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UNICAMP

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS


INSTITUTO DE ARTES
DEPARTAMENTO DE MÚSICA

O PENSAMENTO MUSICAL NO CINEMA:


O EXEMPLO DE ENNIO MORRICONE

Orlando Marcos Martins Mancini

Campinas
2011
ii
ORLANDO MARCOS MARTINS MANCINI

O PENSAMENTO MUSICAL NO CINEMA:


O EXEMPLO DE ENNIO MORRICONE

TESE APRESENTADA AO INSTITUTO DE ARTES


DA UNICAMP – UNIVERSIDADE ESTADUAL
DE CAMPINAS COMO PARTE DOS PRÉ-
REQUISITOS À OBTENÇÃO DO TÍTULO DE
DOUTOR EM MÚSICA SOB A ORIENTAÇÃO DO
PROF. DR. CLAUDINEY RODRIGUES
CARRASCO.

Campinas
2011

iii
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA
BIBLIOTECA DO INSTITUTO DE ARTES DA UNICAMP

Mancini, Orlando Marcos Martins.


M312p O pensamento musical no cinema: o exemplo de Ennio
Morricone. / Orlando Marcos Martins Mancini. – Campinas,
SP: [s.n.], 2011.

Orientador: Prof. Dr. Claudiney Rodrigues Carrasco.


Tese(doutorado) - Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Artes.

1. Morricone, Ennio. 2. Leone, Sergio. 3. Musica de cinema.


4. Cinema – História. 5. Audiovisual. I. Carrasco, Claudiney
Rodrigues. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de
Artes. III. Título.
(em/ia)

Título em inglês: “Musical thought in cinema: Ennio Morricone's example.”


Palavras-chave em inglês (Keywords): Morricone, Ennio ; Leone, Sergio ;
Moving-picture music ; Cinema – History ; Audiovisual.
Titulação: Doutor em Música.
Banca examinadora:
Prof. Dr. Claudiney Rodrigues Carrasco.
Prof Dr. Marcos Fernandes Pupo Nogueira.
Prof Dr. Irineu Guerrini Junior.
Prof. Dr. José Eduardo Ribeiro de Paiva.
Prof. Dr. Jônatas Manzolli.
Data da Defesa: 21-02-2011
Programa de Pós-Graduação: Música.

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Este trabalho é dedicado a Ricardo Rizek

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Ao dizer palavras que nunca tinha dito antes,
aprendi o que antes não sabia.

José Saramago, In Nomine Dei

ix
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos que contribuíram e me incentivaram, desde o início,
na realização deste passo tão gratificante. Infelizmente o espaço e minha memória
são restritos, mas as pessoas citadas abaixo representam momentos de presença
que contribuíram direta ou indiretamente na realização deste trabalho.
Prof. Dr. Claudiney R. Carrasco, pela orientação e confiança. Sua
generosidade, conhecimento, amizade, sugestão, experiência, paciência e
otimismo foram, sem dúvida, as bases e o norte durante todas as etapas do
processo de construção deste trabalho;
Prof.ª Dra. Maria de Lourdes Sekeff Zampronha (in memoriam) pelo
grande incentivo gentilmente ofertado como minha orientadora no mestrado;
Minha esposa, Maria Flavia de Castro Schiewaldt Mancini e meus dois
filhos, Marcus Vinícius Schiewaldt Mancini e Marcella Schiewaldt Mancini, pela
parceria, paciência, incentivo e compreensão;
Aos membros da Banca Examinadora: Prof. Dr. Marcos Fernandes
Pupo Nogueira (UNESP), Prof. Dr. Irineu Guerrini Jr. (FACULDADE CASPER
LÍBERO), Prof. Dr. José Eduardo Ribeiro Paiva (UNICAMP), Prof. Dr. Jônatas
Manzolli (UNICAMP), pelas sugestões e por todo incentivo ao projeto;
André Luiz Olzon Vasconcelos, César Henrique Rocha Franco, Cintia
Campolina de Onofre, Martin Eikmeier, Samuel Henrique Pedrozo Ferrari, Sandra
Cristina Novais Ciocci, Virgínia Osório Flores e demais integrantes do “Grupo de
Pesquisa em Música Aplicada à Dramaturgia e ao Audiovisual”, pela ajuda,
companheirismo e paciência;
Sergio Rizek, pelas rememorações, conselhos, empatia e
generosidade;
Sidney Molina, pelo contínuo exemplo, auxílio, incentivo, confiança e
amizade;
Tarsila Doná, pela grande ajuda, incentivo, acolhimento e lealdade;

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Renato Candro e Alexandre Spatz pela grande ajuda em momentos
decisivos da pesquisa;
Prof. Dr. Renato Ladeia de Oliveira e Prof. Milton Eto, pelas sugestões,
generosidade e companheirismo nas revisões do texto;
Marisa Rosana Lacorte meu maior modelo ético de humildade e
espanto perante o conhecimento;
Prof. Raul Jaime Brabo pela ajuda, confiança, companheirismo e
colaboração. Espero sinceramente que toda lealdade possa ser recompensada a
altura;
Professores, alunos e funcionários da pós-graduação do Instituto de
Artes da UNICAMP, pelo acolhimento, respeito e por toda atenção dispensada;
Professores e colegas responsáveis por essa longa e prazerosa jornada
de aprendizado: iniciando desde a chamada Formação Musical na FASCS -
Fundação das Artes de São Caetano do Sul até o presente momento;
Alunos, professores, funcionários e coordenadores do Complexo
Universitário FIAM - FAAM – FMU que, por vários motivos, tanto têm me
incentivado na busca de um aprofundamento qualitativo da informação
apresentada como elemento vital de transformação para melhor, do mundo em
que vivemos.

xiii
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Em março de 1973, numa conversa com meu pai, Orlando Mancini (en-
tão com 47 anos), num leito do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo,
onde tentava, com a assistência da equipe de cardiologia daquele hospital, se res-
tabelecer de um grave infarto do miocárdio, me foi revelado por ele toda sua ex-
pectativa em relação à minha felicidade e o quanto ele sabia que isso dependia
diretamente de meus estudos. Nesse dia me fez prometer que estudaria aquilo
que eu mais quisesse, mas, que eu o faria com afinco, dignidade e resignação,
pois, existia uma chance real dele não estar mais por perto para poder me orientar
em momentos em que isso fosse necessário. Argumentei, com a cabeça de minha
problemática adolescência, ao mesmo tempo esperançosa e ingênua, que isso
não seria necessário, pois, ele ainda viveria o suficiente para podermos desfrutar
de muitos acontecimentos. À revelia de nossos desejos e de posse de minha pro-
messa meu pai faleceu, “inesperadamente”, poucos dias depois. Ofereço a sua
memória este trabalho, não só pela minha promessa, mas também, pelo seu ato,
que hoje entendo como um símbolo pedagógico, e que me serviu como uma cons-
tante lembrança de suas verdadeiras intenções paternas.

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RESUMO
O pensamento musical no cinema exemplificado pela “música aplicada”
de Ennio Morricone originou-se em julho de 1992, na ACCADEMIA MUSICALE CHIGIA-
NA, Siena – Itália, onde Ennio Morricone e Sergio Miceli ministraram conjuntamen-
te o Corso de Perfezionamento in Musica per Film. Sucintamente, o curso propôs
a possibilidade de uma confluência entre dois pensamentos relacionados à música
de cinema, duas abordagens: uma musicológica, histórica e teórica, voltada a
apresentar instrumentos idôneos na análise das relações intercorrentes entre mú-
sica e imagem (a parte de Sergio Miceli); a outra, profissional, artesanal, estrita-
mente relativa a um pensamento e uma praxe compositiva desenvolvida dentro
dos vínculos impostos pela própria produção e linguagem cinematográfica (a parte
de Ennio Morricone). Mesmo que primariamente distintas, de modo geral, as abor-
dagens percorreram assuntos que, insistentemente, orbitaram em torno de um
mesmo problema: qual o contexto da música e do compositor de cinema na histó-
ria contemporânea?
Utilizando inserções musicais das trilhas sonoras das duas trilogias do
diretor Sergio Leone e de alguns filmes representativos situados em momentos
importantes da trajetória de Ennio Morricone como referência, este trabalho busca
apresentar, situar, estender e aprofundar a proposta de confluência estabelecida
na Chigiana, acrescida por tópicos importantes e significativos do instrumental teó-
rico da área de música de cinema, principalmente o referenciado no campo aca-
dêmico.
O estudo alterna entre uma vertente mais geral, percorrendo panorami-
camente momentos decisivos da vida e da obra de Ennio Morricone, com outra
mais particularizada, aprofundando-se em momentos significativos, onde são es-
tabelecidas instâncias reveladoras de seu pensamento musical aplicado no objeto
audiovisual.

xvii
xviii
ABSTRACT
Musical Thought in Cinema exemplified by Ennio Morricone’s “Applied
Music” originated in July 1992 at Accademia Musicale Chigiana, in Siena - Italy,
where Ennio Morricone and Sergio Miceli ministered, together, the Corso di Perfe-
zionamento in Musica per Film. Succinctly, the course raised the possibility of a
confluence between two approaches related to film music: a musicological, histori-
cal and theoretical view aimed to present suitable instruments for the analysis of
the reciprocal relations between music and image (Sergio Miceli’s focus), and a
professional, compositional perspective developed within the constraints imposed
by its creation and cinematic language (advocated by Ennio Morricone). Even
though primarily distinct, in general, both approaches seem to converge to the
same problem: what is the context of film music and composer in history?
Using fragments of Sergio Leone’s two trilogies and other representative
film scores in the career of Ennio Morrione as reference, this study aims to present,
situate, expand and deepen the proposed confluence, established originally at
Chigiana, by considering various well-known theoretical lenses.
This work will alternate between a panoramic overview of decisive mo-
ments in Ennio Morricone’s life and work and an in depth analysis of key extracts
which reveal his applied musical thought in the relationship between the audiovisu-
al object and the soundtrack.

xix
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SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS .......................................................................................... XI 

RESUMO ....................................................................................................... XVII 

ABSTRACT ..................................................................................................... XIX 

SUMÁRIO ....................................................................................................... XXI 

TABELAS, GRÁFICOS, FIGURAS E EXEMPLOS ............................................ XXXIII 

INTRODUÇÃO .................................................................................................... 1 

1. MÚSICA DE CINEMA: ASPECTOS E PROBLEMAS DE UMA ATIVIDADE


COMPOSICIONAL DO “NOSSO TEMPO” ............................................................... 5 
1.1 - O Ofício do Músico no Cinema.............................................................................. 5 
1.2 - Uma Estética Pessoal: a “dupla estética” ............................................................. 11 
1.3 - A Música de Cinema: Música Aplicada ............................................................... 12 

2. MUSICA PER FILM ....................................................................................... 24 


2.1 - Créditos Iniciais .................................................................................................... 24 
2.2 - O Estudo da Música de Cinema ........................................................................... 27 
2.3 - O Pensamento Musical no Cinema....................................................................... 31 
2.4 - O Ofício do Músico no Cinema: Sabaneev versus Adorno e Eisler..................... 40 
2.4.1 - Leonid Sabaneev (1935): Music for the films 41 
2.4.2 - Adorno e Eisler (1947): Composing for the films 43 
2.5 - O pensamento musical aplicado ........................................................................... 45 
2.5.1 - Kurt London (1936): Film Music 45 
2.5.2 - Serguei Mikhailovitch Eisenstein (1940): O sentido do filme 46 
2.6 - Pensando a Estética da Música Cinematográfica ................................................. 48 
2.6.1 - Aaron Copland (1940): A Estética da Música para Filmes 48 
2.6.2 - Manvell & Huntley (1957): The Technique of Film Music 50 
2.6.3 - Zofia Lissa (1959): Ästhetik der Filmmusik 50 
2.7 - Ampliando o Pensamento Musical no Cinema: As Funções Narrativas da Música
de Cinema versus As Funções da Música no Cinema Narrativo .................................. 54 
2.7.1 - Diegese (Narrativa) 54 
2.7.2 - Sergio Miceli (1982): Análise da Intervenção Musical no Filme 56 
2.7.2.1: Música de Acompanhamento & Música de Comentário .................................................... 59 
2.7.2.2: Sincronias ........................................................................................................................... 60 
2.7.2.3: Os Níveis ............................................................................................................................ 60 
2.7.3 - Claudia Gorbman (1987): “Música Inaudível” 63 
2.7.4 - Kalinak (1992):”Settling the Score” 65 

xxi
xxii
2.7.5 - Wingstedt (2005): Narrative Music – Towards and Understanding of Musical
Narrative Functions in Multimedia 65 
2.8 - Pensando a Forma da Música no Cinema............................................................. 67 
2.8.1 - Roy Prendergast (1977): Música de Filmes e Forma 67 
2.9 - Pensando a análise da música no processo audiovisual ....................................... 69 
2.9.1 - Chion (1985): O Contrato Audiovisual 69 
2.9.1.1: Valor Agregado .................................................................................................................. 70 
2.9.1.2: Syncresis ............................................................................................................................. 71 
2.10 - Introdução à Análise Audiovisual ...................................................................... 72 
2.10.1 - Métodos de Observação 73 
2.10.1.1: Mascaramento................................................................................................................... 73 
2.10.1.2: Casamento Forçado .......................................................................................................... 75 
2.11 - Karlin e Wright (1990): On the track ............................................................... 76 
2.12 - O Pensamento Eclético ....................................................................................... 78 
2.12.1 - Brown (1992): Sobretons e Subtons 78 
2.13 - Pensando Metaforicamente ................................................................................ 80 
2.13.1 - Nicholas Cook (1998): Analysing Musical Multimedia 80 
2.14 - A música para filmes como sinergia .................................................................. 81 
2.15 - Pensando a Música de Cinema na Teoria dos Gêneros Cinematográficos ........ 82 
2.15.1 - Mark Brownrigg: Música de Cinema e o Gênero Cinematográfico 82 
2.15.2 - Carreiro (2010): “Continuidade Intensificada” e Gênero Cinematográfico 83 
2.16 - Aplicação ............................................................................................................ 91 
2.16.1 - Decupagem 91 

3. ENNIO MORRICONE: TRADIÇÃO E SINGULARIDADE NA MÚSICA DE CINEMA


..................................................................................................................... 100 
3.1 - Cronologia de Ennio Morricone ......................................................................... 104 
3.2 - A Base Musical de Ennio Morricone: Formação e Primeiras Influências ......... 112 
3.2.1 - Morricone no nascimento da Indústria da Música Popular Italiana 117 
3.2.2 - Darmstadt: 1958 122 
3.3 - Influências de um profissional eclético e sincrético na música de cinema ........ 124 
3.3.1 - Estilo “contaminado” 126 
3.3.2 - Canções e Trilhas Musicais 128 
3.4 - A Década de 1960: As Primeiras Trilhas Musicais Cinematográficas............... 131 
3.5 - A Música Aplicada de Morricone ...................................................................... 137 
3.6 - Premiações e Reconhecimentos ......................................................................... 152 
3.7 - Concertos de Música de Cinema ........................................................................ 153 
3.8 - Música de Concerto de Ennio Morricone ........................................................... 158 

4. ANÁLISES: “MÚSICA APLICADA” ............................................................. 166 


4.1 - A Música de Ennio Morricone na Primeira Trilogia de Sergio Leone............... 170 
4.1.1 - A parceria entre Leone e Morricone: Nascimento e Desenvolvimento de um Estilo
Musical? 170 
4.2 - Esslin & Prendergast: o “Developemental Score” ............................................. 175 
4.3 - A Música de Per Un Pugno di dollari – 1964 (Por um Punhado de Dólares) ... 186 
4.3.1 - Ficha Técnica 186 
4.3.2 - Comentários Iniciais 187 

xxiii
xxiv
4.3.2.1: “Ninna nanna” => Per un pugno di dollari. 191 
4.3.2.2: Pastures of Plenty => titoli ................................................................................................196 
4.4 - Organização temática da trilha musical .............................................................. 200 
4.4.1 - Titoli: A música dos Créditos Iniciais e Finais 200 
4.4.2 - Decupagem 220 
4.4.3 - Alguns Exemplos da Utilização do Tema 1: Titoli 224 
4.4.3.1: Parte 01 – Créditos Iniciais (Titoli) ...................................................................................224 
4.4.3.2: Partes 2, 7, 14, 22, 30, 36 e 52 – Leitmotiv do protagonista Joe (Clint Eastwood) ...........230 
4.4.3.3: Partes 33, 40 e 54 – Solos diferenciados da melodia principal ..........................................235 
4.4.3.4: Partes 4, 21 e 38 - Sinos ....................................................................................................236 
4.4.3.5: Partes 8 e 36 – Sons Tônicos .............................................................................................236 
4.4.3.6: Partes 16, 23, 25 – Sonoridades tensas e sons percussivos. ...............................................237 
4.4.3.7: Partes 3 e 6 – A sonoridade dos bandidos .........................................................................241 
4.4.3.8: Partes 50, 51 e 52 – “Source Music” e Canções ................................................................242 
4.4.4 - Alguns Exemplos de utilização do TEMA 2 – Per un pugno di dollari 243 
4.4.4.1: Partes 40 a 47 – A música do confronto ............................................................................243 
4.5 - O duelo final ....................................................................................................... 246 
4.6 - A Música de Per Qualche Dollaro in Più – 1965 (Por uns Dólares a Mais) ..... 252 
4.6.1 - Ficha Técnica 252 
4.6.2 - Comentários Iniciais 253 
4.7 - Organização temática da trilha musical .............................................................. 256 
4.7.1 - Per Qualche Dollaro in Più (a música dos Créditos Iniciais e Finais) – Tema 1 256 
4.7.2 - La Resa Dei Conti (a idéia da “música de duelo”) – Tema 2 262 
4.7.3 - Il Vizio di Ucidere (a idéia da “música de cavalgada”) – Derivada do Tema 1 266 
4.7.4 - Addio Colonello (expansão leitmotívica) – Derivada do Tema 2 267 
4.7.5 - Decupagem 268 
4.7.6 - Parte 1 – Créditos Iniciais 272 
4.7.7 - Alguns Exemplos da Utilização do Tema 1 276 
4.7.8 - Alguns Exemplos da Utilização do Tema 2 281 
4.7.9 - Fragmento 44 e 45: O Duelo final 285 
4.8 - A Música de Il buono, Il brutto, Il cattivo – 1966 (Três Homens em Conflito) 288 
4.8.1 - Ficha Técnica 288 
4.8.2 - Comentários Iniciais 289 
4.8.3 - Sinopse 290 
4.9 - Organização Temática da Trilha Musical........................................................... 293 
4.9.1 - Decupagem 293 
4.9.2 - As faixas do CD das músicas do filme: “il buono, il brutto, il cattivo” 294 
4.9.3 - Tema Principal: “Il Buono, il brutto, il cattivo” (a música dos créditos iniciais e finais)
296 
4.9.3.1: Fragmento 1: Créditos Iniciais ..........................................................................................303 
4.10 - Apresentação dos três protagonistas ................................................................. 306 
4.10.1 - Tuco: “Il Brutto” 306 
4.10.1.1: Fragmento 2: Tuco ..........................................................................................................306 
4.10.2 - Angel Eyes: “Il Cattivo” 307 
4.10.2.1: Fragmento 3: “Il Tramonto” (O Por do Sol) – Angel Eyes .............................................307 
4.10.2.2: Fragmento 4: “Angel Eyes”, “Il Cattivo” ........................................................................309 
4.10.3 - Blondie: “Il Buono” 310 
4.10.3.1: Fragmento 5: Blondie ......................................................................................................310 

xxv
xxvi
4.10.3.2: Fragmento 6: Blondie, “Il Buono”...................................................................................311 
4.11 - Temas Secundários 312 

4.11.1 - Fragmento 8: “Il Ponte di Corde” (A Ponte de Cordas) - Ostinato 312 


4.11.2 - Fragmento 12: “Inseguimento” (Perseguição) - Cavalgada 313 
4.11.3 - Fragmento 13: “Il Deserto” (O Deserto) – Princípio Serial 313 
4.11.4 - Fragmento 11: “La Carrozzo dei Fantasmi” 315 
4.11.5 - O irmão de Tuco 316 
4.11.5.1: Fragmento 16: “La Missione San Antonio” ....................................................................316 
4.11.5.2: Fragmento 16: “Padre Ramirez” ......................................................................................316 
4.11.6 - Fragmento 20: “Marcetta” 317 
4.11.7 - Os “toques” de corneta 319 
4.11.8 - Fragmento 24: “La Storia di un Soldato” 320 
4.11.9 - fragmento 24: “Il Treno Militare” (“La Storia di un Soldato”) 323 
4.11.10 - Fragmento 25: “La Morte di un Ladrone” 324 
4.11.11 - Fragmento 29: “Due Contro Cinque” (Dois contra Cinco) 324 
4.11.12 - Fragmento 31: “Marcetta Senza Speranza” 324 
4.11.13 - Fragmento 32: “Morte di un Soldato” 325 
4.11.14 - Fragmento 34: “L’Estasi Dell’oro”(O êxtase do Ouro) 325 
4.12 - Fragmento 36: “Il Trielo” final......................................................................... 329 
4.12.1 - Epílogo 334 
4.13 - A Música de Ennio Morricone na Segunda Trilogia de Sergio Leone............. 336 
4.14 - A Música de C’Era Una Volta il Western - 1968 (Era uma Vez no Oeste) .... 341 
4.14.1 - Ficha Técnica 341 
4.14.2 - Comentários Iniciais 342 
4.14.3 - Sinopse 346 
4.15 - Organização temática da trilha musical ............................................................ 348 
4.15.1 - Decupagem 348 
4.15.2 - As faixas do CD das músicas do filme: “C’era una volta il West” 348 
4.15.3 - Os Créditos Iniciais 349 
4.16 - Temas Principais (leitmotivs) ........................................................................... 351 
4.16.1 - Jill (Claudia Cardinale): “A melhor prostituta de New Orleans” 353 
4.16.1.1: Jill chega à estação ..........................................................................................................356 
4.16.1.2: Todos mortos ...................................................................................................................360 
4.16.1.3: Jill chega em casa. Funeral e solidão ...............................................................................360 
4.16.1.4: Epílogo e créditos finais ..................................................................................................360 
4.16.2 - Cheyenne (Jason Robards): “O bandido romântico” 361 
4.16.2.1: Cheyenne e Gaita na estalagem .......................................................................................362 
4.16.2.2: Cheyenne invade a casa de Jill ........................................................................................363 
4.16.3 - Mr. Morton (Gabrielle Ferzetti): “O homem de negócios que se imagina como um
pistoleiro” 363 
4.16.4 - Frank (Henry Fonda): “o assassino que é meio homem de negócios, meio pistoleiro e
que quer ingressar no novo mundo dos negócios”; e Gaita (Clarles Bronson): “o vingador
solitário” 365 
4.16.4.1: Gaita enfrenta três homens armados ................................................................................368 
4.16.4.2: O assassinato da família MacBain ...................................................................................368 
4.16.4.3: Gaita salva Jill aos olhos de Cheyenne ............................................................................369 
4.16.4.4: Primeiro encontro entre Frank e Gaita.............................................................................369 
4.16.4.5: O duelo final ....................................................................................................................369 

xxvii
xxviii
4.17 - A Música de C’era una volta L’ America – 1984 (Era uma Vez na América) 372 
4.17.1 - Ficha Técnica 372 
4.17.2 - Comentários Iniciais 372 
4.17.3 - Sinopse 374 
4.17.4 - Decupagem 377 
4.17.5 - As faixas do CD das músicas do filme: “Once Upon a Time in America” 377 
4.17.6 - Temas pré-existentes 379 
4.17.6.1: God Bless America ..........................................................................................................379 
4.17.6.2: Summertime; Night and Day e Yesterday .......................................................................383 
4.17.6.3: “La Gazza Ladra” ............................................................................................................384 
4.17.7 - Temas Principais 384 
4.17.7.1: Tema 1: Poverty ..............................................................................................................385 
4.17.7.2: Tema 2: “Cockeyes’ Song” .............................................................................................387 
4.17.7.3: Tema 3: “Once Upon a Time in America” ......................................................................389 
4.17.7.4: Tema 4: “Debora’s Song”................................................................................................392 
4.17.7.5: Tema 5: “Amapola” .........................................................................................................395 
4.17.8 - Música original secundária 400 
4.17.8.1: “Prohibition Dirge” (Música para o enterro da “Lei Seca”) ............................................400 
4.17.8.2: “Speakeasy”.....................................................................................................................400 
4.17.9 - Síntese da organização temática da trilha musical 401 
4.17.10 - A estrutura temporal circular do filme 402 
4.18 - A Música de The Mission – 1986 (A Missão) .................................................. 403 
4.18.1 - Ficha Técnica 403 
4.18.2 - Comentários Iniciais 404 
4.19 - Organização Temática da Trilha Musical......................................................... 409 
4.19.1 - Decupagem 409 
4.19.2 - As faixas do CD das músicas do filme: “The Mission” 414 
4.19.3 - Conceito 415 
4.20 - Núcleos Temáticos de “The Mission” .............................................................. 417 
4.20.1 - Núcleo A: O oboé do Padre Gabriel 417 
4.20.1.1: Tema Principal 1: Gabriel’s Oboe ...................................................................................417 
4.20.1.2: Tema secundário derivado do Tema 1 .............................................................................422 
4.20.1.2.1 - The Sword ..............................................................................................................................422 
4.20.2 - Núcleo B: Harmonização da melodia do Tema 1 422 
4.20.2.1: Tema Principal 2: Moteto: Conspectus Tuus ...................................................................422 
4.20.3 - Núcleo C: música étnica – “Vita Nostra” 424 
4.20.3.1: Tema Principal 3: River...................................................................................................424 
4.20.3.2: Temas Secundários derivados do Tema 3........................................................................425 
4.20.3.2.1 - Asuncion: ...............................................................................................................................425 
4.20.3.2.2 - Guarani: .................................................................................................................................426 
4.20.4 - Tema Principal 4: The Mission 427 
4.20.4.1: Temas secundários derivados do Tema 4: The Mission ..................................................428 
4.20.4.1.1 - Falls/Climb e Penance/Remorse.............................................................................................428 
4.20.4.2: Miserere ...........................................................................................................................429 
4.20.4.3: Corais à cappela...............................................................................................................431 
4.20.4.3.1 - Ave Maria Guarani.................................................................................................................431 
4.20.4.3.2 - Te Deum ................................................................................................................................432 
4.20.5 - On the earth as it is in Heaven: A Síntese da organização temática no filme 433 
4.20.5.1: Os Créditos Finais ...........................................................................................................434 
4.21 - A Música de Canone Inverso: Making Love – 2000 ........................................ 437 
4.21.1 - Ficha Técnica 437 

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4.21.2 - Comentários Iniciais 438 
4.22 - Organização Temática da Trilha Musical......................................................... 440 
4.22.1 - Decupagem 440 
4.22.2 - Gravação Musical (CD) 445 
4.22.2.1: Agrupamento Temático no CD........................................................................................446 
4.22.3 - Conceito 447 
4.23 - Grupo 1: Leitmotiv da pianista Sophie Levi .................................................... 448 
4.23.1 - Chiaro di Luna di Giorno 448 
4.23.1.1: Indo para a cidade: “Clair de La Lune di Giorno” ...........................................................449 
4.23.1.2: Na casa de Banhos: A primeira conversa de Jeno com Sophie .......................................450 
4.23.2 - Grupo 2: Finale di un Concerto Romantico Interroto 452 
4.23.2.1: Sophie Levi: a pianista ....................................................................................................455 
4.24 - Grupo 3: Ambientação do Colegium Musicum................................................ 457 
4.24.1 - Goliardi e Sport 457 
4.25 - Grupo 4: Sonoridades “climáticas” .................................................................. 457 
4.25.1 - Jeno Crescendo e Recebendo o Violino: A herança do pai verdadeiro 457 
4.25.2 - Desespero - Momento meta-diegético 460 
4.25.3 - Intermezzi 460 
4.26 - Grupo 5: Sonoridades dos alemães................................................................... 461 
4.26.1 - Elmeti di Fuoco 461 
4.27 - Grupo 6: Músicas pré-existentes executadas diegeticamente pelos violinos ... 461 
4.27.1 - A Ciaccona de Bach 461 
4.27.1.1: Aula com o Maestro Weigel ............................................................................................462 
4.27.2 - Capriccio “La Caccia” 463 
4.27.2.1: O Violino de Jeno é Confiscado ......................................................................................464 
4.27.3 - Songs that my mother taught me 466 
4.28 - Grupo 7: Canone Inverso.................................................................................. 467 
4.28.1 - Construindo o “Canone Inverso” 467 
4.28.2 - As inserções do canone inverso 473 
4.28.2.1: Créditos Iniciais: “Canone Inverso” ................................................................................474 
4.28.2.2: Canone Inverso: “Nel Campo” ........................................................................................476 
4.28.2.3: Flashback dentro do flashback – O efeito do “Canone Inverso” .....................................477 
4.28.2.4: Canone Inverso – A Boca Chiusa ....................................................................................478 
4.28.2.4.1 - In Bicicleta: Lebhaft...............................................................................................................479 
4.28.2.5: Morte da mãe de Jeno ......................................................................................................480 
4.28.2.6: A partitura do “Canone Inverso” .....................................................................................481 
4.28.2.7: “Canone Inverso”: O Confronto ......................................................................................482 
4.28.2.8: “Canone Inverso”: Da Capo ............................................................................................482 
4.28.2.9: “Canone Inverso”: A Troca das Melodias .......................................................................482 
4.28.2.10: Canone Inverso: “Nel Campo” ......................................................................................482 
4.28.2.11: Canone Inverso: Jeno está morto ...................................................................................483 
4.29 - A Música como Personagem ............................................................................ 485 
4.29.1 - A Forma das Inserções do Canone Inverso 488 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 500 

6. BIBLIOGRAFIA .......................................................................................... 506 


6.1 - Entrevistas de Ennio Morricone ......................................................................... 512 
6.2 - Documentário ..................................................................................................... 512 

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TABELAS, GRÁFICOS, FIGURAS E EXEMPLOS

TABELA 1 – OS NÍVEIS DE INTERVENÇÃO DA MÚSICA NOS FILMES (MICELI E MORRICONE, 2001:81) ....... 61 

TABELA 2 – CRONOLOGIA DE ENNIO MORRICONE ...........................................................................................104 

TABELA 3 – PRODUÇÃO DE MORRICONE ..........................................................................................................137 

TABELA 4 – PREMIAÇÕES E RECONHECIMENTOS..............................................................................................152 

TABELA 5 – CONCERTOS DE MÚSICA DE CINEMA ............................................................................................154 

TABELA 6 – MÚSICA DE CONCERTO – (MICELI, 1994: 356-379) ....................................................................158 

TABELA 7 – DECUPAGEM DO FILME PER UN PUGNO DI DOLLARI - 1964.............................................................220 

TABELA 8 – DECUPAGEM DO FILME PER QUALCHE DOLLARO IN PIÙ - 1965 .......................................................269 

TABELA 9 – CD: IL BUONO, IL BRUTTO, IL CATTIVO............................................................................................295 

TABELA 10 – LEITMOTIVS DE IL BUONO, IL BRUTTO, IL CATTIVO, 1966. ..........................................................301 

TABELA 11 – FICHA TÉCNICA – “CANONE INVERSO” .......................................................................................438 

TABELA 12 – AS FAIXAS DO CD – CANONE INVERSO ......................................................................................445 

TABELA 13 – GRUPOS TEMÁTICOS DA TRILHA SONORA MUSICAL DO “CANONE INVERSO” ..............................446 

GRÁFICO 1 – PRODUÇÃO DE MORRICONE POR DÉCADAS ..................................................................................137 

GRÁFICO 2 - FINALE DI UN CONCERTO ROMANTICO INTERROTO .....................................................................453 

GRÁFICO 3 – ESTRUTURA PRELIMINAR DAS INSERÇÕES DO “CANONE INVERSO” .............................................491 

GRÁFICO 4 – A ESTRUTURA NARRATIVA DO FILME .........................................................................................497 

GRÁFICO 5 – GRÁFICO SINTÉTICO DAS INSERÇÕES ..........................................................................................499 

FIGURA 1 - MORRICONE E LEONE NO ISTITUTO JEAN-BAPTISTE DE LA SALLE (1938) .....................................114 

FIGURA 2 - ZOOM DA FOTO – DESTAQUE DE LEONE E MORRICONE .................................................................114 

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FIGURA 3 – TEMA DE IL FEDERALE - 1964 .......................................................................................................134 

FIGURA 4 – REPRESENTAÇÃO DA LINHA DRAMÁTICO-NARRATIVA DO FILME (ESSLIN, 1986:48) ...................178 

FIGURA 5 – ARCOS AUXILIARES (ESSLIN, 1986:49) .......................................................................................179 

FIGURA 6 – FRAGMENTAÇÃO DA APRESENTAÇÃO DOS ELEMENTOS (ESSLIN, 1986:51)..................................179 

FIGURA 7 – DEVELOPMENTAL SCORE ..............................................................................................................180 

FIGURA 8 – SEGMENTOS FORMAIS DOS CRÉDITOS INICIAIS DA TRILOGIA DOS DÓLARES (MICELI, 2001:167) .182 

FIGURA 9 – ESSLIN & PRENDERGAST ...............................................................................................................184 

FIGURA 10 – “IL DEGUELLO” DE DIMITRI TIOMKIN .........................................................................................192 

FIGURA 11 – IDÉIA MELÓDICA PRINCIPAL DO FILME PER UN PUGNO DI DOLLARI – 1964 ..................................201 

FIGURA 12 – DISPOSIÇÃO INTERVALAR DOS MODOS POR FUX ..........................................................................209 

FIGURA 13 – CARACTERIZAÇÃO DOS MODOS EM FUX .....................................................................................209 

FIGURA 14 – UTILIZAÇÃO MELÓDICA NA FUGA ................................................................................................210 

FIGURA 15 – UTILIZAÇÃO MELÓDICA NA IMITAÇÃO .........................................................................................210 

FIGURA 16 – PONTE 2 DE TITOLI ......................................................................................................................217 

FIGURA 17 – FORMA DE TITOLI ........................................................................................................................218 

FIGURA 18 – CRÉDITOS INICIAIS – TITOLI - SINCRONIAS ..................................................................................224 

FIGURA 19 – CITAÇÕES DE SERGIO LEONE: MUYBRIDGE .................................................................................226 

FIGURA 20 – CITAÇÕES DE LEONE: TEX WILLER .............................................................................................226 

FIGURA 21 – SILHUETAS DOS PRÓPRIOS PERSONAGENS ....................................................................................227 

FIGURA 22 - VALOR AGREGADO E SÍNCRESE (MICHEL CHION) .......................................................................229 

FIGURA 23 – MOTIVO JOE ................................................................................................................................231 

FIGURA 24 – FANFARRA QUE PRECEDE A TROCA DE PRISIONEIROS ...................................................................239 

FIGURA 25 – TORTURA DE SILVANITO .............................................................................................................246 

FIGURA 26 - JOE ...............................................................................................................................................247 

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FIGURA 27 – JOE SE APROXIMANDO... ..............................................................................................................247 

FIGURA 28 – RAMON E OS ROJOS .....................................................................................................................247 

FIGURA 29 – RAMON ROJO...............................................................................................................................248 

FIGURA 30 – A PROTEÇÃO DE AÇO COM 7 MARCAS DE 7 TIROS ........................................................................249 

FIGURA 31 – JOE MATA TODOS MENOS RAMON ................................................................................................249 

FIGURA 32 – PRIMEIRA PARTE DE PER QUALCHE DOLLARO IN PIÙ (MICELI, 1994:125) ..................................259 

FIGURA 33 – CÉLULA DE PER QUALCHE DOLLARO IN PIÙ – LEITMOTIV DE MONCO ........................................260 

FIGURA 34 – MELODIA DA GUITARRA DE PER QUALCHE DOLLARO IN PIÙ ......................................................261 

FIGURA 35 – MELODIA DO CORO MASCULINO: PER QUALCHE DOLLARO IN PIÙ (1965) ......................................262 

FIGURA 36 – TIQUE-TAQUE DO RELÓGIO DE BOLSO - CARRILHÃO ....................................................................263 

FIGURA 37 – MELODIA PRINCIPAL DA RESA DEI CONTI ....................................................................................264 

FIGURA 38 – INTRODUÇÃO DA TOCCATA E FUGA EM RÉ MENOR (BWV 565, COMPOSTA ENTRE 1703 A 1707) DE

J. S. BACH...............................................................................................................................................264 

FIGURA 39 – MELODIA DE IL VIZIO DI UCIDERE ..............................................................................................267 

FIGURA 40 – ESCALAS PENTATÔNICAS DA MELODIA DE IL VIZIO DI UCIDERE..................................................267 

FIGURA 41 – ADDIO COLONELLO .....................................................................................................................268 

FIGURA 42 – TELA DE ABERTURA DE PER QUALCHE DOLLARO IN PIÙ (POR UNS DÓLARES A MAIS) - 1965 ...........272 

FIGURA 43 – CRÉDITOS INICIAIS – POR UNS DÓLARES A MAIS - 1965 .................................................................273 

FIGURA 44 – PRIMEIRO CRÉDITO DO FILME POR UNS DÓLARES A MAIS - 1965 ....................................................274 

FIGURA 45 – GEORGE BARNES – THE GREAT TRAIN ROBBERY - 1903.............................................................275 

FIGURA 46 – CRÉDITOS INICIAIS: PER QUALCHE DOLLARO IN PIÙ (1965) ..........................................................276 

FIGURA 47 – FINAL DOS CRÉDITOS INICIAIS: PER QUALCHE DOLLARO IN PIÙ (1965) ........................................276 

FIGURA 48 – TRILHA MUSICAL: IL BUONO, IL BRUTTO, IL CATTIVO.....................................................................296 

FIGURA 49 – IMITAÇÃO DO SOM DO UIVO DO COIOTE.......................................................................................297 

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FIGURA 50 – NÚCLEO DA TRILHA MUSICAL DE IL BUONO, IL BRUTTO, IL CATTIVO .........................................298 

FIGURA 51 – MELODIA PRINCIPAL DE IL BUONO, IL BRUTTO, IL CATTIVO .......................................................298 

FIGURA 52 – RITMO DO CAVALO .....................................................................................................................299 

FIGURA 53 – RITMO DO CAVALO (CAIXA-CLARA) ............................................................................................299 

FIGURA 54 – INTRODUÇÃO DA MELODIA PRINCIPAL DOS CRÉDITOS INICIAIS ...................................................300 

FIGURA 55 – MELODIA DA GUITARRA ELÉTRICA ..............................................................................................302 

FIGURA 56 – INÍCIO DOS CRÉDITOS INICIAIS DE IL BUONO, IL BRUTTO, IL CATTIVO (1966).................................303 

FIGURA 57 – PERSONAGENS: IL BUONO (CLINT EASTWOOD), IL BRUTTO (ELI WALLACH), IL CATTIVO (LEE VAN

CLEEF) ....................................................................................................................................................305 

FIGURA 58 – CRÉDITOS INICIAIS: IL BUONO, IL BRUTTO, IL CATTIVO (1966).......................................................305 

FIGURA 59 – TUCO: “IL BRUTTO” (“THE UGLY”).............................................................................................306 

FIGURA 60 – “IL TRAMONTO” (LEINBERGER, 2004:76) ...............................................................................308 

FIGURA 61 – ANGEL EYES: “IL CATTIVO” (“THE BAD”) ..................................................................................310 

FIGURA 62 – BLONDIE: “IL BUONO” (THE GOOD”) ..........................................................................................312 

FIGURA 63 – OSTINATO DE “IL PONTE DI CORDE” ...........................................................................................312 

FIGURA 64 – MELODIA PRINCIPAL DE “IL DESERTO” .......................................................................................314 

FIGURA 65 – OSTINATO DE “IL DESERTO” .......................................................................................................315 

FIGURA 66 – OSTINATOS EM CONTRAPONTO ....................................................................................................315 

FIGURA 67 – MELODIA DE “LA CARROZZO DEI FANTASMI” .............................................................................316 

FIGURA 68 – “LA MISSIONE SAN ANTONIO” ....................................................................................................316 

FIGURA 69 – MELODIA DE “PADRE RAMIREZ” (IRMÃO DE TUCO) ....................................................................317 

FIGURA 70 – MELODIA DA “MARCETTA” .........................................................................................................318 

FIGURA 71 – TOQUE DE CORNETA: “ASSEMBLY” .............................................................................................319 

FIGURA 72 – TOQUE DE CORNETA: “DRILL” .....................................................................................................320 

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FIGURA 73 – TOQUE DE CORNETA: “ATTENTION” ............................................................................................320 

FIGURA 74 – TOQUE DE CORNETA: “COMMENCE FIRING” ................................................................................320 

FIGURA 75 – “LA STORIA DI UN SOLDATO”.......................................................................................................322 

FIGURA 76 – OSTINATO DE “L’ESTASI DELL’ORO” ...........................................................................................328 

FIGURA 77 – MELODIA DE L’ESTASI DELL’ORO” ..............................................................................................328 

FIGURA 78 – MELODIA DA INTRODUÇÃO (FLAUTA): “IL TRIELO” ....................................................................331 

FIGURA 79 – OSTINATOS DO VIOLÃO: “IL TRIELO” ..........................................................................................332 

FIGURA 80 – MELODIA PRINCIPAL DO “IL TRIELO” ..........................................................................................332 

FIGURA 81 – SINOS: “IL TRIELO” .....................................................................................................................333 

FIGURA 82 – IL BRUTTO, IL CATTIVO, IL BUONO ..................................................................................................335 

FIGURA 83 – LEITMOTIVIC SCORE: ESSLIN E PRENDERGAST .............................................................................340 

FIGURA 84 – LEITMOTIVS DE C’ERA UNA VOLTA IL WEST (1968) .......................................................................353 

FIGURA 85 – TEMA DO FILME E LEITMOTIV DE JILL ..........................................................................................354 

FIGURA 86 – CHEGADA DO TREM EM FLAGSTONE ............................................................................................356 

FIGURA 87 – CHEGADA DE JILL ........................................................................................................................357 

FIGURA 88 – INÍCIO DO “TEMA DE JILL”...........................................................................................................358 

FIGURA 89 – SAINDO DA ESTAÇÃO DE FLAGSTONE ..........................................................................................358 

FIGURA 90 – LEITMOTIV DE CHEYENNE ...........................................................................................................361 

FIGURA 91 – LEITMOTIV DE MR. MORTON .......................................................................................................364 

FIGURA 92 – MOTIVO DO PERSONAGEM GAITA ................................................................................................366 

FIGURA 93 – LEITMOTIV DE GAITA E DE FRANK ..............................................................................................367 

FIGURA 94 – LETRA DE “GOD BLESS AMERICA” DE IRWIN BERLIN .................................................................380 

FIGURA 95 – PARTITURA DE “GOD BLESS AMERICA” DE IRWIN BERLIN ..........................................................381 

FIGURA 96 – MELODIA DE POVERTY .................................................................................................................385 

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FIGURA 97 – MELODIA DE COCKEYES’ SONG ....................................................................................................387 

FIGURA 98 – TEMA DE C’ERA UNA VOLTA L’AMERICA .......................................................................................389 

FIGURA 99 – MELODIA DO TEMA DE DÉBORA ...................................................................................................392 

FIGURA 100 – MELODIA DE AMAPOLA ..............................................................................................................395 

FIGURA 101 – TITO SCHIPA: AMAPOLA ............................................................................................................397 

FIGURA 102 – SPOTNICKS: AMAPOLA ..............................................................................................................397 

FIGURA 103 – AMAPOLA (PAPOULA) ...............................................................................................................398 

FIGURA 104 – OS LEITMOTIVS DE “C’ERA UNA VOLTA L’AMERICA”................................................................401 

FIGURA 105 – OS EVENTOS E A ESTRUTURA TEMPORAL CIRCULAR DO FILME..................................................402 

FIGURA 106 – MELODIA DO OBOÉ: PADRE GABRIEL ........................................................................................417 

FIGURA 107 – PADRE GABRIEL – THE MISSION (1986) .....................................................................................418 

FIGURA 108 – PADRE GABRIEL E RODRIGO MENDONZA: THE MISSION (1986).................................................420 

FIGURA 109 – MORTE DO PADRE GABRIEL ......................................................................................................421 

FIGURA 110 – CARDEAL ALTAMIRANO ............................................................................................................421 

FIGURA 111 – HARMONIZAÇÃO: MOTETO “CONSPECTUS TUUS” .....................................................................423 

FIGURA 112 – TEMA ÉTNICO: RIVER .................................................................................................................424 

FIGURA 113 – COMUNHÃO ...............................................................................................................................425 

FIGURA 114 – THE MISSION (1986)...................................................................................................................427 

FIGURA 115 – ORGANIZAÇÃO TEMÁTICA DE “A MISSÃO” (1986)....................................................................433 

FIGURA 116 – ON EARTH AS IT IS IN HEAVEN – CRÉDITOS FINAIS ...................................................................434 

FIGURA 117 – INTRODUÇÃO DO FINALE DI UN CONCERTO ROMANTICO INTERROTO .......................................453 

FIGURA 118 – PARTE {A} DO CONCERTO .........................................................................................................454 

FIGURA 119 – SOPHIE LEVI ..............................................................................................................................456 

FIGURA 120 – LA CACCIA (NICOLÒ PAGANINI, 24 CAPRICCI FOR VIOLIN SOLO, Nº 9). .................................464 

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FIGURA 121 – IDÉIA PRINCIPAL DO “CANONE INVERSO” ..................................................................................469 

FIGURA 122 – MOTIVO DO “CANONE INVERSO”...............................................................................................469 

FIGURA 123 – MELODIA PRINCIPAL DO “CANONE INVERSO” ...........................................................................470 

FIGURA 124 – PROCEDIMENTO DE COMPOSIÇÃO DO “CANONE INVERSO” ........................................................470 

FIGURA 125 – O ESPELHAMENTO RETRÓGRADO DO “CANONE INVERSO”.........................................................470 

FIGURA 126 – O “CANONE INVERSO” ..............................................................................................................471 

FIGURA 127 – DATA DA COMPOSIÇÃO DO “CANONE INVERSO”: 02/12/1919....................................................482 

FIGURA 128 – ANO DE NASCIMENTO E MORTE DE JENO VARGA .......................................................................484 

EXEMPLO 1 – NINNA NANNA (MICELI,1994:118) ..........................................................................................194 

EXEMPLO 2 – TRANSFORMAÇÕES DE MORRICONE ...........................................................................................195 

EXEMPLO 3 – A FISTFUL OF DOLLARS – SEGUNDO TEMA PRINCIPAL DO FILME................................................196 

EXEMPLO 4 – ESCALA HEXATÔNICA DE RÉ ......................................................................................................201 

EXEMPLO 5 – MODOS DE RÉ: EÓLIO OU DÓRICO..............................................................................................202 

EXEMPLO 6 – MOTIVO PRINCIPAL DE TITOLI ...................................................................................................202 

EXEMPLO 7 – CÉLULA RÍTMICA DE ACOMPANHAMENTO DO VIOLÃO ................................................................203 

EXEMPLO 8 – TITOLI - PRIMEIRA PARTE (MICELI, 1994:110-11) ....................................................................204 

EXEMPLO 9 – VARIANTE MELÓDICA DA GUITARRA (MICELI, 1994: 112) ......................................................205 

EXEMPLO 10 – CORO MASCULINO (MICELI, 1994:112) ...................................................................................206 

EXEMPLO 11 – QUINTINA DA FLAUTA DOCE .....................................................................................................206 

EXEMPLO 12 – PERCUSSÃO AUTÓCTONA .........................................................................................................207 

EXEMPLO 13 – FUGA A DUAS VOZES NO MODO DE RÉ .....................................................................................211 

EXEMPLO 14 – DERIVAÇÃO MELÓDICA MODAL DE TITOLI ..............................................................................212 

EXEMPLO 15 – MELODIA DA GUITARRA – TITOLI ............................................................................................214 

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EXEMPLO 16 – RITMOS DO “GALOPE DO CAVALO” ..........................................................................................214 

EXEMPLO 17 – CORAL MASCULINO - “WE CAN FIGHT” ...................................................................................216 

EXEMPLO 18 – DERIVAÇÃO DO TEMA DE POR UNS DÓLARES A MAIS (1965) ....................................................257 

EXEMPLO 19 – MELODIA PRINCIPAL DE PER QUALCHE DOLLARO IN PIÙ ..........................................................258 

xlvii
INTRODUÇÃO
Num dos momentos mais aguardados e emocionantes da cerimônia de
premiação do 79º Oscar, no dia 25 de fevereiro de 2007, o ator e diretor Clint Eas-
twood (nascido em São Francisco, 31/05/1930) entregou, em nome da Academia
de Cinema, uma estatueta ao compositor italiano Ennio Morricone (nascido em
Roma em 10/11/1928) em reconhecimento a sua “extraordinária e multifacetada
contribuição à arte da música para filmes”. Il Maestro, como é carinhosamente
chamado na Itália, por muito tempo, ambicionava o prêmio e, de fato, esteve muito
próximo dele em cinco indicações anteriores, sem, no entanto, ter alcançado o
“grande” intento.
Ennio Morricone, então com 78 anos, 50 dedicados à música de cinema
– “música aplicada” como prefere se referir ao trabalho do compositor de cinema –
entrou no palco aplaudido de pé por todos os presentes. Já próximo ao público,
curvou-se, em sinal de agradecimento. Eastwood, visivelmente emocionado, felici-
tou Morricone, também agradecido pela importante contribuição do músico das
trilhas musicais da primeira trilogia dos filmes de Sergio Leone (Roma, 3/1/1929 —
30/4/1989) que, decididamente, influenciou na projeção profissional dos três. Mor-
ricone recebeu o prêmio ainda curvado e muito aplaudido. Em seu calculado dis-
curso, em italiano, um momento chamou muito a atenção:

[...] Acredito que este prêmio não represente para mim um ponto de che-
gada, mas, um ponto de partida para melhorar [pausa, emocionado], pa-
ra me tornar melhor no ofício do cinema e no ofício também... também,
da minha estética pessoal sobre a música aplicada. (MORRICONE:
2007)

Abstraindo o que provavelmente, para muitos, foi mais um momento de


grande ironia e, talvez, de falsa modéstia – como pode alguém com sua experiên-
cia e reconhecimento estar no ponto de partida? – ressalta três conceitos impor-
tantes que contribuíram diretamente na conformação de seu pensamento musical:
o ofício do músico no cinema, uma estética pessoal e a música aplicada.

1
Nosso contato inicial com esses conceitos utilizados por Ennio Morrico-
ne se deu em julho de 1992, quando ele e Sergio Miceli ministraram conjuntamen-
te o Corso di Perfezionamento in Musica per Film, “Accademia Musicale Chigiana”,
Siena – Itália. Sucintamente, o curso propunha a possibilidade de uma confluência
entre dois pensamentos relacionados à música de cinema em duas abordagens:
uma musicológica, histórica e teórica, voltada a apresentar instrumentos idôneos
na análise das relações intercorrentes entre música e imagem (a parte de Sergio
Miceli); a outra, profissional, artesanal, estritamente relativa a um pensamento e
uma praxe compositiva desenvolvida dentro dos vínculos impostos pela própria
produção e linguagem cinematográfica (a parte de Ennio Morricone).
Mesmo que primariamente distintas, de modo geral, as abordagens
percorreram assuntos que, insistentemente, orbitavam em torno de um único pro-
blema: qual o contexto da música e do compositor de cinema na história contem-
porânea?
Dessa centralidade, surgiu a idéia básica para este trabalho: um estudo
sobre o pensamento musical no cinema exemplificado pela “música aplicada” de
Ennio Morricone, ou seja, o trabalho busca apresentar, estender e aprofundar a
proposta de confluência estabelecida por Morricone e Miceli acrescida por tópicos
significativos do instrumental teórico da área de música de cinema, principalmente
o referenciado no campo acadêmico.
Nesse viés do estudo e aprofundamento da idéia inicial na extensa ci-
nematografia onde Morricone participou como compositor, na literatura especiali-
zada sobre música de cinema, nas disciplinas e grupos de estudos realizados na
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas, desde 2003, com o Prof. Dr.
Claudiney Carrasco, primeiramente como aluno especial e, posteriormente (desde
março de 2006) como aluno regular do curso de doutorado em música, delinea-
mos, desenvolvemos e concretizamos este trabalho destinado a cumprir parte dos
requisitos para obtenção do título de Doutor em Música. A linha de pesquisa em
que se enquadra é a de Fundamentos Teóricos.

2
Apesar de reconhecido e constantemente referenciado na literatura es-
pecializada, são escassos os trabalhos – sejam livros, teses ou artigos – que
abordem exclusivamente o trabalho de música para cinema de Ennio Morricone.
Essa lacuna se dá em outras línguas, inclusive no italiano, e é praticamente inexis-
tente no Brasil (salvo algumas citações pontuais). Seu extenso trabalho como
compositor de música de cinema por cinco décadas – desde o início da década de
1960 até hoje – conta com mais de 400 trilhas sonoras musicais (conseguimos
enumerar 401, mais precisamente). Obviamente, sua obra é contaminada por in-
fluências e contradições tanto práticas quanto teóricas que inviabilizam uma abor-
dagem quantitativa e com o respaldo unívoco de uma metodologia com referencial
teórico singular.
Dessa forma, dada a riqueza, envergadura e penetração de sua atua-
ção profissional, o direcionamento de nosso trabalho se estabeleceu tanto numa
vertente mais geral, percorrendo panoramicamente momentos decisivos de sua
vida e obra, quanto em outra mais particularizada, objetivando aprofundar-se em
momentos significativos, onde são estabelecidas instâncias reveladoras de seu
pensamento musical aplicado, em procedimentos e/ou conceitos engajados com a
valoração das relações audiovisuais criadas.
O trabalho está dividido em três partes ou diretrizes: na Parte 1: Musica
per film, apresenta a origem de alguns dos pontos mais seminais que compõem
parte do corpo conceitual sobre a música no objeto fílmico e que conformam as-
pectos importantes do ofício do músico no cinema; na Parte 2: Ennio Morricone:
Tradição e Singularidade na Música de Cinema, apresenta alguns capítulos do
processo que subsidiaram sua estética pessoal, transformando Ennio Morricone
numa das personagens atuais mais atuantes na história da música de cinema. A
sua trajetória biográfica fornece evidências de como Morricone foi iniciado e o in-
vestimento feito sobre seu nome por seus contemporâneos. Na apresentação das
informações biográficas, buscou-se destacar momentos que pontuaram sua vida
até seu ingresso no cinema, no início da década de 1960, pouco antes de seu re-
encontro com Sergio Leone, em 1963; na Parte 3: Análises: a música aplicada na

3
Primeira Trilogia de Sergio Leone: Per un pugno di dollari (1964) [POR UM PU-

NHADO DE DÓLARES]; PER QUALCHE DOLLARO IN PIÙ (1965) [POR UNS DÓLARES A MAIS];
IL BUONO, IL BRUTTO, IL CATTIVO (1966) [TRÊS HOMENS EM CONFLITO]; a musica apli-
cada nos dois filmes mais representativos da Segunda Trilogia de Sergio Le-
one: Once Upon a Time in the West (1969) [Era Uma Vez no Oeste]; e Once Upon
a Time in America (1984) [Era Uma Vez na América]. Mais dois filmes: Roland
Joffè – THE MISSION (1986) [A MISSÃO]; e Ricky Tognazzi – CANONE INVERSO (2000)
[s.t.].
Espera-se que os resultados advindos desse estudo sobre o pensa-
mento musical no cinema ancorado na música aplicada de Ennio Morricone pos-
sam, realmente, contribuir à compreensão da música, em especial da “música
aplicada”, e aquilo que ela acrescenta ao objeto fílmico enquanto expressão audi-
ovisual, ou seja, espera-se que na observação e no desvelamento de algumas
dessas relações, tanto técnicas quanto filosóficas, apresente-se uma fenda que
possa contribuir significativamente na compreensão da música como recurso poé-
tico da narrativa, articulada aos aspectos fundamentais da dramaturgia do objeto
fílmico.

4
1. MÚSICA DE CINEMA:
ASPECTOS E PROBLEMAS DE UMA ATIVIDADE
COMPOSICIONAL DO “NOSSO TEMPO”

1.1 - O OFÍCIO DO MÚSICO NO CINEMA


Por muitos anos o filme foi proscrito pela, assim chamada, inteligência e boa so-
ciedade humana. Foi mesmo agora, não faz muito tempo que recebeu reconheci-
mento oficial e teve a porta de grandes salas nacionais abertas, onde se pode ob-
servar a presença de governadores assistindo às suas ‘premières’. Porém, a mú-
sica que acompanha o filme ainda está lutando pelo seu lugar ao sol: os profissi-
onais da área quase que invariavelmente tratam-na muito casualmente e não es-
tão bem certos em suas mentes sobre sua importância; os músicos aproximam-se
dela mais por finalidades financeiras que artísticas, e poucos mostram alguma
simpatia por suas novas formas; o público, finalmente, não se preocupa muito
com a música, quase sempre falha no entendimento da relação de causa e efeito
das idéias fílmico-musicais e, como exemplo, está somente inclinado a taxar uma
canção-tema como música de filme pelo fato de ter sido cantada ou executada em
um filme sonoro. (Kurt London1 - 1936)

Como uma regra, o compositor de cinema situa-se à margem de seus colegas, vis-
to que originalidade e novidade não são exigidas dele; ele é um arranjador ou
transpositor da inspiração de outros ao invés de um criador. A habilidade de em-
prestar, sensata e oportunamente, imitar exemplos bons e apropriados é um valo-
roso dote em seu caso, embora essas qualificações de forma alguma agreguem
mais brilho ao compositor normal. Algumas vezes a escolha não lhe pertence, e
ele é convidado para escrever no estilo de um determinado período, ou fazer o ar-
ranjo de uma determinada composição. Enquanto o compositor de cinema pode
dispensar o talento para trabalhos originais, ele deve, no entanto, estar plena-
mente equipado do ponto de vista técnico. (Leonid Sabaneev2 - 1935)

Quando o compositor italiano Ennio Morricone (10/11/1928 – 82 anos)


aproximou-se do cinema, no início da década de 1960, ainda existia um cenário
não muito distante do apresentado por essas epígrafes. A música de cinema re-
presentava o campo de uma “música menor” imerso em crenças e preconceitos de
praticamente nenhum interesse teórico, mas, de grande atividade prática. Aproxi-
mar-se dela, fosse por curiosidade, como simples espectador, fosse como profis-
sional ou pesquisador, representava ter contato com um objeto muito peculiar,

1
LONDON, K. FILM MUSIC: A Summary of the Characteristic features or its History, Aesthetics, Tech-
nique; and possible Developments. London: Faber & Faber Ltd. 1936, p. 11.
2
SABANEEV, L. Music for the filmes. London: Sir Isaac Pitman & Sons, Ltd., Traduzido por: S. W. Pring,
1935, p. v.

5
abrangente e problemático dimensionado por vários tipos de associações, algu-
mas consideradas “impuras” ou “contaminadas”.
A aproximação de Ennio Morricone não foi uma exceção ao diagnóstico
de Kurt London:

Eu não me aproximei do cinema por vocação. A idéia era fazer como tan-
tos outros compositores que ganham pouco, mas escrevem aquilo que
querem (Ennio Morricone3).

Os compositores mais influentes do cinema comercial, naquele momen-


to, principalmente os de Hollywood, e mesmo os da Europa, pensavam a música
de cinema a partir de premissas hierárquicas de subordinação às imagens em
movimento, além de algumas perspectivas eminentemente funcionais e comerci-
ais, compartilhando com algumas convenções e prescrições em relação ao gênero
do filme, função da música e seus possíveis efeitos dramáticos no grande público,
seus espectadores.
Miceli vê nesse período um momento de transição, quando o composi-
tor e sua música para filmes serão chamados a desempenhar tarefas muito diver-
sificadas em relação às tradicionais, em função das mudanças do próprio cinema.

Superada a ilusão da fase do neo-realismo – ilusão pela ótica musical, é


óbvio – a nova espetacularidade cinematográfica e, especialmente, a no-
va relação entre direção e roteiro, exigem do músico uma participação
mais lúcida, mais criativa e pessoal, por isso menos padronizada em rela-
ção ao que era no passado, mesmo que dessa relação nascessem, inevita-
velmente, novos estereótipos. O cinema vai articulando-se em gêneros
sempre mais compostos e, às vezes, capazes de reassumirem característi-
cas diversificados num mesmo filme; desse modo concomitante, um cine-
ma de entretenimento, mas também um cinema visionário; de investiga-
ção e de denúncia social (raros os casos autênticos), mas também de aná-
lises psicológicas e de costumes, com muitos débitos nos confrontos da li-
teratura coeva; até as melhores provas da comédia à italiana, hoje, creio,
devidamente reavaliadas4.

3
Ennio Morricone, in: MICELI, S. La Musica Nel Film: Arte e Artigianato. Firenze: Discanto Edizioni, 1982,
p. 309.
4
MICELI, S. Morricone, la musica, il cinema. Modena: Mucchi Editore S.r.l., 1994, p. 175-176.

6
O respaldo da literatura específica sobre música de cinema era prati-
camente inexistente na época e, quando existia, era de difícil acesso. Os princi-
pais livros e periódicos sobre cinema faziam pouca ou nenhuma menção sobre a
música dos filmes e, quando as mencionavam, apresentavam informações ou
simples referências gerais eximidas de qualquer análise um pouco mais aprofun-
dada que pudesse resultar num entendimento mais abrangente e consistente.
Qualquer confluência entre linhas de investigação que pudesse embasar episte-
mologicamente a atividade da música de cinema – filosófica, psicológica, musico-
lógica, dramatúrgica, audiovisual, tecnológica, narratológica, antropológica, semio-
lógica, ideológica, entre outras possíveis – era ainda emergente, ou seja, pratica-
mente inexistente.
O conceito de música de cinema, com muita freqüência, era utilizado
pejorativamente e muito mal compreendido. O próprio Morricone pensava a músi-
ca de cinema de uma forma muito ampla, complexa, confusa e problemática não
só para a própria época:

A música de cinema é toda em uma; é música sinfônica, é música de câ-


mara, é música pop, é música rock, é música folk e todas as músicas po-
pulares, música ligeira, música... todas, porém, todas juntas também. Não
tem porque ser somente uma coisa já que tem a possibilidade de ser tudo
isso junto. Explicar-me-ei: uma das possibilidades que tem o compositor
de cinema – mesmo que não somente o compositor de cinema – é a da
“contaminação”. No cinema essas contaminações têm a possibilidade de
ser o primordial musicalmente. Portanto, o compositor pode trabalhar
sobre parâmetros de muitas músicas, expressar-se por vários caminhos,
vários gêneros etc. encontrando justamente nessas contaminações a idéia
mãe de sua partitura cinematográfica. (Ennio Morricone5)

Muitos críticos musicais e parte significativa dos compositores, regentes


e instrumentistas das salas de concerto da época abominavam a idéia da conta-
minação, confundindo-a, de um modo geral, com falta de consciência, originalida-
de e criatividade. Negligenciando as especificidades e condicionamentos audiovi-
suais do cinema, fosse por desconhecimento ou por aversão, e permeados por

5
MORRICONE, in FRAILE, J. R. Ennio Morricone: Música, cine e Historia. Salamanca: Gráficas Varona,
2001, pp. 460-461.

7
conceitos e ideologias sobre “música absoluta”, “música pura”, “música séria” ou
“música culta” versus “música subordinada”, “música programática” ou “música
descritiva”, ou ainda, “música ligeira” ou “música popular” – terminologia que influ-
enciou, foi absorvida e largamente utilizada pelo próprio Morricone – eram impla-
cáveis com os compositores e com sua “música aplicada”. Respaldados, normal-
mente, ou na visão romântica da atividade do compositor como “artista criador”,
livre de condicionamentos externos à própria obra musical, ou em concepções
preliminares e imaturas sobre a sociedade de consumo e a indústria cultural, este-
reotipavam o compositor de cinema como um detrator da “alta arte musical”, bom-
bardeando-o com as piores insinuações possíveis.
O compositor americano de música para cinema David Raksin iniciou
seu artigo Talking Back – A Hollywood Composer States Case for His Craft6, em
1951, de uma forma bastante irônica, exemplificando esse estado:

Como um homem que faz muito tempo descobriu que ASCAP é um ana-
grama de ASPCA e que por isso é contra o açoite com gatos mortos, dese-
jo apontar que a maioria das generalizações anti-hollywoodianas sim-
plesmente não tem validade. É muito desconcertante descobrir pessoas
que se afastam assustadas em virtude de generalizações mistificadas, ób-
vias e aborrecidas disparadas sobre Hollywood7. (David Raksin)

ASCAP é a sigla de Sociedade Americana de Compositores, Autores e


Editores (“American Society of Composers, Authors and Publishers”); e ASPCA é
a sigla de Sociedade Americana de Prevenção à Crueldade aos Animais (“Ameri-
can Society for the Prevention of Cruelty to Animals”). Raksin finaliza esse mesmo
artigo afirmando:

Nós somos compositores como outros compositores – herdeiros das mes-


mas tradições e problemas, seguidores da música como uma forma de vi-
da, que clama somente para que nossa música seja julgada ampla e obje-
tivamente8. (David Raksin)

6
In FILM MUSIC NOTES, New York: Official Publication of the National Music Council, março-abril de
1951, volume X, número IV, p. 14.
7
David Raksin, op. cit.
8
David Raksin, op. cit.

8
Um dos pontos mais importantes relacionado às críticas referidas por
Raksin, pelo menos as mais sensatas, radicava-se, desde o século 19, na polêmi-
ca criada por Eduard Hanslick contra os sentimentos na música. Videira (2005)
recorda que desde o século 19, o formalismo musical de Hanslick emoldurou e
estabeleceu-se como uma reação às chamadas estéticas do efeito e à concepção
de música como expressão dos sentimentos. Contra tais teorias, Hanslick procu-
rou estabelecer uma autonomia da música não em seu efeito sobre o sujeito, mas
no próprio objeto de arte. Ele não aceitou concepções que consideravam que a
finalidade da música era a de suscitar sentimentos, nem as que consideravam os
sentimentos como o conteúdo que a música representa em suas obras. No pen-
samento de Hanslick, que embasará as principais correntes estéticas da música
contemporânea do século 20, o “belo musical” deveria possuir em si mesmo seu
significado, e o efeito da música sobre os sentimentos não poderia ser considera-
do como o princípio estético da música (VIDEIRA9).
Em 1947, Hans Eisler e Theodor W. Adorno publicam Composing for
the films. Compactuando com essa postura normativa e ideologicamente orienta-
da, os dois autores “condenam com veemência as estratégias sentimentais domi-
nantes do cinema clássico norte-americano, assim como toda e qualquer aplica-
ção de música com tintas Românticas, em favor do emprego sistemático e exclu-
sivo da música pós-Romântica, especialmente das técnicas dodecafônicas e seri-
ais” 10.

9
Eduard Hanslick (Praga, 11 de setembro de 1825 — 6 de agosto de 1904) afirmou no Prefácio a seu ensaio
de 1854: Do Belo Musical (Trad. N. Simone Neto. Campinas: Editora da Unicamp, 1992) a necessidade de
realizar uma revisão na estética musical de seu tempo. A tarefa de seu ensaio seria, pois, a de apresentar os
princípios que tal revisão teria que estabelecer, sendo que a chamada “estética do sentimento”, cuja principal
doutrina era a de que a música devia “representar sentimentos”, constituía-se no principal alvo de suas críti-
cas. Porém, o seu intuito não consistia apenas em provar a insuficiência e o caráter diletante de tal concepção,
mas também em fornecer as ferramentas que possibilitariam a reconstrução do conceito de um belo musical
esteticamente autônomo. In:VIDEIRA, M. Eduard Hanslick e a polêmica contra sentimentos na música.
Músicahodie, vol. 5, nº 2, 2005.
10
JESUS, G. M. Elementos para uma poética da música do cinema : ferramentas conceituais e metodológi-
cas aplicadas na análise da música dos filmes Ajuste final e O homem que não estava lá. Tese apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas, Faculdade de Comunicação,
Universidade Federal da Bahia,doutorado em Comunicação. Orientador: Prof. Dr. Wilson da Silva Gomes,
Salvador, 2007.

9
Como compositor, o próprio Morricone, em princípio, sempre reconhe-
ceu e privilegiou a música como uma arte autônoma, referindo-se a essa instância
do objeto de sua composição como “música absoluta”. Porém, concordando com o
“clamor” da ambigüidade implícita de Raksin, caracterizado provavelmente por
uma possível oposição entre valores conceituais e sentimentais derivados do pró-
prio objeto musical, observa que quando o discurso musical se dá inserido no ma-
terial fílmico – imagens em movimento em conjunto com a trilha sonora – é prati-
camente impossível focar perceptivamente somente os elementos musicais. Nes-
se sentido, além do hábil e cuidadoso tratamento a cargo do diretor e de sua equi-
pe, a aplicação musical está arraigada em condicionamentos e procedimentos de
concepção, percepção e acepção que devido às amplas possibilidades tanto téc-
nicas quanto dramático-narrativas do objeto audiovisual, sem dúvida, dificultam
qualquer tentativa de compreensão e generalização por vias exclusivas, sejam
imagéticas, sonoras ou musicais.

A música deve ajudar a tornar claro o sentido do filme, seja que tenha ca-
ráter conceitual, seja que tenha caráter sentimental. Mas que seja senti-
mental ou conceitual, para a música é a mesma coisa. A música ajuda a
“sentimentalizar um conceito e a conceitualizar um sentimento” (Pier
Paolo Pasolini, da apresentação do disco Musiche per l’immagine e
l’immaginazione). Por isso, a função da música é sempre ambígua. Tal
ambigüidade é justificada pelo fato de que, enquanto busca a participa-
ção emotiva do espectador, não pode absolutamente abandonar, e não
pode negar, a sua função também didática. Mas, tudo isso, permanece e
permanecerá, acredito, um mistério11.

Por isso, no pensamento de Morricone, a música de cinema possui


também uma função estrutural e não meramente decorativa: “é assim que traba-
lho, pensando em servir ao filme e ao diretor, para que consiga dizer o indizível
pelas palavras12”.

11
Ennio Morricone in LUCCI, G. Morricone Cinema e oltre. Milano: Mandadori Electa S.p.A, 2007, p.22.
12
Entrevista no alto da Urca, Rio de Janeiro. http://www.afrobras.org.br/index.php?option
=com_content&task=view&id =1850&Itemid=86. Último acesso em 26/04/2010.

10
1.2 - UMA ESTÉTICA PESSOAL: A “DUPLA ESTÉTICA”
Ciente de toda ambigüidade envolvida, Morricone formulou um pensa-
mento pessoal que pode ser considerado como angular em todas as suas ativida-
des composicionais:

A minha atividade como compositor, durante o século passado e depois


nesse século, é um pouco ambígua. No sentido que eu não escrevi somen-
te o que nós chamamos de música absoluta, mas, também música de ci-
nema, isto é, música aplicada. Esses dois compositores não podem ser
idênticos porque o compositor de música aplicada está a serviço da obra
de outro autor, ou seja, do diretor; enquanto que o compositor de música
absoluta está a serviço de si mesmo, de sua idéia, daquilo que ele ouve da
composição, de como quer impostá-la, de como quer elaborá-la. (MOR-
RICONE: 2007)

Essa separação, que reflete no nível pessoal a ambigüidade quase pa-


radoxal do problema geral, revelou-se num árduo e lento trabalho no sentido de
encontrar um comportamento racional no labirinto dos problemas condicionantes
do meio musical cinematográfico. A problemática divisão de sua forma de atuação
como compositor de música absoluta versus música aplicada, que denominou
de “dupla estética”, acabou por transformar os limites dos condicionamentos ine-
rentes ao processo criativo em uma oportunidade operativa.

A “dupla estética” começou a se configurar no meu trabalho quando,


lentamente, tomei consciência dos problemas [...] de comunicação com o
público, do relacionamento com o diretor e editores musicais. Eu devia
“usar” o público para fazer compreender as minhas propostas, devia fa-
zê-lo tendo presente o nível de cultura musical mediana, propondo aquilo
que as pessoas fossem capazes de entender facilmente, mas, sem ser pas-
sivo. Ter presente os cânones abstratos da comunicação musical de mas-
sa, levando em consideração a música primitiva, que é fácil porque é re-
petitiva, porque o mais breve inciso musical é reproduzível na memória, e
assim como o timbre – como exemplo um grito – sem tornarem-se banais
ou renunciatórias13.

Esse pensamento complexo funcionou tanto como um mote interior na


base de sua criação composicional de concerto (“música absoluta”) quanto refletiu
sua consciência das responsabilidades envolvidas no desenvolvimento de seu

13
Ennio Morricone in LUCCI, G. Morricone Cinema e oltre. Milano: Mandadori Electa S.p.A, 2007, p.28

11
ofício como um “artesão” da música de cinema (“música aplicada”) – ao mesmo
tempo em que ajudou preservá-lo dos constantes ataques da crítica que, para ele,
não levava em conta os problemas e os condicionamentos estabelecidos pelo
próprio trabalho criticado.
Em suma, a “dupla estética” de Morricone referencia a possibilidade de
uma música que leva em consideração os cânones de facilidade, tanto de com-
preensão quanto de comunicação, utilizando modelos de procedimentos técnicos
tradicionais consolidados na história secular da música ocidental, seja música ab-
soluta ou aplicada, de procedimentos da música contemporânea aplicados à mú-
sica tonal e modal e da mistura de todos esses procedimentos aplicados à com-
preensão do mass media.

1.3 - A MÚSICA DE CINEMA: MÚSICA APLICADA


Para um compositor que decida colocar sua criatividade ao serviço do
cinema se colocam alguns problemas profundos de escolha frente às
eventuais ofertas de trabalho. Quais filmes aceitar? Os de arte, ou seja,
os ditos filmes de ensaio, os essencialmente comerciais, ou os médios, no
sentido de que são bastante pretensiosos em ser considerados de bom ní-
vel artístico, sem renunciar o contato com o público e, por isso mesmo,
com o sucesso? (MORRICONE, 2008:22)

Obviamente, em sua extensa carreira Morricone teve a oportunidade de


trabalhar compondo para os três tipos de filmes, mas, seu pensamento embasado
na “dupla estética” procurou contemplar o compositor que tem de produzir música
para um tipo “médio” de filmes, “filmes de um nível artístico notável” e que, conse-
qüentemente, exige do musicista grande capacidade interpretativa e de ductibili-
dade. Em seu pensamento, esse compositor é o que sempre terá de resolver pro-
blemas sérios e se sentirá responsável pelo eventual insucesso de um filme: um
tipo de compositor que obrigatoriamente leva em conta a si mesmo, as exigências
artísticas do seu trabalho, os condicionamentos implícitos e explícitos do filme e
não prescinde, exprimindo-se musicalmente, de poder ter um público que o siga e
o compreenda.

12
O compositor que escreve exclusivamente para filmes de ensaio pode
muito bem escrever como sente, com liberdade, dando vazão aos seus me-
lhores recursos, sem obrigar-se a abrir mão daquilo que escreve, o que o
representa plenamente. O compositor – bondade minha chamá-lo assim,
mas existe todo um ar de diletantes – que se ocupa exclusivamente de fil-
mes comerciais (isto é que tem por único escopo produtivo o de levar o
espectador à bilheteria, a qualquer custo e com qualquer meio) não tem
problemas. Não deve fazer outra coisa que servir o público naquilo que o
público quer, naquilo que busca, naquilo que encontra normalmente nas
danceterias, no rádio, nos discos “folk”, rock, canções etc. (Idem)

Morricone explica enfaticamente que mesmo sua música de cinema –


em sua terminologia: “música aplicada” – seria concebida primeiramente como
“música pura” – “música absoluta” –, ou seja, mesmo que funcional e subordinada,
antes de sua articulação com as imagens e as outras sonoridades, sua composi-
ção musical sustentar-se-ia por si mesma, com vida própria, independente de sua
aplicação às outras sonoridades e imagens em movimento, entretanto, não exclu-
indo do processo composicional fatores que tanto condicionaram quanto nortea-
ram sua criatividade.
Essa auto-suficiência musical preliminar é permeada por um processo
composicional que aparentemente faz concessões ao diretor, às necessidades
fílmicas e ao público através da utilização e simplificação do material musical, evi-
tando, no entanto, a banalidade gratuita e desmedida. Sua fórmula parte de pe-
quenas idéias e contraposições buscando envolver o espectador ocidental médio,
independente de sua idade e cultura específica, privilegiando a música “tonal” com
sabor popular e, portanto, de fácil audição.
Essa sustentação a priori está arraigada num tipo de música que tam-
bém pode apelar às audiências no sentido sensual e no nível visceral, e que
mesmo assim, em alguns casos, remetem a estruturas complexas o suficiente em
seus dispositivos internos, aptas a atrair a atenção de ouvintes exigentes e sofisti-
cados. Uma música que pode utilizar qualquer tipo de recurso disponível, que não
descarta qualquer tipo de sincretismo ou contaminação e admite ser “levada” por
ritmos pop.

13
Posteriormente, essa composição “independente” é ouvida “aplicada”,
ou seja, veiculada no objeto fílmico, imersa entre os estímulos auditivos e visuais.
O resultado é integrado, do ponto de vista cognitivo, num processo unificado, pois,
psicologicamente, sensações diferentes recebidas de um mesmo “entorno”, ou
seja, estímulos recebidos por sentidos diferentes são, normalmente, amalgamados
pelo indivíduo receptor numa mensagem única14 (CHION, 1985:21; FRAILE,
2001:43). Em suma, para Morricone a “música aplicada” é resultado de uma arti-
culação conjunta de todas as impressões recebidas a partir dos estímulos sensó-
rios gerados pelo objeto fílmico, engendrando interpretativamente na mente do
indivíduo (espectador) uma mensagem que, em alguma instância, formará a “ima-
gem-som mental” do evento, e, em decorrência, seus possíveis e diversos signifi-
cados “conceituais e/ou sentimentalizados”.

É uma coisa que eu também notei e tentei dar uma resposta no passado:
creio, mas, repito, trata-se de minha dedução personalíssima de ter sido
claro e simples no que escrevi. A minha música para cinema é – na maior
parte dos casos – tonal e de fácil audição. Uma escolha de simplicidade
que, talvez, foi o suporte para que minhas músicas se tornassem um pou-
co próximas as dos fãs de outros gêneros como o pop e o jazz. Com fre-
quência meu trabalho foi manipulado por outros em várias outras chaves,
entre as quais o rap e isso deu vida – mesmo que eu não seja muito entu-
siasta – a experimentos muito interessantes. Não creio ter sido o único:
também outros compositores levaram o seu trabalho seguindo esse tipo
de escolha. Creio que, num certo sentido, o resgate levado adiante pela
simplicidade conotou assim uma música de fácil escuta e do fascínio que
atraiu e atrai continuamente novas gerações15.

Em decorrência, boa parte de sua obra para cinema (inclusive a mais


conhecida) pode ser demarcada e observada a partir da idéia de “tema musical”

14
Este princípio gestáltico serve como base para o que Michel Chion denomina de “contrato audiovisual”,
que constitui as inúmeras projeções possíveis da música e do som na imagem e vice-versa: O esforço mental
em fundir imagem, música e som produz uma dimensionalidade que faz a mente projetar as sonoridades
“dentro” da imagem, como se ele emanasse da imagem em si. O resultado é que nós vemos algo que existe
somente na nossa mente. Ou seja, nós não vemos e depois ouvimos um audiovisual, nós ouvimos/vemos.
(1985:21)
15
SPAGNOLI, M. Entrevista, 1970. http://blog.cinema.it/post/1609/ennio-morricone-musica-da-unaltra-
stanza. Último acesso em 23/07/2009.

14
que, em virtude das necessidades fílmicas, é desprovido de desenvolvimento
harmônico e/ou melódico.

Infelizmente, acontece com frequência que o relacionamento com o dire-


tor, mesmo com diretores talentosos, seja feito com o predomínio de te-
mas. Sempre tive a impressão de que os temas formam a única base onde
os compositores de filme e as pessoas que não tem conhecimento prático
direto de música e que não são músicos treinados podem entender-se.
Aqui estou utilizando a palavra ‘tema’ em seu sentido clássico: uma linha
musical que a audiência apreende, reconhece, entende e, possivelmente,
assovia. Penso que existem outros aspectos, talvez mais sutis, mas, tão
importantes – se não mais – quanto o próprio tema: sonoridades, sons,
ritmos e harmonias. Esses aspectos são um pouco mais difíceis de comu-
nicar a alguém que não seja músico16.

Desse modo, após suplantar os condicionamentos inerentes ao proces-


so composicional fílmico, costuma apresentar e reapresentar soluções temáticas
expressivas embasadas na simplificação, variação e recorrência de ideias melódi-
cas curtas, no jogo entre harmonia e estrutura musical, na reutilização de modo
criativo, e muitas vezes jocoso, do colorido (timbre) da instrumentação musical
recheada com acordes conhecidos e não complexos demais.
O musicólogo italiano Sergio Miceli, estudioso da música de Morricone,
tentou exprimir essas características de sua música numa epígrafe que muito
agradou o próprio compositor: “Norme con Ironie” 17
[Normas com Ironias]. Essa
espécie de slogan aponta que, entre outras possibilidades, do ponto de vista mu-
sicológico, é quase irresistível a generalização do imenso trabalho de Morricone
nos fundamentos do Romantismo, com frequentes evocações de obras barrocas,
clássicas, impressionistas e expressionistas de grandes mestres como Pergolesi,
Bach, Mozart, Beethoven, Berlioz, Wagner, Debussy, entre outros. Do mesmo
modo, essa mesma generalização pode também ser aplicada à grande parte da
própria música de cinema, pois faz parte de suas acepções. Numa delas, no ver-

16
E. MORRICONE, Un compositore dietro la macchina da presa, in: Enciclopedia della musica (a cura di J.
J. Nattiez), vol. 1 (Il Novecento), Torino: Einaudi, 2001.
17
“Norme con ironie”: Textos produzidos por diversos autores e agrupados por Sergio Miceli na comemora-
ção dos 70 anos de Ennio Morricone. Itália: Ed. Suvini e Zerboni, 1999. Também é o nome de um dos temas
da trilha musical de Morricone para o filme Cidade Violenta (Città Violenta), dirigido por Sergio Sollima,
lançado em 1970 (faixa 8).

15
bete Film Music escrito por Mervyn Cooke, observa-se que a generalidade está
contemplada, porém, com ressalvas:

Música composta ou recopilada para acompanhar películas. O cinema se


converteu em uma das principais formas artísticas no século 20 assim
como um poderoso e ubíquo meio de comunicação de massas, pelo que a
música que o acompanha não é somente uma subcategoria de música in-
cidental ou dramática em geral. Os princípios e estilos mais característi-
cos da música de cinema podem centrar-se nas correntes do século 19,
principalmente na ópera e na música programática, porém, a natureza do
meio e as obrigações que o mesmo exerce sobre o compositor originaram
problemas específicos cuja solução é única tanto em termos práticos
quanto estéticos18.

Na transposição da realidade dessa acepção, e no resgate da epígrafe


de Miceli, a obra de Morricone ainda clama para que seja observada como aplica-
da, ou seja, pelo ponto de vista dos problemas e soluções específicas que a en-
gendrou. Um ponto de vista onde possivelmente tradição e renovação ironicamen-
te se mesclam, transformando a tentadora generalização das normas “românticas”
iniciais num promissor limiar, irradiador de uma identidade musical própria e de
uma energia criativa que influenciou e ainda influencia o pensamento de várias
gerações de ouvintes, compositores e pesquisadores da música de cinema.

Na necessidade de sintetizar o meu pensamento e o meu trabalho, [...]


consciente e nos limites das minhas possibilidades, determinante de mi-
nha liberdade exterior, sempre procurei perseguir um tipo de liberdade
interior secreta. Uma liberdade que, apesar do pagamento, das exigên-
cias férreas do diretor e, às vezes, da produção, me permitisse manter in-
tacta a minha própria identidade musical19.

Mesmo que a síntese de seu pensamento, e consequentemente as rei-


vindicações implícitas assumidas por Morricone e Raksin, possa não se realizar
concretamente, como em alguns olhares contemporâneos que ainda teimam em
contextualizar a música de cinema simplesmente como “um mal necessário”, um
amontoado de clichês, música de consumo, entretenimento, informação ou contro-

18
Verbete “Film Music”, COOKIE, M. New Grove Dictionary of Music and Musicians, vol. IV, p. 549.
19
Ennio Morricone in LUCCI, G. Morricone Cinema e oltre.Milano: Mandadori Electa S.p.A, 2007, p.42.

16
le das massas, a vertente ligada aos valores de natureza humana permanece no
seio das próprias reivindicações.
Desde a época do artigo de Raksin, pouco antes do início das ativida-
des cinematográficas de Morricone, no mesmo viés de produção e diversidade de
novos filmes, produziu-se também literatura, acadêmica ou não, com o propósito
de estudar e entender o objeto fílmico como um fenômeno complexo. De forma
geral, parece que os textos e teorias desses círculos tanto cinematográficos quan-
to musicológicos tendem a eludir os assuntos referentes à música desse complexo
audiovisual, relegando-a a um status menor.
Carrasco, já em 1993, referiu que parecia se institucionalizar uma ten-
dência em ver a música de cinema não como um dos fatores integrantes da lin-
guagem cinematográfica, mas como um discurso paralelo ao próprio filme:

Em grande parte isso ocorre porque não existe ainda uma conceituação e
uma terminologia próprias à trilha musical, enquanto a música, ao con-
trário, possui uma fundamentação teórica bastante clara e bem sedimen-
tada. Sendo assim, torna-se muito tentador explicar a trilha musical ex-
clusivamente sob o ponto de vista da música. A teoria de cinema, por sua
vez, evita ao máximo aprofundar-se na questão, como se o significado de
cinema se confundisse com o de imagens em movimento, pura e simples-
mente, reforçando a ideia de que a trilha musical é um discurso paralelo
ao próprio filme e não parte integrante dele20.

É sintomático, ainda hoje, perceber que quando se fala de cinema a


prioridade se dá, mesmo que implícita e, algumas vezes, justificavelmente, no tra-
tamento das imagens como o tipo de moção preponderante e primordial em detri-
mento à articulação de todos os outros componentes do complexo narrativo.
Mesmo que alguns teóricos tenham abordado a música de cinema, muitas vezes
com contribuições ricas e provocativas, essas ainda não foram suficientes o bas-
tante para que o componente musical insira-se no processo crítico de recepção,
percepção, reflexão e acepção do objeto audiovisual como um todo articulado.

20
CARRASCO, C. R. Trilha Musical – Música e Articulação Fílmica, São Paulo: monografia de mestrado
apresentada a ECA – USP, 1993, p. 60.

17
Raramente percebe-se que o filme é um todo articulado e que a música é
um dos fatores envolvidos nessa articulação. Grandes trilhas musicais
que estão totalmente inseridas no contexto dramático de seus respectivos
filmes, perfeitamente integradas ao seu fluxo narrativo, muitas vezes pas-
sam despercebidas, não porque sejam ruins, mas porque foram pensadas
e construídas com esse objetivo21.

Sete anos depois, adentrando no século 21, Neumeyer, Flinn e Buhler


(2000) introduzem o livro Music and Cinema22, uma coletânea de artigos de vários
autores, lembrando que quando Peter Lehman23 escreveu sobre o campo da músi-
ca de cinema – um campo caótico atribuível a teoria psicanalítica, estudos cultu-
rais, o lento e prolongado campo da semiótica, um positivismo histórico ressurgen-
te e no formalismo filosófico – afirmou que “nenhuma teoria existe fora... do con-
texto do valor atribuído por alguém”; por isso, “nenhuma teoria pode ser comple-
tamente inclusiva e simplesmente correta: ... nunca haverá um fim na teoria do
filme na medida em que as pessoas se importem com o objeto”. Os autores acres-
centam que o mesmo pode ser dito sobre a musicologia, exceto que, normalmen-
te, o “perpetuado” é o positivismo e alguns ramos do formalismo (o último especi-
almente entre músicos acadêmicos que chamam a si mesmo, na maioria das ve-
zes equivocadamente, de teóricos), e o que ressurge é a polêmica crítica da sub-
jetividade de uma era anterior onde foi assumido que os cânones da música como
alta-arte são fixos e eternos (e por isso as prioridades da educação musical são
igualmente fixas e imutáveis). Acrescentam que mesmo com todas as contradi-
ções é muito gratificante constatar que a área da música de cinema já possui um
passado acadêmico com pesquisadores e textos de ambas as áreas revisitando,
revisando e desafiando os primeiros trabalhos.
Ao inferir sobre a presença da música no cinema os textos oferecem
uma pletora de possibilidades que, desde o cinema mudo e, entre outras, passa-

21
CARRASCO, idem, pp. 8-9.
22
O principal autor da introdução do livro é David Neumeyer. Caryl Flinn compôs o rascunho original das
seções de abertura, editou um rascunho dos artigos do sumário e preparou uma revisão crítica e perceptiva
que melhorou as seções finais; James Buhler editou todo o texto e no processo contribuiu com a inclusão de
várias sentenças originais utilizadas.
23
LEHMAN, P. (Ed.) Introdução: Defining Cinema. New Brunswick: Rutgers University Press, 1997.

18
ram pela necessidade de “humanização” da artificialidade da imagem em movi-
mento da tela, por considerações práticas (como a tentativa de cobrir o ruído me-
cânico do projetor), por considerações técnicas (como suavizar os cortes abruptos
e as transições imagéticas entre tomadas diferentes) entre outras e as conse-
quências e transformações desses preceitos no cinema contemporâneo, onde,
analogamente, a música também auxilia na apreensão da atenção dos espectado-
res fora da artificialidade do meio, exerce funções que os transportam para contex-
tos específicos (sejam ambientais ou de gênero), revela-se como entidade expres-
siva de emoções e sentimentos e articula-se narrativamente, constituindo, conjun-
tamente com outros elementos sonoros e imagéticos, a própria estrutura dramáti-
ca e, em última instância, a organicidade do discurso audiovisual. O surpreenden-
te, segundo os introdutores, é que questões primárias ainda persistem, definidas e
redefinidas nas últimas décadas:

 o problema da presença da música no cinema (os filmes necessitam de


música?);
 descontinuidade cinemática e musical (a música de filme não é nem músi-
ca de concerto – nem música de ópera);
 a relação da música com a narrativa (especialmente a polaridade diegéti-
ca/não-diegética e sua relação com a fonte sonora e música de fundo
[background]);
 assuntos institucionais e culturais tais como historiografia, cultura e câno-
nes de formação (como os estudos de música e cinema “compartilham” o
mesmo objeto de estudo? Como são situados na cultura tecnológica do
século 21?).

Na abordagem de compositores influentes, como no caso de Ennio


Morricone, Miceli (1994:9) acrescenta a dificuldade do estudo de um tipo de “pro-
fissional de nosso tempo” que sem termos de comparação tocou todos os setores
musicais – em sentido “vertical” e “horizontal”, ou seja, nos aspectos criativos e
produtivos – e que tal tarefa pode parecer, de fato, uma auto-atribuição implícita
de competências das mais disparatadas:

[...] os estudiosos sabem, os estudantes suspeitam e os leitores comuns


ignoram – é já uma empreitada árdua fornecer uma contribuição de

19
qualquer interesse movendo-se num setor bem delimitado, no qual vige
um conforto absoluto entre os gêneros culto e popular. Certo, se aceitás-
semos como fundo um princípio muito propagado, mas pouco praticado
seriamente, segundo o qual a música da segunda metade do século 20 é
um co-acervo de manifestações compreendendo desde a vanguarda culta
e o rock, a música de cinema e a música popular, a pós-vanguarda e uma
mistura de gêneros que poderiam ser definidos como kitsch medium, en-
tão este estudo estaria dentro das normas24.

A irônica normalidade comentada por Miceli foi formulada analogamen-


te no campo da estética e sem ironia por Luc Ferry em seu livro Homo Aestheti-
cus: A Invenção do Gosto na Era Democrática (1994) na proposta de um estudo
processual analítico centralizado na filosofia da arte capturado pela permeabilida-
de e variação dos critérios estéticos na história. Sua formulação exprime analo-
gamente o que parece ser o mesmo tipo de problema:

Como chegar, nessa matéria [estética], a uma resposta ‘objetiva’, uma


vez que a fundamentação do belo se realiza na mais íntima subjetividade,
a do gosto? Mas como, também, renunciar visar a tal objetividade, quan-
do o belo, como todos os outros valores modernos, pretende poder diri-
gir-se a todos e agradar ao maior número de pessoas? Problema terrível
com o qual a estética encontra inevitavelmente, mas a priori e em seu es-
tado mais essencial, as questões análogas colocadas ao individualismo no
campo da teoria do conhecimento (como fundamentar a objetividade a
partir das representações do sujeito?) assim como no campo da política
(como fundamentar o coletivo nas vontades particulares?).

Nessa perspectiva, quais critérios – entendidos aqui como aptos à con-


formação e ao exame de um pensamento, princípio ou ideia, fato ou percepção
com a finalidade de produzir uma apreciação lógica, epistemológica, estética e/ou
ética sobre o objeto – permitem investigar ampla e objetivamente a música de ci-
nema? Mais especificamente, dentre vários critérios possíveis, consagrados ou
não pela cinematografia e/ou musicologia, quais seriam os mais pertinentes na
avaliação da produção musical cinematográfica morriconeana?

De todas as implicações relacionadas ao problema é dedutível que


qualquer apreciação, análise ou crítica da música utilizada no cinema em sua tra-

24
MICELI, S. Morricone, La Musica, Il Cinema. Milano: Mucchi Editore. 1994, p.9.

20
jetória de aproximadamente 110 anos, pelo menos desde os acompanhamentos
improvisados do pianista nas projeções dos irmãos Lumière às elaboradíssimas
trilhas musicais que acompanham as grandes produções de hoje, exige um tipo de
pensamento mais abrangente e diferenciado: o pensamento musical no cinema.

Pensamento que:

 agrega uma tipologia musical que deve sua existência às exigências e ne-
cessidades de uma obra sinergética, materializada também, direta ou indi-
retamente, por toda uma legião de artistas, profissionais, tecnólogos e
tecnologias – pessoas e equipamentos envolvidos na confecção do objeto
fílmico desenvolvido nas fases de pré-produção, produção e pós-
produção. E, indo além, considera também o sentido que essa “música
aplicada” toma na etapa posterior, no momento da “pós-pós-produção”,
onde o produto fílmico se aninha a uma verdadeira indústria, a “indústria
cultural”, entretecida na narração de histórias ou informações endereça-
das ao grande público, ao espectador e, em alguma instância, proposital
ou não, participante na conformação de seu imaginário e de um possível
(con)-senso estético;
 não descarta a tradição, pelo menos desde Platão e Aristóteles, no senti-
do de também acolher o “poder” de impacto emocional ou sentimental, in-
grediente rechaçado pelo pensamento de muitas correntes e composito-
res do século 20, principalmente a partir de sua segunda metade, onde o
possível “apelo visceral” da música foi combatido e meticulosamente evi-
tado;
 se aglutina numa ampla camada abstrata que, fruto de sua aplicação,
compreende um tipo de música ou categoria musical ancorada num grupo
de reflexões e conceitos definidos também por condicionamentos e fun-
ções externas ao escopo da própria obra musical;
 se flexibiliza no sentido de abarcar exceções que escapam ao seu próprio
escopo, relativizando suas críticas tanto no sentido das generalizações
quanto das particularidades.

Obviamente, corresponder quantitativamente à amplitude dessas exi-


gências focadas no trabalho prolífico de Ennio Morricone e na complexidade de
seu pensamento exorbita as possibilidades de uma tese ou monografia acadêmi-
cas, mas, ao mesmo tempo, suscita o escopo exploratório e qualitativo da pesqui-
sa que busca, engajada na observação do ofício do músico de cinema e de sua
música cinematográfica, revelar um contexto mais amplo que, no âmbito da arte

21
contemporânea, compromete-se com a própria compreensão do trabalho audiovi-
sual.

Por isso, quando falo da procura de uma linguagem cinematográfica


comprometida, caso por caso, com princípios gerais que levem em conta
seus múltiplos condicionamentos, falo de qualquer coisa que é absoluta-
mente necessária também à clareza da fruição do ouvinte e, em definitivo,
à compreensão da obra cinematográfica inteira. (MORRICONE, 2007:
31)

Nesses 50 anos de atividade, a música de cinema de Morricone tanto


paralelizou quanto contrapôs as práticas hollywoodianas dominantes. A hipótese é
de que seu principal comprometimento foi, enquanto uma formulação inicial: arti-
cular-se audiovisualmente na promoção narrativa de possíveis significados fílmi-
cos. Nessa perspectiva a utilização musical em relação às imagens e outras sono-
ridades dependeram de muitas razões que o próprio Morricone classificou em:
razões físicas, interiores e de fruição.

Seja como for, a música do cinema não pode ser considerada no mesmo
nível daquela que chamei de “outra música”. Se for uma arte, e acredito
que sim, no melhor dos casos ela é uma arte no seu instante, com proble-
mas estéticos, técnicos e sociológicos exclusivos. Mesmo que na música
de cinema seja utilizada outra medida de juízo estético, creio poder afir-
mar que certas regras – relacionadas à forma ou não-forma, que regulam
os sons organizados e não organizados – permanecem válidas, na reali-
dade, e mesmo na música cinematográfica encontram sua justa confirma-
ção. (Idem)

Nos limites e limiares de uma tese de doutorado, “O Pensamento Musi-


cal no Cinema: O Exemplo de Ennio Morricone” procura relacionar aspectos da
organização temática musical com sua articulação na linguagem cinematográfica.
Portanto, no âmbito analítico, o estudo se dedica a identificação de algumas variá-
veis que, na aplicação musical sincronizada audiovisualmente, apontem para a
“justa confirmação” e validade referenciada por Ennio Morricone.
Nesse viés, apresentando, percorrendo, delineando e contrapondo par-
ticularidades engendradas por tópicos significativos da literatura da área de músi-
ca de cinema com as do próprio Ennio Morricone, espera-se revelar algumas ca-

22
racterísticas gerais do pensamento musical do cinema com possibilidades críticas
mais próximas à clareza e objetividade clamadas por David Raksin e, sem dúvida,
pelo próprio Ennio Morricone.

23
2. MUSICA PER FILM
Nossa gestação se deu no Som, mas nascemos com a Luz. O cinema teve sua ges-
tação na Luz, mas nasceu com o Som.
(Walter Murch25)

2.1 - CRÉDITOS INICIAIS


Embora possa parecer estranho é oportuno recordar que as persona-
gens envolvidas com as primeiras projeções cinematográficas, pouco mais de 100
anos atrás, não projetaram as consequências da criação. O embrião já estava la-
tente em várias inovações que se sustentaram em fenômenos visuais abarcados
desde o domínio fotográfico até a busca pela síntese do movimento.
Walter Murch vê nesse período (1892–1927) no qual o cinema passou
sua juventude – “vagando numa pletora de imagens sem voz [mas, quase sempre,
acompanhado por música], um celibato de 35 anos, durante os quais a Visão rei-
nou como uma rainha solipsística26 e auto-satisfeita” –, uma reversão mecânica da
sequência biológica do nascimento humano, período no qual parece nunca suspei-
tar-se que o destino pudesse estar arranjando uma aliança com outra rainha, a
Audição, a rainha que, real e inicialmente, reinara até o momento do nascimento
biológico humano.
O pensamento que sustentava os estágios iniciais do nascimento do ci-
nema não era o de simplesmente re-presentar o movimento, ou seja, sub-gerir o
movimento aos emissores e receptores envolvidos num processo comunicante,
mas, apresentar uma cópia objetiva do movimento capturado realmente, na reali-
dade, no real, pretensiosamente desprovido de conotações subjetivas: um disposi-
tivo científico; revelado no termo que designa, representa e conceitua esse agen-

25
Prefácio de CHION, M. Audio-Vision: sound on screen. USA: Columbia University Press, 1994.
26
Solipsismo: [De sol(i), + lat. Ipse, ‘mesmo’, + -ismo.] S. m. 1. Filos. Doutrina segundo a qual a única reali-
dade no mundo é o eu: “o equivalente concreto do que os filósofos chamam de solipsismo, isto é, da atitude
que consiste em sustentar que o eu individual de que se tem consciência, com suas modificações subjetivas, é
que forma toda realidade” (Temístocles Linhares, Introdução ao Mundo do Romance, p. 463). [Cf. idealismo
subjetivo e subjetivismo.] 2. P. ext. Vida ou costume de quem vive na solidão (AURÉLIO).

24
ciamento complexo: cinema – uma redução da palavra cinematógrafo – inicialmen-
te utilizada pelos irmãos Lumière27 com a junção das palavras gregas: kinema
(κίνημα) = movimento e grapho (γράϕω) = registrar, com a intenção significativa
de registro de movimento28.
Na contramão dessa pseudo-vocação objetiva, e de muitas outras cren-
ças de seus próprios inventores, o cinema passou a projetar filmes que adquiri-
ram, pouco a pouco, a finalidade, não exclusiva, de narrar histórias à sua audiên-
cia.

Os filmes desse universo foram apreendidos de um corpo de noções feno-


menológicas que se fundaram na dissociação entre percepção télica (a bi-
dimensionalidade da tela, a constância da dimensão imagética e sua du-
ração objetiva, os jogos de luminosidade e de obscuridade, as formas, o
que é visível) e percepção diegética, puramente imaginária, hermenêuti-
ca, reconstruída pelo pensamento do espectador, espaço-tempo no qual
supostamente se passaram todos os acontecimentos que o filme apresen-
tou e no qual as personagens pareciam se mover. (SOURIAU, in AU-
MONT, 2001:130)

Com o passar dos filmes e dos anos, a tela onde os movimentos regis-
trados eram projetados recebeu a companhia de alto-falantes. A revolução causa-
da pela reconfiguração do já complexo sistema instaurado engendrou novas pos-
sibilidades e outros significados ao termo. Hoje, a palavra agencia uma gama
enorme de sentidos e significados abrangendo desde sua origem, filosofia, materi-
alidade, história, tecnologia, funcionalidade, finalidade, ideologia, entre outros. To-
do desenvolvimento do aparato artístico-tecnológico aplicado, radicados em sécu-
los de reflexões teóricas e trabalhos práticos, aprimorou ainda mais o produto ci-

27
Os inventores August e Louis Lumière foram pioneiros na projeção de imagens em movimento para o en-
tretenimento do público no Salão Indiano do Grand Café no Boulevard des Capucines, em Paris, no dia 28 de
dezembro de 1895, de acordo com Kenneth MacGowan, Behind the Screen: The History and Techniques of
the Motion Picture (New York: Dell, 1965), pp. 80-81.
28
Aristóteles, em sua Poética (referindo-se principalmente ao teatro e a poesia) diz que o imitar é congênito
no homem e os homens se comprazem no imitado. Nessa perspectiva, também poderíamos dizer que no ho-
mem é próprio o desejo de registrar; registrar o que vê, o que ouve, o que sente, o que vive. O homem come-
çou a elaborar seus primeiros registros de memória, transmitindo lembranças e uma forma de conhecimento.
A forma mais primitiva de expressão e manutenção destes “primeiros” conhecimentos foi o mito.

25
nemático, contribuindo para que o cinema conquistasse um status artístico bastan-
te considerável.
Sua pletora de possibilidades, que resulta de um profundo vínculo que
oscila entre a “realidade” e o “sonho”, o “concreto” e o “abstrato”, o “real” e o “ima-
ginário”, ou seja, entre possibilidades que estão simultaneamente radicadas na
fenomenologia e na hermenêutica, revela um escopo que dá suporte simultâneo
tanto a discursos objetivos que podem instaurar processos lógicos, passíveis de
serem transformados em algoritmos, quanto a processos de características heurís-
ticas, que teimam em não se deixar capturar.
Em todo seu trajeto, um dos componentes responsáveis diretamente
por esse status foi a música, que, mesmo no cinema mudo, sustentando-se em
antigas raízes matriarcais “abstratas”, articulou-se em um produto audiovisual, por-
tador de expressões intelectuais, cognitivas, afetivas e sentimentais. No hiato
temporal de seu emergente reconhecimento, imprimiu-se como um agente ativo
que, fruto também de sua vocação aplicativa, continuamente (re)-definiu e (re)-
definiu-se no e o próprio agenciamento áudio-cinemático.
Num certo sentido, a primeira projeção dos irmãos Lumière em 189529,
acompanhada pelo músico que tocava piano, projetou também um novo potencial
significativo que a música articulada com outras sonoridades e as imagens em
movimento do cinema viria a adquirir na narrativa de suas histórias.

O desenvolvimento da linguagem narrativa do cinema passa inevitavel-


mente pela via musical. A partir do momento em que as exibições de fil-
mes eram sempre acompanhadas de música, a própria formação do ‘có-
digo’ narrativo do cinema, bem como do referencial que, paralelamente,
o público desenvolveu para decodificar esse ‘código’, não se deram ex-
clusivamente pela dimensão imagética do cinema, mas sim pela soma des-
ta com a dimensão musical. Em outras palavras, o cinema comercial pode

29
Embora a presença de um pianista na primeira projeção seja mencionada em muitos livros, poucos dão
informações mais específicas sobre o evento. As informações estão documentadas a partir de relatos de Oscar
Measter, que esteve presente nas primeiras exibições de filmes em Berlim em outubro de 1896, e que as
transcreveu em sua autobiografia Mein Weg mit dem Film (1936): Ich Kenne Kein öffentlichen Fil-
mvorführungen ohne Begleitmusik – citado por Konrad Ottenheym, Film und Musik bis zur Einführung des
Tonfilms, Diss. Friedrich-Wilhelm, Berlim, 1944, p. 3. (Apud: MARKS, M. M. Música para filmes: O materi-
al, literatura e estado atual das pesquisas).

26
não ter nascido falado, mas com certeza nasceu musical30. (CARRASCO,
1993:16)

2.2 - O ESTUDO DA MÚSICA DE CINEMA


Sem escrever uma única nota – pois a notação musical é um dispositivo incômo-
do, totalmente inadequado para registrar as texturas sonoras do futuro – o com-
positor apresentará suas fantasias artísticas numa forma que será tão pouco cor-
respondente às dimensões espaciais normais quanto o filme em seu aspecto visu-
al, quer seja sobre um plano, quer possua propriedades plásticas. Mas, para tor-
nar isso possível – para prover a evolução de uma forma artística, tão pregnante
de suas possibilidades futuras como o filme sonoro, tão atrasado por inúmeras
razões – deve acontecer primeiro, uma completa mudança na atitude da produção
do filme, especialmente em relação à sua música. (Kurt London31)

Neumeyer et al. (2000) nos lembram que embora a música sempre te-
nha ocupado um papel relevante no cinema, poucos se preocuparam em empre-
ender a difícil tarefa de estudar a amplitude e características desse papel. O objeto
– “música para filme” – falhou por muito tempo em atrair a atenção e o interesse
acadêmico. Esse desinteresse inicial possibilitou que alguns dos estudos sobre
sua utilização fossem estruturados com “tendências” e “teorizações” que, muitas
vezes, contribuíram diretamente para seu status marginal e subsidiário, sem a
contundência necessária no sentido de influenciar, redimensionar e inserir-se con-
cretamente numa perspectiva tanto musicológica quanto cinematográfica.

O clamor pela necessidade de trabalhos acadêmicos que abordassem a


música de cinema gerado nos títulos seminais: “arte negligenciada”
(PRENDERGAST: 1977) e “melodia inaudível” (GORBMAN: 1987),
transformou-os numa espécie de epítetos que teimam em perpetuar-se nas
próprias teorias que engendraram a visão do cinema, ou seja, teorias
apoiadas no respeito cronológico e crítico da visão das imagens em mo-
vimento32. Nessa perspectiva a música é vista preponderantemente como

30
CARRASCO, C. R. Trilha Musical: Música e Articulação Fílmica. São Paulo: monografia de mestrado
apresentada a ECA – USP, 1993, p. 16.
31
LONDON, K. Film Music: A Summary of the Caracteristic features of its History, Aesthetics, Technique;
and possible Developments. London: Faber & Faber Ltd, 1936, pp. 269-270.
32
Alguns dos principais títulos, subtítulos e capítulos de livros mobilizaram os principais problemas da área
criando referências iniciais como, por exemplo: melodias inaudíveis – “Unheard Melodies” (GORBMAN,
1987); arte negligenciada – “A Neglected Art” (PRENDERGAST, 1992). A ausência do componente sonoro-
musical em análises fílmicas – “Did They Mention The Music?” (SMITH, 1998:1); etc. Outros ainda, parafra-
seando o próprio Kurt London (1936), iniciam o texto com algo assim: “a grande maioria das pessoas que

27
subordinada e até mesmo submissa, mas, normalmente, inexistente. Um
“fundo musical” no “verdadeiro oceano das imagens”, um frágil acordo
tácito de “inaudibilidade” sonora imersa na “invisibilidade” da edição
imagética33.

Por outro lado, o estudo da cinematografia enfatizado pela via musical,


música de cinema, remete a uma pletora de textos que, com certeza, muito acres-
centa no entendimento da música utilizada, mas, principalmente como objeto iso-
lado, ensimesmado, separado do meio audiovisual, o que parece inviabilizar um
tipo de abordagem um pouco mais generalizada e satisfatória que revele a música
de cinema na integralidade do objeto fílmico, seja do ponto de vista musicológico
seja do cinematográfico.

Hoje, quando a música berra dos alto-falantes da sala de cinema com a


hiper-claridade do som digital, é muito difícil pensá-la como ‘inaudível’ –
é muito difícil para qualquer pessoa ignorar sua presença, muito menos,
negligenciá-la. Por isso, a música de cinema está atingindo um status de
moda e de significância tanto nos estudos de cinema quanto nos da musi-
cologia. (Idem)

Nessa perspectiva, o campo de estudos está se ampliando com traba-


lhos que procuram arraigar-se em bases mais sólidas. Na literatura sobre o assun-
to, até bem pouco tempo composta basicamente de monografias isoladas, já é
possível encontrar antologias – tanto de estudos do próprio cinema (GOLDMARK
et. al.: 200734; FURBY e RANDELL, 200535; DONNELLEY, 200136; GORBMAN,
200037 e 199838) quanto às dedicadas à análise, composição e orquestração de
músicas para filmes (MATHEWS, 200639; MANCINI, 200440).

freqüentam as salas de cinema, sejam assíduas ou não, dão pouca ou nenhuma atenção à música” (BROWN,
1994:1). Nosso próprio texto ainda se justifica iniciando dessa forma o que é bastante sintomático.
33
NEUMEYER, D et. al. Introdução: “Music and Cinema”, 2000.
34
GOLDMARK, D. & KRAMER, L. & LEPPER, R. (Ed.) Beyond the Soundtrack: Representing Music in
Cinema. Berkeley & Los Angeles: University of California Press, 2007
35
FURBY, J., & RANDELL, K. “Screen methods: comparative readings in film studies”. London: Wallflow-
er, 2005.
36
DONNELLEY, K. J. (Ed.) Film Music: Critical Approaches. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2001.
37
GORBMAN, C. Music in The Piano. in HARRET, M. (Ed.): Jane Campion's The Piano, Cambridge: Cam-
bridge University Press, 2000.

28
Os filmes podem ser analisados em termos musicológicos, em relação
às imagens que a música acompanha, em contextos de desenvolvimentos tecno-
lógicos da gravação e reprodução musical, em relação a modelos musicais exter-
nos ao próprio filme, na tradição dos documentários e estudos do gênero (DON-
NELLY: 199841). Podem também ser explorados em termos de função, história do
filme, público, pós-modernidade, sociologia, psicanálise e indústria (DICKSON:
200242).
Música popular e música sinfônica podem ser separadas e examinadas
em termos de culturas e tradições populares, em relação à denominada música
clássica, aos gêneros de música pop, classe social, masculinidade, feminilidade,
etnicidade e execução (WOJCIK e KNIGHT: 200243).
Nenhuma dessas antologias, entretanto, apresenta uma metodologia
geral e satisfatória que possa corresponder tacitamente às articulações engendra-
das pelas músicas no processo fílmico. As restrições impostas nessa forma de
estudos tendem a encorajar artigos curtos e autocontidos, conjuntamente com cer-
ta relutância em olhar e ouvir grandes padrões inibindo qualquer investigação sus-
tentada em estruturas analíticas de maior amplitude e profundidade (BROWN-
RIGG: 200344).
O que neste texto é agrupado genericamente como Pensamento Musi-
cal no Cinema é composto por um corpo conceitual heterogêneo e de grande am-
plitude. Seus componentes epistemológicos podem ser capturados nas tentativas
(acadêmicas ou não) feitas na proposição de teorias ou métodos que, direta ou

38
GORBMAN, C. Film Music in Hil, HILL, J. & PAMELA CHURCH, G. The Oxford Guide to Film Stud-
ies,1998.http://www.cscsarchive.org:8081/MediaArchive/Library.nsf/(docid)/5851E3E2C6A2A217652570E0
0023CEB8?OpenDocument&StartKey=Oxford&count=50. Ultimo acesso em 20/01/2009.
39
MATHEWS, P. (Ed.) Orchestration: An Anthology of Writings. New York: Taylor & Francis Group, 2006.
40
MANCINI, H. Case History of a Film Score. PHILLIPE, R. (Ed.). New York: Warner Bros. Publications,
2004.
41
DONNELLEY, K J: The Classical Film Score Forever? Batman, Batman Returns and Post-Classical Film
Music. NEALE, S. and SMITH, M. (eds.). London, Routledge: Contemporary Hollywood Cinema, 1998.
42
DICKINSON, K. Movie Music: the Film Reader. London: Routledge, 2002.
43
WOJCIK, P. R. & KNIGHT, A. (eds.). Soundtrack Available: Essays on Film and Popular Music, North
Carolina: Duke University Press, 2001.
44
BROWNRIGG, M. Film Music and Film Genre. Tese de doutorado. Scotland: University of Stirling, 2003.

29
indiretamente, buscam entender e valorar a música inserida no objeto fílmico. Em
sua amplitude e diversidade, muitas dessas tentativas, normalmente, apresentam
diversos tipos de referências atribuíveis à música de cinema e, excepcionalmente,
algumas poucas dessas referências estão preocupadas em apontar ou aprofundar
qual resultado foi efetivamente obtido em determinadas combinações ou maior
detalhamento da articulação ou relação audiovisual criada.

30
2.3 - O PENSAMENTO MUSICAL NO CINEMA
Sou músico, logo penso. Nunca consegui libertar-me do pensar através da música
(o que muitos consideram, espero que erradamente, uma falha na minha musica-
lidade), a ponto de, por inúmeras vezes, considerar abdicar da prática musical,
trocando-a pela teoria, a mais pura possível, da música e da arte. Por sorte não o
fiz. Sorte, porque pude atestar o quanto uma determinada forma de pensar estava
ligada a esta prática. Mas quanto aos estudos puramente teóricos, os quais ja-
mais interrompi, não foi sem sofrimento que, aos poucos, aprendi a resposta (e
tenho-a na ponta da língua) à obsessiva pergunta do deturpado pragmatismo con-
temporâneo: mas, afinal, para que serve esse estudo? A resposta é: para tudo e
para nada; ou melhor, para tudo porque para nada. (Ricardo Rizek45)

Afinal, o que realmente acontece quando música, sons e imagens em


movimento são combinados no objeto fílmico? Qual é o pensamento que norteia e
relaciona essa combinação?

No escopo da concepção ocidental, a música sempre esteve ligada à


uma misteriosa incapturabilidade significativa. Onipresente e, ao mesmo tempo,
fugaz ou evanescente, o significado musical sempre resistiu ao pensamento e ra-
ciocínio unívoco e generalizado, ou seja, embasado em padronizações e configu-
rações estabilizadas.

Discute-se o significado musical em quase todo texto sobre música, mes-


mo que de maneiras muitas vezes marginais e, ainda, que em poucos de-
les o termo apareça explicitamente. Frequentemente, assumem-se postu-
ras que carregam com si um entendimento sobre o que é que a música
significa e como se dá esse processo de significação. E não se trata de um
fato recente; tais observações remetem a textos bastante antigos e pode-
mos mesmo afirmar que a discussão do significado musical permeia toda
a história da música ocidental. Inúmeras questões estão imbricadas no
estudo do significado musical: a relação entre música e linguagem natu-
ral; as motivações para o fazer musical e as funções que a música exerce;
a onto e a filogênese da música; a possível existência de universais musi-
cais; aspectos psicológicos e neurológicos da escuta musical etc. Talvez,
a complexidade resultante de tal imbricamento acabe por afastar a maio-
ria dos pesquisadores de um domínio tão amplo e inóspito, no qual exis-

45
RIZEK, R. Prefácio in: SANTOS, M. D. F. Pitágoras e o tema do número. São Paulo: Ibrasa. [2003], p.16

31
tem muito mais perguntas do que respostas satisfatórias. (OLIVEIRA e
MANZOLLI) 46

Os próprios filmes do cinema, por vezes, comentam essa problemática,


amplificados pela “meta-utilização” cinematográfica, por exemplo, num dos diálo-
gos do filme STALKER, 1979, dirigido por Andrei Tarkovski e com música de Eduard
Artemiev, o personagem Stalker (Aleksandr Kaidanovsky) se dirige aos persona-
gens de um escritor (Anatoli Solonitsyn) e de um professor (Nikolai Grinko):

Acordaram? Vocês estavam falando de nossa vida, do altruísmo da arte.


Vejamos, por exemplo, a música. Está ligada à realidade menos do que
qualquer outra coisa. Ou melhor, se está ligada a você, então não é por
idéias, mas, mecanicamente, sem associações. Apesar de tudo e milagro-
samente,a música penetra na alma! Porque este barulho reduzido à har-
monia produz tanto efeito? O que é que o converte em fonte de deleite e
comoção, unindo-nos? Para quê tudo isto? Quem precisa disto? Você
responde: “Ninguém. Sem motivo”. Altruísmo. Não. Eu não penso assim.
No fundo, tudo tem um sentido. O seu sentido e a sua causa.

Numa exemplificação semelhante, Carrasco (1998:7-8) lembra o último


diálogo do filme TODAS AS MANHÃS DO MUNDO (TOUT LES MATINS DU MONDE – Fran-
ça – 1992), quando o compositor Sainte-Colombe (Jean Pierre Marielle) tenta fa-
zer com que outro compositor, Martin Marais (Gérard Depardieu), seu discípulo,
compreenda o que seria, para ele, o sentido da música. Ele diz que “a música
existe para dizer o que a palavra não pode dizer”. Carrasco comenta: “Será que
ele tinha razão?”
Não é incomum deparar-se com afirmações que enfatizam a incaptura-
bilidade do significado musical por meio das palavras, ou seja, se fosse possível
dizer (pelas palavras) o que música quer dizer (sem palavras), a música não seria
necessária. Carrasco inverte os fatores da afirmação e chega na seguinte proposi-
ção: “a palavra existe para dizer o que a música não pode dizer”.

Assim, música e linguagem verbal são colocadas em domínios semânticos


distintos, de acordo com suas especificidades. Mas, ainda assim, algo as
aproxima. Algo permite que elas sejam comparadas, ainda que em oposi-

46
OLIVEIRA, L. F. e MANZOLLI, J. Uma Visão Paradigmática da História do Significado Musical e Seus
Recentes Desdobramentos. Anais da ANPPOM.

32
ção uma à outra. O que as aproxima é, justamente, o “falar”, aqui usado
com o sentido de “dizer algo”. Tanto música quanto a linguagem verbal
são capazes de “dizer algo”, cada uma à sua maneira e em complementa-
ridade, pois cada uma é capaz de dizer aquilo que a outra é incapaz.
(CARRASCO, 1998:8)

Estendendo fatores análogos de oposição e complementaridade simul-


tâneas entre os componentes do meio cinematográfico, Miller Marks (1997) aponta
a primeira e principal dificuldade em tentar entender qualquer coisa relacionada à
música de cinema:

Pelo motivo de que o filme comunica (pelo menos potencialmente) através


da conjunção de sinais visuais e de sinais auditivos, a pesquisa em música
para filmes exige a investigação não de um, mas de dois sistemas de co-
municação não-verbal, como também os jargões problemáticos com os
quais tentamos descrever cada um deles em palavras47.

Mesmo que isoladamente, tanto a audição musical ou sonora como a


visão do movimento não pertencem a categorias de fenômenos instantâneos, isto
quer dizer que sempre resistem à captura, à análise e a transformação em outras
linguagens, sejam com recursos gráfico-visuais ou outras formas de correspon-
dência. A obtenção de seus possíveis e diversos significados, transformados ou
não em outras imagens mentais, prescindem do dinâmico, da temporalidade, ca-
racterística indissociável de suas teleologias.

Quando vemos um filme, nossa mente deve litigar com o conteúdo sempre
mutável das imagens que se movem e o da trilha sonora. Os elementos in-
dividuais (não somente a música, mas também a iluminação, ângulos de
câmera, edição, e assim por diante) estão submersos no fluir de imagens
da tela. Por isso, grande parte da audiência raramente percebe esses
elementos conscientemente; e simplesmente são transportados pela cor-
rente de imagens e sons48.

Nessa perspectiva é imprescindível que a experiência de assistir a um


filme transforme-se numa experiência ativa. Da mesma forma, estudar a música
de filmes, ou estudar qualquer outro objeto, exige um estado mental ativo, proble-

47
MARKS, M. M. Film and Music: An Introduction to Research. In: Music and Silent Films: Contexts and
Case Studies, 1895 – 1924. New York: Oxford University Press, 1997, p. 3.
48
MARKS, M. M. idem.

33
ma recorrente e formulado de muitas formas, mas, como aponta Miller Marks,
mais eloqüentemente por Walter Benjamin:

Vamos comparar a tela na qual o filme se desdobra com a tela de uma


pintura. A pintura convida o espectador à contemplação; diante dela o
espectador pode abandonar-se em suas associações. Diante do quadro do
filme ele não pode fazer assim. Ninguém tem seus olhos agarrados a uma
cena que já não tenha mudado. Ela não pode ser suspensa. Duhamel49,
que detesta filmes e pouco sabe sobre seus significados, comenta essa cir-
cunstância como segue: “Eu não posso pensar mais longe o que eu quero
pensar. Meus pensamentos são substituídos pelas imagens em movimen-
to”. O processo de associação do espectador vendo as imagens é real-
mente ininterrupto pela sua constante e súbita mudança. Isto constitui o
efeito de choque do filme que, como todos os choques, deveria ser amor-
tecido pela presença intensificada da mente50.

A citação de Miller Marks enfatiza que a habilidade do filme em “impe-


dir” nossas faculdades contemplativas deveria ser equilibrada por essa “presença
intensificada da mente”. No estudo do filme, entretanto, tal preparação mental po-
de não ser suficiente. Mesmo o mais atento espectador (no sentido analítico) tem
grande dificuldade na compreensão de tudo que existe num filme.
Nesse sentido, Claudia Gorbman aponta diretamente que o poder emo-
tivo da música no filme pode facilmente persuadir o espectador a suspender suas
faculdades críticas objetivas e torná-lo emotivamente maleável51. Tal afirmação
pode ser comparada com a de Bertolt Brecht quando adverte que a identificação
pessoal do espectador com situações e personagens dramáticas enfraquece a
objetividade crítica52.

49
Georges Duhamel, Scènes de la vie future, Paris, 1930, p. 52.
50
BENJAMIN, W. A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica. In: MARKS, M. M. opus cit.
51
Claudia Gorbman discute o relacionamento da música de cinema com o espectador em termos de “melodias
inaudíveis” que “desarmam as suas defesas, intensificando sua susceptibilidade para sugestões”. GORBMAN,
C. Unheard Melodies: Narrative Film Music. London: Indiana University Press, 1987.
52
No texto intitulado Crítica da Poética de Aristóteles (Kritic der “Poetik” des Aristoteles) Brecht qualifica
de dramática aristotélica toda aquela que se utiliza do mecanismo de identificação para a produção de sensa-
ções catárticas e interessa-se em combater, do ponto de vista social, a catarse como finalidade última da tra-
gédia, já que Ariostóteles assim a define na Poética. Catarse é o processo de purgação dos sentimentos, ou de
purificação, que se dá justamente por conta de um processo anterior, o da identificação, ou empatia, ocorrido
entre o espectador e as personagens criadas pelo autor. A crítica de Brecht à dramática aristotélica é funda-
mentalmente uma crítica à identificação e também à catarse, que Brecht considera, nesse texto, como princí-

34
Michel Chion acrescenta:

De forma a descrever fenômenos perceptivos, nós devemos levar em con-


sideração que a percepção ativa consciente é somente uma parte de um
largo campo perceptivo em operação. No cinema, olhar é explorar espa-
ço-temporalmente algo “dado-para-ver” (campo de visão) que tem os li-
mites contidos pela tela. Porém, ouvir, pela sua parte, explora num cam-
po de audição que é dado, ou mesmo imposto, às orelhas; esse campo au-
ditivo é muito menos limitado ou confinado, com contornos incertos e
móveis53.

