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REFÚGIO

ELLEN VISITÁRIO
JACKSON VASCONCELOS
MAURO BALHESSA

REFÚGIO
Histórias de refugiados colombianos que
escolheram São Paulo como nova casa

F
Editora Casa Flutuante
L i v r o - r e p o r t ag e m & a c a d ê m i c o s

São Paulo, 2017


Copyright © 2017 Ellen Visitário, Jackson Vasconcelos e Mauro Balhessa - Todos os direitos
reservados.

Livro-reportagem apresentado como trabalho de conclusão de curso, uma exigência para a


obtenção do título de bacharel em Comunicação Social (Jornalismo) do FIAM-FAAM Centro
Universitário.

Diretora do Núcleo de Ciências Sociais Aplicadas, Humanas e das Artes


Prof.ª Ms. Simone Espinosa

Coordenador do curso de Jornalismo


Prof. Dr. Vicente Darde

Orientadora
Profª Ms. Carla de Oliveira Tôzo

Dados Internacionais da Catalogação na Publicação (CIP)


(Editora Casa Flutuante, SP, Brasil)

Refúgio: histórias de refugiados colombianos que escolheram São Paulo como


nova casa /Ellen Visitário, Jackson Vasconcelos e Mauro Balhessa. — São Paulo:
Editora Casa Flutuante, 2017.

ISBN 978-85-5869-041-6

1. Jornalismo 2. Livro-reportagem 3. Refugiados I. Título

CDD 325.21

Editor
Editora Casa Flutuante
Rua Manuel Ramos Paiva, 429 - São Paulo - SP
Fone: (11) 2567-6904 / 95497-4044
www.editoraflutuante.com.br / www.livro-reportagem.com.br

Capa e Diagramação
Israel Dias de Oliveira
Dedicamos a todos os refugiados que encontraram na
cidade de São Paulo a nova forma de viver.
Um agradecimento especial aos nossos familiares, amigos e a
quem sempre torceu por nós, para que este livro-reportagem
se tornasse realidade.
SUMÁRIO

Apresentação...........................................................................11

De refugiado a empreendedor na Rua Augusta.................14

O brilho no olhar e o sabor dos quitutes


de uma colombiana paulistana..............................................28

Um sopro de acalanto, uma Missão de Paz........................38

Os três amigos colombianos no país do carnaval..............46

Minha casa é onde os meus amigos estão..........................52

A luta e o sorriso colombiano que vieram ao Brasil..........72

O recomeço para Cristiano e sua família............................88

Sobre os autores......................................................................97
APRESENTAÇÃO

A
construção deste livro-reportagem se originou do
primeiro contato com a América Latina em um pro-
jeto de revista acadêmica, desenvolvida no 6º perío-
do de jornalismo no Centro Universitário FIAM FAAM, em
São Paulo, realizada no segundo semestre de 2016.
Neste contato, vimos a necessidade de falarmos sobre os nos-
sos vizinhos latino-americanos de uma forma que a mídia tra-
dicional já não tenha dito ou esclarecido, tampouco observado
com atenção o que os países da América do Sul teriam a dizer.
A ideia de olharmos com outros olhos àqueles que preci-
savam aparecer, ter voz, reforçou para que o nosso pré proje-
to de TCC (Trabalho de Conclusão de Curso), desenvolvido
em fevereiro de 2017, contasse histórias de refugiados colom-
bianos que escolheram o Brasil, especificadamente a cidade
de São Paulo como nova moradia.
Nestas páginas estão personagens que sofreram a repres-
são e as torturas de guerrilheiros das FARC (Forças Armadas

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Revolucionárias da Colômbia), considerada pelo governo da
Colômbia, dos Estados Unidos e do Canadá como uma orga-
nização terrorista.
Em contrapartida, há defensores deste grupo que levan-
tam a bandeira de que o movimento, que existe desde 1964,
foi criado para lutar pela implantação do socialismo no país
colombiano. Assim como fez em 2008 o presidente da Vene-
zuela, Hugo Chavez, que rejeitou este título, publicamente, e
apelou ao país e a outros governantes estrangeiros o reconhe-
cimento diplomático das guerrilhas.
Além das FARC, existem os paramilitares, que contro-
lam a grande maioria do narcotráfico de cocaína e de outras
substâncias em conjunto com os principais cartéis de drogas
colombianos.
Em “Refúgio – Histórias de refugiados colombianos que
escolheram São Paulo como nova casa” o leitor encontrará
relatos de pessoas simples, que lutaram – e lutam – para ain-
da conquistar um espaço próprio, além das experiências de
conviver com brasileiros e seus costumes, como conta a per-
sonagem Liliana, que saiu da Colômbia para encontrar no
Brasil uma paz que não existia em sua cidade natal, e como
alternativa para sustentar os filhos, encontrou na Vila Mada-
lena um espaço para vender suas comidas típicas, como are-
pas. Quem também detalha sua história é o professor Héctor
ao retratar o que passou nas mãos de militares à época que
sofreu um sequestro; como também o Cristiano, um pai co-
lombiano de duas meninas que ainda não sabem falar a lín-
gua portuguesa muito bem, que vê no país tropical a chance
da sua família crescer e viver bem.
Existem também os relatos de Daniela, de Victória e de
Aleksey, que enfrentam o preconceito, as dificuldades e as

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descobertas do dia a dia, de viver longe da sua pátria moran-
do em São Paulo, a famosa locomotiva do país.
A divertida experiência dos três amigos colombianos Mi-
guel, Luis e Juan que nos contaram, sentados em um banco
de igreja, como é viver na capital paulista e tentar aprender
com suas estratégias o português, também contempla essa
pequena obra, assim como o Jair e o padre Ajeandro, per-
sonagens que nos deram a chance de ouvir suas respectivas
percepções sobre o tratamento do Brasil com refugiados.
As trajetórias e os distintos motivos que levaram essas
pessoas a morar em São Paulo, o entendimento do que pen-
sam do Brasil como refúgio e os novos lares estão nesse livro
criado por nós para dar voz a eles.
Contudo, as emoções escritas nestas páginas merecem
ser lidas por você também, caro leitor.
Boa leitura!

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DE REFUGIADO A EMPREENDEDOR
NA RUA AUGUSTA
N
o dia dois o termômetro marcava a temperatura de
vinte três graus de um fim de tarde ensolarado. A
hora? Quatro e quinze da tarde do primeiro sába-
do do mês de setembro de 2017. O entrevistado marcou o
bate papo às 17h30 no endereço mais cosmopolita da capital
paulista. O local escolhido foi o Calçadão Urbanoide, locali-
zado no número 1.291, da rua Augusta, situado entre o Espa-
ço Fábrica Augusta e um Burguer King. O ambiente é muito
aconchegante e frequentado por apreciadores da culinária de
nacionalidades como: Venezuela, Peru, México e Colômbia.
Dentro do Calçadão Urbanoide encontra-se o foodtruck Ma-
condo – Raízes Colombianas. O nome do restaurante é uma re-
ferência à cidade fictícia do romance 100 Anos de Solidão, de Ga-
briel García Márquez, e possui como decoração as cores vivas e
fortes da bandeira da Colômbia: amarelo, azul e vermelho. Dois
chapéus típicos do país e alguns cartazes anunciando: patacon,
arepas e patacones complementam a decoração do foodtruck.

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O fim de tarde faz uma troca injusta: o sol se vai e com


ele chega uma noite de vento cortante que passa a incomodar
aqueles que saíram de casa despreparados para o frio. Che-
gamos ao local marcado e perguntamos pelo Jair Abril Ro-
jas, colombiano, nascido há 38 anos na cidade de Bogotá. Os
funcionários dizem que ele ainda não havia chegado. Pouco
tempo depois uma mensagem de whatsapp de Jair chega aler-
tando que ele se atrasará um pouco.   Em frente ao Macon-
do existe uma mesa grande com um guarda-sol verde e dois
bancos que cabem por volta de seis pessoas. Aguardamos ali
e passamos a observar a movimentação local.
Às 18h25, quase uma hora depois do horário combinado,
Jair Rojas chega. O colombiano possui um estilo básico: calça
jeans azul, camisa branca estampada com o logo do Macon-
do, tênis da marca Adidas esportivo cinza com listras em azul,
boné preto bem rente aos olhos, óculos e um cavanhaque fe-
chado. O cozinheiro e dono do foodtruck troca algumas pa-
lavras com seus funcionários e rapidamente acomoda-se na
mesa em que estamos. Nos apresentamos formalmente, ele
pede desculpas pelo atraso, senta, cruza os braços e a entre-
vista se inicia.
Com as mãos sempre em movimento e voz mansa ao
falar, Jair Rojas quase sempre olha para cima. Sua vida em
Bogotá era marcada por muita insegurança e violência. A fa-
mília de seu pai trabalhava no ramo de transporte, já de sua
mãe atuava no comércio. Ele começa contando sobre a época
que era criança na Colômbia.
— Tive uma infância normal. Meu pai vendeu parte da
empresa [de transportes] para o meu irmão e ele se afastou
um pouco. Ele mora a duas horas da capital, já minha mãe
faleceu há treze anos. Ao todo somos três irmãos: o mais velho

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ficou na Colômbia e o mais novo mora atualmente nos Estados


Unidos, ele é engenheiro. Durante toda a vida eu percebi que
eles [seus familiares] tinham que pagar um ‘pedágio’ a alguns
grupos do governo que controlavam as estradas. Já ocorreram
muitos problemas e alguns foram sequestrados. Havia essa
pressão diária. [Hoje] as coisas estão mais tranquilas.
Esses “pagamentos” a determinados grupos também
eram cobrados da família de sua mãe. Diz que faz três meses
desde a última vez que visitou seu país e que por enquanto
não está em seus planos voltar a morar lá.
       
A vinda para o Brasil
Este livro visa relatar histórias de colombianos que vivem
no Brasil, por isso é de extrema importância saber qual mo-
tivo ou contexto levaram essas pessoas a abandonarem seu
país de origem. No caso de Jair Rojas podemos concluir que
os problemas que seus familiares enfrentaram com grupos
armados, somados a violência que seu irmão mais velho en-
frentou e uma proposta de emprego garantido foram deter-
minantes para que o cozinheiro viesse de vez para o Brasil.
— Eu saí da Colômbia em janeiro de 2012 aproveitan-
do uma oportunidade de trabalho como cozinheiro aqui no
Brasil e também forçado um pouco pela insegurança que se
apresentava nessa época em meu país. Eu tinha uma propos-
ta de trabalho e sabendo onde ia morar, não tinha como dar
errado, pelo menos o básico me estava assegurado. Eu vivi de
perto os problemas de sequestro por parte das FARC (Forças
Armadas Revolucionárias da Colômbia): membros da minha
família, amigos, primos, pessoas chegadas, e sempre, desde
criança, eu percebia que a família por parte do meu pai, sen-
do dona de empresa, tinha que pagar um “pedágio” para eles,

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sendo em dinheiro, calças ou botas para usarem. Achei uma


boa oportunidade para aprender um pouco mais e aproveitar
as duas coisas: fugir do que estava acontecendo no meu país
e focar na minha profissão. Acho que esses foram os princi-
pais motivos para que eu mudasse da minha pátria e chegas-
se aqui no Brasil pedindo refúgio. Procurando um pouco de
sossego, paz e tranquilidade, coisas que até agora encontrei,
apesar de todos os problemas do Brasil, eu achei o que bus-
cava. A minha adaptação foi muito difícil, eu não falava nada
de português e morava com um colombiano no mesmo res-
taurante em que trabalhava na Pompéia, ele era da família da
dona e ficava todo dia lá, nunca saía do restaurante.
Vivendo em um país novo e sem conhecer ninguém o en-
genheiro mecânico e cozinheiro usava os finais de semana
para conhecer mais sobre os costumes dos brasileiros e a ca-
pital paulista.
— Aos domingos eu saía e pegava um ônibus. Comprei
um mapa grande [da cidade de São Paulo], descia na Bar-
ra Funda, pegava o Metrô e ia embora. Uma vez eu cheguei
ao Parque do Ibirapuera e fui caminhando e não entendia
nada, pensei: “Poxa! Pelo menos nas ruas da Colômbia você
consegue entender que as pessoas estavam falando de novela,
jornal e de política”, eu não entendia nada, não conhecia nin-
guém, então foi bastante difícil.
Ao ser questionado se sofreu preconceito, ele conta que
sim.
— O fato de você ser da Colômbia tem aquilo: “Tem co-
caína? Cadê o Pablo Escobar?”, esse preconceito estava muito
forte nessa época. Acho que de uns dois anos para cá, depois
da Copa do Mundo, que passou a mudar essa discriminação
com a Colômbia. O pessoal vê muita gente do meu país como

