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LINGUA PORTUGUESA III

SINTAXE DO
PORTUGUÊS BRASILEIRO

Ani Carla Marchesan


Patrícia Graciela da Rocha
ORGANIZADORAS

Campo Grande, MS - 2011


PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Dilma Rousseff
MINISTRO DA EDUCAÇÃO
Fernando Haddad
SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Carlos Eduardo Bielschowsky

UNIVERSIDADE FEDERAL de Mato Grosso do Sul


REITORA
Célia Maria Silva Correa Oliveira
VICE-REITOR
João Ricardo Filgueiras Tognini

CoordenadorA de educação aberta e a distância - ufms


CoordenadorA DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL - UFMS
Angela Maria Zanon

Coordenador ADJUNTO DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL - UFMS


João Ricardo Viola dos Santos

COORDENADORA DO CURSO DE LETRAS: PORTUGUÊS E ESPANHOL (MODALIDADE A DISTÂNCIA)


Damaris Pereira Santana Lima

Obra aprovada pelo Conselho Editorial da UFMS - Resolução nº 00/2011

CONSELHO EDITORIAL UFMS CÂMARA EDITORIAL


Dercir Pedro de Oliveira (Presidente) SÉRIE
Celina Aparecida Garcia de Souza Nascimento
Claudete Cameschi de Souza
Edgar Aparecido da Costa.
Edgar Cézar Nolasco
Elcia Esnarriaga de Arruda
Gilberto Maia Angela Maria Zanon
José Francisco Ferrari Dario de Oliveira Lima Filho
Maria Rita Marques Damaris Pereira Santana Lima
Maria Tereza Ferreira Duenhas Monreal Carina Elisabeth Maciel
Rosana Cristina Zanelatto Santos Magda Cristina Junqueira Godinho Mongelli
Sonia Regina Jurado Yvelise Maria Possiede
Ynes da Silva Felix

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Coordenadoria de Biblioteca Central – UFMS, Campo Grande, MS, Brasil)
APRESENTAÇÃO

Caro(a) Aluno(a),
Caro aluno, você já deve ter percebido que os discursos
são sequências lineares de morfemas e palavras e deve ter
concluído que as palavras não se alinham no discurso ao
acaso, ou seja, existem regras para ordená-las de modo que o
discurso faça sentido. Pois bem, é disso que trataremos neste
material didático, da sintaxe, disciplina que se ocupa com o
estudo das palavras agrupadas em segmentos que, por sua
vez, cumprem funções específicas no discurso e nas relações
entre os segmentos.
Ao estudar a língua, temos apenas os discursos como ponto
de partida, isso significa dizer que a gramática da língua não é
visível em si, então, as estruturas sintáticas não estão visíveis
para observação, mas há bons indícios de que o sistema de
regras que constitui a competência dos falantes é formado por
estruturas sintáticas. Uma primeira evidência disso está em
frases como:
Pedro encontrou a senha do cartão de crédito que ele tinha
perdido.
O exemplo dado apresenta uma ambiguidade sintática
(um dos fenômenos que serão tratados neste livro): afinal, Pedro
perdeu a senha ou o cartão? Podemos resolver a confusão com
o uso de parênteses. Observe:
Pedro encontrou a senha (do cartão de crédito que tinha per-
dido).
Pedro encontrou (a senha do cartão de crédito) que ele tinha
perdido.
O emprego de parênteses gera dois sentidos válidos para
a frase. Isso indica que a forma como agrupamos os itens da
frase influencia no seu sentido.
Diante de evidências como essa, somos levados a crer
que os falantes realmente segmentam as frases em partes,
relacionando cada parte com uma função sintática, tanto
quando geram frases como quando as interpretam. Assim,
temos que concordar que os falantes têm consciência intuitiva
dessas partes, tanto que em línguas como o latim, os falantes
empregavam diferentes formas dependendo da função sintá-
tica desempenhada pela palavra na frase. Esses segmentos se
organizam em uma estrutura sintática e é dessas estruturas
que vamos nos ocupar neste livro. Para isso, estruturamos esta
obra em quatro unidades:
A primeira delas tratará dos fundamentos da teoria
gramatical, ou seja, das principais noções de gramática
existentes em nosso meio, das diferentes abordagens para o
estudo da gramática e da concepção de gramática adotada
neste livro.
A segunda unidade deste livro tratará da constituição da
frase e da oração, isto é, da estrutura argumental, dos conceitos
de frase, oração e período, de sujeito, de predicado, de com-
plementos verbais (e transitividade verbal), de complemento
nominal, de agente da passiva, de adjunto adnominal, de ad-
junto adverbial, de aposto e de vocativo.
A terceira unidade tratará da sintaxe do período que
inclui as relações de sentido entre partes do texto, o período
composto por coordenação e o período composto por subor-
dinação.
A quarta unidade tratará da articulação dos termos da
oração, ou seja, discutirá questões de concordância verbal e
nominal e de regência.
Buscaremos, neste livro, apresentar os conceitos sintáticos
trazidos pela gramática normativa e a todo momento discutir
sobre eles criticamente à luz de gramáticas descritivas e, sem-
pre que possível, trazer resultados de pesquisas linguísticas
relacionadas aos temas em discussão.
Em alguns momentos você poderá se perguntar: “O que eu
vou fazer com esses conhecimentos quando eu for dar aulas de
português na educação básica?”. Essa pergunta será respondida
no guia de estudos de Prática de Ensino de Línguas e Literatura
III, já que não trataremos das questões práticas neste livro para
não nos alongarmos demasiadamente.
Desejamos a todos uma ótima leitura e boas reflexões.o
Sobre os autores

Ani Carla Marchesan


Graduada em Língua Portuguesa e Inglesa com respectivas Literaturas pela Universidade
Federal de Santa Maria – UFSM – (2005); mestre em Linguística Teórica (bolsista CNPq) pela
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC – (2008). Já atuou como tutora da disciplina
de Sintaxe no Ensino a Distância (EaD/UFSC/2009) e como professora substituta, do LLV/
UFSC, das disciplinas de Produção Textual Acadêmica I e Redação Empresarial (2009/2010).
Atualmente é doutoranda em Linguística Teórica também pela UFSC e professora da
Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS, Campus Erechim – RS.
E-mail para contato: animarchesan@uffs.edu.br
Currículo lattes: <http://lattes.cnpq.br/0098820115397971>

Patrícia Graciela da Rocha


Graduada em Letras Português/Espanhol pela Universidade Regional Integrada do
Alto Uruguai e das Missões (2003); Pós-Graduada (nível de Especialização) em Ensino/
Aprendizagem de Língua-Espanhola pela UNIJUI-RS (2005); Mestre em Linguística (bolsista
CNPq - 2008) pela UFSC na área de Variação Lingüística e Ensino e, atualmente, é doutoranda
na mesma área e instituição, sob orientação da Prof. Dra. Izete L. Coelho. Tem 7 anos de
experiência em docência na rede pública estadual e municipal na área de Letras, com ênfase no
Ensino de Língua Portuguesa, Literatura e Língua Espanhola. Já atuou como tutora no Ensino
a Distância (EaD/UFSC) e como Professora Substituta de Prática de Ensino e Metodologia
de Ensino do Português no MEN/UFSC, assim como com as disciplinas de Sociolinguística e
Projeto Integrador na Faculdade Borges de Mendonça. Atualmente é professora Assistente da
Coordenadoria de Educação Aberta e a Distância da UFMS - Campo Grande - atuando nas
disciplinas de Linguística e Língua Portuguesa e Estágio Supervisionado.
E-mail para contato: patrigraciro@gmail.com
Currículo lattes: < http://lattes.cnpq.br/2285085743040936>

REVISÃO
Luiz Leandro Gomes de Lima
É professor colaborador de Linguística e Língua Portuguesa no curso de Letras da EaD-UFMS.
Possui graduação em Letras - Português e Inglês pela UFMS. Suas áreas de interesse são
Linguística Geral e Portuguesa e Ensino de Língua Portuguesa.
E-mail para contato: luizleandrog@gmail.com
Currículo Lattes: <http://lattes.cnpq.br/0511535528914245 >
sumário

Apresentação 3

Sofrendo a Gramática:
A Matéria que Ninguém Aprende 9

UNIDADE I

Fundamentos da Teoria Gramatical

1.1 Noções de gramática 19


1.2 Diferentes abordagens para o estudo da gramática 20
1.3 A concepção de gramática adotada neste livro 20

UNIDADE II

A Constituição da Frase e da Oração

2.1 Estrutura argumental 27


2.2 Frase, oração e período 30
2.2.1 Sujeito 32
2.2.2 Predicado 40
2.2.3 Complementos verbais (e transitividade verbal) 41
2.2.4 Complemento nominal 46
2.2.5 Agente da passiva 48
2.2.6 Adjunto adnominal 50
2.2.7 Adjunto adverbial 57
2.2.8 Aposto 59
2.2.9 Vocativo 61

UNIDADE III

Sintaxe do Período

3.1 Relações de sentido entre partes do texto 61


3.2 Período composto por coordenação 69
3.2.1 Coordenadas Assindéticas 69
3.2.2 Coordenadas sindéticas 70
3.3 Período composto por subordinação 73
3.3.1 Oração Coordenada x Oração Subordinada 74
3.3.2 Orações subordinadas adjetivas 74
3.3.3 Orações subordinadas substantivas 79
3.3.4 Orações subordinadas adverbiais 84
3.4 Considerações finais 87
UNIDADE IV

Articulação dos Termos da Oração

4.1 A Concordância – considerações gerais 91


4.1.1 A Concordância Verbal 99
4.1.2 A Concordância Nominal 127
4.2 A Regência 156
4.2.1 A Regência Verbal 161
4.2.2 A Regência Nominal 185

Referências 207
SOFRENDO A GRAMÁTICA:
A MATÉRIA QUE NINGUÉM APRENDE

Mário Perini (2005)

Passei grande parte da vida estudando, discutindo e es-


crevendo a respeito de gramática, e me preocupo bastante
com a atitude que as pessoas têm para com essa disciplina.
Muitas vezes, percebi um certo espanto diante da informação
de que o estudo da gramática é a minha ocupação principal;
já escutei resmungos no sentido de que eu “soube unir o inú-
til ao desagradável”. Qual será o motivo desse alto índice de
rejeição?
Outras disciplinas há que são tão ou mais difíceis, como
por exemplo a matemática e a química e, para alguns, a his-
tória. Mas nenhuma suscita reações tão violentas como a gra-
mática; parece fácil aceitar que alguém seja matemático, ge-
ógrafo, especialista em cogumelos ou grande autoridade na
fisiologia dos morcegos; mas um gramático é uma pessoa que
todos consideram excêntrica ou coisa pior. Existe com certeza
algum fator de repugnância associado a essa disciplina, e vale
a pena especular um pouco a respeito.
Vamos começar isolando alguns sintomas. Primeiro, al-
guns professores, alunos e pais de alunos advogam a supres-
são pura e simples do ensino gramatical. Outros reagem e,
nessa discussão, os argumentos se radicalizam: uns susten-
tam que a gramática “não serve para nada”; outros, que “sem
gramática não é possível aprender português”. Não deve ser
nem uma coisa nem outra. Mas é um sintoma de que há algo
de errado no reino da gramática. Não existem controvérsias
como essa no que diz respeito à física, à biologia ou ao inglês.
Outro sintoma é o seguinte: ao chegar aí pelo segundo
ano do segundo grau, os jovens já estão fazendo planos para
sua vida futura. No caso de querer cursar a universidade, al-
guns pretendem ir para direito, outros gostariam de se dedi-
car à geologia ou à astro física. Quantos sonham em se tornar
gramáticos? Alguns, possivelmente, mas nunca encontrei um
sequer. Por ser difícil demais? Não pode ser; a gramática não
tem por que ser mais difícil do que outros estudos científicos.
Afinal, o que há de esquisito com essa tão odiada matéria?
O terceiro sintoma é de preocupar. Imaginemos um alu-
no de terceiro ano primário e um de terceiro colegial. O pri-
meiro sabe um pouco de matemática - digamos, as quatro
operações. Não vou afirmar que todo aluno de terceiro ano
primário saiba as quatro operações; mas muitos sabem, e não
é absurdo um professor entrar na sala esperando que todos
saibam. João aluno de terceiro colegial tem de saber mais do
que as quatro operações. Afinal, ele tem oito anos a mais de
escolaridade; e, correspondentemente, o professor de mate-
mática espera mais dele do que de um aluno de primário.
Mas com a gramática a situação é outra. O aluno de ter-
ceiro ano primário já está estudando as classes de palavras e
a análise sintática - e não sabe. Ao chegar ao terceiro colegial,
continua estudando a análise sintática e as classes de palavras
- e continua não sabendo. Um professor de português, mes-
mo que de colegial, não pode entrar na sala esperando que os
alunos dominem a análise sintática, ou que possam distinguir
uma preposição de um advérbio, sob pena de graves decep-
ções. E eles estudam esse assunto há oito anos, às vezes mais!
Decididamente, alguma coisa está muito errada.
Esses são sintomas de uma doença bastante grave que
aflige a disciplina. Não vou dizer que tenho aqui no bolso o
santo remédio que vai efetuar a cura. Mas tenho sugestões
que, me parece, vale a pena experimentar. Pior, pelo menos,
não pode ficar; e talvez o paciente melhore. E com isso, quem
sabe, diminuiremos um pouco o sofrimento de alunos e pro-
fessores (sim, professores também), possibilitando a eles estu-
dar gramática sem esse sentimento de frustração, inutilidade
e finalmente ódio que tantos experimentam.
Vamos começar pelo diagnóstico: vou dizer o que, na mi-
nha opinião, está errado com o ensino de gramática.
Eu diria que o ensino de gramática tem três defeitos, que
o inutilizam enquanto disciplina: primeiro, seus objetivos estão
mal colocados; segundo, a metodologia adotada é seriamente
inadequada; e, terceiro, a própria matéria carece de organiza-
ção lógica. O leitor perguntará, provavelmente, o que é que so-
bra de bom, se a disciplina está torta sob esses três pontos de
vista tão fundamentais. A resposta é: sobra aquela disciplina da
qual todos nos lembramos com arrepios de horror.
Vamos examinar cada uma dessas deficiências (e aqui su-
giro que o leitor confronte o que digo com suas lembranças de
sala de aula).
Em primeiro lugar: os objetivos da disciplina estão mal
colocados. Muitos professores dizem (e acreditam) que o es-
tudo da gramática é um dos instrumentos que levarão o aluno
a ler e escrever melhor ou, para ser mais exato, o levarão a um
domínio adequado da linguagem padrão escrita. Esse motivo
é alegado constantemente, quando se quer defender a presen-
ça da gramática no currículo.
Ora, não existe um grão de evidência em favor disso;
toda a evidência disponível é em contrário. Vamos pensar um
momento: se é preciso saber gramática para escrever bem,
será de esperar que as pessoas que escrevem bem saibam gra-
mática - ou, ‘pelo menos, que as pessoas que sabem gramática
escrevam bem.
Será que isso acontece? Meu autor brasileiro favorito é
Luís Fernando Veríssimo; na minha opinião (e na de alguns
outros), ninguém escreve melhor do que ele hoje em dia, no
Brasil. Mas o Veríssimo não sabe praticamente nada de gra-
mática; por ter sido mau aluno, por ter abandonado a escola,
por não ter feito letras? Não. Não sabe gramática pela mesma
razão que nós, que fomos bons alunos, fizemos nossos cursos
até o fim e temos diploma de letras, não a sabemos: porque
ninguém sabe gramática. E isso não impede pelo menos al-
guns de nós de escrever toleravelmente bem ou mesmo (como
o Veríssimo) muito bem.
Façam um levantamento entre seus amigos: vocês des-
cobrirão que alguns deles escrevem corretamente, outros até
bem. Mas nenhum deles lhes dirá que sabe gramática; isto é,
que tem segurança na análise de uma oração, ou na classifica-
ção de uma palavra como advérbio ou preposição. A conclu-
são necessária é que as pessoas que escrevem bem nem sem-
pre (na verdade, quase nunca) sabem gramática.
Por outro lado, se lermos uma gramática qualquer (in-
clusive, provavelmente, a minha), nos convenceremos rapida-
mente de que saber gramática não é garantia de escrever bem.
Quantas gramáticas são vazadas em estilo confuso e desele-
gante? Isso não deveria acontecer, se a gramática é a panacéia
que dizem ser.
Voltemos ao ponto principal: os objetivos dessa disci-
plina estão mal colocados. Quando justificamos o ensino de
gramática dizendo que é para que os alunos venham a escre-
ver (ou ler, ou falar) melhor, estamos prometendo uma mer-
cadoria que não podemos entregar. Os alunos percebem isso
com bastante clareza, embora talvez não o possam explicitar;
e esse é um dos fatores do descrédito da disciplina entre eles.
Em segundo lugar: a metodologia é inadequada. Aqui,
em vez de metodologia, eu deveria falar de “atitude diante
da matéria”. E, para compreender bem esse problema, vamos
comparar o ensino de gramática com o de outras disciplinas.
Pensemos no caso de um professor de história que diga
a seus alunos que, no século XVI, a região onde vivemos era
ocupada por povos indígenas. Nesse momento, um aluno
pode perguntar: “Professor, como é que o senhor sabe dis-
so?”. E o professor deve ter meios de responder; ele pode ale-
gar que há documentos da época que atestam a presença dos
índios, escavações arqueológicas que revelam artefatos indí-
genas e restos de habitações etc. O importante a observar é:
o aluno tem o direito de fazer aquela pergunta, e o professor
tem o dever de responder, ou pelo menos tentar responder.
Afinal de contas, em um curso de história estuda-se o que re-
almente aconteceu no passado, e saber história é também sa-
ber como é que se sabe hoje o que aconteceu há trezentos ou
quatrocentos anos atrás. Isso vale, em termos básicos, para as
outras disciplinas, seja a física, seja a geografia.
Mas, em gramática, as coisas costumam ser diferentes.
O professor diz que o futuro do subjuntivo do verbo ver é
quando eu vir etc.: assim, “devemos” (ou “deveríamos”) di-
zer quando eu te vir amanhã... O aluno sabe muito bem que
ninguém fala assim; todos dizemos quando eu te ver. Em ou-
tras palavras, o que o professor está ensinando não bate com o
que se observa na realidade. Se um aluno perguntar por que o
professor está dizendo que a forma é quando eu vir, a respos-
ta (se houver resposta) será que é assim que é o certo. Note-se:
não se deu nenhum motivo racional, deu-se uma ordem: faça
assim, senão vai ser pior para você.
Será que um professor de história poderia dizer a um
aluno que havia índios no Brasil porque assim é que é o certo?
Será que, na aula de física, se pode dizer que os corpos se di-
latam com o calor porque é assim que está no livro?
Essa situação é que eu tinha em mente quando disse que
a atitude diante da matéria é inadequada, O professor e o alu-
no de geografia entendem a matéria como o estudo de um
aspecto da organização do universo; no caso, a estrutura do
nosso planeta, o modo pelo qual está ocupado pelos seres vi-
vos, sua divisão em unidades políticas etc. Mas o estudo de
gramática não é, na cabeça deles, o estudo de um aspecto do
universo: é apenas uma série de ordens a serem obedecidas,
porque é assim que é o certo. Será de espantar que pouca gen-
te se interesse?
E, além do mais, a matéria carece de organização lógica.
Mas note-se: não estou dizendo que a gramática não tem lógi-
ca. Falo da matéria que se ensina nas escolas com o nome de
“gramática”; não da gramática enquanto disciplina racional.
Essa é uma acusação séria, e evidentemente é preciso jus-
tificá-la amplamente. Aqui vou dar só um exemplo, que deve
ser suficiente para deixar o leitor com a pulga atrás da orelha.
Quem quiser maiores detalhes poderá dar uma olhada, por
exemplo, na obra de Amini B. Hauy, Da necessidade de uma
gramática padrão da língua portuguesa (Ática, 1983), ou no
meu livrinho Para uma nova gramática do português (Ática,
1985).
Encontramos em uma das gramáticas portuguesas mais
conhecidas, a de Celso Cunha e Lindley Cintra’, a seguinte
definição de sujeito:
Estou tomando a obra de Cunha e Cintra como exemplo;
mas qualquer das gramáticas atualmente utilizadas nas esco-
las apresenta os mesmos defeitos. Os autores de gramáticas
são antes vítimas de uma tradição do que culpados dela.
Sujeito é o ser sobre o qual se faz uma declaração. (p. 119)
Muito bem, isso nos diz com certa clareza o que é um
sujeito. Mas a própria gramática não respeita a definição. Em
outras passagens, os autores chamam de “sujeito” outra coisa,
que não é aquilo que foi definido com esse nome. Assim, na
página 125, dizem:
Algumas vezes o verbo não se refere a uma pessoa de-
terminada, ou por se desconhecer quem executa a ação, ou
por não haver interesse no seu conhecimento. Dizemos, então,
que o sujeito é indeterminado.
Mas o que tem a ver o sujeito com quem pratica a ação? O
sujeito não é o ser sobre o qual se faz uma declaração? Deve-
ríamos ter sujeito indeterminado quando não se sabe, ou não
se quer dizer, sobre quem se faz a declaração. Mas aqui o au-
tor simplesmente pulou para outra concepção de sujeito, sem
nem sequer avisar: sujeito seria o elemento que pratica a ação.
Na página 122, encontramos a frase:
Quem disse isso? e o pronome quem vem marcado como
sujeito. Mas qual é a declaração que se faz sobre quem? Ali-
ás, essa frase, que é uma pergunta, nem sequer contém uma
declaração. Logo, segundo a definição dada, não deveria ter
sujeito, pois nela não se faz declaração sobre coisa alguma.
Novamente, o autor desrespeita a definição que ele mesmo
deu.
Vamos à página 126; ali se encontra a frase:
Na sala havia ainda três quadros do pintor.
Essa frase é dada como sem sujeito. Não há dúvida de
que essa frase contém uma declaração; mas será uma decla-
ração sobre nada (já que não há sujeito)? Será possível fazer
uma declaração sobre nada? Para mim, pelo menos, essa frase
faz uma declaração sobre a sala e também sobre os três qua-
dros. Mas, se não tem sujeito, Será que há outros termos da
oração que são também aqueles “sobre os quais se faz uma
declaração”?
A esta altura, o estudante que pretende, com toda serie-
dade, utilizar a gramática para aprender alguma coisa sobre a
estrutura da língua já deve estar pelos cabelos. Afinal de con-
tas, o que é realmente o sujeito? Não é possível que a definição
varie de frase para frase; mas essa é a impressão que se tem.
A gramática dá uma definição a ser aprendida, mas não pode-
mos respeitar essa definição se quisermos explicar por que o
sujeito de Quem disse isso é quem, ou por que a frase Na sala
havia ainda três quadros do pintor não tem sujeito.
O problema é que as gramáticas escolares, aqui como
em muitíssimos outros pontos, não são organizadas de ma-
neira lógica; e como aprender uma disciplina que não tem
organização lógica? Não é de espantar que ninguém tenha
segurança nessa matéria; e não é de espantar que ninguém
goste dela.
Como foi que a nossa matéria chegou a esse ponto? Sin-
ceramente, não sei dizer; mas é urgente resgatá-la do poço. Ou
seja, nós, que somos os amigos, precisamos nos conscientizar
dos problemas da gramática, antes que os inimigos o façam.
O que pode ser feito desde já? Vou dar, a seguir, algumas
sugestões; e convido os interessados a entrar na discussão.
Em primeiro lugar é necessário redefinir os objetivos da
disciplina. Vamos parar de prometer coisas que não podemos
cumprir: vamos reconhecer de vez que estudar gramática não
é um dos meios (muito menos o meio) de se chegar a ler e
escrever melhor.
A gente aprende a escrever escrevendo, lendo, relendo e
reescrevendo; foi assim que o Veríssimo chegou lá.
Se for assim, para que estudar gramática no primeiro e
no segundo graus? Ora, para que se estuda física ou geogra-
fia? Certamente não é para aplicá-las na vida profissional,
pois não há meio de se prever a carreira que cada aluno vai
seguir; e, de qualquer forma, uma turma de qualquer série é
irremediavelmente heterogênea: uns acabam professores de
inglês, outros engenheiros, outros comerciantes, industriais,
playboys ou vagabundos. A maioria das matérias é irrelevan-
te para a maioria dos alunos: para que é que um advogado
precisa de química, ou um matemático, de história?
Mas isso não quer dizer que essas matérias devam ser ex-
cluídas do curso. Aliás, o argumento de que “não preciso sa-
ber isso porque não vai me servir para nada” é simplesmente
uma ilusão. Precisamos saber e sabemos, um mundo de coisas
que não servem para nada. Acontece que esse saber “inútil”
é que faz de nós membros da nossa cultura, do nosso país e
do nosso século. Vivemos uma época dominada (para bem e
para mal) pela idéia de ciência; e conhecer algo de ciência é o
que se espera de cada cidadão, seja qual for a sua profissão.
Não quero dizer que cada indivíduo deva ser um cientista;
mas deve ter noção da idéia que a nossa época faz do universo
físico, psíquico e cultural. Nesse contexto, estudar (algo de)
física e (de) história é essencial.
E aí que eu colocaria o estudo da gramática. Assim como
a biologia revela alguns aspectos da estrutura e do funciona-
mento dos seres vivos, assim como a geografia leva o aluno a
conhecer o planeta onde vive, a gramática lhe traria algum co-
nhecimento da linguagem, esse maravilhoso e complexo me-
canismo que lhe permite comunicar-se com seus semelhantes.
Em uma palavra, deve-se estudar gramática para saber mais
sobre o mundo; não para aplicá-la à solução de problemas
práticos tais como ler ou escrever melhor. É assim que sugiro
que seja reformulado o objetivo do estudo de gramática na
escola.
Mas, tal como um professor de biologia nunca determi-
na como deve ser a natureza, o professor de gramática terá
de deixar de lado a pretensão de determinar como deve ser
a língua. Um biólogo não diz que “os insetos devem ter seis
pernas (e o que tiver cinco ou sete está errado)”; ele diz, sim-
plesmente, que os insetos têm seis pernas, e pronto. Para ele,
simplesmente não faz sentido perguntar o que é o “certo”: in-
setos com seis pernas ou com oito? A natureza é como é, não
como os biólogos mandam.
Da mesma forma, o gramático vai precisar aprender a di-
zer o que a língua é, não o que (segundo ele) deveria ser. Em
vez de dizer, por exemplo, que “o certo” é chimpanzé, e que
chipanzé é errado, terá de procurar primeiro qual é a forma
efetivamente usada. No máximo, poderá dizer que a forma
chimpanzé se encontra ainda em alguns textos escritos (do
tipo mais conservador), mas que, para a maioria dos falan-
tes (e escreventes), a forma é chipanzé. O que ele vai precisar
aprender pode ser colocado em uma única frase: a língua é
como é não como deveria ser.
Finalmente, é claro que precisamos de melhores gramáti-
cas: mais de acordo com a linguagem atual, preocupadas com
a descrição da língua e não com receitas de como as pessoas
deveriam falar e escrever. E, acima de tudo, precisamos de
gramáticas que façam sentido, isto é, que tenham lógica. Que
as definições sejam compreensíveis e que sejam respeitadas
em todo o trabalho. Se eu digo que uma vaca é um animal de
quatro patas, não tenho o direito de afirmar que Mimosa é
vaca porque tem manchas no lombo. Por que isso seria permi-
tido em gramática?

•••

A partir da leitura do artigo de Perini (2005), tentaremos,


neste compêndio de textos, assim como afirmou o autor, con-
tribuir para a sua formação cultural, para o seu conhecimento
científico, no sentido de desenvolver em você habilidades de
observação e raciocínio crítico acerca das regras da Gramáti-
ca Normativa (GN), e, ao mesmo tempo, oferecer subsídios
para que você perceba como a língua portuguesa se estrutura
(quais são seus sistemas de regras). Talvez com esses conheci-
mentos sobre a linguagem, sobre os mecanismos que permi-
tem a comunicação com nossos semelhantes, a “matéria que
ninguém aprende” possa ser desmitificada.
Unidade I
FUNDAMENTOS DA
TEORIA GRAMATICAL
EaD • UFMS Fundamentos da Teoria Gramatical 19

Unidade I

FUNDAMENTOS DA TEORIA GRAMATICAL

Nesta unidade vamos apresentar os principais fundamentos da teo-


ria gramatical: noções de gramática, noção de erro, concepções de língua
e linguagem e abordagens teóricas. Veremos, também, qual a concepção de
gramática adotada neste livro e quais os motivos para a escolha dessa con-
cepção, e não de outra. Ao final desta unidade, você deverá ser capaz de:
• identificar os principais tipos de gramáticas;
• estabelecer uma relação clara entre regra, erro e tipo de abordagem
teórica vinculada a cada tipo de gramática.

1.1 Noções de gramática
“Comecemos pelo óbvio”, como afirmou Possenti em seu livro
Por que (não) ensinar gramática na escola (2008): o que é gramática? [Ani Carla1] Comentário:
Há dois sentidos para o con-
Acontece que esse óbvio não é tão óbvio assim, como o próprio autor ceito de REGRAS.
constatou. Há várias definições para o termo e não há consenso claro Nessa concepção de gra-
mática (GN), regras carrega
entre os autores. Fiquemos, então, com uma definição mais ampla, consigo “a idéia de obri-
gação, aproximando-se da
aquela que abarca todos os conceitos (POSSENTI, 2008, p. 63-64): noção de lei em sentido jurí-
dico: a regra é algo a que se
Gramática é um “conjunto de regras” que: obedece, sob pena de algu-
ma sanção”. É nesse sentido
que a GN utiliza o termo no
a) devem ser seguidas; sentido de “uma obrigação e
b) são seguidas; uma avaliação do certo e do
errado” (POSSENTI, 2008,
c) o falante domina. p. 73)
[Ani Carla2] Comentário:
A primeira, gramática como um conjunto de regras que devem ser se- Outro sentido para o termo
regras, é “a idéia de regu-
guidas, faz parte do conceito de Gramática Normativa ou Gramática laridade e constância, apro-
ximando-se da noção de lei
Tradicional. Essa concepção, frequente nos livros didáticos escola- no sentido de ‘leis da na-
tureza’. […] na medida em
res, pretende prescrever as regras do “bem falar e bem escrever”, que organizam observações
ditando o que é certo e o que é errado. Erro, nessa concepção, é sobre fatos, sem qualquer
conotação valorativa. […]
“tudo aquilo que foge à variedade que foi eleita como exemplo de Por exemplo, em português,
artigos vêm antes de nomes;
boa linguagem” (POSSENTI, 2008, p. 78). pode-se ouvir ‘nós vamos’ e
‘nós vai’, mas não se ouve
Outro conceito é o de Gramática Descritiva. Essa, busca descre- ‘eu vamos’. Ou seja, há com-
binações possíveis e outras
ver e/ou explicar o conjunto das regras que são seguidas (usadas) pelos impossíveis.” (POSSENTI,
2008, p. 73-74)
falantes. “Pode haver diferenças entre as regras que devem ser se-
guidas e as que são seguidas, em parte como conseqüência do fato
de que as línguas mudam e as gramáticas normativas podem con-
tinuar propondo regras que os falantes não seguem mais [ou usam
raramente]” (POSSENTI, 2008, p. 65). Essas regras são o objeto de
estudo dos linguistas, que não estão preocupados em apontar erros,
mas em analisar, a partir de determinada teoria, aquilo que é pos-
sível na língua (gramatical), e o que é impossível na língua (formas
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
20 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

inexistentes na língua = agramatical). “‘Os menino’, cuja pronúncia


sabemos ser variável (uzmeninu, ozminino, ozmenino etc), que seria
claramente um erro do ponto de vista da Gramática Normativa por
desrespeitar a regra de concordância, não é um erro do ponto de vis-
ta da Gramática Descritiva, porque construções como essa ocorrem
sistematicamente numa das variedades do português” (POSSENTI,
2008, p. 79). Nessa concepção, só as sequências que não fazem parte
do sistema da língua são consideradas erros, como, por exemplo:
[Ani Carla3] Comentário: essas meninos, uma menino etc., “que só por engano ocorreriam com
Podemos falar também de
regras (internalizadas), que
falantes nativos” (POSSENTI, 2008, p. 80).
são os conhecimentos lin-
guísticos que todos os falan- Por fim, o terceiro conceito de gramática, conjunto de regras que o
tes nativos têm das proprie-
dades de sua língua. falante domina, é denominado de Gramática Internalizada. Essa gramá-
Ex.: qualquer falante de por-
tuguês sabe que a sentença
tica independe do que é aprendido na escola: é a gramática ou conjun-
Os cachorro mordeu o me-
nino e Os cachorros morde-
to de regras internalizadas que todo falante possui, que é dominada
ram o menino são sentenças por todos, inclusive por analfabetos. De forma semelhante à Gramática
do português, assim como,
sabe que Mordeu os menino Descritiva, não se usa o termo “erro”, mas inadequação da variedade
cachorros o é uma sentença
impossível. linguística a uma determinada situação de interação comunicativa.
[Ani Carla4] Comentário:
ATIVIDADE 1

[Ani Carla5] Comentário: 1.2 Diferentes abordagens para o estudo da gramática


Para saber mais sobre esses
três tipos de gramática, leia
as páginas 63-73 de Possenti Cada uma das definições de gramática apresentadas acima cor-
(2008).
responde a uma abordagem de estudo diferente.
A Gramática Normativa utiliza a abordagem tradicional, que
serve de base para o ensino do português na escola. Como já dito,
essa gramática prescreve as regras da norma culta e, por vezes, dis-
tancia-se da realidade linguística. Nessa concepção, a língua é tida
como um sistema imanente e a linguagem como faculdade humana
da língua (a fala, oralidade, é desconsiderada).
A abordagem funcionalista é uma das abordagens que se de-
dica ao estudo da Gramática Descritiva. Nessa abordagem, a língua
é vista como um sistema heterogêneo que se estabelece a partir das
práticas de uso da linguagem (FRANCHI, 1991 apud MENDONÇA,
2009). Nessa visão, o contexto em que a sentença está inserida é mui-
to importante para o seu entendimento.
Por fim, temos a abordagem formalista (Gramática Internaliza-
da). Nessa abordagem, o importante é analisar as questões relacio-
nadas às estruturas/regras que operam em uma determinada língua,
sem a preocupação com o contexto de comunicação. A língua é vista
como um sistema gerador e a linguagem, como uma faculdade cog-
nitiva desse sistema (FRANCHI, 1991 apud MENDONÇA, 2009).

1.3 A concepção de gramática adotada neste livro


Neste capítulo, vimos que há pelo menos três tipos de gramá-
tica e que cada gramática se dedica a estudar diferentes variedades
EaD • UFMS Fundamentos da Teoria Gramatical 21

da língua (por exemplo, a Gramática Normativa utiliza a variedade


culta como objeto de ensino; a Gramática Descritiva analisa todas as
variedades possíveis da língua). A escolha por qualquer uma delas
não é livre de críticas. Assim, partindo do pressuposto de ser este
um curso de licenciatura em Letras, e concordando com a afirmação
de Possenti (2008, p. 83), quando diz que “o papel da escola não é o
de ensinar uma variedade no lugar da outra, mas de criar as condi-
ções para que os alunos aprendam também as variedades que não co-
nhecem, ou com as quais não têm familiaridade”, vamos considerar
prioritário desenvolver e discutir, neste livro, as regras da variedade
padrão – Gramática Normativa.
É importante deixar claro que de forma alguma estamos afir-
mando que se deva priorizar o ensino dessa gramática (Normativa)
em detrimento das outras. Pelo contrário. Concordamos com Pos-
senti (2008, p. 87-95) quando afirma que deveríamos trabalhar na
escola com os três tipos de gramática, “privilegiando a Gramática
Internalizada” nos primeiros anos de escola; “em seguida, a descriti-
va”, que deve ser trabalhada a todo momento a partir das produções
efetivas dos alunos, com comparações e explicações sem preconcei-
tos das formas utilizadas ou rejeitadas em determinadas situações
sócio-comunicativas; “e, por último, a normativa”, ensinada sem
estigmatizar as outras variedades, sem avaliar os textos como erra-
dos ou corretos, mas sim como “textos mais ou menos adequados,
ou mesmo inadequados a determinadas situações” (p.94). O ensino
de gramática é, nessa perspectiva, o ensino da língua “em toda sua
variedade de usos”. “Isso se faz expondo o aluno consistentemente
a formas linguísticas que ele não conhece, mas deve conhecer para
ser um usuário competente da língua escrita. Se tais formas não são
faladas, só um bom programa de leitura pode produzir a exposição
necessária ao aprendizado ativo” (p. 88, grifos nossos).
Justamente porque seremos professores (de línguas), temos que
dominar as regras e estruturas da nossa língua, sobretudo as regras
do português padrão (variedade padrão), ter a capacidade de refle-
tir sobre elas e fazer com que nosso aluno também reflita. Em outras
palavras, nós, (futuros) professores, temos o dever de dominar meta-
linguagens, conceitos e teorias sobre a língua, sem que isso precise
ser repassado ao aluno (o professor deve ter um conhecimento mui-
to maior e mais pormenorizado do que aquele que é ensinado em
sala de aula). Ao professor, cabe a tarefa de dominar esse conteúdo
e criar condições para ele seja aprendido pelo aluno.
“A tese de que não se deve ensinar ou exigir o domínio do dia-
leto padrão dos alunos que conhecem e usam dialetos não padrão
baseia-se em parte no preconceito segundo o qual seria difícil apren-
der o padrão” (POSSENTI, 2008, p. 17). Ademais, a funcionalista
Maria Helena de Moura Neves (2007), ao fazer um estudo/pesquisa
com 170 professores de língua portuguesa de 1º e 2º graus da rede
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
22 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

oficial de quatro cidades de São Paulo, percebeu que os professores


apresentam muitas dificuldades no ensino da língua porque, em ge-
ral, não têm o domínio do conteúdo que é transmitido em sala de
aula. Segundo ela,

As dificuldades, em geral, dizem respeito a uma incapacida-


de de avaliar a língua em uso nas suas diversas dimensões, [...]
[dimensão discursiva, semântica e sintática].
A falta de percepção da organização funcional da língua se
reflete, por exemplo, na frequência com que sujeito e agente ou su-
jeito e tema se confundem.
Quando à falta de rigor metodológico, aponta-se a confusão
entre o plano de organização semântica e o de estruturação sintá-
tica no estudo, por exemplo, da transitividade, da entidade agente
da passiva e das construções existenciais com verbos impessoais ou
não-impessoais (haver x existir)
Além disso, as “aporias” a que chegam os professores dizem
respeito: 1) à confusão entre um argumento obrigatório (na No-
menclatura Gramatical Brasileira, “complemento”) e um partici-
pante não-obrigatório (na GB, “adjunto”), de que são exemplos os
pares: complemento nominal x adjunto adverbial; 2) à falta de carac-
terização exata de predicação nominal (cópula + predicativo), de
que é exemplo o par predicativo x adjunto adverbial). Outra confu-
são (menos apontada, mas também ocorrente), ainda ligada a essa
questão, é a que se faz entre o predicado nominal e o predicado
com o verbo ter, e que representa indistinção entre predicação
nominal (fato sintático) e predicação estativa (fato semântico): o
verbo ter (de estado) é sentido como cópula ou “verbo de ligação”
(NGB), pela predominância de predicações estativas com verbos
de ligação.
Merece registro o fato de os professores, em geral, não consi-
derarem problemático o estudo das classes de palavras. O que se
notou foi que eles “resolveram” a questão de reconhecimento de
classes de palavras simplesmente não oferecendo muitas ocasiões
de erros ou dúvidas aos alunos, na resolução dos exercícios pro-
postos: os exercícios de descoberta e pertencimento a classes são
tão dirigidos e de tal obviedade que dificilmente os alunos (e os
próprios professores) se sentem com problemas de resolução. [...]
(NEVES, 2007, p. 43-4)

Partindo do estudo de Neves (2007), entendemos e justificamos


a necessidade de os professores de língua portuguesa dominarem
as regras e as metalinguagens apresentadas pela Gramática Norma-
tiva da língua, pois este estudo:
EaD • UFMS Fundamentos da Teoria Gramatical 23

• desenvolve no professor a capacidade crítica para analisar


frases e sentenças, além de dar maior segurança ao professor
quando ocorrer a prática docente;
• dá subsídios para a crítica, já que muitas são as críticas à Gra-
mática Normativa, mas só podemos criticar aquilo que efeti-
vamente conhecemos;
• desenvolve a capacidade expressiva dos usuários da língua,
ou seja, torna o indivíduo competente para que possa empre-
gar a língua adequadamente nas situações de interação. Essa
competência implica no conhecimento dos diversos níveis de
linguagem, desde o mais coloquial até o mais culto.
Sempre que possível, faremos leituras críticas frente aos fatos
apresentados pela Gramática Normativa, traçando paralelos com os
usos linguísticos. Vamos, então, ao estudo da estrutura/regras e fun-
cionamento da língua sob o viés da Gramática Normativa – nosso
objeto de trabalho!
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
24 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS
Unidade II
a CONSTITUIÇÃO
DA FRASE E DA ORAÇÃO
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
26 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS
EaD • UFMS A Constituição
Fundamentosdada
Frase e da
Teoria Oração
Gramatical 27

Unidade II

A CONSTITUIÇÃO DA FRASE E DA ORAÇÃO

Nesta unidade estudaremos a estrutura das frases do Português Bra-


sileiro (PB) a partir da abordagem da Gramática Normativa. Iniciaremos
o capítulo com uma explicação, não normativa, mas de fácil entendimento,
sobre a estrutura argumental das orações (as explicações desenvolvidas nes-
sa seção servirão de base para o desenvolvimento do capítulo). Na sequência,
diferenciaremos frase, oração e período. Finalizaremos o capítulo mostrando
as funções sintáticas exercidas pelos itens lexicais dentro da frase. Sempre
que necessário, lançaremos mão de estudos da Gramática Descritiva e In-
ternalizada para mostrar, refletir e, às vezes, solucionar alguns problemas
apresentados por uma análise puramente normativa. Ao final desta unida-
de, você deverá ser capaz de:

- conseguir analisar a estrutura argumental dos predicados;


- diferenciar frase, oração e período;
- analisar uma oração sob o viés da Gramática Normativa;
- diferenciar complemento obrigatório de complemento não obrigatório
(adjunto);
- explicar os problemas de definição conceitual, como o de sujeito, apre-
sentados pela Gramática Normativa.

2.1 Estrutura argumental


O PB é uma língua natural, e como tal apresenta regras. Por
exemplo: os itens lexicais de uma oração se organizam em torno de
um elemento principal (verbo, adjetivo, nome ou a preposição). Esse
elemento principal é chamado de predicador e os itens lexicais sele-
cionados pelo predicador, chamam-se argumentos. A essa estrutura
formada por predicado e seus argumentos, chamamos de estrutura
argumental.
Uma forma de pensar na estrutura argumental das orações é
por meio de uma cena de filme. Imagine uma cena que gire em torno
do verbo sorrir, como:
(1) Ana sorriu.
A cena está completa, não é mesmo? Agora, imagine uma cena
de abraçar, como:
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
28
28 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

(2) Maria abraçou.


A cena (oração) não está completa: falta um ‘ator’ para a cena
ficar compreensível, concorda? Nesse caso, alguém perguntaria: -
Maria abraçou quem/o quê? E a resposta seria: o carro. Observe que
cada um desses atores (Maria, carro) desempenha papeis diferentes
– aquele que abraça (Maria) fica antes do verbo, e aquele/aquilo que
é abraçado (o carro) fica depois do verbo:
(3) a. ___ abraçar ____
b. Maria abraçou o carro.
c. O menino abraça a mãe.
d. *A pedra abraçará Maria1.
Os exemplos de (3) mostram, claramente, que abraçar é um
predicado de dois lugares. Ou seja, o predicado abraçar exige dois
argumentos (“complementos”, pela Nomenclatura Gramatical Bra-
sileira) para se completar. Exige, também, que os argumentos sejam
“um abraçador” (algo [+animado] como pessoas, animais) e “algo
que possa ser abraçado” (do tipo semântico [± animado] como pes-
soas, animais ou coisas). Por isso (3d), A pedra abraçará Maria, é uma
sentença ruim (agramatical, não possível em PB) e Maria abraçará a
pedra é uma sentença boa (possível no PB). Outros predicados de
dois lugares são: ___ amar ___; ___gostar___; ___beijar____; ___co-
mer___ etc.
Voltando à oração (1), Maria sorriu, percebemos que o verbo sor-
rir é um predicado de um lugar, ou seja, exige um argumento para
se completar. Esse argumento deve ser semanticamente [± anima-
do], por isso a casa sorriu em (4d) é uma sentença ruim, já que no
nosso mundo casas não sorriem:
(4) a. ___ sorrir.
b. Maria sorriu.
c. O cavalo sorriu.
d. *A casa sorriu.
Assim, diremos que Maria e carro são argumentos do predica-
dor abraçar, assim como Ana é argumento do predicador sorrir. Va-
mos pensar em mais um verbo? Que tal o verbo colocar? De quantos
argumentos o verbo colocar precisa? Alguém que coloque [+ anima-
do], algo que seja colocado [± animado] e um lugar em que esse algo
seja colocado [+ lugar]. Veja:
(5) a. ___ colocar ___ na _____.
b. João colocou o prato na mesa.