A música, imersa nesse campo movediço, apresenta-se, por um lado,


como integrante indissociável do objeto fílmico e, portanto, agente do grupo de
elementos sonoros e imagéticos causais de seus próprios significados; por outro
lado, como Ennio Morricone costuma enfatizar, ela pode se apresentar como um
tipo de alteridade alienígena, “o único hóspede inútil de um filme, inútil porque não
faz parte do filme” (MORRICONE e MICELI, 2001:199). Isso implica que a música
deve ser valorada como um dos componentes chaves na eficácia das estratégias
narrativas dos produtores para captar e manter a atenção do espectador, atuando
simultaneamente como indutora e condutora da exploração audiovisual que o re-
ceptor realiza, tanto de modo ativo como passivo, na tela e nos alto-falantes do
cinema durante o transcurso da mensagem audiovisual.
Fraile (2000:55) recorda que a música de cinema tem sua razão de ser,
sua essência, no próprio meio que a transmite, e que, portanto, deve ser “lida”,
ouvida ou interpretada por indivíduos na condição de espectadores de cinema.
Acrescenta que a audição desse gênero musical fora das telas pode oferecer di-
versas perspectivas mais ou menos atraentes, porém, nunca será a maneira de
compreender o verdadeiro alcance de seu significado. Isso quer dizer que quando
o espectador penetra na “escuridão” da sala de cinema abandona inconsciente ou
conscientemente a sua realidade em favor de outra realidade, que antecipada-
mente sabe fictícia: realidade virtual, simulada pelo concurso de diferentes artes e

pio da tragédia e elege como principal ponto de ataque. (In: TEIXEIRA, F. N. Prazer e Crítica: O conceito de
diversão no teatro de Bertolt Brecht).
53
CHION, M. Audio-Vision: Sound on Screen. New York: Columbia University Press, 1990, p.33

35
artefatos já existentes antes da aparição do cinema, e que, portanto, já dispunham
de seus próprios modos de expressão, representados no objeto fílmico.
Tudo isso sempre fez do processo de recepção cinematográfica um dos
nós que se reflete em todo pensamento cinemático, transformando-se, gradativa-
mente, num dos campos de estudos mais recentes e que, basicamente, procura
analisar e entender o processo de recepção dos filmes canalizado em indivíduos:
o espectador. Para Aaron54 o “promissor” campo vem se estabelecendo basica-
mente no conflito entre duas metodologias relacionadas aos processos inconsci-
entes da psicanálise versus processos sociais de estudos culturais.
A maior crítica por parte das duas vertentes é endereçada à idealização
do espectador, aparentado, em muitos dos textos, a um receptor apático e incapaz
de iniciativas ou decisões próprias e diversificadas das idealizadas ou subentendi-
das nos processos de criação e acabamento do objeto audiovisual. É como se
todas as pessoas vissem, ouvissem, sentissem, percebessem e apreendessem a
mesma coisa. O espectador assemelha-se a um estereótipo uniformizado no mo-
do como foca sua atenção e como percebe ou não percebe as características
mais ou menos importantes do filme e de sua composição. Normalmente, os as-
pectos imagéticos mais salientes como, por exemplo, a face das pessoas, o signi-
ficado léxico das palavras faladas e os indicativos que remetem de forma mais
direta ao sentido da história e da trama, são os elementos mais percebidos. Ou-
tros fatores como, por exemplo, movimentos de câmara, os ângulos das tomadas,
iluminação, edição, sons e música, são os elementos menos percebidos. De modo
geral, os textos afirmam que todos esses elementos “ocultos”, menos percebidos,
afetam diretamente o entendimento e a experiência audiovisual da mesma forma
que os percebidos de forma mais consciente.
Todas essas dificuldades preliminares levam à pressuposição de que
no estudo da música de cinema a audição musical é condição imperativa na cons-
trução de qualquer associação analógica ou modelo que evidencie a música como
agregada aos possíveis significados fílmicos.

54
AARON, M. Spectatorship: The Power of Looking On. London: Wallflower Press, 2007.

36
Na verdade, o que se costuma descrever como 'audição' de música envol-
ve, em grande medida, atividades pensantes. Muito mais que arte - ars,
que implica em habilidade, no sentido de ser capaz de fazer algo - a mú-
sica é uma modalidade de pensamento, afirma Hans Keller55 (1979). É
pensando música que se ouve música. Pensar/ouvir e 'pensar sobre' - isto
é, trazer a música à memória, evocá-la, escarafunchá-la - são atividades
correlatas, são fases igualmente legítimas de um mesmo processo, ou, se
quiserem, dimensões da vida auditiva e especulativa que nos caracteriza
como espécie e como culturas. (Paulo Costa Lima56)

Para Colón (1997: 206-207) o pensamento musical no cinema tende a


se desenvolver basicamente em duas formas ou modelos fundamentais:
(1) um que analisa, explicita ou justifica a relação originária da música e
imagem em termos de uma união fundamental;
(2) e outro que a compreende sob critérios de funcionalidade e valores
estruturais, sem projetar uma relação de consubstancialidade ou parentesco fun-
dantes.

[...] Trata-se de duas formas de definir o lugar da música de cinema; uma


essencialista, a outra, funcionalista. A primeira descreve a competência
da música e imagem como um fato pré-cinematográfico, a-histórico. A
segunda consolida as particularidades da música cinematográfica a par-
tir de uma sedimentação histórica. A primeira se funda na metafísica, a
segunda na análise. (COLÓN, 1997:206-207; apud FRAILE, 2001:43)

Mesmo com toda inflexibilidade dessa tentativa de postulado preliminar,


é notável a presença dessa polarização em idéias norteadoras e afirmações que
assumiram grande importância na música de cinema. Por exemplo, as formas ten-
dencialmente essencialistas explicam:

Por meio de alguma misteriosa alquimia perceptiva, as virtudes do som


[e da música] acrescentáveis ao filme, quaisquer que sejam elas, são lar-

55
Hans Keller (1919–1985): músico e escritor austríaco radicado na Inglaterra que fez contribuições signifi-
cantes no campo da musicologia e da crítica musical. No final da década de 1950, inventou o método de
“Análise Funcional Sem Palavras” (Wordless Functional Analysis), no qual uma composição musical é anali-
sada somente com sons musicais, sem qualquer palavra escrita ou ouvida.
56
LIMA, P. C. O Campo da Análise Musical e suas Ontologias. http://www.latinoamerica-
musica.net/ensenanza/lima/analise-po.html. Último acesso: 05/09/2010.

37
gamente percebidas e apreciadas pela audiência em termos visuais – o
melhor som, a melhor imagem. (Walter Murch)57

O amálgama entre música e imagem é sempre determinado por alguma


coisa que não é controlável por quem combina os sons. (Ennio Morrico-
ne58)

Por sua vez, na forma tendencialmente funcionalista:

Necessita-se veementemente enfatizar que a aceitação da música no ci-


nema narrativo é puramente produto da convenção. Tais convenções têm
uma longa história, muitas das quais antecedem o próprio cinema. (Clau-
dia Gorbman59)

Oscilando nessas duas vertentes, através da decupagem, a análise de


inserções musicais fílmicas e de seus possíveis significados constitui a principal
fonte primária do estudo e das considerações sobre a trilha musical. Várias tenta-
tivas foram feitas no sentido de propor teorizações e métodos de composição e/ou
análise que justificassem ou sobrepujassem essa visão dicotômica e que, final-
mente, revelassem amplamente os meandros misteriosos obtidos pela presença
musical no filme. Nenhuma conseguiu uma imposição significativa sobre outras,
mas, o agrupamento representa e apresenta pontos importantes que delineiam o
corpo conceitual da área de música de cinema e, por extensão, o campo analítico
da aplicação musical no objeto audiovisual. Lima (2010) 60
não foi infeliz quando
afirmou que:

Pensar no campo analítico como uma espécie de continuum que se inicia


diretamente na experiência musical e que se espraia na direção de fazeres
musicais os mais diversos implica em reconhecer uma nova flexibilidade,
desistindo do ideal 'positivista' de um território claramente demarcado. A
força do pensamento analítico é que ele acompanha todas as decisões
musicais a serem realizadas - do intérprete ao historiador etc. Quem é o
analista? É aquele que produz essa rede de inferências e interpretações
sobre a experiência da música, oferecendo-as como base para o diálogo

57
MURCH, W. Prefácio. In: CHION, M. (1994) Audio-vision: sound on screen. Editado e traduzido por
Claudia Gorbman, com um prefácio de Walter Murch. New York: Columbia University Press.
58
MORRICONE, E. Tre Brevi discorsi sulla musica nel cinema, In: LUCCI, G. Morricone Cinema e oltre.
Milano: Mondadori Electa S. p. A., 2007, p. 19.
59
GORBMAN, C. (1987) Unheard melodies: narrative film music. Bloomington: Indiana University Press
60
LIMA, P. C. op, cit.

38
entre as diversas instâncias de manipulação e de elaboração do fenômeno
musical.

O texto a seguir aponta resumidamente a origem de alguns princípios


mais seminais que, desde então, delineam a parte desse corpo conceitual sobre a
música no objeto fílmico e que compõem o que genericamente, neste trabalho,
denomina-se de pensamento musical no cinema. Na apresentação de alguns des-
ses pontos, considerados importantes neste trabalho, enfatiza-se que de forma
alguma representam a totalidade do pensamento dos autores ou o aspecto princi-
pal das abordagens nas fontes onde foram cotejados.

39
2.4 - O OFÍCIO DO MÚSICO NO CINEMA: SABANEEV VERSUS ADORNO E EIS-
LER

A força, diz Leonardo da Vinci, nasce da restrição e morre na liberdade. A insu-


bordinação proclama exatamente o contrário, e dispensa os constrangimentos na
esperança sempre desapontada de encontrar na liberdade o princípio da força.
Em lugar disso, só encontra na liberdade o lado arbitrário do capricho e as de-
sordens da fantasia. Assim, perde qualquer vestígio de controle, perde a autocrí-
tica e acaba por pedir da música coisas fora de seu âmbito e competência. Não
estaríamos, na verdade, pedindo o impossível à música quando esperamos que ela
expresse sentimentos, traduza situações dramáticas e mesmo imite a natureza?
(Igor Stravinsky61)

Neumeyer (199562) recorda que desde o período de 1927 a 1935, com o


advento das novas tecnologias dos filmes sonoros, as possibilidades de inserção
musical nos filmes transformaram-se radicalmente em duas maneiras quando
comparadas ao acompanhamento musical do filme mudo, as duas em função da
possibilidade da edição musical (regravação) e da sincronização precisa da músi-
ca e outras sonoridades com os eventos imagéticos. Em decorrência:

1. O compositor já não estava obrigado a compor uma partitura que


ocupasse cada minuto do filme;

2. A música poderia ser sincronizada com a ação em uma intensidade


sonora e com uma precisão que era simplesmente impossível no cinema
mudo e muito menos com orquestras ao vivo.

Carrasco sintetiza esse momento de transformação:

A introdução da gravação de bandas óticas independentes possibilitou à


banda sonora o mesmo grau de manipulação das imagens. Diálogos, mú-
sica e sons naturalistas poderiam, a partir de então, serem gravados indi-
vidualmente e posteriormente mixados em uma única pista, com seus vo-
lumes devidamente balanceados. Torna-se também possível editar a ban-
da sonora, da mesma forma que era feito com as imagens. A sincroniza-
ção não precisava mais ser feita durante as gravações, e as películas con-
tendo o material sonoro podiam ser colocadas, junto com as imagens, na
moviola, e sincronizadas mecanicamente. É nesse momento que surge a
‘edição sonora’. É a partir daí, também, que podemos passar a nos refe-

61
STRAVINSKY, I. Poética Musical em 6 lições. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda., 1942, p.75.
62
In: WALETZKY, J. Music for the Movies: The Hollywood Sound. Documentário, 1995.

40
rir à música de cinema como ‘trilha musical’, e ao complexo de três pis-
tas (diálogos, efeitos sonoros e música) como trilha sonora63.

Desde então, na revisão da bibliografia específica sobre música para


cinema é inaugurado, com os pensamentos de Leonid Sabaneev (1935) e Adorno
& Eisler (1947), uma oposição entre perspectivas de abordagem sobre o ofício do
compositor e da música dos filmes. Sabaneev pensa a música de cinema partindo
de observações e descrições dos filmes como eles se configuravam até então, ou
seja, a partir de um compositor eclético – hábil na artesania de diversos estilos e
gêneros de música - capaz de interceder em fatores como, por exemplo, unidade
e continuidade cinemática e, ainda, no modo como a música suscita e amplifica os
próprios sentimentos que emergem dos filmes; Adorno e Eisler opuseram-se vee-
mentemente a esse tipo de pensamento, condenando quaisquer estratégias sen-
timentais que pudessem ter sido estabelecidas pelos compositores do cinema
clássico norte-americano, apresentam, como alternativa, o pensamento composi-
cional relacionado ao compositor pós-Romântico, apoiado, principalmente, no ex-
perimentalismo e nas técnicas dodecafônicas e seriais.

2.4.1 - Leonid Sabaneev (1935): Music for the films64


A natureza fotográfica do cinema
A essência da fotografia Sonora
Sons e movimentos fotográficos

Lançado somente dois anos após King Kong, filme que revolucionou e
revelou toda a potencialidade sonora do cinema, o livro Music for the films de
1935, escrito pelo compositor russo Leonid Sabaneev é pioneiro na abordagem do
compositor e da música do cinema sonoro. Direcionado ao músico familiar com a
técnica da composição musical, mas, desconhecedor das “novas exigências espe-
ciais” do cinema sonoro objetiva fornecer a visão de uma “nova e vasta arena on-

63
CARRASCO, C. R. Trilha Musical: Música e articulação fílmica. P. 37.
64
Leonid Leonidovich Sabaneev, Music for the Films, translated by S. W. Pring. NY, Arno Press, (1935)
1978.

41
de o músico pode desenvolver o seu poder”. Com base em suas próprias experi-
ências, apresenta uma série de sugestões úteis relacionadas à composição da
trilha sonora musical cinematográfica que, segundo ele, apresenta crescimentos e
expansões que exigem alterações técnicas significativas, tornando-a, ano a ano,
mais complexa e direcionada a um patamar de grande perfeição dentro de uma
esfera rica em possibilidades materiais e artísticas.

A música de cinema é dividida em duas categorias que diferem em estilo e


métodos de composição. Primeiramente, com freqüência devem ser com-
postos números musicais, tais como canções, coros, peças instrumentais,
danças etc. Nesses fragmentos o compositor é mais ou menos independen-
te e sente que trabalha como um compositor normal que tem de escrever
peças separadas. Em outra categoria está a música de fundo [music of
the background], ou o acompanhamento tonal das imagens na tela, e isso
não é de uma natureza separada ou isolada. Ela é sempre puramente ins-
trumental e deve possuir aproximadamente as seguintes qualidades:

i. Deve estar de acordo com o clima da cena;


ii. Deve coincidir ritmicamente com os movimentos da ce-
na;
iii. Sua duração deve corresponder exatamente ao tempo
ocupado pela cena.

Tanto o pioneirismo quanto a projeção do pensamento de Sabaneev


são notáveis. Para ele a efetividade de uma trilha sonora musical nos filmes é de-
corrente tanto de fatores técnicos musicais e cinematográficos quanto do modo
como a música participa na narrativa de conceitos e sentimentos da história. Suas
observações e prescrições da musica de cinema a partir do enfoque de um com-
positor capaz de compor música em diversos estilos e gêneros parecem prever os
acontecimentos relacionados à música de cinema desde meados da década de
1930 e durante a de 1940, a chamada época dourada de Hollywood, período que
consolida o estilo orquestral sinfônico “clássico” hollywoodiano, um idioma “român-
tico” produzido na intersecção entre a arte e o entretenimento, fato que assenta as
bases do delineamento de um pensamento musical no cinema65.

65
Desde o início da década de 1930, as trilhas musicais de filmes hollywoodianos eram produzidas por todo
um contingente de músicos que agrupavam-se em departamentos musicais de grandes estúdios cinematográfi-
cos. Trabalhando nesses departamentos, compositores imigrantes europeus como Max Steiner, Erich Korn-

42
2.4.2 - Adorno e Eisler (1947): Composing for the films66
Prejuízos e maus-costumes

Para Adorno e Eisler a música de cinema foi, em princípio, tributária da


práxis cotidiana pura onde a música guiou-se ou por necessidades da produção
ou pelo que no momento em questão era usual enquanto música e representação
musical. Com o passar do tempo essas guias iniciais, como por exemplo: a idéia
de leitmotiv, de melodia e de eufonia; a fantasmagórica afirmação de que a música
de um filme não deve ser ouvida; a conveniente afirmação de que a música deve
justificar-se opticamente; música como ilustração geográfica e histórica; a idéia de
arquivo musical; a utilização de clichês ou padronizações musicais, entre outros,
tornaram-se procedimentos que se arraigaram profundamente na área como se
fossem uma sabedoria herdada, mas, na realidade, formaram um corpo de maus-
costumes (prejuízos).

É dúbio que a propósito da música do filme se possa falar de verdadeira


história, mesmo no senso mais problemático de per se no qual se pode fa-
lar da história de um gênero artístico. A música para filme até hoje não
se desenvolveu segundo as suas próprias leis. Ela conhece somente pro-
blemas e soluções condicionadas das essências das coisas. As modifica-
ções encontradas nela são em parte dependentes dos progressos descriti-
vos da reprodução mecânica, em parte são tentativas desconsideradas
que se relacionam direto ao gosto, seja real ou imaginário, do público.

Maia de Jesus67 (2007) comenta que Adorno e Eisler adotam uma atitu-
de essencialmente normativa e ideologicamente orientada, que condena com ve-
emência as estratégias sentimentais dominantes do cinema clássico norte-

gold, Franz Waxman, Dimitri Tiomkin, entre outros, estabeleceram uma espécie de paradigma orquestral para
a indústria cinematográfica. Os procedimentos adotados podem ser reconhecidos nas convenções estilísticas
do romantismo tardio do filnal do século 19, particularmente em sua tradição dramático-sinfônica, transfor-
madas pelas práticas musicais desses compositores, no idioma dramático-musical “clássico” de Hollywood
(NEUMEYER et AL. Film Music: Critical Approaches. Hanover: Wesleyan University Press, 2000).
66
Hanns Eisler & Theodor Adorno. Composing for the Films, London, Atlantic Highlands, NJ: Athlone Press,
1994.
67
JESUS, G. M. Elementos para uma poética da música do cinema: ferramentas conceituais e metodológicas
aplicadas na análise da música dos filmes Ajuste Final e O Homem que não estava lá. Tese de doutorado em
Comunicação e Cultura Contemporâneas apresentada na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal
da Bahia. 2007, p. 14.

43
americano, assim como toda e qualquer aplicação de música com características
Românticas, em favor do emprego sistemático e exclusivo da música pós-
Romântica, especialmente das técnicas dodecafônicas e seriais.

Advogavam os autores que uma arte dos tempos modernos, como o cine-
ma, necessitaria de música moderna e não de música tonal do século XIX.
Para eles, ademais, a música do cinema não deveria operar a serviço do
drama, mas garantir para si a autonomia conquistada após o surgimento
da idéia de uma música “pura”, noção que emerge com a emancipação
da forma sonata no Classicismo e opera como verdugo do Romantismo,
principalmente com base no pensamento de Eduard Hanslick, que, em O
belo musical, livro publicado no final do século XIX, combate a estética
sentimental e programática Romântica, defendendo, em resumo, a hipóte-
se de que a música não tem o poder de descrever, significar, transmitir,
comunicar ou expressar nada a não ser ela mesma, ou seja, que a música
“significa” apenas a beleza de suas próprias estruturas.

44
2.5 - O PENSAMENTO MUSICAL APLICADO

2.5.1 - Kurt London (1936): Film Music68


Suporte ao ritmo do filme em pensamento e estrutura
Forma e ritmo da arte do movimento

Kurt London, em sua abordagem sobre a utilização prática da música


como acompanhamento em conexão com as imagens do cinema mudo, descartou
a possibilidade de que sua utilização fosse uma espécie de compensação à au-
sência de sons naturais, ou de uma explicação embasada exclusivamente numa
psicologia das massas. No seu entendimento, a razão que foi estética e psicologi-
camente mais essencial para explicitar a necessidade da música como acompa-
nhamento no cinema mudo estava no ritmo do filme como arte do movimento.
Afirmou que cada filme possui um ritmo individual que é determinante de sua for-
ma. Nesse sentido a música teve a tarefa de acentuar e dar profundidade auditiva
a esse ritmo das imagens em movimento.

O acompanhamento musical foi necessário no cinema mudo no sentido de


trazer à luz o elemento intangível que tinha de, na ausência da fala e dos
ruídos da vida cotidiana, trabalhar na mente e na alma através de uma
combinação da orelha e do olho. Isso não significa somente música des-
critiva, que pelo seu caráter programático e colorido ‘torna o som poe-
sia’, mas também o método oposto, o desenvolvimento de um pensamento
musical [grifo nosso] derivado de uma idéia básica que sublinha o filme
que ela acompanha, despreocupada com detalhes simples ou fatos estra-
nhos, aparentemente movimentando-se ao lado das tomadas e evitando
todas as características descritivas, mas, em realidade dando suporte ao
ritmo do filme, em pensamento e em estrutura. (LONDON, 1936:36)

O problema prático mais característico dessas afirmações se concentra


na tentativa mais óbvia de associação entre o ritmo sonoro musical e os dos mo-
vimentos nas imagens. No filme as inúmeras possibilidades de confluência entre
música, outras sonoridades e imagem em movimento dependem de parâmetros
muito diferentes e com níveis distintos de controle, o que gera possibilidades infin-

68
LONDON, K. Film Music. London: Faber & Faber, 1936.

45
dáveis de articulações. Porém, sem dúvida, suas interações se complementam e
permitem uma grande variedade de efeitos e modificações recíprocas.

2.5.2 - Serguei Mikhailovitch Eisenstein (1940): O sentido do filme69


Polifonia “AudioVisual”
Movimentos contrapostos

Para Eisenstein a relação entre música e imagem em movimento é for-


jada na montagem cinematográfica pautada pelo princípio de contraposição e cor-
respondência entre “linhas” gráficas indicativas de movimentos – traçadas a partir
de quaisquer componentes objetivos ou subjetivos da música e da imagem em
movimento.

[...] Qualquer “comunicador” percebe a existência de tal “linha”. Um


especialista de qualquer meio de comunicação tem de construir sua linha,
se não a partir de elementos plásticos, certamente a partir de elementos
“dramáticos” e temáticos (EISENSTEIN, 2002:115).

Desse problemático princípio é estabelecida uma primeira classificação


básica e amplamente aceita que confronta as funções narrativas da música e da
imagem: por um lado a possibilidade de um paralelismo audiovisual – a música
que segue e expressa o conteúdo visual – e, por outro, a contraposição, o contra-
ponto audiovisual – música que se contrapõe ao conteúdo visual70.
Carrasco (1993, 57-58) expôs sinteticamente os méritos e problemas
gerados pelas propostas de Eisenstein:

Eisenstein possui os méritos de ter percebido que cinema e música são


correlatos, enquanto linguagens temporais e quanto aos princípios de
construção de seus discursos [grifo nosso]; a partir desse desenvolvimen-

69
EISENSTEIN, S. O Sentido do Filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 2002. Esse tópico foi publicado
pela primeira vez na revista Iskusstvo Kino (Arte do Cinema) entre os meses de setembro de 1940 e janeiro
de 1941.
70
O esquema Paralelismo X Contraponto foi estendido por alguns estudiosos como Pauli [PAULI, H. Fil-
mmusik: Ein historisch-kritischer Abriß. In: Schmidt, H.C. (ed.) Musik in Massenmedien, Schott, Mainz,
Germany, 1976] e Thiel [THIEL, W. Filmmusik in Geschichte und Gegenwart. Henschelverlag Kunst und
Gesellschaft, Berlin, 1981]. Eles introduziram uma terceira categoria que Thiel denominou Affirmative Pictu-
re Interpretation and Illustration – música que adiciona novos conteúdos não-visíveis sem contradizer a cena.

46
to temporal, ele incorporou o conceito de ritmo na articulação fílmica;
ele também foi um dos primeiros a perceber e a acreditar nas possibili-
dades narrativas do som e, especialmente, da música no cinema, em um
momento em que a grande novidade era apresentar pessoas falando na
tela. Acima de tudo, ele foi um dos primeiros a perceber que deve haver
um princípio que rege as relações entre música e imagem nas linguagens
audiovisuais. Suas grandes falhas foram, em primeiro lugar, ter acredita-
do que houvesse um sistema de correlações absolutas entre som e ima-
gem, sendo que é quase impossível, sequer, delimitar com clareza o con-
teúdo significativo de uma determinada música, pelo menos no estágio em
que se encontrava, e se encontra ainda hoje a nossa compreensão da lin-
guagem musical. Em segundo lugar, Eisenstein foi infeliz em sua opção
pela supremacia do aspecto plástico, pictórico, em detrimento da tempo-
ralidade, do ritmo, da articulação fílmica e da progressão narrativa.
(CARRASCO, 1993: 57-58)

Interpretado contemporaneamente, o termo contraponto que remete a


polifonia, emprestado da área musical por Eisenstein, designa a manipulação si-
multânea da música, dos diálogos, de todas as outras sonoridades e das imagens
em movimento como elementos narrativos do objeto audiovisual, ou seja, a articu-
lação da narrativa audiovisual é estabelecida nas relações de dependência e/ou
independência entre os movimentos objetivos ou subjetivos dessas instâncias,
com todas as possibilidades intrínsecas e extrínsecas. O resultado sugere a for-
mação de um complexo análogo ao contraponto musical, onde cada componente
do sistema musical determina as relações formais que interligam os constituintes
de seus diversos momentos, atribuindo-lhes possibilidades estruturais de corres-
pondências.

Em certo sentido, isso significa resgatar o ponto de partida de Eisenstein,


que apesar de todos os equívocos na elaboração de seu método, foi o
primeiro a insistir na idéia de que se deve buscar entender o processo de
composição audiovisual do cinema como um todo. Para ele não havia um
discurso imagético e um discurso sonoro independentes, mas um comple-
xo audiovisual que só podia ser entendido enquanto somatória desses sis-
temas sígnicos. Hoje, mais de cinqüenta anos após a publicação de seus
trabalhos na área, a teoria de cinema ainda não conseguiu resolver vá-
rias das implicações contidas nas questões por ele apresentadas, e talvez
ainda demore muito a fazê-lo. (CARRASCO, 1993:62)

47
2.6 - PENSANDO A ESTÉTICA DA MÚSICA CINEMATOGRÁFICA

2.6.1 - Aaron Copland (1940): A Estética da Música para Filmes


As funções da música no filme

Sally Bick71 também afirma que desde 1927, com a introdução do som
sincronizado ao filme, foi sonegada uma resposta crítica objetiva das implicações
da nova tecnologia em relação às imagens em movimento. Acrescenta que, ironi-
camente, algumas tentativas emergiram primeiramente de críticos e cineastas eu-
ropeus que não somente introduziram o tom do discurso num plano teórico e mais
abstrato como omitiram considerações sobre a indústria de filmes hollywoodiana,
vendo-a, presumivelmente, como um empreendimento comercial desprezível ao
estudo72. Concomitantemente, a crítica nos Estados Unidos também considerou,
de modo geral, a música dos filmes como inadequada às aspirações mais artísti-
cas e deram precedência crítica às partituras de documentários, as que haviam
emergido de “um gênero mais legítimo e elevado”, portanto, mais adequadas para
considerações artísticas. Até a metade da década de 1930, artigos sobre os filmes
sonoros hollywoodianos eram escassos e apareceram, primeiramente, em jornais
populares, onde o discurso focava em assuntos mais práticos e descritivos dirigi-
dos ao público em geral. Em outro extremo, existiram estudos de desenvolvimen-
tos tecnológicos apresentados em periódicos científicos e dirigidos a profissionais
e técnicos do setor. Somente poucos artigos isolados foram publicados em perió-
dicos mais críticos e científicos americanos como no Musical Quaterly e no Mo-
dern Music, a maioria deles relacionados à música no documentário73.

71
BICK, S. Copland on Hollywood. IN: DICKINSON, P. (Editor) COPLAND CONNOTATIONS: Studies
and Interviews. Woodbridge: The Boydell Press, 2002, p. 39.
72
Ver Martin Miller Mark panorama e bibliografia em música para filmes em Music and the Silent Film, New
York: Oxfrord University Press, 1977, pp. 8-25. Ver pp. 11-12 para referências especificamente relacionadas a
artigos concernentes às respostas iniciais na introdução do filme sonoro.
73
Poucos são os artigos de compositores hollywoodianos e de suas primeiras experiências. Normalmente,
muitos desses poucos artigos têm um caráter anedótico e não inteiramente confiável.

48
Nesse panorama controverso, os textos de Copland sobre a música do
cinema hollywoodiano assumem uma posição central na literatura sobre a música
de cinema. Copland provê discussões mais extensas englobando questões políti-
cas, ideológicas e teóricas de uma perspectiva crítica americana dentro das condi-
ções impostas pela própria indústria cinematográfica. Seu trabalho não somente
desafia aspectos de Hollywood, como uma instituição industrial, mas, simultanea-
mente, desvela seu potencial como um vasto fórum artístico. Copland eleva o dis-
curso, oferecendo soluções mais extensivas e pertinentes, tanto do ponto de vista
prático quanto artístico. Suas publicações sobre a música de cinema formam um
corpo literário com um amplo espectro de assuntos tomados de suas próprias ex-
periências. Entre outros, apresentam comentários sobre vários compositores hol-
lywoodianos proeminentes; suas reflexões, críticas e pensamentos sobre trilha
sonora musical; Hollywood como um lugar de trabalho; e, a indústria como um
campo artístico para compositores americanos. Para Miller Marks as observações
de Copland são objetivas e foram apresentadas de uma perspectiva mais comedi-
da, refinada e filosófica (MARKS, M. M., 1997:15).
O tratamento mais importante dos assuntos citados está contido num
documento de 58 páginas, transcrito de uma conferência realizada no dia 10 de
janeiro de 1940, no Museum of Modern Art, em Nova York. Os materiais apresen-
tados e discutidos nessa conferência, tornar-se-ão a base de seus futuros artigos
sobre o assunto. Num dos tópicos de sua abordagem – música de filme: funções e
práticas – apresenta e discute cinco funções principais que a música de cinema
pode adquirir nos filmes.
Em 1977, Roy Prendergast no seu livro Film Music – A neglect art, no
capítulo 6: The Aesthetics of Film Music (pp. 213-226), colige, reapresenta e discu-
te os cinco tópicos da lista de Copland publicados em um artigo no New York Ti-
mes, em 6 de novembro de 1949. Nesse artigo Copland afirma que um compositor
não pode mais do que “potencializar através da música os valores dramáticos e
emocionais do filme”:
 Criando uma atmosfera mais convincente de tempo e lugar;

49
 Sublinhando refinamentos psicológicos – os pensamentos
de uma personagem ou as implicações invisíveis de uma si-
tuação;
 Servindo como um tipo de preenchimento de fundo neutro;
 Ajudando a construir um sentido de continuidade no filme;
 Provendo a sustentação de uma construção teatral de uma
cena e então a arrematando num sentido de finalidade.

2.6.2 - Manvell & Huntley (1957): The Technique of Film Music74


Música Funcional

Os autores acima consideram ser de uma infelicidade singular que a


música que possui uma função definida tão importante no filme seja nomeada co-
mo “música de fundo” (“background” music).

‘Música de fundo’ em relação ao filme é um termo equivocado e, de qual-


quer forma, não descreve suas funções. Música “Integral” ou “comple-
mentar” serviriam melhor, mas, o termo “funcional” é preferível desde
que o termo designa a tarefa que uma coisa tem de realizar. É uma des-
crição prática e própria deste mais novo ramo da composição musical.

Na parte do trabalho considerada por eles mesmos como a mais impor-


tante, atribuem características e abordam a música de filmes a partir de possibili-
dades funcionais:
a) Música e ação
b) Música cênica e de lugar
c) Música de época
d) Música para tensão dramática
e) Música de comédia
f) Música para emoção humana

2.6.3 - Zofia Lissa (1959): Ästhetik der Filmmusik75


As funções narrativas da música no filme

74
Roger Manvell and John Huntley. The Technique of Film Music. London, NY: Focal P., 1967.
75
Zofia Lissa, Aesthetik der Filmmusik. Berlin: Henschelverlag, 1965.

50
Seguindo as mesmas linhas de Prendergast-Copland, Miceli76
(1982:223) apresenta o caso exemplar representado por Zofia Lissa: Ästhetik der
Filmmusik (1959: 115-256), um estudo de grande monta conduzido com rara perí-
cia por um dos maiores expoentes da musicologia polaca, e que precisou de dez
anos para ser conhecido fora do país onde foi publicado. A própria autora conhe-
cia os problemas relacionados à sua publicação quando escreveu:

Nesse livro procuro preencher algumas lacunas, sou consciente do fato


que não satisfarei completamente nem os críticos cinematográficos nem
os musicológicos. Os primeiros, pela falta do aspecto especificamente
fílmico, referirão, por certo, que se deu demasiado relevo ao significado
da música no filme. Os outros, para os quais a música no filme é somente
um malum necessarium, andarão em vão à procura das habituais análi-
ses musicológicas. Aceito a hostilidade das duas categorias por indagar
este novo problema que testemunha uma ampliação das possíveis funções
de uma arte antiga como a música. (LISSA, apud MICELI: 1982:223-
224)

Miceli comenta que não bastaria uma premissa tão límpida para desar-
mar os prejuízos, mas, eis que os primeiros a interessar-se por Lissa não foram,
como o mais lógico, os historiadores da música (os quais, segundo ele, inconsci-
ente ou conscientemente deverão levar em consideração também este aspecto da
matéria representado por um vazio historiográfico, e que o leitor de amanhã não
saberá como justificar), mas, os semiólogos, aos quais o pensamento dela serviu
para ampliar e verificar experimentos77.
Lissa (apud BERNDT & HARTMANN, 2008:129)78 distingue 18 categori-
as de funções que a música pode promover (ou estão relacionadas com a músi-
ca):
1. Música como ilustração de movimento e sonoridade (genericamente
chamado de mickeymousing),
2. Ênfase de movimento,
3. Estilização de sons reais,

76
Sergio Miceli. La musica nel film. Arte e artigianato. Florence: Discanto Edizioni, 1982.
77
Miceli aponta como os pioneiros que o notaram como J. J. Natiez em Fundaments d’une sémiologie de La
musique e, um ano depois G. Stefani na Introduzione alla semiotica della musica.
78
BERNDT, A. e HARTMANN, K. The Functions of Music in Interactive Media. Alemanha: U. Spierling
and N. Szilas (Eds.): ICIDS 2008, LNCS 5334, pp. 126–131, 2008. Springer-Verlag Berlin Heidelberg, Uni-
versity of Magdeburg, 2008.

51
4. Representação de localizações (geográfica, étnica, social),
5. Representação de tempo (para associações históricas),
6. Deformação de sonoridades (para efeitos de alienação),
7. Comentário (contraponto audiovisual),
8. Source music (música diegética),
9. Expressão de emoções (dos atores),
10. Meios de Imersão (means of immersion),
11. Símbolos (e.g., hinos nacionais),
12. Antecipação de ações subseqüentes,
13. Aprimoramento e demarcação da estrutura formal do filme,
14. Multi-funcionalidade da música (as funções não são mutuamente ex-
clusivas),
15. Efeitos sonoros (e a mixagem com a música),
16. Fala/diálogo (e.g., tarefas de pontuação da música),
17. A função de silêncio (“A pausa também pertence à música”),
18. Aspectos não-funcionais (relacionados a propósitos musicais e estéti-
cos profundos).

Tagg79 afirma que ainda hoje, mais de meio século depois de serem
formuladas, as funções da música no cinema sistematizadas por Lissa são de
grande utilidade. Nesse sentido, reagrupa e adapta as 18 funções originais em 10
funções, no sentido de torná-las mais acessíveis. Enfatiza que as funções não são
mutuamente exclusivas e podem também ser utilizadas na TV.
As 10 funções reagrupadas por Tagg são:
1. Ênfase de movimento;
2. Ênfase de sons reais;
3. Representação de locais;
4. “Source” music;
5. Comentário;
6. Expressão da emoção dos atores;
7. Base para a emoção da audiência;
8. Símbolo;
9. Antecipação de ações subseqüentes;
10. Amplificação e demarcação da estrutura formal do filme.

79
TAGG, P. Functions of film music and miscellaneous terminology. (Zofia Lissa and others, summarised by
P Tagg), [s.d], http://www.tagg.org/teaching/mmi/filmfunx.html. Último acesso em 26 de janeiro de 2009.

52
Carrasco (1993:59) expõe que em outros trabalhos do mesmo gênero,
encontram-se classificações [funcionais] similares, com pequenas diferenças de
um para outro. Indagando se todos os tópicos apresentados cobrem, de fato, to-
dos os usos possíveis da música de filmes? E mais: se este seria o melhor cami-
nho para o tratamento teórico da música de cinema? O autor argumenta:

Uma crítica que pode ser feita a tal tipo de abordagem é que esses tópi-
cos de funções estabelecem categorias que nos permitem classificar uma
determinada passagem da trilha musical de um filme, porém, elas não nos
permitem delimitar o modo pelo qual essa música se integra à narrativa
desse filme. Será que uma música de época em vários filmes diferentes
exerce sempre a mesma função? Não ocorre nenhuma mudança no aspec-
to sígnico desse tipo de música de um filme para outro? Será que o modo
pelo qual a música de um filme pode significar o ‘não dito’ ou o ‘não vis-
to’ é sempre o mesmo?

O mesmo pode ser indagado na inversão da perspectiva, quando várias


músicas diferentes são utilizadas numa mesma cena. Chion80 (1994:188) reforça
que nesse tipo de procedimento experimental – denominado por ele como “casa-
mento forçado” (forced marriage) – onde várias músicas são aplicadas, uma a
uma, numa mesma cena (músicas de estilos e/ou épocas diferentes e que repre-
sentem códigos culturais distintos), cada nova aplicação provoca uma nova leitura
particular dessa cena: Cada música atua diretamente em especificidades espaço-
temporais, criando significados que, pela sua multiplicidade de possibilidades, não
poderiam ter sido planejados pelos autores do filme.

80
Michel Chion. La Musique au cinéma. Paris: Fayard, 1995.

53
2.7 - AMPLIANDO O PENSAMENTO MUSICAL NO CINEMA:
AS FUNÇÕES NARRATIVAS DA MÚSICA DE CINEMA
VERSUS
AS FUNÇÕES DA MÚSICA NO CINEMA NARRATIVO
Diegese é um conceito de narratologia, estudos literários, dramatúrgicos e de ci-
nema que diz respeito à dimensão ficcional de uma narrativa81.

2.7.1 - Diegese (Narrativa)


A palavra diegese de origem grega (diègèsis: narrativa) foi utilizada por
Étiene Souriau (1951) e retomada em seguida por Gerard Genette e Christian
Metz, em narratologia literária e em filmologia82, respectivamente.
A música no cinema narrativo foi durante muito tempo um tópico inexis-
tente na literatura. Durante os últimos 30 anos, entretanto, iniciou um crescente
interesse, revelando um campo bastante fértil como ferramenta analítica do objeto
audiovisual. Alguns de seus principais enunciadores são Prendergast (1977), Gor-
bman (1987), Kalinak (1992), (d) Brown (1992), Chion (1994), entre outros.
No cinema, todo o conteúdo sonoro de um filme é, por padrão, gravado
em três trilhas genéricas (ou canais) sincronizados às suas respectivas imagens.
Estas três trilhas parciais são mixadas (misturadas e equilibradas) de forma a pro-
duzir a ênfase necessária na criação de efeitos acoplados às imagens, corrobo-
rando com os seus diversos significados. Estes três ingredientes que compõem a
trilha sonora de um filme são conhecidos e chamados genericamente de canais
(tracks) de: diálogo, sons síncronos ou assíncronos (ruídos, sons naturalistas) e
música. Cada um deles contribui efetivamente no modo e no grau como captamos
e interpretamos o conteúdo do filme. Na tentativa de classificar o modo dessas
captações relacionadas à trilha musical nos filmes encontramos com muita fre-
qüência as palavras “música diegética” ou “música extra-diegética”.

81
http://pt.wikipedia.org/wiki/Diegese, último acesso: 20/10/2010.
82
AUMONT, J. e MARIE, M. Dicionário Teórico e Crítico de Cinema. São Paulo: Papirus Editora, 2001.
Verbete: Diegese, p. 77.

54
Esses termos foram introduzidos no universo sonoro musical de cinema
através da publicação de Teaching the Soundtrack, Quarterly Review of Film
Studies de Novembro de 197683, onde Claudia Gorbman propôs uma classificação
dos elementos sonoros (objetivando principalmente a música) em cinema na pers-
pectiva narrativa, segundo a qual a música no filme pode ser diegética; não-
diegética (ou extra-diegética) ou meta-diegética.

 Música Diegética: música composta por sonoridades objetivas que ema-


nam do mesmo universo sonoro perceptível pelas personagens em cena,
ou seja, a música é supostamente emitida por fontes sonoras presentes
no espaço e no tempo da ação filmada. A(s) fonte(s) sonora(s) está(ão)
explícita ou implicitamente presente(s) nessa mesma ação (personagens
ou músicos tocando, discos, fitas, CDs, DVDs etc.). A música emana do
mundo fictício representado, as personagens têm ou poderiam ter um con-
tato empírico com a música. A música diegética pode ocorrer dentro do
enquadramento visual da cena ou não (on screen / off screen). O espaço
sugerido pode ser dentro ou fora do campo de visão da câmera e colabora
diretamente na criação do efeito de “realismo” do objeto audiovisual. A
música diegética pode sugerir uma espacialização (a ilusão de profundi-
dade na imagem visual) pela manipulação criativa dos timbres (orquestra-
ção), volume (intensidade), direcionamento (estereofonia) e efeitos (rever-
ber, eco, etc.). Outros termos encontrados e utilizados na literatura são
source music, screen music, música real, música verdadeira, música in-
terna, entre outros.
 Música Não-Diegética (ou Extra-Diegética): é composta por sonoridades
imperceptíveis às personagens do filme, mas que tem um papel muito im-
portante na interpretação da cena, ainda que, muitas vezes, de uma forma
quase subliminar para a audiência. É a classificação da música em que a
fonte sonora não está visível na tela nem é resultado direto dos eventos
sonoros e/ou visuais da ação representada, as personagens não têm con-
tato empírico com a música. Outros termos utilizados para música extra
ou não-diegética é música de fosso (pit music), música de comentário,
música de fundo (background), externa, como “voz do narrador”, entre ou-
tras.
 Música Meta-Diegética: é composta por sonoridades subjetivas; sonorida-
des que traduzem o imaginário de uma personagem normalmente com o
seu estado de espírito alterado ou em alucinação. Um caso particular do
discurso meta-diegético com maior expressão em obras cinematográficas
designa-se por onírico, e corresponde à representação visual-sonora de
uma experiência em que uma personagem abandona o seu estado senso-

83
Apud: BARBOSA, A. (2000/1) O Som em Ficção Cinematográfica Análise de pressupostos na criação de
componentes sonoras para obras Cinematográficas / Videográficas de Ficção. http://www.porto.ucp.pt Escola
das Artes - Som e Imagem 2000/01. Universidade Católica Portuguesa.

55
rial normal da realidade entrando num plano de percepção emocional mui-
to aproximado ao de um sonho. A personagem permanece durante algum
tempo nesse estado, retornando bruscamente à realidade (normalmente
por efeito de um evento diegético).

2.7.2 - Sergio Miceli (1982): Análise da Intervenção Musical no Filme


Os níveis de intervenção da música no filme

A primeira formulação do “método dos níveis de intervenção da música


nos filmes” de Sergio Miceli nasceu, não como formulação teórica de per se, mas,
pela necessidade de dispor de instrumentos adequados e coerentes no estudo de
um caso específico, a parceria Rota-Felini84, o primeiro trabalho de certo empenho
que Miceli se defrontou na metade da década de 1970 e que publicou nos início
da década seguinte85.
Quando Ennio Morricone se interou do “método dos níveis86” de Sergio
Miceli, no final da década de 1970, pareceu-lhe uma abordagem diferenciada, uma
forma de tratamento “que trazia à luz e racionalizava alguma coisa que vivenciava
diretamente nas composições que preparava para o cinema” (MORRICONE e MI-
CELI:2001,77):

Por isso convido-os a seguir muito atentamente a sua exposição, porque


pode fornecer instrumentos utilíssimos ao compositor e também ao dire-
tor. Se os diretores o levassem em conta os músicos poderiam trabalhar
muito melhor e tirar muito mais vantagem de seus filmes87.

Inspirado em Lissa e tendo em mente a possibilidade de novas pesqui-


sas, quiçá por especialistas de várias disciplinas em conjunto, inclusive com pes-

84
MICELI, S. Il Raporto Rota-Felini. Analise di un <caso>. In: La Musica Nel Film: Arte e Artegianato,
Firenze: discanto edizione, 1982, pp.247-305.
85
A síntese de Miceli sobre os níveis de intervenção da música no filme a foi apresentada na Parte 2 deste
trabalho baseado no texto MICELI, S. La musica nel film: arte e artigianato. Firenze: discanto edizione,
1982, pp. 223-230.
86
O “método dos níveis” ou “teoria dos níveis”, como também é chamado, de Sergio Miceli tem alguns pre-
cedentes editoriais. A exposição mais extensa se encontra em: MICELI, S. Musica e cinema nella cultura del
novecento, Roma: Sansoni Editore, 2000, pp.329-384.
87
MORRICONE, E. In: MICELI, S. e MORRICONE, E. Comporre per il cinema: Teoria e prassi della
musica nel film. Veneza: Marsilio Editori S.p.a. 2001, p. 77.

56
soas com uma formação diferente da musical e, portanto, sem um conhecimento
profundo da linguagem técnica musical, Miceli propõe, inicialmente, um método de
análise, possivelmente ágil, onde se podem distinguir três “níveis” objetivos de
intervenção do componente musical, e cuja identificação, segundo ele, pode auxi-
liar a decifrar as intenções do diretor, permitindo avaliar o resultado expressivo na
sua globalidade: o nível externo, nível interno e nível mediado.

 Nível Externo: Normalmente o mais utilizado que pressupõe “escancarar o


fingimento cinematográfico num tipo de acordo tácito entre o artífice e seu
público, pelo qual nenhum encontrará inatendível ou irreal uma interven-
ção de orquestra numa cena em que ela – fisicamente – não possa ser
observada”. Trata-se, pois, de uma convenção universalmente aceita na
qual tanto o diretor quanto o público vêem, com níveis diversificados de
consciência, num processo de empatia e identificação com as persona-
gens: mecanismo no qual a música sempre teve um papel determinante.
Na variedade ditada pela simples circunstância, a música utilizada no “ní-
vel externo” utilizará quaisquer tipos de recursos expressivos aptos para
atingir o objetivo do escopo, mas, em todos os casos, parecerá sempre
uma função de comentário musical imposto “de fora” do filme. O grau de
participação sugerido pelo diretor no âmbito do “nível externo” deverá ser
distinto em: crítico e acrítico. O último significa o “nível externo” por exce-
lência, com o qual é em geral perseguido por quem identifica o próprio
papel do diretor com a posição que, reportada à narrativa, definiria o “pon-
to de vista do narrador onisciente”.
 Nível Interno: Onde a componente musical é justificada pela própria narra-
tiva – um rádio ligado ou qualquer outra fonte sonora reproduzida ao vivo
que o espectador possa ver ou somente intuir a presença. Esse “nível”
comporta um alto grau de ambigüidade, pois, o espectador astuto, cuja
soleira artística esteja desperta (e que tenha por isso sempre presente
como cada meio proposto no filme, a qualquer título, seja um produto da
vontade do diretor), pode prestar-se ao jogo que o artífice lhe propõe atra-
vés da “casualidade” da intervenção musical. A natureza aparentemente
aleatória do “nível interno” multiplica as potencialidades simbólicas e ani-
nha-se às possíveis interpretações do evento narrado. É suficiente que a
fonte musical não venha revelada no início da cena ou na seqüência intei-
ra, mas somente num determinado e não casual momento; ou que ela, re-
cebida subitamente como “nível interno”, assuma um progressivo ou im-
provisado distanciamento.
 Nível Mediado: É o que pela sua natureza assume em si as características
dos outros (interno ou externo) e ao mesmo tempo as nega. Onde o “nível
externo” de gênero “acrítico” deve exprimir coerência estilística com o ob-
jeto da narração, timbrada do abraço participante do comentário musical
no filme inteiro, o “nível mediado” opera adaptações parciais, que podem

57
juntar-se até a negação de uma coerência expressa em outras partes do
filme. O “nível mediado” é o que nos permite entrar em contato com os
pensamentos, os sentimentos, as lembranças, as emoções, a interiorida-
de das personagens. Num certo sentido, é o que corresponde sonoramen-
te ao efeito da objetiva da câmera no visual: a vantagem consiste no fato
que também nesse caso o autor não se manifesta diretamente – como no
nível externo – pois, a música parece emanar da própria personagem. Pa-
ra que esse tipo de magia aconteça de forma eficiente, ocorre que a
mesma música já tenha acontecido em nível interno (mas existem tam-
bém casos onde a música pré-existia no filme em nível externo), de modo
que a personagem possa apropriar-se da música e, conseqüentemente,
possa recordá-la em momentos particulares. Normalmente, quando uma
música se apresenta em nível mediado, o faz de forma diferente da sua
primeira apresentação. O momento mediado será de re-elaboração e
transformação pela psique da personagem. Como é facilmente presumí-
vel, dada a relação do nível mediado com os outros níveis, necessaria-
mente uma relação de conseqüência (antecedente-conseqüente), nesse
caso, ainda mais que nos outros, é fundamental prever a presença da
música no roteiro; eis porque, tendo em vista a desconsideração de mui-
tos diretores pela componente musical, é mais raro encontrar o emprego
da música no nível mediado que, certamente, muito poderia enriquecer
alguns filmes.

No já citado curso de musica per film, realizado em 1992, na Chigiana,


Miceli revelou que encontrou no início dos anos 90 coragem de reler as primeiras
formulações do método dos níveis:

Creio que posso dizer que fora alguns problemas de certas intuições não
desenvolvidas o suficiente, a fórmula ainda mostrava certa validade e me-
recia ser aprofundada. (MICELI e Morricone, 2001:78)

Miceli afirma que um pouco mais tarde o método foi levado em conside-
ração na França, conjuntamente com outros, mas, com graves mutilações que,
retomados por Michel Chion sem verificação da fonte original, deram lugar a uma
série de desentendimentos, replicados em sucessivas contribuições de outros au-
tores88.

Tinha razão o meu mestre quando dizia que a citação de uma fonte é uma
das operações mais delicadas. Paradoxalmente devo agradecer a quem

88
Miceli afirmou que o equivoco parecia se perpetuar gravemente citando, como exemplo, um ocorrido no
curso de um seminário em Fiesole no qual um aluno apresentou um manual de música para filmes, publicado
na Coreia, onde era citado através de uma citação de Michel Chion (2001:77).

58
agiu de modo tão superficial, pois, me encorajou a rever o meu trabalho e
publicá-lo, nesse último decênio, em diferentes locais e versões. Mesmo
que se trate de uma batalha perdida, já que é muito mais difícil corrigir
uma afirmação equivocada que iniciar a circulação de uma nova, mas,
sobretudo porque uma publicação em língua italiana permanece quase le-
tra morta, no estrangeiro é como se não existisse (Idem).

2.7.2.1: Música de Acompanhamento & Música de Comentário


Antes de expor o “método dos níveis”, e também no escopo de estabe-
lecer um vocabulário comum, Miceli tem por premissa uma importante distinção
entre “música de acompanhamento” e “música de comentário” (termos utilizados
geralmente como sinônimos).
A música de acompanhamento é considerada como uma inserção mu-
sical voltada a sublinhar, a dar suporte ao filme sobre bases de meras equivalên-
cias formais – da onomatopéia ao paralelismo rítmico, jogando, por isso, com có-
digos elementares – enquanto que a música de comentário “se encarrega de in-
terpretar, em todos os sentidos, o contexto narrativo e a ocorrência simbólica do
filme”.

Se eu utilizo a orquestra para evocar ou imitar os ruídos característicos


da imagem de um trem em movimento, mesmo que sobrepondo os ruídos
e efeitos, estou simplesmente acompanhando a cena, à qual confiro um
reforço essencialmente epidérmico, mesmo que eficaz. Se sobre a base
rítmica se insere, porém, uma melodia, aparentada talvez com outras si-
tuações chaves do filme, é claro que o comentário se sobrepõe ao acom-
panhamento, nobilitando este último e englobando-o no fato interpretati-
vo. (Ibidem)

Com essa distinção em mente, Miceli explica que a música de comentá-


rio tem uma qualidade e uma razão formal intrínseca, não necessariamente ade-
rente as características formais de outros elementos da cena fílmica (até o caso
extremo da descontextualização, ou seja, da ausência total de sincronia, que po-
dem ser de vários gêneros). Afirma que “nesse caso é possível também semanti-
zar – esse seria o seu papel tradicional no filme – porém, pode também reenviar
contemporaneamente a si mesma”.

59
Uma música de acompanhamento, para ele, é constituída de uma série
“monstruosa” de sincronias; é a sincronia feita música, pois as relações som-
imagem são repetidas, redundantes e constantes.

Aqui, e aqui somente, na minha visão, reside a sua “famigerada” funcio-


nalidade, e por essas características foi desprezada pelos puristas e pelos
idealistas, os quais, porém, atribuíram-na a todo o fenômeno música-
cinema, sem procurar entender as distinções necessárias (MICELI e
MORRICONE, 2001:79).

Miceli sustenta que o caso extremo desse modo “servil” de proceder é o


chamado mickeymousing, termo oriundo do cinema de animação, ou seja, “levado
a uma correspondência paroxística e redundante entre movimento e música”. Po-
rém, enfatiza que o procedimento não priva necessariamente de recursos humo-
rísticos e até metafísicos notáveis.

2.7.2.2: Sincronias
Outro aspecto importante para Miceli são as sincronias. Ele distingue
dois tipos básicos de sincronias: explícitas ou implícitas.

Sincronias explícitas representam um apontamento preciso entre imagem


e música, que esta última sublinha de modo muito evidente. Pode fazê-lo
com um crescendo improvisado, com um acorde sustentado, com uma sé-
rie de acordes repetidos, com a suspensão de um fluxo rítmico preceden-
te, com uma dissonância em sfz em um contexto consonante... As soluções
são inumeráveis. Em certos casos essas sincronias exasperadas atingem o
‘mickeymousing’. Trata-se de sincronias despudoradas, muito difundidas
no gênero cômico, no qual denunciam seu parentesco com a pantomima,
e mostram, com freqüência, qualidades musicais ágeis ou apressáveis, jo-
gando com artifícios descobertos e vulgares (MICELI, 2001:80).

Sincronias implícitas podem ser definidas como aquelas que, não aban-
donando um percurso musical autônomo em seu modo – no sentido de ca-
racterísticas estruturais –, inserem leves modificações em coincidências
com eventos fílmicos, também esse leve e, sobretudo, sutilmente alusivo.
Em outras palavras as sincronias implícitas sublinham os sentimentos
mais que os eventos, os pensamentos mais que as ações (Idem).

2.7.2.3: Os Níveis
Depois de estabelecidas as premissas sobre “música de acompanha-
mento” e “música de comentário” e sobre as sincronias implícitas e explícitas, Mi-

60
celi adentra à análise audiovisual utilizando o “método dos níveis” de intervenção
das inserções musicais no filme de cinema propriamente dito.
A base teórica do método analítico de Miceli aplicado ao objeto audiovi-
sual do tipo cinematográfico (ou televisivo) respalda-se em metodologias lingüísti-
cas e semiológicas, com particular atenção à análise narratológica do texto literá-
rio e, nesse, ao plano das enunciações, o chamado ponto de vista narrativo. Sem
adentrar a pormenores Miceli recorda a distinção platônica, “elaborada em modo
determinante por estudiosos contemporâneos”, entre diegesis (o contar puro, ou
seja, o ponto de vista do narrador onisciente) e mimesis (o contar conduzido pelo
ponto de vista das personagens).
Nas palavras de Miceli sua proposta se diferencia de todas as outras
não só pela terminologia adotada, mas, pela distinção de fundo, que remete a três
categorias ao invés de duas (e sem recorrências sistemáticas a subcategorias).

Falarei de agora em diante não de nível diegético, mas, de “nível inter-


no”; não de nível extra-diegético, mas, de “nível externo”, aos quais
acrescento o “nível mediado” (Ibidem).

A tabela a seguir apresenta um resumo das características de cada um


dos níveis em forma reduzida e esquemática.
Fonte musical pertencente à cena
A identificação da fonte pode ser visível ou presumível.
Nível Interno
Em certos casos coincide com o playback.
O autor se esconde
Fonte musical indeterminada, ubiqüidade.
O típico comentário / acompanhamento também com função leitmo-
Nível Externo tívica.
No limite da neutralidade expressiva é um fundo genérico.
Epifania do autor.
Fonte musical interiorizada, identificável com a personagem.
Tipo de mimesis, ou seja, “objetiva sonora”.
Nível Mediado
Pode também ter função leitmotívica.
O autor se esconde.

Tabela 1 – Os Níveis de Intervenção da Música nos Filmes (MICELI e MORRICONE, 2001:81)

61
O problema em relação à utilização e compreensão desses termos sur-
ge na complexidade dos discursos que podem expressar-se sob suas denomina-
ções. O filme pode ser formado com qualquer tipo de música, som, ruído em co-
nexão com qualquer imagem. Nesse caso a distinção entre sons diegéticos (Gor-
bman) ou internos (Miceli), extra-diegéticos (Gorbman) ou externos (Miceli) e me-
ta-diegéticos (Gorbman) ou mediado (Miceli) depende inteiramente da compreen-
são objetiva dos elementos sonoros e visuais convencionais ou não do filme. Por
exemplo, algumas músicas podem representar o mundo exterior da tela, mas re-
fletem-se no mundo interior da história, enquanto outras representam o próprio
mundo da tela. E mais, esse jogo das convenções diegéticas, não-diegéticas e
meta-diegéticas entre o musical, o sonoro e o imagético pode ser utilizado de for-
ma a criar ambigüidades. Tais ambigüidades são traduzidas em efeitos que po-
dem desviar, sublinhar, negar, amplificar, contradizer, aprofundar, mesclar etc. a
linearidade espaço-temporal da narrativa e, conseqüentemente, refletir-se na in-
terpretação e na compreensão dos eventos sintáticos e semânticos relacionados.
Donnelly89 (2001) comenta que num dos momentos desconstrutivos do
western paródico “Blazing Saddles” (Banzé no Oeste), 1974, de Mel Brooks, o xe-
rife é visto cavalgando numa paisagem típica, uma das marcas do gênero western,
acompanhado por uma destoante música jazzística orquestral de fundo, quando
casualmente se encontra com a própria orquestra e seus membros, “surrealistica-
mente” localizados nas paisagens áridas da cena. Na revelação ostensiva e ines-
perada da fonte musical, a cena confunde os códigos narrativos, teorizados em
termos de uma dicotomia entre uma fonte musical diegética (música originária,
aparentemente, do próprio mundo narrativo do filme) e não-diegética, música inci-
dental ou música de fundo (que vem “de fora” dele). O exemplo descrito demons-
tra principalmente como esse modelo teórico polarizado domina a teoria da música
no cinema: indica a fonte de origem da música, mas, não revela a complexa rela-
ção entre os dois modos polarizados, nem o que elas realmente proporcionam na
narrativa.

89
Kevin J. Donnelly, (ed.) Film Music: Critical Approaches. NY: Continuum, 2001.

62
Mesmo com essas limitações problemáticas, em 1979, na publicação
Film Art: An Introduction, David Bordwell e Kristin Thompson atribuem um grau
maior de detalhamento nas especificações dos elementos sonoros em obras ci-
nematográficas. Olhando para a relação temporal entre o som diegético ou não-
diegético com a imagem, eles propõem as subcategorias: “Som Externo” para o
som diegético de percepção comum entre os personagens em cena e “Som Inter-
no” referente aos sons percebidos unicamente pela personagem sobre o qual está
centrada a ação da cena.
Em 1994, na publicação AudioVision: Sound on Screen, Michel Chion
expande o conceito de Som Interno propondo que este pode ser ‘objetivo’ (respi-
ração, batimentos cardíacos, etc.), ou ‘subjetivo’ (sons ou vozes mentais).
Segundo ele, o Som Interno Objetivo é freqüentemente enfatizado nos
momentos em que se tira proveito do silêncio como efeito de expressão dramática
para criar apreensão na audiência, enquanto que o Som Interno Subjetivo surge
mais freqüentemente sob a forma de monólogo interior.

2.7.3 - Claudia Gorbman (1987): “Música Inaudível90”


Música subordinada à narrativa

Qual é então a “parte particular própria” da música de filme?

Já foi mencionado que, para Gorbman, a abordagem dessa questão


deve iniciar levando em conta o “contar de uma boa história”. Ela expõe que a nar-
rativa convencional do filme constrói uma diegesis (narrativa) – um mundo da his-
tória, um lugar da ação. Nessa perspectiva, segundo a autora, os estudos narrato-
lógicos da música no filme inevitavelmente nos levam a conclusão que, pelo me-
nos no cinema sonoro clássico, a música é subordinada à narrativa.

90
Claudia Gorbman. Unheard Melodies: Narrative Film Music. Bloomington: Indiana University Press, 1987.

63
A música é “inaudível” porque as suas funções narrativas estão envolvi-
das ou sobrepujadas por outras: na trilha sonora o diálogo rotineiramen-
te tem precedência sobre a música.

Buscando sintetizar um modelo do pensamento hollywoodiano clássico


da trilha musical, exemplificados pelo compositor Max Steiner, apresenta uma lista
de possibilidades que permitem inferências não só de uma perspectiva puramente
musical, mas, da música como parte integrante da narrativa fílmica. A lista que
Gorbman oferece é um quadro sintético dos princípios de composição, mixagem e
edição musicais no filme narrativo clássico. O quadro é oferecido por ela como
“representante de tópicos de um campo discursivo ao invés de um sistema monolí-
tico de regras invioláveis” (GORBMAN, 1987:73):

 Invisibilidade: o aparato técnico da música não diegética não deve ser


visível.
 Inaudibilidade: a música não está no filme para ser ouvida consciente-
mente. Como tal deve se subordinar aos diálogos e imagens - isto é aos
veículos primários da narrativa.
 Significador de emoções: a trilha musical pode estabelecer climas e en-
fatizar emoções particulares sugeridas na narrativa, mas fundamental-
mente e, acima de tudo, ela é um significador de emoções por si só.
 Sugestão Narrativa:
o referencial/narrativa – música proporciona sugestões nar-
rativas e referenciais, indicando pontos de vista, provendo
demarcações formais e estabelecendo ambientação e ca-
ráter.
o conotativa – a música ‘interpreta’ e ‘ilustra’ eventos narra-
tivos.
 Continuidade: a música provê continuidade rítmica e formal - entre pla-
nos, em transições entre cenas, preenchendo as ‘lacunas’.
 Unidade: pela repetição e variação do material musical e da instrumenta-
ção, a música auxilia na construção da unidade formal e narrativa.
 Violação: uma dada composição [film score] pode violar qualquer um dos
princípios acima, contanto que a violação esteja a serviço de outro princí-
pio.

64
2.7.4 - Kalinak (1992):”Settling the Score91”
Convenções narrativas

Kalinak compactua com o pensamento de Gorbman quando sustenta


que o corpo das convenções musicais que constituem o centro do modelo clássico
deriva da prevalência da narrativa que caracteriza o próprio filme clássico. Entre-
tanto, enfatiza que primeiro e antes de tudo, a música serviu a história e a partitura
clássica foi gerada a partir de um número de convenções que assegurariam uma
exposição narrativa desobstruída.

Essas convenções incluem privilegiar sempre o diálogo sobre a música;


um alto grau de sincronização entre música e ação; a utilização da músi-
ca com o intuito de sustentar continuidade, particularmente em momentos
quando a teia narrativa é mais tênue; e o uso da música para controlar a
conotação narrativa. (KALINAK, 1992: XV)

2.7.5 - Wingstedt (2005): Narrative Music – Towards and Understanding of


Musical Narrative Functions in Multimedia
Música como uma “propriedade” amalgamada participante do modo ou maneira de
dizer o texto fílmico

Wingstedt (2005) procura justificar a “visão do espectador” propondo


uma analogia com a experiência da linguagem verbal. Afirma que o significado
léxico, prosódia, inflexão, entonação, qualidade da voz, linguagem, expressão fa-
cial etc. são todos percebidos como uma unidade contribuindo no entendimento do
significado. Experimenta-se todo o conjunto através de todas as partes que o
constitui, mesmo que outros fatores apresentem informações preciosas relaciona-
das à natureza emocional e sinceridade da mensagem falada, tende-se a focar a
análise consciente nos elementos mais intelectuais ou salientes, normalmente nas
palavras que estão sendo ditas.

91
Kathryn Kalinak Settling the Score: Music And The Classical Hollywood Film. Madison: University of
Wisconsin Press, 1992.

65
Nessa perspectiva, o papel da música nos filmes pode não parecer tão
anormal. Seguindo mecanismos similares aos da experiência da lingua-
gem falada, a música torna-se análoga ao papel da prosódia na fala.
Num certo sentido, a música pode ser pensada como a entonação e o pró-
prio timbre da voz do texto fílmico92.

92
WINGSTEDT, J. Narrative Music: Towards and Understanding of Musical Narrative Functions in Multi-
media, (Licentiate thesis). Sweden, Stockholm: School of Music, Luleå University of Technology, 2005.

66
2.8 - PENSANDO A FORMA DA MÚSICA NO CINEMA

2.8.1 - Roy Prendergast (1977): Música de Filmes e Forma


A Forma Coesiva

Prendergast lembra que a crítica com maior carga entre as muitas en-
dereçadas à música de filme é a que aponta a carência de uma forma coesiva, ou
seja, uma forma exclusivamente musical.

Ingênuas, no melhor dos casos, tais críticas conotam uma total falta de
entendimento no que concerne a função da música e sua íntima relação
com outros elementos do filme93.

Cita os exemplos de grandes mestres (Stravinsky e Villa-Lobos) que, na


sua visão, falharam em entender esse ponto crucial da música no filme que no
produto audiovisual provoca tanto a aderência do material musical utilizado numa
união recíproca de todos os outros elementos do filme partindo do visual, quanto
da própria adequação do compositor aos condicionamentos impostos pelas ne-
cessidades interiores e exteriores da produção.

Um bom compositor de música de filme deve ser como um camaleão tanto


em relação ao seu estilo composicional pessoal como, talvez o mais im-
portante, com a forma e o contorno que sua música toma em relação ao
desenvolvimento dramático na tela. È uma regra cardinal para o compo-
sitor de música para filmes que o visual da tela determine a forma da mú-
sica escrita para acompanhá-la. (p.227)

Afirma o autor que “forma” na música absoluta, como o alegro de sona-


ta ou rondó, depende em grande parte do princípio de repetição e contraste, po-
rém, repetição e contraste num tempo relativamente curto e sem interrupção.

Com o filme, por outro lado, existem longas seções com nenhuma música,
no qual a audiência tem tempo de sobra para esquecer qualquer tipo de
material musical utilizado anteriormente. (p.231)

93
PRENDERGAST, R. Film Music: a neglected art. New York: W. W. Norton, (1977), 1992, p. 227.

67
Numa tentativa de generalização aponta três tipos de procedimentos ou
recursos que o compositor de música para filmes tem a disposição para conceber
sua trilha musical e que possibilitam que a música utilizada atinja algum tipo de
unidade formal (Prendergast alerta que, no entanto, a forma opera em vários ní-
veis dentro de um filme e, com certeza, música é só um deles): leitmotiv score,
monothematic film score e developmental score.

 Leitmotiv Score: Classificado como o primeiro e mais comum, teve o seu


florescimento na ópera do século 19 de Richard Wagner94. Os composito-
res organizam a idéia básica da trilha musical em diferentes temas ou mo-
tivos conectados às várias personagens do filme. A vantagem desse tipo
de procedimento é que o material musical é mais facilmente retido e reco-
nhecível pela audiência. A maioria dos compositores trabalhando com es-
se procedimento tendem a tratar tecnicamente o material melódico pelo
procedimento da variação. As melodias ou motivos em uma trilha com es-
se procedimento podem ser reapresentados em várias formas cada vez
que a personagem aparece. As alterações na melodia da personagem (si-
nistro, amante, excitado etc.) podem corroborar e dar ao ouvinte algumas

94
Leitmotiv (“motivo condutor”, “motivos de antecipação”, “Motivos de reminiscência”, “Grundmotiv”). O
mais famoso de todos os termos wagnerianos não é originário do próprio compositor. No entanto, o conceito
subjacente do “motivo condutor” pode ser constatado na Parte III de Ópera e Drama, onde Wagner se referiu
a motivos de “antecipação” e “recordação” ou “reminiscência”, idéias musicais que tomariam um sentido
distintamente associativo (relativos a personalidades, objetos, idéias ou emoções) em conjunção com momen-
tos dramáticos significativos e textos concomitantes. Em Ópera e Drama e, subseqüentemente, em uma co-
municação a meus amigos, Wagner se referiu de modo variado a “elementos melódicos” principais ou idéias
(melodische Momente) e “motivos fundamentais” (Grundmotive) aqui significando motivos dramáticos aos
quais corresponderiam determinadas idéias musicais. Estas idéias musicais acumulariam camadas adicio-
nais de significância por meio de seu reaparecimento alterado em contextos dramáticos apropriados, no
decorrer do drama, dotando-o, ao mesmo tempo, de um sentido compulsivo em direção a uma unidade estru-
tural mais ampla. O “sistema” wagneriano originou-se como uma amplificação de práticas de lembrança
dramático-musical que encontraram aplicação crescente a partir do final do século XVIII. O termo leitmotiv
em si é, com freqüência, atribuído a F. W. Jähns, que o utilizou em seu estudo sobre a vida e obra de Weber
(Berlim, 1871), apesar de só ter entrado em circulação através de Hans von Wolzogen, que publicou os pri-
meiros guias temáticos para as obras de Wagner: os relativos ao Anel (1876), a Tristão (1880) e a Parsifal
(1882). A.W. Ambros usou o termo leitmotiv já em 1860, referindo-se às técnicas de transformação temática
nas óperas de Wagner até Lohengrin e às obras orquestrais de Liszt (Culturhistorishe Bilder, [Leipzig, 1860]).
O uso por Wagner de leitmotive já havia sido analisado por Heinrich Porges e Gottlieb Federlein, antes de
Wolzogen, entretanto sem usar esta denominação específica. Em seu ensaio Über die Anwendung der Musik
auf das Drama (Sobre a aplicação da música ao drama, 1879), Wagner fez referência à análise de seus leitmo-
tive por Wolzogen, indicando que este se limitara à taxonomia desses motivos “conforme o seu significado e
efeito dramático, mas não [...] o seu papel na estrutura musical” (GS X, 185-6). Wagner afirma que a disposi-
ção, a variação e o desenvolvimento de tais motivos, no decorrer do drama, deveriam merecer maior atenção.
No parágrafo precedente do ensaio, ele mencionara uma “rede de temas fundamentais” (Grundthemen), aná-
loga à exposição e desenvolvimento das idéias temáticas em um movimento sinfônico, porém, no caso, cor-
respondente ao processo de ação dramática (o que significa que Wagner, aqui, reconhece o conceito de leit-
motiv sem sancionar explicitamente o termo) In: MILLINGTON, B. Wagner: Um compêndio. Guia completo
da música e da vida de Richard Wagner. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995, pp. 259-260.

68
indicações sobre o estado mental da personagem em qualquer momento
particular. O dispositivo pode tornar-se extremamente eficaz se a própria
cena apresenta certa neutralidade emotiva, cabendo à música agregar al-
guma coisa que não está presente na tela. Embora as características
apresentadas representem uma simplificação excessiva do procedimento,
não estão muito distante da forma utilizada. Existem muitos exemplos de
péssimas utilizações, mas, também existem muitos otimizados e não obs-
trutivos.
 Monothematic film score: tipo de dispositivo formal no qual o compositor
utiliza somente um tune (normalmente de natureza popular) para construir
toda a trilha musical. Acrescenta que esse dispositivo composicional tem
sua clássica expressão na partitura do filme Laura de David Raksin. Pren-
dergast enfatiza que o sucesso subseqüente da canção isolada do filme,
juntamente com a utilização equivocada do conceito monotemático por
produtores, transformou, por uma série de razões, esse procedimento
numa marca da morte da música de filme sensitiva e inteligente.
 Developmental Score: muito semelhante à trilha sonora baseada no leit-
motiv, o procedimento formal desse tipo de organização da trilha sonora
musical pode ser longinquamente comparado a forma clássica do alegro
de sonata do século 18, mas, somente no que concerne aos procedimen-
tos ligados ao caráter de preparação do desenvolvimento [Exposição]. Em
muitas instâncias a música dos créditos iniciais nesse tipo de organização
da trilha sonora musical cumpre a mesma função da exposição da forma
clássica do alegro de sonata no qual é apresentado o material musical
que será utilizado durante todo o restante da trilha e do filme. Aqui, qual-
quer tipo de comparação estrutural com a forma em questão termina, não
existindo nenhum tipo de seqüência definida de eventos formais tanto na
organização formal da trilha sonora musical quanto no da forma do movi-
mento do alegro de sonata. Existem recapitulações alteradas e inalteradas
do material na seqüência do filme, mas, isso se dá mais em função de ne-
cessidades dramáticas do que por considerações musicais inerentes.

2.9 - PENSANDO A ANÁLISE DA MÚSICA NO PROCESSO AUDIOVISUAL

2.9.1 - Chion (1985): O Contrato Audiovisual


O Contrato Audiovisual
A Música como fonte de pathos

O compositor, cineasta e teórico francês Michel Chion95 dedicou uma


grande parte de seu trabalho no sentido de delinear os vários aspectos do fenô-

95
Na década de 1970, Michel Chion foi assistente de Pierre Schaeffer no Conservatório de Paris e na
ORTF ( Organização Francesa de Rádio e Televisão).

69
meno que colocam seus expectadores num modo específico de recepção: audio-
visual, pensamento que insere a música na própria realidade da combinação dos
sons e das imagens – realidade onde uma percepção influencia a outra transfor-
mando o que é visto pelo que é ouvido e vice-versa. Para ele, nesse modo recep-
tivo, a música é uma fonte criadora de emoções [pathos]. Nessa perspectiva pro-
cura suplantar as camadas redundantes entre os dois domínios e os debates so-
bre a inter-relação das forças (a famosa questão do século 18, “o que é mais im-
portante, som ou imagem?”), amalgamando os dois domínios num novo complexo:
o ‘Contrato AudioVisual’. No contrato audiovisual nunca é criada uma fusão total
dos elementos sonoros e imagéticos, ou seja, os elementos dos dois domínios
subsistem separadamente na combinação: uma justaposição e, ao mesmo tempo,
uma combinação.

Como ainda é muito recente, a novidade desta forma de abordagem tem


recebido muito pouca consideração. Na insistência do discurso de que
“assistimos a” (vemos) um filme ou a um programa de televisão, persis-
timos em ignorar como as trilhas-sonoras modificam a nossa percepção.
No melhor dos casos, alguns estão satisfeitos com um modelo aditivo, de
acordo com o qual presenciar um espetáculo audiovisual é assistir a ima-
gens MAIS ouvir sons. Cada percepção permanece quase que estanque no
seu próprio compartimento. (CHION, 1994:3-5)

2.9.1.1: Valor Agregado


Desenvolvendo melhor a complexidade de seu pensamento, enfatiza o
fenômeno do cinema como ilusão, ilusão audiovisual, “uma ilusão situada no âma-
go da mais importante relação entre som e imagem”, relação que ele nomeia co-
mo valor agregado (added value).

Por valor agregado quero dizer o valor informativo e expressivo com o


qual o som enriquece uma dada imagem de forma a criar uma impressão
definida numa experiência imediata ou recordada por alguém, de forma
que essa informação ou expressão venha “naturalmente” do que está
sendo visto, como se já estivesse contido na própria imagem. Valor Agre-
gado é o que dá a (eminentemente incorreta) impressão que o som é des-
necessário, que o som meramente duplica um significado que em realida-
de ele porta, seja completamente no próprio som, seja por discrepâncias
entre ele e a imagem. (Idem)

70
Esta espécie de alquimia cinestésica também está presente no âmago
de seus trabalhos: La voix au cinema (1982), Le son au cinema (1985), La toile
trouée (1988), Audio-Vision (1991) e La musique au cinema (1995).

2.9.1.2: Syncresis
Do conceito de valor agregado, Chion apresenta o de synchresis, fenô-
meno cinemático que resulta da apresentação simultânea de estímulos auditivos e
visuais, causando uma conexão perceptiva irresistível e independente de qualquer
lógica racional (1994: 58).
Em Le Son au cinema (1985), Chion havia apresentado a idéia da exis-
tência de duas formas em que a música no filme pode criar uma emoção [pathos]
específica em relação à situação retratada na tela96. Ele denominou esses efeitos
de empáticos (ou empatéticos) e anempáticos (ou anempatéticos). Na retomada
dessa classificação sob a perspectiva audiovisual do ‘valor agregado pela música’
afirma que, por um lado, a música pode expressar sua participação no sentimento
da cena, pelo seu ritmo, tom e fraseado. Ressalta que obviamente essa música
participa dos códigos culturais de coisas como tristeza, alegria e movimento. Ele
denomina essa forma de participação musical de empática (empatética), derivada
da palavra empatia, a habilidade de sentir o sentimento de outros. Portanto, nessa
condição, a música receberia das imagens e acrescentaria às próprias imagens,
simultaneamente, qualidades correspondentes, que no resultado final amplificari-
am qualitativamente o resultado geral. Por outro lado, e em contraposição, a músi-
ca pode exibir uma visível indiferença com a situação sonoro-imagética, ou seja,
progredir numa maneira equilibrada, destemida e inelutável onde decorre a cena,
que se dá contra esse fundo musical de “indiferença”.

Esta justaposição da cena com uma música indiferente não tem o efeito
de esfriar a emoção, mas, ao invés, intensificá-la, inscrevendo-a num fun-
do cósmico. Chamo este segundo tipo de música anempática (anempatéti-
ca) (com o a- privativo). O impulso anempático no cinema produz incon-
táveis momentos musicais de execuções de pianos, celestas, caixinhas de

96
CHION, M. Le Son au cinema, 1985 capítulo 7, “La Belle Indifférente”, pp. 119-42, especialmente pp. 122-
26.

71
música e bandas dançantes cuja frivolidade e ingenuidade estudadas re-
forçam a emoção individual da personagem e do espectador, mesmo que
a música finja não notá-los.

“Inesperadamente”, surge no texto uma terceira possibilidade (nem


anunciada nem nomeada):

Finalmente, existem casos em que a música não é nem empatética nem


anempatética, ela tem tanto um significado abstrato quanto uma função
simples de presença, um valor como o de um guia, de uma indicação: de
qualquer forma, nenhuma ressonância emocional precisa.

2.10 - INTRODUÇÃO À ANÁLISE AUDIOVISUAL


No capítulo “Introdução a análise audiovisual” (Audio-vision, 1990: 185-
198) Chion apresenta, direta e indiretamente, alguns elementos importantes como
possibilidade de abordagem analítica da música dos filmes.
Para Michel Chion o objetivo da análise audiovisual é entender as for-
mas pelas quais uma seqüência ou a totalidade de um filme funciona na combina-
ção dos seus sons com as suas imagens.

Comprometemo-nos com a análise, para além de simples curiosidade, por


razões de puro conhecimento, mas, também com outra meta de um refi-
namento estético. Pelas razões já abordadas, o som parece que permane-
ce muito mais difícil de categorizar do que as imagens, e permanece o
risco de ver a relação audiovisual como um repertório de ilusões, mesmo
truques – o mais desprezível para ser feito.

Em sua abordagem a análise audiovisual não envolve entidades claras


como um diálogo, um corte ou uma tomada de câmera, mas somente “efeitos”,
uma entidade que ele considera como “menos nobre”, mas que, no longo trajeto, é
importante, na pesquisa e aplicação, para estabelecer objetos e categorias.
Porém, Chion enfatiza que, antes de qualquer coisa, necessita-se re-
descobrir certo frescor em como verdadeiramente apreendemos os filmes, descar-
tando “conceitos gastos”, que servem, principalmente, como prevenção à audição
e visão objetivas.

72
O tipo de análise audiovisual que proponho é também um exercício de
humildade com respeito às seqüências do filme que nós “audiovemos”.
“O que eu vejo?” e “O que ouço?” são questões sérias e, quando as fa-
zemos, exercitamos nossa liberdade renovando nossa relação com o
mundo. Elas também nos conduzem a um processo de despojamento de
velhas camadas que guardavam nossas próprias percepções, que prote-
gemos debilmente como se de algum modo elas pudessem sobreviver nu-
ma vergonhosa obscuridade, escondida dos outros.

Em sua perspectiva, a análise audiovisual deve se apoiar em palavras,


portanto, as palavras devem ser tomadas seriamente – sejam palavras que já
existam, ou que sejam inventadas ou reinventadas para designar relações ou ob-
jetos que começam a tomar forma na medida em que são observados e entendi-
dos. Ele enfatiza que, infelizmente, a maior parte deste trabalho de nomeação ain-
da precisa ser feito, particularmente o das qualidades das percepções auditivas.

Mesmo assim, cada linguagem possui um conjunto (corpus) de palavras


que designam diferentes tipos de sons. Algumas dessas palavras são bem
precisas e evocativas. Não existe razão para considerá-las reserva exclu-
siva de romancistas. O termo “clink”, “screech” e “murmur”, como
opostas a palavras menos especializadas, podem emprestar uma precisão
considerável na descrição do fenômeno sônico. Porque dizer “um som”,
quando pode ser dito “crackling” ou “rumbling” ou “tremolo”? A utili-
zação de palavras mais exatas permite confrontar e comparar percepções
e progredir na identificação e definição delas. O simples fato de ter de
procurar na linguagem o que já foi ouvido antes nas orelhas, incita-nos a
uma sintonia mais forte com os sons.

2.10.1 - Métodos de Observação


De forma a observar e analisar a estrutura som-imagem de um filme
pode-se recorrer ao que Chion denomina de métodos de observação.

2.10.1.1: Mascaramento
O mascaramento consiste em observar uma dada seqüência audiovisu-
al várias vezes, algumas vezes com som e as imagens conjuntamente, outras ve-
zes ocultando (mascarando) a imagem e outras, retirando o som. Para Chion, es-
se método de observação dá a oportunidade de ouvir o som como ele é, e não

73
como a imagem o transforma e o disfarça, e também permite ver a imagem como
ela é, e não como o som a recria.

De forma a realizar isso de modo satisfatório, deve-se treinar a realmente


ouvir e realmente ver, sem projetar o que já se conhece em torno dessas
percepções. Exige disciplina e também humildade. Já estamos tão acos-
tumados a “falar sobre” e “escrever sobre” alguma coisa sem qualquer
resistência que nos sentimos muito contrariados ao ver este estúpido ma-
terial visual e este vil material sônico desafiando nossos preguiçosos es-
forços em descrevê-los, e somos tentados a ceder e concluir em última
análise que imagens e, especialmente, sons são “subjetivos”. Alcançando
esta conclusão pode-se mover para assuntos sérios como a teoria...

Provavelmente, não existe uma ordem ideal na qual observar uma se-
qüência audiovisual. Porém, Chion propõe que descobrindo os elementos sônicos
e os visuais separadamente, antes de colocá-los juntos novamente, dispõe-nos
mais favoravelmente a manter nossa audição e o nosso olhar estimulados, abertos
para as surpresas dos encontros audiovisuais. Deve-se ter em mente que o con-
trato audiovisual nunca cria uma fusão total dos elementos de som e imagem; ele
ainda permite que os dois subsistam separadamente enquanto combinados. O
contrato audiovisual verdadeiramente permanece uma justaposição ao mesmo
tempo em que cria uma combinação.
A fase mais difícil do procedimento de mascaramento envolve ouvir o
som por ele mesmo, acusmaticamente. Segundo o autor, isso deve ser feito num
ambiente relativamente “morto” sonoramente e que seja também isolado de ruídos
exteriores – condição que deve ser cuidadosamente arranjada. Além disso, os par-
ticipantes devem estar dispostos a concentrar-se.

Nós, absolutamente, não estamos acostumados a ouvir os sons, especial-


mente sons não musicais, com a exclusão de qualquer coisa extra. É im-
portante planejar com antecedência não somente um VCR e um monitor,
mas, também um pequeno sistema estéreo plugado na saída do áudio do
VCR a fim de se obter tanto uma melhor qualidade de áudio quanto uma
capacidade de volume mais intensa.

74
2.10.1.2: Casamento Forçado
Um experimento decisivo, que Chion recomenda enfaticamente no es-
tudo de uma seqüência audiovisual, é por ele denominado de casamento forçado
entre som e imagem.

Tome uma seqüência de um filme e também reúna uma seleção de diver-


sos tipos de música que possam servir como acompanhamento. Retire
cuidadosamente o som original (o qual os participantes não devem ter
ouvido anteriormente ou já conhecê-lo antes da experiência), exiba a se-
qüência várias vezes, sempre acompanhada por várias dessas peças mu-
sicais tocadas sobre as imagens e de maneira aleatória. Sucesso assegu-
rado: em dez ou mais versões existira sempre poucas que criaram fantás-
ticos pontos de sincronização e movimento ou justaposições cômicas, que
sempre acontece como uma surpresa.

Existem múltiplas possibilidades de combinações entre música e as


imagens. Na apreciação de várias músicas - de estilos e/ou épocas diferentes e
que representem códigos culturais distintos - sobre uma mesma cena, cada uma
delas provoca como uma leitura particular dessa cena. Mesmo que de modo alea-
tório, a música pontua alguns momentos específicos da seqüência, criando signifi-
cados que, possivelmente, não foram planejados por nenhum diretor. Para Chion,
na mudança da música sobre as mesmas imagens é dramaticamente ilustrado o
fenômeno do valor agregado, syncresis, entre outros. Pela observação dos tipos
diferentes de música, as imagens parecem “resistir”, e a diversidade musical (con-
)cede sugestões que permitem ver a imagem em todo seu potencial de significa-
ção e expressão.

O efeito neste ponto nunca deixa de ser surpreendente. Qualquer que seja
ele, ninguém o imaginou daquela forma antecipadamente; nós o conce-
bemos de maneira diferente, e sempre descobrimos algum elemento sono-
ro que nunca nos ocorrera. Por poucos segundos, então, tornamo-nos
conscientes da estranheza do relacionamento audiovisual: tornamos-nos
conscientes do caráter incompatível destes elementos chamados som e
imagem.

Em La Musique au Cinéma (1995), no capítulo “La musique comme


élément et comme moyen”, Chion elenca uma série de funções da música no ci-

75
nema e algumas considerações importantes sobre a sua utilização. Algumas delas
serão utilizadas e referenciadas na parte analítica do presente trabalho.

2.11 - KARLIN E WRIGHT (1990): ON THE TRACK


Composição, gravação e edição das músicas no filme
Aspectos práticos, teóricos e estéticos envolvidos cronologicamente num projeto tí-
pico de composição da trilha sonora musical de um filme

Em 1990, Fred Karlin e Rayburn Wright97, com a ajuda de muitos com-


positores de música de cinema, delinearam um processo específico que abarcaria
as principais características de todo o trajeto cronológico da composição, grava-
ção e inserção da música nos filmes.
O trajeto cronológico referencia um modelo no qual a trilha sonora mu-
sical de um filme específico passaria por nove etapas cronológicas:

1. Encontro com os responsáveis pelo projeto do filme (dire-


tor/produtor/editor), leitura do roteiro, primeira “visualização” do
filme (screening);
2. Pontuação do filme (spotting): Aonde vai ou pode haver música no
filme?
3. Planejamento de custos e das sessões de gravação;
4. Conceitualização: Quais as características do filme?
5. Definição dos tempos da sincronização com as imagens: Qual é a
quantidade e o tamanho das inserções musicais?
6. Composição das inserções musicais;
7. Orquestração das inserções musicais;
8. Gravação das inserções musicais;
9. Justaposição da música, outras sonoridades e das imagens em movi-
mento (dubbing): Mixagem final do filme (Final Cut).

As nove etapas formuladas foram pensadas pedagogicamente e desti-


nadas ao músico que pretende tornar-se compositor de cinema. A totalidade des-

97
KARLIN, F. e WRIGHT, R. ON THE TRACK: a Guide to Contemporary Film Scoring. New York:
Schirmer Book, 1990.

76
ses passos compõe um processo que objetiva abarcar e generalizar os aspectos
práticos, teóricos e estéticos envolvidos cronologicamente num projeto típico de
composição da trilha sonora musical de um filme.
Revertendo e subvertendo a cronologia, ou seja, na tentativa de recons-
trução de cada um dos passos, focados na trilha musical de um filme já acabado,
revelam-se muitas características específicas que remetem ao pensamento musi-
cal cinemático.

77
2.12 - O PENSAMENTO ECLÉTICO

2.12.1 - Brown (1992): Sobretons e Subtons98


Ecletismo e questões estéticas

Distinto de livros anteriores que oferecem análises históricas, técnicas e


sócio-políticas, Overtones and Undertones busca centrar-se na questão estética
da música de cinema, ou seja, em como a música de filmes interage e influencia
nossas respostas às diversas situações cinemáticas. Para isso, Brown traça a his-
tória da trilha sonora musical desde seu início, cobrindo tanto o cinema americano
quanto o europeu. Apresenta diversas leituras a partir de filmes como Psicose,
Laura, The Sea Hawk, Double Identity e Pierrot le Fou. Em entrevistas reveladoras
com Bernard Herrmann, Miklós Rósza, Henry Mancini e outros, o escritor permite
também que os próprios compositores falem. Uma ampla discografia e bibliografia
completam o volume.
Grande parte das críticas dirigidas ao livro de Brown concorda com as
de Stilwell99, “é um livro supremamente frustrante embora tenha alguns pontos que
possam recomendá-lo”.
As críticas dirigidas ao livro podem ser resumidas nos seguintes tópi-
cos:

 Histórico: Além de recapitular o que muitos outros já disseram propõe “no-


vos caminhos” e súbitas observações sobre recepção e estética;
 Metodológico: Não se concentra no “filme hollywoodiano clássico” e nem
substitui seus cânones com algum dos “filmes europeus de arte”;
 Coerência e conseqüência: Num capítulo apresenta a utilização de quarte-
tos de Beethoven em filmes e no próximo discute Head, o filme de estréia
do grupo “The Monkees” na televisão;
 Equívocos teóricos perigosos: Mesmo que Brown explicitamente não
pressuponha qualquer conhecimento musical nos leitores, faz afirmações

98
Royal S. Brown. Overtones and Undertones: Reading Film Music. Berkeley: University of California Press,
1994.
99
STILWELL, R. J. Music in Films: A Critical Review of Literature, 1980-1996. The Journal of Film Music,
2002, volume 1, número 1, p. 19-61.

78
que podem soar perfeitamente plausíveis ou extremamente profundas a
alguém que possua nenhum ou pouco conhecimento musical, mesmo
que, na realidade, as afirmações sejam extremamente problemáticas
quando não completamente equivocadas.

79
2.13 - PENSANDO METAFORICAMENTE

2.13.1 - Nicholas Cook (1998): Analysing Musical Multimedia


A relação da Música e da Imagem como metáfora

O modelo proposto por Cook100 é o da metáfora. Ele indaga que se mú-


sica e imagem possuem algum tipo de similaridade, sua interação capacita uma
transferência mútua de atributos. Algo do musical pode ser associado às imagens
e vice-versa. Observa que deve haver certa medida de confluência nos fatores
musicais e imagéticos para que possam compor uma metáfora viável. Todavia,
esse momento de confluência deve ser sutilizado para que sua amplitude não
constitua um longo tempo de exposição e de redundância mútua, pois, nesse ca-
so, a transferência de atributos musicais e imagéticos distintos pouco ou nada po-
deria beneficiar a composição audiovisual já que é, a priori, resultado do próprio
conjunto de som-imagem. (COOK, 1998: 66-82)
Obviamente, esse pensamento compactua com o de Eisenstein e o de
Chion no que se refere ao movimento dos dois meios e na pressuposição da exis-
tência de valores que engendrem uma espécie de simbiose. O esforço de Cook se
dá na tentativa de qualificar o fenômeno como metafórico.
Martinez101 lembra que o conceito de metáfora estendido ao objeto audi-
ovisual é bastante questionável na medida em que é um termo [uma figura de lin-
guagem] específico e que sua transposição e emprego na compreensão da rela-
ção entre música e imagem não abarca todas as possibilidades da combinação
audiovisual.

Se metáfora, forma específica de significação, for encarregada de cobrir


toda a variedade de possíveis articulações em multimídia [audiovisual],
ela se tornará teoricamente inoperante. Se houver disparidade entre os
meios significativos, como justificar um significado que surge de uma me-
táfora não viável? (MARTINEZ, 2004: 176)

100
COOK, N. Analysing Musical Multimedia. Oxford: Oxford University Press, 1998.
101
MARTINEZ, J. L. Música e intersemiose. Revista: Galaxia, vol. 4, n. 8, 2004.

80
2.14 - A MÚSICA PARA FILMES COMO SINERGIA
Alguns autores como, por exemplo, Michel Chion (1985: 119) e Claudia
Gorbman (1987: 30) afirmam também que a música fílmica é sinergética.
Martinez102 lembra que sinergia é um conceito utilizado pelo arquiteto,
matemático e filósofo Buckminster Fuller (1975103), segundo o qual o comporta-
mento global de um sistema, por exemplo, o objeto fílmico, se dá numa ordem tal
que não pode ser previsto pela soma individual das possibilidades isoladas de ca-
da componente desse sistema. Ou seja, o comportamento de um sistema sinergé-
tico apresenta uma resultante muito maior que a soma individual de suas partes.
Nessa perspectiva, o objeto audiovisual fílmico visto como um sistema
sinergético representa um sistema cuja resultante é muito maior do que a soma
individual de suas partes (objeto reduzido, na maioria das vezes, às imagens em
movimento e a trilha sonora que o compõe), ou seja, com uma resultante extraor-
dinária para a ordem de potencialidade de seus componentes em isolamento.

102
MARTINEZ, J. L. Música e intersemiose. Revista: Galaxia, vol. 4, n. 8, 2004, p. 180.
103
BUCKMINSTER FULLER, R. SYNERGETICS: Explorations in the Geometry of Thinking. 1975, 1979.
http://www.rwgrayprojects.com/synergetics/s01/p0100.html. Último acesso: 01 de fevereiro de 2009.

81
2.15 - PENSANDO A MÚSICA DE CINEMA NA TEORIA DOS GÊNEROS CINEMA-
TOGRÁFICOS

2.15.1 - Mark Brownrigg104: Música de Cinema e o Gênero Cinematográfico


Brownrigg explora a relação entre o gênero fílmico e a trilha musical
predominantemente nos filmes hollywoodianos. Ele inicia com uma hipótese sim-
ples que cada gênero teria o seu próprio tipo de convenção musical, sua assinatu-
ra “paradigmática”, o que resultaria em diferenças entre os filmes. Os filmes Wes-
tern soariam diferentes dos filmes de Horror, que soariam diferentes dos melo-
dramas românticos e assim por diante.

Poderia ser argumentado que os compositores de cinema meramente dis-


põem de uma série de “botões” que apertam para instantaneamente su-
prir uma ambiência do Western, evocar um ambiente de gângsters ou ele-
var uma relação emocional, mas isso parece implicar que a construção
da partitura é meramente contingente e ad hoc, um modo de composição
sem uma estrutura coerente, com nenhuma lógica atrás dela além das
demandas narrativas do “agora”. (BROWNRIGG, 2003:2)

Brownrigg argumenta que:

 apesar de existirem convenções genéricas a partitura de cinema é mais


do que uma reunião de clichês gestuais estocados;
 existe alguma coisa mais sistemática que apertar botões no mundo da
música de cinema;
 o gênero é a maior força formatando suas composições.

Demonstrando que, embora a hipótese seja altamente pertinente, o


verdadeiro quadro é mais complexo, pois a natureza essencialmente híbrida do
nível narrativo da maioria dos filmes de Hollywood resulta similarmente em trilhas
musicais híbridas.

Enquanto que os gêneros realmente têm assinaturas musicais paradigmá-


ticas, elas não existem discretamente, mas, em constante tensão e relaxa-
mento de um para com outro. (2003:284)

104
BROWNRIGG, M. Film Music and Film Genre. Tese de doutorado. Scotland, UK: University of Sitling.
2003.

82
Na perspectiva do autor fica claro que é insuficiente afirmar que os fil-
mes de gênero tenham os seus próprios sons musicais distintos. Para ele, embora
seja verdade que muitos gêneros tenham sua própria assinatura e combinações
de elementos melódicos, harmônicos e instrumentais (como os Westerns que re-
almente soam diferente dos filmes de terror, que soam diferente, por sua vez dos
melodramas), precisa ser reconhecido que o postulado é insuficiente.

Essa é uma abordagem demasiado redutora e restritiva deixando de fora


muitos elementos distintos e importantes de uma partitura dos filmes que
não se encaixam imediatamente com o seu paradigma dominante genéri-
co. No entanto, se aceitarmos a tese de que os cineastas naturalmente
tendem a construir suas narrativas ao longo de linhas híbridas, e afirmar,
por sua vez, que a música desses filmes são do mesmo modo compostas de
elementos retirados de uma série de paradigmas genéricos, então, uma
visão mais ampla , mais sensível e mais precisa do modelo pode ser ela-
borada descrevendo não uma base musical monolítica para todos os fil-
mes, mas, uma série dinâmica de fluências, elevações e ênfases musicais
trabalhadas conscientemente para fortalecer e melhorar o movimento da
narrativa a partir de uma vertente genérica para outra. (idem)

Em sua conclusão fica claro que os paradigmas genéricos individuais


não subsistem isoladamente, mas amalgamados e em constante tensão de um
para com o outro. Portanto, as convenções genéricas não podem constituir o único
fator a moldar trilhas musicais de filmes, mesmo que o gênero seja um fator-chave
que influencia diretamente a forma como os compositores elaboram suas músicas
e como o público responde aos filmes.

2.15.2 - Carreiro (2010): “Continuidade Intensificada105” e Gênero Cinema-


tográfico
Carreiro expõe o processo de “continuidade intensificada” nomeado por
David Bordwell (2006, p. 120), a partir de uma proposta alternativa da evolução da
poética do cinema ao longo do século XX. Assim:

105
CARREIRO, R. Continuidade Intensificada: Questões sobre gênero e autoria na obra de Sergio Leone.
Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Fotografia, Cinema e Vídeo, do XIX Encontro da Compós, na
PUC-RJ, Rio de Janeiro, RJ, em junho de 2010. Rodrigo Carreiro é professor do Bacharelado em Cinema da
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), mestre e doutorando em Comunicação do Programa de Pós-
Graduação em Comunicação da UFPE.

83
Indo na contramão da maior parte dos historiadores do audiovisual, que
compreendem a história do cinema como uma sucessão de ciclos que
rompem com os movimentos que os antecederam, Bordwell propôs que os
princípios gerais que governam a arte cinematográfica, cuja premissa o
pesquisador norte-americano chamou de continuidade clássica, jamais
deixaram de operar. (BORDWELL, 2006:119)

Nessa perspectiva, as três vertentes106 da poética do cinema foram e


continuam sendo submetidas a uma operação de intensificação gradual e inces-
sante, cujas origens remontam aos anos 1960. Bordwell chamou esse processo
de continuidade intensificada. Ele afirma que a continuidade intensificada con-
siste em um repertório cada vez mais amplo de recursos narrativos e estilísticos,
sempre apontando em direção a uma experiência fílmica cada vez mais visceral e
intensa. Bordwell sugere que, embora muitos recursos de estilo e táticas narrati-
vas tenham sido introduzidos desde então no cardápio dos cineastas, os princípios
gerais da construção narrativa, constituídos durante a fase clássica do cinema,
ainda continuam valendo:

O que mudou, tanto nos registros mais conservadores quanto nos mais
vanguardistas, não foi o sistema estilístico da construção cinematográfica
clássica, mas sim certas ferramentas funcionando dentro desse sistema.
(...) Desde os anos 1960, essas técnicas foram trazidas para o primeiro
plano, de formas inéditas em décadas anteriores. Enquanto se tornavam
mais proeminentes, essas técnicas alteraram a textura de nossa experiên-
cia fílmica. (BORDWELL, 2006:119)

Para melhor ressaltar sua posição, Bordwell rememora a noção de con-


tinuidade clássica – a poética do cinema construída nas primeiras três décadas da
atividade e refinada entre os anos 1930 e 1960, quando a forma clássica conhe-
ceu seu apogeu. A continuidade clássica é resumida então nos seguintes termos:

O espectador entende como a história se move adiante no espaço e no


tempo. Planos que estabelecem e restabelecem o conjunto situam os ato-
res dentro do cenário. Um eixo de ação (ou “linha de 180 graus”) gover-

106
Bordwell divide a poética do cinema em três vertentes: temática, construção narrativa em larga escala e
prática estilística. A primeira lida com questões pertinentes à narração (texto, subtexto, personagens, temas,
diálogos, etc.). A segunda olha a obra como uma construção mais ampla (estrutura narrativa, trama, cenas,
seqüências, elipses, etc.). A terceira corresponde à textura visual e sonora propriamente dita (composições
pictóricas, montagem, música, iluminação, cenários, figurinos, locações externas, etc.).

84
na os movimentos e olhares dos atores, e todos os planos, embora possam
variar em ângulo, são registrados apenas de um lado do eixo. Os movi-
mentos dos atores são sincronizados através de cortes, e os planos mais
próximos são reservados para as reações faciais e linhas de diálogo sig-
nificativas. Montagem alternada pode justapor vários feixes de ação (...).
Diretores norte-americanos usaram essa síntese de técnicas de encena-
ção, filmagem e montagem nos anos que se seguiram a 1917, e suas pre-
missas se tornaram a base de uma linguagem fílmica internacional para o
cinema de entretenimento, passando a ser codificada em manuais e currí-
culos universitários nos anos 1950. (BORDWELL, 2006: 119-120)

Bordwell assegura que mais ou menos a partir dos anos 1960 a estabi-
lidade desse sistema clássico começou a ser abalada pela introdução de novas
técnicas estilísticas e narrativas. Ao contrário de outros historiadores do audiovi-
sual, contudo, Bordwell não concorda que o cinema dos anos 1960 promoveu uma
ruptura com o cinema clássico. Para ele, as novas técnicas não rompiam com as
práticas estilísticas e narrativas anteriores, fazendo na verdade uma operação de
natureza bem diferente:

De maneira geral, as novas ferramentas (...) não desafiam o sistema; elas


o revisam. Longe de rejeitar a continuidade tradicional em nome da fra-
gmentação e da incoerência, o novo estilo aponta para uma intensifica-
ção das técnicas estabelecidas. A continuidade intensificada é a continui-
dade clássica elevada a um nível maior de ênfase. (BORDWELL,
2006:120)

Em sua pesquisa, Bordwell mapeou alguns dos recursos narrativos e


estilísticos usados pelos cineastas para intensificar a continuidade clássica, ao
longo das cinco décadas seguintes (ou seja, dos anos 1960 até hoje).
Na vertente temática da poética do cinema (a primeira das três verten-
tes), alguns desses recursos seriam:

 representações realistas do sexo e da violência;


 protagonistas mais falhos, solitários, inseguros ou moralmente ambíguos,
resultando em personagens mais complexos e psicologicamente mais de-
senvolvidos;
 tendência ao alusionismo (citações a filmes anteriores, de forma crítica ou
reverente);
 atenção ao realismo nos detalhes e na acuidade histórica das representa-
ções visuais e sonoras.

85
Na construção narrativa em larga escala (a segunda vertente da poética
do cinema), algumas características da continuidade intensificada seriam:

 a divisão menos clara da narrativa em três atos, com relações causais


ambíguas entre os eventos que compõem a trama;
 introdução de subtramas ou tramas paralelas em maior número;
 uso de mais de um protagonista;
 fragmentação cronológica e espacial das tramas, com cenas mais curtas e
não-lineares.

No que se refere à prática estilística (a terceira vertente da poética do


cinema), são quatro as características apontadas por Bordwell:

 montagem visual rápida;


 variação no uso de lentes dentro da mesma cena;
 câmera mais próxima dos atores;
 movimentos de câmera incessantes, com uso proeminente de técnicas
como câmera na mão, traveling e grua.

Juntas, essas ferramentas estilísticas e narrativas teriam propósitos que


Bordwell resume mais ou menos da seguinte maneira:

Alguns cineastas têm procurado refinar a tradição, explorando seus prin-


cípios mais minuciosamente. Esses criadores se perguntam: (...) como
posso fazer as conexões causais mais prazerosas, as reviravoltas mais
inesperadas, a psicologia dos personagens mais envolvente, a excitação
mais intensa, os temas mais firmemente explorados? Como posso exibir
meu virtuosismo? Quando os cineastas se revelam bem-sucedidos, reve-
lam o alcance e a flexibilidade das premissas clássicas. (BORDWELL,
2006:51)

Carreiro aponta que é notável que, em sua pesquisa, Bordwell rejeite


explicitamente a idéia de que o cinema irreverente e auto-reflexivo, praticado pelos
jovens movimentos cinematográficos que emergiram naquela década na Europa –
em particular a Nouvelle Vague francesa –, propunha uma ruptura com a lingua-

86
gem cinematográfica tradicional. No entanto, ele afirma que a conclusão seguinte
de Bordwell junta-se ao senso comum.

Bordwell concorda com os historiadores sobre quem foram os diretores


que revisaram, criaram ou adaptaram as principais ferramentas estilísti-
cas e narrativas que constituíam essa nova estética da intensificação. En-
tre esses nomes estão Jean-Luc Godard, François Truffaut, Alain Resnais,
Michelangelo Antonioni, Ingmar Bergman e Federico Fellini. São os
mesmos que se convencionou chamar de diretores modernistas europeus
(AUMONT, 2008; LAURENT; JULIER, 2009; MANEVY in MASCA-
RELLO, 2006).

A teoria de Bordwell abre espaço nesse grupo de renovadores da tradi-


ção cinematográfica para autores da geração anterior, como Roberto Rossellini
(inspirador reconhecido da maioria dos cineastas da Nouvelle Vague), Orson Wel-
les, Robert Bresson, Akira Kurosawa e Alfred Hitchcock. De modo geral, Bordwell
aponta para o mesmo grupo de realizadores já consagrados pelos pesquisadores
da outras correntes teóricas. Ou seja, o ponto de maior originalidade (e também
de discórdia) de sua teoria é mesmo a negação da idéia de ruptura, em prol da
noção da intensificação.
Carreiro enfatiza que embora essa abordagem pareça promissora, ela
mantém um preconceito que pode ser encontrado em praticamente todas as cor-
rentes teóricas dos estudos cinematográficos: o preconceito em relação ao cinema
de gênero. Entre os renovadores nomeados por Bordwell, bem como pela maioria
dos pesquisadores de todas as correntes teóricas, estão quase sempre vinculados
ao conceito do cinema de autor (muito popular nos anos 1950 e 60), sempre colo-
cados hierarquicamente num patamar superior aos cineastas que trabalham com
cinema de origem popular.
O raciocínio implícito na pesquisa de Bordwell, essencialmente o mes-
mo que podemos encontrar nas diversas correntes da teoria cinematográfica, está
ancorado no princípio fundamental do autorismo originado nos anos 1960, e que
por sua vez é devedor da noção romântica de autor, prevalente na teoria literária
(e nas artes ocidentais de modo geral) desde meados do século XIX: a idéia de
que o grau de autoria presente em cada artista está diretamente ligado à liberdade

87
com que ele é capaz de criar. O autorismo resgata a idéia de que “os artistas de-
veriam ser livres para escrever do modo que o espírito lhes ditasse” (BUSCOMBE
in Ramos, 2004, p. 304).
Após apresentar como exemplo a análise de uma cena do filme Il Buo-
nno, Il brutto, Il cattivo (Três Homens em Conflito – 1966), Carreiro enumera algu-
mas das principais características narrativas e estilísticas do trabalho de Sergio
Leone que formam parte de suas contribuições:
• alusões a filmes anteriores e/ou momentos característicos do gênero;
• releitura crítica do gênero (através de técnicas como pastiche, ironia
e nostalgia);
• perfil de herói lacônico, amoral e individualista;
• tratamento modular do tempo, ora dilatando-o ora acelerando-o, e
fragmentação do espaço em close-ups;
• preferência por composições pictóricas radicais (close-ups extremos,
composições recessivas usando molduras e profundidade de campo);
• desenho de produção e direção de arte realistas;
• cuidado com a acuidade histórica dos objetos cênicos;
• representação gráfica da violência;
• música com influência simultânea do concretismo modernista e do
neo-romantismo clássico europeu do século XIX;
• desenho de som hiper-real, com ênfase para os ruídos diegéticos em
volume amplificado;
• cuidado meticuloso com a sincronia entre som e imagem.

Carreiro ressalta que todas essas ferramentas fazem parte da conti-


nuidade intensificada de Bordwell, e foram estudadas pelas gerações subse-
qüentes de cineastas. Christopher Frayling (2005:190-192) afirma que professores
de montagem de cursos de graduação em Cinema em instituições de ensino nor-
te-americanas como, por exemplo, a University of Southern California, faziam seus
alunos estudarem meticulosamente os filmes de Leone na Moviola, no final da dé-

88
cada de 1960, analisando algumas cenas plano a plano. O objetivo era levar os
alunos a desenvolverem essas técnicas em direção a uma experiência fílmica
mais intensa. John Millius, George Lucas, Steven Spielberg, Francis Ford Coppo-
la, John Carpenter e Martins Scorcese estavam entre esses alunos. Através deles
(e de outros diretores norte-americanos) o tratamento intensificado dos princípios
da continuidade clássica, através das novas técnicas assimiladas da produção
européia nos anos 1970, se popularizou em nível global.
Enfim, na perspectiva de Carreiro, diversas correntes da teoria do ci-
nema olham para os anos 1960 como um período de experimentalismo e inova-
ção, do ponto de vista das práticas narrativas e estilísticas. O cinema europeu do
período é corretamente apontado como produto de um momento histórico singular,
que expandiu os limites do que se podia fazer com a estética do filme. Mas os di-
retores apontados como artífices dessa revolução na gramática do cinema são
sempre os mesmos. Esse grupo de renovadores não inclui os nomes de cineastas
vinculados a gêneros cinematográficos.
A própria pesquisa de David Bordwell reflete esse problema. Ao longo
do livro The Way Hollywood Tells It: Story and Style in Modern Movies (2006), em
que desenvolve o conceito de continuidade intensificada, o pesquisador norte-
americano cita Sergio Leone cinco vezes (três delas para relacioná-lo ao uso de
close-ups extremos ou de lentes grande-angulares). Ele relativiza o papel que os
filmes de Leone exerceram no processo de revisão e exacerbação de muitas das
características de narrativa e estilo que integram o repertório da continuidade in-
tensificada.
Do ponto de vista da história do cinema, a situação é parecida. Apenas
para ficar em dois exemplos: o nome de Sergio Leone não é citado uma vez se-
quer na História do Cinema Mundial, organizada por Fernando Mascarello (2006).
O longo e ambicioso Film History: An Introduction (2009), de David Bordwell e
Kristin Thompson, dedica quatro parágrafos ao diretor, concentrando-se em três
contribuições de Leone ao repertório de técnicas cinematográficas: close-ups, rea-
lismo grotesco e música romântico-satírica. Curiosamente, eles evitam fazer cone-

89
xões entre o trabalho do diretor italiano e o cinema produzido nos círculos moder-
nistas europeus. O trecho é encerrado com uma frase curta, mas muito importan-
te:

Embora Leone tenha trabalhado num gênero popular, sua reinterpreta-


ção extravagante e altamente pessoal das convenções desse gênero se
tornou tão significativa quanto os esforços dos diretores de cinema de ar-
te que revisaram e desafiaram a tradição neo-realista. (BORDWELL;
THOMPSON, 2009).

Carreiro conclui:

É uma passagem paradoxal. Quer dizer que a prática estilística e narrati-


va de Leone foi tão importante quanto a de Truffaut e Godard? Nesse ca-
so, porque esses dois diretores franceses ganham, na organização gráfica
do livro, um Box destacado sobre as respectivas carreiras, com duas pá-
ginas cada, enquanto Leone, cuja importância foi idêntica, fica restrito a
uma menção rápida e circunstancial? A própria frase de Bordwell e
Thompson traz duas expressões que esclarecem o paradoxo: 1) Leone
trabalhou num gênero popular (a palavra “embora” explicita o precon-
ceito dos autores); e 2) os grandes diretores modernistas merecem mais
respeito porque faziam cinema “de arte”.

Em síntese, a questão que Carreiro aborda está relacionada ao cons-


tante apagamento a que os filmes de Sergio Leone foram submetidos, no âmbito
dos estudos cinematográficos. Parece claro que o diretor italiano efetivamente te-
ve um papel, ao longo dos anos 1960 e 1970, no processo de continuidade inten-
sificada identificado por Bordwell; e também parece evidente que esse papel con-
tinua a ser minimizado por estudiosos de praticamente todas as linhas de pesqui-
sa cinematográfica, graças ao preconceito para com diretores que trabalharam
com gêneros fílmicos rigidamente codificados.

90
2.16 - APLICAÇÃO
Todos os tópicos apresentados nesta parte estão direta ou indiretamen-
te implicados no delineamento de um método de “coleta de dados” para análise da
música de cinema. A utilização e atualização de seu conteúdo na observação de
inserções musicais nos filmes analisados, revelou-se como uma ferramenta efetiva
nos filmes estudados.

2.16.1 - Decupagem
O termo decupagem é utilizado rotineiramente na área de cinema, mas,
ainda hoje, provoca confusões. A palavra provém do francês découpage, derivada
do verbo découper, que significa, originalmente, planificação, fragmentação, divi-
são, o ato de recortar (ou cortar).
Segundo o "Dicionário teórico e crítico de cinema" de Jacques Aumont
e Michel Marie, o termo decupagem começou a ser usado em cinema na década
de 1910, com a padronização da realização dos filmes, e designava a princípio um
instrumento de trabalho, o "roteiro decupado" ou "roteiro técnico", último estágio
de planificação (planejamento) do filme, em que todas as indicações técnicas (po-
sição e movimento de câmara, lente a ser utilizada, iluminação, personagens e
partes do cenário que estão em quadro, etc.) eram colocadas no papel para orga-
nizar e facilitar o trabalho de toda a equipe. Em inglês, o roteiro decupado é cha-
mado de shooting script; em espanhol, de guión técnico. A partir dos anos 1940, a
palavra decupagem migra do campo da realização (filme a ser produzido) para o
da crítica (filme acabado), passando a designar a estrutura do filme como um con-
junto ordenado de planos.
É nesse sentido que André Bazin cria a noção de decupagem clássica,
apresentando-a em uma série de artigos para a revista Cahiers du Cinéma (1951),
mais tarde reunidos em sua obra "Qu'est-ce que le cinéma?" (1958).
No final da década de 1960, o escopo da definição de decupagem é re-
visado pelo neoformalismo como, por exemplo, por Noël Burch em seu livro "Prá-

91
xis do cinema" (1969). Considerando o filme como uma série de fatias de espaço
(o enquadramento de cada plano, fixo ou em movimento) e de fatias de tempo (a
duração de cada plano), Burch aponta o significado cumulativo para decupagem:
(a) a planificação por escrito de cada cena do filme, com indicações técnicas
detalhadas;
(b) o conjunto de escolhas feitas pelo realizador quando da filmagem, envol-
vendo planos e possíveis cortes;
(c) a feitura mais íntima da obra acabada, resultante da convergência de
uma decupagem no espaço e de uma decupagem no tempo.

Nessa perspectiva, a decupagem de um filme, ou de cada parte de um


filme (cenas, seqüências, planos, música, sonoridades, entre outras), é um pro-
cesso que se iniciou na planificação (pré-produção), se concretizou na filmagem
(produção) e assumiu sua forma definitiva na montagem (pós-produção).
Segundo Noël Burch, nos anos 1950-1960, a noção de decupagem,
com estes três sentidos sobrepostos, só existia em francês. O cineasta norte-
americano, por exemplo, era obrigado a pensar em demarcação107 (set-up) e mon-
tagem (cutting), como dois processos separados. "Se nunca lhe vem ao espírito
que essas duas operações participam de um único e mesmo conceito, é talvez
porque lhe falte uma palavra para o designar. E, se os progressos formais mais
importantes dos últimos quinze anos foram executados na França, é talvez um
pouco por uma questão de vocabulário" (BURCH, 1973:11).

É, portanto, com redobrada razão que o terceiro sentido da palavra


“planificação”, que deriva do segundo, corresponde a uma noção que só
existe no francês. Aqui, já não se trata de tal ou tal estágio da escrita pré-

107
Uma demarcação é o que separa, claramente, duas coisas. Christian Metz utilizou esse termo para designar
as separações que se podem observar em um filme entre as seqüências ou entre os segmentos autônomos. Os
limites entre segmentos podem ser demarcados (ou marcados) de diferentes maneiras. Na época do cinema
mudo, recorreu-se com freqüência a um letreiro (legenda). Utilizavam-se, no mais das vezes, na época clássi-
ca, trucagens ópticas que funcionavam como sinais de pontuação: escurecimentos, fusões, fechamentos da íris
etc. A demarcação podia também ser implícita: era uma mudança no desenrolar narrativo que fazia o especta-
dor compreender que se estava passando para outro momento da história. Enfim, uma modificação importante
na forma da narrativa (intervenção da música, de uma montagem alternada, de uma montagem rápida) podia,
igualmente, ter o mesmo papel demarcativo. No cinema posterior à década de 1960, a decupagem mais com-
plexa e bem mais descontínua torna a noção de demarcação menos operante (AUMONT, J. e MARIE, M.
Verbete: Demarcação. “Dicionário Teórico e Crítico de Cinema”. São Paulo: Papirus Editora, 2001, p.74).

92
via de um filme, de tal ou tal operação técnica: trata-se exatamente da fa-
tura mais íntima da obra acabada. (BURCH, 1973:11)

No presente texto o termo decupagem refere-se ao recorte do filme


acabado em fragmentos onde cada inserção musical é privilegiada em sua micro-
estrutura, ou seja, espaço-tempo da narrativa onde inicia e termina uma parte do
filme com a presença musical. É óbvio que do ponto de vista narrativo, forçosa-
mente, os fragmentos possuem também outras subdivisões possíveis em relação
à cena, aos planos e a previsão de como estes planos vão se ligar uns aos outros
através dos cortes. Nessa perspectiva, a decupagem dos filmes utilizados tem
dois componentes denominados de Fragmento n ou Parte n (n é um número ará-
bico exclusivo). A diferença entre os dois é que o primeiro, Fragmento n, é um tre-
cho mais completo do ponto de vista narrativo e, portanto, pode conter várias in-
serções musicais. Em conseqüência, Parte n é um trecho do Fragmento n que
contém somente uma ou nenhuma inserção musical.
A tabela abaixo reúne todos os tópicos apresentados e, na sua utiliza-
ção como uma planilha de dados, foi possível observar, ampliar e testar conceitos.

FRAGMENTO Nº “Still”
INÍCIO FIM DURAÇÃO

IDENTIFICAÇÃO MÚSICA NOME NO CD DERIVAÇÃO

CÓLON
FUNCIONALIDADE/VALORES
UNIÃO FUNDAMENTAL
ESTRUTURAIS

SABANEEV (Música Aplicada) EISLER/ADORNO (Música Absoluta)

KURT LONDON

93
EISENSTEIN
PARALELISMO CONTRAPONTO

COPLAND - PRENDERGAST
1 2 3 4 5

MANVELL & HUNTLEY


1 2 3 4 5 6

SOFIA LISSA
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18

TAGG

GORBMAN
DIEGÉTICA NÃODIEGÉTICA METADIEGÉTICA

1 2 3 4 5 6 7

KALINAK (PLANOS)
DIÁLOGOS SONS MÚSICA

1º 2º 3º 1º 2º 3º 1º 2º 3º

SERGIO MICELI
ACOMPANHAMENTO COMENTÁRIO

SINCRONIAS PREDOMINANTES SINCRONIAS PREDOMINANTES


IMPLÍCITAS EXPLÍCITAS IMPLÍCITAS EXPLÍCITAS

94
NÍVEIS DE INTERFERÊNCIA NÍVEIS DE INTERFERÊNCIA
INTERNO EXTERNO MEDIADO INTERNO EXTERNO MEDIADO

BORDWELL (DIEGESIS)
EXTERNA INTERNA

OBJETIVO SUBJETIVO OBJETIVO SUBJETIVO

WINGSTEDT (APREENSÃO CONSCIENTE DO ESPECTADOR)


ALTA MÉDIA BAIXA

PRENDERGAST (TENDÊNCIA FORMAL)


MONOTEMÁTICA LEITMOTIV DEVELOPMENTAL

MICHEL CHION – Contrato Audiovisual (VALOR AGREGADO PELA MÚSICA)


EMPATIA ANEMPATIA INDIFERENÇA

MÉTODOS DE OBSERVAÇÃO
MASCARAMENTO CASAMENTO FORÇADO

KARLIN, F. E WRIGHT, R. – ON THE TRACK


1
2
3
4
5
6
7

95
8
9
BROWN (ECLETISMO)

COOK (METÁFORA)

SINERGIA (VALORES CINERGÉTICOS)

GÊNERO FÍLMICO

GÊNERO MUSICAL

TOMADAS/MONTAGEM (CONTINUIDADE) – PREDOMINÂNCIA DA CENA


CLÁSSICA CONTINUIDADE INTENSIFICADA

Mesmo que muitas observações sejam redundantes e subjetivas na


abordagem do analista e dos próprios autores relacionados, as redundâncias aca-
bam por confirmar alguns conceitos sugeridos pela aplicação musical.

Como exemplo, segue a tabela da inserção nº 1 do filme PER UN PUGNO


DI DOLLARI, 1964, dirigido por Sergio Leone.