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narcotraficante e não existe mais nada disso. Eu acho que essa


ideia mudou depois desse evento. Perguntam: “Você é da Co-
lômbia? Cadê a Shakira?”. E mudou também após o caso da
Chapecoense. Faz um mês e meio, mais ou menos, que saiu
uma reportagem do Globo Repórter sobre a Colômbia. Foram
45 minutos bem pontuais e a gente teve três finais de semana
de pessoas que vinham aqui procurando comida colombiana,
foi muito gratificante isso. “Vocês vendem patacon?”.
Um dos grandes problemas que os refugiados relatam em
nossas entrevistas é a burocracia que eles encontram em con-
seguir regularizar sua situação quando chegam ao Brasil. Jair
Rojas conta que pelo menos nesse sentido, ele não teve muita
dificuldade.
— Eu tenho todos [documentos]. Mesmo como título de
refugiado, eu consegui tirar o CPF, RNE [Registro Nacional
de Estrangeiros] e conta no banco. Tive muita sorte, acho
que saíram em nove meses. Na época que vim não existia o
Acordo do MERCOSUL com a Colômbia, então eu só podia
ficar aqui noventa dias. Fui na federal, expliquei o meu caso
e prorrogaram para mais trinta. A Polícia disse: “Você pode
se casar com uma brasileira ou pedir refúgio”, pensei: “Vou
pedir refúgio, então!”, fui e contei minha história e demorou
quase nove meses para a [autorização] sair. Casei com uma
brasileira [posteriormente], mas meu documento ainda não
estava como brasileiro. Cancelei o refúgio e estou pelo acor-
do do MERCOSUL. Agora está mais tranquilo.
Jair responde às perguntas de forma direta com um sota-
que que, às vezes, pode confundir um pouco, mas para uma
pessoa que mora no Brasil há cinco anos ele fala bem a língua
portuguesa. Nessa altura da entrevista, ele comenta quais são
as diferenças entre brasileiros e colombianos.

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— Acho que o diferencial é o idioma e os costumes. O fato


de você ter que comer massa na quinta-feira e peixe no sába-
do. Para a gente você pode comer na segunda, terça. Está com
vontade vai lá e come, lá [na Colômbia] não tem essa estrutura
paulista de que cada dia da semana seja um prato diferente.

Esposa brasileira e casamento


Ao falar sobre sua vida amorosa Jair parece ser um pouco
reservado e conta apenas alguns detalhes de como conheceu
sua mulher.
— O nome dela é Flávia. Ela foi ao restaurante em que eu
trabalhava no dia do jogo Brasil versus Colômbia com uma
amiga em comum brasileira e outra menina, as únicas três
brasileiras no meio de cento e vinte colombianos. A gente se
conheceu, só se cumprimentou no dia, tem mais de três anos
isso. Vai fazer um ano que a gente se casou.
Os familiares da brasileira não viram problemas da mu-
lher se casar com um refugiado, mas a questão que se ins-
taurou foi como eles viveriam, já que o pai da moça é uma
pessoa muito bem estruturada financeiramente.
— A princípio não foi muito bem visto por parte do pai
dela, não de brigar e nem de conflitos, foi aquele tipo de coi-
sa: “Ele é cozinheiro, qual vai ser o futuro de vocês? A culiná-
ria tem futuro? Quais são seus planos? Isso vai dar para você
sustentar sua família?”. Como ele é advogado, vice-presidente
da OAB, é uma pessoa muito bem estruturada. Mas de resto
foi tranquilo, eles vão viajar em novembro para a Colômbia.

Negócios & Gastronomia


O Calçadão Urbanoide é frequentado por pessoas que
procuram diversidade, qualidade e bom atendimento. Aos

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finais de semana, principalmente no período da noite, o lu-


gar fica abarrotado de gente que entre um foodtruck e outro
procura o melhor custo-benefício. Nessa hora o rumo da en-
trevista muda e Jair Rojas nos conta um pouco mais sobre o
seu negócio.
— Eu tenho dois trailers, este [Macondo] e outro que fica
itinerante [não fixo]. Tenho uma linha de produção e faço
entregas para restaurantes aqui na Oscar Freire e estou fe-
chando uma parceria para colocar serviço de delivery. Não
tenho pretensão de abrir mais foodtruck. Eu quero expandir
abrindo pontos itinerantes. Pretendo colocar produtos no
mercado: a limonada tem saído bastante, conseguimos colo-
car ela na [avenida] Paulista aos domingos, então quero levar
os produtos. Eu trabalho muito com os refugiados, minha
equipe é só de colombianos porque eu acho que dá um pouco
mais de credibilidade no que a gente está fazendo. Eles con-
seguem explicar um pouco mais do que queremos oferecer,
não é só comida, mas sim a experiência: escutar música em
espanhol, ter alguém que pode falar para onde você deve via-
jar, qual ônibus pegar, esse tipo de coisa. Participo de vários
eventos com refugiados aqui em São Paulo.
O cozinheiro, que também é engenheiro mecatrônico por
formação, trabalhava na Colômbia como subchefe em uma
rede tradicional de restaurantes e passou também pelo Astrid
& Gastón, considerado no ramo gastronômico como um dos
melhores restaurantes do mundo. Para o dono do Macondo a
vida de cozinheiro é tudo.
— Cozinhar é uma forma de vida e 90% das minhas ami-
zades são de cozinheiros. Acho que da engenharia foram
poucas amizades que ficaram, estão aí, mas a gente não con-
versa muito. A gente tem mais contato com os cozinheiros.

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Sempre tem conversa do tipo “Estou fazendo isso; tem esse


evento; vou viajar para outro lugar”. Acredito que a cozinha
está comigo 24 horas [por dia], acordo pensando na lista de
compras, novo cardápio, eventos e vou dormir refletindo na
cozinha, na empresa e de como melhorar.
Um dos destaques da sua cozinha e/ou de qualquer co-
zinha colombiana são as arepas — uma espécie de tapioca
colombiana. Em São Paulo existem adaptações para deixar o
prato mais “acessível” ao paladar dos brasileiros.
— Você a encontra em cada esquina. É como uma tapioca
mesmo. De manhã você consegue comer. Tem doce, salgada,
pequena. Nos restaurantes “chiques” você encontra peque-
na, já nas ruas [encontra] gigante. Ela está super presente
na gastronomia colombiana. A gente tenta oferecer a maior
quantidade de produtos. Estamos fazendo agora linguiça
colombiana e chouriço. Somos pioneiros em fazer algumas
preparações típicas. Por exemplo, pelo fato de ninguém tra-
balhar com frutas colombianas, corremos o risco de trazer
essas frutas e fazer eventos típicos. Para mim, é como um
sonho mostrar isso na rua. Eu corri atrás, fiz o forno e deu
certo. Não são pratos que você consegue fazer na sua casa ou
no dia a dia. Nos eventos colombianos a gente tenta levar es-
sas coisas que não vamos encontrar em qualquer lugar e nem
todo mundo quer fazer.
Nosso entrevistado ainda se mantém na mesma postura
inicial: sentado e com os braços cruzados, porém, agora ao
falar, passa a gesticular mais com as mãos. A temperatura
cai ainda mais e o espaço que antes estava muito vazio, dá
os primeiros sinais de que a noite está apenas começando. É
perceptível o aumento de casais bem agasalhados que passam
para lá e para cá procurando o melhor lugar para comer.

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— Eu acho que além de ser cozinheiro tem que ser pesqui-


sador. Agora estou fazendo parte de um projeto que se chama as
Raízes na Cozinha, que trabalha com imigrantes e refugiados.
Teve um evento e eu levei um bolo que a gente fala que é três lei-
tes e lá tinha uma mexicana que disse: “Mas também temos esse
bolo, é típico nosso”. O cubano falou: “A gente também tem, mas
colocamos morango”, então tem que pesquisar. No Brasil tem
a queijadinha mineira, por exemplo, você procura no Google
e aparece como sendo típica do Brasil e a gente tem lá [na Co-
lômbia] e é a mesma coisa. Lá, se você procura é tipicamente co-
lombiano. Toda a América Central tem a mesma sobremesa, só
muda o nome, mas todas são típicas de cada região de um país.

O novo Acordo de Paz


A guerra civil colombiana e, consequentemente a questão
dos refugiados, se inicia com problemas estruturais desen-
cadeados desde a colonização espanhola e posteriormente
pelos países dominantes. Nos últimos cinquenta anos a Co-
lômbia faz parte do noticiário jornalístico e um dos gran-
des traumas do país é relacionado às guerrilhas armadas. O
conflito, que é o mais duradouro do continente americano,
espanta pelo grande número de vítimas. Segundo dados do
Centro Nacional da Colômbia para a Memória Histórica, nos
últimos 30 anos, 46.383 mil pessoas “desapareceram” e outras
29.682 foram sequestradas. Já o número de vítimas fatais é
de 260.00 mil mortes, sendo que a maioria são de civis. Essa
é uma cicatriz difícil de fechar pois muitos colombianos se
viram forçados a deixar seu país e procurar por abrigo em
diversos países pelo mundo. Após tantos anos de conflitos e
mortes por conta dessa guerra, parece que a Colômbia come-
ça a enxergar uma luz no fim do túnel.

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Em novembro de 2016, após a realização de um referen-


do, o governo e os líderes das FARC firmaram um acordo de
paz. A questão divide opiniões entre os que são a favor e os
que são contra. A ONU (Organização das Nações Unidas)
enviará mais de 450 observadores para fiscalizar o desar-
mamento, segundo dados da Missão da ONU na Colômbia.
Questionado sobre o que pensa desse acordo de paz, Jair en-
xerga o tema com cautela.
— O acordo de paz tem coisas boas. Tem coisas que ao
meu modo de ver estão erradas, mas assim, para mim, eu pre-
firo as FARC brigando com palavras do que usando armas, é
mais vantajoso para todo mundo. Eu não gostaria de ver eles
no governo dirigindo o país, pois eu sei que seria mais para o
lado do comunismo/socialismo, e esse tipo de política não deu
certo em nenhum país, em nenhum lugar, então acho que se-
ria muito triste que a Colômbia chegasse ao ponto de um [go-
verno] comunista/socialista. Não tem futuro. O acordo ajudou
um pouco. Os grupos armados ainda continuam, isso é a fonte
de renda deles e é muito difícil isso acabar.

E para finalizar…
Nesse momento sentimos que precisamos nos apressar,
afinal, a noite está só começando para os funcionários do
Macondo – Raízes Colombianas. Fizemos a pergunta final
que pode parecer muito ampla, mas a intenção é que ela seja
para não limitar a resposta.
O que é a vida para você?
— Eu acho que é procurar a felicidade. O eu que mais
procuro é ser feliz. Minha cozinha me faz feliz, minha espo-
sa, o grupo que eu trabalho que está comigo, então se não
mudar é isso. A vida tem altos e baixos. Tem dias que a gente

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fica irritado, acha que não vai dar certo com o negócio, mas
sempre vamos em frente. No projeto Raízes da Cozinha tem
congoleses, haitianos e sírios que estão começando, então, eu
falo para eles: “Eu comecei com um investimento de R$ 6.000
e agora eu não vendo por menos de R$ 90.000, isso em três
anos, então tem como dar certo se você fizer as coisas com
paixão”. Muita gente fala que é sorte, mas sorte é você acordar
às seis horas da manhã. O filho da Liliana Patricia trabalhou
comigo e ela está no projeto também. Daniel Sebastián foi
meu primeiro funcionário. Ficou comigo por oito meses. Eles
começaram aqui embaixo [próximo a rua Augusta] em uma
bike, aí deu certo e procuraram por mais eventos.
A entrevista chega ao fim. Cumprimentamo-nos e agra-
decemos. Jair Abril Rojas se levantou em um solavanco e per-
guntou se não queríamos experimentar nada de seu foodtruck,
agradecemos mais uma vez e nos despedimos. O relógio mar-
cava 19h15. O aplicativo de temperatura do celular indicava
16º graus de uma São Paulo predominantemente nublada. O
Calçadão Urbanoide começava a encher ainda mais de gente.
As lâmpadas, que vistas de longe se assemelham às grandes va-
galumes, foram acesas para iluminar a noite que estava só co-
meçando em uma das ruas mais badaladas da capital paulista.