1
O asterisco marca que a oração é ruim (agramatical). No caso de (3d) a oração
pode ser boa se tiver leitura conotativa.
EaD • UFMS A Constituição
Fundamentosdada
Frase e da
Teoria Oração
Gramatical 29

c. Maria colocou o bebê na cama.


d. *A mesa colocou a bola na Maria.
Assim, dizemos que o verbo colocar é um predicado de três lu-
gares. “Podemos, então, caracterizar os argumentos de um predica-
do como os elementos que são capazes de satisfazer as exigências
do predicador, desempenhando papéis específicos determinados
por ele.” (KESSLER, s/d). Por fim, vamos observar uma outra cena:
(6) Os meninos são estudiosos
Há diferença entre essa sentença e as analisadas anteriormen-
te. Segundo Kessler (s/d, p. 20-21), podemos afirmar que os verbos
abraçar e sorrir têm valor predicativo, pois selecionam “(i) o número
de participantes envolvidos na situação que ele descreve; (ii) as ca-
racterísticas que esses participantes devem ter (se precisam ser [+
ou – humanos], [+ ou – animados], por exemplo); e (iii) o papel que
cada um desses participantes desempenha no evento descrito.” Ao
contrário, o verbo ser parece não funcionar como predicativo. Veja o
que ocorre se mudamos os argumentos:
(7) a. Os meninos são estudiosos.
b. *Os cachorros são estudiosos. / *A mesa são estudiosos.
c. Os cachorros são bonitos.
d. *Os automóveis são estudiosos.
e. Os automóveis são bonitos.
f. *As meninas são estudiosos.
g. As meninas são estudiosas.
O que as orações de (7) revelam é que o verbo ser não tem
valor predicativo. Ele apenas carrega as marcas de flexão, tempo,
modo e pessoa. Analisando e comparando as orações de (7), per-
cebemos que são os adjetivos estudiosos e bonitos que exercem o
papel de predicativo. Estudiosos exige que seu argumento seja [+
humano], [+ masculino] e [+ plural] (já que o adjetivo estudiosos é
masculino, plural e se refere a seres humanos), por isso Os cachor-
ros são estudiosos e A mesa são estudiosos são orações impossíveis em
PB. Assim, estudiosos é um predicador de um lugar (___estudiosos)
que toma meninos como seu argumento em (7a). Faça essa mesma
análise para o adjetivo bonitos.
Observamos, aqui, a relação entre predicados e argumentos (=
complementos). Há outros itens lexicais que funcionam como pre-
dicadores, como os nomes, que veremos no decorrer desse material.
Essa noção está nos estudos da Gramática Internalizada, mas é fun-
damental para o desenvolvimento de vários conceitos e críticas que
faremos ao longo desta disciplina.
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
30
30 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

2.2 Frase, oração e período


Além da estrutura argumental, qualquer falante nativo do PB,
inclusive aqueles que não dominam a língua escrita, reconhece as
sentenças em (8) abaixo como sentenças possíveis, e descarta as
sentenças de (9) – o asterisco (*) marca a agramaticalidade da sen-
tença –:
(8) a. Os alunos ganharam um caderno da professora.
b. Da professora, os alunos ganharam um caderno.
c. Os alunos ganharam, da professora, um caderno.

(9) a. *Um alunos ganharam professora os caderno da.


b. *Professora ganharam alunos os da um caderno.
Isso acontece porque há uma estrutura hierárquica na língua.
Os itens lexicais de uma frase estão dispostos de forma que respei-
tem essa estrutura hierárquica. Todo falante nativo do PB sabe, pela
sua Gramática Internalizada, que os artigos precedem os substan-
tivos, por exemplo. A parte da gramática que descreve as regras de
como as palavras se combinam para formar frases é chamada de sin-
taxe.
Frase é definida pela Gramática Normativa como todo o enun-
ciado com sentido completo, capaz de estabelecer comunicação (é
uma unidade do discurso). Por isso, uma frase pode ser formada por
uma só palavra, como silêncio!, que é uma frase porque transmite
uma ideia (a ideia de ordem para ficarmos quietos); ou, também,
pode ser constituída por várias palavras, com a presença ou não de
verbo:
(10) a. João ama Maria.
b. Que alegria!
c. Que horror!
A frase é classificada de acordo com o sentido expresso por ela.
Vejamos algumas possibilidades:
a) Frase declarativa: quando algo é declarado.
(11) a. Você é um excelente aluno.
(frase declarativa afirmativa)
b. Você não está estudando o suficiente.
(frase declarativa negativa)
b) Frase imperativa: com verbo no imperativo. Indica ordem, de-
sejo, sugestão etc.:
(12) Compra mais livros.
EaD • UFMS A Constituição
Fundamentosdada
Frase e da
Teoria Oração
Gramatical 31

c) Frase interrogativa: quando há uma pergunta. Observe que há fra-


ses interrogativas sem sinal de interrogação (?). Em (13b), abaixo, a per-
gunta é sugerida, indireta, por isso, chama-se de interrogativa indireta:
(13) a. Você quer mais bolo?
b. Eu não sei porque o Mario não veio à festa.
d) Frase exclamativa:
(14) a. Eu adoro estudar sintaxe!
b. Sim! (como resposta a pergunta:
- Você aceita um pedaço de bolo?)
Importante pontuar que algumas frases só assumem sentido (=
só são entendidas) a partir do contexto (situação sócio-comunicati-
va) em que são empregadas. Para a frase sim! (14b) ser compreendi-
da como tal, inserimos o contexto entre parênteses.

Para termos uma frase, é suficiente, portanto, que a unidade lin-


guística empregada represente um ato comunicativo capaz de
exprimir uma intenção ou motivação interlocutiva. Dizemos, por
isso, que a frase é a unidade fundamental do discurso, isto é, da
atividade comunicativa que se realiza por meio da palavra.
(AZEREDO, 2008, p. 136)

A Gramática Normativa diferencia frase de oração. De acordo


com Azeredo (2008, p. 136), oração é uma unidade gramatical es-
truturada em torno de um verbo “flexionado em um dado tempo e
constituída, tipicamente, de duas partes: sujeito e predicado”.
(15) a. João caiu do cavalo.
b. Maria comeu todo o bolo.

Para pensar 1:
(16)Na cabeça, aquela bonita coroa.
A frase acima, retirada de Montello (apud CUNHA; CINTRA,
2001, p. 120) não tem nenhum verbo explícito. Nesse caso, diríamos
que essa frase não contém oração. No entanto, a vírgula está subs-
tituindo um verbo facilmente inferível: Na cabeça estava aquela bonita
coroa. Portanto, em uma oração, o verbo pode estar explícito ou im-
plícito. Veja mais exemplos:
(17) a. João foi ao shopping/ e Maria, à feira.
(a barra / marca o limite das orações)
b. Maria é esposa de Paulo; / Joana, de Pedro.
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
32
32 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

Para pensar 2:
Nos conceitos descritos acima, analisamos (13) e (15), repetidas
abaixo, como oração e frase respectivamente:
(13) a. Você quer mais bolo?
(15) b. Maria comeu todo o bolo.
Mas qual é a diferença entre elas, já que ambas são constituídas
por verbo (querer e comer) e veiculam uma informação? Nenhuma:
as duas devem ser consideradas frase e oração. No entanto, ainda en-
contramos gramáticas que fazem uma confusão entre o significado
de frase e oração. Algumas afirmam que nem toda frase é oração,
porque existem frases que não têm verbo – Que dia lindo! - e, nem
toda oração é frase pois há orações que têm verbo, mas têm sentido
incompleto - Queremos / que a justiça impere no Brasil.
O problema está em juntar dois conceitos que são baseados em
critérios distintos. Retome os conceitos de frase e oração descritos
acima e você verá que frase é uma unidade fundamental do discur-
so, enquanto que oração é uma unidade fundamental da gramática.
(AZEREDO, 2008).
Por fim, falta definir o conceito de período. Período é uma frase
que contém uma ou mais orações. Ele pode ser simples, quando pos-
sui uma só oração [João ama Maria], ou composto, quando é constitu-
ído de duas ou mais orações [João ama a Maria que trabalha na casa de
Pedro]. O estudo do período será discutido, em detalhes, na Unidade
3. Por hora, vamos retomar a oração, verificando as funções sintáti-
cas dos constituintes que a compõem.

2.2.1 Sujeito
Como vimos na seção (2.1), os predicados impõem algumas
restrições e/ou exigências a seus argumentos. Essas restrições defi-
nem a função sintática desses elementos.
Segundo estudo sobre o conceito de sujeito, feito por Antônio S.
C. da Cunha (2006), “as gramáticas tradicionais brasileiras utilizam-
-se de três critérios para a definição da função sintática de sujeito:
ora o critério semântico; ora o discursivo, ora o sintático”.
Pelo critério semântico, mais utilizado nas gramáticas antigas,
muito embora ainda encontremos tais definições nos livros didáti-
cos, “‘o sujeito é aquele que pratica a ação expressa pelo verbo da
oração’, identificando, dessa forma, o sujeito com o papel temáti-
co de agente” (CUNHA, 2006). Essa definição é ultrapassada, pois
é facilmente ‘derrubada’ com a comparação entre a forma ativa e
passiva de uma oração, “em que os termos têm a função sintática
alterada, mas mantêm a respectiva função semântica” (AZEREDO,
2008, p. 223):
EaD • UFMS A Constituição
Fundamentosdada
Frase e da
Teoria Oração
Gramatical 33

(18) a. Marcelo comprou um carro.


Agente Paciente = Função semântica
Sujeito Objeto direto = Função sintática
b. O carro foi comprado por Marcelo.
Paciente Agente da passiva = Função semântica
Sujeito Adjunto = Função sintática
Se você revisar o seu livro de semântica, verá que, mesmo em
orações ativas, muitas vezes o sujeito não exerce o papel semântico
de agente, já que temos vários papéis temáticos: agente, paciente, ex-
perienciador, locativo etc. Então, a definição de sujeito como ‘aquele
que pratica a ação do verbo’ é inadequada.
Passamos, então, para o próximo critério: o discursivo.

Segundo Rocha Lima, sujeito é “o ser de quem se diz algo”. Cunha


& Cintra apontam que o sujeito é “o ser sobre o qual se faz uma
declaração”. Bechara, em Lições de português pela análise sintática,
define sujeito como “o termo da oração que indica o tópico da
comunicação representado por pessoa ou coisa de que afirmamos
ou negamos uma ação ou uma qualidade”. […].
O que se pode observar facilmente é o seguinte: Rocha Lima e
Cunha & Cintra, de forma implícita, igualam o sujeito ao tópico
da oração, enquanto que Bechara faz essa analogia de forma ex-
plícita.
(CUNHA, 2006)

É incorreto definir sujeito como ‘o ser sobre o qual se faz uma


declaração’. “Esta definição é válida para a noção textual de tópi-
co, que nem sempre corresponde ao sujeito da oração” (AZEREDO,
2008, p. 223). Observe o exemplo dado por Azeredo: [Ani Carla6] Comentário: A
vírgula foi usada justamente
porque a sentença não está
na ordem canônica (GN).
(sujeito + verbo + comple-
(19) O corpo do pardalzinho, Sacha enterrou no jardim. mentos). O objeto foi deslo-
cado para o início da senten-
ça e, por isso, ao final dele é
inserida a vírgula.
Nessa sentença, o corpo do pardalzinho é ‘o ser sobre o qual se faz
a declaração’, mas não é o sujeito da oração. Nesse caso, de (19), o
objeto direto do verbo enterrar foi deslocado para o início da senten-
ça e, assim, o sujeito – Sacha – ficou em segunda posição:

(20) Sacha enterrou o corpo do pardalzinho no jardim.


sujeito verbo objeto direto adjunto
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
34
34 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

Por fim, o critério sintático.

O critério que vem prevalecendo nas gramáticas mais recentes é o


sintático pelo qual se aponta uma relação de concordância entre o
sujeito e o verbo (Perini, Manoel P. Ribeiro, etc.).
Este critério traduz bem a Gramática Internalizada de um falante
escolarizado principalmente com relação à língua escrita formal,
mas não pode ser considerado como isento de problemas, princi-
palmente se formos levar em conta a língua oral informal. É preci-
so reconhecer que, na língua oral, há certas construções de tópico
em que a concordância se dá com o SN tópico e não com o SN
sujeito, conforme apontado por Pontes (1987).
(CUNHA, 2006)

[Ani Carla7] Comentário: Mesmo com o ‘probleminha’ evidenciado por Cunha (2006), aci-
O que fizemos aqui é o que
deve ser feito em sala de ma, e de outros que serão descritos em detalhes no capítulo 3
aula: discutir os conceitos
apresentados nos livros e, deste livro, vamos manter que o critério para definir o sujeito
não apenas aceitá-los passi-
vamente. seja o sintático: o verbo mantém uma relação de concordância
com o sujeito. Vejamos como Cunha (2006) prossegue essa clas-
sificação:

A frequente relação de concordância entre sujeito e verbo com o


sujeito determinando número e pessoa verbais é suficientemente
clara, relação que só é perturbada nos seguintes casos:
– nas posposições do sujeito em relação ao verbo na língua oral,
principalmente a informal [...];
– mesmo nas anteposições do sujeito em relação ao verbo, na lín-
gua oral, em caso em que o sujeito vem separado do verbo por um
conjunto significativamente grande de elementos. Nestes casos, a
limitação de memória pode perturbar a concordância.
– nas situações […] [tópico+verbo+sujeito], […] [O jasmim ama-
relou as pontas – tópico (o jasmim) + verbo (amarelou) + sujeito
(as pontas)] , em que o falante, principalmente na língua oral in-
formal, interpreta o [...] tópico, anteposto ao verbo, como sujeito
e faz a concordância do verbo com o tópico e não com o sujeito,
posposto ao verbo.
Todos os casos devem-se, principalmente, às condições de pro-
dução da língua oral informal, bem diferentes da escrita formal.
Nesta, há tempo e condições de revisão do texto, naquela, o ime-
diatismo, o planejamento do discurso concomitante ao ato de pro-
dução dele fazem com que tais “problemas” ocorram.
EaD • UFMS A Constituição
Fundamentosdada
Frase e da
Teoria Oração
Gramatical 35

O sujeito é, também, uma função semântica, não no sentido apre-


goado pelas gramáticas que o definem como agente da ação ex-
pressa pelo verbo, pois o papel de agente não é o único que o
sujeito pode ter, ainda que possa ser o mais comum. Mas é fun-
ção semântica porque seu papel semântico é determinado pela
semântica do verbo. Neste caso, há um comportamento entre su-
jeito e verbo oposto ao da concordância. Na concordância, o su-
jeito funciona como elemento determinante (da forma verbal) e o
verbo como elemento determinado; na semântica, o verbo entra
como elemento determinante (sua semântica limita os papéis se-
mânticos que podem ser exercidos pelo sujeito).
(CUNHA, 2006)

O sujeito pode ser um substantivo ou qualquer outra palavra


com valor de substantivo:
(21) a. Os alunos estudam com a professora Patrícia. (substantivo)
b. Eles estudam para passar de ano. (pronome substantivo)
c. Estudar é muito importante. (verbo substantivado)
d. Três é um exagero! (numeral substantivo)
e. Que Maria dance perturba João. (oração encaixada substantiva)
A partir dessa discussão acerca do conceito de sujeito, não po-
demos deixar de mencionar que, tradicionalmente, se distinguem
vários tipos de sujeito, como vemos a seguir:
A) Sujeito determinado

Figura 1 (Fonte: http://drgico.blogspot.com/2008_04_01_archive.html)


LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
36
36 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

O sujeito determinado pode estar explícito (claro) ou implíci-


to (oculto, elíptico). Caso esteja explícito, ele pode ser formado por
apenas um núcleo, sujeito simples, ou, então, por dois ou mais núcle-
os, sujeito composto:
(22) a. João ama Maria. / Pedro caiu do cavalo.
(sujeito simples)
b. João e Maria caíram do cavalo. Ele e ela caíram do cavalo.
(sujeito composto)
Caso esteja implícito, ele será denominado de sujeito desinencial,
elíptico, implícito ou oculto2. Nesse caso, o sujeito como item lexical é
foneticamente ocultado (apagado), mas pode ser depreendido pela
desinência do verbo, em negrito nas frases (23), ou pelo contexto,
como em (24):
(23) a. [ ] caíram do cavalo. (Sujeito implícito = eles)
b. João caiu do cavalo e não [ ] chorou. (Sujeito implícito = João)
c. [ ] Fizeste o bolo hoje?3 (Sujeito implícito = Tu)
(24) As crianças foram obrigadas a [ ] abandonar suas famílias.
(sujeito implícito)
Em (23) o lugar sintático do sujeito está vazio, mas a sua exis-
tência sintática continua marcada na flexão do verbo. Já em (24), o
verbo abandonar está no infinitivo (não tem marca desinencial), mas
mesmo assim, conseguimos depreender, através do contexto, qual é
o sujeito da sentença – as crianças.
B) Sujeito indeterminado

Figura 2 (Fonte: http://espelhoesonho.blogspot.com/2010/08/2-c-sujeito.html)

2
A partir de agora, vamos chamar esse tipo de sujeito só de implícito para utilizar
apenas uma terminologia.
3
Curiosidade:
Você sabe por que as pessoas omitem o sujeito? Por causa do chamado Princípio da
economia linguística. Segundo esse princípio, “cada unidade de informação requer
apenas uma unidade de expressão […] No enunciado abaixo:
‘Houve ano em que estranhei tanto roxo e o pai logo me rebateu, deixando-me
perplexo’ (CONY, C.H, 1995:97), a forma verbal estranhei indica, pela desinência,
que seu sujeito é eu, a pessoa que fala. Por outro lado, em: ‘Cansado, eu dormia
logo, embalado pela certeza de que, nos próximos dias e noites, ficaria ao lado dele
ajudando-o nos balões...’ (CONY, C.H., 1995:99), dormia, que não é provido de
desinência de pessoa, recebe o sujeito eu.” (AZEREDO, 2008, p. 224-5)
EaD • UFMS A Constituição
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Frase e da
Teoria Oração
Gramatical 37

Orações de sujeito indeterminado são empregadas por motivos


cognitivos ou discursivos variados, e a língua oferece a seus
usuários diferentes meios para indeterminar, dissimular ou
mesmo ocultar a identidade do ser humano a quem o sujeito da
oração se refere. A razão cognitiva óbvia é o desconhecimento da
identidade do ser de que se fala. As razões discursivas, por sua
vez, são variadas: a conveniência ou oportunidade da omissão
da identidade do sujeito é uma delas, o registro de linguagem
empregado ou o gênero de texto produzido é outra.

(AZEREDO, 2008, p. 225-6)

Ou seja, o sujeito não está expresso na oração e nenhum outro


termo fornece elementos para o seu reconhecimento. Nesse caso, só
o predicado é expresso. Há pelo menos três processos que indeter-
minam (ocultam a identidade) o sujeito: uso do pronome se; emprego de
infinitivos; e uso do verbo na terceira pessoa do plural.
Na interação espontânea é mais difícil utilizarmos o pronome
se, mas ele não é impossível. Nesse caso, utilizamos o verbo (transi-
tivo indireto (VTI), intransitivo (VI) ou de ligação (VL)) na terceira
pessoa do singular mais a partícula se:
(25) a. [ ] Precisa-se de empregadas eficientes.
(VTI+se+ preposição)
b. [ ] Vive-se bem por aqui.(VI+se (+advérbio))
c. [ ] É se feliz nessa casa. (VL+se)
Nos casos acima, o verbo fica sempre no singular (3ª pessoa).
Discuta com seu colega a construção das seguintes frases: Vendem-se
casas, Compram-se filhotes de gato siamês. Dica: observe o tipo de
verbo presente nas frases.
A segunda forma de indeterminar o sujeito é empregar verbos
no infinitivo, como em (26), ou, então, utilizar o verbo na terceira
pessoa do plural (desde que o sujeito não fique subentendido/implí-
cito), como em (27):
(26) É preciso [ ] utilizar mais lenha para [ ] fazer o fogo.
(27) [ ] Anunciaram a sua contratação.
“Observa-se, ainda, que só é possível a indeterminação do su-
jeito quando o predicado se refere a algum ser humano no papel de
sujeito. Ou seja, empregadas literalmente, seriam anômalas frases
como: *Latiram na rua; *Cacarejava-se muito cedo no quintal [...]”
(AZEREDO, 2008, p. 226-7)
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
38
38 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

C) Sujeito inexistente/oração sem sujeito:


Além de oculto (implícito) e indeterminado, há orações em que
o sujeito simplesmente não existe. É o caso do sujeito inexistente ou
oração sem sujeito. Os verbos utilizados nesses casos, denominados
impessoais, integram uma lista finita: são sempre usados na terceira
pessoa do singular e, se acompanhados de verbos auxiliares, trans-
mitem a eles sua impessoalidade.
(28) [ ] Fará quinze anos que me casei.
(e não ‘farão’ ou ‘fazem’, pelas regras da GN).
O sujeito inexistente ocorre nas seguintes construções:
• Verbo haver (singular) usado com o sentido de Ocorrer, Fazer,
Existir, Realizar-se e Acontecer (O FERA):
(29) a. [ ] Houve muitas desgraças com essa família.
(aconteceram/ocorreram).
b. [ ] Há muitos anos que não converso contigo. (faz)
c. [ ] Há alunos que estudam muito. (existem)
d. [ ] Houve uma grande festa na universidade. (realizou-se)
• Verbos Fazer, Ser e Estar (FA-S-E) utilizados com o sentido de
tempo decorrido, hora, data ou fenômeno da natureza (verbo
sempre no singular):
(30) a. [ ] Faz dias que João foi embora.
(e não, “fazem” pelas regras da GN)
b. [ ] Fez muito frio ontem.
c. [ ] Era cedo quando Maria partiu.
d. [ ] Estava um dia ensolarado.

Atenção 1:
(31) Hoje é/são 20 de maio.
Qual das duas formas está correta? Por quê? Procure pesquisar
a resposta antes de prosseguir com a leitura do manual.
Resposta: Hoje é [dia] 20 de maio ou Hoje são 20 [dias do mês] de maio.
O que está entre colchetes são informações implícitas na frase.
Assim, como as duas leituras são possíveis, podemos utilizar o é ou
são. Esse fato ocorre na indicação de datas.

Atenção 2:
O verbo ser, impessoal, concorda com o predicativo, podendo
ficar no singular ou no plural, conforme o número do atributo:
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Frase e da
Teoria Oração
Gramatical 39

(32) a. É uma hora da tarde.


b. Já são três horas da tarde.
c. Hoje são cinco de novembro.
• Verbos que indicam fenômenos da natureza: anoitecer, chover,
gear, nevar, relampejar, trovejar, ventar, etc. Nesses casos, pelo
menos em nossa cultura, não conseguimos atribuir um sujeito
ou entidade para trovejar, nevar, etc.
(33) a. Anoiteceu mais cedo hoje4.
b. Trovejou a noite toda.

Para pensar 3:
(34) O dia amanhece com uma algazarra de pássaros.
Em (34), retirada de Azeredo (2008, p.232), temos claramente
um sujeito – dia. Segundo o dicionário Houaiss, este é um caso ex-
cepcional que ocorre com o verbo amanhecer.
• Expressões basta de, chega de, passa de:
(35) a. Chega de choro!
b. Basta de mentiras.
c. Já passa de duas da manhã.

Revisando:
Existem pelo menos três tipos de sujeito:
1. Sujeito determinado:
1.1 Simples: tem apenas um núcleo. Maria gosta de maçã.
1.2 Composto: tem dois ou mais núcleos. Maria e Paula gostam de
maçã.
1.3 Implícito: o sujeito é foneticamente apagado (implícito), mas
pela desinência do verbo ou pelo contexto conseguimos depreende-
-lo. João praticou tanto esporte que [ ] ficou doente.
2. Sujeito indeterminado: ocorre quando a desinência do verbo e
o contexto permitem reconhecer que exite um sujeito, mas não é
possível identificá-lo. [ ] Vive-se bem por aqui.
3. Sujeito inexistente: ocorre quando o sujeito não existe. Houve
poucas mortes este ano.
O sujeito inexistente ocorre com o verbo haver (com sentido de ocor-
rer, fazer, existir, realizar-se e acontecer); fazer, ser, estar (com sentido de

4
Cuidado com esses usos no sentido figurado: Amanheci indisposto hoje. (sujeito
desinencial = eu amanheci = acordei )
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
40
40 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

tempo decorrido, data ou hora); verbos que indicam fenômenos da


natureza (como anoitecer, chover, gear, nevar,...); e com as expressões
basta de, chega de etc.

2.2.2 Predicado5
Tudo o que resta após separarmos o sujeito é o predicado. Ou
seja, o predicado é tudo aquilo que se declara a cerca do sujeito.
Numa sentença como João e Maria compraram um presente para Ana,
o sujeito é João e Maria (sujeito composto) e compraram um presente
para Ana é o predicado. Numa sentença como Choveu muito ontem
(sujeito inexistente) só temos o predicado Choveu muito ontem. De
acordo com Azeredo (2008, p. 199), tradicionalmente, temos três ti-
pos de predicado: predicado nominal, predicado verbal e predicado verbo-
-nominal.
A) Predicado Nominal: no predicado nominal, o núcleo é um
nome que exerce a função de predicativo do sujeito. O predicati-
vo do sujeito fornece uma característica, um atributo, um estado ao
sujeito e é conectado ao sujeito por meio de um verbo de ligação.
Cunha e Cintra (2001, p.132-134) elencam os seguintes estados que o
verbo de ligação pode desempenhar:
(36) a. João parecia feliz.(Aparência de estado)
b. João era herdeiro de tudo. (Estado permanente)
c. João esteve hospitalizado por um dia.(Estado transitório)
d. João ficou muito irritado ontem.(Mudança de estado)
e. Barbaças continuava alheado e sorridente.(Continuidade de estado)
Observe que na primeira oração, (36a), feliz é um atributo do
sujeito João. O sujeito João e o predicado nominal feliz estão conec-
tados pelo verbo de ligação parecer. Conforme já discutido na seção
(2.1), os verbos de ligação servem apenas para estabelecer a união
entre duas palavras (sujeito e predicado nominal). O verbo de li-
gação não traz, propriamente, uma ideia nova (apenas um estado
– permanente, transitório, etc.). Ou seja, ele funciona apenas como
elo entre o sujeito e o predicativo. Para comprovar esse fato, pro-
ceda com a elaboração de exemplos conforme feito na seção (2.1),
exemplos em (6) e (7).

5
A Gramática Tradicional considera o sujeito e o predicado como termos essenciais
da oração. No entanto, há casos, como visto anteriormente, em que a oração não
possui sujeito (cf. sujeito inexistente). Porém, se a oração é estruturada em torno
de um verbo e ele está contido no predicado, é impossível existir uma oração sem
predicado.
Ex.: Choveu muito em Campo Grande. (essa frase só possui predicado)
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Teoria Oração
Gramatical 41

B) Predicado Verbal: o predicado verbal tem um verbo como


núcleo. Esse verbo traz uma ideia nova ao sujeito que pode demons-
trar uma ação:
(37) João comprou frutas.
Em (37) o verbo comprar evidencia uma ação (a ação de com-
prar). O sujeito é João e tudo que é dito sobre João, comprou frutas, é o
predicado. Observe que esse verbo comprar pede um complemento
(além do sujeito João), frutas, que é um objeto direto. Por isso, dize-
mos que o verbo comprar é um verbo transitivo direto. Veremos na
próxima seção (2.2.3) que os verbos podem ser intransitivos (como
38a), transitivos indiretos (como 38b), transitivos diretos e indiretos
(como 38c):
(38) a. João ainda vive?
b. João gosta de maçã.
c. João colocou o livro na estante.
Observe que não há adjetivo (qualidade), como madura, saborosa
etc. após o verbo das sentenças acima. Por isso, as partes sublinha-
das acima são predicados verbais.
[Ani Carla8] Comentário:
C) Predicado verbo-nominal: este apresenta dois núcleos: um Veja não é só verbo de liga-
verbo e um nome (predicativo, que pode referir-se ao sujeito ou ao ção que forma o predicati-
vo. Os verbos significativos
verbo). Expressa dupla informação: uma ação e um estado. (verbos de ação) também
podem ser empregados.
(39) João riu despreocupado.
Em (39) há dois núcleos: o verbo rir, que evidencia uma ação
(ação de rir) praticada pelo sujeito, e o predicativo despreocupado,
que evidencia uma qualidade/estado aplicada ao sujeito. Portanto,
sublinhado em (39) temos um predicado verbo-nominal. Veja outro
exemplo:
(40) Os alunos chegaram dispostos.
(ação: os alunos chegaram; estado: alunos dispostos)
Tanto em (39) quanto em (40) os verbos rir e chegar são intran-
sitivos = só precisam do sujeito para se completar. Na sequência,
vamos nos aprofundar na transitividade e complemento dos ver-
bos.

2.2.3 Complementos verbais (e transitividade verbal)


Na seção (2.1), vimos que os verbos apresentam uma estrutu-
ra argumental que é formada pelo sujeito e, dependendo do tipo
de verbo, por nenhum, um ou dois complementos. Assim, quando
o verbo não precisa de complemento algum (não precisa de atores
para se completar – com exceção do ‘ator’ na função de sujeito) tere-
mos um verbo chamando verbo intransitivo (VI):
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
42
42 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

(41) a. João nasceu.


b. O cachorro latiu.
c. Maria sorriu.
É claro que poderíamos dizer João nasceu ontem/repentinamente/
no dia 13 de maio. Porém, nenhum desses termos anexados ao verbo
nascer altera a classe sintática do referido verbo (eles são adjuntos,
como veremos nas próximas seções).
Além dos verbos intransitivos, temos aqueles que exigem com-
plementos. Esses são classificados como transitivos: amar, resumir,
comprar, gostar, fugir, colocar etc.
(42) a. João ama [Maria]/[Fifi]/[feijão].
b. Márcia resumiu [o livro]/[a piada].
c. Mamãe comprou
[brinquedos]/[muitos chocolates]/[roupas novas].
(43) a. João gosta [de bola]/[da Maria]/[de carros].
b. O Mário conversou [com as fãs]/[com o pássaro].
(44) a. João colocou [o livro na estante]/[a faca na gaveta].
O verbo amar, em (42a), é um predicado de dois lugares, que
precisa de um complemento quando dizemos João ama. O mesmo
ocorre em Maria resumiu e Mamãe comprou. Ou seja, todas as sen-
tenças de (42) precisam de um complemento e esse complemento
se liga diretamente ao verbo, sem auxílio de preposição. Por isso, o
verbo é chamado de verbo transitivo direto (VTD) e o complemen-
to desse verbo (Maria, Fifi, o livro, a piada etc.) é chamado de objeto
direto (OD).
Os verbos de (43), gostar e conversar, também são predicados de
dois lugares e precisam de um complemento pra completar as cenas:
João gosta e O Mário conversou. Por isso, esses verbos também são cha-
mados de transitivos. No entanto, veja que o complemento (o objeto)
deles se liga indiretamente ao verbo por meio de uma preposição
(com). Assim, quanto a sua predicação, os verbos gostar e fugir são
verbos transitivos indiretos (VTI) e o complemento desses verbos
são objetos indiretos (OI).
[Ani Carla9] Comentário: Há, também, verbos que exigem dois complementos para
Se você ainda tiver dúvidas
sobre a transitividade dos se completar, como em João colocou. Esses verbos requerem um
verbos, procure a ajuda de
uma boa gramática. objeto direto e um objeto indireto. Por isso, para os verbos que
têm um Objeto Direto e um Objeto Indireto como seus com-
plementos, denominados verbos transitivos diretos e indiretos
(VTDI).
EaD • UFMS A Constituição
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Teoria Oração
Gramatical 43

Por fim, há os verbos que nunca exprimem uma ação, deno-


minados de verbos de ligação6. Esses verbos não apresentam uma
união obrigatória “com uma propriedade qualquer (qualidade, esta-
do, atributo, identidade) expressa no termo adjacente (sublinhado):
2. As crianças são inteligentes.
3. Os legumes estão frescos. […]” (AZEREDO, 2008, p. 213)

Para pensar 4:
Você já deve ter ouvido a oração abaixo:
(45) Amar ao próximo
Pergunta: Que tipo de verbo é o verbo amar? É um verbo tran-
sitivo direto – precisa de alguém que ame (sujeito) e algo que seja
amado (objeto – sem preposição). Como já aprendemos, um verbo
transitivo direto exige um objeto direto como seu complemento. No
entanto, não é isso que observamos em (45), pois temos a preposição
‘a’ entre o verbo amar e o objeto o próximo. Assim, a esses objetos di-
retos que apresentam uma preposição dá-se o nome de objeto direto
preposicionado.
A diferença entre objeto indireto e objeto direto preposicionado
é que, no primeiro, a preposição é obrigatória. Veja outras orações: [Ani Carla10] Comentário:
Observe que aqui, o objeto
(46) a. Amar ao próximo. ( = Amar o próximo). direto foi deslocado para a
posição esquerda da sen-
tença.
b. A homem pobre, ninguém roube .

( = Ninguém roube o homem pobre).


Obs.: às vezes, a inserção da preposição é obrigatória para evi-
tar ambiguidade, como em (47), ou quando o objeto direto é expres-
so por um pronome pessoal oblíquo tônico, como em (48):
(47) a. Sabeis, que ao mestre vai matá-lo.
(Mesquita apud CUNHA; CINTRA, 2001, p.142) [Ani Carla11] Comentário:
Se a frase fosse:
Enganou o povo aquele po-
b. Enganou ao povo aquele político. lítico - a frase seria ambígua:
= foi o povo que enganou ou
(= Aquele político enganou o povo) foi o político que enganou?
Proceda da mesma forma
c. Traiu ao pai o filho mais velho. com os outros exemplos.

(48) Não amei a ti o suficiente?

6
Os verbos de ligação estabelecem uma união entre duas palavras. Eles não trazem,
propriamente dito, uma ideia nova ao sujeito. Há verbos que ora são empregados
como de ligação, ora como significativos. Por isso, é importante prestar atenção ao
valor que o verbo apresenta no texto:
i. Joana estava triste X Joana estava em casa.
ii. Andei muito preocupado X Andei muito hoje.
(Verbos de ligação) (verbos significativos)
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
44
44 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

Para pensar 5:
Vimos que amar ao próximo e amar o próximo não têm diferença
de sentido. Agora, leia atentamente as sentenças abaixo:
(49) a. Comemos do bolo.
b. Comemos o bolo.
Há, claramente, uma diferença entre as duas orações acima
(além da diferença da presença ou não de preposição). Mas, qual é
essa diferença? Se você observou bem as frases acima, deve ter con-
seguido definir o valor semântico delas: (49a) significa que experi-
mentamos o bolo, comemos um pedaço do bolo (uma parte do bolo),
uma fatia, um pedaço; já em (49b), comemos o bolo todo.
O mesmo ocorre com os verbos beber (= beber todo o conteúdo e o
beber no sentido de experimentar, provar alguma bebida).

Atenção 1:
- Os pronomes pessoais oblíquos o, a, os, as (lo, la, los, las, no,
na, nos, nas) funcionam como objeto direto (completam o sentido do
verbo). Por exemplo, em: O trovão abalou a cidade, a expressão a cidade
pode ser substituída por um pronome: O trovão abalou-a.
• O pronome pessoal oblíquo lhe(s) funciona (sempre) como
objeto indireto.
(50) a. Respondi tudo ao delegado.
(quem responde, responde algo a alguém)
b. Respondi-lhe tudo.

Não vem precedido de preposição o objeto indireto representado pe-


los pronomes pessoais oblíquos me, te, lhe, nos, vos, lhes e pelo pre-
fixo se. Note-se que o pronome oblíquo lhe (lhes) é essencialmente
objeto indireto.
(CUNHA e CINTRA, 2001, p. 144)

Atenção 2:
Para classificar um verbo como transitivo direto ou transitivo
indireto, é necessário saber se ele realmente precisa de um comple-
mento. Na frase:
(51) Ele saiu com a namorada.
O verbo sair é intransitivo, apesar da existência da preposição,
já que a oração Ele saiu é perfeitamente possível no PB. A expres-
são sublinhada será adjunto adverbial de companhia, e não objeto
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Gramatical 45

indireto, pois o verbo tem sentido completo, mesmo sem a locução


adverbial ‘com a namorada’ (Ele saiu).
Agora, observe as frases abaixo, retiradas de Cunha e Cintra
(2001, p. 138), e diga qual é a transitividade do verbo:
(52) a. Perdoai sempre.
b. Perdoai as ofensas.
c. Perdoais aos inimigos.
d. Perdoais as ofensas aos inimigos.
E então? Se você compreendeu bem a transitividade verbal dirá
que o verbo perdoar é um intransitivo; transitivo direto; transitivo indi-
reto e, transitivo direto e indireto, respectivamente. Mas como? Como
pode um mesmo verbo – perdoar – ter transitividades diferentes? A
resposta é simples:

A análise da transitividade verbal é feita de acordo com o texto


e não isoladamente. O mesmo verbo pode estar empregado ora
intransitivamente, ora transitivamente, ora com objeto direto, ora
com objeto indireto.
(CUNHA e CINTRA, 2001, p. 138)

Assim como tantas outras distinções que fazemos ao analisar a es-


trutura da língua, a distribuição dos verbos em transitivos e intran-
sitivos nos termos expostos acima é simplista, visto que iguala, com
prejuízo para descrição, uma grande variedade de tipos. Isto não é
uma crítica, até porque os nossos mestres do passado reconheciam
esse fato. Não há uma fronteira rígida entre verbos transitivos e
verbos intransitivos; o que há é um contínuo, em cujos extremos se
encontram o verbo que sempre recusa complemento (ex.: nascer) e
o verbo que sempre seleciona complemento (ex.: fazer).
(AZEREDO, 2008, p. 214-5)

[Ani Carla12] Comentário: A


EXERCÍCIO: partir dos exemplos descritos
acima, você pode relembrar
as classes de palavras vistas
1. Pegue um dicionário e tente localizar exemplos de verbos que na disciplina de morfologia e
ficam ‘perambulando’ por duas classes ao mesmo tempo. Formule ora- tentar formar exemplos com
elas. Assim, você verá que
ções com esses verbos para comprovar essa bitransitividade dos verbos. o objeto direto pode ser re-
presentado por algumas das
classes de palavras. Vejamos
algumas delas:
Em resumo, os complementos dos verbos são: (1)
a. Pedro Alvares Cabral des-
cobriu o Brasil. (substantivo)
A) Objeto direto: é o complemento do verbo transitivo direto. É b. Não vi ninguém. (pronome)
c. Não o conheço. (pronome)
aquele que vem ligado ao verbo sem preposição. Os alunos com- d. Tenho seis. (numeral)
praram dois livros. Eu não os vi. e. João não quer que você vá
embora.(oração substantiva)
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
46
46 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

A.1) Objeto direto preposicionado: trabalham com verbos tran-


sitivos diretos. Traiu ao pai o filho mais velho.
B) Objeto indireto: é complemento do verbo transitivo indireto.
Ou seja, o complemento que se liga ao verbo por meio de uma
preposição: João precisa de um carro novo. João precisa de ti.

2.2.4 Complemento nominal


É o termo que completa o sentido de um nome (seja ele Ad-
vérbio, Substantivo ou Adjetivo – ASA) e é introduzido por uma
preposição:
(53) a. As lembranças do passado o incomodavam.
(as lembranças do passado = sujeito)
subst. CN (complemento nominal)
b. João tinha um galpão cheio de ratos.
(o galpão estava cheio de que? De ratos)
adjet. CN
c. O juiz votou favoravelmente ao aborto.
(favoravelmente a quem? Ao aborto)
advérbio CN
Assim como os complementos verbais, os complementos no-
minais completam o sentido do nome que está incompleto (ou seja,
o nome também pode ser um predicado – de um lugar). Assim, se
dissermos As lembranças o incomodavam, alguém perguntaria: -Lem-
branças de que? Resposta: do passado (esse é o complemento nominal).
Nesse caso, lembranças é um predicado de um lugar (precisa de um
complemento para se completar)
Um grande número de substantivos que pedem complemento
são os chamados substantivos deverbais. Eles têm esse nome porque
são derivados de verbos:
(54) a. A queima de fogos.
subst. CN
(queima é um substantivo deverbal, pois é derivado do verbo
queimar)
b. A construção da ponte.
CN
(construção deriva do verbo construir)
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Gramatical 47

Para pensar 6:
Se você está atento à matéria vista até aqui, deve ter se pergun-
tado: Qual é a diferença entre um objeto indireto e um complemento nomi-
nal, já que ambos completam alguma coisa e são iniciados por preposição?
A resposta é simples: o complemento nominal completa o sentido
de um Advérbio, Substantivo ou Adjetivo (ASA) e o objeto indireto
completa o sentido de um verbo transitivo indireto (VTI):
(55) a. João confia na justiça.
VTI OI
b. João tem confiança na justiça.
Subst. deverbal CN
Antes de prosseguir com a leitura desse material, leia o arti-
go Perspectivas Gerativas para a complementação nominal em português
brasileiro, de Tiago Moreira (2009). Referência e link de acesso es-
tão abaixo. Nesse artigo, o autor questiona o fato de na escola o
complemento nominal ser apresentado com um requisito básico:
presença de preposição (como afirmamos acima). Veja o que ele
afirma:

Ao se observar alguns enunciados, produzidos contemporanea-


mente, é perceptível o fato de que quando se efetua a complementa-
ção de um nome por meio de uma oração, a preposição, na maioria
dos casos, não aparece na estrutura sentencial. Por exemplo:
(1) Eu tenho certeza que o melhor trote seria que todos os que fossem
aptos passassem por um hemocentro e fizessem doação de sangue. (Ga-
zeta do Povo – 25/02, p. 03)
(2) “[...] a necessidade que ele tem para emagrecer é grande [...]” (ar-
quivos do VARPORT)
(MOREIRA, 2009, p. 9877)

Para explicar esse fenômeno de uso de preposição em alguns


casos e omissão em outros, o autor utiliza a Gramática Internalizada,
mais especificamente a Teoria Gerativa, fazendo um contraponto com
a Gramática Tradicional. Assim, ao longo do artigo, Moreira procura
responder a três questões:
“Por que a exigência de preposição entre o complemento nominal
e seu respectivo nome predicador? Qual a função desempenhada por
esse elemento de ligação? Há restrições impostas pelo nome quanto
à sua complementação?” (p. 9878)
MOREIRA, Tiago. Perspectivas Gerativas para a complementa-
ção nominal em português brasileiro. In: IX CONGRESSO NACIO-
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
48
48 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

NAL DE EDUCAÇÃO e III ENCONTRO SUL BRASILEIRO DE PS-


CICOPEDAGOGIA, out. 2009. p. 9877-9890. Disponível em: <http://
www.pucpr.br/eventos/educere/educere2009/anais/pdf/3147_1934.
pdf>. Acesso em: 19 jun. 2011.

2.2.5 Agente da passiva


É o termo da oração que se liga ao verbo para indicar o agente
da ação expressa por ele. Normalmente introduzido pela preposição
por:
(56) a. Maria era amada por João.
Sujeito paciente agente da passiva
Frase na voz ativa: João amava Maria.
b. A casa estava cercada de flores.
Sujeito paciente agente da passiva
Voz ativa: Flores cercavam a casa.
Veja como Cunha e Cintra (2001, p. 148-149), gramáticos tra-
dicionais, apresentam a transformação de oração ativa em passiva:

Transformação da oração ativa em passiva


1. Quando uma oração contém um verbo construído com objeto
indireto, ela pode assumir a forma passiva, mediante as seguintes
transformações:
a) o objeto direto passa a ser sujeito da passiva;
b) o verbo passa à forma passiva analítica do mesmo tempo e
modo;
c) o sujeito converte-se em agente da passiva.
Tomando-se como exemplo a seguinte oração ativa,
A inflação corrói os salários,
poderíamos colocá-la no esquema:
oração

sujeito predicado
|
| verbo objeto direto
| | |
A inflação corrói os salários
EaD • UFMS A Constituição
Fundamentosdada
Frase e da
Teoria Oração
Gramatical 49

Convertida na oração passiva, teríamos:


Os salários são corroídos pela inflação.
O seu esquema seria então:
oração

sujeito predicado
|
| verbo agente da passiva
| | |
Os salários são corroídos pela inflação

2. Se numa oração da voz ativa o verbo estiver na 3ª pessoa do


plural para indicar a indeterminação do sujeito, na transformação
passiva cala-se o agente.
Assim:
Voz ativa Voz passiva
Aumentaram os salários. Os salários foram aumentados.
Contiveram a inflação. A inflação foi contida.

Observações:
1ª) Cumpre não esquecer que, na passagem de uma oração da voz
ativa para a passiva, ou vice-versa, o agente e o paciente continu-
am os mesmos; apenas desempenham função sintática diferente.
[Retome aqui a seção 2.1.1, que discute esse fato]
2ª) Na voz passiva pronominal, a língua moderna omite sempre
o agente:
Aumentou-se o salário dos gráficos.
Conteve-se a inflação em níveis razoáveis.
(CUNHA e CINTRA, 2001, p. 148-9)

A gramática tradicional diferencia os agentes da passiva em


dois: (a) aqueles que podem ou não aparecer expressos, chamados
de passiva analítica, como em (57); e (b) aqueles em que o agente
não é mencionado, chamados de passiva sintética, como em (58):
(57) Todos os apartamentos foram vendidos pelo filho.
Suj. paciente agente da passiva.
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
50
50 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

[Ani Carla13] Comentário: (58) Venderam-se todos os apartamentos [ ].


Observe a diferença entre:
(1) Alugo sala. (sala é objeto suj. paciente agente da passiva
direto)
(2) Aluga-se sala. (“Sala é
alugada.” Portanto, sala é o
(Todos os apartamentos foram vendidos)
sujeito)

A inflação corrói os salários.


sujeito objeto direto

Os salários são corroídos (pela inflação).


Sujeito paciente agente da passiva.

Revisando:
• O sujeito na voz ativa sempre se transformará em agente da
passiva;
• O objeto direto da ativa sempre se transformará em sujeito pa-
ciente da ativa;
• O agente da passiva pode ou não aparecer expresso na voz pas-
siva analítica;
• Na voz passiva sintética, o agente não é mencionado.