96
FRAG
GMENTO Nº 01

INÍCIO FIM DURA


AÇÃO
00:00:00 00:02:52
0 02:5
52
IDE
ENTIFICAÇÃO MÚSICA
M NOM
ME NO CD DE
ERIVAÇÃO
Arranjo
Crréditos Iniciais Tema 1 Titoli
(Pasttures of Plenty)
CÓLON
UNIÃO FUNDAMENTAL
L FUN
NCIONALIDADE
E/VALORES EST
TRUTURAIS
Sonoridades Evocativas do Weestern Motivo/Ritm
mo/Frases/instrumeentos
SA
ABANEEV X EISL
LER/ADORNO
Modal/Tonal
M com
m mistura popular--erudito;
Utilizaçã
ão mesclada de insttrumentos e sonorid
dades autóctones
(evocativvas) do western;
KU
URT LONDON
Sublinha sinncronicamente a aniimação
EISENSTEIN
E
PARALELISMO CON
NTRAPONTO
Sim
S – rítmico
(Andamentoo / Cortes e Movimeento)
COPLAND - PRENDERG
GAST
1 2 3 4 5
Sim (western)
( Sim
S (morte e violênncia) Não Sim Sim
MANV
VELL & HUNTLEY
Y
1 2 3 4 5 6
Sim Não Não Nãoo Não Sim
SOFIA
S LISSA
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18
X X ! ! ! X X X X X
TAGG
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
0
X X X X X X X
GORBMAN
G

97
DIEGÉTICA NÃODIEGÉTICA METADIEGÉTICA
X
Observação: Apesar de não-diegética, as sonoridades do galope de cavalo e de tiros misturados as sonoridades percussivas da música,
podem sugerir qualidades diegéticas.
1 2 3 4 5 6 7
X X X X X X
KALINAK (PLANOS)
DIÁLOGOS SONS MÚSICA
Não Sim Sim
1º 2º 3º 1º 2º 3º 1º 2º 3º
X X
SERGIO MICELI
ACOMPANHAMENTO COMENTÁRIO
X
SINCRONIAS PREDOMINANTES SINCRONIAS PREDOMINANTES
IMPLÍCITAS EXPLÍCITAS IMPLÍCITAS EXPLÍCITAS
X
NÍVEIS DE INTERFERÊNCIA NÍVEIS DE INTERFERÊNCIA
INTERNO EXTERNO MEDIADO INTERNO EXTERNO MEDIADO
X
BORDWELL (DIEGESIS)
EXTERNA INTERNA
X
OBJETIVO SUBJETIVO OBJETIVO SUBJETIVO
X
WINGSTEDT (APREENSÃO CONSCIENTE DO ESPECTADOR)
ALTA MÉDIA BAIXA
X
PRENDERGAST (TENDÊNCIA FORMAL)
MONOTEMÁTICA LEITMOTIV DEVELOPMENTAL
X (tema 1)
MICHEL CHION (VALOR AGREGADO)
EMPATIA ANEMPATIA INDIFERENÇA
X
BROWN (ECLETISMO)

COOK (METÁFORA)
Ritmo do Cavalo
SINERGIA (VALORES CINERGÉTICOS)
Esquema de utilização das cores – tricolor: branco, preto e vermelho.
Sons de galope e trote de cavalo(s) sincronizados com as imagens animadas;
A música absorve os sons internamente;
GÊNERO FÍLMICO

98
Western
GÊNERO MUSICAL
Pop?
TOMADAS/MONTAGEM (CONTINUIDADE) – PREDOMINÂNCIA DA CENA
CLÁSSICA CONTINUIDADE INTENSIFICADA
Cortes sincrônicos com efeitos (piscando) na troca de cores X (Animação)
Citação: Muybridge
Citação HQ Tex Riley

99
3. ENNIO MORRICONE:
TRADIÇÃO E SINGULARIDADE NA MÚSICA DE CINEMA

Iniciarei com algumas informações autobiográficas que, acredito, são necessárias


para introduzir melhor as coisas que pretendo falar. Eu tive um treinamento duplo:
no Conservatório, onde estudei performance e composição em cursos regulares, e fo-
ra do Conservatório, em salão de bailes, vários tipos de teatros e tipos de público,
onde fiz música ao vivo. Nesse segundo, meu modelo e meu guia foi meu pai. Foi ele
quem abriu o caminho para mim, pois essa era exatamente sua profissão. A esse res-
peito, venho de uma família musical. Também devo acrescentar que graças a tudo is-
so é que provavelmente eu seja um dos poucos compositores italianos que aprendeu
composição musical dessas composições musicais ao vivo.
(Ennio Morricone108)

Na literatura sobre música de cinema, várias discussões importantes se


estabelecem ligadas à biografia de seus interlocutores e dos profissionais ligados à
composição de trilhas musicais para filmes. Muito já foi escrito a respeito dos pro-
blemas que a abordagem biográfica pode promover109, como muito já foi feito no sen-
tido de (des-)qualificar o empreendimento biográfico e, ao mesmo tempo, indireta-
mente, promover o papel dos indivíduos numa “verdadeira” história110.
O problema parece remeter a uma espécie de paradoxo: o que opõe o
singular (particular) ao tradicional (geral) , “tema de fundo” deste trabalho, lembra-
111

dos por Jacques Le Goff112, quando afirma que o particular é um dos “inevitáveis obje-
tos da história” e que se trata, portanto, de pensar nos usos possíveis do biográfico
na elaboração de trabalhos mais abrangentes sejam eles, romances, monografias,
teses, enfim, trabalhos mais críticos, acadêmicos ou não. A biografia ou a história de
vida, retrata a experiência vivida do indivíduo e, a partir dela, procura-se obter dados

108
E. MORRICONE, Un compositore dietro la macchina da presa, in Enciclopedia della musica (a cura di J. J.
Nattiez), vol. 1 (Il Novecento), Torino: Einaudi, 2001.
109
BOURDIEU, P. A ilusão biográfica, 1986. In: FERREIRA, M. M. & AMADO, J. (Orgs.) Usos & abusos da
história oral. Rio de Janeiro: FGV, 2001, p.181-191.
110
SCHMIDT, B. B. A biografia histórica: o ‘retorno’ do gênero e a noção de ‘contexto’. In: GUAZZELLI, C.
A. B. et al. (Orgs.). Questões de teoria e metodologia da história. Porto Alegre, UFRGS, 2000, p. 121-129.
111
LEVI, G. Usos da biografia, 1989. In: FERREIRA, M. M. & AMADO, J. (Orgs.). Usos & abusos da história
oral. Rio de Janeiro: FGV, 2001 [1996], p.167-182.
112
LE GOFF, J. Como escrever uma biografia histórica hoje? Tradução de Henrique Espada Lima Filho do
original : Comment écrire une biographie historique aujourd’hui?. Le Débat, n.54, mars-avril, 1989, p.48-53.
relevantes para a pesquisa. O investigador reconstitui a vida do indivíduo pesquisado
para evidenciar os aspectos em que está interessado.
Ennio Morricone tornou-se referência como um dos mais prolíficos compo-
sitores desde o século passado com uma vasta obra que mescla praticamente todos
os gêneros e estilos de música. Nessa trajetória também atuou, passiva ou ativamen-
te, na produção de discursos sobre si mesmo e, simultaneamente, foi objeto do dis-
curso de muitos outros.
Os discursos apontam, por um lado, um Morricone caracterizado como ta-
lentoso desde a infância, estudante insaciável, e que dominou as principais teorias
harmônicas, contrapontísticas e orquestrais aprendidas no Conservatório Santa Ce-
cília, onde “completou o curso de quatro anos de harmonia em apenas seis meses”,
diplomando-se no curso de instrumento (trompete), orquestração de bandas e com-
posição “erudita” com ênfase no contraponto e fuga, óperas e sinfonias. Esses dicur-
sos se contrapõem, por outro lado, ao Morricone que devido a sua condição social e
tendo que sustentar sua família, migrou, contra a própria vontade, para a “música
ligeira” ou “aplicada” em detrimento da composição da “musica absoluta” ou da “mu-
sica de concerto”, sua verdadeira vocação.
Foi no confronto dessa ambigüidade que todo seu trabalho no cinema se
constituiu, mas foi também a partir dela que seus biógrafos e críticos dialogaram.
Apresentar os elementos biográficos que sustentam e caracterizam essa ambigüida-
de parece fundamental à compreensão das linhas que sustentam as narrativas sobre
Morricone e seu trabalho.

Toda essa introdução biográfica não é gratuita. Não teria razão de contar
minha história de vida aqui. A verdade sobre isso é: eu necessito dela de
forma a explicar o que é música de cinema quando tudo é dito e feito. Bre-
vemente, diria que é uma arte muito peculiar, diferente de outras. Exige cria-
tividade, mas não o tipo de criatividade que se possa aprender em escolas,
como no Conservatório, por mais sólido e abrangente que o conhecimento
oferecido possa ser. A criatividade da música cinematográfica tem que ser,
paradoxalmente, destituída de uma orientação estilística desambigua e pes-
soal. Um músico que queira fazer boa música de filme não deve se especiali-
zar somente em música clássica ou sinfônica, velha ou nova, não deve ser
somente um músico pop, um entusiasta do jazz ou do rock. Ele deve se espe-

101
cializar em tudo e também ser capaz de fundir conjuntamente todos esses gê-
neros diferentes113.

Nessa mescla de possibilidades e contaminações está embutida a idéia de


alguém que construiu seu próprio pensamento, alguém que pelo exercício da vonta-
de e da necessidade conduziu seu aprendizado, ajudando a sustentar uma narrativa,
muitas vezes, com tom heróico, quando se afirma que teria superado grandes vicissi-
tudes ao longo de sua carreira até conquistar o reconhecimento que lhe era devido.
Ao longo do tempo, essa convicção deu lugar à imagem de polivalente, um composi-
tor formado tanto pela prática quanto pelo estudo formal e pela pesquisa, ou seja,
habilitado pela reflexão teórica e pela experiência prática no trato e organização das
sonoridades e de suas fontes, culminando com a caracterização de um Morricone
quase como símbolo do compositor “pós-moderno”.
Toda essa ambigüidade prevalece em muitos dos discursos empenhados
em reforçar os laços que o unem a Roma – Itália, sua terra natal – refletida na ênfase
melódica de suas composições quando comparadas às contemporâneas de Hol-
lywood. Diferente de muitos músicos, Morricone não aceitou trocar a Itália, particu-
larmente Roma, por Hollywood. É notável o investimento na demarcação das origens
romanas de Morricone, relacionadas também às da Itália, na afirmação de que a vida
em Hollywood talvez tivesse favorecido sua projeção, mas, poderia ter, também, in-
fluenciado negativamente seu pensamento e sua conduta profissional de modo di-
verso.
A persistência entre fatores opostos, da vontade inicial ao destino manifes-
to, integrou tanto sua postura técnico-composicional quanto ético-filosófica. Toda es-
sa conjunção de fatores serviu de base à construção da imagem do homem e do pro-
fissional da música Morricone conjuntamente com seu pensamento, consolidando
uma espécie de consenso, aparentemente imune a críticas ou dúvidas.
Considerando esses elementos, esta parte do trabalho apresenta alguns
capítulos do processo que acabaram por transformar Ennio Morricone numa das per-

113
E. MORRICONE, Un compositore dietro la macchina da presa, in Enciclopedia della musica (a cura di J. J.
Nattiez), vol. 1 (Il Novecento), Torino: Einaudi, 2001.

102
sonagens atuais mais atuantes na história da música de cinema. A trajetória biográfi-
ca delineada fornece evidências de como Morricone foi iniciado e de alguns desdo-
bramentos posteriores na sua carreira. Na apresentação das informações biográfi-
cas, percorre-se alguns fatos que pontuaram sua vida até seu ingresso no cinema,
no início da década de 1960, e de seu reencontro com Sergio Leone, em 1963, mo-
mento determinante dos seus “condicionamentos e da sua criatividade” ao ingressar
no ofício de músico de cinema que, hipoteticamente, constituiram suas idéias no de-
senvolvimento de sua música aplicada e de sua estética pessoal, a sua “dupla estéti-
ca114”, que refletem diretamente alguns “aspectos e problemas de uma atividade
composicional do nosso tempo115”, e que, por fim, acabaram por constituir o âmago
de seu pensamento musical no cinema.

114
MORRICONE, E. Tre brevi discorsi sulla musica nel cinema. Morricone, Cinema e Oltre, 2007, p.22
115
MORRICONE, E. Scrivere per Il cinema: aspetti e problemi di um’attività compositiva del nostro tempo.
idem, p. 35-42.

103
3.1 - CRONOLOGIA DE ENNIO MORRICONE116
Tabela 2 – Cronologia de Ennio Morricone

Ano Evento

1928 Ennio Morricone nasceu em Roma em 10 de novembro. Filho de Mario, trompetista, e Libera
Ridolfi. É o primogênito de mais quatro irmãos.

1929 Com o endurecimento do regime de Benito Mussolini, que entre outras coisas proibiu literal-
1 ano mente a execução da música jazzística, a família de Morricone passa por grandes dificulda-
des financeiras.

1930
Libera Ridolfi, a mãe de Ennio Morricone, por necessidade, abriu uma modesta loja de teci-
2 anos
dos.

1932
A família de Morricone muda para a via Luciano Manara, onde nasceram seus irmãos Adria-
4 anos
na, Aldo, Maria e Franca.
1934
6 anos É iniciado pelo pai na linguagem musical.

Morreu seu irmão Aldo Morricone aos 3 anos de idade.


1938
Passou a Freqüentar o Istituto Jean-Baptiste de La Salle, uma escola elementar em Roma,
8 anos
conjuntamente com Sergio Leone, com quem só se reencontraria e formaria, 25 anos mais
tarde (1964), uma parceria no cinema.

1940
Ingressa no Conservatorio Santa Cecília na classe de trompete de Umberto Semproni (pos-
10 anos
teriormente com Reginaldo Caffarelli).

1941
É escolhido entre os estudantes do Conservatório para fazer parte da Orquestra dirigida por
13 anos
Carlo Zecchi para uma tournée no Veneto

1943 Começa a substituir seu pai com certa regularidade no grupo dirigido por Constantino Ferri,
15 anos atuando principalmente no Clube Flórida em Roma (Orchestra Jazz Constantino Ferri –
gravou pela Fono Roma, desde meados da década de 1930).

116
A cronologia é baseada nas Note Biographiche in: MICELI, S. Morricone, La Musica, Il Cinema. Milão: Mu-
cchi Editore s.r.l., 1994, p. 15-22. Segundo Miceli as informações foram obtidas em um grande número de con-
versas com o próprio Ennio Morricone (Asm, inéditos). Afirma que procurou confirmar cada informação através
de pesquisas em arquivos, verificações pessoais ou em publicações de vários tipos.

104
O professor de harmonia complementar, Roberto Caggiano, o promove ao curso de harmo-
nia principal (completado em seis meses). Este professor é o primeiro a sugerir-lhe o curso
de composição.

Ingressa como aluno no curso de “composição elementar”. Onde estuda com Carlo G. Garo-
1944 fano e Antonio Ferdinandi.
16 anos Passa a ser o segundo trompete, junto com seu pai, na orquestra de Alberto Flamini, tocan-
do para as tropas aliadas americanas e canadenses nos hotéis Mediterrâneo e Massimo
d’Azeglio em Roma.

1946 Em 11 de outubro recebe seu diploma de trompete (votazione 7/10). Compõe “Il Matino”
18 anos para canto e piano sobre um texto de Fukuko.
Obtém o primeiro emprego como instrumentista e arranjador para o teatro de variedades.

1947 Compõe “Imitazione” para vozes e piano sobre um texto de Giacopo Leopardi e “Intimitá”
19 anos para vozes e piano sobre um texto de Olimpo Dini.
Engaja-se pela primeira vez como compositor de música para teatro.

Conhece Maria Travia, sua futura mulher.


1950
Assiste às aulas do terceiro ano do curso de música e regência coral.
22 anos
Na ocasião da semana santa arranja um grupo de canções de devoção populares para o
rádio.

1952
Diploma-se em Instrumentação.
24 anos
Compõe “Barcarola Fúnebre” para piano e o “Prelúdio a uma Novella senza titolo”.

Compõe “Distacco I” e “Distacco II” para vozes e piano sobre um texto de Ranieri Ginoli;
“Verrà la morte” para contralto e piano sobre um texto de Cesare Pavese; e “Oboe
1953
Sommerso” para barítono e cinco instrumentos sobre um texto de Salvatore Quasimodo.
25 anos
Realiza o primeiro arranjo para uma longa série de transmissões radiofônicas.
Completa a “Sonata” para flautas, tímpanos e piano, o primeiro trabalho a ser inserido no
seu catálogo de trabalhos (opus).

1954
Diploma-se em composição (votazione 9.5/10) tendo como professor Goffredo Petrassi que
26 anos
se tornou grande amigo e fonte de inspiração

1955 Inicia seu trabalho como arranjador e compositor de músicas para filmes, creditadas a outros
27 anos compositores.
Presta o serviço militar onde tem a oportunidade de transcrever, arranjar e orquestrar músi-

105
cas para bandas militares de vários autores.
1956
28 anos Em 13 de outrubro, casa-se com Maria Travia.

1957
Nasce Marco, seu primeiro filho de quatro: Marco, Alessandra, Andrea e Giovanni.
29 anos
Inicia a compor trabalhos para o teatro televisivo.

Passando por sérias dificuldades financeiras, consegue um emprego na RAI como assisten-
1958
te musical, mas se licencia no primeiro dia de trabalho.
30 anos
Viaja a Darmstadt onde assisti as aulas de John Cage e a primeira performance de “Cori di
Didone” de Luigi Nono.

1960 No Teatro “La Fenice” de Veneza, o seu “Concerto per orchestra” é executado pela primeira
32 anos vez.
Inicia seu trabalho como arranjador para shows televisivos de variedade.

Nasce Alessandra, sua segunda filha.


Compõe sua primeira trilha musical para o filme “Il Federale” de Luciano Salce.
1961
Segue trabalhando como arranjador e orquestrador da RCA num ritmo surpreendente.
33 anos
Nesta época trabalha para intérpretes como Mario Lanza, Paul Anka, Gianni Morandi, Gino
Paoli, entre outros. Até 1967 o número de arranjos feitos por Morricone passa de quinhen-
tos.

1964
Nasce Andrea, seu terceiro filho.
36 anos
Inicia sua colaboração com Sergio Leone e Bernardo Bertolucci.

1965 Recebe o “Nastro D’Argento” pela música do filme Per um Pugno di Dollari de Sergio Leone.
37 anos É convidado por Franco Evangelisti a fazer parte da “Associazone Nuova Consonanza” e
nas atividades do “Gruppo Internazionale di Improvvisazione”.

1966
Nasce Giovanni, seu quarto filho.
38 anos
Inicia sua colaboração com Pier Paolo Pasolini e com Gillo Pontecorvo.

1967
Inicia sua colaboração com Mauro Bolognini.
39 anos
É convidado a fazer parte do júri do XX Festival de Cinema de Cannes.

1968 Reduz sensivelmente sua atividade como arranjador para dedicar-se a música de cinema.
40 anos Inicia sua colaboração com Elio Petri.
Assina vinte trilhas sonoras musicais.

106
1969
Recebe o prêmio Spoleto Cinema.
41 anos
Inicia a colaboração com o diretor Giuliano Montaldo.

1970 Ensina composição na recente Scuola Comunale di Musica “Licinio Refice” em Frosione
42 anos onde tem como alunos: Silvano Aureli, Luigi De Castris, Luigi Di Stefano, Antonio Poce e
Ricardo Zenadocchio. Deixa o cargo em 1972.
1971
43 anos Recebe o Nastro d’argento pela música do filme Metti, una será a cena.

1972
Colabora com o Studio R7 pela música eletrônica de Roma.
44 anos
Recebe o Cork Film International pela música do filme La califfa.

1974
Morre seu pai Mario Morricone.
46 anos
Volta a morar em Roma no Viale Libano no quartiere Eur.
1975
47 anos Morre Pier Paolo Pasolini.

1979
Recebe a primeira de cinco indicações ao Oscar da Academy Award, dessa vez pela música
51 anos
do filme Days of Heaven.
1980
52 anos Morre Franco Evangelisti.

1981
Se transfere a sua residência atual, de frente ao Campidoglio.
53 anos
Recebe o Premio della critica discografica pelo filme Il prato

1983
Morre Elio Petri.
55 anos
É eleito ao conselho de administração do Nuova Consonanza, até 1985.

Lê em Zagarolo uma Prolusione em ocasião dos festejos de oitenta anos do nascimento de


1984
Goffredo Petrassi.
56 anos
Conjuntamente com Paola Bernardi, Egisto Macchi e Carlo Marinelli funda em Roma o
IRTEM – Instituto di Ricerca per Il Teatro Musicale.

1985
Recebe o Nastro d’argento e o BAFTA (The British Academy of Film & Television Arts) pela
57 anos
música de C’era uma volta in America.
1986
58 anos Recebe a segunda de cinco nomeações ao Oscar da Academy Award, dessa vez pela músi-

107
ca do filme The Mission.
Recebe o BAFTA e o Golden Globe pela música do mesmo filme.

O Gruppo di Ricerca e Sperimentazione Musicale de Roma programa na sala ex Stenditoio


(Complexo monumental de S. Michele) um concerto com música de Egisto Macchi e Ennio
1988 Morricone, em ocasião da comemoração de seus 60 anos.
60 anos Recebe o prêmio David di Donatello pela música do filme Gli occhiali d'oro
Recebe os prêmios Nastro d'argento, BAFTA, Grammy Award pela música de Gli intoccabilli.
Recebe a terceira de cinco nomeações ao Oscar da Academy Award, dessa vez pela músi-
ca do filme Gli intoccabilli.

A Istituzione Universitaria dei Concerti de Roma – 44ª Stagione di Musica da Camera – lhe
dedica um concerto na aula magna da Università La Sapienza, transmitido em seguida pela
RAI 3.
O Conservatoire Royal de Musique de Liege hospeda um concerto sinfônico inteiramente
dedicado a Morricone, regido por ele mesmo.
1989 O 25º Festival Pontino di Musica lhe dedica em Sermoneta um concerto monográfico, assis-
61 anos tido por Petrassi (caso não raro).
O Gruppo Musica 900 de Fronsine lhe dedica um concerto inteiro de música de câmera.
Morre Sergio Leone.
Recebe o prêmio David di Donatello pela música do filme Nuovo Cinema Paradiso.
Recebe o Nint Annual Ace Winner pela música do filme Il Giorno Prima.
Recebe o Pardo d’Oro “Allá carriera” do Festival de Cinema di Locarno.
Recebe a cidadania honorária de Arpino, local de origem dos avós paternos.

A Accademia Nazionale di Santa Cecilia (Gestione Autonoma dei Concerti) insere no


programa oficial de 1989-90 a Cantata per l’Europa, executada no Auditorium da Via della
Conciliazione.
A Accademia Italiana di Musica Contemporanea de Roma lhe dedica una serata de música
de câmera no Teatro Ghione.
1990 O XXVII Festival di Nuova Conzonanza lhe dedica um concerto de música de câmera na
62 anos Galeria Nazionale d’Arte Moderna de Roma.
Dirige a orquestra sinfônica de Bari no auditório Nino Rota, num programa de música para
filmes.
Recebe o BAFTA, o Prix Fondation Sacem do XLIII Festival de Cinema de Cannes pela
música do filme Nuovo Cinema Paradiso.
Participa do Convegno Internazionale Musica & Cinema junto a Fondazione Accademia
Musicale Chigiana de Siena.

108
1991 Pelo projeto de Luciano Alberti, a Accademia Chigiana insere definitivamente em seus cur-

63 anos sos regulares o de Música para filmes, que confia a Ennio Morricone e Sergio Miceli.
A 60ª Estate Musicale Chigiana insere no programa um concerto com músicas de Ghirardi,
Donatoni e Morricone.
Recebe o prêmio David di Donatello pela música do filme Stanno tutti bene.
O musicólogo inglês Philip Tagg propõe Morricone para o doutorado honoris causa à Uni-
versità di Göteborg.

Em ocasião de um curso de música para filmes organizado pela Internationale Seminaire für
Filmgestaltung na Basiléia, em colaboração com Hansjörg Pauli e Sergio Miceli, a Musik
Akademie der Stadt Basel lhe dedica um concerto de música de câmera.
De uma idéia de Egisto Macchi transcreve a ópera Tosca de Puccini para um pequeno gru-
po.
É nomeado membro da Commissione Artistica della Istituizione Universitaria dei Concerti de
Roma.
1992
Recebe a quarta de cinco nomeações ao Oscar da Academy Award, dessa vez pela música
64 anos
do filme Bugsy.
Morre Egisto Macchi.
A Universidade e o Conservatório de Osnabrück lhe dedicam um concerto de música de
câmera da iniciativa do musicólogo Hans-Christian Schmidt.
Faz parte do júri da 49º Mostra de Cinema de Veneza.
O ministro da cultura francês, Jack Lang, lhe confere o título de Officier de l’Ordre dês Arts et
dês Lettres.
Recebe em Saint Vincent o prêmio Grolla d’Oro “alla carriera”.

Recebe a cidadania honorária de Fermo (Ap).


Recebe os prêmios David di Donnatello e Efebo d’Argento pela música do filme Jonas Che
1993
visse nella balena.
65 anos
A 50ª Semana Musical de Siena insere no programa em forma cênica Epitaffi Sparsi.
Em Maastricht – Holanda é executada integralmente Una Via Crucis.
Recebe o prêmio Colonna Sonora dall’Ente dello Spettacolo.

Lê um breve discurso em ocasião do prêmio Michelangelo a Goffredo Petrassi.


1994 É o primeiro compositor não americano a receber um prêmio à carreira da Society for Pre-
66 anos servation of Film Music.
Recebe o Golden Soundtrack da American Society of Composers, Authors & Publisher.
Morre sua mãe, Libera, com 88 anos de idade.
1995
67 anos Junto com Michele Campanella, Uto Ughi e Vitorio Antonellini está entre os relatores em um

109
convênio sobre problemas políticos e econômicos da música, organizado pela CAMI (Comi-
tato Autonomo Musicisti Italiani) no Teatro de Ópera de Roma.
Proposto pelo presidente do Consiglio dei Ministri Lamberto Dini, o presidente da república
Oscar Luigi Scalfaro é nomeado Commendatore dell'Ordine Al Merito della Repubblica
Italiana.
Seu filho Andrea recebe o diploma de Direzione d’Orchestra.
Philip Tag (Institute of Popular Music, University of Liverpool) propõe Ennio Morricone para o
Dottorato Onorario in Musica.
Recebe um Leão de Ouro “Alla Carriera” na 52ª Biennale Del Cinema di Venezia.
1996
68 anos É nomeado Accademico di Santa Cecilia.

1997
Recebe o "Premio Flaiano" em Pescara pelas trilhas sonoras músicais de "Bullworth" de
69 anos
Warren Beatty e "Lolita" de Adrian Lynne.

1998 Em comemoração aos seus 70 anos, a Accademia di Santa Cecilia oferta um prêmio alla
70 anos carriera, oferecendo-lhe também a direção de um concerto com suas trilhas musicais mais
famosas.
1999
71 anos Vence em Berlim L’European Film Award: nessa ocasião é o único artista ovacionado.

2000 Proposto pelo ministro da cultura, o president da república oferta-lhe o diploma e a medalha
72 anos de Prima Classe di Benemerito dell’Arte e della Cultura.
A Universidade de Cagliari oferta-lhe um grau honorário.

Recebe o Globo de Ouro da Foreign Press, Itália.


2001
É nomeado membro honorário do “Claustro Universitario de las Artes”, Alcala – Madri.
73 anos
Recebe a quinta de cinco nomeações ao Oscar da Academy Award, dessa vez pela música
do filme Malèna.
2002
74 anos Recebe um Grau Honorário da Seconda Università di Roma.

2003
Recebe o “Golden Prize” do Ministry for Foreign Affairs como “Embaixador da Cultura Italia-
75 anos
na no mundo”.

Lançamento do DVD: Morricone por Morricone, com o concerto realizado em Munique. Mor-
2004
ricone rege alguns de seus grandes sucessos do cinema interpretados pela Orquestra Fi-
76 anos
larmônica de Munique.

110
2005
77 anos É condecorado como Grand Officer pelo presidente da Itália Carlo Azeglio Ciampi.

No verão, dirige a Orquestra Filarmônica do “Teatro alla Scala di Milano” em um tour pas-
2006
sando pelo teatro “Arena di Verona“ e outros teatros de arena entre os quais o teatro Greco-
78 anos
romano de Taomina. É a primeira vez que dirige a Orquestra e o Coro do Scala na execução
de suas trilhas sonoras musicais mais célebres.
2007
79 anos Recebe o Oscar “alla carriera”.

2008
80 anos Recebe o prêmio Saturno d'Oro alla carriera al Saturno International Film Festival de Alatri.

2009
81 anos Recebe o Premio America da Fondazione Italia USA.

Recebe o David di Donatello pelo filme Baarìa – La porta del vento, dirigido por Giuseppe
Tornatore.
2010 Recebe o prêmio Corona d'alloro (honoris causa) Europclub Regione Siciliana Provincia di
82 anos Messina.
Recebe o prêmio: Polar Music Prize, da Royal Sewdish Academy of the Arts, em Estocolmo
– Suécia.

111
3.2 - A BASE MUSICAL DE ENNIO MORRICONE: FORMAÇÃO E PRIMEIRAS IN-
FLUÊNCIAS

Morricone tem uma origem muito humilde. O pai tocava trompete em orquestras de
entretenimento de casas noturnas. A família era sustentada somente com o trabalho
do pai. Tanto é verdade que houve um determinado período quando o pai ficou doen-
te e Ennio, ainda muito menino, teve de substituir o pai117.

Miceli (1994:25-26) conta que Ennio Morricone nasceu numa Roma fascis-
ta em 10 de novembro de 1928. Filho do músico Mario Morricone e de Libera Rindol-
fi, morou na via San Francesco, Ripa, no bairro [quartiere] de Trastevere. A família
viveu por um longo período exclusivamente da profissão do pai, um “estimado” trom-
petista de orquestras de entretenimento. Em 1929, o endurecimento do regime de
Benito Mussolini – que entre outras coisas proibiu literalmente a execução da música
jazzística118 – trouxe ainda mais dificuldades à vida de Mario Morricone, que já conta-
va com muitos problemas financeiros, obrigando-o com a família, em 1932, a mudar-
se para a via Luciano Manara, onde nasceram seus irmãos Adriana, Aldo, Maria e
Franca. Nessa época, Libera Rindolfi, a mãe de Ennio Morricone, abriu uma modesta
loja de tecidos, tentando auxiliar nos gastos da casa.

É então presumível que o pequeno Morricone cresceu em um ambiente muito


humilde no qual a modéstia de hábitos de vida e o senso da dignidade con-
quistada pelo trabalho andaram entrelaçados numa estreita relação de de-
pendência recíproca119.

A família Morricone foi norteada pelo espírito ‘pés-no-chão’, o que teria in-
centivado o filho a seguir os passos de seu pai, fosse qual fosse seu talento. Quando
perguntado por quais razões escolheu o trompete, Morricone não hesita em respon-

117
Depoimento de Sergio Miceli no documentário Ennio Morricone de 1995 para televisão, BBC de Londres.
118
Benito Mussolini, defensor de princípios fascistas que proibiam, entre muitas outras coisas, a execução ou
audição de jazz, foi, por ironia do destino, o pai de um jovem que desenvolveu grande paixão justamente por esse
estilo musical. Romano Mussolini, escondido sob o pseudônimo de Ugo Caliso, “uniu o branco e o negro das
teclas do piano em fraseados tão livres quanto só o jazz poderia proporcionar”, desejoso de forjar um imenso hino
à liberdade, que só findou com sua morte em 2006. (http://mpbjazz.blogspot.com/2007_12_01_archive.html,
último acesso em 28/11/2009.
119
MICELI, S. Morricone, la musica, il cinema. Itália: Mucchi Editore s.r.l., 1994, p. 25.

112
der: “Eu não escolhi nada. Foi meu pai que o impôs para mim120”. A tradição patriarcal
italiana faz com que a profissão não seja uma escolha livre do indivíduo, mas a ma-
nifestação da vontade paterna aliada às condições sócio-econômicas da família.
Nesse ambiente familiar, Miceli busca enfatizar que a iniciação musical de
Morricone se deu, de fato, não só em virtude de manifestações precoces – “as pri-
meiras tentativas compositivas surgem em torno de 1934” -, mas, também como algo
considerado normal, um momento de preparação para a fase na qual o filho assumi-
ria o papel paterno, tanto na família como no trabalho:

[...] dessa forma, as raízes morriconeanas são menos caracterizadas por


ideais estéticos abstratos que por uma sólida conduta de natureza ética, in-
duzindo-o a acreditar que a passagem das responsabilidades entre pai e filho
era inevitável e que a vocação precocemente manifestada já tinha um destino
assinalado. (MICELI, 1994:25)

Jay Cocks121 em entrevista com Morricone para a revista Time, em 1987,


confirma que o filho primogênito de Mario Morricone demonstrou a sua possível vo-
cação musical desde a infância, influenciado pelo próprio pai: “trompetista, tocava
jazz e ópera e trabalhou em orquestras que gravavam trilhas musicais para filmes.
Seu filho, Ennio Morricone, começou a compor música aos seis anos de idade”.
Morricone comenta ser um pouco exagerada a afirmação que começou a
compor com seis anos de idade. Porém, recorda de uma viagem com a família quan-
do seu pai lhe ensinou a clave de sol e o fez transcrever “melodias de uma música
muito difícil”:

Recordo-me que eram temas de caça que me arrebatavam. Temas de caça da


abertura do Franco-Atirador de Carl Maria von Weber ouvidos em um dis-
co. Como eu estava muito empolgado com os temas, acabei escrevendo e re-
produzindo todos os temas de caça da Abertura. E os temas de caça talvez
me reportem, quem sabe, ao western... à felicidade de escrever música para
grandes áreas abertas, para o verde. Então, dos temas de caça, talvez te-
nham nascido os temas de western. Quem sabe? Talvez... Eu não sei. É só

120
“La musica secondo... Ennio Morricone”, Una vita da maestro. Entrevista a Gianni Minà em 2004. In:
http://www.andreaconti.it/ morricon.html#, último acesso em 02 de outubro de 2010.
121
COCKS, J. “The Lyrical Assassin at 5 A.M”. Time, 16/03/1987, p. 83.

113
uma hiipótese. Poréém os temas de caça eu oos escrevi, e correspondeem um
a temas quee escrevi paraa os westernss italianos de Sergio Leonee122.
pouco aos

Em 19
936, com aproximada
a amente oito
o anos de id
dade, Ennio Morricone ini-
ciou seus
s estudos no Istitu Baptiste di La Salle, u
uto Jean-B uma escola
a elementa
ar em
Roma
a. Em 193
38, no terrceiro ciclo
o, a classe omo aluno Sergio Leone
e teve co
(03/01
1/1929 – 30
0/04/1989) com quem
m Morricone
e, 25 anos mais tarde (1964), me
esmo
que não
n tenham
m sido gran
ndes comp
panheiros n
nessa épocca, formaria uma exttensa
parce
eria por mais 25 anos no
n cinema (1964-1989
9).

Figura 1 - Morriicone e Leone no


n Istituto Jean--Baptiste de Figura 2 - Zoom
m da Foto – Desttaque de Leone
La Salle (1938) e Morricone

Penso que a música a de Morricoone tornou-see quase um elemento visuaal nos


filmes de Leone. Oss dois são tãão complemeentares, tão hharmoniosos, como
podemo os ver na foto
ografia dos do
dois na mesmaa sala de aulaa. Eu gosto dde gas-
tar alg
guns segundoss olhando a ffotografia. É interessante ver Ennio e SSergio
usandoo o uniforme com aqueless colarinhos. Existe algo complementtar em
suas fo
ormações. Os dois amavam m a mesma miitologia123.

Em 19
940, com doze
d anos de
d idade e a Itália sob intervençção aliada, seus
pais o colocaram scola de música em R
m numa es Roma. A escola era o Conserva
atório
Santa
a Cecília124 onde
o Morricone inicio
ou seus esttudos em in o: trompete com
nstrumento

122
Enniio Morricone. In:
I Ennio Morrricone, op. cit.
123
BERRTOLUCCI, B. In: Ennio Mo orricone. Docummentário da BB BC de Londress, 1995.
124
O Conservatório Santa
S Cecília é considerado como
c a escola de música maais antiga e impportante de Rooma. O
nascimeento da escola atual foi no ano
a de 1875, non quadro de uuma reorganizaação operada ppelo estado. Poorém, a
instituiçção musical daa qual deriva (Congregazionne de’ musici di Roma, depoois Accademiaa Nazionale dii Santa
Cecilia)) foi fundada em
e 1585. No curso
c de sua hiistória o Conseervatório teve como professoores grandes mmúsicos
tanto italianos quantoo estrangeiros como, por exeemplo, Alfredoo Casella, Ildebbrando Pizzettti, Goffredo Peetrassi,

114
Umberto Semproni e, posteriormente, com Reginaldo Caffarelli, formando-se em
1946.
Em 1943, aos 15 anos, Morricone começou a substituir seu pai com certa
regularidade no grupo dirigido por Constantino Ferri125, atuando à noite, principalmen-
te no Clube Flórida em Roma e, posteriormente no de Alberto Flamini (MICELI:
1994:26). Nesse convívio com profissionais não-acadêmicos, ele conheceu muitos
músicos talentosos que haviam apreendido música e a tocar um instrumento sem
passar por um treinamento formal.
No conservatório, um de seus professores de harmonia, Roberto Caggia-
no, entusiasmado com a dedicação de Morricone, sugeriu que também estudasse
composição musical. Seguindo os conselhos de Caggiano, em 1944, Morricone inici-
ou os estudos em composição com Carlo Garofalo e Antonio Ferdinandi, concluindo-
o com Goffredo Petrassi126 em 1954.

A Experiência no Conservatório Santa Cecília mostrou-se bastante dura pa-


ra Morricone. Tornou-se quase um elemento de escândalo que um estudante
de trompete quisesse estudar composição. Nessa ocasião, ainda como aluno
de Petrassi, começou uma vida dupla, no sentido que de dia era um estudan-
te muito sério de composição no Conservatório Santa Cecília e, nas horas
vagas, ou tocava trompete substituindo o pai, ou começava a fazer arranjos
para a nascente indústria discográfica italiana.127

Fiamma Nicolodi comenta sobre o ensino de composição musical na Itália


em torno de Petrassi:

Na terceira década do século 20, o Romantismo, moeda já fora de uso, não


era uma realidade conflitual vista em primeira pessoa, mas uma entidade

Ottorino Respighi, Giuseppe Mulè, Fernando Germani, Dino Asciolla, Luigi Celeghin e Severino Gazzelloni. Os
cursos oferecidos têm duração de 6 a 10 anos e o diploma obtido pode ser considerado equivalente a um diploma
universitário. (HTTP:// www.conservatoriosantacecilia.it).
125
A Orchestra Jazz Constantino Ferri – gravou pela Fono Roma desde meados da década de 1930.
126
Goffredo Petrassi foi também graduado pelo Conservatório Santa Cecília e um grande expoente entre os com-
positores italianos do século 20. Ele é conhecido principalmente pelos seus sete concertos para orquestra, mas
também escreveu para alguns filmes desde o final da década de 1940 ao início da década de 1960.
127
Sergio Miceli. In: Ennio Morricone. Documentário da BBC de Londres, 1995.

115
cultural a ser expressa de forma imediata, sobre os bancos do Conservató-
rio, nas leituras ou nas exercitações domésticas privadas128.

Miceli acrescenta que uma das primeiras conseqüências dessa “dupla vi-
da” se deu na época da formatura no curso de trompete. “Morricone foi aprovado
com uma média bem modesta em virtude de seus lábios estarem em péssimas con-
dições por causa da intensa atividade noturna” (1994:27).
Seus professores desconheciam que ele tocava em orquestras de música
ligeira. Numa delas a de Renzo Ricci, no Teatro Eliseo, ele participou de uma tempo-
rada shakespeareana com Eva Magni. Nesse trabalho foi convidado para escrever
alguns breves interlúdios para trompete e percussão, o que, provavelmente, foi o seu
primeiro trabalho encomendado.
Durante aproximadamente dez anos, após o fim da Segunda Guerra Mun-
dial, Morricone prosseguiu seu desenvolvimento musical precoce em caminhos con-
flitantes. Como qualquer outro compositor jovem de uma família muito humilde, ele
também estava cheio de nobres ideais, querendo provar seu valor através da criação
de música com textos desafiadores. Entre 1946 e 1950, ele escreveu seis lieders
para voz e piano: Distacco I (texto de R. Gnoli); Imitazione (texto de G. Leopardi);
Distacco Il (texto de Gnoli), Oboé Sommerso (texto de S. Quasimodo); Verra La Mor-
te (texto de C. Pavese) e Intimità (texto de O. Dini). Miceli relata que entre essas pe-
ças, Imitazione e Verra La Morte se destacam por seu lirismo ousado e convincente.
“Singelo, mas pragmático, sagaz, porém sincero – estes serão os traços da persona-
lidade que transformarão Morricone no homem e no músico que ele é”.
Durante 1953 e 1954, juntamente com Firmino Sinfonia, Aldo Clementi,
Domenico Guaccero e Boris Porena, ele freqüentou as aulas de composição de
Goffredo Petrassi para as quais compôs uma Sonata para Metais, Tímpano e Piano
(uma das primeiras peças que ele reconhece). No mesmo período, iniciou o contato
com Gorny Kramer e Lelio Luttazzi que lhe pediram para arranjar alguns medleys em

128
NICOLODI, F. “Inizi prestigiosi”. In AA.VV., Petrassi (a cura di E. Restagno). Itália: EdT, Torino, 1986, pp.
68-69. Apud: MICELI, S. Morricone, La musica, Il cinema. Milano: Mucchi Editore, 1994, p.29.

116
estilo americano para um programa de rádio que estavam preparando. Este foi o
primeiro trabalho de Morricone como arranjador que se iniciou clandestinamente.

3.2.1 - Morricone no nascimento da Indústria da Música Popular Italiana


Com a queda de Mussolini e o fim da Segunda Guerra Mundial, no âmbito
dos investimentos americanos ligados ao plano Marshall129, a RCA130 decidiu abrir uma
filial na Itália: nasceu assim a Radio e Televisione Italiana – RTI, uma sociedade
anônima com 90% das ações pertencentes à matriz americana e 10% à cidade do
Vaticano (Istituto per le Opere di Religione ou IOR)131. Em princípio, eram prensados
e comercializados os discos gravados pela matriz americana que, por razões aparen-
temente comerciais, não estava interessada em promover o mercado italiano, ainda
muito pouco consistente. No fim de 1954, a matriz americana da RCA, tendo em vis-
ta o péssimo retorno econômico da sede italiana decidiu fechá-la: o Papa Pio XII in-
tercedeu novamente e decidiu mandar um de seus secretários, Ennio Melis132, nasci-
do em Firenze em 1926, para inspecionar os escritórios e a fábrica, conjuntamente
com o Conde Galeazzi.

129
Denominado inicialmente de Plano de Recuperação Européia (European recovery program), o Plano Marchall
foi um dos planos americanos para auxiliar na reconstrução da Europa depois da Segunda Guerra Mundial.
130
A RCA (Radio Corporation of America) manteve-se por muito tempo como uma das gravadoras mais impor-
tantes dos Estados Unidos. Fundada em 1919 como uma companhia radiofônica, em 1929, entra no mercado
discográfico comprando a Victor Talking Machine Company, uma das mais antigas casas discográficas, fundada
em 1901, e que havia distribuído, entre outros, os discos de Enrico Caruso, tanto como produtora quanto como
distribuidora, lançando em 1931 o primeiro disco em 33 1/3 rotações.
131
Os relatos que envolvem a criação da RTI, em 1949, referem que o católico Frank Marion Folsom tornou-se
presidente da RCA Victor (uma das cinco companhias do complexo da RCA americana) e, num programa de
rádio, relembrando os bombardeios de 19 de julho de 1943 no quartiere romano di San Lorenzo, o próprio Papa
Pio XII solicitou expressamente a instalação de uma fábrica naquele lugar. Foi assim que surgiu a sede na Itália
da RCA, já programada em Milão e em Roma, com os escritórios na via Caccini. A RTI, poucos meses depois de
sua criação, assumiu a denominação de RCA Italiana. Como presidente foi nomeado Enrico Pietro Galeazzi,
engenheiro dependente do Vaticano (homem de confiança do Papa e amigo de Spellman, Cardeal de Nova York),
enquanto que o engenheiro Antonio Giuseppe Biondo foi colocado como homem forte da fábrica: naquele mo-
mento a única fábrica de discos na Itália era de propriedade de La Voce del Padrone e se encontrava em Milão.
132
Melis, ainda muito jovem, julgou o complexo não só merecedor de ser conservado como de ser promovido em
grande estilo, apostando no setor da “música ligeira” em provável expansão nos anos seguintes. A pedido do
próprio Pio XII, a matriz americana substituiu o engenheiro Biondo e o Conde Galeazzi pelo jovem funcionário
da cidade do Vaticano, Melis, que iniciou o trabalho na casa discográfica em novembro de 1955, tornando-se
oficialmente seu secretário em abril de 1956. Junto a Melis foi nomeado Giuseppe Ornato como Amministradore
Delegato e Direttore Generale da RCA Itália.

117
Miceli (1994:173) analisa esse momento, até o início da década de 1960,
como um precedente importante na difusão do estilo swing desembarcado na Itália,
“ao pé da letra”, com o fim dos eventos bélicos e que, por essa razão, a produção
popular italiana perde muito de suas características peculiares domésticas com cono-
tações étnicas, abrindo-se a uma internacionalização de linguagem impensável pou-
cos anos antes, essencialmente por causa do advento do rock.

Se, por um lado, a música ligeira reconfirma a própria função de mero en-
tretenimento, de outro se abre na direção de um “empenho” (efetivo ou pre-
sunçoso) que se identifica particularmente com o fenômeno dos chamados
“autores-cantores” (cantautori), coincidente na fase inicial com o extraordi-
nário sucesso da canção ‘Nel blu dipinto di blu’ de Domenico Modugno.
(MICELI, 1994:173)

As poucas gravações italianas efetuadas nessa época, como, por exem-


plo, as do próprio jovem Domenico Modugno, um dos primeiros artistas da RCA, Nilla
Pizzi, Paolo Bacilieri e de Katyna Ranieri, eram feitas ou em estúdios alugados situa-
dos na via Pola ou no Cinefonico do Cinecittà133.
Desse modo, as primeiras decisões de Ennio Melis foram as de fechar os
escritórios da via Caccini, transferindo tudo para o estabelecimento da via Tiburtina,
e nomear Vincenzo Micocci [grifo nosso] como diretor artístico da RCA. Micocci era
um jovem apaixonado pela música, especialmente o jazz134. Naquele período traba-
lhava numa importante loja de discos e conhecia bem as potencialidades do mercado
italiano tanto em sua estrutura quanto em suas promessas. O primeiro encargo que

133
Cinecittà é um complexo de teatros e estúdios situados na periferia oriental de Roma (cerca de 9 km de distân-
cia) responsável pela maior parte da produção cinematográfica e da TV italiana. Os estúdios foram uma idéia e
realização do regime fascista. As obras começaram em 26 de janeiro de 1936 e somente quinze meses depois, em
28 de abril de 1937, ocorreu a inauguração. Entre 1937 e 1943 foram filmados cerca de trezentos filmes, mos-
trando a vitalidade da produção cinematográfica italiana da época. Em 1940, com a permissão dos ditadores
Franco (espanhol) e Mussolini foi rodado o filme Sin novedad en el Alcázar, recebendo o Prêmio Mussolini.
Depois da Segunda Guerra Mundial a produção retomou lentamente seu ritmo, mas foi nos anos 50 que o Cine-
città estabeleceu-se com um dos estúdios cinematográficos mais importantes do mundo, com as películas norte-
americanas Quo vadis? de Mervyn LeRoy (1949) e Ben Hur de William Wyler (1959). Este boom teve origem na
competitividade econômica dos estúdios romanos, que receberam o título informal de "Hollywood no Tibre". Nos
anos 90 toda a estrutura foi privatizada e profundamente modificada para adaptá-la às novas exigências do mer-
cado das comunicações, como a digitalização.
134
Em 1958 publicou para as edições de Cappelli di Bologna o volume seminal italiano Il Libro del Jazz, escrito
em conjunto com Salvatore Biamonte.

118
lhe passou Melis foi o de organizar, quantificar e aumentar a vendagem de discos.
Micocci decidiu construir novos estúdios de gravações e contratou como arranjado-
res alguns musicistas muito promissores. Um deles era ainda jovem e recém forma-
do no Conservatório Santa Cecília: Ennio Morricone.

No fim dos meus estudos no conservatório estava com Petrassi; era o dia da
entrega do diploma – um diploma belíssimo, devo dizer, ele estava comovido,
e eu também como ele – e fazíamos nossa caminhada costumeira. Petrassi
me disse que não arranjasse um emprego fixo nos próximos dois anos porque
aconteceria alguma coisa de bom para mim dentro desse período. Eu fiz o
que me pediu, passaram-se dois anos sem que eu pudesse ganhar nada. Es-
crevi o Concerto per Orchestra que me rendeu, então, 60.000 liras de direitos
autorais. Em suma, eu não poderia continuar dessa forma. Então procurei
um velho conhecido, Enzo Micocci [grifo nosso], que era diretor artístico na
RCA e lhe disse: ‘Tenho de trabalhar... ’ Eu já tinha feito alguns arranjos e
então comecei a produzi-los para os discos, de forma clandestina [utilizando
pseudônimos135], tentando me manter anônimo, em não ser notado. A clan-
destinidade não pode ser mantida por muito tempo e depois de alguns anos
foi descoberta: os diretores me reconheceram. Trabalhei para a televisão,
para o rádio e, finalmente, me chamaram para o cinema. De Petrassi, não
soube mais nada. Ainda me pergunto que coisa quis dizer com aqueles dois
anos136. (Ennio Morricone)

Morricone estava muito preocupado com sua situação profissional e a evo-


lução da própria carreira como músico, suas peças não atingiam qualquer repercus-
são satisfatória, muito menos em termos econômicos. Notavelmente, sua grande re-
ferência, o professor Goffredo Petrassi, padecia dos mesmos problemas: mesmo
como um compositor de enorme renome e penetração acadêmica, era praticamente
desconhecido do público. Dessa forma, Morricone decidiu aceitar trabalhos alternati-
vos como arranjador em rádio e televisão de modo a poder sustentar sua recém for-
mada família (ele se casou em 1956 com Maria Travia e o casal teve o primeiro filho,
Marco Morricone, no ano seguinte).

135
Os pseudônimos utilizados por Ennio Morricone, que serão utilizados posteriormente também no cinema,
foram Leo Nichols e Dan Savio.
136
MICELI, S. Musica e Cinema nella cultura del ‘900. Firenze: Sansoni. 2000, p. 467.

119
Eu tocava trompete e muitos me elogiavam só porque eu estudava composi-
ção no Conservatório. Carlo Savina137, o diretor [regente] da orquestra da
Rai B, precisava de arranjadores e seu contrabaixista, eu acho que se cha-
mava Marchesini, sem saber nada sobre mim, disse a Savina: "Morricone é
excelente". Savina me chamou e, em seguida, Luttazzi138 e Kramer139. Mais
tarde [1960] a RCA me chamou para um primeiro álbum, "Il barattolo" de
[Gianni] Meccia, que então vendeu 300 mil cópias. Foi uma experiência:..
Eu apenas adicionei os sons de umas latas.

No seio do mundo discográfico italiano que estava para “explodir”, conjun-


tamente com a difusão do toca-fitas, Morricone procurou entender e se adequar a
estilos populares promissores.

Fora do Conservatório aprendi outras coisas importantes que as escolas não


ensinam: aprendi técnicas de arranjo e a compor música com um bom efeito
teatral. E devo ter aprendido bem, pois, poucos anos depois, fui convidado
pela RAI para fazer arranjos para orquestras de rádio e, mais tarde, traba-
lhar para a televisão. Comecei a trabalhar no cinema somente depois de ter
adquirido alguma notoriedade nos círculos mencionados.

Miceli (1995:174) acrescenta que, favorecido pela difusão do disco de “mi-


cro-sulcos” de 45 rotações, é esse, em suma, o período de transição da música ligei-
ra à música de consumo, “no qual o produto se diversifica de acordo com as faces
dos ouvintes que o consomem e num contexto de planificação produtiva oculta”.

É nesta fase de profunda transformação que se insere a figura do músico ar-


ranjador, em geral um profissional de bases práticas e teóricas sólidas,
constrito a colaborar com uma multidão variada de pretensos “autores”,
mas, em realidade, salvo raras exceções, de semi-analfabetos musicais, nos

137
Carlo Savina (Torino, 29 de agosto de 1919 – Roma, 21 de junho de 2002) foi um musicista itliano, composi-
tor e regente de orquestras. Nos primeiros anos da década de 1950 iniciou seu trabalho como regente da orquestra
da RAI. A partir de de 1953 participou como regente das primeiras transmissões experimentais da televisão itali-
ana em programas ‘ao vivo’ de variedades. Com freqüência esses programas eram adaptados e transpostos do
rádio para a televisão como, por exemplo, Rosso e Nero e Nati per La musica. Desde a década de 1950 Savina
compôs também música de cinema. No espaço de 30 anos serão cerca de 200 os filmes que realizara a música,
passando a história como um dos mais prolíficos e, ao mesmo tempo, menos valorizados dos compositores italia-
nos para a tela. In: http://it.wikipedia.org/wiki/Carlo_Savina, último acesso em 02 de outubro de 2010.
138
Lelio Luttazzi (Trieste, 27 de abril de 1923 – Trieste, 8 de julho de 2010) foi um musicista, compositor, cantor,
regente de orquestra, ator e apresentador de televisão italiano. In: http://it.wikipedia.org/wiki/Lelio_Luttazzi,
último acesso em 2 de outubro de 2010.
139
Francesco Kramer Gorni, conhecido como Gorni Kramer (Rivarolo Mantovano, 22 de julho de 1913 – Milano,
26 de outubro de 1995), foi um musicista, compositor, regente de orquestra, acordeonista, contrabaxista, produtor
discográfico, arranjador e autor televisivo italiano. In: http://it.wikipedia.org/wiki/Gorni_Kramer, último acesso
em 02 de outtubro de 2010.

120
quais deverá desenvolver e valorizar as modestíssimas intuições, contribuin-
do de maneira substancial a consolidar-lhes o estilo e a imagem.

Smith (1998) confirma as informações:

[...] Morricone depurou suas habilidades orquestrais como arranjador para


a rádio e televisão italiana. De forma a poder sustentar-se, ele mudou para a
RCA Itália no início dos anos sessenta e entrou para a linha de frente da in-
dústria de gravação italiana. Como um grande arranjador de estúdio, Mor-
ricone arranjou mais de quinhentas canções e trabalhou com artistas da in-
dústria de gravação como Mario Lanza, Paul Anka e Chet Baker. Durante
esse período, Morricone desenvolveu uma grande intimidade com um grande
número de idiomas pop, incluindo rock, jazz e canções napolitanas de
amor140.

Um contratempo muito citado sobre a inserção e adequação de Morricone


ao mercado da música pop italiano se deu pouco antes do início de seu trabalho na
RCA. Em 1958, Morricone aceitou trabalhar na RAI141 (Radio Audiozioni Italia), não
como maestro, mas como assistente musical, um empregado burocrático que tinha,
entre outras, a função de relacionar as músicas de um documentário ou de um de-
terminado programa em planilhas.

No primeiro dia de trabalho fui chamado pelo diretor do centro da via Teu-
lada, o maestro Pizzini, que já me conhecia pelo meu trabalho com orques-
tras de rádio. Ele teceu elogios pelo colorido que eu conseguia nos meus ar-
ranjos, mas, fez questão de recordar, imediatamente depois, que eu, agora,
era um empregado de segunda categoria e que as minhas composições, de
câmera ou sinfônicas, não seriam nunca transmitidas pela corporação por-
que havia um regulamento interno que não permitia aos contratados. (Uma
disposição de Filiberto Guala, o honesto diretor geral naquela época que
iria, em seguida, padecer como religioso na África). Fiquei sem ação, mas
disse ao maestro que tinha estudado muitos anos para terminar dessa forma.
Ele foi muito generoso, e quase compreensivo, procurando me fazer entender
que se eu agisse assim estava renunciando a um lugar seguro por toda minha
vida. Questão de opinião. Quando voltei para a escrivaninha em que tinham
me acomodado fui, por telefone, encarregado de procurar no arquivo RAI o
nome dos editores musicais de todas as canções apresentadas aos sábados

140
SMITH, J. The Sounds of Commerce: Marketing Popular Film Music. New York: Columbia University Press,
1998, p. 133. In: LEINBERGER, C. (2004). Ennio Morricone’s The Good, the Bad and the Ugly: A Film Score
Guide. Oxford: The Scarecrow Press, Inc., p. 3.
141
RAI ou Radiotelevisione Italiana é uma empresa estatal italiana de televisão e rádio. RAI é um acrônimo para
Radio Audiozioni Italia. Seu primeiro nome foi EIAR (Ente Italiano Audizioni Radiofoniche) e ocupava-se ape-
nas de transmissões radiofônicas, até que em 3 de janeiro de 1954 a RAI TV começou a emitir sinais televisivos
em escala nacional.

121
no programa musical mítico Musichiere. Foi então que atirei o telefone con-
tra a parede e fui embora. Mesmo assim me pagaram por 15 dias142.

Na perspectiva de Miceli esse período de transição da indústria cultural


italiana não possui ainda uma ruptura radical no plano da linguagem musical, que,
com as devidas adaptações, ficou circunscrita no âmbito de uma previsibilidade de
esquemas que lhes foram próprios. Acrescenta que nas recentes tentativas de afron-
tar o período em termos historiográficos, o fenômeno da música ligeira se reduz, na
maioria das vezes, a uma crônica de costume e um comentário dos textos.

Por outro lado, existem numerosos elementos para crer, através de uma óti-
ca sócio-musical, que o radicalismo nascido no âmbito culto da década de
1950 e desenvolvido na década seguinte, tenha contribuído em alguma medi-
da para criar e reforçar uma multidão de órfãos da música séria. Aqui é alu-
dido um ampla faixa de público compreendida na categoria adorniana – en-
tre o “ouvinte emotivo” e “aquele que escuta a música por passatempo” – e
levada tendencialmente a um repertório clássico-ligeiro bem individuado por
algumas casas discográficas, que encontrarão motivos de consolação, ao
menos parcial, ouvindo cantores-autores mais “empenhados” em certas mú-
sicas de filmes, de modo especial as de Ninno Rota e, mais tarde, de Morri-
cone. (MICELI, 1994:175)

3.2.2 - Darmstadt: 1958


Depois de abandonar o seu único dia de trabalho na RAI, Morricone apro-
veitou seu forçado “descanso” para viajar a Darmstadt, onde assistiu ao seminário
ministrado por John Cage (1912–1992).
Três foram os eventos daquele setembro de 1958 destinados a deixar um
sinal nas experiências de Morricone, o encontro com as músicas de: Cage (presente
pela primeira vez no curso de férias, aonde retornaria somente 32 anos depois), a
primeira execução de Cori di Didone de Luigi Nono (1924 – 1990) e Musica su due
dimensioni de Bruno Maderna (1920 – 1973).

Pode-se dizer que Morricone encontrou formulado e em grande parte resol-


vido, [pelo menos] aos seus olhos, em forma de contraste dialético, um dos
nós inextricáveis que o acompanhava desde o seu exórdio: a relação aparen-

142
MINÀ, G. (2004) Entrevista. La musica secondo… Ennio Morricone. Internet: http:/
/www.andreaconti.it/morricon.html. Último acesso em 04/06/2006.

122
temente irreconciliável entre rigor formal e expressão, entre experimentalis-
mo e vontade de comunicar, entre abstração e conteúdo; pares de opostos
que podem parecer diferentes e arbitrários quando não se tem presente a
natureza do debate que foi aberto em Darmstadt desde o início dos anos 50
até então. (MICELI, 2004:36)

O seminário e o íntimo contato com os ideais da vanguarda produziram


profundas inquietações em seu pensamento com conseqüências importantes em sua
atuação como compositor de trilhas musicais no cinema. As inquietações ligaram-se,
por exemplo, à utilização do silêncio como expressão musical e na valorização e uti-
lização do ruído também como sonoridade musical, tanto incorporado em músicas
mais tradicionais quanto isolados.

Um som, qualquer som de nossa vida, de nosso dia a dia normal – isolado de
seu contexto, de seu lugar natural e pelo silêncio – torna-se alguma coisa di-
ferente que não é parte de sua natureza real143.

Esse pensamento será lapidado em sua parceria com Sergio Leone que,
segundo Morricone, “já possuía essas inquietações em seu sangue” (in FRAYLING,
2005:97) e em suas idéias sobre a utilização expressiva do ruído e do silêncio na
linguagem cinematográfica.

Tudo parecia me confirmar a estrada na qual me encaminhava, os motivos


relativos de interesse, eram justos, eram os meus; compreendi que não pode-
ria mais escrever duas notas sem que elas contivessem alguma resposta às
minhas indagações: porque essa nota? Porque iniciar assim? [...] Desde en-
tão os materiais do meu trabalho seriam sempre escolhidos e utilizados
muito mediadamente. Isso conformou tanto toda minha atividade que posso
dizer que se tornou o meu modo de pensar, pois, refletiu-se sobre toda a mi-
nha atividade, também atual. E também se hoje não falo mais de materiais e
de estruturas, porque sobre eles ainda tenho muitos tipos de dúvidas, insisto
em exigir de mim mesmo que um trabalho tenha um fundamento – formal ou
não-formal tem pouca importância – convicto na consciência de que para le-
gitimá-lo seja uma idéia verdadeira, precisa. Estes pressupostos imprescin-
díveis – abstratos o menos que possam ser – devem responder por uma pró-
pria – que me perdoem a blasfêmia – capacidade expressiva. Um dado que
eu retenho hoje – depois de tantos anos – absolutamente necessário: a socie-
dade deve voltar a escutar os compositores, consciente que eles trabalharam,

143
Ennio Morricone in: FRAYLING, C. Once Upon a Time in Italy: The Westerns of Sergio Leone. New York:
Harry N. Abrams, 2005, pp. 96-97.

123
escreveram pensando em uma música que deva ser escutada. (MORRICO-
NE144)

3.3 - INFLUÊNCIAS DE UM PROFISSIONAL ECLÉTICO E SINCRÉTICO NA MÚSICA DE


CINEMA

No período de 1954 a 1959, Morricone escreveu uma série de peças or-


questrais e de câmara: Música para Cordas e Piano (1954); Invenzione, Canone e
Ricercare para Piano; Sestetto para flauta, oboé, fagote, violino, viola e violoncelo
(1955); Dodici Variazioni para oboé d'amore violoncelo e piano, Trio para trompa,
clarineta e violoncelo; Variazioni su un Tema di Frescobaldi (1956); Quattro Pezzi per
chitarra (1957); Distanze para violino, violoncelo e piano; Musica por undici Violini;
Tre Studi para clarinete, flauta e fagote (1958), e o Concerto per orquestra (1957,
dedicado à Petrassi). Miceli comenta que as obras escritas nesse período revelam o
mesmo ecletismo de seus trabalhos futuros tanto como arranjador da indústria disco-
gráfica italiana como o de compositor de cinema (1994:41-63).
Entre o fim dos anos 50 e a década seguinte, Morricone colaborou pelo
menos com uma dezena de espetáculos de revista, esta última em boa parte teatral,
mas também televisiva (de 1955 iniciou também a escrever ou arranjar música para
filmes assinadas por outros compositores), entre os quais: La pappa reale de Félicien
Marceau, com a direção de Luciano Salce (1958); Il Lieto fine, com o mesmo Salce
como autor (1959); Enrico 61 de Garinei e Giovannini, com Renato Rascel e Rinaldo
in campo, Garinei e Giovannini, com Domenico Modugno e Delia Scala (1961); Ras-
celinaria, Garinei e Giovannini; La Fidanzata Del bersagliere de Edoardo Anton e,
para a televisão, I drammi Marini di O’Neil (1962); Tommaso d’Amalfi de Eduardo De
Filippo (1963), com Domenico Modugno, Franco Franchi e Ciccio Ingrassia.

Nesse mesmo período, existe um incremento notável da sua presença no que


está por tornar-se o espetáculo popular por excelência, o show de varieda-
des televisivas. Também nesse caso bastará citar os títulos mais importantes
e os que me foi possível rever ou, na pior das hipóteses, verificar os dados
principais. Inicia-se com Piccolo concerto de Vittorio Zivelli e Enzo Trapani

144
PADRONI, U., apud: MICELI, S. 1994, op. cit., pp. 37-38.

124
de 1960 e com Gente Che va, gente Che viene com a direção de Trapani; no
ano sucessivo debuta numa transmissão histórica para a televisão italiana,
Studio 1, que se firmará com um crescente sucesso até 1967, auxiliada em
1964 pela Biblioteca di Studio 1, da qual anota Aldo Grasso: “É o primeiro
kolossal-variedade da televisão. As cifras falam claro: 160 atores e cantores,
1500 figurantes, cerca de 400 motivos musicais, 150 ambientações cenográ-
ficas ... para 8 obras literárias traduzidas em música ligeira, Il conte di mon-
tecristo, I tre moschettieri, Via col vento, Il Hotel e L’Odissea. Os autores
são Antonello Falqui, Dino Verde e o Quarteto Cetra, ou seja Tata Giacobet-
ti, Virgilio Savona, Lucia Mannucci, Felice Chiusano, que são também os
irônicos, garbosos e espirituosos protagonistas destas famosas paródias”.
Em 1962 é a vez de Alta pressione de Francesco Luzi e Massimo Ventriglia,
no qual debutam Gianni Morandi e Rita Pavone, e em 1965 Aria condiziona-
ta de Maurizio Costanzo e Ghigo De Chiara. (MICELI, 1994:71-73)

Toda a pressão do trabalho composicional em outras frentes gerou um


grande hiato em suas composições de “música absoluta”. As contingências e conse-
qüentes influências, fruto dessas atuações na música popular italiana do final da dé-
cada de 1950 e início da década de 1960, será proeminente em muitas das trilhas
sonoras musicais de Ennio Morricone. Sua relação com o “negozio” da música popu-
lar italiana nutriu sua familiaridade com as tendências populares européias da época.
O exercício repetido de organizar centenas de peças de 2 a 3 minutos – como se
cada uma delas contasse sua própria história –, criando atmosferas que objetivavam
capturar tipos de sonoridades musicais que, simultaneamente, apresentassem uma
espécie de assinatura autoral e pudessem fazer o público correr para as lojas de dis-
cos, foi determinante no pensamento musical de Morricone. Essas primeiras experi-
ências apresentam características que explicam parcialmente o impacto que algumas
de suas trilhas sonoras musicais para o cinema terão sobre o público, poucos anos
depois. Sua maneira de compor para filmes populares refletem claramente alguns
resultados desses anos em que Morricone passou criando e/ou organizando alguns
dos grandes sucessos musicais populares da Itália, no início dos anos sessenta. Ob-
viamente, a atividade do arranjador das músicas de shows de variedades e a de
compositor de música para filmes são diferentes em suas concepções, restrições e
condicionamentos. No entanto, Morricone inclui em algumas de suas partituras para
o cinema soluções musicais análogas as que já havia experimentado e desenvolvido
durante esses anos de intensa atividade como arranjador.

125
Miceli confirma que esses 20 anos, situados entre as décadas de 1960 e
1980, formam o período que melhor caracteriza e resume a complexidade das expe-
riências e do pensamento musical de Ennio Morricone, pois, “é o que lança e depois
consolida as bases de sua identidade profissional – em parte voluntariamente, em
parte à revelia – às atenções de setores musicais bem diversificados em relação ao
grande público”.

Se fosse lícito reler a parábola criativa de um autor como conseqüência de


condicionamentos superiores e convergências – a tradicional separação en-
tre gênero culto e gênero popular, entre clássico e ligeiro, que assumindo
novas conotações cria os pressupostos para a contaminação atual –, os pri-
meiros anos da década de 1960 poderiam ser descritos através desses dois
fenômenos diametralmente opostos, especulares e, de certa forma, como re-
flexo indireto um do outro (MICELI, 1994:173).

Todas essas características eminentemente populares somada a sua for-


mação “clássica”, a proficiência com a escrita e a regência orquestral e coral, seu
instinto nato de pesquisador e a experiência com as tendências musicais de van-
guarda, possibilitaram a Morricone criar trilhas musicais cinematográficas que não
foram somente efetivas como componentes dos filmes, mas, tinham também o po-
tencial de serem sucessos comerciais como obras gravadas independentes. Com 32
anos, ele tinha os meios e teve a oportunidade de aventurar-se no reino da composi-
ção de música para filmes de uma forma que muito poucos compositores poderiam
fazer – um reino experimental que se tornaria uma grande parte do seu legado.

3.3.1 - Estilo “contaminado”


Sweeting (2001) observa que mesmo que Morricone seja conhecido como
um compositor de música para filmes outras características de seu pensamento mu-
sical estão sempre presentes:

Pergunte-lhe sobre suas raízes musicais e ele prontamente lista algumas das
personalidades mais intransigentes da música do século 20, incluindo
Boulez, Stockhousen, Luciano Berio e Luigi Nono. Não que tenha terrificado

126
seus ouvintes com atrocidades atonais. É mais no sentido de absorção e evo-
lução145.

Leinberger (2004: 8) comenta que parte da obra musical de cinema de


Morricone pode possuir algumas características modernas e dissonantes, mas ainda
é propositadamente tonal ou modal e também muito melódica, o que a torna acessí-
vel à média da audiência tanto de músicas quanto de filmes. Porém, também se
apresentam no seu trabalho, para além de sua superfície melódica, alguns elemen-
tos estruturais com características modernas assimilados por Morricone, como, por
exemplo, instâncias da musique concrète e sugestões de ambigüidade tonal. Isso
quer dizer que mesmo que contingentemente tenha também sido influenciado pelo
trabalho na indústria da música popular italiana, Morricone foi capaz de reter muitas
influências de sua formação clássica e moderna.

Morricone desenvolveu dois lados distintos para sua personalidade musical:


um deles levou-o a abraçar o serialismo (e.g., em Distanze e Musica per 11
violini, 1958) e um trabalho experimental de improvisação com o grupo No-
va Consonanza (a partir de 1965); o outro lhe deu um papel preponderante,
principalmente como arranjador, em todos os tipos de música popular de
massa, incluindo canções para o rádio, peças para rádio e televisão e o pri-
meiro sucesso com um show de variedades para televisão. Naqueles primei-
ros dias da indústria de gravação sua contribuição inovadora teve papel de-
cisivo no sucesso dos primeiros cantores-compositores de canções (“cantau-
tori”), incluindo Gianni Morandi e Gino Paoli146.

Leinberger (2004:9) acrescenta que esses dois lados de sua personalida-


de coexistiram perfeitamente e não existe dúvida que incrementaram um ao outro.
Afirma que mesmo com o fato de Morricone ser mais conhecido pelo lado de seu su-
cesso comercial, e que provavelmente continuará dessa forma, o lado vanguardista
dessa dualidade, incluindo serialismo, minimalismo e outros “ismos” do século 20,
não deve ser desprezado, já que a utilização desses elementos modernos da sua
contemporaneidade também contribuiu no sentido de tornar as suas composições
únicas.

145
SWEETING, A. (2001) “Mozart of Film Music”. The Guardian, Manchester, 23/02/2001. In: LEINBERGER,
C., op. cit., p.8.
146
MICELI, S. Verbete: Ennio Morricone. In: SADIE, S. (2001) The New Grove Dictionary of Music and Musi-
cians. London: Macmillan Publishers Limited, p. 145.

127
Os trabalhos não fílmicos de Morricone formam uma ampla e gradativamen-
te mais executada parte de sua obra. Muitos deles utilizam sua técnica de
“micro-células”, uma abordagem pseudo-serial freqüentemente incorporan-
do alusões tonais e modais que, com sua extrema redução de materiais com-
posicionais, tem muito em comum com suas técnicas de música para filmes.
Sua temporada de música para concerto mais frutífera começou com o
Second Concerto for Flute, Cello e Orchestra (1985, do qual a Cadenza for
flute and Tape de 1988 é derivado) e continuou com Riflessi (1989-90), três
peças para cello que representam, talvez, o ponto mais alto de sua produção
de câmara, alcançando um alto grau de tensão lírica147.

A música de concerto de Morricone é cada vez mais executada e conheci-


da na Europa e, por isso, sua popularidade continua crescendo. Mas, ao mesmo
tempo, revela um dos aspectos mais problemáticos de serem abordados em sua lon-
ga carreira: o de reconhecimento como compositor de “música absoluta”. É realmen-
te um grande pesar para Ennio Morricone que sua música de concerto seja quase
que completamente desconhecida fora da Europa, principalmente por utilizar as
mesmas técnicas empregadas em suas músicas para cinema. Morricone comenta
esse fato a Joe Gore da revista Guitar Player em 1997148:

Em meu trabalho para o cinema nunca esqueci minha origem clássica como
compositor de concertos e, ainda hoje, permaneço um compositor de concer-
tos. Grande parte de minha obra é hoje executada aqui na Europa, mas, infe-
lizmente, não nos Estados Unidos.

3.3.2 - Canções e Trilhas Musicais


Duas atividades marcam o início da década de 1960, por um lado, e cer-
tamente o que mais frutificou, o começo de seu longo e profícuo trabalho em trilhas
musicais para o cinema, e, por outro, o aumento vertiginoso e a consagração de
seus trabalhos como arranjador para a RCA.
Não se pode ignorar o mérito de Morricone em transformar, como arranja-
dor ou compositor, canções, algumas delas datadas e banais, em grandes sucessos
comerciais:

147
Idem, p. 146.
148
GORE, J. (1997). “The Good, the Great, and the Godly: Ennio Morricone’s Miraculous Soundscapes,”
traduzido por Albert Balesh, Guitar Player, April 1997, p.59. In: LEINBERGER, C. op. cit. p.9.

128
Procurava sempre enriquecer uma canção, fosse bela ou modesta (porque
muitas funcionavam, mas, eram medíocres). Queria dar à peça uma estrutu-
ra musical autônoma, que pudesse fascinar mesmo que sozinha, e, não obs-
tante, possuísse, com freqüência, uma melodia muito pobre. Procurei, em
suma, não refugiar-me num trabalho padronizado e passivo. [Lembro] no
início [1961], por exemplo, uma das tentativas encontradas que funcionou
no arranjo de uma canção napolitana, Voce’e notte para Miranda Martino,
foi a idéia de acompanhá-la como o Chiaro di luna [sonata ao luar] de
Beethoven149.

Outro exemplo pode ser encontrado em Chico Buarque:

Cheguei a utilizar uma série dodecafônica em uma canção de Chico Buarque


de Hollanda, o grande compositor brasileiro que então estava exilado na Itá-
lia por causa da ditadura em seu país150.

Numa época em que a profissão de arranjador não era levada em consi-


deração nos meios da “música culta”, Morricone trabalhou muito e com muitas pes-
soas, colaborando para que se tornassem ou se firmassem definitivamente como os
principais cantores e cantoras italianas, como, por exemplo, Mina ("Se Telefonando"),
Gianni Morandi (“Se non Avessi Piu Te”), Gino Paoli ("Sapore di Sale"), entre outros.

Acredito que meu sucesso seja precisamente pela minha origem humilde.
Naqueles anos tive de trabalhar com ‘cançonetas’, o que, às vezes, me en-
vergonhava, tentando transformá-las em alguma coisa diferente, inserindo,
por exemplo, citações de peças clássicas ou padrões seriais dodecafônicos.
Era uma forma de elevar aquele tipo de música. E isso, provavelmente, pro-
porcionou aos meus trabalhos menores daquele tempo certas características
inesperadas, que alguns consideraram não desagradáveis, e que colabora-
ram para que eu fosse apreciado e aceito. Devo confessar que característi-
cas desse tipo tinham quase um sentido de vingança sobre o que eu conside-
rava uma profissão secundária – ou mesmo um pouco deprimente. (Ennio
Morricone151)

O trabalho como arranjador também possibilitou, posteriormente, que vá-


rios de seus temas para cinema fossem gravados e transformados em canções de
sucesso popular por artistas como Paul Anka, Françoise Hardy, Charles Aznavour,

149
MORRICONE, E. “Un compositore dietro la macchina da presa”. Enciclopedia della musica I. Il Novecento.
Organizada por Jean-Jacques Nattiez. Torino: Giulio Einaudi editore, 2001, p.95.
150
Idem. Provavelmente, Morricone está se referindo à faixa “Lei no, lei sta ballando” do disco Per un pugno di
Samba uma versão para o italiano de Chico Buarque da música “Ela Desatinou”. O disco foi lançado na Itália em
1970 com todos os arranjos de Ennio Morricone.
151
Ibidem.

129
Sergio Endrigo, Georges Moustaki, Scott Walker, Astrud Gilberto, entre outros. Des-
se modo, o nome do arranjador Morricone, no início mantido no anonimato e em se-
gredo, transformou-se em sinônimo de grande êxito.

Alguns dizem que Morricone é o pai do arranjo moderno e eu estou perfei-


tamente de acordo no sentido de que ele revolucionou literalmente o conceito
de arranjo. (MICELIi152)

152
Sergio Miceli. In: Ennio Morricone. Documentário da BBC de Londres, 1995.

130
3.4 - A DÉCADA DE 1960: AS PRIMEIRAS TRILHAS MUSICAIS CINEMATOGRÁFI-
CAS

Dito sem meio termo, se algum diletante está por adentrar no território do especia-
lismo musical cinematográfico – um fenômeno preocupante de migração da música
ligeira ao cinema, destinado infelizmente a reforçar-se, pelo menos na Itália, no mer-
cado discográfico –, os endereços do cinema dos primeiros anos da década de 1960
já são suficientes para mostrar como não é mais o tempo dos Cicognini, dos Lavag-
nino, dos Nascimbene: compositores bem dotados de várias formas, mas, todos mais
ou menos estranhos à evolução lingüística e cultural da música da segunda e também
da primeira metade do século 20 – para além de uma apropriação superficial –, e
como tais valorizados exclusivamente segundo uma ótica cinematográfica (MICELI,
1994:176)

No final da década de 1950, Morricone tinha alguma idéia do que signifi-


cava compor para o cinema. Ele já havia tocado trompete em várias gravações com
orquestras de cinema e, portanto, experimentado a idéia de sincronização da música
nos filmes. Ao mesmo tempo, observou que muitas dessas composições que gravou
não eram boas e acreditava firmemente que pudesse escrevê-las melhor.

Depois da guerra, a indústria de filmes era muito forte aqui na Itália, e o


neo-realismo no cinema italiano era realmente maravilhoso, porém esses
filmes neo-realistas não tinham uma grande música. Eu precisava de dinhei-
ro e achei que seria uma coisa boa escrever para filmes. (MORRICONE153)

Na abordagem de Miceli as músicas do cinema italiano, até esse momento


e com raras exceções, estariam mais voltadas para mostrar a ocasionalidade de um
momento fértil de encontro entre um certo modo de escrever música e um certo mo-
do de fazer cinema:

E eis Giovanni Fusco, compositor entre os mais confiáveis de sua geração –


junto a Enzo Masetti –, embora supervalorizado, provavelmente por causa
da prestigiosa colaboração com Antonioni e pela disponibilidade com dire-
tores emergentes como Damiani, Maselli, os Taviani; eis o franco Carlo Rus-
tichelli, que representa uma categoria feliz de per se, quase o epílogo de uma
tradição popular já sem futuro. (MICELI, 1994:176)

Portanto, em sua ótica, também vão se abrindo espaços para poucos per-
sonagens emergentes, dotados de maior curiosidade e elasticidade – “entre os quais

153
SWEETING, A. Entrevista: The Guardian. Mozart of Film Music. 23/02/2001. Internet: http:/
/film.guardian.co.uk/interview/interviewpages/0,,441512,00.html. Último acesso em 25/01/2006.

131
Trovajoli e Piccioni, onde o segundo mostrará a rara e apreciável tendência ao con-
trole dos meios expressivos especialmente nos numerosos filmes de Francesco Ro-
si” –, é Ninno Rota e, pouco depois, Ennio Morricone que se revelam muito acima da
média e, em seguida, capazes, em suas profundas diversidades, de cobrir boa parte
das exigências provenientes da produção cinematográfica nacional e, mais tarde,
internacional.

Pode-se pensar que, paradoxalmente, o que une os dois mestres incontestá-


veis da composição aplicada ao cinema do pós-guerra, e que pode explicar
em parte as suas supremacias, reside na relação mantida com a formação e
com a atividade composicional extracinematografica. Fosse por se tratar de
um forma singular de anacronismo estilístico, aparentemente não problemá-
tico (que escondia, em realidade, um conhecimento profundo da música do
século 20), ou, ao invés, que nascesse de uma separação limpa e conflitual,
em ambos esteve presente uma consciência musical habilíssima na aplicação
circunstancial, na obtenção de uma valência funcional, mas, que quase nun-
ca esqueceu da substancial unidade que caracteriza, mesmo que de modo la-
tente, a produção de qualquer compositor de respeito. (MICELI, 1994:177)

Em 1958, Ennio Morricone conheceu o diretor Luciano Salce154 (1922 –


1989) quando trabalharam na produção televisiva Le canzoni di tutti e em algumas
produções teatrais posteriores: La pappa reale de Félicien Marceau e Il lieto fine do
próprio Salce.

Os primeiros encorajamentos no campo do cinema vieram de Luciano Salce,


com quem colaborei em seu primeiro filme italiano de 1961: IL FEDERALE
(‘THE FACIST’). Tinha pouco mais de 30 anos, mas, já tinha uma longa car-
reira pública. De fato, o convite foi feito devido a Salce ter tido a oportuni-
dade de apreciar minha música em duas comédias de teatro, uma de Marce-
au e outra dele mesmo. (MORRICONE, 2007:46)

Em 1960, Salce convidou Morricone para compor a trilha sonora musical


do filme Le Pillole di Ercole. A trilha chegou a ser gravada no estúdio Salsomaggiore.
Porém, o produtor do filme, Dino De Laurentis, nunca havia ouvido falar de Morrico-
ne, e não permitiu arriscar a produção do filme com “um compositor jovem e ainda
sem experiência” , ou seja, o que seria sua primeira trilha musical para filmes foi, já
155

154
http://www.ilrecensore.com/wp2/2009/12/scoprendo-mio-padre-parlano-salce-e-pergolari/
155
Morricone: cinema e oltre, p.46.

132
na primeira vez, rejeitada pelo produtor do filme. Quando perguntado sobre que fim
levou sua primeira trilha Morricone responde: “Quem se recorda? Não recebi nem
mesmo o pagamento” (2007:46).
Morricone experimentou, portanto, na sua estréia oficial frustrada como
compositor de música de cinema, exigências de uma postura profissional que incluia
gerenciar fatores condicionantes que extrapolavam o âmbito puramente artesanal da
composição musical. Sem ainda ter adentrado consistentemente na composição de
música para filmes, mas, tendo já oferecido, durante 10 anos, diversas demonstra-
ções das próprias potencialidades, muitas reconhecidamente incomuns no âmbito da
indústria discográfica. Com sua criatividade e ecletismo Morricone constituiu um tipo
de marca, uma marca que conduzia, na perspectiva do mercado cultural, a “exces-
sos” que tanto poderiam contribuir para um grande sucesso quanto para um grande
fracasso. Miceli confirma:

Como prova da existência, já, de um tipo de “marca Morricone” e dos ex-


cessos aos quais poderiam conduzir, bastará dizer que Dario Sabatello, pro-
dutor do filme OK CONNERY (1967), insere no contrato de colaboração ofe-
recido ao compositor a seguinte cláusula: “As músicas devem ser belas, in-
ternacionais e de sucesso seguro”. (MICELI,1994:92)

Para Miceli, mesmo com as contingências e condicionamentos inevitáveis,


não parece ser possível sustentar que Morricone tenha intuído ou calculado anteci-
padamente, “com instinto monstruoso e boa dose de cinismo, a soma das transfor-
mações de seus atos, endereçando, como conseqüência, as próprias escolhas”:

Poder-se-ia falar, então, de uma singular série de coincidências que teriam


levado o homem “certo” – culto em um ponto específico de sua evolução /
involução – no lugar “certo” e no tempo “certo”: constatação fatalística
quanto genérica (também se a co-presença dos três fatores é indispensável
para que aconteça qualquer coisa de relevante) e, portanto, insatisfatória.
Apoiando-se, ao invés, em dados objetivos, pode-se notar que, de 1959 a
1969, ele não produz novos trabalhos destinados exclusivamente às salas de
concerto: um sintoma de grande relevo em um musicista da sua formação,
que num primeiro nível de análise pode ser interpretado como um sinal de
total absorção em outras atividades. (MICELI, 1994:176)

133
Em 19
961, um no
ovo convite do próprio Luciano Sa
alce para q
que fizesse a tri-
lha musical
m de IlI Federale (The Fasc
cist)156, conssiderado a primeira trrilha musical ci-
nema
atográfica de Morricone. O filme é uma com
média que cconta as co
onfusões do
o tra-
jeto de um solda
ado fascista
a, Arcovazz
zi (Ugo Tog
gnazzi), inccumbido de
e prender e con-
duzir um filósofo
o comunista
a e antifascista, Bonafe
fe (Georgess Wilson) pa
ara o quarttel de
Roma
a, sem sabe
er que, em sua ausên
ncia, a capi tal já fôra llibertada da
a ocupação
o ale-
mã.

Figura 3 – Tema
T de Il Federrale - 1964

A trilh
ha musical do
d filme, de
e forma ge ral, atua ta
anto em nívveis expressivos
quantto ambienta
ais, na maioria das vezes
v harm
monizando e algumas contrapon
ndo a
alternância da atmosfera das cenas que
q oscilam
m entre, porr um lado, a zanga e o au-
toritarrismo de Arcovazzi
A e,, por outro, o tom irô
ônico e aleg
gre de Bon
nafe. A idéia de
contra
apor a atmosfera de algumas
a ce
enas ocorre
e principalm
mente sobrre alguns d
diálo-
gos entre Bonafe
e e Arcovazzi. Morrico
one utiliza o Tema de Bonafe, um
m leitmotiv qua-
se místico, visiv
velmente com conota
ações religi osas, pré-a
anunciando
o uma de suas
características mais
m importtantes: a iro
onia. Mas, o elemento
o dominantte na totalidade
da trilha é o refforço da prrópria idéia
a do filme, uma comé
édia política
a, reveland
do-se
principalmente numa
n marc
cha militar com
c tom caricatural inserida desde os cré
éditos
iniciais.

156
IL FEDERALE
E , camp
peão de bilheteeria no ano de 1961, se encaixxa numa correente de filmes ddo cinema italiano do
início da
d década de 19960 que revisittaram os temass do fascismo e da guerra. Esste gênero de ffilmes foi herdeeiro da
concenttração neo-reallista sobre a gu
uerra e a resistêência como evventos que form
maram a essênccia da repúblicca itali-
ana do pós-guerra. Poorém, nessa déécada (1960), os o temas heróiccos dos antigos filmes da década de 1940, passa-
ram a incluir
i represenntações mais irônicas
i e tragiicômicas da Ittália durante ass lutas e na traansição do fasscismo.
Alguns outros filmes que podem seer incluídos nesta corrente sãão: LA LUNGA NOTTE DEL '433 [A Longa No Noite de
or Florestano Vancini;
43], 1960, dirigido po V LA MARCIA SU ROM MA [A Marcha a sobre Roma],, 1962, de Dinno Risi;
TUTTI A CASA [Todo o mundo em casa], 1960, dirigido por C Comencini, enntre muitos ouutros. (CELLII, C. e
COTIN NO-JONES, M.. A new guide to t italian cinemma. New York:: Palgrave Maccmillan, 2007, pp. 92-93)

134
A trilha sonora joga com mais níveis expressivos, harmônicos e contrapon-
tísticos que acompanham a alternância de atmosferas claras e escuras. O
elemento dominante, no entanto, é uma marcha militar com tons quase cari-
caturais157.

Trabalhar muitas vezes com um mesmo diretor, em vários filmes e em gê-


neros diferentes, será outra característica marcante na carreira de Morricone. Com
Luciano Salce, Morricone assinou a trilha sonora musical de outros filmes: LA
CUCCAGNA, 1962; LA VOGLIA MATTA, 1962; LA MONACHINE, 1963; SLALOM, 1965; COME
IMPARAI AD AMARE LE DONNE, 1966; EL GRECO, 1966 e DOVE VAI IN VACANZA?, 1978.

Ainda trabalhei com Salce em muitos outros filmes, apreciando seu profissi-
onalismo e ecletismo. Em particular no filme EL GRECO (1966), para contar
a vida do grande pintor, Luciano decidiu distanciar-se de seu estilo de dire-
ção habitual [um diretor de comédias] e também na música me pediu esco-
lhas menos tradicionais; optamos, assim, por uma música contemporânea158
e dodecafônica159.

Portanto, esses primeiros anos da década de 1960 são os que exigirão de


Morricone capacidades interpretativas e de ductibilidade bem mais contundentes
quando comparado às das gerações de compositores anteriores.

Nesse sentido minha experiência prévia, que foi tão variada e livre, ajudou a
iniciar-me nessa profissão. A música de um filme é influenciada pelo próprio
filme, pelas personagens, pelos eventos narrados, mas, é especialmente in-
fluenciada pelo relacionamento entre o músico e o diretor. Cada diretor tem
uma cultura especial, uma experiência de mundo e de arte e, também, sua
própria experiência musical. E a música deve saber como interpretar tudo
isso. O diretor dá ao filme o suporte de sua estrutura cultural. A música não
pode nem negá-la nem ser indiferente a ela, se quer ser boa música de fil-
me160.

Miceli apresenta algumas razões sobre a escolha definitiva de Morricone


pelo trabalho com o cinema:

157
Ennio Morricone, in: LUCCI, G. Morricone: Cinema e oltre. Milano: Mondadori Electa S.p.A., 2007, p.49.
158
A trilha musical de El Greco não é, na sua totalidade, "contemporânea e dodecafônica". O predomínio é de um
caráter religioso com grande parte das músicas utilizando um coral tradicional e tonal. Morricone provavelmente
refere-se à Unus Et Trinus-Ending, a composição mais ousada da trilha musical.
159
Ennio Morricone, in LUCCI, G. Morricone: cinema e oltre. Milano: Mondadori electa S.p.A, 2007 p.46.
160
MORRICONE, E. Il Compositore dietro alla machina da presa. Enciclopedia della musica, Torino: Giulio
Einaudi editore s.p.a., v. I. Il Novecento, 2001, pp. LXVIII – 1333.

135
 a atração pelo mundo musical que se apresentou e onde já tinha certeza de
poder atuar com contundência;
 um ato de renúncia, talvez não consciente, determinado pelo radicalismo im-
perante no âmbito da chamada música culta – fortemente ideologizado –
com o qual Morricone não desejava de fato identificar-se;
 o contato com o público, para Morricone, a principal razão de seu trabalho.

Por tudo isso, talvez não se deva falar de uma escolha, ao invés, de uma po-
sição que coincide com uma neutralidade tipicamente artesanal, e cujos ide-
ais se reduzem às qualidades intrínsecas do trabalho manufaturado e que
podem ser verificadas em curto prazo, pelas reações do comprador – qual-
quer pessoa, por tradição secular – e os reflexos econômicos. Um idealismo
singular e talvez um pouco naif161, porque conduziria, ao invés, a um trans-
formismo e a um pragmatismo entre os mais eficazes, tão entranhado que
envolve todos os gêneros composicionais. E eu quero dizer tanto nos aspec-
tos formais quanto nas vestimentas com que ele lidou; mas, é precisamente
de contradições análogas que parece nutrir-se a sua personalidade. (MICE-
LI, 1994:179)

161
Arte naïf ou arte primitiva moderna é, em termos gerais, a arte que é produzida por artistas sem preparação
académica na arte que executam (o que não implica que a qualidade das suas obras seja inferior). Caracteriza-se,
em termos gerais, pela simplicidade e pela falta de alguns elementos ou qualidades presentes na arte produzida
por artistas com formação nessa área. (Veja também art brut, género artístico que tem algumas semelhanças.) O
termo naïf presume a existência (por contraste) de uma forma académica de proceder nas artes - uma forma "edu-
cada" na criação artística, que os artistas desta corrente não seguirão. Na prática, contudo, também existem "esco-
las" de artistas naïf. Ao longo do tempo, o estilo foi sendo cada vez mais aceito e valorizado
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Naïf).

136
3.5 - A MÚSICA
A APLICAD
DA DE MOR
RRICONE

P
Produção de Mo
orriconee
141

108

65
55

32

Décaada de 60 Dé
écada de 70 Década de 80 Década de 990 Década dee 00

Gráfico
G 1 – Produ
ução de Morrico
one por décadass

As colunas do
o gráfico aprentam
a a quantidade de trrilhas mussicais
compostas por Ennio Mo
orricone, década porr década. Observa-sse que o auge
quanttitativo de sua
s produçã
ão ocorreu na década de 60 e 70
0.
Na tabela seguin
nte é apres
sentada a p
produção de
e Morricone
e com os fiilmes
e os respectivos
r diretores em
e ordem cronológica
c a até 2008.

Tabela 3 – Produção de M
Morricone

Na década d
N de 1960 [De 1961 a 19699] ‐  108 trab
balhos 
1961 (4)
1 1961 - 1 de 4 Alla scoperta delll'America - tv Sergio Giorrdani
2 1961 - 2 de 4 IL FEDER
RALE Luciano Sa
alce
3 1961 - 3 de 4 Verrò (víde
eo-clip) S.D.
4 1961 - 4 de 4 Vicino
V al ciel (v
video-clip) S.D.
1962 (4)
5 1962 - 1 de 4 DICIOTTENNI AL SOLE C
Camillo Mastro
ocinque
6 1962 - 2 de 4 I MOTORIZZZATI C
Camillo Mastro
ocinque

137
7 1962 - 3 de 4 LA CUCCAGNA Luciano Salce
8 1962 - 4 de 4 LA VOGLIA MATTA Luciano Salce
1963 (4)
9 1963 - 1 de 4 DUELLO NEL TEXAS Riccardo Blasco
10 1963 - 2 de 4 I BASILISCHI Lina Wertmüller
11 1963 - 3 de 4 IL SUCCESSO Dino Risi
12 1963 - 4 de 4 LE MONACHINE Luciano Salce
1964 (11)
13 1964 - 1 de 11 E LA DONNA CREÒ L'UOMO Camillo Mastrocinque
14 1964 - 2 de 11 EL GRECO Luciano Salce
15 1964 - 3 de 11 I DUE EVASI DI SING SING Lucio Fulci
16 1964 - 4 de 11 I MALAMONDO Paolo Cavara
17 1964 - 5 de 11 I MANIACI Lucio Fulci
Franco Castellano & Giuseppe
18 1964 - 6 de 11 I MARZIANI HANNO DODICI MANI
Moccia
19 1964 - 7 de 11 IN GINOCCHIO DA TE Ettore Fizzarotti
20 1964 - 8 de 11 LE PISTOLE NON DISCUTONO Mario Caiano
PER UN PUGNO DI DOLLARI / A FISTFUL OF
21 1964 - 9 de 11 Sergio Leone
DOLLARS

22 1964 - 10 de 11 PRIMA DELLA RIVOLUZIONE Bernardo Bertolucci


23 1964 - 11 de 11 THE BIBLE John Houston
1965 (18)
24 1965 - 1 de 18 AGENT 505: TODESFALLE BEIRUT Manfred R. Kohler
25 1965 - 2 de 18 AGENTE 077: MISSIONE BLOODY MARY Terence Hathaway
26 1965 - 3 de 18 ALTISSIMA PRESSIONE Enzo Trapani
27 1965 - 4 de 18 GLI AMANTI D'OLTRE TOMBA Mario Caiano
28 1965 - 5 de 18 I PUGNI IN TASCA Marco Bellocchio
29 1965 - 6 de 18 IDOLI CONTROLUCE Enzo Battaglia
30 1965 - 7 de 18 IL RITORNO DI RINGO Duccio Tessari
LA BATTAGLIA DI ALGERI / BATTLE OF
31 1965 - 8 de 18 Gillo Pontecorvo
ALGIERS
32 1965 - 9 de 18 MENAGE ALL'ITALIANA Franco Indovina
33 1965 - 10 de 18 NON SON DEGNO DI TE Ettore Fizzarotti
34 1965 - 11 de 18 PER QUALCHE DOLLARO IN PIÙ / FOR A Sergio Leone

138
FEW DOLLARS MORE

35 1965 - 12 de 18 SE NON AVESSI PIÙ TE Ettore Fizzarotti


36 1965 - 13 de 18 SETTE PISTOLE PER I MACGREGOR Franco Giraldi
37 1965 - 14 de 18 SLALOM Luciano Salce
Carlo Lizzani, Gian Luigi
38 1965 - 15 de 18 THRILLING
Polidori, Ettore Scola
39 1965 - 16 de 18 UCCELLACCI E UCCELLINI Pier Paolo Pasolini
40 1965 - 17 de 18 UNA PISTOLA PER RINGO Duccio Tessari
41 1965 - 18 de 18 UN UOMO A METÀ Vittorio de Seta
1966 (12)
42 1966 - 1 de 12 COME IMPARAI AD AMARE LE DONNE Luciano Salce
43 1966 - 2 de 12 I CRUDELI Sergio Corbucci
44 1966 - 3 de 12 IL BUONO , IL BRUTTO E IL CATTIVO Sergio Leone
45 1966 - 4 de 12 L'AVVENTURIERO Terence Young
46 1966 - 5 de 12 LA RAGAZZA E IL GENERALE Pasquale Festa Campanile
LE STREGHE (EPISODE: LA TERRA VISTA
47 1966 - 6 de 12 Pier Paolo Pasolini
DALLA LUNA)

48 1966 - 7 de 12 MATCHLESS Alberto Lattuada


49 1966 - 8 de 12 MI VEDRAI TORNARE Ettore Fizzarotti
50 1966 - 9 de 12 NAVAJO JOE Sergio Corbucci
51 1966 - 10 de 12 SETTE DONNE PER I MACGREGOR Franco Giraldi
52 1966 - 11 de 12 SVEGLIATI E UCCIDI Carlo Lizzani
53 1966 - 12 de 12 UN FIUME DI DOLLARI Carlo Lizzani
1967 (13)
54 1967 - 1 de 13 AD OGNI COSTO Giuliano Montaldo
55 1967 - 2 de 13 ARABELLA Mauro Bolognini
56 1967 - 3 de 13 DA UOMO A UOMO Giulio Petroni
57 1967 - 4 de 13 DALLE ARDENNE ALL'INFERNO Alberto de Martino
58 1967 - 5 de 13 DIABOLIK Mario Bava
59 1967 - 6 de 13 ESCALATION Roberto Faenza
60 1967 - 7 de 13 FACCIA A FACCIA Sergio Sollima
61 1967 - 8 de 13 GRAZIE ZIA Salvatore Samperi
62 1967 - 9 de 13 IL GIARDINO DELLE DELIZIE Silvano Agosti
63 1967 - 10 de 13 L'HAREM Marco Ferreri

139
64 1967 - 11 de 13 LA CINA È VICINA Marco Bellocchio
65 1967 - 12 de 13 LA RESA DEI CONTI Sergio Sollima
66 1967 - 13 de 13 O.K. CONNERY Alberto de Martino
1968 (26)
67 1968 - 1 de 26 C'ERA UNA VOLTA IL WEST Sergio Leone
68 1968 - 2 de 26 COMANDAMENTI PER UN GANGSTER Alfio Caltabiano
69 1968 - 3 de 26 CORRI UOMO CORRI Sergio Sollima
70 1968 - 4 de 26 CUORE DI MAMMA Salvatore Sollima
71 1968 - 5 de 26 E PER TETTO UN CIELO DI STELLE Giulio Petroni
72 1968 - 6 de 26 EAT IT Francesco Casaretti
73 1968 - 7 de 26 ECCE HOMO Bruno Alberto Gaburro
74 1968 - 8 de 26 FRAULEIN DOKTOR Alberto Lattuada
75 1968 - 9 de 26 GALILEO Liliana Cavani
76 1968 - 10 de 26 GUN'S FOR SAN SEBASTIAN Henri Verneuil
77 1968 - 11 de 26 H2S Roberto Faenza
78 1968 - 12 de 26 IL GRANDE SILENZIO Sergio Corbucci
79 1968 - 13 de 26 IL MERCENARIO Sergio Corbucci
Adolfo Celi, Vittorio
80 1968 - 14 de 26 L'ALIBI
Gassmann, Luciano Lucignani
81 1968 - 15 de 26 LA MONACA DI MONZA Eriprando Visconti
82 1968 - 16 de 26 THE RED TENT Mikhail Kalatozov
83 1968 - 17 de 26 METTI, UNA SERA A CENA Giuseppe Patroni Griffi
84 1968 - 18 de 26 PARTNER Bernardo Bertolucci
85 1968 - 19 de 26 ROMA COME CHICAGO Alberto Martino
86 1968 - 20 de 26 RUBA AL PROSSIMO TUO Francesco Maselli
87 1968 - 21 de 26 SCUSI, FACCIAMO L'AMORE Vittorio Caprioli
88 1968 - 22 de 26 TEOREMA Pier Paolo Pasolini
89 1968 - 23 de 26 TEPEPA Giulio Petroni
90 1968 - 24 de 26 UN BELLISSIMO NOVEMBRE Mauro Bolognini
91 1968 - 25 de 26 UN TRANQUILLO POSTO DELLA CAMPAGNA Elio Petri
92 1968 - 26 de 26 VERGOGNA SCHIFOSI Mauro Severino
1969 (16)
93 1969 - 1 de 16 GIOTTO - TV DOCUMENTARY - Luciano Emmer
94 1969 - 2 de 16 GOTT MIT UNS Giuliano Montaldo

140
95 1969 - 3 de 16 I CANNIBALI Liliana Cavani
INDAGINE SU UN CITTADINO AL DI SOPRA DI
96 1969 - 4 de 16 Elio Petri
OGNI SOSPETTO

97 1969 - 5 de 16 L'ASSOLUTO NATURALE Mauro Bolognini


98 1969 - 6 de 16 L'UCCELLO DALLE PIUME DI CRISTALLO Dario Argento
99 1969 - 7 de 16 LA DONNA INVISIBILE Paolo Spinola
100 1969 - 8 de 16 LA STAGIONE DEI SENSI Massimo Franciosa
101 1969 - 9 de 16 LE CLAN DEI SICILIANI Henri Verneuil
102 1969 - 10 de 16 METELLO Mauro Bolognini
103 1969 - 11 de 16 QUEIMADA Gillo Pontecorvo
104 1969 - 12 de 16 SAI COSA FACEVA STALIN ALLE DONNE? Maurizio Rivelani
105 1969 - 13 de 16 SENZA SAPERE NIENTE DI LEI Luigi Comencini
UCCIDETE IL VITELLO GRASSO E
106 1969 - 14 de 16 Salvatore Samperi
ARROSTITELO

107 1969 - 15 de 16 UN ESERCITO DI 5 UOMINI Don Taylor


108 1969 - 16 de 16 UNA BREVE STAGIONE Renato Castellani
Na década de 1960 [De 1961 a 1969] - 108 trabalhos
Na década de 1970 [De 1970 a 1979] - 141 trabalhos
1970 (10)
109 1970 - 1 de 10 CITTÀ VIOLENTA Sergio Sollima
110 1970 - 2 de 10 GIOCHI PARTICOLARI Franco Indovina
111 1970 - 3 de 10 HORNET'S NEST Phil Karlson
112 1970 - 4 de 10 LA CALIFFA Alberto Bevilacqua
113 1970 - 5 de 10 LA MOGLIE PIÙ BELLA Damiano Damiani
LE FOTO PROIBITE DI UNA SIGNORA
114 1970 - 6 de 10 Luciano Ercoli
PERBENE

115 1970 - 7 de 10 QUANDO LE DONNE AVEVANO LA CODA Pasquale Festa Campanile


116 1970 - 8 de 10 THE MEN FROM SHILOH - TV - Burt Kennedy
117 1970 - 9 de 10 TWO MULES FROM SISTER SARA Don Siegel
118 1970 - 10 de 10 VAMOS A MATAR, COMPANEROS Sergio Corbucci
1971 (23)
119 1971 - 1 de 23 ADDIO FRATELLO CRUDELE Giuseppe Patroni Griffi
CORREVA L'ANNO DI GRAZIA 1870 (FILM) /
120 1971 - 2 de 23 Alfredo Giannetti
TRE DONNE - TV -

141
121 1971 - 3 de 23 FORZA G Duccio Tessari
122 1971 - 4 de 23 GIORNATA NERA PER L'ARIETE Luigi Bazzoni
123 1971 - 5 de 23 GIÙ LA TESTA / A FISTFUL OF DYMITE Sergio Leone
124 1971 - 6 de 23 GLI OCCHI FREDDI DELLA PAURA Enzo G. Castellani
125 1971 - 7 de 23 IL GATTO A NOVE CODE Dario Argento
126 1971 - 8 de 23 L'INCONTRO Piero Schivazappa
127 1971 - 9 de 23 L'ISTRUTTORIA È CHIUSA: DIMENTICHI Damiano Damiani
128 1971 - 10 de 23 LA CLASSE OPERAIA VA IN PARADISO Elio Petri
LA CORTA NOTTE DELLE BAMBOLE DI
129 1971 - 11 de 23 Aldo Lado
VETRO

130 1971 - 12 de 23 LA TARANTOLA DAL VENTRE NERO Paolo Cavara


131 1971 - 13 de 23 LE CASSE Henri Verneuil
132 1971 - 14 de 23 LUI PER LEI Claudio Rispoli
133 1971 - 15 de 23 MADDALENA Jerzy Kawalerowicz
134 1971 - 16 de 23 MIO CARO ASSASSINO Tonino Valeri
135 1971 - 17 de 23 OCEANO Folco Quilici
136 1971 - 18 de 23 QUATTRO MOSCHE DI VELLUTO GRIGIO Dario Argento
137 1971 - 19 de 23 SACCO E VANZETTI Giuliano Montaldo
138 1971 - 20 de 23 SANS MOBILE APPARANT Philippe Labro
TRE NEL MILLE (FILM) / STORIE DELL'ANNO
139 1971 - 21 de 23 Franco Indovina
1000 (TV)
140 1971 - 22 de 23 UNA LUCERTOLA CON LA PELLE DI DONNA Lucio Fulci
141 1971 - 23 de 23 VERUSCHKA Franco Rubratelli
1972 (24)
ANCHE SE VOLESSI LAVORARE, CHE
142 1972 - 1 de 24 Flavio Mogherini
FACCIO?

143 1972 - 2 de 24 BLUEBEARD Edward Dmy


CHE C'ENTRIAMO NOI CON LA
144 1972 - 3 de 24 Sergio Corbucci
RIVOLUZIONE?

145 1972 - 4 de 24 CHI L'HA VISTA MORIRE? Aldo Lado


146 1972 - 5 de 24 COSA AVETE FATTO A SOLANGE? Massimo Dallamano
147 1972 - 6 de 24 D'AMORE SI MUORE Carlo Carnuchio
148 1972 - 7 de 24 I BAMBINI CI CHIEDONO PERCHÉ Nino Zanchin
149 1972 - 8 de 24 IL DIAVOLO NEL CERVELLO Sergio Sollima

142
150 1972 - 9 de 24 IL MAESTRO E MARGHERITA Aleksander Petrovic
IMPUTAZIONE DI OMICIDIO PER UNO
151 1972 - 10 de 24 Mauro Bolognini
STUDENTE

152 1972 - 11 de 24 L'ATTENTAT Yves Boisset


L'ITALIA VISTA DAL CIELO - EPISODE:
153 1972 - 12 de 24 Folco Quilici
SARDEGNA (TV)
154 1972 - 13 de 24 L'ULTIMO UOMO DI SARA Virginia Onorato
155 1972 - 14 de 24 L'UOMO E LA MAGIA - TV DOCUMENTARY - Sergio Giordani
LA BANDA J & S: CRONACA CRIMINALE DEL
156 1972 - 15 de 24 Sergio Corbucci
FAR WEST
157 1972 - 16 de 24 LA COSA BUFFA Aldo Lado
158 1972 - 17 de 24 LA PROPRIETÀ NON È PIÙ UN FURTO Elio Petri
LA VITA A VOLTE È MOLTO DURA, VERO
159 1972 - 18 de 24 Giulio Petroni
PROVVIDENZA?

160 1972 - 19 de 24 LE DUE STAGIONI DELLA VITA Samy Pavel


161 1972 - 20 de 24 QUANDO L'AMORE È SENSUALITÀ Vittorio de Sisti
162 1972 - 21 de 24 QUANDO LA PREDA È L'UOMO Vittorio de Sisti
163 1972 - 22 de 24 QUESTA SPECIE D'AMORE Alberto Bevilacqua
164 1972 - 23 de 24 UN UOMO DA RISPETTARE Michele Lupo
165 1972 - 24 de 24 VIOLENZA: QUINTO POTERE Florestano Vancini
1973 (10)
166 1973 - 1 de 10 CI RISIAMO: VERO PROVVIDENZA? Alberto de Martino
167 1973 - 2 de 10 CRESCETE E MOLTIPLICATEVI Giulio Petroni
168 1973 - 3 de 10 GIORDANO BRUNO Giuliano Montaldo
169 1973 - 4 de 10 MY NAME IS NOBODY Tonino Valeri
170 1973 - 5 de 10 IL SORRISO DEL GRAND ETENTATORE Damiano Damiani
171 1973 - 6 de 10 LE SERPENT Henri Verneuil
172 1973 - 7 de 10 LIBERA AMORE MIO Mauro Bolognini
173 1973 - 8 de 10 RAPPRESAGLIA George Pan Cosmatos
174 1973 - 9 de 10 REVOLVER Sergio Sollima
175 1973 - 10 de 10 SEPOLTA VIVA Aldo Lado
1974 (16)
176 1974 - 1 de 16 ALLOSANFAN Paolo & Vittorio Taviani
177 1974 - 2 de 16 FATTI DI GENTE PERBENE Mauro Bolognini

143
178 1974 - 3 de 16 ARABIAN NIGHTS Pier Paolo Pasolini
IL GIRO DEL MONDO DEGLI INNAMORATI DI
179 1974 - 4 de 16 Cesare Perfetto
PEYNET
180 1974 - 5 de 16 L'ANTICRISTO Alberto de Martino
181 1974 - 6 de 16 LA CUGINA Aldo Lado
182 1974 - 7 de 16 LA FAILLE Peter Fleischmann
183 1974 - 8 de 16 LE SECRET Robert Enrico
184 1974 - 9 de 16 LE TRIO INFERNAL Francis Girod
185 1974 - 10 de 16 LEONOR Juan Bunuel
MILANO ODIA: LA POLIZIA NON PUÒ
186 1974 - 11 de 16 Umberto Lenzi
SPARARE

187 1974 - 12 de 16 MOSÈ - TV SERIES - Gianfranco de Bosio


188 1974 - 13 de 16 MUSSOLINI, ULTIMO ATTO Carlo Lizzani
189 1974 - 14 de 16 SESSO IN CONFESSIONALE Vittorio de Sisti
190 1974 - 15 de 16 SPASMO Umberto Lenzi
191 1974 - 16 de 16 SPAZIO 1999 - TV - Lee H. Katzin
1975 (14)
192 1975 - 1 de 14 ATTENTI AL BUFFONE Alberto Bevilacqua
193 1975 - 2 de 14 DER RICHTER UND SEIN HENKER Maximilian Schell
194 1975 - 3 de 14 DIVINA CREATURA Giuseppe Patroni Griffi
195 1975 - 4 de 14 GENTE DI RISPETTO Luigi Zampa
196 1975 - 5 de 14 L'ULTIMO TRENO DELLA NOTTE Aldo Lado
197 1975 - 6 de 14 LA DONNA DELLA DOMENICA Luigi Comencini
198 1975 - 7 de 14 LABBRA DI LURIDO BLU Giulio Petroni
199 1975 - 8 de 14 MACCHIE SOLARI Armando Crispino
200 1975 - 9 de 14 PER LE ANTICHE SCALE Mauro Bolognini
201 1975 - 10 de 14 PEUR SUR LA VILLE Henri Verneuil
202 1975 - 11 de 14 SALÒ O LE 120 GIORNATE DI SODOMA Pier Paolo Pasolini
203 1975 - 12 de 14 STORIE DI VITA E MALAVITA Carlo Lizzani
204 1975 - 13 de 14 THE HUMAN FACTOR Edward Dmytryck
205 1975 - 14 de 14 UN GENIO, DUE COMPARI, UN POLLO Damiano Damiani
1976 (10)
206 1976 - 1 de 10 IL DESERTO DEI TARTARI Valerio Zurlini
207 1976 - 2 de 10 L'AGNESE VA A MORIRE Giuliano Montaldo

144
208 1976 - 3 de 10 L'EREDITÀ FERRAMONTI Mauro Bolognini
209 1976 - 4 de 10 LE RICAIN Jean Marie Pallardy
210 1976 - 5 de 10 NOVECENTO Bernardo Bertolucci
211 1976 - 6 de 10 PER AMORE Mino Giarda
212 1976 - 7 de 10 RENÈ LA CANNE Francis Girod
213 1976 - 8 de 10 SAN BABILA ORE 20: UN DELITTO INUTILE Carlo Lizzani
214 1976 - 9 de 10 TODO MODO Elio Petri
215 1976 - 10 de 10 UNA VITA VENDUTA Aldo Florio
1977 (10)
216 1977 - 1 AUTOSTOP ROSSO SANGUE Pasquale Festa Campanile
217 1977 - 2 DRAMMI GOTICI - TV SERIES - Giorgio Bandini
218 1977 - 3 EXORCIST II: THE HERETIC John Boorman
219 1977 - 4 FORZA ITALIA Roberto Faenza
220 1977 - 5 HOLOCAUST 2000 Alberto de Martino
221 1977 - 6 IL GATTO Luigi Comencini
222 1977 - 7 IL MOSTRO Luigi Zampa
223 1977 - 8 IL PREFETTO DI FERRO Pasquale Squitieri
224 1977 - 9 ORCA...KILLER WHALE Michael Anderson
225 1977 - 10 STATO INTERESSANTE Sergio Nascal
1978 (12)
226 1978 -1 de 12 122 RUE DE PROVENCE Christian Gion
227 1978 - 2 de 12 CORLEONE Pasquale Squitieri
228 1978 - 3 de 12 COSÌ COME SEI Alberto Lattuada
229 1978 - 4 de 12 DAYS OF HEAVEN Terrence Mallick
DOVE VAI IN VACANZA? - EPISODE: SARÒ
230 1978 - 5 de 12 Mauro Bolognini
TUTTA PER TE

231 1978 - 6 de 12 IL PRIGIONIERO - TV SERIES - Aldo Lado


232 1978 - 7 de 12 L'IMMORALITÀ Massimo Pirri
233 1978 - 8 de 12 L'UMANOIDE Aldo Lado
234 1978 - 9 de 12 LA CAGE AUX FOLLES Edouard Molinaro
235 1978 - 10 de 12 LE MANI SPORCHE Elio Petri
236 1978 - 11 de 12 NOI LAZZARONI - TV SERIES - Giorgio Pelloni
237 1978 - 12 de 12 VIAGGIO CON ANITA Mario Monicelli
1979 (12)

145
238 1979 - 1 de 12 BLOODLINE Terence Young
239 1979 - 2 de 12 BUONE NOTIZIE Elio Petri
240 1979 - 3 de 12 DEDICATO AL MARE EGEO Masuo Ikedal
DIETRO IL PROCESSO - EPISODES: IL CASO
241 1979 - 4 de 12 Franco Biancacci
PASOLINI, IL CASO MONTESI
242 1979 - 5 de 12 I....COME ICARE Henri Verneuil
243 1979 - 6 de 12 IL GIOCATTOLO Giuliano Montaldo
244 1979 - 7 de 12 IL PRATO Paolo & Vittorio Taviani
245 1979 - 8 de 12 INVITO ALLO SPORT - TV DOCUMENTARY - Folco Quilici
246 1979 - 9 de 12 LA LUNA Bernardo Bertolucci
247 1979 - 10 de 12 OGRO Gillo Pontecorvo
Daniele D'Anzi, Marcel
248 1979 - 11 de 12 ORIENT EXPRESS - TV SERIES -
Moussy, Bruno Gantillon
249 1979 - 12 de 12 PROFESSIONE FIGLIO Stefano Rolla
Na década de 1970 [De 1970 a 1979] - 141 trabalhos
Na década de 1980 [De 1980 a 1989] - 65 trabalhos
1980 (12)
250 1980 - 1 de 12 IL BANDITO DAGLI OCCHI AZZURRI Alfredo Giannetti
251 1980 - 2 de 12 IL LADRONE Pasquale Festa Campanile
252 1980 - 3 de 12 IL PIANETA D'ACQUA - TV DOCUMENTARY - Carlo Alberto Pinelli
253 1980 - 4 de 12 LA BANQUIERE Francis Girod
254 1980 - 5 de 12 LA CAGE AUX FOLLES II Edouard Molinaro
LA STORIA VERA DELLA SIGNORA DELLE
255 1980 - 6 de 12 Mauro Bolognini
CAMELIE

256 1980 - 7 de 12 SI SALVI CHI VUOLE Roberto Faenza


257 1980 - 8 de 12 STARK SYSTEM Armenia Balducci
258 1980 - 9 de 12 THE ISLAND Michael Ritchie
259 1980 - 10 de 12 UN SACCO BELLO Carlo Verdone
260 1980 - 11 de 12 UOMINI E NO Valentino Orsini
261 1980 - 12 de 12 WINDOWS Gordon Willis
1981 (7)
262 1981 - 1 de 7 BIANCO, ROSSO E VERDONE Carlo Verdone
263 1981 - 2 de 7 BUTTERFLY Matt Cimber
264 1981 - 3 de 7 LA DISUBBIDIENZA Aldo Lado

146
265 1981 - 4 de 7 LA TRAGEDIA DI UN UOMO RIDICOLO Bernardo Bertolucci
266 1981 - 5 de 7 LE PROFESSIONNEL Georges Lautner
267 1981 - 6 de 7 OCCHIO ALLA PENNA Michele Lupo
268 1981 - 7 de 7 SO FINE Andrew Bergman
1982 (8)
269 1982 - 1 de 8 COPKILLER Roberto Faenza
270 1982 - 2 de 8 ESPION LÈVE-TOI Yves Boisset
271 1982 - 3 de 8 LE RUFFIAN Josè Giovanni
272 1982 - 4 de 8 MARCO POLO - TV SERIES - Giuliano Montaldo
273 1982 - 5 de 8 THE LINK Alberto de Martino
274 1982 - 6 de 8 LA COSA / THE THING John Carpenter
275 1982 - 7 de 8 TREASURE OF THE FOUR CROWNS Ferdinando Baldi
276 1982 - 8 de 8 CANE BIANCO / WHITE DOG Samuel Fuller
1983 (8)
277 1983 - 1 de 8 A TIME TO DIE Matt Cimber
278 1983 - 2 de 8 HUNDRA Matt Cimber
279 1983 - 3 de 8 LA CHIAVE Tinto Brass
280 1983 - 4 de 8 LE MARGINAL Jacques Deray
281 1983 - 5 de 8 LES VOULERS DE LA NUIT Samuel Fuller
282 1983 - 6 de 8 NANA Dan Wolman
283 1983 - 7 de 8 SAHARA Andrew L. McLagen
284 1983 - 8 de 8 THE SCARLET AND THE BLACK - TV - Jerry London
1984 (2)
285 1984 - 1 de 2 DON'T KILL GOD Jacqueline Manzano
C'ERA UNA VOLTA IN AMERICA / ONCE
286 1984 - 2 de 2 Sergio Leone
UPON A TIME IN AMERICA

1985 (6)
287 1985 - 1 de 6 IL PENTITO Pasquale Squitieri
LA CAGE AUX FOLLES III - ELLES SE
288 1985 - 2 de 6 Georges Lautner
MARIENT

289 1985 - 3 de 6 LA GABBIA Giuseppe Patroni Griffi


290 1985 - 4 de 6 LA PIOVRA 2 - TV SERIES - Florestano Vancini
291 1985 - 5 de 6 RED SONJA Richard Fleischer
292 1985 - 6 de 6 VIA MALA - TV SERIES - Tom Toelle

147
1986 (3)
293 1986 - 1 de 3 LA VENEXIANA Mauro Bolognini
294 1986 - 2 de 3 THE MISSION Roland Joffè
295 1986 - 3 de 3 GLI OCCHIALI D'ORO Giuliano Montaldo
1987 (8)
296 1987 - 1 de 8 FRANTIC Roman Polanski
297 1987 - 2 de 8 LA PIOVRA 3 - TV SERIES - Luigi Perelli
298 1987 - 3 de 8 MOSCA ADDIO Mauro Bolognini
299 1987 - 4 de 8 QUARTIERE Silvano Agosti
300 1987 - 5 de 8 RAMPAGE William Friedkin
301 1987 - 6 de 8 SECRET OF THE SAHARA - TV SERIES - Alberto Negrin
302 1987 - 7 de 8 THE DAY BEFORE Giuliano Montaldo
303 1987 - 8 de 8 GLI INTOCCABILI / THE UNTOUCHABLES Brian De Palma
1988 (2)
304 1988 - 1 de 2 A TIME OF DESTINY Gregory Nava
305 1988 - 2 de 2 CINEMA PARADISO Giuseppe Tornatore
1989 (9)
306 1989 - 1 de 9 ACHILLE LAURO - TV - Alberto Negrin
307 1989 - 2 de 2 ATAME! Pedro Almodovar
308 1989 - 3 de 9 VITTIME DI GUERRA / CASUALTIES OF WAR Brian De Palma
309 1989 - 4 de 9 FAT MAN AND LITTLE BOY Roland Joffè
310 1989 - 5 de 9 GLI ANGELI DEL POTERE - TV - Giorgio Albertazzi
311 1989 - 6 de 9 I PROMESSI SPOSI - TV SERIES - Salvatore Nocita
312 1989 - 7 de 9 LA PIOVRA 4 - TV SERIES - Luigi Perelli
313 1989 - 8 de 9 TEMPO DI UCCIDERE Giuliano Montaldo
314 1989 - 9 de 9 THE ENDLESS GAME - TV SERIES - Bryan Forbes
Na década de 1980 [De 1980 a 1989] - 65 trabalhos
Na década de 1990 [De 1990 a 1999] - 55 trabalhos
1990 (9)
315 1990 - 1 de 9 CACCIATORI DI NAVI Folco Quilici
316 1990 - 2 de 9 DIMENTICARE PALERMO Francesco Rosi
317 1990 - 3 de 9 HAMLET Franco Zeffirelli
318 1990 - 4 de 9 ITALIANA PETROLI (SHORT FILM) Giuseppe Tornatore
319 1990 - 5 de 9 LA PIOVRA 5 - IL CUORE DEL PROBLEMA - Luigi Perelli

148
TV SERIES -

320 1990 - 6 de 9 MIO CARO DOTTORE GRASLER Roberto Faenza


321 1990 - 7 de 9 STANNO TUTTI BENE Giuseppe Tornatore
322 1990 - 8 de 9 STATE OF GRACE Phil Joanoul
323 1990 - 9 de 9 TRE COLONNE IN CRONACA Carlo Vanzina
1991 (7)
324 1991 - 1 de 7 BUGSY Barry Levinson
325 1991 - 2 de 7 CROSSING THE LINE David Leland
326 1991 - 3 de 7 IL PRINCIPE DEL DESERTO - TV SERIES - Duccio Tessari
Giuseppe Tornatore, Marco
327 1991 - 4 de 7 LA DOMENICA SPECIALMENTE Tullio Giordana, Giuseppe
Bertolucci
328 1991 - 5 de 7 LA VILLA DEL VENERDI Mauro Bolognini
329 1991 - 6 de 7 MONEY Steven Hilliard Stern
330 1991 - 7 de 7 PIAZZA DI SPAGNA - TV SERIES - Florestano Vancini
1992 (5)
331 1992 - 1 de 5 CITY OF JOY Roland Joffè
332 1992 - 2 de 5 IL LUNGO SILENZIO Margarethe von Trotta
333 1992 - 3 de 5 JONA CHE VISSE NELLA BALENA Roberto Faenza
334 1992 - 4 de 5 LA PIOVRA 6 - TV SERIES - Luigi Perelli
335 1992 - 5 de 5 UNA STORIA ITALIANA - TV - Stefano Reali
1993 (3)
336 1993 - 1 de 3 IN THE LINE OF FIRE Wolfgang Petersen
337 1993 - 2 de 3 LA BIBBIA: ABRAMO - TV - Joseph Sargent
338 1993 - 3 de 3 LA SCORTA Ricky Tognazzi
1994 (6)
339 1994 - 1 de 6 UNA PURA FORMALITÀ / A PURE FORMALITY Giuseppe Tornatore
340 1994 - 2 de 6 DISCLOSURE Barry Levinson
Enrico Maria Salerno, Richard
341 1994 - 3 de 6 IL BARONE - TV SERIES -
T. Heffron
342 1994 - 4 de 6 LA NOTTE E IL MOMENTO Anna Marie Tato
343 1994 - 5 de 6 LOVE AFFAIR Warren Beatty
344 1994 - 6 de 6 WOLF Mike Nichols
1995 (6)

149
345 1995 - 1 de 6 CON RABBIA E CON AMORE Alfredo Angeli
346 1995 - 2 de 6 L'UOMO DELLE STELLE Giuseppe Tornatore
347 1995 - 3 de 6 L'UOMO PROIETTILE Silvano Agosti
348 1995 - 4 de 6 LA PIOVRA 7 - TV SERIES - Luigi Perelli
349 1995 - 5 de 6 PASOLINI, UN DELITTO ITALIANO Marco Tullio Giordana
350 1995 - 6 de 6 SOSTIENE PEREIRA Roberto Faenza
1996 (7)
351 1996 - 1 de 7 I MAGI RANDAGI Sergio Citti
352 1996 - 2 de 7 LA LUPA Gabriele Lavia
353 1996 - 3 de 7 LA SINDROME DI STENDHAL Dario Argento
354 1996 - 4 de 7 LOLITA Adrian Lyne
355 1996 - 5 de 7 NINFA PLEBEA Lina Wertmuller
356 1996 - 6 de 7 NOSTROMO - TV SERIES - Alastar Reid
357 1996 - 7 de 7 VITE STROZZATE Ricky Tognazzi
1997 (1)
358 1997 - 1 de 1 U-TURN Oliver Stone
1998 (4)
359 1998 - 1 de 4 BULWORTH Warren Beatty
360 1998 - 2 de 4 IN FONDO AL CUORE - TV - Luigi Perelli
361 1998 - 3 de 4 LA CASA BRUCIATA - TV - Massimo Spano
362 1998 - 4 de 4 LA LEGGENDA DEL PIANISTA SULL'OCEANO Giuseppe Tornatore
1999 (7)
363 1999 - 1 de 7 IL FANTASMA DELL'OPERA Dario Argento
364 1999 - 2 de 7 IL QUARTO RE Stefano Reali
365 1999 - 3 de 7 ULTIMO - TV - Stefano Reali
366 1999 - 4 de 7 ULTIMO 2 - TV - Stefano Reali
367 1999 - 5 de 7 I GUARDIANI DEL CIELO Alberto Negrin
368 1999 - 6 de 7 MORTE DI UNA RAGAZZA PERBENE Luigi Perelli
369 1999 - 7 de 7 WHAT DREAMS MAY COME Vincent Ward
Na década de 1990 [De 1990 a 1999] - 55 trabalhos
Na década de 2000 [De 2000 até 2010] - 32 trabalhos
2000 (4)
370 2000 - 1 de 4 CANONE INVERSO Ricky Tognazzi
371 2000 - 2 de 4 MISSION TO MARS Brian De Palma

150
372 2000 - 3 de 4 VATEL Roland Joffè
373 2000 - 4 de 4 MALÈNA Giuseppe Tornatore
2001 (2)
374 2001 - 1 de 2 GIOCO DI RIPLEY Liliana Cavani
375 2001 - 2 de 2 AIDA DEGLI ALBERI - [ANIMAÇÃO] Guido Manuli
2002 (6)
376 2002 - 1 de 6 PERLASCA, UN EROE ITALIANO - TV - Alberto Negrin
377 2002 - 2 de 6 SENSO 2000 Tinto Brass
378 2002 - 3 de 6 UN DIFETTO DI FAMIGLIA - TV - Alberto Simone
379 2002 - 4 de 6 GIOVANNI XXIII - TV - Ricky Tognazzi
380 2002 - 5 de 6 MUSASHI - TV - Mitsunobi Ozaki
381 2002 - 6 de 6 LA LUZ PRODIGIOSA Michele Hermoso
2003 (3)
382 2003 - 1 de 3 I GUARDIANI DELLE NUVOLE Luciano Odorisio
383 2003 - 2 de 3 72 METRI Vladimir Khatinenko
384 2003 - 3 de 3 AL CUORE SI COMANDA Giovanni Morricone
2004 (2)
385 2004 - 1 de 2 E SORRIDENDO LA UCCISE Florestano Vancini
386 2004 - 2 de 3 SORSTALANSAG Lajos Voltai
2005 (4)
387 2005 - 1 de 4 IL CUORE NEL POZZO - TV Alberto Negrini
388 2005 - 2 de 4 CEFALONIA - TV Riccardo Dilani
389 2005 - 3 de 4 UN UOMO DIVENTATO PAPA - TV Giacomo Battiato
390 2005 - 4 de 4 LUCIA - TV Pasquale Pozzessere
2006 (5)
391 2006 - 1 de 5 BARTALI - TV Alberto Negrini
392 2006 - 2 de 5 LA PROVINCIALE - TV Pasquale Pozzese
393 2006 - 3 de 5 FALCONE - TV Antonio e Andrea Frezzia
394 2006 - 4 de 5 UN PAPA RIMASTO UOMO - TV Giacomo Battiato
395 2006 - 5 de 5 LA SCONOSCIUTA . Giuseppe Tornatore
2007 (3)
396 2007 - 1 de 3 I DEMONI DI SAN PIETROBURGO Giuliano Montaldo
397 2007 - 2 de 3 L'ULTIMO DEI CORLEONESI - TV - Alberto Negrin
398 2007 – 3 de 3 TUTTE LE DONNE DELLA MIA VITA Simona Izzo

151
2008 (3)
399 2008 - 1 de 3 PANE E LIBERTA (DI VITTORIO) - TV Alberto Negrin
400 2008 – 2 de 3 RISOLUZIONE 819 Giacomo Battiato
401 2008 – 3 de 3 BÀARIA – LA PORTA DEL VENTO Giuseppe Tornatore

3.6 - PREMIAÇÕES E RECONHECIMENTOS


Tabela 4 – Premiações e Reconhecimentos

Premiações e Reconhecimentos
Recebeu oito prêmios Nastro d’Argento pelas trilhas musicais de "Per un pugno di dollari"; "Metti una sera
a cena"; "Sacco e Vanzetti"; "C'era una volta in America"; "The Untouchobles"; "La Sconosciuta".
Recebeu cinco prêmios "BAFTA" pelas trilhas sonoras musicais de "C'era una volta in America"; "The
Mission"; "The Untouchables"; "Nuovo Cinema Paradiso"; "Days of heaven".
Recebeu cinco indicações ao Oscar pelas trilhas sonoras musicais dos filmes "Days of heaven"; "The
Mission"; "The Untouchables"; "Bugsy"; "Malèna".
Recebeu três Globos de Ouro pelas trilhas sonoras musicais de "La leggenda del pianista sull'oceano";
"The Mission".
Recebeu o prêmio "Grammy Award" pela trilha sonora musical do filme "The Untouchables".
Recebeu sete prêmios "David di Donatello" pelas trilhas sonoras musicais dos filmes "Gli occhiali d'oro";
"Nuovo Cinema Paradiso"; "Stanno tutti bene"; "Jonas che visse nella balena"; "Canone Inverso"; "La
Sconosciuta".
Recebeu o prêmio "Ninth Annual Ace Winner" pela trilha donora musical do filme "Il giorno prima".
Em 1989 recebeu o prêmio "Prado d'Oro" à carreira durante o Festival del Cinema de Locarno.
Em 1990 recebeu o "Prix Fondation Sacem" do Festival de Cinema de Cannes;
Em 1991, o musicólogo inglês Philip Tagg propôs Morricone à laurea 'Honoris Causa' na Universidade de
Goeteborg;
Em 1992 foi nomeado membro da Commissione della Istituzione Universitaria dei Concerti di Roma, é
chamado para fazer parte do juri da 49ª Mostra de Cinema de Veneza, o Ministro francês da cultura Jack
Lang lhe confere o título de Officier de l'Ordre des Arts et des Lettres, recebeu o prêmio "Grolla d'oro" à
carreira em Saint Vincent.
Em 1993 recebeu o prêmio Efebo d'Argento pela trilha sonora musical do filme Jonas che visse nella
balena.
Em 1994 é o primeiro compositor não americano a receber o prêmio à carreira da Society for Preservation
of Film Music e recebeu o "Golden Soundtrack" da American Society of Composers, Authors & Publisher.
Em 1995, a proposta do presidente do conselho dos ministros Lamberto Dini, o presidente da República,
Oscar Luigi Scalfaro, o premia com o título de Commendatore dell'Ordine al Merito della Repubblica Italia-
na. Philip Tagg (Institute of Popular Music, University of Liverpool) propõe Morricone para o Dottorato

152
Onorario in Musica;
Recebeu o "Leone d'Oro" à carreira na 52ª Biennale del Cinema di Venezia.
Em 1995 recebeu o prêmio "Rota" do istituito dalla CAM Edizioni e dalla rivista "Variety".
Em 1996 é nomeado acadêmico de Santa Cecília.
Em 1998 recebeu o "Premio Colombo".
Em 1999 vence em Berlim o European Film Award.
Em 2000, sua proposta para o Ministro per i Beni e le Attività Culturali, o Presidente da República lhe
confere o Diploma e la Medaglia di Prima Classe di Benemerito dell'Arte e della Cultura, e a Università di
Cagliari lhe confere a Laurea "Honoris Causa".
Em 2001 è nomeado socio honorário Claustro Universitario des las Artes de Alcala (Madri).
Em 2002 recebeu a Laurea "Honoris Causa" da Seconda Università di Roma.
Em 2003 recebeu do Ministro degli Esteri a medalha de ouro como representante da cultura italiana no
mundo.
Em 2007 recebeu o PREMIO OSCAR ALLA CARRIERA For his magnificent and multifaceted contributions
to the Art of Film Music.
Em 2008, Bruce Springsteen, venceu o Grammy como melhor artista de rock instrumental com Once
Upon a Time in the West, do álbum We all Love Ennio Morricone.
No campo discográfico recebeu 27 discos de ouro, 6 discos de platina, 3 Targhe d'Oro e, em 1981, o
prêmio "Critica discografica" pela trilha Sonora musical do filme "Il Prato".

