com que, por méro arbítrio do poder, seja embaraçado o
seu livre transito no lerritorio do Estado em que elle resi­
de ou prohibida a sua entrada ou sabida do mesmo.
A prisão é injusta quando n à o é estabelecida por alguma
lei. Imposta em virtude d’esta, não pode ser ella consi­
derada uma violência, devendo aquellc que a sofire impu­
tar som ente a si essa consequência de seu acto, que o
priva d’aquel!a preciosa liberdade. Nem essa prisão é só
justa quando se tracta dcapplical-a a um verdadeiro crime,
índepcirdentem enle d'isto, casos podem h a v e re m que uma
legislação previdente tenha bôas razões para autorisal-a,
tal com o a d’aquelles que pela ausência procurem subtra-
hir-se ao cum prim ento de obrigações de certa natureza e
importância conlrahidas, quer para com o Estado, quer para
com outros cidadãos.
Como medida de prevenção pode igualmente o Estado
sugeilar o transito do seu lerritorio, ou d’estc para outros
e vice-versa, a certas formalidades e condicçõcs. IVahi
nasceu a instituição dos passaportes, o dc outras provi­
dencias do mesmo gencro relativas aos que viajfto ou (em
d e s a h ir, ou entrar n'aquelle, e sobre tudo aos oxtrangeiros
e pessoas desconhecidas.
.Mas em geral semelhantes instituições além de oilio-
sas são improficnas, Nu Inglaterra forão cilas sempre c o n ­
sideradas como nrn attaqueá liberdade e dignidade indivi­
dual ; e na França chegarão os seus vexames ao ponto de
affirmar um cscriptor, que ali quasi que não se respirava
sem licença da policia. Taes medidas tem por isso cahido
nhim am enle em diseredito e tendem a desapparecer nos
paiz.es livres.
Os princípios que regulão a liberdade de locomoção
considerada em cada cidadão individualmente, são os
mesmos que, cm geral, se applicáo ao seu direito de em i­
grar cm massas mais ou menos consideráveis c succcs-
sivas.
N’este sentido deduz o Compêndio, no § 1 0 1 , argu­
mentos de duas fontes principaes : da personalidade huma­
na, e da natureza da própria sociedade política. Com
effeito, desde que o homem é pessoa, e que esta não pode
ser concebida sem a independencia individual que lhe asse-
gurâo a sua organisação moral e o seu destino, é também
inconcebível como possa ser elle privado do cxercicio livre
d’aquclle direito. Sem este seria elle reduzido a uma cs-
pecie de adhercncia ao sólo do paiz. Dispondo o Estado
por tal forma da liberdade de seus membros uo que cila
tem de mais natural, lornar-se-bião estes, como nos diz o
Compêndio, uma propriedade sua, cm vez de cidadão sc-
rião verdadeiros servos da gleba.
Se nenhum homem tem o direito de isolar-se de todo
no seio de um Estado em que viva ; si não póde mesmo'
pôr-se inlciramentc fora ou acima da acção geral da socie­
dade humana, nem por isso póde alguém ser obrigado a ser
cidadão ou residente de qualquer, ou inhibido de abando­
nar aquelleem procura de qualquer outro, onde com razão
ou sem cila, espere ser mais feliz.
0 que todo o Estado póde legilimamenle exigir é que
os residentes do sen terrilorio, em quanto o forem, sugei-
tem-se ás suas leis, e respeitem as suas instituições
Observa o Compêndio, com razão, na nota a este §,
que forçar o Estado qualquer indivíduo a residir n e lle , é
por via de regra, crear um máo cid ad ão ; e si este pretende
emigrar porque não encontra ahi segurança e paz, ou em
razão da própria lyrannia de seus poderes, semelhante im ­
posição será, além do mais, um crime monstruoso. N'este
22a —

genero nos aponta a historia as atrocidades que tiverão


lugar em França depois da revogação do Ediclo de Nantes,
e soh o reinado do terror da grande revolução, quando
erào condemnados á morte os emigrados, confiscados os
seus bens, e perseguidas com a mesma furia suas famílias,
e todos os que lhes prestavão agasalho ou sympalhias.
A livre emigração é até uma lei providencial da hu­
manidade. Ella tem sido cm todos os tempos o mais po­
deroso motor do engrandecimetilo das Nações, e tanto
dhaquellas para onde se dirige, eonio das próprias de onde
sahe, quando não e', corno essas a que acabamos de allu-
dir ou a dos Mouros da Hespanba, um eífeilo da brutalidade
dos seus governos.
A ella deve na aetualidadea união Americana o seu
assombroso crescimento, assim como na antiguidade nas­
cerão e florescerão pelas da Asia-Menor c do Egyplo, as
mais illustres cidades da Grécia, e d’ estas uma infinidade
de outras que em breve as igualarão ou excederão mi llalia
e costas do Mediterrâneo até as columnas de Hercules, e
ainda além . N’e!la achou Pericles um grande meio de
livrar os Alhenienscs de suas eternas discórdias, c de exal­
tar o nome e o poder desita palria.
A razão, a experiencia, a justiça, c a política marrão
unisonas, com o estigma da reprovação ’e da ignomínia,
o systema dos Franeias, c do extremo oriente Asiático,
trancando seus portos ao extrangeiro, e impedindo a livre
sabida dos naturaes; e já esquadras poderosas de diversas
potências, entre os applausos de todos os povos, tem arvo­
rado deíínitivamente o seu pavilhão nas regiões a lé a pouco
impenetráveis do celeste império, e do Japão. A Ingla­
terra pelo Indostão, a Rússia pelo Cáspio e fronteiras da
Sibéria, a França e os Eslados-Unidos por outros pontos,
enlrão cada vez mais por aquelles domínios da immobili­
dade, e os forção a pôr-se cm contacto com o resto do
mundo. E ’ a civilisaçào do occídente que por sua vez in­
vade o Oriente, como onlr’ora a barbaria do norte invadio
o meio dia culto, mas profundamente corrompido.
Não queremos todavia, com o que fica exposto, dizer
que a emigração seja um direito illimitado. O poder pu­
blico não podedeixar de ter, em todo o caso, a faculdade
de vigial-a, e de impôr-lhe certas condicções no sentido
29
1 e prevenir ou reprimir os abusos que na sua realisação
podem dar-se. A este respeito faz o C om pêndio, na citada
nota, uma observação justa : « co m p ete-lb e, diz ellc, c e r-
lilicar-se da em igração que se prepare, porque clle tem o
direito de julgar si ba contra a mesma algum impedimento.»
Isto se deve entender não só em relação ao paiz d’ onde a
em igração lenba de partir, com o tam bém áquclle para
o i h e elIa se d e stin e ; e na verdade justos im pedim entos
podem ba\cr, em algum caso, quer para a sua admissão
n este, quer para a sua sabida do primeiro.
C sabido quanto a em igração pòdc ser c tem sido,
en tre nos por exem plo, explorada pelos especuladores, já
em dam no dos imigrantes illudidos com a perspectiva de
uma íebcnlade exagerada, que se lhes converte em d e c e p ­
ção na palria nova ; já do paiz, para onde são ellcs allicia-
dos, e se transplanta a escoria inútil e viciosa de popula­
ções exirangeiras.
E claro que, n estas circum slancias. a intervenção re ­
guladora e restrictiva do Estado é o natural exercício da
suprema m spccção que üie cabe sobre todos os grandes
interesses sociaes. D
Assim não seja o seu proprio governo o principal res­
ponsável ou prom otor de laes em igrações artiliciaes e per-
;;“ |a c,,sla da “ «Ihor p a n e dos recursos do lbezoi.ro
C A P I T U L O Ví

L IB ER D A D E DA IN D U STR IA

Prelccçào XXXI

§§ 102 — 10(>

Industria, segundo a definição do Compêndio no § 102,


é a actividade humana applicada á matéria para produzir
o m il, e poderiamos a ccrescenlar, o necessário, ou sim ples­
m e n te , o agradavel. _
D ivide-se a indruslria em trcz ramos principaes, a agrí­
cola, que em geral fornece as matérias primas, a fabril, que
as transforma c adapta aos usos da vida, c a com m crcial
que põe os productos ao alcance dos consum idores. (
O fim da industria, diz-nos o m esm o Com pêndio, é
m inistrar aos indivíduos c á sociedade os meios m aleriacs
de existência c co m m o did ad c; mas nós observarem os ainda
que cila se destina egualm ente a ministrar-lhe todas as mais
cspecies de vantagens ou gosos, que Ilies possao provir da
riqueza ou da abaslança.
E ’ , porém, incontestável, que para a industria em qual­
quer de seus ramos poder produzir esses resultados, ou abrir
0 co re de s,ias ginças, (juer áquelles (|n<-, a cultivem , quer
<m geral ao listado, é necessário que seja livre em todos
os seus desenvolvim entos. Sugeila a quaesquer entraves,
jam ais poderá ella expandir-se nas proporções de que é sus­
ceptível sob o influxo de uma esclarecida liberdade.
Cum pre, portanto a lodo o Estado, que bem co m p re-
lemla o sua missão, garanlir-llie eflicazm enle toda a liber­
dade de que ella carece para crear, m ultiplicar, e d e r ia m a r
os scos productos. '
Suppoe esta liberdade antes de tudo a do trabalho in-
< 'vn uai, a que se refere o C om pêndio no Q 103, e que co n ­
siste no direito, que deve ser reconhecido e garantido a
0 culudap de appbcar-se a quaesqnér profissões indus-
1 i.»cs,(juomaislhes aprasão. E ’ esle nào s ó o visomaisnalural
e mais nobre das faculdades humanas, e o mais proveitoso á
sociedade-, mas ainda cada indivíduo é o juiz mais com pe-
<nle e mais proprio para co n hecer a especie de trabalho
ou industria mais acomm odada ás suas aptidões, hábitos,
aspirações, e meios.
Com que fundam ento, pois, vi ria o Estado contrariar
as vocações professionaes, já prohibindo ou diflicullando a
uns o exercício das que prelirão, já impondo a outros a es ­
colha <lc (aes ou laes contra a sua vontade ? Usará d’esse
expediente com o fim de limitar o num ero dos obreiros ou
das emprezas em qualquer dos ramos da industria a Mas
com que direito ou vantagem ?
O num ero dos obreiros em qualquer industria só pode
e deve ser determ inado pelas necessidades iialuraes e re­
cursos das emprezas que os ulilisâo e pagão-, assim com o
o d estas so pode e deve sêl-o pelas reaes necessidades da
concurrencia e do consum o livres. T u d o o mais de que
n esse tutu'10 lance mão o Estado não passará de m eios L
liíiciaes, que nao terão outro effeilo senão o de fazer obrei­
ros maos e emprezas msuíficientes. e com o corollarios in-
producuis UUU IC,tínCia’ a *m l)L,|fcição, c a carestia dos seus
O que pôde realm enle ganhar o Estado lim itando o
numero de uns ou de outros, quando é certo, que em lodo
T 1 l’óde dai’ n’elle m elhor em prego á
v e n c ã V '" a d e i e .,,ara 1.ue es?a sna inconveniente iuter-
^ , q laudo as próprias leis econôm icas da sociedade,
___ 229 ___

únicas que dispõem da verdadeira bilõla de quaesquer expan­


sões induslriaes, se incum bem , por um modo mais natural
e seguro, de fazer justiça aos seus excessos?
Não ha, em sum m a, melhor meio quer para animar e
aproveitaras verdadeiras aptidões professionaes, e affastar
da liça industrial os incapazes, quer para pôr os verdadeiros
limites ao numero de obreiros e emprezas em qualquer in­
dustria, do que aquelles a que ailndimos. A par d ’el!es, o
juizo dos proprios indivíduos, e o respeito aos direitos dos
mais, são, como nos diz o mesmo Compêndio, as únicas
regras admissíveis n’ esla matéria.
Mas não è ainda bastante para o completo desen vol­
vimento das industrias uma plena liberdade pelos lados a
que nos temos referido; cilas carecem de ampla indepen­
dência a outros respeitos, com o se exprime o Compêndio
no § 1 0 í.
Si as vocações induslriaes não devem ser forçadas ou
contrariadas; si aos que se destinem a ser obreiros deve
ser livre a escolha das industrias cm que se em preguem ,
por iguaes razões, lhes deve ser permiilido prestar os seus
serviços onde mais lhes convenha, conlrnctal-os com quem
o queirão, e com quaesquer cundicções que mais vantajosas
lhes pareção. Desde que o obreiro esteja no uso pleno de
sua capacidade civil, não pótle ter no Estado menos liber­
dade do que quaesquer outros cidadãos, ao sq u aes, ern re­
lações aualogas, são reconhecidos e garantidos taes direitos;
antes pela natureza e importância de sua prolissão ello deve
m erecer da parte d’aquelle uma protecção mais liberal.
Fundados n’ esta ultima consideração entendem alguns
0 entre elles o Compêndio, que cm todo o caso deve co m ­
petir ao poder publico a respeito de taes contractos, ao me-
,,0« o direito de limitar o praso de sua duração, para que
"'elles não abusem os empresários de sua posição em grave
prejuízo dos obreiros.
E' certo que os empresários poderosos e ricos preya-
lecen d o-se da simplicidade e penúria das classes operarias
podem mediante contractos por longo tempo, que lhes irn-
poubâo, confiscar em seu proveito a liberdade das mesmas,
<’ oscravisal-as de alguma sorte ás suas empresas ou espe­
culações.
Mas felizmente para aquellas estes fa d o s não são com-
230 -
m uns, nem faecis de veriíicar-se, já p o r q u e a própria n a ­
tureza dos trabalhos ou serviços que ellas prcstão é pouco
compatível com contractos (Taquella espccie, já porque o
simples bom senso, e o proprio interesse e dignidade de
cada obreiro, assás o acautellão contra a sua celebração.
Cumpre, além d isso, levar-se cm conta na apreciação
de taes contractos as demais condicções 11’elles contidas.
Elles podem bem ser feitos por tempo longo, sem que por
esse unico motivo, devão considerar-se onerosos on preju-
diciaes aos operários que.o lenliào acccitado, 011 como urna
prisão injusta e cavilosa á sua liberdade industrial.
la e s s e ja o as razões que tenlião determ inado, quer os
obreiros a se conformarem com aquella diulurna sugeição,
<|uer os empresários ao encargo de retribuil-os por tempo
correspondente; e tal seja, afinal, a liberalidade do salario ou
de outras condições alii estipuladas em favordos primeiros,
que decretar-se a priori a sua insubsislencia além de uni
certo termo mais breve, em vez de protecção aos mesmos
obreiros, seria em muitos casos decretar-se a miséria de
um grande numero d’ clles. E tanto é isto mais evidente,
<|tianto, em verdade, empresas ba e importantes, que não
podem estabelecer-se, manter-se, c produzir bons resul­
tados sem a segurança, por um tempo mais ou menos ex ­
tenso, dos serviços dos operários de que carecem .
Demais, desde que os ditos contractos não sejão per­
pétuos, ou por tempo excessivo que absorva uma grande
paite da vida provável do operário, 0 qual so por si cons­
u m e uma grave presumpção de dólo e lesão, 0 que importa
qualquer outra extensão maior ou menor do tempo ifelle s
estipulado, si por estes vicios, quando se verifiquem, são
os mesmos annulaveis ?
Em ihesc, pois, nos parece insustentável aquelle ar-
Int! 10 concedido ao Estado, já como desnecessário, já como
piejudiciul 11a maior parle lios casos. Apenas em circuns­
tancias muito exccpcionaes, e ainda assim adoplado corno
máximo um praso que salve até certo ponto 0 legitimo in­
teresse e necessidade, que lenhão os empresários e obreiros
de lazer contractos que não são sejão ephcm eros ou incer­
tos, pode aquella faculdade ser adm illida.
Em reiação ao nucmlum do salario dos últimos, de
flllf *iaf,a 0 Compêndio 110 § 10’), não pode igualmenle
— 231 —

como ello observa, deixar dc ser a solução ainda no sen -


lido da liberdade plena na sna estipularão cn lre aquelles o
os empresários. Prevalece n’ oslo caso o principio geral de
Direito cm virtude do qual se reputa justo preço das cousas
que são objcclos de um pacto, o que livremente se c o n ­
venciona entre os pactuaules, .
Com cfleilo, si por uma parle, só o proprio operário o
com petente para avaliar o seu trabalho, e não pódeser obri­
gado a prestal-o por qualquer que não seja este, e si por
outra parte lambem só o empresário o é para estabelecer a
paga que lhe convem offereccr por aquelle, c ninguém o
pode compellir a dal-a maior, é claro que só mediante livie
ajuste entre u n s e outros, póde aquelle salario ser legitima-
mento fixado. E tanto mais quanto o valor, já do trabalbo,
já dos capitaes, como todos os mais q u e g irâ o nas transac-
ções do com m ercio ou da vida com m um , é sugeilo as altei-
nativas da procura c da olTcrta, oscilla segundo a utilidade
do primeiro o abundancia dos segundos.
Podem sem duvida os empresários dc industria abusar
áinda de sua posição, e das circunstancias difliccis em que
VèrihSo a acliar-se as classes operarias para im poi-l.ics sa­
lários diminutos. Mas o inverso póde igualmentc acontecer;
'am bem póde chegar áquellas a vez de acliarcm-se em con­
vicções <le lhes exigirem pagas exageradas. Ao despotismo
dos capitalistas tem, de facto, respondido muitas vezes as
greves dos trabalhadores. ,
• A fixação de um salario pelo Estado, alein dc sei um
arbítrio, que sabe inteiramente fóra dc todos os princípios
do Direito, não póde demais, ser uma medida própria para
evitar sem elhantes c o n d id o s, em que cada parle procura
tirar mais vantagem dos objeclos sobre que conliacta,
quando as circunstancias n este sentido a luvoiccem. E ||,,,a
lei de todo o mercado, filha da própria natureza das cousas,
á cuja influencia si por um lado nenhuma classe c ncnbnma
especie de transacção pódesublrabir-sc, poi ou i o an -
fin g u e m póde explorarem seu proveito e damno alheio,« sei
arbítrio ; porque, cila tem limites que não podem*>u > l■ -
passados im puuem ente,e por conseguinte cada um
Proprio interesse os conselhos de prudência qiierfenlrod es­
ses limites devem contel-o. Quer os empresários, quer os
operários são os primeiros interessados em nun ievaicm
232 —