2.2.6 Adjunto adnominal


Quando o nome está incompleto, ele precisa de um complemen-
to. Por exemplo: em A construção ____, o nome, construção, exige um
complemento que pode ser da casa. A esse complemento chamamos
de complemento nominal (seção 2.1.5). No entanto, temos casos em
que o nome está completo, ou seja, não exige um complemento. Nesse
caso, podemos ter complementos que estão aí apenas para especificar
ou delimitar o significado do nome (= substantivo). A esses elementos,
a Gramática Tradicional dá o nome de adjunto adnominal.
Morfologicamente, o ad significa junto, e nominal significa
nome (substantivo). Portanto adjunto adnominal significa AD-
junto ADnominal
junto junto junto (do)
nome
Os itens lexicais que podem estar junto ao nome são os Artigos,
Numerais, Pronomes, Adjetivos e Locuções Adjetivas (A-N-P-A-L).
Pela abordagem Gerativa (corrente da Gramática Internaliza-
da), os artigos, numerais e pronomes são chamados de determinan-
tes, porque determinam o sentido no nome (substantivo):
EaD • UFMS A Constituição
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Frase e da
Teoria Oração
Gramatical 51

(59) A menina / Uma menina / Duas meninas


/ A primeira menina / Aquela(s) menina(s).
Nas frases acima, menina é o nome e os termos negritados são
os adjuntos adnominais que estão determinando (especificando) o
nome menina: a, uma (artigo); duas, primeira (numeral); aquela, aque-
las (pronome).
[Ani Carla14] Comentário:
Já os adjetivos e Locuções adjetivas são chamados de modifica- As locuções adjetivas são ex-
pressões formadas por uma
dores: preposição mais um nome
(substantivo) ou advérbio.
As locuções adjetivas exer-
(60) A menina bonita / Menina estudiosa / A menina do Ceará. cem o papel de adjetivo. Ex.:
da manhã (= matinal); da
Nas frases acima, bonita, estudiosa (adjetivos) e do ceará (locução chuva (= pluvial); de abdô-
men (= abdominal); de ano
adjetiva = cearense) estão modificando o nome menina. Por isso, são (anual) etc.
chamados de modificadores.
Vejamos outros exemplos de adjunto adnominal:
(61) a. A casa vazia provocava sentimentos tristes.
Artigo adjetivo
adjetivo - todas com função sintática de Adj. Adn.
b. O primeiro lugar receberá dois prêmios.
Artigo numeral
numeral - função sintática de Adj. Adn.
c. Aquele sol da manhã causou-lhe profunda admiração.
Pronome Locução adjetiva adjetivo

Para pensar 7:
Você consegue criar um esquema para diferenciar Adjunto adno-
minal de Predicativo? Nas orações abaixo os adjetivos bonita e verme-
lha são adjunto adnominal ou predicativo?
(62) a. João acha Maria bonita.
b. João perdeu a caneta vermelha.
A abordagem Gerativa tem um sistema bem simples para di-
ferenciar essas duas estruturas. Porém, para entender como é feita
essa distinção, primeiro temos que entender/saber quando uma se-
quência tem uma ou mais de uma estrutura. Essas informações vão
te ajudar a distinguir sentenças ambíguas (sentenças que têm mais
de um significado). Todo o material exposto no quadrinho abaixo foi
retirado, na íntegra, de Mioto (2009, p. 13-21):
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
52
52 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

Como saber se uma sequência tem uma ou mais de uma estru-


tura?
Quando analisamos sintaticamente uma sentença, que-
remos saber qual é a estrutura dela, isto é, saber quais palavras
numa sequência formam constituinte. Nós temos um meio segu-
ro de descobrir se uma sequência de palavras forma ou não um
constituinte. [...]:
(1) Ele viu [o incêndio do prédio da esquina].
A sentença em (1) é ambígua e prevemos que isto acontece porque
o constituinte entre colchetes tem mais de uma estrutura. Nosso
problema, então, é analisar o constituinte entre colchetes para sa-
ber como ele está estruturado. Para tanto, aplicamos à sentença
o teste da clivagem manipulando o constituinte [o incêndio do
prédio da esquina]:
(2) Foi o incêndio do prédio da esquina que ele viu __

A sentença que produzimos em (2) se chama clivada e é


feita para focalizar/destacar o constituinte grifado.
Para construir esta sentença, usamos o verbo ser no mes-
mo tempo do verbo da sentença não-clivada. Em seguida, colo-
camos o constituinte que queremos destacar/clivar. Depois, co-
locamos um que e, então, o resto da sentença com a marca __ no
lugar de onde retiramos o constituinte clivado. Dizemos que o
constituinte clivado foi movido da posição marcada por __ para
a posição que fica entre o verbo ser e o que. Se, movendo o cons-
tituinte inteiro, conseguimos uma sentença bem formada, então
concluímos que [o incêndio do prédio da esquina] é um consti-
tuinte só.
Observemos que a sentença clivada em (2) é bem constru-
ída se movemos todo o constituinte [o incêndio do prédio da es-
quina]. A conclusão que devemos retirar desta aplicação do teste
é que [o incêndio do prédio da esquina] forma um constituinte
só. Como a clivada em (2) revela que [o incêndio do prédio da es-
quina] é um único constituinte, ela não apresenta a ambigüidade
presente na sentença (1) e pode significar apenas: O que ele viu foi
o incêndio do prédio da esquina. […]
Vamos aplicar o teste da clivagem novamente para saber
se [o incêndio do prédio] pode ser um constituinte inteiro e [da es-
quina] um outro constituinte inteiro, um independente do outro:
(4) a. Foi o incêndio do prédio que ele viu __ da esquina.
b. Foi da esquina que ele viu o incêndio do prédio __.
EaD • UFMS A Constituição
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Frase e da
Teoria Oração
Gramatical 53

As clivadas em (4) revelam que o constituinte [o incêndio


do prédio da esquina] pode ter outra estrutura: [da esquina] é um
constituinte e [o incêndio do prédio] outro. De novo, as sentenças
clivadas não apresentam a ambiguidade que a sentença (1) tem,
podendo significar apenas: O que ele viu da esquina foi o incêndio do
prédio. […]
Vamos aplicar o teste da clivagem pela terceira vez para
saber se [o incêndio] pode ser um constituinte e [do prédio da
esquina] outro:
(6) a. Foi o incêndio que ele viu __ do prédio da esquina.
b. Foi do prédio da esquina que ele viu o incêndio __.
A terceira clivagem em (6) também é bem sucedida e dedu-
zimos que o constituinte [o incêndio do prédio da esquina] pode
ter uma terceira estrutura. Como nos dois casos anteriores, as cli-
vadas de (6) não são ambíguas porque a estrutura do constituinte
em foco só pode ser a que mantém separados os constituintes [o
incêndio] e [do prédio da esquina]. O significado é: O que ele viu do
prédio da esquina foi o incêndio. […]
Vamos considerar, agora, uma sentença como (8), que não
é ambígua:
(8) Ele quebrou [o tampo de mármore da mesa da tia].
Todas as tentativas de aplicar a clivagem ao constituinte entre col-
chetes fracassam, exceto a que enfatiza todo o constituinte:
(9) a. Foi o tampo de mármore da mesa da tia que ele quebrou __.

b. *Foi o tampo que ele quebrou __ de mármore da mesa da tia.

c. *Foi o tampo de mármore que ele quebrou __ da mesa da tia.

d. *Foi o tampo de mármore da mesa que ele quebrou __ da tia.

O que o teste da clivagem nos revela por meio de (9) é que


a estrutura do constituinte entre colchetes em (8) só pode ser uma:
aquela em que [o tampo de mármore da mesa da tia] forma um
único constituinte. […]
Em resumo, o teste da clivagem nos revela a estrutura dos
constituintes que queremos analisar. Isto é assim porque o movi-
mento sintático é uma operação que se aplica apenas a constituin-
tes inteiros. Se conseguimos separar uma sequência de palavras
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
54
54 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

pela clivagem, devemos concluir que o que conseguimos separar


é um constituinte só; se não, o constituinte é composto por todos
os itens da sequência. […]
Analisando uma sequência que contém adjetivos
Vamos utilizar o que aprendemos na seção anterior para
resolver um problema sobre a sintaxe do adjetivo. A gramática
tradicional assentou que o adjetivo pode ter duas funções sintá-
ticas: adjunto adnominal ou predicativo. Quando os professores
queriam ensinar que o adjetivo funciona como predicativo, par-
tiam de exemplos como (1):
(1) A menina é bonita.
Depois pediam para os alunos decorarem uma lista de verbos que
eram chamados de verbos de ligação: ser, estar, permanecer, ficar,
etc. Assim, era possível perceber o que era o chamado predicado
nominal. E, não iam muito além disso. No fim das contas, os alu-
nos ficavam com uma vaga ideia do que era predicativo, verbo de
ligação e predicado nominal.
Entretanto, aprender quando o adjetivo funciona como adjunto
do nome ou como predicativo pode ser feito com relativa facili-
dade, se levamos em conta o que aprendemos até agora. Querem
ver? Vamos assumir que as seguintes definições:
[Ani Carla15] Comentário:
Na abordagem gerativa, (2) a. O adjetivo é adjunto do nome (AN) se pertence ao
sintagma é uma sequência,
formada por uma ou várias sintagma nominal.
palavras que, juntas, exer-
cem uma função sintática
na frase. Fórmula: AN ao sintagma nominal.
b. O adjetivo é predicativo (Pred) se não pertence ao
sintagma nominal.
Fórmula: Pred ao sintagma nominal.
Se retomamos a sentença em (1) e aplicamos a ela as
definições em (2), vamos ver que a função do adjetivo bonita
só pode ser predicativo porque ele está separado do sintagma
nominal a menina pelo verbo é. Sem dúvida, em (1), que exemplifica
o caso mais simples, o adjetivo não pertence ao sintagma nominal
porque tem o verbo ser separando os dois.
A análise fica mais complicada quando consideramos
casos como o de (3): [...]
(3) O juiz julgou [a ré culpada].
Por que (3) complica as coisas? Porque, agora, o adjetivo
pode ser adjunto do nome ou predicativo e não temos nada que
nos mostre se o adjetivo pertence ou não pertence ao sintagma
nominal.
EaD • UFMS A Constituição
Fundamentosdada
Frase e da
Teoria Oração
Gramatical 55

Vamos analisar a sentença (3) com cuidado. Primeiro,


observamos que ela é ambígua e que as paráfrases em (4) desfazem
a ambiguidade:
(4) a. O juiz julgou a ré que era culpada.
b. O juiz julgou que a ré era culpada.
Associamos a função de adjunto do nome do adjetivo à
paráfrase (4a) (que, como veremos mais adiante, contém uma
sentença relativa); a função de predicativo está associada com
a paráfrase em (4b) que, como veremos, contém uma sentença
completiva.
Como podemos descobrir se o adjetivo pertence ou não ao
sintagma nominal? Aplicando o teste da clivagem:
(5) a. Foi a ré culpada que o juiz julgou __.

b. Foi a ré que o juiz julgou __ culpada.

(5a) mostra que é possível clivar o constituinte [a ré culpada]


inteiro, demonstrando que o adjetivo faz parte do constituinte,
nesse caso. A essa clivagem devemos associar a paráfrase (4a) e a
função sintática de adjunto do nome. (5b), por outro lado, mostra
que podemos também clivar apenas [a ré], demonstrando que o
adjetivo não faz parte do constituinte. A essa clivagem devemos
associar a paráfrase (4b) e a função sintática de predicativo. Assim,
em (3), o adjetivo pode ter as duas funções sintáticas porque se
verificam as duas possibilidades: Î ou Ï ao sintagma nominal.
Consideremos, agora, (6), que não é ambígua:
(6) João acha [Maria bonita].
Se (6) não é ambígua, a função sintática do adjetivo é um adjunto
do nome ou predicativo, mas não as duas. Apliquemos o teste da
clivagem:
(7) a. *É Maria bonita que o João acha __.

b. É Maria que o João acha __ bonita.

Conclusão: bonita em (6) só pode ser predicativo (Isto acontece


sempre que um adjetivo predica sobre nome próprio ou sobre
pronomes pessoais).
Consideremos, por fim, (8), que também não é ambígua:
(8) João perdeu [a caneta vermelha].
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
56
56 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

Apliquemos o teste da clivagem:


(9) a. Foi a caneta vermelha que o João perdeu __.
b. *Foi a caneta que o João perdeu __ vermelha.
O que observamos é que só é possível clivar o constituinte [a
caneta vermelha] inteiro, demonstrando que vermelha em (8) só
pode ser adjunto adnominal.
(MIOTO, 2009, p. 13-21)

Em resumo, o teste da clivagem, disponíveis nos livros gerati-


vistas, é muito útil para descobrir se o adjetivo pertence ou não ao
sintagma nominal e, consequentemente, se o adjetivo é adjunto do
nome ou predicativo. Poderemos/Devemos utilizá-lo como recurso
para os casos em que a sentença não revela explicitamente se o adje-
tivo pertence ou não ao sintagma nominal. Além disso, como vimos
no início do quadro, o teste da clivagem ajuda a compreendermos,
mais facilmente, as sentenças ambíguas. Esse teste é um recurso
muito bom para ser ministrado em sala de aula.

Importante 3:
Além da diferença entre adjunto adnominal e predicativo, ou-
tra função sintática que é parecida com o adjunto adnominal é o
complemento nominal. Já diferenciamos essas funções, brevemente,
no início dessa seção. Porém, quando o Adjunto Adnominal (AA) e
o Complemento Nominal (CN) estão dentro do sujeito, a diferencia-
ção é um pouco mais hard:
(63) A crítica do professor foi injusta. (AA)
(64) A crítica ao professor foi injusta. (CN)
Na primeira sentença o nome está com sentido completo (A
crítica foi injusta), portanto, do professor é adjunto adnominal. Na se-
gunda sentença, o termo em negrito só pode ser um complemento
nominal, pois ao professor está completando o sentido do nome de-
verbal (crítica a quem?). Nesse caso, há uma explicação semântica:
em (1) o professor foi o agente da crítica, ele fez a crítica, praticou a
ação, sendo assim, do professor é AA. Em (2), o professor recebeu a
crítica, ele sofre a ação, portanto, complemento nominal. Outro caso:
(65) A construção do engenheiro foi rápida. (AA)
(66) A construção do edifício foi rápida. (CN)
Em (3), o engenheiro é o agente da ação (sentido ativo), portanto,
adjunto adnominal. Em (4), o edifício é o alvo da ação (sentido passi-
vo), portanto complemento nominal (em (4), construção é visto como
EaD • UFMS A Constituição
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Frase e da
Teoria Oração
Gramatical 57

um deverbal (do verbo construir) e, como tal, exige um complemento


para se completar). Faça você a próxima análise:
(67) A loja de calçados teve prejuízo esse mês.
(68) A necessidade de auxílio era imediata.

2.2.7 Adjunto adverbial


Como o próprio nome sugere, adjunto adverbial é um “ter-
mo de valor adverbial” que serve para modificar ou intensificar
o sentido do verbo, do adjetivo ou do advérbio (CUNHA; CIN-
TRA, 2001, p. 151). O adjunto adverbial, à semelhança do adjunto
adnominal, não serve para completar a estrutura argumental do
verbo (reveja seção 2.1). Isto é, o adjunto adverbial não faz parte
da estrutura argumental do verbo. Retomando nosso exemplo da
seção (2.1):
(69) Maria abraçou o carro.
Sobre o verbo abraçar, dissemos que é um predicado de dois
lugares. Esse verbo exige 2 complementos: um ‘abraçador’ (Maria),
que funciona como sujeito, e algo/alguém que seja abraçado (carro),
que funciona como objeto direto. Agora, se acrescentarmos:
(70) Maria abraçou o carro intensamente ontem na concessionária.
Os itens lexicais em itálico não fazem parte da estrutura argu-
mental do verbo abraçar (não são requeridos pelo verbo, já que a
[Ani Carla16] Comentário:
sua ausência, como mostra (62), não provoca agramaticalidade na Advérbio é o nome morfo-
lógico. É aquilo que a classe
oração) e, portanto, são adjuntos adverbiais. gramatical é (Retome seu
material de morfologia caso
Intensamente é um advérbio de intensidade, assim = adjunto ad- ainda tenha dúvidas).
Adjunto adverbial é um
verbial de intensidade. nome sintático. É um nome
que a palavra adquire. É a
Ontem é um advérbio de tempo, assim = adjunto adverbial de função que ela passa a exer-
cer na frase.
tempo.
[Ani Carla17] Comentário: Lo-
Na concessionária é uma locução adverbial, então = adjunto ad- cução adverbial = duas ou mais
verbial de lugar. palavras que funcionam como
advérbio.

É difícil enumerar todos os tipos de adjuntos adverbiais. Os


mais comuns são:
- de causa:
- de companhia:
- de dúvida:
- de fim:
- de instrumento:
- de intensidade:
- de lugar:
- de meio:
- de modo:
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
58
58 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

- de negação:
- de tempo:
Procure em uma gramática por exemplos que tenham cada um
desses adjuntos adverbiais para preencher esse quadro.
A função sintática adjunto adverbial ganha destaque nos estudos
gerativistas (Gramatica Internalizada). Kessler (s/d, p. 36) descreve
brilhantemente o motivo:

Embora tenhamos dito que os adjuntos adverbiais não consti-


tuem a rede essencial dos verbos (isto é, não fazem parte da estru-
tura argumental dos verbos), há casos em que um constituinte que
indica uma circunstância faz parte da rede argumental essencial
de um verbo. Tanto é assim que sua ausência provoca agramati-
calidade. Podemos verificar isso em orações com verbos como ir,
morar, caber, viver, que têm, em sua rede argumental essencial, um
constituinte locativo. Exemplos:
Minha família vai a Porto Alegre, amanhã.
Eu morei no Rio durante dez anos.
Este pacote não cabe no armário.
Muitas famílias vivem em favelas.
Se os constituintes que marcam circunstância de lugar, os COM-
PLEMENTOS ADVERBIAIS DE LUGAR, forem retirados, as orações
ficarão malformadas. Lembramos que a NGB [Norma Gramatical
Brasileira] não faz essa distinção, chamando todos os termos indi-
cadores de circunstâncias, indistintamente, de adjuntos adverbiais.
(KESSLER, s./d., p. 36)

Observe que Kessler denomina os exemplos acima de Com-


plementos adverbiais de lugar e não Adjunto adverbial de lugar,
porque complemento (ao contrário do adjunto), como vimos, é
essencial à estrutura do verbo. Assim, a sentença João abraçou é tão
ruim quanto a sentença Minha família vai, amanhã. Em ambas falta
um complemento.

EXERCÍCIO:
Qual a função sintática dos termos sublinhados abaixo?
(a) Espero que vocês viajem à Bahia conosco.
(b) Cancelaram nossa viagem à Bahia.
Solução: (a) adjunto adverbial de lugar (viajem = verbo)
(b) complemento nominal (viagem = substantivo)
EaD • UFMS A Constituição
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Frase e da
Teoria Oração
Gramatical 59

2.2.8 Aposto
O aposto é o termo que se junta a outro para explicá-lo ou espe-
cificá-lo melhor. Segundo os gramáticos tradicionais Cunha e Cintra
(2001, p. 157) “o aposto tem o valor sintático do termo a que se refe-
re”. Assim, na sentença abaixo (63a), Florianópolis é aposto do sujeito
A ilha da magia e, por isso, pode substituí-la, como mostra (63b):
(72) a. A ilha da magia, Florianópolis, é bela.
b. Florianópolis é bela.
O aposto pode ter valor explicativo, especificativo, enumerativo, re-
capitulativo e distributivo:
A) Explicativo: aquele que explica ou identifica o termo ante-
rior:
(73) Cecília Meireles, poeta modernista brasileira,
assimilou influências do simbolismo.
B) Especificativo: individualiza/especifica um substantivo com
sentido genérico. Ele se difere dos outros por não ser marcado por
sinais de pontuação (vírgula ou dois-pontos):
(74) a. Meu irmão Paulo acaba de chegar.
b. A cidade de Lisboa; o mês de agosto;
o poeta Olavo Bilac, etc.
Há uma diferença semântica entre ser explicativo e especificativo.
O especificado restringe algo entre vários. Por exemplo: Meu irmão
Paulo acaba de chegar – sem vírgulas significa que eu tenho vários
irmãos, mas quero especificar qual deles acabou de chegar (no caso,
Paulo) – aposto especificativo; com vírgulas – Meu irmão, Paulo, aca-
ba de chegar – significa que eu tenho apenas um irmão e esse irmão
acaba de chegar (por isso, o Paulo, fica entre vírgulas) – aposto espe-
cificativo.

Este aposto, chamado de especificação, não deve ser confundido


com certas construções formalmente semelhantes, como
O clima de Lisboa
[As festas de agosto]
O soneto de Bilac [...]
em que Lisboa, agosto […] e de Bilac equivalem a adjetivos (= lisboe-
ta, bilaquiano, […] [agostina]) e funcionam, portanto, como atributos
ou adjuntos adnominais.
(CUNHA e CINTRA, 2001, p. 156)
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
60
60 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

C) Enumerativo: representado após os dois pontos. Enumera


elementos que são utilizados para completar a ideia principal da
oração:
(75) Tudo era motivo de choro: fotos, perfume, flores, céu.
D)Recapitulativo (ou resumitivo): quando resume, por meio
de um pronome indefinido, os elementos de um sujeito composto:
(76) Meninas, dinheiro, fama, nada o iludia.
O aposto nada é um pronome indefinido em caráter resumitivo,
pois retoma os demais elementos = meninas, dinheiro, fama.
[Ani Carla18] Comentário:
Quando um elemento é cita- E) Distributivo: apresenta paralelismo sintático. Ele distribui as
do, depois outro.
Primeiro isso, depois aquilo. informações de termos separadamente:
(77) Há duas atitudes que você pode tomar:
uma é estudar; a outra, reprovar.

Importante 4:
O aposto pode vir expresso por uma oração subordinada (apos-
to oracional).
(78) a. Tenho um grande desejo: que sejas feliz. (:isso)
b. Os computadores, que são modernos, custam caro.
Na unidade 3, veremos uma diferença semântica e sintática de
sentenças como (70) repetidas abaixo:
(79) a. Os computadores, que são modernos, custam caro.
b. Os computadores que são modernos custam caro.
A diferença entre as sentenças acima é o uso da vírgula, à se-
melhança da diferença semântica feita nos apostos explicativos e
especificativo: em (70a), todos os computadores são caros (sem exceção).
Nesse caso, o que está entre vírgulas tem a função sintática de apos-
to. Já em (47b) a oração inteira tem o sentido semântico de que Só os
computadores que são modernos são caros (existem outros computadores
baratos e, portanto, não modernos). Nesse caso, a oração que são moder-
nos é um adjunto do nome, ou seja, tem função sintática de Adjunto
Adnominal.
Os exemplos de (64), (65) e (70) reforçam o fato de que colocar
ou não a vírgula muda tudo, conforme mostra a campanha feita pela
produtora Visorama, em 2008, em comemoração aos 100 anos da
Associação Brasileira de Imprensa (vídeo disponível no site: <http://
www.visorama.tv/?p=365#more-365>):
EaD • UFMS A Constituição
Fundamentosdada
Frase e da
Teoria Oração
Gramatical 61

Figura 3 - (fonte: http://www.visorama.tv/?p=365#more-365>)

2.2.9 Vocativo
O vocativo não tem relação sintática com outro termo da ora-
ção. Não pertence, portanto, nem ao sujeito, nem ao predicado. É
o termo usado para chamar/invocar/interpelar pessoas, coisas per-
sonificadas ou animais. Por seu caráter, geralmente se relaciona à
segunda pessoa do discurso.
(80) a. João, vá pagar suas contas! Vá, João, pagar suas contas!
Vá pagar suas contas, João!
b. Meu amigo, Maria, é muito maluco.
(Estou falando com a Maria, dizendo a Maria que meu
amigo é maluco).
c. Compreendeu, minha senhora?
(estou falando com a senhora).
O vocativo pode vir antecedido por interjeições de apelo, tais
como ó, olá, eh!, etc.
(81) a. Ó Senhor, iluminai todos os homens honestos!
b. Olá, professora, preciso falar com a senhora.
Pelo fato de o vocativo não ter relação sintática com as outras
estruturas da frase, os gramáticos tradicionais o chamam de termo
independente.
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
62
62 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS
Unidade III
SINTAXE DO PERÍODO
EaD • UFMS Fundamentos Sintaxe
da TeoriadoGramatical
Período 65

Unidade III

sintaxe do período

Na seção anterior, vimos o que é uma frase, uma oração e a função


sintática dos constituintes que as compõem. Agora vamos nos dedicar à
sintaxe do período. Primeiro, vamos ver algumas relações de sentido entre
segmentos do texto.

3.1 Relações de sentido entre partes do texto


As orações são segmentos de informação conectados entre si de
alguma maneira (por pronomes, advérbios, recursos lexicais, etc.).
Uma oração, como já vimos na unidade 1, é uma sequência constru-
ída em torno de um núcleo verbal. Azeredo (2008, p. 290) apresenta,
de forma muito interessante, a articulação entre as orações a partir
do primeiro parágrafo do conto de Dalton Trevisan, “Uma vela para
Dario” (SALES, 1969, p. 243-5). Vejamos a argumentação de Azere-
do na íntegra:

A cena [do conto de Dario] é uma sequência de oito atos,


todos atribuídos ao mesmo personagem – Dario – expressos por
meio de verbos e mencionados no texto exatamente na ordem
em que o personagem os pratica. Vamos listá-los, reconstituindo
as respectivas orações e numerando-as na ordem em que apare-
cem:
1) Dario vinha apressado, guarda-chuva no braço esquerdo.
2) Dario dobrou a esquina.
3) Dario diminuiu o passo.
4) Dario parou.
5) Dario encostou à parede de uma casa.
6) Dario escorregou-se pela parede de uma casa.
7) Dario sentou-se na calçada, ainda úmida de chuva.
8) Dario descansou na pedra o cachimbo.
Esta sequência pode formar um texto compreensível, embora
monótono e deselegante. Vamos chamá-lo de versão 1:
Dario vinha apressado, guarda-chuva no braço esquerdo. Dario do-
brou a esquina. Dario diminuiu o passo. Dario parou. Dario encostou à
parede de uma casa. Dario escorrego-se pela parede de uma casa. Dario
sentou-se na calçada, ainda úmida de chuva. Dario descansou na pedra
o cachimbo.
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
66
66 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

Uma oração é, por definição, a maior unidade da estrutura


gramatical de uma língua. Por isso, ela é autônoma por natureza
e pode ocorrer no discurso realizando um ato enunciativo com-
pleto, independente de qualquer segmento verbal precedente ou
subsequente. Isto ficou claro na versão 1 acima, em que todas as
orações têm estas características. A maioria das orações que ocor-
rem em um texto não tem, entretanto, este perfil. Uma solução
para tornar a versão 1 mais aceitável, mais parecida com um texto
normal, poderia ser a seguinte, que chamaremos de versão 2:
Dario vinha apressado, guarda-chuva no braço esquerdo. Dobrou a
esquina, diminuiu o passo e parou. Encostou à parede de uma casa e por
ela se escorregou. Sentou-se na calçada, ainda úmida de chuva, e descan-
sou na pedra o cachimbo.
Comparemos agora as versões 1 e 2 para identificar os meios
utilizados para conectar as orações na segunda versão. Já observa-
mos que cada oração contém um verbo e que este expressa um ato
praticado pelo personagem. Também registramos que a ordem
das orações reproduz a ordem cronológica das ações do perso-
nagem.
A primeira versão deixa claro que, para se construir adequa-
damente um texto, não é suficiente produzir uma oração para
cada ideia ou fato que queiramos informar. A segunda versão nos
oferece uma forma razoável, obtida mediante algumas alterações.
Ficou claro, principalmente, que algumas partes que se repetem
podem ser substituídas por outras ou simplesmente suprimidas.
Por outro lado, o encadeamento dos fatos e das ideias pode tornar
necessária a inclusão de alguma palavra. Estas alterações foram
feitas segundo princípios da gramática textual, recursos de coesão
[Ani Carla19] Comentário:
que podem denominar, respectivamente, anáfora pronominal, elipse
Retome a sua apostila de
Linguística Textual para re-
e emprego de conectivos.
ver esses conceitos.
[…]
Se tivéssemos que combinar naquele texto a sequência de infor-
mações contidas em ‘Dario vinha apressado. Pedro cumprimentou Dario
com um gesto’, seguramente diríamos ou escreveríamos algo como
‘Dario vinha apressado; Pedro o cumprimentou com um gesto’. Agora, po-
rém, só temos acesso ao conteúdo pleno da segunda oração através
do conhecimento da primeira, pois é aí que se encontra a identidade
objetiva indicada pela forma o, ou seja, Dario. A forma o, um prono-
me pessoal, é um recurso de coesão […], isto é, um mecanismo de
articulação entre duas porções de sentido no texto, de tal sorte que
a compreensão de um depende do conhecimento da outra. Pedro o
cumprimentou com um gesto conserva o status de oração gramatical-
mente autônoma, mas perdeu a autonomia como unidade de infor-
mação, já que o o não denota por si um ‘ser do mundo’.
EaD • UFMS Fundamentos Sintaxe
da TeoriadoGramatical
Período 67

Suponhamos agora que essas mesmas orações viessem enca-


deadas assim: Dario vinha apressado e Pedro o cumprimentou com um
gesto. As duas orações estão agora interligadas por um segundo
recurso, a forma e, conhecida como conjunção. Digamos, por en-
quanto, que a conjunção é um elo através do qual duas orações
se articulam no texto. Neste exemplo, essa articulação serve a um
propósito de sentido: acrescentar uma informação.
Numa terceira versão, essas orações poderiam vir encadea-
das assim: Dario vinha apressado quando Pedro o cumprimentou com
um gesto. As duas orações estão novamente interligadas por uma
conjunção quando. Uma vez mais temos um elo através do qual as
duas orações se articulam no texto. Há, contudo, uma diferença
fundamental entre a segunda e a terceira versão: podemos tam-
bém dizer Quando Pedro o cumprimentou com um gesto, Dario vinha
apressado, mas não podemos dizer *E Pedro o cumprimentou com um
gesto, Dario vinha apressado. Se a articulação por meio de e é apenas
uma variação da primeira versão, assinalando redundantemente
que os fatos acontecem na mesma ordem em que são enunciados,
a articulação por meio de quando serve a outro propósito de sen-
tido: indicar a incidência de um fato – o cumprimento de Pedro
– num momento pontual do decorrer de outro – a vinda de Dario.
Esta informação independe da posição relativa das duas orações.
Há sempre uma intenção de sentido na origem de qualquer
articulação de duas unidades de informação no discurso. Algu-
mas vezes essa intenção transparece com um valor lógico inerente
aos conteúdos combinados (ex., o contraste em Os cães ladram, a
caravana passa). Na maioria das situações, porém, precisamos de
conjunções que explicitem essa intenção: adição (Dario vinha apres-
sado e fez sinal para um táxi), tempo (Dario vinha apressado, quando
Pedro o cumprimentou), causa (Dario vinha apressado porque tinha
perdido a hora), contraste (Dario vinha apressado, mas mantinha a ele-
gância de sempre), consequência (Dario vinha apressado, por isso tro-
peçou no meio-fio).
[…]
O texto original de Dalton Trevisan, a versão 3, é outro, po-
rém:
Dario vinha apressado, guarda-chuva no braço esquerdo e, assim
que dobrou a esquina, diminuiu o passo até parar, encostrando-se à pare-
de de uma casa. Por ela escorregando, sentou-se na calçada, ainda úmida
de chuva, e descansou na pedra o cachimbo.
Comparando agora a versão 2 com a original, percebemos,
porém, outras diferenças: foram introduzidas as palavras assim
que e até, e três verbos mudaram de forma: parou tomou a forma
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
68
68 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

de parar, encostou tomou a forma encostando, e escorregou tomou a


forma escorregando. As palavras introduzidas são conectivos que
explicitam a noção de tempo: assim que assinala um ato que prece-
de outro; até, pelo contrário, assinala um ato que vem após outro.
Já s formas parar, encostando e escorregando distinguem-se das cor-
respondentes na versão 2 por não terem autonomia ou indepen-
dência, isto é, por não poderem por si sós informar algum ato do
personagem. Noutras palavras, todas as orações da versão 2 se
acham ligadas entre si por coordenação (ou parataxe), ao que al-
gumas orações da versão 3 se acham relacionadas a alguma outra
por subordinação (ou hipotaxe).
Coordenação (ou parataxe) e subordinação (ou hipotaxe)
são, portanto, dois processos de construção: a coordenação une
partes do texto – palavras, sintagmas ou orações – formal e fun-
cionalmente equivalentes (sentou-se na calçada e descansou na pedra
o cachimbo), a subordinação une partes formal e funcionalmente
distintas (diminuiu o passo até parar). A chave desta distinção é a
noção de ‘hierarquia’. Com isso estamos dizendo que ao se combi-
narem numa construção, as unidades gramaticais – palavras, sin-
tagmas, orações – se associam por dois modos básicos distintos:
ou elas se situam no mesmo nível de modo que a presença de uma
independe da presença da outra (coordenação ou parataxe), ou
elas se situam em níveis distintos, imediatos ou não, de modo que
uma delas é a base e a outra serve de complemento ou de termo
adjacente (hipotaxe ou subordinação).
(AZEREDO, 2008, p. 290-4)

Partindo do trecho do livro de Azeredo (2008) acima, vamos,


neste capítulo, nos dedicar aos processos de conexão oracional: co-
ordenação e subordinação. Antes disso, porém, vamos relembrar o
que é um período.
Pela visão da Gramática Normativa, período é uma sequência
de itens lexicais organizados, composto por uma ou mais orações.
Se o período for composto por uma única oração, ele será chamado
de período simples. Por outro lado, se for formado por duas ou mais
orações, será um período composto.
(82) a. As meninas conversavam muito na viagem ao Acre.
(1 verbo só – período simples)
b. As meninas conversaram tanto na viagem que o motorista
ficou irritado e errou o caminho.
(3 verbos – período composto).
EaD • UFMS Fundamentos Sintaxe
da TeoriadoGramatical
Período 69

Porém, ao contrário do que a Gramática Normativa apresenta,


nem sempre a cada verbo corresponde a uma oração. Observe:
(83) “Minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá, as aves que
aqui gorjeiam não gorjeiam como lá”
Se você marcar os verbos, encontrará apenas quatro (4). Porém,
o período acima tem cinco (5) verbos, e, portanto, cinco orações.
Como isso é possível? É possível porque há verbos implícitos (ocul-
tos) em (2):
(83)’ “Minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá, as aves que
aqui gorjeiam não gorjeiam como [gorjeiam] lá”.
Agora analise o período abaixo:
(84) João estava estudando muito.
Na sentença acima, temos dois verbos: estar e estudar. Portanto,
tenho duas orações, certo? Errado. Em (3) eu tenho dois verbos que
indicam uma mesma ação (estava estudando é uma locução verbal).
Então eu tenho um único período: um período simples.
Depois dessa reflexão, vamos deixar um pouco de lado o pe-
ríodo simples, já discutido no capítulo 2, e nos dedicar ao período
composto que, como descrito no trecho copiado de Azeredo (2008), é
dividido em período composto por coordenação (quando a presen-
ça de uma oração independe da presença da outra) e, período com-
posto por subordinação (quando há uma relação de dependência,
hierárquica, entre as orações).

3.2 Período composto por coordenação


Orações coordenadas são sintaticamente independentes uma
da outra (têm sentido completo), já que se situam no mesmo nível.
Essas orações podem estar coordenadas sem que nenhum conectivo
as una e, portanto, receberão o nome de coordenadas assindéticas
(= não têm conjunção para uni-las); ou então, estar unidas por um
conectivo, e assim, receberão o nome de coordenadas sindéticas (=
têm conjunção que é responsável por ligar as duas orações dando a
elas algum sentido).

3.2.1 Coordenadas Assindéticas


As orações coordenadas assindéticas têm sentido completo e
não possuem conjunção que as una. Nesse caso, o conteúdo de cada
oração pode ser simplesmente adicionado ao da oração anterior.
(85) a. Chegou, gostou, ficou pra sempre.
b. Estudei o dia todo ontem; tinha prova na faculdade.
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
70
70 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

Na sentença acima (4a) temos três verbos e nenhum conectivo


para fazer a união/ligação entre esses verbos. Portanto, temos três
orações coordenadas assindéticas. Muitas vezes, mesmo sem o co-
nectivo, a segunda oração pode ter um efeito sobre o conteúdo da
primeira, é o que acontece com (4b).

Dica:
Morfologicamente, o termo sindeto significa conjunção. Observe
que o termo Assindética tem um ‘a’ na frente do sindeto. Esse ‘a’ sig-
nifica negação. Por isso, assindética quer dizer oração sem conjunção.

3.2.2 Coordenadas sindéticas


Ocorre quando a relação de sentido pretendida pelo enun-
ciador está explícita por um conectivo. Portanto, a ideia expressa nas
orações coordenadas sindéticas (sindeto = conjunção) depende da
conjunção coordenativa que as une. Temos cinco tipos conectivos:
Conclusiva, Aditiva, Adversativa, Alternativas e Explicativas (CA-
AAE ou CA3E).

A) Conclusivas
As orações coordenadas conclusivas exprimem uma conti-
nuação lógica do raciocínio iniciado na oração anterior. Ou seja, têm
valores próprios de conclusão, finalização ou fechamento com base
em argumentos apresentados em enunciados anteriores. As conjun-
ções que se prestam a isso são:

logo, portanto, por isso, por conseguinte, consequentemente,


pois (posposto ao verbo), então, destarte, dessarte, etc.

(86) Estudamos muito,


portanto seremos aprovados nesta disciplina.
1ª oração , oração coordenada conclusiva

B) Aditivas
As orações coordenadas sindéticas aditivas têm valor se-
mântico de adição, soma, acréscimo. Sua função é somar argumentos a
favor da mesma conclusão.

e, nem (e não), não só... mas também, mas ainda, ainda, como
também, como, ademais, outrossim, além disso, etc.
EaD • UFMS Fundamentos Sintaxe
da TeoriadoGramatical
Período 71

(87) a. João não só cantou como também dançou.


b. Estudaram muito e foram aprovados.

C) Adversativas
As orações coordenadas adversativas têm valor semântico
de oposição, adversidade, ressalva, etc. Nessas orações, há sempre uma
mudança na direção argumentativa, ou seja, há um contraste entre
dois fatos ou ideias.

mas, porém, entretanto, todavia, contudo, no entanto, embora,


não obstante, inobstante, senão (= mas sim) etc.

(88)

Figura 4 - (Fonte: Folha de São Paulo, 10 out. 2002)

a. Não sei, mas pergunte ao dono do bar.


b. João não estudou muito, mas passou nas provas.
Lembre-se de que a primeira oração [João não estudou muito] é
uma oração independente e, portanto, é uma oração coordenada as-
sindética. Já a oração iniciada pela conjunção adversativa mas [mas
passou nas provas] depende da primeira oração para ter sentido. Por-
tanto, é uma oração coordenada sindética adversativa. Faça o mes-
mo exercício de análise em todos os exemplos.

D) Alternativas
As orações coordenadas sindéticas alternativas introduzem
argumentos alternativos para conclusões diferentes ou opostas. Eles
são empregados para dar realce a todas as alternativas do enunciado
e têm valor semântico de alternativa, exclusão ou escolha.

ou...ou; ora...ora; já...já; seja... seja; quer... quer, não ... nem etc.
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
72
72 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

(89) Stop. A vida parou ou foi o automóvel?


(Carlos Drummond de Andrade)

E) Explicativas
Orações coordenadas sindéticas explicativas são introduzi-
das pelas conjunções:

porque, pois (antes do verbo), que, porquanto etc.


(se a conjunção é explicativa, a oração é explicativa)

Essas conjunções têm valor semântico de explicação, motivo, ra-


zão, justificativa etc. Elas introduzem argumentos que justificam ou
explicam o(s) enunciado(s) anterior(es).
(90)

Figura 5 - (Fonte: Quino, 1993)

A oração que deve ser observada em (9) é: Sorte sua, porque ve-
remos a professora todos dos dias. A oração sublinhada é a oração coor-
denada sindética explicativa. Observe que modificamos um pouco a
frase para poder delimitar a oração explicativa.

Importante 1:
A conjunção pois pode aparecer com valor explicativo ou conclusivo
(91) a. Os alunos estudaram muito, pois queriam passar.
(= porque – valor de explicação) explicativa.
b. Erramos o caminho. [Precisamos, pois, voltar].
Or. Coor. Assind. (= portanto – valor conclusivo)
Obs.: sempre que você tentar trocar o pois pelo porque e não der
certo, é porque ele tem valor de conclusão.

Importante 2:
A conjunção e (aditiva) pode aparecer com valor adversativo
(caso tenha valor de mas)
EaD • UFMS Fundamentos Sintaxe
da TeoriadoGramatical
Período 73

(92) É ferida que dói e não se sente. (Camões)


(e = mas) – O e, aqui, não representa adição,
representa oposição, adversidade.

Importante 3:
A conjunção mas (adversativa) pode aparecer com valor aditivo
(adição).
(92) Era uma menina linda, mas principalmente simples.
Além de ser linda, a menina era também simples. Ou seja, esse
mas não tem valor de oposição, mas de adição (está adicionando
mais uma informação).
Esses três “Importante (1) (2) (3)” demonstram claramente que
não adianta decorar as conjunções e aplicá-las sistematicamente em
qualquer frase. O contexto em que cada conjunção é aplicada é o que
realmente determina o sentido das orações.

3.3 Período composto por subordinação


Ao contrário do período composto por coordenação, o período
composto por subordinação é sintaticamente dependente da oração a
que está vinculado. Nas palavras de Azeredo (2008, p. 294), subordi-
nação “implica uma diferença hierárquica entre as unidades relacio-
nadas. A unidade subordinada sempre vem contida numa unidade
maior, que lhe é superior na hierarquia gramatical interna da oração”.
A oração subordinada é sempre dependente de uma oração
matriz; assim, a subordinada tem sempre funções novas. A ordem
canônica (mais natural) das frases em português é:
(93) Sujeito Verbo Objeto (Adjuntos)
Maria quer o vestido da vitrine.
Na sentença acima temos um período simples (só temos um
verbo, portanto, uma só oração). Observe que o vestido é o objeto
direto de verbo querer (o verbo querer é um predicado de 2 lugares,
como vimos na seção 2.1 e 2.1.3). Veja agora se modificarmos um
pouco a oração:
(94) Maria quer [que João compre o vestido].
Oração matriz [oração subordinada]
Aqui, temos a mesma situação de (13). A diferença está no fato
de o objeto direto do verbo querer ter se tornado uma oração (veja
que agora temos o verbo comprar) dentro dos colchetes. Assim, a ora-
ção entre colchetes é chamada de oração subordinada (na função
sintática de objeto direto).
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
74
74 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

“[…] uma ‘oração subordinada’ é […] um sintagma deriva-


do, capaz de ocupar a posição de um substantivo, de um adjetivo ou
de um advérbio em outra oração, que chamamos de oração superor-
denada ou principal”. (AZEREDO, 2008, p. 298)
Assim, a oração matriz pode conter uma ou mais orações su-
bordinadas associadas a ela. As orações subordinadas podem ser:
a) adjetivas (subordinadas adjetivas);
b) substantivas (subordinada substantiva)
c) adverbiais (subordinada adverbial)
Antes de estudarmos cada um dos tipos de oração subordina-
da, vamos fazer uma pausa para entender claramente a distinção
entre oração coordenada e oração subordinada.

3.3.1 Oração Coordenada x Oração Subordinada


Observe as sentenças:
(95) Ele correu muito, [mas chegou atrasado].
Na sentença acima, temos dois verbos, portanto duas orações.
A primeira oração é Ele correu muito. Essa sentença é completa, in-
dependente, compreensível por si só (o verbo correr é um predi-
cado de um lugar, que é preenchido pelo sujeito ele. O item lexical
muito é um advérbio). Portanto, Ele correu muito é uma oração co-
ordenada. Na segunda oração temos mas chegou atrasado ou, reti-
rando o conector mas, Chegou atrasado que também é uma oração
completa, independente (o verbo chegar também é um predicado
de um lugar, que é completado pelo sujeito implícito, conforme já
estudamos no capítulo 2). Ou seja, também é uma oração coorde-
nada. Assim, oração coordenada é sinônimo de oração independente.
Agora observe:
(96) Maria estudava enquanto todos dormiam.
Aqui ocorre uma pequena diferença: também temos dois verbos
(= duas orações, portanto), só que a segunda oração não tem sentido
completo sozinha. Ela precisa de algo (Enquanto) todos dormiam....(?).
Por isso, essa oração é subordinada à oração matriz (também chama-
da de oração principal) que é Maria estudava. A oração subordinada
está sempre ligada a uma oração matriz.
Então, com essas distinções em mente, passamos para a análise
de cada um dos tipos de oração subordinada.

3.3.2 Orações subordinadas adjetivas


Têm o valor próprio dos adjetivos, já que derivam de um ad-
jetivo. Por exemplo, no período simples O homem trabalhador vence
EaD • UFMS Fundamentos Sintaxe
da TeoriadoGramatical
Período 75

na vida, trabalhador é um adjetivo porque está qualificando o homem.


Posso transformar essa oração em um período composto:
(97) O homem [que trabalha] vence na vida.
que trabalha = trabalhador
Na sentença acima o adjetivo trabalhador foi transformado em um
verbo trabalha e, precedente a ele é inserido o pronome relativo que. A
oração que trabalha é uma oração subordinada adjetiva porque toda
ela funciona como adjetivo (O homem trabalhador vence na vida).
As orações subordinadas adjetivas são sempre iniciadas por
pronomes relativos: que, o qual (e variações), onde, quem e cujo (e va-
riações). Veja, no quadro abaixo, uma explicação bem bacana para
identificar essas orações:

Tomemos dois períodos simples:


(98) a. João leu o livro.
b. João ganhou o livro.
Imagine que você queira unir essas duas orações em um pe-
ríodo composto. A simples união das orações não formaria uma
frase agradável ao ouvido, embora totalmente possível:
(99) João leu o livro. João ganhou o livro.
A opção mais usual seria:
(100) João leu o livro que ele ganhou.
Observe o que aconteceu na sentença acima:
(101) João leu o livro que ele ganhou o livro.
O substantivo [o livro] é o constituinte repetido nas duas ora-
ções de (20), assim, a primeira oração fica intacta [João leu o livro]
e, na segunda, [João ganhou o livro] temos, pelo menos, três mo-
dificações: a) primeiro o substantivo [o livro] é transformado no
pronome relativo [que]:
(102) João leu o livro. João ganhou que o livro.
b) depois o pronome relativo, que como o nome sugere, fun-
ciona com um relativizador, relativiza as duas orações (fica entre
as duas orações). Para tanto, ele se desloca para o início da sen-
tença:
(103) João leu o livro que João ganhou [que].

e, por fim, c) para não repetir duas vezes o substantivo [João],


ele é trocado pelo pronome [ele], ou é simplesmente apagado por
ser facilmente recuperável:
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
76
76 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

(104) João leu o livro que ele ganhou.


João leu o livro que ganhou.
Assim, em (24), temos a oração matriz, João leu o livro, e, a
oração subordinada (que ganhou). Veja que a oração subordinada
é adjetiva porque toda ela funciona como adjetivo:
(105) João leu o livro ganho.
Dica:
Sempre tente substituir toda a oração subordinada por um
adjetivo e sempre tente dividir toda a oração em uma oração ma-
triz e uma oração subordinada (= adjetiva).