3.7 - CONCERTOS DE MÚSICA DE CINEMA


A primeira vez que Ennio Morricone regeu um Concerto com músicas reti-
radas de algumas de suas trilhas musicais do cinema foi em 1983. Com Gianluigi
Gelmetti, a resenha romana Film in concerto, promovida pelo Assessorato alla Cultu-
ra de Roma em colaboração com a RAI.

A idéia foi executar músicas para filmes com a Orquestra e o Coral da RAI
de Roma, contra o fundo do anfiteatro do Parco dei Daini. Foi a primeira
iniciativa do gênero na Italia e foram escolhidas contribuições musicais en-
tre as mais importantes da história do cinema. Foram executadas obras de
Max Steiner, Bernard Hermann, Jerry Goldsmith, Leonard Bernstein, Mau-
rice Jarre, Nino Rota e John Williams, além, naturalmente, de algumas mi-
nhas. O clima cultural em que se colocava a manifestação era naqueles anos
particularmente estimulante, enquanto estavam nascendo as primeiras dis-
cussões sobre este gênero de música: foram organizadas conferências e de-
bates. Também alguns musicólogos começavam a mostrar interesse por esse
aspecto da praxe compositiva. Em suma, existia no ar uma reflexão crítica
sobre o argumento e, desse ponto de vista, não existe dúvida que a iniciativa
do Parco dei Daini caísse bem. Certo, não se pode dizer que os velhos pre-

153
conceitos tivessem desaparecido: recordo que na ocasião alguns regentes de
orquestra da RAI criticaram asperamente a idéia dos concertos de música
para filmes. Ninguém pôde negar que houvessem más músicas na história da
trilha sonora ou que ainda muitos compositores fossem diletantes nesse
campo de trabalho, mas, distinções foram feitas. Mesmo assim, foi suficiente
pensar em figuras de compositores como Nino Rota, que dedicaram ao cine-
ma grande parte de suas atividades artísticas. No entanto, um dado é cor-
reto: o sucesso de público daquele evento foi extraordinário. (Ennio Morri-
cone162)

Desde 2001, Morricone vem se dedicando muito a esse tipo de atividade.


Agrupando suas composições fílmicas de maior sucesso em blocos temáticos, seme-
lhantes a suítes ou rapsódias, ele excursiona pelo mundo, divulgando suas composi-
ções.
Tabela 5 – Concertos de Música de Cinema

Apresentações
2001
10, 11 de março - Londres, Barbican Center
2002
14 de julho - Ravenna, Palazzo Mauro De Andrè
Primeira apresentação de Voci dal Silenzio para voz recitante, coral e orquestra, dirigida pelo
maestro Riccardo Muti, patrocinada pelo Festival de Ravenna
28 setembro – Verona, Arena di Verona
21 de outubro - Paris, Palácio do Congresso
2003
26 de julho - Napoli, Arena Flegrea
10 de novembro - Londres, Royal Albert Hall
27, 28, 29 de novembro - Roma, Auditorium - Sala Santa Cecilia
2004
26 de março - Milano, Mazdapalace
25 de abril - Budapest, Sportsarena
4, 5, 6 de junho - Tokyo International Forum
28 de junho - Lisboa, Monsanto
1 de julho - S. Giovanni Rotondo, Inaugurazione nuova Chiesa S. Pio
11 de setembro - Arena di Verona

162
In: LUCCI, G. Morricone: Cinema e oltre. Milano: Mandadori Electa S.p.A., 2007, p.234.

154
18 de setembro - Roma, Campidoglio, Apertura Notte Bianca
20 de outubro - Monaco, Philharmonia Gasteig - Teatro dell'orchestra della TV Bavarese
16 de novembro - Roma, Università La Sapienza - concerto com Yo-Yo Ma
4 dezembro - Pesaro, P. B. A. Palas
16, 17 de dezembro - Roma, Auditorium - Sala Santa Cecilia (Concerto de Natal)
31 de dezembro - Roma, Piazza del Quirinale - Concerto de passagem de ano
2005
14 de maio - Firenze, Mandela Forum
30, 31 de maio - Bilbao, Palacio Eskalduna
23 de junho - Moscou, Palazzo del Kremlino
01 de julho - Lecce, Cave di Cavallino
04, 05 de julho - Atenas, Teatro del Partenone
06 de outubro - Osaka, Festival Hall
08, 09 de outubro - Tokyo International Forum
14 de outubro - Roma, Auditorium Via della Conciliazione
2006
13 de fevereiro - Torino, Medals Plaza - Olimpíadas de Inverno
25, 26, 27, 28 de fevereiro - Roma, Auditorium - Sala Santa Cecilia
24 de julho - Arena di Verona - Orchestra Filarmonica e Coro polifonico della Scala di Milano
25 de julho - Taormina - Teatro Greco - Orchestra Filarmonica e Coro polifonico della Scala di
Milano
10 de novembro - Santader , Spagna , Palacio de Deportes
1, 2 de dezembro - Londres, Hammersmith Apollo
16 de dezembro - Milano Piazza Duomo
2007
2 de fevereiro – New York, Assembléia Geral da ONU
3 de fevereiro - New York, Radio City Music Hall
3 de Marzo - "Il Canto del Dio Nascosto" Roma, Auditorium di Via della Conciliazione
16 de abril - Milano, Teatro alla Scala, Orchestra Filarmonica e Coro polifonico della Scala di
Milano
24 de abril - Bologna , Palamalaguti
5 de maio - Rio de janeiro, Teatro Municipal
14 de maio – Roma - Civitavecchia
21 de maio - Roma, IUC
7 de junho - Cracovia Piazza del Mercato

155
16 de junho - Monza, Villa Reale
30 de junho - Napoli, Arena Flegrea
5 de julho - Firenze, piazzale Michelangelo
13 de julho - Lorca (Espanha), Plaza de Toros
22 de julho – Siena, San Casciano
10, 11 de setembro - Venezia, Piazza San Marco
12 de setembro - Caserta, Piazzale antistante la Reggia
14 de setembro - Bari, Arena delle Vittorie
18 de setembro - Tivoli,Villa Adriana
2, 3 de outubro - Seul, Olympic Gymnasium
20 de outubro - Catanzaro, Teatro Politeama
27, 29, 30 de outubro - Roma, Parco della Musica - Con Orchestra e Coro di Santa Cecilia
20 de novembro - Roma, Sala Nervi
21 de novembro - Roma, Auditorium Conciliazione
12 de dezembro - Vienna, Stadthalle
16 de dezembro - Brescia, Teatro Grande
19 de dezembro - Roma, Basilica di Santa Maria sopra Minerva
2008
13 de fevereiro - Roma, Auditorio Pio
7 de março - Moscou - Kremlin
19, 20 de março - Santiago do Chile - Parque Bicentenario de Vitacura
24 de março – São Paulo - Teatro Alfa
22 de maio - Turin - Palaisozaki
27 de maio – Cidade do México - Auditorio National
29 de maio - Monterrey - Arena Monterrey
31 de maio - Guadalajara - Auditorio Telmex
2009
14 de fevereiro - Belgrado, Beagrad Arena
15 de maio – Rabat, Marrocos, Mawazine Festival
23 de maio – Pequim, Great Hall of the Peoole
26/27 de maio - Seul, Gymnasium
31 de maio - Taipei, The Dome
25 de junho - Torino
26 de junho – Bergamo
28 de junho - Moscou

156
12 de julho - Ohrid (Macedonia)
16 de julho - Aosta
23 de julho - Milano
30 Agosto - Danzica (Polonia)
19 de outubro - Catanzaro Teatro Politeama
26 de novembro - L'Aquila Auditorium della Guardia di Finanza
1 de dezembro – Milano, Teatro degli Arcimboldi
18 de dezembro - Latina teatro G.D'Annunzio
2010
10 de abril – Londres, Royal Albert Hall
02 de junho – Red Hall Expo Park, Shanghai
04 de setembro – Bari, Arena della Vittoria
11 de setembro – Verona, Arena di Verona
04 de outubro – Varsóvia, Warsaw Opera House (Privado)
19 de novembro – Milano, Mediolanum Forum Asago
4 de dezembro – Pesaro, Adriatic Arena

157
3.8 - MÚSICA DE CONCERTO DE ENNIO MORRICONE
Tabela 6 – Música de Concerto – (MICELI, 1994: 356-379)

Música de Concerto
1946 
Il mattino per piano e voce 
1947 
Imitazione per piano e voce 
Intimità per piano e voce 
1952 
Barcarola funebre per piano 
Preludio a una Novella senza titolo per piano 
1953 
Distacco I per piano e voce 
Distacco II per piano e voce 
Verrà la morte per piano e voce 
Oboe sommerso per voci e strumenti 
Sonata per ottoni, timpano e pianoforte 
1954 
Musica per orchestra d'archi e pianoforte 
1955 
Cantata per coro e orchestra 
Variazioni su tema di Frescobaldi 

Sestetto per flauto, oboe, fagotto, violino , viola e violoncello 

Trio per clarinetto corno e violoncello 
1956 
Invenzione, Canone e Ricercare per pianoforte 

158
1957 
Concerto per orchestra 1 
3 studi per flauto, clarinetto e fagotto 
1958 
Distanze per violino, violoncello e pianoforte 1958 
1966 
Requiem per un destino per coro e orchestra 
1969 
Suoni per Dino per viola e nastri magnetici 
Da molto lontano per soprano e cinque strumenti 
Caput coctu show per 8 strumenti e un baritono 
1972 
Proibito per 8 trombe Dedication: 
1978 
Immobile per coro e 4 clarinetti Dedication: 
Tre pezzi brevi 
1979 
Bambini del mondo per 18 cori di bambini 

Grande violino, piccolo bambino, per voci di bambini, suoni elettronici e orchestra d'archi 

1980 

Gestazione per voce femminile e strumenti, suoni elettronici e orchestra d'archi 

1981 
Totem secondo per 5 fagotti e 2 controfagotti 

Due poesie notturne per voce femminile, quartetto d'archi e chitarra 

1983 ‐ 1989 
Quatto Studi "per il pianoforte" 

159
1984 
Secondo concerto per flauto, violoncello e orchestra 
1985 
Frammenti di Eros ‐ Cantata per soprano, piano e orchestra 
1986 
Rag in frantumi per pianoforte 
Il rotondo silenzio della notte per voce femminile, flauto, oboe, clarinetto, piano e quartetto 
d'archi 
1988 
Refrains ‐ 3 omaggi per 6 per piano e strumenti 
Mordenti per clavicembalo 
Neumi per clavicembalo 

Cantata per L'Europa per soprano, 2 voci recitative, coro e orchestra  

Echi per coro femminile o maschile e violoncello 
Fluidi per orchestra da camera 
Cadenza per flauto e nastro magnetico 
1989 
Studio per contrabbasso 
Specchi per ensemble 
1989 ‐ 1990 
Riflessi per violoncello solo 
1990 
frammenti di giochi per violoncello e arpa 
4 Anamorfosi latine 
1991 

Una Via Crucis Stazione I "...fate questo in memoria di me..." 

160
UT per tromba, archi e percussione 
Terzo concerto per chitarra, marimba e orchestra d'archi 
Questo è un testo senza testo per coro di bambini 

Una Via Crucis Stazione IX "...Là crocifissero lui e due malfattori..." 

1991 ‐ 1993 
Epitaffi sparsi per soprano , pianoforte e strumenti 
1992 
Una Via Crucis Intermezzo in forma di Croce per orchestra 
Una Via Crucis Secondo Intermezzo per orchestra 
Una Via Crucis V "...Crucifige!... Crucifige!..." 
1992 ‐ 1993 

Esercizi per 11 archi ‐ I. Monodia interrotta e improvviso canonico 

1993 
Wow! Per voce femminile 
Braevissimo (Bravissimo I) per contrabbasso e archi 
Vidi Aquam per soprano e un'orchestra piccola 
Elegia per Egisto per violino solo 

Quarto concerto per organo, due trombe, 2 tromboni e orchestra "Hoc erat in votis" 

1994 
Il silenzio, il gioco, la memoria per coro di bambini 
Braevissimo II per contrabbasso ed archi 
Braevissimo III per contrabbasso ed archi 
Canone breve per 3 chitarre 
Canone breve 
Monodie I pr chitarra evoce 
1995 

161
Coprilo di fiori e bandiere 
Ave Regina Caelorum per coro, organo ed orchestra 
Ricreazione ... Sconcertante 
Tanti auguri a te (Happy Birthday to you) 
Omaggio 
Blitz I,II,III 
Corto ma breve 
1995 ‐ 1996 
Lemma (By Andrea ed Ennio Morricone) 
Partenope Musica per le sirene di Napoli 
A L.P. 1928 
1996 
Scherzo per violino e pianoforte 
Passaggio 
Flash (2 Canzoncine) 
1997 

Ombra di lontana presenza per viola, archi e nastro magnetico 

Il sogno di un uomo ridicolo 3 duetti per violino , viola e voce 

Quattro anacoluti per AV 

Musica per un fine per coro a quattro voci Orchestra e nastro magnetico 

1998 

Grido per soprano, orchestra d'archi e nastro magnetico ad libitum 

Notturno ‐ Passacaglia (3 variazioni) 
Amen per 6 cori 
Non devi dimenticare per voce, soprano ed orchestra 

162
S.O.S. (Suonare O Suonare )Fanfara 
1998 ‐ 1999 

Il pane spezzato per 12 voci miste, strumenti e archi ad libitum 

1999 
Ode per soprano, voce maschile recitante e orchestra 
Per i bambini morti di mafia 
Grilli per quatto quartetti 
Pietre 
Benddammerung, per soprano, pianoforte e strumenti (su testo giovanile di H. Heine)  
Grido per soprano e orchestra 
Il pane Spezzato per coro e orchestra 
2000 
Flash, II versione per 8 voci e quartetto d'archi  
A Paola Bernardi, per due clavicembali 
Ode, per soprano e orchestra 
2000 ‐ 2001 
Vivo, per trio d'archi 
2001 
Metamorfosi di Violetta, per quartetto d'archi e clarinetto 
Immobile n. 2 per armonica a bocca ed archi 
Se questo è un uomo per voce recitante ed archi 
Due x due per 2 clavicembali 
2002 
Voci dal silenzio per voce, coro , coro registrato e orchestra commissionato dal Festival 
Internazionale di Ravenna  
Finale per 2 organi eseguito al Festival di Nuova Consonanza 
2003 

163
Geometrie ricercate per 8 strumenti 
2004 
Cantata Narrazione per Padre Pio (fuori da ogni genere) 
2005 
Frop ‐ per pianoforte a 4 mani 
Come un Onda ‐ per violoncello solo o per 2 Violoncelli 
2006 
Sicilo ed altri Frammenti  
2008 
Vuoto d’Anima Piena  

164
4. ANÁLISES: “MÚSICA APLICADA”
O apelo da atividade analítica em música - e também sua justificativa epistemológica
– tem sido freqüentemente associados à capacidade de entender o mundo como sis-
tema, gerando dessa forma uma tentadora promessa de cientificidade, cujas marcas
mais ostensivas surgem com o advento da ‘Musikwissenschaft’, na segunda metade
do século XIX, e se desenrolam no âmbito do paradigma estrutural-organicista –
perspectiva de inegável complexidade e elaboração – que tem sido freqüentemente
denunciada por sua tendência formalista ou 'laboratorial', tendo dominado boa parte
do pensamento musical do século XX.
(Paulo Costa Lima163)

Fraile (2001:131) comenta o aspecto lógico e inevitável, e que isso deve


ser reconhecido desde o princípio, de que toda seleção de obras em temas artísticos
implica forçosamente certa injustiça para com as que ficaram ausentes. Sejam quais
forem os critérios de seleção, se um autor, uma corrente, uma época ou um lugar,
nunca faltarão argumentos para inclusão de obras ou aspectos que ficaram excluí-
dos. Acrescenta que, nesse sentido, é sempre latente a subjetividade do responsável
pela seleção e a total impossibilidade de prejuízos.
Quando se percebe essa obviedade no campo do cinema, mesmo que
não só no campo do cinema, onde todo o processo envolvendo a criação, pré-
produção, produção, pós-produção e comercialização de um filme foi pontuado por
escolhas, ou seja, por seleção, e que isso, analogamente, implicou na subjetividade
de alguém e em conseqüentes e inevitáveis prejuízos, talvez, nesse momento, a ob-
viedade deixe de existir transformando-se na tentativa de entendimento do universo
da seleção, ou seja, as possibilidades de escolhas e os critérios dos escolhidos.
Ennio Morricone compôs a trilha musical de mais de 400 filmes durante 50
anos de dedicação à música de cinema. Estatisticamente, baseado em seus próprios
procedimentos de composição temática, isso significa abarcar aproximadamente
1200 temas que, quando observadas como inserções musicais nos filmes para as
quais foram compostos, possivelmente elevariam os números em algo em torno de
10 vezes (12.000). As dificuldades inerentes a tais cifras inviabilizam o tratamento

163
LIMA, P. C. O Campo da Análise Musical e suas Ontologias. http://www.latinoamerica-
musica.net/ensenanza/lima/analise-po.html. Último acesso em 27/01/2007.
quantitativo, pois, mesmo com a possibilidade de desdobramentos num enorme pro-
jeto enciclopédico: “Toda a música de cinema de Ennio Morricone”, exigiria o árduo
trabalho de uma grande equipe, minimamente coesa metodologicamente.
Esta parte do trabalho, além desse problema mais obvio, centraliza e se
debruça no mesmo tipo de ambigüidade (o conflito entre o geral e o particular) anun-
ciada desde o início do trabalho e recorrente em várias de suas instâncias. Por um
lado, o particular, apresenta o recorte, ou seja, a abordagem de filmes específicos e
de momentos específicos nesses filmes, uma visão micro-estrutural e, portanto, indu-
tiva, buscando objetivamente apresentar, examinar e abarcar parte significativa da
música aplicada de Ennio Morricone; e por outro lado, o geral, a visão macro-
estrutural e, portanto, dedutiva, procurando especular, desprender e revelar caracte-
rísticas importantes que se tornaram, direta ou indiretamente, as bases musicais de
seu próprio pensamento e, por influência mútua, do pensamento musical no cinema.

Relembrando Carrasco (2005164):

É preciso lembrar que para ingressar no mundo das artes audiovisuais ou


dramático-musicais, é imprescindível que o compositor possua noções bási-
cas dos fundamentos dessas áreas. Não basta conhecer música e saber fazer
música, ainda que estes sejam pré-requisitos indispensáveis. Para fazer boa
música de cinema, por exemplo, o compositor deve entender os fundamentos
da linguagem cinematográfica. Ele deve conhecer ao menos princípios de
narrativa fílmica, dramaturgia, aspectos técnicos de cinema, tais como: en-
quadramentos, movimentos de câmera, montagem, edição sonora. Em outras
palavras, o compositor deve inserir-se no universo do cinema não como um
profissional de música que a ele se agrega, mas como profissional de cinema
cuja especialidade é a música.

Essa perspectiva de inserção do compositor no mundo do cinema direcio-


nada por Carrasco pode ser estendida às pesquisas e ao próprio pesquisador da
música de cinema, principalmente, no campo analítico. Mais do que um simples jogo
de palavras, a dualidade que está implícita na citação de Carrasco é que, por um
lado, a análise da música de um filme nos moldes eminentemente estruturalista, em-

164
CARRASCO, C. R. O Compositor Camaleão. In: Anais do 1º Simpósio Internacional de Cognição e Artes
Musicais. Curitiba: Deartes, 2005.

167
bora necessária, costuma acrescentar muito pouco à compreensão do objeto música
de filme; por outro, a exegese da análise cinematográfica “negligenciou” a música (e
outras sonoridades) como componentes narrativos, privilegiando os elementos ima-
géticos da história.
Portanto, esta parte do trabalho procura no convívio da dicotomia fornecer,
através de elementos analíticos musicológicos ou cinematográficos, algumas respos-
tas às questões iniciais: quais critérios permitem investigar ampla e objetivamente a
música de cinema? Mais especificamente, dentre vários critérios possíveis, consa-
grados ou não pela cinematografia e/ou musicologia, quais seriam os mais pertinen-
tes na avaliação da produção musical cinematográfica morriconeana?
Existem muitas características na música de cinema de Morricone que
tornam o seu estilo reconhecível, o que ele chama de sua própria “caligrafia165”. Além
disso, em sua vasta obra musical encontram-se algumas similaridades de procedi-
mentos, mas não uma música formulada, previsível e imitativa de si própria166. Ao
contrário, uma das características de Morricone é sua constante busca pelo novo e
funcional, pelo “absoluto aplicado”.
Em suas entrevistas, palestras e cursos Morricone deixa sempre muito
claro que tem por princípio inviolável não disponibilizar qualquer parte escrita de sua
música aplicada. Isso implica forçosamente que o contato mais técnico com sua mú-
sica de cinema é sempre obtido através do próprio filme onde ela está inserida (ci-
nema, VHS ou DVD) ou com as gravações comerciais posteriores (LPs, CDs), fora
do contexto audiovisual, completadas pelo “árduo” e problemático trabalho de trans-
crição das músicas.
Com essas restrições, a maioria dos nomes das músicas relacionadas às
inserções musicais foram retirados dos CDs disponíveis comercialmente, normal-
mente, com algumas melhorias estratégicas feitas pelo próprio Morricone no sentido

165
PARELES, J. The Maestro of Spaghetti Westerns Takes a Bow. The New York Times.2007, http:/
/www.nytimes.com/2007/01/28/arts/music/28pare.html?pagewanted=print. Último acesso em 26/02/2007.
166
LEINBERGER, C. Ennio Morricone’s The Good, the Bad and the Ugly. Oxford: Scarecrow Press, Inc., 2004,
p. 16.

168
de tornar as músicas mais compreensíveis em relação à trilha musical dos filmes on-
de foram utilizadas.
A análise das inserções objetivou entender a articulação entre a música,
os diálogos, outras sonoridades e as imagens principalmente nos segmentos onde a
música está presente. Com o isolamento e a observação de cada uma das inserções
musicais na micro-estrutura desses filmes (decupagem), buscou-se, além da obser-
vação das relações audiovisuais criadas no processo narrativo da história, estabele-
cer fatores que revelassem características da trilha musical como um todo, a macro-
estrutura temática das músicas no filme.

169
4.1 - A MÚSICA DE ENNIO MORRICONE NA PRIMEIRA TRILOGIA DE SERGIO LE-
ONE

4.1.1 - A parceria entre Leone e Morricone: Nascimento e Desenvolvimento de


um Estilo Musical?
Musicalmente, contrai um matrimônio católico – ou seja, indissolúvel – com Ennio
Morricone. Talvez já não saiba mais como trabalhar com outros compositores. Se a
idéia de um filme vem a minha mente, chamo Ennio, antes ainda que esteja pronto o
roteiro, e lhe conto toda a história. E assim iniciou a nossa colaboração, ou melhor,
nossa disputa: porque por três ou quatro meses, ao ritmo de três vezes por semana,
tivemos discussões violentas. Talvez eu não seja capaz de utilizar os diálogos para
que o público entenda as coisas. O tempo de um ator pode ser maximizado ao valor
de um aforismo. É o ritmo no qual se alterna os acontecimentos da história, as pau-
sas corretas no contar e tantos outros elementos de tempo e de concordâncias har-
mônicas que tornam o filme mais verdadeiro e assimilável pelo espectador. A compo-
sição das imagens é para mim como uma composição musical. É por isso que, ao
contrário de tantos outros, eu preciso da música antes de gravar um filme.
(Sergio Leone167)

Numa comparação entre Sergio Leone e Ennio Morricone, guardadas as


devidas especificidades profissionais (um como diretor e, posteriormente, produtor de
cinema e outro como músico), podemos afirmar que ambos foram e permanecem
como personalidades com quem a crítica jamais se pôs de acordo no sentido de va-
lorar as suas obras. O que para alguns constituem originalíssimos traços estilísticos
que demonstram, confirmam e sublinham as qualidades de seus trabalhos, para ou-
tros constituem idiossincrasias imperdoáveis que os detratam irremediavelmente.
No cerne dessas divergências, parece inquestionável a condição de Leone
e de Morricone como autores, cinematográfico e musical respectivamente, enten-
dendo tal acepção como a de elaboradores e colaboradores de filmes, com seus uni-
versos e personalidades próprios, como as do diretor e do músico romanos.
Muitos diretores e músicos do “cinema de gênero” elaboraram um univer-
so mais pessoal em torno de obras que, em muitos casos, transcendeu o próprio gê-
nero que as pseudo-emolduravam. Sergio Leone e Ennio Morricone representam
alguns desses casos. Um diretor e um músico de cinema que elaboraram suas obras

167
Retirado do LP Dimensioni sonore 3 – Musiche per l’immagine e l’immaginazione, RCA, 1972. In: LUCCI,
G. Morricone: Cinema e oltre. Milano: Mandadori Electa S.p.A., 2007, p.50.

170
com uma visão capaz de dotar a alguns dos seus trabalhos de uma poética extraor-
dinária, transcendendo os próprios rótulos genéricos que tentam classificá-los. Uma
de suas maiores preocupações era que seus trabalhos fossem destinados e acessí-
veis ao grande público, especializado ou não.
A primeira trilogia de Sergio Leone – PER UN pugno di dollari [POR UM PU-

NHADO DE DÓLARES – 1964]; PER QUALCHE DOLLARO IN PIÙ [POR UNS DÓLARES A MAIS –
1965]; e IL BUONO, IL BRUTTO, IL CATTIVO [TRÊS HOMENS EM CONFLITO – 1966] - alterou
significantemente a percepção do público assíduo de cinema a partir da década de
1960 no que se referia ao “far West americano”. Leone promoveu uma revisão e,
conseqüentemente, toda uma reformulação paradigmática do gênero western, com
uma narrativa que, simultaneamente, homenageava e detratava suas convenções.
Com sua violência estilizada, paisagens áridas, desertos infindáveis, vilões
engenhosos e a idéia do herói anônimo, esses filmes estabeleceram um novo tipo de
western (KAUSALIK168): “um novo velho oeste”; austero, estilizado, cínico, violento e
com um tipo de música em sua trilha sonora que definiu uma nova sonoridade para o
gênero, influenciando, posteriormente, muitos outros filmes.

Entre os compositores italianos de grande talento que naqueles anos assina-


ram trilhas musicais inesquecíveis – Armando Trovaioli, Nini Rosso, Riz Or-
tolani, Luiz Bacalov, Carlo Rustichelli, os irmãos De Angelis – o nome que
se destaca entre todos é o de Ennio Morricone. Foi Morricone a propor pri-
meiro, a inventar aquela sonoridade particular que, conjuntamente com a
fórmula de direção de Sergio Leone, constitui o próprio D.N.A., o código ge-
nético do western-Spaghetti. Como cada western à italiana deve a sua exis-
tência a “Per un pugno di dollari”, do mesmo modo cada trilha sonora mu-
sical descende, representa variações sobre o “mesmo tema” do mesmo fil-
me169.

O tratamento orquestral cinematográfico incomum de Morricone, diferente


dos seus westerns contemporâneos, não se limitou a uma orquestra típica de estúdio
com cordas, madeiras, metais e instrumentos padrões de percussão sinfônica. O
modo como ele mesclou o som de sinos, carrilhão, flauta doce, ocarinas, vozes hu-
168
KAUSALIK, E.A. A fistful of drama: musical form in the dollars trilogy. Dissertação de Mestrado. Graduate
College of Bowling Green State University, 2008, p.v.
169
BIANCHINI, F. La Fabbrica dei miti all’italiana: lo spaghetti western. Itália: Universitá Degli Studi di
Bologna – Facoltá di Lettere e Filosofia. Tese de laurea in Strutture della figurazione, 1998/99, p. 75.

171
manas, assovio humano, violão, guitarra, órgão de tubo, trompete, órgão elétrico,
piano, gaita de boca, entre outros, tornaram essa “colorida” trilha musical um dos tra-
ços que se assentarão nas bases de seu pensamento musical cinemático em muitos
de seus trabalhos futuros. Porém, o uso inovador de instrumentos totalmente alheios
às costumeiras partituras para o cinema e para o western representam o seu aspecto
mais óbvio. A utilização particular, em mútua colaboração com o diretor, desses no-
vos elementos sonoros e dos efeitos que poderiam produzir, constitui também um
nível distinto mais profundo em respeito as particularidades da trilha sonora cinema-
tográfica. Se por comentário se entende o contar “uma coisa a mais”, um explicar,
um aprofundar, nos westerns de Leone a trilha musical é mais do que um simples
comentário musical.
Ao longo da primeira trilogia de Leone, Morricone desenvolveu uma espé-
cie de “assinatura autoral” que pode ser perscrutada em torno de algumas caracterís-
ticas da trilha sonora musical:

 duração das inserções musicas. As músicas quase sempre são apresenta-


das como idéias completas, sem cortes fragmentários;
 linhas melódicas facilmente assimiláveis, memoráveis e evocativas;
 utilização de timbres incomuns,
 uso da recorrência temática com ou sem variação como princípio macro-
estrutural.

Morricone criou as trilhas musicais dos três filmes com peças musicais
que, de modo geral, além de se articularem efetivamente à narrativa dos filmes,
mesmo isoladamente, eram cativantes, surpreendentemente originais e acessíveis
ao grande público. Leone deu a elas o tempo e o espaço necessários para que pu-
dessem se articular de uma forma destacada na narrativa dos seus filmes.
O primeiro filme, PER UN PUGNO DI DOLLARI, foi lançado na Itália em 16 de
setembro de 1964. Foi produzido com o montante de US$200.000 e, em sua apre-
sentação doméstica, arrecadou US$ 4.3 milhões. O grande sucesso de bilheteria, –
tanto nas salas de cinema quanto na comercialização independente da trilha sonora
musical – levou Leone e Morricone a continuarem o desenvolvimento da idéia do tra-

172
tamento temático iniciado, confiando tanto em agrupamentos instrumentais seme-
lhantes quanto no modo das inserções para os dois lançamentos seguintes: PER
QUALCHE DOLLARO IN PIÙ [POR UNS DÓLARES A MAIS – 1965]; IL BUONO, IL BRUTTO, IL CA-
TTIVO [TRÊS HOMENS EM CONFLITO – 1966], referidos como: A Trilogia dos Dólares ou
Primeira Trilogia de Sergio Leone.
Leinberger (2004: 7) lembra que o western, desde então, não foi mais
pensado como um tempo e um lugar onde os homens bons eram separados dos
maus pelos chapéus brancos e pretos, respectivamente, como James Cagney e
Humphrey Bogart em The Oklahoma Kid (1939). O "Velho Oeste" tornou-se nesses
filmes um mundo onde a linha que dividia o bem e o mal era quase invisível, ou seja,
um tempo e um lugar onde o herói era tão mau, egoísta, ambicioso e amoral quanto
o vilão que procurava destruir:

Nessa perspectiva, parece razoável e apropriado considerar que tal trans-


formação paradigmática dos procedimentos padrões hollywoodianos ligados
ao Western fossem também acompanhados por uma mudança e ampliação
nas possibilidades da música desse gênero. A trilha sonora musical dessa
primeira trilogia de Leone proporcionou à audiência uma nova sonoridade
que, com os diálogos e as outras sonoridades da trilha sonora sincronizados
com as fortes imagens dos filmes, propunha uma linguagem narrativa cujo
vocabulário parecia ter muito pouco em comum com os filmes predecessores
do gênero (LEINBERGER, 2004:7).

As trilhas sonoras musicais de Ennio Morricone para a primeira trilogia de


Sergio Leone parecem resistir aos 47 anos do hiato temporal. Iniciando com revisões
medíocres da crítica na década de 1960, com o passar dos anos, passaram a ser
referências e muito aclamadas, com freqüência sendo descritas como “operísticas”
na forma, estilo e função. O fato de que tantas influências possam ser sintetizadas
em um estilo composicional é realmente uma das marcas da obra de Ennio Morrico-
ne. Nessas trilhas, Morricone consegue fundir as influências do rock-and-roll dos
anos 1960, da música folclórica, música popular italiana, celta e outras músicas étni-
cas, canto gregoriano, serialismo, musique concrète, música de cinema hollywoodia-
na e a música de vanguarda para criar uma obra extremamente coerente e efetiva.

173
Um músico que queira fazer boa música de filme não deve se especializar
somente em música clássica ou sinfônica, velha ou nova, não deve ser so-
mente um músico pop, um entusiasta do jazz ou do rock. Ele deve se especia-
lizar em tudo e também ser capaz de fundir gêneros diferentes. (MORRICO-
NE, 2007:35)

As inserções musicais criadas por Ennio Morricone foram utilizadas por


Sergio Leone como componentes que, engenhosamente articulados com as ima-
gens, os diálogos e as outras sonoridades, constituíram o diferencial de suas tramas
em cada um dos três filmes: a localização de cada inserção musical na linha do tem-
po dos filmes, bem como sua cuidadosa relação com as demais sonoridades, os diá-
logos e a ação visual, constituíram elementos diferenciados, contribuindo decisiva-
mente no processo narrativo. O ecletismo e o sincretismo das composições permiti-
ram que elas fossem também percebidas como música pop, características que so-
madas às fílmicas contribuíram para o grande sucesso independente obtido na ven-
dagem dos álbuns com a gravação de cada uma das trilhas sonoras musicais dos
três filmes.
Isso não quer dizer, no entanto, que a música de Morricone para a trilogia
fosse completamente original e incomum enquanto música isolada. O que a tornou
tão inusitada foi, principalmente, sua ductibilidade que se refletia tanto no plano mu-
sical quanto no cinematográfico. Na observação de porque essas músicas fizeram
tanto sucesso no espectro da indústria fonográfica, confirma-se a presença de fato-
res com características fílmicas que criavam estímulos auditivos efetivos mesmo
quando ouvidos em programas de rádio, funcionando, inclusive, como uma das
grandes referências nos mercados pop, principalmente o europeu e, posteriormente,
o americano e mundial.

174
4.2 - ESSLIN & PRENDERGAST: O “DEVELOPEMENTAL SCORE”
No final do processo de composição, uma vez que todos os fragmentos estão coloca-
dos no lugar certo, é possível obter uma idéia da atmosfera sonora global do filme,
uma idéia unificada pelo ponto de vista musical. Poderiam me perguntar se a música
do filme tem, em minha opinião, uma coerência interna comparável, por exemplo, ao
da forma sonata ou qualquer outra peça musical? Nunca encontrei uma resposta de-
finitiva para responder a esta questão. No geral, parece que em muitos dos meus fil-
mes existe uma coerência musical, mas, em alguns casos, é mais difícil de ser detec-
tada. (Ennio Morricone170)

Muito já foi escrito sobre forma, tanto sobre as formas musicais quanto
sobre as formas dos filmes. Quando se pensa em estrutura dramática, como o pró-
prio nome sugere, o cinema se apóia na dramaturgia e na narratologia que lhe lega-
ram uma gama considerável de procedimentos convencionais. As formas musicais,
como um desenho acabado de uma idéia, tem uma autonomia histórica bem maior
do que a dos filmes.
Kühn (1983) abre o seu Tratado de las Formas Musicais afirmando que as
formas musicais não gozam de boa fama por terem aprisionado, de uma forma sis-
temática, elementos que constituem um curso histórico, fazendo-os derivar para es-
quemas distanciados em demasia da própria realidade musical, ou seja, as formas
musicais podem “reduzir a música a conceitos sem vida171”. Da mesma forma, o dra-
ma e a narrativa constituem formas, esquemas gerais que incorrem, por vezes, no
mesmo tipo de problema: uma rigidez excessiva que tende a afastar em demasia a
realidade da obra analisada da própria realidade da obra.
MacKenzie172 afirma que os filmes de Leone oferecem um meio de concei-
tuar a forma de uma maneira diferente das utilizadas normalmente.

Nesses filmes de Leone, a narrativa oferece ao espectador um cinema que se


situa entre o realismo e o anti-realismo, algo que, através da montagem, des-
taca momentos de suspense, tensão e dor num grau tal, que esses momentos
na tela parecem permanecer “pendurados” no tempo. No entanto, a tensão

170
MORRICONE, E. O compositor atrás da câmera de cinema. op. cit., p.9.
171
KÜHN, C. Tratado de la forma musical. Barcelona: Editorial Labor, S.A. 1983. p.9.
172
MACKENZIE, S. Closing Arias: Operatic montage in the closing sequences of the trilogies of Coppola and
Leone. “p.o.v. – A Danich Jounal of Film Studies”. Departamento de Informação e Estudos Midiáticos da Uni-
versity of Aarhus. Número 6, dezembro de 1998, pp.109-124.

175
criada por essas cenas existe tanto na imaginação do espectador quanto na
tela, e é essa unificação da mise-en-scène – que conta a história – e a mon-
tagem – que cria a tensão e as imagens mentais – que reforçam o fato de que
Leone tenha se empenhado em criar uma nova forma de montagem "operáti-
ca.173

Chion (1990) acrescenta que, em geral, pode-se afirmar que a música tor-
na a noção do espaço e do tempo maleável, objetos de contração e distensão. Nas
cenas de suspense, é a música que nos faz aceitar a convenção de um momento
congelado, eternizado pela edição.

E nas longas confrontações nos filmes de Sergio Leone, onde personagens


fazem pouco além de posar como estátuas olhando umas para as outras, a
música de Ennio Morricone é crucial na criação do sentido de imobilização
temporal. Na realidade, Leone também tentou distender o tempo sem o auxí-
lio da música. Notavelmente, na abertura de C’era una volta Il West, ele fez
isso com o ranger ocasional de um moinho de vento e uma roda d’água. Po-
rém, ali o momento da narrativa e as situações mostradas – um longo perío-
do de espera e inação – foi escolhido para justificar a imobilidade das per-
sonagens. De qualquer forma, Leone desenvolveu esse tipo de imobilidade
épica com referência a ópera e, em geral, pela utilização da música de ma-
neira evidente na trilha sonora. (CHION174)

Formalmente, muitas trilhas de Hollywood começam e terminam os filmes


utilizando uma orquestra sinfônica padrão e acrescentam outros instrumentos mais
singulares no decorrer do filme somente quando necessário. Esse procedimento
econômico reserva o instrumental mais elaborado de cores tonais para os momentos
mais climáticos no decorrer da narrativa fílmica. Morricone, ao contrário, não poupa a
apresentação da variedade de seu imenso arsenal de sonoridades singulares já na
seqüência dos Créditos Iniciais dos três filmes, revelando nelas muito das caracterís-
ticas que tornaram essas trilhas tão efetivas. Todo material musical nos três filmes é
derivado dessa primeira peça inserida nos “créditos iniciais” como uma música inde-
pendente, completa e principal:

173
Scott MacKenzie denomina de “operática” uma forma de montagem que manipula as relações espaço-
temporais do filme com finalidades melodramáticas (Idem, p.109).
174
CHION, M. Audio-Vision: Sound on Screen. New York: Columbia University Press, 1990, p. 82.

176
1. Titoli, no primeiro filme (PER UN PUGNO DI DOLLARI [POR UM PU-
NHADO DE DÓLARES] – 1964);
2. Per qualche dollaro in più, no segundo filme (Per qualche
dollaro in più [POR UNS DÓLARES A MAIS] – 1965);
3. Il buono, Il brutto, Il cattivo, no terceiro (Il buono, il brutto, il
cattivo [TRÊS HOMENS EM CONFLITO] – 1966).

Cada filme começa a seqüência dos créditos iniciais com a música cuida-
dosamente escrita e sobreposta à animação de uma série de silhuetas estilizadas de
homens cavalgando (exceção ao segundo filme, Por uns dólares a mais, que não
utiliza as silhuetas, mas as menciona) e com características visuais que sugerem,
através de simulações de duelos e tiroteios, a violência e a morte.
O procedimento de inserções musicais utilizado por Morricone e Leone em
toda a trilogia pode ser associado ao terceiro procedimento referido por Prendergast,
na primeira parte (parte 1) do trabalho, como Developmental Score: “um método
[procedimento] composicional de unificação onde a música dos ‘créditos iniciais’ fun-
ciona de forma análoga ao mesmo pensamento que engendra a ‘Exposição’ na for-
ma sonata”, ou seja, a função de apresentar o material temático e algumas inflexões
iniciais que serão recorrentes, pelo processo de repetição, imitação, transposição
e/ou variação, durante toda a trilha sonora musical. Kausalik (2008) concorda com a
proposição:

Cada um dos Créditos Iniciais contém pequenos gestos musicais que criam
associações com outros procedimentos musicais, particularmente canções
pop, melodias folk e temas de TV e filmes conectados com o “velho-oeste”
americano. Fragmentos desses créditos iniciais portam mensagens codifica-
das do Western, como também informações importantes sobre os protagonis-
tas, vilões e locações dos três filmes. Essas células musicais – como também
sua instrumentação, timbres, áreas tonais e forma melódica – são utilizadas
para gerar as melodias remanescentes da trilha sonora musical. O resultado
é uma partitura altamente interconectada que contorna os episódios dramá-
ticos dos filmes da Trilogia dos Dólares enquanto amplifica a mitologia do
Western americano de Sergio Leone (KAUSALIK, 2008:iv).

Portanto, na primeira trilogia de Leone, os episódios dramáticos são enfa-


tizados através de uma cuidadosa escolha de onde e como posicionar a música. As
inserções musicais articulam-se de modo a auxiliar e acentuar a linha dramática de

177
cada filme recorrrendo ao material
m musical apressentado na música dos Créditos Inici-
ais. Evidenteme
E nte, o deve
elopmental score de P
Prendergasst não conttempla toda
as as
articulações form
mais e as mesmas
m funções mussicais como
o numa “fo
orma sonata
a” ou
s formas em
outras minenteme
ente musica
ais. Isso ne
em seria po
ossível, pois, em princcípio,
não existe
e nenhu
um tipo form
mal preconcebido ou e
esperado n
numa trilha musical fílm
mica.
Do mesmo
m mod
do, a analo
ogia do pen
nsamento n
não dá con
nta de toda
as as inserrções
music
cais utilizad
das no deco
orrer dos trrês filmes, pois, algum
mas, pelo sseu caráterr niti-
dame
ente secund
dário (outras vezes, menos que issso), podem
m não ter a mesma im
mpor-
tância
a no delinea
amento de uma macro
o-estrutura formal.
O pen
nsamento musical cin
nemático q
que viabiliza a organiização da trilha
music
cal como no
o modelo do
o Developm
mental Scorre oferecido
o por Prend
dergast tem
m sua
base na construção articula
ada, episód
dica e dram
mática dos e
elementos audiovisua
ais do
própriio filme.
Esslin
n (1986:47-59) explica
a que o film
me como "um ode ser imagina-
m todo" po
do como um grande arco principal rep
presentando
o sua linha dramático--narrativa.

Figura 4 – Representação da linha dramático-narrrativa do filme ((ESSLIN, 1986:4


48)

Devido à longa duração


d do
o arco seria
a impossíve
el prender a atenção d
direta
do espectador durante todo
o seu deline
eamento.

Desperrtar e sustenttar a atençãoo através da expectativa, do interessee e do


suspensse são os asp
pectos mais pprimitivos e ppopulares da estrutura draamáti-
ca. Tod
dos os outross problemas mmais complexxos e sutis reppousam sobree essa
base. Nessa
N acepçãão, uma combbinação de eelementos esppaciais permiite um
númeroo infinito de permutações
p estruturais eentre a unidaade espacial eem di-
versida p um lado, e unidade de andamento e tom em uma imen-
ade rítmica, por
sa variedade de mud danças visuaiis, por outro1775.

175
ESSL
LIN, M. Uma Anatomia
A do Drama.
D Rio de Janeiro: Zaharr Editores, 1986, pp. 47-59.

178
Isso im
mplica num
ma fragmentação do arco principa
al em arcoss auxiliaress me-
nores
s que possibilitam uma
a assistênc
cia mais inte
ermitente e gradual em relação à as-
simila
ação das infformações narrativas articuladass.

Do messmo modo qu ue uma peça mmusical camiinha com seuss próprios rittmos e
precisa
a ser subdivid
dida em seçõees distintas, nnas estrofes e coros de umaa can-
ção, no
os movimento os de uma soonata ou de uma sinfoniaa, assim tambbém o
movimeento de qualqquer forma drramática tem m de ser iguallmente articullado e
formula
ado. (idem)

Nessa
a perspectiiva, os div
versos elem
mentos do filme, inclu
usive sua trilha
music
cal, podem ser preconizados com
mo parte de
essa unidad
de onde dife
erentes zon
nas e
espaç
ços de açã
ão são cuid
dadosamen
nte situado
os como se
e formasse
em vários a
arcos
tempo
orais auxilia
ares interco
onectados ao
a arco prin
ncipal.

Figura 5 – Arcoss auxiliares (ESSSLIN, 1986:49)

Em ca
ada arco secundário, idéias e e lementos im
mportantess são grada
ativa-
mente
e apresenta
ados e/ou enfatizados
e .

Figura 6 – Fragm
mentação da ap
presentação dos elementos (ESSSLIN, 1986:51)

No modelo preco
onizado po
or Prenderg
gast (develo
opmental sscore) a mú
úsica,
quand
do presente
e, recorre aos
a materia
ais apresen
ntados nos “créditos iniciais” do filme
(a mú
úsica princiipal da trilh
ha sonora musical
m do
o filme), apresentando
o, associan
ndo e
sublin
nhando situações, pers o idéias fíllmicas para
sonagens ou a, finalmentte, retornarr com

179
a mes
sma idéia inicial
i (na mesma
m mú
úsica) no fe
echamento do filme, ccomo ocorrre na
“re-ex
xposição” de uma form
ma sonata.

Figura 7 – Developmenta
al Score

Em su
uma, o resu
ultado obtid
do pelo pro
ocedimento é uma trilh
ha sonora m
musi-
cal intterconectad
da pelos mesmos
m elem
mentos derrivados da música principal que,, gra-
dualm
mente, com
m constante
es remissõ
ões e reforrmulações articuladass, apresenta-se
como um conteú
údo amalga
amado, sug
gerindo, com seu reto
orno no fina
al do filme, uma
“comp
pletude coe
esiva”.
No en
ntanto, para
a que a pos
ssibilidade d
do Develop ore se consstitua
pmental Sco
efetiva
amente, é essencial que
q a música dos créd
ditos iniciaiis seja com
mposta de m
modo
a proporcionar remissões
r coerentes de seus d
diversos ele
ementos ta
anto superfficiais
(os materiais
m ma
ais aparenttes) quanto
o estruturaiss (as suas relações). Além disso, as
remissões devem
m manter a mesma potencialida
p ade de exp
pressão pre
esente na peça
inicial.
Segun
ndo Gorbm
man (1987:2
26) existem
m vários mo
odos dos ellementos n
narra-
tivos de um filme se relacio
onarem com a música
a criada pa
ara ele. O “tema”, deffinido
por ella como “qu
ualquer mú
úsica” (melo mento de melodia, prog
odia, fragm gressão ha
armô-
nica, sonoridade
e caracterís
stica, etc.) ouvida maiis de uma vez durantte o filme, é um
eleme
ento fundam
mental dos códigos mu
usicais cine
ematográficcos.

Um tem ma pode ser extremamente


e e econômico, ppois tendo abbsorvido as aassoci-
ações relacionadas
r à sua primeirra aparição, eem suas recorrrências podeem re-
lembraar determinaddo contexto doo filme. Isso é muito imporrtante, pois signifi-
ca que,, mesmo que a música nãoo seja em si rrepresentacionnal “[músicaa abso-
luta”], o aparecimento repetido de um elemeento musical com elementtos re-
presenttacionais do filme
f (imagenns, diálogos e sonoridadess) podem fazeer com

180
que a música porte significados representacionais [música “aplicada”]. Te-
mas acumulam significados em vários graus. Um tema pode ser associado a
uma função fixa, constantemente assinalando o mesmo personagem, local ou
situação cada vez que ele aparecer, ou pode variar, ter nuances, participar
da evolução dinâmica do filme. (GORBMAN, 1987:27)

Desse modo, cada uma das peças principais da primeira trilogia de Sergio
Leone, apresentadas nos créditos iniciais, possuem qualidades modulares. A con-
cepção “modular” das inserções musicais é um dos procedimentos técnicos utilizado
por Morricone a partir de pequenas unidades motívicas ou “células” (denominadas
por Miceli de “micro-células”) que podem ser permutadas, trocadas, omitidas ou
transformadas em novas possibilidades de inserções musicais. Miceli (1994) des-
creve a técnica de “micro-células” como “pseudo-serial”, pois, no serialismo clássico,
ou no chamado método de doze tons, um compositor cria uma linha de tons (uma
série) construída com doze classes de alturas diferentes. Os compositores freqüen-
temente dividem essas doze alturas em grupos de dois (díades ou bicordes), três
(tríades ou tricordes), quatro (tetracordes), cinco (pentacordes) ou seis (hexacordes)
sons. Parte do processo composicional é arranjar esses pequenos grupos em várias
ordens, tanto consecutivamente quanto simultaneamente, atingindo ordens diferen-
tes de todas as doze alturas (agregados). No entanto, a técnica “micro-celular” de
Morricone parte da combinação de pequenos grupos de alturas, mas, não fica restrita
da mesma forma como no serialismo dodecafônico clássico, pois não depende da
inclusão das doze classes de alturas, e pode, dessa forma, também ser aplicada na
música tonal e modal. Em seu âmago essas pequenas unidades podem ser conecta-
das e/ou permutadas, formando idéias musicais maiores e mais completas, que por
sua vez, também podem ser conectadas e/ou permutadas, conformando uma música
interconectada por uma mesma idéia176.
Portanto, as “micro-células” de Morricone, na microestrutura da composi-
ção musical, permitem fazer transições lógicas de um motivo curto, ou “célula”, para
uma próxima formando as partes de uma idéia maior, uma melodia principal ou se-

176
Esse procedimento tem origem na escola franco-flamenga e, especificamente, no “contraponto inversível”,
engenhoso método de construção e sobreposição de idéias melódicas que permite a reconfiguração de uma mes-
ma idéia musical de muitas outras formas diferentes.

181
cundá
ária e/ou um
u elemento de transição. A cconcatenaçã
ão desses elementoss em
idéias
s maiores permite
p que
e Morricone
e utilize-os modularme
ente, ou sejja, cada pa
arte é
como um módulo que pod
de ser enca
aixado em momentoss narrativoss diferencia
ados,
pela variação
v e adequação
a de alguma
as de suas características formais.
Essa técnica pod
de, realmen
nte, ser obsservada em
m muitas de
e suas trilha
as. O
própriio Morricon
ne reconhece que a utiliza,
u mass, prefere n
não discuti-la em deta
alhes.
Embo
ora a aplica
ação das “micro-célul
“ las” como parte fund
damental de
e seu proccesso
composicional permaneça um tanto quanto miste
eriosa, algu
umas de su
uas caracte
erísti-
erão eviden
cas se ntes na música das du
uas trilogiass de Leone.
Sergio ca que, na primeira ttrilogia de Leone, “ass três
o Miceli (2001) explic
músic
cas dos cré
éditos inicia
ais estruturram-se, a p
partir de ‘m
micro-célulass’, numa fo
orma
triparrtida sobre uma segm
mentação estilístico-fo
e ormal que ccorresponde a um mo
odelo
que permite
p e fa
acilita remis ormulaçõess177”, ou seja, possibilitta a recorrê
ssões e refo ência
do ma
aterial apresentado.

Figura 8 – Segmentos forrmais dos Créditos Iniciais da T


Trilogia dos Dóllares (Miceli, 20
001:167)

A prim
meira parte da tripartiç
ção (o seg mento denominado de ARCAICO na
figura
a), em cada
a uma das músicas
m do
os créditos iniciais da primeira triilogia de Le
eone,
corres
sponde a um
u segmen
nto temátic
co que Serrgio Miceli define com
mo de natu
ureza
primitiva, arcaica
a ou minima
alista.

Os insttrumentos utillizados nessee segmento sãão, de fato, insstrumentos siimples


com caaracterísticas rústicas: do assovio humaano, “que tem m o primado da in-
digênciia”, à harpa hebraica (maarranzano, no italiano; ouu doromb, noo leste
europeu [berimbau de boca, no B Brasil]); da ttosca ocarinaa às flautas dooces e
de pã; da gaita de boca
b ao violãão acústico, qque nesse contexto ocupa o de-

177
MIC CELI, S. Comp
porre per Il cin
nema: teoria e prassi della m
musica nel film
m. Venezia: Maarsilio Editori S.p.a.,
2001, pp.167-169.
p

182
grau mais elevado. Também o acompanhamento percussivo constituído pelo
som de estalos de chicote, do martelo na bigorna, de castanholas, campanas,
entre outros, corresponde a essa mesma concepção (MICELI, 2001:167).

Além disso, ele acrescenta que a primeira parte forma tanto um segmento
autônomo com características de unidade e completude, quanto funciona também
como uma ponte (união) frente a possíveis segmentos sucessivos.
Seguindo a exposição, a segunda parte da tripartição (ao modo do ROCK)
revela uma reviravolta caracterizada, principalmente, pela guitarra elétrica executada
com estilemas do rock. Também nesse caso o segmento pode ser percebido tanto
como um episódio autônomo, quanto como resposta ou “desenvolvimento” do seg-
mento precedente. Miceli enfatiza que “se trata, porém, de rock ‘domesticado’: poten-
te em relação ao antecedente, mas, inofensivo por si mesmo” (MICELI, 2001:167).
A terceira parte da tripartição (PSEUDO-SINFÔNICO) adapta os elemen-
tos musicais na tradição sinfônica “clássica”. Miceli define esse segmento como
pseudo-sinfônico, pois, os timbres anteriores são (re)agrupados e/ou (re)organizados
orquestralmente – a instrumentação isolada é reorganizada numa perspectiva or-
questral sinfônica: madeiras, metais, cordas, coro (normalmente com função vocali-
zante) e percussão. Também neste caso o segmento tem autonomia, mas, na peça,
apresenta-se como recapitulação dos elementos precedentes.

É evidente que os três segmentos podem aparecer isoladamente no filme con-


forme o contexto e a circunstância (representando assim a forma originária
de uma concepção modular), mas, o aspecto mais interessante das segmen-
tações está numa concepção de fundo, que porta em última análise à própria
sucessão e depois à coexistência de elementos estilísticos muito distantes en-
tre si, ligados em um único tecido conectivo (MICELI, 2001:167).

A confluência das elucidações de Esslin e Prendergast pode ser represen-


tada como a junção dos dois gráficos anteriores:

183
Figura 9 – Esslin & Prend
dergast

Com essa “conc


cepção de fundo” da
as segmenttações da composiçã
ão de
cone, Miceli formula a hipótese de que se
Morric eria a caraccterização e diferenciiação
estilís
stica o princ
cipal fator que
q contribuiu ao suce
esso tributa
ado ao com
mpositor po
or pú-
blicos
s tão disparratados, sejja em relaç
ção ao gos to musical ou a faixa etária (Morrico-
ne es
stá com 83 anos [nas
sceu em 10
0/11/1928] e sempre obteve mu
uito sucesso
o em
relaçã
ão ao públic
co em gera
al).

Esquemmatizando em m maneira ineevitavelmentee brutal, Titolli poderia repprodu-


zir – ouu sugerir em modo subserrviente – um modelo tripaartido de deseenvol-
vimento o social seguundo uma ideeologia burgguesa de integgração. O asssovio
humano o, os sons prroduzidos com m instrumentoos rudimentaares, por vezees em-
prestaddos do mundo o animal, remmete a uma civvilização arccaica imersa nna na-
tureza na qual, entrre os diversoss valores connotativos e toddos coerentess, pre-
valece o do individu ualismo, com um fundo dee anarquia livvre. Eletrificaando a
guitarrra – atualizan
ndo aqueles qque eram instrrumentos arccaicos ou elem menta-
res – oss modos do ro ock portam bbrutalmente a um contexto tecnologizaddo, por
isso contemporâneo o, no qual – ppelo senso com
mum – agregaação e transggressi-
vidade caminham de d mãos dadaas (“Sexo, drroga e Rock and Roll”, ddiriam
uma veez; mas se pense também nna “selva de asfalto”, com mo recolocaçção do
West na civilização industrializaada). Por fim,, a orquestraa clássica e o coral
humano o portam connotações de uuma coletividaade disciplinaada que se auutoce-
lebra em
e modo ineviitavelmente rretórico. (MIC CELI, 1994, 1115-116),

184
185
4.3 - A MÚSICA DE PER UN PUGNO DI DOLLARI – 1964
(POR UM PUNHADO DE DÓLARES)
Se de fato que eu criei um novo tipo de Western, foi Ennio Morricone quem lhe deu
vida. (Sergio Leone178)

4.3.1 - Ficha Técnica


Per un pugno di dollari – A Fistful of Dollars – Por um Punhado de Dólares179
Países: Itália/Espanha/Alemanha
Ano: 1964
Duração: 100 Minutos
Direção: Sergio Leone (como pseudônimo de Bob Robertson)
Argumento: Sergio Leone, [Akira Kurosawa (Yojimbo, La sfida del samurai)]
Roteiro: Sergio Leone, Duccio Tessari, Fernando Di Leo
Produção: Arrigo Colombo, Giorgio Papi
Produtor Executivo: Franco Palaggi
Jolly Film (Roma), Ocean Film (Madri), Constantin Film Produktion GmbH (Mônaco da
Empresas Produtoras:
Baviera)
Distribuição (Itália): Unidis
Intérpretes e Personagens

 Clint Eastwood: Joe, O estrangeiro


 Gian Maria Volonté (John Wells): Ramón Rojo
 Marianne Koch: Marisol
 Wolfgang Lukschy: John Baxter, o xerife
 Sieghardt Rupp: Esteban Rojo
 Antonio Prieto: Don Miguel Rojo
 José Calvo: Silvanito
 Margarita Lozano: Consuelo Baxter
 Daniel Martín: Julio
 Benito Stefanelli: Dougy
 Bruno Carotenuto: Antonio Baxter
 Joseph Egger: Piripero
 Mario Brega: Chico
 Aldo Sambrell: Rubio
 Nino Del Arco: Jesus
Fotografia: Massimo Dallamano, Federico G. Larraya
Montagem: Roberto Cinquini, Alfonso Santacana
Efeitos Especiais: Giovanni Corridori
Música: Ennio Morricone (Leo Nichols e Dan Savio)

178
In FRAILE, J. R. Ennio Morricone: Música, Cine e Historia. Salamanca: Gráficas Verona, 2001, p.60.
179
Considerado a pedra fundamental do gênero que ficou conhecido como spaghetti western, o filme é erronea-
mente considerado o primeiro do gênero – na Europa, antes de 1964, já haviam sido produzidos diversos wes-
terns, porém, sem a mesma penetração. Per un Pugno di Dollari, por outro lado, revigorou o gênero, em franco
declínio, resgatando, atualizando e redefinindo as próprias convenções do western americano.

186
Cenografia: Carlo Simi, Sigfrido Burmann
Costumes: Carlo Simi
Prêmios
Nastro d'Argento 1965: "Melhor Música" (Ennio Morricone).

4.3.2 - Comentários Iniciais


Quando um homem com um revólver encontra um homem com uma espingarda,
aquele com o revólver é um homem morto. (Ditado mexicano citado por Ramón Rojo,
dirigindo-se a Joe no filme)

Embora não seja o primeiro western-europeu (TIERRA BRUTAL / THE SAVA-


GE GUNS, de 1961, filme espanhol dirigido por Michael Carreras é classificado como o
primeiro), PER UN PUGNO DI DOLLARI, de 1964, o segundo filme dirigido integralmente
por Sergio Leone, foi o que revolucionou o “cinema americano por excelência”, a
ponto de gerar da desnorteada crítica americana um substantivo composto para refe-
renciá-lo (reconhecendo-o e repudiando-o, simultaneamente): western-spaghetti180.
A Jolly Film produziu o filme PER UN PUGNO DI DOLLARI a partir do projeto Il
magnífico straniero de Sergio Leone como um filme reserva de “classe C”. Nesse
mesmo período estava em produção LE PISTOLE NON DISCUTONO de Mario Caiano
(com música de Ennio Morricone utilizando o pseudônimo de Dan Savio), considera-
do pela produtora de sucesso seguro181. O filme de Leone representava para a produ-

180
O termo spaghetti Western foi, e ainda é, o preferido pela crítica americana. Inicialmente ele foi recebido pelos
italianos como um ‘insulto’, pois, associava o subgênero fílmico com a comida mais famosa da Itália (uma men-
ção indireta e irônica ao ‘sangue’ resultante da extrema violência dos filmes relacionado com o típico ‘molho’ de
tomates utilizado no famoso prato italiano) e com estereótipos do comportamento italiano. O termo surgiu por
volta de 1968 e parece ter sido utilizado pela primeira vez por Judith Christ em “Cristian science Monitor” e
também por Renata Adler no “New York Times” de setembro de 1968. Os westerns produzidos fora dos Estados
Unidos passaram a ter denominações análogas aos italianos: alemães – Sauerkraut western; franceses – Camem-
bert western; espanhóis – Chorizo western, aos filmes de produções locais, mas também Butifarra ou Paella
western; brasileiros – Faroeste ou bangue-bangue. Os italianos, portanto, que eram os “originais”, foram primei-
ramente chamados de Macaroni, depois Hopalong Veneto e, finalmente, Spaghetti western.
Contemporaneamente, um termo mais neutro utilizado é Euro-Western ou Western italiano (Marco Giusti, “La
Bienale di Venezia – 64ª Mostra Internazionale d’Arte Cinematografica”, Per chi è cresciuto negli anni ’60).
181
Em 1964, dos 27 Westerns produzidos na Itália, A FISTFUL OF DOLLARS foi o de número 25. Em 1965, o ano
do segundo Western de Sergio Leone PER QUALCHE DOLLARO IN PIÙ , foram produzidos mais 30, e em 1966, o
ano do terceiro IL BUONO, IL BRUTTO, IL CATTIVO, cerca de 40. Em 1968, quando Leone iniciou os preparativos
de C’ERA UNA VOLTA IL WEST – sua despedida da seqüência de filmes italianos populares – uma quantia de 74
Westerns italianos, ou co-produção Itália-Espanha, estavam ou em pré-produção ou sendo filmados. Isso tudo
num tempo em que os números dos Westerns de Hollywood estavam em franco declínio, de 150, ou 34% de

187
tora, entre outras coisas, um modo fácil de reutilização da logística do filme principal,
que era dotado de um orçamento muito superior e por atores considerados de alto
nível. Leone deveria utilizar as mesmas locações, os mesmos vestuários, grande
parte da trupe e dos atores utilizados no filme de Caiano.
O filme de Leone além de propiciar a Morricone grande licença criativa,
encorajando o compositor a quebrar algumas das convenções então vigentes, criteri-
osamente controlou o tempo de exposição da música, mixada com equilíbrio em re-
lação às outras sonoridades e livre de diálogos excessivos.
Miceli confirma que se, por um lado, o filme que inaugurou a parceria entre
Leone e Morricone era considerado um projeto para realização de um filme de “clas-
se C”, onde todos pareciam acreditar que seria muito difícil obter qualquer tipo de
sucesso, por outro, o projeto pôde ser desenvolvido com uma liberdade de criação
que de outra forma seria impensável.

[O projeto inaugura] a colaboração entre duas personalidades sempre ca-


racterizadas, no tempo, de uma atenção quase maníaca nos confrontos do
próprio trabalho e, no que se refere a Leone, de uma consideração insólita
também do componente musical, que o induzirá a formular exigências muito
precisas – e isso será muito importante para Morricone – não formalizadas e
pontualizadas demais em sentido musical (MICELI, 1994:107)

Terminada a primeira montagem do filme, Sergio Leone tinha a intenção


de chamar Angelo Francesco Lavagnino para compor a trilha musical, pois o músico
já havia composto a música de seu filme anterior de 1961, IL COLOSSO DI RODI (O CO-
LOSSO DE RODES), o primeiro dirigido integralmente por Leone. Papi e Colombo, dire-
tores da Jolly Film e produtores do projeto, entretanto, sugeriram a Leone que utili-
zasse Dan Savio, pseudônimo utilizado por Ennio Morricone, o músico que havia
composto a trilha musical de DUELLO NEL TEXAS dirigido por Ricardo Blasco, em 1963,
e estava terminando a trilha de LE PISTOLE NON DISCUTONO [PISTOLS DON’T ARGUE]
dirigido por Mike Perkins. Leone havia assistido ao filme DUELLO NEL TEXAS e ouvido
a balada A Gringo Like Me, o tema central da trilha musical:

todos os lançamentos americanos, em 1950, para 11, ou 9% de todos os lançamentos, em 1963 (FRYLING, C.
The Leone Legacy. “Once Upon a Time in Italia:The Westerns of Sergio Leone”. New York: Harry N. Abrams,
Inc., 2005, pp. 171-196.

188
Era aquele tipo de filme no qual o ator caia no chão antes que o tiro do re-
vólver o tivesse atingido, de fato, na cabeça. Era também aquele tipo de fil-
me no qual o protagonista, vestido de pele de camurça e chamado “gringo”
chegava à galope na cidade para advertir a autoridade que alguém havia
atirado em seu pai, entrava tranquilamente no salão de barbeiro, fazia a
barba e o cabelo e enfim anunciava: “agora devo encontrar o xerife. Alguém
‘matou o meu pai’”.

Leone, bastante contrariado e relutante, decidiu-se por encontrar com En-


nio Morricone em sua casa. Cristopher Frayling (2005) comenta sobre o (re)encontro:

Quando Morricone foi convidado a escrever a música de Fistful, ele estava


trabalhando no filme de Caiano, PISTOLS DON’T ARGUE. A trilha para Pistols
não é particularmente interessante: um tema principal orquestrado, baseado
numa estrutura de quatro acordes, com uma trompa executando a melodia,
sustentado por insistentes “tropéis” nos tímpanos – tudo remanescente do
estilo equivalente de Hollywood. PISTOLS DON’T ARGUE tem uma balada tra-
dicional intitulada “Lonesome Billy”, cantada por Peter Tevis. Sergio Leone
achou essas primeiras trilhas de Morricone terríveis – e Morricone [...] apa-
rentemente concordou.

Nos dois exemplos citados por Frayling é possível perceber um Morricone


preocupado em seguir os modelos de sucesso estabelecidos por Hollywood, nesses
casos, Elmer Berstein no filme THE MAGNIFICENT SEVEN (SETE HOMENS E UM DESTINO),
1960, dirigido por John Sturges, inspirado no filme OS SETE SAMURAIS, 1954, de Akira
Kurosawa; e a canção Do not forsake, Oh my Darling, de Dimitri Tiomkin para o filme
HIGH NOON (MATAR OU MORRER), 1952, dirigido por Fred Zinnemann, respectivamen-
te. O próprio Morricone concorda182:

A primeira vez que Sergio escutou uma trilha sonora minha foi em minha ca-
sa, e se aborreceu soberanamente, comentando quando terminou: “Nunca
poderemos trabalhar juntos”. Perguntei-lhe por que, claro. Respondeu que
aquela música era horrível. Com toda razão do mundo, reconheci. Pertencia
ao filme AS PISTOLAS NÃO DISCUTEM e era uma simples imitação do tipo de
música dos westerns americanos, como as do Dimitri Tiomkin. Foi o que me
pediram e obedeci sem discutir, pois o filme não valia nada e, portanto, tam-
bém não “valia nada discutir”. Antes que Sergio pudesse replicar lhe disse
que poderia compor algo verdadeiramente pessoal, que se me desse a opor-
tunidade poderia oferecer algo que responderia de verdade às nossas inquie-
tudes. Aceitou, e desde então a última coisa que Sergio Leone podia conce-
ber era um filme seu com uma música que não fosse minha.

182
AGUILAR, C. Sergio Leone, Madri: Catedra, 1990, pp.90-91.

189
Morricone ilustra a propósito de seu relacionamento profissional com Le-
one:

Sergio não só não era afinado como não conseguia nem mesmo cantar uma
melodia de forma, diria, “desafinada”. Quando penso na respiração musical
de seu cinema e na intensidade de nossa relação criativa, tudo isso me pare-
ce ainda mais extraordinário. E também me faz recordar que quando Sergio
queria indicar um tema meu, se limitava a dizer: “Aquele que faz ‘tititi’”,
cantarolando de modo muito vago. Toda minha música, naquele momento,
poderia ser resumida em um ‘tititi’, e para mim era sempre uma tarefa muito
difícil entender a qual peça ele estava se referindo (Morricone in MELIS, F.
op. cit., p. 13)

O pensamento que envolveu a criação da música para esse primeiro wes-


tern de Leone revela algumas das principais características que se constituirão como
base para outros filmes, não só os de Leone.

Sempre acreditei que um dos meios mais importantes do compositor cinema-


tográfico fosse a invenção tímbrica. Comecei a experimentar essa maneira
de pensar a música no caso específico da cena e, sobretudo, da personagem
em Per un Pugno di Dollari e, posteriormente, em todos os outros filmes de
Leone. O cinema Western me deu essa ajuda, pois o gênero, pelo menos co-
mo entendido por Leone, é um gênero picaresco, brincalhão, dramático, di-
vertido, cáustico, tudo sobre as próprias linhas. A figura caricatural do pro-
tagonista é forçada pela vontade do diretor. Muitos anos depois, Leone me
confidenciou que para fazer Clint Eastwood ‘recitar’ [atuar] daquele modo o
fazia pensar de uma forma pesada (palavrões) contra seu antagonista. Aque-
las palavras horríveis – que aqui não posso repetir – eram verbalmente
inexpressíveis, mas Leone queria que queimassem dentro do ator, transfor-
mando-se em uma carranca. Frente a uma direção tão intensa, mas confor-
tada por resultados excelentes, eis a necessidade, para mim, de utilizar sons
insólitos, que pudessem equivaler àqueles “excessos” referidos. Tudo, inclu-
sive a parte sonora, deveria parecer muito mais do que era realmente. Por
isso as campanas, o chicote, o assovio, a bigorna, as ocarinas, as vozes e
tantas outras coisas ainda. A necessidade de fazer o filme parecer épico con-
duzia o tom das instrumentações, aos corais, aos crescendos, aos arcos com
seus ritmos galopantes (pensava na época nos arcos de Monteverdi em Il
Combattimento di Tancredi e Clorinda) e a todos os outros artifícios existen-
tes para dar à música as qualidades necessárias que pudesse fazer o caráter
do filme de Leone decolar e que o filme fosse crível183.

183
Miceli diz que a afirmação de Morricone apresenta um lapsus interessante, sintomático e de uma posição con-
traditória. Para ele, a hipérbole constante sobre a qual se baseia o cinema de Leone, descrito de modo eficaz pelo
próprio Morricone, faz pensar se, ao contrário, não apresenta uma contribuição musical voltada à incredibilidade
mais que à credibilidade, ao extraordinário ao invés do ordinário, como extraordinários são, pela mesma admis-

190
Toda a articulação e o reconhecimento do material musical na narrativa
fílmica centram-se no protagonismo do “homem sem nome” (Clint Eastwood), no an-
tagonismo canalizado na personagem de Ramon (Gian Maria Voluntè) e numa mes-
ma localidade (San Miguel).

No decorrer do filme, Morricone diferencia as inserções musicais com:

 colorações instrumentais inusuais,


 inserções musicais mais rápidas e excitantes num modo contrastante com
outras mais lentas, no mesmo modo ou no contraste maior/menor (modal ou
tonal), repletos de lamentações e, algumas vezes, mais elevados;
 aceleração dramática no tempo;
 aumento gradual da energia musical com a utilização de crescendos na in-
tensidade e/ou na acumulação de instrumentos tanto isolados como em gru-
pos instrumentais;
 paradas bruscas, de forma que possa reiniciar a construção dramática com
níveis crescentes.

Morricone foi engajado no projeto no momento em que o filme encontrava-


se na fase de pós-produção. As seqüências do filme que mais necessitavam de su-
porte musical, segundo Leone, eram a da troca de prisioneiros e a do duelo final. Iro-
nicamente, o conceito musical pretendido por Sergio Leone originou-se a partir de
duas canções pré-existentes arranjadas por Morricone para o mercado de música
pop italiano: uma Ninna Nanna (Canção de Ninar) e Pastures of Plenty de 1962.

4.3.2.1: “Ninna nanna” => Per un pugno di dollari.

O sul do Texas é um lugar apaixonado e quentíssimo. Lá existe uma mistura


de México e América. Isto dá aos seus rituais fúnebres e às suas religiões um
tom e uma atmosfera particular. É isso que necessitava para minha dança da
morte. Para o meu primeiro western solicitei uma trilha musical similar a

são do compositor, as suas contribuições sonoras. O adjetivo traduz, talvez, uma constante preocupação de Mor-
ricone, a de contribuir à consolidação do filme em termos de consenso.

191
trenodiia184 que Tiom
mkin havia uutilizado em ‘Un dollaro d’onore’ e nno ‘La
Battagllia di Alamo’. [O Deguelllo] É um anntigo canto fúúnebre mexicano. (
Leone1885).

Leone
e tinha utilizado nas duas seq
qüências ssupracitadas (como ttemp-
track186) durante a primeira montagem
m o Deguelllo, um lame
ento para ttrompete esscrito
por Dimitri Tiomk
kin para o filme
f RIO BRAVO
R (UN D
DOLLARO D’O
ONORE – na
a Itália) de 1
1959,
do por How
dirigid ward Hawks
s. Tradicion
nalmente d
de natureza
a mexicana
a, este estilo de
tocar trompete permanece
p ainda hoje
e muito pop
pular no Mé
éxico e no ssul dos Esttados
os.
Unido

Figura 10 – “Il Deguello” de Diimitri Tiomkin

184
Essaa idéia foi matterializada no terceiro
t filme C’era una vollta Il West, seegundo Leone a própria “Daança da
Morte”, pois, como Orestes
O De Fornnari, (p.75) esccreve: “Leone conta a epopéiia das primeiraas ferrovias traanscon-
tinentaiis, mas, sem esquecer a culturra clássica e ass etmologias grregas: treno, trrenos, trenodiaa, canto fúnebree”.
185
FRAAYLING,C. Seergio Leone: Danzando
D con la morte, Millano: Il Castorro, 2002, pp. 131-178, In: P Per un
pugno did dollari, http://it.wikipedia.org/wiki/Per_u un_pugno_di_ddollari, último acesso em 25 de agosto de 22009.
186
Seguundo Sergio Miceli,
M o editor Roberto Cinqu uini teve a inicciativa de inserrir o Deguello na montagem sem o
conheciimento de Leeone, depois de d encontrá-lo o no filme D ivorzio all’itaaliana dirigidoo por Pietro G Germi.
(MICEL LI, 1994:117)

192
Para Morricone, nessa época, um Western era um western, ou seja, ele
pensava as músicas que utilizavam esse tipo de solo de trompete, conhecido como
estilo mariachi, mas chamado por ele de estilo cigano, simplesmente como utiliza-
ções padronizadas de uma ambientação típica do sudeste dos Estados Unidos, nor-
malmente, reservadas ao clímax dos filmes num confronto final entre o bem e o mal:
os duelos.
Ao contrário de Morricone, Leone entendia o duelo como ponto vital na
construção de “um novo estilo de herói”. Ele era mais que um momento da instância
narrativa que provocava o envolvimento lúdico do espectador no gênero western.
Para ele o confronto final se configurava como momento fundamental e irrenunciável
pelo caráter “ritualístico”.

A partir de POR UM PUNHADO DE DÓLARES, o duelo final é o momento fun-


damental indispensável em qualquer western spaghetti. O duelo é o "climax",
do filme junto com o "espancamento" em que é, regularmente, submetido o
protagonista, o desafio final assume a forma de rito187.

Nessa perspectiva, o trompete era a escolha de Leone, além de uma refe-


rência lógica, em virtude de sua presença enérgica e dominadora, para as cenas de
confrontações, mesmo que já utilizado em outros filmes americanos.
Morricone, já com algumas experiências negativas na composição e arran-
jo de música para cinema, havia estabelecido que, em princípio, não utilizaria mais
materiais musicais que não fossem compostos por ele mesmo. A insistência de Le-
one na utilização do Deguello fez com que Morricone ameaçasse desligar-se do pro-
jeto caso o diretor insistisse na idéia de manter a peça. Leone foi surpreendido, in-
clusive porque sabia que Morricone e seu pai tocavam trompete.

No meu pensamento daquele momento não cogitava utilizar peças de outros


compositores, muito menos imitar uma peça de outro compositor. Dessa
forma, disse-lhe que procurasse outro compositor. O meu amigo, porém, não
era alguém que abandonava facilmente sua presa e, diplomaticamente, me
propôs: “Não te peço para imitar, peço para que faças algo similar”. Eu já
pressentia a dignidade que cada compositor deve ter e nem mesmo queria

187
BIANCHINI, F. La Fabbrica dei Miti All’italiana: Lo Spaghetti Western. Università Degli Studi di Bologna
Facultà di Lettere e Filosofia. Tesi di laurea in Strutture della figurazione, 1998/99, p.78.

193
“fazer qualquer coisa similar” dde maneira paassiva, mas, ttambém não ggosta-
ria de desiludir
d Leone. Nesse ponnto lembrei-m
me de um temma que tinha eescrito
para a televisão, cantado por um
ma das Peter Sister, as trêss irmãs negraas que
Garineei e Giovanninni haviam lannçado num m musical com RRenato Rasceel. Era
uma caanção de nina ar [ninna nannna] que umaa delas cantaava na popa dde um
barco... (MORRICO ONE, 2008:555)

A Ninna nanna havia


h sido escrita
e em 1962 para um de trêss episódios tele-
visivo
os dos Dram
mmi marini de
d O’Neil (M
MICELI:199
94:117).

Exemplo 1 – Nin
nna Nanna (MIC ELI,1994:118)

A can
nção foi des
stituída de sua
s letra, trransposta u
um tom aba
aixo para o mo-
do de
e Ré e re-escrita com base em uma
u série d
de ornamen
ntos, alguns deles esccritos
por Morricone
M e outros imp
provisados por
p Michele
e Lacerenza, músico q
que domina
ava o
estilo mariachi (m
mexicano) de
d tocar tro
ompete.

Atenção, o tema erra certamentee muito diferrente e distannte do lamentto [do


deguelllo]. O que os tornam simillares é a execcução do trom
mpete numa m manei-
ra ciga
ana, com todoos os melismaas – as evoluçções em tornoo das notas siimples
da mellodia –, repito
o, não era a mesma idéia temática do deguello (MO ORRI-
CONE,, 1994:119).

Inicialmente, a adequação
a da melodia
a ao conceito da trilha sonora mu
usical
me, sugerid
do film da por Leon
ne, foi elabo
orada por M
Morricone de modo ma
ais econôm
mico:

194
Exemplo 2 – Transformações d
de Morricone

Miceli (1994:117
7) comenta
a que a intterpretação
o de Miche
ele Laceren
nza –
defendida e impo
osta por Mo
orricone – foi
f contesta
ada durame
ente por Se
ergio Leone
e que
deseja
ava convidar Nini Ros
sso, um am
migo trompe
etista, ligado
o a um estilo de músicca de
entrettenimento “sofisticado
“ o” dos nightt-clubs italia
anos da ép
poca. Após o improvisso de
Lacerrenza a Nin
nna nanna inicial se transformou
t u em A Fisstful of Dolllars, o segundo
tema principal do
o filme.

195
Exemplo 3 – A Fistful of Do
ollars – Segundo
o tema principa
al do filme

O estilo mariachi desse solo de tromp


pete acabou
u sendo “fo
orçosamente
e” in-
corpo
orado por Morricone
M co
omo mais um
u elemento étnico de
e seu estilo
o composiccional
e, em
m particular,, nos weste
erns. Cumb
bow (1987)) descreve o uso de M
Morricone d
deste
estilo particular:

A ária solada por trompete no estilo mariaachi é outra convenção à qual


Morriccone deu uma a nova vida. DDe fato, atraavés de uma série de parttituras
para westerns,
w ele to
ornou essa coonvenção virtu mo sendo sua1188.
tualmente com

es of Plenty
4.3.2.2: Pasture y => titoli
Superrada as des
savenças in
niciais, Leo
one e Morriicone acabaram chegando
a um acordo sob
bre a temáttica e os effeitos que a música de
everia ter n
no filme. Na
a opi-
nião do
d diretor, como
c o film
me já se encontrava nu
um estágio
o avançado de elabora
ação,
a trilha musical resultava
r diifícil de inte
egrar-se perfeitamente
e. Morricone
e recorda d
de ter
trabalhado muito
o, tentando
o sublinharr os aspecctos irônico
os de certo
os persona
agens

188
CUM MBOW, R. C. OnceO Upon a Time:
T The filmees of Sergio Leeone. New Yorrk: The Scarecrrow Press Inc.,, 1987,
201. In: LEINBERGE ER, C. Ennio Morricone’s
M The
Th Good, the B Bad and the U
Ugly: a film scoore guide. Marryland:
Scarecrrow Press Inc., 2004.

196
com instrumentos incomuns como, por exemplo, o marranzano189 (ou scacciapensieri)
siciliano.
Terminada a composição das músicas relativas às cenas da troca de pri-
sioneiros e do duelo final solicitadas, Leone solicitou outra peça que pudesse ser in-
corporada no filme. Depois de algumas tentativas frustradas, Morricone teve a idéia
de fazer Sergio Leone escutar o arranjo de Pastures of Plenty que havia feito, em
1962, de uma peça folk americana. Nesse arranjo ele colocara deliberadamente al-
gumas de suas idéias musicais relacionadas ao sentimento de nostalgia de uma
pessoa por sua terra. Leone ouviu atentamente o arranjo e, ao que parece, teve as
suas expectativas preenchidas.

A música convenceu porque parecia enquadrar-se nas necessidades da histó-


ria, mesmo assim, não se pode afirmar que seria a única possibilidade ou a
melhor música para aquela história. Não existe música certa. Dez bons com-
positores comporiam dez músicas diferentes que seriam todas certas para um
mesmo filme. Cada uma delas enfatizaria, se for boa música de cinema, deta-
lhes diferentes. (MORRICONE, 2007:24)

Entre 1962 e 1964 Morricone havia realizado alguns arranjos para Peter
Tevis, um cantor americano do gênero country-western que estava trabalhando na
Itália. A canção Pastures of Plenty, de Woodie Guthrie, arranjada por Morricone para
Peter Tevis, foi lançada na Itália em um compacto simples da RCA em 1962. O ar-
ranjo incluía uma forte linha vocal acompanhada por um insistente ritmo galopante do
violão, estalos de chicote, sinos, o som de um martelo batendo em uma bigorna, e
um ligeiro pentacorde escalístico executado por uma flauta doce. Além disso, havia
um coro masculino misturado com cordas e metais da orquestra e o solo de uma gui-
tarra elétrica. Todo o arranjo da canção foi mantido no tema Titoli de PER UN PUGNO DI
DOLLARI. A essa instrumentação inusitada e surpreendente em relação às músicas
utilizadas em filmes westerns, foi composta, a pedido de Leone, uma nova melodia
que foi assoviada por Alessandro Alessandroni, tornando-se a referência e uma das
características mais importantes da música do filme, justamente pelo modo com que

189
Instrumento rudmentar conhecido no Brasil como Berimbau de boca ou harpa judáica. Ver:
http://en.wikipedia.org/wiki/Jew's_harp (último acesso em 23 de outubro de 2010) ou
http://wapedia.mobi/pt/Berimbau_de_boca (último acesso em 23 de outubro de 2010).

197
fazia emergir as sonoridades ligadas ao western e no modo com que Leone e Morri-
cone articularam-na ao longo da narrativa fílmica, levando-a a desempenhar um con-
siderável papel no processo dramático.

Utilizei instrumentos que se assemelham a voz humana, como a flauta e o vi-


olino e o uso da própria voz humana, tanto solo como em coral, como se fos-
sem instrumentos musicais [como em algumas formas anasaladas de cantar
de alguns povos]. Para mim, a voz humana é o instrumento mais belo de to-
dos com um som ligado à própria vida. Tanto o guimbard [guimbarde] e es-
sa formas de cantar, foram associados com a "música de lugares remotos",
que novamente foi apropriada ao projeto The Mafnificent Stranger [primeiro
título do trabalho que se tornou PER UN PUGNO DI DOLLARI [POR UM PU-
NHADO DE DÓLARES]. Quando comecei a compor para Leone, não pensava
em escrever músicas especificamente para filmes westerns. Mesmo com re-
ferência aos westerns americanos, que estavam disponíveis enquanto ‘mode-
los’, eu queria simplesmente usar a idéia da vastidão, do deserto, das prada-
rias e da expressão de solidão. Eu queria colocar tudo isso na música: locais
isolados, um longo caminho longe do barulho e da agitação das cidades. Eu
tentei recriar esses sentimentos primitivos na minha música. É por isso que o
assovio – como uma ‘expressão de solidão’ - pareceu tão apropriado190.

As duas peças principais da trilha sonora musical: Titoli e Per un Pugno di


Dollari, coadunaram-se com a grande experiência de Morricone como arranjador
“anônimo” de canções. Esse fato ocasional, inesperado e atípico, possibilitou que as
músicas conservassem também características relacionadas aos mercados discográ-
fico e televisivo popular:

 peças “fechadas” com uma feição estilística bem determinada;

 compostas com critérios de acessibilidade e fácil assimilação;

 independência em relação à aplicação com potencial de per-


manecer bem impressas na memória dos ouvintes.

Porém, afirmar que Morricone criou essas músicas num “idioma popular”
pode ser uma simplificação excessiva. Elas não são músicas pop de “per se”, ao in-
vés, incorporam elementos dos estilos populares da época. Percebida como música
190
Ennio Morricone, in: FRAYLING, C. Something to do with death. London, New York: Faber and Faber, 2000,
pp.155-156.

198
pop, a música foi tocada no rádio e gravada por alguns artistas da indústria discográ-
fica. Não existe dúvida de que os elementos populares incorporados são, em grande
parte, responsáveis pelo grande sucesso.
Frayling acrescenta:

Essa trilha transformou-se em algo completamente distinto do que Morrico-


ne (ou qualquer outro compositor em filmes do gênero) já tivesse escrito. As
melodias não eram particularmente originais (de fato, podem-se reconhecer
frases de outros temas de westerns ou de temas populares da época na trilha
de Morricone, além dele estar especialmente encantado por utilizar “cita-
ções” de Beethoven e Bach): porém, os arranjos eram extraordinariamente
apropriados. Era como se Duane Eddy desse um esbarrão em Rodrigo no
meio da agitada Via Veneto (FRAYLING, 2004:15).

Leinberger comenta que, sem mencionar os instrumentos pelos nomes,


Frayling está se referindo ao uso da guitarra e do violão nos arranjos de Morricone
de música italiana popular. Duane Eddy foi um guitarrista americano que teve vários
sucessos na década de 1950 e 1960 incluindo “Rebel Rouser”, “Forty Miles of Bad
Road” e “Because They’re Young”. Joaquin Rodrigo foi um grande violonista espa-
nhol e compositor de algumas das mais conhecidas músicas do repertório para vio-
lão clássico, incluindo o adágio de seu “Concerto de Aranjuez”, de 1939, que foi mui-
to utilizado em comerciais da televisão americana.

Frayling utiliza sua imagem visual bem humorada para descrever a síntese
de Morricone entre o popular, o tradicional e os elementos modernos utili-
zados nas trilhas dos Westerns: um guitarrista de rock-and-roll americano e
um violão clássico espanhol cercado pela comoção da vida italiana moder-
na, como pode ser encontrada na Via Veneto, uma rua movimentada que en-
volve Roma, abrigando os hotéis, restaurantes e cafés mais populares. A
analogia imaginativa de Frayling evoca o estado de coisas corretamente,
descrevendo alguns dos mais distintos aspectos do estilo composicional de
Morricone naquele tempo (LEINBERGER,2004:16).

Para Miceli (1994:109) a diferença substancial entre as duas peças está


na estrutura e no tratamento.

Titoli Per un pugno di dollari

199
Segmentada, porém, dinâmica Articulada, porém, estática

Tendencialmente contrapontística Tendencialmente monódica

Polivalente Unívoca

Em todo caso, é importante recordar que o modelo cinemusical talvez mais


incisivo do pós-guerra nasce, na realidade, de um estilo de arranjo pré-
existente, pensado para a música ligeira e baseado num princípio de fungibi-
lidade estilística que pode ser definida como a urbanização do folk. (MICE-
LI, 1994:105)

A idéia de desenvolver a música da trilha à partir de uma mesma idéia em


dois temas principais contrastantes e complementares, ao mesmo tempo, se trans-
formará num dos modelos adotados por Morricone, não só na primeira trilogia de Le-
one, mas, em muitos outros filmes de sucesso como, por exemplo, INDAGINE SU UN

CITTADINO AL DI SOPRA DI OGNI SOSPETTO (INVESTIGAÇÃO SOBRE UM CIDADÃO ACIMA DE

QUALQUER SUSPEITA) dirigido por Elio Petri em 1970; IL PRATO, 1979, dirigidos pelos
irmãos Taviani (Paolo e Vittorio), entre muitos outros.

4.4 - ORGANIZAÇÃO TEMÁTICA DA TRILHA MUSICAL

4.4.1 - Titoli: A música dos Créditos Iniciais e Finais


A peça dos créditos iniciais, Titoli, nasce da vontade de traduzir em música a vida
quotidiana do campo, imersa numa natureza arcaica que domina o homem. O assovio
e o estalo de chicote – soluções recebidas como revolucionárias no âmbito da música
para filmes – transmitem a sensação da nostalgia do campo no homem da cidade,
enquanto que os sinos à distância, evocam o desejo da vida na cidade por parte do
camponês. O tema dos créditos iniciais retorna como leitmotiv – às vezes somente em
seu “núcleo central” – em todo o filme, associado, principalmente, as ações do Ho-
mem sem nome, interpretado por Clint Eastwood. (MORRICONE191)

191
In: LUCCI, G. Morricone: Cinema e oltre. Milano: Mandadori Electa S.p.A., 2007, p.53.

200
A idéiia básica de
d Titoli esttá represen
ntada no essboço abaiixo192. O essboço
porta ambigüidades que se
erão explora
adas por M orricone, in
nicialmente, durante to
odo o
filme e,
e posteriorrmente, durrante toda a primeira e parte da ssegunda Trrilogia:

Figura
F 11 – Idéia melódica prin
ncipal do filme P
Per un pugno dii dollari – 1964

Num primeiro
p co
ontato com a melodia d
do esboço, que se torrnou uma m
marca
morric
coneana po
or ter sido a primeira executada pelo famo
oso assovio
o de Alessa
andro
Alessandroni, ap
presentam--se características que
e sugerem uma melod
dia no mod
do de
Ré. No
N agrupam
mento das notas utilizadas é obtid
da a seguintte escala h
hexatônica:

Exemplo 4 – Escala hexatôn


nica de Ré

Com a ausência
a da nota Sib na arma
adura de cla
ave e, tamb
bém, com a au-
sência
a de qualquer nota Si (ou natura
al ou bemo
ol) na próprria melodia
a, Morricone
e ex-
plora uma ambigüidade inttrínseca en
ntre os mo
odos Eólio (se a nota Si for utiliizada
como bemol – Sib)
S ou Dórico (se a no
ota Si perm
manecer, co madura, natural),
omo na arm
reforç
çada pela utilização da
a nota Dó (natural) com sentido d
de terminaçção (e não Dó#,
a nota caracteríística de uma sensível tonal no
o modo me
enor de Ré
é), distanciando
(mas não elimina
ando) a pos
ssibilidade tonal (Ré m
menor).

192
O esboço foi retirad
do do livro Mo
orricone Cinem
ma e oltre, obraa já citada, p.522.

201
Exemplo 5 – Modos
M de Ré: Eó
ólio ou Dórico

A frag
gmentação do esboço
o melódico em duas seções define claram
mente
as possibilidades
s de um mo
otivo com característic
c cas rítmicass e melódiccas:

Exemplo 6 – Motivo Principa


al de Titoli

visão, nota-se que a ambigüidad


Na div a de é dilatad
da pelas po
ossibilidade
es ca-
ais dos motivos melód
dencia dicos ou nu
uma termina
ação autêntica (na notta Ré) ou p
plagal
(na no
ota Lá).
Tagg fez uma observação
o o sobre a iimportância
a e fluência
a de Morriicone
com os
o modos eólio
e e dóric
co, além de
e certa sim ilaridade à forma tradicional da m
músi-

202
ca celta, na criação de um som distin
nto do som clássico do
os westerns hollywoodian-
os. Morricone co
oncorda com
m a observação de Ta
agg e acresscenta:

Tagg, um
u musicólog go que ensinna na Univerrsidade de Liiverpool [agoora na
Univerrsidade de Moontreal], tem uma teoria quue eu concorddo plenamentte. Ele
afirma que algumass de minhas ccomposições escritas paraa o cinema, e tam-
bém paara os westerrns, possuem m o que é chaamado de “m modalidade” celta.
Devo acrescentar
a que o mesmo ppode ser ditoo do canto greegoriano, quee tam-
nha música ciinematográficca193.
bém inffluenciou min

Um do
os compon
nentes criad
dos por Mo
orricone com
mo acompa
anhamento obs-
tinado
o para essa
a melodia, imprime um
ma ligação motória mais direta ccom as con
nven-
ções do filme we
estern: o ritmo do “galo
ope do cavvalo”. Essass células ríttmicas são refe-
ridas por Philip Tagg
T 194
com
mo “ritmo do
o cavalo”, u
um dispositivo rítmico empregado
o fre-
qüenttemente pelos compos
sitores de música
m para
a Westernss que se tornou uma e
espé-
cie de
e convençã
ão para o gênero.
g Morrricone utiliza inicialmente no accompanham
mento
do vio
olão a seguinte célula:

Exemp
plo 7 – Célula ríttmica de acompaanhamento do vviolão

A célu
ula é compo
osta por qu
uatro colche
eias e duass semínima
as. Todas as no-
tas co
ompõem o acorde de Ré menor (Ré-Fá-Lá
á) exceto pe
ela presençça de uma nota
Sol que, no prim
meiro temp
po forte do compasso , se dirige por grau cconjunto pa
ara a
nota Lá,
L caracterizando um
ma espécie de apojaturra ou “nota
a de aproxim
mação” que
e efe-
tiva uma dissonância de 4ª
4 que caminha, asce ndentemen
nte, para a uma resollução
na 5ª do acorde
e de Ré me
enor, ou po
ode também
m ser interp
pretada como uma 11
1ª do

193
Enniio Morricone, in: LEINBER RGER, C. Ennio Morricone’’s The good, th the bad and thhe ugly: a film m score
guide. Oxford:
O The Sccarecrow Presss, Inc., 2004, p.31.
194
Algu
umas relações possíveis entre motoriedadee eqüina e mússicas do gêneroo country e weestern em film mes são
examinnadas por Philip
p Tagg em Thee Virginian, Horse
Ho Music an d the Lore of tthe West, 3º caapítulo de umaa publi-
cação, parte
p de um prrojeto financiaddo pela The Humanities
H Res earch Councill, Suécia: Göteeborg, 1990, ppp.6-23;
ou em TAGG,
T P. e CL
LARIDA, B. TenT Little Title Tunes, New Y York & Montreaal: The Mass M Media Musicollogists’
Press “H
Horse music annd the lore of the
t West”, 200 03, pp.291-306..

203
mesm
mo acorde. A nota Fá, a terça do acorde, es tá ausente na célula, mas, é utiliizada
na me
elodia asso
oviada.
Com esses prim
meiros elem
mentos Morricone com
mpõe a primeira partte da
peça Titoli assim
m segmenta
ada na visão
o de Sergio
o Miceli:

Exemplo 8 – Titoli - Prrimeira parte (M


MICELI, 1994:11
10-11)

Mais adiante, como é facilmente intuível, se ajajuntarão os iinstrumentos de ar-


co e ass vozes, sobree um tapete ríítmico reforçaado pelas perrcussões maiss con-
vencion nais, com um resultado voolutamente plletórico; mas, a parte certaamen-
te maiss interessantee é essa. O ataaque rápido, do violão (R,, exemplo aciima) e
o assovvio humano, já j estabelecee o primeiro e mais convvincente âmbiito ex-
pressivvo ao qual co ontribuirão, ppouco a poucco, os outros sons concerrtantes
em mod do mais naturral. (Idem)

204
Para Miceli, a cé
élula melód
dica principa
al, que serrve de base
e à peça inteira,
se apresenta de 3 formas nessa
n prime
eira parte:
 A – que
q conclui na nota R
Ré (terminaçção autênticca),

 A’ – que conclu Lá (terminaçção plagal),


ui na nota L

 A” – que conclu a acima da com a term


ui na nota Lá, (Oitava mina-
ção plagal.
As 3 formas
f o seguidas por C, uma
são a espécie d
de codetta dividida po
or Mi-
celi em
m três parte
es (numera
adas por 1, 2 e 3, no e
exemplo).

O blocco [módulo] assim compoosto é preceddido de uma figuração ríítmica


simpless (R) – que deesenvolve funnções múltiplaas: de introduução e de supporte à
peça innteira; de “memória” em relação ao usso que é feitoo no filme – e é se-
guida de uma bela a coda (C) trripartida, proogressivamennte enfática, quase
com ca aracterísticas do lied, na rre-proposiçãoo da célula e no sublinhaddo ob-
tido coom o alargarr-se do intervvalo do exórddio (Dó-Lá-L Lá-Fá..., Ré-LLá-Lá-
Fá...), e cujo processso de dramaatização culmmina na aberttura em direçção ao
terceiroo compasso dad coda, entrre o inesperaddo e pré-resoolutivo salto RRé-Sol
no temp po fraco do segundo comppasso. (Ibidem m)

Miceli afirma que uma alte


ernativa ao bloco inteiiro (A-A’-A’’’) e a sua reto-
mada
a (A-A’-A’’’) é posteriorrmente reprresentada p
pela variante, confiada
a à guitarra
a elé-
trica (exemplo
( abaixo),
a que
e do modelo original representa
a uma releittura não ca
asual
segun
ndo uma en
ntonação muito
m mais obscurecida
o a.

Exemplo 9 – Variante Me
elódica da Guitaarra (MICELI, 199
94: 112)

Para Miceli o pro


ocedimento
o de contraçção rítmica
a ao qual é submetido o in-
tervalo Lá-Ré, trransformado
o no morde
ente isolado
o Lá-Ré-Dó
ó#-Ré, conjjuntamente
e com
a pau
usa de semínima, insin
nua “um ca
aráter de co
oncisão “ve
elhaco”, liga
ado a realizzação
instrumental de uma
u depen
ndência muito maior em
m respeito ao bloco principal”.

205
Essa iddentificação unívoca
u com a guitarra ellétrica e a aluusão descoberta do
d galope do cavalo podem
ritmo do m ser consideeradas os asppectos mais pprosai-
cos da peça inteira,, enquanto quue um últimoo macro-elem mento assinalaado, a
ponte executada
e pello coro [exem
mplo abaixo], episódio únicco com acorddes em
função declaradameente retóricaa, e reutilizaddo, pela exiggência de Leoone, a
partir do
d arranjo dee Pastures of PPlenty. (MICE
CELI, 1994:1112)

Ex
xemplo 10 – Corro Masculino (Miiceli, 1994:112 )

Na co
ontinuação da peça Mo
orricone ag
grega algun
ns micro-ele
ementos qu
ue re-
forçam
m a idéia de
d uma co
onstituição contraponttística. A inserção de um elem
mento
composto por um
ma pequen
na escala descendent
d te determin
nada por um
ma 5ª justa
a: um
petto [uma quintina]
grupp q de
e 5 semicolc
cheias que
e “desliza” d
descendenttemente da nota
Lá até
é a nota Ré
é, segundo Miceli, “qu
uase como a evocação
o de um gliissando sobre 5
s de uma flauta de pã”. Esse elemento isola
canos ado será uttilizado durrante o filme co-
mo leitmotiv do protagonist
p a Joe (Clintt Eastwood
d).

Exemplo 11 – Quintina da fflauta doce

É este
e um dos elementos
e mínimos
m qu
ue, colocad
do alternada
amente no tem-
po ma
ais forte do
o compasso binário (a
a cada dois compasssos) – execcutado por uma
flauta doce –, inicia uma co
ombinação rítmica que
e dotou esssa peça de
e um caráte
er tão
singular. Logo após a flauta doce, apresenta-se o som do estalo de u
um chicote – no
prime
eiro tempo forte
f eguinte –, também a cada dois compassos, al-
do compasso se

206
ternan
ndo-se com
m as sonorid
dades da flauta; depo is o som de
e uma bigo
orna no segundo
tempo
o de apoio, aos quais se junta um
m sino (com
m a nota Ré
é) no prime
eiro tempo ffraco,
assim
m insinuand
do uma sérrie de sínco
opas (trope
eços), uma
a irregularid
dade de affasta-
mento
o que vitaliz
za posterio
ormente o conjunto,
c aiinda mais ffantasioso d
dos harmôn
nicos
difere
enciados da
as percuss
sões que conferem
c u
um caráter de entona
ação imperrfeita,
coere
ente também
m essa com
m o resultad
do geral.

Exemplo 12 – Percussão A
Autóctona

Miceli encerra a análise form


mal de Tito
oli sublinhan
ndo a idéia:

207
O conjunto dos macro-elementos que constituem uma peça assim segmenta-
da pode dar lugar a combinações das mais variadas (como, em efeito, exis-
tem no filme), compreendido a inserção em modo de tropos de outros mate-
riais sobre os quais não é o caso de determo-nos, assim que a definição de
peça fechada vale até certo ponto, pois estamos de fronte a uma técnica
composicional para filme de manual, própria a causa de sua ambivalência e
intercambiabilidade. (idem, 113)

Sem contrapor as idéias de Miceli, mas no intuito de expandir e aprofundar


as informações a respeito da música, é possível acrescentar que a peça não se en-
quadra numa tipologia ou modelo formal padronizado, mas, também não apresenta
uma forma completamente nova.
A raiz desse procedimento, que será utilizado em toda a trilogia, pode ser
encontrada no Gradus ad Parnassum (1725) de Joseph Fux195, autor estudado exaus-
tivamente por Morricone, em suas aulas de contraponto e fuga, quando aluno do
Conservatório Santa Cecília.
No livro de Fux o entendimento sobre os modos é colocado como vital na
composição temática das fugas e das imitações:

A fuga nasce quando uma sucessão de notas em uma parte é reiterada em


outra parte, levando em consideração o modo e especialmente a posição dos
tons e semitons. Para assimilarmos esta definição completamente necessita-
mos entender qual é o significado da palavra modo. Por modo quero dizer o
mesmo que exprime o termo tom. Mas, obviamente, é melhor utilizar as ex-
pressões primeiro modo, segundo modo etc. do que primeiro tom, segundo
tom etc., de forma a evitar confusão com o grau-conjunto – os intervalos re-
presentados pelas razões de 9:8 e 10:9 – para os quais o mesmo termo é uti-
lizado. Desde que o assunto sobre modos é altamente intrincado e não facil-
mente compreendido por um noviço, penso que nos contentaremos com uma
discussão somente do que for necessário aos nossos propósitos momentâneos
e deixar uma explanação mais completa para mais tarde.

Fux esclarece:

Um modo é composto de uma série de intervalos compreendidos dentro do


limite de uma oitava, no qual os semitons estão situados irregularmente. A
palavra modo aparece nas famosas linhas de Horácio: “Todas as coisas es-
tão sujeitas a um modo, um meio [significado], além dos limites do qual elas
não podem existir diretamente”. Desde que a localização dos semitons

195
MANN, A. The Study of Fugue. New York: Dover Publications, Inc. 1958, FUX, J. J. “A Lesson on Imita-
tion”, pp.78 – 107.

208
ocorre de seis maneeiras diferente
tes, temos de especificar seeis modos, mmostra-
dos nass seguintes lin
nhas de oitava
va, nos tons dee Ré, Mi, Fá, Sol, Lá e Dó..

Figu
ura 12 – Disposiç
ção intervalar d
dos modos por F
Fux

Fux co
omplementta a idéia:

Se contares cada modo


m da primmeira nota, enncontrarás oss semitons em m seis
lugaress diferentes. Esta
E diferençça é destacadda pelas notaas escuras. N
No mo-
mento, não necessita amos consideerar qual desttes modos serria verdadeiraamen-
te o priimeiro, segun
ndo, terceiro e assim por ddiante, mas, ddevemos guarrdar a
ordem em que eles aparecem aqqui. Um modoo é caracteriz izado pela quuinta e
quarta que designam m sua oitava. De acordo ccom o limite ddesses intervaalos os
temas da
d fuga devem m ser arranjaados.

Figura 13 – Cara
acterização dos Modos em Fux

209
Se a prrimeira parte utiliza um saalto de quintaa, a parte segguinte deve ussar um
salto dee quarta, de forma
f a não eexceder os lim
mites do modoo ou oitava, e vice-
versa....

Figura 14 – Utilização
U melód
dica na fuga

Esta reestrição não é aplicada à iimitação, ondde os mesmoss saltos e interrvalos


podem ser repetidoss...

Figura 15 – Utilização melódicca na imitação

Finalm
mente, as vozees de uma fuuga não podeem iniciar em m outros interrvalos
que nãão os que connstituam um mmodo, ou sejaa, intervalos diferentes doo unís-
sono, oitava
o e quinta
a; enquanto qque a imitaçãão pode ocorrrer em qualquuer in-
tervalo
o.

Na pa
arte do capítulo do livrro dedicado
o ao estudo
o da “Fuga a Duas Partes”,
escrito
o em forma
a de diálogo
o entre o professor Aloysius e o aluno Jose
ephus, o prrofes-
sor fin
nalmente ap
presenta ao
o aluno:

Te ensiinarei primeiiro como esccrever fugas ssimples a duas partes. Esscolha


um sujeito consistin ndo de poucaas notas que eesteja relacioonado com o modo
que queiras trabalhar. Quero quue tu escrevass as notas na parte que deecidis-
tes commeçar. Então, se nada tiveer de ser alterrado por caussa do modo, utilize
a mesm ma sucessão de notas na pparte seguinnte à distânciia de quarta ou de
quinta. Agora, escrreva um conttraponto com m a parte quee iniciastes, utilize
qualquer sucessão livre
l de notas como aprenddestes no conntraponto ornaamen-
tado [q quinta espéciee]. Depois dee uma curta continuação de figuras m melódi-
cas, arrranje as parrtes de formaa a poder reealizar a prim meira cadênccia na
quinta do modo [griifo nosso]. Enntão reassum ma o tema; com mo regra istoo é fei-
to na parte
p que iniciiastes, mas, nnum tom diferrente do que ffoi utilizado aanteri-
ormentte. Enfatize essta entrada ccom a utilizaçção de uma ppausa de com mpasso
inteiro ou de meio compasso anntes de iniciaar com o sujeeito. A outra parte
poderia a, depois de uma
u pausa, enntrar antes quue a parte terrmine. Seguinndo is-
to, permmita que as partes
p se movvam livrementte por uma diistância curtaa e en-
tão reaalize uma segu unda cadênciia na terça doo modo[grifo nosso]. Finaalmen-
te, utiliizando o sujeeito em qualqquer parte, deeixe a outra pparte seguir ccom o
sujeito diretamente no próximo compasso, see isto for posssível. E assim m, es-

210
do as partes o mais próxiimo possível, complete a ffuga com um
treitand ma ca-
dência no final do modo.
m

Em se
eguida é ap
presentado o seguinte
e exemplo d
de uma fug
ga a duas vvozes
no primeiro modo, o modo de
d Ré, construída com
m os proced
dimentos descritos.

Exemplo 13 – Fug
ga a duas Vozess no modo de Ré
é

Toda dubiedade
e criada po
or Morricon
ne pode se
er observad
da nos pro
ocedi-
mento
os padroniz
zados dess
se exemplo
o. A dubied
dade entre os modoss Dórico e Eólio
pode ser confirm
mada pela utilização tanto da n
nota Si nattural quantto Sib. Pod
de-se
també
ém observa
ar a ocorrên
ncia das no
otas Dó# e Sol#, senssíveis de Ré
é e Lá, resp
pecti-
vamente, antecipando, den
ntro de uma peça mo
odal (modo de Ré, po
orém, Dóricco ou
?), um “sab
Eólio? bor” tonal.
Possiv
velmente, são esses fatores qu
ue corroboram na “originalidade
e” da
peça Titoli. A base dessa não-padron
n ização estrrutural repo ocedimento emi-
ousa no pro
emente mod
nente dal fuxiano de Morrico
one. No de
ecorrer da p
peça o com
mpositor nã
ão se
limita a A, A’, A’’ e A’’’, com
mo apresenttado por Miiceli, mas, d
deriva 7 (A
A1 a A7) posssibi-
lidade
es melódica
as modais diretamente
d e da idéia ttemática inicial. Todass elas exploram
as dubiedades in
ntrínsecas iniciais de terminação
t o nas notass Ré e Lá, m
mesmo pre
evale-
cendo
o a anacrus
se Lá-Ré.

211
Ex
xemplo 14 – Deriivação Melódica
a Modal de Tito
oli

É notá
ável que em
m todas as derivaçõess melódicass utilizadass na peça a nota
Si con
ntinue ause
ente, exceto
o em A4, onde
o é utilizzada a nota
a Sib, polarrizando, Fá mai-
or (a terça
t de Ré
é) e insinua
ando, pela terminação
o na nota R
Ré, o modo
o eólio de R
Ré. O
modo
o eólio de Ré
R não se co
oncretiza, pois,
p a nota
a Si natural será també a por
ém utilizada
Morric
cone (como
o no quarto
o compasso
o do exemp
plo do coral masculino
o a tríade fo
orma-
da é Sol
S maior, portanto utilizando a nota
n Si natu
ural em sua
a terça maior) manten
ndo a
dubiedade entre os modos de Ré eólio
o ou dórico
o.

212
Aqui se faz necessário abrir um importante parêntese que corrobora em
reforçar as idéias modais de Morricone. O texto da análise deste filme porta uma du-
biedade (outra entre tantas) que necessita ser esclarecida. A hipótese de que a “for-
ma” das inserções musicais na primeira trilogia de Leone coaduna-se com o terceiro
procedimento referido por Prendergast na primeira parte (Parte 1) do trabalho como
Developmental Score pode ser questionada, pois, como apresentado, o filme PER UN
PUGNO DI DOLLARI possui dois temas principais: Titoli e Per un pugno di dollari. Se os
dois temas foram compostos a partir de músicas pré-existentes, com finalidades e
momentos diferentes, 1960 e 1962, respectivamente, como o filme pode se constituir
no Developmental Score, terceiro modelo de Prendergast, estruturado a partir de
uma idéia única?
A resposta aponta para o mesmo tipo de pensamento estrutural da fuga
modal fuxiana. Os dois temas podem ser considerados no âmbito do modo de Ré.
Titoli inicia com o salto de quarta justa Lá-Ré; Per un pugno di dollari, inicia com a
imitação desse salto no âmbito do modo, quinta justa Ré-Lá. O desenvolvimento me-
lódico das duas peças obedece aos critérios estabelecidos por Fux em relação à ên-
fase na fundamental, terça e quinta do modo. Fica implícito na exposição da teoria
modal fuxiana que várias dubiedades modais podem ser estabelecidas, como, por
exemplo, entre o modo autêntico ou plagal de Ré (Dórico ou Eólio), mantidos no âm-
bito Ré-Lá-Ré, e o do modo de Lá autêntico ou plagal (Eólio ou Frígio), mantido no
âmbito Lá-Ré-Lá. Essa dubiedade virtual é explorada patentemente por Morricone. A
oposição superficial entre as duas peças é desintegrada estruturalmente por Morri-
cone em complementação. Portanto, as duas peças são complementares estrutural e
tematicamente, tornando-as filhas de uma idéia única, pressuposto que convalida a
hipótese do Developmental Score de Prendergast.
Fechando os parênteses, observa-se que na derivação da melodia da gui-
tarra, o que é “insinuado” por Morricone, além do “modo de rock”, advém das mes-
mas possibilidades da ambigüidade inicial: modal versus tonal, pois, com a presença
da nota Dó# na melodia principal como uma bordadura e, ao mesmo tempo, sensível
da nota Ré, o tom de Ré menor, enquanto possibilidade tonal, torna-se viável.

213
Exemplo 15 – Melodia
M da Gui tarra – Titoli

O ritm
mo do “galo
ope do cav
valo” será ssempre a b
base do accompanham
mento
da pe
eça, seja no
o violão (“de
edilhado” ou
o “rasguea
ado”), na prrimeira partte da peça,, seja
com seu
s dobram
mento conju
untamente com o ritm
mo da percu
ussão sinfô
ônica (“drum
ms” e
caixa)) no decorrer da peça.

Exemplo 16 – Ritmos
R do “Galo pe do Cavalo”

214
O ritmo percussivo também é utilizado pelas cordas como, por exemplo,
na ponte descrita por Miceli, dobrando as notas do coral masculino.
É possível ainda acrescentar que o coral masculino, além da função de
ponte abordada por Miceli, tem outras funções não mencionadas diretamente por ele.
O coral masculino é utilizado, com freqüência, como mais um grupo instrumental de
acompanhamento com vocalizes (sem palavras), colaborando diretamente na dinâ-
mica do colorido orquestral e, outras vezes, na conformação de uma conotação épica
de algumas cenas. Além disso, ele completa a idéia do contraponto com os instru-
mentos autóctones. A célula rítmica desse momento específico, adquire valor semân-
tico na peça inteira (e também no filme inteiro), já que o texto “we can fight” ou “We
can win”, mesmo que mais falado que cantado, confere a peça uma “vibração” que
se integra às necessidades diretas do filme, tanto na narrativa das personagens pre-
dominantemente masculinas do western, quanto nas possibilidades do filme em rela-
ção à comercialização em outros mercados estrangeiros (os mesmos mercados de
Hollywood).

215
Exemplo
E 17 – Coral Masculino - “We can Fight”

Existe
e também mais
m uma ponte,
p não mencionad
da por Miceli, onde a utili-
zação
o das vozes
s do coral com
c a orque
estra corrob
bora com a
as caracteríísticas citad
das.