iiniilu longe as suas exigências, on prolmigaraquellas lu c la s


porque alias uns c outros serão iuiallivelmente viclirn asde
sua própria exagerarão c hostilidade.
Quando é o Estado que a titulo de proteger os opc-
r3l|os.i qualquer industria, marca uma taxa de salario
superior a que os empresários julgão conveniente dar-lhes,
0 que acontece è que uma parte das respectivas oflicinas
nidustriacs ou empresas cessão de lodo ou pelo m enos re­
duzem a menores proporções os seus trabalhos ; c a co n ­
sequência d isso^ vem a scr, ou que uma grande parle dos
operários que n ellas se empregào é sacrilicada, para que
3 '," s .m ais 1)um. pagos, ou que a acção do poder
P. " co e illticlido por ajustes particulares de salários infe­
riores, que os operários, em lodo o caso, preferem a total
privaçao que lhes acarrete uma despedida.
Em ultima analyse, pois, essa intervenção do Estado
cm sem elhante assumpto e para tal íim, seria on vã ou
damuosa aos proprios a quem pretendesse amparar.
1 le cisa m en lc no m esm o caso está a fixação do tempo
< uiante o qual devâo os operários trabalhar em cada dia,
questão de que tracta o Com pêndio no § 1 0 8 .
Com eífeilo, que bitola poderia ler em suas mãos o
poder publico para determinar esse tempo de uma maneira
justa e conveniente, si os hom ens não são todos ignaes cin
torças m usculares, nem em disposições para o trabalho, e
nem os serviços de todas as industrias lhes são igualmcnte
pesados? °
1 i r,n°m fundamento aquelle que pudesse e quizesse
,nrbn n r d u ,a 'i e d e z lloras fia ria s,seria forcadoa trabalhar
r S,0me.n l e ? Co,no •rnpòr-se a especies va­
! t í " lSlr,aS um m esmo m áxim o, ou eslabe-
T " ^ 16 pa’’a f a,la uma ? p ara o vadio e para o
i 1 medida seria desnecessária, c para o forte e d e -
iigcn ie seria uma verdadeira oppressão.
al^ piocedim ento da parte do Estado não seria uma
protecção ao obreiro, mas antes uma terrível tulella em seu
damno.
p c c i l ° que o trabalho excessivameiite prolongado,
In 1108 * 12 9 Compêndio, quando não m ala, em hrutece;
cada n n fm- ?Bia me *101 Íu'z da quantidade do m esm o que
pode supporlar sem qualquer d"esscs perigos, do que
- 233 -

os proprios o p e r á rio s ? E (juom mais tio que elles cuidará


de sua conservação e saude ? Demais entre a m orte ou o
em b ru te cim e n lo pelo excesso do trabalho, ou pelo da p e ­
núria, o que lhes seria preferível ?
Si por um lado as forças e os interesses dos proprios
operários são os m elhores árbitros, os mais seguros e as­
síduos reguladores da duração do seu trabalho, por outro
não são m enos com p eten tes e sensatos conselheiros sobre
o m esm o assum plo os cálculos bem entendidos dos p ro ­
prios em presários, que co m o nos diz ainda o C o m p ên d io ,
devem perlcitam eute co m p re h c n d c r que os produetos do
trabalho cançado ou debil são sem pre m enos abundantes e
peiores.
E m sirnima, si por um lado, a duração do tempo do
trabalho correspon de, em ge ra l,á quantidade da retribuição,
reduzir aquelle é reduzir esta, c portanto prejudicar os op e­
rários em vez de fa v o r e c e l- o s ; por outro sendo essa im po­
sição do E stado, co m o a dos obreiros, illudida necessaria­
m en te na pratica pelos ajustes secretos dos que 11’ isso ti­
vessem a ganhar uma m elh o r rem uneração dos seus s e r ­
viços, s eg u c-sc que sem elhan te syslcm a, além dc m an ifes­
tante» tc injusto, é na verdade vão.

30
gonknuação no capitulo vi

PROCESSOS INDUSTIí í u/c • ^


- m k i l i o e j a m p i S J DA’DB n os PR0ÜÜCT0S
a t S T R ICÇOKS A S INDUSTRIAS.

1'rclecção XXXI[

§§ 107-100

co áccrca dosdiv^rsoTm ín? 113 akslenção do poder publi


tenor prelecção, a liber h , 3 í1" 0 ,I0S referimos na ao-
garantir a todas as industrias ° in^e|)endc,lc'a <l«e cllc dcvr

Ias devem gosar Pmalmern^11'011'110 no § d110 <l’ai]nd-


*»a adopção dos nrocp« L ° S em IJI*esarios ou industriosos
trabalhos de suas emurnsoc ^ue* lf n*lão de empregar nos
JKÍade dos p r o d u c l ? r ° ' \ lndu,sl™ s > c quanto á qua-
80 consumo. " 1 L ícnlla0 de preparar e oflereccr

spjão os^da siia^livrc^éscoíh-?ef Oul!'os Processos <|ue não


c escoil,a= a mulo dc serem mais eco-
nomicos ou mais perfeitos do que os do sou ij s o , seria com
efleito arrogar-sc o mesmo sobre os cidadãos, sobre negó­
cios de que só elles são juizes competentes, c que só elles
podem convenientemente dirigir, uma tulella insuportável
a estes e fatal á industria c ao proprio Estado.
■ Se os processos que empreguem ou queirflo empregar
os empresários c industriosos são, ou parecem ao Estado,
menos lucrativos aos mesmos, ou menos proprios para
acreditarem o seu trabalho, nada tem cllo, ainda assim,
que ver n’ isso, desde que os grandes interesses rcalmeule
proprios de sua alçada e immediala direcção, não sejão
dircclamenle offeudidos. As leis cconomicas de todo o
mercado, mais ou menos cedo, farão a devida justiça áquel-
les, obrigando-os a procurar melhores; o quando insistão
na rotina contenlando-se com lucros minguados ou com
um mesquinho conceito, fazem-no por sua conta c risco,
e ninguém Ibes pode com justiça impôr ambições que não
lenbâo ou vantagens a que não aspirem.
Prevalecem estes princípios mesmo no caso que o Com­
pêndio figura, ou em relação aos processos novos, ou ás
machinas aperfeiçoadas que em qualquer industria se in-
troduzüo, e possão occasionar qualquer suspensão, dimi­
nuição, ou privação do trabalho a um numero mais ou
menos considerável de operários que n’clla se empregaváo.
Ainda ideslas conjunclnras deve ler lodo o emproza-
rio ou industrioso plena liberdade de utilisar esses melho­
ramentos, desde que d’elles pode tirar vantagens licitas,
consequências naluraes dos mesmos, e que de nenhum
modo se devem reputar ofTensivas dos direitos dos mais,
sendo o seu uso franco e util a todos que leuhão a aptidão
e os meios necessários para exploral-os.
Si d’ isso pode resultar realmenle que alguns ou mui­
tos operários venhão a solfror qualquer d’aquellcs males,
nem por isso devem ser elles imputados cm culpa aos em­
presários ou industriosos, uem estes, por tal motivo, pro-
Jiibidos de procurar por esse modo o augmenlo e perfei­
ção dc seus produetos, e conscguintemenle, com o dos
seus legítimos lucros, as commodidadcs e gosos de um
numero ainda maior de cidadãos, isto ò, de todas as classes
sociaes.
Accrescc que nqucllcs cíTeilos que sc aüribtic a laes
— 23G —

melhoramentos não são realmenle lão desastrosos como


se pretende. Por quanto, si os processos e machinas in­
troduzidas de novo em alguma industria, na verdade dis-
pensâo, e deixão a principio sem emprego uma parle dos
respectivos operários, todavia não os condemnão a uma
inaçao total ou p erm an en te; porque, por um lado, esses
melhoramentos multiplicão na mesma razãp as empresas
que os uliiisão, creão outras muitas novas auxiliares tle
que cilas carecem, em umas e outras abrem espaço a muitos
d aquellcs, c dão aos mais o tempo necessário para appli-
car-se a outros m isteres; c por outro, tirando os empre­
sários, do seu uso, produetos mais abundantes, mais per­
feitos, menos custosos, e por conseguinte muito maiores
proveitos, habililão-se a melhor retribuir os operários que
conservão, e até a conservar muitos que, a não ser isso,
despedirião, ou um numero superior ao que lhes seria res-
triciamento indispensável. E, sobro tudo isso, é preciso
levar-se ainda cm conta o melhoramento de todas as cou-
dicçõcs da existência, que do desenvolvimento das indus­
trias provém a todos e aproveita em grande parte ás próprias
classes operarias.
Em rigor aquelles males se reduzem a uma simples
deslocaçâo passageira do trabalho, a um soffrimeuto m o­
mentâneo das sobredilas classes, que devem sem duvida
m erecer allenção e favores do Estado, mas para os quaes
não é remedio adequado o arbítrio a que alludimos, só
proprio para lazer definhar todas as industrias, e perpe­
tuara miséria dos industriosos. *
Quanto á qualidade dos produetos, lambem nenhum
lu mia mento plausível pode haver para que se conlira ao
Estado o direito de lhe impor quaesquer restricções ou
regras, como outr’ora no regimen das corporações de
omcios.
Quer se irado de impedir que certos produetos indus-
tnaes ultrapassem tal ou tal gráo de perfeição ou preço
coino meio de impor um freio ás prodigalidades do luxo,
quer se trate, ao inverso, de vedar a circulação e uso de
ar ctaclos imperfeitos, por simples amor á arte, ou a titulo
e serem imprestáveis aos misteres a que se destinem,
pm isso a questão muda de aspecto ou natureza.
Uuaiquer d e sse s procedimentos do poder publico,
além ilc ser urna manifesta violência á liberdade individual,
seria inlallivclmcntc muilo prejudicial aos produclores,
aos consumidores, ás industrias, c a sociedade em geral.
A todos os induslriosos, deve ser antes plcnamcnte garan­
tido, p oraquelle, o direito de executar os seus trabalhos e
de pôl-os em giro, como queirão ou como possão.
E ’ demais evidente, que qualquer que Ibsse o padrão,
que o Estado adoplassc para regular a qualidade dos multi­
plicados produetos induslriaes, a ser isso concebível, não
poderia satisfazer a todas as classes da sociedade, c ao con­
trario as prejudicaria gravem enle nos seus mais vilães e
legitimos interesses. Para que as necessidades relativas
de todos os cidadãos ricos e pobres sejão devidamente
altendidas, é preciso que aquelles produetos variem n’ uma
escala extensa de preços, e portanto de qualidades, e para
isso, que todas as industrias possão ser livremente exer­
cidas por quaesquer operários mais ou menos babeis, su-
geitos estes aos resultados naluraes de sua pouca reputa­
ção artistica, ou da inferioridade de suas obras.
Quer como medida siimpluaria, quer como meio de
apurar as industrias, seria aquelle arbítrio concedido ao
poder publico, impotente, alcin de absurdo; e na segunda
iiypotbose, tanto mais quanto é claro que nenhuma indus­
tria nasce perfeita, e que para que qualquer chegue aos
últimos grãos de sen adiantamento, carece de ser respei­
tada e livre desde a sua humilde origem.
Os seus primeiros ensaios, os seus erros, ou defeitos,
carecem de toda a tolerância, de esclarecimento e não de
medidas de compressão. Esta em vez. de lhes abrir ea-
minlio para o progresso e perfeição, ao contrario, as cou-
demnará ao atraso, a uma uniformidade que seria a sua
morte, e o tormento dos consumidores. Ainda quando
fosse possível a todos os induslriosos só produzirem obras
perfeitas, e a todos os consumidores oblel-as sem sacrifí­
cio, é certo em lodo o caso, que nem sempre são as cou-
sas mais perfeitas as mais uleis ou necessárias, ainda na
mesma ordem de ai lefactos, si se prescinde do luxo, da vai­
dade, ou da moda- _
Concluamos, pois, que si o Estado deve ler, e tem
realmente, o imperioso dever de proteger todas as indus­
trias c induslriosos, não o por aquelles ou semelhantes
fACU LD APÍ

D F D IR F IT O
238 -
Digitalizado pelo Proieto Memória Acadêmica da FDR - UFPE

expedientes. N’esse sentido sohram-llic recursos para o


emprego de outros legítimos e muito mais ellicazcs.
la e s sejão, antes de tudo, em vez de contrariar, p ro ­
mover quanto esteja ao seu alcance ex a cta m en lc a in lro -
«lucção e propagação d’aquelles processos c macliinas ;
fundar eslabellccim cntos de ensino professional llicorico c
pratico para as diversas industrias na maior escala possí­
vel; excitar o amor ao trabalho, honral-o, e re co m p e n -
sal-o ; além de outras providencias m enos directas, mas
não menos profícuas para o mesmo (im, taes com o as que
o Compêndio indica no § 108, a s a b e r: a abertura c poli­
cia das estradas, canaes, rios, e p o rtos; a m oderação dos
pedágios, dos direitos de ancoragem , de im portação, e x ­
portação e consum o ; a celebração de tractados internacio-
naes tendentes a remover quaesquer em baraços á livre e n ­
trada e sabida des generos nos territórios dos paizes res­
pectivos ; c em geral o m elhoram ento das leis c instituições
relativas ao com m ercio, á navegação, e a todas as mais
garantias de que em um Estado bem dirigido, deve ser ro­
deada a liberdade individual.
Quanto estes meios valem , c os m aravilhosos cffeilos
que ellcs podem produsir a bem de todas as industrias,
m ostrão-nos os paizes mais induslriosos e com m ereian les
da Europa e da A m erica.
Não só a razão, mas lam bem a historia nos a lteslã o
quaes forão os deploráveis cíTcitos que produzirão o u t r o r a ,
quer o regimen tacanho da jurando, na vida e desen volvi­
mentos internos das industrias nos Estados cm que cila
d o m in o u ; quer nas suas relações e cm prelien dim en los
exteriores, o systema não menos absurdo da balança ou
balanço do com m ercio, que lazia consistir o meio de en ri­
quecer as nações em importar muito e exp ortar pouco, e
deu origem aos chamados direitos protectores ou prohihi-
tivos, ás companhias privilegiadas e monopolisadoras, e
aos tractados co m m erciaes destinados a tornar effeclivas
sem elhantes lheorias, que a seiencia moderna co n d cm n a ,
e são realm ente incom patíveis com a liberdade, lei sup re­
ma c benefica de todas as legitimas expansões da intclli-
gcucia c da aclividade hum ana.
Entretanto não qu e re m o s dizer que esta liberdade
nno lenha limites, ou que lhe não possão ser impostos-
— 239 —
polo Estado oulros, além dos que resultão de sua própria
acção, a <pie prccedciilemcnle nos rclerimos. Toda a
liberdade para selo-o verdadeiramente deve ser sugeila ás
restricções aulorisaMas pela razão, e pelas justas necessi­
dades da communhao polilica em cujo seio tenha de e x ­
pandir-se.
E’ claro que as industrias que cm si ou nos sens m o ­
dos e condicções de exercer-sc fossem perigosas a socie­
dade, olfenstvas ás suas leis, ou á moral, prejudiciacs ao
publico, não poderião invocar cm seu favor aquella liber­
dade por maior que fosse o interesse que no seu exercício
tivessem quacsquer classes sociacs, ou cidadãos. Ninguém
no Estado pódc explorar as de lacs cspccies, ou tirar pro­
veito da desordem, dos escândalos, ou dos soffrimentos
que cilas alii produzão.
Esta doutrina não pode deixar de ser praticada em
qualquer Estado mais ou menos culto, Assim as fabricas
ou deposites de produclos cxplosiveis, os estabelecimentos
destinados a misteres que possáo íncommodar gravemente
os cidadãos, deteriorar a sna saude, ou occasionar-lhes
oulros males semelhantes, devem ser ao menos removidos
dos centros populosos, c do todo proscriplas as que possão
corromper os costumes, ou sejão exclusiva ou principal­
mente apropriadas para a perpetrarão de crimes.
Procedendo d’ esla forma e cm taes casos o Estado não
viola a justa liberdade industrial, reprime os seus abusos.
0 homem, como nos diz o Compêndio no § 109, é sem
duvida senhor de applicar a sua inlclligencia a qualquer
especiedc trabalho; mas nenhuma industria escapa ao im­
pério da razão que deve acompanhar e dominar a aclivida-
dc humana em todas as suas manifestações. Esta reflexão
do Compêndio resume toda a lheoria da liberdade indus­
trial e dos seus justos limites, llesla aos cidadãos e ao
Estado compenetrarem-se bem da verdade que ella cncer-
ra, e do lirme proposilo de respeilal-a, para que nem este,
na acção que sobre a mesma liberdade lhe compele, nem
aquellcs no seu cxercicio, fiquem aquém de seu direito, ou
ultrapassem o seu dever.
CAPITULO VII

IJIR E IT O -D E RE U N IÃ O , E DE ASSOCIAÇÃO

Preleceão XXXIlI
§§ I 10 — 113

Reunião é um ajuntamento mais ou menos passageiro


<lc pessoas para algum lim, como diz o Compêndio no § HO.
Elias podem ler por objeclo, ou o simples prazer, ou a
communicação c discussão de interesses peculiares tios que
as tormào c dos meios de melhor promovcl-os, ou (inal-
roente, tratar de negocios públicos, ou relativos á consti­
tuição ou governo social; isto é, podem ser ou recreativas,
ou induslriaes, scicnlificas, lillerarias, reliligiosas, benefi­
centes, ou políticas.
Não nos occuparcmos com as da primeira espccic, que
por sua natureza devemos suppor fora de questão. Salvos
os abusos, que ahi, como em tudo, se pode com m cllcr,
não ha fundamento plausível, para que o poder publico por
mais austero c sombrio que o figuremos, prohiba ou e s ­
torve a seus concidadãos o exercício de semelhante direito,
‘le que só podem provir á sociedade benéficos cfTeitos.
A legitimidade c a utilidade das reuniões da segunda
cspecic, são igualm culc incontestáveis. Devemos considerai'
este ponto já demonstrado pelo que expondemos na analyse
do capitulo anterior; pois que não sendo laes reuniões
senão os meios mais adequados para a efíoctiva realisação
das diversas liberdades individuaes de que ahi tractamos,
impedil-as ou cmliaraçal-as seria condemnal-as depois do
liavcl-as reconhecido, assim com o o imperioso dever que
tem lodo o Estado de animar cgaran tir o seu maior d e se n ­
volvimento possível.
E ’ aquelle um direito cspccialincutc proprio da organi-
sarão racional e moral do hom em ; um direito, cm sum m a
cujo exercício lhe é da maior utilidade, e até mesmo da
maior vantagem para o progresso c cngrandecim eulo do
Estado. .
Todos os mais caros interesses do hom em , todas as
suas mais nobres aspirações podem prestar assmnpto para
a sua reunião, e carecem delia para serem satisfeitos.
Com eíFeilo, o ensino sem as reuniões scicntiíicas e
lilterarias, a caridade sem as beneficentes, a piedade sem
as religiosas, o com m crcio e todas as mais industrias e
artes sem as induslriaes e artísticas, não darião senão r e ­
sultados com paralivam cule mesquinhos. As ultimas, s o b re ­
tudo, sem esse poderoso estimulo, não serião capazes dos
prodigios que no presente século se tem admirado nos
sumptuosos palacios de exposição de Londres e de Paris.
O Estado por sua acção uniea não podería supprir a
eflicacia da iniciativa da liberdade individual cm taes as-
suniplos. Sopeando-a clle abriría na sociedade um vacuo
immenso que toda a sua melhor vontade e recursos jám ais
conscguiriüo preencher. Em vez disso, é clle o primeiro in ­
teressado em dar o mais activo impulso ao exercício d"esse
direito dos cidadãos, primeira c mais essencial co n dicção
do progresso das Nações. Só pode oppòr-se-lhc o proposilo
ignóbil dos déspotas e usurpadores de manter os povos na
ignorância c na miséria.
Estarão, porém, nas mesmas circunstancias as reu­
niões propriamente políticas? Terão os cidadãos de um
Estado o direito de reun ir-se para tratarem de negocio*
públicos, já relativos á marcha de seu governo, ja a quaes-
quer modificações cm sua constituição c le i s ?
2 1 2 ___