Se você entendeu plenamente o que foi desenvolvido no qua-


dro acima, percebeu que a oração subordinada adjetiva, justamente
por funcionar como adjetivo, tem sempre um termo que modifica.
Assim, retomando o exemplo João leu o livro que ele ganhou, o termo
o livro é o termo modificado pela oração subordinada adjetiva que
ele ganhou. Esse termo, que é modificado pela oração subordinada,
está sempre adjacente (ao lado) do pronome relativo (que inicia a
sentença subordinada). Observe:
(106) a. O mico [que eu paguei] me deixou envergonhado.
[Ani Carla20] Comentário:
Quando a oração subordina- b. O rato [que eu peguei ontem] estava faminto.
da (entre colchetes) fica no
meio da oração matriz, al- c. Ela mora na casa [que eu construí].
guns gramáticos as chamam
de orações intercaladas.
d. Ela gosta do menino [que eu vi na festa].
Observe que as orações entre colchetes de (26) são orações su-
bordinadas. Se você dividir as orações de (26) em sentenças simples,
você verá que o nome repetido (negritado abaixo) é sempre o nome
que precede a oração subordinada adjetiva, que está entre colchetes
acima:
(107) a. O mico me deixou envergonhado. / Eu paguei mico.
b. O rato estava faminto. / Eu peguei o rato ontem.
d. Ela mora na casa. / Eu construí a casa.
e. Ela gosta do menino. / Eu vi o menino na festa.
Em (27), conseguimos visualizar o constituinte repetido. Esse é
o termo que é modificado pela oração subordinada adjetiva.
Em relação ao termo que modificam, as orações subordina-
das adjetivas dividem-se em dois tipos: oração subordinada adjetiva
restritiva e a oração subordinada adjetiva explicativa.
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da TeoriadoGramatical
Período 77

A) Oração subordinada adjetiva restritiva


Elas apenas restringem o sentido do termo a que se referem,
não são isoladas por sinal de pontuação:
(108) O filho de Maria que mora na Europa casou.
O sentido da sentença é: dentre os filhos que Maria, tem aquele que
mora na Europa, e ele casou. Ou seja, Maria pode ter outros filhos, mas
aquele que mora na Europa é o foco do discurso. Que mora na Europa
específica/restringe qual é o filho que casou. (Já vimos essa diferença
semântica no Capítulo 2, seção 2.1.7).
Observe que a oração subordinada adjetiva restritiva tem
sempre a função sintática de adjunto adnominal (= adjunto do
nome). Por quê? Porque essa oração subordinada sempre modifica
[Ani Carla21] Comentário:
um nome (= substantivo). Veja outros exemplos: Veja que Maravilhosa está
no feminino porque concor-
(109) a. A cidade onde João mora é maravilhosa. da com o seu sujeito a cida-
de que é feminino. A oração
matriz é:
b. Todos os reis que foram tiranos maltrataram o povo. A cidade é maravilhosa.
A oração subordinada é in-
c. Eu gosto do João que estuda na outra sala. serida no meio da oração
matriz porque tem que ficar
ao lado (adjacente) do termo
Nos períodos acima, as orações subordinadas adjetivas (subli- relativizado cidade.
nhadas) restringem o significado do termo relativizado (em negri-
to). Dessa forma, é especificamente a cidade em que João mora que
é maravilhosa, e não outra; só os reis que foram tiranos maltrataram
o povo (nem todos os reis foram tiranos e, portanto, nem todos os
reis maltrataram o povo); e, gosto do João da sala ao lado, não é
qualquer João, é o João que estuda na sala ao lado (há outros meni-
nos com o nome de João, mas eu gosto especificamente daquele que
estuda na sala ao lado). Ademais, em todas as sentenças de (29), não
há sinais de pontuação, por isso são chamadas de orações subordina-
das adjetivas restritivas (a oração subordinada restringe o significado
do termo relativizado).

B) Oração subordinada adjetiva explicativa


Aparece entre vírgulas, ou entre travessões e, por isso, funciona
como aposto (sobre esse assunto, retome 2.1.7).
Retomando o exemplo de (28) teríamos:
(110) O filho de Maria, que mora na Europa, casou.
Em (30), a oração adjetiva é delimitada por meio das vírgu-
las. O sentido da frase seria: O filho da Maria casou. A oração su-
bordinada adjetiva funciona como aposto, ou seja, não é relevante
para o entendimento da sentença. A frase (30) seria pronunciada
em um contexto semântico em que Maria tem só um filho, e esse
filho se casou. Coincidentemente, esse único filho mora na Euro-
pa.
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
78
78 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

Ou seja, na oração subordinada adjetiva explicativa, o termo re-


lativizado é tido no seu sentido amplo; a oração subordinada apenas
destaca ou esclarece melhor o seu significado. Veja outros exemplos:
(111) a. A cidade de Veneza, onde João mora, é maravilhosa.
b. Todos os reis, que foram tiranos, maltrataram o povo.
c. Eu gosto do João, que estuda na outra sala.
Ao contrário de (29), nos períodos acima, temos: a cidade de
Veneza é linda e, a propósito, João mora nela; todos os reis foram
tiranos e todos maltrataram o povo, sem exceção; e, eu gosto do João
(só há um João no meu universo de discurso e eu gosto dele – a pro-
pósito, esse único João, estuda na sala ao lado).

Importante 4:
Nas orações subordinadas adjetivas, o pronome relativo pode
aparecer precedido de preposição, desde que o verbo ou o nome da
oração em que ele se encontra assim o exija:
(112) a. Este é o autor de que eu mais gosto.
b. As pessoas com quem trabalho são ótimas.
A explicação para essas preposições (de e com) é facílima. Se
você separar as orações você verá o motivo:
(113) a. Este é o autor./Eu gosto do autor.
b. As pessoas são ótimas./Trabalho com as pessoas.
Afirmamos anteriormente que o termo relativizado (aquele que
é repetido nas duas orações) é transformado em um pronome rela-
tivo (em (32), que e quem respectivamente). Você deve se lembrar,
também, de que o termo relativizado é formado pelo artigo (o, as) e
pelo substantivo (autor, pessoas). Portanto, teremos:
[Ani Carla22] Comentário: A
preposição do é a junção da (114) a. Este é o autor./Eu gosto do autor.
preposição de + artigo o.
b. As pessoas são ótimas./Trabalho com as pessoas.
a’. Este é o autor./Eu gosto de que.
b’. As pessoas são ótimas./Trabalho com quem.
Outro fato afirmado anteriormente é que o pronome relativo
(que, quem) fica sempre adjacente (= ao lado) do termo que é relati-
vizado (autor, pessoas). Assim, teremos o movimento dos pronomes
relativos para perto do termo relativizado:
(115) a. Este é o autor./Eu gosto do autor.
b. As pessoas são ótimas./Trabalho com as pessoas.
a’. Este é o autor./Eu gosto de que.
b’. As pessoas são ótimas./Trabalho com quem.
EaD • UFMS Fundamentos Sintaxe
da TeoriadoGramatical
Período 79

a’’. Este é o autor [que eu gosto de ]. [Ani Carla23] Comentário:


Para não confundir:
b’’. As pessoas [quem trabalho com ] são ótimas. Quando o [que] puder ser
trocado por [qual] teremos
certeza de que esse [que] é
Porém, não podemos deixar a preposição solta (órfã) ao final um pronome relativo e, por-
tanto, a sentença iniciado
da sentença. Se fizermos isso, a sentença será ruim. Então, para gra- por esse [que] será uma ora-
maticalizar a sentença, o pronome relativo, ao se movimentar para ção subordinada adjetiva;
Quando a oração iniciado
junto do termo relativizado, leva consigo a preposição: pelo [que] ou o [se] puder
ser, toda ela, substituída por
[isso, esse, essa (s), disso,
(116) a. Este é o autor./Eu gosto do autor. etc.] esse [que] não será um
pronome relativo, e, portan-
b. As pessoas são ótimas./Trabalho com as pessoas. to, a oração iniciada/encabe-
çada por esse constituinte
a’. Este é o autor./Eu gosto de que. é uma oração subordinada
substantiva.
Ex.: Necessito de [que me
b’. As pessoas são ótimas./Trabalho com quem. ajudem].
Se trocar o [que] pelo prono-
a’’. Este é o autor [de que eu gosto ]. me relativo [qual] criaremos
uma sentença agramatical/
ruim:
b’’. As pessoas [com quem trabalho ] são ótimas. *Necessito de qual me aju-
dem.
Com esse teste, teremos cer-
teza de que esse [que] não
é um pronome relativo, e,
assim, a sentença entre col-
chetes não pode ser uma
3.3.3 Orações subordinadas substantivas oração subordinada adjeti-
va. O próximo teste é trocar
toda a oração entre colchetes
Orações Subordinadas Substantivas têm as funções sintáticas por [isso]:
próprias do substantivo (complementos verbais, complemento Necessito disso.
A sentença formada é boa/
nominal, sujeito, entre outras) e são introduzidas por conjunções gramatical. Isso indica que a
sentença entre colchetes em
subordinativas integrantes (geralmente ‘QUE’ e ‘SE’). As orações Necessito de [que me ajude]
é uma oração subordinada
subordinadas substantivas são aquelas que exercem o papel de um substantiva.
termo da oração (objeto direto, objeto indireto, complemento no-
[Ani Carla24] Comentário:
minal, etc.). Elas sempre podem ser substituídas por isso, essa, esse, Antes de prosseguir com a
leitura, releia a unidade 2
disso, etc. e, segundo o seu valor sintático (= função sintática), elas deste livro, que trata dos ter-
podem ser: mos da oração. Os conceitos
descritos lá, são imprescin-
díveis para o entendimento
a) objetiva direta; desta seção.

b) objetiva indireta;
c) completiva nominal;
d) apositiva;
e) predicativa;
f) subjetiva.
Você deve recordar que todas essas funções sintáticas foram
apresentadas, com detalhes, no capítulo 2. Portanto, antes de pros-
seguir com a leitura deste capítulo 3, releia o capítulo 2, que trata
dos termos da oração. Os conceitos descritos lá são imprescindíveis
para o entendimento desta seção.

A) Objetiva direta:
Quando exercem a função sintática de objeto direto (OD) do
verbo da oração matriz. Por isso elas se estruturam na forma:
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
80
80 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

Verbo Transitivo Direto + que/se


VTD + que/se
+ Objeto direto (OD) – função sintática.
(117) Os alunos querem [que você fique].
Primeiro fazemos o teste para verificar se é de fato uma oração
subordinada substantiva:
(118) a. Os alunos querem [que você fique].
b. Os alunos querem isto.
c. *Os alunos querem [o qual você fique].
(lembre-se que * significa agramatical)
O teste em (38b), substituição da oração entre colchetes por
isto, garante que o que está entre colchetes em (38a) é uma subordi-
nada substantiva. Já o teste em (38c), trocar o que pelo pronome rela-
tivo qual, garante que a sentença entre colchetes é uma subordinada
adjetiva. Assim, pelos testes vemos que (38b) é uma sentença boa/
gramatical e (38c) é uma sentença ruim. Portanto, o que está entre
colchetes em (38a), que você fique, é de fato uma oração subordinada
substantiva.
Segundo, temos que observar qual é a função sintática do
que está entre colchetes (se você ainda tem dúvidas quanto à tran-
sitividade verbal, reveja, com atenção, o capítulo 2, em especial as
seções 2.1 e 2.1.3):
(119) Os alunos querem [que você fique].
Sujeito VTD OD.
Oração matriz
[oração subordinada substantiva objetiva direta].
Ou seja, a oração que você fique está funcionando como objeto
direto do verbo transitivo direto querer e, por isso, essa oração é cha-
mada de oração subordinada substantiva objetiva direta. Outros
exemplos:

(120) a. João perguntou [se todos entenderam o assunto].


b. João perguntou isso.
– teste que confirma que é uma subordinada substantiva.
Suj. VTD OD
Portanto, se todos entenderam o assunto é uma oração subordinada
substantiva objetiva direta.
EaD • UFMS Fundamentos Sintaxe
da TeoriadoGramatical
Período 81

B) Objetiva indireta
Quando a oração subordinada substantiva exerce a função
sintática de Objeto Indireto (OI). A oração se estrutura da seguinte
forma:
Sujeito + Verbo Transitivo Indireto + preposição + que
Suj. + VTI + preposição + que
+ objeto indireto (OI)- f. sintática.
(121) Necessito de [que me compreendas].
Necessito disso.
(Teste para saber se é de fato subordinada substantiva).
VTI prep. OI
Portanto, a oração entre colchetes em (41) acima é uma oração
subordinada substantiva objetiva indireta.

C) Completiva nominal
Ocorre quando a oração subordinada substantiva exerce a
função sintática de Complemento Nominal de um termo da oração
principal. A oração se estrutura da seguinte forma:
Nome (substantivo) + preposição + que
+ Complemento Nominal (CN)
– função sintática
(122) João tem necessidade [de que ela volte].
João tem necessidade disso. (teste que comprova que é uma su-
bordinada substantiva)
Suj. VTD OD (nome) CN
Assim, a oração de que ela volte é chamada de oração subordinada
substantiva completiva nominal.

D) Apositiva
São as orações subordinadas substantivas que funcionam
como aposto de um termo da oração principal. Elas se estruturam
da seguinte forma:
: (dois-pontos) + que/se
apositiva - função sintática
(123) Ainda há um mistério: se ele é o assassino.
: esse - teste que comprova ser uma subordinada subst.
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
82
82 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

A sentença que vem logo após os dois pontos é uma oração su-
bordinada substantiva apositiva.

E) Predicativa
São aquelas que funcionam como predicativo da oração princi-
pal. Elas têm o seguinte esquema prático:
Verbo de Ligação (VL) + que/se
(124) A verdade é [que tudo na vida passa].
VL que
A verdade é isso
A oração entre colchetes é uma oração subordinada substantiva
predicativa.

F) Subjetiva
É toda oração que funciona como sujeito da oração principal.
Nesse caso, o verbo da oração principal sempre fica na terceira pes-
soa do singular. Os principais casos de oração principal são:
1º caso: verbo de ligação + predicativo + QUE
(É preciso..., É bom..., É melhor..., Está comprovado..., Parece
certo..., Fica evidente..., etc.)
(125) É importante [que João estude mais].
É importante isso ou Isso é importante.
No teste, as orações subjetivas são as únicas que podem ir para
frente, justamente porque são sujeito. Assim, a oração entre colche-
tes de (45) é uma oração subordinada substantiva subjetiva.
[Ani Carla25] Comentário:
Passiva sintética = verbo+SE
2º caso: verbo na voz passiva sintética ou analítica + que / se
Passiva analítica =
verbo+particípio (-ado, (Sabe-se..., Comenta-se..., Dir-se-ia.., Foi anunciado..., Foi
-ido). Caso tenha dúvidas,
retome a seção (2.1.5). dito..., etc.)
(126) Sabe-se [que a gratidão transforma o homem].
(verbo na passiva sintética)
Sabe-se isso ou Isso é sabido.
Portanto, a oração entre colchetes de (46) é uma subordinada
substantiva subjetiva.
(127) Foi dito [que o presidente não resolveria isso].
(verbo na passiva analítica)
Foi dito isso ou Isso foi dito.
EaD • UFMS Fundamentos Sintaxe
da TeoriadoGramatical
Período 83

3º caso: verbos unipessoais + QUE (verbos unipessoais são sem-


pre conjugados na terceira pessoa singular ou plural). Os verbos
considerados unipessoais são: convir, parecer, constar, acontecer,
cumprir, importar, ocorrer, suceder, urgir etc.
(128) Convém [que você estude mais].
Convém isso. Ou Isso convém.
A oração entre colchetes é uma subordinada substantiva subje-
tiva.

Importante 5:
Além das conjunções integrantes QUE (nas afirmações certas)
e SE (nas afirmações incertas, hipotéticas), a oração subordinada
substantiva pode ser introduzida por pronomes indefinidos ou ad-
vérbios interrogativos, sobretudo nas frases interrogativas indiretas:
(129) Ninguém sabe...
VTD
onde fica o teatro.
como a máquina funciona.
quanto custa o remédio.
quando entra em vigor a nova lei.
qual é o assunto da palestra.
quem é o culpado.
Todas as orações (onde fica o teatro, como a máquina funciona, quan-
to custa o remédio, quando entra em vigor a nova lei, qual é o assunto da
palestra, quem é o culpado) podem ser substituídas por isso – Ninguém
sabe isso. Assim, não há duvida de que essas orações, mesmo não
sendo iniciadas pelo que ou se, são, de fato, orações subordinadas
substantivas. Outros exemplos:
(130) a. Você sabe [quem fez isto]?
b. Gostaria de saber [qual de vocês me traiu].
c. Ignora-se [quantos são os responsáveis].
d. Perguntaram-lhe [onde esteve].
e. Não sei [quando voltarei].
f. Você entendeu [como me senti]?

Importante 6:
Apesar de a Gramática Normativa não fazer referência, po-
dem ser incluídas como orações subordinadas substantivas aquelas
que funcionam como agente da passiva iniciadas por de ou por
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
84
84 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

e pronome indefinido, já que elas podem ser substituídas por um


único termo:
(131) A aula será dada por [quem a preparou].
A aula será dada por ele.
(132) O político estava rodeado de
[quem admirava sua honestidade].
O político esta rodeado disso.

3.3.4 Orações subordinadas adverbiais


Este é a última divisão do período composto por subordina-
ção. As orações subordinadas adverbiais funcionam como adjunto
adverbial da oração principal. Elas sempre aparecem introduzidas
por conjunções subordinativas adverbiais (ou seja, não podem ser
introduzidas pelas conjunções integrantes, apresentadas na seção
anterior: que e se) e, por isso, sua classificação é feita segundo o sen-
tido da circunstância adverbial que expressam. Podem ser Causal,
Consecutiva, Conformativa, Condicional, Comparativa , Concessiva, Pro-
porcional, Temporal, Final (C6PTF – (leia-se: C três patife).
Observe que o nome da conjunção é o que dará o nome da
oração. Assim, as orações subordinadas adverbiais dividem-se em:
a) Orações subordinadas adverbiais causais;
b) Orações subordinadas adverbiais consecutivas;
c) Orações subordinadas adverbiais conformativas;
d) Orações subordinadas adverbiais condicionais;
e) Orações subordinadas adverbiais comparativas;
f) Orações subordinadas adverbiais concessivas;
g) Orações subordinadas adverbiais proporcionais;
h) Orações subordinadas adverbiais temporais;
i) Orações subordinadas adverbiais finais.

A) Causais
Exprimem ideia de causa do fato expresso na oração prin-
cipal. As conjunções que podem iniciar essas orações são: porque,
porquanto, uma vez que, visto que, já que, como etc.
(133) a. Não foi à aula porque estava doente.
b. Já que estudou muito, suas chances são enormes.
Da mesma forma que vimos nas sentenças anteriores, a ora-
ção que está sublinhada é a que estamos analisando aqui. Então, a
EaD • UFMS Fundamentos Sintaxe
da TeoriadoGramatical
Período 85

referida oração é oração subordinada adverbial causal. Observe que a


primeira oração não sublinhada é a oração matriz.

B) Consecutivas
Exprimem consequência do fato expresso na oração princi-
pal. São iniciadas pelas seguintes conjunções: que (precedido de ‘tal’,
‘tão’, ‘tanto’, ‘tamanho’), de forma que, de modo que, de sorte que etc.
(134) Correu tanto que ficou sem ar.
[Ani Carla26] Comentário: A
Oração subordinada adverbial consecutiva conjunção que acompanha
a consequência do fato ex-
presso na oração principal.
Pense assim: consequência – ficou sem ar – Por quê? Por causa
da corrida.

Atenção:

Diferença entre Oração adverbial causal


e adverbial consecutiva
(135) Falou tanto que ficou muito rouco.
Pense no seguinte: uma pessoa fica rouca porque fala OU fala porque fica
rouca? Resposta: se a pessoa fala muito, ela fica rouca. Então:
(136) Falou tanto que ficou rouco.
Causa consequência
A oração subordinada adverbial consecutiva acompanha a con-
sequência do fato expresso pela oração principal. Então, em (56),
a oração subordinada, entre colchetes, será chamada de oração su-
bordinada adverbial consecutiva. E a outra oração, falou tanto, mesmo
tendo sentido de causa (semanticamente indica causa), será sinta-
ticamente chamada de oração matriz.
Em resumo teríamos:
Falou tanto – sentido de causa (semanticamente); oração principal
(sintaticamente);
que ficou rouco – sentido de consequência (semanticamente); ora-
ção subordinada adverbial consecutiva (sintaticamente)
Agora, se invertemos a frase teremos:
(137) Já que falou tanto ficou muito rouco.
Causa consequência
Nesse caso, a conjunção que aparece ao lado da causa. Então, se
a conjunção aparecer do lado da causa, a oração é subordinada
adverbial causal, pois a conjunção acompanha a causa do fato ex-
presso na oração matriz.
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
86
86 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

C) Conformativas
Expressam a ideia de concordância (conformidade) entre o fato
dito na oração subordinada e o expresso na oração matriz. São intro-
duzidas pelas conjunções: conforme, segundo etc.
(138) João procedeu como Maria ordenou.
Oração matriz / Oração subordinada adverbial conformativa.

D) Condicionais
Exprimem uma situação de condição (uma condição neces-
sária ou não à ocorrência da ação indicada pelo verbo da oração
matriz). As principais conjunções utilizadas são: se, caso, contanto
que, senão, desde que, uma vez que etc.
(139) Se chover, não vou a aula amanhã.

E) Comparativas
Exprimem uma ideia de comparação com a ideia expressa na ora-
ção matriz. Conjunções: como, assim como, tanto quanto, que, do que etc.
(140) a. Maria é mais alta do que João.
b. Comeu como um faminto.
Observe que as conjunções que e do que, a exemplo de (60a), são
sempre precedidas por tão, menos, melhor, pior, mais, maior, menor que
ficam na oração matriz.

F) Concessivas
Exprimem uma concessão, ou seja, admitem uma contra-
dição (concessão) a um fato expresso pelo verbo da oração matriz.
Conjunções: embora, ainda que, sempre que, nem que, por mais que etc.
(141) Por mais que chova, vou à aula amanhã.

G) Proporcionais
Exprimem ideia de proporção ou fato simultâneo ao expresso
na oração principal. São encabeçadas/iniciadas pelas conjunções: à
medida que, à proporção que, ao passo que, quanto mais (ou menos), tan-
to mais (ou menos) etc.
(142) a. Quanto mais se estuda,
mais se aprende.
b. À medida que estudava,
mais aprendia.
EaD • UFMS Fundamentos Sintaxe
da TeoriadoGramatical
Período 87

Oração subordinada adverbial proporcional.


Oração principal.

H) Temporais
Exprimem ideia do tempo em que ocorre o fato expresso na
oração principal. As conjunções que podem iniciar essa oração são:
quando, enquanto, logo que, até que, antes que, depois que, desde que, assim
que, sempre que etc.
(143) João saiu quando Pedro chegou.
Da mesma forma que as sentenças anteriores, a oração que está
sublinhada é a que estamos analisando aqui. Então, a referida ora-
ção é oração subordinada adverbial temporal. A primeira oração é a ora-
ção matriz. Observe que o quando sempre exprime tempo, pois pode
ser substituído por no momento em que (ou seja, tem ideia de tempo).
Veja outro exemplo e tente analisá-lo:
(144) João ficou lendo até que seu filho chegasse.

I) Finais
Têm ideia de finalidade, intenção em relação ao fato expres-
so na oração principal. Conjunções utilizadas comumente: a fim de
que, para que, que e porque (= para que) etc.
(145) a. Se dedicou o ano todo
a fim de que fosse aprovada.
b. Foi a festa
para que fizesse novos amigos.
Oração principal
Oração subordinada adverbial final.

3.4 Considerações finais


Estudamos, até aqui, as orações subordinadas encabeçadas por
conjunção (conectores) ou por pronomes relativos. Essas frases sem-
pre tinham verbo numa forma finita (indicativo ou subjuntivo). A
Gramática Tradicional descreve, também, um outro tipo de oração
subordinada, as reduzidas. Elas têm esse nome porque não são ini-
ciadas nem por pronome relativo, nem por conjunção. O verbo de
uma oração subordinada reduzida está sempre em uma das formas
nominais: infinitivo, gerúndio ou particípio. Veja alguns exemplos, em
que a oração reduzida está sublinhada, extraídos de Garcia e Reis
(s/d):
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
88
88 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

(146) a. Para não ser demitido do emprego, ele passou a trabalhar


duro e a fazer horas extras.
(oração reduzida de infinitivo)
b. Na festa havia uma multidão de pessoas que dançava, ria
e brincava, liberando suas tensões. (oração reduzida de ge-
rúndio)
c. Abertos os portões, todos entraram correndo no estádio
e ocuparam seus lugares nas arquibancadas. (oração reduzi-
da de particípio)
Para não tornar essa disciplina demasiadamente exaustiva, não
iremos apresentar detalhes sobre esse tipo de oração. No entanto,
convidamos você a percorrer uma gramática tradicional e a verificar
as peculiaridades desse tipo de oração. Dito isso, passamos para o
capítulo sobre as relações de concordância e regência entre as pala-
vras.
EaD • UFMS Fundamentos Sintaxe
da TeoriadoGramatical
Período 89

Unidade IV
ARTICULAÇÃO
DOS TERMOS DA ORAÇÃO
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
90
90 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração
Gramatical 91

Unidade IV

aRTICULAÇÃO DOS TERMOS DA ORAÇÃO

Neste capítulo, discutiremos as relações de concordância e as relações


de regência entre as palavras. Assim, ao finalizar o estudo deste capítulo
você deverá saber:
• O que é concordância.
• Quais são as regras de concordância nominal.
• Quais são as regras de concordância verbal.
• O que é o fenômeno da regência.
• Qual a importância da transitividade verbal para a regência.
• O que é a regência de nomes e verbos.

Figura 6 - (fonte: ziraldo.blogtv.uol.com.br. Acessado em 04 de julho de 2011.)

• Por que o personagem diz que “Osmar” é um erro de concor-


dância?
• Qual é a regra gramatical que está implícita na fala do perso-
nagem?

4.1 A Concordância – considerações gerais


Trataremos agora de outro fenômeno da língua que é coloca-
do, por alguns autores da Gramática Normativa, sob o rótulo de
“regência”. Podemos dizer que, tradicionalmente, a língua padrão
exige uma harmonia de flexões entre os diversos constituintes de
uma construção gramatical. A essa “harmonia” damos o nome de
concordância.
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
92
92 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

De acordo com Bechara (2006, p. 543), “Em português a con-


cordância consiste em se adaptar a palavra determinante ao gênero,
número e pessoa da palavra determinada”.
De acordo com Perini (2009), há dois tipos principais de con-
cordância:
1) A concordância entre o sujeito e o núcleo do predicado de
uma oração e
2) A concordância entre os diversos elementos nominais, ou
seja, aqueles elementos tradicionalmente classificados como
substantivos, adjetivos, artigos, numerais e pronomes.
Conforme o autor, em todos esses casos, há a exigência de que
certos traços (geralmente expressos morfologicamente) sejam idên-
ticos em vários constituintes. Dessa forma, em uma frase como:
(147) Minhas irmãs ganharam uma boneca.
Os traços de terceira pessoa (elas = minhas irmãs) e plural (mais
de uma pessoa), consideradas como presentes no sujeito, também
conhecido como sintagma nominal pela abordagem gerativa, (mi-
nhas irmãs), de certa forma se reproduzem no verbo que preenche
o núcleo do predicado ganharam (que é um predicado de 2 lugares,
como já mostramos no capítulo 2). Ou seja, o verbo aqui não pode-
ria ser ganhaste, por exemplo, porque não concordaria com o sujeito
minhas irmãs.
[Ani Carla28] Comentário:
Caso você tenha esquecido Outro exemplo de concordância, na variedade padrão, é ob-
dessas terminologias, volte
aos primeiros capítulos des-
servado dentro do próprio sintagma nominal (minhas irmãs), pois
se texto. irmãs é marcado no léxico como feminino; correspondentemente, a
palavra minhas também fica no feminino para concordar com o nú-
cleo do sintagma que é irmãs.
Portanto, temos no caso acima dois tipos de concordância: a
concordância verbal e a concordância nominal.
Vejamos a definição de concordância verbal apresentada por
Perini sob a perspectiva da Gramática Descritiva (conjunto de re-
gras que são seguidas pelos falantes, conforme capítulo 1) lançada
em (2010):

O que é concordância verbal


Tradicionalmente se entende a concordância verbal como
uma espécie de harmonia entre o verbo e um dos termos da
oração, o sujeito: o verbo assumiria certa forma conforme o SN
que preenche a função de sujeito, e por isso se diz eu vou, mas
você vai e eles vão. Vou argumentar que essa análise não é ade-
quada, e que é necessário elaborar um novo conceito desse fe-
nômeno.
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração
Gramatical 93

É preciso observar, antes de mais nada, que a concordância


verbal é mais restrita no PB do que no português escrito. Não só
não se usam as formas ditas “de segunda pessoa (gramatical)”,
como vais ou ides1 mas mesmo as formas de terceira pessoa do
plural, vão e andam, tendem a perder espaço em favor das de ter-
[Ani Carla29] Comentário:
ceira do singular, vai e anda; frases como Abreviação de Sintagma
Nominal (SN) utilizada por
[1] Elas não consegue subir no banco. Perini (2010)

[Ani Carla30] Comentário:


são correntes na fala da maioria dos usuários do PB. Aqui Por forma mais conservado-
ra, devemos entender a va-
vou descrever a forma mais conservadora, ou seja, riedade padrão (Gramática
Tradicional)
[2] Elas não conseguem subir no banco.
mas é importante ter em mente que há muita variação nesse
ponto2.
(PERINI, 2010, p. 273)

Atenção!
Recentemente (maio de 2011), esse assunto foi motivo de muita
discussão e polêmica e teve repercussão na mídia nacional: no livro
Por uma vida melhor, destinado à Educação de Jovens e Adultos, no
tópico denominado “concordância entre palavras”, contido no ca-
pítulo 1 “Escrever é diferente de falar”, discute-se a existência de
variedades do português falado, nos quais admite-se que substan-
tivos e adjetivos não sejam flexionados para concordar com um arti-
go no plural. “Essa relação ocorre na norma culta. Muitas vezes, na
norma popular, a concordância acontece de maneira diferente. Veja:
“Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado.”
(AGUIAR et al, 2011, 15)
Pronto, a partir deste trecho recortado do livro, o mundo caiu so-
bre a cabeça dos autores, do MEC, do governo ou de qualquer pessoa
que tentasse defender essa ideia. Mas vejam bem, os autores escrevem
exatamente o que o gramático e linguista Mario Perini disse na sua
Gramática do Português Brasileiro que está citado no quadro acima (am-
bos partem da Gramática Descritiva para fazer esses apontamentos).
O que isso quer dizer? Ao que tudo indica, a pessoa que levou a frase
isolada para a mídia não leu o resto do livro. Na verdade, não leu se-
quer o resto da página, pois na mesma página os autores completam a
explanação: “na norma culta, o verbo concorda, ao mesmo tempo, em
número (singular – plural) e em pessoa (1ª –2ª – 3ª) com o ser envolvi-
do na ação que ele indica” (AGUIAR et al, 2011, 15).

1
Vais é usado por muitos falantes em certas áreas do Sul e Nordeste; ides está to-
talmente extinta.
2
Mas todas as variedades do PB têm alguma concordância verbal, porque nenhuma
aceita *eu chegou ou *ela cheguei.
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
94
94 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

Figura 7 - (fonte: Aguiar et al, 2011, p. 15)

Os autores do livro afirmam também que “a norma culta existe


tanto na linguagem escrita como na oral, ou seja, quando escreve-
mos um bilhete a um amigo, podemos ser informais, porém, quando
escrevemos um requerimento, por exemplo, devemos ser formais,
utilizando a norma culta” (AGUIAR et al, 2011, 15).
Isso significa que os autores não estão se furtando a ensinar
a norma culta (variedade padrão da língua), apenas indicam que
existem outras variedades diferentes dessa. Sendo assim, podemos
afirmar que a abordagem utilizada no livro em questão é adequa-
da, pois diversos especialistas em ensino de língua, assim como as
orientações oficiais para a área (PCN), afirmam que tomar consciên-
cia da variante linguística que se usa e entender como a sociedade
valoriza desigualmente as diferentes variantes pode ajudar na apro-
priação da norma culta. Você deve recordar que, no primeiro capítu-
lo desse livro, fizemos toda uma discussão a respeitos de três tipos
de Gramática (Internalizada, Descritiva e Normativa) e afirmamos
que cada uma analisa/descreve e explica variedades da língua dife-
rentes. Naquela ocasião, concordando com Possenti (2007), transcre-
vemos o trecho em que ele afirma que “o papel da escola não é o de
ensinar uma variedade no lugar da outra, mas de criar as condições
para que os alunos aprendam também as variedades que não conhe-
cem, ou com as quais não têm familiaridade” (p.83), ou seja, a escola
deve ensinar também (mas não só) a variedade padrão da língua.
É claro que, a escola deve privilegiar a variedade linguística que o
aluno conhece menos, no caso, a variedade padrão.
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração
Gramatical 95

Ou seja, nós, professores não preconceituosos, devemos defen-


der uma escola democrática que ensine as regras gramaticais a to-
dos os alunos sem menosprezar a cultura em que estão inseridos e
sem destituir a língua que falam de sua gramática, ainda que esta
não esteja codificada por escrito nem seja socialmente prestigiada.
Devemos defender a abordagem da obra por considerar que cabe à
escola ensinar regras, mas sua função mais nobre é disseminar co-
nhecimentos científicos e senso crítico, para que as pessoas possam
saber por que e quando usá-las. 
Além disso, nós, professores, não podemos nos esquivar do de-
bate público sobre as questões linguísticas, pois ele é fundamental
para promover a qualidade e equidade na educação. Entretanto, é
preciso tomar cuidado com a divulgação de matérias com intuitos
políticos pouco educativos e afirmações desrespeitosas em relação
aos educadores.
Vale lembrar que polêmicas como essa ocupam a imprensa des-
de que o Modernismo brasileiro, em 1922, incorporou a linguagem
popular à literatura. Felizmente, desde então, o país mudou bastan-
te. Muitas pessoas têm consciência de que não se deve discriminar
ninguém pela forma como fala ou pelo lugar de onde veio. Tais mu-
danças são possíveis, sem dúvida, porque cada vez mais brasileiros
podem ir à escola tanto para aprender regras como para desenvol-
ver o senso crítico.

Ainda sobre esse assunto, é bom ler na íntegra o capítulo do li-


vro Por uma vida melhor, disponível no site: http://www.acaoedu- [Leandro31] Comentário:
cativa.org.br/downloads/V6Cap1.pdf e o dossiê produzido por esse documento também
está disponível no site do
intelectuais, pesquisadores e educadores sobre a polêmica ge- mec http://portal.mec.gov.
br/index.php?option=com_
rada em torno do livro: http://www.acaoeducativa.org/images/ content&view=article&id=
16649
stories/pdfs/dossie%20-%20por%20uma%20vida%20melhor%20
final_30_06_2011.pdf

Voltamos agora à pergunta: o que é concordância verbal?


Continuaremos usando a descrição do fenômeno da concor-
dância sob a óptica do linguista e filólogo Mário Perini (2010), que
faz uma análise crítica sobre o conceito de concordância verbal apre-
sentado pela Gramática Tradicional. Fique atento ao fato de que,
neste livro, Perini descreve as regras da língua sob o viés da Gramá-
tica Descritiva (algumas das críticas, apontadas aqui, referem-se às
questões sobre sujeito já apresentadas na seção 2.1.1):
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
96
96 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

[...] Sabemos que se pode dizer [3], mas não [4] e [5]:
[3] O Marcio chegou de Salvador.
[4] * O Marcio cheguei de Salvador.
[5] * Eu chegou de Salvador.
Qual e o mecanismo responsável por isso? Tradicionalmente,
como sabemos, se vê aí uma regra que “adapta” o verbo aos traços
de pessoa e número do SN precedente, o sujeito. Mas essa explica-
ção se choca com uma série de problemas.
[Ani Carla32] Comentário:
Aqui, temos um caso de su- O primeiro deles é a existência de frases como
jeito implícito (desinencial
ou oculto) por ser facilmente
recuperável pela desinência
[6] Cheguei de Salvador.
do verbo, lembra? Se não
recordar, retome o capítulo A que termo da oração é que o verbo estaria se adaptando?
2 deste livro, na seção sobre
sujeito. Não pode ser de Salvador, e não há mais nenhum sintagma na ora-
ção além desse e do próprio verbo. A saída tradicional é postular
um “sujeito oculto”, um eu que estaria na oração apenas para efei-
to de disparar a concordância. Essa solução é muito suspeita: cria-
-se um sintagma (abstrato) para dar conta da concordância, mas
que não pode aparecer, e por isso é depois eliminado. O problema
é que não há evidência de que tal sintagma realmente exista ali
– note-se que estamos falando de um sintagma, isto é, uma sequ-
ência de uma ou mais palavras, não de uma unidade puramente
semântica.
É verdade que ao ouvir [6] entende-se que quem chegou de
Salvador fui “eu”; mas isso se deve, evidentemente, a terminação
verbal, que não é ambígua. Isto é, não há necessidade de postular
o sujeito oculto para dar conta desse elemento semântico. Con-
clui-se que o sujeito oculto foi criado apenas para salvar a hipóte-
se de que a forma do verbo depende de concordância com um su-
jeito. Se admitirmos que a terminação nos indica adequadamente
o Tema de chegou – o que é inevitável – não há necessidade do
[Ani Carla33] Comentário: sujeito oculto. Escapamos igualmente da necessidade de explicar
Para entender efetivamente
essa parte, retome o concei- por que ele não está presente na oração [6].
to de sujeito apresentado no
capítulo 2 (seção 2.1.1).
Outro problema com a análise tradicional é semântico: to-
mando as frases
[6] Cheguei de Salvador.
[7] Eu cheguei de Salvador
é necessário reconhecer que [7] é redundante em um ponto
em que [6] não é: em [7] o Tema de cheguei é representado duas
vezes, a saber (a) pelo sujeito, e (b) pe1a terminação verbal. Já em
[6] o Tema só é representado uma vez, pela terminação.
Isso é um fato passível até de comprovação experimental: a
frase [7] é mais fácil de entender em más condições de transmis-
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração
Gramatical 97

são, como em uma ligação telefônica ruim, ou com muito barulho


ambiente – simplesmente porque há nela duas pistas quanto ao
Tema do verbo, e se o receptor perder uma ainda sobra a outra.
A análise tradicional nega isso, porque afirma que tanto [6]
quanto [7] têm sujeito, logo ambas seriam redundantes – mas
isso é negado pela experiência. Agora, se dissermos que o sujeito
(oculto) de [6] existe, dispara a concordância, mas não vale para
a interpretação semântica, teremos agora dois tipos de sujeito:
um que dispara a concordância e é semanticamente interpreta-
do, outro que dispara a concordância, mas não é semanticamente
interpretado. É pelo menos uma complicação e, a meu ver, uma
complicação inútil.
Podemos escapar desses problemas assumindo uma análise
mais concreta. Vamos admitir que o sujeito é um SN presente na
oração. Nesse caso, [7] tem sujeito (eu) e [6] não tem. E vamos ad-
mitir que um dos papéis temáticos associados ao verbo pode ser
representado duplamente na sintaxe: pelo sujeito e/ou pela termi-
nação verbal (o sufixo de pessoa-número). Essa sinalização dupla
só afeta o sujeito, e não ocorre em todos os casos, como se vê em
[6]; mas em [7] ela está presente. E o sujeito é justamente o SN que
recebe o papel temático já indicado pelo sufixo de pessoa-número.
Essa análise nos libera da necessidade de criar e depois elimi-
nar um sujeito abstrato (“oculto”) em frases como [6]; e nos libera
da afirmação de que esse sujeito vale para certas coisas (dispara
a concordância), mas não para outras (não fornece uma indicação
redundante de um dos papéis temáticos associados ao verbo).
Além disso, essa análise segue mais de perto o processamen-
to que se realiza: na mente do receptor. Ao escutar [6], ele precisa
recuperar o papel temático Tema de cheguei, e a única pista que
[Ani Carla34] Comentário: =
ele tem é o sufixo do verbo; e essa pista é suficiente para a recu- desinência do verbo.
peração do papel temático. Não há necessidade de passar por um
estágio intermediário de recuperação do sujeito para só depois
chegar ao papel temático e, com efeito, não há evidência de que o
receptor faça isso.
Agora, como dar conta da impossibilidade de dizer [5], por
exemplo?
[5] * Eu chegou de Salvador.
Isso pode ser explicado em termos de semântica. Na frase [5],
o que temos é uma indicação contraditória sobre qual é o Tema
da oração: o sujeito nos diz que sou “eu”, mas o sufixo verbal
diz que é de terceira pessoa (do discurso, ou seja, não pode ser
“eu”). Consequentemente, a frase é semanticamente malformada.
O mesmo para
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
98
98 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

[8] * O Chico chegamos de Salvador.


e assim por diante. Essa é uma decorrência automática do
reconhecimento de que o Tema de chegou é indicado redundante-
mente pelo sujeito e pelo sufixo de pessoa-número.
O papel temático assim redundantemente sinalizado varia
de verbo para verbo e segundo a construção em que o verbo ocor-
re; com chegar, como vimos, é o Tema; mas com comer é o Agente,
e com assustar pode ser o Agente (se o verbo estiver na construção
transitiva) ou o Paciente (se estiver na ergativa). Essas informa-
ções sobre cada verbo, naturalmente, constam da valência de cada
um deles.
A redundância a que me refiro é total ou parcial, conforme o
caso. O sufixo de primeira pessoa do singular fornece informação
completa: o Tema de cheguei só pode ser “eu”, ninguém mais. A
primeira do plural é um pouco mais vaga: o Tema de chegamos
pode ser: “eu”+ “você”, “eu” + “ele”, “eu” + “vocês” etc., mas
sempre incluindo “eu”. Já a terceira pessoa (gramatical) dá infor-
mação muito menos especificada, e comporta uma série de com-
plicações. Por exemplo, em
[9] O Chico chegou de Salvador.
o sufixo verbal só nos diz que o falante (“eu”) não está inclu-
ído no sujeito e que se trata de um singular; este pode ser “ele”,
“ela”, “você”, “O Chico” ou “o sorvete de umbu”. Assim, a re-
dundância é parcial, porque o sujeito fornece informação essen-
cial para a compreensão da frase. Por isso mesmo, o sujeito não
pode ser omitido, exceto em situação anafórica; a frase seguinte
não é aceitável por si só:
[10]*Chegou de Salvador.
Essa frase pode ser usada como parte de um texto maior – em
contexto anafórico – como em
[11] O Chico estava viajando. Chegou de Salvador ontem.
Ou então dentro de um contexto em que, digamos, o falante
aponta para o Chico e diz [10] mas mesmo aqui seria mais comum
usar o pronome:
[12] Ele chegou de Salvador.
Note-se como esses fatos decorrem naturalmente da nossa
análise da concordância como condição de congruência semânti-
ca, com representação dupla de um dos papéis temáticos da sen-
tença.
Voltando a terceira pessoa, já vimos que ela pode ocorrer sem
sujeito quando este se entende como indeterminado:
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração
Gramatical 99

[13] Quebraram a janela.


[14] Nessa fazenda planta café e milho.
Nesse caso especial é que se pode usar o verbo na terceira
pessoa gramatical sem sujeito, fora de contexto anafórico.
Isso estabelecido, vemos que o fenômeno da concordância
verbal se reduz a um aspecto do mecanismo geral que filtra fra-
ses de significado anômalo. Não é necessário incluir na gramática
uma regra especial para excluir frases como
[5] * Eu chegou de Salvador.
porque ela é semanticamente malformada, e é rejeitada pelos
falantes justamente por isso.
(PERINI, 2010, p. 274-276)

4.1.1 A Concordância Verbal


O que é concordância verbal?
Vocês já devem ter ouvido, nas variedades mais informais, as
construções Tu gosta de português ou Tu gostas de português. Se vocês
entenderam tudo o que viemos pregando até aqui, deve ter entendi-
do que essas são construções possíveis do PB. Então, vamos ver uma
análise desse fato, proposta por Perini (2010):

A concordância verbal no PB
No PB, o filtro é bem mais reduzido do que no português es-
crito, por causa de fenômenos como a eliminação histórica da se-
gunda pessoa gramatical. Mesmo nas variedades que preservam
o uso do pronome tu, a forma verbal é muitas vezes a de terceira
pessoa, que assim vai se firmando como uma espécie de forma
não marcada; frases como [15] são correntes nessas áreas:
[15] Tu gosta de camarão?
Outros falantes, em geral mais escolarizados, mantêm a for-
ma de segunda pessoa e dizem
[16] Tu gostas de camarão?
Para esses, naturalmente, o filtro é mais exigente, e marca
[15] como inaceitável3.