216
Figura 16 – Ponte 2 dee Titoli

Procu
urando sinte
etizar as infformações da análise de Miceli ccom as info
orma-
ções acrescenta
adas, a form
ma de Titoli pode serr pensada ccomo uma peça em inter-
secçã
ão com outrra. A intersecção se dá
d no modo
o de rock fo
ormando oss pares: [arccaico
+ rock
k] e [rock + pseudo-sinfônico]. O esquema a seguir de
emonstra g
graficamente es-
sa construção qu
ue também
m revela o procedimentto formal da
a peça:

217
Figura 17 – Forma de Titoli

À aná
álise da tripartição Mic
celi esclarecce sobre o primeiro se
egmento (A
Arcai-
co):

O prim
meiro segmentto é, sem dúvvida, o mais ooriginal e carracterístico, ssobre-
d ponto de vista das invennções tímbriccas, mas peloos seus dotes de es-
tudo do
a – em relaçãão ao contextto de aplicaçãão – valores de in-
senciallidade implica
dividua
alismo anárqu uico, de simpplicidade e dee força primitiiva, de heroiccidade
privadaa de retórica, de neutraliddade sentimeental, de auteenticidade, dee anti-
conformmismo. Põe-sse assim um pplano de absoluta naturezaa e atemporallidade,
na qual a função coonotativa se iddentifica com
m a denotativaa. É, sem dúvvida, o
segmennto mais refin
nado e alusivoo. (MICELI, 22001:167)

Sobre
e o segundo
o segmento
o (Rock):

218
O segundo segmento determina um salto notável, não só do ponto de vista
estilístico. A figura heróica – mas também a figura retórica – se transforma e
se atualiza. A componente transgressiva permanece (quem recorda o moto:
“Sexo, Drogas e Rock-and-roll”?) mas, urbanizando-se, se identifica com
um grupo ou com um clã. A eletrificação pode conduzir a tanto? Em sentido
metafórico, acredito que sim. Em todo caso, além do impacto, a agressivida-
de é destemperada do arco melódico, da ausência de atritos e de contrastes.
Aqui, se quisermos, se abre uma porta nos confrontos da parte mais arrasta-
da do consenso (e do consumo) musical. (p.168)

E, finalmente, sobre o terceiro segmento (Pseudo-sinfônico):

Com o terceiro segmento chegamos à integração social, no “retorno à ra-


zão”, na qual domina um tom altamente retórico, triunfal, auto-celebrativo e
um implante tímbrico e harmônico absolutamente convencional. Prevalece,
em suma, os bons sentimentos e o gosto pequeno burguês reencontra as pró-
prias referências e as próprias seguranças, também se a causa da coexistên-
cia parcial ou total dos três segmentos qualquer um deverá procurar a parte
predileta no interno das outras, e para fazê-lo deverá escutá-la. Isso poderia
explicar, pelo menos em parte, as razões de um sucesso que em 30 anos pa-
rece – caso raríssimo – intergeracional e intercultural, mas, que denota ao
mesmo tempo o que defini como um processo restaurador. Um processo in-
dolor, fruto de grande habilidade, mas, para sempre restaurador196. Eis a que
coisas podem conduzir, entre outras, as invenções tímbricas e as misturas es-
tilísticas. (idem)

196
Ver especialmente o capítulo Dalla scuola di Petrassi a Darmstadt, in Miceli, op.cit. pp. 41-63.

219
4.4.2 - Decupagem
Duração do filme: 100 minutos (1:39:34 [1 hora, trinta e nove minutos e
trinta e quatro segundos] mais precisamente).
Total das Inserções Musicais: 56 minutos (0:55:56 [cinqüenta e cinco mi-
nutos e cinqüenta e seis segundos] mais precisamente).
Porcentagem com música: 56%; porcentagem sem música: 44%.
O filme foi decupado em 99 partes contidas em 37 fragmentos (seqüên-
cias).
A diferença entre parte e fragmento é que o segundo é um trecho mais
completo e que pode conter várias inserções musicais; portanto, parte é um trecho
do fragmento que contém somente uma ou nenhuma inserção musical.
Das 99 partes: 52 têm música; 47 não têm.
A tabela abaixo apresenta as 52 inserções musicais e seus respectivos
fragmentos:

Tabela 7 – Decupagem do filme Per un pugno di dollari - 1964

Nº CLASSIFICAÇÃO
Nº INÍCIO FIM DURAÇÃO IDENTIFICAÇÃO MÚSICA NOME NO CD Derivação Fragmentos
Or OBJETIVA

1 1 00:00:00 00:02:52 00:02:52 Créditos Iniciais Tema Principal Titoli TEMA 1 Externa Fragmento 1
Joe observa um
Motivo - Joe (3
2 2 00:02:52 00:03:03 00:00:11 menino (com de Leitmotiv Joe TEMA 1 Externa Fragmento 2
vezes)
nome Jesus)
Joe é notado Quase Mor-
3 4 00:04:05 00:04:57 00:00:52 pelos homens Motivo - Bandidos to/Almost Dead - TEMA 1 Externa Fragmento 2
dos Rojo Parte 1
Joe pensativo,
bebe água do
4 5 00:04:57 00:05:35 00:00:38 poço e ouve Sinos sem música TEMA 1 Interna Fragmento 3
sinos (imagem
de uma forca)
Joe entra no Quase
Tema Principal +
5 6 00:05:35 00:06:23 00:00:48 povoado de San Mortro/Almost TEMA 1 Externa Fragmento 3
Rústico
Miguel Dead - Part 2
Quase Mor-
Joe e os homens
6 8 00:06:58 00:07:55 00:00:57 Motivo - Bandidos to/Almost Dead - TEMA 1 Externa Fragmento 4
dos Baxter
Parte 1
Aprontando-se Motivo - Joe -
7 12 00:14:44 00:14:45 00:00:01 Leitmotiv Joe TEMA 1 Externa Fragmento 6
para o confronto uma vez

220
Tensão e Diálo-
Som agudo
go de Joe com Som estridente 1
8 13 00:14:45 00:15:19 00:00:34 estridente (violi- TEMA 1 Externa Fragmento 6
os homens de de 3
no)
Baxter
Joe deixa os
Quase Mor-
Baxter e vai
9 15 00:15:58 00:16:34 00:00:36 Tema Principal to/Almost Dead - TEMA 1 Externa Fragmento 6
encontrar com os
Parte 2
Rojo
Sonoridades que
10 18 00:18:02 00:19:09 00:01:07 Joe vê Marisol lembram o motivo Musica Suspesa TEMA 1 Externa Fragmento 8
dos bandidos
Joe ouviu toda a similar Quase
11 20 00:20:15 00:20:38 00:00:23 Tema Principal TEMA 1 Externa Fragmento 8
conversa Morto parte 2
- Joe e Silvanito
observam es-
12 25 00:24:22 00:25:32 00:01:10 condidos o Tema Principal Cavalgada TEMA 1 Externa Fragmento 12
massacre no Rio
Bravo
Ramon Rojo fica
Espécie de
13 27 00:26:41 00:27:41 00:01:00 feliz com a Ramon TEMA 1 Externa Fragmento 12
marcha fúnebre
situação
Joe devolve o
14 29 00:29:49 00:31:41 00:01:52 dinheiro a Miguel Motivo Joe Leitmotiv Joe TEMA 1 Externa Fragmento 13
Rojo
solo da melodia
Silvanito deixa o
15 33 00:36:27 00:36:52 00:00:25 principal de titoli Solo de gaita TEMA 1 Externa Fragmento 16
cemitério
na gaita
Sonoridades nas
16 35 00:37:28 00:38:42 00:01:14 Joe e os Baxter Consuelo Baxter TEMA 1 Externa Fragmento 17
cordas (tensão)
Os Baxter vão
17 38 00:39:36 00:40:10 00:00:34 atrás dos solda- titoli Cavalgada TEMA 1 Externa Fragmento 19
dos no cemitério
Joe vê os Rojo ir
atrás dos Baxter Tema 1 - solo de titoli - solo de
18 40 00:40:32 00:41:13 00:00:41 TEMA 1 Externa Fragmento 19
- Pula o muro da quena quena
casa dos Rojo
titoli - solo de
Joe leva Marisol
gaita e acompa-
19 54 00:49:06 00:49:22 00:00:16 à casa dos Tema 1 gaita TEMA 1 Externa Fragmento 21
nhamento de
Baxter
órgão
Está muito
coda variação
20 56 00:50:17 00:50:30 00:00:13 próximo de você tema 1 TEMA 1 Externa Fragmento 21
titoli
ficar rico
Troca de Marisol
21 57 00:50:30 00:50:56 00:00:26 Sinos Tocam Sinos Tocam TEMA 1 S/M Fragmento 22
por um Baxter
Joe se senta
Motivo Joe - 3
22 58 00:50:56 00:51:04 00:00:08 para assistir os Leitmotiv Joe TEMA 1 Externa Fragmento 22
vezes
eventos
Sonoridades
Início da troca Scambio di
23 61 00:52:40 00:53:37 00:00:57 percussivas - TEMA 1 Externa Fragmento 23
dos prisioneiros prigionieri
caixa e bumbo -

221
depois cordas e
coro

24 68 01:00:15 01:01:41 00:01:26 Julio e Jesus Tema 1 Titoli TEMA 1 Externa Fragmento 26

Os Rojo ouvem
os tiros e vão
Funciona como
averiguar - Joe Sonoridades
25 70 01:02:09 01:03:12 00:01:03 introdução ao TEMA 1 Externa Fragmento 27
destrói a casa e agitadas e tensas
Tema 1
é salvo por
Marisol
Os Rojo se
26 71 01:03:12 01:03:36 00:00:24 Tema 1 titoli TEMA 1 Externa Fragmento 27
aproximam
Os Rojo vêem os
Tema 1 - parte B
homens massa-
27 73 01:04:40 01:07:00 00:02:20 com Sonoridades Titoli TEMA 1 Externa Fragmento 28
crados e dão
agitadas e tensas
falta de Marisol
Joe é descoberto Sonoridades
28 75 01:07:20 01:07:54 00:00:34 Tortura TEMA 1 Externa Fragmento 29
por Ramon graves e tensas
Ele vai acabar Sonoridades de
29 77 01:09:03 01:10:30 00:01:27 Tortura TEMA 1 Externa Fragmento 29
falando tensão
Sonoridades de
30 78 01:10:30 01:11:11 00:00:41 Joe mata Chico tensão - presença Tortura TEMA 1 Externa Fragmento 30
do Motivo Joe
Sonoridades
percussivas, Alla Ricerca
31 80 01:14:24 01:15:43 00:01:19 Joe escondido TEMA 1 Externa Fragmento 31
metais, coro e Dell'evaso
glissandos tensos
Sonoridades
32 82 01:16:54 01:18:22 00:01:28 Joe e Peripero Without Pity TEMA 1 Externa Fragmento 32
tensas
Os Rojo atacam
33 83 01:18:22 01:18:52 00:00:30 Tema 1 Titoli TEMA 1 Externa Fragmento 32
os Baxter
O fim dos Baxter
34 85 01:20:03 01:24:21 00:04:18 - Joe assiste do Sonoridades Tortura TEMA 1 Externa Fragmento 32
caixão
Sonoridades
percussivas -
Scambio di
35 88 01:26:01 01:26:52 00:00:51 O plano de Joe caixa e bumbo - TEMA 1 Externa Fragmento 32
prigionieri
depois cordas e
coro
A Placa protetora
Motivo Joe mais Som grave e
- Joe mata os
36 95 01:33:26 01:34:19 00:00:53 sonoridade aguda depois o estriden- TEMA 1 Externa Fragmento 36
homens de
de tensão te 2 de 3
Ramon
O Duelo final -
sonoridades Tambores pré-
37 97 01:35:55 01:37:13 00:01:18 Silvanito salva TEMA 1 Externa Fragmento 37
percussivas duelo final
Joe
Os sinos tocam -
38 98 01:37:13 01:38:30 00:01:17 Sinos sem música TEMA 1 Interna Fragmento 37
Joe vai embora

39 99 01:38:30 01:39:34 00:01:04 FIM Tema 1 Titoli TEMA 1 Externa Fragmento 37

222
Joe simula uma
conversa com os
Per um pugno di
Rojo e caminha Per um pugno di
40 10 00:12:41 00:13:59 00:01:18 dollari - Corne TEMA 2 Externa Fragmento 6
na direção dos dollari/Deguelo
Inglês
homens dos
Rojo
Os Baxter vão
Per um pugno di
41 31 00:32:55 00:34:19 00:01:24 encontrar os Deguello TEMA 2 Externa Fragmento 15
dollari - Oboé
Rojo
Joe recebe 500 Tema 2 variado
42 39 00:40:10 00:40:32 00:00:22 Cavalgada TEMA 2 Externa Fragmento 19
dólares dos Rojo no oboé
Os inimigos se Per um pugno di
43 60 00:51:20 00:52:40 00:01:20 Tema 2 TEMA 2 Externa Fragmento 22
aproximam dollari
Jesus chorando
corre para
abraçar Marisol Motivo Joe - Per
44 62 00:53:37 00:54:38 00:01:01 (depois Julio) - O Tema 2 um pugno di TEMA 2 Externa Fragmento 23
Baxter recebe dollari
um abraço e um
tapa
Per um pugno di
45 64 00:55:38 00:56:17 00:00:39 Fim da troca Tema 2 TEMA 2 Externa Fragmento 23
dollari
Joe leva Marisol
para o filho e o
Per um pugno di
46 72 01:03:36 01:04:40 00:01:04 marido e lhes dá Tema 2 TEMA 2 Externa Fragmento 27
dollari
dinheiro para
que fujam
Joe se recupe- Per um pugno di
47 87 01:24:39 01:26:01 00:01:22 deguello TEMA 2 Externa Fragmento 32
rando dollari
Per um pugno di
Explosão: Joe explosão de
48 93 01:29:36 01:31:29 00:01:53 dollari - solo de TEMA 2 Externa Fragmento 35
reaparece dinamite/Deguello
trompete
Chegada dos Tema
49 22 00:21:08 00:22:36 00:01:28 Square Dance Square Dance Externa Seqüencia 10
soldados Soldados
Joe conhece
Silvanito (Bar) e Peripero canta
Trecho de Can-
50 9 00:07:55 00:12:41 00:04:46 Peripero (faz uma canção Z Canção Interna Fragmento 5
ção
caixões de enquanto trabaha
defuntos)
Marisol Canta - Canção cantada
Trecho de Can-
51 17 00:17:41 00:18:02 00:00:21 Joe é apresenta- em espanhol por Z Canção Interna Fragmento 7
ção
do a Chico Marisol
Motivo Joe (2 Z Canção
vezes) antes e Leitmotiv
52 67 00:59:39 01:00:15 00:00:36 Joe bêbado Leitmotiv Joe Interna Fragmento 26
depois de uma Joe 2
Canção vezes

A trilha musical de Per un pugno di dollari é construída a partir de uma ma-


terial temático bastante reduzido.

223
Das 52
5 inserções musicais, 39 são de
erivadas do
o TEMA 1 ((Titoli); 9 sã
ão do
TEMA
A 2 (Per un
n pugno di dollari)
d e so
omente 4 d
das inserçõe
es não estã
ão relacion
nadas
direta
amente aos materiais de
d Titoli.

4.4.3 - Alguns Exemplos


E da Utilizaçção do Tem
ma 1: Titooli
4.4.3.1: Parte 01
1 – Crédito
os Iniciais (Titoli)
(

Fiigura 18 – Crédiitos Iniciais – Tiitoli - Sincroniass

224
Os Crréditos Iniciais de PER O DI DOLLARI inicia com
R UN PUGNO m formas cirrcula-
res brrancas mov
vendo-se num fundo vermelho
v (ccomo se fo
ossem raioss solares) n
numa
rápida
a sincronia explícita co
om o ritmo do violão (““ritmo do ca
avalo”), da peça Titolii, cor-
tando
o para silhue
etas de hom
mens a cav
valo em corres invertidas em relação à frente e o
fundo
o. O tema musical
m evoc
cativo do western
w e a escolha de
e uma aberrtura do film
me na
forma
a de desenh
ho animado
o, utilizando
o a técnica conhecida como rotosscoping, on
nde a
anima
ação foi obttida em “sto
op-motion” através de cópias traççadas sobrre as silueta
as de
perso
onagens do
o próprio film
me, fotogra
ama por fottograma, é plena de significados em
vários
s níveis.
Nas im
magens, po
ode-se perc
ceber o sen
ntido de cita
ação, nessse caso uma es-
pécie de homenagem à faç
çanha de Muybridge
M ccomo um d
dos precurssores do cin
nema
e um dos primeiros fotógra
afos do wes
stern. A silhueta de u
um cowboyy em seu ca
avalo
pode também se da à Tex Willer197, o pe
er associad ersonagem de uma revvista em qu
uadri-
nhos muito lida e apreciad
da por Serg
gio Leone no final de
e sua juven
ntude (SIU198). A
utiliza
ação desse tipo de cita
ação tornarr-se-á freqü
üente em vvários filmess das duas trilo-
gias de
d Leone.

197
Foi no
n dia 30 de setembro de 19 948 que surgiu a primeira hisstória de Tex. C Chamava-se 'Ill Totem Misteerioso".
Com o balão "Por tod dos os diabos, será que aindaa estão nas miinhas costas?",, começava a ssaga de um doos mais
famosos cowboys doss quadrinhos. De D 1948 a 196 67 foram 36 hhistórias no forrmato de tiras semanais. No início,
Tex cav valgava sozinh ho, seu cavalo (Dinamite) neem tinha nomee e ele era forra-da-lei. Tex ffoi criado pelaa dupla
Giovan nni Luigi Bonellli e Aurelio Gallepini.
G As hiistórias eram ppublicadas no fformato de tiraas com no máxximo 3
quadrinnhos. Cada sem mana saía um gibi com 32 páginas
p (32 tirras) e uma aveentura levava várias semanaas para
chegar ao fim, levand do os leitores a comprar as próximas
p ediçõões. Os admiraadores das avennturas de Tex salien-
tam a riqueza
r de info
ormações, refeerências e vero osimilhança hiistórica. Além de muita ação em todas hiistórias
(com tiiroteios por toddos lados) o que
q torna a leitura interessannte é o conheccimento que ass histórias trazzem. É
enfocad da a cultura do
os índios, da vida dos pioneirros, de episódioos marcantes e reais na históória dos Estadoos Uni-
dos da América,
A dos hábitos
h da época… Detalhes mínimos foram m pesquisadoss antes de tornaarem-se texto e dese-
nhos, para que o leito or tivesse a noçção exata do ambiente
a em quue se passavamm as aventurass. Tex pretendiia aliar
cultura e diversão e isso pod de justificar o seu suceesso em muuitos países do mundo (fonte:
http://ptt.wikipedia.org
g/wiki/Tex, últtimo acesso emm 13/01/2011).
198
nces and storyytelling, Leone style, 2008.
SIU,, C. C’era una volta la storia : credit sequen

225
Fiigura 19 – Citaçõ
ões de Sergio Le
eone: Muybridge
e

Figura 20 – Citações de Leone


e: Tex Willer

Os mo
otivos das animações
s alternadass podem se
er resumido
os a três: ccaval-
gada (de uma ou
u várias silh
huetas de pessoas
p à ccavalo); sittuações de confronto ((due-
lo) e exibição
e do
os créditos dos
d particip
pantes do fiilme.
Na uttilização da
as silhuetas
s animada s dos próp
prios perso
onagens, Leone
está antecipand
a o "veladam ações que ocorrerão posteriormente no prróprio
mente" situa
filme, uma espécie de "story-board" em
e movime
ento que “re
evela”, e siimultaneam
mente
“esconde”, o pré
é-projeto e o resumo do
d filme: o e
embate de Joe (Clint Eastwood) con-
s duas famílias inimiga
tra as as dos Baxtters e dos R
Rojos que ccontrolam S
San Miguel..

226
Figura
F 21 – Silhu
uetas dos própri os personagens

A anim
mação utiliz
za um cuidadoso esqu
uema tricollor contrasttante: verm
melho,
preto e branco, mas, a figu
ura de frente e o fund
do dos foto
ogramas qu
ue a contém
m, na
maiorria das veze
es, são aprresentados somente a
aos pares b
bicolores, o
ou seja, com
m du-
as co
ores das trê
ês, que vão
o se alterna
ando calcu
uladamente
e e com pre
edominância do
par prreto e verm
melho à fren
nte e fundo para vermelho e
o, respectivvamente, allternando p
preto.. São pouq
quíssimos os
o segmenttos em que
e todas as três coress são utiliza
adas.
Quando isso aco
ontece, norrmalmente, a frente se palavras texxtuais que com-
e refere a p
põe os
o nomes e as funçõe
es creditad
das. É notá
ável, també
ém, que a silhueta de
e um
home
em cavalgan
ndo na cor branca com fundo ve
ermelho é ssomente uttilizada no iinício
e fim da seqüênc
cia.
As mu
udanças alternadas de cores e d
dos motivos da anima
ação estão dire-
nte associa
tamen adas ao tam
manho das
s frases m usicais utilizadas com
mo demarccação
sincrô
ônica. Isso faz com qu
ue os elem
mentos relaccionados ta
anto a supe
erfície quanto a
estruttura da mús
sica sejam bastante ev
videnciadoss pela troca ens.
a das image
No en
ntanto, a “c
cola” audiov
visual efetivva dos créd
ditos iniciais está no ccanal
de so
om articulad
do com as imagens
i e a música ((som-músicca-imagenss): o som do
o ga-

227
lope ou trote do(s) cavalo(s); o som de tiro(s); a duração das frases musicais; a dura-
ção da música; as sonoridades percussivas da música; e as imagens das cavalgadas
alternadas com duelos e textos dos créditos.
De forma a observar e analisar a estrutura música-som-imagem dessa se-
qüência foi utilizado o procedimento que Chion (1994) denominou de mascaramento.
Acompanhando a seqüência várias vezes, algumas vezes só as imagens, outras com
a música e as imagens, e outras integralmente, ou seja, algumas retirando (“masca-
rando”) a imagem e outras os elementos sonoros. Segundo Chion (1994) isso dá a
oportunidade de ouvir o som e a música como eles são, e não como a imagem os
transforma e os disfarça; e também permite ver a imagem como ela é, e não como o
som e a música a recria.
Chion (1994) enfatiza que, provavelmente, não exista uma ordem ideal
nesse tipo de tratamento do som, música e imagem numa determinada seqüência
audiovisual. Porém, a idéia principal é que separando os elementos sonoros e os
visuais, antes de assistí-los juntos novamente, pré-dispõe mais favoravelmente a
manter nossa audição e o nosso olhar estimulados, abertos para as surpresas dos
encontros audiovisuais.

Deve-se ter em mente que o contrato audiovisual nunca cria uma fusão total
dos elementos de som e imagem; ele permite que os dois componentes subsis-
tam tanto separadamente quanto combinados. O contrato audiovisual verda-
deiramente permanece uma justaposição ao mesmo tempo em que cria uma
combinação. (CHION, 1994)

A seqüência também é um exemplo otimizado do efeito denominado por


Chion (1994:3-24) de valor agregado: “um efeito criado por um acréscimo de infor-
mação, de emoção, de atmosfera, conduzido por um efeito sonoro e espontanea-
mente projetado pelo espectador (o áudio-espectador, de fato) sobre o que ele vê,
como se esse efeito emanasse naturalmente”; e o de síncrese: (neologismo criado
pela fusão das palavras síntese e sincronização) “efeito psico-fisiológico, considera-
do como ‘natural’ ou ‘evidente’, em virtude do qual dois [ou mais] fenômenos senso-
riais em sincronia (no nosso caso, música-sons-imagem), são percebidos ‘irresisti-
velmente’ como evento único, procedente de uma mesma fonte”.

228
Figu
ura 22 - Valor Ag
gregado e Síncrrese (Michel Chiion)

O som
m “natural” do galope
e do(s) cavvalo(s) e do
o(s) tiro(s) sincronizad
do(s)
com o movimen
nto das ima
agens são “evidentess” na animação das ssilhuetas e são
“abso
orvidos” pela
a música, especificam
e mente por s ua seção rítmica e pe
elo seu fraseado
que, por
p sua vez
z, agrega te
emporalme
ente o signifficado de to
odas as so
onoridades obje-
tivas e subjetivas às image
ens. As ima
agens são p
percebidas como fontte das sono
orida-
des e parecem ditar
d o anda
amento da música
m e da
as demais sonoridade
es.

Esse effeito explica como


c nos deseenhos animaddos do começço dos anos trrinta a
músicaa se projetava a de qualquerr objeto desennhado, crianddo uma relaçção di-
reta en
ntre imagem e som. O efe feito mais óbvvio de síncreese é sem dúvvida o
mickeyymousing – sin ncronia absooluta entre annimação e múúsica, muito uutiliza-
da nos desenhos aniimados dos esstúdios de Waalt Disney. (Iddem)

As im
magens animadas e as
a sonorida
ades dos ccréditos iniiciais de Leone
com a música de
e Morricone
e são bem distintas d as dos wessterns conttemporâneo
os de
Hollyw
wood como
o, por exem
mplo, THE MAGNIFICENTT SEVEN (SE
ETE HOMENS TINO),
S E UM DEST

1960, dirigido po
or John Stu
urges, mús
sica de Elm
mer Berstein, ou as p
pinturas trad
dicio-
nais de
d cowboys
s e índios projetadas em HOW T
THE WEST W
WAS WON (A
A CONQUIST
TA DO

OESTE
E), 1962, com
c direçã
ão dividida entre Joh n Ford, He
enry Hatha
away e Ge
eorge
Marsh
hall, música
a de Alfred Newman.
Siu (id
dem) vê na
as duas cita
ações implíccitas de Leone (Muybridge e Texx Wil-
ler) um
ma nova fo as através do filme: “o
orma de contar história os ‘stills’ de
e Tex Wille
er tor-
nam-s
se animado
os com uma
a grande sensação de
e fluidez, e
enquanto qu
ue os movimen-

229
tos fotográficos de Muybridge são transpostos de uma forma pioneira de um movi-
mento que não era inteiramente fluido – os créditos iniciais são, desse modo, uma
celebração da edição rápida e fluida”. Como também já foi mencionado, Carreiro
(2010) enumera as “alusões a filmes anteriores e/ou momentos característicos do
gênero” como contribuições de Sergio Leone às ferramentas que fazem parte do
processo de continuidade intensificada de Bordwell.
A música dos créditos iniciais só retornará completa (porém, sintetizada)
no final do filme, que não tem Créditos Finais, mas, simplesmente a palavra “FINE”.

4.4.3.2: Partes 2, 7, 14, 22, 30, 36 e 52 – Leitmotiv do protagonista Joe (Clint


Eastwood)
Parte 2. Na coda da música dos créditos iniciais (Titoli), a imagem é corta-
da para um chão seco, arenoso e cheio de pedras que, pouco a pouco, mostra-se
como a entrada de um vilarejo, uma cidade que posteriormente é nomeada: San Mi-
guel. Essa cidade é o local onde praticamente toda a ação do filme ocorrerá. A cida-
de foi pretensiosamente pensada para imitar uma fronteira entre o sudeste dos Esta-
dos Unidos e o México, próximo ao famoso Rio Bravo, imitando o modelo de local
geográfico, uma das grandes características do western americano e que se tornou
uma das convenções do gênero.
Rapidamente, em aproximadamente 5 segundos, a audiência pode obser-
var, em plano fechado, patas que se revelam, aos poucos, de uma mula trotando
lentamente e com o seu som característico sobreposto ao da música Titoli. Com um
movimento contrário ao trotar da mula a câmera vai abrindo para um plano geral en-
quanto a música dos créditos iniciais está terminando. Podemos ouvir o assovio de
Alessandro Alessandroni terminando a melodia e a presença ostensiva do acompa-
nhamento com os instrumentos de percussão e a insistência do sino em primeiro
plano. Montado na mula vê-se as costas de um homem (Clint Eastwood) com um
chapéu preto e um estranho ponche chegando à entrada da cidade. Posteriormente,
sem se apresentar, o homem será chamado de Joe por Peripero (Joseph Egger).
Podem ser vistas no horizonte algumas colinas, que também são tão típicas das pai-
sagens onde normalmente são filmados os Westerns americanos, e duas casas

230
branc
cas, uma em frente a outra, parrecendo de entrada da cidade. Jo
elimitar a e oe se
aprox
xima de um
m poço, desce de sua mula e tira
a água para
a beber. Co
om a sobre
eposi-
ção do som da corda
c do po
oço, movendo-se num a roldana a
amarrada e
em três ped
daços
oncos de árrvore, a mú
de tro úsica termina. A imag
gem é corta
ada para o plano oposto e
fechado de Joe bebendo água. Enqua
anto bebe a
ao lado do poço ele o
observa um
m me-
nino correndo
c em
m direção a uma das casas. Es sa visão do
o homem é acompanhada
por trrês execuçõ
ões da seg
guinte sono
oridade ou fragmento musical, ssobreposto ao o
som de
d água, do
os passos do
d menino correndo
c e do relincha
ar da mula do homem:

Figu
ura 23 – Motivo JJoe

Essa “micro-célula” foi inú


úmeras ve
ezes execu
utada como elemento
o de
acompanhamentto na músic
ca dos Cré
éditos Inicia
ais – Titoli e
e, pelo núm
mero de vezzes e
a form
ma como fo
oi executad
da, fixou-se
e como um elemento “pertinente
e” e possível de
recorrrência pelo composito se simples procedime
or. Com ess ento de exe
ecução sinccrôni-
ca en
ntre a imagem focada
a no olhar de
d Joe e a “micro-célula” musiccal – isolad
da do
contexto onde apareceu iniicialmente –,
– executad
da, nesse ccaso, de modo impercceptí-
vel às
à persona
agens da ação
a filma
ada (nível externo, ssegundo M
Miceli ou e
extra-
diegético, segun
ndo Gorbma
an), mas, completame
c ptível e inessperado à audi-
ente percep
ência do filme, é criado por associação recíp
proca (ima
agem–músicca ou mússica–
em) o que para
image p toda a teoria da música de cinema é rreferido com
mo um prin
ncípio
o de articulação narrativa: um leitmotiv.
básico
o criada arb
Essa associação bitrariamen
nte de um e
elemento m
musical ou ssono-
ro, se
em forma definida e sem tamanh
ho definido
o, também rreferido como motivo con-
dutor ou motivo
o de remin edimentos, principalm
niscência, é herança dos proce mente
wagne
erianos, rellacionados à composição da ópe
era. Teorica
amente, tod
do breve im
mpac-
to sen
nsorial relac
cionado ao
o fragmento
o musical p
pode ser, co
onsciente o
ou inconsciente-
mente
e, associad
do à imagem
m de Joe, o homem d
de chapéu e de ponch
he. Os atrib
butos
objetiv
vos ou sub
bjetivos da forma
f como
o é executa
ado o fragm
mento, com
mo, por exem
mplo,

231
o som agudo da flauta doce, a execução ágil com características de leveza, seu tim-
bre, suas qualidades relacionadas à madeira ou o bambu (o material com que o ins-
trumento é construído) entre outros, podem ser “transferidos” pela associação às
qualidades objetivas ou subjetivas tanto da aparência quanto do caráter do persona-
gem.
Gorbman (1987) comenta:

Richard Wagner definiu algumas características da utilização dos motivos


na ópera: ele deveria ser apresentado primeiro em conjunto com o texto ver-
bal - uma linha melódica poética (Versmelodie). Essa melodia apareceria
mais tarde na orquestra, mas sua referência precisa iria ser firmada pelo
contexto verbal. No cinema, a associação entre imagem e música é suficien-
te, independente da linguagem verbal. Isso acontece pelos recursos de en-
quadramento, como o close-up (o que não acontece na ópera) que permite
que se criem vinculações entre imagens específicas e motivos sonoros.
(GORBMAN, 1987)

Fraile (2001:150-151) interpreta essa primeira associação motívica como


reveladora da atitude vigilante do pistoleiro e de sua capacidade de intuição. Nesse
sentido, “A personalidade do protagonista fica dessa maneira reduzida a um só pla-
no: seu sigilo, sua capacidade de passar inadvertido, sua atitude alerta e calada”. Ele
acrescenta que esse aspecto será reforçado pelo tipo de diálogo usual à persona-
gem: “são intervenções muito breves e escassas, quase sempre irônicas, com duplo
sentido ou como uma ameaça encoberta”.
Obviamente, essa primeira associação motívica não revela objetivamente
tantas características para que Fraile possa deduzir de modo tão inequívoco todas as
informações citadas, mas, com certeza, induz a “um tipo de olhar” em relação ao
personagem que potencializa muitas inferências, inclusive as emitidas.
Adorno e Eisler (1945) sustentam que esse procedimento, conjuntamente
com outros, estabelece-se como um vício (mau-costume) que se reflete numa possí-
vel redundância entre as forças dramáticas e as sonoridades. Porém, esse não pare-
ce um caso de qualquer tipo de redundância problemática, mesmo que a sonoridade
pentacordal tenha sido utilizada tantas vezes na música dos créditos iniciais. Nesse
caso específico, a sonoridade, por ser inesperada, captura a atenção em direção ao

232
homem e os acontecimentos que ele presencia, criando uma primeira associação. A
articulação dos elementos visuais e sonoros com os derivados do material musical
conhecido cria, factualmente, uma engenhosa possibilidade de recorrência, que
aponta para uma possível coerência, e não uma simples redundância que possa se
constituir como um vício ou mau-costume.
Chion (1990) fala da “fluidez estruturante do leitmotiv”:

O leitmotiv, independente do fato de poder representar um som preciso e fi-


xo, identificável por um nome [no caso a “micro-célula” de Joe], encarna o
real movimento da repetição, que, dentro da seqüência de imagens e sons
próprios ao cinema, desenha e delimita pouco a pouco um objeto, um centro.
Ele garante ao tecido musical um tipo de elasticidade e de fluidez, caracte-
rística dos sonhos.

Em suma, a recorrência musical da “micro-célula” pentacordal tem a pos-


sibilidade de referenciar o personagem Joe, mesmo que ele não esteja presente.
Além disso, o significado da peça Titoli, devido a presença da sonoridade original, é
reconfigurado com novas possibilidades de interpretações e significados oriundos da
associação leitmotívica.

Posteriormente, o leitmotiv de Joe também é ouvido nas partes relaciona-


das abaixo.
Parte 7: segundos antes dele enfrentar quatro homens dos Baxters em
duelo. Depois de um diálogo irônico onde Joe afirma que sua mula está muito contra-
riada por ter sido assustada pelos quatro (no momento em que eles chegaram na
cidade). Como na cena do duelo final o motivo é precedido pelo “som tônico” agudo
da nota Ré.
Parte 14: quando Joe é apresentado a Ramon Rojo, o personagem que
representa o principal antagonista. Ramon faz um discurso mentiroso dizendo que
está cansado da vida de matança contra os Baxters e que resolveu fazer a eles uma
proposta de paz definitiva. “Decidi pendurar minha arma na parede”, ele diz. Joe ou-
ve tudo com muita indignação, pois sabe que Ramon esta mentindo. “Isto tudo é
mesmo, muito tocante”, exclama ironicamente. Ramon pergunta: “Você quer dizer

233
que não admira a paz?” Joe responde: “Não é fácil gostar de algo que você não sai-
ba nada a respeito”. Ramon replica: “Fique em San Miguel e você poderá ganhar
experiência”. Joe responde: “Não, obrigado. Não estou preparado”. Joe coloca o pe-
culiar charuto na boca enquanto a sonoridade é executada. Joe “abandona” o traba-
lho com os Rojos.
Parte 22: no momento que precede a troca de prisioneiros entre os Bax-
ters e os Rojos. Nos preparativos, Joe sai do bar de Silvanito com uma cadeira para
assistir a troca. Enquanto ele senta para “apreciar” o evento o seu leitmotiv é execu-
tado três vezes.
Parte 30: logo após a surra que ele leva dos homens dos Rojos, que qua-
se o matam de tanto bater, por terem descoberto que ele estava fazendo um jogo
duplo, já que prestava serviços também aos Baxters. Os Rojos tentam através de
uma seção de torturas arrancar uma confissão e informações sobre o procedimento.
Joe, mesmo torturado violentamente, consegue se manter calado. Cansados de tan-
to bater os Rojos deixam Joe, muito ferido, preso num celeiro para continuar a seção
de tortura no dia seguinte. No momento em que Joe está só, o leitmotiv é executado
sete vezes. Dessa vez mais lentamente e de forma continua, uma oitava mais baixa
em relação ao original. A transformação comenta o seu estado lastimável.
Parte 36: do mesmo modo que na parte 3, o leitmotiv de Joe é ouvido no
momento que precede o duelo final entre Joe e os Rojos.
Parte 52. na cena da troca dos prisioneiros, Joe se dá conta da importân-
cia que Marisol tem para Ramon. Prosseguindo na implementação de seu plano de
jogar uma família contra a outra, ele finge voltar a trabalhar para os Rojos que “estão
alegres por ter o americano com eles”, pois, se o governo mexicano começar uma
investigação (sobre a matança do Rio Bravo) precisarão de todos os homens que
puderem ter. Além disso, depois do confronto com os Baxters no cemitério, um con-
fronto mais aberto é eminente: “Acho que se entrarmos em guerra com os Baxters
agora será pior do que sentar em um barril de dinamite”, exclama Esteban Rojo (Sie-
ghardt Rupp) para Dom Miguel (Antonio Prieto), em um “churrasco” especial que os
Rojos estão oferecendo aos seus empregados. Ramon vai fazer uma viagem de “ne-

234
gócios” e estará ausente por um dia. Ele dá ordem a cinco de seus homens que es-
coltem Marisol para a “casinha” e que permaneçam lá vigiando até que ele retorne.
Na saída ele diz para que todos aproveitem para comer e beber durante a sua curta
ausência. Joe se junta a Chico (Mario Brega) e aos outros homens: “Vocês ouviram
Ramón. Tenhamos um bom momento”. No final da festa, Joe, fingindo estar bêbado,
é carregado para um quarto por um dos homens. Ele canta uma canção pendurado
nos ombros do homem. Abrindo e fechando a canção, o leitmotiv anuncia seu fingi-
mento como parte do seu próximo passo no plano: libertar Marisol (Mariane Koch),
seu marido Julio (Daniel Martin) e o filho Jesus (Nino Del Arco).

4.4.3.3: Partes 33, 40 e 54 – Solos diferenciados da melodia principal


Parte 33. O objetivo de Joe é jogar uma família contra a outra. Com esse
plano em mente, logo após assistir a matança dos soldados pelos Rojos no Rio Bra-
vo, pega dois soldados mortos e os leva junto com Silvanito ao cemitério de San Mi-
guel. A idéia é lançar um boato de que os dois soldados sobreviveram ao massacre
e, conseqüentemente, como sobreviventes, poderiam testemunhar contra Ramon e
os Rojos. Ele se encarregaria de informar, “por um punhado de dólares”, as duas
famílias rivais. Joe coloca os dois soldados mortos sentados e encostados numa se-
pultura de forma que pareçam estar de guarda. Silvanito não entende o que Joe está
fazendo e, indignado com a profanação, deixa o cemitério. Nesse momento ouve-se,
sobrepondo o som de grilos que dão ambiência ao cemitério, o som da melodia prin-
cipal de Titoli, executado lentamente por uma gaita de boca com muito rubato e vi-
brato. O som melancólico da melodia executado pela gaita parece referenciar os sol-
dados mortos, ao mesmo tempo que reforça o caráter solitário de Joe. A música
também é utilizada como música de corte, pois passa a idéia de finalização da se-
qüência, “arrematando-a”.
Parte 40. Nessa cena os Rojos pagam a Joe pelas “valiosas” informações
sobre os soldados “sobreviventes” e se dirigem, rapidamente, para o cemitério para
matá-los. Joe pega o dinheiro e finge que vai embora. Quando os Rojos se distanci-
am ele pula o muro da casa dos Rojos para prosseguir com o seu plano: libertar Ma-

235
risol. No momento em que ele se aproxima do muro, a melodia principal de Titoli é
interpretada, em andamento normal, por uma quena, acompanhada pelo ritmo carac-
terístico do “galope do cavalo” executado pelo violão. O sentido é de finalização da
seqüência anterior e preparação para a seguinte, já que Chico permaneceu de guar-
da na casa dos Rojos.
Parte 54. O solo executado pela gaita de boca nessa parte é igual ao da
33, mas é acompanhado por um órgão. O objetivo é comentar o estado lastimável de
Marisol, a mãe de Jesus, que é forçada por Ramon a ser sua companheira, amea-
çando-a, caso não colabore, de matar seu filho e seu marido. Joe, na ausência dos
Rojos que foram ao cemitério averiguar a questão dos soldados “sobreviventes”, le-
vou Marisol para a casa dos Baxters para que Consuelo Baxter tomasse conta dela.

4.4.3.4: Partes 4, 21 e 38 - Sinos


O som diegético ou interno que assume grande importância no filme rela-
ciona-se as badaladas do sino de San Miguel, executadas por Juan de Dios (o louco)
toda vez que alguém morre. A importância dramática dessas sonoridades amplifica-
se já que são recorrentes e semelhantes as do sino utilizado na música dos créditos
iniciais, Titoli, por Ennio Morricone. A nota musical de referência para o sino, nos dois
casos, é a tônica de toda a trilha musical: Ré.

4.4.3.5: Partes 8 e 36 – Sons Tônicos


Uma sonoridade única e diferenciada, utilizada dramaticamente nesse fil-
me, é composta por uma nota Ré muito aguda sustentada continuamente por violi-
nos. Nas duas utilizações, ela precede os dois momentos de duelos e é ouvida ligada
à “micro-célula” leitmotívica de Joe: a primeira, logo no início do filme (parte 8),
quando Joe mata quatro homens dos Baxters; e a segunda, no final, quando Joe li-
quida com os Rojos (parte 36).
Chion (1997) classifica essas sonoridades dramáticas utilizando como re-
ferência a denominação empregada por Pierre Schaeffer de “sons tônicos”.

Sons onde a massa nos faz escutar uma altura [nota] precisa. Se os sons são
situados como emanação "natural" - um motor de um automóvel, um ruído

236
de elevador, ou certos zumbidos naturais - essa percepção se dissolve. É mú-
sica, dentro do universo concreto do filme, aquilo que escapa às leis do real,
aquilo que parece existir dentro do som, independente do que se vê. E, den-
tro da medida onde essa dimensão existe independente do real, ela pode ser
a representação de uma ordem simbólica, criadora, organizadora, suscetível
de agir sobre o resto do filme, de organizá-lo e guiar. (CHION199)

Nas duas utilizações é como se o tempo fosse congelado. Leone alterna


suas famosas tomadas em planos fechados dos rostos dos personagens da cena,
amplificando de modo considerável a tensão que antecede os disparos das armas.

4.4.3.6: Partes 16, 23, 25 – Sonoridades tensas e sons percussivos.


Parte 16. O xerife, John e Consuelo (o casal Baxter) retornam a casa após
o jantar com os Rojos. John comenta com ela que “a única razão que os Rojos pode-
riam ter para começar uma guerra com eles, seria seqüestrar o seu marido”. Ele pa-
rece estar acreditando na proposta de paz dos Rojos quando comenta: “É galante
esse Rojo, realmente não pensei que seria capaz de elogiá-lo”, se referindo a Ra-
mon. Sua esposa, Consuelo, parece ser mais perspicaz: “Tudo que ele disse é falso,
como as propostas dele”. O xerife Baxter retruca: “Mulheres! Se as coisas não estão
complicadas para vocês... vocês suspeitam”. Consuelo concorda: “Sim. Para mim, o
que aconteceu não parecia certo. Foram muito amáveis. Não confio neles”. John
Baxter comenta que ela simplesmente gostaria de provar que está tudo errado.
“Sempre a mesma coisa”, ele diz. Consuelo encerra a discussão dando “boa noite”.
Ela sobe as escadas e vai para o quarto deles, no andar de cima da casa. O xerife
também diz “boa noite”, mas, permanece na sala, terminando de beber um licor.
Nesse momento, ouve-se uma inserção musical que Morricone denominou de Con-
suelo no CD. As cordas entram em uníssono na nota Lá(a dominante da trilha musi-
cal inteira) divididas em dois grupos, na região média. Um grupo sustenta a nota Lá;
enquanto, o outro, é também subdividido em dois grupos. Ambos, lentamente, execu-
tam as notas Lá, Sib, Si natural, provocando a justaposição harmônica dos intervalos
de uníssono, segunda-menor, segunda-maior. Nessa última nota, um grupo da se-
gunda subdivisão permanece na nota Si, enquanto que o outro termina a progressão

199
CHION, M. La musica en el cine. Barcelona: Paidos Iberica, 1997.

237
em semitons até a nota Dó. O Resultado geral é a superposição das notas Lá, Si,
Dó, que pode ser interpretada como um acorde de Lá menor com nona, a mesma
dissonância enfatizada na harmonização de Per un pugno di dollari (Tema 2). A ca-
racterística lenta e, predominantemente, dissonante da inserção parece estar em
desacordo com a cena, até o momento em que Consuelo entra no seu quarto pouco
iluminado. Sobre o insistente pedal da nota Lá, um dos grupos das subdivisões salta
para a nota Mib (trítono) e, mais rapidamente, se dirige para a nota Ré. O outro gru-
po, num gradativo crescendo de intensidade e, também, com um gradual aumento
dos momentos da troca de notas, salta para Fá# (oitava acima da região média) e se
dirige a nota Fá natural. Imediatamente, inicia-se um trêmulo com as notas Dó#, Ré,
Fá, Fá#, Lá, Sol#, Si, Sib, Mib, Fá#, dirigido para a região aguda. Toda essa fusão
musical aumenta mais o caráter de tensão da cena. Consuelo está trocando de rou-
pa para se deitar, e, no momento em que vai apagar a luz de um sofisticado lampião,
vê-se a mão de alguém pegar no seu pulso. Sincronizadamente com a imagem, o
som de tímpanos são sobrepostos aos trêmulos das cordas que, num glissando as-
cendente para a nota Lá, se colocam em segundo plano. A câmera fecha na figura
de Joe, tapando a boca de Consuelo para que ela não grite. “Não se preocupe. Não
vou feri-la”, ele diz. Enquanto Joe descreve o massacre dos soldados mexicanos no
Rio Bravo pelos Rojos, a imagem é cortada para John Baxter, que ainda está na sa-
la. A música, agora com a presença de madeiras e metais, “envolve” a nota Lá, reali-
zando glissandos em tutti e sforzati com as notas Sib-Lá e Sol#-Lá. Consuelo chama
John Baxter, num tom alto e preocupante. John sobe as escadas correndo e, no
momento em que abre a porta do quarto, tem o seu revólver habilmente retirado de
sua cintura por Joe, que esperava atrás da porta. Exatamente nesse momento, a
inserção termina com a mesma nota inicial: Lá. Ele diz para o xerife: “Sinto, mas
quando um marido acha um homem com a esposa dele em um quarto, não se sabe
como irá reagir”. Consuelo diz ao marido que dê $500 dólares a Joe. O xerife fica
confuso: “Como é que é?” Ela confirma: “Dê o dinheiro a ele. Ele tem uma história
interessante. Escute”. Com um corte seco, inicia-se, elipticamente, a próxima cena
com o próprio Joe informando aos Rojos que os Baxters já sabem sobre o massacre

238
e que
e estão se dirigindo ao cemitério
o onde os d
dois soldad
dos sobrevviventes esttão à
esperra de socorro. O metic
culoso plano
o de Joe esstá se conccretizando.
Parte 23. Essa parte inicia
a a troca de prisioneirros: Mariso
ol (companheira
forçad
da de Ramon Rojo), que
q foi leva
ada por Joe
e a casa do
os Baxters, por Antonio (fi-
lho do
o casal Bax
xter), capturado no confronto dass duas famílias no cem
mitério. Morrico-
ne iniicia com so
onoridades percussiva
as de uma
a fanfarra re
ealizadas p
por um surrdo e
uma caixa
c clara com esteira
a.

Figura
a 24 – Fanfarra que
q precede a ttroca de prision eiros

omens dos Rojos se dirigem


Os ho d à ca
avalo na direção de uma área ce
entral
na cid
dade, bem em frente ao
a Bar de Silvanito
S (o mesmo loccal dos due
elos e princcipais
eventos do filme
e). Joe ass
siste ao eve
ento junto ccom Silvan
nito. Silvaniito tem com
m ele
també
ém o garoto
o Jesus que
e começa a chorar co piosamente
e quando vvê sua mãe num
dos cavalos.
c O menino
m cha
ama a mãe
e aos gritoss, no mesm
mo momentto que um ttrom-
pete é acrescenttado à fanffarra executando a no
ota Lá. Imed
diatamente sobre essa
a no-
ta ped
dal, cordas em oitavas na região
o grave e m
média execcutam uma figura meló
ódica
em se
emicolcheia
as Lá, Sib, Sib,
S Lá, duas vezes, p
provocando
o dissonânccias harmôn
nicas
de sétima-maior e de, sua inversão, segunda-me minante da trilha
enor sobre a nota dom
a. O mesmo
inteira o procedim
mento é repetido quartta acima, em torno da
a nota Ré, a Tô-
nica da
d trilha intteira. Nesse exato mo
omento o m
menino Jessus se soltta das mão
os de
Silvan
nito e corre
e em direçã
ão a sua mãe
m que, ta
ambém cho
orando, dessce do cavalo e
corre ao seu en
ncontro parra abraçá-lo ortes interccalados e intermitente
o. Entre co es de
image
ens dos ros
stos ameaç
çadores do
os homens dos Rojoss e dos Baxters, cada
a vez
mais rápidos, e a imagem da descida
a da mãe, a música accrescenta a
as vozes de um
coral dobrando as
a notas pe
edais do tro
ompete que
e, agora, m
move-se inttermitentem
mente
nas notas Lá e Ré,
R com a presença
p da
d fanfarra e da figura melódica d
das cordass sem

239
a repetição anterior, também num aumento gradual do andamento e da intensidade
sonora. No momento do abraço dos dois, a imagem é cortada para o olhar fixo de
Julio, o pai de Jesus. Todos os instrumentos da inserção são retirados, permanecen-
do somente o som da caixa em decrescendo sob o triste olhar de Julio.
Outra utilização da música dessa inserção se dá no final da Parte 47
quando Joe, escondido por Peripero e se recuperando dos ferimentos, prepara uma
chapa de ferro que servirá como escudo dos tiros da Winchester de Ramón. A fanfar-
ra é introduzida quando Joe bate várias vezes com um martelo na chapa de aço, em
sincronia perfeita com o ritmo da fanfarra (mickeymousing) que, com a entrada dos
novos instrumentos, pontua o grande perigo da empreitada de Joe.
Parte 25. É a cena em que Joe liberta Marisol, Julio e Jesus das mãos dos
Rojos. Joe invade uma das casas dentro da fazenda dos Rojos, situada bem distante
da casa central, e mata friamente todos os homens que vigiavam Marisol. Os tiros
são ouvidos pelos Rojos que imediatamente pegam os seus cavalos e se dirigem
para lá. Na montagem paralela, Morricone utiliza uma variação do “ritmo do galope

do cavalo” (q  ee q  ee) executado por instrumentos da orquestra (tímpano, madeiras e

cordas na região grave) enquanto um trompete, com dobramentos de flautas executa


figuras melódicas sempre com as notas Sol, Mi, Sib, Lá. Toda essa mistura de sono-
ridades serve, na realidade como introdução para uma variação que utiliza como me-
lodia principal a parte classificada como “Ponte” na análise da peça Titoli. Assim que
a imagem é cortada para os Rojos cavalgando apressadamente em direção à casa, o
coral masculino inicia a melodia, cantando em uníssono e em semibreves as notas
Lá, Si, Dó (a nota Dó é sustentada por dois compassos [duas semibreves]). A mon-
tagem que paraleliza a aproximação dos Rojos é a de Joe reunindo Marisol, Julio e
Jesus. A passagem é repetida mais duas vezes e, após a última (nota Dó), todos os
instrumentos são retirados, permanecendo somente as vozes e as cordas que se
dirigem para um Mi agudo (como quinta de Lá). Na nota sustentada, a imagem fixa-
se na de Joe dirigindo-se a Marisol: “Aqui estão vocês. Agora, peguem este dinhei-
ro”. Nesse momento ouvimos a resolução da nota Mi, das vozes e das cordas, num

240
acorde de Ré menor. O Tema 2, Per un pugno d
di dollari, é então execcutado pelo
o cor-
ne-ing
glês e com o acompanhamento das vozes e das cord
das. Joe prrossegue: “O di-
nheiro
o é o basta
ante para se
s manter por
p algum tempo. Vã
ão beirando
o o rio. Pon
nham
uma boa
b distânc
cia entre vo
ocês e San
n Miguel, a maior posssível”. Julio
o pergunta: “Co-
mo po
odemos agradecer o que
q está fa
azendo?” Jo
oe respond
de: “Não ten
nte. Vão an
ndan-
do an
ntes que os
s Rojos cheguem”. Jo
oe empurra
a Marisol ccom Jesus no colo e Julio
para que
q se aprressem. Ma
arisol ainda
a se vira pa
ara Joe e p
pergunta: “P
Por que esttá fa-
zendo
o isto por nós?”
n Joe responde: “Porque e u conheci alguém co
omo vocês uma
vez. Não
N havia ninguém
n lá para ajuda
ar. Agora vã
ão embora””. Eles ficam
m parados, mas
Joe in
nsiste: “Vão
o embora. Saiam daq
qui!” Os trê
ês, então, sseguem o sseu caminh
ho. A
músic
ca termina com a inte
ermitência da
d imagem
m dos três sse afastand
do e o olha
ar de
Joe que, apressa-se a fech
har a porta da casa e se afasta, a
apressado pela proxim
mida-
de da
as sonoridad
des dos cav
valos dos Rojos.
R

4.4.3.7: Partes 3 e 6 – A so
onoridade dos bandi
didos
Parte 3. A prime e Joe é nottado pelos homens do
eira vez que os Rojos é logo
no iníício do filme
e, quando ele
e está beb
bendo água
a no poço. Do poço ele assiste a sur-
ra que
e Chico dá covardeme
ente em Je
esus e Julio
o. Depois de
e um plano
o fechado no pai
do me
enino que está caído no chão e sendo ch
hutado e pisoteado muitas vezess por
Chico
o, a imagem
m fecha na lateral esq
querda das costas de Chico. Com o movim
mento
da câmera é pos
ssível acom
mpanhar o giro
g do corp ar de Chico que,
po e a direçção do olha
junto ao poço, percebe
p a presença
p de
d Joe beb
bendo água
a. Sincronizzado ao girro de
Chico
o ouve-se o som grave
e de um pia
ano executa
ando o segu
uinte fragm
mento musiccal:

O frag
gmento utiliza a figura
a do acomp
panhamento
o do violão
o na música
a dos
créditos iniciais, Titoli, mas, no tom mais
m grave e no modo como é exxecutado, com o
acompanhamentto percussivo de um tambor, rrevela cara
acterísticas mais obsccuras
que são
s associa
adas aos ba a perigoss que eles representa
andidos e aos am. Uma flauta,
na reg
gião grave, executa as notas Ré
é, Sol, Lá, e
em semibre
eves, as no
otas de apo
oio da

241
melodia principal do tema 1. No momento que Chico e seu companheiro se retiram,
um violino é introduzido realizando também a figura rítmica e melódica do violão nu-
ma região média e em tempos distintos das sonoridades graves do piano. Uma gaita
de boca dobra a flauta que agora executam as notas Dó e Ré, completando a idéia
melódica de Titoli. Os instrumentos pontuam um acorde com as notas Ré-Lá no mo-
mento que a imagem é fixada em Joe que vê os bandidos indo embora. A música
prossegue com os mesmos elementos enquanto Julio leva Jesus a salvo para dentro
de uma casa. Joe percebe a presença de Marisol olhando de uma janela. A música
interrompe os sons percussivos e inicia um fragmento onde são enfatizadas quintas
paralelas como sonoridades primitivas. As notas Sol-Lá-Ré-Lá são realizadas por
flautas e as notas Dó-Ré-Sol-Ré, pela gaita de boca, também com flautas dobradas.
A imagem é fixada em plano fechado no rosto de Marisol olhando na direção de Joe.
Os instrumentos sustentam as notas Lá-Ré enquanto ela olha rapidamente para Joe
e, com a execução pelo piano do motivo rítmico do violão, bate a janela, cortando a
música e a imagem dela para, em plano fechado, o rosto de Joe.
Parte 6. No momento em que Joe entra na cidade, logo após ter conheci-
do Juan de Dios, o louco que toca o sino da cidade toda vez que alguém morre, ele
prossegue em direção ao centro do local. O tema anterior entra da mesma forma a
medida que Joe observa as janelas das casas e os detalhes do caminho que ele se-
gue. Então, ele é interrompido pelos homens dos Baxters, que querem que saia da
cidade de San Miguel, atirando várias vezes em direção as patas de sua mula que
sai em disparada. Os tiros sobrepõem e cortam a sonoridade da inserção musical.

4.4.3.8: Partes 50, 51 e 52 – “Source Music” e Canções


Existem poucos momentos no filme onde podemos ouvir música ou sono-
ridades que remetem a uma idéia musical presente nas imagens e que seja executa-
da ou percebida pelas próprias personagens envolvidas na ação do filme.
Três momentos em que são utilizadas canções são muito breves e de
pouca importância no que se refere ao estabelecimento de entidades temáticas. A
utilização nos três casos remete a uma “naturalidade” ou ambientação das cenas e

242
os trechos das canções que estão sendo cantadas não são recorrentes e, portanto,
sem maior importância ou significados ulteriores. Os momentos são:

Parte 50. Apresentação da personagem Peripero trabalhando nos


caixões de defunto. Ele canta enquanto trabalha. A canção pare-
ce ser La Cucaracha.

Parte 51. O momento em que Joe (Clint Eastwood) vê pela se-


gunda vez (a primeira é no momento inicial do filme quando Chico
dá uma surra em Jesus) a personagem Marisol (Marianne Koch).
Marisol está cantando uma canção em espanhol.

Parte 52. Joe, fingindo estar bêbado, canta o trecho de uma can-
ção em inglês.

4.4.4 - Alguns Exemplos de utilização do TEMA 2 – Per un pugno di dollari


4.4.4.1: Partes 40 a 47 – A música do confronto
Parte 40. O tema 2 é ouvido quando Joe toma as últimas informações so-
bre a cidade de San Miguel no momento que conhece Silvanito (José Calvo) o dono
do Bar falido da cidade. Silvanito insiste para que ele deixe a cidade ou morrerá. Joe
exclama enquanto se dirige a uma sacada, no andar de cima do Bar de Silvanito: “As
coisas sempre parecem diferentes vistas de cima”. Da sacada ele consegue visuali-
zar toda a cidade e alguns homens que parecem estrangeiros. “Quem são eles?”,
pergunta a Silvanito, que responde: “Bandidos e contrabandistas”. Olhando na dire-
ção das casas ele prossegue: “Eles vêm do Texas. Cruzam a fronteira para pegar
armas e bebidas. O preço é muito menor aqui. Então, voltam e vendem as armas e
as bebidas para os índios”. Joe indaga: “Qualquer cidade que venda armas e bebi-
das tem que ser rica”. Silvanito retruca: “Não a cidade, só esses que compram e
vendem e os chefes são os que enriquecem”. Joe afirma: “Alguém tem que dirigir o
lugar. Toda cidade tem um chefe”. Silvanito concorda, mas complementa: “Isso é
verdade, mas quando tem dois então, dizem que já tem muitos”. Joe indaga ironica-
mente: “Dois chefes? Muito interessante”. Silvanito concorda: “Realmente interessan-

243
te. Os rapazes dos Rojos, três irmãos que vendem bebida. E também há os Baxters,
comerciantes de armas grandes. Se não estou enganado, você já viu o pessoal dos
Baxters”, referindo-se ao episódio da entrada da cidade de Joe, quando a sua mula
foi assustada por vários tiros. Joe confirma: “Sim, nos encontramos”. Silvanito com-
plementa: “Mas teve sorte. Normalmente não fazem mira só na mula. Um homem
deixa a própria terra e sai por ai por uma razão... Juan de Dios toca o sino e Peripero
vende outro caixão”. Joe interrompe: “Dois chefes”. Silvanito diz: “Eles recrutaram
toda a escória dos dois lados da fronteira e pagam em dólares”. Joe, fumando seu
charuto, aponta: “Os Baxters estão ali. Os Rojos lá. Eu aqui no meio”. Silvanito per-
gunta: “Onde você quer chegar?” Joe é lacônico: “O louco do sino (Juan de Dios)
estava certo. Há dinheiro para se ganhar em um lugar assim”. Silvanito adverte: “Se
está pensando o que acho, lhe digo, não tente”. Joe pergunta: “Qual dos dois é o
mais forte?” Silvanito repete e responde: “Qual deles é mais forte? Bem, os Rojos,
especialmente Ramón”. Joe coloca o seu marcante charuto na boca e se dirige para
fora do estabelecimento. O Tema 2 começa a ser ouvido com a melodia solada por
um oboé e acompanhada por cordas. Ele sempre será utilizado em situações de con-
flito e duelo iminente. Em frente a casa dos Rojos, Joe fala em voz alta o que parece
estar pensando: “Don Miguel Rojo, quero falar com você. Ouvi dizer que está contra-
tando homens. Bem, posso estar disponível. Mas vou lhe falar antes de me contra-
tar... eu não trabalho barato”. Dita essas palavras se dirige novamente para a entra-
da da cidade na direção dos homens dos Baxters que assustaram sua mula. En-
quanto caminha, uma tomada geral mostra Don Miguel Rojo se aproximando da sa-
cada de sua casa para observar o que Joe vai fazer. Ao tema 2 é sobreposto o som
de Peripero cantarolando (La cucaracha) enquanto trabalha em um caixão de defun-
to. Joe passa por Peripero e pede para que ele tenha três caixões prontos. Peripero
fica surpreso e para de cantarolar. Joe avista os homens dos Baxters, eles não são
três, mas quatro. Na aproximação de Joe dos homens dos Baxters o tema dois ter-
mina sincronizado com a fala de um dos homens: “Adeus amigo. Escute, estranho!
Ainda não percebeu? Não gostamos de ver meninos maus como você na cidade. Vá
pegar sua mula”. E pergunta ironicamente: “Você a deixou fugir?”

244
Parte 41. O tema 2 inicia quando os Baxters estão saindo de casa para ir
a um jantar na casa dos Rojos. No jantar será apresentado um falso “plano de paz”
elaborado por Ramón. Sobrepondo o tema, o diálogo de Consuelo Baxter deixa cla-
ro: “Temos de ir ao jantar, mas não gosto nada disso até mesmo se concederem as
garantias que exigimos”. Então ela ordena: “Nós iremos em frente, mas não toquem
em nada. Vocês não devem comer e nem devem beber. Mantenham seus olhos
abertos e fiquem espertos”. A música termina e a cena é cortada com a imagem de-
les caminhando em direção a casa dos Rojos. Nesse seguimento a melodia principal
é executada por um oboé acompanhado por um violão. Percebe-se a característica
anempática da música em relação a cena, pois como música de confronto e dos due-
los, ela parece acentuar a vocação das famílias em direção a tragédia final: `matar e
morrer.
Parte 42. Nessa cena as duas famílias estão cavalgando para o cemitério.
Como nas outras cenas onde aparecem cavalgadas, Morricone utiliza a parte do
“modo de rock” e a parte do coral masculino de Titoli, o tema 1. Porém, nessa inser-
ção, como o encontro e o embate entre as duas famílias no cemitério é eminente, o
compositor intercala o “deguello” (tema 2).
Parte 43, 44 e 45. É a cena da troca dos prisioneiros, Marisol e Antonio
Baxter, já comentada na parte 23. A cena inicia com o sino sendo tocado muitas ve-
zes. Quando as duas famílias se dirigem para o centro da cidade levando os prisio-
neiros, o Tema 2 inicia no corne-inglês com acompanhamento de cordas. Julio e Je-
sus (marido e filho de Marisol) estão no bar com Silvanito e Joe. Na cena é especi-
almente enfatizado o sofrimento de Jesus pela ausência forçada da mãe. O tema 2
comenta todo esse sofrimento que precede a troca. O tema 2 termina no momento
que Ramón ordena que a troca seja iniciada. Ouve-se então uma fanfarra, comenta-
da na parte 23. Depois da fanfarra, sincronicamente com um corte para o olhar de
Joe, ouvimos seu leitmotiv na flauta, mas, dessa vez como preparação da retomada
do Tema 2, Per un pugno di dollari, e não associado ao tema 1, Titoli, ao qual per-
tence. O tema 2 é retomado por duas vezes na cena até que a troca dos dois prisio-
neiros termine, então, sua cadência final ele é utilizada para concluir o episódio.

245
Parte 46. O tema
a 2 foi come
entado na p
parte 25.
Parte 47. Em fug
ga, depois da surra q ue levou do
os Rojos, JJoe procura
a Pe-
ripero
o (o fabrican
nte de caixões de defunto) para que o esco
onda num local seguro
o on-
de ele
e possa se recuperar. Peripero o leva para um local dentro de um
m caixão de
e de-
funto. No trajeto, Joe e Perripero assis
stem ao exttermínio da
a família do
os Baxters p
pelos
Rojos
s. Após o extermínio dos
d Baxters
s, Ramón o
ordena que
e os seus h
homens con
ntinu-
em a procurar pelo “americ
cano imund
do”. O tema
a 2 é introduzido e a imagem é ccorta-
da pa
ara o local onde Joe vai
v se recu
uperar e prreparar a p
parte final d
de seu plan
no: o
confro
onto com os
o Rojos, principalmen
p nte, Ramón
n. O tema 2 termina q
quando Joe
e co-
meça a trabalhar sua “arma
adura”.

4.5 - O DUELO FINAL

Figura 25
5 – Tortura de SSilvanito

A cen
na do duelo
o inicia com
m os Rojoss torturando
o Silvanito, pendurado
o por
suas mãos ama
arradas, numa tentativ
va de desccobrir o parradeiro de Joe. O som
m de
uma explosão
e fa
az com que
e Ramon e seus home
ens se virem
m na direçã
ão do som ines-
perad
do. O Tema
a 2 inicia im acompanhamento das cordas. Oss Ro-
mediatamente com o a
jos olham apreensivamente
e, sincroniz
zados com o início da melodia so
olada pelo ttrom-
pete no
n estilo ma
ariachi. Do meio da fu
umaça e da
a poeira Joe
e reaparece como um
m fan-
tasma
a. Um vento se levantta de repen
nte agitand
do a borda de seu po
onche, mas, Joe
perma
anece estáttico, distantte.

246
Figura
F 26 - Joe

O efeito criado contra


c a luz remete dirretamente à sua silhue
eta utilizada
a nos
Crédittos Iniciais.. As notas do
d tema de
e Per un pu lari tornam--se mais dramá-
ugno di dolla
ticas e solenes, com a pres
sença de orquestra e do coral. JJoe não parrece estar p
preo-
cupad
do e, muito
o lentamentte, começa a se aproxximar de R
Ramon e de
e seus hom
mens,
ostentando uma calma e um
ma seguran
nça incomp
preensível e preocupante.

Figura 27 – Joe se aproxim


mando...

Os Ro
ojos se agrrupam, apro
ontando-se
e para o em
mbate. A m
música termina e
m do vento se
o som s faz mais
s marcante..

Figura 28
2 – Ramon e oss Rojos

247
Ramo
on reconhec
ce seu inim onta a sua temível Winchester contra
migo e apo
ele co
om um grito
o de “Gring
go”. Joe continua avan
nçando na direção de
eles e diz: ““Ouvi
dizer que você quer
q me verr”. Ramon, consciente
e de que na
aquela distâ
ância não e
erra o
alvo, cochicha para os seus
s homens: “O america
ano está morto”. Joe p
prossegue: “De-
cepcio
onado meu
u velho”. Ra
amon interrrompe o diá
álogo com um tiro certeiro. Joe, atin-
gido no
n peito, ca
ai no chão de
d costas. Os
O Rojos so
orriem.

Figurra 29 – Ramon R
Rojo

Porém
m, inacredittavelmente, Joe se levvanta e dizz: “O que e
está errado, Ra-
mon?
? Perdeu o seu toque?” Ramon atira novam
mente. Um
ma vez, dua
as vezes ... Joe
leva seu
s oponen
nte a atirar repetindo a frase que
e se tornou uma das m
marcas do ffilme:
"No coração Ram
mon, se vo
ocê quer ma
atar um hom
mem acerte
e-o no cora
ação... são suas
essas
s palavras, não são?"
on atira sete vezes nu
Ramo uma seqüên
ncia de 1, 1, 2 e 3 tirros, Joe cai três
vezes
s e, novame
ente, se lev
vanta. Som
mente quan do a arma de Ramon
n fica sem b
balas
é reve
elado o mis
stério da imortalidade de
d Joe. Na
a presença d
de um “som
m tônico”, d
dessa
vez grave, Joe levanta seu
u ponche e retira uma
a espessa cchapa de a
aço que o p
prote-
geu dos
d tiros fattais. Joe jog
ga a armad
dura de aço
o no chão. O leitmotivv de Joe se
e mis-
tura com
c o som do aço bate
endo no ch
hão. Num p
plano fechad
do da marcca dos sete
e tiros
na arm som tônico”” agudo da nota Ré ca
madura o “s atalisa o mo
omento susspensivo.

248
Figurra 30 – A proteç
ção de aço com 7 marcas de 7 ttiros

Na inttermitência de planos fechados e abertos dos rostos e das armass dos


ontadores, Joe, embo
confro ora só e co
ontra muito
os, revela u a de quem está
uma calma
certo da vitória. Por outro lado, todos os seus ad
dversários demonstra
am um nervvosis-
mo de
e quem sab
be que está
á condenad
do. Na verd
dade, os ho
omens de R
Ramon, que até
então
o haviam pe
ermanecido
o paralisado
os, são fulm
minados co
om uma ve
elocidade re
elâm-
pago, como se fossem alv
vos fixos. Ramon,
R ao invés, rece
ebe um tiro
o na sua a
arma,
derrub er no chão. O “som tôn
bando sua Wincheste nico” da no
ota Ré desa
aparece co
om as
sonorridades dos
s tiros.

Figura 31 – Jo
oe mata todos m
menos Ramon

Joe deixa Ramon sozinho, talvez com


mo o único a
adversário verdadeiramen-
te dig
gno de enfrrentá-lo. Ao
o som do vento,
v Ram m pé com sua Winchester
mon está em
desca
arregada no
o chão. Joe
e inicia um novo desa
afio repetin
ndo uma fra
ase que Ra
amon
havia usado: “Q
Quando um homem co
om uma 45
5 encontra um homem
m com um rifle,
você disse que o homem da pistola é um homem
m morto. Ve
ejamos se iisso é verdade”.
Joe dá
d um tiro na
n corda qu
ue prende Silvanito pa
ara libertá--lo. Silvanito
o cai no ch
hão e

249
Peripero o levanta. Joe retira as balas de sua arma e a arremessa no chão. “Vá em
frente”, ele diz a Ramon, “carregue e atire”. Os dois se postam, frente a frente, pró-
ximos de suas armas descarregadas. Ramon, rapidamente, se abaixa e recarrega
sua Winchester, mas, quando tenta apontar a arma contra Joe, o oponente, com mui-
to mais agilidade, já havia carregado seu revólver 45 e apontado para Ramon.
A imagem alterna, em plano fechadíssimo, de seus rostos. Uma figura rít-
mica é ouvida num tambor. Na terceira repetição da sonoridade percussiva, Ramon
atira, mas é mortalmente ferido por um tiro certeiro de Joe. As sonoridades percussi-
vas prosseguem com Ramon, tentando se levantar. Cambaleante e com o olhar fixo
em Joe, as tomadas em movimento da câmera simulam a sua morte. No entanto, as
sonoridades percussivas tornam-se cada vez mais insistentes, denunciando a pre-
sença de Esteban Rojo que, escondido no andar superior de uma das casas vizi-
nhas, aponta um rifle contra Joe. A sonoridade rítmica suspensiva desaparece com o
som do tiro. Silvanito percebe o truque e, com um rifle, acerta um tiro em Esteban
que despenca no chão, sem vida.
Ao som do vento, Peripero caminha na direção dos homens mortos para
tirar suas medidas. Ele tenta agradecer a Joe, mas fica sem palavras. Joe entra no
bar de Silvanito para pegar suas coisas ao som do sino tocado por Juan de Dios. Joe
sai do bar com suas coisas e diz a Silvanito: “Bem, acho que o seu governo está feliz
por ter aquele ouro de volta”. Silvanito pergunta: “E você não quer estar aqui quando
eles vierem pegar?” Joe indaga acendendo sua cigarrilha: “Você quer dizer com o
governo mexicano deste lado e talvez os americanos no outro lado? E eu bem no
meio? Não. Muito perigoso. Adeus”. Silvanito despede-se: “Adeus”. O som do ritmo
do galope do cavalo dos Créditos Iniciais é ouvido executado pelo violão junto com o
som do leitmotiv de Joe na flauta doce. O som dos instrumento autóctones são so-
brepostos, um a um, até que o coral masculino executa a ponte da peça Titoli, direci-
onando à seção final (coda) da peça que encerra a seqüência do duelo e termina o
filme, com a mesma música que o iniciou.

250
251
4.6 - A MÚSICA DE PER QUALCHE DOLLARO IN PIÙ – 1965
(POR UNS DÓLARES A MAIS)
O comportamento da Jolly me produziu náuseas. Assim que fui me encontrar com os
dois produtores lhes disse que a forma como se haviam desenvolvido os acontecimen-
tos, de fato, me alegrava [...], porque significava que nunca mais faria um filme com
eles. Iria iniciar uma demanda legal e não desejava voltar a vê-los. Nesse momento
brotara as sementes da minha vingança. Lhes disse: Não sei se realmente desejo fa-
zer outro western. Porém, vou fazer somente para conseguir com que se sintam mal.
Ele se chamará Per Qualche Dollaro in Più.
Sergio Leone200

4.6.1 - Ficha Técnica


Houve uma época em que eu conhecia todo mundo. Quando tudo isso aqui era uma
pradaria. Hoje em dia todos vivem com pressa. Isso mesmo, com esses trens malditos
que não prestam para nada! Tchu, tchu, tchu, triiiim... Um horror! Um dia, alguém
da ferrovia vem aqui me ver. Ele diz: “Profeta, a ferrovia vai passar pela sua casa”.
“É verdade?”, eu disse. “É, é verdade”, ele disse. “Todos esses trens vão passar por
aqui. É melhor você vender a sua terra para a empresa ferroviária ou compraremos
a do Baker. Ele é seu vizinho e colocarei os trilhos aqui e você vai ficar maluco. Você
venderia para a nossa empresa, profeta?” “Ah, é mesmo?”, disse eu. Ele ficou muito
ansioso para que eu vendesse. Sabe o que eu disse a ele sobre a ferrovia? Sabe o que
201
eu disse que ele podia fazer com a ferrovia?

Per Qualche Dollaro in Più – For a Few Dollars More – Por uns Dólares a Mais
Países: Itália/Espanha/Alemanha
Ano: 1965
Duração: 130 Minutos
Direção: Sergio Leone
Argumento: Sergio Leone, Fulvio Morsella
Roteiro: Sergio Leone, Luciano Vincenzoni, Sergio Donati (não creditado)
Diálogos: Luciano Vincenzoni
Produção: PEA
Produtor Executivo: Alberto Grimaldi
PEA [Produzioni Europee Associate] (Roma), Arturo
Empresas Produtoras:
Gonzales (Madrid), Constantin Film (Monaco)
Distribuição: PEA/United Artists
Intérpretes e Personagens

 Clint Eastwood (o “Monco”),


 Lee Van Cleef (Coronel Douglas Mortimer),
 Gian Maria Volonté (O Índio),

200
SIMSOLO, N. Conversations avec Sergio Leone. Paris : Stock, 1987, pp. 105-110. In : Per qualche dollaro in
più. http://it.wikipedia.org/wiki/Per_qualche_dollaro_in_pi%C3%B9, último acesso: 28 de outubro de 2010.
201
Início do diálogo das personagens do Profeta (Josef Egger) com Monco (Clint Eastwood) no filme.

252
 Luigi Pistilli (Groggy),
 Klaus Kinski (Wild, o corcunda),
 Josef Egger (“Profeta”),
 Mara Krupp (mulher do dono do hotel),
 Benito Stefanelli (Luke, un membro do bando de Índio),
 Aldo Sambrell (Cuchillo),
 Roberto Camardiel (empregado da estação),
 Lorenzo Robledo (Tomaso, o traidor),
 Dante Maggio (guarda do banco de El Paso),
 Diana Rabito (mulher na banheira),
 Mario Brega (Niño).

Não Creditados:

 Carlo Simi (Gerente do banco),


 Rosemarie Dexter (irmã de Mortimer no flashback),
 Diana Faenza (mulher de Tomaso),
 Peter Lee Lawrence [Karl Hirenbach] (cunhado de Mortimer no flashback),
 Francesca Leone (recém-nascida)

Fotografia (Techniscope, Technicolor): Massimo Dallamano


Montagem: Eugenio Alabiso, Giorgio Serralonga
Efeitos Especiais: Giovanni Corridori
Música: Ennio Morricone; Regência: Bruno Nicolai (RCA Italiana)
Cenografia: Carlo Simi, Sigfrido Burmann
Costumes: Carlo Simi
Cenas Internas: Cinecittà (Roma)
Cenas Externas: Almeria, Guadix e Madri (Espanha)
Mestre de Armas: Benito Stefanelli
Auxiliar de Direção: Tonino Valerii
Assistentes de Direção: Fernando Di Leo, Julio Samperez

4.6.2 - Comentários Iniciais


Momento fundamental para o estudo do desenvolvimento do pensamento
musical no cinema, Per Qualche Dollaro in Più, de 1965, consagrou, definitivamente,
Sergio Leone como diretor, Clint Eastwood como ator e Ennio Morricone como um
dos mais “inspirados” e revolucionários compositores de cinema.
Mesmo que o filme continue sobre a esteira do precedente, Morricone
procura aperfeiçoar as práticas já instauradas com mais ambição devido, inclusive, à
maior disponibilidade econômica: $ 600.000 dólares americanos (considerado, para a
época, um bom orçamento para um filme de classe B). Em plena sintonia com Le-
one, Morricone soube como desenvolver a trilha não só com parâmetros musicais

253
mais complexos, arraigados nas sonoridades criativas e inovadoras do primeiro filme,
mas, com uma aplicação que, assumidamente, auxiliou Leone a desestruturar os
paradigmas vigentes do “idiossincrático” gênero americano (processo inaugurado no
filme precedente).
Coube a Morricone, principalmente nesse filme, receber a maior carga de
críticas negativas endereçadas a um compositor de cinema. As críticas que haviam
se iniciado com o filme anterior de modo mais comedido, tomaram proporções, real-
mente, desmedidas. Num primeiro momento ele foi acusado de “trair o som genuíno
do western americano” com “inovações pegajosas e torpes”; posteriormente, foi con-
siderado “um compositor destituído de qualquer talento” cuja maior contribuição à
música de cinema “consistiu em repetir até o limite do insuportável as mesmas melo-
dias aplicadas no primeiro filme”. Curiosamente, as críticas negativas foram se extin-
guindo à medida que o filme e a trilha musical se convertiam em grandes êxitos, tan-
to relacionado às questões comerciais, quanto na popularidade alcançada.

Esta partitura, rica em matizes e sempre oscilando entre momentos pletóri-


cos e trágicos (sem esquecer seu humor dissimulado), alcançou tal fama que,
muito provavelmente, Morricone não conseguiu igualar a aura mítica que a
envolveu em nenhum outro trabalho202.

Miceli comenta que a música foi utilizada de forma mais consciente em


sentido dramatúrgico e narratológico, através de sua presença em todos os três ní-
veis203, e no que se refere ao uso de instrumentos definidos como “primitivos”, foi
acrescentada a harpa judaica (marranzano ou scacciapensieri).

Per qualche dollaro in più (1965) surge na esteira do grande sucesso do


primeiro filme (bom exemplo de máximo rendimento com um mínimo empre-
go de meios, também na música), com obrigações implícitas de continuidade
nos confrontos do afortunado modelo, mas também com o confronto de uma
bem mais ampla disponibilidade da parte da produção. Mais ambicioso e
sem dúvida menos rústico (rozzo) que o precedente, procura também conferir
aos personagens principais um mínimo de textura psicológica. (MICELI,
1994:121)

202
GARCIA, M. Ennio Morricone: For a Few Dollars More & A Fistfull of Dollars. Crítica das trilhas sonoras
musicais (BSO – Banda Sonora Original).
203
Sergio Miceli: Nível externo, interno e médio.

254
Morricone confirma e acrescenta:

Leone, dado o sucesso de Per un Pugno di Dollari, queria recriar o mesmo


clima musical. De acordo com ele, procurei, todavia, aproveitar e ampliar as
boas idéias da obra precedente, com momentos sonoros mais vibrantes, mais
“ambiciosos”, que pudessem, ao mesmo tempo, conferir uma espessura mai-
or aos protagonistas (Ennio Morricone204)

A duração do filme é maior: 2 horas e 10 minutos (contra 1 hora e 40 mi-


nutos do predecessor). Com dois protagonistas (Clint Eastwood e Lee van Cleef) nos
papéis de “o homem sem nome205”, mas que será chamado, nesse filme, de Monco e
do Coronel Mortimer, respectivamente, e o antagonista Índio (Gian Maria Volonté), as
relações entre as personagens estabelecem-se numa maior variedade de localiza-
ções e situações, refletidas em possibilidades mais amplas da trilha musical.
Como no filme precedente, Morricone deriva toda a trilha sonora musical a
partir de dois temas principais: Per Qualche Dollaro in più equivalente a Titoli, o tema
que herda as principais características discutidas do tema anterior, a referência de
toda a trilha musical; e La Resa dei Conti equivalente a Per un Pugno di Dollari, o
tema do duelo entre protagonismo versus antagonismo, das situações de “confronto”.
A trilha é ampliada com mais dois temas: Il vizio di uccidere e Addio colonnello.

204
In: LUCCI, G. Morricone: Cinema e oltre. Milano: Mondadori Electa S.p.A., 2007, p.59.
205
A idéia de Sergio Leone de um “anti-herói anônimo” foi transformada literalmente no slogan de estratégia
publicitária da primeira trilogia: “Herói Sem-Nome”. Essa é uma das razões que fazem com que o nome e o modo
como foram atribuídos às personagens representadas por Clint Eastwood nos três filmes: Joe, Monco e Blondie,
respectivamente, não tenham grande importância ulterior na articulação narrativa dos próprios filmes.

255
4.7 - ORGANIZAÇÃO TEMÁTICA DA TRILHA MUSICAL

4.7.1 - Per Qualche Dollaro in Più (a música dos Créditos Iniciais e Finais) –
Tema 1
A idéia melódica básica do tema dos Créditos Iniciais: Per qualche dollaro
in più [Por uns dólares a mais] (o tema principal da trilha sonora musical passa a ter
o mesmo nome do filme – a partir deste filme isso se transformará num procedimento
constante no trabalho de cinema de Morricone; ou seja, compor pelo menos um te-
ma, normalmente o mais importante, com o mesmo nome do filme) é derivada dire-
tamente do tema anterior Titoli de Per un pugno di dollari, transpondo virtualmente
para o novo tema todas as características ambíguas criadas anteriormente.
Os motivos da melodia principal (“micro-células) – principal e secundário –
são derivados diretamente dos motivos correspondentes em Titoli. Os três compas-
sos centrais dos motivos são, por contração melódica, transformados somente em
um compasso (exemplo a seguir). A idéia referida como ‘coda’ em Titoli por Miceli é
utilizada na terminação da parte.

256
Exemplo 18
8 – Derivação do
o tema de Por u
uns dólares a mais (1965)

Miceli comenta sobre


s o tem
ma Por uns dólares a m
mais:

A estru utura segmen ntada, porém m concatenadda, do tema P Por uns dólaares a
mais seegue a mesma a de Titoli do filme preceddente, como taambém repetee a se-
torializzação estilístiica, embora o resultado gglobal aponte para um proocesso
de acum mulação nos qual os três segmentos prrincipais [prim mitivo, rock, pseu-
do-sinffônico] se som mam mais do que na peça correspondennte do filme aanteri-
or. (MIICELI, 1994:1 123)

257
Exemplo
o 19 – Melodia principal
p de Perr qualche dollarro in più

A me
elodia princ
cipal é tam
mbém execcutada pelo
o assovio de Alessa
andro
Alessandroni. Ao
o mesmo tempo em que
q é acre
escentado p
pelo compo
ositor um p
pouco
mais de virtuosismo à melodia assov
viada, buscca também manter ass caracteríssticas
primitivas do tem
ma anterior.. Assim com
mo o assovvio tornou-sse uma das marcas de
esses
temas
s, Morricone utiliza, co
omo acompanhamentto do assovio, um insstrumento m
muito
antigo
o conhecido
o na região
o da Sicília
a, Itália, como marran
nzano (ou sscacciapen
nsieri)
tocado por Salva
atore Schilirò206, para Miceli “um instrumen
nto portadorr de um pa
adrão
sonorro de gran
nde ambig
güidade e de enton
nação reallmente inssólita” (MIC
CELI,
1994:123). Os dois
d compo
onentes (o assovio e o marranza
ano) estabe
elecem, a partir
e filme, um
desse ma referência nas son
noridades d
da trilha mu
usical, inclu
usive para uma
série de filmes posteriores
s onde “um
ma multidão
o de imitadores os utiilizarão” (M
MICE-
LI,199
94:123).

Na exeecução ritmiccamente elemmentar do marranzanista,, que preencche os


temposs com regularridade metronnômica, nascee uma meloddia desta vez m
menos
uniform
me em relaçãão ao modeloo, que contrappõe à lineariidade dos doiis pri-
meiros incisos, um desenvolvimen
d nto movido e nervoso (MIC
ICELI, 1994:1124)

206
Desccoberto na Sicília por Morriccone, Schilirò possuia uma ccoleção de marrranzanos tem
mperados em toodas as
notas. Ele
E gravou com mpanhamento ddo tema que, poosteriormente, foram
m os intrumenttos necessárioss para o acomp
editados de modo a paarecer um só in
nstrumento (MICELI, 1994:1124)

258
Figura
F 32 – Prim
meira parte de Per
P qualche dol laro in più (MIC
CELI, 1994:125)

É notá
ável a pola
aridade entre as notass Ré e Lá, como iníciio e/ou term
mina-
ção das “micro-c
células”, co
omo na mús
sica preced
dente. A am
mbigüidade
e modal, Ré
é Dó-
rico ou
o Ré Eólio
o, permane
ece. A nota
a Si, bemol ou natura
al, é utilizada duas ve
ezes.
Uma como Sib, no marranz
zano, no co
ompasso 8 , as quatro
o semínimass do compa
asso;
e outrra como Sii natural, na melodia assoviada, no compa
asso 10, se
egunda colccheia
do priimeiro temp
po, como uma bordadura da nota
a Dó (proce
edimento similar ao uttiliza-
do pe
ela melodia da guitarra
a na música
a anterior).
Além disso, o grrau de amb
bigüidade m
modal versu
us tonal é e
enfatizado mais
nessa
a melodia por
p Morricone. No com
mpasso 7 d
do exemplo
o, a última ssemicolcheia do
ndo tempo é uma nota
segun a Dó# (sens
sível de Ré
é menor) qu
ue se dirige
e a Ré (prim
meira
colche
eia do terc
ceiro tempo
o); porém, no
n compassso seguintte o desenho melódicco do
compasso 7 é re
epetido, ma
as, dessa vez,
v logo a
após a nota eira colcheia do
a Ré (prime
terceiro tempo) a nota Dó natural (se
egunda co lcheia do tterceiro tem
mpo) é utiliizada
ndo-se, com
dirigin mo na música anteriorr, a nota de
e terminaçã
ão plagal Lá
á, ou seja, man-
tendo
o a possibilid
dade tanto de um Ré Dórico qua
anto de um Ré eólio.
epetição da melodia (s
Na re ompasso da última lin
segundo co nha do exe
emplo
anterior), seguin
ndo o marra
anzano, é apresentad
a ula em sem
a uma célu micolcheias exe-
cutada pela flautta doce que
e de maneira análoga ao “micro-elemento” jjá visto em Tito-
mo leitmotiv
li, com v de Joe (C
Clint Eastwo
ood). Prepa
arando a guitarra eléttrica da pró
óxima

259
seção
o, ingressa a caixa-cla
ara com o “rritmo do ca
avalo”, o som do sino ((executado
o pelo
carrilh
hão da orqu
uestra) sub
bstituindo o marranzan
no e o acompanhame
ento do corral de
vozes
s masculina
as, desta vez
v não so
obre tríadess, como no
o filme antterior, mass, em
unísso
ono, articulando fonemas que co
ompõem um texto se
em significa
ado léxico, mas,
acentuam os apo
oios do “ritm
mo do cava
alo”.

Figura 33 – Célula
C de Per Qu
ualche Dollaro iin Più – Leitmot iv de Monco

Como
o no filme anterior,
a micro-eleme
m ntos serão
o associado
os aos prottago-
nistas
s do filme como
c leitmo
otivs. A son
noridade pe
eculiar da n
nota Ré em
mitida pelo mar-
ano será o leitmotiv
ranza l do
o Coronel Mortimer
M (L eef), essa ccélula da flauta,
Lee Van Cle
que ta
ambém po
oderá ser executada por
p uma occarina, será
á utilizada ccomo o leitm
motiv
de Mo
onco (Clintt Eastwood) e, como será abord
dado, o som
m do carrillhão, o de Índio
(Gian Maria Volu
unté). Na associação
a dos timbre
es incomun
ns aos perssonagens M
Morri-
cone cria uma convenção
c recorrente
e que Mice
eli (1994:12
26) chama de tópos: uma
fórmu
ula derivada
a da literatu
ura.
Dessa
a célula nasce a melo
odia da guitarra elétricca acompa
anhada por uma
bateria, solução estilisticam
mente coerrente com o clima insstaurado pelo instrum
mento
solista
a que carac
cteriza a pa
arte do “Modo de Rockk”:

260
Figura 34
4 – Melodia da Guitarra
G de Perr Qualche Dollarro in Più

Com a presença
a das nota
as Dó natu
ural (compa
asso 7 e 8
8) e a nota
a Sib
(comp
passo 10) na melodia neamente, o modo de Ré
a, Morricone assume, momentan
eólio.
Seguindo o esquema tri-pa
artido pré-e
estabelecid
do pelo prim
meiro filme
e, um
fragm
mento melód
dico pentattônico utiliz
zado como
o “ponte”, ttambém é executado pelo
coral masculino sem palav
vras (utilizan
ndo a voga
al “o”), uma
a proposta ainda maiss ele-
menta
ar em relação ao coral masculino
o triádico an
nterior.

261
Figura 35 – Me
elodia do coro masculino:
m Per q
qualche dollaro in più (1965)

Como
o na peça tiitoli do prim
meiro filme, segue-se o “modo psseudo-sinfô
ônico”
com os
o instrume
entos da orq
questra e coral.
c Retorrna o “modo
o primitivo”” com o ma
arran-
zano acompanha
ando a mellodia princip
pal assovia
ada, encerrrando a música dos “C
Crédi-
tos Iniciais”: Per qualche do
ollaro in più
ù.

4.7.2 - La Resa Dei Contii (a idéia da


d “músicca de dueloo”) – Temaa 2
A peç
ça de duelo, do confronto, é introd
duzida “desspercebida
amente” com
m um
som que
q imita o tique-taqu
ue obstinad
do de um relógio, exxecutado po
or uma cellesta,
assoc
ciado ao relógio de bo
olso, objetos que, dieg
geticamente
e, represen
ntam e expllicam
a rela
ação de ódio e o dese
ejo de ving
gança do C
Coronel Morrtimer (Lee
e Van Cleeff) em
relaçã
ão ao Índio (Gia Maria
a Volunté).

O tiquee-taque do reelógio de bols


lso introduz a peça “La rresa dei contii” que
acompa anha uma sérrie de flashbaacks no qual a personagem m Índio recorrda de
ter roubado o relógiio de um hom
mem, depois dde tê-lo assasssinado e violeentado
uma mulher,
m sua coompanheira. O mesmo relógio – conjuuntamente coom um
carrilhão – torna-see componentee sonora da peeça. (MORRIICONE207)

O “som do relóg
gio” é resulttado de dua
as linhas m
melódicas o
obstinadas com-
postas com elem
mentos de concepção
o minimalistta. A linha superior u
utiliza altern
nada-
mente
e 4 notas (Ré, Fá, Mi,, Fá) e a in
nferior some
ente duas, porém, as mais impo
ortan-
tes po
or sintetizarrem o pens
samento musical da trrilha de tod
da a primeira trilogia, Ré e
Lá. É oportuno le
embrar que
e o acorde implícito
i resultante, R
Ré menor co
om nona (D
Dm9),
foi o acorde
a que iniciou o acompanha
a mento de P no di dollarri, a peça análo-
Per un pugn
ga no
o filme anterrior.

Muito sugestivo
s e, necessariamen
n nte, muito utilizado no film
me, consiste dde uma
mo ostinato dde colcheia poontuada com semi-
figuraçção oscilante sobre um ritm
colcheiia, em contrapponto mecâniico com uma figuração eqquivalente, maas, es-

207
In: LUCCI,
L G. Morrricone: Cinem
ma e oltre. Milaano: Mondadorri Electa S.p.A
A., 2007, p.59.

262
tável [duas
[d colcheia
as]. Realizaddo com uma ccelesta, se appóia num tapete de
arcos e uma percusssão leve. (MICCELI, 1994:1126)

Figurra 36 – Tique-taq
que do relógio d
de bolso - Carrillhão

Exemplo DVD
D – Som ddo relógio

Essa sonoridade
e associada
a à imagem
m do relógio
o de bolso, quando ou
uvido
pela primeira
p ve
ez, passa a ser interna
a (diegética
a). A audiência vê e o
ouve um re
elógio
de bo
olso. Morric
cone ampliffica esse motivo,
m com
m as notass do acorde
e de Ré m
menor
com nona,
n com instrumenttos não-diegéticos (co
ordas, percussão leve
e e o violão
o) até
que-taque seja encob
que o som do tiq berto pela m
música, torn
nando-se q
quase inaud
dível.
O esp
pectador en
ntende que a fonte son
nora do tiqu
ue-taque exxiste no mu
undo criado
o pelo
filme, mas, os in
nstrumento
os que ingrressarão em
m seqüênccia, obviam
mente, não. Isso
pode produzir um
m efeito um
m pouco desordenado que contribui para um
m estranhamen-
to. O exato efeito
o pretendido por Morriicone e Leo
one.
Contribuindo parra o efeito de
d “estranh
hamento”, a seqüência
a da peça a
apre-
senta uma das característi
c cas mais controversa
c s: a citação
o como homenagem, mui-
tas ve
ezes, irônica. Morricon
ne inicia a melodia
m prin
ncipal da pe
eça recorre
endo a bord
dadu-
ra Ré
é-Dó#-Ré, utilizada
u na
a introdução
o da guitarrra elétrica da peça T
Titoli, e ao cclima
estruttural ambíg
guo, entre as
a modalidades e a ttonalidade, executada
a solisticam
mente
por um
m órgão de
e tubo ad lib
bitum (como
o numa cad
dência de cconcerto).

263
Fiigura 37 – Melod
dia principal da
a Resa dei Contti

A borrdadura da
a guitarra, Ré-Dó#-Ré
é, transform
ma-se nass duas sem
micol-
cheias
s iniciais Lá
á-Sol-Lá, ex
xecutada pelo
p órgão d
de tubos, re
eferindo-se
e diretamente ao
morde
ente que inicia à Tocc
cata e fuga em Ré me
enor (BWV 565) de Johann Seba
astian
Bach..

Fig
gura 38 – Introd
dução da Toccatta e Fuga em Ré
é menor (BWV 5
565, composta e
entre 1703 a 17
707) de J. S. Bacch

A pas
ssagem pod
de ser interpretada co
omo uma irônica paró
ódia da obrra de
Bach.. Schwartz e Godfrey (1993:40) explicam
e qu ulo 20 a paródia
ue na músiica do sécu
foi associada a um
u conceito
o mais amp
plo de “histtoricismo”, no qual esttilos inteiros (ao

264
invés de trabalhos específicos) são examinados, aproriados, fragmentados e, então,
recolocados sob novas perspectivas.

[Essa] consciência histórica muitas vezes vem à tona no trabalho de um


compositor na forma de referências que servem de homenagem ou comentá-
rio sobre o estilo anterior. As referências são muitas vezes deliberadas, dis-
positivos para evocar certas associações na mente dos ouvintes.
(SCHWARTZ e GODFREY, 1993:40)

Um infindável mundo de alusões e analogias pode ser criado pela citação


de Morricone, na época, muito criticado por essa utilização. Sabe-se que Bach admi-
rava muito os trabalhos de órgão de Buxtehude, e muitos dos seus trabalhos de ór-
gão, como os de seus contemporâneos, estão caracterizados pela presença do
stylus phantasticus, um estilo de interpretação derivado da improvisação.

O stylus phantasticus incluía elementos de excitação e bravura, com harmo-


nias arriscadas e mudanças bruscas de registro. Os trabalhos de órgão de
Buxtehude, e os do próprio Bach, fazem grande uso desses elementos [...] A
BWV 565 deriva vários desses elementos estilísticos a partir desta primeira
forma de música de órgão, em particular do stylus phantasticus208.

A analogia entre o stylus phantasticus dos compositores barrocos e o “es-


tilo fantástico” da citação de Ennio Morricone é realmente impressionante.

A escolha da citação bachiana da Toccata e Fuga em Ré menor se liga a du-


as características das imagens: primeiro pelo fato de que o tema é ouvido
pela primeira vez numa igreja, executado por um órgão e depois retomado
pelo trompete; em segundo lugar, porque a música acompanha com freqüên-
cia as imagens de Volonté que recordam os quadros renascentistas. (MOR-
RICONE, 2007:59)

Simultaneamente trágica e emotiva, essa peça representou o desenvolvi-


mento no acompanhamento musical de duelos nos westerns. Mantendo a relação
composicional com a música do primeiro filme e, indiretamente, com o “repudiado”
Deguelo de Dimitri Tiomkin, a peça se apresenta como um recorte muito mais dramá-
tico, obscuro e desesperado. A melodia atua como leitmotiv da própria relação que
se estabelece na narrativa entre Índio, o Coronel Mortimer e uma mulher assassina-

208
In: http://pt.wikilingue.com/es/Tocata_e_fuga_em_re_menor,_BWV_565, último acesso em 29 de outubro de
2010.

265
da. A mulher assassinada era irmã de Mortimer; Índio foi o seu assassino. O desejo
de vingança de Mortimer e as recordações amplificadas pelo uso de maconha por
Índio materializam-se no filme em dois relógios de bolso idênticos, que portam, tam-
bém, a foto da jovem morta.

Sem dúvida, por causa de sua ligação estreitíssima com a narrativa, La Resa
Dei Conti, utilizada como peça do duelo, denota características opostas às
de sua predecessora. Tanto o tema, Per un pugno di dollari, era torcido, uni-
forme e a seu modo complexo (mas devo recordar que a base era pré-
existente), quanto este é extrovertido, segmentado e elementar, e na própria
segmentação, reproduz também uma diferenciação estilística encontrada,
normalmente, somente nas peças bem mais polivalentes, associadas aos Cré-
ditos Iniciais e outras cenas principais. (MICELI, 1994:127)

4.7.3 - Il Vizio di Ucidere (a idéia da “música de cavalgada”) – Derivada do


Tema 1
A necessidade de fazer o filme parecer épico conduzia o tom das instrumentações,
aos corais, aos crescendos, aos arcos com seus ritmos galopantes e a todos os outros
artifícios existentes para dar à música as qualidades necessárias que pudesse fazer o
caráter do filme de Leone decolar e que o filme fosse crível. Com a mesma intenção
utilizei a gaita judaica (marranzano) no segundo filme
(Ennio Morricone)

O tema Il Vizio di Ucidere (O Vício de Matar) coaduna-se não só com a


necessidade de fazer o filme parecer épico, mas, também reforça a idéia de, por um
lado, a necessidade de uma maior quantidade e diversidade musicais, em virtude da
ampliação do tempo e complexidade da narrativa fílmica, e, por outro lado, o do re-
forço da unidade temática do pensamento musical utilizado na sua derivação.
Morricone inaugura e reforça com essa peça características imprescindí-
veis de sua grande marca. Pela primeira vez, a voz de Edda Dell’Orso, que acabara
de entrar no grupo I Cantori Moderni é utilizada como um instrumento musical solista
auxiliando a acentuar a característica épica de um tema para cavalgadas.

266
Figura 39 – Me
elodia de Il Viziio di Ucidere

O tem
ma é derivado diretamente dos m
mesmos con
ntornos me
elódicos e termi-
naçõe
es do tema Titoli, pres
servando as
s mesmas ambigüidad
des criadass. A escala
a utili-
zada na melodia
a é a pentattônica de Fá
F (relativa de Ré), refforçando ass notas Ré e Lá
uas termina
em su ações autên
ntica ou pla
agal.

Figura 40 – Escalas pentattônicas da melo


odia de Il Vizio d
di Ucidere

A peç
ça alterna um andamento lento e melancólicco inicial, on
nde prevale
ece a
sonorridade de um
u violão ou
o um corn
ne-inglês ssolistas aco
ompanhado
os por cord
das e
coral em boca-chiusa; com
m outro rápido e vibran
nte, com um
ma caixa accentuando o rit-
mo do
o “galope do
d cavalo” do
d filme an
nterior, a vo
oz de Edda
a Dell”Orso
o, acompanhado
por to
oda a orque
estra.

4.7.4 - Addio Colonello


C (eexpansão leitmotívic
l ca) – Derivvada do Teema 2
Miceli lembra qu
ue o Corone
el Mortimerr é uma pe
ersonagem “um pouco
o fora
dos padrões”:

Basta pensar
p no fin
nal no qual o ‘bounty killler’ [caçadorr de recompeensas]
(talvez mais por neccessidade quee por vocaçãoo, renuncia a sua parte naa divi-
são da recompensa,, que presentteia a Moncoo) é pago porr ter realizaddo sua
vingançça. (MICELI, 2001:122)

Essa anormalida
ade abre o precedente
e para que
e Morricone
e componha
a Ad-
olonello de uma forma
dio Co a que foge dos
d padrõe
es estabelecidos pelo filme anterior.

267
Com umau orquestra
a equilibradaa, com os arrcos aveludaddos, uma seçção de
metais bem amalgam mada, as maddeiras em deccisivas e desllumbrantes fuunções
solísticcas e com umm coral espiriitualizado pella presença dde vozes femiininas,
cria-se um atmosferra típica da m música de enntretenimentoo em circulaçção no
mercad do internacion
nal. (MICELII, idem)

A peç
ça Addio Colonello
C é uma varia ção orquesstral mais “dolente” d
de La
Resa dei Conti, orquestrad
da e execu
utada de um
ma forma ssinfônica ro a que
omantizada
motiv do Co
serve como leitm oronel Morrtimer. Na p
primeira ve
ez, a melod
dia é execu
utada
por um oboé ac
companhada pela orqu
uestra e co
oral; então um “interlú
údio” execu
utado
num coral
c execu
utado pelos
s metais, prrepara o re
etorno da m
melodia que
e passa para os
violino
os numa re
egião aguda
a, o acomp
panhament o do coral e da orque
estra e o desta-
que de uma cele
esta, expliciitando a liga
ação com a peça do d
duelo.

Figura 41 – Addio Colo


onello

Essa forma de orquestraçã


o ão contrasta
ante de um
ma das mússicas prese
entes,
ou se ersão mais soft de um dos temass principaiss, será utilizzada muitas ve-
eja, uma ve
zes em
e muitos outros film
mes, tornando-se, em decorrênccia, outra m
marca de E
Ennio
Morric
cone.

4.7.5 - Decupag
gem
Duraç
ção do filme
e: 130 minutos (2:10: 36 [Duas h
horas, dez minutos e trinta
e seis
s segundos] mais prec
cisamente).
Total das Inserçõ
ões Musica
ais: 49 minu
utos (0:49:17 [quarenta e nove m
minu-
tos e dezessete segundos])).

268
Porcentagem com música: 38%; porcentagem sem música: 62%.
Como a música está mais diluída e fragmentada na articulação fílmica, op-
tamos por fragmentar o filme em 37 partes com sonoridades musicais209.
A tabela abaixo apresenta as 37 inserções com eventos musicais em rela-
ção a sua derivação temática e seus respectivos fragmentos:

Tabela 8 – Decupagem do filme Per qualche dollaro in più - 1965

Nº CLASSIFICAÇÃO
INÍCIO FIM DURAÇÃO IDENTIFICAÇÃO NOME NO CD DERIVAÇÃO Fragmento
Or OBJETIVA

Per Qualche Nível Externo -


1 00:00:00 00:03:54 00:03:54 Créditos Iniciais TEMA 1 Fragmento 1
Dollaro in Più Não Diegética
Morte de Guy Calla-
way: no quarto do Leitmotiv do Nível Externo -
5 00:03:54 00:07:28 00:03:34 TEMA 1 Fragmento 5
andar de cima com Coronel Mortimer Não Diegética
uma prostituta
Apresentação de
Personagem: Monco
Per Qualche Nível Externo -
6 00:07:28 00:08:16 00:00:48 (Clint Eastwood) - TEMA 1 Fragmento 6
Dollaro in Più Não Diegética
Caçador de Recom-
pensas
Per Qualche Nível Externo -
13 00:08:16 00:10:16 00:02:00 El Paso TEMA 1 Fragmento 13
Dollaro in Più Não Diegética
Monco hospeda-se no Leitmotiv de Nível Externo -
14 00:10:16 00:12:50 00:02:34 TEMA 1 Fragmento 14
Hotel de El Paso Monco Não Diegética
Leitmotiv de Nível Externo -
20 00:12:50 00:13:08 00:00:18 Monco no Jornal Tema 1 Fragmento 20
Monco Não Diegética
Libertando Sancho Per Qualche Nível Externo -
25 00:13:08 00:14:11 00:01:03 Tema 1 Fragmento 25
Perez Dollaro in Più Não Diegética
Monco no bando de Per Qualche Nível Externo -
26 00:14:11 00:17:08 00:02:57 Tema 1 Fragmento 26
Índio Dollaro in Più Não Diegética
Per Qualche Nível Externo -
27 00:17:08 00:19:21 00:02:13 Monco mata os 3 Tema 1 Fragmento 27
Dollaro in Più Não Diegética
Per Qualche Nível Externo -
29 00:19:21 00:21:58 00:02:37 Mensagem Mentirosa Tema 1 Fragmento 29
Dollaro in Più Não Diegética
Per Qualche Nível Externo -
30 00:21:58 00:23:14 00:01:16 Preparando o Assalto Tema 1 Fragmento 30
Dollaro in Più Não Diegética
Per Qualche Nível Externo -
45 00:23:14 00:26:29 00:03:15 A Última Recompensa Tema 1 Fragmento 45
Dollaro in Più Não Diegética
Nível Externo -
3 00:26:29 00:27:34 00:01:05 Cidade de Tucumcari Sonoridades Sonoridades Fragmento 3
Não Diegética

209
No filme as sonoridades consideradas musicais são diversas e, muitas delas, muito curtas. No sentido de não
fragmentar demasiadamente as seqüências, o filme foi fragmentado de modo a observar uma maior completude
seqüencial. Desse modo, num mesmo fragmento podem conter diversos eventos musicais.

269
Sonoridades
semelhantes as
presentes em Nível Externo -
9 00:27:34 00:30:27 00:02:53 A Fuga da Prisão Sonoridades Fragmento 9
Osservatori Osser- Não Diegética
vati (faixa 2) e Il
Colpo (faixa 4)
O Cartaz da recom- Osservatori Osser- Nível Externo -
10 00:30:27 00:31:11 00:00:44 Sonoridades Fragmento 10
pensa de Índio vati Não Diegética
Nível Externo -
18 00:31:11 00:33:58 00:02:47 No Bar de El Paso Sonoridades Sonoridades Fragmento 18
Não Diegética
Por fora do Banco de Osservatori Osser- Nível Externo -
19 00:33:58 00:36:48 00:02:50 Sonoridades Fragmento 19
El Paso vati Não Diegética
O confronto entre
22 00:36:48 00:42:29 00:05:41 Sonoridades Sonoridades x-x-x Fragmento 22
Mortimer e Monco
Tentando abrir o Nível Externo -
33 00:42:29 00:44:42 00:02:13 Som Agudo Sonoridades Fragmento 33
Armário (Cofre) Não Diegética
Surra em Monco e Nível Externo -
38 00:44:42 00:51:02 00:06:20 Sonoridades Sonoridades Fragmento 38
Mortimer Não Diegética
Nível Externo -
41 00:51:02 00:58:23 00:07:21 O Tiroteio Nota Lá Sonoridades Fragmento 41
Não Diegética
Apresentação de
Nível Externo -
8 00:58:23 01:00:47 00:02:24 Personagem: Índio Leitmotiv do Índio Tema 2 Fragmento 8
Não Diegética
(Gian Maria Volonté)
O Relógio de Bolso de Nível Mediado -
11 01:00:47 01:05:53 00:05:06 La Resa dei Conti Tema 2 Fragmento 11
Índio Meta-diegética
O Plano de Índio para
Nível Externo -
15 01:05:53 01:10:30 00:04:37 roubar o Banco de El Il Vizio di Ucidere Tema 2 Fragmento 15
Não Diegética
Paso
O bando de Índio Nível Externo -
17 01:10:30 01:11:59 00:01:29 Il Vizio di Ucidere Tema 2 Fragmento 17
visita El Paso Não Diegética
O Acordo: Uma Nível Externo -
23 01:11:59 01:16:48 00:04:49 Il Vizio di Ucidere Tema 2 Fragmento 23
parceria Não Diegética
A morte da irmã do Nível Mediado -
24 01:16:48 01:18:52 00:02:04 Carillon Tema 2 Fragmento 24
Coronel Mortimer Meta-diegética
O Assalto ao Banco Il Colpo; Il Vizio di Nível Externo -
31 01:18:52 01:25:38 00:06:46 Tema 2 Fragmento 31
de El Paso Ucidere Não Diegética
Nível Externo -
32 01:25:38 01:27:07 00:01:29 Refazendo a Parceria Il Vizio di Ucidere Tema 2 Fragmento 32
Não Diegética
Nível Externo -
34 01:27:07 01:31:28 00:04:21 Água Caliente Il Vizio di Ucidere Tema 2 Fragmento 34
Não Diegética
Na Taverna de Agua Nível Externo -
35 01:31:28 01:34:51 00:03:23 Carillon Tema 2 Fragmento 35
Caliente Não Diegética
Nível Externo -
40 01:34:51 01:42:37 00:07:46 O Plano louco de Índio La Resa dei Conti Tema 2 Fragmento 40
Não Diegética
O Assassinato da irmã Nível Mediado -
42 01:42:37 01:44:53 00:02:16 Carillon Tema 2 Fragmento 42
de Mortimer Meta-diegética
Carillon; La Resa Nível Externo -
44 01:44:53 01:52:20 00:07:27 O Duelo Tema 2 Fragmento 44
dei Conti Não Diegética
Nível Interno -
4 01:52:20 01:53:29 00:01:09 No Bar x-x-x Piano Fragmento 4
Diegética

270
Morte de Baby Red
Poker D'assi Nível Interno -
7 01:53:29 01:58:46 00:05:17 Cavanagh: Jogo de Piano Fragmento 7
(Poker de Azes) Diegética
Poker

271
4.7.6 - Parte 1 – Créditos Iniciais
De forma diferen
nte dos créditos inicia is do filme anterior, oss créditos d
deste
filme não são prrojetados em
e animaçã
ão e a mússica não é ouvida ime
ediatamente
e. Os
créditos iniciais iniciam com uma me
enção explíícita à anim
mação do ffilme anteriior: a
image
em projetad
da na tela tem um fundo vermelh
ho e um po
onto branco
o em movim
mento
lento no seu cen
ntro.

Figura 42
4 – Tela de abe
ertura de Per qu
ualche dollaro in
n più (Por uns d
dólares a mais) - 1965

É ouv
vido o som do relincha
ar de um ca
avalo à med
dida que o vermelho d
da te-
la vai se “desmanchando” e reveland
do a paisa
agem de um
m vale que
e estava occulto,
obserrvado pelo ponto
p de vista de algu
uém de cim a de uma m
montanha.

272
Figura 43
4 – Créditos Iniiciais – Por uns d
dólares a mais - 1965

O pon
nto branco que aparec
cia em movvimento na tela verme
elha é, na “reali-
dade””, um cavalo
o com alguém montad
do. Ouve-se
e o assovio
o de uma m
melodia disp
persa
e sem
m sentido em
e primeiro
o plano, ao mesmo te mpo em qu
ue é sobreposto o som de
e. O assoviio se transfforma num murmúrio d
balas colocadas em um rifle de uma me
elodia
irreco
onhecível. Sobrepõe-s
S e à sonorid
dade o som
m característico de algu
uém acendendo
um pa
alito de fós
sforos. O murmúrio
m se
e transform
ma num mu
urmurinho a “boca-chiusa”,
prova
avelmente, pelo
p trago do
d charuto ou do ciga rro que foi aceso, poiss, imediatamen-
te o murmúrio
m vo
olta ao norm
mal e, nova
amente, se transforma
a no assovio à medida
a que
valo vai se aproximando mais e mais. Novvamente o a
o cav assovio é ssubstituído pelo
murm
múrio da me
esma melod
dia irreconh
hecível. Ouvve-se nova
amente o en
ngatilhar do
o rifle
e, de repente, um
m tiro acertta o homem
m que estavva no cavalo
o.
O cav
valo sai corrrendo aos coices e sseu relincha
ar é encobe
erto pela a
ampli-
tude sonora
s do eco do tiro
o que foi dado.
d A única pista de onde partiu o tiro, e de
quem atirou, é a fumaça que
q passou
u no meio d
da tela a p
partir do po
onto de vistta da
localiz
zação da câmera.
c Ou
uve-se a so
onoridade d
de alguém sse retirando e surge o pri-
meiro
o crédito do filme:

273
Figura 44 – Primeiro créditto do filme Por u
uns dólares a m
mais - 1965

O que
e Leone co
onstruiu, atté esse mo
omento, foii, como no
o primeiro ffilme,
uma citação,
c porém, uma citação
c às avessas,
a po
ois, o mom matográfico cita-
mento cinem
do é considerad
c o como o primeiro
p film
me western
n, THE GREA
AT TRAIN RO
OBBERY, dirrigido

por Edwin S. Po
orter, e produzido pela
as empresa
as de Thom
mas Edison
n, em 1903
3, ba-
seado
o num melo
odrama com o mesm
mo nome de
e Marble210 escrito, em
m 1896, pa
ara o
teatro
o.
O film
me foi o pre
ecursor de muitas
m inovvações técn
nicas como
o: edições p
para-
lelas, pequenos movimento
os de câme
era, tomada
as em loca
ação, entre outras. Po
orém,
uma das
d grande
es inovaçõe
es desse filme, que m
mesmo na época se ttornou muitto fa-
a e discutida, foi a cen
mosa, apreciada na do chefe ge Barnes), que
e dos bandiidos (Georg
poderria ser projetada tanto
o para iniciar quanto para termiinar o filme
e. A cena inicia
com uma
u imagem em plano médio do
o chefe doss bandidos,, que apontta e dispara um
revólv
ver contra a câmera e,, naturalme
ente, contra
a a própria a
audiência.

210
Scottt Marble (1847 - 05 abril de 1919
9) foi um dramatu
urgo que, em 18
896, escreveu o m
melodrama para
a palco: The Grea
at Train
y. Sete anos mais
Robbery s tarde a peça se
e tornaria um clá
ássico do cinema
a. Suas peças in
ncluem outras no
o mesmo estilo: T
Tennes-
ardner (1894), The
see’s Pa Th Sidewake of New York (1895
5), The Cotton S
Spinner (1896), T e Klondike (1897
The Heart of the 7), Have
en Smith? (1898)), On Land and Sea
You See S (1898) e Daughters of the P oor (1899). Fontte: Internet, Wikipedia – The Free
e Ency-
clopedia
a, Scott Marble, http://en.wikipedia
h a.org/wiki/Scott_
_Marble, ultimo a
acesso em 16 de
e janeiro de 2011.

274
Figura 45
4 – George Barn
nes – The Greatt Train Robbery - 1903

Segun
ndo relatos
s da época, isso caussava uma ttremenda ssensação terrifi-
cante na platéia. A cena, no
n entanto, é totalmen
nte irreleva
ante à narra
ativa do film
me, e
foi utilizada somente como um elemen
nto promoccional.
A cita
ação de Leo
one é basta
ante efetiva adamente, representa uma
a, pois vela
“vinga
ança” do es
spectador. No ponto de ubjetiva e da narrativa cria-
d vista da câmera su
dos até
a esse mo
omento dos
s créditos iniciais, aprresenta-se como se o próprio esspec-
tador estivesse atirando
a e matando
m o homem à ccavalo.
A Parrtir desse momento,
m a música iniicia com o som incom
mum do ma
arran-
zano. Contra a imagem da colina, que
e se transfo
orma num ffundo onde
e só o cava
alo se
menta, são inseridos os créditos
movim s das pess oas que pa
articiparam
m do filme. A in-
serção e troca dos
d nomes é feito com
m caractere
es animado
os, oferecidos ao “esp
pecta-
dor” como
c se fos
ssem objeto
os de “tiro ao
a alvo”, ou próprios caracteres se
u seja, os p e ofe-
recem
m como alvos. Portantto, o único som que p
persiste, alé
ém dos da música, sã
ão os
do rifle do atirado
or “oculto”.

275
Figura 46
6 – Créditos Inic
ciais: Per qualch
he dollaro in più
ù (1965)

Após todos os créditos


c serem “alvejad
dos”, sincro
onizados àss três parte
es da
músic
ca de Morrricone em
m “modo primitivo”,
p ““modo de rock” e ““modo pse
eudo-
sinfôn
nico”, a tela m fundo verrmelho e o ponto bran
a inicial com nco se sobrrepõe novamen-
te na tela. Surge
e então um
m texto que
e faz referê
ência aos ccaçadores d
de recompe
ensa,
parte importante
e do argume
ento do film
me. Tanto M
Monco (Clin
nt Eastwood
d) quanto o Co-
ronel Mortimer (L
Lee van Cle
eef) são caçadores de
e recompen
nsa:

Figura 47 – Final dos Créditoss Iniciais: Per qu


ualche dollaro iin più (1965)

Onde a vida não tinha valor, a m


morte, às vezees, tinha seu ppreço. Por issso sur-
giam oss que matava
am por recomppensa.

A música termin
na com o “tradicional
“ l” acorde d
de Ré men
nor, também
m do
eiro filme, ao
prime a mesmo tempo
t em que a imag
gem vai se
e dissolvend
do para o iinício
da primeira cena
a da história
a.

4.7.7 - Alguns Exemplos


E da Utilizaçção do Tem
ma 1
Fragm
mento 5. Na
a apresenta
ação do pe el Mortimer (Lee
ersonagem do Corone
van Cleef)
C o seu
u leitmotiv: a nota Ré emitida
e pello marranza
ano (berimbau de bocca), e
ouvido
o quando ele
e está ao
o lado de seu
s cavalo
o para esco
olher uma das armass que

276
possa atingir à distância o bandido Guy Callaway em fuga. Mortimer atira e consegue
atingir o cavalo que cai derrubando também o bandido. Quando o bandido olha para
Mortimer uma sonoridade eletroacústica cáustica e aguda é emitida, comentando o
“estado de espírito” desesperado do bandido que olha com ódio para o Coronel. A
sonoridade é cortada por um tiro certeiro disparado que fere o bandido. Enquanto o
bandido se levanta, novamente, o Coronel aproveita para trocar de arma e se apro-
xima um pouco mais do bandido. O bandido se levanta e atira contra o Coronel, mas
a distância é maior do que os tiros de seu revólver podem alcançar. Enquanto o ban-
dido atira, em vão, o Coronel monta a sua nova arma, uma extensão que é acoplada
ao revólver. O bandido vai se aproximando cada vez mais e continua atirando sem
resultado. “Eu mato você por isso”, ele exclama. Então o Coronel mira com sua arma
e mata o bandido com um tiro na testa. A imagem é cortada com o leitmotiv do Coro-
nel recebendo $1.000 dólares de recompensa numa delegacia. Quando Mortimer
está saindo da delegacia ele olha para um cartaz que anuncia: Procura-se, Vivo ou
Morto, Baby Red Cavanagh - $2.000 dólares de recompensa. O xerife conta que o
bandido foi visto, há uma semana, em White Rocks,mas que outra pessoa já veio
atrás de informações sobre Bob Red Cavanagh e que seu nome era Monco (Clint
Eastwood).
Fragmento 6. Na apresentação da personagem de Monco (Clint Eastwo-
od) a melodia principal do tema Per Qualche Dollaro in Più - Assoviada, com acom-
panhamento de ocarina e uma batida leve de tambor – é ouvida. O Som de um forte
trovão (começa a chover) insere Monco na narrativa. Os detalhes que caracterizam o
“homem-sem-nome” (revólver, ponche e o acender da cigarrilha [com chuva!] são
mostrados. Monco quer dizer canhoto, desse modo o personagem faz tudo com a
mão esquerda para poder deixar a mão direita livre para atirar.
O tema 1 termina. Monco se aproxima da porta dupla convencional de um
Bar e observa o ambiente (de fora). Ouve-se uma música diegética de piano (a músi-
ca de Piano dessa cena é só de ambiência) e o som alto da conversa das pessoas
que estão no bar (o bar está cheio). Monco entra no bar e pergunta para o xerife por

277
Baby Red Cavanagh. O xerife diz que ele está na mesa de pôquer de costas. Monco
invade a mesa de pôquer e, de pé, monta uma rodada contra Red.
Prevendo o perigo um dos homens de Red corre para a barbearia chamar
outros para enfrentar Monco.
De volta ao jogo Monco vence a rodada (três Azes contra três Reis). Red
diz que não tinha ouvido qual era a aposta. Monco responde: "A sua vida!". Red tenta
agredir Monco mas é contido e surrado habilidosamente, somente com a mão es-
querda, por Monco. A briga corta o som da música do piano e as pessoas ficam quie-
tas. Monco imobiliza Red no balcão e diz: "Vivo ou morto, a escolha é sua. Três ami-
gos de Red com arma em punho abrem a porta dupla do Bar. Um deles diz: "Solte o
Red". Com os close-ups extremos dos rostos de todos Monco, habilidosamente, des-
sa vez também com a mão direita, mata os três bandidos. Red tenta pegar uma arma
que estava no chão e também é morto por Monco. Monco com um malabarismo con-
vencional guarda sua arma no coldre e é apresentado o seu leitmotiv (as notas: Lá-
Ré-Ré-Mi-Ré-Ré executadas pela flauta doce).
A imagem é cortada com a sonoridade de um corne-inglês com notas rá-
pidas em um rápido diálogo com a flauta doce. A imagem agora mostra Monco na
delegacia recebendo $2,000 dólares de recompensa. O delegado comenta: “Dois mil
dólares. É muito dinheiro. Levo três anos para ganhar isso”. Monco, percebendo a
ironia do delegado, pergunta: “O delegado não deve ser corajoso, leal e, acima de
tudo, honesto?” O delgado responde: “É. E ele é”. Monco retira a estrela do peito do
delegado e se dirige para a porta de saída da delegacia. A flauta doce inicia algumas
notas graves que servem de introdução do leitmotiv de Monco. Do lado de fora, ele
atira a estrela do delegado no chão próximo a duas pessoas e diz: “Acho que vocês
precisam de um delegado novo”. O som grave da flauta emenda na melodia assovia-
da principal do tema 1, Per Qualche Dollaro in Più, que arremata a cena.
Fragmento 13. Quando Monco está chegando na cidade de El Paso a me-
lodia principal do tema Per Qualche Dollaro in Più - Assoviada, com acompanhamen-
to de ocarina e uma batida leve de tambor – é ouvida. A música é cortada no início
de um diálogo entre Monco à cavalo e Fernando um menino que estava brincando

278
com outros meninos e que serve como guia do local. No meio da conversa os dois
caçadores de recompensa, Monco e o Coronel Mortimer se olham pela primeira vez.
Monco, Entrando no hotel sugerido pelo menino Monco dá uma olhada no Banco de
El Paso. Fernando dá, em troca de algumas moedas, informações de que um ho-
mem estranho (o Coronel Mortimer) havia chegado na cidade e estava hospedado no
outro hotel. Corte quando Monco abre a porta do Hotel para entrar.
Fragmento 14. Monco conhece Mary e o marido donos do Hotel. O quarto
que Monco deseja (para observar e montar uma estratégia de ação) está ocupado
pelo Sr. Fernandez. Monco dá um jeito de desocupá-lo, expulsando o Sr. Martinez.
Quando Monco entra no quarto um cluster derivado do motivo do relógio de bolso,
representando Índio, com sonoridades dissonantes, que ficam em torno de Ré me-
nor, se faz presente. Monco deita e tira o cartaz de Índio de uma bolsa. Enquanto ele
olha o cartaz é sobreposto ao som do cluster o seu leitmotiv da flauta.
Fragmento 20. O Coronel Mortimer está no que parece ser uma Biblioteca.
Ele está folheando um livro com uma coleção de Jornais: El Paso Tribune. Num dos
jornais observa que os irmãos Elic Morton foram mortos por um caçador de recom-
pensas. A notícia traz a foto de Monco estampada com um dos pés sobre um deles.
O leitmotiv de Monco é executado com a foto do jornal.
Fragmento 25. O tema 1, Per qualche dollaro in più, é ouvido quando
Monco explode a janela de uma cela na prisão onde Sancho Perez, um dos homens
da gangue de Índio, está preso para libertá-lo. A ação faz parte de um plano com o
Coronel Mortimer que visa infiltrar Monco na gangue de Índio. O tema 1 é executado
em sua “parte primitiva” – assoviado e com acompanhamento de uma ocarina – e
sua parte do “modo de rock” – com solo da guitarra.
Fragmento 26. Nessa seqüência Índio abraça Sancho Perez que escapou
da prisão com a ajuda de Monco. Índio fica intrigado com a presença de Monco e
quer saber quem ele é. Quando indagado em porque ajudou Sancho Perez, Monco
responde: “Havia uma recompensa grande sendo oferecida por vocês todos e eu
pensei em pegar carona no seu próximo assalto. E eu talvez lhes entregue às autori-
dades”. Todos ficam quietos e intrigados com a resposta. Monco põe o seu charuto

279
na boca e um dos homens de Índio, com um tiro, corta o charuto no meio. Monco
acende de novo o que restou do charuto. Ele parece ser aceito com relutância quan-
do Índio acende um cigarro de maconha no charuto de Monco. Imediatamente o som
eletroacústico distorcido (derivado do relógio de bolso) inunda o ambiente da igreja
abandonada onde o bando se esconde. Dando um grande trago no cigarro Índio diz:
“Amigo.. essa é a resposta que prova que você é leal. E você chegou bem na hora o
trabalho já está marcado. É amanhã. O local é o banco de El Paso. Perto de El Paso,
em uma cidade chamada Santa Cruz, amanhã, Blackie, Chico, Paco e você, amigo,
roubarão o banco em Santa Cruz. Atirem, matem, façam todas as autoridades virem
atrás de vocês, principalmente as de El Paso. Todos os outros ao redor, nós cuida-
remos deles. E depois de tudo feito, nós nos encontraremos em Las Palmeiras”.
Monco é então escalado com outros três integrantes do bando para atrair a atenção
da guarda de El Paso num assalto em outra cidade: Santa Cruz. Ele se vira para ir
descansar e o Tema 1, Per qualche dollaro in più, é ouvido enquanto ele sai, arrema-
tando a cena.
Fragmento 27. O tema 1, Per qualche dollaro in più, é ouvido no final da
cena em uma área descampada. Monco e os três integrantes do bando de Índio pa-
raram para descansar. Enquanto tomam um café, um dos três integrantes do bando
diz não ter acreditado na história contada por Monco. Monco diz que é uma pena
eles terem de morrer. Imediatamente, uma sonoridade semelhante ao “som tônico”
que precede os duelos do primeiro filme é ouvida. Da mesma forma que no filme an-
terior, Monco mata os três. Com o som alto dos tiros, o som agudo é cortado. Monco
anda na direção de seu cavalo ao som do Tema 1, iniciando pelo seu leitmotiv repe-
tido pela ocarina, como introdução da parte de “modo de rock” da guitarra (os dois
motivos são o mesmo) que também é utilizado para cavalgadas. A imagem é cortada
para Índio e seu bando que também estão saindo à cavalo para o assalto ao banco
de El Paso. Índio comenta: “Agora eles devem estar em Santa Cruz”. O enorme ban-
do de Índio se afasta em caravana e a imagem é cortada para Monco chegando em
um escritório de uma estação de trem. A música termina com uma coda do coral
masculino da parte do “modo de rock”.