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O BRILHO NO OLHAR E O
SABOR DOS QUITUTES DE UMA
COLOMBIANA PAULISTANA
29
A
mbiente alegre: dança, música ao vivo, tendas com pe-
ças artesanais e comidas para todos os gostos. O horário:
16h. O espaço: Armazém da Cidade - Vila Madalena,
bairro da Zona Oeste de São Paulo. Lá estava ela, trabalhando,
na correria. E uma fila imensa, só para degustar das suas arepas
- comida típica colombiana feita de milho moído. Seu nome,
Liliana Patricia Pataquiva Barriga, trinta e oito anos, cozinheira
e colombiana de Bogotá. Uma baixinha, parruda, com a cara de
esforço (ao produzir seus quitutes) e com um sorriso nos olhos.
Sem tempo para dar atenção, quem recebia os clientes era
seu marido, Cesar Giovanny, de trinta e seis anos, também
colombiano. O trabalho era ininterrupto e provavelmente a
nossa conversa com eles seria tarde da noite. Mas o acaso aju-
dou: acabou a energia elétrica. E assim se deu a entrevista, à
luz do celular. O paradoxal das luzes e escuridão, então, pas-
sou a dimensionar outra realidade, a de Bogotá, da incandes-
cente infância de Liliana e do apagão que a fez vir ao Brasil.

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A terra natal
Liliana morava com os seus pais, no bairro tranquilo de Tu-
nál, na capital colombiana. Sempre brincava pela rua, de amare-
linha e esconde-esconde. Na escola, lembra como era feliz com
suas amigas, em tempos em que não havia smartphones.
— Minha infância foi muito boa. Eu morava com o meu
pai e com minha mãe e irmão. A gente tinha comodidade,
não era muito luxuosa, mas era muito boa. Tinha meu quar-
to, minha televisão. Estudei na escola do governo. Ainda era
inocente e não tinha o que tem agora, com a internet. Eu era
muito feliz com as minhas amigas, brincando, conversando.
Muito mais tranquilo que os jovens de agora.
A época encantada foi embora bem cedo para ela. Aos 15
anos engravidou de Daniel Sebastián. Logo teve que traba-
lhar. Começou fazendo faxina em apartamentos e as pessoas
até a deixavam levar o filho para o local de trabalho. Depois
foi para o shopping em uma loja de roupas. Chegou a traba-
lhar por dez anos no mesmo lugar.
Durante esse período começou a juntar dinheiro para o
próprio negócio e conheceu seu marido Cesar. Logo decidiram
montar um pequeno restaurante de arepas em Bogotá. De olho
na concorrência, Liliana inovava no seu cardápio com cachor-
ro-quente, frango assado e até uma máquina de vídeo game
que alugavam por hora. Em anos de trabalho, a família con-
quistou certas regalias. Tinham até um carro Corsa compacto.
Os negócios iam muito bem, porém por um alto custo.
Mesmo sem revelar nomes, Liliana se lembra do “problema”.
Grupos armados começaram a pedir uma “multa” mensal-
mente para o casal trabalhar no local. Não sabiam que o ter-
ritório era dominado pelo grupo. Depois de anos ali, amea-
çaram sua família. Isso era o ano de 2013.

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ELLEN VISITÁRIO, JACKSON VASCONCELOS E MAURO BALHESSA

— Depois disso, começou o nosso problema. Pediam pro-


pinas para nós. No começo, cinco, seis anos, você paga 50,
depois já estava pagando 2 mil. Aí não, aí ninguém trabalha.
Falamos que não íamos pagar mais. Quando a gente começou,
não sabíamos nada disso. Foram doze anos trabalhando assim.
Você desanima. Falei para o meu esposo que não era justo.
Trabalhávamos à noite, acabava três, quatro horas da manhã,
com toda a família trabalhando. A partir disso, começaram a
ameaçar meus filhos, minha família e tive que sair.
Um dia chegou um livro em sua casa chamado de sufrá-
gio com a imagem de Cristo e nomes, que na prática são de
1

pessoas que morreram. Era o nome dos seus filhos. Então, o


casal pegou os meninos às três da manhã e fugiram só com as
roupas do corpo e com a cadelinha que tinham.
Foram procurar abrigo nas casas de familiares, distantes
do perigo. Mas eles os ajudaram por pouco tempo. Cesar,
depois, conseguiu um trabalho de manobrista. Mas sempre
ficava com receio que o reconhecessem na rua. Foi quando
um amigo indicou o Brasil para morarem e deu as passagens.
Liliana veio primeira, depois a família.
— Então teve um amigo que falou “por que não vai para o
Brasil?” Eu não sabia se aqui falava português, se falava fran-
cês, só falei: eu vou. Aí ele disse: “A única coisa que eu posso
fazer é te dar a passagem para você ir”. Falei para a minha
família ‘eu vou primeiro para ver e depois a gente resolve”.

A igreja anfitriã
Ela foi recebida por um projeto da Igreja Nossa Senhora da
Paz chamado Missão de Paz, que fica na rua Glicério, Liberdade.

1  Livro que uma pessoa recebe anonimamente como uma ameaça de morte

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REFÚGIO

Lembra-se da ajuda do padre Luiz, também colombiano, que


dava cesta básica e sempre auxiliava a procurar emprego. Come-
çou a trabalhar sem documentos. Dois meses depois veio Gio-
vanny, que conseguiu trabalho em um restaurante colombiano.
Não conheciam nenhuma instituição que pudesse ajuda-los,
além da igreja. A adaptação no começo foi difícil.
— Tinha gente que falava: ‘traz alguma coisa’. E eu não
entendia. Pensava: “Hã!? Só um minutinho”. E perguntava
para o meu chefe. Era difícil porque as pessoas falam rápido.
Uma coisa que ajudou muito também foi ver televisão. Nos
acostumamos. Não falo direitinho, mas entendo bem. Fica-
mos no centro, perto do Glicério, que tem uma colônia de
colombianos por lá. Tinha uma senhora que não me pediu
para deixar adiantado o aluguel (tem lugares que tem que
deixar até um ano para alugar). Ela me deu cama, televisão,
geladeira, mobília. A maioria me recebeu muito bem aqui no
Brasil. Acho que uns 98%.
Noutro momento trouxeram o filho maior que também
deu uma força em casa. Chegou a trabalhar no foodtruck Ma-
condo, dirigido pelo conterrâneo Jair. Daniel trabalhou por
oito meses lá. A família se uniu e passou a ter um objetivo:
empreender aqui no Brasil. Inicialmente, claro, com um apa-
rato mais humilde. Pensaram, então, em fazer uma foodbike
com comidas colombianas. Deu certo durante um período,
mas chegou um momento que não estava compensando. Re-
solveram encostar a bike. O preço que se pagava para ir aos
eventos era muito caro.
— Em dezembro eu fiquei pensando: a gente deve, tem
dívidas, não comprou nada, não tem colchão, não compra-
mos roupas. Vamos mudar. Parar com a bike e trabalhar de
verdade. Então, a menina do Armazém deu uma oportunida-

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ELLEN VISITÁRIO, JACKSON VASCONCELOS E MAURO BALHESSA

de para a gente. Desde janeiro estou trabalhando aqui. Aqui


está melhor e é fixo. É um espaço bom.
Em 2016 passaram a ter um espaço no Armazém da Cidade
para vender suas arepas. Começaram com a frequência tímida,
uma vez por mês. Agora tem arepas por lá toda semana — sexta,
sábado, domingo e feriado. Mesmo com a lojinha, Cesar tem o
emprego de chapeiro durante a semana, em um restaurante na
Sé. Liliana produz arepas e chips de banana todos os dias e seu
filho maior também trabalha para auxiliar nas despesas.
As arepas são populares na Colômbia e consumidas no
café da manhã, almoço e jantar. O prato é composto, basi-
camente, por farinha de trigo, sal e água. O quitute pode ter
recheios como carne e queijo.

Trabalho, trabalho e trabalho!


Atualmente, Liliana permanece no país pelo chamado
Acordo do MERCOSUL, menos burocrático que o pedido de
refúgio. Sua documentação permanente custa mais de R$ 400
e ela não tem como pagar. Independente disso se reconhece
brasileira e vive bem por aqui. Ela almeja objetivos e conquis-
tas no país e critica quem não vai atrás de emprego.
— Se eu fico chorando e falando que eu não consigo, eu
não tenho como sobreviver no Brasil. Eu morro de fome.
Se eu corro atrás, acontece. Claro que eu tive muita ajuda
de brasileiros. Mas se tiver gente que fala que no Brasil não
tem emprego é mentiroso. É encostado. Aqui tem muito be-
nefício. Meu esposo se inscreveu num site na terça, no dia
seguinte já estava trabalhando. Meu sonho agora é comprar
minha casa, ter minha loja, ver meus filhos bem.
Apesar da ajuda que o casal teve, alguns brasileiros che-
garam a ser maldosos, fizeram “brincadeiras” pejorativas.

35
REFÚGIO

Liliana, por exemplo, chegou a ser questionada se pertencia


à família do conhecido traficante colombiano Pablo Esco-
bar ou se na arepa tinha cocaína. Liliana, geralmente, levava
na brincadeira, mas tinha dias que ficava chateada.
Questionada sobre Acordo de Paz realizado em 2016, fei-
to entre o governo colombiano e as FARC, Liliana vê que é
só engano para a população. Que se trata de uma brincadei-
ra. Afirma que o presidente Juan Manuel Santos acabou com
a Colômbia e vendeu empresas estatais. Apenas pessoas que
são muito ricas estão satisfeitas com o governo. Liliana não
tem saudade do seu país e não quer voltar. Cogitou, quando
as coisas estavam ruins, em ir para a Argentina. Mas para ela
o “clima” aqui é bom.
— Saio à noite, vejo gente na rua. Na Colômbia é dife-
rente, às sete, oito horas da noite todos já estão em casa, com
medo. Apenas sinto falta da minha mãe, para mim dói muito
não vê-la. Você lembra e dói. Mas mesmo assim eu não vol-
taria para Colômbia.
O que voltou mesmo foram as luzes no Armazém da Cida-
de. Todos já tinham ido embora. Mas, para Liliana ainda havia
muito trabalho. Após esse dia, a colombiana conquistou um
espaço maior no Armazém da Cidade e conseguiu uma parce-
ria com o Uber Eats — aplicativo delivery de comida.

36
UM SOPRO DE ACALANTO, UMA
MISSÃO DE PAZ

Nós acreditamos, falando religiosamente, que é o
rosto de cristo que nos visita. Na tradição bíblica di-
zia-se que os mais vulneráveis eram: os estrangeiros,
as viúvas e os órfãos. O grupo dos três mais fracos que existem
na sociedade. Nosso trabalho aqui é que possam se integrar na
nova terra, conservando um pouco a identidade, mas também
entrando em diálogo com o novo lugar. Aqui em São Paulo exis-
tem mais de trinta igrejas católicas com línguas diferentes.
Na época foi o Padre Luiz que ajudou Liliana Patricia Pata-
quiva Barriga, atualmente quem está à frente do trabalho com
os imigrantes é o mexicano Alejandro Cifuentes. Oriundo de
Guadalajara, a figura atenciosa e paciente explica o trabalho
exercido na igreja Nossa Senhora da Paz — situada na Rua
Glicério, 225, bairro da Liberdade, em São Paulo. A missão da
igreja é oferecer apoio aos imigrantes com diferentes serviços.
Primeiro há um atendimento especial para as pessoas
que chegam à chamada Casa do Imigrante — são 110 vagas

41
REFÚGIO

principalmente para pessoas que estão em situação de rua –


a maioria é de africanos. Depois tem o Centro Pastoral e de
Mediação dos Imigrantes com diferentes eixos, que trata a
questão de emprego, cursos de capacitação, documentação,
jurídico, assistência social e atenção médica.
Outro departamento é o Centro de Estudos Migratórios
que funciona na parte de cima da igreja e trabalha em parce-
ria com a USP (Universidade de São Paulo), PUC (Pontifícia
Universidade Católica), UFRJ (Universidade Federal do Rio
de Janeiro) e UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
O espaço funciona como um laboratório para pesquisadores,
juntamente com uma biblioteca especializada em migração.
— Entre os latino-americanos há muitos bolivianos, pa-
raguaios, peruanos, colombianos, chilenos e haitianos que
vêm pela documentação, então há uma variedade grande de
países e nacionalidades. Geralmente procuram emprego, de
terças e quintas. São cerca de 300, 400 pessoas atrás de em-
prego, são dois dias na semana que tem muitas pessoas.