3
Não creio que seja literalmente inaceitável, mesmo para quem dia [16] consistente-
mente. Aqui precisaríamos de uma noção mais sofisticada de “(in)aceitabilidade”:
para esses falantes, frases como [15] seriam aceitáveis (pois certamente as ouvem
todo o tempo, sem estranheza), mas eles mesmos não as produzem.
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
100
100 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

No PB, a diferença entre a terceira pessoa do singular e do


plural tende a desaparecer. Embora em geral não se diga (nas áre-
as urbanas pelo menos)
[17] * Eles é do Rio.
com verbos onde a diferença é fonologicamente menos sa-
liente a distinção nem sempre é respeitada:
[18] Eles gostava de camarão.
Os estudos realizados mostraram que frases do tipo de [18]
ocorrem mesmo na fala de pessoas escolarizadas, ao lado da va-
riante com gostavam4. Além disso, existe uma forte tendência a só
observar a concordância com sujeito anteposto ao ver permitindo
frases como
[19] Chegou mais de vinte pacotes para o senhor:
Outra alteração que se está processando é o gradual aban-
dono do pronome nós em favor de a gente. A gente era originaria-
mente uma expressão genérica, análoga ao Francês on, de modo
que se dizia
[20] A gente trabalha demais e ganha pouco.
Mas não
[21] A gente foi no cinema ontem.
No entanto, a maioria dos falantes hoje aceita [21]5. O uso de
nós continua geral, de modo que a primeira pessoa do plural gra-
matical ainda não se reduziu à terceira. Se isso acontecer, porém,
teremos um sistema de concordância reduzido apenas a duas pes-
soas: a primeira pessoa do singular (eu cheguei) e uma “pessoa”
geral que engloba todas as outras (ele chegou; você chegou; a gente
chegou). Em geral, como observei, a terceira do plural continua
distinta (eles chegaram), mas não universalmente; nas variedades
que aceitam eles chegou – e que por ora são consideradas não pa-
drão – o sistema só admite duas formas do verbo.
Todos esses fatos mostram que seria oportuno reanalisar a
concordância, assim como talvez a própria noção de sujeito no PB.
(PERINI, 2010, p. 277-278)

A concordância verbal costuma ser um tema muito valoriza-


do nas aulas de Língua Portuguesa nas escolas de educação básica
do nosso país, especialmente na avaliação da produção textual dos

4
O estudo clássico sobre o assunto é o de Lemle e Naro (1977)
5
Estou descrevendo um processo histórico que se verificou em Minas durante a
minha vida e que pude observar em primeira mão.
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 101
Gramatical

alunos. Para Vieira (2009, In: BRANDÃO, 2009), o relevo que se dá


ao fenômeno está intimamente relacionado a sua caracterização so-
ciolinguística.
O que a autora quer dizer com isso?
Em outras palavras, ela quer dizer que a não realização da regra
de concordância verbal, no português do Brasil, constitui um traço
de diferenciação social, de cunho estigmatizante, que se revela, com
mais nitidez, no âmbito escolar. Ou seja, é na escola que o aluno
“descobre” que “fala errado” quando a professora o corrige dizen-
do:
“Para de falar errado menino”.
Mal sabe o aluno que a própria professora escorrega nas pró-
prias regras que tenta defender, como já demonstramos através da
pesquisa feita por Neves (2007) apresentada na seção (1.3) do capí-
tulo 1.
Ainda para Vieira (2009, In: BRANDÃO, 2009), o forte contraste
entre o uso ou não do mecanismo de concordância e as políticas de
ensino, espelhadas em práticas didático-pedagógicas fundamenta-
das em gramáticas que pressupõem uma norma única, indicam a
necessidade de se conhecer as regras em uso pelas diversas comu-
nidades de falantes, ou seja, a escola deveria levar em consideração
que existem variedades linguísticas e que não há a mais certa ou a
mais errada, e sim a variedade que é mais adequada para determi-
nadas situações e menos adequada em outras.
Assim sendo, de acordo com a autora mencionada, o primei-
ro passo para o estabelecimento de uma metodologia adequada
ao ensino da concordância é o conhecimento real dos fatores que
presidem à opção do falante pela aplicação ou não da regra, visto
que a presença da marca de número na forma verbal não é cate-
górica em nenhuma variedade do português brasileiro. Assim, é
de suma importância que compreendamos o fenômeno e os resul-
tados oriundos de pesquisas de natureza variacionista (Gramá-
tica Descritiva), que permitem conhecer os possíveis elementos
favorecedores da realização ou da não realização de determinada
variante.

O que a abordagem tradicional propõe para a “análise” da


concordância verbal?
A abordagem tradicional, para tratar da concordância verbal,
estabelece, para as construções com um só núcleo (sujeito simples,
visto na seção 2.1.1), uma regra geral, que propõe que o verbo deve
se conformar ao número e a pessoa do sujeito, em outras palavras, é
aquela velha regrinha:
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
102
102 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

O verbo deve concordar com o seu sujeito em pessoa e núme-


ro. Ex:
(148) Nós fomos ao banco.

Suj. verbo

1ª Pess + Plural / Verbo flexionado na primeira pessoa + plural.

Sendo um fato morfossintático, essa relação entre verbo e su-


jeito se concretiza por meio das desinências verbais de natureza
número-pessoal.
Em casos de sujeito com mais de um núcleo na construção (su-
jeito composto), a abordagem tradicional estabelece, quanto à pes-
soa, que o verbo vai para a primeira do plural, se houver um sujeito
de primeira pessoa. Ex:
núcleo 1 núcleo 2

(149) Eu e meu namorado fomos ao cinema.

Sujeito Verbo na primeira pessoa do plural

Se não existir sujeito de primeira pessoa, o verbo vai para a se-


gunda do plural, se houver um sujeito de segunda. Ex:
Verbo na segunda pessoa do plural

(150) Tu e ele deveis ser muito cuidadosos com relação às informações

Suj.

O verbo vai para a terceira do plural se os sujeitos forem de


terceira pessoa. Ex:

3ªp. sing + 3ª p. sing.

(151) Itália e Alemanha foram para a final.

Suj
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 103
Gramatical

Por vezes, a gramática tradicional busca recursos para explicar


a variabilidade que envolve a concordância verbal, legitimando-a,
embora de forma não explícita. Nesse sentido, esse tipo de gramáti-
ca faz normalmente a distinção entre concordância gramatical e con-
cordância ideológica. A concordância gramatical é aquela que atende
às exigências postuladas na regra geral, enquanto que a ideológica
(ou silepse ou sínese) envolve as realizações que não se enquadram
nas regras básicas propostas pela gramática (VIEIRA, 2009).
Além da regra geral de concordância verbal, existem ainda di-
versas outras que são focalizadas como “regras particulares, par-
ticularidades, exceções”. Esse tratamento diferenciado é dado aos
casos de sujeito que envolvem:
• as expressões partitivas e de quantidades aproximadas;
• os pronomes relativos que e quem;
• os pronomes interrogativos;
• os conectivos ou, nem ou com;
• a expressão um e outro;
• as orações com verbo ser, entre outros.
A título de exemplificação, apresentam-se, a seguir, algumas
dessas regras especiais:

A) Expressões partitivas:
Quando o sujeito é formado por uma expressão partitiva (parte
de, uma porção de, o grosso de, metade de, a maioria de, a maior
parte de, grande parte de...) seguida de um substantivo ou pronome
no plural, o verbo pode ficar no singular ou no plural. Ex:
(152) A maioria dos alunos aprovou/aprovaram a ideia.
(153) Metade dos candidatos não apresentou/apresentaram ne-
nhum projeto interessante.
Essa mesma fórmula pode se aplicar aos casos dos coletivos,
quando especificados. Ex:
(154) Um bando de vândalos destruiu/destruíram a praça pública.
Obs.: nesses casos, o uso do verbo no singular enfatiza a unidade
do conjunto; já a forma plural confere destaque aos elementos que
formam esse conjunto.

B) Quantidades aproximadas:
Quando o sujeito é formado por expressão que indica quanti-
dade aproximada (cerca de, mais de, menos de, perto de...) seguida
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
104
104 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

de numeral e substantivo, o verbo concorda com o substantivo.


Ex:
(155) Cerca de mil pessoas participaram do protesto.
(156) Perto de quinhentos alunos compareceram à aula de inaugu-
ração.
(157) Mais de um atleta estabeleceu novo recorde nas últimas Olim-
píadas.
Obs.: quando a expressão “mais de um” se associar a verbos que
exprimem reciprocidade, o plural é obrigatório. Ex:
(158) Mais de um colega se ofenderam na tumultuada discussão
iniciada pelo professor de Literatura. (Reciprocidade: ofen-
deram um ao outro)

C) Expressão fracionária:
No caso de expressão fracionária, a gramática tradicional reco-
menda que o verbo concorde com o numerador da fração, ou seja,
com o número que vem acima do traço da fração. Ex:
(159) ¾ do planeta agradecem.

numerador O verbo concorda, no plural, com o numerador


da fração (3).
Caso esse numerador fosse no singular (1), o verbo seria fle-
xionado no singular. Ex: 1/3 do planeta agradece.

D) Nomes “especiais”:
Quando se trata de nomes que só existem no plural, a concor-
dância deve ser feita levando-se em conta a ausência ou presença de
artigo. Sem artigo, o verbo deve ficar no singular. Quando há artigo
no plural, o verbo deve ficar o plural. Ex:
Artigo no plural verbo no plural

(160) Os Estados Unidos determinam o fluxo da atividade econô-


mica do mundo.
Subst. sem artigo verbo no singular

(161) Alagoas impressiona pela beleza das praias.


EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 105
Gramatical

(162) As Minas Gerais são muito lindas.


(163) Minas Gerais produz muito queijo.
(164) Os Sertões imortalizaram Euclides da Cunha.

E) Pronomes:
Quando o sujeito é um pronome interrogativo ou indefinido
plural (quais, quantos, alguns, poucos, muitos, quaisquer, vários)
seguido por “de nós” ou “de vós”, o verbo pode concordar com o
primeiro pronome (na terceira pessoa do plural) ou com o pronome
pessoal. Ex:
(165) Quais de nós são/somos capazes?
(166) Alguns de vós sabiam/sabíeis do acontecido?
(167) Vários de nós propuseram/propusemos projetos interessantes.
Obs.: veja que a opção por uma ou outra forma indica a inclusão
ou a exclusão do emissor. Quando alguém diz ou escreve
(168) Alguns de nós sabíamos de tudo e nada fizemos
esta pessoa está se incluindo no grupo dos omissos. Isso não
ocorre quando alguém diz ou escreve
(169) Alguns de nós sabiam de tudo e nada fizeram.
frase que soa como uma denúncia.
Nos casos em que o interrogativo ou indefinido estiver no sin-
gular, o verbo ficará no singular. Ex:
(170) Qual de nós é capaz?
(171) Algum de vós fez isso.

F) Porcentagem seguida de substantivo:


Quando o sujeito é formado por uma expressão que indica
porcentagem seguida de substantivo, o verbo deve concordar com
o substantivo. Ex:
(172) 15% do orçamento do país deve destinar-se à Saúde.
(173) 35% dos entrevistados não aprovam a administração do
presidente. [Ani Carla37] Comentário:
Lembre-se que os usos de
(174) 2% do eleitorado aceita a mudança. deve ocorrem porque esta-
mos apresentando as regras
da Gramática Tradicional
(175) 2% dos alunos faltaram à aula. que é aquela que dita as re-
gras que devem ser utiliza-
Obs.: Quando a expressão que indica porcentagem não é seguida das. Essa gramática dita o
que é “certo” e o que é “erra-
de substantivo, o verbo deve concordar com o número. Ex: do” . Retome as discussões
apresentadas no capítulo 1,
caso ainda tenha dúvidas.
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
106
106 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

(176) 15% querem a mudança de governo.


(177) 1% conhece o assunto muito bem.

G) Pronome relativo:
Quando o sujeito é o pronome relativo “que”, a concordância em
número e pessoa é feita com o antecedente do pronome. Ex:
(178) Fui eu que paguei a conta do restaurante hoje.
(179) Fomos nós que pintamos a parede do escritório.
(180) És tu que me fazes ver o quanto sou importante.
(181) Ainda existem mulheres que ficam em casa esperando o
marido chegar.
Com a expressão “um dos que”, o verbo deve assumir a forma
plural. Ex:
(182) Pelé foi um dos jogadores que mais encantaram os poetas
brasileiros.
(183) Se você é um dos que admiram o escritor Luiz Fernando Ve-
ríssimo, certamente lerá seu novo livro. 

Atenção:
Na linguagem coloquial, normalmente tendemos a usar a
concordância no singular. O que se ouve efetivamente são cons-
truções como:
“Ele foi um dos deputados que mais lutou para a aprovação
da emenda”.
Ao compararmos com um caso em que se use um adjetivo,
temos:
“Ela é uma das alunas mais brilhante da sala.”
De acordo com as gramáticas tradicionais, a construção no
singular é inadequada. Assim, as formas aceitáveis são:
“Das alunas mais brilhantes da sala, ela é uma.” Ou “Ela é
uma das alunas mais brilhantes da sala”.
“Dos deputados que mais lutaram pela aprovação da emen-
da, ele é um”. “Ele foi um dos deputados que mais lutaram para a
aprovação da emenda”.
(Fonte: http://www.soportugues.com.br/secoes/sint/sint51.
php. Acessado em: 6 de julho de 2011)
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Teoriada Oração 107
Gramatical

Quando o sujeito é o pronome relativo “quem”, podemos utili-


zar o verbo na terceira pessoa do singular ou em concordância com
o antecedente do pronome. Ex:
(184) Fui eu quem pagou a conta do restaurante.
(185) Fui eu quem paguei a conta do restaurante.
(186) Fomos nós quem pintou a parede do escritório.
(187) Fomos nós quem pintamos a parede do escritório.

H) Substantivo – formas e sentidos plurais e singulares:


a) Quando o núcleo do sujeito é um substantivo coletivo, o verbo
assume a forma singular. Ex:
(188) Depois do assalto, a quadrilha fugiu em uma camionete roubada.

Subst. coletivo Verbo no singular

b) Quando o núcleo do sujeito é um substantivo que apresenta


forma plural mas tem sentido de singular, o verbo vai para o singular,
se o substantivo não vier antecedido por um determinante no plural,
ou seja, um artigo, um pronome, ou um numeral no plural. Ex:
(189) Férias é um período ótimo para viajar.

Verbo no singular
Substantivo plural (não determinado porque não tem nenhum
artigo, pronome ou numeral o acompanhando)
Se for antecedido por determinante (um artigo, um pronome, ou
um numeral no plural), o verbo ficará no plural. Ex:
(190) Minhas férias são sempre para viajar.

Verbo no plural
Substantivo no plural
Pronome possessivo no plural (determinante)

c) Quando o núcleo do sujeito é constituído de um substantivo


próprio que apresenta forma plural, o verbo vai para o singular, se
o substantivo não vier antecedido por um determinante (um artigo,
um pronome, ou um numeral). Ex:
(191) Memórias Póstumas de Brás Cubas é um romance de Machado de Assis.

Substantivo próprio plural


Verbo no singular
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
108
108 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

Se o substantivo próprio for antecedido por um determinante


(artigo, pronome ou numeral), o verbo vai para o plural. Ex:
(192) Os Estados Unidos são uma grande potência mundial.

Verbo no plural
Artigo definido (os = determinante)
+ substantivo no plural

I) Pronome de Tratamento:
Quando o sujeito é um pronome de tratamento, o verbo fica na
3ª pessoa do singular ou plural, dependendo da forma como aparece
o pronome, ou seja, se o pronome aparecer no singular o verbo vai
para o singular, se o pronome aparecer no plural o verbo vai para o
plural. Ex:
(193) Vossa Excelência é advogado?
(194) Vossas Excelências vão abandonar o cargo?
(195) A senhorita quer café?
(196) As senhoritas querem café?

J) Verbos diferenciados:
A concordância dos verbos “bater”, “dar” e “soar” se dá de
acordo com o numeral. Ex:
(197) Deu uma hora no meu relógio.
(198) Deram cinco horas no relógio da TV.
Obs.: caso o sujeito da oração seja a palavra relógio, sino, torre,
etc., o verbo concordará com esse sujeito. Ex:
(199) O relógio da igreja matriz dá nove horas.
(200) Os sinos da igreja matriz deram nove horas.

K) Verbos impessoais:
Esses verbos que, de acordo com a gramática tradicional, não se
referem a nenhum sujeito (são os casos de sujeito inexistente vistos
na seção 2.1.1), são usados sempre na 3ª pessoa do singular. São con-
siderados verbos impessoais:
• Haver no sentido de ocorrer, fazer, existir, realizar-se, acontecer
(O FERA - retome os exemplos na seção 2.1.1).
• Fazer, Ser e Estar indicando tempo, hora, data ou fenômeno
da natureza;
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Teoriada Oração 109
Gramatical

(201) Havia muitos garotos bonitos na festa de ontem. (Existiam


muitos garotos...)
(202) Faz dois meses que não vejo minha família.
(203) Chovia muito ontem à noite.
(204) Há 5 anos o programa Ação mostra formas de gerar renda.

O verbo indica tempo transcorrido, é impessoal,


por isso, flexiona-se na 3ª pessoa do singular.
(205) Não haveria mais tantas guerras se os homens dialogassem mais.

Objeto direto

Verbo Transitivo direto (não existiriam mais tantas guerras...)


Obs.: Guerras é núcleo do objeto direto do verbo haver e não pode,
por isso, determinar a flexão verbal. É preciso cuidado em casos como
esse para não errar (nos termos da Gramática Tradicional), pensando
que o objeto direto é sujeito e fazendo, com ele, a concordância de
um verbo impessoal.
(206) Faz dias que não aparece um cliente.

Objeto direto

Verbo transitivo direto

L) Sujeito Composto:
Quando o sujeito é composto e anteposto ao verbo, devemos
fazer a concordância no plural. Ex:
(207) Pai e filho conversavam muito sobre todos os assuntos. 

Sujeito (eles)
(208) Pais e filhos   devem conversar muito sobre todos os assuntos.

Sujeito (eles)
Nos sujeitos compostos formados por pessoas gramaticais dife-
rentes devemos fazer a concordância da seguinte forma: a primeira
pessoa do plural prevalece sobre a segunda pessoa, que por sua vez,
prevalece sobre a terceira. Ex:
(209) Teus irmãos, tu e eu tomaremos a atitude certa.

1ª Pessoa do Plural (Nós)


LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
110
110 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

(210) Tu e teus irmãos tomareis a atitude certa

2ª Pessoa do Plural (Vós)

(211) Pais e filhos     precisam   respeitar-se.

3ª Pessoa do Plural (Eles)


Obs.: quando o sujeito é composto, formado por um elemento
da segunda pessoa e um da terceira, podemos empregar o verbo na
terceira pessoa do plural, ou seja, é aceitável a frase:
(212) Tu e teus irmãos tomarão a atitude certa.

3ª Pessoa do Plural (Eles/vocês)


No caso do sujeito composto posposto ao verbo, há uma nova
possibilidade de concordância, isto é, em vez de o verbo concordar no
plural com a totalidade do sujeito, ele pode estabelecer concordância
com o núcleo do sujeito mais próximo. É bom lembrar que isso é
uma opção, e não uma obrigação. Ex:
(213) Faltaram coragem e competência.

(elas)
(214) Faltou coragem e competência.

(ela)
Quando há ideia de reciprocidade, a concordância é feita obri-
gatoriamente no plural. Ex:
(215) Abraçaram-se vencedor e vencido.

O vencedor abraçou e vencido e vice-versa.
(216) Ofenderam-se o jogador e o árbitro.
 
O jogador ofendeu o árbitro e vice-versa.
Casos Particulares:
Quando o sujeito composto é formado por núcleos sinônimos
ou quase sinônimos, podemos colocar o verbo no plural ou no sin-
gular. Ex:
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Teoriada Oração 111
Gramatical

(217) Descaso e desprezo marcam/marca seu comportamento


durante toda a vida.
Palavras sinônimas
(218) Bondade e amabilidade marcam/marca sua personalidade.

Palavras sinônimas
Quando o sujeito composto é formado por núcleos dispostos
em gradação, podemos deixar o verbo no plural ou concordar com
o último núcleo do sujeito. Ex:
(219) Contigo, uma hora, um minuto, um segundo me satisfazem/satisfaz.

Gradação do maior para o menor


A explicação para a possibilidade de uso das duas formas é que,
no primeiro caso, o verbo no plural enfatiza a unidade de sentido que
há na combinação. No segundo caso, o verbo no singular enfatiza o
último elemento da série gradativa.
Quando os núcleos do sujeito composto são unidos pelas conjun-
ções ou ou nem, o verbo deverá ficar no plural se a declaração contida
no predicado puder ser atribuída a todos os núcleos. Ex:
(220) Drummond ou Bandeira representam a essência da poesia brasileira.

Eles dois representam... um não exclui o outro.


(221) Nem o professor nem o aluno acertaram a resposta.

Eles todos não acertaram... um não exclui o outro.
(222) Nem a viagem nem a festa contribuíram para tornar as minhas
férias melhores.
As duas coisas juntas contribuíram... não foi só uma coisa ou outra.
Quando a declaração contida no predicado só puder ser atribuída
a um dos núcleos do sujeito, ou seja, se os núcleos forem excludentes,
o verbo deverá ficar no singular. Ex:
(223) Roma ou Buenos Aires será a sede da próxima Olimpíada.

Uma ou outra cidade.


(224) Você ou ele será escolhido.

Só será escolhido um.


LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
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112 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

(225) Ou o candidato do governo ou o da oposição ganhará a eleição.



Só um dos candidatos sairá vencedor.
Com as expressões um ou outro e nem um nem outro, a concordância
costuma ser feita no singular, embora o plural também seja aceito. Ex:
(226) Um e outro compareceu/compareceram à festa.
(227) Nem um nem outro saiu/saíram do colégio.
(228) Um e outro apareceu/apareceram no programa de televisão.

Nesse caso costuma-se colocar o verbo no plural pela ideia de


soma que os sujeitos trazem.
(229) Nem um nem outro concorrente conseguiu/conseguiram
chegar até o fim.
Nesse caso costuma-se colocar o verbo no singular, pois a inter-
pretação seria “ninguém deles conseguiu”
Quando os núcleos do sujeito são unidos por com, o verbo pode
ficar no plural. Nesse caso, os núcleos recebem um mesmo grau de
importância e a conjunção com tem sentido muito próximo ao de e. Ex:
(230) O pai com o filho montaram o quebra-cabeça.

Eles dois juntos montaram...


(231) O governador com o secretariado traçaram as metas para o
próximo ano.
Eles juntos traçaram...
Entretanto, o verbo também pode ficar no singular se a ideia é
enfatizar o primeiro elemento. Ex:
(232) O pai com o filho montou o quebra-cabeças.
(233) O governador com o secretariado traçou as metas para o
próximo ano.
Obs.:  A gramática tradicional prevê que, quando temos o verbo
no singular, não se pode falar em sujeito composto, ou seja, nesses
casos o sujeito é simples, uma vez que as expressões «com o filho»
e «com o secretariado» são adjuntos adverbiais de companhia. Na
verdade, é como se houvesse uma inversão da ordem. Ex:
(234) O pai montou o quebra-cabeça com o filho.

Sujeito Adj adv de companhia.


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Teoriada Oração 113
Gramatical

(235) O governador traçou as metas para o próximo ano


com o secretariado.
Sujeito Adj adv de companhia
Quando os núcleos do sujeito são unidos por expressões correla-
tivas como: não só...mas ainda, não somente..., não apenas...mas também,
tanto...quanto, o verbo concorda de preferência no plural. Ex:
(236) Não só a seca, mas também o pouco caso castigam o povo nordestino.

Sujeito (= todas essas coisas castigam...)


(237) Tanto a mãe quanto o filho ficaram felizes ao se reencontrarem.

Sujeito (= os dois ficaram...)


Quando os núcleos de um sujeito composto aparecem seguidos
de um pronome indefinido cuja função é a de recapitular ou resumir
tudo o que foi enumerado anteriormente, o verbo deverá concordar
em número com o pronome. Ex:
(238) Filmes, novelas, boas conversas, nada o tirava da apatia.

Sujeito pronome recapitulativo
(239) Trabalho, diversão, descanso, tudo é muito importante na
vida das pessoas.
Sujeito
(240) Os amigos, os filhos, os parentes, ninguém conseguiu conven
cê-lo a ficar.
Sujeito
(241) O mar, a paisagem, os pacatos habitantes, tudo transmitia
traquilidade.
Sujeito

Figura 8 - (fonte: pedrohenriquedemelo.blogspot.com. Acessado em 6 de julho de 2011)


LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
114
114 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

M) O Verbo e a Palavra “SE”:


Antes de iniciar a leitura dessa seção, aconselhamos a você que
retome as seções (2.1), que trata da estrutura argumental dos predica-
tivos; (2.1.3), que trata dos complementos verbais e da transitividade
verbal; e a seção (2.1.1), na letra B, que apresenta e discute a formação
do sujeito indeterminado. Se você compreendeu plenamente aquelas
seções, entenderá facilmente o que vem a seguir.
Dentre as diversas funções exercidas pela partícula “se”, há duas
que interessam para a concordância verbal:
a) Quando é índice de indeterminação do sujeito;
b) Quando é partícula apassivadora.
O “se” é, de acordo com as gramáticas tradicionais, índice de
indeterminação do sujeito quando acompanha os verbos intransi-
tivos, transitivos indiretos e de ligação, que obrigatoriamente são
conjugados na terceira pessoa do singular. Ex:
(242) Precisa-se de governantes honestos em nosso país.

Alguém precisa de governantes... (suj. indeterminado)


Quem precisa? Alguém, todo mundo...
(243) Confia-se em exames de DNA.

Alguém confia... (suj. indeterminado)


Quem confia?
(244) Era-se mais feliz antigamente.

Alguém era feliz... (suj. indeterminado)


Quem era mais feliz?
O “se” é, de acordo com as gramáticas tradicionais, pronome
apassivador ou partícula apassivadora quando acompanha verbos
transitivos diretos e indiretos na formação da voz passiva sintética.
Nesse caso, o verbo deve concordar com o sujeito da oração. Ex:
(245) Construiu-se um posto de saúde.

O que foi construído?

Um posto de saúde foi construído.

Sujeito
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Teoriada Oração 115
Gramatical

(246) Construíram-se novos postos de saúde.



O que foi construído?
Novos postos de saúde foram construídos.

Sujeito
(247) Não se pouparam esforços para despoluir o rio.

O que foi poupado?

Esforços não foram poupados para despoluir o rio.

Sujeito
(248) Não se devem poupar esforços para despoluir o rio.

O que não se deve poupar?

Esforços não devem ser poupados para despoluir o rio.

Sujeito

N) O Verbo “Ser”:
O verbo ser merece destaque quando se discute a concor-
dância verbal, pois há casos em que esse verbo concorda com o
sujeito da oração, há casos em que concorda com o predicativo
e há casos, ainda, em que ele pode concordar tanto com o su-
jeito como com o predicativo, a depender do termo que se quer
destacar.
O verbo ser concordará com o predicativo do sujeito quando:
a) o sujeito for representado pelos pronomes  – isto, isso, aquilo,
tudo, o – e o predicativo estiver no plural, ou seja, a combinação
é verbo ser + sujeito constituído por pronome interrogativo,
indefinido ou demonstrativo. Ex:
(249) Isso são lembranças inesquecíveis.
(250) Aquilo eram problemas gravíssimos.
(251) O que eu admiro em você são os seus cabelos compridos.
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
116
116 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

(252) Nem tudo são flores.

Pronome indefinido Predicativo do Sujeito


(253) Quem são os vencedores do concurso?
(254) Que são palavras variáveis?
(255) Isto são termos que se usem diante dos mais velhos?
c) o sujeito estiver no singular e se referir a “coisas”, e o predica-
tivo for um substantivo no plural, ou seja, a combinação é verbo ser
+ núcleo do sujeito no singular + núcleo do predicativo no plural. Ex:
(256) Nosso piquenique   foram      só doces.

Sujeito                  Predicativo do Sujeito


(257) Sua rotina     eram    só     tristezas

Sujeito                 Predicativo do Sujeito


(258) Talvez o problema sejam as orelhas.

Sujeito Predicativo do Sujeito
d) Se o sujeito indicar pessoa, o verbo concorda com esse sujeito,
ou seja, se a combinação for verbo ser + substantivo próprio + subs-
tantivo comum, a concordância se fará com o substantivo próprio,
esteja ele em posição de sujeito ou de predicativo. Ex:
(259) Gustavo era só decepções.
(260) Minhas alegrias é esta criança.
(261) A Maria foi, por muito tempo, todos os meus sonhos.
(262) Os meus sonhos, por muito tempo, foi a Maria.
Obs.: admite-se a concordância no singular quando se deseja
fazer prevalecer um elemento sobre o outro. Ex:
(263) A vida é ilusões.

e) Quando o sujeito for pronome interrogativo “que” ou “quem”. Ex:


(264) Que são esses papéis?
(265) Quem são aquelas crianças?
f) Verbo ser indicando tempo, isto é, como impessoal na indica-
ção de horas, dias e distâncias, o verbo ser concorda com o numeral
que ocorre no predicativo. Ex:
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Teoriada Oração 117
Gramatical

(266) É uma hora.


(267) São três da manhã.
(268) Eram 25 de julho quando partimos.
(269) Daqui até a padaria são dois quarteirões.
(270) Hoje são seis de agosto.

Saiba que:
Na indicação de dia, o verbo ser admite as seguintes concordâncias:
1) No singular: Concorda com a palavra explícita dia.
Por Exemplo: Hoje é dia quatro de março.
2) No plural: Concorda com o numeral, sem a palavra explícita dia.
Por Exemplo: Hoje são quatro de março.
3) No singular: Concorda com a ideia implícita de dia.
Por Exemplo: Hoje é quatro de março.

(Fonte: http://www.soportugues.com.br/secoes/sint/sint57.php.
Acessado em 06 de julho de 2011)

f) Quando o sujeito indicar peso, medida, quantidade e for se-


guido de palavras ou expressões como pouco, muito, menos de, mais de
etc., o verbo ser deve ficar no singular. Ex:
(271) Cinco quilos de açúcar é o que preciso comprar.
(272) Três metros de tecido é o suficiente para fazer a sua roupa.
(273) Duas semanas de férias é pouco para descansar.
g) Quando, na oração, um pronome pessoal do caso reto desem-
penhar a função de sujeito ou de predicativo, a concordância do verbo
ser será com o pronome. Ex:
(274) No meu setor, eu sou a única mulher.
(275) Aqui os adultos somos nós.
(276) Eu sou o Conde Drácula.
(277) O culpado sou eu.
Obs.: quando ambos os termos (sujeito e predicativo) são repre-
sentados por pronomes pessoais, o verbo concorda com o pronome
sujeito. Ex:
(278) Eu não sou ela.
(279) Ela não é eu. 
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
118
118 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

h) Quando o sujeito apresenta uma expressão partitiva (uma parte


de..., grande parte de..., a maior parte de..., grande número de..., a maioria
de..., uma porção de...) seguida de um substantivo ou de um pronome
no plural, o verbo pode ficar no singular concordando com o subs-
tantivo que ocorre na expressão partitiva, ou ir ao plural.
O verbo ficará no plural caso opte-se por fazer a concordância
com o substantivo ou pronome substantivo que antecede a expressão
partitiva. Ex:
Expressão partitiva
(280) A maioria dos gatos não toma sorvete.
Sujeito
(Substantivo = núcleo do sujeito)
(3ª pessoa do discurso, singular)
O verbo ficou no singular porque se optou por fazer a concor-
dância verbal com o substantivo “maioria”, que é o núcleo do sujeito
da frase.
O verbo iria para o plural caso optasse-se por fazer a concor-
dância com o substantivo que aparece após a expressão partitiva, no
núcleo do adjunto adnominal. Ex:
Núcleo do adjunto adnominal
(281) A maioria dos gatos não tomam sorvete.

(Substantivo = núcleo do adjunto adnominal)
(3ª pessoa do discurso – eles – plural)
i) Quando o sujeito da oração é constituído de expressões que
indicam quantidade, preço, valor, medida, etc. no plural, o verbo ser
permanece na 3ª pessoa do singular. Ex:
(282) Cem dólares é um preço razoável por uma diária de hotel.
(283) Duzentos quilos é muito peso para transportar nesse carro.
Verbo no singular (3ª pessoa)
Expressão que indica peso.
O) O Verbo “Parecer”:
O verbo parecer, quando seguido de infinitivo, admite duas
concordâncias:
a) Ocorre variação do verbo parecer e não se flexiona o infini-
tivo. Ex:
(284) Alguns colegas pareciam (chorar) na hora da prova.
Verbo no infinitivo
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Teoriada Oração 119
Gramatical

b) A variação do verbo parecer não ocorre, o infinitivo sofre  fle-


xão. Ex:
(285) Alguns colegas parecia (chorarem) na hora da prova.
Verbo no infinitivo flexionado
Obs.: a  primeira construção é considerada corrente, enquanto
que a segunda é considerada de uso literário.
Atenção: Com orações desenvolvidas, o verbo parecer fica no
singular. Ex:
(286) As paredes parece que têm ouvidos. (Parece que as paredes
têm ouvidos.)
 
P) A Expressão “Haja Vista”:
A expressão haja vista admite as seguintes construções:
a) A expressão fica invariável (seguida ou não de preposição).
Ex:
(287) Haja vista as lições dadas pelo professor. (No sentido de “por
exemplo”)
(288) Haja vista aos fatos explicados por esta teoria. (No sentido
de “atente-se”)
b) O verbo haver pode variar, desde que não esteja seguido de
preposição, considerando-se o termo seguinte como sujeito.
(289) Hajam vista os exemplos de sua dedicação. (No sentido de
“vejam-se”)

O que dizem as pesquisas de cunho descritivo?


É importante que vocês, futuros professores de português, co-
nheçam as regras prescritas pelas gramáticas tradicionais, mas é
de suma importância também que vocês conheçam as pesquisas
realizadas em nosso país que têm a intenção de descrever (Gramá-
tica Descritiva) os fenômenos linguísticos do Português Brasileiro,
ou seja, as pesquisas que tentam simplesmente mostrar como é a
fala real dos brasileiros, sem o intuito de dizer a forma como as
pessoas devem ou não devem falar, devem ou não devem escre-
ver, pois isso as gramáticas tradicionais já fazem e todos nós já as
conhecemos.
Os estudos sociolinguísticos são excelentes fontes de pesquisa
para conhecermos a realidade linguística do nosso país, e, sobre a
concordância verbal, tais pesquisas mostram que se trata de um fato
variável, ou seja, a concordância pode ser concretizada ou não pelo
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
120
120 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

usuário da língua em função de fatores diversos de natureza linguís-


tica ou extralinguística.
Lemle & Naro (1977 apud VIEIRA, 2009) foram pioneiros no
que se refere ao estudo dos elementos condicionadores do fenô-
meno da concordância em nosso país. Em sua primeira pesquisa
eles abordaram a regra de concordância do verbo com o sujeito
na linguagem oral empregada por vinte alunos de um programa
brasileiro de alfabetização (o Mobral) da cidade do Rio de Janeiro
e adjacências.
De acordo com Vieira (2009, In: BRANDÃO, 2009), os resulta-
dos de estudos de diferentes autores comprovam a produtividade
da não concordância nas chamadas variedades populares do estado
do Rio de Janeiro, em comparação à realização da concordância nas
variedades de falantes com alto grau de escolaridade.
O que isso significa?
Em resumo, os dados das pesquisas de Vieira (1995), Graciosa
(1991) e Lemle e Naro (1977) (como visto em Vieira, 2009) mostram
que a realização da concordância verbal não está diretamente ligada
ao grau de escolaridade do indivíduo, ou seja, quanto mais escola-
rizada a pessoa é, mais ela realizará a concordância verbal, quanto
menos escolarizada a pessoa é, menos ela realizará a concordância
verbal.
Vejamos os gráficos abaixo que comprovam essa tese:

Gráfico 1 - Relação concordância + escolaridade no falar do RJ. (Vieira, 2009, p. 88).

Como podemos visualizar, na variedade “culta” carioca há um


alto grau de realização da regra de concordância verbal (89%), se
comparado ao encontrado nos dialetos “populares” do estado do
Rio de Janeiro (24%).
O estudo de Vieira (1995) investigou o fenômeno da concor-
dância verbal com base na fala de comunidades do norte do estado
do Rio de Janeiro, a partir de formas verbais de 3ª pessoa do plural
coletadas em entrevistas realizadas com informantes naturais de
12 localidades do norte fluminense, todos do sexo masculino, anal-
fabetos ou pouco escolarizados (até a quarta série) e distribuídos
por três faixas etárias – A (18 a 35 anos), B (36 a 55 anos) e C (56 a
70 anos).
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Teoriada Oração 121
Gramatical

Para investigar a opção do falante em relação ao fenômeno da


concordância verbal, geralmente, nas pesquisas sociolinguísticas,
busca-se captar a influência de diversos elementos possivelmente
condicionadores, que são as chamadas variáveis linguísticas, tais
como:
a) A posição do sujeito em relação ao verbo. Isso porque sujei-
tos pospostos (sujeitos que vêm depois do verbo) tendem a favore-
cer a não concordância, como, por ex:
(290) Chegou as cartas.

Sujeito
Verbo
b) A distância entre o núcleo do sintagma nominal sujeito e o
verbo. Isso porque se percebe que, quanto maior a distância entre es-
ses dois constituintes, maior seria a não concordância verbal, como,
por ex:
(291) Os livros, sobre a viagem dos navegantes do século XVI, já
menciona o fato.
Sujeito Verbo
Obs: vejam como o sujeito está longe do verbo.
c) O paralelismo no nível oracional. Isso porque o menor nú-
mero de marcas explícitas de plural no sujeito costuma levar à au-
sência de marcas de plural no verbo, como, por ex:
(292) Os peixe_ nada_ muito rápido;
Obs: vejam que não há marca de plural em “peixe”, o que leva-
ria à não marcação do plural em “nada”.
d) A animacidade do sujeito. Isso porque os sujeitos de refe-
rência animada (peixe, homem), que geralmente funcionam como
agentes da oração, favoreceriam a marca de plural no verbo, ou seja,
a concordância verbal, enquanto os de natureza inanimada (barco)
não favoreceriam a concordância, como, por ex:
(293) Os homens nadam muito rápido.

Sujeito animado Verbo flexionado


(294) Os barcos anda muito rápido.

Sujeito inanimado Verbo não flexionado


e) O paralelismo no nível discursivo. Isso porque, no caso de
verbos em série discursiva, a ausência da marca de plural em um
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
122
122 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

verbo levaria à ausência da marca de plural no verbo seguinte,


como, por ex:
(295) Os peixe pula, corre, nada sem parar.

Sujeito no plural 4 verbos sem concordância


Obs: o que se quer dizer com paralelismo, nesse caso, é que,
se o primeiro verbo estivesse flexionado, isso impulsionaria os
demais a também se flexionarem, ou seja, dificilmente teríamos
uma frase assim:
(296) Os peixe pulam, corre, nada sem parar.
Ou assim:
(297) Os peixe pula, correm, nada sem parar.
f) A saliência fônica (além da relação entre a tonicidade e o nú-
mero de sílabas das formas singular e plural). Isso porque, no que
se refere à diferença material fônica entre as formas singular e plu-
ral, as formas verbais mais perceptíveis, mais salientes, seriam mais
marcadas no plural do que as menos perceptíveis, menos salientes,
como, por ex:
(298) Os meninos cantou/cantaram no coral da igreja.
(299) Os meninos é/são bonitos.

Vejam que a diferença fônica entre uma forma verbal e outra é


grande, ou seja, uma forma é bastante diferente da outra, isso signi-
fica que há mais chance de os falantes concordarem o verbo com seu
sujeito, ou seja, realizarem frases como:
(300) Os meninos cantaram no coral da igreja.
(301) Os meninos são bonitos.

Verbos flexionados na 3ª pessoa do plural


Agora vejam as seguintes frases:
(302) Os meninos come bem.
(303) Os meninos comem bem.

Vejam como a diferença na pronúncia é bem pequena, ou seja,


quase inaudível. Sendo assim, há grandes chances de o falante não
flexionar o verbo na 3ª pessoa do plural.
g) O tempo verbal e o tipo de estrutura morfossintática. Isso
significa que é testada a hipótese de que os índices de concordân-
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 123
Gramatical

cia poderiam ser diferenciados a depender do tempo verbal e da


construção sintática. Ou seja, alguns tempos verbais seriam mais
passíveis de concordância do que outros, o mesmo aconteceria com
determinadas construções sintáticas.
As variáveis arroladas acima são chamadas, nas pesquisas lin-
guísticas, de variáveis linguísticas, ou seja, são fatores internos à lín-
gua. Entretanto, existem variáveis extralinguísticas, que levam em
conta, por exemplo, a localidade e a faixa etária a que pertencem os in-
formantes da pesquisa, a escolaridade, o sexo (gênero) dentre outros.
Contudo, as pesquisas mencionadas acima evidenciam que a
alta produtividade do cancelamento da marca de número, em ver-
bos de 3º pessoa do plural, ou seja, a não concordância verbal, é
condicionada, sobretudo, por fatores de ordem estrutural, isto é, in-
ternas à língua. “Dos elementos de caráter linguístico, mostram-se
significativos a saliência fônica, o paralelismo nos níveis oracional
e discursivo, e a posição do sujeito em relação ao verbo” (VIEIRA,
2009, p.89).
De acordo com Vieira (2009, In: BRANDÃO, 2009), pelo con-
trole da variável saliência fônica, verifica-se que o cancelamento da
marca de plural (concordância) se intensifica à medida que diminui
a diferença material fônica entre as formas singular e plural dos ver-
bos. Assim, nos casos de formas foneticamente semelhantes – como
come/comem, fala/falam, faz/fazem –, registram-se altos índices de não
concordância, ao contrário do que ocorre nas demais formas, ou
seja, aquelas em que a diferença fônica é maior.

Gráfico 2 - Não concordância. Fonte: Vieira (2009, p.89)

Vejam no Gráfico 2, acima, que os verbos com menor saliência


fônica come/comem, fala/falam, faz/fazem foram os que mais tiveram
ocorrências de não concordância, enquanto os verbos com maior
saliência fônica dá/dão, comeu/comeram, é/são, veio/vieram são os que
mais concordam.
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
124
124 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

Para o condicionamento da regra, a autora confirma, também,


a pertinência do princípio do paralelismo nos níveis oracional e dis-
cursivo. O paralelismo prega que marcas levam a marcas e zeros le-
vam a zeros, em outras palavras, isso significa dizer que se eu tenho
o primeiro sintagma no plural a tendência é que eu leve as demais
palavras também para o plural, já se eu tenho o primeiro sintagma
no singular a tendência é que eu mantenha as demais palavras no
singular. A aplicação dessa regra pode ser visualizada na tabela a
seguir:

Gráfico 3 - Não concordância. Fonte: Vieira (2009, p.89)

De acordo com Vieria (2009), no nível oracional, o menor nú-


mero de marcas formais no sintagma nominal sujeito conduz à au-
sência de marcas formais no sintagma verbal, como no exemplo: Os
peixe_ pula_ (vejam que aqui há apenas uma marca de plural em os).
Ao contrário da presença de marcas, que faz diminuir o índice de
não concordância verbal, como no exemplo: Os peixes pulam (vejam
que aqui há três marcas de plural, uma marca no artigo os, uma no
substantivo peixes e uma marca no verbo pulam).
Para a autora, os casos de sujeitos constituídos por numerais
que apresentam o traço semântico de pluralidade não propiciam a
concordância verbal, como no exemplo: Os dois pula_, ou seja, esses
dados favorecem o cancelamento da concordância verbal de forma
significativa, o que permite afirmar que o princípio do paralelismo
atua pela repetição de formas, e não de ideias.
No nível discursivo, o controle da variável possibilitou que a
autora verificasse que o cancelamento da marca de número (concor-
dância verbal) é mais frequente quando, em contexto antecedente,
ocorre uma oração com um sintagma verbal sem marca de plural
(de mesma referência ou de referência distinta), como no exemplo:
Os peixes pula_, sai_ e corre_. Em outras palavras, quando se trata de
verbos em série, a realização da forma do plural conduz à realização
de outras formas de plural no contexto seguinte e a não realização
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 125
Gramatical

da marca (não concordância) leva à não realização da marca (con-


cordância nas demais palavras). Isso pode ser melhor visualizado
no gráfico a seguir:

Gráfico 4 - Não concordância. Fonte: Vieira (2009, p.90)

A autora sugere também que os casos de sujeito posposto (su-


jeito que vem depois do verbo) favorecem grandemente o cancela-
mento da marca de número do verbo, como no exemplo: Chegou os
livros em vez de chegaram os livros. Enquanto isso, nas estruturas de
sujeito anteposto, há o predomínio de concordância. Entretanto, a
autora lembra que destoam dessa “regra” aquelas frases que apre-
sentam sintagmas nominais retomados pelo pronome relativo que,
o qual, por não ser uma forma marcada quanto ao número, induz
também ao cancelamento da marca no verbo, ou seja, induz à não
concordância. Vejamos os dados desses contextos na tabela a seguir:

Gráfico 5 - Não concordância. Fonte: Vieira (2009, p.90)

Já as variáveis animacidade do sujeito e distância entre o nú-


cleo do SN sujeito e o verbo apresentam, de acordo com a autora,
um comportamento instável em relação à concordância verbal, e
demonstram exercer influência de nível secundário, da seguinte
forma: (a) sujeitos inanimados favorecem ao cancelamento, quando
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
126
126 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

comparados aos animados; (b) quanto maior a distância entre o su-


jeito e o verbo, menor a tendência à concordância.
Como vimos, a falta de concordância é favorecida, predomi-
nantemente, por fatores de natureza linguística (internos à língua).
Entretanto, as variáveis extralinguísticas também exercem influên-
cia na aplicação da regra, como, por exemplo, a faixa etária. Há alto
índice de cancelamento na fala de indivíduos pertencentes às três
faixas etárias controladas. Em linhas gerais, a tendência à não con-
cordância intensifica-se à proporção que aumenta a idade dos infor-
mantes, ou seja, quanto mais velho o informante, maior a falta de
concordância, em outras palavras, os mais velhos concordam menos
do que os mais jovens. Para a autora, os menores índices de cancela-
mento (não concordância) na fala dos indivíduos mais jovens se de-
vem a um complexo de fatores que abrange todas as determinações
sociocomportamentais que envolvem esses indivíduos, como, por
exemplo, o contato com o turismo, o contato com a escola, o acesso
a meios culturais, etc.
No estudo de Graciosa (1991, apud VIEIRA, 2009), que aborda
o fenômeno da concordância em dados produzidos por falantes es-
colarizados, a concordância verbal é altamente produtiva e extrema-
mente controlada.
As variáveis controladas pela autora e que se mostraram re-
levantes para o condicionamento da concordância verbal foram as
seguintes: ordenação dos argumentos do verbo, distância entre o
núcleo do sintagma nominal e o verbo, e paralelismo formal das se-
quencias verbais no discurso.
O que isso significa?
Significa que a concordância verbal é a opção preferida pelos
escolarizados, é favorecida grandemente no contexto em que o su-
jeito está anteposto (sujeito antes do verbo) e próximo ao verbo, e
o verbo se acha numa sequencia discursiva, conforme o efeito do
paralelismo formal.
Por fim, a comparação dos resultados de Vieira (1995) com os
de Graciosa (1991) revela tendências absolutamente opostas quanto
à concretização da regra de concordância verbal pelo fato de seus
entrevistados (indivíduos da pesquisa) se tratarem de indivíduos
com características sociais muito diferentes. A comparação revela
também a clara atuação de variáveis linguísticas no condicionamen-
to do fenômeno, sugerindo que, independentemente da escolarida-
de, fatores estruturais influenciem o falante na realização da regra
de concordância verbal.
A essa altura você deve estar pensando que isso só acontece
no português do Brasil e que no português de Portugal essas va-
riações não existem. Porém, se você pensa assim, está enganado,
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 127
Gramatical

pois veja os resultados da pesquisa de Monguilhott (2009) que


comparou a concordância verbal na fala de indivíduos de 4 loca-
lidades de Florianópolis/SC – Brasil com 4 localidades de Lisboa
– Portugal:
Brasil Portugal
Florianópolis Lisboa
Ribeirão da Ilha 155/188 82% Sintra 164/180 91%
Costa da Lagoa 179/243 73% Caiscais 205/228 89%
Ingleses 134/172 77% Belém 174/189 92%
Região Central 172/191 90% Região Central 199/210 94%
TOTAL 640/794 80% TOTAL 742/807 91%
Tabela 1 - frequência de Concordância Verbal no Português Brasileiro e no Portu- [Leandro38] Comentário:
Variável relacionada ao local
guês Europeu, segundo a variável diatopia (MONGUILHOTT, 2009, p. 180 – com onde vive o entrevistado.
adaptações).