280
O som tônico é ouvido novamente no fragmento 33, quando o bando de
Índio, depois do assalto ao bando de El Paso, atiram no armário (cofre) tentando
abri-lo; Monco chega à cavalo e a sonoridade aguda se faz presente. Índio resolve ir
para o Leste, para Agua Caliente.
Fragmento 29. No escritório da estação de trem de Santa Cruz Monco faz
com que o operador de telégrafo passe uma mensagem para o Banco de El Paso
dizendo que o Banco local (Santa Cruz) havia sido roubado por Índio e seu bando.
Em El Paso a mensagem mentirosa é recebida e um grupo de homens
saem atrás de Índio e seu bando à cavalo. A melodia do tema 1 é introduzida pelo
solo do assovio de Alessandro Alessandroni. Na parte do “modo de rock”, que tam-
bém serve para cavalgadas, Monco, à cavalo, observa o resultado do truque. Índio (e
seu bando), indo assaltar o banco de El Paso, também observa o sucesso parcial do
plano e manda um de seus homens atirar nos fios do telégrafo para cortar a comuni-
cação de El Paso. A música Per qualche dollaro in più é executada inteira conferindo
às três cavalgadas um tom heróico grandioso e de aventura. A música é sobreposta
com um corte para o quarto do Coronel Mortimer.
Fragmento 30. Sonoridades derivadas da música “Addio Colonello” são
ouvidas enquanto Mortimer arruma suas armas e se prepara para enfrentar Índio e
seu bando. As sonoridades são sobrepostas novamente pelas do tema 1, com a
imagem mostrando Monco à cavalo entrando na cidade. A música termina com o as-
sovio executando as notas Lá e Ré, e Monco descendo do cavalo. O som do vento
preenche o espaço sonoro. Monco e Mortimer acenam um para o outro e observam o
Banco de El Paso no momento em que está fechando. Num plano fechado de Monco
o assovio de Alessandro Alessandroni sola a melodia principal do tema 1 uma vez.
As imagens são cortadas com a chegada do homem que irá ficar de guarda no ban-
co de El Paso durante a noite.

4.7.8 - Alguns Exemplos da Utilização do Tema 2


Fragmento 8. Numa noite escura, o bando de Índio vai libertá-lo (na marra)
de uma prisão mexicana onde já estava a 18 meses; Ostinato (Motivo do Relógio de

281
bolso) em sonoridades graves (sombrias) órgão e campanas com o som do sino; A
música é cortada no enquadramento do rosto de Índio acordando com o som (nota
Ré) forte, dobrado em oitavas com sino, tímpano, órgão e campana.
Fragmento 11. Corte para o Relógio de Bolso aberto e tocando o início de
Carillon (Leitmotiv de Índio); O bando está em seu esconderijo (as ruínas de uma
velha igreja); Índio castiga duramente um integrante do bando por tê-lo delatado às
autoridades; Índio manda a mulher e o filho de 18 meses do homem que o delatou
por recompensa para fora do local; Índio abre o relógio, a música Carillon soa e ou-
ve-se tiros à distância (off screen) anunciando a morte da mulher e da criança. O
homem grita desesperado; Índio fecha o relógio afirmando que sabe que o homem o
odeia muito; Índio se afasta do homem (PAN Geral no local) e afirma que, desta vez,
dará uma chance ao homem de não atirar pelas costas; Os dois se aprontam para
um duelo; Índio diz que quando a música terminar, comece [a atirar]; Índio diz: "Va-
mos começar". Abre o relógio de bolso e a música introduz (diegeticamente) La Resa
dei Conti; A música termina e Índio mata o homem que é retirado do local pelo ban-
do; Índio senta-se numa cadeira visivelmente transtornado e, com uma sonoridade
preparada eletronicamente, pede um cigarro de maconha para Nino; Nino sai do lo-
cal e deixa Índio fumando.
Som da música do Relógio (início de Carillon); La Resa dei Conti;
Fragmento 15. Corte para o rosto de Índio (um susto) na Igreja; 3 integran-
tes do bando (entre eles Groggy) se aproximam do local à cavalo e para avisar de
sua chegada atiram 3 vezes no sino da igreja; Índio ilustra seu plano para roubar o
banco de El Paso com uma parábola e, para isso, sobe no púlpito da igreja: Era uma
vez um carpinteiro... O dinheiro não está no cofre, está nisso aqui (um tipo de armá-
rio...), quase um milhão de dólares;
Sem Música; Órgão toca a melodia principal de Il vizio di ucidere;
Fragmento 17. Quatro integrantes do bando de Índio chegam na cidade e
vão ao bar; Fernando o garoto guia vai avisar Monco sobre a presença dos quatro;
Música incidental de violão para Mary; Motivo de Monco;

282
Fragmento 23. No quarto de Mortimer eles discutem e acabam criando
uma parceria igual: Monco fica com os $10.000 dólares pela recompensa de Índio e
Mortimer com a recompensa pelos outros 13, eles são em 14: Blackie vale 4, Wild
vale 3, Nino vale 1, Frisco vale 2 (dá 10); Eles brindam a parceria "sem nenhum tru-
que, naturalmente"; Um de nós terá de entrar para o bando de Índio; Mortimer diz:
"Leve para Índio Sancho Perez que está descansando na cadeia de Alamogourdo".
No final da cena Mortimer olha para seu Relógio de Bolso; Corte para o rosto de Ín-
dio;
Violão: Motivo do Relógio de Bolso
Fragmento 24. O Motivo do violão é sobreposto pelo do Relógio e as so-
noridades do Carillon são destorcidas; Índio, fumando maconha, revive os aconteci-
mentos do assassinato de um homem;
Sonoridade eletroacústica
Fragmento 31. O vigia entra no banco; Corte para o armário (cofre) do di-
nheiro. Entra a música (Il Colpo); Corte para fora do banco. Mortimer e Monco con-
tam os passos; O bando entra na cidade (som longo de um trompete - nota Lá); O
bando chega lentamente perto do banco; Explosão da parede do banco; O vigia é
morto com um tiro; O armário (cofre) é laçado e jogado dentro de uma carroça pelo
bando; O Bando inícia a fuga (entra a parte final da música: Il Vizio di Ucidere); Mor-
timer e Monco se olham e seguem à cavalo atrás dos bandidos; Acompanha-se toda
a fuga dos bandidos; (Il Colpo; parte final de Il Vizio di Ucidere).
Fragmento 32. No trajeto Mortimer e Monco conversam (a música termi-
na). Mortimer pergunta o que Monco está fazendo na cidade? Monco diz que não
está fugindo e desfaz a sociedade com Mortimer; Mortimer diz: vamos esperar e
conversar mais (entra novamente a música); Monco está irredutível; Mortimer dá um
tiro de raspão no pescoço de Monco para que pareça que ele tenha sido ferido e os
outros três mortos em Santa Cruz; Mortimer diz que agora o bando todo vale $40.000
e se eles ainda vão manter a sociedade?; Monco concorda; Mortimer pede que Mon-
co tente convencer Índio a ir pro norte, seguindo o Rio Bravo. Ele acrescenta que é

283
um bom lugar para uma emboscada (uma flauta doce arremata o diálogo); (Il Vizio di
Ucidere).
Fragmento 34. Corte para a entrada de Agua Caliente; Índio diz que nunca
viram Monco atirar e querem saber como ele se comporta em emergências (entra a
música). Índio manda Monco entrar sozinho na cidade; Monco entra na cidade e o
que se vê é uma espécie de repetição da primeira cena do primeiro filme; Monco en-
contra com 3 homens que vão enfrentá-lo (a música termina); Monco se prepara para
enfrentá-los com seu gesto característico (jogar o ponche em cima do ombro) (ouve-
se o leitmotiv de Monco); No momento crucial Monco vê um menino correndo para
apanhar maçãs numa árvore. Monco começa a atirar em algumas maçãs fazendo-as
cair no chão para que o menino possa pegá-las. Monco acaba de atirar mas os tiros
continuam. É o Coronel Mortimer que está em suas costas também atirando nas fru-
tas; Os três homens que iam enfrentar Monco, vendo sua habilidade, desistem do
intento (ouve-se novamente o motivo de Monco); O Coronel Mortimer sorri (ouve-se
seu leitmotiv); A imagem é cortada para o Bando de Índio (Ouve-se o motivo do vio-
lão na entrada de La Resa Dei Conti); Os dois entram em uma Taverna; (Il Vizio di
Ucidere; Leitmotiv de Monco (duas vezes); Leitmotiv do Coronel Mortimer; Leitmotiv
de Índio).
Fragmento 35. Monco está abismado de como Mortimer conseguiu chegar
no local. O Coronel diz que usou o raciocínio; o bando entra também na taverna;
Wild fica louco com a presença do Coronel Mortimer e acende seu desejo de vingan-
ça (entra o trombone); Wild é morto por Mortimer em duelo; Índio conversa com Mor-
timer: Eu vim abrir o cofre; (Carillon).
Fragmento 40. Nino é acordado por alguém (provavelmente Índio); Nino
mata um dos homens; Nino solta Monco e lhe entrega uma arma descarregada (Um
galo canta). Nino também solta o Coronel Mortimer, da mesma forma. Nino ordena
que eles fujam; Índio estava observando e Nino pergunta porque ele está fazendo
isso? (Som com o sino característico) Índio sabe que os dois são caçadores de re-
compensas e pretende que os homens do bando os enfrentem; Índio pede para que
Nino acorde Cuccillo; Com as sonoridades distorcidas Índio acende uma maconha;

284
Cuccillo pergunta quem matou o homem? Índio pede para que ele olhe a faca. Cuc-
cillo reconhece a faca como sendo sua. Índio diz que ela não deveria estar nesse
lugar. Índio pega o seu relógio de bolso e o abre (inicia a música Carillon); Cuccillo
insiste que não foi ele. Índio manda ele correr para ver se consegue escapar. Cuccil-
lo tenta mas é morto por um tiro de Índio (La Resa dei Conti iniciou); Os homens
acordam e correm para ver o que está acontecendo; Índio começa a chorar e diz que
Cuccillo matou Slim (a música é cortada) e ajudou os dois caçadores de recompensa
a escapar. Ele diz que os quer de volta imediatamente; Os homens correm para se
aprontar para ir atrás dos dois. Índio diz para Nino se aprontar que eles vão fugir;
(Sonoridades Graves e Suspensivas; Som com o Sino característico; Sonoridades
distorcidas do Leitmotiv de Índio; Carillon; La Resa dei Conti).
Fragmento 42. Corte para Índio dando um track no besouro e o jogando
para fora da mesa; Índio pega o relógio de bolso e o abre (inicia o Carillon). Pela pri-
meira vez aparece a foto de uma mulher. O homem diz que a muito tempo quer per-
guntar para Índio sobre o relógio que sempre significou muito para ele. Por quê? CU
nos olhos de Índio. CU na foto da mulher do relógio. O som da música é distorcido e
vemos novamente o casal; A cena do assassinato do homem é repetida e Índio vio-
lenta a mulher. A mulher com Índio em cima dela consegue pegar a arma de Índio e
dispara contra si mesmo, se matando. Índio sai do transe com alguém gritando seu
nome (a música do Relógio volta ao normal e termina rallentando, como se a corda
estivesse acabando). A voz é do Coronel Mortimer; (Carillon; Carillon distorcido).

4.7.9 - Fragmento 44 e 45: O Duelo final


Fragmento 44. Corte para Mortimer fora da casa. Mortimer atira no homem
que estava com Índio. Enquanto ele cai no chão, Índio surge inesperadamente de
uma porta e com um tiro consegue tirar a arma do Coronel de sua mão. Índio se
aproxima do Coronel desarmado guarda sua arma no coldre e, com já havia feito
numa cena anterior, diz para que assim que a música do relógio parar que ele tente
pegar a arma do chão e atirar nele. Índio abre o relógio e a música (Carillon) começa.
Quando a música está nos últimos soluços ela, inexplicavelmente, recomeça sobre-

285
posta e cheia de vigor. A fonte é o relógio do próprio Coronel, em posse de Monco
que aparece nesse momento com o relógio aberto. Com o início de La Resa dei
Cont, Índio pensa em pegar sua arma mas é impedido por Monco com uma espin-
garda apontada para ele. Monco diz para o Coronel que foi descuido dele (em rela-
ção ao relógio), entregando um cinturão com revólver para que o coloque na cintura,
enquanto que a presença de um coral na música torna o momento solene. Monco
diz: "Agora começamos". O trompete em estilo mariachi inicia o solo da melodia prin-
cipal da Resa dei Conti. O local do duelo é um grande círculo. Monco se senta fora
do campo de ação dos dois para assistir (segurando o relógio aberto). Finalmente, a
música termina. Índio tenta ser mais rápido mas é atingido pelo Coronel caindo mor-
talmente ferido. Ele ainda tenta atirar, mas morre no intento. Inicia a música “Addio
Colonello”, a variação “dolente” da própria peça que acompanhou o duelo final.
Monco pede seu revólver de volta. O Coronel diz para Monco que agora
ele é um homem rico. Monco insinua que os dois estão ricos, pois são parceiros. Po-
rém, Mortimer responde: "quem sabe numa próxima vez". O Coronel se despede
abrindo mão de sua parte na recompensa. Monco começa a juntar os corpos numa
carroça enquanto a música de Mortimer termina.
Fragmento 45. O homem que estava com Índio sobreviveu e está escon-
dido atrás de umas rochas. Monco está fazendo as contas do total de sua recompen-
sa. O homem, pelas costas de Monco, tenta matá-lo. Monco ouve o barulho de um
revólver sendo armado e, mais rápido, mata o homem. A imagem corta para o Coro-
nel ao longe que grita se Monco está com algum problema. Nesse momento inicia o
tema 1, Per Qualche Dollaro in Più. Monco responde que não tem problema nenhum
e diz: "Pensei que minha conta estivesse errada. Mas, agora está tudo certo". O Co-
ronel Mortimer sorri e segue seu caminho. Monco com a cigarrilha na boca pega o
último homem e põe na carroça. Ele sobe na carroça e segue para entregar o bando
e receber a recompensa. Em cima de uma árvore ele também pega o dinheiro do
assalto ao banco de El Paso. Na tela aparece em ingles e letras grandes: The End -
released through United Artists. A música arremata o filme. Ela é a mesma que o ini-
ciou.

286
287
4.8 - A MÚSICA DE IL BUONO, IL BRUTTO, IL CATTIVO – 1966
(TRÊS HOMENS EM CONFLITO)
Uma idéia temática se transformou no som do coiote em Il buono, Il brutto, Il cattivo
(1966). Eis, sempre no terceiro filme, o episódio da guerra, o episódio dos créditos
iniciais, com cinco ou seis trompetes que ressoam no tempo de poucos segundos fa-
zendo uma algazarra incrível. Depois de escolhas similares fui acusado de não ter
controlado bem a partitura, porque àquelas intervenções sonoras resultavam efeti-
vamente “fora” da imagem, endereçados diretamente ao espectador. Posso entender
o motivo das críticas, mas não é absolutamente verdade que aqueles fossem o signo
de uma incapacidade de controle por minha parte.
(Ennio Morricone).

4.8.1 - Ficha Técnica


Il buono, il brutto, il cattivo – The good, the bad and the ugly
– Três homens em conflito –
Países: Itália/Espanha/Alemanha
Ano: 1966
Duração: 182’ (versão italiana); 166’ (versão francesa); 161’ (versão americana)
Direção: Sergio Leone
Argumento: Luciano Vincenzoni
Sergio Leone, Luciano Vincenzoni, Age [Agenore
Roteiro:
Incrocci], Scarpelli [Furio Scarpelli], Sergio Donati (não creditado)
Diálogos inglêses: Mickey Knox
Produção: PEA (Produções Europeas Associadas)
Produtor Executivo: Alberto Grimaldi
Empresas Produtoras: PEA [Produzioni Europee Associate] (Roma)
Distribuição: PEA/United Artists
Intérpretes e Personagens

 Clint Eastwood (Blondie),


 Lee Van Cleef (Sentenza),
 Eli Wallach (Tuco [Benedicto Pacifico Juan Maria Ramírez]),
 Aldo Giuffré (capitão bêbado da União),
 Luigi Pistilli (padre Pablo Ramírez),
 Rada Rassimov (Maria, a prostituta),
 Enzo Petito (dono da loja de armas),
 John Bartha (xerife),
 Livio Lorenzon (Baker),
 Antonio Casale (Jackson, alias “Bill Carson”),
 Benito Stefanelli (membro do bando de Sentenza),
 Angelo Novi (Monge),
 Aldo Sambrell (membro do bando de Sentenza),
 Antonio Casas (Stevens),
 Al Mulloch (pistolero sem o braço),
 Lorenzo Robledo (Clem, membro do bando de Sentenza),
 Mario Brega (Cabo Wallace).
Não Creditados:

288
 Chelo Alonso (mulher de Stevens),
 Antonio Ruiz (o filho mais jovem de Stevens)

Fotografia (Techniscope, Technicolor): Tonino Delli Colli


Montagem: Nino Baragli, Eugenio Alabiso
Efeitos Especiais: Eros Baciucchi
Ennio Morricone, Regência de Bruno Nicolai (Eureka Edizioni
Música: Musicali). Versos da canção La storia di un soldato de Tommie
Connor.
Cenografia: Carlo Simi, Sigfrido Burmann
Costumes: Carlo Simi
Cenas Internas: Elios Film (Roma)
Cenas Externas: Almeria, Colmenari Burgos
Mestre de Armas: Benito Stefanelli
Auxiliar de Direção: Giancarlo Santi
Assistentes de Direção: Fernando Di Leo, Julio Samperez

4.8.2 - Comentários Iniciais


Sergio Miceli (1994:130) comenta que “uma prova ainda parcial, incorpo-
rada como pars pro toto, que em Ennio Morricone os processos evolutivos se desen-
cadeiam através de um mecanismo notável de conjunção, no qual as inovações não
negam o que já foi conquistado, mas, servem de plataforma para o passo sucessivo
independente dos condicionamentos típicos da composição fílmica”, podem ser en-
contrados no terceiro filme da trilogia dos dólares de Sergio Leone: IL BUONO, IL BRUT-
TO, IL CATTIVO (TRÊS HOMENS EM CONFLITO) de 1966.
No filme, protagonismo e antagonismo incorporam-se em três persona-
gens principais: Blondie – Il buono (o bom), Tuco – Il brutto (o feio) e Angel Eyes – Il
cattivo (o mau), interpretados por Clint Eastwood, Jason Robarts e Lee van Cleef,
respectivamente. A trilha sonora musical mais ampla, com uma quantidade maior de
temas e soluções articuladas, resulta do incremento da complexidade narrativa em
relação à interação de personagens, situações e localizações.
No filme O Bom triunfa sobre o Mau, mas “Bom” e “Mau” são somente
termos relativos no mundo ficcional criado pelo filme de Sergio Leone. Blondie, que

289
possui muitas características relacionadas ao mau, é só relativamente bom; Tuco,
que possui algumas características boas e muitas relacionadas ao mau, não pode
ser pior que os outros dois protagonistas; Angel Eyes, por outro lado, talvez seja, de
fato, completamente mau, pois, o personagem não apresenta nenhuma virtude, em
qualquer momento do filme. A linha que separa o bom, o feio e o mau, fica tão desfo-
cada a ponto de tornar-se inexistente, ou pelo menos, indiscernível. Essa indistinção
é habilidosamente refletida na música de Morricone representada por um mesmo
motivo musical, mas com características tímbricas distintas. Esse motivo musical,
derivado da idéia dos dois filmes anteriores, é a semente da qual a trilha sonora do
filme se desenvolve.

4.8.3 - Sinopse
Ambientado nas belas, coloridas e amplas colinas do “velho oeste ameri-
cano”, em 1861/62, durante a Guerra Civil Americana, mesmo que, na realidade, te-
nha sido filmado na Espanha, IL BUONO, IL BRUTTO, IL CATTIVO conta a história de três
pistoleiros, Blondie (Clint Eastwood), Tuco (Eli Wallach) e Angel Eyes (Lee Van
Cleef), que ganham a vida como mercenários, utilizando suas habilidades para rece-
ber recompensas de modo fraudulento. A trama central do filme se revela quando os
três protagonistas descobrem o segredo da existência de uma caixa contendo duzen-
tos mil dólares em moedas de ouro. Três soldados confederados, Baker (Livio Loren-
zon), Stevens (Antonio Casas) e Jackson (Antonio Casale), sabem da existência da
caixa com o ouro. A jornada em descobrir o segredo de sua localização e apoderar-
se do ouro contido na caixa coloca os três protagonistas uns contra os outros resul-
tando no “trielo” final, ou seja, num combate de morte entre os três.
Quando os três protagonistas são introduzidos individualmente à audiên-
cia, eles são mostrados como engajados em esquemas antiéticos e violentos para
benefício próprio. Todos eles são criminosos cuja ganância é mais forte do que o
respeito pela vida. Blondie e Tuco têm um complexo relacionamento de amizade-
ódio, no qual eles sistematicamente tentam torturar um ao outro, mas, ao mesmo
tempo, dependem de sua parceria num esquema fraudulento para ganhar dinheiro.

290
Do mesmo modo, Angel Eyes é um pistoleiro de aluguel que mata qualquer um por
dinheiro.
Cada um dos três personagens descobre, por acaso, uma parte do segre-
do da localização da caixa. Angel Eyes é o primeiro a ficar sabendo sobre a existên-
cia do ouro quando, contratado por Baker, tem de arrancar de Stevens o nome falso
que Jackson está usando no momento. Angel Eyes consegue descobrir que Jackson
está utilizando o nome falso de Bill Carson. No processo Angel Eyes mata Stevens e
Baker, deixando Jackson como a única pessoa viva que conhecia a localização das
moedas de ouro.
Blondie e Tuco encontram Bill Carson morrendo no deserto, o único pas-
sageiro sobrevivente de uma emboscada a uma diligência confederada. Através das
últimas palavras de Carson, antes de morrer, Tuco fica sabendo que a caixa com as
moedas de ouro está escondida numa cova do cemitério Sad Hill. Ele descobre o
nome do cemitério, mas não o ponto exato onde a caixa está enterrada. Blondie, por
outro lado, fica sabendo qual é a cova em que a caixa está enterrada (ao lado da
cova de Arch Stanton, com uma placa “Desconhecido”), mas não sabe o nome do
cemitério. Tuco, que estava tentando matar Blondie, dá-se conta que depende de
Blondie para que o ouro seja encontrado. Essa ganância, co-dependência e descon-
fiança de um para com outro é um dos principais motivos do desdobramento da nar-
rativa fílmica, auxiliando a criar um equilíbrio que se mantém até o final surpreenden-
te do filme.
Blondie e Tuco encontram a cova do cemitério onde as moedas de ouro
estão escondidas, ou assim a audiência é levada a acreditar, porém, Angel Eyes,
que havia torturado Tuco para que revelasse a parte do seu segredo, aparece de
surpresa na cova do cemitério e o palco do filme é montado para o “trielo”, a confron-
tação final entre os três homens. Os três homens logo se tornam somente dois, pois
Blondie mata Angel Eyes, deixando somente ele mesmo e Tuco para dividir a “re-
compensa”, “como nos velhos tempos”. Porém, como vingança, o hábil e manipula-
dor Blondie força Tuco a ficar em pé, se equilibrando em cima de uma cruz de uma
das covas do cemitério enquanto coloca sua cabeça numa forca, com suas mãos

291
amarradas em suas costas. Parece, por um momento, que os dois se tornarão um e
que Blondie será o único sobrevivente para desfrutar a “recompensa”. Num momento
final de “bondade”, Blondie poupa a vida de Tuco através de um gesto que ironiza os
seus primeiros esquemas para ganhar dinheiro, ele corta a corda da forca com um
tiro de seu rifle. Blondie vai embora com metade das moedas de ouro e o filme termi-
na.

292
4.9 - ORGANIZAÇÃO TEMÁTICA DA TRILHA MUSICAL

4.9.1 - Decupagem
CLASSIFICAÇÃO
Nº INÍCIO FIM DURAÇÃO IDENTIFICAÇÃO NOME NO CD DERIVAÇÃO Fragmento
OBJETIVA
Il Buono, Il brutto, il
1 00:00:00 00:02:44 00:02:44 Créditos Iniciais cattivo (Tema Tema 1 Externo Fragmento 1
Principal)
Apresentação de
2 00:02:44 00:05:47 00:03:03 Leitmotiv Tuco Tema 1 Externo Fragmento 2
Personagem
Inserção de Persona-
3 00:05:47 00:14:48 00:09:01 Il Tramonto Il Tramonto Externo Fragmento 3
gem
Apresentação de
4 00:14:48 00:17:09 00:02:21 Leitmotiv Angel Eyes Tema 1 Externo Fragmento 4
Personagem
Inserção de Persona-
5 00:17:09 00:24:16 00:07:07 Leitmotiv Blondie Tema 1 Externo Fragmento 5
gem
Il Buono, Il brutto, il
Apresentação de
6 00:24:16 00:29:18 00:05:02 cattivo (Parte do Tema 1 Externo Fragmento 6
Personagem
Modo de Rock)
Inserção de Persona-
7 00:29:18 00:31:39 00:02:21 Sentenza Angel Eyes Externo Fragmento 7
gem
8 00:31:39 00:37:49 00:06:10 Tuco na Ponte Il Ponte di Corde Il Ponte di Corde Externo Fragmento 8
9 00:37:49 00:41:03 00:03:14 3 amigos de Tuco Tuco e Amigos Tuco e Amigos Externo Fragmento 9
10 00:41:03 00:49:04 00:08:01 Blondie Escapa 1 vez Sonoridades Tema 1 Externo Fragmento 10
Guerra (Visão de Angel La Carrozzo dei La Carrozzo dei
11 00:49:04 00:53:19 00:04:15 Externo Fragmento 11
Eyes) Fantasmi Fantasmi
Tuco perssegue Blon-
12 00:53:19 00:55:38 00:02:19 Inseguimento Inseguimento Externo Fragmento 12
die
13 00:55:38 01:05:36 00:09:58 Tuco acha Blondie Il Deserto Il Deserto Externo Fragmento 13
La Carrozzo dei La Carrozzo dei
14 01:05:36 01:13:25 00:07:49 Blondie quase morto Externo Fragmento 14
Fantasmi Fantasmi
Tuco & Blondie (Dis-
15 01:13:25 01:14:55 00:01:30 Sem Música Sem Música Sem Música Fragmento 15
farçados de Sulistas)
Missão (Pe. Pablo La Missione San La Missione San
16 01:14:55 01:29:07 00:14:12 Ramirez) - irmão de Antonio; Padre Antonio; Padre Externo Fragmento 16
Tuco Ramirez Ramirez
Tuco e Blondie são
17 01:29:07 01:35:11 00:06:04 Marcetta Marcetta Interno Fragmento 17
presos
18 01:35:11 01:38:03 00:02:52 Ética do Capitão Marcetta Marcetta Externo Fragmento 18
Tuco (Carson) & Angel La Storia di un La Storia di un
19 01:38:03 01:46:40 00:08:37 Interno Fragmento 19
Eyes Soldato Soldato
Blondie & Angel Eyes /
20 01:46:40 01:51:10 00:04:30 Marcetta Marcetta Externo Fragmento 20
Tuco vai "Preso"
Angel Eyes & Blondie
21 01:51:10 01:52:58 00:01:48 Marcetta Marcetta Externo Fragmento 21
vão para o Cemitério
Tuco no trem para a A História de um La Storia di un
22 01:52:58 01:55:38 00:02:40 Externo Fragmento 22
prisão Soldado Soldato
23 01:55:38 01:57:16 00:01:38 Angel Eyes & Blondie Sem Música Sem Música Sem música Fragmento 23

293
Tuco escapa de Walla- La Storia di un La Storia di un
24 01:57:16 02:00:55 00:03:39 Externo Fragmento 24
ce Soldato Soldato
Morte di un
25 02:00:55 02:03:54 00:02:59 Angel Eyes e os 6 Morte di un ladrone Externo Fragmento 25
ladrone
26 02:03:54 02:07:05 00:03:11 O banho de Tuco Il Bandito Monco Il Bandito Monco Externo Fragmento 26
Cada arma tem uma
27 02:07:05 02:08:16 00:01:11 Il Bandito Monco Il Bandito Monco Externo Fragmento 27
melodia
28 02:08:16 02:10:14 00:01:58 Blondie "acha" Tuco Il Bandito Monco Il Bandito Monco Externo Fragmento 28
29 02:10:14 02:15:24 00:05:10 Dois contra Cinco Tema 1 Tema 1 Externo Fragmento 29
Il Carrozo dei fantas- Il Carrozo dei
30 02:15:24 02:26:14 00:10:50 Batalha pela ponte Externo Fragmento 30
mi Fantasmi
Marcetta senza Marcetta senza
31 02:26:14 02:35:15 00:09:01 Explosão da Ponte Externo Fragmento 31
speranza speranza
A Morte de um Solda- Morte di un
32 02:35:15 02:39:11 00:03:56 Morte di un soldato Externo Fragmento 32
do soldato
Leitmotiv de
33 02:39:11 02:40:10 00:00:59 Tuco tentando fugir Leitmotiv de Blondie Externo Fragmento 33
Blondie
34 02:40:10 02:43:30 00:03:20 Tuco no Cemitério L'Estasi Dell'oro L'Estasi Dell'oro Externo Fragmento 34
Leitmotiv de
Leitmotiv Blondie e
35 02:43:30 02:47:11 00:03:41 Cova Errada Blondie e Angel Externo Fragmento 35
Angel Eyes
Eyes
36 02:47:11 02:52:50 00:05:39 O Trielo Il Triello Il Triello Externo Fragmento 36
Il Buono, Il brutto, il
37 02:52:50 03:02:32 00:09:42 A divisão final cattivo (Tema Tema 1 Externo Fragmento 37
Principal)

4.9.2 - As faixas do CD das músicas do filme: “il buono, il brutto, il cattivo”


A gravação, catalogada Catalog ID: PID 715772, lançado em 25/09/2001,
respeita a ordem de entrada das inserções na película. As 21 faixas do CD, com du-
ração total de 59 minutos e 21 segundos, são as seguintes:

Nº. Nome Duração


1 Il Buono Il Brutto Il Cattivo [2:42]
2 Il Tramonto [1:18]
3 Sentenza [1:43]
4 Fuga a Cavvallo [1:09]
5 Il Ponte di Corde [1:55]
6 Il Forte [2:24]
7 Inseguimento [2:27]
8 Il Deserto [5:18]
9 La Carrozza Dei Fantasmi [2:11]

294
10 La Missione San Antonio [2:19]
11 Padre Ramirez [2:40]
12 Marcetta [2:52]
13 La Storia di Un Soldato [5:34]
14 Il Treno Militare [1:25]
15 Fine di Una Spia [1:16]
16 Il Bandito Monco [2:45]
17 Due Contro Cinque [3:47]
18 Marcetta Senza Speranza [1:50]
19 Morte di un Soldato [3:09]
20 L’Estasi Dell’Oro [3:23]
21 Il Trielo [7:14]

Tabela 9 – CD: Il buono, il brutto, il cattivo

Diferente dos dois filmes anteriores, com exceção do tema principal, gran-
de parte das inserções musicais desse filme ocorrem somente uma vez. Para que
isso fosse possível, Morricone ampliou a quantidade e a diversidade de temas se-
cundários nas três horas de projeção do filme. A trilha musical é entremeada pelo
tema principal, Il buono, il brutto, il cattivo, utilizado na íntegra nos créditos iniciais e
finais do filme, e os temas secundários, inseridos em momentos específicos da nar-
rativa. Essa divisão reflete e aprofunda, em sua macro-estrutura, o conceito de uni-
dade observado através do “Developmental Score” de Prendergast, pois, a quantida-
de de temas distintos pode interferir tanto na continuidade quanto na unidade formal
do filme.
O modo como Morricone consegue manter a unidade da trilha musical, e
que reforça a tese do “Developmental Score”, estabelece-se na constância da recor-
rência dos materiais derivados do tema dos “créditos iniciais”, Il Buono, Il brutto, il
cattivo. A figura abaixo apresenta o nome dos temas e sua ligação com o tema prin-
cipal dos Créditos Iniciais.

295
Figura
a 48 – Trilha mu
usical: Il buono, il brutto, il catttivo

4.9.3 - Tema Prrincipal: “Il


“ Buono, il brutto, iil cattivo” (a músicaa dos crédittos
iniciais e finais)
É muiito conhecid
da, e mesm
mo plausíve
el, a explica
ação que M
Morricone d
dá ao
“lendá
ário” motivo
o do tema principal
p do filme como
o uma tenta
ativa de imitar e incorp
porar
na mú
úsica o som
m do uivo do coiote, an
nimal que sse tornou tíípico na am
mbientação visu-
al e/ou sonora do nos (normallmente em segundo plano).
os westerns american

[Hoje] quando apreesento a peça principal de Il buono, Il bbrutto, Il cattiivo em


concerttos, os uivos do
d coyote, quue dão o ritmoo aos Créditoos Iniciais do filme,
são rea Mas, na versãoo original adootei soluções muito
alizados pelo clarinete. Ma
mais criativas. Dua as vozes macculinas cantaavam sobrepoondo uma a outra,
uma grritando a voccal A e a outtra a vocal E E. Os AAAs e EEEs deviaam ser

296
eloqüenntes, para im
mitar o uivo ddo animal e eevocar a feroocidade do “West”
selvageem (MORRIC CONE211)

Figura
F 49 – Imita
ação do som do uivo do Coiote

Miceli (2001:166
6) refere qu
ue o tratam
mento “torccido” da voz humana para
apare
entá-la ao uivo
u do coio
ote, realiza um jogo crruzado de a
alusões an
ntropomórficcas e
zoomórficas fund
damentais para a temática do film
me: “homen
ns como an
nimais”.
A exe
ecução ráp
pida das du
uas notas d
do motivo X articulad
das vocalm
mente
també
ém remete ao Yodel (Jodel,
( em italiano), u
uma forma de cantar com muda
anças
rápida
as e repetittivas de ton
ns que tem origem na
a região doss Alpes e a
acabou inco
orpo-
rada na
n música tradicional
t do sul dos Estados Un
nidos (Yode boys) 212.
eling Cowb
Ampliando a idéia subjacen etição rápida das notas Lá e Ré, Mor-
nte da repe
ricone
e deriva ma
ateriais aná
álogos secu
undários co
omo, por exxemplo, trê
êmulos e osstina-
tos, que
q durante
e o filme, são utilizad
dos em mo
omentos de tensão d
dramática e
e, ao
mesm
mo tempo, agregam
a um
m grande sentido
s de ccontinuidad
de e unidad
de à trilha ssono-
ra mu
usical como
o um todo.
Conju
ugando as idéias
i musicais dos d anteriores, Morricone deri-
dois filmes a
va a música
m prin
ncipal, Il buo o (a música
ono, Il bruttto, Il cattivo a dos crédittos iniciais), tan-
to de suas pequenas célula
as melódica
as (motivoss X e Y da melodia prrincipal de T
Titoli)
quantto das dubiedades cria
adas na ma
anutenção da estruturra modal/to
onal e do proce-
dimen
nto formal tripartido (Partes: “prrimitiva”, “m
modo de ro
ock” e “pse
eudo-sinfônica”).
Comp
pactando aiinda mais as
a polaridades obtidass em torno
o das notass Ré e Lá n
na tri-
lha do
os dois filmes anteriorres em um único motivvo (X) e ass terminações em outrro (Y)
(com a eliminaçã
ão da célula referente
e a Z do primeiro filme
e), ele gera o núcleo, a ba-
se de referência da melodia
a principal.

211
In: FRAYLING,
F C.
C Sergio Leonee: Something To
T Do With Deaath. London: F
Faber & Faber, 2000.
212
Verr exemplo: htttp://www.youtuube.com/watchh?v=9PfXjC2P
Paak&feature= =related, últimoo acesso em 02 de
novembbro de 2010.

297
Figura 50 – Núcleo
N da Trilha Musical de Il b
buono, Il brutto
o, Il cattivo

Na manutenção dos princípios sobre os quais sse baseiam


m os dois fiilmes
prede
ecessores, o tema dos créditos iniciais, Il b
buono, Il b attivo, apressenta
brutto, Il ca
uma estrutura
e ainda mais frracionada, como Mice
eli comenta:

A sua célula
c geradoora é outra ddas mais felizzes invençõess morriconiannas no
cinemaa que, mais umma vez, mostrra uma insupeerável capaciidade de confferir a
matériaa sonora brutta um sentidoo musical plaausível, enquaanto mantém intac-
tas as característica
c as de primorddialidade. (MIICELI, 1994:131)

Figura 51 – Melodia Prin


ncipal de Il Buon
no, Il brutto, Il cattivo

Dois motivos
m bá
ásicos MC (“motivo do
o coiote”) e MT (“mottivo de term
mina-
ção”),, com conto
ornos meló
ódicos e dis ontrastantess, são combina-
sposições rrítmicas co

298
dos para formar uma melod
dia facilmen
nte reconhe
ecível, mem
morável e m
muito coesa
a. Na
composição mellódica, a pa
assagem súbita de um
m motivo p
para outro é mais uma
a evi-
dência
a da técnic
ca das “micrro-células”,, tão enfatizzada por M
Miceli. Novamente a no
ota Si
não é utilizada diretamente
d e na melodia, mantendo, portantto, a dubied
dade já comen-
tada entre
e os modos dórico
o e eólio de Ré (a no
ota Dó natu
ural é utiliza
ada duas vvezes
confirrmando a so
onoridade modal).
m
A mús
sica introdu
uz os Crédiitos Iniciaiss do filme re
epetindo o MC três ve
ezes.
A prim
meira execu
utado pela flauta doce
e; a segund
da pelo “gritto” de uma
a voz humana; e
a terc
ceira por um
ma ocarina.. Nas três vezes o MC
C está sinccronizado ccom a anim
mação
de silhuetas (na cor branca
a e com um
m fundo ve rmelho) de
e três home
ens à cavallo re-
prese
entando, res
spectivame
ente, Il buon o e il cattivo
no, il brutto o. Esse proccedimento esta-
belece
e, como se
erá abordad
do adiante, os leitmotivvs dos três protagonisstas do filme
e.
Em se
eguida, um
m ostinato percussivo
p rrealizado p
por um tom--tom, introd
duz o
ritmo da execuç
ção musica
al, simultane
eamente re
epresentan
ndo (como nos dois fiilmes
anteriores) o som
m do “galop
pe do cavalo”, uma alu
usão ao gên
nero americcano nativo
o.

Figura 52 – Ritmo do C
Cavalo

Uma variação
v do
o ritmo do acompanha
amento com mais figu
uras é alternati-
vamente executa
ada por um
ma caixa cla
ara:

Figura 53 – Riitmo do Cavalo ((caixa-clara)

Um diiscretíssimo
o órgão tam
mbém acom
mpanha a in
ntrodução d
da melodia::

299
Figura 54 – Introdução da
a melodia princiipal dos Crédito
os Iniciais

A “Pa
arte Primitiv
va” da tripa
artição form
mal referida
a por Miceli é iniciada
a. Os
motivo
os MC e MC’ são executados po
or uma flautta doce e o
os motivos M
MT1, MT2, MT3
e MT4
4 são exec
cutados com
m um som muito distinto, um “ua-ua” que, de acordo com
Morric
cone, foi obtido a parrtir de duas
s vozes ma Miceli desccreve esse som
asculinas. M
como “um timbre
e metálico e cortante que coloca
a em evidên
ncia seu ca
aráter irreve
eren-
te” (19
994:134). O timbre, muito
m provav
velmente, fo
foi obtido ta
ambém com
m a mixagem de
uma gaita
g de boca e um tro
ompete com
m surdina.
A parrte é repetid
da. Na repetição a fla
auta doce é substituíd
da pelo som
m de
uma ocarina
o gra
ave, o som
m do “ua-ua
a” pelo asssovio de Allessandro A
Alessandro
oni, o
timbre
e solista mais
m destacado nos do
ois primeiro
os filmes a
agora é um
ma possibilidade
em igualdade de
e condições
s com os outros
o instru
umentos do
o ensemble
e. Essa trocca de
instrumentação não é casu
ual e será uma das m
marcas da trilha, poiss, o MC com
m ou
sem o MT1 (X e Y ou A e B) me como leittmotivs de cada
B serão utiilizados durrante o film
um do
os três prottagonistas: o material rítmico e m os leitmotivss será sempre o
melódico do
mesm
mo (MC com agonista será referido pelo
m ou sem MT1), o que denota qual prota
leitmo
otiv é o timb
bre dos insttrumentos que
q o execu
utam.

ASS
SOCIAÇÃO MC MT1 (OPCIO- PERSONA
AGEM FOTOG
GRAMA

300
NAL)

Ill buono
(the
e good – o Flauta doce Gaita de boca
a Blond
die
bom)

Ill brutto
(the
e ugly – o Grito “ua-ua” Tuco
o
feio)

Ill cattivo
Guitarra Elétri-
(the
e bad – o Ocarina Angel E
Eyes
ca
mau)

Tabela 10 – Leitmotivs de
d Il buono, il b
brutto, il cattivo
o, 1966.

Os mo
otivos MC e o opcion
nal MT1 po dem també
ém ser executados po
or um
corne
e-inglês (MC
C) seguido ou não po
or um trêm
mulo agudo sustentado
o pelos vio
olinos
(MT1)), representando situa
ações que envolvem
e p
personagen
ns e situaçõ
ões secund
dárias
no film
me.
Após a repetição
o da “parte
e primitiva”,, a caixa clara executta um grup
po de
semic
colcheias para
p d modo d e Rock”, ccaracterizad
inserir a “Parte do da pelo sollo da
guitarrra elétrica:

301
Figura 55 – Melodia
M da guitaarra elétrica

O som
m brilhante da guitarra
a elétrica (ccomo nos d
dois filmes anteriores) con-
trasta
a com os tim
mbres tona
ais recém ouvidos
o na “Parte Prim
mitiva”. O ssolo da guitarra
elétric
ca é acomp
panhado po
or um coral masculino, que prime
eiro reforça
a ritmicamente o
motivo
o do “galop
pe do cavallo” e então preenche a harmonia
a sustentan
ndo acordess lon-
gos. Essa
E melod
dia cadencia
a em Dó maior,
m seguida cromaticcamente pe
ela nota dó
ó sus-
tenido
o, a sensíve
el de Ré menor,
m tanto
o como preparação do
o retorno da
a “Parte Prrimiti-
va” modal, quantto da reiteração da am
mbigüidade tonal versu
us modal.
A “Pa
arte do mod
do de Rock
k” dos Créd
ditos Iniciais é, com p
pequenas e
exce-
ções, o único momento em
m que Morrricone utiliz a a guitarra
a elétrica n
na trilha mu
usical
do film
me (é tamb
bém utilizad
da no motiivo MT1 qu
uando segu
ue o motivo MC de A
Angel
Eyes, executado
o pela ocariina). Morric
cone, entrettanto, recorrrerá a essa “Parte do
o mo-
do de
e Rock” (e da guitarra
a) dos Cré
éditos Inicia
ais outras vvezes no fiilme como uma
músic
ca (módulo) “independente”. A idéia que p
permeia esssas novass utilizaçõe
es do
módulo está sem
mpre vinculada ao mo
ovimento d
de cavalgad
da, para fre
ente, por um
m ou
mais dos
d person
nagens do filme,
f tanto a pé, a cavvalo ou em diligênciass.
Depoiis da “Parte
e do modo de Rock”, e
existe uma repetição d
da “Parte P
Primi-
tiva”, porém, des
ssa vez com
m os motivos MC e M
MC’ são exe
ecutados po
or gritos, siignifi-
o “the Ugly”” com o reto
cando orno do “ua
a-ua” nos m
motivos MT
T1, MT2, MT
T3 e MT4. Esse
retorn
no da “Parte
e Primitiva”” é seguido
o pela “partte pseudo-ssinfônica” m
marcada po
or so-
norida
ades estride
entes de tro
ompetes im
mitando corrnetas milita
ares, uma a
alusão à Gu
uerra

302
Civil Americana,
A período em que a hiistória é am
mbientada. Os trompe
etes improvvisam
vertiginosamente
e e são ac
companhad
dos por um
m coro misto
o que susttenta acord
des e
por um
ma orquesttra tradicion
nal.
Depoiis de uma nova
n transiç
ção curta o motivo MC
C reaparece
e com o som do
coiote
e e a flauta
a doce, resp
pectivamen
nte. A “Partte do modo
o de Rock” retorna e é se-
guida por uma re
ecapitulaçã
ão abreviad
da da “Parte
e Primitiva”” – incluindo
o uma alterrnân-
ntre a flauta
cia en a doce e “co
oiote” nos motivos
m MC
C e o “ua-ua
a” nos motivos MT1 e MT2
– fina
alizando a música
m dos
s Créditos Iniciais com
m MC execcutado com
m destaque pela
flauta doce.

4.9.3.1: Fragme
ento 1: Créditos Inicia
ais
Os “C
Créditos Inic
ciais” de Il buono,
b il bru
utto, il cattivo volta, co
omo no prim
meiro
filme, a utilizar uma seqüên
ncia de anim
mação com
m silhuetas. O motivo M
MC de cada um
dos protagonista
as é anunciado.

“Il Buono” (“Th


The Good” – O Bom) “Il B
Bruto” (“The
e Ugly” – O Feio)

“Il Cattivo” (“IIl Bad” – O Mau)


Figura
F 56 – Início
o dos Créditos In
niciais de Il buo
ono, il brutto, ill cattivo (1966))

303
Como
o já comenttado, o MC
C de cada um dos pro
otagonistass é basead
do na
mesm
ma célula, mas,
m executado com um
u instrum ento difere
ente, permittindo que a
auditi-
vamente sejam reconhecív
r eis.
Como
o no primeiro filme, as
a imagenss são anim
madas utilizando a me
esma
técnic
ca do rotoscoping, porrém, amplia
ada com effeitos de de
escoloraçõ
ões que aca
abam
por re
evelar fotog
gramas (stillls) do rosto
o dos prota
agonistas, imersos nass situaçõess que
ocorre
erão posterriormente no
n filme. Os
s stills em preto com fundo em marron, ve
erme-
lho ou
u verde antecipam a violência
v e a brutalidad
de que ocorrrerão no filme.
o Frayling comenta:
Como c

Leone não faz qualq quer tentativaa de cativar a nossa simppatia com os pperso-
nagenss, ao invés, exxibe a brutaliidade de seuss protagonisttas com uma desta-
cada ca
alma: eles são FRAYLING213)
o brutais em toda extensãoo do filme. (F

A apresentação segue a ordem do títtulo italiano


o214: 1) Il Bu
uono (o bom), Il
brutto
o (o feio), Il cattivo (o mau).
m

Il Buon
no
(o bom
m)

213
FRAAYLING, C. Spaghetti
S Westerns: Cowboyys and Europeeans from Karrl May to Serrgio Leone. Loondon:
Routled dge & Kegan Paul,
P 1981, 1600. Apud: KAUS SALIK, op.cit.., p. 46.
214
A traadução do títullo em italiano Il
I buono (Blon ndie), il brutto (Tuco), il cattiivo (Angel Eyees) para o inglêês, The
good (B Blondie), the bad
b (Angel Eyees) and the ug gly (Tuco), e paara o portuguêês de Portugal,, O bom (Blonndie), o
mau (A Angel Eyes) e o feio (Tuco), troca a ordem m dos personaggens de Tuco e Angel Eyes. Isso fez com qque no
lançamento do filme nos Estados Unidos,
U em 196 67, os respectivvos epítetos dee Tuco e Angeel Eyes fossem m exibi-
dos erraados (trocados)), o que, posterriormente, foi percebido
p e repparado.

304
Il Bruttto
(o feio
o)

Il Cattiivo
(o mau
u)

Figura 57 – Personagens:
P Il buono (Clint Easstwood), Il bruttto (Eli Wallach)), Il Cattivo (Lee
e Van Cleef)

O som
m do galope
e ou do tro
ote de cava lo(s), como
o do primeiro filme, foi reti-
rado e,
e ao som de tiros de
e espingard
das e/ou re
evólveres, fo
oi acrescen
ntado o som de
tiros de
d canhão, menção à Guerra Civ
vil American
na.
O som
m do tiro do
o canhão é utilizado d
duas vezess com sua iimagem em
m pri-
meiro
o plano: no crédito do título do filme e no do
o nome de Sergio Leo
one. Os tiro
os re-
velam
m o nome e depois os destroem, no segundo caso, terrminando a seqüência
a com
um fundo preto.

Figura 58 – Créditos Inicia


ais: Il buono, il b
brutto, il cattiv
vo (1966)

305
4.10 - APRESENTAÇÃO DOS
D TRÊS PROTAGON
P NISTAS

1 - Tuco: “Il
4.10.1 “ Brutto”

4.10.1
1.1: Fragm
mento 2: Tu
uco
A cen
na abre com
m o som do
d vento e de um coiiote projeta
ado numa vvisão
panorrâmica de montanhas
m e terras áridas. O ro
osto de um homem lite
eralmente entra
na fre
ente da câm
mera toman
ndo, num pllano muito fechado, to
odo espaço
o da imagem na
tela. No
N plano oposto ao olhar
o do homem, com nova interrvenção do som do co
oiote,
mais dois homen
ns chegam
m à cavalo. A cidade p a cidade fantasma. A cena
parece uma
é sus
spensiva e o que pare
ecia ser um minente, na verdade é uma persegui-
m duelo em
ção. Os
O três hom
mens se ap
proximam va
agarosame
ente do barr local com o som do vvento
muito forte. Qua
ando eles in
nvadem o bar,
b ouvidos, e Tuco, que apa-
muitoss tiros são o
rentem
mente mato
ou os três homens, se o bar, de dentro
s arremesssa contra a janela do
para fora,
f escap
pando por ela. Nesse
e momento,, a ação viisual é con
ngelada na tela,
enqua
anto a audiência ouve o MC exec
cutado com
m o som do coiote e o MT1 execu
utado
com o som do “ua-ua”, na
a apresenta
ação dos ccaracteres “The Ugly”” (“Il brutto”” – o
feio), na tela. Qu
uando a im
magem é de
escongelad
da, Tuco fo
oge à cavallo encerran
ndo a
seqüê
ência. Porta
anto, o pers
sonagem atirou
a e, prresumivelm
mente, mato
ou três hom
mens.
Presu
umivelmente, porque um
u dos hom
mens não m
morreu e re
eaparece n
no filme busscan-
do vin
ngança.

Figura 59 – Tu
uco: “Il Brutto” (“The Ugly”)

306
4.10.2 - Angel Eyes: “Il Cattivo”
4.10.2.1: Fragmento 3: “Il Tramonto” (O Por do Sol) – Angel Eyes
A apresentação do personagem de Angel Eyes (Lee van Cleef) é feita co-
mo uma citação às avessas do início do filme SHANE (OS BRUTOS TAMBÉM AMAM), de
1953, dirigido por George Stevens. O som sinfônico da música de Victor Young pon-
tua a abertura do filme onde o pequeno Joey, filho de Starret, avista Shane chegando
à cavalo ao entardecer. O sítio onde mora faz parte de uma região de assentamentos
no vale do Wyoming. Os colonos lutam por seus direitos contra os grandes criadores
de gado, que controlam a maior parte da terra, e Shane logo se envolve no conflito.
Shane, que quer mudar de vida, aceita trabalhar na pequena fazenda de Starret. Jo-
ey, logo se interessa por ele e descobre boquiaberto sua habilidade com as armas,
capaz de disparar vários tiros certeiros em diferentes alvos. Shane vai se tornar o
grande ídolo de Joey.
Como o título dado a peça por Morricone referencia, “Il Tramonto” é ouvido
quando Angel Eyes, montado num cavalo, se aproxima de uma fazenda com o sol se
pondo e é observado por um menino, o filho mais novo de Stevens, o dono da fazen-
da. Em sua aproximação, é executado um tema lento, quase ad libitum, e com muito
rubato por um violão, acompanhado por acordes agudos de um órgão e um contra-
baixo em pizzicato. O tema inicia com uma melodia com muitas características simi-
lares a de um canto gregoriano. Está no modo de Ré, tirando partido do mesmo tipo
de ambigüidade criada desde os dois filmes anteriores, Morricone utiliza a forma na-
tural da escala menor, na qual o sétimo grau, dó natural, não está alterado. As ferma-
tas do exemplo abaixo sublinham as terminações que acentuam o caráter modal da
melodia: a nota Fá# da primeira fermata como terça de picardia de Ré; a nota Ré, da
segunda fermata, atingida pela nota Dó natural (não Dó#); a nota Dó natural, da ter-
ceira e da quarta fermata; e, finalmente, a nota Ré da última fermata.
Leinberger (2004:75) afirma que a possibilidade de evocação do sudeste
americano dessa inserção é comparável aos solos de trompete no estilo mariachi. O
tema deriva suas qualidades líricas de seus contornos melódicos, construído princi-

307
palme
ente com graus-conjuntos em um
ma tessitura
a total de ssétima men
nor, mas, vvincu-
lada, principalme
ente, ao âm
mbito de qua
artas e quin
ntas justas..

Fig
gura 60 – “Il Tra
amonto” (LEINBE
ERGER, 2004:76
6)

Na fin
nalização da
a música, o motivo M C de Ange
el Eyes é exxecutado so
obre-
posto ao órgão pela
p ocarina. Imediata
amente o violão també
ém sobrepõ
õe ao órgão um
ostina
ato suspens
sivo, consis
stindo de quartas justa
as, Lá, Ré e Sol (cord
das soltas), exe-
cutado cada vez mais ráp
pido, finaliz
zando a insserção com
m um cará
áter suspen
nsivo.
Embo
ora o timbre
e do violão
o retorne em
m outros m
momentos d
do filme, Il Tramonto só é
utiliza
ado nessa cena.
c Além
m da “atmosfera convvincente” crriada pela iinserção, o ele-
mento
o mnemônico importante, que va
ai se tornarr recorrente
e durante to
oda a trilha
a mu-
sical do
d filme, é o ostinato. A utilização
o repetitiva
a dos ostina
atos no tran
nscorrer do filme
agreg
ga um grande sentido de continu
uidade e u nidade à trrilha sonora
a musical ccomo
um to
odo.
m, o caráte
Porém er citado po
or Leinberg
ger da peçça, contrasta radicalm
mente
com a violência da continu
uidade da cena,
c pois, Angel Eye
es, ao contrário de Sh
hane,
foi contratado po
or outro homem, cham
mado Bake
er, para obtter algumass informaçõ
ões e
matarr o dono da
a fazenda chamado
c Stevens (talvvez o nome
e igual ao d
do diretor d
do fil-
me Shane
S seja só uma co
oincidência
a), o pai do
o menino q
que observvou Angel Eyes
chega
ando ao en
ntardecer. Angel
A Eyes
s invade a casa de S
Stevens e cconsegue a
as in-
forma
ações que queria
q – o nome
n falso que Jackso utilizando é Bill Carson – e
on estaria u
també
ém fica sab
bendo sobrre uma caixa de moe
edas de ou
uro. Steven
ns, pressen
ntindo
que Angel
A Eyes tenha sido
o enviado para
p matá-lo
o, oferece--lhe dinheirro na esperrança

308
que poupe sua vida. Angel Eyes interpreta esse gesto como uma contra-oferta para
matar Baker, o homem que o contratou. Stevens, tentando preservar sua vida, alcan-
ça sua arma numa gaveta, mas, Angel Eyes o mata, atirando com o revólver que es-
tava oculto e apontado para Stevens por baixo da mesa.
Depois de atirar em Stevens, a audiência ouve um trêmulo agudo em se-
gundas menores (quase um cluster) com as notas Sol#, Lá e Sib, polarizando a nota
Lá, a nota dominante da trilha inteira (como nos dois filmes anteriores). Sob a tensão
construída, Angel Eyes também mata o filho mais velho de Stevens, que apareceu
em socorro do pai. A utilização dessas sonoridades tensas, antecipando um evento
dramático, podem ser comparadas ao efeito do som tônico agudo utilizado em PER
UN PUGNO DI DOLLARI, antes do primeiro duelo, quando o personagem de Joe (Clint
Eastwood) vai enfrentar os quatro homens dos Baxters. Morricone também pode uti-
lizar esse tipo de sonoridade durante ou depois de um evento tenso, como ele faz
nessa cena. As sonoridades tensas são sobrepostas pelo motivo de Angel Eyes, MC
e MT1, enquanto a imagem é cortada, elipticamente, para a casa de Baker, o homem
que contratou Angel Eyes.

4.10.2.2: Fragmento 4: “Angel Eyes”, “Il Cattivo”


Um solo de corne-inglês inicia a inserção seguido do motivo MC executa-
do pela ocarina baixo e pelo motivo MT1 na guitarra elétrica, significando Angel
Eyes. A repetição de MC e MT1, constante em todo filme, ao mesmo tempo que refe-
rencia um dos três personagens, cria conexões com a música dos créditos iniciais,
provendo um grande sentido de continuidade, um “suporte ao ritmo do filme em pen-
samento e estrutura” (KURT LONDON).
Baker está deitado numa cama. Angel Eyes conta a respeito de Stevens e
sobre as informações que obteve com ele. Ele diz a Baker que Stevens também lhe
pagou para executar um trabalho. Angel Eyes agilmente utiliza um travesseiro para
sufocar e, atirando no travesseiro, mata Baker. Um solo curto de corne-inglês é inse-
rido enquanto a imagem congela na tela, e é, então, executado o leitmotiv de Angel
Eyes, “The Bad” (“Il Cattivo” – o mau), executado pela ocarina no MC e a guitarra

309
ca no MT1. Da mesma
elétric a forma que
e Tuco, An
ngel Eyes, e
em sua aprresentação, ma-
tou trê
ês pessoas
s.

Fiigura 61 – Angell Eyes: “Il Cattivvo” (“The Bad” )

4.10.3
3 - Blondiee: “Il Buono”
4.10.3
3.1: Fragm
mento 5: Blo
ondie
No momento em
m que Blond
die é introd
duzido pela
a primeira vvez à audiê
ência,
ele nã
ão é visto, mas,
m sua voz é ouvida
a quando e
ele interrom
mpe três hom
mens que e
estão
efetua
ando a prisão de Tuco
o para rece
eber uma re
ecompensa
a de dois mil dólares. B
Blon-
die attira e mata os três hom
mens e a audiência
a o
ouve uma vversão voca
al do motivo
o MC
seguid
do de MT1
1 executado
o pelo “ua--ua”. Como
o Tuco e A
Angel Eyes,, Blondie m
matou
três homens,
h ma
as seus caracteres ainda não sã
ão apresen
ntados cong
gelados na ima-
gem da
d tela. A cena
c prosse
egue. Blondie inicia u
um diálogo com Tuco sobre a recom-
pensa
a oferecida pela sua captura. Essa cena é seguida por outra e
em que Blo
ondie
chega
a à cidade com
c Tuco amarrado
a no
n cavalo e o entrega para o xerife, receben
ndo a
recom
mpensa. Mo
omentos de
epois, Tuco é mostrad
do sentado na sela de um cavalo
o com
as mã
ãos amarra
adas para trrás e uma corda
c no pe
escoço. Ele
e vai ser en
nforcado. A pre-
sença
a de Blondie é aponta
ada num es
stábulo próxximo pela vvisão da fumaça do ch
haru-
to, utiilizado nos dois filmes
s anteriores
s, e o seu lleitmotiv MC
C seguido pelo MT1 é ou-
vido. Blondie en
ntão aparec
ce, os motiivos são re
epetidos no
ovamente, e quando Tuco
está para
p ser en
nforcado, Blondie
B atirra na corda
a da forca libertando Tuco que foge
com o cavalo. Blondie e Tu
uco encontrram-se entã
ão no dese
erto e divide
em a recom
mpen-
sa me
eio a meio. Tuco recla
ama e diz que como a função delle no golpe
e é mais arrrisca-

310
da, nos futuros golpes, quer receber uma parte maior. Blondie inteligentemente diz a
ele, depois de oferecer-lhe um charuto, que se sua porcentagem for diminuída isso
“interferiria na precisão da mira”.

4.10.3.2: Fragmento 6: Blondie, “Il Buono”


Blondie e Tuco repetem o golpe em outra cidade. Angel Eyes também es-
tá na cidade tentando conseguir mais informações sobre Baker, Stevens e Jackson e
sobre a caixa com moedas de ouro. Depois de Angel Eyes pagar um velho soldado
pelas informações, ele sobe numa diligência e nota a presença de Blondie esperando
para atirar na corda do pescoço de Tuco. Angel Eyes, conversando com uma senho-
ra na diligência, refere-se a Blondie como um “anjo de cabelos de ouro” que está cui-
dando de Tuco. A audiência ouve uma inserção muito curta que soa como “um coral
de anjos do céu” enquanto Blondie monta em seu cavalo.
O enforcamento prossegue, Blondie atira, mas dessa vez atira três vezes
para conseguir cortar a corda. Depois do segundo tiro o cavalo em que Tuco está
sentado dispara. Tuco balança na forca por um momento, até que o terceiro tiro o
liberta. Tuco corre na direção de Blondie e salta na garupa de seu cavalo. Enquanto
Blondie e Tuco fogem da cidade para o deserto, a audiência ouve a seção “no modo
de rock” dos créditos iniciais. Como já foi abordado, Leone utilizará com freqüência
essa seção da música dos créditos iniciais como música de cavalgada, principalmen-
te, de Blondie e Tuco.
Depois dos contratempos de Blondie e Tuco para fugir da cidade os dois
conversam. Tuco diz que “quando a corda da forca começa a apertar, pode-se sentir
o hálito do diabo em seu traseiro”. Blondie, aparentemente frustrado com as coloca-
ções e exigências de Tuco, decide abandoná-lo no deserto. Quando Blondie está
partindo, ele para, volta-se para Tuco e exclama: “Que ingratidão para com quem
salvou sua vida tantas vezes”. A ação congela e, finalmente, é apresentado seu epí-
teto, “Il Buono” (The Good). Seu motivo MC e a versão do “ua-ua” do motivo MT são
ouvidos novamente.

311
Figura 62 – Blon
ndie: “Il Buono”
” (The Good”)

A seç
ção de “mo
odo primitiv
vo” da música dos ccréditos inicciais prossegue
com a flauta doc
ce e com o assovio en
nquanto Blo asta. No momento em
ondie se afa m que
Tuco olha para Blondie se afastando, o leitmotivv de Tuco MC e MT são ouvido
os no
final da
d cena.

4.11 - TEMAS SECUNDÁR


RIOS

1 - Fragmento 8: “Ill Ponte di Corde” (A


4.11.1 A Ponte de Cordas) - Ostinato
É uma inserção
o curta ouv
vida quando
o Tuco, em astimável, pois,
m estado la
atrave
essou a pé o deserto onde foi abandonado
o por Blond
die, cruza u
uma ponte a ca-
minho
o de uma pequena cidade onde
e consegue
e uma arm
ma e dinheiiro, rouban
ndo o
propriietário de uma loja de armas.
Essa inserção in
nclui quatro
o notas em
m ostinato, executadass no violão
o, um
ostina
ato que Morricone utiliizará em vá ecorrer do ffilme, ocasional-
árias inserçções no de
mente
e no violão,, mas, com mais freqü
üência no p iano.

Figura 63 – Osttinato de “Il Pon


nte di Corde”

O ostinato nessa
a inserção remete ao
os procedim
mentos da m
música min
nima-
lista de
d meados e do final do século 20, na qu
ual a repetição de um
ma idéia mu
usical

312
curta forma a base da estrutura formal de uma peça musical. Esse ostinato consiste
de uma tríade de ré menor com uma appoggiatura [a nota mi], resultando num acor-
de de Ré menor com nona, aoludindo o mesmo modo de utilização do “som do reló-
gio” na música do duelo do filme anterior e, também, ao motivo do acompanhamento
harmônico da peça do duelo, do primeiro filme.

4.11.2 - Fragmento 12: “Inseguimento” (Perseguição) - Cavalgada


Quando Tuco é visto em um cavalo procurando por Blondie, Morricone uti-
liza a “Parte Primitiva” dos “Créditos Iniciais” para acompanhar a cena. Primeiramen-
te, ele utiliza os motivos de Blondie MC e MC’ e o assobio humano para os outros
motivos. O tema é repetido com os motivos de Tuco MC e MC’ com o “ua-ua” no lu-
gar do assobio. Morricone utiliza então a “Parte do Modo de Rock” dos “Créditos Ini-
ciais” enquanto a cena continua. Do mesmo modo que nos dois filmes anteriores, ele
utiliza a “Parte do Modo de Rock” do tema dos “Créditos Iniciais” quando um ou mais
personagens estão em cavalgada, normalmente Blondie e Tuco. A “Parte Primitiva” é
ouvida novamente incluindo o som do coiote de Tuco com o “ua-ua” alternando com
a flauta doce e o assovio humano. Essa habilidosa intervenção dos timbres de Tuco
e Blondie coincide perfeitamente com a descoberta do charuto de Blondie abando-
nado na fogueira. A “Parte do Modo de Rock” retorna novamente, seguida finalmente
por um solo de corne-inglês do motivo de Tuco MC e da versão com “ua-ua” do moti-
vo MT1. O solo do corne-inglês retorna enquanto a cena muda, e o motivo MC de
Blondie com o assobio humano realizando o motivo MT1 são ouvidos mais uma vez.

4.11.3 - Fragmento 13: “Il Deserto” (O Deserto) – Princípio Serial


“Il Deserto” pode ser considerado como uma das influências do século 20
na música de Morricone e representativo de sua contribuição modernista à música
para filmes. A inserção inicia com uma longa e suspensiva introdução com uma tona-
lidade ambígua e uma complexa melodia de piano acompanhada por trêmulos de

313
corda
as. Depois dessa intro
odução, Mo
orricone inssere a melo
odia abaixo
o executad
da no
corne
e-inglês.

Figura 64 – Melodia principal d


de “Il Deserto”

Esse tema possui uma gra


ande semellhança com
m uma linha
a dodecafô
ônica,
amba
as as frases
s que compõem essa
a melodia ccontêm onzze classes de alturas dife-
rentes
s. A única classe
c de altura
a ausen
nte é a de ssol sustenid
do. A peça é surpreen
nden-
temen
nte tonal e parece esta
ar em Lá menor,
m erindo que a classe de
suge e altura aussente
é a se
ensível, um
ma nota que
e, no conte
exto tonal, sseria obrigatória. Poré
ém, fiel a a
ambi-
güidade, modal versus tona
al, criada desde
d o prim
meiro weste
ern de Leo
one, a forma
a na-
tural da
d escala menor
m evita
a a forma ha
armônica o
ou melódica
a da escala
a. Como Sm
mith215
(1998
8) explica:

A peça é caracteriza
ada por um aalto nível de innstabilidade ttonal e cromaatismo
e é, mu
usicalmente, a peça mais a mbiciosa da ttrilha inteira..

do a melod
Quand dia do corn
ne-inglês a tinge e susstenta a no
ota lá nos com-
passo
os 5–8 e o lá na repettição, é inse
erido um o stinato de q
quatro nota
as no piano
o que
já hav
via sido exe
ecutado pelo violão na
as inserçõe
es “Il Ponte
e di Corde” e “Il Tramo
onto”.
A figu
ura reforça a idéia de Lá
L menor.

215
SMITH, J. The Souunds of Commeerce: Marketin
ng Popular Film
lm Music. New
w York: Colum
mbia Universityy Press,
1998, p.
p 140. Apud: LEINBERGER
L R (2004:82).

314
Figura 65 – Ostinato de “Ill Deserto”

Depoiis desse tema, o ostin


nato de pia
ano é ouvido novamen
nte, seguido
o por
um ostinato orquestral de 3 notas que Morrico
one usa co
om dois valores difere
entes
(colch
heias e semicolcheias
s) simultan
neamente, criando um
m efeito co
onhecido ccomo
ola que, ao mesmo tem
hemio mpo, reforç
ça a idéia do
o ostinato.

Figura 66 – Ostinatos em co
ontraponto

4.11.4
4 - Fragmento 11: “La
“L Carrozzzo dei Fan
ntasmi”
“La Carrozzo
C de
ei Fantasmi” é ouvida
a quando T
Tuco, por vvingança po
or ter
sido abandonado
a o por Blond
die no dese
erto, leva B
Blondie para
a o deserto
o para torturá-lo.
No momento em
m que uma diligência se
s aproxim a, a música
a inicia. Mo
orricone forrnece
à aud
diência o qu
ue é, de muitas
m mane
eiras, uma das inserçções mais ccomplexas e in-
forma
ativas na trilha musica
al do filme. A inserçã
ão é compo
osta de um
ma melodia para
tromp
pete em Si bemol maiior, ou pos
ssivelmente
e Sol meno
or, que também é utiliizada
na ins
serção “Il Forte”. Utiliz
zando as no
otas da esccala pentatô
ônica de Sii bemol (sib
b, dó,
ré, fá,, sol), a melodia fornec
ce informaç
ções sobre a diligência
a.
Na prrimeira utiliz
zação foi associada
a a
aos soldad
dos mortos em “Il Forrte” e
existe
em soldados mortos na diligência
a; toques de
e corneta ssão ouvidoss representtando
os miilitares e uma outra melodia
m em
m contrapo
onto com o trompete, executada
a por
uma voz
v de sop
prano sem palavras, adiciona
a um
ma qualida na a essa inser-
ade feminin
ção. Um
U dos solldados dentro da diligência, Bill C
Carson, sabe o segre
edo das mo
oedas
de ou
uro. A utiliza
ação da vo
oz da sopra
ano Edda D
Dell’Orso po
ode ser inte
erpretada ccomo
uma referencia
r as
a moedas de ouro, objetos
o da b
beleza dessejada arde
entemente p
pelos
protag
gonistas. O que reforrça a referê
ência é que a voz se
erá ouvida novamente
e, na

315
inserç
ção “L’Estasi dell’oro” próximo ao
o fim do film
me, quando
o Tuco procura a cova
a on-
de as moedas de
e ouro estã
ão enterrada
as.

Fig
gura 67 – Melodia
a de “La Carrozzzo dei Fantasm
mi”

4.11.5
5 - O irmã
ão de Tuco
4.11.5
5.1: Fragm
mento 16: “L
La Mission
ne San Anttonio”
Tuco leva Blondie para se restabelece
er na Missiion San An
ntonio, uma
a mis-
são católica
c no Texas, na qual o irm
mão de Tucco, Pablo ((Luigi Pistillli), é um padre.
Quando Blondie e Tuco en
ntram na missão com a ajuda de
e um outro padre, eles vê-
em muitos
m solda
ados feridos
s e a audiê
ência ouve a inserção “Mission S
San Antonio
o” em
Ré maior: uma versão
v parra madeiras
s da inserçção “La Sto
oria di un S
Soldato” po
or um
curto motivo que
e inicia com
m o corne-in
nglês, seguiido pelo ob
boé e flauta.

Figura 68 – “La
“ Missione Sa n Antonio”

5.2: Fragm
4.11.5 mento 16: “P
Padre Ram
mirez”
Blondie na cama
a, mas, qu
uase recupe
erado, esta
a conversa
ando com T
Tuco.
Um velho padre entra no quarto
q e diz
z a Tuco q ue o Padre acabou de che-
e Ramirez a
gar. Ironicamentte, torna-se
e aparente que Tuco tem família e Ramirez é de
a e o Padre
fato irrmão de Tu
uco. Uma in
nserção currta de música é ouvida
a enquanto
o Tuco convversa
com seu
s irmão. Ele
E acabou
u de chegarr do funerall de seu pai

316
É uma
a inserção curta execu
utada com um solo de
e violão.

Figura
a 69 – Melodia de “Padre Ramirrez” (irmão de T
Tuco)

Tuco e seu irmã


ão, Pablo, conversam
c us pais. Tucco fica sabendo
sobre seu
que sua
s mãe mo
orreu já faz
z vários ano
os e que se
eu pai haviia acabado
o de falecerr. Pa-
blo pa
arece desapontado co
om seu irmã
ão e age co
omo se ele
e não estive
esse feliz com a
prese
ença de Tuc
co na miss
são. Blondie
e, escondid
do assiste a discussã
ão dos doiss que
falam sobre os caminhos
c diferentes
d escolhidos
e p
por cada um
m deles e T
Tuco acusa
a seu
irmão
o de covarde. Os dois irmãos aca
abam se ag
gredindo en
nquanto o ssolo de violão é
ouvido
o uma segunda vez. Depois da briga, Tucco e Blondie
e, vestidos com uniformes
dos confederado
c os, deixam a missão numa
n diligê
ência, e Tu
uco, que ha
avia proclam
mado
ser ab
bsolutamen
nte sozinho
o no mundo
o, comenta com Blond
die sobre ass grandes q
quali-
dades
s que seu irrmão possu
ui. O solo de
d violão é executado pela terceira vez, seg
guido
da se
eção do “Modo de Rock” dos “Créditos Inicciais”, utiliza
ado, mais uma vez, ccomo
músic
ca de viagem.

4.11.6
6 - Fragmento 20: “Marcetta”
“M ”
Blondie e Tuco,, vestindo uniformes dos confe
ederados, e
encontram com
tropas
s da união, mas, com
mo todos estão empo
oeirados, co
onfundem-n
nas com trropas
confederadas. Quando
Q se dão conta que os un
niformes da
as tropas ssão azuis e não
cinza,, a audiênc
cia ouve o motivo
m MC de Tuco se
eguido da vversão MT1
1 executada
a pe-
lo “ua
a-ua”, come
entando a ironia do errro engraça
ado. Eles sã
ão aprision
nados e levvados
para um campo de prision
neiros da União.
U Quando Blondiie e Tuco ssão vistos mar-

317
chand
do para o campo
c de prisioneiros
p , a “Marcettta” é ouvid
da. Ela é exxecutada pela a
gaita de boca, qu
ue inicia a melodia,
m e pelo som d
do assovio humano, que entra a partir
do co
ompasso 13
3. O som da
a gaita e do
o assobio p
parecem se
er executad
dos pelos p
prisio-
neiros
s em march
ha (diegétic
cos), mas, não
n é posssível ver a g
gaita e os rrostos dos prisi-
oneiro
os durante a seqüênciia.
Quand
do Blondie, Tuco e os
s outros priisioneiros e
estão do lad
do de dentrro do
campo de prisioneiros da união,
u um homem
h muiito grande e forte, cha
amado Corrporal
Walla
ace (Mario Brega)
B faz a chamada dos nomess dos novo
os prisioneirros.
A marrcha está na
n tonalidad
de de Ré m
maior, a ho
omônima do
os “Créditos Ini-
ciais”.. Morricone
e amplia as
s ambigüidades tonai s e modaiss criadas n
no modo de Ré
meno
or, utilizando
o o homônimo, Ré ma
aior, no deccorrer do film
me. Porém, contrarian
ndo o
senso
o comum, a música mais
m rápida e excitante
e está num
ma modalida
ade ou tona
alida-
de me
enor enqua
anto que a música
m mais lenta e m
melancólica
a está na to
onalidade m
maior.
Essa utilização atípica do caráter do
o modo ma
aior e meno
or é outra forma com
m que
Morric
cone quebrra as conve
enções mu
usicais até então esta
abelecidas n
no gênero wes-
tern.

Figura 70 – Melodia da “M
Marcetta”

318
4.11.7 - Os “toq
ques” de corneta
Duran
nte o filme são utilizad
dos, espora
adicamente
e, alguns to
oques de co
orne-
tas. Os
O toques auxiliam
a effetivamente
e na ambie ntação doss eventos m
militares. T
Todos
eles são
s perceb
bidos como
o diegéticos
s, mesmo q
que nem u
uma cornetta seja vistta no
filme.
A corn
neta militarr pertence à família do
os instrume etais, mas, dife-
entos de me
rente do trompette moderno
o, não poss
sui válvulas . Dessa forrma, está lim
mitada às n
notas
de um
ma mesma série harm
mônica. Uma
a vez que o
os toques d
de corneta raramente
e utili-
zam notas
n acima
a do 16º ha
armônico, são
s conseq
qüentementte triádicos. Em outras pa-
lavras
s consistem ade maior. Todos os ttoques utilizzados em IL BU-
m de notas de uma tría
ONO, IL BRUTTO, IL CATTIVO, estão em Sib maiorr. Os ostina
atos recorrentes utilizzados
por Morricone
M ta
ambém são
o triádicos. Por contrasste, muitoss de seus o
ostinatos, co
om a
exceç
ção de algu
uns ouvido
os em “Il Trielo”, conssiste de no
otas de um
ma tríade m
menor
com uma
u ggiatura. Es
appog ssa dualida
ade maior– menor ajud
da a disting
guir os prottago-
nistas
s do filme da guerra qu
ue os circunda e subli nha suas e
existências fora do sistema
polític
co e militar.
Os toques de co
orneta foram
m escolhido
os acurada
amente parra serem uttiliza-
dos durante
d o fillme. Um do
os toques ouvidos
o éA
Assembly, assinaland
do aos sold
dados
que saiam de forrma.

Figura 71 – Toque de corneta : “Assembly”

Outro toque de corneta


c é ouvido
o de a lgum lugar do campo de prisione
eiros.
Esse toque de corneta tem o nome de
e Drill, que assinala ao
os soldados que é hora da
march
ha ou da prrática com baioneta.
b

319
Figura 72 – Toque de corne
eta: “Drill”

Na ce
ena da explosão da po nfederadoss iniciam seu ataque e é di-
onte, os con
to ao capitão qu
ue as tropas estão aguardando a
as suas ord
dens. Depo
ois de o ca
apitão
evitarr que um so
oldado disp
pare a sua arma prem
maturamentte, dois toq
ques de corneta
são ouvidos.
o O primeiro
p é Attention,
A assinalando
a o para todo
os os solda
ados que fiq
quem
atento
os, tocado com
c freqüê
ência antes de outro to
oque.

Figura 73 – Toq
que de corneta:: “Attention”

O seg
gundo toqu
ue, ouvido depois
d de todas as ccompanhiass relatarem
m que
estão prontas, é Commenc
ce Firing, assinalando
a o que todoss os soldad
dos comece
em a
atirar.. Como os outros toqu s no filme, nenhuma ccorneta é vvista, somente é
ues ouvidos
assum
mido que elas estejam
m presentes.

Fig
gura 74 – Toque de corneta: “Co
ommence Firingg”

4.11.8
8 - Fragmento 24: “La
“L Storia di un Solddato”
Na ce
ena Angel Eyes e Tu
uco estão ccomendo d
dentro escrritório de A
Angel
Eyes no campo de prisione
eiros. Ange
el Eyes leva
anta e, and
dando até a janela, dá
á um
sinal para
p uma música
m com
meçar.
Uma banda de músicos
m prrisioneiros ccomeça a tocar e can
ntar. É posssível
ver os
s músicos tocando,
t olinos, flauttas, gaitas, um trombo
vio one de válvvula, um tam
mbor,
um violão e um acordeão. Dentro de seu escritó
ório, Angel Eyes perg
gunta para Tuco

320
porque ele estava de posse da caixa de tabaco de Bill Carson. Angel Eyes fecha a
caixa de tabaco prendendo os dedos de Tuco, esbofeteando-o na cadeira de madei-
ra onde está sentado. Wallace subitamente entra na sala e começa a torturar Tuco,
enquanto Angel Eyes continua a fazer perguntas sobre Bill Carson e sobre o que
Carson havia lhe contado a respeito das moedas de ouro.
“La Storia di un Soldato” é uma canção em honra dos soldados que mor-
rem em nome dos seus amigos. Os textos em inglês foram escritos por Tommie
Connor. Além dos quatro versos diferentes, existe um interlúdio instrumental de 15
compassos depois do quarto verso.
Durante esse interlúdio, um dos prisioneiros, que está tocando um violino,
fica tão desgostoso com a situação que não pode continuar tocando. Ele abaixa seu
violino, mas o guarda encarregado de vigiá-los ordena, “continue tocando!”. O prisio-
neiro começa a tocar novamente, mas o som de seu instrumento é muito incremen-
tado e soa como uma orquestra de cordas. Depois do interlúdio, o quinto verso é
cantado novamente.
Morricone utiliza esse tema no decorrer do filme associado ao sofrimento
dos soldados, tanto dos soldados da União quanto dos soldados Confederados. Seu
tom sentimental está em franco contraste com a brutal tortura que é vista no interior
do escritório de Angel Eyes. A cena se alterna com Wallace torturando Tuco e os
músicos do lado de fora, que sabem que estão tocando somente para abafar os pos-
síveis gritos de Tuco pedindo ajuda. Essa é a única canção que Morricone utiliza na
trilha musical do filme. Existe uma razão lógica e prática para isso. As vozes ouvidas
são diegéticas; elas são as vozes de pessoas que existem no mundo criado pela nar-
rativa do filme. Morricone com freqüência utiliza a voz humana sem palavras, porém,
as pessoas a quem essas vozes pertencem não são personagens da história; essas
vozes são instrumentos na música não-diegética do filme.
Como a “Marcetta”, “La Storia di un Soldato” está na tonalidade de Ré
maior. Esse é outro exemplo da oposição de Morricone à convenção que apregoa
tonalidades menores à música sentimental e triste; e a tonalidades maiores para mú-

321
sicas mais alegrres e brilhan
ntes. Ele ha
abilidosame
ente evoca
a a emoção
o desejada inde-
pende
ente do modo escolhid
do.

Figura 75 – “La storia di un


n soldato”

“La Sttoria di un Soldato”


S também é sig
gnificante p
por outra ra
azão. Muitos au-
tores discutem a prática de
e Leone de
e ocasiona
almente solicitar a Mo
orricone que
e es-
crevesse a mús
sica de uma determin
nada cena antes da ffilmagem o
onde ela esstaria
prese
ente posteriiormente, de
d modo qu
ue, no mom
mento da ffilmagem, e
ela pudesse
e ser

322
ouvida como uma referência. Leinberger (2004) afirma que, de acordo com Brown, “a
música de Morricone foi executada nas tomadas de Once Upon a Time in the West
suprindo antecipadamente seus efeitos tanto aos atores quanto aos técnicos. Em
outros filmes, certas seqüências foram construídas em torno da música”. Sem dúvi-
da, um desses outros filmes foi The Good, the Bad and the Ugly. Quando perguntado
sobre se a música do filme havia sido composta antes do filme ser feito, Morricone
explicou, “lembro que para The Good, the Bad and the Ugly, eu não escrevi muita
música antes da filmagem. Uma coisa é certa, entretanto, eu escrevi o coro antes da
filmagem da cena em que os dedos são enfiados nos olhos de Tuco”. Ele está se
referindo a essa cena onde Wallace está torturando Tuco no escritório de Angel
Eyes. Num determinado momento, Wallace pressiona os olhos de Tuco com as pon-
tas dos polegares. Tuco, incapaz de suportar mais qualquer tortura, finalmente diz a
Angel Eyes a sua metade do segredo. De acordo com Eli Wallach (Tuco), essa in-
serção musical, “La Storia di un Soldato”, foi tocada pelos alto-falantes enquanto a
cena estava sendo filmada. (LEINBERGER:2004216)

4.11.9 - fragmento 24: “Il Treno Militare” (“La Storia di un Soldato”)


Morricone utiliza mais uma vez o tema “La Storia di un Soldato”, com o
nome de “Il Treno Militare”, dessa vez para acompanhar a morte de Wallace. Depois
da introdução instrumental de oito compassos, a primeira metade do verso 1 (do
compasso 1 ao 8) é ouvida. Entretanto, diferente da primeira vez, a audiência é for-
çada a reconhecer as vozes que estão cantando como externas ou não-diegéticas,
pois, não há qualquer pessoa ou prisioneiro que possa estar cantando a canção. A
presença dessas vozes não-diegéticas com palavras pode ser problemática, já que a
audiência espera ter uma fonte dentro da história.

216
In LEINBERGER, op. cit., p. 101.

323
4.11.10 - Fragmento 25: “La Morte di un Ladrone”
A cena acontece numa cidade onde a Union Army está de passagem.
Blondie é visto cavalgando ao lado de Angel Eyes e sua gangue. A audiência ouve a
“Parte Primitiva” dos “Créditos Iniciais” com os motivos de Blondie MC e MC’ e o tim-
bre do “ua-ua” para os outros motivos MT. Logo após, um prisioneiro usando uma
placa pendurada no pescoço, onde se pode ler “thief” [ladrão], é mostrado sendo fu-
zilado por uma patrulha confederada. Morricone utiliza a inserção “Il Forte”, que inclui
a melodia ouvida anteriormente em “La Carrozzo dei Fantasmi”, articulada à morte
do soldado. Posteriormente, Morricone utilizará mais uma vez essa melodia com o
mesmo tipo de articulação.

4.11.11 - Fragmento 29: “Due Contro Cinque” (Dois contra Cinco)


Reunido com Blondie, Tuco planeja vingar-se de Angel Eyes antes de con-
tinuar a busca pelas moedas de ouro. A inserção “Due Contro Cinque” inicia com
uma introdução suspensiva, executada por tímpanos e vários outros instrumentos de
percussão, bem no momento em que Angel Eyes e os membros de sua gangue en-
contram o corpo de um dos seus companheiros que vigiava Blondie. Angel Eyes e
sua gangue decidem ir procurar por Blondie e Tuco. A inserção continua com o moti-
vo MT1 no violoncelo, no momento em que Blondie se oferece para ir com Tuco pro-
curar Angel Eyes. Enquanto Blondie e Tuco caminham pelo centro da cidade, a in-
serção musical intercala a seção do “modo de rock” da música dos “créditos iniciais”.
Isso tudo é seguido por mais música de suspense executada, principalmente, pela
percussão. Um por um, Blondie e Tuco matam os homens da gangue de Angel Eyes,
menos o próprio Angel Eyes, que deixa um bilhete dizendo “Vejo vocês logo, idiotas”.

4.11.12 - Fragmento 31: “Marcetta Senza Speranza”


Durante a batalha pela ponte o capitão é ferido mortalmente e Blondie e
Tuco o observam quando é trazido de volta para as trincheiras. “Il Forte” é ouvido
novamente, com uma instrumentação sutilmente diversa, informando a audiência da

324
morte eminente. Blondie coloca uma garrafa na mão do capitão e diz para “dar um
gole na bebida e ficar com os ouvidos atento”. Logo depois disso, Blondie e Tuco
carregam alguns explosivos por trás das tropas e na direção da ponte. Enquanto eles
fazem isso, “Marcetta senza Speranza” é ouvida. Blondie e Tuco preparam a ponte
para ser destruída. A melodia é executada por um coro masculino em bocca chiusa
acompanhado por um pequeno grupo com piano e percussão. Quando Tuco se dá
conta do grande perigo que eles estão correndo, sugere a Blondie que cada um reve-
le a sua parte do segredo. Ele diz a Blondie que as moedas de ouro estão escondi-
das no Sad Hill Cemetery. Blondie diz a Tuco que o nome da cova é Arch Stanton, e
acende o pavio dos explosivos que destroem a ponte. O capitão ouve a explosão e
morre ao som de “Il Forte”, ouvida pela última vez, com sua instrumentação original
utilizando o trompete, significando a morte de outro soldado.

4.11.13 - Fragmento 32: “Morte di un Soldato”


A inserção “Morte di un Soldato” inicia com a música de “Marcetta Senza
Speranza” executada sem palavras por um coro masculino acompanhado pela gaita
de boca. A música prossegue com uma versão instrumental de “La Storia di un Sol-
dato”.

4.11.14 - Fragmento 34: “L’Estasi Dell’oro”(O êxtase do Ouro)


O diretor, propenso à valorização do próprio trabalho, pede com freqüência ao com-
positor para sublinhar este ou aquele ponto com a utilização de sincronias, até atin-
gir um número enorme que poderia arruinar a partitura. O conselho que dei e que
quero repetir é o de não adaptar passivamente as sincronias como pedidas pelo dire-
tor, mas, de fazê-las entrar no jogo musical, pensando a música como se, natural-
mente, tivessem cortes desenvolvidos, não secos. A partitura deve correr de modo flu-
ente, sem “fraturações”, cercando as imagens. As melhores sincronias são aquelas
que não são sentidas como forçadas [implícitas], aquelas que chegam por uma lógica
musical – ou também casual –, não por uma lógica somente visual-cinematográfica.
(MORRICONE: 2001:177)

O momento ao qual Morricone se refere corresponde à peça L’estasi


dell’oro, onde Tuco busca freneticamente a tumba de Arch Stanton, em um cemitério
circular.

325
Aqui, em 3’ e 20’’ de imagens, Leone me pediu 23 ou 24 sincronias. O pro-
blema era atendê-lo sem atendê-lo (“dar-lhe ouvidos sem dar-lhe ouvidos”),
fazendo com que a música não ressentisse de uma exigência tão pesada.
(Idem)

A seqüência inicia logo depois que Tuco e Blondie explodem a ponte de


Lext. Tuco continua sua busca frenética pelo cemitério Sad Hill. Num determinado
momento ele cai no chão e bate suas costas numa lápide. Ao se levantar ele percebe
que, finalmente, encontrou o cemitério onde, na sepultura com o nome de Arch Stan-
ton, deve estar enterrada uma caixa com $200.000 dólares em moedas de ouro.
Alguns autores afirmam que a música dessa cena já estava escrita antes
de sua filmagem, como é o caso de “La Storia di un Soldato”. Morricone, no entanto,
quando indagado se esse era realmente o caso, respondeu:

A parte final no cemitério, quando Tuco é visto correndo em círculos, foi es-
crita depois que essa cena em particular já estava filmada e na fase de edi-
ção e montagem. (MORRICONE, 2001:253)

Eli Wallach confirma que não havia música sendo executada no momento
da filmagem dessa cena. Wallach humoristicamente relembra da direção de Leone
durante a filmagem da cena, “Ele disse ‘corra’ e eu corri”. (WALLACH217)
Tuco inicia a correr em torno das tumbas do cemitério circular à procura
do nome que Blondie havia “revelado”. Tuco corre, corre em êxtase, corre muito,
imerso em seu sonho de riqueza. Os movimentos de câmera das tomadas de Leone
se tornam cada vez mais vertiginosos, até que as imagens atingem tal velocidade
que não podem mais ser decifradas. De repente, Tuco pára ofegante olhando para
uma das covas com a inscrição: “Arch Stanton”, “3 de fevereiro de 1862”. A cena du-
ra quase três minutos e meio: tempo impensável se não fosse articulada com o tema
de Morricone que sublinha e comenta os refinamentos psicológicos dos sentimentos
de Tuco que, com certeza, nenhum roteirista saberia como exprimir em palavras.
Nesse episódio podem ser notados quase todos os ingredientes típicos da
música e do imaginário sonoro da primeira trilogia de Sergio Leone: a voz de Edda
Dell’Orso, o coral masculino sem palavras, o ritmo galopante, o coral, as percussões,

217
In LEINBERGER, op. cit., p. 101.

326
o crescendo orquestral, entre outras. A utilização da câmera e da montagem, especi-
almente no final da seqüência, permite que o espectador se identifique com o ponto
de vista de Tuco. Em resumo, é um exemplo audiovisual efetivo, que objetiva o en-
volvimento do espectador.

Por isso, escrevi alongando as frases, às vezes passando de um compasso


par para outro impar, às vezes estreitando as frases para concordar com
certas imagens, ou usando o ingresso de uma seção instrumental. Mesmo
desse ponto de vista me parece um exemplo muito bem sucedido. Leone era
entusiasta desta gravação. Existem algumas sincronias não muito precisas,
mas, ele preferiu essa execução porque era a melhor, a mais espontânea, vis-
to que foi toda feita diretamente sem sobreposições, com 80 músicos na or-
questra. Desse modo, esse foi um caso no qual foi projetada a seqüência du-
rante a gravação da música e, naturalmente, existiram problemas na pré-
mixagem, pois, para dar um exemplo, os trompetes vazavam nos microfones
dos violinos. Num certo ponto entendemos que devíamos mandar tudo dire-
tamente, porque quem tocava escutava os outros e recebia os estímulos.
Existiriam duas formas de corrigir essas pequenas imperfeições: intervir no
fotográfico – proceder pois com uma nova montagem – para ganhar 5, 10,
15 ou 24 fotogramas, ou executar novamente a peça. O primeiro modo não
era possível porque não havia material fotográfico disponível (e seria im-
pensável utilizar os mesmos fotogramas para alongar a projeção). Quanto
ao segundo modo, uma nova execução seria quase seguramente menos es-
pontânea, menos eficaz, assim Leone decidiu sacrificar um pouco a imagem
em favor da música. (MORRICONE, 2001::177)

O tempo e o ritmo da música dessa inserção de Morricone, que confirmou


tê-la escrito após a filmagem e edição da seqüência, articula-se tão integralmente
com o tempo e o ritmo da montagem visual que a música é ouvida como uma mani-
festação audível da imagem visual. Através de um gradual aumento da energia mu-
sical que combina mudanças no tempo, ritmo, orquestração e dinâmica, experimen-
ta-se o gradual aumento físico e emocional de Tuco, à medida que alcança gradati-
vamente o seu intento.
Chion (1995) descreve esse fenômeno, numa analogia à perspectiva visu-
al, como “pontos de fuga” de linhas temporais:

Esse efeito de temporalização pode ser criado também pelas próprias estru-
turas musicais - especialmente as cadências harmônicas e melódicas do sis-
tema tonal, os sistemas de formas musicais e as variações de amplitudes:
uma música escrita dentro de um estilo tonal e dentro de uma grade de com-
passos determinada sugere o momento que ela vai terminar ou fazer uma

327
pausa e essa anteciipação se inccorpora à noossa percepçãão da imagem m. Po-
demos dizer que a música
m ajuda a estruturar os tempos dee uma seqüênccia ci-
nematoográfica não somente pelaas pulsações rítmicas, maas também peelo fe-
nômeno o da espera (geralmente iinconsciente, reflexo) da cadência. A varia-
ção de dinâmicas musicais
m pode criar tambémm esse efeito dde temporalizzação:
um creescendo musiccal pode criarr uma expecttativa em relaação ao máximo de
dade que ele vai alcançar,, criando umaa sensação dee tempo, pois temos
intensid
uma referência
r auuditiva de limites de iintensidades sonoras.(CH HION,
1995:192)

Depoiis da inserç
ção de um som de sin
no orquestral na cabe
eça do com
mpas-
so, a audiência ouve
o quatro
o notas em
m ostinato e
executadas pelo piano
o ( o mesmo os-
tinato que Morric
cone havia utilizado em “Il Deserrto”), dessa
a vez execu
utado numa
a mé-
trica dupla,
d introd
duzir a peç
ça “O Êxtase do Ouro” .

Figura 76 – Ostinato de “L’esttasi dell’oro”

Então
o, um corne-inglês inicia uma o
obsessiva melodia. M
Morricone u
utiliza
mais uma vez uma
u melodiia baseada
a na escala
a hexatônicca, dessa vvez no mod
do de
Lá.

Figura 77 – Melodia
M de L’estaasi dell’oro”

328
Sinos orquestrais são ouvidos novamente um pouco mais curtos, uma
versão de 17 compassos da melodia é ouvida, com a inserção da voz da soprano
Edda Dell’Orso.
Uma versão mais concisa de 12 compassos do tema é ouvida novamente
com um coro e orquestra completa. O tema é executado com alguns instrumentos
imitando o compasso anterior.
Morricone utiliza a versão “ua-ua” do motivo MT1 como parte de uma tran-
sição curta antes de apresentar o tema novamente, dessa vez numa versão de 16
compassos, com mais metais do que anteriormente. Ele também muda o ritmo inclu-
indo uma figura tripla, três notas no mesmo tempo de duas. O tema é ouvido nova-
mente executado pelas trompas. Depois de uma transição curta, o tema é ouvido
mais uma vez com a orquestra completa, seguido por uma coda de 8 compassos.

A idéia fixa do ouro se traduz numa reiteração da frase, por isso num ostina-
to melódico com variações sutis (ou, melhor dizendo, “licenças”), que, como
disse o Maestro Morricone, são conseqüências de uma escrita ligada à pes-
quisa das sincronias, as quais pelas suas “levezas” são, justamente, sincro-
nias implícitas; exceto a obtida nos fotogramas finais, coincidente com a
conclusão seca da peça, nas quais Tuco encontra finalmente a tumba com o
nome que procurava. É notável a coincidência entre estilemas tipicamente
morriconianos – a dilatação da frase em valores mais longos sobre um arco
melódico presumível – e a função pedida. (MICELI, 2001::177)

A articulação da música com a imagem é inquestionavelmente o resultado


da habilidade de Morricone em capturar a energia dramática da narrativa cênica,
transformando-a numa experiência audiovisual única.

4.12 - FRAGMENTO 36: “IL TRIELO” FINAL


Quando Tuco localiza a tumba de Arch Stanton ele literalmente dá um
abraço na lápide, enquanto sons de corvos e o canto de pássaros são ouvidos. Com
um pedaço de madeira arrancado de uma das tumbas, Tuco começa freneticamente
a cavar, enquanto a alternância de seu olhar para a terra da tumba que está sendo
cavada e para o nome de Arch Stanton inscrito na lápide, denuncia seu temor com o
sobrenatural. Quando a madeira com que cava atinge o caixão enterrado, ele come-

329
ça a cavar alternadamente com as próprias mãos e com o pedaço de madeira, reti-
rando o excesso de terra de cima do caixão. Nesse momento, a sombra de um ho-
mem com chapéu é projetada sobre o local de trabalho de Tuco com o motivo sono-
ro musical MC executado pela flauta doce e a versão “ua-ua” do motivo MT.
Surpreendentemente, alguém lhe atira uma pá para cavar. Aos poucos, a
imagem confirma o que o leitmotiv havia anunciado. Blondie acendendo seu charuto
diz a Tuco: “Vai ser bem fácil com isso”. Tuco pensa em pegar o seu revólver, mas
Blondie, jogando o ponche que está usando para cima dos ombros, gesto que se
tornará uma das características do personagem, o desaconselha. Tuco pega a pá e
começa a retirar o excesso de terra sobre o caixão. Então, o som de dois acordes
alternados (Ré menor, Sol maior) executado por um órgão são ouvidos, no momento
em que outra pá é arremessada na direção de Tuco, também inesperadamente. Blo-
ndie e Tuco são surpreendidos. Angel Eyes com seu revólver na mão afirma: “Dois
cavam mais rápido do que um. Cavem”. O som do órgão é interrompido. Angel Eyes
olha para Blondie, que está acendendo o seu charuto, e diz: “Você não está cavan-
do”.
Blondie permanece parado sem atender a ordem de cavar. Angel Eyes
arma seu revólver para atirar. Blondie diz: “Se atirar em mim, não verá um centavo”.
Angel Eyes pergunta “por quê?” Blondie, retirando a tampa do caixão com a ponta de
sua bota diz: “Vou lhe dizer”. A imagem revela que dentro do caixão só existe a ca-
veira de Arch Stanton. Blondie diz: “Porque não tem nada aqui”. Tuco, frente a ima-
gem da caveira, se benze (gesto que foi executado várias vezes em outros momen-
tos do filme). Muito alterado por ter sido enganado, Tuco xinga e pega uma das pás
para agredir Blondie. Blondie, impassivelmente, diz: “Achou que eu diria?”, interrom-
pendo sua ação. Blondie prossegue: “$200.000 é muito dinheiro. Teremos que mere-
cê-lo”. Tuco olha para Angel Eyes que assiste pensativo a toda a ação. Angel Eyes
pergunta: “Como?” Blondie pega uma pedra do chão e diz: “Vou escrever o nome
nesta pedra”. Ele olha para Angel Eyes e pede para que ele abaixe a arma. Angel
Eyes, relutantemente, faz o que Blondie pediu. Blondie parece escrever algo na pe-
dra que coloca no chão, bem no centro de uma grande área circular no centro do

330
cemité
ério. Os trê
ês homens tomam um
ma posição simétrica e
em volta do
o círculo, M
Morri-
cone novamente
e funde sua música com
c a imagem visual para um outro mom
mento
climáttico.
elo”, uma das
“Il Trie d últimas inserções musicais d
do filme iniccia com um
ma in-
troduç
ção lenta, alternando
a um solo de
e flauta, um
m ostinato d
de quatro n
notas execu
utado
no vio
olão, batida
as de um bumbo
b e o som
s de um
m corvo. Mo
orricone, co
om muita h
habili-
dade, gradualme
ente aumen
nta a tensã
ão da músicca de quase
e nada parra uma abssoluta
culmin
nância, articulada com
m a tensão da montage
em visual.

Figura 78 – Melodia da introdução ((flauta): “Il Trie


elo”

Depoiis da aberttura do solo


o da flauta
a, no mome
ento que B
Blondie colo
oca a
pedra
a no meio do grande círculo do ce
emitério, o violão entra
a com um o
ostinato de qua-
otas similar ao ostinato
tro no o do piano em “Il Desserto”, com acompanh
hamento de
e cor-
das na
n tonalidad
de de Ré menor.
m Cad
da entrada do ostinato
o dura exattamente 3 com-
passo
os (exceto do compas
sso 30 ao 32, quando
o ele dura dois comp
passos e 3 tem-
pos). O ostinato é recorrente em vária
as alturas d
diferentes, rrefletindo a
as mudança
as da
onia. Portan
harmo ndo a mesm
ma idéia musical de to
oda a trilogiia, a primeira nota de cada
grupo
o de quatro é uma app
poggiatura e as três n ntes formam um arpejjo de
notas seguin
cada acorde. A utilização
u re
epetitiva do
os ostinatoss no transccorrer do film
me e sua recor-
rência
a nesse mo
omento, agrega um grrande sent ido de reco
ordação e ccontinuidad
de na
trilha musical como um todo
o.

331
Figura 79 – Ostinatos do violãão: “Il Trielo”

Essa introdução alterna enttre os ostin


natos do vio
olão, cada um deles re
epre-
sentando a mudança na ha
armonia, o solo recorrrente da flauta que refforça a tona
alida-
de de
e Ré menorr em cada entrada, so
onoridades percussiva
as e a mud
dança dos acor-
des sustentado
s nas cordas
s da orquestra. O diá
álogo entre os dois instrumentoss cria
uma tensão
t harmônica con
njuntamentte com o de
esdobrame
ento da cen
na. O susp
pense
da mú
úsica e da imagem vis
sual é grad
dualmente iincrementa
ado até que
e Morricone
e adi-
ciona a orquestra completa
a e o coro. Existe
E um rrepentino crescendo n
no compassso 38
e 39 antes
a da melodia princ
cipal dessa
a inserção – o solo de
e trompete e
em estilo m
maria-
chi – iniciando no compass
so 40. No in
nício desse
e tema, Leo
one muda d
de close-ups pa-
ra tom
madas longas, em preparação pa
ara o segun
ndo crescen
ndo tanto n
na música q
quan-
to na montagem.

Figura 80 – Me
elodia principal d
do “Il Trielo”

332
O ritm
mo do acom
mpanhamen
nto da perccussão orqu
uestral é de
erivado do ritmo

do “ga avalo” [ q  ee


alope do ca e  q  q  ], mas
s, bem maiss lento. Como nos outros dois fillmes,

o solo
o de trompe
ete acresce do sudeste americano
enta o tom mariachi d o. Como no
os fil-
mes anteriores,
a Leone rese
ervou o solo
o de trompe
ete em estilo mariachii para um p
pouco
antes ou durante o duelo final,
f o con
nfronto fina
al entre o “bom” e o ““mau”. Tam
mbém
como evidência do procedimento, Mo
orricone só
ó utilizou o timbre do trompete ccomo
solista
a nas inserrções mais dramáticas desse film
me: “Il Fortte”, “La Ca
arrozzo dei Fan-
tasmi”” e “Il Triello
o”.
Depoiis do solo de trompe abrupto. A música pá
ete, existe um corte a ára e
sons do
d vento e de corvos são ouvidos ao fundo .
Antes
s do reingre
esso da me
elodia princiipal, é ouvido um curtto interlúdio
o que
consis
ste de rulo
os de tímpa
anos, sonorridades dass percussõ
ões autócto
ones e inussuais,
sons eletrônicos
s, o ostinato
o de quatro
o notas e siinos musica esperadamente,
ais que, ine
resga
atam o “som
m do relógio de bolso
o” utilizado em PER QUALCHE DO
OLLARO IN PIÙ. O
ostina
ato de três notas dos sinos
s é derrivado do o
ostinato de quatro nota
as do violão em
ré me
enor e fá maior
m pela justaposiçã
j ão dissonan
nte das duas primeira
as notas da
a ap-
poggiiatura.

Figura 81 – Sinos: “Il T


Trielo”

O tem
ma inicia novamente, porém,
p desssa vez, qua
ando a melodia do trompe-
te atinge a nota
a lá no 15º compass
so (compassso 53 do solo origin
nal), o ritm
mo do
acompanhamentto acelera e muda para um ritmo
o semelhan
nte ao do b
bolero de R
Ravel,
agreg
gando ainda
a mais tens
são à cena
a. Leone crria uma esspacializaçã
ão entre oss três
home
ens, utilizan
ndo cortes intermitentes dos trê
ês protago
onistas e d
de suas arrmas,
pidos na montagem de close-upss gradativa
sempre mais ráp amente maiis extremoss, até

333
que nada, além dos olhos dos homens, possa ser visto. A tensão é finalmente que-
brada no final da música sobreposto pelo som de um tiro de Blondie em Angel Eyes.
Blondie dispara mais três vezes e o eco dos tiros é ensurdecedor. Semelhante a co-
reografia de um balé, um tiro mata Angel Eyes e força sua queda dentro de uma co-
va aberta ao seu lado; o segundo tiro põe o seu chapéu dentro da cova; e o terceiro
faz o mesmo com sua pistola.
Brown (1994) comenta sobre essa cena:

A cena inteira, que dura aproximadamente cinco minutos (extremamente


longa para os padrões do velho oeste; representa uma instância sofisticada
do cinema estruturado musicalmente via montagem vertical. Leone constrói
um padrão de no visual para complementar os dois crescendos de Morrico-
ne, e em função da dialética estabelecida entre a dinâmica das tomadas mis-
turadas à presença musical versus tomadas baixas e ausência de música.
(BROWN, 1994:229)

Leinberger (2004:107) comenta que Brown está aludindo o fato que, dife-
rente do “L’estasi dell’oro” no qual a música e a imagem estão unidas por um cres-
cendo simples do início ao fim, “Il Triello” é verdadeiramente um crescendo, seguido
por um corte abrupto, somente para ser concluído com um segundo crescendo.
Brown parece implicar que Leone construiu seus padrões sobre a música de Morri-
cone, porém, Morricone deixou claro que, com exceção de “La Storia di un Soldato”,
sua música para esse filme foi escrita depois da edição final quando a montagem
estava completa. Por isso, essa inserção foi reescrita para acomodar-se à montagem
final.

4.12.1 - Epílogo
Fragmento 37. É logo revelado que o “trielo” final não foi muito “honesto”.
Blondie, sempre sereno, astucioso e manipulador tinha uma vantagem desleal, não
conhecida por Tuco, Angel Eyes e a audiência. Blondie havia descarregado o revól-
ver de Tuco na noite anterior sem que ele soubesse. Ele também previu que Angel
Eyes aceitaria participar do “trielo”. Porém, Angel Eyes estava em desvantagem níti-

334
da, po
ois tinha de
e dividir sua
a atenção entre
e Blond
die e Tuco. Tuco, por outro lado, não
se deu conta de sua vulnerrabilidade até
a depois d
do perigo te
er passado..
Depoiis da tensão dessa lon
nga cena, B
Blondie, mirando o revvólver em T
Tuco,
força--o a desentterrar o caixão de uma cova ma
arcada com a palavra “desconhe
ecido”
próxim
ma a cova de
d Arch Sta
anton. Eles
s finalmente
e encontram
m as moedas de ouro
o. Po-
rém, Blondie
B vingando-se de
d seu velh
ho “amigo” e “parceiro
o”, acompan
nhado pelo
o som
dos ta
ambores da
a introdução
o da música dos Créd
ditos Iniciaiss, Blondie fforça Tuco a por
seu pescoço
p nu
uma corda e deixa-o no topo de
e uma cruzz de uma cova para que,
quand
do estivess
se cansado da posição
o, se enforrcasse. Ele amarra ass mãos de Tuco
atrás de seu co
orpo e cav
valga para longe, leva
ando meta
ade das mo
oedas de ouro.
Quando parece que Tuco terá um destino
d falta
al, Blondie retorna, e num gestto de
“bond
dade” remin
niscente de
e seus esq
quemas da parceria ccom Tuco, corta, com
m um
simple a que está prestes a e
es tiro de rifle, a corda enforcá-lo, e vai embo
ora. Tuco ccai no
chão e ação é congelada
c para,
p mais uma vez, e
exibir os “e
epítetos” do
os três prottago-
nistas
s.

Figura 82 – Il brutto, il cattiivo, il buono

Em ca
ada uma das
d três imagens con
ngeladas, é ouvido oss motivos M
MC e
MT1 correspond
dentes aos leitmotivs dos person
nagens. Ass batidas d
de tambor cconti-

335
nuam, Tuco levanta-se com as mãos amarradas, corre na direção de Blondie e co-
meça a xingá-lo. Os xingamentos de Tuco são sobrepostos pelo seu motivo MC se-
guido do MT1. Com Blondie, já distante, a seção no “modo de rock” da música dos
Créditos Iniciais é inserida, encerrando o filme com a mesma música que o iniciou.
Como Chion (1995:190) explica, “a música pode simbolizar um filme, isto é, descre-
ver de forma resumida o ‘sentimento’ principal da narrativa”.

4.13 - A MÚSICA DE ENNIO MORRICONE NA SEGUNDA TRILOGIA DE SERGIO


LEONE
Os últimos três filmes de Sergio Leone e da parceria com Ennio Morricone
– C’ERA UNA VOLTA IL WEST [ERA UMA VEZ O WEST – 1968]; GIÙ LA TESTA [QUANDO EX-
PLODE A VINGANÇA – 1971]; e C’ERA UNA VOLTA L’AMERICA [ERA UMA VEZ NA AMÉRICA –
1984] são referenciados como “Trilogia do Era Uma Vez...”, “Trilogia da América” ou
“Trilogia do Tempo”.
Nos três filmes Morricone e Leone puderam realizar completamente um
antigo desejo de compor a maior parte da trilha musical na pré-produção do filme, e
utilizá-las como referência na gravação das imagens nos sets de filmagem. Na trilo-
gia anterior, isso havia se limitado a algumas poucas seqüências do terceiro filme, Il
Buono, Il brutto, Il cattivo.
Leone resume o procedimento alcançado nesse estágio de trabalho entre
os dois de modo muito simples:

Nunca deixo que Morricone leia o roteiro para que componha. Eu lhe conto
a história. Porém, conto como se fosse um conto de fadas. E falando “a la
romana”, com muitos adjetivos, fazendo comparações, atando todos os nós.
Quando compreende bem a idéia, lhe explico o número de temas que necessi-
to, iniciando pelos temas que devem representar personagens, pois, em meus
filmes, cada personagem deve contar com uma identificação musical pró-
pria. De cada tema solicitado, Morricone compõe oito ou dez possibilidades
distintas, interpretando-os depois resumidamente ao piano. Então, discuti-
mos umas dez mil vezes sobre eles até chegarmos a um acordo, selecionando
o tema ideal para cada momento. Algumas vezes posso sugerir complemen-
tos e variações. Outras vezes, tomo a metade de um tema e peço que mescle
com a parte de outro. No momento da orquestração o deixo só, me limito a

336
escutar, aprovando ou não os resultados, mesmo que previamente tenhamos
discutido o número e o tipo de instrumentos218.

É óbvio que o procedimento referido por Leone foi obtido paulatinamente


nos três filmes anteriores. O aumento, filme a filme, do número de protagonistas, lo-
cais e situações envolvidas, possibilitou que a música de Morricone fosse também,
gradativamente, adequando-se às novas exigências de cada filme. O pensamento
musical relacionado ao modelo do Developmental Score de Prendergast estabele-
ceu-se como uma notável ferramenta na observação dos procedimentos engendra-
dos por Morricone no sentido de evitar que o crescimento obrigatório no número de
temas musicais no âmbito micro-estrutural pudesse corromper a macro-estrutura da
trilha musical nos três filmes anteriores.
Na segunda trilogia a apresentação de dois dos três filmes – C’ERA UNA

VOLTA IL WEST [ERA UMA VEZ O WEST – 1968]; e C’ERA UNA VOLTA L’AMERICA [ERA UMA
VEZ NA AMÉRICA – 1984] é suficiente para elucidar o “novo” procedimento solicitado
por Leone.
Com as novas exigências formuladas, “cada personagem deve contar com
uma identificação musical própria”, revelada numa diversidade de interação entre
caracteres cada vez maior, e a possibilidade de poder pensar e adequar a música
antes mesmo que as imagens fossem gravadas, possibilitou a Morricone uma mu-
dança na concepção tanto micro quanto macro-estrutural da trilha musical da segun-
da trilogia.
O Leitmotivic Score, também referido por Roy Prendergast, é pertinente
nesse caso. Ele é descrito como o procedimento genérico que o compositor de músi-
ca para filmes tem a disposição quando a idéia básica da trilha musical se dá em di-
ferentes temas ou motivos conectados às várias personagens ou situações do filme.

A vantagem desse tipo de procedimento é que o material musical é mais fa-


cilmente retido e reconhecido pela audiência. A maioria dos compositores
trabalhando com esse procedimento tendem a tratar tecnicamente o material
melódico pela variação. As melodias ou motivos em uma trilha com esse
procedimento podem ser reapresentados em várias formas cada vez que a

218
FRAYLING, C. Sergio Leone: Something to do with death. London: Faber & Faber. 2000, p. 30

337
personagem aparece. As alterações na melodia da personagem (sinistro,
amante, excitado etc.) podem corroborar e dar ao ouvinte algumas indica-
ções sobre o estado mental da personagem em qualquer momento particular.
O procedimento pode tornar-se extremamente eficaz se a própria cena apre-
senta certa neutralidade emotiva, cabendo à música agregar alguma coisa
que não está presente na tela. (PRENDERGAST, 1977:231-232)

Prendergast adverte que embora as características apresentadas repre-


sentem uma simplificação excessiva do procedimento, não estão muito distantes da
forma utilizada pelos compositores. Acrescenta que existem muitos exemplos de
péssimas utilizações, mas, também existem os mais adequados, otimizados e não
obstrutivos.
O problema é que as características genéricas oferecidas por Prendergast
elucidam o procedimento tendencialmente no nível micro-estrutural, como inserção
isolada. A utilização isolada do leitmotiv está desconectada da idéia macro-estrutural,
pondo em risco, mesmo que não obrigatoriamente, a unidade formal do próprio filme.
No caso do Developmental Score, abordado na trilogia anterior, a macro-
estrutura da trilha musical foi contemplada como análoga ao pensamento que en-
gendra a composição da forma-sonata, refletindo essa base análoga na própria com-
posição formal dos temas musicais do filme.
A segunda trilogia de Leone, C’era una volta..., mais explicitamente os fil-
mes: primeiro, ...il West, e o terceiro, ... L’America, está intimamente relacionada à
idéia de retorno. No primeiro todas as personagens orbitam em torno de um mesmo
lugar e, de um modo ou de outro, completam seus ciclos nesse retorno. Essa idéia
cíclica, como base da estrutura narrativa, será levada ao extremo no terceiro, onde o
fim do filme coincide com seu início.

Do momento em que hoje destruímos a forma, a tradicional, creio que se um


segundo elemento formal nasce do primeiro e o primeiro continua no segun-
do e assim por diante, isso seja um modo justo de proceder. Pensei assim an-
tes de aplicar-me no cinema, e no cinema realizei esse mesmo procedimento
em forma mais breve. (MORRICONE, 2001)

No século 19, entre 1851 e 1853, Franz Liszt (1811-1886) compôs uma
sonata para piano dedicada a Robert Schumann (1810-1856), conhecida como So-

338
nata em Si Menor. A originalidade e o mérito da composição, que a converteram em
uma obra prima na história da música ocidental, assentam-se numa possibilidade
formal que não era comum no gênero sonata típico do período clássico ou romântico.
Liszt não a elaborou em 3 ou 4 movimentos, mas, em um único e contínuo movimen-
to com elementos temáticos contrastantes tanto no andamento quanto na expressivi-
dade.
Liszt, rompendo com o passado, compôs sua sonata combinando dois
procedimentos. O primeiro utiliza a idéia da própria forma sonata que compreende a
exposição dos temas, o desenvolvimento e a recapitulação; o segundo é um proce-
dimento no qual são fusionados os “movimentos” do gênero sonata.
A estrutura formal resultante foi uma grande inovação, pois, a forma sona-
ta era, nessa época, um grande símbolo de rigidez que implicava em um modelo
formal já fixado. Na forma tradicional, as diferentes identidades dos temas, suas fun-
ções estruturais (“primeiro(s)” e “segundo(s)” grupo temáticos, a partir dos quais se
gera o desenvolvimento) eram definidas por funções harmônicas determinadas a pri-
ori; na nova forma, ao desaparecer a prioridade de tais funções, a identidade e funci-
onalidade estrutural dos temas, antes absoluta, se transforma em relativa. Portanto,
do mesmo modo, as identidades das partes constitutivas dessa “nova” forma sonata
passam a ser relativas. Nesse sentido a forma passou para a história com a denomi-
nação de “Sonata Cíclica”, subvertendo a orientação de um fim pré-determinado.
Essa ciclicidade temática não absoluta é o conceito subjacente que pode
ser perfeitamente utilizado como referência ao pensamento cinemático da segunda
trilogia de Sergio Leone. As fragmentações necessárias são compensadas com
grande coerência por parte de Morricone. A ausência de uma hierarquia pré-
concebida, não só potencializa a utilização e combinação dos temas, como engendra
maior destaque na associação temática com as personagens.
Miceli descreve algumas conseqüências desse novo procedimento:

Aqui, de fato, a fragmentação (já vista nos filmes precedentes enfocadas nas
tripartições de segmentação estilística) torna-se uma macro-segmentação,
pela qual os diversos segmentos podem agir com autonomia ainda maior,
com a maleabilidade e as concisões necessárias ao filme (mas, qualquer

339
segmennto é uma peça fechada dde per se), ouu os segmentoos podem conncate-
nar-se constituindo a “Peça das Peças”, volttada à pura eescuta. É um meca-
nismo perfeito,
p muitto eficaz sob todos os ponntos de vista, e suscita tal admi-
ração a ponto de coolocar na som mbra (pelo menos aos meuus ouvidos) oos “fa-
ados” vocalizees. (MICELI, 2001:171)
migera

Como
o na trilogia
a anterior, a confluênccia das eluccidações de
e Esslin e P
Pren-
derga
ast pode ser representtada com o seguinte e
esquema ge
eral:

Fig
gura 83 – Leitmo
otivic Score: Essslin e Prenderga
ast

340
4.14 - A MÚSICA DE C’ERA UNA VOLTA IL WESTERN - 1968
(ERA UMA VEZ NO OESTE)

4.14.1 - Ficha Técnica


C’era una volta il West – Once upon a time in the West
– Era uma vez no Oeste –
Países: Itália/Espanha/Alemanha
Ano: 1968
168’ (versão italiana); 164’ (versão francesa); 155’ (versão americana);
Duração:
175’ (Versão integral restaurada – director’s cut)
Direção: Sergio Leone
Argumento: Dario Argento, Bernardo Bertolucci, Sergio Leone
Roteiro: Sergio Donati, Sergio Leone
Diálogos inglêses: Mickey Knox
Produção: Bino Cicogna per Rafran Cinematografica, San Marco Films
Produtor Executivo: Fulvio Morsella
Empresas Produtoras: Rafran Cinematografica, San Marco Films
Distribuição: Euro International Films/Paramount
Intérpretes e Personagens

 Claudia Cardinale (Jill McBain),


 Henry Fonda (Frank),
 Jason Robards (Manuel “Cheyenne” Gutierrez),
 Charles Bronson (O homem sem nome – Gaita),
 Gabriele Ferzetti (Morton),
 Paolo Stoppa (o caçador Sam),
 Woody Strode (Stony, o pistoleiro negro do prologo),
 Jack Elam (Snaky, o pistoleiro que duela com a mosca no prólogo),
 Marco Zuanelli (Wobbles),
 Benito Stefanelli (membro do bando de Frank),
 Keenan Wynn (xerife de Flagstone),
 Frank Wolff (Brett McBain),
 Lionel Stander (proprietario da estalagem),
 Livio Andronico, Salvo Basile, Spartaco Conversi (membros do bando de Frank
nos quais Cheyenne atira através do stivale),
 Bruno Corazzari, Claudio Mancini (irmão maior de Gaita no flashback),
 Conrado Sanmartin, Enzo Santaniello (Timmy McBain),
 Simonetta Santaniello (Maureen McBain),
 Fabio Testi (membro della banda di Frank).