Rede Internacional
O Padre Alejandro explica que a congregação em que a
igreja atua funciona como uma rede internacional. Ela está
integrada com mais de trinta e cinco países e outras regiões
do Brasil que fazem o mesmo serviço. Muitos escolhem a ci-
dade de São Paulo porque é um lugar grande e com oportu-
nidades de trabalho e estudos.
— Com as outras igrejas existe a comunicação que facilita
muito o nosso trabalho, por exemplo, muitos colombianos
vêm por Manaus e descem para São Paulo, por isso temos
uma casa em Cuiabá, mas geralmente eles vêm com o destino
direto para São Paulo, Porto Alegre e Curitiba que tem outros

42
ELLEN VISITÁRIO, JACKSON VASCONCELOS E MAURO BALHESSA

centros. O pessoal vem para cá porque vai se dar mais fácil, se


quer estudar alguma coisa ou encontrar um trabalho.
Em relação aos refugiados colombianos, Alejandro expli-
ca que podem ser divididos em dois grupos grandes. Um an-
tigo que veio com o status de refugiado antes de o país criar o
documento intitulado de “Acordo do MERCOSUL”. Estas são
pessoas muito desconfiadas entre elas mesmas. E, agora, este
sistema é um processo de documentação mais simples, sem
muitas exigências. Imigrantes de forma geral utilizam-na. O
documento com o status de refugiado é burocrático, demora
muito tempo para sair e pode ser aceito ou rejeitado. Atual-
mente a maioria vai diretamente para o MERCOSUL.

Doações
A igreja é ajudada apenas pela sociedade civil e por fiéis.
Não há nenhuma entidade que auxilia os trabalhos. O padre
afirma que dez anos atrás tinham uma parceria com a Pre-
feitura de São Paulo, entretanto o debate sobre migração era
diferente. Recebia-se o imigrante como se fosse um morador
de rua, que precisava de um lugar para ficar.
— Tivemos mais de duas mil contratações de emprego.
Apesar da crise neste ano, nós temos tido alguns encaminha-
mentos, em média setenta por mês, uma luz para nós. O pes-
soal confia, são os mesmos empresários. Existe a confiança
daqueles que vêm aqui para que sejamos os mediadores nesse
processo. É um trabalho muito sério para não expor ninguém.

União da Comunidade
A comunidade colombiana realiza anualmente duas festas
na igreja: uma é da independência, em 20 de julho, e outra
em 07 de dezembro, quando é feita uma celebração única no

43
REFÚGIO

mundo que é a “Noite das Velitas”, uma vigília. Com cada país
são realizadas diferentes festas e momentos. Como são muitas
nacionalidades que aparecem, aqui é um lugar de festa.
De acordo com Alejandro, essa é uma forma de conservar
a identidade.

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OS TRÊS AMIGOS COLOMBIANOS
NO PAÍS DO CARNAVAL

É aqui na igreja do Glicério que encontro minhas
raízes. Estou ao lado de gente que fala o meu idio-
ma e isso me dá a chance de matar a saudade do
meu país!
No auge dos vinte e seis anos, o jovem Miguel Angel Me-
nezes, sentado entre dois amigos em um banco de madeira de
igreja que fica ao fundo de becos e vielas do bairro Liberda-
de, conta que são nas festividades da Paróquia Nossa Senhora
da Paz que ele tem a oportunidade de voltar a falar a língua
espanhola para se sentir mais próximo de onde nasceu.
Criado pelos pais e na companhia de cinco irmãos na cida-
de mais popular do Norte de Santander, na Colômbia, Miguel
guardou para si a vontade de morar no Brasil ainda na infância.
— Desde criança via aqui a chance de crescer e sonhava
com o dia que conheceria a capital paulista. Mas meus pais
eram contra a essa minha decisão. Achavam o Brasil um lu-
gar perigoso. Acreditavam somente naquilo que viam na TV!

49
REFÚGIO

Para o alto e vaidoso rapaz que ignorava os estereótipos


construídos para desestimular a sua ideia de morar em um
país tropical não o abateu. Nem quando se viu, em meio ao
último verão quente e abafado, dormindo num sofá de uma
sala estreita na zona norte de São Paulo.
— Juntei dinheiro suficientemente para viajar ao Brasil pela
fronteira. Naveguei de barco pelo Rio Amazonas e do aeroporto
de lá peguei um avião com destino a São Paulo. Foi uma viagem
cansativa e longa, duraram horas desde que saí de Letícia, na
Colômbia. Mas cheguei! E estou aqui desde março de 2017!
Embora o entusiasmo esteja estampado nas falas de Mi-
guel, as dificuldades apareceram quando ele percebeu que a
língua portuguesa era um empecilho para se identificar. Po-
rém, notou que teria que agir para saber como recomeçar em
um país diferente do seu, então decidiu aprender o segundo
idioma em aplicativos de celular.
— Escrever a língua daqui é bem melhor do que falar.
Vocês tem muito “ão” nas pronúncias. Difícil seguir o ritmo
de vocês, brasileiros!
Sentado ao seu lado esquerdo, concordando com a mes-
ma dificuldade de Miguel, estava o tímido Luis Alfredo Va-
lencia. Nascido em Pereira, cidade que mais produz café na
Colômbia, o menino de vinte três anos tenta acertar cada pa-
lavra em português.
— Tenho que concordar com o meu amigo Miguel sobre
o idioma português. É complicado!
Complicado porque fazia menos de uma semana que Luis
pisava em solo brasileiro, assim como o seu primo Juan Se-
bastian Castaño, sentado ao lado direito de Miguel. Ambos
conheceram o “veterano” pela internet. E ali trocavam men-
sagens para combinar como seria a vinda ao país do carnaval.

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ELLEN VISITÁRIO, JACKSON VASCONCELOS E MAURO BALHESSA

— Vim ao Brasil na intenção de estudar português —


conta Luis, atento para errar o menos possível do que sabe
sobre o idioma.
Os familiares de Luis e Juan também não apoiaram a de-
cisão de vir ao Brasil porque para eles não passaria de uma
loucura juvenil.
— O Rio de Janeiro é o Brasil completo para minha mãe.
Quando contei que iria morar em uma capital brasileira, o
medo dela não diminuiu — desabafa Juan.
Os três amigos, que vieram ao Brasil com registro tem-
porário em Acordo do MERCOSUL, sentem saudades da
Colômbia. Juan até destacou como se impressionou com os
nomes das ruas do Centro de São Paulo.
— É engraçado tentar ler os nomes extensos das ruas da-
qui. Na cidade que eu e Luis morávamos, na Colômbia, as
ruas tinham nomes de números. Eram mais fáceis para iden-
tificar o trajeto.
Tanto Pereira quanto Cúcuta são cidades mansas no sen-
tido de não presenciarem as guerrilhas das FARC. Os jovens
colombianos disseram que, diretamente, não sofriam a re-
pressão gerada pelos grupos armados, mas também não sen-
tem saudade do parlamentarismo que presenciaram enquan-
to habitavam o país colombiano.
— Eu perdi amigos para as FARC. É um caminho que,
basicamente, não tem volta para quem trafega por ele! — fi-
naliza Miguel, que em seguida, olha para os amigos com a
certeza do que estava falando.

51
MINHA CASA É ONDE OS MEUS
AMIGOS ESTÃO
F
oi através do vídeo: “Daniela, a colombiana que fugiu
dos paramilitares”, postado no canal CartaPlay, no
Youtube, que tivemos conhecimento de uma mulher
refugiada no Brasil há quinze anos. O contato com Daniela
Hernandez Solano, 28 anos, foi realizado inicialmente atra-
vés de WhatsApp. Após explicarmos sobre que o livro-re-
portagem trataria, ela disse que nos ajudaria e marcou um
encontro às 18h00 do dia 24 de agosto de 2017. Para nossa
surpresa, ela passou o endereço de sua residência que fica a
dois quarteirões do Metrô Vila Mariana.
Chegando ao apartamento de Daniela sentimos que ela é
uma pessoa muito receptiva. Muitos dizem que existe certa
“irmandade” entre os países da América Latina e que isso não
se aplica muito ao Brasil, e por alguns momentos tivemos a
chance de sentir um pouco desse sentimento.
A atriz e professora de espanhol usava um visual que com-
binava com sua personalidade descolada: calça moletom preta,

55
REFÚGIO

blusa capuz preta escrito: New York Jazz Ska+Jazz assemble,


tênis Adidas cinza com cadarços e listras em azul. A decoração
do local onde foi realizada a entrevista é muito simples: pare-
des brancas, sofá com capa marrom, uma mesa preta no meio
da sala com duas conchas e um vaso de flores em cima, dois
colchões no chão, cobertos com um lençol com a estampa de
Ganesha (Deus Hindu) e o chão de tacos de madeira.
Daniela sentou-se no sofá cruzando uma de suas pernas
enquanto a outra tocava o chão. Ao lado, uma amiga a acom-
panhava na entrevista. Como não poderia ser diferente, a re-
fugiada começa a falar como foi ser criança na Colômbia.

Infância na Colômbia
— Nasci em Ibagué, região que fica a quatro horas de Bo-
gotá. A minha infância e pré-adolescência, que é o período
mais marcante que lembro na minha memória, é onde mo-
rei, um povoado que se chama Silvia, no departamento de
Cauca, perto de Cali. Minha infância foi muito gostosa, mas
as coisas que nós fizemos geraram um amadurecimento fora
da idade, e que hoje tem suas consequências. Tive que ser
uma adulta, [mesmo sendo] totalmente criança. Meus pais
tinham uma questão espiritual porque eles trabalhavam com
indígenas, por isso, a ligação com a natureza era muito forte.
Por parte da minha família, a gente é protestante. Eu não me
considero, mas crescemos num meio Protestante Anabatista
— que rejeita o batismo nas crianças —, mas meus pais ape-
sar de viverem disso, seguiam muito a teologia da libertação,
uma coisa mais à esquerda. Tem, hoje em dia, muito a ver
com o pensamento do Paulo Freire. Eles sempre foram muito
abertos para a questão energética e da natureza. Não cresce-
mos numa família “quadradinha”.

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ELLEN VISITÁRIO, JACKSON VASCONCELOS E MAURO BALHESSA

A jovem explica que sua família vivia em dois lugares di-


ferentes: em sua casa e em uma reserva indígena. Também
disse que, quando era criança, não chegou a frequentar uma
escola como todo mundo. Ela tinha aulas em sua casa em um
estilo de educação alternativo que remete ao filme Capitão
Fantástico, de 2016.
— Morávamos numa casa que tinha um quintal gigante e
era virado para uma montanha. A gente sempre ia para o que
chamávamos de “resguardo”, que seria a reserva indígena. Isso
da minha infância era o mais legal poder ir e vir, além da cone-
xão com a Pachamama [mãe natureza]. Tínhamos horta em casa
e lá nos indígenas também tinha horta, então a gente aprendia
a plantar e colher. Não fomos para a escola essa época porque
quando a gente morava em Bogotá, eu e minhas irmãs estudáva-
mos em uma escola super alternativa. Quando a gente foi para o
povoado só existia escola de freiras e padres, e meus pais nunca
gostaram muito desse tipo de educação, então eles não botaram
a gente na escola. Teve uma época em que minha mãe ficou res-
ponsável pelos estudos e depois uma amiga de uma escola onde
a gente estudava na capital veio morar com a gente e nos dava
aula. À época que mudamos para o povoado, eu tinha sete anos.
Fiquei lá dos sete aos doze. Por isso acho que crescemos antes da
idade. Eu com onze, doze anos me achava “supergrande”.