Podemos perceber que a diferença na concordância não é tão


grande como podíamos imaginar, ou seja, os europeus não concor-
dam verbalmente em 100% das vezes, assim como os brasileiros de
Florianópolis, embora ainda haja menos concordância no Brasil em
comparação com Portugal.
Agora vocês devem estar se perguntando: mas pra que eu te-
nho que saber de tudo isso?
A resposta é muito simples, vocês serão futuros professores de
português e encontrarão casos de não concordância tanto na fala dos
alunos como na escrita dos mesmos e, por isso, além de vocês terem
que saber da regra para então poderem corrigir seus textos e apon-
tar a forma linguística mais adequada para cada gênero de texto, vo-
cês precisam saber também o motivo pelo qual o aluno não realiza a
concordância, ou seja, existe um motivo lógico por traz do aparente
“erro” gramatical e é isso que um professor bem esclarecido e não
preconceituoso precisa saber.
Ademais, no guia de Prática de Ensino III você encontrará tex-
tos com informações sobre:
• Como relacionar as pesquisas ao ensino da concordância ver-
bal.
• Para que ensinar a concordância verbal.
• O que ensinar sobre a concordância verbal.
• Como apresentar a regra variável de concordância verbal aos
alunos.

4.1.2 A Concordância Nominal


Agora vamos tratar de outro tipo de concordância: a concor-
dância nominal. Vejamos a tira:
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
128
128 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

Figura 9 - (Fonte: http://vera-carneiro.vilabol.uol.com.br/conc8.htm. Acessado em


8 de julho de 2011)

Você acha que esta a concordância nominal está correta?


O que é a concordância nominal?
De acordo com Bechara (2006, p. 543) “a concordância nominal
é a que se verifica em gênero e número entre o adjetivo e o pronome
(adjetivo), o artigo, o numeral ou o particípio (palavras determinan-
tes) e o substantivo ou pronome (palavras determinadas) a que se
referem”.
De acordo com Brandão (2009, p.57) a concordância nominal é

como, tradicionalmente, se denomina a reiteração do mesmo con-


teúdo morfológico (categoria de gênero e/ou de número) de um
nome no(s) determinante(s) (artigo, demonstrativo, possessivo),
quantificador(es) e/ou adjetivo(s) a ele inter-relacionado(s) sintática
e semanticamente, o que funciona, por vezes, como uma marca
explícita ou redundante dessa interdependência.

Essa autora traz a visão estruturalista de Câmara Jr. (1979: 92),


para quem, nos nomes, a categoria gramatical de gênero distribui-se
por três padrões:
(a) nomes substantivos de gênero único;
(b) nomes de dois gêneros sem flexão;
(c) nomes substantivos de dois gêneros, com flexão redundante.
No caso destes últimos, a flexão se daria por meio do morfema
–a em substituição às vogais temáticas –o ou –e em
[1] alun(o) ~ aluna/ mestr(e) ~ mestra
inclusive em formas teóricas como as dos vocábulos termina-
dos em /R/ ou /S/ como em
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 129
Gramatical

[2] professor(e) ~ professora/ freguês(e) ~ freguesa


ou em aposição, no caso dos vocábulos atemáticos como em
[3] peru ~ perua
A autora ressalta que, para Câmara Jr., os nomes adjetivos nem
sempre partilham com os nomes substantivos as mesmas regras em
relação a essas categorias, haja vista os casos de palavras como gran-
de, valente, potente – que têm tema em e – que não admitem flexão e
que, por isso, combinam-se com nomes substantivos de ambos os
gêneros, como nos exemplos:
[2a] Mário é um homem valente. Adjetivo com tema em e

Nome masculino singular
[2b] Esta é uma máquina potente. Adjetivo com tema em e

Nome feminino
Para esse mesmo autor, a categoria gramatical de número consis-
tiria da oposição entre os morfemas [Ø], de singular, e /S/, de plural,
como nos exemplos:
[3a] aluno(Ø) ~ alunoS / mestre(Ø) ~ mestreS
[3b] professore(Ø) ~ professoreS
Ainda para esse mesmo autor, haveria também, tanto da catego-
ria de gênero quanto na de número, alomorfias decorrentes de pro-
cessos fonológicos que atingiriam, por exemplo, formas terminadas
graficamente em –ão ou em –l.
Brandão (2009) traz também outra perspectiva teórica, a de Ma-
teus et al. (2003), que contraria a visão tradicional, considerando o
gênero uma categoria morfossintática não passível de flexão, pois esse
processo, no âmbito do nome e do adjetivo, se restringiria à categoria
de número. Esta posição decorre da forma como as autoras interpre-
tam a estrutura dos vocábulos que integram essas duas classes. Para
elas, os tradicionais morfemas de gênero dos adjetivos e nomes não
se relacionam com o gênero nem com a flexão, mas sim com a classe
temática a que pertence uma determinada palavra.
Brandão (2009) afirma que esse tipo de interpretação sustenta-se
nos seguintes argumentos:
(a) não há obrigatoriedade de existência de contrastes de gênero;
(b) quando há contraste, a sua realização pode ser viabilizada por
processos de natureza distinta: (i) processos especificamente lexicais,
quer por meio de índices temáticos (vogais temáticas) – aluno/aluna
–, quer por meio de diferentes palavras – homem/mulher; (ii) proces-
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
130
130 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

sos morfológicos, como a derivação (barão/baronesa) e a composição


(águia-macho/águia-fêmea). Tais propriedades distinguiriam o gênero
das demais categorias morfossintáticas do português e, consequen-
temente, justificariam não considerá-la flexional.
Desse modo, seriam os valores de gênero e número do nome que
determinariam a concordância de determinantes e quantificadores e
ainda dos sintagmas adjetivais e dos apostos.
Nessa perspectiva, no que se refere ao constituinte oracional em
destaque na frase
[4] O professor conhece bem aquelas alunas atentas.
a palavra aluna + (S), pertencente à classe dos nomes (= substanti-
vos) e flexionada no plural, determina a ocorrência da forma feminina
e plural do adjetivo – atenta + (S) – e do determinante – aquela + (S).
Portanto, repetem-se nesses dois termos (atentas e aquelas), as mesmas
categorias morfossintáticas do nome.
Dito em outras palavras, o nome (substantivo) é quem determina
as características de gênero e número das palavras que o acompanham.
Da mesma maneira, no primeiro sintagma da frase
[4] O professor conhece bem aquelas alunas atentas.
a palavra professor, como centro da construção, motiva a ocorrên-
cia do determinante, ou seja, o artigo “o” na forma masculina singular.
Sendo assim, é o nome que determina as características de gê-
nero e número do determinante (artigo), e não é o determinante que
determina o nome.
De acordo com Perini (2010), a concordância nominal é o fenôme-
no de harmonia de gênero e número entre diversos nominais dentro
do Sintagma Nominal.
Vejamos as explicações trazidas por Perini e os seus exemplos:

[1] Um computador novo.


[2] Uma impressora nova.
Observa-se concordância também com nominais externos ao
SN, mas ligados a ele por uma relação temática, como
[3] Os computadores são novos.
[4] A impressora chegou quebrada.
Ao contrário da concordância verbal, a concordância nomi-
nal não parece ser redutível a fatores semânticos, principalmente
porque o gênero dos nominais não tem correlato semântico coe-
rente: computador é masculino, impressora é feminino, por razões
idiossincráticas. Como veremos, os fatores semânticos também
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 131
Gramatical

interferem, mas de maneira bem distinta da que se verifica no caso


da concordância sujeito-verbo.
Gênero
Gênero inerente e governado
Todo nominal usado referencialmente, isto é, para denotar
uma coisa, pertence a um gênero: assim, computador é masculi-
no, impressora é feminino. Os termos “masculino” e “feminino”
designam as duas classes em que se dividem todos os nominais
que têm potencial referencial, isto é marcados [+R]. Dizemos que
um nominal referencial tem gênero inerente – ele é masculino ou
feminino.
Já um nominal usado qualificativamente mostra – em geral –
gênero governado, ou seja, precisa ficar no mesmo gênero que o
núcleo de seu SN; o núcleo, naturalmente, é referencial e tem gênero
inerente. Assim, em computador novo a palavra computador é mascu-
lina – não está no masculino; note-se que não existe o feminino de
computador, ou seja, o computador e *a computadora. Mas novo está no
masculino – e tem uma forma feminina, nova. Consequentemente, os
nominais que podem ser qualificativos, marcados [+Q], geralmente
vêm em pares, um masculino e um feminino: novo/nova, vermelho/
vermelha, meu/minha etc.6
Todos os nominais usados referencialmente têm gênero ine-
rente – são masculinos ou femininos, sem exceção; e o SN do qual
são o núcleo “herda” esse mesmo gênero, de modo que podemos
dizer não só que xícara é feminino, mas também que o Sintagma
Nominal a minha xícara de café é feminino. Isso vale, por exemplo,
para efeitos de concordância:
[5] A minha xícara de café está vazia.

feminino feminino
Já os nominais usados não referencialmente – ou seja, qualifi-
cativamente ou como determinantes, quantificadores etc. – têm em
geral gênero governado, isto é, precisam ter o mesmo gênero do
núcleo; mas aqui há muitas exceções, porque muitos desses itens
não variam em gênero. Por exemplo:
[6] Cada menina / cada menino
[7] Vestido laranja / sapato laranja
[8] Uma baita colocação / um baita emprego

6
Para ser mais exato, essa propriedade é de todos os itens que podem ser termo de
um SN e não referenciais; assim, vale para os artigos (o,um), possessivos, quantifi-
cadores etc.
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
132
132 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

[9] Um rapaz inteligente / uma moça inteligente


[10] Quatro moças / quatro rapazes
e muitos outros. Em geral se analisa esses casos dizendo que
esses itens têm masculino e feminino formalmente idênticos – é
uma maneira de dizer que eles são excepcionais.
Gênero gramatical e gênero natural (sexo)
A nomenclatura dos gêneros pode levar a confusão. Essen-
cialmente, o gênero gramatical não tem nada a ver com o sexo, e
é perfeitamente possível fazer referência a um homem usando o
feminino (a vítima, a pessoa, a criança) ou a uma mulher usando o
masculino (o cônjuge, o participante, o personagem)7. E, naturalmente,
para a maioria dos casos, não há sexo envolvido: xícara, impressora
e teoria são femininos, mas só gramaticalmente.
Isso dito, é inegável que existe uma tendência a correlacionar
gênero e sexo nos nominais que designam pessoas e certos animais:
o homem/a mulher, o professor/a professora, o gato/a gata etc. Mas esse
fato não tem relevância na gramática, porque um feminino como
professora (que designa uma mulher), um como pessoa (que pode
designar tanto homem quanto mulher) e um como xícara (que não
designa nem macho nem fêmea de espécie nenhuma) são gramati-
calmente idênticos em seu comportamento. Em particular, funcio-
nam da mesma maneira para efeitos de concordância.
(PERINI, 2010, p. 279-281)

Sobre essa confusão que as pessoas fazem entre o gênero da


palavra e o sexo da palavra (pessoa ou animal), existe uma crôni-
ca muito interessante de Luiz Fernando Veríssimo que relata a an-
gústia de um menino tentando entender essas questões de gênero x
sexo. Vejamos:
Sexa
- Pai…
- Hmmm?
- Como é o feminino de sexo?
- O quê?
- O feminino de sexo.
- Não têm.
- Sexo não tem feminino?
- Não.
- Só tem sexo masculino?

7
Mas note-se que são todos referentes aos dois sexos; aparentemente não existem
itens masculinos que se refiram necessariamente a criaturas do sexo feminino, ou
vice-versa.
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 133
Gramatical

- É. Quer dizer, não. Existem dois sexos. Masculino e feminino.


- E como é o feminino de sexo?
- Não tem feminino. Sexo é sempre masculino.
- Mas tu mesmo disse que tem sexo masculino e feminino.
- O sexo pode ser masculino ou feminino. A palavra “sexo” é mas-
culino. O sexo masculino, o sexo feminino.
- Não devia ser “a sexa”?
- Não.
- Por que não?
- Porque não! Desculpa. Porque não. “Sexo” é sempre masculino.
- O sexo da mulher é masculino?
- É. Não! O sexo da mulher é feminino.
- E como é o feminino?
- Sexo mesmo. Igual ao do homem.
- O sexo da mulher é igual ao do homem?
- É. Quer dizer… Olha aqui. Tem o sexo masculino e o sexo femini-
no, certo?
- Certo.
- São duas coisas diferentes.
- Então como é o feminino de sexo?
- É igual ao masculino.
- Mas não são diferentes.
- Não. Ou, são! Mas a palavra é a mesma. Muda o sexo, mas não
muda a palavra.
- Mas então não muda o sexo. É sempre masculino.
- A palavra é masculina.
- Não. “A palavra” é feminino. Se fosse masculina seria “o pal…”
- Chega! Vai brincar, vai.

O garoto sai e a mãe entra. O pai comenta:

- Temos que ficar de olho nesse guri…


- Por quê?
- Ele só pensa em gramática.
Luiz Fernando Veríssimo
Fonte: http://www.portallos.com.br/2008/06/16/cronicas-verissimo-
-sexa/. Acessado em 8 de julho de 2011.

Voltamos agora às questões de concordância nominal relacio-


nadas ao número da palavra, ou seja, singular x plural.
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
134
134 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

Número
Singular e plural
O número (singular, plural) funciona até certo ponto de ma-
neira paralela ao gênero. Mas também há diferenças.
Um nominal usado referencialmente tem número; mas aqui
as coisas são mais complicadas do que no caso do gênero. Primei-
ro, em geral não se pode dizer que um nominal é singular ou plu-
ral, porque a imensa maioria tem os dois números; há exceções,
como férias, que só pode ser plural, e ouro, que é sempre singular,
mas são relativamente poucas.
Depois, o número não é semanticamente neutro: há uma re-
lação, embora não simples, entre o número e a quantidade de ele-
mentos a que se faz referência. Em geral, o plural se refere a mais
de um elemento: xícaras, e o singular a apenas um: xícara. Isso vale
mesmo para os coletivos, porque embora bando se refira a mais de
um pássaro, não é sinônimo de pássaros: trata-se de um conjunto de
pássaros organizados de certo modo, nem que seja por estarem
todos juntos. Mas férias e costas (parte do corpo) são sempre plu-
rais, e se referem a uma coisa só8. De qualquer forma, o número
não é uma categoria tão arbitrária quanto o gênero. Embora seja
necessário distinguir número gramatical de quantidade, há uma
correlação inegável entre as duas coisas.
A concordância de número no PB
No padrão escrito, a concordância de número se faz da mes-
ma maneira que a de gênero, isto é, o núcleo determina o número
dos modificadores, determinantes, quantificadores e outros ele-
mentos não nucleares:
[11] O livro/ os livros
[12] Essa menina despenteada/ essas meninas despenteadas.
No entanto, o PB trata essa regra de maneira diferente da lín-
gua escrita. A marca de plural, a saber, o sufixo –s (e suas variantes
alomórficas), o mais das vezes, ocorre apenas no primeiro elemen-
to do SN, quando este é um determinante, um quantificador ou
um possessivo (ou seja, os elementos pré-nucleares, exceto o mo-
dificador). Assim, ambas as formas dadas abaixo são aceitáveis:
[13] Os livros/os livro.
[14] Essas meninas despenteadas/essas menina despenteada.
[15] Meus filhos/meus filho.

8
Outros, como óculos, embora dados como plurais nas gramáticas, são regulares no
PB: o seu óculos está na mesa.
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 135
Gramatical

Se não há termos pré-nucleares, o núcleo pode aparecer sem


marca de plural, e nesse caso a concordância é toda feita no singu-
lar. Assim, o que no padrão se escreve:
[16] Meninas são muito estudiosas.
No PB fica
[17] Menina é muito estudiosa.
Essa construção está por estudar. Aparentemente, a forma do
SN singular sem elementos pré-nucleares, que tem acepção gené-
rica, estaria substituindo o plural. Assim, tanto [16] quanto [17]
são afirmações a respeito de toda e qualquer menina, não a respei-
to de uma menina ou meninas em particular.
É bom insistir em um ponto: essas são regras gerais do PB,
seguidas por praticamente todos os falantes, de todas as classes
sociais e de todas as regiões. Não se trata de linguagem “inculta”,
ou “regional”, mas do vernáculo comum a todos os brasileiros9.
E é preciso enfatizar o caráter morfológico desse fenômeno: não
se trata de simples omissão do “s” final. Provas disso são, primei-
ro, a conservação do “s” quando ele não é marca de plural: atrás,
nós, Luís sempre mantêm o “s”. E, depois, alguns itens que sofrem
abertura da vogal média no plural conservam essa abertura, mes-
mo quando perdem o “s”: assim, diz-se muitas vezes os óvo, os ólho
com o aberto: [u’1zOvu], [u’1zO´u],[u’1zOju] (esta última pronúncia, os
óio, pode ser considerada mais “popular”, o que não a faz menos
frequente)10.
Uma outra maneira de exprimir o plural (com a denotação de
totalidade) é acrescentar um elemento invariável tudo depois do
núcleo ou do verbo, como em:
[18] As menina tudo ficou gritando.
[19] As menina ficou tudo gritando.
Quando o SN é objeto, a posição de tudo só pode ser depois
do núcleo:
[20] O mecânico perdeu os parafuso tudo.
Notar o uso do verbo no singular em [18] e [19], embora o SN
sujeito seja plural. A construção com tudo é talvez menos univer-
salmente usada do que as anteriores, mas suspeito que também
ocorre na fala de quase todos os falantes11.
(PERINI, 2010, p.281-283)

10
Como atesta o Cuitelinnho: as garça dá meia volta e senta na beira da praia.
11
Existe também a pronúncia sem abertura, ou seja, idêntica ao singular: [] etc.
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
136
136 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

Atenção: Voltamos a reafirmar que o autor citado acima, Peri-


ni (2010), não está defendendo a ideia de que devemos ensinar essa
regra aos alunos, mesmo porque essa regra já é conhecida por todos
eles. O que o autor está fazendo é descrevendo a regra que está por
trás do uso da língua, da fala do brasileiro. O autor está explicando
o porquê entendemos quando uma pessoa fala dessa forma, mesmo
que nós não falemos assim. Sendo assim, não podemos dizer que fra-
ses como essas são agramaticais, ou seja, não possíveis na língua. Pelo
contrário: elas tanto são possíveis que são inteligíveis. Nós, como pro-
fessores, devemos utilizar esses conhecimentos para discutir constru-
ções desse tipo presentes nas redações dos alunos (POSSENTI, 2007).
Assim, conseguiremos mostrar aos alunos que a forma como ele es-
creveu pertence a determinada variedade da língua e a outra forma,
proposta por nós, pertence à variedade culta da língua.
Conforme Marcos Bagno defende em seu site (http://marcos-
bagno.com.br/site/?page_id=745), nenhum linguista sério, brasileiro
ou estrangeiro, jamais disse ou escreveu que os estudantes usuários
de variedades linguísticas mais distantes das normas urbanas de
prestígio deveriam permanecer ali, fechados em sua comunidade,
em sua cultura e em sua língua. O que esses profissionais vêm ten-
tando fazer as pessoas entenderem é que defender uma coisa não
significa automaticamente combater a outra. Defender o respeito à
variedade linguística dos estudantes não significa que não cabe à
escola introduzi-los ao mundo da cultura letrada e aos discursos
que ela aciona.
Esse autor afirma, e nós endossamos, que cabe à escola ensi-
nar aos alunos o que eles não sabem, ou seja, não é preciso ensinar
nenhum brasileiro a dizer “isso é para mim tomar?”, porque essa
regra gramatical (sim, é uma regra gramatical) já faz parte da língua
materna de 99% dos nossos compatriotas.
O autor ressalta ainda que o que é preciso ensinar é a forma
“isso é para eu tomar?”, porque ela não faz parte da gramática da
maioria dos falantes de português brasileiro, mas por ainda servir
de arame farpado entre os que falam “certo” e os que falam “erra-
do”. Sendo assim, é dever da escola apresentar essa outra regra aos
alunos, de modo que eles – se julgarem pertinente, adequado e ne-
cessário – possam vir a usá-la TAMBÉM.
Por fim, o autor menciona que o problema da ideologia purista
é esse “também”, porque seus defensores não conseguem admitir
que tanto faz dizer assisti o filme quanto assisti ao filme, que a palavra
óculos pode ser usada tanto no singular (o óculos, como dizem 101%
dos brasileiros) quanto no plural (os óculos, como dizem dois ou três
gatos pingados).
Para conhecer mais textos desse escritor, tradutor, linguista e
professor da UNB acesse o seu site http://marcosbagno.com.br.
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 137
Gramatical

A Concordância nominal fora do SN


A concordância nominal não se processa apenas entre os ter-
mos do SN; funcio­na também em um outro grupo de construções,
exemplificadas por
[21] As fichas estão espalhadas.
[22] Os clientes entraram na loja furiosos.
Aparentemente o que dispara a concordância é um fator se-
mântico, a saber, fato de que nessas construções a qualidade (ou
o que seja) expressa pelo nominal final é atribuída ao núcleo do
SN inicial: espalhadas se aplica a as fichas, e furiosos se aplica a os
clientes. Mais precisamente, essas construções se caracterizam por
terem um Qualificando e uma Qualidade, como em
H V SAdj
Qualificando Qualidade
Esses dois papéis temáticos ocorrem sempre assim, em pares:
para cada Qualidade há sempre um Qualificando; e todo sintag-
ma com o papel temático Qualidade deve concordar em gênero
e número com o Qualificando, desde que seja morfologicamente
capaz disso.
Esta última restrição é necessária por causa de
[23] Os caras do 302 são sem educação.
onde não há concordância porque sem educação não varia
em gênero e número; a concordância se verificaria se fosse mal-
-educados (masculino, plural).
A regra dada acima é provavelmente mais geral; pode ser que
se aplique a todos os casos de papéis temáticos emparelhados, ou
seja, que ocorrem sempre em número de dois, semanticamente
relacionados. Um exemplo possível é
[24] A fábrica fica bem próxima.
onde próxima tem o papel temático Lugar, e a fábrica o de Lo-
calizando. Falta levantar mais exemplos para confirmar ou não
essa hipótese.

Marcados e não marcados


A última regra vista tem uma exceção: quando o SN tem sig-
nificado genérico sem determinante, o sintagma qualificativo fica
no masculino singular:
[25] Água mineral é bom para a saúde.
Compare-se com
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
138
138 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

[26] Essa água mineral é boa para a saúde.


onde o SN sujeito (Qualificando) não é genérico.
O nominal bom em [25] não concorda; e nesse caso vai para o
masculino. Temos aqui um exemplo de um fenômeno mais geral
da língua: a forma que chamamos “masculino” é na verdade a
forma não marcada – aquela que aparece quando não há concor-
dância nominal em ação. Assim, em frases como
[27] Está cheio de cachorro no quintal.
[28] Fazer conta de cabeça é chato.
o nominal não qualifica nenhum núcleo em especial, e por-
tanto não tem com quem concordar. Nesse caso, vai automatica-
mente para o masculino, ou seja, a forma não marcada12.
É assim que se deve encarar o fenômeno da concordância no-
minal: em certos casos especiais, é necessário usar a forma mar-
cada (boa, cheia, chata) para concordar com um núcleo igualmente
marcado (isto é, “feminino”); em todos os outros casos, inclusive
quando não há concordância, usa-se a forma não marcada (bom,
cheio, chato).
Assim como o masculino é o gênero não marcado, o singular
é o número não marcado. Isso se vê em casos como
[17] Menina é muito estudiosa.
onde, como vimos, o singular é usado para designar uma en-
tidade genérica. Igualmente, usa-se o singular em casos como
[27] Está cheio de cachorro no quintal.
[28] Fazer conta de cabeça é chato.
Onde, a bem dizer, o número enquanto expressão da quanti-
dade não se aplica.
(PERINI, 2010, 283-285)

O que a abordagem tradicional propõe para a “análise” da


concordância nominal?
Normalmente, as gramáticas tradicionais mencionam que a
concordância nominal se baseia na relação entre um substantivo (ou
pronome, ou numeral substantivo) e as palavras que a ele se ligam
para caracterizá-lo (artigos, adjetivos, pronomes adjetivos, numerais
adjetivos e particípios). Ou seja, a concordância nominal ocupa-se da
relação entre nomes.

12
Não é coincidência os adjetivos virem no dicionário na forma masculina: bom, e
não boa – é a forma não marcada, ou seja, básica, que aparece ali.
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 139
Gramatical

Esses manuais indicam que, normalmente, o substantivo funcio-


na como núcleo de um termo da oração, e o adjetivo, como adjunto
adnominal. Sendo assim, a concordância do adjetivo ocorre de acordo
com a seguinte regra geral:
Os adjetivos, pronomes adjetivos, artigos, numerais e particípios
concordam em gênero e número com o núcleo do sintagma nominal
que determinam, isto é, flexionam-se em gênero e número acompa-
nhando as flexões do elemento substantivo (substantivo, pronome
ou numeral substantivo) a que se referem. Ex:
(304) As mãos trêmulas acusavam o que Maria sentia naquele momento.

Artigo feminino no plural

Substantivo feminino no plural

Adjetivo feminino no plural


Vejamos abaixo um quadro que exemplifica bem essa regra geral:

Figura 1 - Regra geral de concordância nominal. Abaurre e Pontara (2006, p. 494)

Casos especiais
Quando o adjetivo se refere a vários substantivos, a concordância
pode variar e a flexão se dá nos seguintes casos:

a) Adjetivos pospostos aos substantivos


1. Modificam dois ou mais substantivos: quando um ou mais
adjetivos modificam dois ou mais substantivos que os antecedem,
há duas possibilidades de concordância:
• O adjetivo concorda em gênero e número com o substantivo
mais próximo. Nesse caso, entende-se que o adjetivo refere-se
somente a esse substantivo. Ex:
(305) A moça e o rapaz alto passaram na rua nesta semana.
1º Substantivo Adjetivo (masculino, singular)
(fem. Sing.) 2º Substantivo (masculino, singular)
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
140
140 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

(306) A empresa oferece localização e atendimento perfeito.

(307) A empresa oferece atendimento e localização perfeita.


Atenção: Caso os substantivos a serem modificados por um
adjetivo no plural sejam de gêneros diferentes, a concordância
é feita no masculino.
• O adjetivo flexiona-se no plural. Nesse caso, entende-se que o
adjetivo refere-se a todos os substantivos que o antecedem. Ex:

(308) A moça e o rapaz altos passaram na rua nesta semana.

(309) A empresa oferece localização e atendimento perfeitos.

(310) A empresa oferece atendimento e localização perfeitos.


Obs.: os dois últimos exemplos apresentam maior clareza, pois
indicam que o adjetivo efetivamente se refere aos dois substanti-
vos. Nesses casos, o adjetivo foi flexionado no plural masculino,
que é o gênero predominante quando há substantivos de gêneros
diferentes.
2. Modificam substantivos que expressam uma gradação de
sentido: no caso de uma sequência de substantivos no singular cujo
encadeamento constrói a ideia de gradação, o(s) adjetivo(s) pode(m)
ir para o plural ou concordar em número com o substantivo mais
próximo. É bom lembrar que a opção pela concordância no singular
enfatiza a ideia de gradação, pois destaca a última palavra da sequ-
ência. Ex:

(311) As pessoas foram tomadas de emoção, alegria e entusiasmo arrebatadores


naquele dia.

(312) As pessoas foram tomadas de emoção, alegria e entusiasmo arrebatador


naquele dia.

b) Adjetivo anteposto aos substantivos.


Modificam dois ou mais substantivos: o adjetivo concorda em
gênero e número com o substantivo mais próximo. Ex:
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 141
Gramatical

(313) Encontramos caídas as roupas e os prendedores.

(314) Encontramos caída a roupa e os prendedores.

(315) Encontramos caído o prendedor e a roupa.

(316) Eu corria pelos vastos prados e campinas quando criança.



Adjetivo 1º Substantivo 2º Substantivo
(masc, plural) (masc. plural) (fem. plural)

(317) Eu corria pelas vastas campinas e prados quando criança.



Adjetivo 1º substantivo
(fem. plural) (fem, plural)
Modificam dois ou mais nomes próprios ou de parentesco: o(s)
adjetivo(s) deve(m) flexionar-se no plural.

(318) As extraordinárias Marília Pera e Fernanda Montenegro são atrizes


incomparáveis.
Adjetivo 1º nome próprio 2º nome próprio
(fem. plural) (fem. singular) (fem. singular)

c) Adjetivos na função de predicativo.


Quando o adjetivo desempenha a função sintática de predica-
tivo de um sujeito ou objeto cujo núcleo é ocupado por mais de um
substantivo, deve flexionar-se no plural. Ex:

(319) A mulher e o homem pareciam motivados depois da viagem.

1º núcleo 2º núcleo Predicativo do sujeito

Sujeito composto
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
142
142 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

(320) Alguns alunos julgaram difíceis a P.S. e o Exame desta disciplina.



1º núcleo 2º núcleo
Predicativo do objeto
Objeto direto do verbo julgar

Dúvidas freqüentes:
Obrigado(a)

Para compreender por que o particípio obrigado deve sempre


concordar com quem agradece, precisamos lembrar que a expres-
são muito obrigado(a) deve ser entendida como “eu estou muito
obrigado(a) a você” (isto é, algo que você fez em meu favor, ou
algo que me deu de presente, me deixa com alguma obrigação em
relação a você).
Atenção: na expressão muito obrigado, o particípio obrigado é
usado com valor adjetivo e, por isso, deve concordar em gênero e
número com o gênero da pessoa que fala. Portanto, se o agrade-
cimento parte de uma mulher, a expressão deve assumir a forma
feminina; se parte de um homem, deve assumir a forma masculina.
Veja o exemplo:

Figura 10 - ABAURRE; PONTARA (2006, p.497).

O particípio obrigado, na fala de Hagar, aparece no masculino.


Isso acontece porque o referente desse termo é o próprio viking (o
personagem principal), que se afirma “obrigado” a alguém. No
caso, é como se ele se afirmasse “obrigado” aos donos do castelo
que acabou de saquear. Trata-se de um comportamento inespera-
do, porque é como se ele ficasse agradecido por ter tido a oportu­
nidade de roubá-los.
(ABAURRE; PONTARA, 2006, p.497)
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 143
Gramatical

Menos

A palavra menos é sempre invariável, tanto na sua função de


pronome adjetivo indefinido (modificando substantivos) como na
função de advérbio (modificando adjetivos). Ex:
Substantivo (fem. plural)

[1] Depois das explicações, os alunos ficaram com menos dúvidas.

Pronome adjetivo indefinido


(invariável)
Adjetivo (fem. singular)

[2] Andreia é menos ocupada do que a irmã.

Advérbio de intensidade
(invariável)
De olho na fala: falantes de uma variedade linguística de
menor prestígio costumam estabelecer a concordância de gêne-
ro entre o termo menos e o substantivo ou adjetivo ao qual está
associado. É muito comum ouvirmos, por exemplo, algo como
Tinha menas pessoas no jogo ontem do que no da semana passada.
Como vimos, essa é uma concordância vetada pela Gramática
Normativa.
Recentemente, porém, passou-se a utilizar na modalidade
culta coloquial o termo menas com um valor irônico ou jocoso. Esse
uso, inspirado nas construções descritas acima, ocorre sempre que
desejamos reprovar o comportamento exagerado de alguém. É
importante notar que esse é um fenômeno exclusivo da fala e que
o termo aparece isolado, sem modificar adjetivos ou substantivos,
usado com valor de interjeição. É o que ocorre, por exemplo, na
tira abaixo.

Figura 11 - (fonte: Abaurre e Pontara, 2006, p. 498)


LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
144
144 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

Para evidenciar o quanto esse termo é desprestigiado social-


mente, veja a charge abaixo sobre o Ex-presidente Lula:

Figura 12 - (Fonte: piadavisual.blogspot.com. Acessado em 12 de julho de 2011)

Na charge abaixo podemos verificar o desprestígio social pela


não concordância nominal em “todas as coisa” e também pelo
termo “menas”:

Figura 13 - (fonte: claudiolessa.com. Acessado em 12 de julho de 2011)

Mesmo/próprio

Os chamados pronomes de reforço, mesmo e próprio, devem


concordar em gênero e número com a pessoa a que fazem refe-
rência. Ex:

[1] Foram os jogadores mesmos que pediram a saída do técnico.

Substantivo pronome
(fem. Plural) (Fem. Plural)
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 145
Gramatical

Meio

A palavra meio pode atuar como um numeral ou como um


advérbio, a depender da palavra que modifica. Quando determina
um substantivo, ela funciona como um numeral adjetivo, devendo,
portanto, concordar em gênero com o substantivo. Ex:

Figura 14 - (Fonte: http://www.ivoviuauva.com.br/o-encantamento-de-cinderela/.


Acessado em 26 de julho de 2011)

No quadrinho acima, podemos ver que a palavra meia é usadas


como numeral adjetivo, qualificando a palavra noite, ou seja, trata-
-se da metade da noite e como a palavra noite é feminina, o numeral
deve concordar com ela indo para o feminino. Se disséssemos meio
noite, a frase adquiriria outro sentido, ou seja, o sentido de que está
um pouco noite.
Vejamos a seguir que as palavras meio e meia são usadas como
numeral adjetivo, concordando em gênero com o substantivo que
determina.
(Feminino) (Masculino)
Substantivo Substantivo

[1] Meia caneca de café, meio ovo e uma torrada dura é o suficiente
para passar a manhã.

Numeral Numeral
Adjetivo Adjetivo
(feminino) (Masculino)
Quando modifica um adjetivo, sua função é de advérbio e,
nesse caso, é invariável. Ex:
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
146
146 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

[2] Maria é meio desatenta.

Advérbio Adjetivo
(invariável) (feminino)
[3] Eu estou meio cansada.
[4] Ela é meio louquinha.
[5] Joana está meio gordinha.
[6] Você é meio baixinha.

Bastante

A palavra bastante também pode funcionar como adjetivo ou


advérbio, dependendo da palavra que ela modifica. Quando modi-
fica um substantivo, ela tem valor de adjetivo, devendo concordar
em número com o substantivo a que se refere. Ex:
[1] Compramos bastantes roupas no shopping.

Adjetivo Substantivo
(plural) (plural)
Quando modifica um adjetivo, sua função é de advérbio sendo,
portanto, invariável. Ex:
[2] Achei bastante difíceis aquelas provas.

Advérbio Adjetivo
(invariável) (feminino, plural)

Anexo/incluso

Os adjetivos anexo e incluso devem concordar com o substan-


tivo que modificam. Ex:
[1] A cópia anexa do documento deve ser guardada.

Substantivo Adjetivo
(feminino, singular) (feminino, singular)
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 147
Gramatical

[2] Os certificados inclusos devem ser assinados.

Substantivo Adjetivo
(Masculino, plural) (Masculino, plural)

É proibido/ é bom/ é necessário

As expressões como é proibido, é bom, é necessário costumam


criar problemas para alguns falantes da língua que não sabem
se os adjetivos proibido, bom e necessário devem concordar com o
substantivo que modificam.
Há duas possibilidades:
a) o substantivo que atua como núcleo do sujeito da oração
vem precedido de artigo ou outro elemento determinante.
Nesse caso, o adjetivo deve concordar, em gênero e número,
com o substantivo. Ex:
[1] A cautela é sempre necessária para se viver bem.

Artigo Substantivo Adjetivo


(fem. Sing.) (núcleo do sujeito) (feminino, singular)
(feminino singular)

[2] A entrada de animais é proibida nos parques


de Campo Grande.
Artigo Substantivo Adjetivo
(fem. Sing.) (núcleo do sujeito) (feminino, singular)
(feminino, singular)

[3] A torta de banana da minha vó é boa.

Artigo Substantivo Adjetivo


(fem. Sing.) (núcleo do sujeito) (feminino, singular)
(feminino, singular)
b) o substantivo que atua como núcleo do sujeito da oração não
é precedido por qualquer elemento que o determine. Nesse
caso, o adjetivo deve permanecer no masculino singular. Ex:
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
148
148 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

[4] É proibido bebida alcoólica.

Adjetivo Substantivo
(masculino, singular) (núcleo do sujeito)
(feminino, singular)
O mesmo acontece no caso abaixo:

Figura 15 - (fonte: towbar.com.br. Acessado em 26 de julho de 2011)

No cartaz abaixo, muito comum em lugares fechados, vemos que


a expressão é proibido é seguida de um verbo no infinitivo fumar e
também permanece do masculino plural.

Figura 16 - (fonte: visualrponline.com.br. Acessado em 26 de julho de 2011)

O que dizem as pesquisas de cunho descritivo?


A concordância nominal (e também a verbal) vem sendo bastante
discutida por todos os que se interessam pela história do português do
Brasil. Nas mais recentes pesquisas, a perda de morfologia flexional e
de regras de concordância vem sendo interpretada como decorrente
de um processo de transmissão linguística irregular. Para Lucchesi
(2003), tal fato teria sido desencadeado pelo contato do português
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 149
Gramatical

com as diversas línguas africanas e indígenas que coexistiram no


país a partir da fase de seu povoamento. Já para Naro & Scherre
(2003), consistiria no desenvolvimento de tendências existentes na
deriva da língua de Portugal. Em outras palavras: de acordo com a
primeira perspectiva, o processo de transmissão linguística irregular
teria originado, no Brasil, novos processos de variação e mudança,
enquanto que, de acordo com a última, o que ocorreu foi a ampliação
de fenômenos já previstos no sistema.
De acordo com Brandão (2009), foi a partir da década de 1980
que ganharam força os diversos estudos sobre a concordância de
número no sintagma nominal, entre eles ela destaca os de Scherre
(l998; 1989a; 1989b; 1991; 1992; 1994; 1996; 2005), que tem se dedica-
do especialmente ao tema.
O que a autora observa nessas pesquisas, diferentemente do
que faz supor a chamada Gramática Normativa, é uma grande va-
riedade de padrões de concordância, tendo em vista o diversificado
número de constituintes que pode compor o sintagma nominal (SN)
e, ainda, outros fatores linguísticos e extralinguísticos que a condi-
cionam.
A autora salienta que para focalizar essa questão é necessário
levar em conta os aspectos ligados mais propriamente à estrutura do
SN (para citar apenas os mais relevantes), os relativos a alterações
morfofonológicas decorrentes do mecanismo de flexão, às caracte-
rísticas dos falantes (sexo, idade, nível de escolaridade, área de ori-
gem ou de residência – urbana, rural), à situação de intercomunica-
ção (formal, informal), à modalidade de língua (falada, escrita), etc.
Nas palavras da autora, o SN é uma construção sintática
que contém um elemento central ou nuclear – o Nome, que
pode ser seu único constituinte, como no exemplo a seguir:
(321) Vou comprar livros.
e outros elementos, como quantificadores e determinan-
tes, como no exemplo a seguir:
(322) Alguns alunos não fizeram a prova.
ou sintagmas adjetivais, com em:
(323) Indiquei livros didáticos.
preposicionais, como em:
(324) Indiquei livros de linguística.
e oracionais, como em:
(325) Indiquei livros que tratam desse tema.
Desses constituintes, a autora trata, em particular, pelo fato de
apresentarem flexão de número ou indicarem pluralidade, três classes:
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
150
150 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

(a) a que ocupa, categórica ou usualmente, posição à esquerda


do núcleo – a dos determinantes, composta por artigos, de-
monstrativos e possessivos;
(b) a dos quantificadores que inclui vocábulos que exprimem di-
ferentes tipos de quantificação;
(c) a dos adjetivos que pode ocorrer a direita ou a esquerda do
núcleo, como no exemplo a seguir:
(326) Comprei um livro interessante.
(327) Comprei um interessante livro.
Pelo fato de esses tipos de vocábulos estarem comprometidos
morfossintaticamente com um elemento nuclear (o Nome), por ocu-
parem uma determinada posição (fixa ou não) no SN, por alguns
deles poderem coocorrer à esquerda ou à direita do núcleo, a classe
da palavra e a sua posição linear no sintagma são variáveis importantes
para o estabelecimento de padrões de concordância nominal, vistas
individual ou conjuntamente (BRANDÃO, 2009. p. 64).
Também importante para a compreensão do fenômeno é a
maior ou menor identidade entre as formas singular e plural dos vo-
cábulos, o que, no âmbito das pesquisas linguísticas, é caracterizado
como princípio da saliência fônica, proposto por Lemle e Naro (1977)
e já mencionado quando tratamos de concordância verbal.
Para melhor esclarecer a questão, Brandão (2009) apresenta,
no quadro a seguir, a escala proposta por Scherre (1988: 75-6), em
que os itens 1 e 6 representam, respectivamente, o maior e o menor
grau de saliência fônica. A autora ressalta que a importância desse
princípio reside no fato de as formas menos marcadas, isto é, aque-
las em que a diferença fônica entre a forma singular e plural reside
apenas na presença do morfema de número – como em menin[u] /
menin[usS] –, serem mais suscetíveis a não apresentar a marca de
número quando no plural (Ela levou os menino pra escola) do que as
mais marcadas – como [o]v[u] / [ó]v[usS] ou cora[ção] / cora[ções]
– em, por exemplo, respectivamente Comprou os ovos no mercado e
Desenhou uns corações no caderno.
Vejamos o quadro de Scherre (1988, APUD BRANDÃO, 2009 –
adaptado):

1. Marca dupla de plural Jornaizinhos, ovos

2. Itens terminados em –l Casal/casais


-
Saliência 3. Itens terminados em –ão Irmão/irmãos, coração/corações
Fônica 4. Itens terminados em –r Mulher/mulheres
+
5. Itens terminados em –s Português/portugueses
6. Itens terminados em
Filho/filhos, homem/homens
vogal oral ou nasal
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 151
Gramatical

Várias pesquisas têm sido feitas para testar esse princípio da


saliência fônica e também, estudos sobre a concordância no SN vêm
procurando testar um outro princípio, o paralelismo formal que con-
siste na ideia de que marcas levam a marcas e zeros levam a zeros. O que
isso significa?
Significa que uma vez presente, por exemplo, o morfema (a
marca) –S, de plural, num constituinte do SN, este poderia condi-
cionar a presença do morfema no elemento seguinte, o mesmo ocor-
rendo em relação à marca zero, ou –Ø, conforme podemos verificar
nos exemplos a seguir:
(328) TodoS oS meuS alunoS leram o livro.
(329) Comentei o livroØ didáticØ.
Ainda de acordo com Brandão (2009), outras variáveis linguís-
ticas também devem ser consideradas para a compreensão da va-
riabilidade de padrões de concordância, tais como tonicidade do item
no singular e contexto fonológico subseqüente, embora as mencionadas
anteriormente venham se mostrando as mais relevantes para a com-
preensão do fenômeno.
Já entre as variáveis de natureza extralinguística, a autora res-
salta o nível de escolaridade do falante, que, no Brasil, está intimamen-
te relacionado ao seu status social, ou seja, quanto mais escolarizado
e “rico” for o falante, maior as ocorrências de concordância nominal
canônica em sua fala.
Para discutir e melhor ilustrar a questão, a autora toma por
base, inicialmente, resultados obtidos por Almeida (1997) e Brandão
& Almeida (1999) em pesquisas realizadas com indivíduos analfa-
betas e de baixo índice de escolaridade (no Maximo a quarta série
do ensino fundamental) em zonas rurais do Rio de Janeiro, que tra-
tam o fenômeno de forma binária: presença de marca formal de número
plural x ausência de marca formal de número plural, já que a questão é
complexa em decorrência de diferentes constituintes do SN pode-
rem receber marca (morfema) de número.
A autora justifica a opção inicial pelos dois referidos estudos
devido ao fato de se acreditar que a fala desses indivíduos serve
bem de exemplo do que se denomina de norma oral popular – a
da grande maioria da população brasileira – e constitui excelente
amostragem dos padrões que chegam hoje às escolas e que vêm sus-
citando tanta polêmica, por vezes por falta de compreensão de sua
dinâmica e sistematicidade.
O estudo de Almeida (1997), mencionado por Brandão (2009),
contou com um total de 4.784 vocábulos suscetíveis de receber mar-
ca de número, distribuídos por 2.865 SNs, dos quais 2.544 formados
por dois constituintes – a combinação mais produtiva.
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
152
152 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

Verificou-se que é muito alta a freqüência de cancelamento da


marca de número no núcleo do SN (87%), em contraste com índices
referentes a determinantes e quantificadores em conjunto (4%) e aos
modificadores (21%).
A autora adverte que esses dados devem ser relativizados por-
que indicam apenas uma tendência geral que “mascara” uma série
de condicionamentos que se entrecruzam e geram diferentes com-
binações de itens marcados/não marcados quanto ao número. Isso
porque, embora antes do núcleo possam ocorrer mais de três consti-
tuintes passíveis de flexão, como no exemplo:
(330) [Todos os nossos últimos bons momentos naquela casa] foram
registrados.
a grande maioria dos SNs que constituíram a amostra de Al-
meida contém apenas dois elementos conforme está exemplificado
a seguir:
(331) As escamas são tipo uma prata.
(332) A gente pesca em outras lagoa.
(333) Ele têm três barco.
Nesses sintagmas, ora todos os constituintes flexionáveis apre-
sentam marca, ora apenas o primeiro deles, devendo-­se ressaltar
que, quando ocorre na posição pré-nuclear um numeral, é pratica-
mente categórico o cancelamento da marca formal de número no
Nome, ou seja, a não concordância.
A autora ressalta que maior complexidade apresentam os SNs
de mais de dois elementos, conforme os exemplos a seguir que apre-
sentam três constituintes
(334) As espinhas miúdas.
(335) Uns barco novo.
(336) Esses três tipo.
(337) Umas nuvens cinzenta.
(338) Aquelas onda perigosa.
(339) As guelra vermelha.
(340) Todos os ponto.
(341) Todos esses dia.
(342) As própria rede.
(343) Dois filho meu.
(344) Três outro barco.
e os SNs formados de quatro constituintes
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 153
Gramatical

(345) Todos os peixes iguais.