Não Creditados:
 Dino Mele (Gaita menino no flashback),
 Aldo Sambrell (membro do bando de Cheyenne),
 Raffaella e Francesca Leone (garotas na estação de Flagstone),
 Luana Strode (mulher indiana no prólogo),
 Al Mulloch (Knuckles, o pistoleiro das mãos no prólogo)

341
Fotografia (Techniscope, Technicolor): Tonino Delli Colli
Montagem: Nino Baragli
Efeitos Especiais: Eros Baciucchi e Giovanni Corridori
Música: Ennio Morricone, regida pelo autor (RCA Italiana S.p.A.)
Cenografia: Carlo Simi
Costumes: Valeria Sponsali
Cenas Internas: Cinecittà e Luce (Roma)
Cenas Externas: Guadix, Almeria (Spagna), Arizona, Utah (Usa)
Mestre de Armas: Benito Stefanelli
Auxiliar de Direção: Giancarlo Santi
Efeitos Sonoros: Luciano Anzellotti

4.14.2 - Comentários Iniciais


Frayling (2005) conta que depois de completar IL BUONO, IL BRUTTO, IL CAT-
TIVO, Leone moveu-se para outro tipo de abordagem. Pouco antes do Natal de 1966,
ele estava em Roma assistindo ao filme com o jovem crítico de jornal Dario Argento,
que lhe apresentou o promissor cineasta Bernardo Bertolucci. Bertolucci disse a Le-
one que havia apreciado muito o filme. Entre janeiro e março de 1967, os três cineas-
tas – Leone, Bertolucci e Argento – assistiram, na sala de projeção da casa de Leone
na Via Lisippo, a uma série de westerns clássicos, fantasiando sobre produzir “o
Western derradeiro”.
Leone, Bertolucci e Argento assistiram juntos a uma grande quantidade de
Westerns hollywoodianos: o projeto resultante era para conter uma série de referên-
cias explícitas aos westerns favoritos como elementos de um “afresco cinemático do
nascimento da América”. Eles se debruçaram em mapas do Monument Valley na
fronteira entre os estados do Arizona e Utah, onde John Ford filmou 10 de seus wes-
terns de STAGECOACH, em 1939, a CHEYENNE AUTUMN, em 1964. O polimento da idéia
do filme na casa de Leone transformou-se numa espécie de jogo que consistia em
“pontuar as referências”, e eles inventaram nomes de personagens como Brett
McBain, composto pelo nome de dois autores americanos, Ed Mcbain e Brett Halli-
day. No processo, o complexo relacionamento entre os jovens cineastas italianos e o

342
cinema americano transformou-se num cenário onde o socialismo de Bertolucci reu-
niu-se à melancolia e cinefilia de Leone. (FRAYLING, 2005:31)
Na medida em que eles estavam absolutamente focados, as discussões
parecem ter se centrado nos vários significados da frase C’era una volta, il West, que
significa “Era uma vez, o West” e não como no título em inglês, Once Upon a Time in
the West, com o significado de “Era uma vez, no West”. O tema central do projeto
era sobre a chegada do progresso nas fronteiras do deserto, na forma de uma ferro-
via transcontinental. Não existia nada de original nisso: THE IRON HORSE de 1924,
dirigido por John Ford; UNION PACIFIC de 1939, dirigido por Cecil B. DeMille e, mais
recentemente, HOW THE WEST WAS WON, de 1962, dividido em segmentos dirigidos
por diretores diferentes: John Ford, Henry Hathaway, George Marshall e Richard
Thorpe (não creditado), já tinham dado ao mesmo tema um tratamento épico. Porém,
o interesse particular de Leone era explorar o relacionamento entre a ficção popular
(“C’era una volta...”) e sua base histórica (“... il West”), um lamento simultâneo, tanto
da época de ouro do western, quanto das suas possibilidades fabulares. (FRAYLING,
2005:31)

A idéia básica, naturalmente, era utilizar algumas convenções, dispositivos e


definições do western americano e uma série de referências a westerns indi-
viduais - usar essas coisas para contar minha versão da história do “nasci-
mento de uma nação”. Assim, as conferências históricas incluíram debates
sobre o confronto entre heróis dos westerns (“uma antiga raça de austeros
individualistas”), uma nova era do boom da estrada de ferro e a sobrevivên-
cia no complexo mundo adulto – através de imagens memoráveis – de contos
de fada da infância sobre cowboys e tiroteios. Era como participar de um
elaborado jogo. (LEONE. In: FRAYLING, 2005:33)

Quando o tratamento de C’ERA UNA VOLTA IL WEST começou a tomar forma,


Leone viajou para os Estados Unidos. Num jipe alugado, ele fez o reconhecimento
dos desertos de Colorado, Arizona e Novo México. Utilizando guias especializados,
também visitou o Monument Valley em companhia do operador de câmera Tonino
Delli Colli e do cenógrafo Carlo Simi. O local deveria ser o ponto chave da referência
cinemática do filme – simbolizado por uma seqüência filmada verdadeiramente em
Monument Valley de uma carroça passando pelo lado do Arizona. Para Leone, entre-

343
tanto, tais referências não seriam “calculadas em uma espécie de forma programada;
elas estariam lá para dar a sensação de fundo de todo o western americano auxilian-
do no contar este ‘conto de fadas’ em particular”. Frayling (2005) explica que, embora
as referências explícitas aos filmes fossem destinadas a incrementar a quantidade de
“visões caleidoscópicas de todo western americano postos conjuntamente”, e, embo-
ra fosse assumido durante o filme – através de um processo de intertextualidade que
hoje poderia ser chamado de pós-modernista – os espectadores reconheceriam as
citações, mas de uma forma vaga. Portanto, o ponto chave era criar a impressão na
audiência de estar assistindo a um filme que já haviam visto antes, em algum lugar,
mas, com a percepção de que eles nunca tinham visto antes a história contada da-
quela mesma maneira. Existia uma mistura de reconhecimento e surpresa, clichês
visuais e trompe l’oeil219, nos quais Leone havia se esmerado desde PER UN PUGNO DI
DOLLARI e era a chave para manter-se à frente de sua audiência. (FRAYLING,
2005:33)
Portanto, C’era una volta Il West (1968) é um filme western com um con-
ceito muito mais ambicioso que os três filmes precedentes dirigidos por Sergio Le-
one. Se fosse possível definir analogamente o conceito do filme em uma ação, muito
provavelmente, o verbo apto a representá-la seria solenizar, tornar solene. A música
é pensada nesse sentido, como produto de um gênero mais ambicioso, onde as dife-
renciações estilísticas dos filmes predecessores deveriam resultar muito menos mar-
cadas. É notável como a parte do suporte harmônico e o elemento tímbrico assumem
na trilha musical uma maior importância, tomando um papel expressivo equivalente
ao da parte melódica.
Outra presença constante, inaugurada na música em C’ERA UNA VOLTA IL

WEST, é a de um elemento que se tornará usual na música de cinema composta por


Morricone: a utilização do pedal, com a função de preparar e introduzir as inserções
musicais do filme. Como o próprio compositor sustenta, a música é um componente

219
Técnica que, com truques de perspectiva, cria uma ilusão de ótica que mostra objetos ou formas que não exis-
tem realmente. Provém de uma expressão em língua francesa que significa literalmente “engana o olho” e é usa-
da, principalmente, em pintura ou arquitetura.

344
estranho ao filme, um artifício que deve servir para sua valorização. Nessa perspecti-
va o elemento musical deve ser utilizado com muito cuidado para que possa ser efe-
tivo. Alguns dos momentos mais delicados podem ser criados da passagem do silên-
cio para a música e vice-versa. A nota pedal, como utilizada no filme, propicia a pas-
sagem gradativa do silêncio (musical) para a música. Além disso, atua também sobre
o ouvinte, criando expectativas e tornando mais importante e lógica a intervenção
musical. O retorno ao silêncio é obtido tanto pela repetição da nota pedal quanto por
outras formas, como por exemplo, ruídos que sobreponham à música que termina.
A gravação de músicas da trilha do filme foi um verdadeiro fenômeno no
ano de seu lançamento: o compacto contendo os dois temas principais tornou-se o
mais vendido em todo o mundo. O filme é muitas vezes considerado como a obra-
prima de Sergio Leone: lento, meticuloso, ao mesmo tempo reverente e debochado.
Além de Edda Dell’Orso, outros colaboradores importantes na trilha são I
Cantori Moderni de Alessandro Alessandroni, com os assovios do próprio e a gaita
de Franco De Gemini. A música auxilia a elevar o filme à categoria de “clássico”.
Frayling (2005:82) comenta que Stanley Kubrick ficou tão impressionado
com o trabalho de Morricone no filme que tentou contratá-lo, três anos depois, para
compor a trilha de LARANJA MECÂNICA. A tentativa não frutificou, mas, Kubrick utilizou
música pré-gravada com o intuito de conseguir o mesmo tipo de fusão com as ima-
gens. Posteriormente, C’ERA UNA VOLTA IL WEST seria uma das referências do diretor
nova yorkino na hora de estabelecer um ritmo narrativo para BARRY LYNDON (1975).
EM SUMA, C’ERA UNA VOLTA IL WEST pode ser considerado como uma das
maiores homenagens ao gênero western. Andrade220 (2010) inclui o filme em dois
restritíssimos grupos de filmes na história do cinema: o primeiro o dos filmes que se
querem definitivos sobre um tema ou universo; o segundo, ainda menor, é o dos que
são bem sucedidos nessa pretensão.

220
SIVOLELA, A. (Curador) Faroeste Spaghetti: O bangue-bangue à italiana. Centro cultural Banco do Brasil,
2010, p.70.

345
4.14.3 - Sinopse
Um imigrante irlandês viúvo, Brett McBain compra um pedaço de terra ba-
rata no meio do deserto e a chama de Sweetwater. Nas terras compradas existe
água no subsolo, no meio do deserto. Isso significa que a estrada de ferro que está
sendo construída tem de passar por ali, pois a máquina a vapor necessita de água
para funcionar. Mr. Morton é o empresário que pretende levar a estrada de ferro des-
de o Atlântico até o Pacífico. Ele vive em um vagão de trem devido a uma tuberculo-
se óssea, enfermidade degenerativa que o obriga a caminhar de muletas. Ele é o
chefe de Frank, que manda assustar a família McBain para conseguir comprar mais
barato as suas terras. Porém, Frank e seu bando matam todos os membros da famí-
lia, Brett e os três filhos, sem saber que o chefe da família havia casado em New Or-
leans, em segredo, com Jill, que herda todas as terras. Posteriormente, os homens
de Frank tratam de amedrontá-la para que, com medo, venda a propriedade em lei-
lão por um preço subestimado de $ 500 dólares. Gaita, um misterioso personagem
que toca o instrumento que lhe dá nome, num plano com o bandido Cheyenne, o en-
trega às autoridades para receber a recompensa de $ 5.000 dólares, dinheiro que
utiliza para comprar as terras e devolvê-la a Jill. Cheyenne é libertado do trem que o
conduz a prisão por seus homens e se une a Gaita e Jill, que estão construindo em
Sweetwater um novo povoado a entorno da estação.
Paralelamente, C’ERA UNA VOLTA IL WEST é a história da vingança de Gaita.
Do mesmo modo que o Coronel Mortimer em PER QUALCHE DOLLARO IN PIÙ, através de
curtos flashbacks fragmentados ao longo de todo o filme, conhece-se que no passa-
do ocorreu um evento traumático. No último dos flashbacks, revela-se que a causa
do sofrimento de Gaita é Frank, que enforcou o irmão de Gaita pendurado em um
arco próximo ao Monument Valley. Gaita enfrenta Frank num duelo em Sweetwater
e, depois de matá-lo, entra na casa da fazenda onde Jill está na companhia de Che-
yenne. Jill pede para que os dois permaneçam em Sweetwater com ela. Os dois não
aceitam e preferem deixar o lugar. Cheyenne morre quase imediatamente, vítima do
sangramento de um tiro que levou de Mr. Morton. Gaita se afasta com o corpo sem
vida de Cheyenne, enquanto que a estrada de ferro com todos seus trabalhadores

346
chega a Sweetwater e Jill sai de casa para dar-lhes água. Os últimos cinco minutos
carecem de diálogos. A conclusão, portanto, é transmitida pelo diretor mediante as
imagens e a música, o tema de C’era una volta il West.

347
4.15 - ORGANIZAÇÃO TEMÁTICA DA TRILHA MUSICAL

4.15.1 - Decupagem
Duração do filme: 165 minutos (2:44:31 [2 horas, quarenta e quatro minu-
tos e trinta e um segundos] mais precisamente). Total das Inserções Musicais:
2:17:28 minutos ([duas horas, dezessete minutos e vinte e oito segundos] mais pre-
cisamente). Porcentagem com música: 83%; porcentagem sem música: 17%.
O filme foi decupado em 41 fragmentos (seqüências). Dos 41 fragmentos:
33 tem música; 8 não tem.
A tabela abaixo apresenta 10 partes da decupagem do filme sem a pre-
sença temática musical: 8 sem música e duas com sonoridades atemáticas de efeito.

1 00:00:00 00:09:53 00:09:53 Créditos Iniciais: Estação de Flagstone Sem Música Fragmento 1

2 00:32:16 00:32:39 00:00:23 Parada na estalagem Sem Música Fragmento 6

3 00:53:29 00:56:06 00:02:37 Surra em Wobbles Sem Música Fragmento 10

4 01:06:02 01:11:27 00:05:25 Morton e Frank Sem Música Fragmento 13

5 01:19:03 01:20:09 00:01:06 Jill e Wobbles Sem Música Fragmento 16

6 01:20:09 01:20:57 00:00:48 Wobbles avisa Morton Sem Música Fragmento 17

7 01:37:27 01:41:50 00:04:23 Cheyenne e Gaita de volta na fazenda McBain Sem Música Fragmento 23

8 01:46:47 01:49:15 00:02:28 Leilão da Fazenda MCBain Sem Música Fragmento 25

1 01:34:58 01:35:29 00:00:31 Vasculhando pela terceira vez Sonoridades Tensas Fragmento 21

Sonoridades Percussivas
2 02:03:06 02:09:59 00:06:53 Tentativa de matar Frank Fragmento 30
(L'Attentato)

4.15.2 - As faixas do CD das músicas do filme: “C’era una volta il West”


A gravação, catalogada GDM 2062, lançado em 2005, respeita parcial-
mente a ordem de entrada das inserções na película. As 27 faixas do CD, com dura-
ção total de 1 hora, cinco minutos e um segundo 27 segundos, são as seguintes:

FAIXA NOME DURAÇÃO LEITMOTIV


1 C'era Una Volta Il West 03:43 1

348
2 L'Uomo 01:03 4
3 Il Grande Massacro 02:40 4
4 Arrivo Alla Stazione 00:55 1
5 L'Orchestraccia 02:25 x-x-x
6 L'America Di Jill 02:47 1
7 Armonica 02:27 4
8 La Posada N. 1 01:39 2
9 Un Letto Troppo Grande 01:32 1
10 Jill 01:47 1
11 Frank 01:52 4
12 Cheyenne 01:16 2
13 La Posada N. 2 01:33 4
14 La Posada N. 3 01:19 2e3
15 Epilogo 01:14 4
16 Sul Tetto Del Treno 01:19 2
17 L'Uomo Dell'Armonica 03:30 4
18 In Una Stanza Con Poca Luce 05:08 1
19 L'Attentato 04:41 Sonoridades
20 Ritorno Al Treno 00:57 1e4
21 Morton 01:36 3
22 Come Una Sentenza 03:08 4
23 Duello Finale 03:35 4
24 L'Ultimo Rantolo 01:44 4
25 Nascita Di Una Città 04:25 1
26 Addio A Cheyenne 02:38 2
27 Finale 04:08 1

Na coluna da direita (leitmotiv) pode-se notar que de todas as faixas do


CD, somente duas não se relacionam aos 4 leitmotivs criados por Morricone.

4.15.3 - Os Créditos Iniciais


A presença da música nos Créditos Iniciais da primeira trilogia de Leone
foi fundamental no estabelecimento de um pensamento composicional macro-
estrutural relacionado ao developmental score de Prendergast. De modo contrário, a
seqüência dos Créditos Iniciais de C’ERA UNA VOLTA IL WEST não tem música. Nos
primeiros nove minutos e cinqüenta e oito segundos (00:09:58) do segmento preva-
lece o silêncio musical e, “amplificando” a ausência da música, também uma ausên-
cia quase total de diálogos. Numa citação às avessas dos Créditos Iniciais de HIGH

349
NOON [MATAR OU MORRER], de 1952, dirigido por Fred Zinnemann, onde três homens
passam o tempo esperando por Franck na estação de Hadleyville, Leone constrói a
seqüência com tomadas de três bandidos mandados por Frank (Henry Fonda) para
matar Gaita o personagem que deve chegar no trem que os três esperam na estação
Cattle Corner. Além das imagens, os ruídos do “ambiente” são os elementos utiliza-
dos por Leone para sonorizar a seqüência.
O ranger de uma porta se abrindo, o arrastar de um giz que escreve numa
lousa, o som do vento, de pássaros, de insetos, de passos, o ranger de um insistente
moinho de vento, um galo que canta, entre outros, são editados com outras sonori-
dades acusmáticas e prolongados artificialmente. Os caracteres utilizados para credi-
tar os principais participantes do filme, não sugerem nenhuma constância rítmica,
surgindo e desaparecendo pelos lados da tela aleatoriamente, sem sincronia e sem
simetria entre eles. Quando um dos bandidos que espera sentado ao lado de uma
janela fica irritado com o insistente som de um telégrafo e arranca os seus fios, todos
os ruídos do ambiente param abruptamente, como numa música, reiniciando uma
intermitência que enfatiza a presença e a combinação de cada uma das sonoridades,
inclusive pela amplificação artificial. Sons como o de uma mosca incômoda para um
dos homens, gotas de água caindo sobre o chapéu do outro ou o som do estalo dos
dedos do terceiro, são ouvidos como se fizessem parte de uma música: um tipo de
música composta por ruídos observáveis. O som crescente da chegada do trem so-
brepõe a “sinfonia de ruídos”, finalizando a primeira parte da seqüência.
Ennio Morricone, na Chigiana, relatou sobre essa inserção:

Gostaria de falar-lhes de um episódio que me ensinou muitíssimo, assim es-


pero que possa ser útil também a vocês. Muitos anos fazem estive em Firen-
ze, no Conservatório “Luigi Cherubini”, para realizar um concerto com o
“Gruppo di Improvvisazione Nuova Consonanza . Nós deveríamos fazer a
segunda parte do concerto e assim pensávamos de assistir a primeira parte.
O concerto deveria começar às nove horas. O público esperava com muita
educação, mas, passava das nove e quinze e não começava, nove e vinte e
não começava. Num certo ponto chegou um senhor vestido com roupas bur-
guesas que subiu no pequeno palco, um tipo de palco muito baixo. [...] Ele
tirou o casaco, colocou-o em um cabide, pegou uma escada, a apoiou e subiu
nela. Eram nove e meia e as pessoas, naturalmente, conversavam, à espera
que o concerto começasse, sem prestar atenção naquele homem sobre a es-

350
cada, que tinha começado a manipulá-la de modo estranho, produzindo al-
gumas sonoridades... Nove e quarenta, nove e cinqüenta... Então o público
começou a perguntar-se se aquele homem lá em cima não poderia represen-
tar alguma coisa que talvez estivesse em causa e, pouco a pouco, fez-se si-
lêncio. O homem continuou destemido, no silêncio absoluto. Chegamos às
dez e quinze. O homem desceu da escada, pegou o casaco e foi embora. Fim
da primeira parte. O evento deixou o público muito perplexo; ninguém en-
tendia a razão daquela exibição, porém não reagiu como nos concertos de
Cage em Darmstadt. Ele permaneceu em silêncio, educadíssimo. Eu procurei
entender por minha conta do porque e cheguei a certas conclusões. E são
conclusões que reputo uteis para a música, mas, para a música de cinema em
modo particular. O som, qualquer som de nossa vida, retirado do contexto
que o produz assume com o tempo, no silêncio, uma outra valência, um outro
significado. O zumbido de uma mosca em frente de um microfone, isolado de
todo o resto, escutado no silêncio, não é mais aquilo que pensávamos, mas
toda uma outra coisa. (MORRICONE, 2001:200-201 )

Morricone contou esse episódio de Firenze para Sergio Leone, que já ti-
nha um interesse particular pelo potencial expressivo dos ruídos. Porém, ele ressalta:

Esses primeiros minutos do filme C’ERA UNA VOLTA IL WEST enfatiza os sons
isolados, mas, não é a mesma coisa do episódio relatado, porque no filme
nós vemos o moinho ranger, vemos a gota que cai no chapéu do pistoleiro,
por isso aqueles sons, mesmo enfatizados, inserem-se num contexto natural.
De qualquer forma se tratou de um experimento importante e todos atribuí-
ram àqueles minutos iniciais uma solução genial. Naturalmente isso teve
conseqüências também no meu ofício. Não digo que foi um raciocínio instan-
tâneo, ao invés uma maturação lentíssima, quase imperceptível, mas, pouco
a pouco, encontrei a chave para as soluções nascentes do episódio. Por
exemplo, na escolha dos timbres e na redução dos materiais temáticos. To-
dos os materiais que concorrem à agregação musical partem, talvez, daquela
experiência Fiorentina. Lembrando de C’ERA UNA VOLTA IL WEST penso nas
três notas da gaita de boca – sobretudo na peça ‘L’uomo dell’armonica’ –
que eram assim necessárias próprio em sua auto-redução extrema, e que
comportavam diversas implicações: a co-existência de nível externo e nível
interno, o valor simbólico que aqueles três sons assumem na história e por
isso as suas reiterações obsessivas. (Idem)

4.16 - TEMAS PRINCIPAIS (LEITMOTIVS)


C'ERA UNA VOLTA IL WEST é considerado como um exemplo clássico tanto
do cinema western quanto da utilização da música no cinema em geral. A articulação
leitmotívica precisa dos temas musicais relacionados ao conceito estereotipado dos

351
principais protagonistas, bem como da sua integração macro-estrutural no filme, é
reflexo direto da decisão de compor a música em pré-produção, antes das filmagens.
O conceito do filme foi formulado por Leone como uma homenagem der-
radeira ao western americano:

[Uma] dança da morte, [na qual] eu queria tomar todos os personagens


mais estereotipados do Western americano – por empréstimo! [1] A melhor
prostituta de New Orleans; [2] o bandido romântico; [3] o homem de negó-
cios que se imagina como um pistoleiro; [4] o assassino que é meio homem
de negócios, meio pistoleiro e que quer ingressar no novo mundo dos negó-
cios; [5] o vingador solitário. Com esses cinco personagens arquetípicos
mais estereotipados do Western americano, eu queria apresentar uma home-
nagem ao Western e, ao mesmo tempo, mostrar as mutações pelas quais a
sociedade americana passou naquele tempo. Assim, a história é sobre um
nascimento e uma morte. [...] um afresco cinemático do nascimento de uma
nação. (LEONE. In:FRAYLING, 2005:31)

Desse modo, na pré-produção de C’ERA UNA VOLTA IL WEST (antes do início


das filmagens), Sergio Leone encomendou um tema para cada personagem “estere-
otipado” do filme. Ennio Morricone compôs os temas utilizando as referências do di-
retor na elaboração de suas idéias. Essa inversão no processo normal da composi-
ção das músicas permitiu que Sergio Leone filmasse a ação dos personagens em
torno de uma música existente, funcionando como referencial importante na “criação
dos ritmos” e, muitas vezes, auxiliando os atores no entendimento de algumas cenas
particulares. Ela também ajudou os atores a entenderem melhor seus personagens.
A presença da música articula a trama do filme, de acordo com os perso-
nagens ou conceitos que representam, amplificando as suas relações. Se nos filmes
de Leone a peculiaridade e o ritmo dos olhares e os silêncios são elementos funda-
mentais na construção da expressividade poética, a música torna esses olhares e
silêncios muito mais expressivos: quase tudo é pontuado pela música. De fato, neste
filme, mais que nos anteriores, a música é um elemento que motiva e traduz o com-
portamento dos personagens de modo direto ou indireto.
Morricone recorre as características da tri-partição dos filmes anteriores,
na elaboração de cada um dos temas. Porém, à pedido de Leone, a música deveria
fixar-se em padrões mais sóbrios e convencionais.

352
C’ERA UNA VOLTA IL WEST é, dde certa form ma, o ápice daa visão westeern de
Sergio Leone. Com este filme o diretor queriia romper com m o clichê daa “tri-
logia dos
d dólares” que o havia llevado ao successo. O filmme todo é permmeado
por umma espécie dee languidez aagonizante; o efeito sonooro é mais suuave e
“paraddo”; mesmo o assovio de Alessandro A Alessandroni ocorre numaa vari-
ante ma m relação aos outros westerrns. (MORRIICONE, 20077:66)
ais sóbria em

A figu
ura abaixo sintetiza
s a conexão
c en
ntre os segm
mentos da tri-partição
o e os
temas
s solicitados
s por Leone
e:

Figura
a 84 – Leitmotiv
vs de C’era una v
volta il West (1
1968)

4.16.1
1 - Jill (Cllaudia Carrdinale): “A
A melhor pprostituta de New O
Orleans”
Jill se
e casou “se
ecretamente
e” com Bre
ett McBain (Frank Wolff). Quando ela
chega
a ao rancho
o da família
a em Sweettwater para
a iniciar a no
ova vida junto ao marrido e
seus três filhos,, encontra--os todos mortos,
m asssassinadoss brutalmen
nte por Fra
ank e
seu bando. Em torno
t dela, e da terra que
q herda do marido, orbita toda
a a trama p
princi-
pal do er-relacionada com os demais personagens masculinoss.
o filme, inte
A mús
sica de seu
u leitmotiv “empresta”” à persona
agem Jill um
m tom espe
eran-
çoso e angelicall, mas, exo
orbitando o escopo da
a própria pe
ersonagem
m, transform
ma-se

353
na sín
ntese do prróprio filme, um símbo
olo que apo
onta para o futuro de uma sociedade
em fo
ormação.
Desse
e modo, o leitmotiv de
e Jill e o do
o filme C’ERA UNA VOLLTA IL WESTT, é o
mesm
mo.

Figura 85 – Tem
ma do filme e le
eitmotiv de Jill

A mús
sica possui uma melod
dia "român tica", muito
o "doce", fortemente carac-
terizada pela pre
esença do tratamento orquestral sinfônico e da voz da
a soprano E
Edda
Dell'O
Orso sem te
exto. O carráter da mú
úsica é asssociado à b e Jill, mas, tam-
bondade de

354
bém sua solidão, uma representação irônica do atual caráter quase religioso da per-
sonagem em comparação ao de seu passado. No ponto de vista do filme, a música
simboliza uma relutante esperança que contrasta com o ambiente de violência e mor-
te.
No curso de Musica per film, Chigiana, Siena-Itália, Morricone foi indagado
por um dos presentes sobre a utilização constante da voz de Edda Dell’Orso e a ten-
dência natural ao desgaste revelado num “sentimentalismo” contrastante com a sua
tendência à constante experimentação, Morricone concordou:

É verdade, a usei demais. A utilizei 10, 15 vezes, porém, outros abusaram de


maneira nem sempre adequada (com algumas exceções, nas quais foi utiliza-
da muito bem) e isso provocou mesmo uma inflação. Em certo momento não
se podia mais. Porém, deve-se ter em conta o fato de que o público da época
a apreciava muitíssimo, mas, sobretudo se deve pensar em suas grandes qua-
lidades e na capacidade de adaptar-se a todas as exigências. Eu a fiz fazer
de tudo. Recordo-me de um arranjo de um samba em Fá menor, a história da
folia de uma mulher que um dia depois do fim do carnaval ainda dançava,
sua cabeça ainda permanecia figurada pelo carnaval. Harmonizei a peça de
uma forma bastante normal e a voz contraponteava uma série dodecafônica
com intervalos muito estranhos. Era dificílimo inseri-la num contexto tonal
assim preciso, mas ela o fez com grande facilidade. Certo, os experimentos
portam as soluções e as soluções a certo ponto se exaurem, por isso, ocorre
transformá-las e renová-las.. (MORRICONE, 2001:169-170)

A tabela abaixo apresenta as 10 inserções do tema de Jill e do filme:

1 00:23:48 00:29:41 00:05:53 A chegada de Jill na estação de Flagstone Tema de Jill Fragmento 4
2 00:29:41 00:32:16 00:02:35 Monument Valey Tema de Jill Fragmento 5
3 00:46:11 00:51:12 00:05:01 Água Doce: A Fazenda McBain Tema de Jill Fragmento 8
4 00:51:12 00:53:29 00:02:17 Vasculhando a casa dos McBain Tema de Jill Fragmento 9
5 00:56:06 00:58:13 00:02:07 Vasculhando a casa dos McBain Tema de Jill Fragmento 11
6 01:11:27 01:14:05 00:02:38 De agora em diante não haverá mais surpresas Tema de Jill Fragmento 14
7 01:34:08 01:34:58 00:00:50 Jill recebe a madeira da Estação Tema de Jill Fragmento 20
8 01:41:50 01:46:47 00:04:57 Jill e Frank Tema de Jill Fragmento 24
9 02:30:41 02:36:09 00:05:28 A despedida de Jill e Cheyenne Tema de Jill Fragmento 39
10 02:40:08 02:44:31 00:04:23 A chegada do primeiro trem Tema de Jill Fragmento 41

355
4.16.1
1.1: Jill che
ega à estaç
ção
O trattamento que Morricone deu ao te
ema de Jill,, desde a a
apresentaçã
ão da
perso
onagem des
scendo do trem na es
stação de F
Flagstone, e as recorrê
ências postterio-
res, com
c ou sem
m variação, utilizadas durante
d tod mportância cen-
do o filme, rrevelam a im
tral qu
ue a person
nagem adquire na narrativa do fillme.
Na ap
presentação da perso
onagem Jill, um apito
o de uma cchaminé sa
aindo
fumaç
ça (inicialm
mente fora de
d foco) rev
vela um tre
em que che
ega e para
a na estaçã
ão de
Flagstone.

Figura 86 – Chegada do trem e


em Flagstone

do o som de
Quand d sua chegada se to
orna mais a
ameno, ouvve-se, mistu
urado
com as
a sonorida
ades "naturralísticas" do
d ambientte da estaçção e da cidade, L'orcches-
traccia
a, um ragtime no estilo de Scot Joplin, em Ré Maior, arranjado
o como se ffosse
um "c
country", qu
ue Morricon
ne escreveu
u como a ú
única peça de ambientação, porttanto,
secun
ndária na organização
o o temática da
d trilha mu
usical. A m
melodia e a execução,, pre-
sumiv
velmente diegética, es
stá a cargo
o de um g rupo de instrumentoss tradiciona
ais: a
melod
dia é execu a (um violin o tocando no estilo fiiddle), um b
utada por uma rabeca banjo
no ac
companham
mento, intervenções de
d um porta
amento de uma flauta
a doce com
m êm-
bolo e uma tuba
a realizando a linha do
d baixo. D
De modo anempático,, a música com
características jocosas e festivas,
f ambienta o clima inicial da cena, mas, de
estoa
completamente, da narrativ
va que segu
ue.

356
Figura
a 87 – Chegada d
de Jill

Jill de
esce do trem
m, sorriden
nte. Ela veio
o de New O
Orleans, co
om quem ccasou
secretamente co
om um dos seus clien
ntes, Brett M
McBain. Ela
a veio para
a Flagstone
e mo-
rar co
om ele e seus três filho
os em Swee
etwater, a ffazenda do
os McBain.
Jill olh
ha entorno, procurand
do reconheccer seu futu
uro filho qu
ue, como co
ombi-
nado com o ma
arido, viria buscá-la.
b Enquanto
E p
procura, um
m homem p
pergunta se
e são
suas algumas malas.
m Ela diz que sim.. Seu rosto começa a mostrar tra
aços de pre
eocu-
pação
o. Como nin
nguém apa
arece, ela se
e dirige parra o lado exxterno do e
escritório ce
entral
da es
stação junta
amente com
m dois hom
mens que carregam a
as suas malas. Ela, sem
entender, procurra por entre
e índios e homens
h qu
ue passam por perto. Então, ela para
num local olhand
do fixamente para o re
elógio da e
estação de Flagstone. L'orchestra
accia
é propositalmente cortada em FADE OUT, junta
amente com
m as sonorridades "na
atura-
lística
as", ouve-se
e um som pedal grave
e da nota R
Ré e a intro
odução de sseu leitmotiiv em
terças
s paralelas executada
as por uma celesta e vibrafone, como se fo
osse uma ccaixi-
nha de música.

357
Figura 88 – Início do “Tem
ma de Jill”

Seu olhar
o está completame
c ente transfo
ormado pe
ela preocup
pação. Ela ttira o
seu re
elógio de bolso para confirmar
c o horário (oss dois relóg
gios marcam horários dife-
rentes
s). Na repe
etição da melodia
m m a entrada das cordas como acom-
em terças, com
panha
amento, ela
a olha mais um pouc
co para o ttrem e para
a a estaçã
ão, agora vvazia.
Quando sua mús
sica inicia a melodia principal,
p so
olada pela vvoz de Edd
da Dell'Orso
o, ela
começa a camin
nhar na dire
eção da saída da esta
ação. Ela entra no esccritório centtral e
unta alguma
pergu a coisa para
a o atenden
nte, seguind
do em direçção à porta
a de saída. Uma
câmera, capta as
s imagens por uma janela do lad
do de fora d
do escritório
o.

Figura 89 – Saiindo da Estação de Flagstone

No mo
omento em
m que ela va
ai passar p
pela porta d
de saída, ge
entilmente a
aber-
ta pelo atendente, a música
a inicia uma
a pequena ponte com
m as trompa
as num cresscen-
ara um tuttii orquestral com sentido de reto
do pa omar novam
mente a me
elodia princcipal.
Sincro
onizada com a música
a, a câmerra num movvimento asscendente, passa por cima
do es
scritório da estação, re e panorâmica, todo o West de
evelando, em e Sergio Le
eone.

358
Novam
mente, qua
alquer roteirista teria grande
g dificculdade em
m descreve
er com pala
avras
esse momento cinematográ
c áfico que po
ode ser deffinido, tecnicamente, p
por Lebhaft
ft221.

Morric
cone comen
nta essa ce
ena da cheg
gada à esta
ação:

O comp positor pode dar ao diretoor sinais sonooros dos preteextos de sincrronias
potenciiais. Quando Leone me ccontou o film me, absolutam mente não mee disse
nada que
q existiria umu relógio ennquadrado noo edifício da estação. Paraa essa
cena eu u tinha composto a introddução da peçaa com vibrafo fone e celesta,, e ele
fez a escolha casua al tornar-se o som de um relógio. A atriz passa doo local
dos treens nos trilhoss por dentro do escritórioo para sair daa estação, por uma
porta. A cena tambéém é um exem mplo de eficáccia da trilha musical, mass, tam-
bém dee sintonia comm o diretor. CCriei a peça, o tema de Jilll, e uma pontte mu-
sical coom um cresceendo que levaa a recorrênccia da melodiia principal. L Leone
transfo
ormou essa ponte musicall numa pontee cinematográáfica. (MORR RICO-
NE, 20007:65)

Do lad
do de fora da estação
o, no centro
o de Flagstone, a mú
úsica inicia a re-
ão da melod
petiçã dia principa
al do tema de
d Jill nas ccordas, aco
ompanhada
a pela orquestra
e um coral, com
m Jill numa charrete alugada
a que
e a conduzzirá, atravé
és do deserrto, à
fazenda dos McB
Bain. No momento
m em
m que a cha
arrete está saindo da cidade, a m
músi-
ca terrmina. O co
ondutor da charrete pergunta: “Q
Qual é o no
ome do lugar?” Jill resspon-
de: “Á
Água Doce (Sweetwater). O con
ndutor não conhece o lugar e Jill enfatiza: “É a
fazenda do Brettt McBain”. Então o co
ondutor diz:: “Mcbain? Claro. Aqu
uele irlandês tei-

221
A paalavra alemã “lebhaft”
“ pode ser utilizada como
c o nome dde um movim mento de uma ppeça (por exem mplo, o
terceiro
o movimento ded Trauermusikk de Paul Hind demith) ou commo uma diretivva para executaar certa passaggem de
uma composição mussical de uma fo orma muito enéérgica. Cinemaatograficamentte, esse termo ffoi utilizado poor Spi-
elberg referindo-se
r à música
m de John
n Williams na famosa seqüênncia em que ass bicicletas voaam na fuga do E E.T., o
Extra Terrestre.
T (DVDD2 – Bonus – ET.
E o Extraterrrestre, Edição dde Colecionadoor).

359
moso que tem aquele lote de areia no meio do nada. Água Doce! Só um louco como
ele chamaria aquilo de Água Doce”. Um tremulo do acorde de Sol# aumentado pon-
tuado por sons graves da orquestra e um ostinato nos cellos com as notas Mi, Sol#,
Lá, sublinha o tom de preocupação de Jill com as informações obtidas enquanto que
as imagens da saída da cidade mostram no horizonte o deserto, dessa vez, da “ver-
dadeira” paisagem dos westerns americanos.
O acorde aumentado é transformado numa variação da ponte anterior le-
vando novamente para a melodia principal do tema de Jill. A música novamente se
expande de forma aberta, acompanhada pela imagem da charrete passando pelo
Monument Valey e do trabalho dos operários na construção da estrada de ferro, o
momento de transição por que passa a comunidade antiga do western, enfocado por
Leone. A música termina com a charrete parando em uma estalagem.

4.16.1.2: Todos mortos


No momento em que Jill chega na fazenda e encontra todos mortos, inicia
seu leitmotiv. A música articula toda a seqüência onde Jill revela que estava casada
com Brett McBain e, portanto, era agora a Sra. McBain. No momento do enterro do
marido e dos três filhos a música termina numa coda, finalizando a música e a cena.

4.16.1.3: Jill chega em casa. Funeral e solidão


Essas cenas são inteiramente dedicadas a destacar a impressão de sur-
presa e solidão inesperada de Jill. A música utiliza três variações de seu leitmotiv
sem a natureza expansiva que dispunha anteriormente, articulado à natureza intros-
pectiva da personagem.

4.16.1.4: Epílogo e créditos finais


Na cena final, a chegada do trem a Sweetwater representa a chegada de
um futuro que sepulta definitivamente o passado, imprimindo-se na visão do início de
uma nova era. A música de Jill, em seu ápice, transforma-se definitivamente na mú-
sica do filme, articulando a visão do futuro, finalizada numa impressão de “um filme já

360
visto antes,
a em algum
a lugarr, mas, com
m a percepçção de que nunca com
m a história con-
tada da
d mesma maneira”.

4.16.2
2 - Cheyen
nne (Jason
n Robards)): “O banddido român
ntico”
Cheye
enne é um bandido triste e solitá
ário que pro
ocura viverr a vida com
m sa-
bedorria. Ao con
ntrário do que
q sugere o momentto da apressentação d
do personagem,
ele po
ossui grand
de inteligên
ncia e “étic
ca”. Um ho
omem de a
ação, como
o demonstrra ao
matarr os homen
ns de Frank
k e Mr. Morrton no trem
m. Acaba p
por manter uma grand
de re-
lação afetiva com
m Jill e uma
a relação muito
m curiossa com Gaiita, sobre o qual deixa
a cla-
ro que
e “tem algo
o a ver com a morte”.
O tem
ma de Chey
yenne utiliza
a um piano
o de saloon
n e um banjo acompan
nhan-
do a melodia
m ass
soviada por Alessandro Alessand
droni. Porta
anto, na pe
erspectiva d
da tri-
partição do primeiro filme, esse
e tema é derivado do “modo a
arcaico” ou
u “primitivo”.

Figura 90 – Leitmotiv de C
Cheyenne

361
O tema de Cheyenne é bem-humorado e leve. O acompanhamento do pi-
ano e do banjo com o ritmo do “galope de um cavalo”é o que mais marca a associa-
ção com o protagonista, mas que pode variar de caráter, dependendo do entorno da
situação.
A precisão do acompanhamento se transforma em função da confiança
que sugere o personagem. Assim, enquanto não se conhece o personagem, na sua
apresentação, soa sombrio. Porém, na medida em que as inteções de Cheyenne vão
se tornando mais claras, principalmente através da relação com Jill, o tema adquire
um caráter jocoso e casual. No momento de sua morte, Cheyenne solicita a Gaita
que vire de costas enquanto ele morre, ferido por um tiro, fora da vista de Sweetwa-
ter. No momento de seu falecimento, seu tema também é utilizado ironicamente, pois
Morricone escreveu estrategicamente uma pausa geral de um compasso inteiro, pró-
ximo a cadência final, para destacar o exato momento de sua morte.

A tabela abaixo apresenta as 9 inserções do tema de Cheyenne:

1 00:32:39 00:46:11 00:13:32 Estalagem: Cheyenne e Gaita Tema do Cheyenne Fragmento 6

2 00:58:13 01:06:02 00:07:49 Encontro de Jill com Cheyenne Tema do Cheyenne Fragmento 12

3 01:14:05 01:19:03 00:04:58 Jill e Gaita Tema do Cheyenne Fragmento 15

4 01:28:24 01:34:08 00:05:44 Morton, Gaita e Cheyenne Tema do Cheyenne Fragmento 19

5 01:53:35 01:55:37 00:02:02 Continuação do Leilão Tema do Cheyenne Fragmento 27

6 01:55:37 01:57:22 00:01:45 Vagão do trem de Morton / Cheyenne vai preso Tema do Cheyenne Fragmento 28

7 02:14:09 02:15:29 00:01:20 Os trilhos chegando na Fazenda MCBain Tema do Cheyenne Fragmento 32

8 02:20:45 02:21:54 00:01:09 Jill e Cheyenne Tema do Cheyenne Fragmento 35

9 02:36:09 02:40:08 00:03:59 A morte de Cheyenne Tema do Cheyenne Fragmento 40

4.16.2.1: Cheyenne e Gaita na estalagem


Na cena dentro da estalagem, Cheyenne é apresentado pelo seu leitmotiv.
Após o som de cavalos e tiros (diegéticos e offscreen), a porta da estalagem é en-
quadrada com o início do leitmotiv de Cheyenne que entra na estalagem de costas.
Ele se aproxima do balcão e pede uma garrafa. Tira a rolha com o dente e, no movi-
mento de erguer os braços, percebe-se que ele está algemado. O tema termina am-

362
plificando seu olhar tenebroso e sombrio. Ouve-se o som diegético de uma gaita de
boca em fade in anunciando a presença de Gaita. Cheyenne procura a fonte da me-
lodia, arremessando um lampião na direção do canto do balcão de onde o som pa-
rece vir. A parada do lampião é o ponto exato da sincronia entre o rosto de Gaita,
que toca seu instrumento sentado no balcão, e a entrada do som distorcido da guitar-
ra com a melodia de Frank. Cheyenne repara no tiro que Gaita levou. Enquanto a
música toca Cheyenne arremessa um revólver a Gaita como se fosse um diálogo. Na
finalização da música Gaita, somente com dois dedos, gira o revólver no balcão para
a direção oposta a dele. Ele volta a tocar o seu leitmotiv. Nesse momento um homem
que está sentado numa cadeira da estalagem tenta sacar um revólver contra Che-
yenne. Seu leitmotiv retorna com a reprova do bandido que afirma ao desconhecido:
“Você não sabe tocar”. É interessante notar que o primeiro diálogo entre Gaita e
Cheyenne foi todo construído com os seus respectivos leitmotivs.

4.16.2.2: Cheyenne invade a casa de Jill


A entrada de Cheyenne na casa de Jill é anunciada pelo tema do bandido,
a melodia principal é executada por um banjo com um acompanhamento de uma no-
ta pedal (Lá aguda) e acordes sustentados pelas cordas da orquestra. A inserção
cria um tom ambíguo que não revela as intenções de Cheyenne, mas, a posição de
fraqueza de Jill: sua casa, seu espaço privado foi invadido por um estranho e pela
música do estranho. Mas, curiosamente, logo depois do diálogo entre os dois, a mú-
sica anuncia que Jill recuperou o controle sobre seu espaço e que Cheyenne se ren-
deu aos seus encantos, transformando-se em jocosa e “galopante”.

4.16.3 - Mr. Morton (Gabrielle Ferzetti): “O homem de negócios que se imagi-


na como um pistoleiro”
Mr. Morton é um astuto empresário que tem como sonho levar a estrada
de ferro desde o Atlântico até o Pacífico. Na trajetória, com o respaldo de seu fiel
escudeiro contratado, Frank e sua gangue, ele não mede esforços para obter vanta-
gens comerciais em “transações”, muitas vezes, pouco ortodoxas. Devido a uma do-

363
ença degenerativa (tubercu
ulose óssea
a), Mr. Morrton vive nu
um vagão d
de trem adapta-
do às suas nece
essidades especiais.
e
Seu le
eitmotiv com
mpõe uma melodia cu
urta e de ca
aráter moda
al, associad
do ao
seu desejo de ch
hegar até o mar.

Figura 91 – Leitmotiv de M
Mr. Morton

Na orrganização temática da trilha mussical do film


me, o leitmo
otiv de Mr. Mor-
ode ser classificado co
ton po omo secundário, pois mesmo qu
ue também seja um leitmo-
tiv, o poder centtralizador dos
d demais temas, priincipalmentte pelo desstaque e qu
uanti-
dade de utilizaçõ
ões, relegam-no, ineviitavelmente
e, a uma po
osição menos evidente
e. Na
ca de Mr. Morton
músic M o co
ompositor Morricone
M integra o so
om das ond
das do ma
ar, re-
prese
entando o objetivo
o do
o desejo do
o personag
gem: levar a estrada de ferro a
até o
Oceano Pacífico
o. Durante o filme, o Barão
B da esstrada de fe
erro Mr. Mo
orton tenta ado-
tar os
s métodos do
d pistoleiro
o Frank sem
m obter successo. Ele não conseg
gue realizar seu
sonho
o e, ao invé
és, morre ra
astejando como
c uma ccobra em d
direção a um
ma poça d’água
no de
eserto. Seu canto fúne
ebre é o seu
u próprio le
eitmotiv, a m
mesma música introdu
uzida
sob se
eu olhar lon
ngínquo nu
uma pintura do oceano
o.
Na referida tri-pa
artição do primeiro
p film
me, como o tema de JJill, ele tam
mbém
é derivado do modo “pseud
do-sinfônico
o”.
A tabe
ela abaixo apresenta
a as
a 3 inserçõ
ões do tem
ma de Mr. M
Morton:

1 01:35:29 01:37:27 00:01:58 Morton e Frank T


Tema do Morton Externa Fragmento
o 22

2 01:49:15 01:53:35 00:04:20 Morton no vagã


ão do trem T
Tema do Morton Externa Fragmento
o 26

3 02:09:59 02:14:09 00:04:10 A Morte de Morton T


Tema do Morton Externa Fragmento
o 32

364
4.16.4 - Frank (Henry Fonda): “o assassino que é meio homem de negócios,
meio pistoleiro e que quer ingressar no novo mundo dos negócios”; e
Gaita (Clarles Bronson): “o vingador solitário”
Morricone não conseguiu se livrar completamente da exigência de um te-
ma para o confronto final (o duelo), mas, conseguiu pulverizá-lo na trilha musical
associando a peça aos dois personagens que estão envolvidos no duelo final: Gaita
e Frank. Desse modo, a música que serve como leitmotiv para os dois personagens
porta, em contraponto, as duas referências melódicas dos personagens, num tema
ameaçador, o único que conserva todas as características da tri-partição original do
primeiro filme.
O tema que parece ser de Gaita, de fato não pertence apenas ao perso-
nagem. Ele é utilizado como memória de um passado que tem de ser vingado. É o
tema de uma idéia, um conceito muito preciso, que envolve os dois personagens
(Gaita e Frank). Assim, a ambivalência do tema, que, a priori, pode parecer estranha,
pontua tanto a intenção dos atos reprováveis de Frank quanto a necessidade que
sejam interrompidos por Gaita.
O dispositivo interno (diegético) criado no filme PER QUALCHE DOLLARO IN

PIÙ: o tema criado por Morricone a partir da melodia que imitava o som de um relógio
de bolso que representou a relação estabelecida na narrativa fílmica entre Índio, o
Coronel Mortimer e uma mulher assassinada; é recorrente em C'ERA UNA VOLTA IL

WEST, a melodia obstinada da gaita de boca torna-se o símbolo do ódio e da vingan-


ça que movem Gaita contra Frank. Ela materializa-se no próprio instrumento que o
personagem de Charles Bronson mantém em seu pescoço durante todo o filme com
o propósito de “devolvê-la” ao seu legítimo proprietário no exato momento de sua
morte.
Gaita é o personagem que herda as características do “homem sem no-
me” interpretado por Clint Eastwood nos três filmes anteriores. Os traços étnicos evi-
dentes no rosto do ator tornaram-no perfeito para, no filme de Leone, interpretar o
último representante de “uma antiga raça”. De forma análoga aos personagens inter-
pretados por Clint Eastwood na primeira trilogia, durante o filme não é possível saber

365
o que
e ele busca
a nem que
em ele é. É um perso
onagem se
em nome, solitário, q
quase
sempre calado e que apare
ece quando
o menos se espera. Ass únicas evvidências de
e sua
perso
onalidade é a sua marc
cada hostilidade em rrelação ao p
pistoleiro F
Franck e o n
nome
pelo qual
q passa a ser cham
mado no filme: “Gaita” (“Harmon
nica”, em ita
aliano), refe
erên-
cia ao
o instrumen
nto que ele carrega pe
endurado n o pescoço e, no qual,, executa diege-
ticame
ente com constância
c uma
u obstinada melodiia de três n
notas (Mi, D
Dó e Mib).

Figura 92 – Motivo
M do person
nagem Gaita

Quand
do a músic
ca é utilizad
da externam
mente (não-diegética), Morricone
e em-
prega
a conjuntam
mente com essa melod
dia da gaita
a de boca, uma figura
a como acompa-
nhamento, inicia
almente na viola, onde
e realiza pe
ermutaçõess das três notas numa figu-
ma técnica recorrente desde o p
ra de quatro collcheias, um primeiro film
me, mas qu
ue se
acentuou marca
adamente no
n filme antterior. Ao le
eitmotiv de
e gaita é accrescentada
a em
contra
aponto uma
a melodia executada
e por
p uma gu itarra elétrica com disstorção no m
modo
de Lá
á eólio, mas
s, como no primeiro filme, dúbia e
em relação
o à tonalidade de Lá m
menor
ou, atté um Mi fríígio.
O motivo pelo qual o instru
umento é u tilizado pelo personag
gem só serrá re-
velado
o no final do
d filme, nas imagens do último d
duelo. Nas seqüênciass finais do ffilme,
stência na superposiç
a insis ção dos tem
mas de Gaiita e Frank que pontuou todo o ffilme,
revela
a que fatalm
mente os dois
d se enc
contrariam para decidir as suas velhas pen
ndên-
cias.
Frank
k não obteve sucesso em promovver sua tran
nsformação
o de um pisstolei-
ro parra um homem de negócios. No momento
m d e sua mortte, ele se dá conta que ele
é “som
mente um homem”, enquanto também des cobre exatamente quem é seu iinimi-
go: a gaita, enfia
ada em sua cuta o seu estertor de
a boca, exec e morte.

366
Figura 93 – Le
eitmotiv de Gaitta e de Frank

A peç
ça completa
a foi conce
ebida por M
Morricone ccomo porta
adora do “julga-
mento
o final”. Ela
a também é ouvida completa
c n a cena do massacre da família
a dos
McBa
ain. Na cena
a do duelo final, Morricone substtitui a guitarra distorcid
da pelo trompe-
te no estilo mariiachi como no “Degue
ello”. Porém endo das circunstâncias, o
m, depende
tema é apresenttado completo ou frag
gmentado, inclusive co
om a separração e/ou vari-
ação dos dois motivos.
A tabe
ela abaixo apresenta
a as
a 14 inserrções do tem
ma de Gaitta e Frank:

1 00:09:53 00:14:18 00:04:25 Apresentação de Personagem G


Gaita Te
ema do Gaita e Fra
ank Fragme
ento 2
2 00:14:18 00:23:48 00:09:30 O Massa
acre dos McBain Te
ema do Frank e Ga
aita Fragme
ento 3
3 00:32:39 00:46:11 00:13:32 Estalagem: Cheyenne e Gaita
a Te
ema do Gaita e Fra
ank Fragme
ento 7
4 00:56:06 00:58:13 00:02:07 Vasculhando
o a casa dos McBa
ain Tema do Gaita Fragmento 11

367
5 00:58:13 01:06:02 00:07:49 Encontro de Jill com Cheyenne Tema do Frank Fragmento 12
6 01:14:05 01:19:03 00:04:58 Jill e Gaita Tema do Gaita; Fragmento 14
7 01:20:57 01:28:24 00:07:27 Morton, Frank, Wobbles e Gaita Tema do Gaita e Frank Fragmento 18
8 01:57:22 02:03:06 00:05:44 Gaita e Frank Tema do Frank e Gaita Fragmento 29
9 02:09:59 02:14:09 00:04:10 A Morte de Morton Tema do Frank Fragmento 31
10 02:15:29 02:16:57 00:01:28 Jill e Cheyenne Tema do Gaita Fragmento 33
11 02:16:57 02:20:45 00:03:48 Frank e Cheyenne Tema do Frank Fragmento 34
12 02:21:54 02:24:49 00:02:55 O ajuste final Tema do Gaita e Frank Fragmento 36
13 02:24:49 02:28:17 00:03:28 Flashback de Gaita Tema do Gaita e Frank Fragmento 37
14 02:28:17 02:30:41 00:02:24 A morte de Frank Tema do Gaita Fragmento 38

4.16.4.1: Gaita enfrenta três homens armados


O personagem Gaita é apresentado primeiramente pelo seu leitmotiv, o
fragmento do tema que referencia o foco da relação de ódio de Gaita por Frank. No
momento da melodia de Frank ela é variada e executada lentamente. Quando Gaita
para de tocar e pergunta por Frank inicia o tema como uma melodia crepuscular, afli-
ta, executada sem a gaita de boca, com um tom ameaçador e sinistro, que acaba
pouco antes do tiroteio. Os três homens são mortos por Gaita.

4.16.4.2: O assassinato da família MacBain


O leitmotiv de Frank e Gaita é utilizado no momento do assassinato da
família McBain por Frank e sua gangue. Os dois leitmotivs sobrepostos com o som
da gaita de boca e da guitarra distorcida são acompanhados pela orquestra e um
coral, revelando-se num tom muito mais agressivo, ameaçador e épico. A música é
definitivamente associada à denúncia da violência e da morte, sacralizando-a como
ritual, o ritual da morte, característica que será recorrente em todo o filme.
Essa é a fazenda dos McBain em Sweetwater (Água Doce). Será o lugar
central do filme. Brett (o pai dos McBain), Jimmy, Maureen, Patrick, seus filhos, pre-
param uma festa de recepção para Jill. Patrick é incumbido pelo pai de buscá-la
("sua mãe") na estação. Ele confronta o pai afirmando que ela não é a mãe (nossa
mãe morreu faz 6 anos); /// Ouve-se uma revoada de pássaros e um tiro. Maureen
cai morta. O pai é atingido e morto, Patrick é atingido e morto, na entrada de Jimmy
na varanda o tema de Frank Inicia; Frank dá uma cuspida; Frank mata Jimmy; Corte
no tiro

368
4.16.4.3: Gaita salva Jill aos olhos de Cheyenne
Na ameaça de dois homens de Frank à cavalo se aproximando e são eli-
minados por Gaita o que o torna, aos olhos de Jill e de Cheyenne (que observou a
cena à distância) um personagem de confiança. Quando morreu, a primeira edição
aparece Cheyenne impacto no lado positivo, e não será mais alterado.

4.16.4.4: Primeiro encontro entre Frank e Gaita


O flashback que é inserido após o primeiro encontro entre os dois perso-
nagens inclui um fragmento da gaita (tema de Frank e Gaita), de forma indireta. É a
primeira vez que se ouve o tema de Gaita executado por outra pessoa, que referen-
cia a origem da existência do tema, como se aplica a um evento do passado, ainda
não é esclarecido, mas, é uma a evidência que relaciona os dois. Na entrevista, ela
soa a segunda parte do tema, que não tem harmônico, e reforça a relação da música
com as duas personagens.

4.16.4.5: O duelo final


A cena do duelo é uma montagem paralela entre o tempo real do confron-
to e o tempo em flashback que, finalmente, revela o motivo do duelo pela articulação
do do leitmotiv musical.
Tempo do duelo: A música inicia com a figura do ostinato da viola (sem as
notas iniciais da gaita de boca), num crescendo constante, enquanto Frank e Gaita
se dirigem ao centro de uma arena redonda (como nos filmes anteriores). Os dois se
olham atentamente. Frank gira em torno de Gaita que permanece mais fixo. A músi-
ca consegue dotar a cena de um caráter de ritual, enfatizado pela presença das vo-
zes sem palavras. Desde sua primeira inserção ela portou a razão do encontro entre
os dois personagens. Esse é o momento de resolução, a explicação das intenções
do personagem Gaita por todo o filme. No diminuendo da música, Gaita se aproxima
mais de Frank. Os dois estão agora em posição. A música termina. O som do vento
se faz presente. A imagem em plano fechado mostra o rosto de Frank.
Tempo do flashback: Num close extremo no rosto de Gaita, as notas de
seu leitmotiv são "dolorosamente" apresentadas enquanto a imagem mostra, em

369
flashback, o rosto de um homem barbudo. É o rosto de Frank, bem mais moço. Ele
tira uma gaita de boca do bolso da camisa e o som da gaita se mistura ao som do
vento e da entrada do ostinato da viola.
Tempo do duelo: A imagem volta em plano fechado no rosto de Gaita. Um
zoom aproxima cada vez mais o rosto até que somente os seus dois olhos estejam
enquadrados na tela inteira. Um violoncelo anuncia a melodia de Frank e a volta ao
momento do flashback.
Tempo do flashback: Frank, com a gaita na mão diz para um jovem rapaz:
"Mantenha o seu irmão feliz". Ele enfia a gaita na boca do menino que esta imóvel e
soando muito. A guitarra distorcida inicia a melodia de Frank enquanto a imagem vai
abrindo para mostrar a cena patética de um rapaz em pé e com as mãos amarradas
para trás, sustentando em seu ombro um homem com uma corda no pescoço presa
numa espécie de arco (parecido com um arco romano) ao lado do Monument Valey.
Dois homens armados observam, um em cada pilar curvado do arco. A camêra afas-
ta até uma panorâmica e a imagem é cortada em plano fechado para o rosto de
Frank barbudo. No corte para o rapaz com a gaita na boca, percebe-se que ele está
exausto e tremendo muito. A câmera em Pan up chega ao rosto do homem com a
forca no pescoço. Numa tomada oposta, de cima para baixo, vê-se o homem balan-
çando. O rapaz balança muito, tentando se manter em pé, mas olha para os olhos de
Frank. Ele está com um sorriso sarcástico nos lábios. Numa seqüência de cortes
muito rápidos, todos os rostos são mostrados, até os olhos do menino parar a se-
qüência preenchendo toda a tela. O corpo do menino cai no solo empoeirado em
slow motion enquanto Frank sorri. Na queda a gaita cai de sua boca. A música termi-
na ficando o som intermitente de um sino (o mesmo do primeiro filme).
Tempo do duelo: Os dois, no tempo real, são muito rápidos, ouve-se dois
tiros, quase que simultâneos. A imagem mostra o rosto de Frank em plano fechado.
Frank está cambaleante. A imagem é cortada para o rosto de Jill dentro da casa que
apresenta um olhar de preocupação. Cheyenne que se barbeava com uma navalha
se corta. A imagem volta para a cintura de Frank, tentando colocar a arma no coldre.
Ele não consegue e derruba a arma no chão. Cambaleando, ele cai de joelhos, de

370
costas para Gaita que se aproxima. Sem poder resistir ao ferimento, Frank cai de
lado no chão. A câmera mostra o rosto de Gaita num ângulo de baixo para cima e,
logo, corta para a tomada oposta, de Frank caído. Frank pergunta: "Quem é você?"
Gaita arranca a sua gaita de boca do pescoço e se ajoelha na direção de Frank. Gai-
ta enfia o instrumento na boca de Frank. A respiração de Frank reproduz no instru-
mento o ostensivo leitmotiv. Frank segura a gaita nos seus dentes. O leitmotiv se tor-
na estridente e desafinado.
Tempo do Flashback: A imagem mostra novamente a queda em slow mo-
tion do rapaz no solo empoeirado.
Tempo do duelo: O leitmotiv fica mais rápido e desafinado enquanto o ros-
to de Frank termina de desabar, derrubando a gaita de sua boca que corta o leitmo-
tiv.
Portanto, no flashback paralelo ao tempo do duelo, o instrumento e o leit-
motiv do gaita são explicados: o instrumento era de Frank, que com extrema cruel-
dade colocou em sua boca quando ainda era um rapaz e tentava em vão sustentar
seu irmão nos ombros para que não morresse enforcado. Portanto, há uma ligação
deliberada com o passado: tanto o leitmotiv quanto o instrumento são os símbolos de
uma experiência traumática de Gaita quando adolescente. Em sua vingança, Gaita
simplesmente coloca o instrumento na boca de Frank, resultando, com seu último
suspiro, no som distorcido do tema que havia soado por todo o filme.

371
4.17 - A MÚSICA DE C’ERA UNA VOLTA L’ AMERICA – 1984
(ERA UMA VEZ NA AMÉRICA)
Julgo C’era uma volta in America um dos resultados cine-musicais mais importantes,
não só da parceria Leone-Morricone, mas de todo o cinema do pós-guerra, e assim
parece que lhe seja evidente o problema do obstáculo à renovação ou, se preferir, da
persistência de modelos estilísticos testados e aprovados aos quais o diretor se afei-
çoou. Entendi, mesmo que sem entusiasmo, a sensualidade dos vocalizes angelicais
em C’era una volta Il West – compensados, por sorte, pela presença áspera e arra-
nhada da guitarra elétrica no L’uomo dell’armonica –, enquanto que aquele mesmo
erotismo enfadonho, em carta envernizada, ideal quanto inexistente, não o entendo –
antes me incomoda – no último, extraordinário filme de Leone (Tema de Débora). O
problema é estabelecer aonde termina o sentimento e começa o sentimentalismo. Pa-
ra mim o sentimentalismo começa mesmo quando ataca a voz feminina. (MICELI,
2001:171)

4.17.1 - Ficha Técnica

4.17.2 - Comentários Iniciais


Era Uma Vez na América (1984) foi o último filme dirigido por Sergio Le-
one antes de seu falecimento em 1989. A gestação do filme, “o projeto dos sonhos”
de Leone, exigiu do diretor muitos anos de trabalho antes do início das filmagens. O
filme é baseado no livro “The Hoods” escrito por Harry Grey222. Leone projetava um
filme com mais ambições que as do livro, de cunho mais biográfico.

Eu não queria contar estritamente a história de um gangster, como o livro


faz. Queria fazer um filme sobre a recordação, o passar do tempo, a amiza-
de, a solidão e a morte. As seqüências do meu filme são fragmentos de me-

222
Publicado em 1953, o livro é, em parte, autobiográfico. O autor foi um gangster de pequeno calibre nos anos
1920 e 1930. Harry Grey escreveu o romance durante um período de detenção no cárcere de Sing Sing. Leone
teve em mente “The Hoods” como possível projeto desde a primeira vez que teve acesso ao livro, em meados da
década de 1960. A história, tal como planejou o diretor, seguia a infância da personagem no bairro judeu de Nova
York em 1923, depois, sua época como gângster em 1933 e seu regresso a cidade – e suas recordações – em
1968. Esta última parte não estava no romance. Precisamente em 1968, na estréia de “C’era una volta il West”,
Sergio Leone e Fulvio Morsella encontraram com Harry Grey que então contava com 70 anos de idade. Encontra-
ram-se num bar de ambiente duvidoso e foi ali que Leone descobriu claramente: “The Hoods” era uma autobio-
grafia do próprio Grey. Ao imaginar como um antigo mafioso contemplaria sua vida desde a perspectiva da idade
madura, aproximadamente 35 anos depois, Leone teve a idéia de acrescentar a “terceira idade” a história.
(AGUILAR, N. Sergio Leone: Érase uma vez en América, 2002).

372
mória que atravessam a consciência do protagonista, levando-o a descobrir
uma realidade que ignorav. (LEONE223)

Em outra ocasião, Leone acrescentou:

A personagem central do filme será o tempo. Com o passar dos anos as per-
sonagens mudam de aspecto e, às vezes, até de identidade. No entanto, per-
manecem fieis ao seu passado e determinadas por ele. O tempo as separou, o
tempo as enfrenta, o tempo volta a reuni-las. (LEONE224)

De forma análoga aos westerns, Leone extraiu da história e da sociedade


americana do início do século 20 o eixo dramático que conduziu o roteiro. Sua abor-
dagem se afastou radicalmente das de Coppola nos filmes COTTON CLUB (1984), THE
GODFATHER (O PODEROSO CHEFÃO, 1972) e THE GODFATHER II (O PODEROSO CHEFÃO
II, 1974); como também se desviou de outros filmes sobre gangsters, geralmente
mais centrados em cenas de ação (muitas vezes, violentas), mas sem grande reper-
cussão sobre o próprio o gênero cinematográfico. Ao invés, Leone fez com o “filme
de gangster” o mesmo que ERA UMA VEZ NO OESTE havia feito com os “filmes de wes-
terns”. A diferença é que os gangsters não são estereótipos, mas são enfocados pri-
meiramente como judeus imigrantes (descendentes do leste europeu) que, de fato,
foram assentados em guetos no início do século 20, época do nascimento da New
York contemporânea. Os períodos históricos abordados abarcam aproximadamente
50 anos, enfatizados nas décadas de 1920, 1930 e 1960 e, paralelamente a teleolo-
gia da história principal, pode-se acompanhar o desmoronar do chamado “sonho
americano”, ideologia que dificilmente deixa de encontrar reflexos nos próprios so-
nhos, seja em âmbito pessoal como social.
Devido ao longo período de gestação de ERA UMA VEZ NA AMÉRICA, muitas
das idéias musicais de Ennio Morricone foram “rascunhadas” e gravadas em “temp-
tracks” no período de 1979 a 1982, e foi dessas idéias que a trilha musical definitiva
se desenvolveu. A gravação aconteceu em Roma em dezembro de 1983 e grande
parte dela foi utilizada por Leone nos sets de filmagens.

223
AGUILAR, C. Sergio Leone. Madri: Cátedra, 1990, pp. 126-127. Entrevista realizada em janeiro de 1985; In:
FRAILE, J. R. Ennio Morricone: Música, Cine e Historia. Salamanca: Gráficas Verona, 2000, p. 204.
224
Idem, p.130, entrevista realizada em outubro de 1982.

373
A grande virtude da trilha musical sustenta-se na forma como se articula e
auxilia a narrativa do filme. A narrativa de C’ERA UNA VOLTA L’AMERICA é composta por
uma complexa teia de memórias, formada por sentimentos e lembranças do protago-
nista Noodles, apresentadas em constantes flashbacks e flash-forwards dispostos
em ordem não cronológica, estabelecendo o intrincado ciclo da história. Todo esse
emaranhado gerou algumas especulações sobre se o filme está baseado em eventos
“reais”, ou seja, vividos diegeticamente pela personagem, ou é um reflexo das aluci-
nações induzidas pelo ópio, ingerido por Noodles na introdução e no final do filme.

4.17.3 - Sinopse
Simplificando notavelmente, pode-se dizer que o filme narra a vida de um
gangster conhecido por Noodles. Sem respeitar a ordem seguida no filme, que passa
de um episódio temporal ao outro seguindo a linha dos pensamentos e dos senti-
mentos de Noodles (a música ajuda a seguir essa linha), o eixo de toda a narrativa é
construído pelo seu olhar. É através de seus olhos, de seus pensamentos e de seus
sentimentos que se percorrem três períodos diferentes da sua vida: 1923, 1933 e
1968.
Em 1923, era um rapaz de família pobre, sem instrução, que passa o seu
tempo na rua com seus amigos, todos pequenos delinqüentes, realizando “serviços”
para Bugsy, o chefe da gangue do bairro judeu. Durante um desses serviços, No-
odles conhece Max. Entre eles nascerá uma profunda amizade, mas, sobretudo, a
vontade de “serem independentes” de Bugsy, de não haver nenhum chefe. Assim
cinco rapazes: Noodles, Max, Cockeye, Patsy e Dominic criam sua própria gangue
que tem como sede o restaurante do pai de Fat Moe, outro amigo, cuja irmã, Débora,
Noodles é apaixonado. Na ascensão da gangue de Noodles o confronto com Bugsy
torna-se inevitável. Como resultado o pequeno Dominic é assassinado com um tiro
por Bugsy. Em represália, Noodles o mata, passando dez anos na prisão pelo assas-
sinato de Bugsy e de um policial que tentou interceder no momento do assassinato.
Chega-se assim em 1933. No momento em que Noodles sai da prisão,
depois de haver cumprido sua pena, reintegra-se aos amigos que continuaram com o

374
próprio “trabalho” da gangue, sob o disfarce de uma empresa de serviços funerários,
e abriram um bar (speakease) clandestino nos fundos do restaurante que agora per-
tence a Fat Moe. Porém, durante os dez anos, eles não se esqueceram do amigo
Noodles, que mesmo na prisão, continuou a fazer parte da sociedade. Eles sustenta-
ram a família de Noodles durante os 10 anos na prisão. Noodles retoma a sua vida
de gangster e reencontra Débora. Ela foi a força de seu pensamento para resistir aos
dez anos de prisão, mas, não obstante, o sentimento que perpassa entre os dois é
de que não foram feitos para um para o outro, de permanecerem juntos. Débora quer
realizar o próprio sonho de tornar-se uma estrela de teatro, mas Noodles, possessivo
demais, não lhe permitiria, “lhe trancaria num local e jogaria a chave fora”. A vida da
gang prossegue com a realização de vários “serviços” até o fim da “lei seca”. Nesse
momento os quatro amigos temem pelo fim da sociedade, e Max tem uma idéia que
rapidamente se torna uma obsessão: roubar o Federal Reserve Bank. Todos pensam
que Max está enlouquecendo. Noodles e Carol, a namorada de Max, formulam um
plano para salvar Max e a gangue. No projeto os quatro seriam surpreendidos e pre-
sos pela polícia, durante um último “trabalho” com o transporte de bebidas. A prisão
forjada da gangue daria tempo para Max recobrar a razão e esquecer a loucura sui-
cida de roubar o banco. Porém, Max estava mais lúcido do que todos pensavam. Na
tarde em que aconteceria a prisão da gangue, ele deu um jeito de retirar Noodles do
“trabalho” que, dessa forma, seria realizado somente pelos três: Max, Cockeye e
Patsy. O mecanismo da armadilha de Noodles, porém, falhou. Na intervenção da po-
lícia os três amigos Max, Patsy e Cockeye são mortos. O corpo carbonizado de Max
fica irreconhecível. Com um grande complexo de culpa e, perseguido pela Máfia, a
Noodles não restou outra coisa que mudar de identidade e fugir sem nenhum dinhei-
ro, pois, o dinheiro do “fundo de garantia” da gangue havia desaparecido misteriosa-
mente.
Em 1968, Noodles retorna a New York devido ao recebimento de uma car-
ta, remetida pela sinagoga para que providenciasse a transladação dos corpos de
Max, Patsy e Cockeye do cemitério hebraico, e um convite, para uma festa na casa
de um político importante, conhecido como Senador Bailey. Evidentemente alguém

375
havia encontrado Noodles e o local onde se escondeu por todos aqueles 35 anos. O
motivo do retorno de Noodles é saber quem descobriu e por qual razão. Ele desco-
bre que quem o encontrou foi o Senador Bailey: o próprio Max. Max encenou a pró-
pria morte para trocar de identidade e começar uma nova vida independente da gan-
gue, mas, tendo feito um “jogo sujo”, se encontrava com problemas muito sérios que,
como conseqüência, não apresentavam outra possibilidade que sua própria morte.
Por esse motivo tinha pensado em Noodles: “não havia coisa melhor que morrer pe-
las mãos de um amigo traído que, certamente, exigiria vingança”. Mas, Noodles re-
cusa-se a vingança, pois numa tarde de 35 anos antes, Max havia salvo sua vida e,
também, porque para ele o seu amigo Max havia morrido mesmo naquela tarde de
muito tempo atrás. Ao “Senador Bailey” não resta outra coisa que morrer.

376
4.17.4 - Decupagem
Na decupagem do filme existem 70 inserções musicais, totalizando 2 ho-
ras 4 minutos e 48 segundos de música (o filme tem 3 horas e 49 minutos de dura-
ção). 41 minutos e 43 segundos de música diegética; 1 hora 19 minutos e 2 segun-
dos de música extra-diegética; 4 minutos e três segundos de música híbrida (com
características diegéticas e extra-diegéticas) utilizadas em momentos denominados
de “montagem sonora”.

4.17.5 - As faixas do CD das músicas do filme: “Once Upon a Time in Ameri-


ca”
A gravação, catalogada 7-4321-61976-2-0, lançado em 1998, não respeita
a ordem de entrada das inserções na película. As 19 faixas do CD, com duração total
de 1 hora, quatorze minutos e trinta segundos, são as seguintes:

Nº NOME DA FAIXA DURAÇÃO


1 Once Upon a Time in America 00:02:11
2 Poverty 00:03:37

3 Deborah's Theme 00:04:24

4 Childhood Memories 00:03:22


5 Amapola 00:05:21
6 Friends 00:01:34
7 Prohibition Dirge 00:04:20
8 Cockeye's Song 00:04:20
9 Amapola - Parte 2 00:03:07
10 Childhood Poverty 00:01:41
11 Photographic Memories 00:01:00
12 Friends 00:01:23
13 Friendship & Love 00:04:14
14 Speakeasy 00:02:21
15 Deborah's Theme-Amapola 00:06:13
Suite from Once Upon a Time in America (Includes
16 00:13:32
Amapola) [#]
17 Poverty [Temp. Version][#] 00:03:26
18 Unused Theme [#] 00:04:46
19 Unused Theme [Version 2][#] 00:03:38

377
Em seu âmago, a trilha sonora musical é construída a partir da utilização
de temas principais e secundários, pela forma como são conectados às relações
pessoais do personagem principal (Noodles, interpretado por Robert De Niro) e, ain-
da, diferenciados pelo modo de como são orquestrados e executados. Nesse senti-
do, ERA UMA VEZ NA AMÉRICA é muito similar à ERA UMA VEZ NO OESTE, que também
utilizou o mesmo conceito leitmotívico similar. Porém, em ERA UMA VEZ NA AMÉRICA,
Morricone prescindiu dos traços tão característicos que o tornaram popular nos wes-
terns italianos, dando lugar a uma trilha musical com características mais românticas
e melancólicas que, na época, pretendeu ser fiel aos três momentos temporais em
que se remetem o filme: 1923, 1933 e 1968.
Morricone construiu uma partitura que sublinha tanto as relações tempo-
rais específicas quanto algumas mais genéricas. Uma das referências temporais está
no estilo jazzístico próprio de New Orleans dos anos 20 e 30. Esse estilo gera um
tom irônico quando contraposto ao restante da música da trilha musical, dotando o
filme de um profundo sentimento nostálgico.
Os temas compostos por Morricone, além de identificar relações com per-
sonagens, buscam expressar o tempo em suas marcas principais: a pobreza da in-
fância e da juventude dos protagonistas, a “eterna” amizade, o ideal de perfeição de
um amor inatingível e, finalmente, o cansaço, solidão e a desilusão.
Um dos fatores coercitivos da trilha musical está nas tonalidades escolhi-
das dos principais temas, o primeiro em Mi menor, três em Mi Maior e “Amapola” em
Lá Maior, respectivamente. Cada um deles possui intrinsecamente as qualidades
modulares, ou seja, pode ser combinado, com ou sem variação e em qualquer or-
dem, com os demais.
Como já foi abordado, esse método de composição permite que cada in-
serção seja fácil e imediatamente reconhecível, mesmo quando em seqüências muito
breves em que os temas não são apresentados completos, mas, mediante a poucos
fragmentos. Trata-se de um fator que permite a valorização em grau máximo do ele-
mento musical e, conseqüentemente, também do filme. Tudo isso representa certa

378
adaptabilidade da própria música, pois, pelo fato de ser construída de modo fragmen-
tário permite adaptar-se aos episódios fílmicos, também muito breves, sem perder a
própria identidade.
Como em C’ERA UNA VOLTA IL WEST (ERA UMA VEZ NO OESTE), a trilha sonora
musical de C’ERA UNA VOLTA L’AMERICA (ERA UMA VEZ NA AMÉRICA) propõe “velada-
mente” o ritmo do filme. Os temas serviram para a marcação das cenas no set de
filmagem, e na montagem final são retomados, na maioria das vezes, integralmente.
A trilha musical é dividida em temas pré-existentes e originais que, de
acordo com a importância nas inserções, assumem distinções primárias ou secundá-
rias.

4.17.6 - Temas pré-existentes


Peças já existentes, normalmente conhecidas e de outros autores, utiliza-
dos por Morricone e Leone no filme principalmente como música diegética. Leone
desejava canções, porém, sem letra, que fizessem referências históricas precisas,
mas, sobretudo que fossem capaz de evocar o sentimento nostálgico do próprio fil-
me. A escolha foi: "Summertime” (Porgy and Bess – George Gershwin); “Night and
Day” (Cole Porter); “Yesterday” (John Lennon e Paul McCartney); “Amapola” (Joseph
M. La Calle). Um caso a parte foi a escolha da Abertura da ópera “La Gazza Ladra”
de Gioacchino Rossini, escolhida por Carla Leone, esposa do diretor Sergio Leone.
Somente uma das canções é utilizada com letra no filme: “God Bless Ame-
rica" (composta por Irving Berlin).

4.17.6.1: God Bless America


Irving Berlin, judeu imigrante da Sibéria (Rússia) para os E.U.A., em 1893,
um dos grandes precursores na composição de canções americanas no século 20,
compôs originalmente a canção "God Bless America" em 1918, tendo em mente fa-
tos e eventos associados diretamente à Primeira Guerra Mundial. A mãe de Berlin
utilizava com freqüência a expressão "God Bless America" para expressar a gratidão
que sentia pelo país. No outono de 1938, quando a segunda guerra ameaçava a Eu-

379
ropa, Berlin deciidiu escreve
er uma "canção de pa
az". Ele ressgatou a ca
anção que h
havia
composto e fez algumas
a alterações no
o sentido d
de "refletir o estado differente do mun-
do". "God Bless America" foi
f gravada
a e executa
ada no rádio
o pela canttora Kate S
Smith
duran
nte o "Armis
stice Day" (11
( de novembro de 1
1938). Berlin afirmou que escrevveu a
cançã
ão com o objetivo de expressar
e sua
s gratidão
o à Americca por todass oportunid
dades
que lh
he haviam sido
s dadas. A música e a perform
mance de K
Kate Smith foram utilizzadas
em pe
eças de tea
atro com teo
or patriótico
o e no filme
e "This is th
he Army" [F
Forja de He
eróis],
1943, dirigido po
or Dirigido por Michae
el Curtiz. E
Embora tenh
ha recebido
o várias críticas
aponttando seu conteúdo ideológico de propaga
anda, reaccionário ou,, simplesmente,
sentim
mentalista, a canção tornou-se
t tão
t popularr que transfformou-se n
num símbo
olo do
chamado "ameriicanismo", formando-s
se, por vezzes, movime
entos no se
entido de trans-
formá
á-la num hin
no nacionall.

Figura
a 94 – Letra de “God
“ Bless Ame rica” de Irwin B
Berlin

380
Figura 95
9 – Partitura de
e “God Bless Am
merica” de Irwin
n Berlin

A mús
sica é Inserida em dois momento
os do filme (fragmento
os 1 e 68). Tan-
to na primeira quanto
q na segunda in
nserção sua utilização
o é diegétiica tendo ccomo
fonte sonora os rádios dos
s carros qu
ue participa
am da com
memoração
o do fim da
a "Lei
Seca"". Ela tamb
bém inicia do
d mesmo ponto nas duas inserrções (Prim
meira Inserçção -
Segun
nda Inserçã
ão).

1 00:01::15 00:03:49 Primeira Inserção


I dieg
gética

68 01:40::33 01:41:26 Segunda Inserção


I dieg
gética

381
Na primeira inserção o caráter diegético não é muito claro, mas o ponto de
sincronia (o final da música) estabelece-se no primeiro tiro que mata Eve, a namora-
da de Noodles.
Na segunda inserção, pode-se observar o aspecto de comemoração dos
carros que cruzam com Noodles, todos estão alegres e bebendo. O caráter diegético
da primeira inserção, fica fortalecido, mas, cria uma ambigüidade. Em princípio, a
comemoração está associada (sonoramente) no filme ao final da "Lei Seca", portan-
to, 1933. Cria-se a ambigüidade quando se nota que estamos em 1968 (o que não é
muito claro para o espectador normal) Noodles está velho e os carros que passam
por ele não são típicos de 1968, mas da década de 1930, portanto, anteriores ao que
está se mostrando. Qual é o significado dessa ambigüidade? Em relação à “God
Bless America”, a questão que fica dessas inserções é: se não estamos mais em
1933, mas, em 1968, porque a música é utilizada da mesma forma (como se estives-
se em 1933)?
Uma das críticas que foram feitas ao filme centra-se no anacronismo por
parte de Sergio Leone, pois, no caso, a gravação incluída dessa música só foi utili-
zada de fato no rádio americano depois de 1943. Morricone e Leone certamente sa-
biam disso. Portanto, a idéia que prevalece nessa inserção não é a de caracterizar
uma época específica.
“God Bless America” é um símbolo dos Estados Unidos e do americanis-
mo. Como um símbolo não-oficial carrega uma dualidade intrínseca adquirida após
anos de utilização. Por um lado representa poeticamente a simplicidade de uma mãe
(a mãe de Irving Berlin) imigrante que agradece e roga a Deus que abençoe a terra
que a acolheu; por outro, devido inclusive ao modo como foi utilizada durante tanto
tempo, evoca toda a decrepitude de uma nação que também se corrompeu.
Possivelmente, a idéia na utilização assenta-se nessa dicotomia intrínseca
da canção que reflete os anseios e a morte do chamado "sonho americano". A gêne-
sis desse sonho pode ser localizada na recomendação do estabelecimento dos prin-
cípios fundamentais da chamada Sociedade Americana (o "americanismo") pela "Na-

382
tional Americanism Commission of the American Legion", em 1919, numa convenção
nacional em Minneapolis (Minnesota).
Portanto, por um lado, a inserção é uma homenagem verdadeira de Leone
a América (refletida primeiramente na própria gratidão que a mãe de Irwing Berlin
sentia e posteriormente pelo próprio relato de gratidão à América feita por Berlin); por
outro, a inserção relaciona o mesmo tipo de decrepitude da canção como uma das
possíveis leituras do filme, sublinhando todo o conteúdo ideológico que se apossou
tanto da canção quanto da história. Nas duas audições da música nos dois contextos
onde estão inseridas, implicam nesse possível desgaste proposto.
Na realidade do filme, a ambigüidade criada na mistura dos dois momen-
tos (1933 e 1968) pode reforçar a tese de que toda a história não passar da imagina-
ção de Noodles sob efeito do ópio.

4.17.6.2: Summertime; Night and Day e Yesterday


“Summertime” e “Night and Day” são peças utilizadas internamente (diegé-
ticas) com clara função de ambientação e de referência temporal no andamento não
linear do filme. Nas suas inserções são, normalmente, executadas por um piano que
pode ser visto ou inferido nas cenas. “Night and Day” tem um arranjo especial para
jazz band no momento em que Noodles e Max estão na Flórida e ficam sabendo pelo
jornal do final da “Lei Seca”.
Esse também é o caso de “Yesterday” que em duas de três utilizações, é
ouvido diegeticamente num piano. Porém, no momento da primeira passagem de
1933, no momento em que Noodles se prepara para “partir para qualquer lugar com
o primeiro” trem, para 1968, o tema é ouvido externamente (extra-diegético). No seu
ataque, ouve-se a palavra Yesterday e, posteriormente, Suddenly como se a música
fosse ser executada com a letra, o que não se confirma no prosseguimento do arran-
jo para orquestra. O sucesso da canção dos Beatles em 1968, torna plausível que
Noodles conhecesse a canção e que, portanto, pudesse estar em sua mente, como
uma expressão de seus pensamentos e sentimentos.

383
4.17.6.3: “La Gazza Ladra”
A abertura de “La Gazza Ladra” de Rossini é utilizada somente em uma
cena, o momento que a gangue de Noodles troca a identidade de recém-nascidos na
maternidade de um hospital. A música cobre completamente os diálogos e os ruídos,
articulando a animação da seqüência. Somente no fim é sobreposto o som do choro
dos bebês, demonstrando que a tarefa estava cumprida. É evidente o tom anempáti-
co da música e das imagens e, além disso, a discrepância estilística em relação ao
tratamento do restante das cenas do filme. O efeito grotesco da situação, finaliza
uma cena que, se executada de outro modo, poderia enfatizar demasiadamente a
violência da tarefa na narrativa. Portanto, ela é uma oportunidade de relaxamento e
preparação para o nível de envolvimento das cenas subseqüentes.

4.17.7 - Temas Principais


No que se refere à música original, Leone tinha exigências precisas. O
papel da música deveria ser fundamental, na evocação de lembranças, sentimentos
e nas passagens de uma época para outra. Outra exigência específica foi com o per-
sonagem Cockeye que toca diegeticamente uma pequena flauta de pã (como em
PER QUALCHE DOLLARO IN PIÙ em relação ao personagem Índio que era caracterizado
pelo som diegético do relógio de bolso; e em C’ERA UNA VOLTA IL WEST, em relação ao
personagem Gaita e seu instrumento).
Seguindo os mesmos procedimentos dos dois primeiros filmes da segunda
trilogia, grande parte da trilha musical já estava pronta e gravada antes das filma-
gens. Novamente a utilização da música nos sets de filmagem auxiliou os atores nas
interpretações, permitindo a obtenção de um ritmo e de uma sincronia extraordinária
na articulação dos componentes narrativos imagéticos, sonoros e musicais.
Cinco temas principais e recorrentes são pensados como leitmotifs. Qua-
tro deles são originais: Once Upon a Time in America, Poverty, Cockeye’s Song, e
Debora’s Song; e um de música pré-existente: “Amapola”.
Porém,o conceito de leitmotiv utilizado por Morricone no filme é diferente
do utilizado em C’ERA UNA VOLTA IL WEST, onde cada tema se associava diretamente

384
a um
m personag
gem protagonista. Os
O Leitmot ivs musica
ais de C’E
ERA UNA V
VOLTA

L’AME
ERICA são associados
a ao olhar (ponto
( de vvista) e sen
ntimentos d
do persona
agem
Noodles (Robertt De Niro), ou seja, é através da
a ação de N
Noodles qu
ue todos o filme
esenvolve. Noodles es
se de stá presentte em toda s as seqüê
ências do ffilme (excetto as
duas primeiras). Toda cron
nologia não
o linear da história é disparada, por algum
ma ra-
zão, por
p Noodles. Nessa perspectiva,
p , Morricone
e não escre
eveu um leitmotiv esp
pecífi-
co pa
ara ele. Ao invés, escrreveu os te
emas assocciados às rrelações e sentimento
os de
Noodles. O tema
a da Améric
ca, o seu lu
ugar – Oncce upon a ttime in Ame
erica –; Débora,
o seu ideal de am
mor – Debo
ora’s Song e Amapola
a –; e sua gangue, o id
deal de amiizade
e trab
balho – Pov
verty e Cock
keye’s Son
ng.

4.17.7
7.1: Tema 1: Poverty
y

Figura 96 – Melodia de P
Poverty

cteriza-se como
Carac c um tema nostá
álgico que representa os anseio
os do
grupo
o quando enveredado ao mundo
o do crime. A melodia
a é ouvida no piano, fflauta
ou ba
andolim. Su
ua grande im
mportância
a na trilha m
musical é devido à sua
a natureza que,
assoc
ciado às im ambém refllete a angú
magens da gangue, ta oodles. O tema
ústia de No
articula os mome
entos mais
s “penosamente” emottivos do film ma da “pobreza”
me. É o tem
e do “caminho”
“ seguido
s pella gangue. Ele articula
a o vínculo primário do
o ambiente e da
vida dos
d persona
agens do grupo
g de No
oodles, unid
dos pela am
mizade da infância, attribu-
indo conotações
c s “populares
scas” e de pobreza, o
onde fundam
mentalmentte reina a ttriste-
za e a desolação
o, na idéia de
d uma "vid
da melhor"..

385
Portanto, é o tema que, normalmente, se refere às reminiscências nostál-
gicas do passado de Noodles refletido no relacionamento afetivo do grupo de ami-
gos.

A idéia temática, o cromatismo e a instrumentação, aquele cromatismo po-


pularesco, provém da época na qual o filme se desenvolve. Recordo-me de
quando era menino e escutava Appassionatamente de Rulli225: aquelas músi-
cas um pouco nostálgicas, antigas e modernas... eram os modos típicos de
uma época. É necessário trabalhar sobre as sugestões que provêm da ceno-
grafia, dos costumes, mas, não tanto para resolver a situação de um tema
predominante, para procurar dar as músicas uma ambientação, um clima
sonoro plausível que compreenda também a idéia temática. (MORRICONE,
2001:190)

A conotação “mafiosa” do tema, com um sabor do sul da Itália é compará-


vel ao tema de D. Corleone, escrito por Nino Rota para o filme de Francis Ford Cop-
pola, O PODEROSO CHEFÃO, de 1972.
Em relação aos outros temas da trilha musical, ele é um pouco mais arti-
culado que “Once upon a time in America” e o “Debora’s Song”.
No CD, faixa 2, denominada Poverty, estão acoplados dois temas: Tema1
e um tema não utilizado no filme com solo de flauta. Porém, na faixa 10 do CD: Chil-
dhood Poverty, o Tema 1 é executado por bandolim e orquestra, sem a combinação
com outro tema qualquer.
Durante o filme o Tema 1 é utilizado sete vezes. Quatro delas está aco-
plado modularmente com o Tema 3 (Tema 1 + Tema 3) sublinhando a técnica modu-
lar de Ennio Morricone. Na quarta inserção (fragmento 10) ele é variado de forma
jazzística ambientando a época de 1923, onde está inserido.

225
Dino Rulli (1890-1930), compositor romano, foi o autor, entre outras, de Addio tabarin e Scettico Blues.

386
A tabe
ela abaixo apresenta
a todas
t as insserções do
o Tema 1:
Nº INÍCIO FIM DU
URAÇÃO IDEN
NTIFICAÇÃO C
Classificação

extra-
1 00:13:20 00:14:53 0:01:33 Salvan
ndo FAT MOE
E
diegética

FAT
F MOE’S D
DRINKS AND
D SAND- extra-
2 00:24:36 00:27:44 0:03:08
W
WICHES diegética

extra-
3 00:42:14 00:43:10 0:00:56 Prime
eiro Espelho
diegética
extra-
4 00:43:10 00:43:38 0:00:28 Serviç o para Bugsyy
diegética
extra-
5 00:56:40 00:59:04 0:02:24 DOC
CE X SEXO
diegética

Noodles vai pa
ara a Penitencciaria do
extra-
6 01:27:30 01:29:38 0:02:08 Departamento
D o de Polícia d
de New
diegética
York
VOLTA
V AO TE
EATRO CHIN ÊS (DÉ-
extra-
7 01:41:26 01:44:55 0:03:29 CADA
C DE 193
30) – APRONT
TANDO-
diegética
SE PA
ARA O ÓPIO

4.17.7
7.2: Tema 2:
2 “Cockey
yes’ Song”

Figura 97 – Melodia
M de Cockkeyes’ Song

Como
o o tema an
nterior, também se reffere ao grupo de Nood
dles, porém
m, re-
flete mais
m diretamente os momentos
m de
d decadên
ncia da gan
ngue até su
ua completa ex-
tinção
o. Se “Pove
erty” articula-se na po
obreza e de
esolação da
a decadênccia do grup
po de

387
Noodles, “Cockeye’s Song” associa-se aos seus momentos de violência. Executado
na flauta de pã por Gheorghe Zamfir é, portanto, associado diegeticamente à perso-
nagem Cockeye na ação no filme (como já foi abordado, isso já havia sido feito com
a gaita de boca no filme ERA UMA VEZ NO OESTE). Cockeye (William Forsythe) toca o
trecho inicial desse tema, ou do Tema 3, numa pequena flauta de pã que carrega
consigo, portanto, no nível interno (diegético).
O tema é construído pela repetição obsessiva de tercinas, criando, em
momentos de confronto, uma tensão análoga às peças dos duelos dos filmes anterio-
res de Leone, porém, os pistoleiros do “novo velho-oeste” italiano são substituídos
por gangsters da “moderna” New York. A instabilidade tonal, também reflete o mes-
mo tipo de ambigüidade harmônica do pensamento musical da primeira trilogia. O
tema não está em Mi Maior, como a armadura de clave sugere, mas, pela progres-
são dos acordes, (Lá menor, Mi maior, Mi menor, Si maior e Mi maior [terça de picar-
dia]). A utilização das tercinas cria os mesmos desenhos dos ostinatos utilizados em
IL BUONO, IL BRUTTO, IL CATTIVO.
A tabela abaixo apresenta todas as inserções do Tema 2:

Classificação
Nº INÍCIO FIM DURAÇÃO IDENTIFICAÇÃO
objetiva
extra-
1 00:20:24 00:21:27 0:01:03 Estação de Trem
diegética
extra-
2 01:14:10 01:15:11 0:01:01 Surra em Noodles e Max
diegética
extra-
3 01:24:17 01:25:39 0:01:22 O Escorregão de DOMINIC
diegética

Noodles abrindo e entrando no Mauso- extra-


4 01:30:06 01:31:06 0:01:00
léu até fechar a porta, por dentro diegética

extra-
5 01:31:20 01:31:42 0:00:22 Reabrindo a porta do Mausoléu
diegética
extra-
6 01:32:07 01:32:29 0:00:22 Ainda no Mausoléu
diegética
7 00:41:45 00:43:12 0:01:27 O TRONO DE MAX – TOMANDO CAFÉ diegética

8 00:47:43 00:47:57 0:00:14 MAX – COMO TRATAR AS MULHERES diegética

388
4.17.7
7.3: Tema 3:
3 “Once Upon
U a Tim
me in Amerrica”

Figura
F 98 – Tema
a de C’era una v
volta l’America
a

O tem
ma, em Mi maior, é co
onstruído e
em progresssão, a parrtir da repe
etição
rítmica e melódica com pequenas variações, de
e uma célulla muito sim
mples e de
e pro-
porçõ
ões reduzida
as. A prime
eira nota da
a célula, a m
mais longa (uma semibreve) pode, no
decorrrer da melo
odia inteira da inicial de uma novva célula qu
a, tanto ser considerad uanto
final da
d célula anterior.
a Qualquer
Q um
ma delas p
podem ser convertidass em uma nota
“peda
al”, um mod
do sutil de entrada,
e permanência e/ou saída
a do tema, uma forma bas-
tante efetiva de preparação
o gradual da
a presença
a musical no
o filme. Esssa possibilidade
se ap
presenta de
evido ao ca
aráter menos articulad
do em rela
ação ao tem
ma precedente,
novam eado em uma “micro--célula”, ritm
mente base e uniforme e sobrepossta a
micamente
peque
enas variaç
ções, quase
e transposiç
ções.
O tem
ma é o mais
s central na
a trilha inteira, pois porta um sentimento de nos-
talgia que, quand
do modularrmente associado aoss demais temas, sublin
nha a corru
upção
tanto do grupo de
d Noodles quanto da própria Am
mérica. Tem
m caracteríssticas elegííacas
quand
do dominad
do pelas co
ordas. Seu tom
t erado mais melancólico em
pode sser conside
relaçã
ão aos outrros temas, e reflete a própria an gústia de N
Noodles no
o decorrer d
do fil-
me. A sua curta
a extensão
o facilita su
ua memorizzação, além
m de possibilitar que seja
execu
utado por in
nteiro ou rep
petido, com
m uma instru
umentação
o diversifica
ada.

389
Na enfatização de sua importância como “Tema Central” no filme, Leone
utilizou “Once upon a time in America” 17 vezes, em duas versões principais:

 Versão orquestral - estruturado no modo de utilização "pseudo-sinfônico" da


orquestra com a predominância da melodia nas cordas. Essa versão é a utili-
zada, principalmente, na época de 1933 ou 1968.
 Versão jazzística (“Friends”) - A uniformidade das “micro-células” torna o te-
ma particularmente dúctil, apto a submeter-se a transformações radicais,
como em efeito acontece no filme, transformando Once upon a time in Ame-
rica em um tema de Jazz band. Isso pode ser feito em virtude da essenciali-
dade da célula rítmico-melódica. Se o tema fosse escrito sobre uma melodia
muito articulada e com ritmo muito variado, não seria fácil adaptá-lo a outro
contexto. Ele é adaptado ao ritmo e a formação de um pequeno grupo de
jazz com a melodia no clarinete ou na flauta. Essa versão ambienta a época
de 1923. Nessa forma estilizada a melodia também é executada diegetica-
mente por Cockeye na flauta de pã que, quase sempre, carrega consigo. O
tema também é, nessa forma, assoviado pelos membros do grupo de No-
odles e, em especial, por Dominic, antes de sua morte.

390
A tabela abaixo apresenta todas as inserções do Tema 3:
Classificação
Nº INÍCIO FIM DURAÇÃO IDENTIFICAÇÃO
Objetiva
FAT MOE’S DRINKS AND SAND- extra-
1 00:24:36 00:27:44 0:03:08
WICHES diegética

Esperando para roubar o relógio do


2 00:45:29 00:46:04 0:00:35 diegética
bêbado
Cockeye executa novamente o tema na
3 00:48:12 00:48:43 0:00:31 diegética
flauta de pan
extra-
4 00:55:01 00:56:18 0:01:17 Meu tio
diegética
extra-
5 00:56:40 00:59:04 0:02:24 DOCE X SEXO
diegética
6 01:20:50 01:21:38 0:00:48 Após o serviço do SAL para Capuano híbrida

7 01:23:32 01:24:16 0:00:44 New York (antiga) diegética

Noodles vai para a Penitenciaria do extra-


8 01:27:30 01:29:38 0:02:08
Departamento de Polícia de New York diegética

extra-
9 01:31:42 01:32:07 0:00:25 A sepultura dos três:
diegética
extra-
1 01:32:42 01:33:24 0:00:42 A CHAVE
diegética
extra-
11 00:01:51 00:02:25 0:00:34 O CARRO NO MAR
diegética
extra-
12 00:38:50 00:41:02 0:02:12 O estupro de Débora
diegética
extra-
13 00:54:06 00:54:26 0:00:20 Noodles e Max – Indo para a Praia
diegética
extra-
14 00:57:40 00:59:39 0:01:59 O SONHO LOUCO DE MAX
diegética
extra-
15 01:22:48 01:24:49 0:02:01 NOODLES VÊ DAVID
diegética
extra-
16 01:31:53 01:33:23 0:01:30 POR QUE NÃO ATIRA?
diegética

VOLTA AO TEATRO CHINÊS (DÉCA-


extra-
17 01:41:26 01:44:55 0:03:29 DA DE 1930) – APRONTANDO-SE
diegética
PARA O ÓPIO

391
4.17.7
7.4: Tema 4:
4 “Debora
a’s Song”

Figura 99 – Melodia
M do Tema
a de Débora

É um dos dois le
eitmotivs as
ssociados a
ao sentimento afetivo de Noodles por
Débora (o outro
o é Amapo
ola). A mús
sica també
ém ficou co
onhecida ccomo “Tem
ma de
Amor””. Muito pa
arecido em seu tom ao anterior, difere prin
ncipalmente
e no aspectto de
ser mais
m obsess
sivo e um pouco mais passional e
em seu com
mportamen
nto. A músicca foi
ema composto para um
um te m filme de Zeffirelli na
a década de
e 1970 e não utilizada
a (re-
jeitada
a).
Uma das caracte
erísticas mais debatid
das com referência a música para ci-
nema
a de Ennio Morricone
M está
e no fato
o de que al guns de se
eus temas tterem sido com-
postos para outrros filmes anteriores e, por qualq uer motivo,, não utiliza
ados.

Morriccone compôs partituras


p paara aproximaddamente 300 filmes em soomente
duas décadas,
d numaa ampla gam ma de estilos m musicais e fíl
ílmicos, escreevendo
muito rapidamente
r e basicamentte seguindo suuas próprias inclinações ppara o
som. Freqüentemen
F te, ao invés dde sincronizaar a música ddiretamente ccom o
filme, Morricone
M esccreve uma séérie de temas que acredita encaixar-se e per-
mite aoo diretor esco
olher aqueless que parecem m ser os maiis apropriadoos (Os
descarttados, com frreqüência apaarecem em outros filmes ttotalmente dif iferen-
tes). En
nquanto que muitos
m críticoos objetam coom relação a esse procedim mento,
perman nece notável o quanto suaa música tem m, sem dúvidda, contribuíddo aos
filmes em
e que é utiliizada. (LARSO ON. In: LEINNBERGER, 20004:26)

Atualm
mente, a música
m de Morricone
M ffoi utilizada
a em maiss de 400 fillmes,
amas de te
progra elevisão e vídeo
v game
es, a maiorria produzid
dos na Itáliia. O fato d
de al-
guma
as de suas músicas
m pa
ara filme po
oderem ter ssido escrita
as antes pa
ara outros p
proje-

392
tos e terem sido descartadas pode parecer, em princípio, um despropósito, pois o
paradigma corrente apregoa que somente o próprio filme deva ser a fonte de inspira-
ção da música original do compositor. Entretanto, na mão de Morricone, esse método
de composição é consistente e coerente com sua habilidade em escrever pequenas
unidades que podem ser conectadas, formando idéias musicais maiores e mais
completas, criando um todo que é, muitas vezes, maior do que a soma de suas par-
tes. É a combinação das partes mais apropriadas que permite a Morricone adaptar
os velhos temas musicais, ou as idéias musicais descartadas anteriormente, em no-
vos filmes.
O fato de sua música contribuir significantemente aos filmes em que apa-
recem, particularmente quando dada uma quantidade razoável de tempo e espaço,
como é o caso de C’ERA UNA VOLTA L’AMERICA de Leone, é evidência da efetividade
desse procedimento. Ele é uma reminiscência, apesar de mais sofisticado, da prática
do cinema mudo, quando pequenas peças de uma biblioteca de música eram seleci-
onadas baseadas em climas desejados para os diversos momentos do filme. No ca-
so dos filmes mudos, a música selecionada freqüentemente era diferente de uma
sala para outra, e de uma execução para outra, tornando uma análise crítica imprati-
cável.
Morricone, no curso da Chigiana, comentou sobre esse procedimento:

Leone tinha o gosto de pegar os temas que haviam sido descartados por ou-
tros diretores. Alguns dos temas de seus filmes têm essa origem. Existe um
precedente que deve ser explicado. No filme Per un pugno di dollari, Leone
queria inserir o Deguello. Eu ameacei deixar o filme porque não podia acei-
tar que uma cena importante houvesse uma música de outro compositor. Le-
one cedeu, mas me pediu que escrevesse uma peça que parecesse com o De-
guello. Constrito a fazer uma espécie de imitação, como uma forma de vin-
gança peguei um tema que tinha escrito e utilizado alguns anos antes para
‘I drammi Marini’ de O’Neill, colocando o trompete e escrevendo alguns
melismas típicos da música mexicana (outros foram improvisados pelo solis-
ta, Michele Lacerenza). Mais tarde confessei a verdade a Leone e, desde en-
tão, quis sempre meus temas pré-existentes, mas, sobretudo os refutados por
outros diretores. Tornou-se um hábito. Ele sempre me dizia: “O que descar-
tou aquele tolo do Z...? ... Este?... É belíssimo”. E assim foi. (MORRICONE,
2001:198)

393
Nas inserções do Tema de Débora encontra-se com maior evidência, a
função do pedal como dispositivo que propicia a delicada passagem entre silêncio
(da pista musical) e música. Podemos notar a dilatação melódica e o uso das pau-
sas, que “espaçam” as semi-frases com um sentido de suspensão, de espera. Uma
espera que se dilui quando a articulação segue na direção do ponto culminante da
peça. Miceli (2001: 187) afirma que “esse caráter constante é típico do desenvolvi-
mento melódico em Morricone”. Morricone concorda:

Eu, em geral, utilizo os pedais; talvez os utilizo demais, mas, são úteis, são
as coisas mais simples para começar. Um pedal não irritante, mas que faça
sentir que a música está entrando, ou seja, entrou. O tema que entra sem
preparação corre o risco de não ser recebido como mereceria, enquanto que
um pedal predispõe, assinala, cria uma expectativa. E depois, além da valo-
rização do tema, é a passagem mesma do silêncio ao som que vai preparada,
mas sem grandiosidade, de forma simples, de maneira, diria, quase “não
musical”. A mesma coisa vale para o fechamento, que deve ser expressiva,
mas delicada. Ocorre voltar ao silêncio musical com discrição, salvo exce-
ções. Essas são regras fundamentais que colidem, porém, com a tendência
que tem os diretores a rechear os seus filmes de música, com a conseqüência
que a presença musical se desqualifica e não oferece mais a contribuição
que poderia ter dado. (MORRICONE, 2001:189)

A tabela abaixo apresenta todas as inserções do Tema 4:

Classificação
Nº INÍCIO FIM DURAÇÃO IDENTIFICAÇÃO
Objetiva
extra-
1 00:34:29 00:37:06 0:02:37 Tenho dormido cedo
diegética
extra-
2 01:02:39 01:04:30 0:01:51 A primeira vez de Noodles e Max
diegética
extra-
3 01:07:48 01:10:28 0:02:40 Débora lê para Noodles
diegética
extra-
4 01:15:11 01:15:45 0:00:34 Débora não socorre Noodles
diegética
extra-
5 00:26:26 00:26:53 0:00:27 Noodles e Débora
diegética

NA AREIA DA PRAIA DO RESTAU- extra-


6 00:31:38 00:34:18 0:02:40
RANTE diegética

7 01:12:00 01:13:14 0:01:14 VOCÊ É LOUCO MESMO extra-

394
diegética

O REENCONTRO
O COM DÉBO
ORA NO extra-
8 01:13:14 01:18:12 0::04:58
CAMARIM D
DE UM TEAT
TRO diegética

DES
SPEDIDA DE NOODLES E DÉBO- extra-
9 01:21:45 01:22:48 0::01:03
RA diegética

extra-
10 01:44:56 01:49:14 0::04:18 CRÉDIT
TOS FINAIS
diegética
extra-
11 00:34:29 00:37:06 0::02:37 Tenho d
dormido cedo
diegética
extra-
12 01:02:39 01:04:30 0::01:51 A primeira vezz de Noodles e Max
diegética
extra-
13 01:07:48 01:10:28 0::02:40 Débora lê
ê para Noodle
es
diegética

4.17.7
7.5: Tema 5:
5 “Amapo
ola”

Figura 10
00 – Melodia de A
Amapola

Amap
pola é o nome de uma
a canção p
popular esccrita pelo co
ompositor e
espa-
nhol Joseph
J LaC m letra em espanhol. A letra em inglês foi escrita, posteri-
Calle226 com

226
LaCalle (1860 - 19
937) nasceu emm Cadiz, Espannha e emigrou ppara os USA aainda muito jovvem. Foi clarinnetista,
compossitor e regente participando de
d inúmeras baandas como innstrumentista inncluindo John Phillip Sousaa Band,
the Gilm
more Band, thee 7th Regimentt Band, the Ho
oadley Musicall Society Amatteur Orchestra e the Columbiia Spa-
nish Baand. Atuou com
mo regente em sua própria baanda, The LaC Calle Band e Thhe 23rd Regim ment Band. Partticipou
das prim
meiras gravaçõ
ões da Columbiia e outras com
mpanhias de graavações. Comppôs várias cançções e marchass inclu-
indo "T
Twenty-third Regiment
R March
h" 1902; "Pobrrecito Faraon" 1923; "Amapoola" 1924; "Aqquel Beso" 19227; and
"The Liight That Neveer Fails (Luz Eterna)"
E 1928. No final de seeus dias LaCallle trabalhava ccomo crítico m
musical
para a Columbia
C Phonnograph Comp pany. Ele fundo
ou a Companhhia de Teatro E Espanhol no Brrooklyn e apreesentou

395
ormente, por Albert Gamse. Embora o lançamento da canção Amapola tenha sido
em 1924, a versão mais popular foi a da gravação de Jimmy Dorsey com os vocalis-
tas Helen O'Connel e Bob Eberly, com letra em inglês lançada pela Decca Records e
catalogada com o número 3629. Essa gravação atingiu a Billboard em 14 de março
de 1941 e permaneceu por 14 semanas, chegando ao primeiro lugar.

AMAPOLA (PRETTY LITTLE POPPY) AMAPOLA


Amapola
My pretty little poppy
Amapola,
You're like that lovely flower, so sweet
lindisima amapola
and heavenly
Sera siempre mi alma
Since I found you
Tuya sola
My heart is wrapped around you
Yo te quiero amada niña mia
And loving you it seems to beat a rhap-
Igual que ama la flor la luz del dia
sody
Amapola, lindisima amapola
Amapola
No seas tan ingrata
The pretty little poppy
Mirame
Must copy its endearing charm from
Amapola, amapola
you
Como puedes tu vivir tan sola
Amapola, Amapola
How I long to hear you say, "I love you."

No filme, Amapola faz parte de um dos cinco temas principais, utilizado


como um dos dois leitmotivs que caracterizam a relação de Noodles com a persona-
gem Débora. Normalmente, quando a música assume esse nível de importância nos
filmes com trilha de Morricone, ele próprio compõe o tema. Porque Leone fez ques-
tão de utilizar especificamente Amapola?

Zarzuelas para o público americano. Influenciou e promoveu a música cubana. Morreu no dia 11 de junho de
1937 no Brooklyn, Nova York, com 77 anos de idade.

396
Uma das hipótes
ses à respo
osta dessa
a questão e
estabelece-se nas músicas
ouvida
as por Leone e por Morricone
M na
a transição
o de suas in
nfâncias pa
ara a juventude.
O fam
moso tenor italiano Tito
o Schipa, um
u dos váriios mitos ita
alianos, fezz muito successo
com a gravação dessa can
nção e talve
ez por isso a canção ttenha sido incluída po
or Le-
one como
c record
dação e me
enção ao seu tempo d
da “Viale G
Glorioso”, em
m Roma, de
e on-
de ele
e adapta e transpõe
t vá
ários casos
s acontecido
os em sua época para
a seus filme
es.

Figura 101 – Tito Schipa: Amapola

Outra gravação de grande sucesso d


da canção, que influe
enciou o prróprio
Morric
cone na época de arra
anjador da RCA, foi no
o ano de 19
963 do grup
po SpotNickks.

Figura 10
02 – SpotNicks: A
Amapola

397
Outra possibilida
ade de res
sposta, que
e não exclu
ui a preced
dente, centra-se
no no
ome dessa flor associa
ado ao efe
eito de Déb ora em No
oodles. Ama
apola é o n
nome
de um
ma flor que significa “bela flor”.

Figura 10
03 – Amapola (P
Papoula)

A Amapola é conhecida e chamada


c n
na América do Sul de Papoula. A pa-
poula (nome científico: Pap niferumé) é uma plantta da Famíília das Pap
paver somn pave-
rácea
as, também conhecida
a como dorrmideira. É uma herbá
ácea anuall que apressenta
propriiedades alim
mentares, oleaginosas
o s e medicin
nais.
Na mitologia gre
ega era rela
acionada a Hipnos, o d
deus do so
ono, pai de Mor-
pheu, que a tinh
ha como pllanta favoriita e, por issso, era re
epresentado
o com os ffrutos
desta planta na mão. Há também
t um
ma estreita
a relação entre a papoula e a d
deusa
a Nix, a Noite. Deusa das
grega d Trevas
s, filha do C
Caos, é na vverdade a mais antiga
a das
divind
dades. Freq
qüentementte, ela é rep
presentada de papoulass e envolta num
a coroada d
grand
de manto negro e estrelado. Em
m muitas re
eferências e
ela se loca
aliza no Tárrtaro,
entre o Sono e a Morte, se
eus dois filhos. Os ro manos não
o a represe
entavam em
m um
carro,, mas semp
pre adormecida. Na Mesopotâmia
a, curavam
m-se doença
as como inssônia
e constipação intestinal com
m infusões obtidas a p
partir da pa
apoula. Os antigos com
miam
a flor inteira ou a macerava
am para ob
bter o sumo
o. Mais tard
de, os assírrios e depo
ois os
babilô
ônios herda
aram a arte de extrair o suco leito azer remédios: o
oso dos frutos para fa
Ópio.
Na ca
aracterizaçã
ão da rela
ação de No
oodles com
m a person
nagem Débora,
Amap
pola pode novamente
n reforçar a teoria de q
que tudo nã
ão passa de
e alucinaçã
ão de

398
Noodles pela ingestão do ópio. Em cinco de seis inserções ela é interna (diegética) e
somente em uma externa (extra-diegética):

Classificação
Nº INÍCIO FIM DURAÇÃO IDENTIFICAÇÃO
Objetiva
FLASHBACK (década de
1 00:37:06 00:39:34 0:02:28 diegética
1920)
Noodles pego em flagran-
2 01:05:44 01:07:23 0:01:39 diegética
te
3 01:44:22 01:47:36 0:03:14 Reencontro com Débora diegética

No Restaurante Exclusivo
4 00:26:53 00:29:58 0:03:05 Diegética
à beira-mar
NOODLES e DÉBORA
5 00:29:58 00:31:38 0:01:40 DANÇAM NO RESTAU- Diegética

RANTE

399
4.17.8 - Música original secundária
Temas secundários compostos por Morricone, pensados ou não como
leitmotivs, que não têm a mesma importância na narrativa em relação ao grupo de
temas da música original principal. “Prohibition Dirge”, “Speakeasy”.

4.17.8.1: “Prohibition Dirge227” (Música para o enterro da “Lei Seca”)


Morricone escreveu “Prohibition Dirge” para ironicamente (já que com o fi-
nal da “lei Seca” a bebida alcoólica estaria liberada e os gangsters contrabandistas
estariam virtualmente desempregados) festejar a morte da “lei Seca”, ou seja, o fune-
ral da “Lei Seca”. Com o tom irônico ele consegue ambientar a época utilizando uma
formação dos primeiros grupos de jazz tradicional. Pode-se interpretar “Prohibition
Dirge” como a música que prenuncia a morte do próprio bando de Noodles que do
ponto de vista do momento da história se desfaz. Todos deveriam morrer, mas, so-
mente Max, Patsy e Cockeye morrem.

4.17.8.2: “Speakeasy228”
Morricone escreveu “Speakeasy” aproveitando a mesma formação do gru-
po de jazz tradicional utilizado em “Prohibition Dirge” seguindo o mesmo tom irônico
da festa da morte da “lei Seca”, ou seja, do funeral da “Lei Seca”. A música possui
características de ambientação da época e do local do speakeasy.

227
A história da palavra dirge ilustra como uma palavra com conotações neutras, tal como dirigir, pode passar a
ter um conteúdo emotivo devido a um uso especializado. A palavra latina dirige é uma forma do verbo dirigere,
“dirigir, guiar”, utilizada em comandos especializados. No Ofício da Morte, dirige é a primeira palavra na abertu-
ra da antífona do primeiro noturno de Matins: “Dirige, Domine, Deus meus, in conspectu tuo viam meam”. A
parte do Ofício da morte que inicia com esta antífona passou a se chamar Drige no latim eclesiástico. A palavra,
então, foi incorporada no inglês como dirige, escrita pela primeira vez nos anos de 1200. Dirige foi então esten-
dida para referir-se ao canto ou a leitura do Ofício da Morte como parte de um serviço funerário ou memorial. Na
idade média a palavra foi encurtada para dirge, embora ainda fosse pronunciada com as duas sílabas. Após a
Idade Média a palavra tomou os sentidos de “hino ou lamento funerário” e/ou “um poema de lamento ou compo-
sição musical”, e passou a ser pronunciada somente com as duas sílabas.
228
Esse era o nome dado a um estabelecimento (bar ou night club) ilegal utilizado para venda e consumo de bebi-
das alcoólicas durante o período de 1920 – 1933 (um pouco mais longo em alguns estados) da história dos Esta-
dos Unidos conhecido como Prohibition (“Lei Seca”), quando a venda, manufatura e transporte de bebidas alcoó-
licas tornou-se ilegal. Em muitos bares speakeasy tocaram as primeiras bandas de jazz tradicional.

400
4.17.9
9 - Síntesee da organiização tem
mática da trrilha musiical
A próxima figura
a ilustra a conexão do
os temas p
principais ((módulos) ccomo
leitmo
otivs a partir do “olhar”” de Noodle
es:

Figura 104 – Os leitmo


otivs de “C’era una volta l’Ame
erica”

401
4.17.1
10 - A estrrutura temp
poral circu
ular do film
me

Figura 105
5 – Os eventos e a estrutura tem
mporal Circular do Filme

402
4.18 - A MÚSICA DE THE MISSION – 1986
(A MISSÃO)
A luta entre a igreja, portugueses e espanhóis para tomar o poder em um dos territórios colonizados na América
do Sul no século 17.

4.18.1 - Ficha Técnica

Título Original: The Mission

Produção: Warner Bros (Fernando Ghia e David Puttnam)

Diretor: Roland Joffé

Roteiro: Robert Bolt

Edição e Montagem: Jim Clark

Diretor de Fotografía: Chris Mendes

Intérpretes Principais:

Robert De Niro................................ Rodrigo Mendonza


Jeremy Irons............................................ Padre Gabriel
Ray McAnally.....................................Cardeal Altamirano
Ronald Pickup...............................................Hontar
Chuck Low..........................................Cabeça

Nacionalidade: Inglesa e Americana, 1986.

Duração: 128 minutos

403
4.18.2 - Comentários Iniciais
Vamos agora nos aproximar de alguns casos de interação máxima entre os diversos
componentes, com particular referimento à caracterização tímbrica e mais em geral
estilística, em tese como dados conotativos precisos no interior do filme. Sem esque-
cer as caracterizações temáticas, vistas não como meras funções simbólicas a serviço
da narração fílmica (ou seja, o típico comentário), mas, como elementos narrativos
parentéticos e, algumas vezes, primários. (MICELI, 2001:172)

Em 1986, Morricone compôs somente duas trilhas musicais para o cine-


ma: THE MISSION e MOSCA ADDIO, de Mauro Bolognini, produção italiana. Essa pe-
quena quantidade em sua produção, que durante algum tempo atingiu a quantidade
de 20 trilhas musicais ao ano (em 1985 nenhuma trilha sonora musical para o cinema
foi composta por Morricone), reflete a decisão do compositor em concentrar-se ex-
clusivamente na composição de música de concerto. O próprio Morricone aponta
dois motivos principais229:

1. Nos anos oitenta eu reduzi o meu trabalho para o cinema. Sobretudo para escrever
música de concerto. Assim tive que renunciar a fazer a trilha musical de alguns fil-
mes.

2. Mas com relação ao mercado americano a coisa era diferente. Meu pagamento na
América naquele momento em que eu não tratava, não tratava porque não trato nun-
ca de dinheiro. Um pouco por timidez, um pouco... Eu ganhava praticamente o mes-
mo que o pior compositor americano. Então decidi parar de trabalhar para o cinema
americano. Depois do sucesso de “A Missão”, meu pagamento aumentou e agora es-
tamos no máximo possível. Ali nasce minha ressurreição para o mercado americano.

Miceli230 comenta que os motivos de uma redução tão drástica e sem pre-
cedentes no trabalho de Morricone, reforçado diretamente pela hipótese, por parte de
Morricone, de um abandono definitivo do cinema, devem-se principalmente ao proje-
to da composição da ópera Il Musicologo. O projeto do melodrama, em dois atos e
um epílogo, sobre um libreto do próprio Miceli, foi abandonado quando o primeiro ato
já estava composto.

229
Ennio Morricone. In: (1995) Ennio Morricone, Documentário, Londres: BBC.
230
MICELI, Sergio (1994) Morricone, La Musica, Il Cinema. Milano: Mucchi Editore, p. 281.

404
Pensei em não compor mais para o cinema e voltar minha atenção totalmen-
te à produção de concerto. Mas, essa é uma promessa que faço a cada dez
anos e ainda não consegui mantê-la. Talvez porque o cinema sempre me deu
muita satisfação. Porém, devo dizer que reduzi notavelmente minha atividade
musical para filmes e, a partir dos anos 80, recomecei a escrever música de
concerto231.

Fernando Ghia, um dos produtores do filme A MISSÃO, refere que os pro-


cedimentos relacionados à contratação de Morricone no filme não foram bem os
usuais. Eu não pedi a Morricone para fazer a música do filme... pedi a ele que assis-
tisse ao filme. David Puttnam, o outro produtor, acrescenta que Morricone ficou muito
impressionado com as cenas do filme e afirmou que não poderia aceitar aquele tra-
balho por acreditar que não seria capaz de realizar a composição da trilha sonora
(Documentário,1995:BBC).

Os diretores têm com freqüência uma relação difícil com a trilha sonora de
seus filmes desde que não são muitos os que possuem uma preparação real
neste campo. Mesmo Roland Joffé se aproxima sempre com certo temor na
escolha musical para seu filme e com freqüência se sente mais seguro com a
presença de um tema único que retorna em outras versões como, por exem-
plo, em L’OMBRA DI MILLE SOLI [FAT MAN AND LITTLE BOY – 1989]. É um
grande diretor e, em minha opinião, demonstrou inequivocamente essa con-
dição numa obra prima como A MISSÃO, filme que me deu muita satisfação.
A trilha sonora da Missão é, sem dúvida, uma das mais importantes da mi-
nha carreira, plena de pathos e muito complexa do ponto de vista musical.
Tive a oportunidade de ingressar num campo que sempre me interessou mui-
to, a síntese entre culturas diferentes. O encontro entre a tradição vocal dos
indígenas e os cantos litúrgicos gregorianos está na base da partitura do
filme que, nesse aspecto simultâneo étnico e tradicional, sempre exerceu um
grande fascínio sobre o público232.

É difícil saber com certeza o motivo da resistência inicial de Morricone em


compor a trilha do filme. Além dos motivos já mencionados, talvez sua relutância es-
tivesse também ligada ao próprio conceito do filme em relação às suas crenças pes-
soais.

231
CONTE, Mario (1997) La “Via crucis”: Un’opera di Ennio Morricone per il giubileo. Revista Messagero di
sant’Antonio. http://www.messaggerosantantonio.it/messaggero/ pagina_articolo.asp? IDX=667IDRX=56.
Último acesso: 31/agosto/2008.
232
LUCCI, G. Morricone: Cinema e oltre. Milano: Mondadori Electa S.p.A., 2007, p.128.

405
Na minha vida, nunca interrompi minhas relações com Deus. Mais recente-
mente, porém, estou mais atento à minha vida espiritual. O porquê eu não
sei. Sinto que é justo assim. Oro e também faço a comunhão todos os dias.
Vou à igreja às 7 horas da manhã, não me confesso com muita freqüência,
porque não me encontro em faltas graves. Porque entro em uma igreja? O
faço pela atenção que devo a uma presença divina que é particular naquele
lugar233.