Aprendizado com amigos


Após um tempo a colombiana passou a andar com pes-
soas de mais idade e, consequentemente, seu amadurecimen-
to se formou ainda muito precoce. Desde muito cedo ela teve
forte contato com a cultura.   Em uma de suas estantes na
sala é visível a grande quantidade de DVDs e títulos de livros
como: Olga, Tristão e Isolda e O Mundo de Sofia.

57
REFÚGIO

— A gente começou a deixar de lado o pessoal do bairro


e passamos a se enturmar com uma galera de 17, 18 anos e
formamos um grupo que se chamava La Calle, homenagem a
um cara assassinado, que era um humorista e crítico incrível,
Heriberto de la Calle. Fazíamos saraus, cozinhávamos, escre-
vemos poesia, começamos a ler livros e descobrir Che Gue-
vara, Fidel e nos achávamos mega revolucionários. À época,
eu gostava de Pablo Neruda e do Víctor Jara. Depois começa-
mos a discutir política. Tinha uns amigos que queriam lutar,
não pelo exército, mas por outras frentes. Foi muito legal,
mas o saldo que isso deixou foi um amadurecimento muito
de supetão que forma o que eu sou hoje em dia, mas que no
psicológico fica: “Não, você não deveria ter feito isso”.

Ameaça à vida
Daniela diz que sua história é baseada no que ela criou
com o decorrer dos anos e as informações que adquiriu du-
rante a sua infância, por isso sua versão pode não ser total-
mente fiel aos fatos. Ela deixa claro, rindo, que é a interpre-
tação do que viveu.
— Pelo que eu sei meus pais sofreram ameaça das FARC,
pois a região que a gente morava era uma “zona vermelha” de
conflito armado normalmente dominada pela guerrilha, na
Cordilheira Ocidental, mas tinha conflito com os paramilita-
res AUC [Autodefensas Unidas da Colômbia] que são os la-
tifundiários. Eu vou bipolarizar. A guerrilha nasceu nos anos
de 1950 como movimento de camponeses exigindo reforma
agrária e representação política que não deu certo, então se
levantaram em armas. Ela vem de um cunho mais socialista,
de esquerda, mais dos oprimidos. Surge também, não estou
defendendo, as AUC que são, ao meu modo de ver, grandes

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ELLEN VISITÁRIO, JACKSON VASCONCELOS E MAURO BALHESSA

latifundiários, senhores das terras, capatazes e histéricos para


defender as terras. Então tem essas duas frentes e obviamente
a AUC, muito apoiada, eu ouso a dizer: faz o trabalho sujo
dos militares e do governo. Tanto o narcotráfico é apoiado
hora pela AUC, hora pelas FARC. Os dois traficam, só que
um é mais de direita e o outro é mais de esquerda e um tem
apoio dos governos que se perpetuam no poder.
Perguntamos à Dani sobre a existência de outros grupos
armados na Colômbia, ela continuou:
— Tinha o M19 (que se extinguiu há muito tempo). É
a história de um padre que se levanta em armas e é morto
covardemente. Tem o ELN [Exército de Libertação Nacio-
nal] e as FARC. Essas são as três frentes guerrilheiras mais
fortes da Colômbia. Do lado de cá tem as AUC. Não estou
defendendo nenhum dos lados, mas pelo que me contam,
houve um tipo de negociação com a guerrilha para que não
tirassem certas coisas, como a liberdade de ir e vir dos meus
pais na região indígena. Meio que se fechou um acordo que
eles respeitariam esse trabalho, então a priori a gente não
tinha mais problema com a guerrilha. Para andar na região
tínhamos carta branca. Nas estradas de terra sempre te pa-
ram e você pode um dia “sumir”. Depois de um tempo meus
pais foram ameaçados pelos paramilitares. O trabalho que
eles faziam devia ser muito estranho, provavelmente acha-
vam que meus pais estavam aliados a guerrilha, então uma
época eles ameaçaram e a gente teve que sair do povoado.
Fui para a cidade onde eu nasci, ficamos na casa da minha vó
quase seis meses. Meu pai ficava indo e voltando e as coisas
acalmaram e [posteriormente] a gente voltou para o povoa-
dinho. Meu pai se candidatou para a prefeitura do povoado.
A diversão cresceu ainda mais.

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REFÚGIO

Fugindo da Colômbia
A situação começou a complicar para a família Solano
e o medo consumia cada vez mais os pais da colombiana.
Daniela tem uma tia casada com um brasileiro e que mora
em Alphaville — região nobre pertencente ao município de
Barueri situado no Estado de São Paulo — que aproveitou o
aniversário da irmã e a convidou para passar férias por quin-
ze dias no Brasil. Elas não se viam há algum tempo e sua mãe
— exausta — veio, enquanto eles continuaram na Colômbia.
— Nesse meio tempo meu pai sofreu ameaça de novo e a
gente teve que ficar viajando. Ele falou: “A gente vai visitar a
tia”. Ele adorava viajar de madrugada, e era mais seguro. Eu
sabia que tinha gente que estava de olho no meu pai por causa
da candidatura dele, muita gente não tinha gostado, muitos
indígenas apoiavam. Mandaram uma pessoa dos paramilitares
vigiar. O cara sempre ia em casa e era muito gente fina, se cha-
mava Davi, ele tinha um irmão da guerrilha. Esse cara passava
em casa e ficava conversando com a gente, até que falaram para
o meu pai tomar cuidado: “Esse fulano está proibido, vocês
não abrem a porta quando ele vier”. Davi chegava e dizia: “Oi,
narizinho! Como você está?”, e em seguida a gente falava: “Mi-
nha mãe não tá, meu pai não tá”, fechando a porta. Um tempo
depois esse cara foi morto, balearam ele e o irmão. Ele era teo-
ricamente um informante. Na data da minha mãe chegar fize-
mos um cartaz de boas vindas e ela não veio. No dia seguinte
minha tia falou: “Seu pai vai falar com vocês”, e meu pai disse:
“Sua mãe está atrasada! Eu vou chegar com ela aí em dois dias”,
ele chegou, e minha mãe não: “Se fosse para vocês morarem
fora, vocês morariam no Equador ou no Brasil?‘, aí a gente fa-
lou: “Na Colômbia!”. Ele disse que as coisas não estavam muito
legais e que no Brasil tinha a minha tia, então falamos que se é

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ELLEN VISITÁRIO, JACKSON VASCONCELOS E MAURO BALHESSA

para escolher era melhor o Brasil, ele falou: “A tua mãe não vai
voltar, vocês vão pra lá, não falem para os seus amigos, vamos
voltar para pegar as malas, mas vocês não podem falar nada
por questão de segurança”.
Nossa interlocutora diz que vai decorar sua própria his-
tória, afinal ela já havia discorrido sobre ela com o pessoal da
Carta Capital e para uma estudante de outra faculdade. Danie-
la fala de modo agitado: se expressa movimentando muito seus
braços e destacando algumas palavras ao mudar o tom de sua
voz. Seria essa uma influência de sua formação como atriz? Ela
diz que as coisas aconteceram muito rápido. A primeira quem
veio para o Brasil foi Ruanita Hernández, sua irmã do meio,
enquanto ela e sua irmã mais nova voltaram para o povoado.
— Foi horrível, pois sabíamos que não íamos voltar e
não conseguimos falar nada para os nossos amigos. Foi uma
época muito ruim. Muito chato esse silêncio, esse adeus na
garganta. Lembro que meu pai me deixou trazer alguns brin-
quedos simbólicos, roupas e só. A gente fez com meus amigos
uma cápsula do tempo onde cada um escreveu como se veria
em dez anos e enfiou algum pertence nosso, enterramos e sa-
bíamos que era a despedida. Meu pai levou meus amigos para
dar uma volta com ele sabendo que a gente ia deixar de se ver
por um tempo e não falou que seria definitivamente. Foi bem
ruim, muito chato e aí fomos para Bogotá e nos despedimos
da família, mas ninguém sabia muito detalhe. Eu viajei com
minha irmã mais nova.

Chegada ao Brasil
Ao chegar ao Brasil, Daniela sentiu um choque de reali-
dade, pois achou tudo muito cinza. Como os tios moram em
Alphaville, ela logo percebeu os grandes outdoors e achou a

61
REFÚGIO

cidade muito poluída. Nessa época ainda não existia em São


Paulo a lei Cidade Limpa que regulamenta e ordena a pai-
sagem no município. Isso aconteceu entre maio e junho de
2001/ 2002.
— Nossa vinda para cá foi isso e quando cheguei foi uma
alegria muito grande rever minha mãe, que estava acabada,
magrinha e tinha cortado o cabelo curtinho. Ficamos quase
um mês sem nos ver e ela estava assim, acho que ela envelhe-
ceu tudo que podia em um mês, foi um choque e uma alegria.
Meus tios e primos que eu não os via fazia anos, foi um reen-
contro, fomos acolhidos, mas, mesmo assim, foi muito ruim
porque eu deixei todos os meus amigos. Eu costumo dizer
que minha casa sempre está onde os meus amigos estão, en-
tão eu deixei os meus amigos fazerem parte de uma das épo-
cas mais importantes da minha vida, a fase em que criei meu
pensamento crítico, e mesmo com meus onze ou doze anos.

O recomeço
Por intermédio do Cáritas Brasileira (Entidade de atua-
ção social que trabalha na defesa de direitos humanos), Da-
niela e suas irmãs conseguiram bolsas de estudo nas escolas
Pueri Domus e São Pio X, ambas padrão classe média alta.
Ela disse que ela e sua irmã mais velha se sentiram como um
peixinho fora d’água, mas para Juanita, a caçula da família, a
adaptação foi mais fácil.
— A chegada foi legal, uma descoberta e um reencontro,
mas também um pouco chato por causa do bullying. Hoje
eu consigo falar disso. Dar risada é um jeito de proteção que
se cria psicologicamente. Entrei na escola na sexta série não
sabendo português. Tinha uma menina, filha de uruguaios,
que se tornou minha amiga e me ensinava algumas coisas.

62
ELLEN VISITÁRIO, JACKSON VASCONCELOS E MAURO BALHESSA

Os professores foram muito acolhedores me permitindo


escrever provas em espanhol, mas era uma realidade mui-
to gritante e minhas amigas na época já tinham celulares,
pensavam na festa quando fizessem 15 anos e no carro que
iriam ganhar. Essa realidade era bem distante da nossa. As
crianças são cruéis ainda mais de escola particular, mas não
posso cuspir no prato que comi. Eu passava pelo corredor e
gritavam:  “Eeee colombiana!”. Ou então: “Cadê a coca? Cadê
o pó? Vai chamar a guerrilha?”. Se você é da Colômbia tem
que ter algum parentesco com Pablo Escobar. Mesmo na vida
adulta quando você fala que é colombiana soltam uma piada
infame. Em quinze anos, a única vez que eu ouço elogio fora
do contexto do estereótipo que não seja FARC, foi no caso de
Chapecó. Eu fiquei passada.
Uma pesquisa de 2015 comprova o que muita gente pen-
sa: o Brasil ignora sua identidade latina. Resultados da edição
de 2014/2015 do projeto As Américas e o Mundo: Opinião Pú-
blica e Política Externa confirmam que apenas 4% dos brasi-
leiros se definem como latino-americanos contra uma média
de 43% de outros seis países (Argentina, Chile, Colômbia,
Equador, México e Peru). No Brasil o responsável pela pes-
quisa é o Instituto de Relações Internacionais da USP (Uni-
versidade de São Paulo), que aplicou 1.881 questionários no
país. Daniela conta que essa foi uma realidade que sentiu na
pele ao desembarcar no Brasil.
— Quando eu vejo um argentino ou um peruano sin-
to que ele é meu irmão sangue do meu sangue, sinto uma
conexão e não só por causa da língua. O Brasil se conside-
ra totalmente fora da América Latina e isso é muito notá-
vel. Aqui você sabe a capital dos Estados Unidos, de países
da Europa, e você vem me perguntar se eu sou de Lima?