(346) Os dois melhor mês.
(347) Aqueles cantinho mais manso.
(348) Nas parte mais baixa.
(349) Uns vinte ano passado.
Como vemos, além da possibilidade de todos os elementos fle-
xionáveis apresentarem marca, há outros padrões de significativa
variedade, a saber:
(a) No constituinte nuclear, no Nome, a marca de plural ora
pode ser implementada, como nos exemplos [245, 248 e 256] (As es-
pinhas miúdas. Umas nuvens cinzenta. Todos os peixes iguais.), ora
cance1ada, como nos demais exemplos, que é o que predomina no
corpus da autora.
(b) No que se refere aos constituintes à esquerda do Nome, há
diferentes padrões:
(i) havendo apenas um constituinte pré-nuclear flexionável na
posição 1, ele recebe marca, como nos exemplos [245, 250, 258 e
260] (As espinhas miúdas. As guelra vermelha. Aqueles cantinho
mais manso. Uns vinte ano passado).
(ii) ocorrendo dois constituintes pré-nucleares flexionáveis, o
que está na posição 1 recebe marca e o que está na posição 2
pode recebê-la, como nos exemplos [251 e 252] (Todos os ponto.
Todos esses dia), ou não, como no exemplo [253] (As própria
rede), embora a primeira seja a opção mais usual;
(iii) se o constituinte pré-nuclear se encontra na posição 3, a
norma é o cancelamento como no exemplo [257] (Os dois me-
lhor mês).
(c) Nos constituintes à direita do núcleo, isto é, pós-nucleares,
o padrão é o cancelamento da marca de número, conforme se ve-
rifica nos exemplos [246, 248, 250, 254, 258 e 260] (Uns barco novo.
Umas nuvens cinzenta. As guelra vermelha. Dois filho meu. Aqueles
cantinho mais manso. Uns vinte ano passado).

De acordo com a autora, devemos observar ainda que:


1. havendo um quantificador numérico em qualquer das po-
sições pré-nucleares, este condiciona a não-realização do mor-
fema de plural no elemento seguinte, como em (Esses três tipo.
Dois filho meu. Três outro barco. Os dois melhor mês. Uns vinte
ano passado);
2. Estando o Nome na primeira posição, é quase categórica a
presença do morfema, como em (Tem lugares fundo).
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
154
154 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

Em outro estudo, Almeida e Brandão (1999) restringiram a aná-


lise aos 321 SNs de três e quatro constituintes que ocorreram no cor-
pus do trabalho de Almeida (1997), controlando os dados com base
em uma variável em que se cruzaram a distribuição do constituinte,
sua posição no SN e o tipo de marcas precedentes. O mais interessante é
que essa variável foi a que se mostrou a mais relevante para o cance-
lamento da marca de número, ou seja, a não concordância.
Com isso, as autoras puderam perceber que os constituintes
pré-nucleares tendem a ser enunciados com a marca de número
(concordância) e os constituintes nucleares e pós-nucleares a não
apresentar a marca (não concordância), por vezes, de forma cate-
górica e independentemente de haver ou não marcas formais e/ou
semânticas anteriormente expressas.
Levando em consideração apenas a distribuição dos constituin-
tes, ou seja, a ordem em que eles ocorrem, as autoras encontraram
os seguintes percentuais para o cancelamento da marca de concor-
dância: 6,5% nos elementos pré-nucleares, 82% nos nucleares e 89%
nos pós-nucleares.
Vocês podem visualizar melhor esses resultados no gráfico a
seguir:

Gráfico 1: Escala, com base em pesos relativos, de probabilidade de ocorrência da


marca de número nos constituintes pré-nucleares (PréN), nucleares (N) e pós-nu-
cleares (Pós-N) de SNs de três a quatro elementos, segundo sua posição (BRAN-
DÃO, 2009, p.68)

A autora observa que, pelo gráfico, pode-se verificar que o


princípio do paralelismo formal atua de uma maneira à esquerda
do núcleo – marcas levam a marcas – e de outra, a sua direita –
zeros levam a zeros. Em resumo, antes do elemento nuclear, os
constituintes tendem a receber o morfema de número. Depois do
núcleo, em geral não-marcado, os constituintes tendem a não apre-
sentar o morfema, sobretudo se próximos a ele, por influência do
próprio núcleo.
Quanto à atuação da variável escolaridade, ou seja, até que pon-
to a escolaridade influencia na concordância, a autora compara o
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 155
Gramatical

gráfico acima ao gráfico 2 de Scherre (1997) que diz respeito ao uso


da marca de número nos elementos do SN levando em conta a posi-
ção do constituinte em sua relação com o núcleo. Scherre trata des-
se assunto estudando três grupos de falantes da cidade do Rio de
Janeiro: os de 1 a 4, os de 5 a 8 e os de 9 a 11 anos de escolarização,
analisando-os separadamente e em conjunto. Vejamos os resultados
a que ela chegou:

Gráfico 2 - Elaborada por Scherre para retratar aspectos da concordância de núme-


ro do SN com base em pesos relativos (1997 apud BRANDÃO, 2009, p. 69)

A autora menciona que, embora haja diferença entre os cor-


pora das duas pesquisas, a tendência que prevalece é a de marcar
os elementos mais à esquerda, comportamento comum a todos
os falantes, em maior ou menor grau. Ela também verifica que é
pequena a diferença entre os indivíduos menos escolarizados (1
a 4 anos) e os mais escolarizados (9 a 11 anos). Quando se trata
do núcleo em segunda posição, por exemplo, a diferença entre
os dois grupos é de apenas 0,04, e, quando se trata dos cons-
tituintes à direita do núcleo na segunda posição, são os mais
escolarizados os que menos utilizam a marca de número (con-
cordância).
Na tabela a seguir, leva-se em conta o desempenho dos falantes
sem considerar a escolaridade e, como a autora observa, qualquer
tipo de constituinte à esquerda do núcleo tende a ser marcado, in-
versamente ao que ocorre com os posicionados à sua direita. Isso
significa que os determinantes pré-nucleares apresentam majori-
tariamente a marca de plural (1ª posição: 98%, p.r.0.88, 2ª posição:
95%, p.r.0.86), mas, quando os determinantes são pós-nucleares, po-
sição menos usual ou menos comum, o que se observa é a tendência
ao cancelamento da marca de plural (2ª posição: 47%, p.r.0.21, nas
demais posições: 23%, p.r. 0.09)
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
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156 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

Tabela 1 - Tabela adaptada da tabela 5 de Scherre (1997), com percentuais e pesos


relativos referentes à presença do morfema de número nos diferentes tipos de cons-
tituintes segunda a posição no SN (BRANDÃO, 2009, p. 70)

Por fim, a autora ressalta que os padrões de concordância no


âmbito de SNs de três ou mais constituintes suscitam algumas re-
flexões, pois, tradicionalmente, costuma-se dizer que, na chamada
variedade popular, o mecanismo de concordância é simplificado,
econômico, porque se eliminam marcas desnecessárias por serem
redundantes. No entanto, do ponto de vista cognitivo, a autora
observa que é um processo mais complexo do que aquele utiliza-
do pelos falantes cultos, que tendem a aplicar todas as marcas nos
constituintes flexionáveis do SN. Isso significa dizer que, para estes
últimos, basta ter a noção do conjunto – o SN como um todo – para
acrescentar, mecanicamente, a cada constituinte flexionável a mar-
ca de plural. Para os demais falantes, a operação é mais complexa
porque não basta ter somente a noção de conjunto, mas também de
nele depreender dois subconjuntos: o que se encontra à esquerda do
núcleo e o que nele se inicia. No primeiro, normalmente aplicará as
marcas; no último, poderá deixar de aplicá-las.

4.2 A Regência

Figura 18 - (fonte: Abaurre e Pontara, 2006, p.524).


EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 157
Gramatical

O que é regência?
Podemos verificar nesta tira que quando o personagem Estra-
nho corrige a fala de Hagar, está destacando a necessidade da pre-
sença de uma preposição “de” entre a expressão “estar a fim” e seu
complemento.
É bom lembrar que a construção usada por Hagar “sempre con-
[Leandro39] Comentário: A
sigo o que estou a fim” é comum na oralidade, em registros menos rigor, não há erro nessa frase.
formais da língua. Sendo assim, não usar a preposição que deveria, A regência de “conseguir” é
direta, então “consigo o que
de acordo com a gramática normativa, anteceder o pronome relativo estou a fim” está certo. Já se
quisermos colocar “consigo
não chega a ser considerado um “erro de gramática”. Na verdade, aquilo que estou a sim”, aí
sim haveria um problema
muitas pessoas não são capazes de perceber essas variações de re- pelo desrespeito à regência
da expressão “estar a fim”.
gência, pois se trata de uma estrutura típica da fala. Entretanto, na
escrita formal, espera-se que as relações entre as palavras obedeçam
a critérios de subordinação entre os termos. São esses critérios que
definem o conceito gramatical de regência.
Vejamos a definição de regência trazida pela Gramática Descri-
tiva do Português (PERINI, 2009):

O fenômeno da regência
As estruturas sintáticas se com­põem de constituintes orga-
nizados em orações segundo certos princí­pios. Um desses princí-
pios é o de que cada constituinte tem uma fun­ção sintática dentro
da oração ou do sintagma a que pertence [...] vimos que cada fun-
ção é definida por um tipo de comportamento sintático particular
– assim, um sujeito se comporta sintaticamente de manei­ra dife-
rente de um adjunto adver­bial, por exemplo.
Agora vamos abordar outro as­pecto da organização sintática
das orações, que diz respeito, grosso mo­do, à propriedade de muitos
itens lé­xicos de estipular certos traços da es­trutura em que ocor-
rem. Assim, por exemplo, se construirmos uma ora­ção cujo NdP
(núcleo do predicado) é desempenhado pelo verbo gostar, teremos
de incluir tam­bém um adjunto circunstancial pre­cedido da prepo-
sição de. A ausência de tal preposição com o complemen­to causa
inaceitabilidade:
(1) a. Todo gato gosta de sardinha.
b. * Todo gato gosta sardinha.
Esse fenômeno é tradicionalmente expresso dizendo-se que o
verbo gostar exige a presença de de antes de seu complemento.
Essa relação é assimétrica, pois evidentemente não se pode-
ria dizer que a preposição é que exige o ver­bo, já que de ocorre em
muitas cons­truções sem gostar. Diremos, então, que o verbo gostar,
na frase (1 a), rege o complemento (no sentido de que faz exi-
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
158
158 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

gências quanto a sua presença e/ ou sua forma); diz-se também


que gostar é o termo regente, e o adjunto circunstancial com de é o
termo regi­do. Temos aí, portanto, um exemplo do fenômeno da
regência.
A relação termo regido/termo regente se manifesta de formas
bas­tante variadas; em todos os casos, en­tretanto, pode-se distin-
guir um com­ponente comum, a saber, um item léxico (termo re-
gente) estipulando certos traços da estrutura. A seguir, vou dar
uma série de exemplos, que deverão deixar mais clara essa noção.
(a) Os verbos fazem exigências quan­to à presença de certos ter-
mos em sua oração. Assim, o verbo fazer “exi­ge” a presença de um
objeto direto; tanto é assim que se pode dizer
(2) O gato faz barulho de noite.
mas não
(2) *Gato faz de noite.
Há também verbos que “recu­sam” certos termos: o verbo nas-
cer não pode nunca ter objeto direto, ao passo que morrer pode,
pelo menos em certos casos:
(4) * Ele nasceu um nascimento tranquilo.
(5) Ele morreu uma morte tranquila.
E há, naturalmente, muitos ver­bos que aceitam livremente a
presen­ça ou ausência de certos termos. Por exemplo, comer pode
ocorrer com ou sem objeto direto, à vontade:
(6) Meu gato já comeu todo o mingau.
(7) Meu gato já comeu.
Este tipo particular de regên­cia se denomina transitividade
ver­bal [...]
(b) Assim como os verbos, também itens de outras classes
podem fazer exigências quanto à presença de complementos. A
palavra favorável aceita um complemento do sintag­ma adjetivo
(CSA), como em
(8) Minha decisão foi favorável à publicação do seu artigo.
Já o item livresco, por exemplo, aceita complemento semelhante.
Outro exemplo é a palavra favoravelmente, que admite um com-
plemento em
(9) Decidi favoravelmente à publicação seu artigo.
ao passo que estupidamente nunca ocorre com complemento.
Em casos como os de favoravelmente, livresco e estupidamente falamos
de transitividade nominal . Trataremos da transitividade nominal [...]
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 159
Gramatical

(c) Tanto no caso da transitividade verbal quanto no da nomi-


nal, a regência do termo regente não se limita sempre à presença
de algum complemento. O termo regente pode estipular certos
traços da forma desse complemento; tipicamente, o termo regente
exige a presença de preposição específica. Assim, para manter os
exemplos acima, o complemento de gostar vem com a posição de;
o de comer vem sem posição; o de favorável vem com preposição a, e
assim por diante.
(d) Os verbos podem também fazer certas exigências con-
cernentes à forma das orações que lhes são subordinadas. Essas
exigências podem respeito ao modo do verbo da subordinada, ou
então ao tipo de subordinada: com que ou com infinitivo, exemplo.
Assim, uma oração que parte do objeto direto de determinar deve ser
introduzida por que e ter o verbo no subjuntivo; não é acei­tável um
objeto direto com oração indicativo ou infinitivo:
(10) a. Ele determinou que todos se ca­lassem.
b. * Ele determinou que todos se calam/ calaram.
c. *Ele determinou todos se calarem.
Já com o verbo comentar o obje­to direto pode ocorrer com ora-
ção introduzida por que e indicativo, ou, então, com oração de in-
finitivo, mas com oração de subjuntivo:
(11) a. O jornal comentou que o governo está perdido.
b. *O jornal comentou que o gover­no esteja perdido.
c. *O jornal comentou o governo estar perdido.
[...] Alguns itens não verbais (tradicionalm­ente classificados
como “ad­vérbios”) fazem exigência quanto ao modo da oração a
que pertencem. Em geral, essa exigência é condicionada à posição
do advérbio, de tal que o efeito só se faz sentir se o verbo vier de-
pois do advérbio na oração:
(12) a. Eu talvez vá à Argentina este ano.
b. Eu irei à Argentina este ano, talvez.
Essas cinco categorias cobrem a maior parte dos fenômenos
comu­mente denominados “de regência”. Há outros casos, en-
tretanto, que apresentam semelhanças com esses e poderiam, a
rigor, ser considerados também como manifestações da re­lação
de regência. Pode-se mencio­nar a rede de compatibilidades que
funciona dentro (e em torno) do sintagma nominal. Por exemplo,
a presença de um predeterminante anteposto exige a presença de
um de terminante, como em
(13) a. Todos os homens/todos esses homens
b. * Todos homens/* todos quatro homens.
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
160
160 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

Fenômenos de regência são muito numerosos na língua e


nem sempre se reconhecem como tais.
Perini (2009, p.159-161)

Qual a definição de regência trazida pela Gramática Norma-


tiva?
Veja algumas definições trazidas em diferentes tipos de gramá-
ticas e manuais escolares:

Regência é a parte da gramática que trata das relações entre os


termos da frase, verificando como se estabelece a dependência en-
tre eles.
Gramática escolar. (TERRA, 2006, p.365)

Dá-se o nome de regência à relação de subordinação que ocorre


entre um verbo (ou um nome) e seus complementos. Ocupa-se em
estabelecer relações entre as palavras, criando frases não ambíguas,
que expressem efetivamente o sentido desejado, que sejam corretas
e claras.
Fonte: http://www.soportugues.com.br/secoes/sint/sint61.php.
Acessado em 12/08/2011

Regência é a relação que se estabelece entre duas palavras, por


meio ad qual uma das palavras se subordina à outra, funcionando
como seu complemento. Diz-se que as palavras que dependem
de outras são por elas regidas. As palavras que têm o poder de
reger outras palavras são as regentes. A língua prevê dois tipos
de regência, a depender dos termos que se subordinam. A regên-
cia nominal, estabelecida entre nomes e seus complementos. E a
regência verbal, estabelecida entre verbos e seus complementos.
(ABAURRE e PONTARA, 2006, p.525)

A sintaxe de regência trata das relações de dependência das pala-


vras na oração e das orações no período. Num período os termos
regentes (nomes, verbos) reclamam outros (termos regidos ou su-
bordinados) que lhes integrem o sentido. (...) Os termos regidos
(...) geralmente prendem-se aos regentes por meio das preposi-
ções. A regência é verbal ou nominal, conforme se trate de com-
plementos de verbos ou de nomes.
(CEGALLA, 1977, p. 72)
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 161
Gramatical

Regência é uma relação de dependência entre duas palavras numa


construção, na qual uma (a regida) complementa a outra (a regen-
te); p.ex., o verbo rege os sintagmas nominais completivos (objeto
direto ou indireto e complementos adverbiais).
Dicionário Houaiss da língua portuguesa (LUFT, 1996, p.27)

Muitas vezes, justifica-se o estudo da regência afirmando-se que


aprender regência verbal, por exemplo, permite que se saiba que
preposição é usada com determinado verbo, ou em que situações
um verbo pode ser usado como transitivo direto, transitivo indireto,
bitransitivo, pronominal etc. Nesse sentido, aprender regência no-
minal significa aprender a relação de dependência entre um nome
(substantivo, adjetivo e advérbio) e seu complemento nominal.
É importante mencionar que a regência de um verbo ou de um
nome em uma língua não é a mesma em outra. Exemplos de regência
verbal: em português, diz-se “parabenizar por”, mas em inglês se diz
“congratulate on”; em inglês, o verbo “to watch” é transitivo direto
(to watch a tv show [sem preposição]) e equivale ao verbo português
“assistir”, que é transitivo indireto (assistir a um programa de tv).
Exemplos de regência nominal: em alemão, se diz “ich habe Angst
vor Hunden”, enquanto em português se usa “eu tenho medo de ca-
chorro”; em inglês se fala “love of the arts”, mas em português se diz
“amor às artes”. São esses detalhes da língua portuguesa (mas sem
a relação com outras línguas) que os dois dicionários de regência de
Celso Luft ajudam a aprender. Conhecimentos indispensáveis para
quem quer escrever formalmente e de acordo com a norma padrão.
Nesta seção, vamos estudar somente alguns aspectos da regên-
cia verbal (que é mais conhecida), dando atenção especial a alguns
verbos; e a regência nominal da qual trataremos brevemente13.

4.2.1 A Regência Verbal


Veja um exemplo:

Figura 19 - (fonte: Abaurre e Pontara, 2006, p.529).

13
Anexo a este livro há uma lista de regências de alguns verbos e nomes para ser
consultada, em caso de dúvidas.
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
162
162 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

De acordo com Abaurre e Pontara (2006, p.529), na frase “Espero


que Helga tenha esquecido aquela discussão”, o verbo esquecer é transi-
tivo direto e, como tal, pede um objeto direto como complemento,
não exigindo preposição.
Porém, se esse verbo aparecer em sua forma pronominal, deve-
rá ter seu objeto precedido pela preposição de, como por exemplo:
Quase me esquecia do compromisso que assumi com você!
As autores advertem que há uma outra construção, de uso qua-
se que exclusivamente literário, com o verbo esquecer-se, pronomi-
nal. Trata-se de uma construção em que os termos que costumam
funcionar como complemento (objeto direto ou indireto) deste ver-
bo passam a funcionar como seu sujeito, o que atesta a concordância
no plural. Ex:

Esqueceram-me todas as desavenças e passei a gostar de Ricardo.

Aqui é sujeito do verbo pronominal, em uma cons-


trução que deriva de esqueci-me de todas as desa-
venças
OBS: Uma construção muito frequente com o verbo esquecer, na
fala, é o resultado da combinação das suas duas regências. Assim,
em lugar de dizerem esqueci os compromissos ou esqueci-me dos com-
promissos, as pessoas dizem esqueci dos compromissos. Embora seja um
uso perfeitamente aceitável na modalidade coloquial oral, deve ser
evitado na escrita formal (ABAURRE e PONTARA, 2006, p.529).

O que os manuais didáticos costumam dizer sobre a regência


verbal?
Em uma consulta simples à internet, você pode digitar regência
verbal no Google e vários sites dedicados ao ensino de português
(gramática) vão aparecer, como, por exemplo: www.brasilescola.
com, www.soportugues.com.br, pt.wikipedia.org/wiki, www.pci-
concursos.com.br, www.infoescola.com, www.colegioweb.com.br,
www.portalsaofrancisco.com.br, dentre outros. A grande maioria
desses sites é dedicada ao ensino de português para concursos e/ou
a tirar dúvidas de gramáticas de estudantes da educação básica. Tal-
vez seja por isso que a abordagem utilizada é a mesma da Gramática
Normativa, que é o espelho do que normalmente é trabalhado nos
manuais escolares e nas salas de aula do nosso país.
Alguns sites são mais simplistas (trazem apenas algumas re-
gras ou a regência de alguns verbos), outros são mais completos
(trazem mais regras), por isso, escolhemos mostrar aqui as informa-
ções sobre regência do site http://www.soportugues.com.br porque,
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 163
Gramatical

para nós, é o que mais se assemelha aos manuais escolares de cunho


normativo. Vejamos:

REGÊNCIA VERBAL
Termo Regente:  VERBO
A regência verbal estuda a relação que se estabelece entre os
verbos e os termos que os complementam (objetos diretos e objetos
indiretos) ou caracterizam (adjuntos adverbiais).
O estudo da regência verbal permite-nos ampliar nossa capa-
cidade expressiva, pois oferece oportunidade de conhecermos as
diversas significações que um verbo pode assumir com a simples
mudança ou retirada de uma preposição. Observe:
A mãe agrada o filho. -> agradar significa acariciar, contentar.
A mãe agrada ao filho. -> agradar significa “causar agrado ou
prazer”, satisfazer.
Logo, conclui-se que “agradar alguém” é diferente de “agradar
a alguém”.

Saiba que:
O conhecimento do uso adequado das preposições é um dos
aspectos fundamentais do estudo da regência verbal (e também
nominal). As preposições são capazes de modificar completa-
mente o sentido do que se está sendo dito. Veja os exemplos:
Cheguei ao metrô.
Cheguei no metrô.
No primeiro caso, o metrô é o lugar a que vou; no segundo
caso, é o meio de transporte por mim utilizado. A oração “Che-
guei no metrô”, popularmente usada a fim de indicar o lugar a
que se vai, possui, no padrão culto da língua, sentido diferente.
Aliás, é muito comum existirem divergências entre a regência
coloquial, cotidiana de alguns verbos, e a regência culta.

Para estudar a regência verbal, agruparemos os verbos de


acordo com sua transitividade. A transitividade, porém, não é um
fato absoluto: um mesmo verbo pode atuar de diferentes formas
em frases distintas.
Verbos Intransitivos
Os verbos intransitivos não possuem complemento. É impor-
tante, no entanto, destacar alguns detalhes relativos aos adjuntos
adverbiais que costumam acompanhá-los.
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
164
164 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

a) Chegar, Ir
Normalmente vêm acompanhados de adjuntos adverbiais de
lugar. Na língua culta, as preposições usadas para indicar destino
ou direção são: a, para. Exemplos:
Fui ao teatro.
Adjunto Adverbial de Lugar
Ricardo foi para a Espanha.
Adjunto Adverbial de Lugar
Obs.: “Ir para algum lugar” enfatiza a direção, a partida.” Ir
a algum lugar” sugere também o retorno.
Importante:  reserva-se  o uso de “em” para indicação de
tempo ou meio. Veja:
Cheguei a Roma em outubro.
Adjunto Adverbial de Tempo
Chegamos no trem das dez.
Adjunto Adverbial de Meio
b) Comparecer
O adjunto adverbial de lugar pode ser introduzido por em ou
a. Por Exemplo:
Comparecemos ao estádio (ou no estádio) para ver o último
jogo.
Verbos Transitivos Diretos
Os verbos transitivos diretos são complementados por
objetos diretos. Isso significa que não exigem preposição para
o estabelecimento da relação de regência. Ao empregar esses
verbos, devemos lembrar que os pronomes oblíquos o, a, os, as
atuam como objetos diretos. Esses pronomes podem assumir as
formas lo, los, la, las (após formas verbais terminadas em -r, -s
ou -z) ou no, na, nos, nas (após formas verbais terminadas em
sons nasais), enquanto lhe e lhes são, quando complementos
verbais, objetos indiretos.
São verbos transitivos diretos, dentre outros:
abandonar, abençoar, aborrecer, abraçar, acompanhar, acu-
sar, admirar, adorar, alegrar, ameaçar, amolar, amparar, auxiliar,
castigar, condenar, conhecer, conservar,convidar, defender, eleger,
estimar, humilhar, namorar, ouvir, prejudicar, prezar, proteger,
respeitar, socorrer, suportar, ver, visitar.
Na língua culta, esses verbos funcionam exatamente como o
verbo amar:
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 165
Gramatical

Amo aquele rapaz. / Amo-o.


Amo aquela moça. / Amo-a.
Amam aquele rapaz. / Amam-no.
Ele deve amar aquela mulher. / Ele deve amá-la.
Obs.: os pronomes lhe, lhes só acompanham esses verbos para
indicar posse (caso em que atuam como adjuntos adnominais).
Exemplos:
Quero beijar-lhe o rosto. (= beijar seu rosto)
Prejudicaram-lhe a carreira. (= prejudicaram sua carreira)
Conheço-lhe o mau humor! (= conheço seu mau humor)
Verbos Transitivos Indiretos
Os verbos transitivos indiretos são complementados por ob-
jetos indiretos. Isso significa que esses verbos exigem uma prepo-
sição para o estabelecimento da relação de regência. Os pronomes
pessoais do caso oblíquo de terceira pessoa que podem atuar como
objetos indiretos são o “lhe”, o “lhes”, para substituir pessoas. Não
se utilizam os pronomes o, os, a, as como complementos de verbos
transitivos indiretos. Com os objetos indiretos que não representam
pessoas, usam-se pronomes oblíquos tônicos de terceira pessoa (ele,
ela) em lugar dos pronomes átonos lhe, lhes. Os verbos transitivos
indiretos são os seguintes:
a) Consistir
Tem complemento introduzido pela preposição “em”. Por
Exemplo:
A modernidade verdadeira consiste em direitos iguais para
todos.
b) Obedecer e Desobedecer:
Possuem seus complementos introduzidos pela preposição
“a”. Por Exemplo:
Devemos obedecer aos nossos princípios e ideais.
Eles desobedeceram às leis do trânsito.
c) Responder
Tem complemento introduzido pela preposição “a”. Esse
verbo pede objeto indireto para indicar “a quem” ou “ao que” se
responde. Por Exemplo:
Respondi ao meu patrão.
Respondemos às perguntas.
Respondeu-lhe à altura.
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
166
166 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

Obs.: o verbo responder, apesar de transitivo indireto quando


exprime aquilo a que se responde, admite voz passiva analítica.
Veja:
O questionário foi respondido corretamente.
Todas as perguntas foram respondidas satisfatoriamente.
d) Simpatizar e Antipatizar
Possuem seus complementos introduzidos pela preposição
“com”. Por Exemplo:
Antipatizo com aquela apresentadora.
Simpatizo com os que condenam os políticos que governam
para uma minoria privilegiada.
Verbos Transitivos Diretos ou Indiretos
   Há verbos que admitem duas construções, uma transitiva
direta, outra indireta, sem que isso implique modificações de sen-
tido. Dentre os principais, temos:
Abdicar
Abdicou as vantagens do cargo. / Abdicou das vantagens do
cargo.
Acreditar
Não acreditava a própria força. / Não acreditava na própria
força.
Almejar
Almejamos a paz entre as nações. / Almejamos pela paz entre
as nações.
Ansiar
Anseia respostas objetivas. / Anseia por respostas objetivas.
Anteceder
Sua partida antecedeu uma série de fatos estranhos. / Sua
partida antecedeu a uma série de fatos estranhos.
Atender
Atendeu os meus pedidos. / Atendeu aos meus pedidos.
Atentar
Atente esta forma de digitar. / Atente nesta forma de digitar.
/ Atente para esta forma de digitar.
Cogitar
Cogitávamos uma nova estratégia. / Cogitávamos de uma nova
estratégia. / Cogitávamos em uma nova estratégia.
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 167
Gramatical

Consentir
Os deputados consentiram a adoção de novas medidas econô-
micas. / Os deputados consentiram na adoção de novas medidas
econômicas.
Deparar
Deparamos uma bela paisagem em nossa trilha. / Deparamos
com uma bela paisagem em nossa trilha.
Gozar
Gozava boa saúde. / Gozava de boa saúde.
Necessitar
Necessitamos algumas horas para preparar a apresentação.
/ Necessitamos de algumas horas para preparar a apresentação.
Preceder
Intensas manifestações precederam a mudança de regime./
Intensas manifestações precederam à mudança de regime.
Presidir
Ninguém presidia o encontro. / Ninguém presidia ao encontro.
Renunciar
Não renuncie o motivo de sua luta. / Não renuncie ao motivo
de sua luta.
Satisfazer
Era difícil conseguir satisfazê-la. / Era difícil conseguir satis-
fazer-lhe.
Versar
Sua palestra versou o estilo dos modernistas. / Sua palestra
versou sobre o estilo dos modernistas.
Verbos Transitivos Diretos e Indiretos
Os verbos transitivos diretos e indiretos são acompanhados de
um objeto direto e um indireto. Merecem destaque, nesse grupo:
Agradecer, Perdoar e Pagar
São verbos que apresentam objeto direto relacionado a coisas
e objeto indireto relacionado a pessoas. Veja os exemplos:
Agradeço   aos ouvintes        a audiência.
Objeto Indireto      Objeto Direto
Cristo ensina que é preciso perdoar    o pecado       ao pecador.
Objeto Direto       Objeto Indireto
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
168
168 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

Paguei     o débito       ao cobrador.


Objeto Direto      Objeto Indireto
O uso dos pronomes oblíquos átonos deve ser feito com par-
ticular cuidado. Observe:
Agradeci o presente. / Agradeci-o.
Agradeço a você. / Agradeço-lhe.
Perdoei a ofensa. / Perdoei-a.
Perdoei ao agressor. / Perdoei-lhe.
Paguei minhas contas. / Paguei-as.
Paguei aos meus credores. / Paguei-lhes.

Saiba que:
Com os verbos agradecer, perdoar e pagar a pessoa deve
sempre aparecer como objeto indireto, mesmo que na frase não
haja objeto direto. Veja os exemplos:
A empresa não paga aos funcionários desde setembro.
Já perdoei aos que me acusaram.
Agradeço aos eleitores que confiaram em mim.

Informar
Apresenta objeto direto ao se referir a coisas e objeto indireto 
ao se referir a pessoas, ou vice-versa. Por Exemplo:
Informe os novos preços aos clientes.
Informe os clientes dos novos preços. (ou sobre os novos
preços)
Na utilização de pronomes como complementos,  veja as
construções:
Informei-os aos clientes. / Informei-lhes os novos preços.
Informe-os dos novos preços. / Informe-os deles. (ou sobre eles)
Obs.: a mesma regência do verbo  informar é usada  para os
seguintes:  avisar, certificar, notificar, cientificar, prevenir.
Comparar
Quando seguido de dois objetos, esse verbo admite as prepo-
sições “a” ou “com” para introduzir o complemento indireto. Por
Exemplo:
Comparei seu comportamento ao (ou com o) de uma criança.
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 169
Gramatical

Pedir
Esse verbo pede objeto direto de coisa (geralmente na forma de
oração subordinada substantiva) e indireto de pessoa. Por Exemplo:
Pedi – lhe                favores.
Objeto Indireto    Objeto Direto
Pedi– lhe                     que mantivesse em silêncio.
Objeto Indireto           Oração Subordinada Substantiva
                                                           Objetiva Direta

Saiba que:
1) A construção “pedir para”, muito comum na linguagem
cotidiana, deve ter emprego muito limitado na língua culta. No
entanto,  é considerada correta quando a palavra licença estiver
subentendida. Por Exemplo:
Peço (licença) para ir entregar-lhe os catálogos em casa.
Observe que, nesse caso, a preposição “para” introduz uma
oração subordinada adverbial final reduzida de infinitivo (para
ir entregar-lhe os catálogos em casa).
2) A construção “dizer para”, também muito usada popu-
larmente, é igualmente considerada incorreta.

Preferir
Na língua culta, esse verbo deve apresentar objeto indireto
introduzido pela preposição “a”. Por Exemplo:
Prefiro qualquer coisa a abrir mão de meus ideais.
Prefiro trem a ônibus.
Obs.: na língua culta, o verbo “preferir” deve ser usado sem
termos intensificadores, tais como: muito, antes, mil vezes, um
milhão de vezes, mais. A ênfase já é dada pelo prefixo existente no
próprio verbo (pre).
Mudança de Transitividade versus Mudança de Signifi-
cado
   Há verbos que, de acordo com a mudança de transitividade,
apresentam mudança de significado. O conhecimento das diferen-
tes regências desses verbos é um recurso linguístico muito impor-
tante, pois além de permitir a correta interpretação de passagens
escritas, oferece possibilidades expressivas a quem fala ou escreve.
Dentre os principais, estão:
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
170
170 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

Agradar
1) Agradar é transitivo direto no sentido de fazer carinhos,
acariciar. Por Exemplo:
Sempre agrada o filho quando o revê. / Sempre o agrada
quando o revê.
Cláudia não perde oportunidade de agradar o gato. / Cláudia
não perde oportunidade de agradá-lo.
2) Agradar é transitivo indireto no sentido de causar agrado
a, satisfazer, ser agradável a.  Rege complemento introduzido pela
preposição “a”. Por Exemplo:
O cantor não agradou aos presentes.
O cantor não lhes agradou.
Aspirar
1) Aspirar é transitivo direto no sentido de sorver, inspirar (o
ar), inalar. Por Exemplo:
Aspirava o suave aroma. (Aspirava-o)
2) Aspirar é transitivo indireto no sentido de desejar, ter como
ambição. Por Exemplo:
Aspirávamos a melhores condições de vida. (Aspirávamos a elas)
Obs.: como o objeto direto do verbo “aspirar” não é pessoa,
mas coisa, não se usam as formas pronominais átonas “lhe” e “lhes”
e sim as formas tônicas “a ele (s)”, “ a ela (s)”. Veja o exemplo:
Aspiravam a uma existência melhor. (= Aspiravam a ela)
Assistir
1) Assistir é transitivo direto no sentido de ajudar,  prestar
assistência a, auxiliar. Por Exemplo:
As empresas de saúde negam-se a assistir os idosos.
As empresas de saúde negam-se a assisti-los.
2) Assistir é transitivo indireto no sentido de ver, presenciar,
estar presente, caber, pertencer. Exemplos:
Assistimos ao documentário.
Não assisti às últimas sessões.
Essa lei assiste ao inquilino.
Obs.: no sentido de morar, residir, o verbo “assistir” é intran-
sitivo, sendo acompanhado de adjunto adverbial de lugar intro-
duzido pela preposição “em”. Por Exemplo:
Assistimos numa conturbada cidade.
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 171
Gramatical

Chamar
1) Chamar é transitivo direto no sentido de convocar, solicitar
a atenção ou a presença de. Por exemplo:
Por gentileza, vá chamar sua prima. / Por favor, vá chamá-la.
Chamei você várias vezes. / Chamei-o várias vezes.
2) Chamar no sentido de denominar, apelidar pode apresentar
objeto direto e indireto, ao qual se refere predicativo preposicionado
ou não. Exemplos:
A torcida chamou o jogador mercenário.
A torcida chamou ao jogador mercenário.
A torcida chamou o jogador de mercenário.
A torcida chamou ao jogador de mercenário.
Custar
1) Custar é intransitivo no sentido de ter determinado valor
ou preço, sendo acompanhado de adjunto adverbial. Por exemplo:
Frutas e verduras não deveriam custar muito.
2) No sentido de ser difícil, penoso pode ser intransitivo ou
transitivo indireto. Por exemplo:
Muito custa   viver tão longe da família.
Verbo        Oração Subordinada Substantiva Subjetiva
Intransitivo                       Reduzida de Infinitivo
Custa-me (a mim) crer que tomou realmente aquela atitude.
        Objeto                 Oração Subordinada Substantiva Subjetiva
        Indireto                                     Reduzida de Infinitivo
Obs.: a Gramática Normativa condena as construções que
atribuem ao verbo “custar” um sujeito representado por pessoa.
Observe o exemplo abaixo:
Custei para entender o problema.
Forma correta: Custou-me entender o problema.
Implicar
1) Como transitivo direto, esse verbo tem dois sentidos:
a) Dar a entender, fazer supor, pressupor. Por exemplo:
Suas atitudes implicavam um firme propósito.
b) Ter como consequência, trazer como consequência, acarretar,
provocar. Por exemplo:
Liberdade de escolha implica amadurecimento político de
um povo.
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
172
172 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

2) Como transitivo direto e indireto, significa comprometer,


envolver. Por exemplo:
Implicaram aquele jornalista em questões econômicas.
Obs.: no sentido de antipatizar, ter implicância, é transitivo
indireto e rege com preposição “com”. Por Exemplo:
Implicava com quem não trabalhasse arduamente.
Proceder
1) Proceder é intransitivo no sentido de ser decisivo, ter ca-
bimento, ter fundamento ou portar-se, comportar-se, agir. Nessa
segunda acepção, vem sempre acompanhado de adjunto adverbial
de modo. Exemplos:
As afirmações da testemunha procediam, não havia como refutá-las.
Você procede muito mal.
2) Nos sentidos de ter origem, derivar-se (rege a preposição”
de”) e fazer, executar (rege complemento introduzido pela prepo-
sição “a”) é transitivo indireto. Exemplos:
O avião procede de Maceió.
Procedeu-se aos exames.
O delegado procederá ao inquérito.
Querer
1) Querer é transitivo direto no sentido de desejar, ter vontade
de, cobiçar.
Querem melhor atendimento.
Queremos um país melhor.
2) Querer é transitivo indireto no sentido de ter afeição, esti-
mar, amar. Exemplos:
Quero muito aos meus amigos.
Ele quer bem à linda menina.
Despede-se o filho que muito lhe quer.
Visar
1) Como transitivo direto, apresenta os sentidos de mirar, fazer
pontaria e de pôr visto, rubricar. Por Exemplo:
O homem visou o alvo. O gerente não quis visar o cheque.
2) No sentido de ter em vista, ter como meta, ter como objetivo,
é transitivo indireto e rege a preposição “a”. Exemplos:
O ensino deve sempre visar ao progresso social.
Prometeram tomar medidas que visassem ao bem-estar público.
(Fonte: http://www.soportugues.com.br/secoes/sint/sint70.php. Acessado em 11
de agosto de 2011)
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 173
Gramatical

Como você deve ter percebido, muitos dos verbos cujas regên-
cias estão prescritas acima nós não conhecemos e/ou não usamos no
dia-a-dia, o que pode gerar uma certa estranheza diante de algumas
frases. O mesmo acontece diante do sentido de alguns verbos que,
muitas vezes, são arcaicos. Por exemplo: quem de vocês conhecia o
sentido de “morar” do verbo assistir? Provavelmente muito poucos.
Mas isso é normal em qualquer língua, algumas palavras vão caindo
em desuso de acordo com a necessidade da sociedade enquanto outras
vão surgindo e adquirindo novos sentidos.

O que as gramáticas descritivas costumam dizer sobre a re-


gência verbal?
Para não nos alongarmos muito no assunto, embora a expres-
são “gramáticas” esteja no plural, traremos aqui apenas a visão de
uma gramática descritiva, a de Perini (2009), isso porque, ao mesmo
tempo que ele descreve a questão da regência no português brasi-
leiro, ele também faz uma crítica à conceituação trazida pela gramá-
tica tradicional, fundamentando seus argumentos em pesquisas de
cunho descritivo realizadas a partir de dados reais da nossa língua:

TRANSITIVIDADE VERBAL
Crítica da classificação tradicional
Tradicionalmente, os verbos se distinguem em cinco tipos, de
acordo com sua transitividade, a saber: verbos transitivos diretos,
transitivos indiretos, transitivos diretos e indiretos, intransitivos e
de ligação. Conforme veremos, a classificação tradicional repousa
sobre um equívoco fundamental e, consequentemente, não pode
ser mantida. Será necessário propor um novo sistema.
A noção tradicional de verbo “transitivo” em oposição a “in-
transitivo” se define assim: um verbo é “transitivo” quando exige
a presença de um objeto direto em sua oração; e é “intransitivo”
quando recusa a presença de objeto direto. A definição é suficien-
temente clara, e dela decorre que sempre que houver em uma
oração um verbo transitivo, essa oração deve ter objeto direto; e
sempre que houver um verbo intransitivo, a oração não pode ter
objeto direto. Note-se que o sistema não prevê lugar para verbos
que possam ter OD ou não, à vontade; logo, é de se presumir que
tais verbos não existam.
Na prática, porém, a definição não é respeitada. Classifica-se
o verbo comer como “transitivo”, porque aparece com OD em
(6) Meu gato já comeu todo o mingau.
Mas comer, como vimos, aparece igualmente sem OD:
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
174
174 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

(7) Meu gato já comeu.