Fazer laes perguntas é o mesmo que perguntar, si os


governos Io rã o insliluidos para liem dos povos, ou si esles
existem para maior gloria c proveito d’ aquelles ; ou si suas
constituições e leis devem ser o resultado ria vontade Na­
cional legitimamenle expressa, ou do bel-praser de qnem
quer que seja que no Estado se arrogue o previlegio de ou -
torgal-as ou impôl-as ; e a resposta ó fácil.
1'ór-se em duvida o direito de reunião política, seria
annullar todas as mais liberdades e direitos da mesma ca-
tbegoria, sem os quaes se não concebe ocidadào. E’ aquelle
um com plem ento indispensável de todas estas, e sobre
tudo da que respeita á manifestação do pensamento c da
palavra pela imprensa, principal columna de toda a ordem
política nos paizes verdadeiramenle livres.
O que o povo não aprende nas escolas, nas conversa­
ções isoladas,ou nos jornacs, sobre o que lhe convém saber
de seus direitos, e dos abusos do poder, aprende-o n’ essas
reuniões ; e si abi se podem introduzir vozes que procurem
illudil-o ou desvairal-o, em maior copia surgem sempre
inlelligcnlcs c energieos propugnadoros de seus legítimos c
rcacs interesses. Em grande parte ellas contém , pois, cm
si próprias os melhores correclivos para os seus excessos.
A simples consciência d ’essc direito nobilita os povos
o os predispõe para os grandes em prebendim enlos em to­
das as possíveis applieações da aclividade lmmana. Bem o
com prebenderão na antiguidade as republicas de Iloma e
da Grécia, nos mais gloriosos dias do Fórum e da Agora;
e nos tempos modernos- as duas mais adiantadas Nações do
globo : a Uniào-Americana, e a Inglaterra, onde os meelings
de milhares e milhares de cidadãos reclamão frequente­
mente e conseguem alinal pela insistência pacifica as mais
importantes relormas nas suas instituições políticas ou so*
eiaes. A primeira consagrou solem nem cnle na sua consti­
tuição federal o direito do reunião política p o p ular; na se­
gunda elle se encarnou nos seus costumes e tradicções ; o
os factos lhe tem dado razão ; e a França acaba lam bem
agora de adoplal-o na sua legislação.
Nos Estados onde esse direito é garantido cm toda a
Mia rasoavel extensão, o povo é menos disposto aos mo­
tin s; c assim deve ser, pois, quando se tem á disposição
os meios legaes e pacíficos para melhorar suas coudieções
ou reagir contra os abusos do poder, não sc appella facil­
m en te para os recursos violentos. Salvas ex ccp çõ e s raras e
que não podem tér grande alcance no Estado, não se é
desordeiro por inéra p lian lasia; e nem as grandes reuniões
populares jam ais s e e ffe c lu ã o sem alguma razão plausível.
S ó devem tem el-as os governos illegitimos, ineptos, ou
lyrannos.
Mas, accresse que não é facil tarefa para quaesquer
governos obstal-as, quando surgem , ou elles proprios pro-
vocão, a so cca s iõ e s em que ellas se lornão realm ente n e ­
cessárias. Sem citarm os outros factos para dem onstral-o
basta-nos recordar a quéda de Luiz Philippe em seguida á
prohibição e repressão dos banquetes reform istas de Paris
em 1848.
0 que lem os dito acerca das simples reuniões, com
mais razão sc applica ás associações propriamente taes, que
consistem na união mais ou m en o s duradoura de pessoas
que para algum lim se ligão por um laço c o m m u m . Ellas
podem ser tam bém das m esm as especies que aquellas, e o
direito de formul as e de faz.el-as funccionar em qualquer
Estado, não é m enos liquido, e é mais im p o rtante, quer
para os cidadãos, quer para o proprio Estado, desd e que
ellas estão para as simples reuniões com o a acção para o
p e n s a m e n to , desde, em sum m a, que no maior de se n vo l­
v im e n to possivel do espirito que as co n ce b e e realisa, e n ­
cerra-se a solução do todos os grandes problemas da maior
prosperidade social.
Mas não quer isto dizer la m b e m , qne a liberdade de
reunião e de associação de qualquer natureza, seja absoluta;
não o é, de certo, e o C om pêndio o dem onstra nos SÇ
112 — 113.
0 Estado em virtude do seu direito de suprem a ins-
pecção sobre tudo quanto entenda c o m a bôa ordem na
sociedade, deve necessariam ente ler o de velar para que
aquellas não excedão seus legítim os lins, c não abusem ,
quer contra esta, quer contra os legitim os interesses dos
mais cidadãos, da força c recursos que Ibes provem da união
c do exforco c o m m u m ; sem isso, co m o diz o Com pêndio,
o Estado não podería desem pen har a sua m issão protectora
de todos os direitos de seus m em b ro s. In c o n le s la v e lm e n le
lbe deve, pois, com petir alguma faculdade no sentido de
regular o exorcicio da liberdade individual de reunião e de
associação, para <|uese não desviem do dever e da justiça.
Mas tudo isto se deve entender em termos hábeis. E ’
justo, por exemplo, í jmo se confira ao poder publico uma
mgerencia mais particular sobre o modo e condicções em
que devem constituir-se e funccionar certas associações,
taes como as companhias de bancos, de estradas de ferro,
de navegação a vapor, de abertura dccan n aes, e outras s e ­
melhantes que se fundão na conliança de uma parte consi­
derável do publico, e jogào com a sua fortuna. Não lhe é
permiltido, porém, a titulo de regular aquella preciosa li-
lierdade individual, peal-a com restricções arbitrarias.
, E ’ admissível que associações como aquellas que men­
cionamos, sejào sugeitasá anlorisaçãoe approvação previas,
e a certas regras que lhes imponha o poder publico-, tanto
mais quanto, para csiahellecerem-se e subsistirem cilas ca­
recem de concessões e faculdades importantes que só o
Estado lhes pode outorgar e garantir. E’ , porém, um grande
absurdo o que entre nós, se pratica cm vista do Decreto n.
-,68(i de lü de Novembro de I8(>0, exigindo-se essa auto­
rização e approvação para toda e qualquer especie de s o ­
ciedades anônimas inclusive as simplesmente recreativas,
religiosas, benelicentes, litterarias. para uma sociedade par­
ticular de thealro, para uma confraria! E’ collocar-nos abaixo
da Tartaria ! Não foi essa, de certo, a mente da lei n. 1,083
de 22 de Outubro do citado anuo, a que esse Decreto veio
dar execução.
Salvas as limitações a que nos lemos referido, e que
aimln assim não tem outro intuito senão o desenvolvimento
livre das associações, poremos conto regra universal, que o
interesse individual é o unico juiz competente c mais se­
guro do regimen e condicções sob que devem aquellas or-
ganisar-se e viver em qualquer Estado.
E certo que estas podem destinar-se a maquinações
contra os governos, ou a operar mudanças mais ou menos
radicaes na ordem das- cousas estabellecida no Estado, e
por meios mais ou menos violentos Cumpre ao poder pu­
blico tomar a semelhante respeitosuas m edidas.e empregar
contra aquellas a conveniente repressão, desde que por fac­
tos se revelem as suas sinistras intenções. Mas não pode ter
elle o direito de devassar antes d’ isso arbilrariamenle o sen
segredo, ou de dissolvol-as desde que llie conste apenas a
sua exislencia.
Não são cxceptuadas desta llieoria as próprias socie­
dades formadas para lins políticos, em quanto se conte-
nhào nos seus justos limites. O direito dos cidadãos a este
respeito é o mesmo que já lhes allribuimos cm relação as
. suas simples reuniões de egual caracter.
E ’ justo que os governos procurem conhecer as suas
intenções, e-prevcnil-as quando realmente sejão hostis a
ordem publica, não á essa fallaz. e degradante que dá a ty-
rcinnia, mas á unica verdadeira e digna do cidadão c dos
povos livres, c que só pode vir-lhes do respeito ás leis e aos
seus direitos.
Antes, porem, de qualquer medida de prevenção ou
repressão contra taes sociedades, devem os governos hem
inspirados e conscienciosos refleclir, si não é mais justo e
conveniente pôrem-se elles mesmos á lesta de suas recla­
mações, e concorrer de moto proprio para que sejão estas
m tendidas alé onde devão scl-o, antes de se imporem pela
violência e de romperem em excessos.
As sociedades secretas mesmo não devem ser sugcilas
ao puro arbítrio da autoridade social.
Tal procedimento nem é necessário, nem se pode con­
siderar legitimo; já porque nem toda a sociedade secreta
pelo simples faclo de sel-o, se deve reputar organisada para
hns que ameacem a ordem publica, já porque mesmo quando
se destinem a teformar a constituição do Estado ou a que­
brar a mão que o escravise exercem um direito que não
pode ser contestado a nenhum povo.
A prelesto de abafar maquinações reaes ou supposlas
de taes sociedades desde que as suspeitem, podem os go­
vernos prepotentes nullilicar toda a liberdade politica dos
cidadãos, e perpetuar o despotismo. O melhor meio de im-
pedi|-as é não dar razão a que ellas se formem e cresção ;
ou antes, não são os males que ellas podem produzir os
que mais se deve rcceiar, e sim os que de ordinário lhes
dão origem, e vigor. . . _
Nos paizes governados por um systema de instituições
liberaes e onde os governos as não sopbismem, não tem
razão de ser essas sociedades, nem o emprego dos meios
tenebrosos para satisfazerem-se as legitimas aspirações po-
210 —

pulares. Nos mais onde, a lyrannia domine ou seja surda


aos clamores da opinião, são legilimos esses e quacsquer
outros recursos, embora violentos, até onde os exija a n e­
cessidade da salvação publica. E’ a sorte dos despostas que
supprimem as leis e menospresão a justiça, supprimir ao
mesmo tempo os únicos diques que contra clles contêm os
os impetos da liberdade.
Demais n’ esse terror dos governos em relação ás s o ­
ciedades secretas, n esse seu afan de esmagal-as desde o
nascedouro, ha mais affectação e interesse de conservação
pessoal do que verdadeiro estrem ecim ento pela causa pu­
blica ; porquanto a experiencia mostra não só, que taes so­
ciedades deixào sempre de ser secretas antes de conseguir
seus fins ou mesmo de produzir algum effeilo importante ;
mas ainda, que, em geral, ellas são tão temíveis como se
figura. De ordinário ellas só fazem alguma fortuna nos
paizes já presas da anarchia e da dissolução. Por seu in­
termédio jamais se operou em algum Estado uma revolução
notável.
t A historia dos carbonarios da ítalia no primeiro quarto
d esle século, resume-se cm algumas insurreições parciaes
como as de Nápoles e do P iem o nlc, malogradas pela irahi-
ção dos seus proprios adeptos, ou ao primeiro exIbrco do
|)odcr •, c a dos 1‘ iladelphos do Erança sob a Restauração,
cifra-se em duas ou trez tentativas infelizes.
Só os fenianos na Irlanda e o s nihilisias na Rússia, pa­
recem , de algum modo, contradizer estas nossas ultimas
considerações y cm lodo o caso são-lhes applicavcis as que
um pouco acima expendenios. Quaes as verdadeiras causas
de sita existência ? Serão condemiiaveis todas as suas as­
pirações e exigências? Não m erecerão estas outra resposta
senão a mais lerrivcl compressão e os supplicios? E o que
tem, afinal, conseguido, sobretudo, o governo do Czar, com
as suas lôrcas e degredos para a Sibéria, no sentido de sní-
lo raro nihilismo? Não ò aliás, evidente o remédio proprio
para o horrível mal de que está solTrcndo o grande impe-
n o ? que o seu povo tem fome e s ê d e da justa liberdade de
que está privado ?
CAPITULO VIII

P R O P R IE D A D Ü ; — D IR E IT O SOCIAL EM RELAÇÃO a’
M E S M A ; — IM POSIÇÕES — SER V ID Õ ES

1'relccçâo X VA / V

■ §§ 41 í — 1 lí)

Nos §§ de I 14 á I IS, expõe o C om pêndio acerca da


propriedade princípios que já Corão por nós desenvolvidos
e.vlensainenle cm nossas Prelecções de Direito Nalnral, <jue
solire esle ponto podem ser consultadas. Do § 1 19 cm d i­
ante é que elle se occnpa com questões relativas áquclla,
que se devem considerar da especial alçada do Direito P u ­
blico ; tacs sejáo as ipie se referem aos deveres e direitos
do listado quanto á mesma, isto é, ás garantias qne este
lhe deve prestar, e ás reslricções que legilim am en le lhe
pódc impor. .
Entretanto, a m e s de analysarmos este § e os mais que
se lhe seguem , passaremos uma vista geral sobre a matéria
dos primeiros.
Quanto á distineção que faz o Com pêndio no § 1 1 4 ,
cnlre a propriedade e o d o m in io , observaremos apenas, «pie
aquella lambem se toma em senlido puramenle subjectivo
como simples faculdade ou dire ito ; caso em que, anula
assim, se distingue do dominio, no qual entra necessaria­
mente a idéa do cffeclivo goso e exercício d’ essc direito
cm relação ao objecto material em que o mesmo se verifica.
C o m o ,p o rém este objecto seja idêntico n uma e n outro, e
aipiella é o fundamento essencial d’ csle, de ordinário e sem
inconveniente, esse dous lermos se confundem nas suas
applicações.
Mostra-nos o Compêndio n o § 1 1 5 , que ba cousas que
não podem ser objecto de propriedade, laes sejão aqncllas
que, por sua natureza, são de uso inexgotavel, como o ar, a
luz, o grande occeano, etc. A simples razão, com -eíleito,
de poderem estas ser commiins a todos os hom ens sem d e ­
trimento de qualquer, bastaria, segundo o Direito Natural,
para eslabelleccr a sua com m unbão ; mas esta a respeito
de taes não é só rasoavel c possível, é demais forçada ;
pois que, de fa d o seria vã qualquer prclcnção á sua posse
e apropriação individual e exclusiva.
Outras cousas ba que não podendo lambem ser indi­
vidualmente de alguém, por participarem ainda, ale certo
ponto, da natureza d'aqnellas, em razão de suas condicçõcs,
dos seus usos e modos porque os preslào, podem com ludo,
constituir uma espccie de propriedade para uma commu-
nlião mais ou menos considerável de indivíduos ou famílias,
taes sejão aqncllas do que todos os membros d’ esta podem
tirar vantagens e gosos legítimos, sem prejuízo, ou incom -
modo de qualquer dos mais ; de que nenhum poderia com
justiça pretender assenhorear-se exclusivam enlc, visto que
todos terião para isso um titulo idêntico. Os grandes rios o
lagos de um paiz, os seus mares interiores ou proximos ás
suas costas, os terrenos devolutos n’ clle existentes, as es ­
tradas necessárias ao seu tranzilo geral, etc., estão n’ eslas
cor.dicções. Constituída a sociedade política devem laes
objectos com por a propriedade com m um ou Nacional a que
se refere o Compêndio n e s t e §.
Mas essa propriedade deve encontrar limites que a res-
trinjão, nas próprias circumscripções lerriloriaes do Estado
respectivo, desde que, segundo os princípios da sciencia,
estas formão, no seio d aqnclles, coinm unhõcs que embora
menos extensas, (levem ter uma vida própria, ou certa a u ­
tonomia local. Desde que á sua subsistência e desenvolvi­
mento inlercssão de um modo mais particular e directo
algumas ou alguma parle das cousas que acabamos de indi­
car, c que efíectivamerite cilas melhor as podem guardar e
utilisar, devem as mesmas, .por motivos idênticos aos que
determinão a propriedade Nacional, ser consideradas como
sua propriedade commum, ainda que a ce rto s respeitos su­
bordinada ao direito geral da Nação, Assim temos a pro­
priedade provincial, a municipal, ú canlonal, etc., que o
Compêndio também menciona.
E ’ claro porém, que a todas estas cspecies de proprie­
dade, falta alguma consa que caractcrisa a verdadeira p ro ­
priedade. A communidade mais ou menos extensa qne se
aclia no seu fundo tira-lhes, com cfleilo, o cunho do exclu-
sivismo, que faz do domínio individual, o typo d aquella.
Além <!'isso, a própria natureza das cousas sobre que cilas
recahem modifica c restringe inteiramente o exercício dos
direitos inherentes ao domínio propriamente tal : a sua
alheiação, porexem plo, c impraticável.
Não nos daremos ao trabalho de demonstrar que a
propriedade em geral, é um direito incontestável de todo
o homem, ou a legitimidade da dislineção do meu e do teu,
que determina aquella, e de que trata o Compêndio nos §§
11D e i 17. Já o fizemos largamente em nossas citadasPreloc-
ções de Direito Natural, onde esla maioria tem mais cabi­
mento. Basla-nos repetir que a dislineção do meu e do leu
veio ao mundo com os homens, c com as cousas da Crea-
ç ã o ; c (|iie a propriedade é a condicção essencial da exis­
tência já dos indivíduos, já das famílias, e já dos Estados.
Mas, reconhecido em geral este principio, haverá al­
guma ra/.ão especial, que autorise a questão com que se
occupa o Compêndio no § H 8 e sua nota ? pode-se, com
fundamento plausível, pôr em duvida a legitima propriedade
da terra, ou pensar que esta devera premancccr na posse
commum de todos os homens ? .
Ccrtamenle não- ao contrario, aterra é, c deve ser o
principal objccto do direito individual de propriedade, pois
que é ella a foifle primeira de Iodas as produeçoes mais n e ­
cessárias á vida, e da maior [tarte das matérias sobre que se
exerce aactividade humana.
32
A superficie geral do globo não poderia realmente per­
tencer em cornmtim a todos os seus habitantes, já porque'
ella se presta a ser possuída por cada um ein partes que
cada uni pode de facto guardar e ulilisar, já porque tal com-
munhào a ser possível, a condemnaria á esterilidade. Só
dividida entre muitos em propriedade exclusiva pódea terra
abrir o seu-seio fecundo ás explorações da intelligencia c
•Io trabalho dos homens, e derramar com profuzão entre
estes os seus magnificos thesouros e benefícios.
A formação dos primeiros núcleos de população e, pelo
progresso d’ estes, a organisação regular dos Estados, sup-
põem necessariamente a morada lixa do hom em , a sua
subsistência segura, e garantias reaes aos prodnctos de sua
aclividade, e nada d’ isto, como nos diz o Compêndio no
com eço de sua nota, é possível sem a propriedade do sólo.
Sem esta seria, pois, e humanidade reduzida a pouco mais
que o bruto, e o exemplo temos de algum modo nas Iribus
selvagens que possuem em commum as brcnlias onde errão,
e cuja industria consiste em pouco mais do que erguer ou
abaixar a mão para colher os fruetos ou raizes agrestes de
que alimentão a sua existência mesquinha.
Mas, negada a propriedade da terra, com que titulo
esses mesmos selvagens ou qualquer homem se apropria-
rião, quer d’ aquelles fruetos espontâneos da natureza, quer
de outros objectos embora moveis ? Então haveria funda­
mento para a celebre questão, que no principio do século
XIV dividio em dous partidos encarniçados os Kranciscanos
de França, de saber si era propriedade dos frades o pão
que cada um comia ; questão ridícula, que no entretanto
levou alguns d’ aquelles á fogueira, e que os papas Nicoláo
III e João XXII resolverão cada um em um sentido c o n ­
trario.
Si é illegitima a propriedade do sólo, deve sêl -o, com
effeito, por iguacs razões, a de quacsqucr productqs seus.
Si não posso fazer exclusivamente meu um pedaço de ter­
reno que posso guardar e cultivar, c cffeclivamente guardo
e cultivo sem damno real de alguém , como e porque po­
deria excluir os mais da apropriação c uso dos seus fruetos,
que ou sejão espontâneos ou promovidos por minha indus­
tria, devem no estado de com m uuhão geral da terra, sua
origem, ser lambem co m m u n s? A propriedade exclusiva
<Í’esla, que é a mais indispensável ao lioinem só podería
ser repellida, snppondo-se a idea da propriedade em si
mesma absolutamcnle inadmissível peranle o Direito -, e
assim as iheorias que a contestão, aniquillão Ioda a cspecie
de propriedade, e reduzem o gencro humano á sorte mise-
randa deTantalo, no meio dos maravilhosos dons da natu­
reza sem poder local-os.
Si pois, a propriedade èm geral e especialmente a do
sólo não pôde deixar de ser reconhecida como um dos mais
importantes direitos individuaes, é claro que cila deve ser
plcnamcnlo garantida pelo Estado a todos seus cidadãos,
que cila lhe deve merecer até uma sollicilude e protecção
particulares : e ó esse um dos priucipaes caracteres dos
paizes livres." Nem sobre este ponto ha distincção a lazer
entre a propriedade originariamenle adquirida por primeira
occupação e a propriedade adiptinda pelos modos mcdialos
no Estado 'social, pelas tranzações de que as cousas do do-
minio de alguém sao susceptíveis. Nenhuma dtíTeieuça ha
entre ellas por esse lado, a não ser que a primeira tem li­
mites mais ou menos reslriclos que lhe impõem a própria
natureza dos homens, a igualdade do seu titulo, a legitima
extensão de suas necessidades, e a medida real de suas lor-
cas- ao passo que a segunda não tem outros na sociedade
senão os que lhe resullão da maior ou rnenoi somrna di
meios licilos dc que cada indivíduo possa dispôr para
havel-a. . .
No estado actual da humanidade cm que a acquisjçno
da propriedade da primeira especic raras occasiões lerá de
rcalisar se ; cm que domina entre os povos a que se cons-
tilue pelo segundo • modo, ■ '
devem ser, — por conseguinte re-
guiadas
I l!
pela
1-
extensão
. . . l A n n ã n
d’aquelles seus
i l ’ M í l 11 I »1 I P C
limites, as garantias
« O I D Í 1 I Ml