63
REFÚGIO

[Capital do Peru]. Ninguém é obrigado a saber, não estou


dizendo assim: “vá se informar!”, mas por que os brasilei-
ros sabem as capitais da Europa, e não sabem a “porra” das
capitais dos vizinhos do seu continente. Uma época eu fui
morar no Centro de São Paulo e estudei em uma escola pú-
blica bem roots. Foi muito ruim. Como eu tinha estudado
em um colégio particular, apesar do [meu] português, eu
estava um pouco adiantada, então eu ia muito bem e as pes-
soas começaram a me odiar. A queridinha dos professores,
eu não queria ser ela. Tinha umas meninas muito chatas
que ficaram muito putas e começaram a criar ódio por mim.
Fui e fiquei com um menino que uma delas gostava, me
ameaçaram e tive que sair, fiz B.O e tudo. Essas meninas
andavam com canivete. A gente tinha virado amigo de um
professor na escola particular e ele disse que ia tentar uma
bolsa aqui na unidade de São Paulo. Depois foi todo mundo
no Pueri Domus outra vez. Fiz até o colegial lá. A questão
do dinheiro era super berrante. Eu não recebi o diploma
porque não paguei a colação de grau. Todo mundo da mi-
nha sala recebendo o diploma, menos eu, só consegui entrar
na cerimônia porque um amigo e uma amiga pagaram para
eu poder ir. Na festa também.
Após quase duas horas de conversa, nossa entrevistada
demonstra os primeiros sinais de cansaço físico e mental. Ela
está grávida e falar sobre sua história não é fácil. Antes de nos
despedirmos, Daniela nos trás uma série de fotos recupera-
das recentemente na Colômbia. Ao mostrar rapidamente as
imagens da sua infância, ela abre um sorriso que transborda
nostalgia de uma época que nunca vai voltar. Depois a anfi-
triã nos acompanha até a porta, se despede e volta a ficar a
sós com sua amiga.

64
O projeto Visto Permanente e a
chance de morar na terra da garoa
O Visto Permanente é um website destinado a reivindi-
car a presença do imigrante e do refugiado em São Paulo e
defender que quem vive e trabalha na cidade, tem direito a
trafegar por ela. Como a Daniela Hernandez fez teatro, ela
sempre acreditou que a arte é uma forma de se expressar e
sensibilizar. Ao conhecer um português e uma Luso-Brasi-
leira, que também queriam trabalhar em algo para descarac-
terizar o discurso de que os estrangeiros vêm para roubar o
trabalho dos nativos, traficar e tantos outros estereótipos que
fazem parte da vida dos brasileiros, surgiu ali o embrião do
que seria o Visto Permanente.
O site surgiu no início de 2015 e, desde então, vem fazen-
do o trabalho de propagação da cultura de artistas de diver-
sas nacionalidades. Foi através desse projeto que conhecemos
dois colombianos que vivem em São Paulo e têm como pai-
xão um interesse em comum: a música.
Victoria Saavedra é uma cantora de trinta anos de ida-
de, conhecida nos circuitos relacionados à música latina. Ela
é baixinha, de leve sotaque hispânico, pele morena clara e
cabelos cacheados um pouco acima do pescoço. A colom-
biana veio morar no Brasil em 20 de julho de 2010, a fim de
aprender o português e conhecer mais da cultura e música
brasileira. Ela diz que demorou por volta de três anos para
se adaptar no país e como veio intitulada estudante, ela não
encontrou grandes problemas relacionados a preconceito.
Seu maior entrave foi relacionado à burocracia brasileira em
relação a documentos.
A primeira banda que ela teve em São Paulo se chama Can-
dombá — que faz releituras de várias músicas da América La-
tina e mistura com ritmos brasileiros. Ela também faz parte
da Orkestra K, tocando músicas autorais e fazendo releituras.

68
ELLEN VISITÁRIO, JACKSON VASCONCELOS E MAURO BALHESSA

Atualmente, Victoria está em turnê com seu projeto autoral, o


Remanso entre Raízes, que conta com composições próprias.
Para alguns colombianos estar no Brasil pode ser apenas
uma opção, um refúgio pessoal. É o caso de Aleksey Benavi-
des Rodríguez, também de trinta anos. Ele é cantor, profes-
sor de espanhol e engenheiro químico. Ao estilo básico, galã,
com óculos escuros, sempre atentos ao celular, atarefado. O
músico canta em duas bandas com mote latino: Cambam-
beros e Triptco. A primeira está presente no projeto Visto
Permanente.
Nascido na capital colombiana, Aleksey conviveu com
a música desde o berço. Seu pai veio do departamento de
Santander, uma região musical, e cultivou isso em casa.
Após terminar os estudos, Aleksey buscava novos ares fora
da Colômbia.
Surgiram três motivos que guiaram o cantor para vir ao
Brasil: contava com a ajuda de um primo em São Paulo, uma
Copa do Mundo e o curso musical na Escola de Música do
Estado de São Paulo (EMESP). Então, embarcou para cá. Era
o ano de 2014.
O músico não sofreu preconceitos por ser colombiano.
Apenas não gostava de falar o famigerado “portunhol”. Tra-
tou de aprender a língua portuguesa o mais rápido possível
e resolveu permanecer no país pelo Acordo do MERCOSUL.
Em 2015 apareceu a oportunidade de Aleksey entrar para
o Cambamberos — grupo de doze integrantes que desenvol-
ve danças e músicas populares colombianas. Com mais baga-
gem musical no Brasil criou o Triptico, numa linha de ritmo
dançante latina, como salsa e cúmbia. E o jovem Aleksey é
um multi instrumentista, pois toca violão, viola caipira co-
lombiana e percussão.

69
REFÚGIO

Suas principais influências sempre foram os cantores la-


tinos, de Cuba, da música andina colombiana e bossa nova.
Entretanto, seu forte é a música tropical, como a cúmbia. Na
lista de grandes cantores de Aleksey estão nomes como Totó
la Momposina (Colômbia), Silvio Rodrígues (Cuba), Hector
Lavoe (Porto Rico), Juan Gabriel (México), e os brasileiros
João Gilberto, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Toquinho.

70
A LUTA E O SORRISO COLOMBIANO
QUE VIERAM AO BRASIL

A fé é o que mais me encanta no povo colombiano.
A fé no futuro. Quando mataram todos, mataram
todos os líderes sociais. E você continua lutando...
Eu chamo isso de fé. É acreditar no que você não vê. É não
desistir. Chamaria esperança se você esperasse ver. Mas com
todos esses anos de violência, acho que os colombianos não
esperavam ver mais nada. Agora, uma das coisas da paz é que
não se recupera a tranquilidade, mas se recupera a esperança.
Tantos acordos de paz e não tínhamos esperança. Outra coisa
é a alegria. A fé produz alegria. Nunca perdemos a alegria.
Sempre quando perguntam: “Como você consegue sorrir?”
Respondo que consigo porque sou colombiano.
Às dez e três da manhã em 14 de setembro de 2017 não
marcava apenas a “aula” com Héctor Baez Mondragón, um
senhor de sessenta e três anos, pesquisador, ativista dos direi-
tos humanos, escritor e professor da COGEAE (Coordena-
doria Geral de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão)

75
REFÚGIO

da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo —


onde tem ministrado cursos e o seminário de História dos
Movimentos Sociais na América Latina. Neste mesmo dia
marcaram, de fato, os 40 anos da tortura enfrentada por Héc-
tor frente aos militares.
Entretanto, a data foi mais um dia ensolarado na PUC, si-
tuada no bairro de Perdizes da capital paulista.  Ao adentrar
o novo prédio da entidade podia sentir o cheiro acadêmico.
Os departamentos são divididos por assunto e Héctor fica no
9º andar na sala de História. Seu sorriso de acalanto foi a re-
cepção, completado pelos seus cabelos brancos, ou os que res-
tavam deles. Vestia camisa polo bege, fitinha vermelha estilo
hippie no pulso direito, sapatos de tom marrom escuro e calça
marrom claro. As mãos trêmulas nos convidaram para sentar
em uma mesa imensa e bege. E, com olhares marejados pre-
sentes na sala, inclusive os seus azuis, lembrou-se do passado.

As lutas
Nascido na capital colombiana, residente da cidade grande,
sua luta, seu amor pela luta para o povo, começa cedo, aos doze
anos. A empatia com os movimentos sociais partiu de uma
ação que fazia com um grupo católico da sua escola, em Bogo-
tá — lecionavam para uma população carente local. Quando
esses cidadãos começaram a enfrentar algumas reintegrações
de posse, o grupo também virou partidário às suas causas.
— Íamos para favelas e dávamos aulas aos sábados por-
que todas as crianças perdiam o ano escolar, pois não faziam
as lições de casa. Não tinham onde fazer. Porque em um
quarto morava toda a família. Aos sábados organizávamos
e fazíamos todas as lições de casa da semana com eles. Co-
meçamos como professores e terminamos como militantes.

76
ELLEN VISITÁRIO, JACKSON VASCONCELOS E MAURO BALHESSA

Amávamos essas crianças, amávamos essas pessoas. Éramos


crianças também.
Mais engajado, Mondragón passou a participar do movi-
mento da Central Nacional Provivienda (Cenaprov). E pouco
a pouco foi aprendendo com a perseguição. Na Universidade
Nacional de Bogotá estudava economia e Direito ao mesmo
tempo. A primeira vez que foi preso estava na marcha dos
professores. A Colômbia encontrava-se em estado de sítio —
que duraram quarenta e seis anos. Era uma democracia, mas
não se podiam fazer manifestações. Quem fosse a um ato,
violava a lei.
Depois foi a vez da experiência agrária na cidade de
Barrancabermeja, presente no departamento1 de Santander.
O local era a sede da maior refinaria de petróleo do país.
À época, ocorreu uma perseguição à população que é mui-
to consciente e organizada, segundo o professor. Aconteceu
uma greve dos petroleiros e, em paralelo, também neste ano
de 1977, houve uma greve geral na Colômbia.
Em Bogotá, a greve durou três dias, em Barrancabermeja
durou um dia. Na cidade pararam até os “pernilongos”, brin-
ca Héctor. Furaram os pneus dos carros do exército e eles
ficaram paralisados. Isso dois dias antes da greve. Então tive-
ram que ir a pé. Os soldados ficaram com fome e às sete da
noite o comitê de greve decidiu que todos os bairros deviam
dar comida aos soldados. Para evitar algo que poderia ser
grave na cidade.
— Eu era do comitê da cidade que apoiava a greve. Chamava
Comitê Popular da Barrancabermeja. Eu era o delegado do meu

1  Subdivisão do território de para fins administrativos. Algo semelhante como


um Estado no Brasil.