(14) Meu gato quase não come.
Exemplos como esses que, como veremos, são numerosos
colocam em xeque o sistema tradicional. A se seguir a definição
dada, não haveria lugar para o verbo comer, que pode ocorrer
com OD ou sem ele.
Procurando fugir ao problema, alguns autores sugerem que
a transitividade não seria propriedade dos verbos, mas antes dos
próprios contextos, ou de verbos em determinados contextos. Mas
isso tem como consequência o esvaziamento da noção de transi-
tividade, que se torna supérflua e, como essa posição é comum,
acho interessante criticá-la aqui com algum detalhe.
Digamos que, em vez de definir o verbo comer como transi-
tivo ou intransitivo, disséssemos que ele é transitivo (ou “usado
transitivamente”) em (6) e intransitivo (ou “usado intransitiva-
mente”) em (7) e (14). As categorias “transitivo” e “intransitivo”
já não se poderiam aplicar ao verbo comer tal como se apresenta
no léxico, isto é, fora de contexto. Comer seria transitivo quando
ocorresse com objeto direto, e intransitivo quando ocorresse sem
objeto direto.
Mas isso viola a definição tradicional de transitividade: com
efeito, segundo a definição, um verbo é transitivo não quando
ocorre com OD, mas quando exige a presença de um OD - ou
seja, quando sempre aparece com OD. Na verdade, essa tenta-
tiva de solucionar o problema equivale a estabelecer sinonímia
entre ser transitivo e ocorrer com OD; por conseguinte, a noção
de “transitivo” deixaria de ser útil, pois não faria mais que repetir
a informação já dada pela expressão menos misteriosa “que tem
objeto direto”.
É necessário distinguir dois tipos de informação sobre os
itens léxicos, a saber: (a) em que contexto o item ocorre em uma
frase dada (relação sintagmática); e (b) em que contextos o item
pode ocorrer (relação paradigmática). A informação tipo (a) é
particularizada e é fornecida pela análise da estrutura em ques-
tão. Por exemplo, no contexto da frase (6), meu gato é sujeito;
comer ocorre com objeto direto etc. Já a informação tipo (b) é
generalizada e é fornecida para o item em “estado de dicioná-
rio”, fora de contexto, muito embora só possa ser depreendida,
evidentemente, a partir do exame dos contextos. Assim, meu gato
pode ser sujeito e pode também ser objeto direto, mas não pode
ser núcleo do predicado, nem adjunto oracional. Comer pode ser
núcleo do predicado, e não modificador; e pode ocorrer com ou
sem objeto direto.
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 175
Gramatical

Ambos os tipos de informação são fundamentais para a tarefa


de descrição da língua. Se não tivermos informações sintagmáticas
[tipo (a)], a descrição não terá base nos fatos. Mas, se renunciarmos
à informação paradigmática [tipo (b)], estaremos desistindo de ex-
pressar em termos gerais o comportamento gramatical das unida-
des linguísticas. Um pouco de reflexão deve bastar para deixar cla-
ro que as consequências seriam destrutivas para a gramática; por
exemplo, inviabilizaria o estabelecimento de classes de palavras.
Temos de concluir que tentar definir “transitividade” em termos de
contextos específicos não cura os males da concepção tradicional.
Voltemos à definição de “transitividade” como exigência de
objeto direto, e “intransitividade” como recusa de objeto direto.
Há verbos que efetivamente se comportam dessa maneira. Assim,
fazer só ocorre com objeto direto:
(15) a. Evaristo faz lindas cortinas.
b. * Evaristo faz.
Desse modo, fazer seria “transitivo” segundo a definição tra-
dicional, e essa classificação não apresenta problemas, já que esse
verbo só ocorre com OD.
O verbo nascer só ocorre sem
(16) a. Meu irmãozinho nasceu no sábado.
b. * Meu irmãozinho nasceu um nascimento tranquilo.
logo, seria “intransitivo”.
O problema surge quando verificamos que há verbos, como
comer, que podem ocorrer com ou sem OD, sem por isso causar
inaceitabilidade. Vimos que não há lugar para tais verbos no siste-
ma tradicional; uma análise adequada deve, primeiramente, criar
esse lugar.
Desenvolvendo uma nova análise
É necessário reconhecer que as duas noções de “exigência”
e “recusa” de complementos não são suficientes para caracteri-
zar todos os tipos de transitividade encontrados na língua. Vamos
acrescentar uma terceira, a de “aceitação livre”.
Agora, poderemos dizer que o verbo nascer recusa objeto
direto; o verbo fazer exige objeto direto; e o verbo comer aceita
livremente objeto direto. Representamos essa informação como
traços dos respectivos verbos, da seguinte maneira:
nascer tem o traço [Rec-OD] (“recusa OD”);
fazer tem o traço [Ex-OD] (“exige OD”);
comer tem o traço [L-OD] (“aceita livremente OD”).
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
176
176 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

Como se vê, as duas classes tradicionais de “transitivos” e


“intransitivos” se desdobram em pelo menos três classes de ver-
bos, a saber, os que recusam OD (marcados [Rec-OD]), os que o
exigem ([Ex-OD]) e os que o aceitam livremente ([L-OD]). Desse
modo, sanamos o primeiro, e básico, defeito da análise tradicional
da transitividade verbal. A descrição das transitividades deve ser
feita em termos de exigência, recusa e aceitação livre de cada uma
das funções relevantes.
Isso nos leva à segunda questão a solucionar. Segundo a
análise tradicional, algumas funções são relevantes para o esta-
belecimento das transitividades, outras não. Assim, os verbos são
transitivos ou intransitivos segundo exijam ou recusem objeto; e
os transitivos são diretos, indiretos ou diretos e indiretos segundo
o objeto exigido seja direto, indireto ou ambos, respectivamente.
Os verbos de ligação exigiriam predicativo do sujeito. Dessa for-
ma, ficam selecionadas algumas funções como relevantes, a saber,
objeto direto, objeto indireto e predicativo do sujeito. Não há ver-
bos que “exijam” ou “recusem” sujeito, por exemplo, ou adjunto
adverbial etc.
A mesma seleção de funções precisa ser feita em termos de
nossa análise atual, mesmo porque as próprias funções foram re-
formuladas [...]. Passamos agora, portanto, a considerar a pergun-
ta: Que funções sintáticas são relevantes para o estabelecimento
das transitividades?
As funções relevantes são aquelas que são exigidas ou então
recusadas por algum verbo. Uma função que seja aceita livremen-
te por todos os verbos não é relevante para estabelecer a transiti-
vidade, pois não caracteriza os verbos com que coocorre.
Não é difícil ver por que é assim. Tomemos uma função livre-
mente aceita por qualquer verbo: o adjunto oracional (AO). Ob-
serva-se que, qualquer que seja o verbo de uma oração, é sempre
possível colocar (ou deixar de colocar) nessa oração um adjunto
oracional. Se marcarmos cada verbo que aceita AO como [L-AO],
na verdade estaremos perdendo nosso tempo; é muito mais sim-
ples estabelecer, de uma vez por todas, que todos os verbos da
língua aceitam AO. Nesse caso, o AO nem sequer precisa ser men-
cionado ao se exprimir a transitividade de cada verbo.
A situação é diferente com o OD: alguns verbos o exigem,
outros o recusam, e outros o aceitam livremente. Nesse caso, é ne-
cessário especificar, para cada verbo, qual é seu comportamento
quanto à possibilidade de ocorrência do OD; nenhuma afirmação
pode ser feita de uma vez por todas, em geral, para todos os ver-
bos da língua. Concluímos que o OD é uma função relevante para
a formulação das transitividades.
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 177
Gramatical

As pesquisas realizadas recentemente sobre a transitividade


mostram que há quatro funções relevantes em português, a saber:
objeto direto, complemento do predicado, predicativo e adjunto
circunstancial. Todas as outras funções são irrelevantes, por se-
rem aceitas livremente por qualquer verbo. Não parece haver caso
de função exigida por todos os verbos; se houvesse, essa função
também seria irrelevante, por motivos óbvios.
A única dúvida a respeito da lista de funções relevantes de-
riva da transitividade do verbo haver “existir”, caso este deva ser
considerado um item léxico diferente de haver “auxiliar”. Nesse
caso, haver seria um verbo (o único da língua) que recusa sujeito.
Como está em aberto a questão de se os dois verbos haver são de
fato dois itens ou um único item, vamos ignorar esse caso aqui.
Cada verbo, portanto, deverá ser marcado quanto a sua transiti-
vidade para cada uma das quatro funções relevantes: OD (objeto
direto), CP (complemento do predicativo), Pv (predicativo) e AC
(adjetivo circunstancial).
O levantamento feito por Barros (1992; 1993) mostra que as
duas principais situações reconhecidas pela classificação tradi-
cional, a saber, exigência de OD ([Ex-OD]) e recusa de OD ([Rec-
-OD]), são minoritárias na língua; a maior parte dos verbos é mar-
cada [L-OD], não tendo assim lugar na classificação tradicional.
Tendo examinado cerca de 550 verbos, Barros apurou que 58,9%
deles são marcados [L-OD]; 31,5% são marcados [Ex-OD]; e ape-
nas 9,6% são marcados [Rec-OD]. Esses números mostram que a
classificação tradicional deixa escapar justamente o grupo mais
importante de verbos: os que aceitam livremente a ocorrência de
objeto direto.
A transitividade completa de um verbo é representada por
um grupo de traços, um para cada função relevante. Assim, a
transitividade de comer é [L-OD, Rec-CP, L-AC, Rec¬-Pv]: esse
verbo aceita livremente o OD e o AC, e recusa o complemento do
predicado e o predicativo. Essa é a matriz mais comum na língua
e vale para quase todos os verbos marcados [L-OD] – exatamente
57,6% de todos os verbos. A seguir, dou a lista de todas as matri-
zes de transitividade existentes em português, juntamente com a
porcentagem de verbos que seguem cada uma, e um exemplo de
cada:
Matrizes de transitividade verbal
I. [L-OD, L-AC, Rec-Pv, Rec-CP] (57,6%): comer
II. [Ex-OD, L-AC, Rec-Pv, Rec-CP] (22,3%): encontrar
III. [Rec-OD, L-AC, Rec-Pv, Rec-CP] (5,1%): acontecer
IV. [Rec-OD, Ex-AC, Rec-Pv, Rec-CP] (3,7%): morar
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
178
178 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

V. [Ex-OD, Ex-AC, Rec-Pv, Rec-CP] (2,1 %): acostumar


VI. [Ex-OD, L-AC, L-Pv, Rec--CP] (1,3%): considerar
VII. [L-OD, L-AC, L-Pv, L-CP] (0,7%): julgar
VIII. [L-OD, L-AC, Rec-Pv, L-CP] (0,6%): permanecer
Além dessas seis matrizes, há outras três, para certos verbos
que apresentam a peculiaridade de exigir OD ou AC, ou então CP
ou AC, ou ainda CP ou Pv. Por exemplo, os verbos que seguem a
primeira dessas matrizes podem ocorrer sem OD, mas nesse caso
devem ter AC; ou sem AC, mas nesse caso precisam ter OD; e as-
sim paralelamente para as outras duas matrizes.
IX. [Ex-(OD v AC), Rec-Pv, Rec-CP] (5,2%): lembrar
X. [Ex-(CP v AC), Rec-OD, Rec-Pv] (0,7%): estar
XI. [Ex-(CP v Pv), Ex-OD, Ir -AC] (0,7%): sentir
O exemplo mais conhecido de verbo que faz exigência alter-
nativa é estar, que ocorre com CP, como em
(17) Mariela está adoentada.
Ou com AC, como em
(18) Mariela está na cozinha.
Mas nunca sem nenhum dos dois:
(19) *Mariela está.
A lista de matrizes dada acima delineia uma situação radi-
calmente diferente da que nos é fornecida pela gramática tradi-
cional. Segundo a gramática tradicional, somente as relações “re-
cusa” e “exigência” é que valem para estabelecer transitividades;
aqui, acrescentamos “aceitação livre”. A gramática tradicional
considera relevantes as funções de objeto direto, objeto indireto e
predicativo do sujeito; para nós, são relevantes o objeto direto, o
adjunto circunstancial (que inclui os casos tradicionais de “objeto
indireto”, mais muitos outros casos), o complemento do predica-
do (correspondente aproximado do “predicativo do sujeito”) e o
predicativo (que corresponde, aproximadamente, ao “predicati-
vo do objeto” tradicional). O resultado é que tradicionalmente se
distinguem cinco subclasses de verbos (transitivos diretos, tran-
sitivos indiretos, transitivos diretos e indiretos, intransitivos e de
ligação), ao passo que em nosso sistema há onze (correspondentes
às onze matrizes vistas acima).
Mas a diferença decisiva é a seguinte: as onze matrizes aqui
propostas e definidas dão conta de descrever a transitividade de
todos os verbos da língua (com a possível exceção, já mencionada,
de haver), ao passo que as cinco subclasses tradicionais deixam de
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Teoriada Oração 179
Gramatical

fora a maioria dos verbos, a saber: 58,9% que aceitam livremente


o OD, além de muitos verbos que exigem AC em casos em que o
AC não seria analisado como objeto indireto pela gramática tra-
dicional.
Além disso, as onze matrizes se baseiam em funções cujas
definições são puramente sintáticas e muito mais facilmente ope-
racionalizáveis do que as definições tradicionais (no que pesem
as confessadas incertezas que permanecem no atual sistema). Por
tudo isso, não me parece caber dúvida de que o sistema acima
exposto oferece um quadro muito mais adequado do fenômeno
da transitividade verbal em português do que qualquer outro atu-
almente disponível.
Esta análise do sistema de transitividade do português, é pre-
ciso reconhecer, é mais complexa do que a tradicional. Temos qua-
tro funções relevantes (OD, AC, CP, Pv) e, para cada uma delas,
três possibilidades (Ex, Rec, L), o que nos dá dezenas de maneiras
possíveis de exprimir a transitividade de um verbo – em contraste
com as cinco maneiras tradicionais. Ainda que não houvesse ma-
neira de simplificar esse sistema, a complicação não seria gratuita,
pois se os fatos são complexos não há meio de descrevê-los de for-
ma simples. A nova análise deve ser defendida em termos de sua
capacidade superior de representar os fatos da língua.
No entanto, a complicação não é tão grande quanto parece,
porque das matrizes possíveis em princípio somente onze se reali-
zam; a grande maioria das possibilidades não se aplica a nenhum
verbo e fica excluída da gramática. Falta fazer uma restrição im-
portante à aplicação da tabela de transitividades dada acima. A
tabela estipula, por exemplo, que o verbo encontrar exige objeto
direto. Mas, naturalmente, é possível construir uma oração bem
formada com encontrar e sem objeto direto: basta construir uma
oração passiva, pois não pode ocorrer OD nas passivas. Seria o
caso de incluir essa restrição na tabela?
Na verdade, isso não é necessário: representaria uma com-
plicação considerável (pois o problema não se limita às passivas),
e há uma maneira mais simples de fazê-lo. Basta estabelecer uma
convenção geral: as transitividades expressas na tabela valem ape-
nas para estruturas não parcialmente correspondentes. As ocor-
rências dos verbos em estruturas parcialmente correspondentes
podem ser deduzidas das próprias fórmulas de correspondência,
mais os traços de correspondência dos verbos. As passivas [...] são
parcialmente correspondentes das ativas. E cada verbo deve ser
marcado quanto a poder ou não ocorrer em estruturas passivas
(esse tipo de marca, chamada traço de correspondência, ocorre
em todos os casos de correspondência parcial). Ora, um verbo que
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
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180 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

seja marcado como podendo ocorrer em passivas, seja qual for


sua classe de transitividade, pode ocorrer sem OD – isso em uma
estrutura passiva, que, sendo parcialmente correspondente, não
conta para o estabelecimento das classes de transitividade.
Assim, o verbo encontrar pode continuar sendo marcado [Ex-
-oD]; isso não significa propriamente que ele nunca ocorre sem
OD; mas significa que nunca ocorre sem OD, a não ser em estru-
turas parcialmente correspondentes, que são assim consideradas
como que derivações das estruturas básicas.

Sintaxe ou semântica?
Há ainda uma diferença muito importante entre a concepção
de transitividade aqui apresentada e a que se encontra nas gra-
máticas usuais. A ideia tradicional de transitividade é predomi-
nantemente semântica; procura-se justificar exigências e recusas
em termos do significado de cada verbo. Uma passagem típica é
a seguinte: “[os verbos transitivos], para poderem formar o pre-
dicado, têm necessidade de um complemento (= objeto) que lhes
integra o significado”. [Kury, 1972, p. 31]
Em outro local, o mesmo autor afirma que a predicação (=
transitividade) é um “fato sintático” (p. 30); mas creio que para
ele o termo “sintático” não exclui fatores ligados ao significado,
de modo que não há necessariamente contradição entre essas
duas passagens. Mas, se delinearmos “sintaxe” e “semântica” da
maneira como se faz neste trabalho (e na linguística moderna em
geral), teremos de dizer que a maioria dos gramáticos coloca os
fenômenos de transitividade no domínio da semântica. Isso equi-
vale à hipótese de que as possibilidades de ocorrência dos diver-
sos complementos de um verbo seriam previsíveis, pelo menos
em grande parte, a partir da semântica desse verbo. Consequen-
temente, seria redundante formular essas possibilidades dentro
da sintaxe.
A concepção de transitividade aqui adotada é puramente sin-
tática: lança mão das funções sintáticas “objeto direto”, “adjunto
circunstancial”, “complemento do predicado” e “predicativo” [...]
e marca cada verbo sem referir-se a traços de seu significado. No
entanto, isso não significa que a transitividade de um verbo não
possua correlato semântico algum; pode-se argumentar que, se
comer admite objeto direto, isso é derivado do fato de que expri-
me uma ação que envolve um paciente (uma “coisa comida”). Eu
colocaria a questão nos seguintes termos: não há dúvida de que
existe certo grau de correlação entre, de um lado, as exigências e
recusas feitas pelos verbos quanto à ocorrência de complemen-
tos e, de outro lado, os traços semânticos desses verbos. Mas essa
EaD • UFMS Articulação dos da
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Teoriada Oração 181
Gramatical

correlação não é tão direta e tão generalizada a ponto de se poder


prever a transitividade de um verbo a partir de sua semântica.
Em favor dessa posição podem-se aduzir alguns argumen-
tos. Observe-se, para começar, que há casos de grupos de verbos
cuja semântica é quase a mesma, mas que diferem quanto à transi-
tividade: morrer e falecer são um bom exemplo. Sabe-se que morrer
pode ocorrer com objeto direto (chamado “objeto interno” por ser
representado por uma nominalização do próprio verbo). Assim,
temos
(20) Machado morreu uma morte tranquila.
Já falecer e perecer, embora de significado muito próximo do
de morrer, não admitem objeto direto em nenhuma circunstância:
(21) * Machado faleceu um falecimento tranquilo.
(22) * Machado pereceu uma morte trágica.
Dessa maneira, somos obrigados a atribuir aos três verbos
traços de transitividade diferentes: morrer é marcado [L-OD], mas
falecer e perecer são marcados [Rec-O D]. Isso dificilmente pode-
ria ser previsto a partir da semântica dos três verbos, que é quase
a mesma.
Um segundo argumento deriva da observação de que as exi-
gências semânticas dos verbos têm reflexos variados nas exigên-
cias de complementos formais. Por exemplo, roubar pode ocorrer
com OD exprimindo a coisa roubada, como em
(23) Roberto roubou muito dinheiro da União.
mas também pode ocorrer com OD exprimindo a entidade
que sofreu o roubo, como em
(24) Roberto roubou a União em muito dinheiro.
Como derivar essas duas construções da semântica, se as
duas frases são sinônimas?
Um argumento semelhante pode ser construído a partir de
frases como
(25) Maria espancou Mané.
em que o sujeito pratica a ação e o OD a recebe, e frases como
(26) Mané apanhou de Maria.
em que, apesar de a ação ser a mesma, o sujeito a recebe e o
AC a pratica.
Em muitos casos, a interpretação inclui necessariamente uma
função semântica, mas a expressão desta por um complemento é
ou não obrigatória, segundo o verbo empregado. Por exemplo, co-
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
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182 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

locar é sempre interpretado como tendo um paciente; ou seja, sem


a “coisa colocada” não se pode ter a “ação de colocar”. Esse pa-
ciente é obrigatoriamente expresso por um objeto direto (ou por
um sujeito em frases passivas):
(27) Elisa colocou o peixinho na geladeira.
Por outro lado, a ideia de “comer” igualmente exige um pa-
ciente, caso contrário, não poderá ter havido a “ação de comer”;
mas a expressão desse paciente com o verbo comer é opcional:
(6) Meu gato já comeu todo o mingau.
(7) Meu gato já comeu.
É claro que, mesmo em frases como (7), entende-se necessa-
riamente que o gato comeu alguma coisa. Mas ali não há objeto
direto nenhum, ao contrário de (6) e (27). Como se vê, ainda aqui
as exigências da transitividade não refletem as exigências do sig-
nificado. Em vista desses fatos, fica difícil derivar a transitividade
dos verbos a partir de sua semântica, ou vice-versa. Do ponto de
vista das exigências semânticas, dois verbos como colocar e comer
são idênticos porque ambos supõem a existência de um paciente.
Mas esses verbos são diferentes no que diz respeito a suas exigên-
cias de complemento: colocar exige objeto direto, comer não exige.
Aqui, como em tantos outros pontos, evidencia-se a necessida-
de de separar o aspecto semântico e o formal da descrição. Uma
noção: como “paciente” é um dos ingredientes do significado; já
“objeto direto” é um dos ingredientes da organização formal das
orações. Embora as noções sejam ambas indispensáveis, não se
confundem em nenhum momento.
Conclui-se que é preciso incluir na descrição gramatical a
transitividade como fenômeno formal (sintático). Cada verbo es-
tabelece suas exigências quanto à ocorrência de complementos, e
essas exigências são, em princípio, independentes de seu signi-
ficado. Evidentemente, existe uma relação entre transitividade e
traços do significado dos verbos; e muitos desses traços se referem
a exigências como de “agente”, “paciente” etc. Apenas, como cos-
tuma acontecer, a relação entre os dois planos de análise é com-
plexa um tema interessante de pesquisa, e não uma correlação
simples que possa ser postulada de início.

Previsão de ocorrência
Há ainda uma pergunta a ser respondida a respeito da transi-
tividade verbal: a transitividade será suficiente para prever quan-
do um verbo aparecerá com ou sem algum complemento, ou para
explicar por que ocorreu ou não? Creio que algumas pessoas ten-
EaD • UFMS Articulação dos da
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Teoriada Oração 183
Gramatical

deriam a responder afirmativamente: quando temos um “verbo


transitivo”, sempre temos um objeto direto na mesma oração. No
entanto, as coisas não são bem assim, conforme tentarei mostrar.
Tomemos um verbo marcado [Ex-OD], como colocar, por
exemplo. O traço sugere que esse verbo só aparece com OD, e isso
é verdade, exceto em condições de anáfora, como em
(28) Elisa pegou o peixinho e colocou na geladeira.
Nesse tipo de construção (aliás, muito típica da língua por-
tuguesa), o segundo verbo pode ocorrer sem OD porque se segue
a uma oração cujo OD é idêntico; interpreta-se que Elisa colocou o
peixinho na geladeira [...]
Geralmente frases anaforicamente reduzidas como (28) são
desprezadas para efeito da formulação das transitividades; há boas
razões em favor dessa solução, de modo que vamos aceitá-la aqui.
Assim, poderemos dizer que colocar, assim como todos os verbos
marcados [Ex¬-OD], realmente só ocorrem com objeto direto, nun-
ca sem ele. Como se vê, em casos de exigência, a transitividade é su-
ficiente para explicar a ocorrência de complementos com o verbo.
Em casos de recusa, dá-se o mesmo: o verbo perecer é marcado
[Rec-OD] e, com efeito, nunca aparecerá com objeto direto. Mas os
casos de ocorrência livre apresentam um problema: como prever
se um verbo como comer, marcado [L-OD] , aparecerá com ou sem
objeto direto em determinada frase? A própria natureza do traço
impossibilita essa previsão. Em casos de ocorrência livre, a tran-
sitividade não basta para prever a ocorrência do complemento;
comer aparecerá com ou sem objeto direto, dependendo de fatores
extrassintáticos, tais como: o significado da sentença, o grau de
especificidade que o falante deseja dar à sua mensagem, os conhe-
cimentos que o falante supõe que seu interlocutor já possua etc.
A previsão, pois, só será possível se estivermos de posse de uma
série de conhecimentos de diversa natureza: informação sintática
(a transitividade do verbo) + informação semântica (o significado
da frase) + conhecimentos acerca da situação de comunicação em
que a frase é usada.
Em resumo: a transitividade só é suficiente para prever a
ocorrência de um complemento em casos de recusa ou exigência;
em casos de aceitação livre, a transitividade não fornece base su-
ficiente para a previsão.
A esperança de prever a ocorrência dos complementos, em
todos os casos, com base apenas na transitividade talvez tenha
sido a causa de se definir transitividade como propriedade do
contexto [...] uma definição que, como vimos, destrói toda a rele-
vância descritiva da noção de “transitividade”.
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
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184 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

Para deixar a questão um pouco mais clara, vou dar alguns


exemplos de situações em que somente fatores extrassintáticos é
que permitem explicar por que determinado complemento ocor-
reu ou deixou de ocorrer. Vejamos primeiramente as frases
(29) André cuspiu em cima de mim.
(30) André cuspiu guaraná em cima de mim.
A primeira coisa a observar é que cuspir deve ser marcado
[L-OD]. Isso explica por que pode ocorrer com OD, como em (30),
ou sem ele, como em (29). Mas qual será a razão de ter ocorrido
com OD em (30)?
A resposta (bastante óbvia) é que, em (30), afirma-se de An-
dré que cuspiu alguma coisa que não é o que normalmente se cos-
pe. Como a “coisa cuspida” é geralmente cuspe, ela não precisa
necessariamente ser expressa, embora possa sê-lo. Assim, enten-
demos (29) como afirmando que André lançou cuspe (e não outra
coisa qualquer) em cima de mim. Aqui está em funcionamento
um princípio de economia que estabelece que não se deve dizer
mais (nem menos) do que o necessário. Com o verbo cuspir, não é
necessário exprimir a coisa cuspida, quando esta é cuspe; mas, se
for outra coisa qualquer, ela deve ser expressa.
Observe-se como a explicação de por que cuspir ocorre sem
OD em (29) precisa lançar mão de conhecimentos de vários níveis:
primeiro, sintáticos – cuspir é marcado [L-OD]. Depois, semânti-
cos: a “coisa cuspida” é cuspe. Além disso, conhecimento do mun-
do em que vivemos: em geral, o que se cospe é cuspe. Finalmente,
conhecimento de regras da comunicação (chamadas “máximas da
conversação “): no caso, a máxima de que, quando uma informa-
ção é altamente previsível, não é necessário explicitá-la. Sabemos
que a sintaxe é apenas um dos componentes da fala; a explicação
cabal dos fenômenos observados precisa lançar mão de todos os
componentes, linguísticos e não linguísticos. A tentativa tradicio-
nal de explicar ocorrências com base apenas na transitividade é,
portanto, um empreendimento sem esperança de sucesso.
Outros casos podem ser explicados seguindo essas mesmas
linhas. Embora o verbo pôr ocorra quase sempre com objeto dire-
to, há certas situações em que ele pode ocorrer sem objeto direto,
como em
(31) Essa galinha põe todos os dias.
Pôr sem OD só aparece em situações muito particulares, impos-
síveis de caracterizar gramaticalmente. Trata-se de uma especializa-
ção do verbo para determinada situação (no caso, de aves botando
ovos), que pode ser considerada gramaticalmente marginal e não le-
vada em conta para efeitos do estudo dos traços sintáticos do verbo.
EaD • UFMS Articulação dos da
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Teoriada Oração 185
Gramatical

Finalmente, vale mencionar o efeito do contexto situacional.


Assim, o verbo fazer é marcado [Ex-OD], mas pode aparecer sem
objeto direto se a situação de comunicação deixar suficientemente
claro qual é a “coisa feita”. Digamos que um grupo de crianças está
fazendo bonecos de massa; aproxima-se uma outra criança e diz
(32) Eu também vou fazer.
A situação sendo suficiente para esclarecer de que se trata, o
objeto direto não precisa ser expresso.
Todos esses exemplos mostram como a sintaxe se integra com
os outros componentes da comunicação linguística, para produzir
mensagens eficientes. E mostram também como é às vezes difícil a
tarefa do sintaticista, obrigado a separar, para estudo, componen-
tes que na natureza aparecem integrados de maneira complexa.
(PERINI, 2009, p.159-173)

4.2.2 A Regência Nominal


Veja um exemplo:

Figura 20 - (fonte: Abaurre e Pontara, 2006, p.525).

Perceba que na fala do personagem da tira acima que, de acor-


do com Abaurre e Pontara (2006, p.526), o substantivo impressão,
objeto direto do verbo ter, rege um complemento nominal (oracio-
nal), que com ele se relaciona por meio da preposição de.
A ligação do substantivo impressão com seu complemento no-
minal (isto é, a regência nominal) é feita por meio da preposição de.

“...você terá a impressão de que o mundo está contra você!”

Substantivo (OD)
Termo regente
Oração subordinada
Substantiva completiva nominal
Termo regido
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
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186 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

Veja algumas definições de Regência Nominal:

Regência nominal é a denominação que se dá à relação particular


que se estabelece entre substantivos, adjetivos e determinados ad-
vérbios e seus respectivos complementos nominais. Essa relação
vem sempre marcada por uma preposição.
(ABAURRE e PONTARA, 2006, p. 525)

REGÊNCIA NOMINAL é a relação de subordinação, ou seja, de


dependência, de um nome (substantivo, adjetivo, advérbio) e seu
complemento. Tal dependência é estabelecida pelo uso de uma
preposição.
(PIMENTEL, 2004)

A regência nominal estuda os casos em que nomes (substantivos,


adjetivos e advérbios) exigem uma outra palavra para completar-
-lhes o sentido. Em geral, a relação entre um nome e o seu comple-
mento é estabelecida por uma preposição.
(MORAES, 2011, p. 1)

O que os manuais didáticos costumam dizer sobre a regência


nominal?
Como mencionamos anteriormente, traremos aqui apenas os
comentários sobre regência nominal do site www.soportugues.com.
br por considerarmos que ele representa a forma como o assunto é
tratado na maioria dos manuais escolares disponíveis da Educação
Básica do nosso país.

REGÊNCIA NOMINAL
   Regência Nominal é o nome da relação existente entre um
nome (substantivo, adjetivo ou advérbio) e os termos regidos por
esse nome. Essa relação é sempre intermediada por uma preposi-
ção. No estudo da regência nominal, é preciso levar em conta que
vários nomes apresentam exatamente o mesmo regime dos verbos
de que derivam. Conhecer o regime de um verbo significa, nesses
casos, conhecer o regime dos nomes cognatos. Observe o exemplo:
Verbo obedecer e os nomes correspondentes: todos regem
complementos introduzidos pela preposição “a”. Veja:
Obedecer a algo/ a alguém.
Obediente a algo/ a alguém.
EaD • UFMS Articulação dos da
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Teoriada Oração 187
Gramatical

Apresentamos a seguir vários nomes acompanhados da pre-


posição ou preposições que os regem. Observe-os atentamente e
procure, sempre que possível, associar esses nomes entre si ou a
algum verbo cuja regência você conhece.
Substantivos
Devoção a, para,
Admiração a, por Medo a, de
com, por

Aversão a, para, por Doutor em Obediência a

Dúvida acerca de,


Atentado a, contra Ojeriza a, por
em, sobre

Bacharel em Horror a Proeminência sobre

Respeito a, com,
Capacidade de, para Impaciência com
para com, por
 
Adjetivos
Acessível a Diferente de Necessário a
Acostumado a, com Entendido em Nocivo a
Afável com, para com Equivalente a Paralelo a
Agradável a Escasso de Parco em, de
Alheio a, de Essencial a, para Passível de
Análogo a Fácil de Preferível a
Ansioso de, para, por Fanático por Prejudicial a
Apto a, para Favorável a Prestes a
Ávido de Generoso com Propício a
Benéfico a Grato a, por Próximo a
Capaz de, para Hábil em Relacionado com
Compatível com Habituado a Relativo a
Contemporâneo a, de Idêntico a Satisfeito com, de, em, por
Contíguo a Impróprio para Semelhante a
Contrário a Indeciso em Sensível a
Curioso de, por Insensível a Sito em
Descontente com Liberal com Suspeito de
Desejoso de Natural de Vazio de

Advérbios

Longe de
Perto de

Obs.: os advérbios terminados em -mente tendem a seguir o


regime dos adjetivos de que são formados: paralela a; paralela-
mente a; relativa a; relativamente a.
Fonte: http://www.soportugues.com.br/secoes/sint/sint71.php. acessado em 11
de agosto de 2011.
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
188
188 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

Como vimos, pouco coisa é dita sobre a regência nominal no


português brasileiro e isso se repete na maioria dos manuais esco-
lares e gramáticas, sejam elas descritivas ou normativas. Entretanto,
há publicações bem interessantes em nosso país. Destacamos, den-
tre elas, dois ótimos dicionários de regência, verdadeiros clássicos
entre os profissionais da escrita e da tradução: Dicionário prático de
regência nominal e Dicionário prático de regência verbal, ambos de
Celso Pedro Luft.
O que as gramáticas descritivas costumam dizer sobre a re-
gência nominal?
Seguindo a mesma linha de pensamento que trouxemos para
tratar da regência verbal, apresentamos agora, novamente, a Gra-
mática Descritiva do Português de Perini (2009) no que se refere à
regência nominal:

TRANSITIVIDADE NOMINAL
Ainda não foi realizado, que eu saiba, um estudo detalha-
do da transitividade nominal, comparável aos que existem para
a transitividade verbal. Assim, não será possível oferecer gene-
ralizações e levantamentos estatísticos como os que acabamos de
ver para os verbos. Vou, portanto, apenas definir e exemplificar o
fenômeno.
A análise tradicional não limita a transitividade aos verbos;
considera-se que também certas palavras de outras classes – subs-
tantivos, adjetivos e advérbios – podem exigir, ou recusar, a pre-
sença de certos termos. Esses termos se analisam tradicionalmen-
te como “complementos nominais”; para nós, serão modificadores,
complementos do sintagma adjetivo ou complementos do sintag-
ma adverbial, segundo o caso. Exemplos clássicos são:
crença em duendes;
favorável ao réu;
favoravelmente ao réu.
A ideia tradicional é que o complemento “completa o sen-
tido” do substantivo, adjetivo ou advérbio da mesma forma que
um objeto, por exemplo, “completa o sentido” de um verbo. Fala-
-se, por isso, de “palavras de predicação incompleta”, que exigi-
riam um complemento para que seu significado fosse completo.
Essa análise é passível das mesmas objeções feitas a respei-
to dos complementos verbais. Na maioria dos casos, as palavras
ditas “de predicação incompleta” podem perfeitamente aparecer
sem complemento, em situações não anafóricas, o que mostra que
não “exigem” complementação:
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 189
Gramatical

(33) Você precisa respeitar minhas crenças.


(34) O tempo se mostrava favorável.
Analiso o termo em duendes no sintagma nominal crença
em duendes como modificador, e portanto não faço a distinção
tradicional entre “adjunto adnominal” e “complemento nomi-
nal”. A razão é que a única diferença coerentemente formulada
que encontrei nas gramáticas entre essas duas funções é que o
complemento nominal é (ou pode ser) exigido por algum item,
ao passo que o adjunto adnominal nunca o é. Mas isso não
pode servir de base para uma distinção entre funções, pois a
expressão da transitividade depende, ela própria, da definição
prévia das funções.
Desse modo, o problema se planteia em nossos termos da
seguinte forma: o fenômeno da transitividade nominal existirá,
caso existam substantivos que exijam ou recusem modificador;
adjetivos que exijam ou recusem CSA (Complemento do Sin-
tagma Adjetivo); e/ou outros tipos de palavras (“advérbios”)
que exijam ou recusem um complemento semelhante. Se não
encontrarmos tais exigências ou recusas de complemento, a
transitividade nominal ficará esvaziada, pois todas as funções
serão irrelevantes, e teremos de dizer que tal fenômeno não
existe na língua. Não parece ser esse o caso. Há, por exemplo,
certo número de adjetivos que exigem CSA. Assim, os sintag-
mas seguintes são mal formados se não receberem complemen-
to:
(35) * Um cliente desejoso
(36) * Um documento alusivo
(37) * Uma linha de ação tendente
Esses sintagmas se tornarão aceitáveis se acrescentarmos
complementos adequados, como, respectivamente, de atenção, à
Independência do Brasil e à renúncia. Por conseguinte, existem exi-
gências de CSA feitas por adjetivos, e a transitividade nominal é
um fato do português.
Há igualmente adjetivos que recusam CSA. Um desses é pre-
sidencial, que pode vir acompanhado de intensificador em certos
casos, mas nunca de CSA. Isso confirma a necessidade de incluir
a transitividade nominal na gramática.
Já com os substantivos os fatos são menos claros e estão a pe-
dir mais investigação. Faltam, no momento, exemplos realmente
convincentes de recusa ou exigência de modificador. Os possíveis
exemplos encontrados (todos de exigência) são aceitos sem com-
plemento pelo menos por alguns falantes:
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
190
190 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

(38) Um partido cheio de tendências (à desagregação)


(39) Esse documento contém alusões (à Independência)
(40) Todos se assustaram com o aparecimento (do fantasma)
Ao se omitir o modificador, o resultado é muito melhor do
que qualquer dos exemplos de (35) a (38).
Como se vê, é necessário deixar parcialmente em suspenso
a questão do modo como se manifesta a transitividade nominal
em português e em que dimensões; faltam pesquisas relevantes
a respeito. O que se pode adiantar desde já é que a transitividade
nominal é um fato da língua; aplica-se aos adjetivos e possivel-
mente também aos substantivos e advérbios. A alternativa normal
parece ser a aceitação livre (“L”); recusas e exigências são compa-
rativamente excepcionais.

REGÊNCIA: FORMA DOS COMPLEMENTOS ORACIONAIS


Subjuntivo e indicativo
Um aspecto importante do fenômeno da regência são as exi-
gências feitas pelos verbos, e também por outros itens, quanto à
forma do verbo de seus complementos oracionais; em particular,
essas exigências se referem ao modo do verbo do complemento.
Nos exemplos abaixo,
(41) Lelé demonstrou que podia fazer o serviço.
(42) Lelé duvidou que pudesse fazer o ser-viço.
observa-se uma diferença de modo no verbo da oração su-
bordinada: está no indicativo em (41) e no subjuntivo em (42).
Conforme veremos, essa diferença pode ser atribuída ao verbo da
oração principal.
Observa-se um fenômeno paralelo com orações subordina-
das a outros itens que não verbos, Assim, uma oração subordi-
nada à preposição para aparece no subjuntivo, mas não no indi-
cativo:
(43) Trouxemos este frango para que você o mate.
Já, com a preposição até, ambos os modos são aceitáveis, com
diferença semântica, no caso:
(44) Fiquei escondido até que você chegou.
(45) Ficarei escondido até que você chegue.
Há ainda palavras consideradas “advérbios” que regem o
modo da oração a que pertencem. Talvez aceita subjuntivo quando
o verbo está à sua direita, como em
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 191
Gramatical

(46) Talvez o procure no escritório.


Em geral, aceita-se também o indicativo nesses casos, mas me
parece que é mais raro:
b. Eu talvez o procurarei no escritório.
Mas, se o verbo está à esquerda de talvez., só o indicativo é
admissível:
(47) a. Eu o procurarei no escritório, talvez.
c. * Eu o procure no escritório, talvez.
Outro fator que determina o aparecimento do subjuntivo em
certos casos é a presença de uma negação verbal. Por exemplo,
com o verbo afirmar, usa-se o indicativo:
(48) a. O advogado afirmou que você é inocente.
b. * O advogado afirmou que você seja inocente.
Mas, se há uma negação verbal na principal, a subordinada
pode vir no subjuntivo (assim como no indicativo) :
(49) a. O advogado não afirmou que você é inocente.
b. O advogado não afirmou que você seja inocente.
Finalmente, em certos casos, parece que o tempo verbal pode
condicionar a ocorrência do modo da subordinada. Tenho em
mente exemplos como
(50) a. Ele pensou que estivesse/estava protegido.
b. Ele pensava que estivesse/estava protegido.
c. Ele pensa que * esteja/está protegido.
Como se vê, em (c) apenas o indicativo dá resultado aceitá-
vel, o que se correlaciona com o fato de que o verbo da principal
está no presente. Em muitos dos casos em que os dois modos são
possíveis, percebe-se uma diferença de significado mais ou menos
nítida entre as duas versões. Isso pode ser atribuído à própria se-
mântica da forma subjuntiva.
As condições que governam a ocorrência do subjuntivo, em
oposição ao indicativo, em todas essas; construções são comple-
xas, e bastante mal compreendidas, apesar de muita pesquisa já
realizada na área. [...] Apresentei alguns resultados que, embora
parciais, deverão dar uma ideia do funcionamento desse com-
plicado mecanismo. A exposição só abordará o caso de comple-
mentos oracionais em função de objeto, porque para esses há dis-
ponibilidade de estudos mais completos; falta ainda um estudo
abrangente da forma dos complementos oracionais em função de
sujeito, por exemplo.
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192
192 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

Infinitivo
Nos casos vistos acima, a subordinada é sempre introduzida
por um elemento (em geral que, mas às vezes também se), deno-
minado complementizador. Há ainda subordinadas sem comple-
mentizador explícito: o verbo nesses casos fica no infinitivo ou no
gerúndio. Vamos considerar aqui apenas o infinitivo.
A ocorrência de subordinadas no infinitivo é em parte regida
por condições semelhantes às que regem o subjuntivo ou o indi-
cativo. Assim, há verbos que aceitam complemento no infinitivo:
(51) Lelé demonstrou estar em boas condições físicas.
e há outros (bem menos numerosos) que não o aceitam:
(52) a. Lelé mentiu que estava em boas condições físicas.
b. * Lelé mentiu estar em boas condições físicas.
Também algumas preposições admitem infinitivo:
(53) Fiquei escondido até você chegar.
(54) Vou embora para você ficar mais feliz.
Essas preposições, como vimos nos exemplos (43) a (45), tam-
bém podem ocorrer com o complementizador que. Algumas, en-
tretanto, só aceitam infinitivo:
(55) a. Conversaremos após a aula acabar.
b. * Conversaremos após que a aula acabe.
Não se conhecem casos de advérbios que exijam infinitivo.
Na exposição que se segue, consideraremos as condições sob
as quais os verbos se constroem com subjuntivo, indicativo ou in-
finitivo. A descrição é bastante preliminar, mas creio que cobre a
maioria dos casos, podendo servir de base para um levantamento
mais amplo.

Forma dos complementos oracionais do verbo


Aqui vamos estudar a forma dos complementos do verbo,
exceto o sujeito. Em geral os exemplos serão com objeto direto
oracional (isto é, que contém oração); mas em alguns casos podem
surgir exemplos de outras funções.
As exigências feitas pelos verbos quanto à forma das orações
que lhes são subordinadas são muito variadas, e aqui tentarei es-
tudar as que me parecem mais importantes.
O complementizador é basicamente determinado pela forma
do verbo: que só ocorre com indicativo ou subjuntivo, e só o infi-
EaD • UFMS Articulação dos da
Fundamentos Termos
Teoriada Oração 193
Gramatical

nitivo ocorre normalmente sem complementizador. Há casos de


subjuntivo sem complementizador, mas podem ser considerados
marginais; um exemplo é
(56) Solicito sejam deferidos estes pedidos.
Por outro lado, fatores importantes são: o modo da subor-
dinada (subjuntivo, indicativo ou infinitivo); além disso, no caso
de subordinadas no infinitivo, a possibilidade ou não de ocorrer
sujeito, assim como a eventual exigência de preposição. Vejamos
cada um desses fatores, com exemplificação.
Em primeiro lugar, o verbo pode exigir um modo específico.
Alguns verbos exigem indicativo, como, por exemplo, demonstrar:
(41) Lelé demonstrou que podia fazer o serviço.
(57) * Lelé demonstrou que pudesse fazer o serviço.
Outros verbos exigem subjuntivo:
(42) Lelé duvidou que pudesse fazer o serviço.
(58) * Lelé duvidou que podia fazer o serviço.
Há ainda outros que aceitam ambos os modos (muitas vezes,
como já apontei acima, com diferença de significado):
(59) a. Eu entendo que você quer ir embora.
b. Eu entendo que você queira ir embora.
Em português, a imensa maioria dos verbos aceita infinitivo,
de uma maneira ou de outra. Em muitos casos, entretanto, há res-
trições; por exemplo, com alguns verbos o infinitivo só é aceitável
se a subordinada não tiver sujeito:
(60) a. Manuel quer comprar o piano.
b.* Manuel quer Artur comprar o piano.
Já em outros casos, a presença do sujeito não impede a acei-
tabilidade:
(61) a. Lelé reconheceu estar em más condições físicas.
b. Lelé reconheceu o time estar em más condições físicas.
Além disso, alguns verbos só aceitam infinitivo se este estiver
em um complemento preposicionado:
(62) a. Os alunos pediram para sair.
b. * Os alunos pediram sair.
Note-se que, com esse verbo, a preposição não é necessária se
o complemento não estiver no infinitivo:
(63) Os alunos pediram que o professor saísse.
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA III:
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194 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

Classificação dos verbos


Desses fatos, é possível depreender cinco traços que carac-
terizam o comportamento dos verbos da língua quanto à forma
dos complementos oracionais que aceitam. Estou deixando de
lado outros traços de certa importância (como, por exemplo, a exi-
gência de subjuntivo quando há negação verbal na principal), de
forma que a classificação abaixo deve ser tomada como uma des-
crição parcial. De qualquer modo, acredito que temos condições
de estabelecer uma classificação muito mais rica e informativa do
que a tradicional.
Os traços que utilizarei na classificação dos verbos são os se-
guintes:
[Indic] - “admite indicativo na subordinada”;
[Subj] - “admite subjuntivo na subordinada”;
[Inf c/suj] - “admite infinitivo, com sujeito”;
[Inf s/suj] - “admite infinitivo, sem sujeito”;
[Inf prep] - “admite infinitivo apenas se houver preposição “.
Note-se que vários fenômenos ficam de fora desse gru-
po de traços, notadamente a influência da negação [veja-se o
exemplo (49)] e a do tempo do verbo da principal [veja-se o
exemplo (50)].
Utilizando esses cinco traços, distinguem-se nove classes de
verbos em português, conforme a tabela abaixo:
Classificação dos verbos quanto à forma do complemento
Classe [Indic Subj Inf Inf Inf] Exemplos
c/suj s/suj prep
I + + + + - admitir
II + + - + - entender
III + - + + - demonstrar-
IV - + + + + pedir
V + - - - - mentir
VI - + - - - duvidar
VII - + - + - mandar, querer
VIII - - - + - dever
IX - - - + + atrever-se
(a) A classe V é extremamente pequena: possivelmente, ape-
nas o verbo mentir.
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Teoriada Oração 195
Gramatical

(b) Mandar não aceita infinitivo com sujeito porque em frases


como mandei Carolina lavar o carro é possível mostrar que Carolina
é objeto direto da oração principal.
(c) Os verbos da classe VIII são pouco numerosos; dever, ou-
sar, costumar, tramar e alguns outros. Alguns são às vezes classifi-
cados como “auxiliares modais”.

REVISITANDO OS PREDICADOS COMPLEXOS


Agora podemos voltar a examinar os predicados complexos
[...] dando em maior detalhe as razões para sua análise. Vimos que
em frases como
(64) Lili está lendo.
embora, de certo modo, tenhamos dois “verbos”, estar e ler,
há um só predicado. Esse é o único caso em que uma forma verbal
não constitui um núcleo do predicado: o NdP é lendo, e está é o
auxiliar. A sequência Aux + NdP forma o predicado (que, neste
caso, é complexo).
A razão principal para essa análise é o fato de que, para efei-
tos da maioria dos processos gramaticais, a sequência está lendo
em (64) funciona como um único verbo; na verdade, funciona
como se apenas o verbo ler estivesse presente na oração; está é
“transparente” a esses processos.
O principal deles é a transitividade. Observa-se que qualquer
traço de transitividade que valha para um verbo quando pertence
a um predicado simples vale igualmente para esse verbo quando
é parte de um predicado complexo. Exprimimos isso dizendo que
existe um conjunto de traços de transitividade para cada predi-
cado. Assim, por exemplo, o verbo comer tem a transitividade [L-
OD, L-AC, Rec-Pv]. Ora, esses mesmos traços se aplicam a frases
com os predicados está comendo ou tem comido. Isso se aplica a to-
dos os verbos da língua; a conclusão é que não convém considerar
dois predicados na sequência está comendo, porque um deles seria
excepcional por não fazer exigência nenhuma quanto à transiti-
vidade. Note-se que estar, por exemplo, quando sozinho em seu
NdP, tem traços de transitividade próprios, expressos pela matriz
[Ex-(CP v AC), Rec-Pv]. Mas essa matriz fica neutralizada quando
estar ocorre em um predicado complexo (um argumento possível
em favor de distinguir dois verbos estar). Assim, o verbo considerar
aceita predicativo; e é possível construí-lo com predicativo mes-
mo quando vem acompanhado de estar (que recusa predicativo)
em um predicado complexo:
(65) A chefe está considerando Carlão um bom funcionário.
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196
196 SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EaD • UFMS

Assim, os fatos relativos à transitividade apoiam a análise de


sequências do tipo estar + gerúndio e ter + particípio como predi-
cados complexos.
Agora é possível dar urna razão de certa importância para
que, em urna frase corno (64), consideremos lendo, e não está, o
núcleo do predicado. Dessa maneira, será possível atribuir a tran-
sitividade sempre a núcleo do predicado, mantendo a generali-
zação de que o NdP é o elemento “governante” da oração, para
efeitos de transitividade. Esse foi o principal motivo que me levou
a analisar a forma não conjugada dos predicados complexos como
NdP – mantendo, aliás, a intuição tradicional, que considera essa
forma o ‘’verbo principal”.
(PERINI, 2009, p.173-180)
EaD • UFMS Fundamentos Sintaxe
da TeoriadoGramatical
Período 197

ANEXO
Bechara (2009, p. 572-581)
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da TeoriadoGramatical
Período 207

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