que o Estado é obrigado a prestar-lhe. Este deve acceilal-a


em toda a amplitude que lhe c própria, ainda que nas suas
naluraes c juridicas evoluções cila venha a tornar-se exces­
siva nas mãos de uns, e escaça ou nulla nas de outros.
N em p ó d e ser de outra sorte, desde que o mulo geral e
commum em virtude do qual cada indivíduo podería pre­
tender a uma tal ou qual egualdade na dcslribuiçao origi­
naria da propriedade, caduca ante os títulos espec.aes cm
razão dos <atines se tem operado, e lera lugar cm lodo o
tempo e circunstancias, a sua elíectiva repartição desigual.
Mas si a propriedade individual ó um direito que deve
ser respeilado e amplamente garantido pelo poder publico,
não quer isto dizer que sua actual constituição seja isenta
de vicios, e que a sua demasiada acumulação em uns e sua
total ausência cm outros, não seja origem de males reaes
11a sociedade, laes como a existência de muitos proprietários
occiosos de grandes terrenos incultos, a miséria heredi­
tária a par da opulência, 0 luxo vão dos domínios, 0 falso
brilho de Babylonia, como se exprime 0 sabio autor da his­
toria das Instituições de Moysés. Estabellccer um tal ou
qual equilíbrio entre as fortunas, reprimir a lyrannia dos
capilacs contra 0 trabalho, c de certo um problema, que
tanto mais deve m erecer seria allenção cm todo 0 Estado
bem governado, quanto é diflicil a sua solução. O remédio
proprio para isso não seria porem, 0 brado paradoxal de
Prudhon proclamando a propriedade um roubo ; nem a sua
divisão igual instituída por Lyctirgo em beneficio dosSp ar-
ciatas de pura raça ■, nem, linalmenlc, 0 jubileu hebraico
que a fazia voltar cm Israel, de 50 o m K O a n n o s, aos seus
primitivos donos. Si tal igualdade é de diflicil execução etn
qualquer hypolbese, mais diflicil seria mantcl-a por muito
tempo. A propriedade em breve se tornaria desigual por
virtude própria; é isso uma consequência inevitável de seus
naluraes desenvolvimentos : é sua lei necessária a desigual­
dade ou a morte.
Entretanto si tal é a amplidão dos limites da proprie­
dade individual cousidcrada pelo lado da justiça de seus
modos de acqnisição, ou no seu quanlum, outros lhe podem
ser impostos pelo Estado, que a reslrinjão no seu uso e
goso, e nos seus modos de transmissão na sociedade cm
vista do bem ser geral d’esta. E ’ isto uma condicqão sob a
qual tacilamenle enlrão para aquella todos os indivíduos e
todos os seus direitos. Por mais extensos que estes sejão,
011 que pareça dever ser o seu exercício, são sugeitos áquella
clausula, sobre que repousa lodo 0 meclianismo da organi-
sação social.
As principaes especics dc limitações que 0 Estado pode
11’aquelle sentido impôr á propriedade individual, diz-nos 0
Compêndio no § 11 9 . Elias consistem nos tributos que 0
poder social tem necessidade de exigir-lho, e com que 0
proprietário na qualidade de cidadão deve concorrer pata as
despesas puldicas, nas servidões, e nas desapropriações
forçadas a que nódc sugeilal-a quando o interesse geral da
sociedade ou de seus m em bros assim o requeirão.
Em qualquer d'aquel!cs casos, com o bem observa o C o m ­
pêndio, o Estado usa de um direito, não co m m e tlc uma
vio lê n cia : ou antes pratica nm dever, e não uma injustiça.
Já cm outra oceasião vimos, e é aliás de primeira in­
tuição, que nenhum Estado pode m an ter-se e prosperar
sem que seus m em bros, cada um segundo suas posses, con -
tribuão para os seus innum eros e pesados encargos, com
uma parte embora módica de seus teres •, tanto mais quanto
se deve considerar esse onus corno uma justa retribuição
da segurança e rnáis meios que o m esm o Estado offercce e
garante áqiielles para a própria aequisição, auginento, e goso
paciíico e pleno da propriedade. .
O direito de estabellecer sobre esta quacsquer s e rv i­
dões em beneficio geral da sociedade, não é ineuos liquido
para o Estado. Consiste a servidão d’ esta especic no encargo
im posto á mesma propriedade de prestar-se a certos s e r ­
viços de nma parte mais ou m enos considerável do publico,
Ella é natural ou sim plesm ente l e g a l ; a natural resulta da
própria disposição ou situação das cousas, com o a d o c u i s o
dos rios-, a legal abranjo, difierenles limitações ao uso da
propriedade particular, tal com o a obrigação de dar passa­
g e m , logradouro, etc. Podem as servidões ir m esm o ale a
exigência de uma parle (faquella propriedade ou (lc toda.
N’ esle caso cn lrão cilas 11a classe das desapropriações por
necessidade ou utilidade social, de que vamos iractar. O
Estado tem ainda n’ eslas condicções a faculdade de estabel-
leccl-as, salvo aos particulares 0 direito de pedir-lhe que
lhes indem nise os prejuizos que as m esmas llies causem,
quando aquelle não tenha 0 direito de iinpól-as m.lepen-
d e n le m e n te d’ isso, por certos lilulos anteriores ou mais va­
liosos, tal co m o a longa posse do publico.
CONTINUAÇÃO DO CAPITULO VIII

DESAPROPRIAÇÃO ; — SUCCESSÃO LEGITIMA ; — SCCCES-


SÃO TESTAMENTARIA

Prelecçâo XXXV

§§ 119— 121

Os direitos do Eslado cm relação á propriedade de


seus cidadãos não se limilão aos que llie allrilniimos em
nossa anterior prelecção. Não só elle póde oneral-a com
os impostos, e sugeilal-a ás servidões que a necessidade ou
utilidade publica reclamem; mas até privar d’ella os seus
legítimos donos, ou desapropriai-a, em certas circumstan-
cias mais especiaes em que aquellas igualmente o exíjão.
A propriedade individual é, sem duvida, um dos mais
importantes e respeitáveis direitos do cidadão, mas não
pode ser absolulamenle inviolável; pois que acima de
quaesquer interesses ou gosos dc cada um, por mais legí­
timos que sejão, devem estar, em todo o caso, os da com-
munlião política a que clles pertenção ; todos elles podem
com justiça ser siibinellidos a certas reslricções, sem as
(|»aes é inconcebível a sociedade humana.
Si a desapropriação de um prédio ou terreno do do-
rninio particular é realm ente indispensável em vista de
algum grande beneficio com m um , para a abertura de ruas
ou praças em uma cidade, de estradas ou canaes cm um
pai/., para a fundação de algum cslabellecim ento, ou con-
slrucçâo de alguma obra de que dcpendão os com m odos,
a saude, a segurança de todos ou de um numero co n sid e­
rável de cidadãos, recusar-se ao poder publico a faculda­
de de realisal-a seria desconhecer todo o meehanismo s o ­
cial. Si o Estado não deve absorver a individualidade de
• seus m embros para cuja protecção e desenvolvim ento foi
instituído, lambem não pode aquella impôr-se-lhe do modo
que o reduza á impotência, e o inhiba de prrencher os seus
grandes fins.
C ò m p rchcn dc-sc, entretanto, que uma (acuidade que
tão directam ente afTecla aquelle importantíssimo direito
individual, não deve ser entregue ao puro arbilrio dos g o ­
vernos, que ao contrario, convem que o seu exercício seja
sugeilo a condicções que a contenbão dentro dos limites
que lhe são proprios e fora dos quaes não lei ia justifica­
ção. |)'alii as regras que lhe assigna o Compêndio no
§ 120. ' . .. .
Antes de Itido, a necessidade ou utilidade publica que
o poder social invoque para eflecluar a desapropriação nào
pôde ser o que sim plesmente como tal se lhe afigure, ou
elle considero em suas velleidadcs de edificação ou de
m elboram enlos de qualquer especie. E ’ preciso que as
leis do Estado delinão previamente, c com clareza, os ca­
sos exccpcionacs cm que aquellas se devao reputar real­
m ente verificadas. Sem isto, a faculdade de desapropriar
seria uma arma perigosa contra o cidadão nas mãos de go ­
vernos pouco escrupulosos, é a desapropriação uma sor-
presa contra o seu direito. _
Em segundo lugar, sejão quaes forem as l a z u c s , que
determ inem aquella medida, deve a propriedade individual
sobre que cila. recaia, ser lambem prev.amenlc mdcmmsa-
da a seu dono, pelo seu justo valor, e não por qualquer
que lhe queira arbitrar o bel-praser do poder publico ou
dos seus agentes. Este valor deve ser fixado, ou por
— 250 —
accordo entre aquclle e o proprietário, ou, na impossilíi-
lidade d isto, por avaliação judicial cm que sc oflereça a
este todas as garantias. .
Mas si a desapropriação de outro modo reaiisada seria
um verdadeiro roubo disfarçado, e tanto mais odioso quan­
to se appoiaria em uma força contra a qual não havería re­
curso, é comtudo de incontestável justiça quando na sua
applicação se conforma com aquelles princípios.
Debalde alguns escriplores da moderna escola socia­
lista exagerada, ou induzidos por conveniências ou odios
partidários de occasiào, os Prudhons, os Molinari c outros,
teem pretendido demonstrar a sua illegilimidadc em toda
a hypothese, sejão quaes forem as razões cm que cila se •
funde, ou a compensação que o Estado offereça aos pro­
prietários. Os seus principaes argumentos são de mani­
festa improcedencia. .
A sociedade política foi, ccrtam enle, cstabellecida
para protecção e desenvolvimento de todos os direitos m-
dividuaes, mas com a condicção implícita da limitação de
cada um até onde fosse isso indispensável para a subsis­
tência, e bom governo da mesma ; e o direito de proprie­
dade não póde ser cxccpluado d’cssa regra geral a que
são sugeitos ale alguns ainda mais transcendentes, qual
seja a própria vida do cidadão, c mais que todos a sua
liberdade.
Admittimos, por outro lado, que nem tudo póde o
Estado indemnisar quando desapropria, maxime si na in-
demnisação se bouver de levar em conta a estimativa ou
cálculos pessoaes do desapropriado. Não se indemnisa,
com effeito, a affeição que se tributa ao l e d o que nos vio
nascer, e que abrigou nossos maiores, as tradicções da
familia que se ligão muitas vezes a um miserável pardieiro
ou a consas semelhantes.
Mas estas razões de mero senlimcnlalismo individual,
embora em outras circumslancias dignas de respeito, além
de não poderem ser ate-poslas á considerações do bem p o - '
sitivo e geral da sociedade, são applieaveis quando muito
a um ou outro ca so ; e si alguma outra se procura que
possa logicamente ser invocada contra a desapropriação
cm todas as hypolhescs, nenhuma sc encontra a não ser
o mero capricho <le cada um . Esta porém, não pódc ser
acceila.
Si ao Estado se recusa aquclla faculdade, mesmo m e­
diante indcmnisaçao uos termos em que esta é possível e
rasoavel, com mais ruiidamciito.se llie recusaria a de com-
pcllir qualquer cidadão a demolir ou a remover, á sua
própria custa, o seu predio ou cslabcllccimcnlo, que po-
idiào em perigo a existência dos mais. ou a sua s a u d e ; e
bem assim, a de impor á sua propriedade qiiaesquer (ri
bulos, servidões, ou outras rcslricções ou regras á sua
aequisição, posso, goso, e transmissão. Admillida, po­
rém, semelhante doutrina, que meio liavcria de conciliar
essa propriedade individual intangivel, com a existência, a
bôa ordem, e o progresso social ?
A doutrina, pois, da illcgilimidade absoluta da desa­
propriação, além de outros deífeiios, tem o de provar de
mais.
No complexo dos direitos que ao Estado competem
cm relação á propriedade individual deve mcrccer-nos
ainda especial atlcnção, o que respeita á sua transmissão
a outros por occasião da morto de seus donos: matéria de
que trata o Compêndio no § 12 1 . Essa transmissão póile
n’essc caso operar-sc por dons inodos: por succcssão, in-
dependeiitcmenle de declaração da vontade do proprietá­
rio deluncto, ou cm virtude d’csta expressametile por cila
manifestada antes de lã llc c e r ; isto é, por succcssão ab in-
Icslalu, ou por succcssão lesíamenlaria.
Tem sido questão muito controvertida entre os juris-
consullos, si o direito de succeder-.sc os parentes próxi­
mos por aquelle primeiro modo, bem corno o de instituir-
se herdeiro pelo segundo, derivào-so immedialamente do
Direito Natural, fumlão-se em justiça absoluta, ou si são
apenas instituições do Direito Civil anlorisadas por altas
conveniências sociaes Fomos sempre e continuamos a
ser d,i primeira opinião, «pie já exlensarnente desenvol­
vemos em nossas Prelccções <lo anno passado. Por isso
não nos daremos de novo a este trabalho, c tanto mais
finando, para o fim que lemos em vista, basta-nos verificar
fine, embora explicando esses direitos por vario modo ou
•Dtribuirulo-llie diversa origem, nenhuma das dttas escolas
contesta a sua realidade; nem seria isio possível sem ca-
nir-se nos maiores absurdos.
rralemos primeiramenle da succcssâo ab intcslatu.
(mm (|ue Inndamenlo plausível a poderia desconhecer o
Estado?
E’ cerlo, que manlido o direito de (estar, o uso que
«1’elle voluntariamente se faria em beneticio da lamilia ou
parentes remediaria em grande parte as consequências
desastrosas de tal abolição. Mas nem sempre ou a todos
e lacd a (acção do testamento, e dada aquclla, a quem e
poi que meio jurídico passarião os bens dos que falecessem
sem elle? aos que primeiro os occupasscm como cousas
nuUius ? ao Estado ?
Primeiramenle, n este s casos, aniquillariamos todos
os estímulos da aequisição, accumulação, e melhoramento
da propriedade, e especialmente no segundo condemna-
i Íamos a uma final e mais ou menos extensa amorlisação,
nas mãos cio poder publico, tudo quanto pudesse escapar
ã geral dissiparão da mesma propriedade durante a vida,
ou seriamos forçados a atlribuir aquelle poder o direito
de dcstribiiil-a a seu arbilrio ; c tudo isso em damno gra-
\c do proprio Estado e dos seus cidadãos. E demais que
títulos legítimos lerião. quer o mais feliz ou deligenlc
aventureiro, quer o poder social, para encartarem-se na
posse d aquelles bejis, c sobretudo, que títulos melbores
do que os da lamilia do proprietário morto, para conti­
nuar nella? Sclo-o-bfio por ventura em favor de um o
acaso ou a espertesa, e cm íavor do outro a superioridade
da forca?
Em segundo lugar, si se reconhece que a instituição
da família ou parentes proximos em testamento, sempre
<]iie voluntariamente se rcalisasse seria uma attenuação
aos grandes inconvenientes da suppressão do direito de
siiccessão ab intcslatu, porque se lia de deixar esse rem é­
dio sugei to as eventualidades do arbilrio individual, ou de
quaesquer outros accidenles que o impossibilitem? Por­
que crear-se um mal certo na espcclaliva de cura!-o nor
uma medida insutíiciente ?
I'inalmenle, aquella suppressão não teria razão dc
ser a par do reconhecimento do direito de testar-, pois
que o fundamento da succcssâo ab intcslatu, e da successão
toslamenlaria ó commmn, é o mesmo, é o respeito devido
ó ultima vontade do proprietário morto, com a única d i f e ­
rença que no caso da segunda a vontade d'ai|uclle é expres­
sa, e. no da primeira e ella presumida apenas, sendo-o porém
com toda a justiça.
líosta-nos, pois, siimcnte exam inara competência do
Estado para regular a successão de que traclamos.
Partindo do principio <|tie esta se basea na unidade
da familia, no amor e interesse, o na tal ou qnal com m u-
nidade do palrimonio (pie a mantém, e da natural pre-
snmpção de que lacs motivas aclinlo na razão da proximi­
dade do parentesco, diminuindo com esta a sua intensida­
de, procede a lei rasoavelmenlc marcando um limite além
do qual a successão por aqticlle unieo titulo não ó mais
admissível. Entre pais c filhos, e em geral entre ascen­
dentes o descendentes, ou entre conjuges, e na faltado
todos esses, entre certos collaleraes mais conjunclos, como
irmãos, por exemplo, vcriíieando-se aquella prestimpção
cm toda a sna claresa e vigor, é a mesma successão mais
ou menos extensamente garantida nos codigos de todas as
Nações civilisadas.
I)ir-se-lia que sendo o fundamento juridico da suc-
cessão ah inlcslalu dos parentes proximos, a presumpção
de ser essa rcalmenle a vontade do proprietário defuncto,
não deveria a lei social garantil-a quando este expressa-
m cnle declarasse a sna vontade em sentido differente ; c
que, entretanto, não é isto o que se acha consagrado na
legislação d’aqucllas nações, exceptuada a dos Estados-Uni-
dos o a de Inglaterra, pois que ellas recusão ao cidadão o
direito de testar cm prejuízo dos seus reputados herdeiros
legítimos.
Mas a isto responde-sé que a sociedade legisla em
vista dos lados geraes e normaes da natureza humana ;
que ella não devo tomar por g u ia 'd e suas disposições as
anomalias d esta (pie possão dar-se entre os homens. A
presumpção de amor o especial interesse entre os mem­
bros, de uma mesma familia, ou entre parentes inlima-
inenle ligados pelas relações do sangue, sobretudo na linha
directa, ou entre conjuges, ó íncontostavelmenle a regra
conforme úqnella natureza. Pelos princípios ipin devem
dirigir o h unem. sitpposla a realidade d'esses senlimen-
— 2G0 -