77
REFÚGIO

bairro e fui eleito para o Comitê. Tinha vinte e três anos. Todo
policial e todo delegado tinha as diretivas do sindicato petrolei-
ro e as diretivas do comitê. Então começaram a procurar os líde-
res nas casas. Para não ser mortos aprendemos a morar sempre
em casas diferentes. Cada noite, nós dormíamos em uma casa.
Depois eles começaram a cercar uma quadra inteira. Chegáva-
mos a uma casa e depois fugimos a casa detrás. E íamos para as
casas que tinham saídas para os esgotos. Nunca aprendi tanto na
vida como aprendi na cidade de Barrancabermeja.
Héctor relata a cômica história do pós-greve. Mandaram
todo o exército para Barrancabermeja. Fizeram um desfile na
avenida principal. Então, as crianças pegaram estilingues e co-
meçaram a atirar. E o desfile terminou. No dia seguinte voltaram
a desfilar, mas com capacetes. As crianças, então, apareceram
com apitos. Estupefato, o prefeito militar fez um decreto no mí-
nimo hilariante: se proíbe o artigo denominado apito. Proibiram
os apitos. Todos deram risada. As pessoas liam o decreto e gar-
galhavam. O pior é que o apito na Colômbia tem também um
duplo sentido. A risada cessou e Héctor se lembrou do dia 14 de
setembro de 1977. O dia em que foi pego pela polícia.
— No dia em que terminou a greve eu fui à aula na univer-
sidade, e me pegaram. Fui levado para um lugar desconhecido
e torturado por nove dias. Quando cheguei à prisão, fiquei até
feliz, porque não me torturavam mais e tinha mais de 400 pre-
sos políticos. A gente estava dormindo no pátio, não cabíamos
nos quartos. Ajudaram-me muito. Eu não conseguia fazer nada.
Deram-me comida, liam poemas para mim, colocavam música
para tocar, liam livros. Depois meus pais foram me buscar.
Após o fato, Mondragón passou, como ele próprio se
refere, “doente por um tempo” porque estava com diversos
problemas de saúde. Ao falar sobre a tortura, diz que não

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ELLEN VISITÁRIO, JACKSON VASCONCELOS E MAURO BALHESSA

tem medo de morrer e, neste momento da entrevista, como


se fosse um deboche, sorri. Mesmo assim, com ou sem medo,
nos últimos vinte e cinco anos que esteve presente na Colôm-
bia, trabalhou com os camponeses e indígenas, então conhe-
ceu o país rural. Ainda quando era estudante acompanhava
o movimento camponês, também em Barrancabermeja. Che-
gou a dar aulas para os camponeses.
Héctor foi professor na Universidade de Barrancaberme-
ja, consultor das Nações Unidas, das organizações campone-
sas, chegou a ser jornalista ambiental da esquerda (com um
centro de pesquisas da esquerda e pesquisas econômicas e
sociais). Depois auxiliou no Centro Cinépicas dos jesuítas e
também as organizações indígenas.
O Trabalho com esta população o levou para o congresso
da república colombiana e também à assembleia constituin-
te. Foi a primeira vez em que lhe pagaram um contrato, até
então ele trabalhava voluntariamente. Mondragón fez parte
de um projeto de constituição da Colômbia. Propôs algumas
partes da constituição destinada aos indígenas. Alguns pará-
grafos também de artigos, frases de outros. “Lutou” também
em projetos de lei relacionados às terras.
Estar diariamente com os indígenas e propor leis que os
protegiam fez de Héctor um conhecedor das normas legais,
constitucionais e regulamentárias sobre terras. Isto também
se converteu em perseguição. O militante que sabia demais
supõe que grupos de paramilitares2 o ameaçavam e articu-
lavam atentados contra ele. Mondragón, a priori, chegou a
levar a família para a Espanha por uma temporada.  

2  Forças paramilitares são associações civis, armadas e com estrutura semelhante


à militar.

79
REFÚGIO

— A tortura me causou um efeito psicológico que foi


eliminar totalmente o medo de morrer. Eu não tenho. Isso
me anestesiou as ameaças de morte. Também criaram
medo à tortura. Mas quando ameaçaram meus filhos, isso
é diferente. Não é com você. Eles ainda eram crianças. Foi
muito duro. Todos os anos foram pesados. Fui ameaçado
nos anos 1970, 1980, 1990. Especialmente nos anos 1980,
várias vezes e muitas mais nos anos 1990. A partir do ano
de 1998, sempre!
Héctor relata que para “fugir” das ameaças e persegui-
ções não tinha nenhuma rotina. Abandonou qualquer aula,
já que muitos professores foram assassinados na Colômbia
assim. Centenas, conta. Os professores sempre estavam na
sala de aula, em horários precisos. Era só procurar e matar.
Quando apareceram os telefones celulares, ele tinha um.
Entretanto, teve logo que renunciar ao aparelho porque era
uma forma de localizá-lo facilmente, além de estar sujeito a
grampos. Dessa forma ele não atendia telefonemas.

A Chegada
— Quando eu cheguei a São Paulo eu tinha um ramal,
e não atendia. Na minha consciência já tinha isso de não
atender. Meus amigos ficavam loucos: “Como você não
atende?”. Quando eu cheguei, eu não perdi coisas que eu de-
senvolvi por anos (não atender telefonemas). Mas realmen-
te aqui não tive ameaças. Cheguei aqui no dia 5 de setembro
de 2008. Faz nove anos. Vim como refugiado. Conhecia um
pessoal aqui do Brasil quando participei da avaliação de um
programa do Banco Mundial sobre Reforma Agrária Assis-
tida pelo Mercado — algo como tentando substituir a re-
forma agrária para àqueles que compravam terras. Mas isso

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ELLEN VISITÁRIO, JACKSON VASCONCELOS E MAURO BALHESSA

era um programa internacional que existia na África, Ásia e


América Latina. Da América do Sul a sede era em São Pau-
lo, por isso eu tive o contato com os pesquisadores daqui.
O professor conhecia geógrafos porque o levaram em
eventos para que fizesse uma apresentação sobre os fato-
res territoriais e econômicos da guerra na Colômbia. Então,
carregava mapas que tinha feito e uma série de geógrafos
brasileiros começaram a convidá-lo para apresentar o tra-
balho em várias regiões do país. Conheceu profissionais da
USP (Universidade de São Paulo) e da Unesp (Universidade
Estadual Paulista).
Quando pensou em fugir, o primeiro lugar foi o Bra-
sil. Tinha a opção da Europa, entretanto era muito cara. A
Bolívia foi outro destino pelo qual passou pela cabeça. Ti-
nha amigos por lá, mas nesse momento a Bolívia sofria um
“golpe de Estado” contra Evo Morales. Os departamentos do
Oriente estavam querendo se separar da Bolívia. Héctor não
sabia o que ia acontecer, até então, com os bolivianos.
O melhor e mais barato era que sua família viesse para
o Brasil. Quem custeou a vinda de Mondragón, sua esposa
e o filho caçula foi o Comitê Internacional de Imigração. A
entidade tinha um programa que “patrocinava” os refugia-
dos para reunificação familiar. Mas antes de pisar no Brasil,
Héctor recebeu uma nova ameaça.
— No dia em que eu saí da Colômbia, tinha um evento
com pesquisadores, ecologistas, camponeses de várias par-
tes da América Latina e do Brasil — pessoas do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Almoçamos no
mesmo hotel. Do nada chegaram dois caras. Todos estavam
falando, mas as pessoas estavam atentas a mim. Certo mo-
mento, eu fui ao banheiro e eles foram atrás de mim. Voltei.

81
REFÚGIO

Então me falaram: “Há uns caras nessa mesa, não olhe ago-
ra, eles estão te observando!”. Meus amigos questionaram
por que eles estavam no evento. Depois, simplesmente fu-
giram. Todos meus amigos falaram que eles iam me pegar:
“Você tem que ir embora, você está louco, vão te matar!”
Quando chegou de viagem foram os colegas da pesqui-
sa do Banco Mundial que o receberam. Tinha um contrato
com a ASC (Aliança Social Continental), criada para lutar
contra a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) e de-
pois contra os tratados de livre comércio, além de defender
também os camponeses.
Héctor pôde desenvolver seu trabalho em São Paulo.
Então chegou já com um emprego garantido. Ficava na
Confederação Nacional das Américas, no Anhagabaú, Cen-
tro da cidade. Era simplesmente um consultor da Aliança
Social. Chegou a fazer viagens ao Uruguai, Argentina, Peru
e Paraguai. Para viajar, bastava notificar ao Conare (Comitê
Nacional para os Refugiados)3 e pedir uma autorização.
Seu filho conseguiu rapidamente uma escola. No país
existem normas para que as escolas recebam crianças refu-
giadas, incluindo outros imigrantes. Não é obrigatório que
estejam legalizadas. Sua esposa, bioquímica formada, con-
seguiu o primeiro emprego no Brasil como caixa de um res-
taurante e depois numa fábrica química. Mas como o diplo-
ma dela não tem validação no país, ela ainda recebe menos.
No entanto, ela pretende utilizar um programa que se
chama Compassiva. A associação é uma organização social

3  Órgão responsável por analisar os pedidos e declarar o reconhecimento, em pri-


meira instância, da condição de refugiado, bem como por orientar e coordenar as
ações necessárias à eficácia da proteção, assistência e apoio jurídico aos refugiados.

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ELLEN VISITÁRIO, JACKSON VASCONCELOS E MAURO BALHESSA

que atende crianças, adolescentes e pessoas em situação de


vulnerabilidade na cidade de São Paulo que, entre outras
atividades, revalida diplomas de refugiados, gratuitamente.
Assim, deixarão de pagá-la como auxiliar.  
Héctor chegou a lecionar na USP sobre crises econô-
micas. Isso no ano de 2009. Era sua especialidade. Além de
professor, é escritor e tem livros de sua autoria sobre ciclos
econômicos e crises econômicas. Depois abriram cursos li-
vres e a professora Vera, que o conhecia dos tempos que o
convidava para palestrar por aqui, o indicou para dar esses
cursos até o ano de 2010. Ele ainda estava na Aliança Social
e conciliou as duas coisas. Depois foi para a PUC-SP. Ele
nos conta que, atualmente, vive muito bem na cidade de
São Paulo.
— Quando eu cheguei ao Brasil, quem me ajudou foram
os colegas da Avaliação do Banco Nacional. Eu sou cristão
da igreja Menonita4. A igreja Menonita da região também
me ajudou. Quando minha família chegou, eles me ajuda-
ram durante seis meses. Depois prolongaram os meses de
cesta básica. Ajudaram-nos com os documentos, por exem-
plo, pagaram as fotos. Esse programa tem parceria da Cari-
tas 5, Conare e Acnur6.
Conseguiu alugar um apartamento com muita dificul-
dade porque os locadores que ele procurou, exigiram um

4  Os menonitas são um grupo de denominações cristãs que descende diretamente


do movimento anabatista, que nasceu na Europa durante o século XVI.

5  A Caritas Internacional é uma confederação de 162 organizações humanitárias


da Igreja Católica que atua em mais de duzentos países.

6  Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, que tem como mis-
são dar apoio e proteção para refugiados no mundo.

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REFÚGIO

fiador que fosse munícipe de São Paulo. Alguns dos seus


colegas, nesse tempo, eram de outras cidades, o que não
valeriam nesta hora. Então se lembrou de um professor,
Paulo Sandroni, que estava na Colômbia e foi professor de
sua irmã. Ele foi seu fiador e finalmente pôde alugar um
imóvel. Que, aliás, é uma dificuldade de muitos refugia-
dos, afirma.
No Brasil, Héctor expõe que nunca foi maltratado por
um vizinho por ser colombiano. Na igreja também não.
Curiosamente não sofreu com preconceito da população
em geral, mas, sim, das organizações sociais e professores
universitários. Achavam que por ser colombiano era guer-
rilheiro. Então havia um preconceito no sentido político.
Sentiu uma discriminação de setores que não esperava.

Colômbia, Brasil e América Latina


Para Mondragón, o Brasil está ligado à América Latina,
mas ainda existe uma resistência de se tornar parte da re-
gião. A língua é a menos importante, segundo ele. O profes-
sor fazia palestras e todos o entendiam.
— Aqui temos os colombos, lá se chama paleques. Você
encontra zonas completamente afro na Colômbia. No litoral
Pacífico ainda mais. Aqui você encontra zonas muito pare-
cidas. O gaúcho, do campo, do sítio, é igual ao da Argen-
tina, do Uruguai, Paraguai e Sul do Brasil. Encontra-se na
Colômbia uma diversidade grande. Os povos do Caribe são
diferentes das zonas próximas do Equador. Você acha mais
diferenças nas comidas entre Bahia e São Paulo, do que da
Bahia com as comidas típicas da Colômbia. Mas é difícil
assimilar isso. O feijão é muito comum em muitas partes da
Colômbia. Uma forma de ser igual. Falamos espanhol, mas

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ELLEN VISITÁRIO, JACKSON VASCONCELOS E MAURO BALHESSA

quando levei meus filhos para a Espanha foi um problema


sério. Aqui somos a mesma coisa.