los, e não pelas cxccpções monstruosas que appareçiio na


especio humana, devem ser modeladas as leis sociaes.
Ein vez de confirmar laes aberrações ou condescender com
ellas, devem nquellas, ao contrario, procurar corregil-as e
subordinal-as ás normas do justo.
A lei de Inglaterra, que pelo direito amplo de testar
prejudica a succcssão ab inleslalu dos herdeiros legítimos
em relação á propriedade territorial; e que demais, cm
falta de testamento, faz passar esta por aquellc meio inte­
gralmente aos primogênitos na linha directa, ou na col-
lateral, preferindo sempre o. sexo masculino, não pode
servir de modelo n este assumpto. Estes restos de feuda­
lismo no regimen da propriedade não tem contribuído
pouco para o medonho ahvsmo que tvaqoelle pai/, se nota
entre a opulência dos grandes, c a miséria das classes infe­
riores do povo. Nem aquella amplidão em tal direito con­
tribuo em cousa alguma para a excepcional prosperidade da
grande União Americana, que se explica por outras causas.
O mais que, a este respeito, coslumão conceder os
codigos mais previdentes, é que os proprietários que te-
nhào herdeiros necessários, possuo dispor livremente de
uma certa parte de seus bens. Esta variará mais ou menos
entre os diversos povos, mas em nenhum púde a autorida­
de social ler arbítrio para amplial-a de modo que equiva­
lha a uma dcslierdaçüo d’aquelles. Com esta limitação
compele ao Estado em sua legislação marcar aquella parle.
D este modo se concilião as exigências geracs da na­
tureza humana, e da sociedade familiar com os impulsos
cxcepcionaes da liberalidade ou gratidão que cada indivíduo
queira ou se julgue cm consciência obrigado a exercer para
com extranlios.
E’ ainda modificado o rigor d’aquella regra cm que se
firma a succcssüo ab inlestalu, pelo direito que cm certos
casos determinados deve ser lambem reconhecido a qual­
quer indivíduo de desherdar parentes realmenlc indignos
da sua herança. Cumpre ao poder social consagrando-o
na respectiva legislação,.delinir os casos em que essa cx-
ccpção odiosa deva verificar-se, e os meios de provar-se
com segurança a verdade das causas que a determinem.
CONTINUAÇÃO DO CAPITULO VIII

DIREITO 1)E TESTAU ; — USO E TRAMISSÕES EM G ERAL DA


PR O PRIED AD E; — PÍVESCRIPÇÃO

Prelecção XXX VI

§§ 121 — 122
Na prcsenlc prelccçJo tomos dc traclar primciramenle
do direito de leslar, c da successão tesiamentaria, ainda soli
o ponto de visia d cseu fundamento, das regras que llie pode
impor a lei social, c das garantias que lhe deve prestar.
Aquelle direito, como já dissemos, ó uma emannçao
directa dos princípios do Direito Natural, uma consequência
necessária do direito de propriedade, ou antes é este mesmo
dircilo cm sou ultimo c mais solemno moilo do c x o ic u s< .
A circunstancia dc ser o testamento uma disposição de bens,
que só tem de realisar-se depois da morte do testador, em
nada affecla a sua legitimidade; negal-a, seria negar-se a
de quaesquer iransacções sobre a propriedade mesmo inler
Vivos; pois que sobre estas devia influir, do mesmo modo
e pelas mesmas razões, a supervcniencia do fallecimento
- 202 —

dos que as fizessem. Concedida aos donos a faculdade de


venderem, trocarem, darem, e até de destruírem o que e
seu,durante a vida, não é mais possível recusar-se-llies a de
llie darem qualquer destino para depois d’ aquellc.
Fôra, com cffeito, absurdo suppor-se quo o senhor de
alguma cousa, momentos antes de morrer, póde juridica­
mente transferil-a a outrem sem condicção ou inulilisal-a,
e que o não póde fazer com aquella clausula ; que na pri­
meira liypolhese a doação é valida, ainda que a morte do
doador siga-se imm edialam enlc, e que na segunda não o
póde ser. Portanto, ou o homem não tem o direito de pro­
priedade, não podendo em tempo algum dispor do que
chama seu-, ou se lhe ha de reconhecer o de transm iltir as
eeusas do seu dominio a outros por occasião de sua morte.
Mas a primeira d’ aquellas conclusões ó inadmissível-, logo
o direito de testar é incontestável. '
Si, ao inverso do que figuramos na anterior prelecção,
a lei social mantendo a successão legitima cib inlcstalu ue-
gasse aos cidadãos aquclle direito, o que aeconlcccria cm
relação aos bens dos que fallcccssem no Estado sent her­
deiros necessários ? o mesmo que então mostramos, isto é,
a substituição do direito de succcdcr segundo a vontade na­
tural e juridicamente presumida dos proprietários defuntos,
pela successão fundada no accaso ou cspcrlesa dequaesquer
individuos, ou na prepotência do poder publico, e serião
ainda idênticas as consequências perniciosas que d’ abi re-
snllarião para o Estado, si tal lei fosse observada.
Mas esta seria necessariamente vã • sua execução seria
de lodo illudida, c por meios que lornarião rcacs na socie­
dade os inconvenientes, aliás suppostos, attribuidos ao di­
reito de testar. Então se faria por doações definitivas c
incondicionaes, verdadeiras ou simuladas inlcr vivos, embora
na immincncia da morte, essas mesmas transmissões prohi-
bidas para depois d’ esla. .
Em suinina, firma-se aquelle direito cm bases que não
podem ser de modo algum abaladas. Tanta razão haveria
para que o Estado pudesse lançar mão das heranças dos c i ­
dadãos fallccidos sem herdeiros legítimos ou distiilniil-os a
seu arbítrio, como para desco n h ecera succcssibilidadc na­
tural d’c s l c s -, para que pudesse supprimir qualquer d’ essas
cspecies de successão, como ambas ; e n'eslo caso 0 que se-
ria da propriedade individual, da familia, o portanto, da pró­
pria sociedade ?
A faculdade de instituir herdeiro cm testamento foi
sempre reconhecida em todos os tempos, e entre lodosos
povos ; da Asia cila passou aos Gregos, e d’cslcsaos Romanos
(pie na sua primitiva legislação lhe derão nma amplitude
exagerada, dicat leslalur ct eril Icx. Nos paizes modernos,
á excepção dos Eslados-Unidos c da Inglaterra, esse abso-
lutismo ilas ultimas vontades tem sido modificado pela suc-
ccssibilidade necessária ab inteslalu ; c já vimos os solidos
fundamentos, em que esta assenta, para não acceilarmos
como justas as legislações d’ eslcs dons povos, que a prc-
judicão pelo direito ilimitado de testar.
A necessidade de fazer a lei social effeclivos os limites
qne a este direito prescrevem a natureza do homem, a da
lamilia, c a da mesma propriedade, assim como a sua c o m ­
petência para impor outras regras ao seu exercício, são
incontestáveis ; e por este lado é importantíssima a taiela
do legislador. .
Assim, pertence-lhe estabelecer as diversas cspceics
de testamentos, suas lormas, suas solcmnidadcs internas e
externas, as condicções de vigor ou nullidade de suas dis­
posições, da capacidade dos lestadores e herdeiros, e tudo,
finalmcnle quanto seja necessário para bem verificar se e
executar-se as ultimas vontades dos que os fazem.
Comprehcndc-se que estas diversas condicções c ies-
Iricções que o Estado é aulorisado a impor ao exercício do
direito individual de testar, podem variar consideravelmente
entro os povos, e segundo as suas circunstancias, sem vio­
lação da justiça absoluta ou do que a semelhante respeito
exigem a natureza c a personalidade do homem, concebidas
segundo a recta razão. , • , ,
iMas o direito do Estado em relação a propriedade in­
dividual, não consiste apenas na faculdade de regular a sua
transmissão nos casos a que acabamos de rcferir-nos. Lom-
pcie-lhc igual direito em relação aos diversos modos de sua
acqnisição o posse, a q.ieallude o Compêndio no principio
do § 122 c ácerca das multiplicadas transaeçoes a que cila
se destina na sociedade, que constituem para o cidadao o
seu livre goso, c d’ onde decorrem para o mesmo e paia a
sociedade os seus inniimoros e maravilhosos benelicios.
A lei social deve regular Iodas os suas diversas especies,
e classes em quò eslas se podem subdividir, ou seja eila im-
rnovel ou movei, urbana ou rural, de 'indivíduos, de associ­
ações ou corporações de qualquer n atureza,enassuasappli-
caçõesda vida commum ou no giro peculiar do commcrcio.
Podeim pôr ou concedera quaesquer d’ c!las, á sua aequisição
e disposição, certos onus ou favores, ou a seus proprietários,
segundo as condicções d’ esteson o destino d’aquellas-, c por
iguaes considerações, até um regimen mais ou menos e x c e ­
pcional em relação a alguma, Estende-se (inabncnle a sua
acçao legitima n este assumplo, a todos os contractos ou ac-
tos de cada cidadão relativos á sua propriedade, que possuo
interessar á de terceiros, ou á quaesquer outros direitos
d estes, ou á bôa ordem no Estado.
Mas não é isso bastante ; além d’ essas providencias a
bem do exercicio pleno c seguro do dominio já inconlesla-
velmcntc estabelecido, é demais necessário garanlir-sc de
um modo especial a posse, nas condicções em que cila ó de
laclo e deve ser de direito, o nnico fundamento d’ quelle.
Esta^ garantia só lhe pode vir da prescripçno de que
tracla o Compêndio na continuação do § que analysamos, e
que clle faz consistir no direito que adquire o possuidor de
boa lé e com justo titulo de repellir do dominio da eousa
assim possuída, aquelle que sendo seu dono a abandonou
por um certo lapso de tempo.
Para que isto se verifique são precisas realmenlc aquellas
duas condicções. Uma posse cslabcllebida ou continuada
pela violência, pela fraude, ou com a sciencia de sua ilegi­
timidade não podería de modo ou em tempo algum transfe­
rir o dominio para o injusto detentor em prejuízo do dono.
ta ra que o titulo do possuidor se repute justo não ê,
porem, necessário que seja revestido de todos os requisitos
capazes de o fazerem proprio para a aequisição da cousa em
quaesquer circunstancias ; basta a sua legalidade exterior,
ou a da sua forma.
iVestes lermos a prescripção é conforme ao Direito Na­
tural, com quanto muitos escriplores a queirão considerar
como uma simples instituição do Direito Civil, fundados
prnicipalmenle em que aquelle Direito não marca o praso
sem o qual cila não se opera.
Mas si esta razão losse procedente, dever-so-bia igual-
— 20o —

mente excluir do Direito Natural o poder pátrio, pois que


lambem não ó elle que marca ou póde marcar o termo de
sua duração, a maioridade dos filhos, e sim a legislação po­
sitiva ; c demais esse argumento é inaplicavel á prescripção
immemorial ou de tempo longnissimo, mas indefinido, que
não é menos jurídica, e isto bastaria para abalar aquella
doutrina.
Outros, porem, vão ainda mais longe,contestando absu-
lulam enle a legitimidade da prescripção.
Dizem esses, que si o fundamento d esta é o abandono
presumido da cousa por seu dono, deve tal presumpção c e ­
der á verd ade; que portanto, em qualquer tempo que aquelle
se apresente reclamando-a lhe deve ser ella restituida ; que
se o abandono realmente se verifica, o possuidor adquire a
cousa não por prescripção, mas por occupação da mesma que
se terá tornado nuUius ; que assim jamais se dará propria­
mente aquella ; e que na verdade, o decurso de um praso
de tempo qualquer, e por mais longo que seja, não póde
tirar o direito a quem o linha e dal-o a quem o não tem.
Mas estes argumentos são capciosos. 0 abandono é um
faclo que se torna certo em muitos casos, e então não é mais
licito ao proprietário remisso allegar que elle não se deu, ou
pretender que seu ulterior aparecimento o faça cessar depois
do consummado. E’ inadinissivel que o dono de uma cousa
tenha a faculdade illimilada e arbitraria de demitir-se inlci-
ram enle de seu uso e dc ioda e qualquer manifestação do
seu dominio sobre ella pelo tempo que queira e a t é perpelu-
am enle, conscrvando-a sempre como própria para rehavel-a
quando lhe aprasa d’aquelle que pelo mesmo tempo a teve
unida a si, cullivou-a com seu trabalho, e de tal maneira a
entrelaçou com todos os mais dreitos seus, que não lhe póde
mais ser arrancada sem violência a estes.
Não é no praso decorrido que consiste a razão efficienlc
da perda do direito uo dono, e da aequisição pelo possui­
dor; elle não é senão a sua causa occasional, ou antes o
faclo demonstrativo do abandono. A propriedade e um di­
reito respeilabilissimo ; porem, como todos, ella carece de
requisitos já para constituir-se, já para manter-se ; adqui­
re-se pela occupação primeira sobre as cotisas que não tem
dono, e deve cessar, sobre qualquer, pela desistência formal
31
— 2W—
ou legitimameule presumida «]iic i'az dcsupparcccr Iodas as
suas razões naluraes ou jurídicas.
Mas pretender que n'esles rasos o possuidoras adquire
como res nullius é lazer um mero jogo de palavras; visto
que é exaclam enlc esse modo excepcional de se tornar nul­
lius, o que de faclo lem dono, pai a passar ao dominio de
quem o possue nas condicções expostas, o que se chama
prescripção. Demais fôra preciso aos (pie sustentão a dou­
trina que com ballcm os, mostrar como ó iptea propriedade
de alguém se torna nullius pelo lapso de tempo maior ou
menor, depois de por cllcsestabelecido o principio, que este
não lira nem póilc dar direitos.
Mas a prescripção não é só justa em um senti-lo abso­
luto; é demais uma garantia indispensável á mesma proprie­
dade individual, c interessa allam enle a ordem publica.
Desconhecida cila, nenhum possuidor poderia julgar-se
com direito seguro e dellinitivo sobre as cousas existentes
na sua posse egoso em qualquer tempo se poderia mover
duvidas c contestações a semelhante respeito, c com tanta
mais facilidade perturbal-o, quando com o longo decurso
dosannos, as suas provas ou documentos justilicalivos po-
tlerião desapparecer. O encargo que se impusesse aos pro­
prietários de guardar elernam enlc seus lilulos c os de seus
avós, e de velarem sobre elles de geração em geração, seria
uma tarefa ingrata, um onus insuportável,e queaiuda ássim,
nao os poderia tranquilisar de lodo contra a fraude, e a chi­
cana. Ao contrario daria a estas novo e terrível alimento.
Já ferieis em recursos ellas se acharião então armadas com
mais esse poderoso meio de levar as suas escavações sobre
os vicios da posse e do dominio alheios até a época de Noé.
Tudo aquillo é perfeita, edicaz, c muito legitimamente
substituível, em bem da propriedade individual de cada ci­
dadão, e da ordem sociaT, pela posse diuturna e inconlcs-
la d a ; e portanto esta se deve considerar como um justo
modo de lirmar-se o dominio das cousá nas mãos d’ aquelles
que as possuão com os requisitos que para a prescripção se
exigem .
Reconhecida a legitimidade e a utilidade da prescripção
tem o Estado a par do direito de consagral-a na sua legis­
lação, o de cstabcllecer os modos e mais condicções de sua
applicação ; taes sejão, antes de tudo, o seu praso. os factos
— 2(57 —

que a inlcrrompão, c outras regras que em tão importante


assnmplo são indispensáveis.
O tempo para a prcscripçào, comprcliende-sc, com
efíeito, que não póde ser o mesmo para a propriedade im-
movel 011 movei, e nem em qualquer d’ eslas, para objeetos
de importância inteiramente desigual, mais ou menos sus­
ceptíveis de posse ou doininio descontinuado, ilc mais ou
menos fac.iI retenção indébita, e de mais ou menos Ite-
qu e n le giro nas transacções da vida ou do commercio.
A circunstancia da ausência ou presença do dono no
lugar <la situação da cousa ; a condicção d aquelle ou do
possuidor, devem também influir na maior ou menor e x ­
tensão d’aqnelle praso. . _
Em geral os meios de interromper a prcscripçào devem
ser facilitados aos donos ; tudo quanto por parte do possui-
<lor faça presumir o conhecimento do domínio daquellos,
ou por parte d'elles e intenção de conserval-o, ou delen-
del-o antes de lindo o termo, deve importar o seu espaça­
mento d’abi por lodo o tempo fixado para aquella.
C O N T IM ACÃO 1)0 C A P IT U L O VIII

SEGURANÇA. T)A P R O P R IE D A D E EM OUTROS S ENT IDOS;—


P R O P R IE D A D E 1NTELLF.CTUAT,

Prelecçào XXXVII

■ § 123

Si a prescripção di* que traclanios na nliima parle do


nossa antecedente prelecçào é u m a grande garantia para a
segurança da propriedade individual no sentido que alú in­
dicamos, outras lhe são igualmenle indispensáveis para que
ella se torne segura como convém , sob outras relações im ­
portantes.
Antes de tudo, tem o poder publico o dever, e por
conseguinte o direito de protejel-a, quanto a seu alcance
esteja, contra os accidenlcs da natureza ti que se relcrc o
Compêndio no § 1 2 3 , que possão deslruil-a ou detcrioral-a;
e por este lado, sem duvida, ainda muito tem que fazer uma
administração social zelosa, e que bem comprchenda a sua
alta missão tutelar sobre os direitos dos cidadãos.
E’ assim que todo o Estado bem governado deve con-
signnr em sna legislação e nos seus regulamentos policiaes
on administrativos providencias adequadas aos casos de in­
cêndios, inundações, explosões, naufrágios e outros sinis­
tros semelhantes, já para previnil-os ou «liflicultal-os quanto
llie seja possível, já para atlenuar ou recompor os estragos
rjiie causem á propriedade ou outros direitos individuaes,
ou do Estado; e tanto mais razão ha para isso, quanto
essas ou outras iguaos calamidades, si por via de regra são
filhas do accaso ou da ordem natural dascousas, muitas ve­
zes podem tnrnhem sêl-o da incúria, ou do egoismo dos
homens.
Mas a parle mais grave d’essa incumbência do poder
piddico ó, por certo, a que se refere ao seu direito de impôr
penas aos crimes que contra aquella propriedade se com-
mettão no Estado, c que, em geral, consistem no roubo, no
furto, no cslellionalo, ou nos damnos que na mesma se faça
soffrer os seus legítimos donos.
Com cffciio, sem o emprego d’eslo meio em garantia
da propriedade individual em vez de ser esta uma instituição
salutar aos homens, a mais indispensável ao seu bem estar
e commodos, tornar-se- bia para clles a origem dos maiores
tormentos ; seria uma excitação continua e lerrivel aos at-
taques da cubiça e da perversidade, Nem a garantia do Es­
tado por este lado deve limitar-se á repressão ou castigo
dos delidos contra os bens alheios-, para ser completa cila
deve ser acompanhada de disposições destinadas a fazer ct-
fectiva ao mesmo tempo a restituição da cousa, si cila foi
snbtrahida. e a satisfação integral dos prejuízos occasiona-
dos polo delinquente, ainda quando o seu delicio pór quaes-
quer razões se justifique.
Si n e s te sentido deve a lei social ser escrupulosa e
providente, mais ainda o deve ser cm relação aos abusos
mi alternados que contra a mesma propriedade possão par­
tir dos agentes ou depositários da autoridade publica. N este
ponto é o dever do Estado tanto mais rigoroso, quanto taes
abusos ou altentados são mais odiosos por virem dos pto-
prios a quem elle tem confiado a importante missão de
evitai os c punil-os. Devem os poderes supremos da socie­
dade (cr a este respeito a maior vigilância, c com a maiot
severidade proceder contra os prevaricadores.
Km summa, como nos diz o Kompondio nn pnrlc (innl
do § cilado,ao poder social, (pie foi iusliluido para manter
todos os direitos individuacs, corre não só a imperiosa obri­
gação de fazer que Iodos os seus membros respeitem os de
cada um, mas lambem a de respeital-os clle proprio, antes
de iodos, nos seus justos limites. Esta verdade incontes­
tável ácerca de qualquer d’aquclles, tanto mais o deve ser
ácerca da propriedade em particular, quanto na intima de­
pendência d’clla estão outros muitos dos mais transceden-
tes direitos do cidadão.
A liberdade individual, sem o amplo e bem garantido
exercício d’aquella, seria de lodo mutilada, quer nos seus
meios, quer no seu objeclo; a própria vida do liomcm, e
sobretudo a sua existência social, não se concebem sem isso.
A lirmesa d’ esse direito, c finalmente, o verbo da existência
individual, a fiança do seu futuro, a base da família, e a mais
poderosa alavanca da ordem e do progresso das Nações.
Si a propriedade absoluta, isenta de lodo o freio seria
fatal a si própria, c á sociedade, e por isso o poder publico
tem o direito dc regulal-a e limitai-a convenientem enlc, cm
Iodos os sentidos a que alludimos, é certo também que não
menos ruinosos effeilos provirião dc uma legislação civil em
que eila fosse submeitida a reslricções incompatíveis co m a
sna natureza e fins.
'lem o s até aqui tratado da propriedade material, e dos
direitos que a seu respeito com pelem ao Estado ; resta-nos
dizer alguma cousa sob as mesmas relações, ácerca de outra
especie de propriedade individual não menos importante,
embora não traele d’ella o Compêndio. Referimo-nos á pro­
priedade que tem por objeclo as producçõcs scienlificas,
liderarias, artísticas, o as descobertas ou invenções úteis ;
a propriedade inlellecliial em snrnnia.
Com quanto, em geral, se não conteste aos autores de
quaesquer d’aquellas um direito particular a seu respeito,
tem -se pretendido, com tudo, sustentar quo esse direito
não pode ser o de propriedade. Mas as razões que ife.ste
sentido ordinariamente se adduzem, além de provarem de
mais, porque provarião lambem contra a propriedade m ate­
rial, ainda por outros lados nos parecem improcedentes.
Riz-se que a propriedade não pdde seradm illid a sobre
taes objeelos, sobre uma producção seicnliíica ou lideraria,
por exemplo, porque o livro com põe-se de ideas eomniuns.
do pensamentos geraes, que não são do dominio do sen
autor, e de quo, por conseguinte, este não pode appropriar-
se exclusivamente ; assim como que no mesmo caso estão
as grandes descobertas ou invenções, para as qnacs contri­
buem necessariamente as verdades já adquiridas, as expe­
riências já realisadas no correr dos tempos, e que perten­
cem a todos.
Mas não; muitas d’ eslas são como verdadeiras inspi­
rações, brilhantes improvisos de um só genio ; c ifaquelles
si a grandes ideas que encerrem não são creações dos res­
pectivos autores, com tudo, são inconteslavelmenle seus o
arranjo, a exposição, o desenvolvimento das mesmas, e,
mais que tudo, os rellexos de sua intelligencia superior quo
as iluminão cfecundão.
Seja, porém, como fôr, jamais haverá lógica no mundo
capaz de convencer alguém que o Espirilo das Leis, a Me-
chanica celeste, ou a Jerusalém libertada, tanto pertenção a
Monlesquieu, a La-Place, ou a la s s o , como a qualquer, ou
que os seus pensamentos, verdades, ou bellezas sublimes
devão ser consideradas cousas communs, porque podem
sel-o a sua aprcclacão ou goso depois d ellas produzidas e
publicadas. Si as longas vigílias e meditações do genio não
fossem títulos sufTicicnles para tornarem-se os autores ou
inventores verdadeiros donos de suas obras ou dcscubçi-
tas, que fundamento haveria para que a occnpação primeira
ou a cultura de um campo vago, simples filhas do acaso ou
de mcdiocre dcligcucia, o fizessem proprio do occupautcou
do cultivador ? . .
Pensão outros que depois de publicada uma olna ou
descoberta as suas ideas ou applicações cabem de lado no
dominio publico, c não podendo mais ser d'ellc retiradas,
ó impossível sobre ellas propriedade de quem quer que seja.
Mas si qualquer direito dos autores se extingue, com elleito,
cm relação ao uso, goso, e disposição individnada dos exem ­
plares do uma obra ou objcclos produzidos ou aperleiçoa-
dos pela descuberla nova, que cada um leiilia.adquindo,
depois de publicados ou postos cm circulação por a d o pro-
l"'io d’aquelles ou dos inventores, com tudo em nada sotlre
coin isso o direito (Pestes no que verdadeiramcnle o cons-
•ilue; o seu real objeclo ó o valor vendável da obra c da in­
venção em si mesmas, ou o da sua publicação c icpioduc-
2"2 _

<*'u ,\ Por este lado o exclusivismo de Ud direito uãu só d


possível, mas alé assenta nos mais justos fundamentos*, e
nem elle recáe, como se pretende, em um objeclo inapre-
hensivel, ou não susceptivel de propriedade.
_ Al lega-se que seria prejudicial á sociedade c á civili-
sação humana atiribuir-se aos autores ou inventores tal pro­
priedade, de modo que só elles ou seus herdeiros a quem
ella se transmittisse, pudessem imprimir, reimprimir ou
Milgansar suas obras ou invenções, já porque elles por ca-
pucho, ou seus herdeiros por ignorância, já estes ou aquel-
les por quaesquer outros motivos, poderião privara huma­
nidade de importantes verdades ou vantagens. Mas, tam­
bém por quaesquer razões podem os autores ou inventores
não publicar seus manuscriplos, ou descubertas, c com mais
razão o farão, negando-se-lhes aijuella. De modo que cm
vez de advogar-se com tal doutrina a causa da civilisação e
do progresso humano, ao contrario, o que se faz é coin-
prometel-a gravemente. Desconhecer se aquella propriedade
seria, realmente, condemnar-se o genio, em grande mi­
mei o de casos á inação e ao silencio. Não é fácil o sacri-
licio dos proprios commodos. da saude, e alé da vida pelo
simples desejo de ser mil aos mais. A gloria é cousa muito
apreciável' mas não comprada a custa das altribulaçõcs e
ila mendicidadc.
M»s si o direito dos autores e inventores é um direito
de propriedade, insistem aquelles que. o conleslào, devera
esta ser perpetua e transmissível por herança indelinida-
meiite, e como a propriedade m aterial; entretanto que isto
e inadmissível, visto corno decorrido algum tempo mais
ou menos longo, perdería ella todo o seu valor pela divisão
e subdivisão, e lería por corollario infallivel e impossibili­
dade de ser ulihsaua quer pelos seus pretensos e inumerá­
veis donos, quer pela sociedade. .
Este argumento, porém, não attaca aquella proprie­
dade em sua essencia, d’elle não se couclue que cila deixe
i e s e i real em si mesma ; por elle apenas se denuncia e n ­
tre a propriedade intellectual e a material differenças sen-
7 Z \ eCÍ T S consetll|e»cias sociaes que leria a primeira,
. r ? ÜSSe p u l a d a como a segunda : e n este ponto
estamos de accordo.
Ha, de certo essas differenças entre aquellas duas es-
pccitis de propriedade, e ainda outras; a inlelleclual tende
naturalmeiittí a confundir-sc na communhao, <]m; de todo
repugna á m aterial; n’esla lia uma adhesão á cousa pos­
suída, que s e n ã o dá u’aquclla, a q u e por assim dizer-se
não corresponde o m stinclodo domínio. O apego do autor
de uma producção seienlilica ou litteraria, ou de uma des­
coberta, não se refere propriamente a estas, mas á gloria
e aos proveitos que d’«ilii Ilie possão p ro v ir; e pois cm ri­
gor, só a clle devem estas pertencer c não a seus herdei­
ros, como só a clle cabe aquella.
Essas difíerenças, e bem assim as consequências a que
alludimos na liypothese figurada, são por conseguinte ra­
zões muito plausíveis, para que o poder publico regeite a
perpeluidade, e sobre tudo a hereditariedade indefinida da
propriedade inlelleclual, que aliás garante á outra. R eco ­
nhecendo-a, cm geral, aos autores e inventores as legisla­
ções de todos os paizes mais adiantados, limilão-sc entre­
tanto a assegurar-lhes por um praso mais ou menos longo,
e quando muito a seus immedialos successores d’entro do
mesmo, um previlegio exclusivo para ulilisarctn os lucros
que possão auferir da publicação ou applicação de suas obras
ou descobertas, ou do quacsqucr transacções que acerca
d’aquellas possão fazer.
A concessão, porém,d’este previlegio de nenhum modo
importa o desconhecimento d’ aquella propriedade, antes a
suppõe ; não é uma simples remuneração filha da libera­
lidade do Estado aos autores e inventores, é antes a co n ­
sagrarão formal, embora convcnieiilcmentc limitada, do di-
• eito d'estes adquirido pela sua inlclligencia e trabalho, ipie
são os mais legítimos litulos de qualquer apropriação.
Em summa, o Estado não crea esse direito pelo pre­
vilegio, nem póde supprimil-o sob qualquer pretexto ; os
seus poderes sobre tal assumplo, consistem apenas na fa­
culdade de rcgulal-o de uma maneira conforme já á espe­
cialidade d eseu proprio objcclo, já ás altas conveniências
'Ia sociedade.
Isto se consegue, quanto é possível, por aquelle meio;
e pois c legitimo o aeto pelo qual o legislador social deler-
Wina um praso d’enlro do qual a propriedade das produc-
Ções «cientificas, litlcrarias, artísticas, e das descobertas ou
inventos uteis, deve ser mantido a seus autores, e outras
7 ’ \K
comlicçõcs (|uc lhe impõe. Funda-se islo nas mesmas ra­
zões que o aulorisão a impor á propriedade material onus
e restricções analogas, taes com o, os tributos, as servidões
forçadas, a desapropriação, e mais regras e limites que já
indicamos, á sua ncquisição, posse, uso, e transmissão causa
mortis ou inter vivos.
Aqucllas, como estas, em vez de involverem a negação
da propriedade á que se referem , « comprovão e (irmão,
estabcllecendo os modos e garantias de seu cxercicio c g ò s o
regulares, e profícuos quer aos cidadãos, quer ao Estado.
CAPITULO IX
KGÜALOADE CIVIL, — H BK RD A D E CIVIL

Preleccão XXXVI

%m - 12(5
' Os lioinons são loilos idênticos na sua oiganisaeão ; nas
suas faculdades fundainenlaes, c no seu ultimo destino, a
tacs respeitos nenhuma diflereuça fez entre elles a natureza.
Portanto todos os legítimos desenvolvimentos que elles pos-
são dar a esses atlrihutos essenciaes e commmts de que re­
sulta a sua personalidade, devem ser do mesmo modo reco­
nhecidos, e encontrar igual garantia na sociedade humana.
Mas a possibilidade d’esses desenvolvimentos da per­
sonalidade individual, e sua applicaçflo a todos os objeclos
susceptíveis dos mesmos, são segundo a justiça absoluta,
que constituem o complexo de seus direitos, já con side­
rados estes como simples potências, já como realmente
verificados íCaquelles ; c si a justiça social deve conformar-
se com nquella, salvas as modificações que a existência da
sociedade exige, e que ainda assim devem influir por igual
— 27 G —