Acordo de Paz
Para o professor, o acordo de paz para o movimento po-
pular, dos trabalhadores, camponeses e indígenas, foi indis-
pensável e necessário.
— Somente esse ano assassinaram 101 líderes sociais de
janeiro até agosto. Então não há paz. O pior é quando uma
guerrilha acha que faz uma guerra, mas o que está fazen-
do é facilitar a violência contra o povo. Especialmente no
século XX, a guerrilha cometeu um erro, no meu ponto de
vista. E pior, no ponto de vista popular, em não negociar a
paz em quinze ou dezessete anos. Teve certa oportunidade
de negociar a paz em 1998 até 2002. Neste período era o
melhor para uma negociação que agora. Mas agora é im-
prescindível. A guerra vira um lastro para o movimento so-
cial. Vira pretexto para justificar a morte de líderes sociais,
os massacres, as chacinas. Um conflito armado. A grande
maioria não morreu na guerra, nem pela guerra. Morreram
aproveitando para matar os líderes sociais. Então o Acordo
de Paz com as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da
Colômbia) que visavam, serve para que os movimentos so-
ciais se organizem mais e se expressem. A paz é uma forma
de construir formas de uma nova mobilização popular. Para
que comece a diminuir a violência que continua na Colôm-
bia. Para amolar a legislação regressiva que existe no país.
Por fim, Héctor lembra ainda de que há um acordo em
processo com o ELN (Exército de Libertação Nacional) 7.

7  Organização guerrilheira, de inspiração comunista, criada em 1965.

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REFÚGIO

Diz querer retornar à Colômbia, mas ainda afirma que “não


está bom”. Espera que se crie uma situação melhor para que
possa voltar. Ele, dono de um sorriso solto, acha importan-
te, entretanto, não ir à Colômbia para regressar novamente
ao Brasil.
Assim, a nossa entrevista termina. O professor se levan-
ta, agradece com um “obrigado” e volta para seu Desktop
onde continua a verificar seus e-mails.

86
O RECOMEÇO PARA CRISTIANO E
SUA FAMÍLIA
O
fim da tarde anunciava que iria chover quando
Cristiano, um jovem senhor de quarenta e um anos,
abriu o portão para nos receber em sua casa de ape-
nas um cômodo.
Passos curtos no corredor estreito e quase escuro. Caris-
mático, mal dava para notar que o dono daqueles trajes sim-
ples passara quase trinta dias sequestrado por guerrilheiros
das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia)
em um matagal desconhecido na Colômbia.
Ele abriu a porta de sua casa e ali estavam suas duas filhas
pequenas, que se distraíam assistindo televisão, mas ouviam,
atentamente, o que o pai dizia.
— Essas são minhas riquezas: Valentina, de seis anos; e
Rafaela, de quatro.
As meninas, que nos acenaram sorrindo timidamente ti-
nham traços feitos de rosto de boneca de porcelana. A filha
mais nova, Rafaela, puxava conversa misturando os idiomas

91
REFÚGIO

espanhol e português. Quem diria que aquela garotinha vi-


vera momentos tão delicados, como retratou Cristiano, emo-
cionado, ao relembrar o que passou durante o sequestro.
— Rafaela tinha quarenta e cinco dias de nascida quando
eu fui sequestrado. Foi o pior dia da minha vida!
Dezembro de 2014 foi um período sem festividades natali-
nas para a família Botero. Cristiano é casado com Maria Clara
há oito anos. Nela, ele vê a fortaleza que sempre admirou.
— Minha mulher foi forte enquanto eu estava sendo tor-
turado por homens com uniformes verdes e totalmente ar-
mados.
Sem entender o que acontecia ao ser desvendado, Cristia-
no conta que o grupo exigia quinhentos mil dólares para ele,
então, ser libertado.
— Eles sabiam tudo sobre mim e minha família. Sabiam
que eu tinha comércio, mas quando eu dizia ao chefe deles
que eu não tinha esse valor, as torturas físicas começavam,
com socos, chutes e pontapés.
Em Bogotá, na Colômbia, Maria Clara era vigiada por ho-
mens das FARC que faziam de sua casa um bordel. As drogas,
bebidas e idas e vindas de prostitutas eram frequentes em um
lar destruído pela dor e revolta, enquanto o marido implora-
va para não morrer em um lugar totalmente desconhecido.
Na tentativa de nos agradar enquanto estávamos senta-
dos à sua volta para dar voz a ele, Cristiano se levantou da
poltrona preta para fazer o típico café colombiano em uma
minúscula cozinha improvisada, situada no bairro paulistano
da Mooca.
Os detalhes nas três xícaras que ele mesmo separava sob
a pequena mesa, mostravam o quanto ele queria agradar a
quem nunca o visitara.

92
ELLEN VISITÁRIO, JACKSON VASCONCELOS E MAURO BALHESSA

O Brasil era além de refúgio para ele. Era uma nova chan-
ce de recomeçar do zero ao ser capturado por policiais co-
lombianos em um restaurante. A troca de tiros entre o grupo
guerrilheiro e a polícia colombiana era interminável. O plano
subjetivo deu certo e um aviso a ele foi dado por um policial:
“Vá embora do país! Você precisa sair daqui com a sua famí-
lia! Vá embora!”
Assustado, Cristiano retrucava que não sabia como iria
fazer isso, pois o que ele tinha de dinheiro guardado em casa,
durante o sequestro, os guerrilheiros tomaram. “O governo te
entregará um documento que diz que você é vítima de confli-
to armado! Vá embora!”
As palavras daquele homem ecoavam na mente de Cris-
tiano. Quando retornou à Bogotá, conseguiu pegar empres-
tada uma quantia de cinco mil dólares para sair do país. Em
primeiro plano e com a ajuda da ONU (Organização das Na-
ções Unidas), ele e a família partiram para Caracas, na Vene-
zuela, por que estimaram que fosse mais fácil a convivência
e lá ficaram durante onze meses. Mas perceberam que o país
passava por uma crise e que o governo os fazia retroceder.
— Reparei que nós não éramos bem-vindos na Venezuela.
A desconfiança que eles tinham conosco, por sermos refugia-
dos, faziam com que nós nos sentíssemos excluídos. — con-
ta Cristiano, ao perceber com um olhar atento em direção à
porta do único cômodo, que se abria para Maria Clara entrar.
— Mas com o Brasil foi diferente! — exclama.
Com a ajuda de dois padres jesuítas, a família cruzou a
fronteira até chegar a Manaus.
— Ficamos em Manaus durante trinta dias à espera dos
nossos documentos ficarem prontos pela Defensoria da
União. Sofríamos com o calor intenso do lugar, as crianças,

93
REFÚGIO

que ainda eram bebês, tiveram dificuldades de se adaptar ao


calor e minha mulher, portadora de lúpus, também. Era tudo
muito novo no país acolhedor. — ressaltou o casal, que vigia-
va as meninas brincando na cama.
Rafaela cochichava com a irmã como quem dizia para fa-
zer silêncio enquanto o “papá” conversava. Ela prestava aten-
ção nas palavras de seu pai. Maria Clara ressaltou que, embo-
ra sinta dificuldade para entender o novo idioma, a pequena
Rafa não quer voltar à Colômbia quando é questionada por
qualquer um.
— Nossa filha mais velha era muito pequena quando
Cristiano foi sequestrado, mas tinha idade o suficiente para
entender e carregar um trauma. As crianças têm memórias
tão boas quanto os adultos. Ela sentiu o que nós sentimos!
— desabafa Maria, sentada em um pufe ao lado do marido.
A família Botero sabia que Manaus não seria um lugar
propício para morar, pois existiam muitos colombianos e,
consequentemente, a paranoia predominava na mente de
Cristiano.
— É inevitável chegar a um lugar diferente sem estar des-
confiando de tudo e de todos. Em Manaus, existiam muitos
colombianos por ali e venezuelanos também. Até que decidi-
mos ir para um lugar mais longe, porque quanto mais longe
dali, melhor. Então o destino foi São Paulo.
A FAB (Força Área Brasileira) estendeu a mão a Cristiano
e a suas meninas para chegarem até a capital paulista sem
se preocuparem com os custos financeiros. Aconselhado, ele
procurou a Cáritas Brasileira, um centro de referência a refu-
giados. E então ele e sua família foram encaminhados à casa
Terra Nova, um espaço dedicado a estrangeiros que buscam
refúgio em São Paulo.

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ELLEN VISITÁRIO, JACKSON VASCONCELOS E MAURO BALHESSA

— Nesta casa vivemos durante três meses conforme o es-


tabelecido, mas com o passar dos dias, percebíamos o pre-
conceito dos próprios refugiados contra nós. Ali moravam
pessoas que vieram da Síria, Angola, África... De várias na-
cionalidades!
Dessa forma, Cristiano percebeu que precisava arrumar
um canto para si e sua família. Entre albergues e vizinhos
arruaceiros, ele e a família, enfim, encontraram na Mooca a
oportunidade de ter o seu próprio canto.
O cômodo apertado e mobiliado com móveis e objetos
surrados faz crer que um pouco já é o bastante para ele.
— Aqui onde eu moro é a prova que o nosso recomeço
deu certo. Os vizinhos são gentis e calmos, embora as casas
sejam tão próximas. Nesse prédio existimos nós e outra famí-
lia de estrangeiros.
A conversa foi se estendendo, sob a perspectiva de Cristiano,
explicando o que a cidade de São Paulo representava para ele.
— Concluí recentemente um curso de empreendedor
pelo Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Peque-
nas Empresas). A minha turma era só de refugiados e isso
só prova que aqui, um lugar que eu conhecia só “por alto”, é
uma cidade de oportunidades. Por enquanto, eu não tenho
trabalho fixo, às vezes dou aula particular de espanhol; mas
minha esposa conseguiu um trabalho no Museu da Imigra-
ção, que fica próximo de nossa casa e as minhas filhas estão
começando a compreender como é morar em uma das maio-
res capitais do mundo.
Embora exista preconceito em qualquer lugar que passa,
Cristiano disse que a “cidade grande” foi consideravelmente
receptiva, então ele não notou de forma drástica os estereóti-
pos que constroem sobre a sua nacionalidade.

95
REFÚGIO

— O que eu tenho a dizer é que eu não vim para esbo-


çar preconceito ou causar algum problema no país que decidi
morar, sobretudo a capital paulista. Pelo contrário. Eu vim
somar. E eu só posso agradecer por tantas pessoas daqui te-
rem me ajudado. Se eu estivesse ainda na Colômbia, eu não
sei como seria a minha vida. Se é que ainda existiria vida.

96
SOBRE OS AUTORES
REFÚGIO

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Ellen Visitário

Durante a graduação de jornalismo no Centro Univer-


sitário FIAM FAAM, descobri o gênero literário, que me
fascina ao contar histórias com mais detalhes e preci-
são. Por isso que a realização desse livro-reportagem
é importante para mim: darei a chance aos leitores a
conhecerem os nossos vizinhos latino-americanos de
forma diferente. E com um olhar atento e especial.
Jackson Vasconcelos

Nordestino de nascimento, paulistano de coração. Adoro


cinema música, game, arte, fotografia e literatura. Gra-
ças ao contato com livros-reportagens durante a gra-
duação de jornalismo, eu me apaixonei por esse gênero
literário. E, para mim, o tema América Latina se faz cada
vez mais presente, até mesmo após o surgimento de si-
tes, blogs e tantos meios alternativos que tratam sobre
o assunto. Contudo, o contar história me fascina.
Mauro Balhessa

Sou estudante de jornalismo do Centro Universitário


FIAM FAAM. Sempre fui amante da cultura latino-ame-
ricana e acredito no potencial da região. Orgulha-me
o povo latino, com sua miscigenação, passionalidade e
garra. Espero que o livro ajude a desmistificar qualquer
olhar pré-determinado ou conceituado sobre os refugia-
dos colombianos e que o tema auxilie uma aproximação
dos brasileiros com a América Latina.
Título Refúgio: histórias de refugiados colom-
bianos que escolheram São Paulo como
nova casa

Formato 14x21cm
Tipografia textos Minion Pro
Tipografia títulos Oswald Medium

F
Editora Casa Flutuante
Rua Manuel Ramos Paiva, 429 - Apt. 14 - São Paulo - SP
Fone: (11) 2936-1706 / 95497-4044
www.editoraflutuante.com.br

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