sobre todos que a formarem, segue-se que também perante


a lei civil devem ser iguacs todos os cidadãos, quanto á
possibilidade de adquirir todos os direitos, e quanto ao exer-
' cicio de todos os que effectivamente adquirão.
Todos os direitos liumanos, porém, tomados como pu­
ras faculdades se comprchemlem na liberdade geral do ho­
nrem , e tomados no seu exercicio não são outra cousa mais
do que a iraducção real d’ csla em iodos os seus modos de
manifestar-se •, e d’ahi segue-se ainda, que no reconheci­
mento e garantia que a sociedade preste em todos os senti­
dos á liberdade individual de seus membros, c a todas as
suas applicações racionaes, consiste eguablade civil d’esles.
E’ o pensamento do Compêndio no § 124.
Is esta uma eguablade sómente de direito, como se vê,
e que não deve ser confundida com uma eguablade de direi­
tos. Como diz Abreus, os homens são eguaes na sem e­
lhança d’ estes, mas desiguaes na sua quantidade ; dá-se
entre elles nina desigualdade real como indivíduos, a par
de uma eguablade especilica como homens. Estes não po­
dem deixar de ser encarados sob dons aspectos, o de sua
unidade harmônica, e o de sua individualidade ; o primeiro
os mostra eguaes em consequência da identidade de sua
nrgauisação physica, íntelleclual e moral, e o segundo os
designala em razão da variedade de snas aptidões pessoaes,
e dos fins particulares a que cada um póde applicar-se.
Tom ar a eguablade humana em outro sentido, preten­
der csiabelecel-a não só como um principio jurídico, mas
também como um la d o , e uma maneira absoluta, seria
reduzir a humanidade ao embruleeimento e á misei ia, ou '
eomn diz ainda Abreus, condemual-a a morrer de tedio e
idiotisino. Não póde ser ella o que sonharão Platão na sua
republica, ou Rosseau no seu brilhante paradoxo sobre a
desigualdade dos homens, e menos ainda, o socialismo de
Bahenf ou de seus predecessores e continuadores. Tanto
perigo ba em cxageral-a em favor dos cidadãos contra o
Estado, como em desconbecel-a em proveito d’ este. Si a
historia nos mostra as tristes consequências da arbitrarie­
dade com que os governos a tem prejudicado pelas reslric-
ções e privilégios odiosos, não nos mostra menos os hor­
rores a que tem dado occasiào as tentativas de realisar-se
na sociedade aquollas tlicorias a que allmlimos, muitas ve­
zes nascidas da imaginação ingênua ou do mero espirito de
systema de seus autores, e de ordinário exploradas pela
loucura ou perversidade dos seus aposlolos.
Comludo, si a egualdade dos linmens não pode co n ­
sistir em uma egual repartição entre elles de todas as van­
tagens ou onussociaes, ou de todos os bens e males da vida,
cum pre á scicncia fornecer-lhes os meios de aproximarem-
se quanto seja possivel a esse ilesiileralum.
Em sum m a, como nos diz o Compêndio n’esle mesmo
§, desiguaes em tudo o mais, só na liberdade são aquelles
cguaes ; desde que esta é respeitada cm si c em todas as
suas legitimas expansões, guardado é o principio da egual­
dade de direito ou civil devida aos cidadãos ; c já prece-
den lem en te vimos cada um dos mais importantes direitos
individuaes em que cila se resolve no Estado, assim como o
imperioso dever que a este incum be de assegurar aquelles
o sen pleno exercicio.
No § 12 o faz-nos ver o Compêndio em que consistem
as garantias sociaes ifaqueile sentido, Todo o dever do Es­
tado a este respeito se pode reduzir ao seguinte, consagrar
e manter por suas leis completa egualdade de todos os seus
cidadãos quanto aos direitos individuaes absolutos, não ad-
m itlir em relação a estes dilferença alguma entre elles, pois
que todos tem o mesmo titulo geral á sua posse eg o so ; e em
relação aos mais, cuja aequisição dependa de condicções es-
peciacs ou de meios de que nem todos disponhão na m es­
ma quantidade, recon becel-os e assegural-os a todos que
mediante essas condicções ou meios os icnbào realm ente
alcançado ou possão exercer.
Para que a egualdade civil dos cidadãos seja de fa d o o
que deve ser, 6 preciso que a lei social permitia a todos a
livre applicaràode suas faculdades, que não crêe restricções
para uns em proveito pessoal de o u t r o s ; isto é, que não ha-
jão no Estado indivíduos ou classes mais e menos favoreci­
das em razão de distineções Indicias, que lhes não prove-
nliào de seus mais amplos recursos para desenvolver a sna
legitima liberdade natural, on do melhor uso qne d’ella
renlmenlc lenlião feito na sociedade. E ’ preciso, em ultima
anàly><\ para qne essa egualdade não seja um principio vasio
de sentido qne aquella lei não institua ou mantenha de faclo
mna desigualdade arbitraria entre cidadãos que tenlião tí­
tulos ou se achem em condicções idênticas.
Abstendo-se de aulorisar nos seus codigos essas odio­
sas diíferenças, nos casos ou a respeito de indivíduos ou
classes enlrc quem , pelo simples facto de ser a cgualdade
possível deve ser real, mas reprimindo ao mesmo tempo
com mão (irme quaesquer tentativas contra a liôa ordem
social em nome de uma egualdade. cliimerica, c cheia de
perigos, tornará o Estado effectivo quanto é possível no seu
seio. a única que ahi é praticável, e a que todos os seus ci­
dadãos tem incontestável direito.
No § 126 tracta o Compêndio da liberdade civil, que é,
diz-nos elle, o poder que deve ter lodo o cidadão de lazer
quanto a lei civil não proliiba ; mas esta definição para ser
acceila carece de explicações.
Primeiram enle d eve-scen lcn d cl-a com resaivados p re­
ceitos da moral, da religião, e de outros princípios que cx-
tranhos á alçada d’ aquella lei, devem comtudo influir na
cónducta dos homens em sociedade. Em segundo lugar,
mesmo no terreno proprio da legislação social, para que seja
exacla aquella definição, é necessário presupor-sc a mesma
lei assentada em bases de tal modo justas e completas, que
não prohibão senão o que realmente for contrario á razão
ou ao bem ser co m m um , on não permitia senão o que lhes
for conforme. I)e outra sorte ainda que a liberdade exis­
tisse no Estado não seria senão uma liberdade de facto, e
não a que verdadeiramente ileve ser outorgada aos cidadãos.
Si a estes fosse de facto prohibido algum aclo licito, ou per-
m illida alguma cousa deshonesla, a sua liberdade civil iria
além dos limites que lhe são proprios, ou não leria a ex ten ­
são que lhe ó devida.
Para que possa caber-lhe a denominação que sc lhe tem
«lado de dispolismo da lei, e não seja, ao contrario, o dispo-
lismo do arbítrio dos governos, ou das paixões populares,
é necessário que a mesma lei a estabeleça de modo que não
possa ser presa d’ aqnelles pela compressão nem d’ cslas pela
íicença.
Ê ', sem duvida, a mais preciosa prerogaliva dos cida­
dãos essa liberdade, em que se encerrão todas as que m en­
cionámos nos primeiros capítulos d’ csia segunda parle do
l.ompendio, a d e crença e cultos, a do pensamento, a da
palavra, a da imprensa, a de reunião o associarão, a de lo­
comoção, a dc industrias, o iodas as mais que sc concchâo,
e de cujo pleno reconhecimento c garantia resulta a sua
egualdadc social, e a realidade de todos os seus direitos.
Onde cila não assenta nas bases largas c fecundas que a
natureza do liornem e da sociedade llic assignão poderão
haver súbditos, mas não cidadãos, agglomerações de iridi-
duos e lamilias, mas não Estado regulares.
Entretanto não quer isto dizer que aquella Jiberdade
ou quacsquer das outras em que ella se decompõe, devão
ser ilimitadas. A própria egualdade de direito de Iodos os
cidadãos, e o facto dc ser a liberdade um allribulo com-
mum a todos, importa necessariamente a sua limitação.
Querei -a estabelecer na sociedade de um modo absoluto, ou
com toda a sua real extensão, c sonhar utopias, pois que é
cousa impossível viver-se ao mesmo tempo u aquclla, e no
estado natural. . . . , •
« Tudo quanto a tal respeito pode pretender o parti­
dário mais cntliusiasta da liberdade, diz um cscriplor, é que
entre esta como a da natureza, e os sacnlicios que a socie­
dade reclama, se ache urna transacção pela qual se a ltn -
bua ao Estado poder bastante para attmgir seus fins, e aos
cidadãos assás independência para realisar os seus. »
A verdadeira liberdade civil, si não é a que ápraz aos
governos conceder mutilada e, ainda assim, como um favor
aos povos, lambem não é a que entre os furores da popu-
laça se coròa com o barrete ptirygio, e se deleita no meio
do sangue e dos destroços. •
Esta nada pode produsir de mil, quer para o cidadão,
quer para o Estado ; ella começa pela anarchia e acaba no
despotismo. A liberdade c, sem duvida, o que lia de mais
precioso para o cidadão ; é justo, pois, oenthusiasmo que
o seu simples nome inspira aos homens ; e isto explica
como dcllc sc servem os proprios cpie contra ella machinão.
E' com clfeilo cm nome delia que de ordinário se escravisa
os povos ; c com esse talisman que os exploradores do po­
der cosliimão allucinar a imaginação das massas populares
pouco esclarecidas, c incapascs dc descerm ra falsa da ver­
dadeira liberdade. . , _
IS’a continuação do § a que nos referimos faz o Com­
pêndio a dislineção entre a liberdade civil e a liberdade po-
lilica. A primeira em sua acccpçào mais ampla abranjo a
segunda; esta, porém, em um sentido mais reslriclo c o n ­
siste no complexo de direitos que pela constituição do Es­
tado cabem a cada cidadão com referencia especial á sua
participação mais ou menos activa e directa no exercício ou
na delegação dos seus poderes, ou no exame, discussão, e
censura de seus aclos. Essas duas liberdades ainda por ou­
tro lado se destinguem de um modo bem claro, pois que a
civil compele a todos os residentes no lerritorio de qual­
quer Nação, e a política somente a seus cidadãos.
Não é esta por i*so menos essencial quer a estes, quer
ao proprio Estado. Sem cila todos os mais direitos d aqucllos
correm risco immmentc de ser postergados pelo dispotismo
que reinará então. Podem os déspotas que dirijão á discrip
cão a sociedade perm illiraos súbditos uma grande soturna
de vantagens, e assegurar-lhes uma paz que não seja a d e .
Varsovia ou a dos lumulos ; mas terá tudo isso o caracter tle
uma simples condescendência que se não compadece coin a
dignidade humana, e será sem bases solidas de permanên­
cia. Nenhum cidadão pode ou deve contentar-se com tal
simulacro de liberdade política, que não existirá por si mes­
ma, e para cuja duração não pode contar comsigo proprio
em concurso com os mais.
Tal é a força da consciência, que o homem tem, já de
sua dignidade pessoal, já do seu valor na sociedade, que
nenhum jamais, de bom grado, abdicará mesmo nas m.lòs
mais puras, o direito que lhe deve compelit de tomar parte
nos negocios públicos da associação política de que é m em ­
bro: já mais trocará os perigos da liberdade pelo soccgo da
escravidão. •
CAPITULO X

DI REIT O DE SEGURANÇA ; — GARANTIAS INDIV IDUAES

Vrélecçâo XXXIX

§§ 127 - 131

A segurança do cidadão consisleria verdadeiramenle,


como nos diz o Compêndio no § 127, cm scr-llie garantido
na sociedade nm estado tal cm (|tic cllc não tivesse a recciar
lesão alguma em sua pessoa ou bens, isto é cm quaesquer
direitos seus. .
Si isto, porem, não passa de um ideal; si uma perfeita
tranquilidade a semelhante respeito c impossível alcançar-se
em qualquer associação política, por mais bem constituída
e «overnada (|(ie se supponlia, pódc com ludo o poder social
conseguil-o em grande parte, empregados n’ esse sentido os
meios convenientes e os grandes recursos de que dispõe ;
e tão imperioso é o seu dever de fazel-o, quanto é incontes­
tável o direito que tem os seus membros de exigil-o.
Sem aquella segurança da pessoa c bens dos cidadãos
tanto quanto é possível, o que seria, com eíleito, d ’elles o
dG
ilo proprio Estado? Não ler seguros os seus direitos, seria
para elles o mesmo que não lel-os abso lulam en tc; e mais
valera não lerem sido tirados os homens do seu estado de
primitiva selvagcria do que reunil-os c pòl-os em contacto
immedialo e constante para vel os dilacerar-se a lodo o mo­
mento por suas reciprocas violências. Só por meio d’aquella
garantia prestada a todos os que a formão, pode, em summa
a sociedade preencher a sua alta missão de rcalisar entre os
homens o império da paz e da justiça.
Mas no complexo das medidas que para aquelle íim in­
cumbe ao poder social ordenar c pôr em execução, nem
todas serão da mesma especie e alcance, umas se applicarão
de um modo mais geral a todos os direitos dos cidadãos e
á bôa ordem no Estado, e outras dirão mais cspecialmente
respeito á garantia de alguns, que por sua natureza e im­
portância cm relação a cada indivíduo mereção uma altençào
particular.
Assim ,é necessário em geral a bem da segura de qttacs-
quer e de todos os direitos do cidadão, que haja no Estado
uma legislação bem ordenada e previdente, na qual sejão
aquclles direitos claramcnte delinidos.Seráesle jáum grande
passo para a sua inviolabilidade. Bastará isso para que elles
sejão respeitados ao menos por todos os que forem de bôa
lé,' c não estiverem dispostos a abrigarem seus atlaqucs
ou tentativas contra os mesmos na omissão ou obscuridade
das leis.
Para os mais, porém, não será isso sufficienle; será
mister alguma cousa mais do que as simples disposições que
taes direitos proclamem •, será necessário applicar-se-lhes,
quando as dcsconhcçao ou infrinjão, a saneção civil ou pe­
nal que as acompanha ; c isso suppõe a necessidade da ins­
tituição dos juizes c tribunaes que as fação eífeclivas, e d a s
lotmulas que a regularidade dos processos exige. Tal é o
modo pelo qual na sociedade se pôde administrar a justiça,
c proteger de um modo geral todos os direitos dos cidadãos
contra a traude ou malicia (faquellcs que os não respeitem.
Sem estas instituições, com clfeilo, a legislação quer
eivo, quer penal do Estado, por mais. perfeita que fosse se­
ria uma completa inutilidade, pois seria letra morta.
Mas a sociedade não pôde ter interesse ou prazer em
empregar contra seus cidadãos os meios rigorosos da pena
— 283 —

ou do constrangimento inhcrenle ú acção e decisões dc seus


Iritniuaes ; c um recurso extrem o que a necessidade lhe
impõe. O poder social deve ler sempre diante dos olhos a
maxima que mais vale prevenir as transgressões das leis e os
crimes do que ter de punil-os; c por conseguinte velar para
que estes sejão evitados quanto fôr possível. E o meio para
isto ó, sem duvida, a ereação no estado de uma policia pre­
ventiva hem organisada e deligenle. Esta naturalmenlc lhe
fornecerá grandes recursos para manter de um modo menos
severo, não só a segurança das pessoas e bens, ou de quaes-
quer direitos dos cidadãos, como a do proprio Estado, e
não só contra os damnos provenientes da maldade ou da
incúria humana, mas até cm grande parle contra os que
lhes possão vir da natureza ou do accaso. Uma hôa policia
social é, inconlcstavelmentc uma das melhores garantias
n’ aquelle sentido.
Entretanto todos esses meios de segurança repousão
essencialmente sohre a existência de uma força publica, c
sem. ella serião inexeqniveis. Sem a sua intervenção as dis­
posições mais sabias, as mais justas sentenças, e as mais
bem combinadas medidas policiaes serião vãs. Incumbe,
pois, ao poder publico crear essa força e dispor d’ tlla se­
gundo as necessidades sociaes. Ella garante a segurança
dos cidadãos não só fazendo respeitar no seio do proprio
Estado a ordem publica, mas ainda fazendo respeitar a sua
existência e governo contra os altaques exteriores.
Escusado, porém, ód ize rm o sq u e o procedimento d’a-
quolles que na sociedade são encarregados d’aquellas di­
versas funeções não póde ser arbitrário. Quer os juizes e
tribuoacs, quer os funccionarios da policia social, quer cm
gera! as autoridades que dispõem da força publica, são ad-
u telas a regras e deveres que rada uma d’ cssas especies de
allribuiçõcs requer, e das quacs não podem alfastar-se sem
incorrer em responsabilidade. Sem isso em vez de serem
laes instituições garantias a liem dos direitos do cidadão,
serião antes meios terríveis de cifendel os impunemente.
Mas entre todas as medidas geraes que o Estado póde
empregar para conseguir aquelle desideralum, a mais eíli-
caz e mais digna, ó sem duvida, a do liberalísara inslrucçáo
no povo na maior escala possível, c crear os cslimnlos pró­
prios para desenvolver n’ elle o amor do trabalho.
— 2K4

0 que se conlém no § 129 do Com pêndio não carece


de explicação depois do quo acabamos d e e x p e n d cr.
Além d’aquelles meios geraes de segurança a hem dos
direitos de todos os cidadãos, certas garantias ha mais p ar­
ticulares, que tem uma relação mais immediata com a pessoa
d é ca d a um em circunstancias espcciaos, com o sejão aqnel-
las a que o Compêndio alludc no § 1 3 0 , c que enumera n o § 1 3 l .
Tem o primeiro lugar entre cilas o direito de defesa
própria individual, direito que pela natureza com pele a todo
o homem contra seu injusto aggressor, c que o Estado não
pode, portanto, deixar de reconhecer c proclamar para to­
dos os casos em que a sua própria acção puhlica não possa
ser invocada na iminência do atlaque.
E ’ com effeilo n’ estes e som ente n’ esles casos que tal
direito pode ser attrihuido ao indivíduo ; e ainda assim,
para que, mesmo então, a defesa própria seja legitima é p r e ­
ciso que a aggressão seja real, eaptos e necessários os meios
empregados na sua repulsa ; que esta não seja excessiva.
E’ esse um direito natural absoluto de lodo o hom em ,
e o mais sagrado de todos, c que licaria prejudicado sem
sem aqnella anlorisação legal de seu exercício pessoal na
hjpothese ligurada.
Já anlcriorm cnlc demonstramos o direito que deve ter
lodo o cidadão de publicar seus pensamentos c opiniões por
meio da imprensa ; e que esta é um dos mais poderosos
meios de que cada um pode lançar mão para defender seus
direitos ameaçados ou offendidos, é cousa que nàosoíTre
duvida. Garantir-lhes pois o Estado o exercicio livred’ essc
direito, é fornecer-lhes um efficacissimo recurso a hem da
segurança de todos os mais. Onde essa garantia verdadei­
ramente existe não pode haver oppressão duradôra contra os
indivíduos quer entre si, quer dos poderes sociaes em seu
prejuízo.
O direito individual de petição não é nma garantia m e­
nos importante para o cidadão ; é elle tão natural, que não
se concebe mesmo como pudesse deixar de. ser reconhecido
mais ou menos em qualquer sociedade politica. Só póde
haver questão quanto á sua forma, cco n d icçõ es do seu ex e r­
cicio ; nos paizes livres deve ter elle a maiorextensão possível.
O Compêndio parece fazcl-o consistir « no direito de
invocar, como elle se exprime, o suprema uma justiça social
quando não lia outro moio dc reparar a lesão. » Mas eslo
direito ó realmcnte muito mais amplo. Elle não sc exerce
unicamente quando qualquer cidadão trata de reparar ou
prevenir uma lesão que leuíia soflrido ou de que se arre-
ceie. E ’ um direito por assim dizer-se., ilimitado quanto ao
' sen objcclo ; elle appliea-se a quaesquer prelençõcs licitas
que o cidadão possa ter na sociedade.
Impôr reslricções arbitrarias ao direito do cidadão de
representar aos poderes constituídos contra quaesquer ma­
les que clles possuo prevenir ou reparar, ou dc exigir-lhes a
efleclividade de quasquer vantagens que lhe sejão devidas,
ou a que elle possa legitimamente aspirar seria, com cííeito,
um dispolismo injustificável, e uma provocação á revolta.
Mas contra os abusos ou excessos dos proprios agentes
ou encarregados dos poderes sociaes não basta aquelle s im ­
ples direito de representação ou petição. Taes abusos ou
excessos são por sua natureza crim es públicos a respeito dos
quaes, alem da iniciativa ofiieial que severamente os reprima
deve co m p elira toda o cidadão o direito dc denuncia, c espe-
cialm enle ao oflendido o cie exigira divida reparação.
Sem a certeza d’esta responsabilidade todos os direi­
tos do cidadão estarião em continuo perigo ; e ninguém de
certo mais proprio e mais com petente para promover a
prova c a punição dos abusos da autoridade que prevarica,
d o q u e as suas próprias victimas. O Estado ou a lei social
que não reconhecesse esse direito a.seus cidadãos, que não
lli’ o garantisse cm toda a sua amplitude, lornar-se-hia,
de algum m odo, cúmplice da corrupção ou perversidade de
seus proprios runccionarios.
CONTINUAÇÃO DO C APITU LO X — C A P IT U L O XI

GARANTIAS INDIVIDUAES. — CARIDADE PUBLICA

Prelecção XL
% 131 — 134

Na continuação do § 1 3 1 , cm seguida ás diversas ga­


rantias individuaes de <]ue traclamos na anlerior prelcc-
(;ão, indica-nos o Lompcndio a iusliluição do habcas-corpus,
i|iie consiste no direito concedido ao cidadão que é ou se
julga víclima de uma prisão arbitraria, de invocar cm seu
auxilio para reliavcr a sua liberdade, a intervenção de uma
autoridade superior áquella dc quem parlio a violência.
Mas com prebcndc-sc que o habeas-corpus não seria
uma providencia verdadeiramente proleclora da liberdade
individual si fosse sugeilo as formalidades c delongas, que
são mais ou menos inevitáveis no curso de quacsquer pro­
cessos judiciaes ordinários. Deve ello ser, portanto, uma
doligencia cm que a autoridade que tem de conccdel-o pro-
<eda de um modo summarissimo. Ouvidos com prompti-
<ião o preso e quem o prendeu, deve ser im m cdialam ente
— 287 —

decretada ;i sollura il aqucllo, si íôr reconhecida a ilegali­


dade da prisão; e por ilegal se deve entender toda a prisão
que não ior determinada expressamenle em algutna lei ou
resultado de sentença.
Tao importante salva-guarda da liberdade e segurança
pessoal dos cidadãos, é com razão altamente apreciada em
todos os Estados livres ; c sahe-se o respeito de que gosa
semelhante instituição sobre tudo na Inglaterra, paiz clás­
sico do governo representativo e das liberdades do cidadão,
onde cila leve sua origem, e onde mais que em qualquer
outro se tem aperfeiçoado. Entre nós infeiizmenlc, não
tem ella de facto a realidade e èííicacia, que nossas leis ti-
verão ern vista altribnir-lhc. Na pratica é ella menos-ca-
bada c sophismada cm todos os gráos da immensa escala
de nossas autoridades a quem compete o direito de prender,
ou por si se arrogão esse arbítrio ; c em todos os sentidos,
quer no de burlar-se com o maior abuso e facilidade a
concessão desse beneficio da lei cm casos cm que clle não
pode ser legilimamente recusado ; quer no de conccdel-o
com a mesma facilidade e cscandalo a indivíduos que não
eslejão nas condicçõcs de o btel-o ,a criminosos manifestos.
O direito de appellar das sentenças dos juizes inferio­
res para outros superiores ó, realmente, ainda uma garan­
tia a bem de todos os direitos iudividuaes do cidadão, su-
gcilos ao conhecim ento e decisão d’aquellcs. Quando cm
outra parte do Compêndio tractamos da necessidade da
creaçâo de uma gerarchia judiciaria, ou de diversos gráos de
jurisdícção para a bôa administração da justiça publica, ja
demonstrámos os inconvenientes c perigos dos juize? ou
tribunacs únicos proferindo sentenças desde logo definiti­
vas c sem recurso. Em semelhante caso muitas injustiças
licarino sem rem edio; e esta mesma circunstancia ainda
mais contribuiría para augmcnlar o seu numero egravidade.
Só tfaquella appellação podem, por conseguinte, os cida­
dãos que se julguem ou sejão realm cnlc victimas de uma
decisão injusta, achar o meio adequado para reparal-a, e
assegurar a final o seu direito desconhecido c violado.
'A lé m d'cssc direito de appellação, ainda, em nossa or-
ganisação judiciaria, sc concedo ao cidadão outro analogo
quer na sua natureza, quer nos seus resultados; tal 6 o
recurso de revista de que nos falia o Compêndio. C o m p ele
- 288
ao nosso supremo tribunal de justiça con hecer d’ elle, não
para julgar as causas que por esse meio lhe são presentes,
mas apenas para mandal-as rever por outros tribunaes de
segunda inslancia, nos casos cm que entenda ler-se dado
nas mesmas injustiça noloria ou nullidade manifesta, razões
únicas em <jue aquclle recurso póde-se fundar segundo a
nossa lei.
lati ultimo lugar enumera o Compêndio entre as g a ­
rantias individuacs instituídas a bem dos cidadãos, o direito
de recorrerem ao soberano para obterem o perdão das p e­
nas em que tcnbão incorrido, ou a sua com m ulação. E ’
este um direito que está comprehcndido em geral no de
p etiçã o ; que, sem duvida deve ser concedido a iodos os
cidadaos ; mas que, em rigor, não póde-se considerar como
uma garantia individual da natureza e alcance das mais de
que lemos Iraclado.
E conveniente, e é mesmo uma instituição muito sa­
lutar na sociedade, esse recurso ; mas falta-lhe o caracter de
uma verdadeira garantia do cidadão desde que o perdão ou
0 miuoramento da pena que lhe foi imposta só dependem da
clemencia do soberano, e não podem ser reclamados como
um direito.
_ Mediante estas diversas garantias iudividuaes c outras
n ío menos importantes que poderiamos apontar, com o o
julgamento pelo jury, as lianças criminaes etc., e uma vez
que sejão as mesmas escrupulosamcnle respeitadas e postas
em pratica, a segurança dos direitos do homem na sociedade
scia, com elleilo, completa como nos diz o Compêndio, e
sua liberdade suílicieniemenie protegida : e n’ isto deve con ­
sistir o desideralum de toda a associação polilica.
t r a que differem essas garantias individuaes, das garan­
tias publicas, diz-nos igualmente o Compêndio na parte final
1 0 5 com que nos occupamos, em cujo desenvolvimento dei­
xai emos de entrar, visto que dessa especie de garantias já
liactamos na parte respectiva daquelle.
Passemos ao Capitulo XI e ultimo, cm que se tracta
° d o e r que tem 0 Estado de exercer a caridade publica
! ue n T , SCUV ncmbl'? s ’ dever, sem duvida importante, e
1 c 0 mesmo Compêndio perfeilamente demostra n o U 3 2 .
Aln nos diz este, que o tim immediato do Estado é a
I e lazer efleclivos por meio da acção e do poder
— 280 —

social os direitos de cada um, <|iic fora da socidade não


scrião respeitados, nem lerião garantias.
Mas, em verdade, não pôde ser este o fim umeo da as­
sociação humana. 0 Estado não se pode considerar insli-
tuido somente para que os homeus gosassem com segurança
d’aque]les Itens cuja posse tivessem o direito de deffendcr
pela força, ou que* pudessem exigir-se rcciprocamenle. Elle
deve ler por missão garantir-lhes lambem todas as mais van­
tagens e benefícios que naturalmunic lhes podem vir de sua
associação, do emprego com m um de sua aclividade e recur­
sos, e em fim, todas as vantagens e beneficies (|ue uns aos
outros podem ministrar-se por um m ovimento espontâneo
e de pura bcnelicencia ; c não são estes os menos úteis e
cJTicozes.
Uma sociedade (|uc s<5 se regesse pela cslticla justiça,
que se limitasse a garantir a cada um dos seus membros
aquillo que por direito por foi to lhe pertencesse, contia os
ataques e violências dos mais, seria uma associação cslcril,
onde reinaria a dureza do egoismo. Ix.lla olharia com olhos
impassíveis e indifferenles a felicidade ou alivio dos desfa­
vorecidos da sorte ou da natureza. Estes poucos ou nada
ganbarião com o estado social. E tanto menos justificável
seria tal procedimento da sociedade, quanto cila Ictia de
facto o p o dere os recursos proprios para prestar laes soc-
corros e praticar a caridade.
Esta é portanto, com o bem nos diz o Compêndio, o
com plem ento da vida social. Só por meio d cila o do seu
exercicio constante e na maior exieiiçãq possível, pode o
Estado tornar-se uma instituição digna de seres ractonaes e
moraes. Só assim póde elle allingir de um modo completo
todos os fins nobres c grandes, a que é destinado, e que
pelos seus poderosos m eioseslá n asco n d icçõ esd eco n seg iin .
Si entre os indivíduos o exercicio da bencíicenc.a re­
ciproca ó um dever imperioso, mas de simples moral c re­
ligião, do Estado para com seus membros que estejao nas
circunstancias de necessitarem d’ella. e mais alguma cousa
ó ainda um dever de bôa política. Quando outia íazao nao
tivesse elle para pra.ical-a, bastaria a consideração da pró­
pria utilidade que d’abi lhe pode provir. Em bdia de o u ­
tros moveis mais puros, esse seria sullicieiile. E com e -
37
leito certo que |>e!o exercício da caridade o Estado asse­
gura em muitos casos o triumpho da ordem e da justiça
na sociedade.
A caridade publica tem no seio d’ esta um campo vas­
tíssimo para exercer-se; innumcros são os assumplossobre
que ella póde versar, além (1’aquellcs que o Compêndio nos
indica no § 133.
Abi nos falia elle principalmente do dever que te m o
Estado do libcralisar ao povo a inslruoção primaria na maior
escala possiycl, e á sua custa. E’ isto, sem duvida, uma
obrigação rigorosa do Estado, e no seu desempenho deve
ser elle animado do mais vivo sentimento de beneliciar a
população. Mas entendemos que não é isso de sua parte
um simples acto de caridade. A inslrucção elementar é a
base de toda a ordem social, e pois a sua promoção, além
de um dever moral, é uma obrigação que ao Estado impõe
o seu proprio íim. No mesmo caso, pouco mais ou menos,
estão as mais ordens de factos ou aclos que o Compêndio
nesse § considera ainda como simples exercicio do dever
de benelicencia : lacs como a protecção que presta o E s ­
tado ao cidadão para a conservação e desenvolvimento de
sua viüa physica, ou moral; c a correcção dos criminosos
que sc devo conciliar com a sua punição. Nada disso pra­
tica o Estado realmcnle com a intenção de fazer uma obra
tle cai idade aos cidadãos; elle é a isso indusido ou obri­
gado por outras razões de justiça ou conveniência social,
que se não confundem com aquella.
A caridade publica propriamente tal se revela cm toda
a sociedade bem governada em outra ordem de factos ou
instituições, que se destinào directamente ao auxilio dos
que sollrem no seu seio.
Sem essas instituições nenhuma Nação poderia real­
mente pretender as honras de civilisada ; e em todas as
que merecem este nome, elIas existem e recebem do thc-
souro nacional largas subvenções, e os mais assiduos cu i­
dados. Em todas se dccrelão soccorros públicos ás vicli-
mas das grandes calamidades que por vezes allligcm os po-
yos, tacs como a peste, a guerra, a íome, os terremotos, as
mnundações, os inccndios; em todos se instituo c se man­
tem hospícios para os enfermos pobres, os alienados, para
a ci laçao e educação dos expostos ou orpbàos desvalidos,
— 291 —
asylos do nien cidade; cm algumas sc tom mesmo estabe­
lecido impostos especiacs cm licnclicio da pobreza.
I- não só o listado instituo todos esses meios de cari­
dade publica, e os dirige e sustenta ; mas ainda anima, pro­
tege, e subvenciona outros tantos estabelecimentos.da mes­
ma cspecie ou que para fins analogos parlem da iniciativa
do espirito de beneiicencia particular.
No ^ 134, diz-nos o Compêndio que a caridade publica
impõe deveres a que não correspondem direitos- isto e.
que si o Estado, pelas razões que. já expendemos e obrigado
a pralical-a para com os seus membros, todavia estes mio
podem exigil-a, como podem exigir o respeito c garantias
que elle deve a seus direitos . • ,
Esta doutrina exacta em relaçao a caridade privada
não é porém inlciramenie applicavel a do Estado cm relação
a seus cidadãos. n.iim
O indivíduo que exerce a caridade pa a com oulio,
dispõe do que é seu, não pode por motivo algum ser a isso
obrigado O Estado, porém não sc aclia precisamcnlc nas
mesmas condiccões. Sem pretendermos autor,sar o co m -
munismo devemos com tudo reconhecer, que aquefic não
^ o promietaiio ou dono dos bens ou dos recursos Naçio-
naes nem usa d’elles da mesma maneira que um parlicu-
lar cVanuilIo que lhe pertence. Estes lormào ale certo pon u
ou cm certo sentido um patrimônio commum proveniente
de todos, c confiado ao poder social cxactamente para sei
applicado á satisfação de todas as legitimas neccs 8«d.iBes
do povo, e para com elle lhe serem garantidos todos os bc
neficios que o mesmo II,e possa procurar.
Por conseguinte lambem ale certo ponto, ou em ceilo
sentido, todo om dadão pode ler, a respeito d aqt.c les_bens
ou recursos preteuções que não poderiao lei quaesqu
indivíduos cm relação aos bens ou recursos particulares de

0,1,1' A caridade publica dislinguc-se, cm summa da c^n


dade privada, nVquellc p o n to ; porque a q u I I ' ^scexcice
pelo mesmo titulo, nem pelo mesmo I ' milíliea
privada consiste em aclos dc todo espon < - ’ ■ 1 .j
ú anies uma obrigação resu Ilanlo do lae o s * j *I ‘
iom uin caracler puramcnle pessoal, esla realisa s e s n n p i
sob a forma de uma medida geial.
!)';ilii resulta que nem lodo ou qualquer infeliz, o em
quaI^qiu.T con diccão, póde p csso alm cn te im p ô r-s e á caridade
do Eslado ; c que a esle c o m p e le em lodo o caso o direito
de exam inar as circunstancias d’ aquelle que a invoca, c a l é
onde e de que modo deve ser elle atlen dido.
Exagerar aquellc direito de cada cidadão em relação
ao E sla d o , ou fazel-o arbitro do m esm o , seria croar um e s -
limulo poderoso e latal á occiosidadc ; aggravar o mal da
miséria p relenden do-se cural-o •, e anniquillar a justiça an-
niquillamlo Iodos os direitos; ou co m o diz o C o m p ê n d io
ua nota a este «pôr em perigo todos os direitos verda­
deiros proclam ando-se direitos (alsos. »

F I M
ÍNDICE
• PA G .

ADVERTÊNCIA............................................
AOS LEITO RES (da primeira Edicção). . .

P a r t e p r im e ir a

\ CAPITU LO I — Definição o utilidade do Direito Pu-


lilico U niversal:— Estado e seus íins — §§ l . ° r - 5 . ° 3
CAI». I — Continuação — Origem e fundamento da
sociedade cível,' ou tio Estado: — do Conliacto
social - § 6 .°. + • • • • • • • • • ; . 12
CAP. II — Do poder social, e da sua delegação — §§
7.° — ..............................................................................2-
CAP. |[ _ Continuação — Limitas e caracteres da so­
berania social § § 7 .° — 10 .t! ................................31
CAP. III — Dos elementos do poder social, sua orga-
nisação— §§ 11 — 1 7 . t E . . . ■ • (•• • 38
CAP. IH — Continuação — §§ 1 8 — 2 1 .1. . . 4/
CAP. IV — Continuação — organisação do poder exe­
cutivo — §§ 2o — 2 7 ............................. ..... ■ d(>
CAP. IV - C ontin u ação— organisação do poder judi-
ciario — § § 2 8 — 3 1 . . . . • • • • •
CAP. V — lia Iiarmonia dos poderes sociaes §§ 32 a 3o t l
CAP. V Continuação — Complemento de uma Itôaor­
ganisação social — §§ 36 a 3 7 ............................. 18
C A P VI — Da diversidade das constituições do Estado- —
— §§ 38 a 40. . • • , , ................................... 8,i
CAP. VI — Continuação — §§ 4 1 a 44. . • • • Oí
CAP. VII — Da Lei Fundamental do Estado, e doSo-
heran o — §§ 4o a 48 • • • • • ' ,,,2
CAP. VIII — Das funeçoes do poder social — § 4U . 1 0 /
C A P . VIII — Continuação - §§ 30 a 511 . - ■ • Mí
C A P. IX — Leis civis, seu ca racter— §§ 53 a o t . . P2I
G a p . IX — Continuação — Interpretação, derogaçãoe
revogação das leis. Das penas, sua origem e funda-
- II -

„ menlo cio direito social de p un ir— § § 5 5 a 5 8 . . 127


GAP. X O que seja a pena, e seu lim ; brandura das
penas; a punição é compatível com a correcção ;
, meios desta — § § 5 9 a 6 2 ........................................ 13-4
c.AP. X — Continuação — Meios de correcção; di-
11 rc' u* (*ü l)fi|'doar e minorar as penas — §§ 62 e 6 3 . 141
II CAP. XI — Promulgação das le i s ; regulamentos, sen—
„ lenças — §§ 64 a 6 6 . . . . . . . . . 448
GAP- XI — Continuação — Grãos de jurisdicção : im­
postos ; regras da imposição ; sua proporcionalidade
55
— §§ 67 a 7 2 ...................................................................... 1
GA P. XII — Razões a favor do imposlo progressivo, sua
impugnação, c resposta a esta; força armada — §§
/3 a 7 6 ............................................................... . 1 6 2
GAP. X l l — Continuação — Obediência passiva do e xe r-
e ilo ; policia — §§ 77 e 7 8 .................................... 170

í^ a r te s e g u n d a

GAP 1 c 11 — Direitos do cidadão — Liberdade reli-


, giosa — §§ 79 a 8 2 ...............................................................176
GAP- II — Continuação — Associação reliaiosa : seus
direitos — §§83 e 87. . . . 183
CAP. II — Conti uuação — § 8 8 ......................................... 190
CAP. III — Liberdade intelleclual; direito de mani­
festar o pensamento por palavras, ou por escripto •
__de ensinar c doutrinar — §§ 89 e 91................. ’ 198
CAP. 111 — Continuação — Ainda a liberdade do en­
sino-, sua mdepcndencia do poder do Estado-, liber­
dade epistolar — §§ 92 a 94. . . . 206
' ‘V - f!*-1"~JGoiitinuaçâo — Liberdade da imprensa —
213
CAP. IV e V Liberdade artística — Liberdade de
^ locomoção — § § 9 8 a 1 0 1 .................................... 220
CAP. M — Liberdade de industria — §§ 102 a 106 . 227
GAP- A I — Continuação— Processos inclusiriaes;qua­
lidade dos produefos ; auxilio e reslriccões ás in*
, duslrias — §§ 107 a 1 0 9 ........................' . . . 234
* direito de reunião, e associação — §§
110 a 11 3 . .......................................... ' ç>/(0
CAP. VIII — Propriedade; direito social cm relação á ~
— III -

mesma; imposições; servidões — §§ 114 a 119 . 247


CAI1. V í í í — 'Continuação — Desapropriação — Siic-
cessão legitima; successão (estamentaria — §§ 119
a 121 . . . . . . . • • . . .. 254
CAP. V l l í — Continuação— Direito de testar; uso e
transmissão em geral ria propriedade; prescripção
— §§ 121 e 1 2 2 . ............................................... 261
CAI*. VIII — Continuação — Segurança da proprie­
dade em Ótltros sentidos ; propriedade intellectual '
— $ 1 2 3 ............................................................... 268
CAP. IX — Egualdade civil — Liberdade civil — §§
124 a 126..........................................................V 275
CAP. X — Direito de segurança; garantias /udivi-
dttaes— §§127 a 131.................................................281
CAP. X — Continuação. CAP. XI — Garantiasinrii-
viduaes— • Caridade publica— §§ 131 a 134. . . 286
Digitalizado pelo Projeto Memória Acadêmica da FDR •UFPE

ERRATA
PAG, LIN. ERROS EMENDAS

31 )epois de Parte primeira iccrescente-se CAP. I.


20 1 ) niversidade................ universalidade.............
72 23-26 coarção....................... coerção........................
95 30 nconviliaveis............... inconciliáveis. . . . .
101 6 c o r r o m p e m ................ corrompeo...................
121 8 m a i s . ........................ m a s ............................
144 38 vericou........................ verificou......................
143 28
132 3 nem os seu s................ nem tem todos os seus
102 7 a cada ........................ c a d a ............................
166 40 m a s ............................
168 29 que acudiram . . . . a c u d i r a m ....................
175 10 a u x i l i a ........................ a auxilia......................
182 2 liga.............................. L i g a ............................
)) 3 Gevenas .................... Cevennas . . . . . .
1 90 1 CAP. I I I .................... Continuação do GAP. 11
198 1 Continuação do C a P. 111 C A P. 1 1 1 ....................
206 1 CAP. I V .................... Continuaçãodo GAP. 111
2 12 19 conveniência............... conivência...................
240 là ellas sã o ...................... ellas não sã o ...............
262 4 daquelle.................. ... d a q u e l l a ....................
267 r e intenção............... a intenção...................

\,Além de oulros menos importantes).

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