Como o filme já estava com a primeira montagem realizada, a música do


filme foi, obviamente, composta em pós-produção. David Puttnam (idem) também
relata que apesar da resistência, “por uns dólares a mais”, Morricone acabou acei-
tando “a missão”.
O filme está baseado em acontecimentos históricos reais sobre as deno-
minadas guerras guaranis, nas quais, os exércitos espanhóis e portugueses lidera-
dos pelo Marquês de Pombal perpetraram o assassinato indiscriminado de milhares
de indígenas. As Missões ou Reduções eram construídas e organizadas pelos mem-
bros da “companhia de Jesus”, fundada, em 1534, para a defesa da fé e da justiça, a
favor do diálogo intercultural e inter-religioso. Conesa (2008234) recorda que “o cami-
nho do paraíso” defendido pela companhia de Jesus se assemelhava ao Aguyé gua-
rani com destino a Terra sem mal.

Por esse caminho, os índios nativos e os jesuítas uniram sua fé e sua força
no combate contra os colonos espanhóis e portugueses. Por ele, para além
da reconstrução histórica, a película narra a eterna luta dos seres humanos
pela liberdade e esperança de uma convivência em harmonia: um combate
nas alturas que se torna o eminente protagonista no roteiro musical do filme.
(CONESA, 2008)

Não obstante, no século 17, as missões que os jesuítas haviam construído


nos territórios atuais do Brasil, Paraguai e Argentina constituíram-se numa grande
ameaça ao afã colonialista dos governos totalitários da Espanha e de Portugal, que
se propuseram a extinguir com essa ordem. Em desespero, os índios nativos e os
jesuítas uniram sua fé e sua força na tentativa de combater os ideais colonizadores
dos espanhóis e portugueses. A defesa da Missão de San Carlo é o centro onde todo

233
Ennio Morricone, in: CONTI, M., op. cit.
234
CONESA, A. The Mission. 2008. http://www.mundobso.com/es/verestudio.php?id=56, último acesso, 12 de
setembro de 2010.

406
o filme orbita. Mais que uma reconstrução histórica, ela retrata a luta eterna do ser
humano pela liberdade e esperança de uma convivência em harmonia: um combate
nas alturas que se reflete como o grande protagonista do roteiro musical do filme.
Morricone resume o conceito do filme:

O filme se desenvolvia na América do Sul, em 1750... Os Jesuítas foram para


a América portando a fé cristã, mas, portavam também sua experiência mu-
sical na música litúrgica e na música da Renascença e Pós-Renascença
[Barroca]. O tema do Padre Gabriel foi escrito bastante condicionado pela
mímica dos dedos que fazia Jeremy Irons no filme. Esses três componentes: o
oboé; a música dos Índios, pelo menos a idealizada; e a música ocidental en-
sinada aos Jesuítas na América do Sul por outras pessoas, era o problema
na composição de um todo, único. A união desses três elementos nessa músi-
ca é aquilo que, para mim, é o resultado mais importante, no qual me reco-
nheço também espiritualmente e tecnicamente. Sobretudo tecnicamente, mas
também espiritualmente. A conjunção dessas três idéias em uma idéia única
era claramente o símbolo da espiritualidade buscada e da união dessas duas
entidades espirituais, bem diferentes, mas que buscaram uma comunhão no
filme. Tanto que morrem juntas, chegando ao máximo com o sacrifício dos
valores235.

Morricone, portanto, objetivou a realização concreta dessa comunhão no


modo de concepção da trilha sonora do filme. Sua técnica modular, com base nas
micro-células, nunca se mostrou tão vital e pertinente. Como já foi abordado, esse
modo de composição, baseado na imitação musical e desenvolvido a partir das téc-
nicas contrapontísticas franco-flamencas, permite a Morricone que melodias inde-
pendentes, utilizadas isoladamente como peças diferentes na micro-estrutura da tri-
lha musical, possam também ser combinadas e sobrepostas, ou seja, utilizadas tam-
bém interdependentemente em seu conjunto de temas. Nessa concepção revela-se
tecnicamente uma das possibilidades na assunção de como a unidade da trilha mu-
sical pode ser observada na macro-estrutura fílmica.

O filme não é uma tentativa de reprodução histórica no sentido literal, o


que pode ser confuso já que inicia informando à audiência que “os acontecimentos
da história são verídicos, ocorreram nas fronteiras da Argentina, Paraguai e Brasil no

235
Ennio Morricone, in: Ennio Morricone (1995), op. cit.

407
ano de 1750”. Trata-se da dramatização do evento ocorrido e é neste sentido que
deve ser entendida a afirmação de veracidade.
Para o diretor Roland Joffé o filme representava a possibilidade de uma
ponte entre o público do chamado ‘filme de arte’ e um filme para o público em geral:

Eu não gosto de fazer filmes para pequenos grupos de pessoas ou elites. Po-
rém, ao mesmo tempo, quero que a audiência leve alguma coisa para casa,
alguma coisa que as encorajem a pensar. (JOFFÉ236)

Em 1986, a estréia do filme representou um acontecimento notável nas


salas de cinemas de todo o mundo. Com o suporte positivo de seu trabalho anterior,
Gritos do Silêncio, filme que denunciou as atrocidades de Camboja explorando o te-
ma de repórteres de guerra, as campanhas publicitárias criaram a expectativa de que
se tratava de uma obra ambiciosa com uma fotografia maravilhosa e alto orçamento.
O público mais iniciado conhecia, antes da estréia, a índole da mensagem: um confli-
to entre o poder espiritual e o temporal, entre igreja e estado, na América Latina co-
lonial (GOMIS237).

236
Entrevista com Roland Joffé sobre “the mission”. Realizada no Trento Cinema «Incontri Internazionali con
la Musica per il Cinema», Trento: ed. V Curzel, Servizio Attività Culturali della Provincia Autonoma di Trento,
1988, pp.75-77.
237
GOMIS, M. M. El ocaso de la compañía de jesús en América Latina. La misión. In: Historia y Cine, Ed. José
Uroz: Publicaciones de La universidad de Alicante.

408
4.19 - ORGANIZAÇÃO TEMÁTICA DA TRILHA MUSICAL

4.19.1 - Decupagem
Duração do filme: 125 minutos (2:05:39 [duas horas, cinco minutos e trinta
e nove segundos] mais precisamente).
Total das Inserções Musicais: 77 minutos (1:17:13 [uma hora, dezessete
minutos e treze segundos] mais precisamente).
Porcentagem com música: 61%; porcentagem sem música: 39%.
O filme foi decupado em 93 partes contidas em 26 fragmentos (seqüên-
cias).
A diferença entre parte e fragmento é que o segundo é um trecho mais
completo e que pode conter várias inserções musicais; portanto, parte é um trecho
do fragmento que contém somente uma ou nenhuma inserção musical.
Das 93 partes: 56 têm música; 37 não têm.
A tabela abaixo apresenta as 56 inserções musicais e seus respectivos
fragmentos:

Nº DURA- IDENTIFICA- CLASSIFICAÇÃO


Nº INÍCIO FIM DERIVAÇÃO NOME NO CD FRAGMENTO
OR ÇÃO ÇÃO OBJETIVA

Rodrigo contem-
1 23 00:24:11 00:24:32 00:00:21 Alone Alone Extra-Diegética Fragmento 10
pla os amantes

Rodrigo espera o Música típica / Diegética / Extra-


2 24 00:24:32 00:25:19 00:00:47 Alone Fragmento 10
momento exato Alone Diegética

Rodrigo surpre-
3 25 00:25:19 00:26:02 00:00:43 Alone Alone Extra-Diegética Fragmento 10
ende os amantes

Felipe vai atrás


4 26 00:26:02 00:26:26 00:00:24 Alone Alone Extra-Diegética Fragmento 10
de Rodrigo
Os irmãos se
5 27 00:26:26 00:26:38 00:00:12 Alone Alone Extra-Diegética Fragmento 10
enfrentam
A Missão do
Ave Maria -
6 48 00:54:27 00:55:24 00:00:57 Cardeal na Ave Maria Guarani Diegética Framento 16
solo
América
Missa de Boas-
vindas (Coral Ave Maria
7 60 01:18:48 01:21:05 00:02:17 Ave Maria Guarani Diegética Fragmento 19
Indígena) - O Guarani
poder do Índio e

409
da Missão

Volta à Declara-
ção do Cardeal: Ave Maria
8 61 01:21:05 01:21:33 00:00:28 Ave Maria Guarani Diegética Fragmento 19
Reflexão sobre o Guarani
Índio
O Inimigo chega Ave Maria
na Missão: A Guarani
Estupidez da sobreposta as
9 84 01:47:51 01:49:23 00:01:32 Ave Maria Guarani Diegética Fragmento 24
Guerra - Os sonoridades
Soldados Vaci- orquestrais e
lam percussivas
Ave-Maria é
Mendonza sobreposta as
consegue abater sonoridades
10 87 01:53:06 01:53:36 00:00:30 Ave Maria Guarani Extra-Diegética Fragmento 24
4 soldados orquestrais e
inimigos dos sons das
armas
Volta Ave-
A matança da Maria conjun-
11 89 01:54:54 01:55:54 00:01:00 comunidade tamente com Ave Maria Guarani Extra-Diegética Fragmento 24
indígena todas as
sonoridades
../... Os irmãos
12 20 00:18:54 00:20:21 00:01:27 Mendonza: Brothers Brothers Extra-Diegética Fragmento 7
Rodrigo e Felipe
A verdade: O
irmão Felipe
ama e é amado
13 21 00:20:21 00:22:35 00:02:14 Carlota Carlota Extra-Diegética Fragmento 8
por Carlota a
mulher amada
por Rodrigo
Rodrigo olha
para o irmão
14 29 00:27:02 00:27:33 00:00:31 Carlota Carlota Extra-Diegética Fragmento 10
morto e Carlota
chorando
Pe. Gabriel
senta e pega o Oboé de
15 11 00:10:40 00:11:44 00:01:04 Gabriel's Oboe Diegética Fragmento 3
oboé (O poder Gabriel
da música)
Pe. Gabriel tenta
Oboé de
16 13 00:11:58 00:12:40 00:00:42 continuar tocan- Gabriel's Oboe Diegética Fragmento 3
Gabriel
do
O Pe. Gabriel é
aceito pela Tema do Pe.
17 15 00:13:43 00:14:26 00:00:43 Gabriel's Oboe Extra-Diegética Fragmento 3
comunidade Gabriel
indígena
Volta à declara- Tema do Pe.
18 16 00:14:26 00:14:44 00:00:18 Gabriel's Oboe Extra-Diegética Fragmento 3
ção do Cardeal Gabriel

410
Tema do Pe.
19 38 00:41:40 00:43:21 00:01:41 Sublimação Gabriel's Oboe Extra-Diegética Fragmento 13
Gabriel
Os Índios Luta-
rão pela Missão -
Sonoridades
Os Missionários
20 63 01:24:47 01:26:00 00:01:13 orquestrais - Gabriel's Oboe Extra-Diegética Fragmento 20
devem voltar
Introdução
para Assunção
com o Cardeal
Os Índios não
querem voltar Tema do Pe.
21 64 01:26:00 01:26:18 00:00:18 Gabriel's Oboe Extra-Diegética Fragmento 20
para a Selva: O Gabriel
Diabo vive lá.
Som das
O Índio recupera
Cataratas /
e entrega as
Sonoridades
22 65 01:26:18 01:28:30 00:02:12 armas para Gabriel's Oboe Extra-Diegética Fragmento 21
Orquestrais /
Mendonza: É
Tema de
hora de Lutar
Gabriel
The Sword /
Não posso
23 77 01:38:27 01:39:13 00:00:46 Tema de Gabriel's Oboe Extra-Diegética Fragmento 23
abençoá-lo
Gabriel
O tema do Pe.
A Morte do Pe.
Gabriel é
Gabriel: O
24 90 01:55:54 01:57:29 00:01:35 sobreposto à Gabriel's Oboe Extra-Diegética Fragmento 24
Sacrifício da
todas as
comunidade
sonoridades
Declaração do
25 4 00:00:46 00:01:30 00:00:44 Sons Mix Guarani Extra-Diegética Fragmento 1
Cardeal
Flash-Back -
Cardeal como
narrador - voz
26 5 00:01:30 00:04:23 00:02:53 Sons Mix Guarani Sobreposição Fragmento 1
over - O papel
dos Jesuítas - O
Martírio
Recebendo a Instrumentos
27 59 01:17:47 01:18:48 00:01:01 Guarani Diegética Fragmento 19
autoridade indígenas
Os Sobreviven-
28 92 01:58:51 02:00:49 00:01:58 Miserere Miserere Extra-Diegética Fragmento 26
tes
Festa da padro-
eira nas ruas de
29 22 00:22:35 00:24:11 00:01:36 Assunção - Música típica Música Diegética Diegética Fragmento 9
Felipe e Carlota
se encontram
Cumprimentos a Música Festi-
30 45 00:50:30 00:50:58 00:00:28 Música Diegética Extra-Diegética Fragmento 14
Rodrigo va Típica
Música Barro-
31 53 01:08:46 01:09:30 00:00:44 O Índio artesão Música Diegética Extra-Diegética Fragmento 17
ca
Créditos Finais - Assim na
On Earth As It Is In
32 93 02:00:49 02:04:40 00:03:51 O Olhar do Terra como no Extra-Diegética Fragmento 26
Heaven
Cardeal Céu

411
A penitência
33 32 00:31:44 00:35:24 00:03:40 (ascenção) de Penance Penance Extra-Diegética Fragmento 12
Mendonza
Possibilidade de
34 36 00:39:40 00:40:24 00:00:44 vingança dos Penance Penance Extra-Diegética Fragmento 13
índios
Tambores de
Guerra com
sonoridades
graves (Piano
Preparação do e pífanos +
35 78 01:39:13 01:42:42 00:03:29 Refusal híbrido Fragmento 23
Sacrifício instrumentos
orquestrais)
[Citação da
Sagração de
Stravinsky]
O exército
Volta das
inimigo continua
sonoridades
avançando:
orquestrais e
36 82 01:45:24 01:46:52 00:01:28 Primeiros dispa- Refusal Extra-Diegética Fragmento 23
dos instru-
ros de Canhões -
mentos dos
Voltar para a
índios
Missão
Ainda com as
sonoridades
orquestrais e
dos instru-
mentos dos
O Início da índios enco-
37 83 01:46:53 01:47:51 00:00:58 Refusal Extra diegética Fragmento 23
Derrota bertos pelos
tiros das
armas e dos
canhões
[Volta a
Sagração]
O Pe. Gabriel e
a comunidade
Volta das
indígena fazem
sonoridades
38 86 01:51:10 01:53:06 00:01:56 uma passeata Refusal Extra-Diegética Fragmento 24
lembrando a
em meio ao caos
Sagração
- O exército abre
fogo
Glissandos
juntamente
com as Sono-
Mendonza é
ridades
39 88 01:53:36 01:54:54 00:01:18 atingido mortal- Refusal Extra-Diegética Fragmento 24
orquestrais
mente
sobrepõem-se
à Ave-Maria
em Fade-out

412
Conversa do Pe.
Gabriel com
40 31 00:28:44 00:31:44 00:03:00 Remorse Remorse Extra-Diegética Fragmento 11
Rodrigo Men-
donza
A Inspeção do
The Mission /
41 51 01:05:28 01:07:27 00:01:59 Cardeal às Te Deum Extra-Diegética Fragmento 17
Te Deum
Missões
42 6 00:04:23 00:06:21 00:01:58 Créditos Iniciais The Mission The Mission Diegética Fragmento 1
../... Ascenção
43 9 00:08:23 00:09:48 00:01:25 do Pe. Gabriel - The Mission The Mission Diegética Fragmento 2
Atingindo o Topo
A Evangelização Variação do
44 43 00:46:53 00:48:59 00:02:06 de Rodrigo: O tema da The Mission Extra-Diegética Fragmento 14
Amor Missão
Os Preparativos
45 67 01:29:37 01:30:04 00:00:27 The Sword The Sword Extra-Diegética Fragmento 22
para a guerra
A Tomada das
46 69 01:30:26 01:31:15 00:00:49 The Sword The Sword Extra-Diegética Fragmento 22
Missões
Preparativos
47 70 01:31:15 01:32:38 00:01:23 para o fim da The Sword The Sword Extra-Diegética Fragmento 22
Missão
Estratégias
desesperadas / Sonoridades
48 71 01:32:38 01:34:58 00:02:20 The Sword Extra-Diegética Fragmento 22
Assaltando o Tensas
invasor
Estratégias
desesperadas / Sonoridades
49 72 01:34:58 01:35:38 00:00:40 The Sword Extra-Diegética Fragmento 22
As Tentativas de Tensas
Defesas
Os soldados
Sonoridades
50 73 01:35:38 01:36:43 00:01:05 sobem as Cata- The Sword Extra-Diegética Fragmento 22
Tensas
ratas
A Espada de
51 75 01:37:03 01:37:20 00:00:17 The Sword The Sword Extra-Diegética Fragmento 23
Mendonza
Rodrigo Men- Penance /
52 17 00:14:44 00:17:54 00:03:10 Vita Nostra Extra-Diegética Fragmento 4
donza Asuncion
Sobreposição:
Tema do Pe.
O Paraíso na
53 39 00:43:21 00:44:58 00:01:37 Gabriel com o Vita Nostra Extra-Diegética Fragmento 13
terra
Coral Vita
Nostra
Variação do
Um pedaço do tema do Pe.
54 58 01:15:58 01:17:47 00:01:49 Vita Nostra Extra-Diegética Fragmento 19
Jardim do Éden Gabriel / Vita
Nostra
Sonoridades
A guerra começa Orquestrais
55 79 01:42:42 01:44:36 00:01:54 Vita Nostra Extra-Diegética Fragmento 23
no Rio conduzindo a
Vita Nostra
56 81 01:44:53 01:45:24 00:00:31 A Coragem dos Volta Vita Vita Nostra Extra-Diegética Fragmento 23

413
Índios Nostra

4.19.2 - As faixas do CD das músicas do filme: “The Mission”


A gravação, catalogada CDV 2402, lançado em 1998, respeita somente
em parte a ordem de entrada das inserções no filme, com a diferença mais notável
estabelecida na troca da última inserção, On earth as it is in Heaven, a dos créditos
finais, posicionada como a primeira faixa do CD. As 20 faixas do CD, com duração
total de 47 minutos e 53 segundos, são as seguintes:

FAIXA NOME DURAÇÃO

1 On Earth as it is in Heaven 3:48


2 Falls 1:53
3 Gabriel’s Oboe 2:12
4 Ave Maria Guarani 2:48
5 Brothers 1:30
6 Carlotta 1:19
7 Vita Nostra 1:52
8 Climb 1:35
9 Remorse 2:46
10 Penance 4:00
11 The Mission 2:47
12 River 1:57
13 Gabriel’s Oboe 2:38
14 Te Deum Guarani 0:46
15 Refusal 3:28
16 Assuncion 1:25
17 Alone 4:18
18 Guarani 3:54
19 The Sword 1:58
20 Miserere 0:59

414
A trilha musical de Ennio Morricone emula a música sacra de procedência
européia do Século XVIII com a música folclórica da América do Sul no tom espiritual
da própria história. Os sons étnicos foram interpretados com a colaboração do grupo
inglês Incantation, especializado no folclore andino; enquanto que outra intervenção
destacada na trilha musical é a do músico contemporâneo David Bedford, que regeu
os coros da primeira película de Roland Joffé, THE KILLING FIELDS (1984), e que foi
encarregado desta vez de reger as vozes guaranis compostas por Morricone (CO-
NESA, 2008).

4.19.3 - Conceito
Nesse filme tive um problema que apareceu pouco a pouco e que não me foi anteci-
pado nem pelo diretor e nem pelo produtor. O filme é ambientado numa missão cató-
lica da América do Sul (mais exatamente na fronteira entre a Argentina e o Brasil),
na primeira metade do século 18. Existem padres que ensinam música aos indígenas,
transmitindo o que se fazia na Europa naquela época. Em outra o jesuíta que é o che-
fe da missão (Pe. Gabriel, interpretado por Jeremy Irons) toca o oboé. Existe um
contexto litúrgico que necessitava ter presente, ainda ligado à tradição ocidental,
mas nesse caso referido à música sacra (o uso que fiz do coral é, digamos, “palestri-
niano”), e depois, mesmo pela ambientação, era para se considerar uma música dos
índios, uma música étnica. (MORRICONE, 2001:172)

Portanto, o pensamento composicional de Morricone e o conceito da trilha


musical levou em consideração:

1. O fato de um dos protagonistas do filme (Padre Gabriel) tocar o oboé e, portanto,


portar uma experiência musical instrumental específica pós-renascentista [Barroca]
ligada à própria época (o filme é ambientado na segunda metade do século 18);
2. A tradição musical da igreja depois do Concílio de Trento, trazida à América do Sul
pelos jesuítas;
3. A música étnica (índios da América do Sul).

Isso tudo determinou – cronologicamente – a ordem de criação de temas


baseado em três núcleos principais: A – música do oboé; B – música da igreja; C –
música étnica. Portanto, a trilha musical do filme pode ser observada a partir da or-
ganização da música nesses três núcleos temáticos. Obviamente, os temas vincula-
dos aos núcleos centrais, além de assumirem uma importância dramática maior em

415
relação à micro-estrutura, conotam também, em suas relações, o pensamento ma-
cro-estrutural da trilha musical do filme.

416
4.20 - NÚCLEOS TEMÁTICOS DE “THE MISSION”

4.20.1 - Núcleo A: O oboé do Padre Gabriel


4.20.1.1: Tema Principal 1: Gabriel’s Oboe
A composição da melodia do tema do oboé estava vinculada – sugerindo
alguns intervalos, mas principalmente as contrações dos valores melódicos238 – ao
episódio de nível interno (diegético) no qual o Padre Gabriel aparece tocando o ins-
trumento239.

Figura 106 – Melodia do oboé: Padre Gabriel

238
A cena tinha como “temp track” o Adágio do Concerto para oboé em Ré menor do compositor italiano Ales-
sandro Marcello (1669-1747). A composição para oboé, cordas e baixo contínuo é talvez a mais conhecida do
compositor e foi divulgado graças a Johann Sebastian Bach, que o transcreveu para cravo (BWV 974). O Padre
Gabriel (Jeremy Irons) seguiu a referência da música no “dedilhado” que, posteriormente, serviu de referência ao
compositor Ennio Morricone.
239
Barkley explica que, primeiramente, o timbre nasal do oboé [que será o leitmotiv do Padre Gabriel] contrasta
com o timbre aéreo das flautas autóctones [que representará os índios]. Em segundo lugar, a melodia está baseada
em ornamentos barrocos conhecidos como gruppo (um grupo de semicolcheias que tem em comum a primeira e
terceira notas) e mezzo circulo, (um grupo de semicolcheias que tem em comum a segunda e a quarta notas),
figuras retóricas da chamada musica poetica que, segundo a autora, confere ao tema um sentido musical do perí-
odo Barroco (BARKELEY, E. F. The Mission: The Film and Its Music.
http://chnm.gmu.edu/worldhistorysources/d/268/whm.html, último acesso em 25/02/2010).

417
Na re
eferida cena
a, composttas pelas p
partes 15, 1
16, 17 e 18
8 (fragmentto 3),
numa
a clara menção ao mito de Orfeu e Eurídice
e240 (no mito
o “a música
a abranda a
as fe-
ras”), a melodia é ouvida pela
p primeirra vez quan
ndo o Padre
e Gabriel, logo após a sua
nção ao território das missões, executa dieg
ascen geticamentte (nível interno) a me
elodia
no ob
boé.

Figura 107 – Padrre Gabriel – The


e Mission (1986))

O tem
ma musical é utilizado pelo padre
e como uma linguagem de aproxxima-
ção e entendime
ento entre ele,
e a “selv
va e os selvvagens”. O
Os índios sã
ão vistos esscon-
didos atrás das árvores,
á ob
bservando o Padre Ga
abriel com bastante ca
autela, mass fas-
cinado
os pela mú
úsica que, na
n execuçã
ão, se expa
ande, com a
adição de e
efeitos de rever-
beraç
ção, ecoand
do sobre um
ma série de
e imagens imponentess da selva e do som de um

240
Orfeeu era filho de Apolo e da mu usa Calíope. De
D seu pai, receebeu uma lira dde ouro, que toocava com tal perfei-
ção, quue o encanto da música tornaava-se irresistíível. Toda a naatureza se renddia ao som deeslumbrante doos seus
acordess: sua música abrandava
a a to
odos e deixavaa em transe os animais, hom mens e deuses. Orfeu era adoorado e
admirad do com tal inteensidade por toodos os homens e mulheres qque, irresistiveelmente, o deseejavam para si.. Orfeu
era amaado por muitass mulheres, maas amava Euríd dice e casou-see com ela. Cerrto dia, enquannto Eurídice paasseava
com as ninfas, suas amigas,
a o pasto
or Aristeu avisttou-a. Fascinaddo pela sua beeleza ele tentouu conquistá-la.. Ame-
drontadda, Eurídice correu e na fuga pisou numa seerpente que a ppicou e causouu-lhe a morte. D Desesperado, eem vão
Orfeu passou
p a cantarr a imensa dor que lhe oprim
mia o coração. IInconsolável, rresolveu descerr ao local dos m mortos
para proocurar Eurídicee. No reino de Hades, tangeu u as cordas de ssua lira de formma tão pungennte e harmoniossa, que
por alguuns momentos transformou as a trevas dos innfernos fazendoo suspender oss suplícios dos condenados e como-
vendo asa divindades infernais.
i Persééfone e Hades entregaram Eu Eurídice a Orfeuu, com uma coondição: Orfeuu sairia
na frentte, seguido de Eurídice, e não o deveria voltaar-se para olháá-la enquanto eela não chegassse à superfície.. Orfeu
aceitou a imposição e os dois amado os saíram. Mass, a ansiedade dde Orfeu o traiiu: num átimo, ele olhou paraa trás a
fim de certificar-se dad presença daa amada e Eurídice lhe foi aarrebatada. Eurrídice estava pperdida para seempre.
Posterioormente, as Mênades, enlouq quecidas de paaixão, o disputaaram e perseguuiram sem tréggua e, finalmennte, no
afã deseesperado, o dillaceraram. Orfefeu morreu vítimma do próprio encanto. Entãão, ele cantou o seu amor parra sem-
pre e su
ua lira reluz no
os céus como co onstelação. Mo orto, Orfeu dessceu ao Hades e lá encontrouu sua Eurídice. Juntos
perman fo de inspiraação de poetas e deuses.
neceram para seempre, como fonte

418
pássaro. Na aproximação dos índios, sons percussivos de um tambor são sobrepos-
tos, revelando tanto o perigo, do ponto de vista do Padre Gabriel, quanto a relutância
dos indígenas na aceitação do humano diferente que, numa experiência anterior, já
havia causado problema.

De acordo com a expressão a música amansa as feras, este tema puro e deli-
cado se apresenta na cena como uma arma de entendimento muito poderosa
que o Padre Gabriel brinda aos indígenas do mesmo modo que (segundo as
Sagradas Escrituras) Deus deu a palavra ao homem. E é que, seguindo uma
afirmação do próprio protagonista, Deus é amor. (CONESA, 2008)

Na montagem da cena (parte 15, fragmento 3), as notas entoadas pelo je-
suíta são percebidas claramente como internas (diegéticas), não somente pelas sin-
cronias explícitas com as imagens, mas pela nudez dos sons, privados de filtros
acústicos (do mesmo modo que ocorria com Gaita em C’ERA UNA VOLTA IL WEST e
com Cockeye em C’ERA UNA VOLTA L’AMERICA), numa leitura resumida e irregular da
melodia e pela incerteza da emissão, que traduzem o medo, enquanto que os guer-
reiros o circundam brandindo as armas: “suspeitos, mas, ao mesmo tempo, atraídos,
‘amansados’”.
Superado o momento mais crítico, no qual o instrumento é tomado e que-
brado em duas partes (parte 16, fragmento 3) por um índio mais cauteloso do grupo,
no ato reparador da restituição e aceitação do padre pelos índios, o tema é apresen-
tado em forma instrumental integral no nível externo ou extra-diegético (parte 17, fra-
gmento 3)241. O tema do oboé será, desse momento em diante, o leitmotiv do Padre
Gabriel.

De todos os personagens do filme somente o Padre Gabriel é aquele que


procura uma co-existência impossível entre as exigências opostas. Ele per-
manece ao lado dos guaranis para morrer sem combater. Um padre, mas ele
próprio abandonado pela sua Igreja. Então o tema não seria mais uma men-
sagem genérica de fé cristã, mas, a materialização musical de um sentimento
de amor – mais que de civilização – idealizado acima de qualquer partido.
(MICELI, 1994:286)

241
Morricone refere que por causa da brevidade da cena ele ficou constrito a apresentar o tema na versão orques-
tral completa imediatamente, de forma a concluir a exposição, perdendo assim uma graduação que seria benéfica
para ambos os componentes (MICELI, 1994:286).

419
Portan
nto, o som do oboé é capaz de fformalizar e sintetizar em termoss mu-
sicais
s a sua ética, a sua fé: o Padre Gabriel
G vive
e e morre p
por sua “missão” de sacer-
dote, para quem a fé e o am
mor cristão podem mo
over montan
nhas.

Uma cllara mensageem em tal senntido, talvez a mais evidennte de uma teendên-
cia did
dática, é na cena
c que preecede a consaagração de R Rodrigo Menndonza
(Roberrt De Niro) co om o nome dee Padre Ináciio (it. Ignazioo), no qual o PPadre
Gabrieel lê uma fam mosa passagem m da primeirra carta do aapóstolo Paullo aos
Coríntiios242: “... Ain
nda que eu fafalasse as língguas dos hommens e dos annjos, e
não tivvesse Amor, seria
s como o metal que sooa ou como o sino que tinne ...”
Em sum ma: se o Padrre Gabriel é aamor (mais qque civilização) e o oboé é o seu
instrum
mentum, o obo oé é amor. Na
Naturalmente, o nível mediaado do tema é con-
sideraddo menos artif ificioso que o nível externoo, pois, comoo produto, aprresen-
tado peela primeira vez,
v de um doos próprios ppersonagens ddo filme, é coomo se
não peertencesse ma ais à vontadee representatiiva do diretorr e do compoositor.
(CONE ESA, 2008)

Dois momentos
m exemplifica
am essa pe
erspectiva ttemática: n
na parte 19
9 (fra-
gmento 13) seqü
üência em que
q Rodrigo, ex-merca
ador de esccravos e asssassino de
e seu
própriio irmão, terminada uma
u dura penitência,, estoura e
em lágrima
as receben
ndo o
abraç
ço do Padre
e Gabriel;

Figura 108 – Padre Gabriel e Rodrigo Mend


donza: The Misssion (1986)

e na parte
p 24 (fra
agmento 24
4) no último
o instante d
de vida do C
Capitão Rodrigo
e do Padre
P Gabrriel.

242
I Cooríntios é com
mo é conhecida a primeira epíístola de S. Paaulo à igreja em
m Corinto, muuito embora poossa ter
sido a segunda
s carta do
d apóstolo ao
os cristãos daquuela cidade. É nesta carta quue é encontradaa a famosa passsagem
sobre a importância dod amor genuínno, no capítulo 13; e também sobre dons esppirituais, no caapítulo 12. Porr isso, I
Coríntioos é consideradda uma das epíístolas mais po
oéticas do "Apoostolo dos Genntios" como Paaulo de Tarso cchegou
a ser ch
hamado.

420
Figura 109 – Morte do Padrre Gabriel

O tem
ma 1 é sobrreposto, po
or um breve
e instante, quando Ro
odrigo, caíd
do no
chão e impotentte, segue com
c os olho uperior até
os o seu su é que seja a
atingido po
or um
tiro. O sentido de
e “emanaçã
ão” da mús
sica do próp
prio person
nagem é evvidente. Um
m dos
índios
s reassume
e o papel do Padre Ga
abriel levan
ndo a cruz de prata d
do altar, parra le-
var a cabo o sac
crifício de su
uas própria
as vidas.

Figura 11
10 – Cardeal Altaamirano

No término da cena
c da ma
atança, sob
brepondo a imagem d
das chama
as do
conflitto, o corte para a figura do narrrador, o C ardeal Alta
amirano, é bem sugesstiva,
pela força
f simbó
ólica do anta
agonismo maniqueísta
m a criado: Deus versuss o diabo.

421
4.20.1.2: Tema secundário derivado do Tema 1

4.20.1.2.1 ‐ The Sword


Utilizando a mesma melodia do tema do Padre Gabriel, Morricone deriva
“Sword”. Sobre uma nota pedal grave (nota Lá), nas cordas, Morricone mescla e con-
trapõe o som do oboé com intervenções de um trompete acompanhado por acordes
tensos da orquestra e por um motivo percussivo e grave de um piano. Uma ocarina
acompanhada pelas cordas, intercala as sonoridades da inserção. O tema é ouvido
pela primeira vez na parte 45 (fragmento 22) no momento que um menino guarani
devolve à Rodrigo Mendonza a sua própria espada. Neste momento Rodrigo percebe
que só o ideal do amor, cultivado pelo Padre Gabriel, não é mais suficiente para de-
fender “A Missão” e que, portanto, ele deve recorrer à força para defendê-la. O tema
resgata a natureza guerreira do personagem pervertendo o tema do amor, que apa-
rece variado, com um caráter que procura refletir a forma guerreira de entender “A
Missão”, claramente, em perigo. Confirmando o pressuposto, o Padre Gabriel não
abençoa Rodrigo em sua decisão porque não está de acordo com sua forma de atu-
ar. E, no entanto, isso não impede que os dois apóiem um mesmo ideal, revelados
no mesmo tema musical.

4.20.2 - Núcleo B: Harmonização da melodia do Tema 1


4.20.2.1: Tema Principal 2: Moteto: Conspectus Tuus
A harmonização é aquela [a mesma], salvo em um ponto em que mudei porque depois
de estar tanto em Ré Maior teria dificuldades de modular para o vi grau e, desse mo-
do, não teria condições de realizar todo o implante.
(Ennio Morricone)

A harmonização do tema do oboé é transformada numa progressão har-


mônica que serve de base à composição de um moteto em estilo palestriniano. A
peça pode ser realizada só com as cordas sinfônicas e/ou com um coral, no último
caso com um texto em latim.

422
Figurra 111 – Harmon
nização: Moteto “Conspectus Tu
uus”

Portan
nto, Consp s, foi transfformado nu
pectus Tuus um moteto coral estilo
o pa-
lestrin
niano a qua
atro vozes a partir da própria
p harm
monização do tema do
o oboé.
Miceli faz uma observação sobre o pro
ocedimento
o:

Não so omente por essse vínculo haarmônico conngênito, devee-se observar que o
estilo a capela pós--concílio di TTrento que M Morricone utiliza, não seráá lite-
ralmennte em benefícício do resulttado. De fatoo, não estanddo interessadoo num
exercíccio de estilo servil,
s o tempperamento doo compositorr surge então,, para
além dee uma legitimmidade explíciita – visto quue, além dissoo, confronta-se uma
escrita tonal com ou utra modal –,, a peça se approxima à exppressividade ppalpi-
tante de
d um Tomas Luis de Victooria que a Paalestrina, especialmente naa har-
monia. (Miceli, 2001 1:196)

As qu
uatro vozes
s são escritas observa
ando a técn
nica do “contraponto inver-
sível” que, portanto, possib
bilita sua reu
utilização ta
ambém com
m os outross núcleos temá-
ticos, uma espéc
cie de com
mponente po
olivalente vvirtual. Con uus mostra, nos
nspectus Tu
compassos inicia
ais, um carráter mais próximo
p au
um coral ha
armonizado
o que a um
m mo-
teto. Posteriormente, a tex
xtura pouco mais imiitativa e virtuosística,, aproximam-no
mais do moteto.. A peça com o texto
o não foi uttilizada isoladamente durante to
odo o
filme.
O texto em latim
m do moteto
o foi escrito
o por Maria
a Travia, m
mulher de E
Ennio
cone:
Morric
Consp
pectus nosttra absentia
a sic perit p
pauperum n
nostra
Cons
spectus nos
stra absentiia sic perit p
pauperum sspes
Tua
a voluntas inertia
i nosttra perit pop
pulorum fid
des
Tua
T costantitia humilitass
Merg
rgunt in tem
mporum ruin
nam

423
4.20.3 - Núcleo C: música étnica – “Vita Nostra”
4.20.3.1: Tema Principal 3: River
È a idéia principal que representa o povo indígena:

Figura 112 – Tema étnico: River

Esse tema apresenta características típicas das composições para o ci-


nema de Morricone. Miceli (1994:288) comenta que a sua simplicidade desarmante –
como a de muitos temas nos filmes de Leone – é pensada principalmente em termos
de invenção e elaboração tímbrica, como componente inseparável dos outros nú-
cleos temáticos, e não como um simples revestimento postiço. A forte carga de ins-
trumentos autóctones indígenas assinala a presença do povo guarani em seu com-
bate pela sobrevivência. Normalmente, ela é empática com os acontecimentos onde
está inserida, interferindo no ritmo da ação, pelo aumento gradativo da textura e do
nível sonoro.
Na parte 53 (fragmento 13), o tema é ouvido logo após o momento em que
Rodrigo completa sua ascensão redentora, quando o Padre Gabriel e Mendonza tra-
balham de forma conjunta na construção do ideal da Missão. Sobre a melodia do
Padre Gabriel executada por uma flauta, no momento em que a cruz ascende ao alto
da igreja, o tema começa a soar, composto de percussões indígenas e vozes corais
potentes.

424
Figurra 113 – Comun hão

O carráter épico da comunh


hão paradissíaca é evid
dente, reve
elando na ssimul-
taneid
dade da sob
breposição e justapos
sição dos te
emas em co
ontraponto,, a maneira
a pela
qual Morricone
M simboliza
s musicalmen
m nte a união
o da igreja com o povvo indígena
a. Na
cena, mesmo qu
ue a composição adq
quira seu á
ápice sonorro quando o
os guaraniss co-
brem o dorso de
e Mendonza
a com as pinturas
p gue
erreiras da tribo, o tem
ma também
m pre-
nuncia
a os aconte
ecimentos: os homens do povo guarani caçam um javali, mas o per-
sonag
gem de Robert de Nirro não se atreve
a a em
mpunhar um
ma arma pa
ara matá-lo
o. Na
batalh
ha final con
ntra os exé
ércitos dos colonizado
ores o tema
a reforça a voz dos gu
uara-
nis, re
enovando o mesmo to
om épico e o ideal da M
Missão.
Em su
uma, a uniã
ão dos dois
s temas cen
ntrais, o do
o amor e o d
dos índios, sim-
boliza
a a possibilidade de co a diversidade da natureza humana.
omunhão da

4.20.3
3.2: Temas
s Secundárrios deriva
ados do Te
ema 3

4.20.3
3.2.1 ‐ Asun
ncion:
Na pa
arte 52 (frag
gmento 4) “Asuncion”” é ouvido q
quando o C
Capitão Rodrigo
Mendonza leva à cavalo alguns índio
os capturad
dos no alto das catara
atas para serem
comercializados como escrravos em Assunção.
A O motivo d
da melodia é executad
do in-
sisten
ntemente po
or uma que
ena grave (flauta
( autó
óctone) sob e rítmica sincrô-
b uma base
nica com
c o ritmo
o do “galope
e dos cavallos” e pizziccatos das ccordas.

425
4.20.3.2.2 ‐ Guarani:
Guarani é toda composta por sonoridades percussivas autóctones relacio-
nadas aos índios. A concepção primitiva de Morricone, utilizada desde o primeiro fil-
me de Leone, revela-se na utilização de quenas (flautas autóctones) graves e agu-
das, assovios (píus) dos mais diversos, ocarinas e de um tambor. Em meio a essas
sonoridades é sobreposta uma figura melódica aguda obstinada nas cordas em se-
gundas-menores (reforçando as notas Sol e Fá#) com intervenções de um som per-
cussivo grave do bumbo da orquestra. As quenas intervém com o motivo rítmico e
melódico de “Vita Nostra”.
O tema é o primeiro ouvido no filme, partes 25 e 26 (fragmento 1), pontu-
ando o momento exato do início de um flashback. Na seqüência, o Cardeal Altamira-
no dita uma carta endereçada ao Papa da igreja católica que o incumbiu de julgar “A
Missão”. O relato do Cardeal se transforma na voz do narrador de toda a história. De
fato, todos os acontecimentos se apresentam em flashback no filme. O tempo real da
narração do Cardeal Altamirano resulta numa carta distorcida das imagens e da mú-
sica dos eventos em flashback.
Portanto, as flautas autóctones, as cordas orquestrais e a percussão con-
formam o tema nessa inserção como um prelúdio à teleologia trágica no desenvolvi-
mento da história. A música apresenta o mundo misterioso e inóspito da selva num
tom de ameaça e de suspense. Sobre as imagens narradas pelo Cardeal Altamirano
a música resulta anempática, de modo que pode parecer que está equivocada, que
não se refere ao que está sendo mostrado no filme. De fato, a música é sobreposta
por “La Folia243” executada diegeticamente pelo Padre Gabriel e um grupo de crianças
indígenas tocando violino. O caráter antagônico da sobreposição, mesmo velando a
real ameaça, impõem-se sobre a melodia de “La Folia”, enquanto a voz over do Car-
deal afirma que “As nobres almas destes índios se inclinam para a música”.

243
“La Folia” (também escrito “Follia”) é um antigo tema europeu formado por um melodia muito simples sobre
uma progressão harmônica padronizada ((i-V-i-VII / III-VII-[i ou VI]-V / i-V-i-VII / III-VII-[i ou VI7]-IV[4-3]-
i). Pelas suas características peculiares, a peça foi, e é até hoje, muito utilizada pedagogicamente
(http://en.wikipedia.org/ wiki/Folia, último acesso em 6 de outubro de 2011).

426
A antecipação anempática do tema sobre as primeiras imagens do filme é
uma “suspensão” que só resolverá no confronto final (fragmento 24), quando o tom
ameaçador das flautas autóctones são reproduzidos reiteradamente na imagem dos
soldados espanhóis e portugueses atacando a missão. Portanto, a tensão prenunci-
ada pelo tema sobre as imagens iniciais do Cardeal Altamirano prenunciava o devas-
tador final da Missão.

4.20.4 - Tema Principal 4: The Mission


Das notas principais do tema “River” (núcleo temático C) foi derivada a
melodia do tema: The Mission.

Figura 114 – The Mission (1986)

É o tema que será associado tanto ao título do filme, nos créditos iniciais,
quanto ao principal objetivo dos seus dois protagonistas principais: Padre Gabriel
(Jeremy Irons) e o Capitão Mendonza (Robert De Niro).
Empregando o tratamento composicional sincrético (“contaminado”) entre
a concepção “primitiva”, representado pela intervenção de flautas com características
étnicas (autóctones) indígenas, e a concepção “pseudo-sinfônica”, principalmente na
utilização dos instrumentos de arco com a harmonia lenta e grandiloqüente do mote-
to, o tema articula-se na composição da dramaticidade da narrativa como símbolo do
objetivo idealizado pelas personagens do filme: a Missão de São Carlos – local aci-
ma das Cataratas do Iguaçu onde se busca construir um paraíso em que a convivên-
cia das culturas diferentes possa basear-se na justiça divina e no amor. O tema é
também associado às Cataratas do Iguaçu. Entre outras, sua utilização conota:

 divisão/separação:
o É o símbolo da “divisão das águas” (planos) onde a parte de cima
aponta para a possibilidade de um paraíso na terra, revelando sua im-
ponência tanto aos jesuítas quanto ao espectador.

427
 ascensão literal e simbólica.
o Do Padre Gabriel e de Rodrigo Mendonza à comunidade Guarani do al-
to das Cataratas.

4.20.4.1: Temas secundários derivados do Tema 4: The Mission

4.20.4.1.1 ‐ Falls/Climb e Penance/Remorse


Para representar a complexidade do ideal da Missão, Morricone deriva de
seu tema mais dois pares de temas dedicados, respectivamente, ao amor e fé do
Padre Gabriel e ao espírito guerreiro e irreverente do Capitão Rodrigo. Uma contra-
dição que se configura na natureza dual do próprio filme: Falls/Climb e Penan-
ce/Remorse. Os dois pares são associados, respectivamente, as ascensões do Pa-
dre Gabriel e de Rodrigo Mendonza ao alto das cataratas. Portanto, os dois pares de
temas são dedicados, respectivamente, ao amor incondicional [de Gabriel] e à força
desnorteada [de Rodrigo], ressaltando o caráter antagônico dos dois personagens.
Na parte 43 (fragmento 2) Falls/Climb são ouvidos pela primeira vez no
momento de ascensão do Padre Gabriel. Apesar de derivados, ambos têm a mesma
instrumentação e o mesmo caráter do tema da Missão, refletindo a pureza, abnega-
ção e fé do personagem na sua “missão” pessoal.
Na parte 33 (fragmento 12) Penance/Remorse, são articulados à ascen-
são de Rodrigo Mendonza. O caráter do tema da Missão é transformado de forma a
assumir um caráter mais ambíguo e tétrico, que contrasta com a fé e o amor no ideal
de liberdade do Padre Gabriel. O tema articula-se à penitência244 e ao caminho de

244
A penitência de Mendonza é uma clara menção ao Mito de Sísifo. Na literatura grega Sísifo foi condenado a
empurrar incessantemente uma pedra até o topo de um monte apenas para vê-la rolar até embaixo novamente,
uma metáfora dolorosa para muitos tipos de trabalhos: fúteis, sem esperança e repetitivos. Camus tenta extrair da
lenda homérica as circunstâncias exatas que levaram a este extremo castigo. A lenda declara que Sísifo se rebelou
contra os deuses, que ele não os levou a sério e tentou roubar os seus segredos. Outra lenda traz que Sísifo conse-
guiu prender a morte em cadeias e que foi punido por isto por Plutão. Para Camus, a negativa de Sísifo da morte e
dos deuses faz dele o mais absurdo dos heróis, e seu castigo igualmente a maior metáfora para o homem existen-
cial. Para Camus, o momento chave no castigo de Sísifo está naquele instante em que a pedra rola monte abaixo e
Sísifo sabe que ele deve ir atrás dela e tentar, em vão como sempre, empurrá-la para o alto do monte e além. Para
Camus, este é o momento da consciência adquirida. “Cada um de nós deve, em algum momento, vislumbrar o
conhecimento e chegar à conclusão de que não importa quão duro a gente trabalhe, estamos fadados a falhar no
sentido de que mais cedo ou mais tarde morreremos”. Sísifo [e Mendonza], como homem, é rebelde mas inca-
paz, e é naqueles momentos de consciência que ele consegue transcendência sobre os deuses. No final das contas,
Camus vê em Sísifo não a imagem de um trabalho duro contínuo, cansativo e incessante, mas a de um homem
que reconhece que seu destino lhe pertence. Ele e somente ele pode determinar a essência da existência. Camus

428
redenção que o personagem deve empreender para purgar-se. De fato, na primeira
aparição do capitão Mendonza no filme, o tema principal já é ouvido desse modo,
revelando inicialmente o personagem como uma das maiores ameaças da Missão.
Em outra cena posterior, quando o Padre Gabriel visita a Mendonza no convento, a
conversa entre eles também é acompanhada pelo mesmo tema ambíguo.
Conesa (2008) descreve Penance como “herdeira” (sic) das formas com-
posicionais de Bernard Hermann [provavelmente do tema de Vertigo], uma variação
que se desenvolve em espiral, baseando-se na contínua reiteração de arpejos disso-
nantes.

Assim, a peça evoca, simultaneamente, a ação do personagem (que cai e se


levanta uma e outra vez) e seus sentimentos de desorientação. Lograda a re-
denção de Mendonza, o tema principal original é ouvido de novo, quase de
forma imperceptível, quando ele lê (em voz off) as crenças religiosas de fé,
esperança e caridade incluídas em um livro que recebeu do Padre Gabriel.
Durante a leitura, o antigo mercenário assume e interioriza, definitivamente,
a sua “missão”.

Desse modo, “Remorse” inicia com o mesmo clima ambíguo e tétrico, mas
caminha para, pouco a pouco, retomar o mesmo caráter do tema original da Missão,
articulando a ascensão simbólica do Capitão Rodrigo Mendonza.

4.20.4.2: Miserere
Da mesma melodia de a Missão, Morricone também deriva Miserere.
O Miserere (misericórdia) é parte da missa católica dos Mortos (o Ré-
quiem). O Miserere é cantado por uma voz branca (parte 28, fragmento 26) associa-
do a uma menina sobrevivente da destruição da missão, no final do filme. Ela é ex-
traída do mesmo motivo de "Vitta Nostra”.

Sergio Miceli acrescenta e comenta a inserção245:

termina seu ensaio com Sísifo no pé do monte, preparado para suportar o exercício tortuoso e inútil de rolar a
pedra monte acima uma vez mais, mas Camus não vê Sísifo como atormentado, castigado; pelo contrário, ele vê
Sísifo aliviado. Aliviado porque descobriu o segredo da vida. “A luta pelas alturas é suficiente para encher o
coração do homem” (CAMUS, Albert O Mito De Sísifo).
245
Sergio Miceli, in: Ennio Morricone (1995), op. cit.

429
Nesse complexo relacionamento entre valores espirituais e musicais, Morri-
cone se manteve revolvido, são palavras suas, porque viu realizado, concre-
tamente, com uma grande dignidade, um princípio no qual sempre acreditou.
O princípio de que a Música pode ser fonte de salvação. Parece-me verda-
deiramente significativo que entre os sobreviventes, a menininha indígena
que vai recolher qualquer coisa dos avanços daquele momento de civilidade,
tem em frente a si dois objetos: um violino e um candelabro, e, sem hesita-
ção, escolhe o violino. Creio que é sobre esse ponto que se aninha um dos
mais belos temas que Morricone escreveu [Miserere].

430
4.20.4.3: Corais à cappela
Para a ordem dos jesuítas o canto coral constituiu uma das principais fer-
ramentas ligadas à catequese utilizada nas missões.
No filme, os cantos dos índios, aprendidos dos jesuítas, não representam
diretamente a emanação étnica das tradições indígenas, mas, uma nascente assimi-
lação cultural, portadora de novos valores espirituais. Em suas inserções, os corais
conotam dois tipos de associações principais e simultâneas: espiritual e colonialista.
Se, por um lado, os corais interpretam as possibilidades pedagógicas e o fascínio
indígena, revelados numa grandiosidade intuitiva do potencial das arquiteturas poli-
fônicas, por outro lado, conectam-se diretamente às forças antagônicas reveladas
nas atitudes de três personagens: nas dúvidas do julgamento do Cardeal Altamirano
(Ray McAnally) enviado pelo Papa; na arrogância espanhola de Don Cabeza (Chuck
Low); e na astúcia do português Don Hontar (Ronald Pickup).

4.20.4.3.1 ‐ Ave Maria Guarani


A “Ave Maria Guarani” pode ser pensada como a peça que dá voz ao povo
indígena e une, assim, as crenças religiosas européias com a alma espiritual dos
guaranis, ignorada sob o pré-julgamento de selvagens. A Ave Maria Guarani sempre
aparece em nível interno (diegeticamente) e, nesse sentido, representa a voz dos
habitantes da missão, um povoado que os colonos não permitem expressar-se com
palavras.
O tema é usado pela primeira vez na audiência do tribunal cantada por um
menino indígena (parte 6, fragmento 16). A escolha de Morricone da Ave Maria é
importante na medida em que as palavras remetem ao anjo Gabriel (xará do Padre
Gabriel), como o anjo que anuncia à virgem Maria que ela está grávida do filho de
Deus. Desde então Maria é considerada pela tradição católica uma intermediária,
uma advogada. O católico costuma usar esta oração para pedir a Maria que interce-
da com Cristo em seu nome. No filme, o Padre Gabriel usa a música como um pedi-
do da Igreja para interceder a favor dos guaranis e preservar as missões como um

431
refúgio contra os escravocratas. Além disso, na discussão central da cena em ques-
tão, entre portugueses, espanhóis e jesuítas, o modo de cantar do pequeno índio
deixa claro que seu povo não está formado por animais selvagens (que é a opinião
dos colonizadores espanhóis e portugueses), mas, por pessoas e “gentes” com alma,
espirituais (que é o ponto de vista defendido pelos jesuítas).
Na seqüência (parte 7, fragmento 19), o tema articula-se novamente como
súplica. Sobre as imagens da recepção do Cardeal Altamirano, na missão de São
Carlos, e das ações cotidianas dos indígenas no esforço de construir a missão, o
tema é considerado por Conesa (2008) como um canto dos anjos, já que alguns dos
indígenas que a interpretam estão vestidos de branco e rodeiam o Cardeal Altamira-
no: “é como se quisessem demonstrar que a verdadeira palavra de Deus não é
transmitida por ele (ou pela Igreja que representa), mas pela música”. De fato, na
parte 9 (fragmento 24), em uma das últimas cenas do filme, quando os portugueses
perpetram o incêndio da missão de São Carlos e iniciam a matança de mulheres e
crianças indígenas ali refugiadas, a Ave Maria Guarani se revela como a única arma
que eles utilizam para se defender.
No momento citado o tema tem um caráter anempático frente à guerra.
Depois da morte do Capitão Rodrigo Mendonza (fragmento 24) o tema é sobreposto
pela música da guerra (“Guarani”), que sobrepõe também o tema do amor (“Gabriel’s
Oboe”), no instante em que morre o Padre Gabriel.

4.20.4.3.2 ‐ Te Deum
O Tema é inserido pela primeira vez na parte 41, fragmento 17. O Te
Deum é um dos primeiros hinos cristãos, tradicional da ação de graças. Nele, encon-
tramos palavras reveladoras para o argumento do filme: Cremos que um dia virás
como juiz. Rogamos-te, pois, que venhas em ajuda de teus servos [...] Que tua mise-
ricórdia, Senhor, venha sobre nós, como a esperamos de Ti.
Portanto, a Ave Maria e o Te Deum funcionam como oração e súplica dire-
ta ao Cardeal Altamirano, a quem cabe julgar a continuidade das missões.

432
4.20.5
5 - On the earth as itt is in Hea
aven: A Sín
ntese da orrganizaçãoo temática no
filme
A figura abaixo sintetiza
s a organização
o o temática do filme:

Figura
a 115 – Organiza
ação Temática d
de “A Missão” (1
1986)

433
4.20.5.1: Os Créditos Finais
Joffè é um grande diretor, porém um daqueles que tem medo da música e talvez tema
que a expressividade doada pela música à cena ressalte uma carência sua. Isso eu
entendi em muitos discursos sobre a Missão, mas, sobretudo em outros filmes onde
trabalhamos os dois somente, enquanto que na Missão existia um produtor italiano
(Fernando Ghia) que o convidava a deixar as coisas como estavam, como eu as tinha
pensado. Por exemplo, no final, durante a matança, Joffé queria mesclar a Ave Maria
Guarani e o tema do oboé. Eu não queria assim, mas ele não me ouviu e fez um pasti-
cho. Por isso estou certo de seu temor pela música, além disso, sempre a deixou com
o volume baixo nos momentos mais expressivos do filme.
(Ennio Morricone)

A modularidade e o potencial dialético da música, presentes desde Per un


pugno di dollari e nos filmes posteriores de Leone, atualizam-se concretamente nos
núcleos temáticos principais de A MISSÃO. Porém, considerando os valores leitmotívi-
cos associados aos módulos temáticos independentes, temos, na justaposição de
temas, uma situação contínua de acordo e de conflito, uma relação dialética entre as
partes que assume um significado simbólico preciso no filme, presente também como
lógica da partitura.
Além disso, os temas principais dos módulos A, B e C podem ser execu-
tados isoladamente ou nas possíveis combinações A-B / A-C / B-C / A-B-C.

Figura 116 – On Earth as It is In Heaven – Créditos Finais

Quis misturar conjuntamente as três idéias, e o fiz em todo o filme, prevale-


cendo duplas: oboé e coro; oboé e música dos índios; música dos índios e
coro litúrgico. Somente no final misturei todos os três componentes – havia
previsto desde o início, então foi feito sem nenhum esforço – com a idéia de
interpretar a comunhão dos padres com os índios. O empenho técnico da
música é análogo ao empenho que existe na comunhão entre eles. Para mim,

434
atingir esse resultado foi um grande motivo de satisfação, porque era difícil
encontrar um caminho tão autônomo, mas também tão misturado, dos três
componentes. (MORRICONE, 2001:172)

Desse modo, Joffé reservou o ápice da trilha musical para os Créditos Fi-
nais. Um amálgama de temas autônomos executados por uma orquestra sinfônica
com os temas de dois corais distintos e em compassos diferentes, um quaternário e
outro ternário, mais o tema do oboé e o da percussão autóctone. Todos concebidos
como leitmotivs, representando os três elementos isolados citados por Morricone e
que, quando combinados, simbolizam a espiritualidade almejada, a união dos ele-
mentos: o próprio conceito de ‘Novo Mundo’.
Para Miceli (1994) trata-se de um dos resultados mais altos atingidos na
música para filmes, não só na produção de Ennio Morricone:

Já vimos, tratando do método dos níveis, que o nível externo [extra-


diegético], para além das qualidades musicais, é sempre destinado a parecer
um ato artificial, aceito por convenção e por seu indubitável potencial ritua-
lístico e auto-celebrativo. Mas, neste caso – e assim dizendo chegamos à mú-
sica em questão – a mistura dos três níveis mediados [meta-diegéticos] e a
sua pré-existente colocação no filme portam a um nível externo privado de
seu maior defeito. As suas co-existências formam o sigilo, mas, sobretudo o
significado mais potente e menos didático, menos retórico que se possa ima-
ginar. [...] Casos desse gênero são encontrados raramente na história das
relações entre música e cinema. Pode-se pensar em Aleksandr Nevskij, mas a
aproximação é imprópria porque a relação diretor-compositor, o seus modos
de trabalhar, já garantiam um resultado fora do comum. . (MICELI,
2001:280)

Algumas críticas endereçadas ao filme apontam que as referencias musi-


cais apresentam problemas estilísticos e deslizes cronológicos como, por exemplo,
na presença dos arcos246. Miceli (2001) refuta o purismo de tais críticas lembrando
que, no caso da música, a inserção dos arcos reforça as partes do coro a capela,
com o resultado de propor ao mesmo tempo um reconhecimento de fundo melódico
contra uma diversidade tímbrica. Ele acrescenta:

Esta é a música do artífice que nasce descoberta e no fechar das cortinas –


no ponto de transição entre ficção e realidade – oferecendo-se ao especta-

246
No filme também é visível um laboratório de luteria construído pelos jesuítas.

435
dor. Nesse gesto pode-se intuir uma alusão secreta autobiográfica, uma de-
claração de competência, de identificação artística e espiritual (um pouco
como quando os pintores do Renascimento se auto-retratavam num ângulo
de uma figura do altar), mas sobre esse ponto não posso continuar, pois, es-
tou de frente ao próprio autor. (MICELI, 2001)

O filme foi marcante, na época de seu lançamento, por apresentar a pro-


blemática da vida comunitária com o outro, com o diferente. Embora a trilha de Mor-
ricone propenda para um significado de uma comunhão utópica, o trágico resultado
corrobora para uma visão pessimista da história narrada pelo filme. O material musi-
cal é organizado de modo a poder articular características narrativas análogas às
pertencentes à dramaturgia: podem “agir” como “atores” no palco, respondendo a um
roteiro, que é a própria simbologia composicional.
Miceli formula uma opinião interessante que corrobora com algumas críti-
cas feitas ao filme:

Tentei imaginar que coisa teria acontecido à Missão se Joffè tivesse agido,
não como Eisenstein, mas, como Leone. O tema do oboé dá origem a todo o
resto e o esquema harmônico permanece o mesmo. Este, como dizia, é um
dos resultados mais altos atingidos pela música no cinema – em sentido for-
mal e conceitual – também se, infelizmente, apresente ausências sob o plano
dos equilíbrios, das relações recíprocas entre música e imagem. Se poderia
pensar que Joffè não tenha se dado conta do potencial extraordinário dispo-
nível, ou era tarde demais para intervir em favor de um resultado mais am-
plo e efetivo.

Seja como for, o empenho artesanal do músico na composição, em pós-


produção, das inserções musicais do filme é análogo aos dos jesuítas e dos índios
representados. A música de Ennio Morricone foi pensada precisamente para o filme,
mas, pelos seus múltiplos valores, deve permanecer como um grande modelo de
trilha musical cinematográfica.

436
4.21 - A MÚSICA DE CANONE INVERSO: MAKING LOVE – 2000

4.21.1 - Ficha Técnica


Canone Inverso - Making Love
Adaptação do Livro “Canone Inverso” de Paolo Maurensig
Nacionalidade: Itália
Ano: terminado no ano de 1999 e lançado no ano de 2000
Duração: 1h 57m
Diretor: Ricky Tognazzi.
Roteiro: Simona Izzo, Ricky Tognazzi e Graziano Diana
Produção: Vittorio Cecchi Gori
Produtor executivo: Mario Cotone
Elenco – na ordem dos créditos
Ator Interpreta Personagem/Papel
Hans Matheson Jeno Varga O Violinista
Mélanie Thierry Sophie Levi A Pianista
Lee Williams David Blau O filho do Barão Blau
David Blau
Gabriel Byrne Narrador do Flashback(2)
O Homem do Violino
Ricky Tognazzi O Jovem Barão Blau No Flashback(2) do filme
Peter Vaughan O Velho Barão Blau No tempo diegético real do filme
Nia Roberts Costanza No tempo diegético real do filme
Adriano Pappalardo Wolf O Padrasto de Jeno Varga
Andy Luotto Maestro Hischbaum Diretor do Colegium Musicum
Professor de Violino do Colegium Musi-
Mattia Sbragia Maestro Weigel
cum
Domiziana Giordano Baronesa Blau A mãe de David
Andrea Prodan Carlo Marido de Sophie Levi
Rachel Shelley Mãe de Jeno No tempo do Flashback(2)
Música Original: Composta, Orquestrada e Dirigida por Ennio Morricone
Edição: Carla Simoncelli
Produção Designers: Francesco Bronzi
Decoradores: Nello Giorgetti
Costume Designers: Alfonsina Lettieri
Maquiagem: Giusy Bovino Estilista chefe
Gerenciamento de Produção: Alessandro Baragli Supervisor de Pós-Produção
Unidade II Diretores ou Assistente
Fabrizio Sergenti Castellani Diretor assistente
de Diretores:
Departamento de Arte: David Orlandelli “storyboard” artista
Tullio Morganti Som
Departmento de Som:
Fabio Venturi Engenheiro da trilha musical
Companhias Produtoras Cecchi Gori Group Tiger Cinematográfica

437
Mario e Vittorio Cecchi Gori - C.E.I.A.D.
Distribuidores Cecchi Gori Distribuzione (Itália)

Tabela 11 – Ficha Técnica – “Canone Inverso”

4.21.2 - Comentários Iniciais


O filme CANONE INVERSO é uma adaptação baseada no romance homôni-
mo de Paolo Maurensig. Sua ação dramática remete a uma linha narrativa semelhan-
te à de “O Violino Vermelho247”, ou seja, explorar o mistério por trás da vida dos donos
de um violino especial que, no início do filme, está sendo vendido num leilão.
O filme foi calculadamente lançado primeiramente no mercado doméstico
europeu, em inglês com uma dublagem em italiano, no início da primavera de 2000
com uma verba de aproximadamente três milhões de dólares. Os produtores “Cecchi
Gori” realizaram sua première no mercado de Cannes. Fez parte da estratégia de
lançamento proporcionar uma maior visibilidade ao diretor Ricky Tognazzi que ainda
carece de trabalhos mais distintivos (ele foi o diretor de filmes como LA SCORTA, 1993
e ULTRA, 1992). Nesse sentido, o CANONE INVERSO representa uma tentativa habilido-
sa de inserir o diretor italiano no mercado com características inglesas seguindo seu
épico televisivo (HBO) EXCELLENT CADAVERS, de 1998, lançado em DVD em 1999.
No filme, um violino raro, a memória de uma composição musical um “Ca-
none Inverso” e um filho recém-nascido, Jeno (Hans Matheson), foi tudo que foi dei-
xado para uma mulher e humilde fazendeira (Rachel Shelley) pelo pai, Barão Blau
(Peter Vaughan), um jovem judeu que os abandonou na época do final da Primeira
Guerra Mundial. A peça canônica é executada por dois violinistas que se conhecem
quando estudantes num conservatório. Posteriormente, na presença da música, eles
descobrem que são irmãos. O “Canone Inverso” protagoniza a história intrincada so-
bre o amor, a música, a paixão e o destino, tendo como pano de fundo os aconteci-

247
Filme, dirigido por François Girard, conta a saga de um violino vermelho. Inicia a história do violino vermelho
no século 18, quando um artesão italiano o constrói um instrumento perfeito, no intuito de homenagear sua espo-
sa, que está prestes a ter um filho. Mas uma tragédia ocorre e a esposa e o filho morrem no parto. O violino é
construído e, ao longo dos 300 anos seguintes, passa de mão em mão por diversos continentes, sempre produzin-
do belos sons e acompanhado por uma misteriosa sina, até parar numa casa de leilões de instrumentos raros. A
trilha musical, composta por John Corigliano, reflete com mestria os diversos períodos históricos relacionados à
história do violino vermelho concomitante com diversos estilos musicais da própria História da Música.

438
mentos relacionados à presença da Tchecoslováquia nas duas grandes guerras
mundiais e o episódio histórico de 1968, que ficou conhecido como “A Primavera de
Praga248”, quando os tanques soviéticos invadiram a cidade.
Num primeiro contato com o filme, o apelo da adaptação literária parece
convencional e antigo. A produção foi planejada para ir de encontro a uma platafor-
ma comercial onde o livro desse drama europeu, foi e ainda é muito apreciado. Po-
rém, no modo complexo como a música foi utilizada no filme, articula todo um conte-
údo de ordem simbólica que expande concretamente as suas potencialidades de lei-
tura, interpretação e compreensão, contribuindo para uma multiplicidade de significa-
dos enriquecedores.
A motivação da análise do filme se deu através de seu título CANONE IN-
VERSO: “porque Ennio Morricone e Ricky Tognazzi utilizaram uma forma contrapontís-
tica hermética num filme com características hollywoodianas?”

248
O ano de 1968 foi o ano que marcou o fim da “Primavera de Praga”, um experimento de “socialismo com face
humana” comandado pelo líder do Partido Comunista da então Tchecoslováquia, Alexander Dubcek. O movi-
mento representava o desabrochar da democracia atrás da Cortina de Ferro. Mudanças inéditas no bloco socialista
eram adotadas no país: imprensa livre, judiciário independente e tolerância religiosa. Dubcek introduzia reformas
políticas e econômicas, com o apoio do Comitê Central. O mundo olhava para Praga com apreensão. O que fari-
am os soviéticos e os seus vizinhos comunistas? As liberdades conquistadas em poucos dias pelo povo tcheco
eram inadmissíveis para as velhas lideranças das “Democracias Populares”. Se elas vingassem em Praga eles
teriam que também liberalizar os seus regimes. Além disso, existiam as conseqüências geopolíticas, uma brecha
na muralha soviética: uma Tchecoslováquia social-democrata e independente significava o enfraquecimento do
Pacto de Varsóvia, o sistema defensivo anti-OTAN montado pela URSS em 1955. Então, numa operação militar
de surpresa, as tropas do Pacto de Varsóvia lideradas pelos tanques da URSS entraram em Praga no dia 20 de
agosto de 1968. A “Primavera de Praga” sucumbia perante a força bruta. Sepultaram naquele momento qualquer
perspectiva do socialismo poder conviver com um regime de liberdade. Dubcek foi levado a Moscou e depois
destituído. Cancelaram-se as reformas, mas elas lançaram a semente do que vinte anos depois seria adotado pela
própria hierarquia soviética representada pela política da glasnost de Michail Gorbachov. Como um toque pesso-
al e trágico, em protesto contra a supressão das liberdades recém conquistadas, o jovem Jan Palach incinerou-se
numa praça de Praga em 16 de janeiro de 1969.

439
4.22 - ORGANIZAÇÃO TEMÁTICA DA TRILHA MUSICAL

4.22.1 - Decupagem
Duração do filme: 117 minutos (1:57:39 [uma hora, cinqüenta e sete minu-
tos e trinta e nove segundos] mais precisamente).
Total das Inserções Musicais: 104 minutos (1:44:26 [uma hora, quarenta e
quatro minutos e vinte e seis segundos] mais precisamente).
Porcentagem com música: 88%; porcentagem sem música: 12%.
O filme foi decupado em 59 fragmentos
A tabela abaixo apresenta as inserções musicais e seus respectivos frag-
mentos:

Nº Início Fim Referência Fragmento


ED: Canone Inverso
Abertura
1 0:00:00 0:01:59 Fragmento 1
Créditos Iniciais
1

1 – Fragmento 2

2 0:02:52 0:03:20 ED: Intermezzi – 1:20 2 – Fragmento 3

3 – Fragmento 4

Música Diegética
3 0:05:00 0:06:02 Fragmento 5
Pessoas da Primavera de Praga
4 0:06:15 0:06:33 ED: Tema d’Amore Disperato (cordas)
D: Canone Inverso
(Nel Campo)
Solo no violino
Fragmento 6
5 0:07:26 0:08:28 Interferências extra-diegéticas: Coro infantil e Orques-
tra;
Termina só com o solo diegético.
2
ED: Canone Inverso Cantada em bocca chiusa por uma
6 0:10:42 0:11:07 voz feminina Fragmento 7
3
7 0:11:30 0:11:45 ED: Vaghi Riflessi
D: Canone Inverso 1 – Fragmento 8
8 0:11:52 0:12:41
Agora diegeticamente cantado pela mãe do menino, 2 – Fragmento 9

440
levando para
ED: “in bicicletta”
4
D: Estudos progressivos no violino
Emenda em música extra-diegética
9 0:13:21 0:14:24 (Jeno – crescido)
Volta num estudo (diegético) Jeno quebra as cordas do Fragmento 10
violino tocando.
ED: Intermezzi
10 0:14:48 0:15:14
(Jeno recebe o violino do pai)
11 0:15:14 0:15:19 D: Anúncio pelo rádio do concerto de Sophie Levy.
12 0:15:21 0:16:45 D: Finale di un concerto romantico interotto. 1 – Fragmento 11
D: O locutor do rádio anuncia o final inesperado do
13 0:16:47 0:16:51 2 – Fragmento 12
concerto
ED:Trecho do Concerto Interrompido
14 0:18:28 0:18:39 Fragmento 13
Solo de violino
D:Som de Música de Piano (ao longe)
15 0:18:44 0:20:20 Sophie Levy – Estudando
Fragmento 14
Parte do piano do Concerto Interrompido
16 0:20:35 0:21:45 ED: Chiaro Di Luna Di Giorno

1 – Fragmento 15

2 – Fragmento 16
17 0:22:31 0:23:13 ED: final do “Chiaro Di Luna Di Giorno”
3 – Fragmento 17

4 – Fragmento 18

18 0:26:24 0:26:51 ED: Con disperata gioia Fragmento 19


Concerto de Madame Levy – Boemia
1 – Fragmento 20
Chiaro Di Luna Di Giorno
19 0:29:42 0:30:48 (inicialmente diegético) 2 – Fragmento 21

Passa para a orquestra 3 – Fragmento 22


extra-diegeticamente.

Solo violino do tema principal do Concerto Interrompido


20 0:31:50 0:32:15 Inicia extra-diegético;
Termina diegético.
Chiaro Di Luna Di Giorno
21 0:33:08 0:33:23 Sophie Levy sentada ao piano Fragmento 23
com corte súbito na música.
Retoma a música no piano;
22 0:33:34 0:34:11 Música passa a orquestra;
Volta o tempo da narração (Primeiro Flash-back).

441
Tema do Canone Inverso
(Morte da mãe e do futuro irmão)
Inicia Extra-diegético;
Torna-se Diegética:
23 0:34:35 0:35:10
Jeno tocando ao lado do caixão de sua mãe dentro da
igreja. Fragmento 24
5

ED: Repetição do primeiro dos estudos progressivos


24 0:35:41 0:36:05 (metálico e desafinado);
Jeno grita por sua mãe.
25 0:36:30 0:37:09 ED: Elmetti Di Fuoco Fragmento 25
26 0:37:42 0:38:24 D: Som de Instrumentos de Orquestra Afinando
ED: Tema d’Amore Disperato;
27 0:38:28 0:39:30 Fragmento 26
Primeiro Beijo de Jeno e Sophie
28 0:39:33 0:39:50 D: Volta o som da orquestra afinando
D: Som de instrumentos diversos
29 0:41:16 0:41:46 (na escola de música) Fragmento 27
Jeno encantado com a escola de música.
30 0:41:46 0:41:54 Som: Professor (Maestro Weigel) afinando um violino Fragmento 28
D: Jeno executando a Ciaccona para a classe.
31 0:42:35 0:42:47
(O professor Weigel interrompe)
Jeno, depois da bronca do professor, reinicia a Ciac-
Fragmento 29
32 0:43:04 0:43:23 conna de Bach.
(O Maestro Weigel interrompe novamente)
33 0:43:46 0:43:54 D: Franz executa a Ciaccona no lugar de Jeno.
D:Capriccio – La Caccia
34 0:44:25 0:44:33 Tocada por Jeno.
O bedel interrompe pedindo silêncio.
Jeno insiste em tocar;
35 0:44:37 0:44:49
O bedel, irritado, vai chamar o Maestro Weigel
D: A música de Jeno é respondida por outro aluno da
escola em outro quarto (o aluno é o irmão de Jeno)
Fragmento 30
Inicia-se um diálogo entre os dois tocando o Capriccio –
La Caccia;
36 0:44:51 0:46:13 Eles saem do quarto e tocam pelos corredores escuros
da escola, procurando se esconder do Bedel e do Ma-
estro Weigel.
Termina com o Maestro Weigel confiscando o violino de
Jeno (que foi deixado pelo pai)
Jeno, de castigo (sem instrumento), executa (mimeti-
zando como se estivesse com o violino) o Capriccio
37 0:46:37 0:46:42 Fragmento 31
cantarolando as notas da melodia.
(O “irmão” (David) surge na janela).

442
38 0:48:24 0:49:21 ED: Goliardi e Sport Fragmento 32
39 0:49:41 0:50:44 D: Goliardi Fragmento 33
ED: Tema d'Amore Disperato
40 0:51:37 0:52:03 Fragmento 34
(Sophie Levy visita o conservatório no dia de ano novo)

ED:Chiaro Di Luna Di Giorno; 1 – Fragmento 35


41 0:53:56 0:55:04
Sophie Levy discursa para os alunos.
2 – Fragmento 36

D: Finale di un concerto romantico interotto


(acompanhamento de piano);
Audição-Concurso entre os alunos de violino do conser-
vatório.
42 0:56:47 0:58:29 (Os finalistas são David e Jeno [irmãos]) Fragmento 37
Maestro Weigel discorda do resultado da banca, no
caso de Jeno, e abandona a audição.
O concurso não pode terminar e será remarcado em
outra data.
ED: Avvolgente;
Invasão de Praga pelas tropas de Hitler.
43 0:59:59 1:01:20 1 – Fragmento 38
Os alemães enviam uma comissão de controle no 2 – Fragmento 39
conservatório.
ED: sininhos;
44 1:04:39 1:04:51 Fragmento 40
O nome de Costanza é pronunciado.
D: Song that my mother taught me [per violino solo]
A mãe de David se engana pensando que ele está
45 1:05:39 1:06:42 Fragmento 41
tocando, mas na verdade é Jeno quem toca.
David vê o violino de Jeno.
ED: Vaghi Riflessi (?)
46 1:08:19 1:09:22 Fragmento 42
Jeno é apresentado para o pai.
O concerto do Teatro Tanz
ED: Vaghi Riflessi.
47 1:09:38 1:10:54 Fragmento 43
A final do concurso é acertada (a peça a ser executada,
pelos dois finalistas, é o Canone Inverso
48 1:11:11 1:11:18 Aparece a partitura do Canone Inverso
Jeno olhando para a partitura
ED: O som de sua mãe cantando a melodia principal do
49 1:11:19 1:11:34
Canone Inverso
6
D: Canone Inverso
Fragmento 44
Final do Concurso.
50 1:12:00 1:12:28 David inicia como primeiro violino (Jeno o segundo);
David não consegue prosseguir tocando.
7
D: Canone Inverso
51 1:12:41 1:12:59
David se desculpa e tenta novamente Da Capo;

443
Novamente David não consegue prosseguir tocando.
8
D: Canone Inverso
O Maestro Ischbaw sugere que Jeno tente tocar a
primeira voz;
52 1:13:25 1:13:54 Novamente David não consegue executar a peça até o
fim;
David decreta Jeno como vencedor do concurso.
9
ED: Vaghi Riflessi
53 1:14:57 1:16:13 Diálogo entre os dois irmãos (constatação):
1 – Fragmento 45
Wolf não é meu pai. 2 – Fragmento 46
ED: Tema d’Amore Disperato 3 – Fragmento 47
54 1:16:54 1:17:48
Jeno deixa a casa do pai; devolve o violino para o pai.

ED: Tema d’Amore Disperato 1 – Fragmento 48


55 1:20:10 1:21:00 2 – Fragmento 49
Jeno pede a Sophie para não ir embora.
3 – Fragmento 50

ED: Chiaro Di Luna Di Giorno


56 1:23:17 1:24:28 Sophie vai participar do concerto. 1 – Fragmento 51
2 – Fragmento 52
Os dois fazem amor.
ED: Finale di un Concerto Romântico Interotto
(Introdução);
David vai ao concerto contrariando o pai.
A música passa ao estado diegético; é o concerto de
57 1:25:44 1:29:10 1 – Fragmento 53
Jeno e Sophie; 2 – Fragmento 54
O concerto é interrompido por soldados alemães pren-
dendo todos os judeus (inclusive Jeno e Sophie) [bem
na cadência de engano];
D: Nel Campo (Canone Inverso)
Eu sou sua neta.
58 1:31:24 1:31:55 Fragmento 55
Recordo aquela música.
10

ED: Canone Inverso Fragmentos;


1 – Fragmento 56
59 1:32:16 1:32:52 O rabino diz que Jeno morreu.
11 2 – Fragmento 57

ED: Vaghi Reflessi.


60 1:34:10 1:36:52 Foram para Treblinka

Fragmento 58
ED: Vaghi Reflessi(Lembranças do Cânone Inverso)
61 1:35:24 1:36:52 O rabino não mentiu;
Jeno é David

444
MD: Goliardi
62 1:37:28 1:38:16 No Colegium Music;
“Estamos fazendo o Amor”;
ED: Tema d’Amore Disperato;
63 1:38:58 1:39:50 Constanza encontra David; Fragmento 59
Os 3 juntos.
MD: Goliardi;
64 1:40:00 1:40:36 A Música é a espada com a qual conquistaremos o
mundo.

ED: Transição para Finale di un Concerto Romantico


65 1:40:36 1:44:26 Fragmento 59
Interotto (até a cadência interrompida ou de engano;
Créditos Finais

4.22.2 - Gravação Musical (CD)


A gravação, catalogada CDV 2402, não respeita, necessariamente, a or-
dem de entrada das inserções na película. As 21 faixas do CD, com duração total de
50 minutos e 14 segundos, são as seguintes:

Nº. Nome Duração


1 Canone Inverso Primo [2:28]
2 Tema D'Amore Disperato [2:08]
3 Finale Di Un "Concerto Romantico Interotto" [4:25]
4 Chiaro Di Luna Di Giorno [2:46]
5 Goliardi E Sport [1:56]
6 Con Disperata Gioia [2:08]
7 Intermezzi [2:02]
8 Capriccio "La Caccia" [3:25]
9 Ciaccona [1:10]
10 Songs That My Mother Taught Me [1:27]
11 Nel Campo [2:12]
12 Avvolgente [4:12]
13 Elmetti Di Fuoco [2:49]
14 Corsa [0:44]
15 Canone Inverso Primo, Canone Inverso Secondo [2:29]
16 Piccoli Studi [4:41]
17 Vaghi Riflessi [1:58]
18 In Bicicletta [1:05]
19 Goliardi [1:10]
20 All'Aperto [2:44]
21 Canone Inverso [2:14]

Tabela 12 – As Faixas do CD – Canone Inverso

445
4.22.2.1: Agrupamento Temático no CD
Dura-
Grupo Nº Nome Comentários
ção

Orquestração de Morricone do tema principal de Clair de Lune


1 4 Chiaro Di Luna Di Giorno [2:46] da suíte Bergamasque de Claude Debussy. Leitmotiv de Sophie
Levy, a pianista.
Finale Di Un "Concerto
3 [4:25] A Música mais elaborada do filme.
Romantico Interrotto"
2
2 Tema D'Amore Disperato [2:08] Parte {B} do Finale di Un Concerto Romantico Interroto.
6 Con Disperata Gioia [2:08] Parte {C} do Finale di Un Concerto Romantico Interroto
5 Goliardi E Sport [1:56] Música marcial e festiva.
3
19 Goliardi [1:10] Improviso dos músicos com o tema de Goliardi e Sport
7 Intermezzi [2:02] Inserções Intermediárias sem peso de Leitmotiv.
Música composta com um caráter solene. Acordes suspensivos
orquestrais são executados lentamente e entremeados de pau-
4 sas, dando um caráter hesitante e trágico. Na gravação do CD
17 Vaghi Riflessi [1:58] (e não no filme) serve como introdução da parte {C} do Finale di
um Concerto Romântico Interroto o Tema d’Amore Disperato
(Tema de Amor Desesperado), um dos motivos condutores do
par romântico.
12 Avvolgente [4:12] Sonoridades em ritmo de marcha e com um clima suspensivo
5 Faz parte do tema do “mal” no filme.
13 Elmetti Di Fuoco [2:49] Sonoridades em ritmo de marcha com sonoridades suspensivas
Faz parte do tema do “mal” no filme.
8 Capriccio "La Caccia" [3:25] Capricho nº 9 de Paganini.
9 Ciaccona [1:10] Suíte nº 2 para violino de Bach.
Songs That My Mother
10 [1:27] Als die alte mutter op.55 – Dvorak.
Taught Me
6
14 Corsa [0:44] Composta como um estudo de violino em que Morricone mostra
as habilidades virtuoses do instrumentista.
16 Piccoli Studi [4:41] Pequenos estudos, um pequeno grupo de peças para violino
solo, derivados dos temas principais do filme.
20 All'Aperto [2:44] ‘All’aperto ’é um romance em estilo cigano que também apre-
senta características virtuosísticas em relação ao violino.
1 Canone Inverso [2:28] Música principal do filme
11 Nel Campo [2:12] Música Principal do Filme.
Canone Inverso Primo, O “Canone Inverso Secondo“ é uma espécie de variação do
15 [2:29] primeiro com uma harmonia mais cromática e que também é
7 Canone Inverso Secondo
retrogradada. (não é utilizado no filme)
18 In Bicicletta [1:05] O Lebhalt ou Luft. Variação orquestral do tema principal do
filme.
21 Canone Inverso [2:14] O Tema Principal do Cd, do filme e deste trabalho. Executado
só pelos dois violinos.
Tabela 13 – Grupos temáticos da trilha sonora musical do “Canone Inverso”

446
4.22.3 - Conceito
Com o diretor Rick Tognazzi tive a oportunidade de confrontar-me livremen-
te, pois é um diretor que deseja experimentar soluções novas, também no
âmbito musical. Isto acontece particularmente no filme Canone Inverso, am-
bientado na área balcânica da ex-Jugoslavia que tem como protagonistas
uma pianista e um violinista. Inicialmente, de forma a ter um compositor
mais familiarizado com essa cultura, o trabalho seria confiado a Goran Bre-
govic. Todavia, diversas exigências, ditadas pela presença no filme de um
“cânone inverso” e de um “concerto romântico para violino e piano”, cola-
boraram para que eu fosse escolhido na composição da trilha musical do
filme (MORRICONE249)

O agrupamento das faixas do CD apresenta sete grupos temáticos.


 Grupo 1 – Leitmotiv da pianista Sophie Levi:
o Material derivado da orquestração de Morricone do tema principal
de Clair de Lune da Suíte Bergamasque de Claude Debussy;
 Grupo 2 – Leitmotiv do par romântico Jeno e Sophie:
o Material derivado do “Finale di un Concerto Romantico
Interrotto”;
 Grupo 3 – Ambientação do Colegium Musicum:
o Peças que sublinham a irreverência dos alunos no tratamento ofe-
recido pelo conservatório Colegium Musicum, no início da Segun-
da Guerra Mundial;
 Grupo 4 – Sonoridades “climáticas” derivadas do Grupo 3:
o Sonoridades compostas por acordes suspensivos orquestrais exe-
cutados lentamente e entremeados de pausas, dando um caráter
hesitante e trágico;
 Grupo 5 – Sonoridades dos alemães:
o A música da “maldade”. Ritmos percussivos de marcha, com so-
noridades “dissonantes” e suspensivas;
 Grupo 6 – Músicas pré-existentes:
o executadas diegeticamente pelos violinos.
 Grupo 7 – Leitmotiv do filme e de todos os protagonistas principais:
o Material derivado do “Canone Inverso”;

249
Morricone, E. In: LUCCI, G. Morricone, Cinema e Oltre. Milano: Mondadori Electa S.p.A., 2007, p.196.

447
4.23 - GRUPO 1: LEITMOTIV DA PIANISTA SOPHIE LEVI

4.23.1 - Chiaro di Luna di Giorno


A música que será o leitmotiv pessoal de Sophie Levi. No CD Morricone
chamou de Chiaro Di Luna Di Giorno (Claro da Lua de Dia). A faixa é uma delicada
orquestração de Morricone da peça Clair de Lune, terceiro movimento da Suíte Ber-
gamasque (1890) de Claude Debussy.
Uma das especulações de por que Ennio Morricone escolheu essa peça
para representar a pianista Sophie Levi tem relação com o tema da perseguição na-
zista aos judeus na II Guerra, o pano de fundo do filme. Sophie Levi vai morrer em
Treblinka, um campo de concentração
Em sua dissertação de mestrado “A Produção Pianística de Claude De-
bussy Durante a Primeira Guerra Mundial”, Benedetti nos mostra os efeitos causados
pela Guerra na vida e na obra do compositor Claude Debussy, que foi invadido por
um extremo patriotismo, e a influência deste nacionalismo nas obras escritas naquele
período. Segundo a escritora, os efeitos provocados pela Guerra em Debussy resul-
tam em um nacionalismo exagerado, e vários de seus escritos desse período, como
os artigos publicados pelas revistas especializadas da época e suas correspondên-
cias, testemunham o culto a um sentimento de repugnância a toda e qualquer forma
de expressão cultural que viesse de terreno inimigo, em particular da Alemanha.
Como exemplo a autora cita o trecho de uma carta endereçada a Igor
Stravinsky em 24 de outubro de 1915 onde o compositor coloca abertamente todo o
deu sentimento de ódio em relação aos alemães:

Nestes últimos anos, quando senti os miasmas austro-germânicos se expan-


direm sobre a arte, eu desejaria ter mais autoridade para gritar minha in-
quietude, para advertir sobre o perigo que corremos, sem desconfiar. Como
não adivinhamos que essas pessoas tentavam a destruição da nossa arte,
como eles preparavam a destruição de nossos países? O ódio que sinto por
esta raça vai até o último dos alemães! Existirá um último alemão? Pois es-
tou convencido que os soldados se reproduzem entre eles. (in LESURE,
1980: 266)

448
Nesse sentido, ainda no texto da autora, Debussy buscaria inspiração em
uma geração de músicos franceses esquecidos durante o Romantismo e que marca-
ram a História da Música com uma escola nacional, a do século XVIII, pois seria no
início desse século que, com François Couperin e Jean Philippe Rameau, a escola
francesa conheceria o seu apogeu.

Os primeiros traços desta febre de tentar ressuscitar os músicos e a música


francesa do século XVIII acontecem no final do século XIX, com a Suíte Ber-
gamasque (escrita em 1890 e revisada logo antes da sua publicação, em
1905). [...] Debussy torna-se então um militante, difundindo em alta voz a
“ideologia ramista”. Como crítico, escreve vários artigos, nos quais prega a
volta de uma música francesa inspirada em seus ancestrais, como o famoso
artigo escrito em novembro de 1912, intitulado “Jean-Philippe Rameau”,
encomendado por seu amigo André Caplet, que se encontrava em tournée
pelos Estados Unidos (BENEDETTI, 2005:2).

Nesse artigo citado pela autora, Debussy coloca Rameau como “uma das
bases mais seguras da música”. Para Debussy, Rameau é o antídoto da música itali-
ana e alemã, e, sob a égide patriótica, Debussy milita a favor de uma espécie de eli-
tismo. Ele teme “que nossos ouvidos tenham perdido a faculdade de escutar com
uma atenção delicada esta música que proíbe a si mesma qualquer ruído desgracio-
so, mas reserva a acolhida de uma polidez encantadora aos que sabem ouvi-la.”
(DEBUSSY, 1987: 205 – in BENEDETTI)
Portanto, esse leitmotiv escolhido por Morricone para representar Sophie
Levi, tenta exprimir todas as características que serão tão peculiares à personagem
no filme: a música que representa uma famosa pianista concertista; delicadeza e um
sentimento geral anti-germanismo, revelado na abordagem da perseguição nazista
aos judeus (Sophie Levi é judia).

4.23.1.1: Indo para a cidade: “Clair de La Lune di Giorno”


A cena inicia com Jeno na caminhonete com Wolf indo para a cidade en-
tregar uma carga de produtos derivados da criação dos porcos. Jeno está escreven-
do e cantarolando a música, mas finge que está fazendo a contabilidade de Wolf re-
lacionada à entrega dos produtos. Jeno volta o seu olhar para a partitura “oculta”
dentro do livro de contabilidade. A melodia do segmento [b] da parte A do Concerto é

449
ouvida com o timbre solo de violino, como se fosse o resultado da audição interior de
Jeno. A imagem corta a caminhonete onde estão os dois entrando na cidade. Pode-
mos ouvir o som de buzinas de carros sobrepondo-se ao fragmento da audição inte-
rior de Jeno.
Quando Jeno começa a descarregar os produtos da caminhonete, começa
a ouvir uma “música distante” (a música está mixada com volume muito baixo). De-
pois de se auto questionar se a música não é produto de sua imaginação, ele cami-
nha em direção ao som da música que está ouvindo.
À medida que Jeno se aproxima de um hotel numa praça, começa-se
também a discernir a música. Trata-se de um fragmento do Finale di un Concerto
Interroto, tocado num piano dentro de um dos quartos do hotel. O fragmento é inter-
rompido e, depois de um pequeno silêncio, volta com o momento [a] da parte A. O
quarto de onde vem o som está localizado no alto do prédio.
Jeno, muito curioso, sobe numa árvore da praça para poder olhar na altura
da direção da janela de onde vem o som. Quem estaria tocando? Jeno escala a ár-
vore até o topo e enxerga a figura de Sophie Levi tocando num piano de cauda den-
tro de uma grande sala no hotel. Jeno quase perde o fôlego. Sophie está estudando
o concerto. Seu rosto mostra traços de preocupação com sinais de reprovação à
própria performance no piano até não conseguir prosseguir, interrompendo nova-
mente o “Finale di un Concerto Interrotto”. Ela se levanta ao mesmo tempo em que
fecha o piano, batendo a tampa, Jeno perde o equilíbrio e cai de cima da árvore gri-
tando.
Sophie ouve o grito e se dirige à janela para olhar. Ela vê Jeno mancando
enquanto se afasta da praça. No corte da cena é introduzida a música que será o
leitmotiv pessoal de Sophie Levi. No CD Morricone chamou de “Chiaro Di Luna Di
Giorno”.

4.23.1.2: Na casa de Banhos: A primeira conversa de Jeno com Sophie


A música conduz para uma tomada em movimento de cima para baixo ini-
ciando em ECU do teto de vidro de um local com uma arquitetura deslumbrante (pro-

450
vavelmente dentro do mesmo hotel onde Sophie Levi está hospedada). Em baixo
pode-se ver Sophie nadando completamente nua em uma piscina no interior do re-
cinto na direção da escada de saída. Sophie olha para o teto e a câmera, ao mesmo
tempo em que evita exibir toda a sua nudez, nos mostra a perspectiva de seu olhar,
um teto de vidro transparente por onde entra e passa a claridade do dia (Chiaro di
Luna di Giorno). Sophie nada em direção da mesma escada onde uma senhora fun-
cionária do hotel está aguardando Sophie com uma toalha aberta. Ela se envolve na
toalha e começa a se enxugar.
Nesse momento a porta é aberta Jeno que entra, sorrateiramente, no re-
cinto. Sophie senta-se num local coberto com uma grande toalha branca e a senhora
funcionária se dirige para outra sala do recinto deixando-a sozinha. Jeno, observan-
do essa imagem paradisíaca com Sophie coberta com uma toalha muito curta, apro-
veita para se aproximar.
No diálogo entre os dois Jeno se apresenta como violinista e revela que
sempre foi seu fã e que gostaria de tocar com o concerto com ela.
A funcionária do hotel aparece e persegue Jeno batendo-lhe com uma toa-
lha nas costas. A música e a imagem são cortadas sincronicamente.

451
4.23.2 - Grupo 2: Finale di un Concerto Romantico Interroto
Morricone escreveu uma música típica de um concerto romântico duplo,
para violino e piano (em cânone): Finale de um Concerto Romantico Interroto (Final
de um Concerto Romântico Interrompido). Como o próprio nome diz, nas três vezes
que essa música é executada (todas diegeticamente) no decorrer do filme, por algum
motivo, é interrompida.

O concerto duplo romântico que se escuta no fim do filme deveria ter sido
composto (por exigência de credibilidade da história) por um autor judeu. O
único compositor de cultura hebraica do passado que compôs um concerto
duplo foi Mendelssohn, mas, como sua obra não era suficientemente dramá-
tica para o filme, decidimos não inspirar-se nela. Depois de várias reflexões
fui encarregado de escrever o breve Finale di un concerto romantico com
três minutos e vinte segundos de duração [00:03:30]. (Morricone, 2007:199)

O concerto foi composto em três partes. Na parte A e C, o violino propõe


os temas que são respondidos pelo piano em cânone.

Cumprir as exigências impostas à peça na narrativa do filme em três minutos


e vinte segundos significou um grande desafio. Encontrei a solução fazendo
o violino e o piano executarem alguns temas contemporaneamente, mas, com
um compasso de distância, ou seja, em cânone. Eis como nasce, então, uma
forma de sonata absolutamente nova, com ótimo resultado cinematográfico,
não obstante a dificulade inicial da duração mínima deste concerto, não por
acaso chamado de ‘Concerto Interrotto’. (MORRICONE, 2007:199)

452
A form
ma como a peça foi co
omposta po
ode ser observada no g
gráfico abssaixo:
Parte (Módulo) Característic
cas

Introdução
o Peda l de cordas na n ota lá grave
[a]: Solo de
e Violino com o p
piano em cânone
e;
Parte {A} [b]: Violino com piano;
([a], [b
b] – [a], [b’] como
o transição) [a]: Tutti das corrdas e acompanh
hamento da orqu
uestra;
[b’]:
[ Transição exxecutada pelo pi ano, flauta e madeiras.
[a]: Solo de Vio
olino;
Parte {B}
([a], [a]) [b]: Tutti orque stral.

[a]: Violiino e volta o pian


no em cânone;
Parte {C}
([a], [a]) [b]: Tutti orque stral.

tti orquestral (ala Brahms).


Tutt
Coda
“Encerra” (no CD) com uma ccadência de enga
ano.

Gráffico 2 - Finale dii un Concerto Ro


omantico Interrroto

Introdução

Figura 117 – Introdução do Finale


F di un Con
ncerto Romanticco Interroto

453
Parte {A}

Figura 118
8 – Parte {A} do concerto

A peç
ça porta vá
ários tipos de motivoss condutore
es (leitmotiiv) relacion
nados
aos personagen
p ns Jeno (o violino)
v e Sophie (o pia
ano).
Como
o peça com
mpleta repre
esenta o ob
bjetivo proffissional e afetivo de Jeno
que durante
d sua
a vida inteira preparou om Sophie Levi. Em vvários
u-a para toccar junto co
mome
entos do filme essa situação
s ob
bstinada re
eflete clara
amente que
e esse é o seu
maiorr objetivo.
As ins
serções de
erivadas do
o material t emático da
a peça cum
mprem obje
etivos
narrattivos bem complexos
c em sua fun
ncionalidad
de. De um m
modo gerall, ela contextua-
liza o tempo e es
spaço da ação
a fílmica
a, mas, com mântico, expres-
mo leitmotivv do par rom

454
sa e suscita os sentimentos entre os dois. Além disso, ela também é utilizada como
elemento de continuidade temporal.
O desmembramento da peça em suas partes constituintes gera dois mó-
dulos que são utilizados isoladamente. Os dois módulos são orquestrados de forma a
parecerem diferentes de sua utilização no concerto. Eles diferem no timbre, no cará-
ter e no andamento (ambos são executados mais lentamente do que no Concerto).
A parte {B} do concerto gera um “módulo” que tem no CD o nome de Te-
ma d’Amore Disperato (Tema de Amor Desesperado). A melodia principal da parte
{B} assume um caráter melancólico reforçado por um acompanhamento com batidas
percussivas imitando as batidas de um coração humano. Representa a impossibili-
dade da relação amorosa entre os dois.
A parte {C} do concerto gera um “módulo” denominado no CD Con Dispe-
rata Gioia (Com Alegria Desesperada). Como o próprio nome dado por Morricone a
esse módulo ele apresenta um clima distinto do anterior com um “clima mais alegre”,
mas, ao mesmo tempo, “desesperado”, ou seja, representa a possibilidade, mesmo
com todos os entraves narrativos, dos dois ficarem juntos.

4.23.2.1: Sophie Levi: a pianista


Ouvimos a voz de um narrador de rádio falando em alemão anunciando
um concerto ao vivo em Viena. Jeno tenta sintonizar uma estação de rádio que se
encontra com muita interferência e ruídos. Dada a dificuldade da sintonização, Jeno
perde a paciência e dá uma pancada no rádio com a mão direita. Imediatamente a
sintonia se estabelece e temos o início do Finale di un Concerto Interrotto.
Enquanto ouvimos a Introdução, Jeno rapidamente pega o seu violino da
caixa e corre na frente da estante pré-posicionada próxima ao rádio, com as partitu-
ras do concerto já dispostas sobre ela. Jeno se acomoda em frente da estante e co-
meça a tocar, lendo a parte do solista do Concerto. No segmento [b] da parte A do
Concerto, a câmera fecha nas partituras apoiadas na estante. Na capa de uma das
partituras pode-se ler: KONZERT VE VÍDNI UVEDE KONCERT MLADÉ FRAN-

455
COUS
SKÉ KLAVÍÍRISTKY SOPHIE LEV
VY. Pode-sse ver tamb
bém o dese
enho em prreto e
branc
co (como nu
uma partitura antiga) de
d uma pian
nista tocando piano.

Figurra 119 – Sophie Levi

A câm
mera continua fechand
do nas mão
os da pianissta do dese
enho até so
obre-
por-se
e à imagem
m “real” de Sophie Le
evi tocando
o piano no próprio con
ncerto que está
sendo
o transmitid dio. A partirr de então temos uma
do pelo rád a alternânccia entre a ima-
gem de
d Sophie e a de Jeno
o e das exp
pressões de
e cada um d
deles.
Subita
amente, no
o momento
o da repettição da pa
arte A (o tutti orquestral)
acontece algum problema no local do
o concerto e
em Viena. O que se o
ouve é um aglo-
merad
do sonoro sem
s sentido em relação à músicca do conce
erto. As partes norma
ais da
ca e os solistas saem fora de sincronia e, descontinu
músic uada e lentamente, tentam
prosseguir até serem obrigados a parrar. Ouvimo
os gritos de
e pessoas q
que fazem parte
do pú
úblico do teatro onde o concerto está sendo
o executado. As voze
es vão se a
avolu-
mando até que se ouve um
m silêncio absoluto. O narrador do rádio e
entra para pedir
descu
ulpas: “Sentimos muito
o, mas som
mos obrigad
dos a interrromper o co
oncerto porr mo-
tivos técnicos”. Estamos
E prróximo ao início da S
Segunda Gu dial. O concerto
uerra Mund
foi boicotado porr parte do público
p anti--semita. So
ophie Levi ttambém é judia.

456
4.24 - GRUPO 3: AMBIENTAÇÃO DO COLEGIUM MUSICUM

4.24.1 - Goliardi e Sport


Goliardo vem do francês antigo gouliard referenciando um “clérigo que le-
va uma vida irregular”. Esse termo foi utilizado durante a Idade Média para referir-se
a certos tipos de “clérigos vagabundos” e aos estudantes pobres pícaros que prolife-
raram na Europa com o auge da vida urbana e no surgimento da universidade no
século 13. A maior parte deles estudou nas universidades da França, Alemanha, Itá-
lia e Inglaterra250. Esse termo se aplica bem à situação em que as personagens de
Jeno, David e outros alunos estão representando no contexto do excesso de rigor
por parte do Colegium Musicum.

4.25 - GRUPO 4: SONORIDADES “CLIMÁTICAS”

4.25.1 - Jeno Crescendo e Recebendo o Violino: A herança do pai verdadeiro


Toda a montagem que segue é muito efetiva no sentido de demonstrar a
capacidade da articulação da música com as imagens e demais sonoridades no ci-
nema. As trocas das músicas que se seguirão, algumas tocadas no violino diegeti-
camente e outras extra-diegéticas, são sobrepostas com imagens diferentes, sinteti-
zando o crescimento de Jeno.

250
Não obstante, a figura do goliardo pode ser rastreada até épocas muito anteriores. Já no século 4, o concilio de
Nicea condenava certo tipo de clérigos de vida licenciosa que poderiam ser equiparados ao goliardo. Na regra
beneditina e outros textos canônicos posteriores volta-se a mencionar a figura do clérigo vagabundo e ocioso.
Parece que o nome procede de gula («guloso»), por seu insaciável apetite, e da analogia fonética de Golias, que
procede do gigante bíblico Goliat, a quem se identificava desde os antigos com o diabo. Não é estranho, pois, que
os concílios condenassem de forma recorrente aos goliardos e sua vida dissipada. Crê-se inclusive que em algum
momento chegaram a criar alguma espécie de seita ou confraria.
Porém, além de sua forma de vida, o que mais interessa dos goliardos era sua relação com a literatura. Muitos
deles escreveram poesia satírica em latim, onde, expressavam seu descontentamento, criticavam a igreja, a socie-
dade e ao poder, assim como composições líricas onde elogiavam o vinho, as tabernas, o jogo, as mulheres e o
amor. A poesia goliardesca foi cultivada por toda Europa durante a Idade Média. As composições, quase sempre
anônimas, são bem diversas: desde poemas simples até outros muito elaborados e retóricos. (COROMINAS, J.
Breve Diccionario etimológico de la lengua castellana. Madri: Gredos, 1961).

457
A seqüência abre com uma cena que irá ser recorrente em outro momento
do filme. É uma cena que representa o estado de desespero e aflição de Jeno que
sofria muito com a ausência do pai. Depois de uma briga de criança, um menino o
chama de bastardo. Depois de socá-lo, Jeno corre, sem parar, dentro de um bosque
fechado, como se ele pudesse se esconder de seus problemas na densa vegetação.
Ouvimos sua respiração ofegante e os gritos (offscreen) de sua mãe afirmando que
vai encontrá-lo como sempre.
Rick Tognazzi cita Sergio Leone: a câmera faz um movimento similar ao
filme, IL BUONO, IL BRUTTO, IL CATTIVO, na cena do cemitério abordada como “L’estasi
dell’oro”. O ritmo dos passos de Jeno vai aumentando gradativamente, alternando
repetidamente tomadas laterais de sua face com tomadas dele próprio, correndo
contra um fundo verde de árvores e plantas cada vez mais rápido, confuso e vertigi-
noso, como se o fundo representasse o seu próprio estado emotivo.
No corte da cena Tognazzi insere a sonoridade que no CD Morricone
chamou de “Corsa”, referindo-se ao motivo da citação. A imagem é cortada para a
partitura do estudo de violino todo em semicolcheias. A sonoridade é característica
de um estudo virtuoso próprio para o instrumento e vai, concomitantemente, introdu-
zir em flashforward, conjuntamente com a voz do narrador, momentos que represen-
tam o crescimento, tanto da idade quanto na habilidade com o violino, de Jeno em
relação à passagem de tempo.
A câmera abre da partitura da Corsa e, em plano médio, mostra um se-
nhor fumando charuto. Trata-se do professor de violino de Jeno que está apresen-
tando (agora diegeticamente) o estudo para ele, um pouco mais crescido em relação
à cena anterior. Podemos perceber a dificuldade que a peça oferece a Jeno, enquan-
to que o professor marca os compassos com a mão do charuto.
A voz de David (narrador – VOZ OVER) é sobreposta: “Era verdade. Ela
me encontrava sempre. Por isso nunca tinha medo de sair para longe”.
No momento da nota final do estudo é introduzido um fragmento de “Pic-
coli Studi” (Pequenos Estudos) derivado da parte {C} do “Finale de um Concerto In-
terroto”. A imagem corta para Jeno tocando ao ar livre (está nevando) para os porcos

458
em cima da cerca do chiqueiro. Como o próprio padrasto comentará, “Jeno pode
acalmar os porcos tocando violino para eles”. A imagem mostra primeiramente o pa-
drasto trabalhando e observando Jeno tocando e, depois, a imagem da a mãe de
Jeno abrindo uma janela na fazenda. A mãe de Jeno está mais velha. A música que
se sobrepõe é “All’aperto”, uma música muito viva com ritmo dançante e característi-
cas ciganas. A música está sendo executada em uma festa na fazenda, ao ar livre.
Um acordeão, dois violinos e um contrabaixo acompanham vivamente a música para
as pessoas dançarem. Jeno, ainda menino, entra na hora do solo. Está vestido com
roupa de festa, inclusive suspensórios, solando a música “cigana” com muita destre-
za. A música e o modo seguro com que Jeno toca demonstram como evoluiu no ins-
trumento.
A música “cigana” é sobreposta à cena em que, extra-diegeticamente, en-
tra o tema que, no CD, Ennio Morricone chamou de Intermezzi. Jeno, ainda menino,
gira uma manivela do lado direito de uma máquina de estilhaçar cana de açúcar para
preparar a ração dos porcos. Ouvimos sem interrupção o som das lâminas da má-
quina cortando o material num plano superior ao da música. A câmera, num movi-
mento da direita para a esquerda, em plano fechado nos estilhaços localizados no
centro da máquina. Num movimento lateral e ascendente de aproximação ao outro
lado, mostra Jeno, girando a manivela, agora do lado esquerdo da máquina, como
um rapaz de aproximadamente 18 anos de idade. O tempo passou.
A música, o som e a imagem são cortados para a mãe se dirigindo a um
quarto onde Jeno está estudando. A música que ele executa faz parte da faixa do CD
“Piccoli Studi”. Jeno está executando bruscamente alguns acordes no violino en-
quanto que sua mãe observa-o com a porta entreaberta. Ele põe tanta força no arco
que quebra as cordas do instrumento, conjuntamente com um grito. O corte da cena
acontece com a expressão da mãe e com Jeno olhando preocupado para o instru-
mento. Na cena seguinte vemos as mãos de Jeno em plano fechado colocando cor-
das novas no instrumento. As mãos da mãe, também em plano fechado, carrega o
estojo com o violino que era do verdadeiro pai de Jeno. Só ouvimos os ruídos diegé-

459
ticos pertinentes aos instrumentos. A mãe retira o instrumento da caixa e o passa
para as mãos de Jeno.

4.25.2 - Desespero - Momento meta-diegético


Depois da morte da mãe de Jeno, Ricky Tognazzi resgata da cena que
vimos projetada anteriormente quando Jeno era criança. Como já foi dito, a cena re-
presenta o estado de desespero e aflição de Jeno. Na cena anterior o som de “Cor-
sa” era sobreposto com o som da voz da mãe afirmando que ia “encontrar como
sempre” Jeno.
Nesta cena, “Corsa” pontua da mesma forma a figura de Jeno correndo
desesperado dentro do mesmo bosque fechado, só que agora, ao invés de querer
esconder-se de seus problemas na densa vegetação, enquanto ouvíamos a sua res-
piração ofegante e os gritos de sua mãe afirmando que iria, como sempre, encontrá-
lo, ouvimos os gritos de Jeno chamando pela mãe. Da mesma forma, o ritmo dos
passos de Jeno, ainda com a roupa do enterro da mãe e do irmão, vai aumentando
gradativamente conjuntamente com a alternância repetida de tomadas laterais de
sua face, com tomadas dele próprio correndo contra um fundo verde de árvores e
plantas, cada vez mais confuso e vertiginoso. Como da primeira vez, é como se o
fundo em movimento com a música representassem o seu próprio estado emotivo,
chamando pela mãe morta.

4.25.3 - Intermezzi
Os intermezzi são compostos de sonoridades orquestrais de progressões
harmônicas e melódicas derivadas do material da melodia principal do “Canone In-
verso” utilizando basicamente as duas colcheias e a mínima (às vezes utilizada como
semínima) da célula rítmica e melódica inicial do motivo principal.

460
4.26 - GRUPO 5: SONORIDADES DOS ALEMÃES.

4.26.1 - Elmeti di Fuoco


O leitmotiv dos alemães (as forças da maldade) é ouvido pela primeira vez
na cena em que Jeno anda numa calçada e vê o cartaz do concerto de Sophie Levi
pichado com a suástica, o símbolo do nazismo, e escrito JUDE (JUDEU). Num ata-
que de raiva arranca o cartaz de sua moldura. Nesse exato momento é introduzida a
música “Elmeti Di Fuoco” (Capacetes ou Elmos de Fogo), o leitmotiv que vai repre-
sentar os nazistas. O tratamento musical se dá com um pesado tratamento marcial.
A peça é grave, pesada, dissonante e incisiva.
Jeno olhando a frente vê dois rapazes simpatizantes do nazismo pichando
outros cartazes do concerto de Sophie Levi. Enfurecido, parte para cima dos dois. Os
dois são bem mais fortes que Jeno. Jeno afasta os dois e acerta um soco em um de-
les. Os dois revidam conjuntamente e põe, com socos e chutes, Jeno a nocaute. A
música é cortada no momento se aproxima um carro com Carlo, o marido de Sophie,
e a própria Sophie Levi acompanhada de uma mulher (sua secretária) para socorrê-
lo.

4.27 - GRUPO 6: MÚSICAS PRÉ-EXISTENTES EXECUTADAS DIEGETICAMENTE


PELOS VIOLINOS

4.27.1 - A Ciaccona251 de Bach


De acordo com a temática musical do filme “Canone Inverso” e o impor-
tante papel que o violino ocupa, seria fácil pressupor razões óbvias na escolha da
Ciaccona de Bach (BWV 1004) por Ennio Morricone. Mas, muitas outras músicas
também poderiam cumprir esse papel e Morricone, como sempre, está muito atento
aos significados das músicas escolhidas para compor as suas trilhas sonoras musi-
251
O mesmo que Passacaglia (Ciaccona) - Dança espanhola que surgiu no século XVI e foi difundida por toda a
Europa. Segue uma forma musical em compasso ternário e andamento lento, usada entre outros por J.S.Bach e
Brahms.

461
cais nos filmes. A citação de Cribari Neto que segue apresenta um aspecto bem inte-
ressante que se encaixa muito bem nas intenções do filme:

A música de Bach contém uma forte ligação com a Matemática. Essa ligação
é feita sem detrimento do conteúdo artístico; pelo contrário, música e núme-
ros se mesclam numa entidade única, alcançando profundezas artísticas an-
tes impensáveis. O conteúdo matemático nem sempre é evidente. De acordo
com o matemático e filósofo Gottfried Wilhelm Leibniz: "Music is the hidden
arithmetical reckoning of the unconscious spirit." Se assim for, poucos músi-
cos se igualam a Bach. Um exemplo é a Ciaccona (BWV 1004), composta
quando do falecimento de sua primeira esposa, Maria Barbara, em 1720.
Um texto belamente criptografado nesta peça somente foi desvendado em
1994, a descoberta cabendo à professora Helga Thoene, da Universidade de
Dusseldorf. Ela mostrou que a Ciaccona é, de fato, um epitáfio em forma
musical, por conter um texto escondido/codificado nas notas musicais252.

Um epitáfio “simbólico” liga-se diretamente com a história trágica de Jeno


e Sophie no filme.

4.27.1.1: Aula com o Maestro Weigel


A cena inicia com uma visão panorâmica da arquitetura da antiga classe
do conservatório, com o teto abobadado, as paredes com quadros de compositores,
vê-se seis alunos em pé, aguardando a primeira aula. Entre eles Jeno, esperando a
ordem do professor Weigel para sentarem-se nas carteiras e, mais ao fundo sentado
numa escrivaninha, o Bedel, na realidade secretário particular do Maestro Weigel. O
Maestro Weigel está de pé, em frente a sua mesa, regulando as cordas de um violi-
no.
O Maestro Weigel pede a todos que se sentem e, parecendo escolher ale-
atoriamente chama Yeno: “Demonstre para os seus colegas que o dinheiro que o
governo gasta para honrar-nos com sua presença é bem empregado. E peço que
omita toda a extravagância com a qual convenceu o diretor maestro Hischbaum [no
exame de ingresso do conservatório]. Execute a Ciaccona”.
Pode-se perceber o mal-estar da classe e de Jeno com o pedido descabi-
do do maestro. Jeno se coloca em posição de tocar o violino à frente de uma estante

252
CRIBARI NETO, F. Por que eu gosto da música de Johann Sebastian Bach. <http:// ufpe .br/ ~cribari
/comovejobach.html> Último acesso em 20 de junho de 2007.

462
com a partitura ao lado da mesa do Maestro Weigel. Jeno começa a tocar a Ciacco-
na com um som pesado, romântico e extremamente metálico. O maestro faz uma
cara de quem está ouvindo impropérios e, aos gritos, ordena que pare de tocar.
Jeno completamente sem jeito e desconsolado para de tocar e abaixa a
cabeça. O Maestro o repreende: “Acredito que lhe pedi a Ciaccona de Johann Se-
bastian Bach, senhor Varga, não esta sua variação acrobática. Se atenha somente a
partitura então, continue”.
Jeno recomeça a tocar novamente a Ciaccona de onde tinha parado. O
resultado é pior do que a vez anterior.
O Maestro o interrompe novamente, dessa vez em definitivo, pedindo para
que vá se sentar. Jeno vai para a sua carteira completamente desconsolado. David,
um dos alunos, olha para trás na direção a Jeno tentando reanimá-lo. Ouvimos em
segundo plano Franz, o aluno preferido do Maestro Weigel, executando a Ciaccona
de Bach.

4.27.2 - Capriccio “La Caccia”


A peça em Mi Maior tem a forma de um Rondó. Seu título La Caccia é
apócrifo. É estruturada em intervalos harmônicos de terças, quintas e sextas (os que
ressoam durante as batidas de caça) e, sobretudo, pela imitação de flautas e trom-
pas, dando-lhe um ar descritivo acentuado.

463
Figura 120 – La
a Caccia (Nicolò PAGANINI, 24 C
Capricci for viollin solo, Nº 9).

A esc
colha dessa
a peça não
o se dá só em relação
o à temáticca do violin
no no
filme, mas, tamb
bém por po
ossibilitar uma
u execuçção em forrma de diá
álogo entre dois
violino
os, o grande objetivo cinemático.
c .

4.27.2
2.1: O Violiino de Jen
no é Confis
scado
No co
orredor da escola
e o Be
edel dá ord
dens expresssas para q
que todos sse di-
rijam aos quartos
s de dormirr e, imediattamente, ap
paga as luzzes do corre
edor.
A ima
agem mostra Jeno, ainda revolttado com o
os aconteciimentos da
a sua
prime
eira aula, no
o quarto re
etirando o seu
s preciosso instrume
ento da caixxa. Pode-se
e ver
do lad
do de dentro da tamp
pa da caixa
a, onde o a rco do insttrumento esstá guardad
do, a
foto do
d pai no ex
xército com
m o violino (a na que sua mãe
( mesma ffoto da parrede na cen

464
o embalara com o “Canone Inverso”). Entre outros papéis, fotos e partituras, ressalta
a capa da partitura do “Finale di un Concerto Interroto” com o desenho em preto e
branco de Sophie Levi.
Jeno retira o arco da caixa, empunha o violino e executa o início do Capri-
ccio n.9 – “La Caccia” de Nicolò Paganini. O Bedel ouve o som da música de Jeno e
pede silêncio. Como Jeno não atende prontamente, o Bedel bate seguidas vezes na
porta (o quarto nº. 34) de seu quarto gritando para que fique quieto. Jeno faz uma
pequena pausa, mas resolve desconsiderar o pedido do Bedel, continuando a tocar
de onde parou. O Bedel vendo que seu pedido não foi atendido vai correndo comuni-
car ao Maestro Weigel.
Jeno termina o trecho que estava tocando e faz um gesto de repudio à si-
tuação. Quando vai guardar o violino na caixa ouve o som de um violino distante con-
tinuando a peça de onde ele havia parado. Jeno procura localizar a origem do som
musical e, agachado no chão do quarto, logo após o som do outro violino cessar,
toca novamente o curto motivo principal da música. A imagem é cortada para o
quarto de David, com ar de felicidade, continuando a frase musical iniciada com o
motivo tocado por Jeno. Jeno responde continuando de onde ele parou, iniciando-se
um grande diálogo musical. Os dois não se agüentam de felicidade. No momento
que entra a segunda parte da música, uma parte mais virtuosa, o Bedel aparece ao
lado do Maestro Weigel na direção da porta de seu quarto.
Jeno e David saem tocando alternadamente pelos corredores escuros do
Colegium provocando uma verdadeira caçada (“La Caccia”) por parte do Maestro e
do Bedel.
Todo esse episódio, meio tragicômico, tem como finalidade objetiva, do
ponto de vista dramático, o confisco do violino de Jeno pelo Maestro Weigel para que
David (irmão de Jeno) não possa vê-lo (a história do violino é famosa na família). No
momento da primeira aula de violino de Jeno, ele não chegou a usar o próprio violino
(a herança de seu pai verdadeiro).
O Maestro e o Bedel continuam por um bom tempo a tentar capturar Jeno
que se diverte com a situação. Um aviso de David é em vão. O Maestro Weigel pega

465
Jeno literalmente pelo “cangote”. A música, logicamente, é interrompida nesse mo-
mento.
A próxima seqüência mostra Jeno de castigo trancado em um quarto. Po-
de-se ver uma janela com grades atrás dele. Jeno, sem o instrumento, cantarola e
gesticula como se estivesse com o violino estudando La Caccia. David surge nas
grades da janela e chama Jeno que, desde então, tornam-se grandes amigos.

4.27.3 - Songs that my mother taught me


Essa inserção acontece quando a mãe de David, na mansão dos Blau, es-
tá preparando os utensílios para um jantar especial pela “volta” de David do conser-
vatório. Ela está na sala de jantar com duas empregadas. Uma delas, já uma senho-
ra, está em primeiro plano e outra, em segundo plano, mais jovem.
A empregada mais velha conversa com a mãe de David que não está
prestando atenção no que a ela está dizendo. Ela ouve o som de alguém tocando
uma melodia no violino e sai da sala de jantar em direção ao som exclamando: “Este
é David”, e chama o nome do filho em voz alta. A música que se houve tem o nome
sugestivo de Song that my mother taught me (Canção que minha mãe cantava para
mim). A música é de Dvorak. David atende o chamado da mãe e, ela, desconcertada,
percebe que quem está tocando o instrumento e a música tão conhecidos é na reali-
dade Jeno.
Songs my mother taught me (Als die alte Mutter) (Canções que minha mãe
ensinou para mim), faz parte do ciclo de canções para voz, piano e violino (Melodias
Ciganas - Gypsy Melodies), B. 104/4 (Op. 55/4) –, a alusão do título da canção, já
teria uma grande justificativa, tanto no conteúdo dramático quanto no momento da
narrativa. Indo além, a música é de Antonin Dvorak253 (1841-1904) e faz uma analogia
direta da história de vida de Dvorak e a de Jeno, nosso personagem principal.

253
Dvorak nasceu em 8 de setembro de 1841, em Nelahozeves, Boêmia, e faleceu em 1 de maio de 1904, em
Praga. Começou a estudar violino muito cedo, e em virtude dos progressos que demonstrara, seu pai resolveu
mandá-lo estudar em Praga. De temperamento modesto, aos poucos se impunha como compositor. Consciente da
importância da música popular do seu país, passa a estudá-la e, inspirando-se nela, produz obras que chamam a
atenção do mundo sobre sua pessoa. Em Londres, em 1891, é diplomado Doutor em Música pela Universidade de

466
As primeiras melodias ciganas (1880) de Dvorak irradiam um clima muito típico. Ne-
las Dvorak utiliza os poemas de Adolf Heyduk (publicado em 1859) construindo uma
visão romântica da liberdade cigana, enfatizando a espontaneidade com que viam o
amor pela música e pelo canto. Kdyz mne stara matka (songs my mother taught me)
tornou-se desde sua composição um grande sucesso popular. As melodias foram
compostas para textos em alemão e dedicadas a um grande admirador de Dvorak, o
cantor vienense Gustav Walter. Todas as letras desse ciclo de canções mencionam a
relação terna entre mãe e filho, mas, na canção utilizada, mesmo que as letras não
sejam utilizadas por Morricone, é um presságio à eminente tragédia. Mesmo não uti-
lizada, a letra da canção termina com o verso sugestivo “mesmo quando o peito do
irmão, exala o último respiro de vida”.

4.28 - GRUPO 7: CANONE INVERSO

4.28.1 - Construindo o “Canone Inverso”


O grau de importância micro e macro-estrutural que o “Canone Inverso”
assume no filme está presente desde seu procedimento composicional.
A idéia principal do procedimento na formação de um cânone254 é a de que
uma única melodia seja executada contra ela própria por uma ou mais vozes ou par-
tes. Portanto, o cânone é realizado quando as diversas vozes participantes executam
imitações ou “cópias” da melodia principal.
O mais direto e conhecido de todos os tipos de cânones é o perpétuo ou
circular (“Round”), como Frère Jacques. Nesse tipo de cânone a melodia inicia numa
primeira voz e, após um intervalo temporal determinado, uma segunda voz executa
uma “cópia” da melodia enquanto a primeira prossegue executando o restante da
mesma melodia. Normalmente, após o mesmo intervalo temporal da entrada da se-

Cambridge. Em 1892 é nomeado Diretor do Conservatório de Nova York, onde permaneceu três anos. Regres-
sando a Praga reassume o cargo de Diretor do Conservatório, onde permanece até a morte. (Fonte:
http://br.geocities. com/nipemetal/ compositores.html – acesso em 06 de junho de 2007).
254
A etimologia da palavra cânone remete-nos a canon, termo de origem grega que significa lei ou regra.

467
gunda voz, uma terceira entra com outra “cópia” da melodia da primeira, enquanto as
duas primeiras prosseguem executando seus respectivos momentos diferentes da
mesma idéia melódica. A idéia do nome provém, principalmente, pelo motivo de que
quando qualquer uma das vozes integrantes atinge o final da melodia, retorna imedi-
atamente para o início dela executando-a novamente. Esse procedimento de retorno
“perpétuo” de uma voz ao início da idéia principal, enquanto as outras ainda estão
executando outras partes complementares da mesma idéia é que gera essa analogia
visual com o círculo, ou seja, um retorno perpétuo análogo ao movimento circular.
Hofstadter (1979:8-9) comenta esse fato:

A maioria dos temas não logra harmonizar-se consigo mesmo desse modo.
Para que um tema possa servir como tema de um cânone, cada uma de suas
notas tem de poder desempenhar um papel duplo (ou triplo, ou quádruplo
[de acordo com o número de vozes participantes]): em primeiro lugar, ela
deve ser parte da melodia e, em segundo lugar, parte de um contraponto com
a mesma melodia, harmonizando-se com ela. Quando há três vozes canôni-
cas, por exemplo, cada nota do tema deve atuar de duas maneiras harmôni-
cas diferentes, além de atuar melodicamente. Assim, cada nota de um cânone
tem mais de uma significado musical; o ouvido e o cérebro do ouvinte dis-
cernem automaticamente o significado apropriado, referindo-se ao contex-
to255.

Existem, naturalmente, outros tipos mais complexos de cânones que vari-


am em sua organização de acordo com a quantidade de vozes e o procedimento imi-
tativo utilizado. Morricone emprega o tipo conhecido como cânone inverso. O mesmo
termo adotado pelo compositor é utilizado como referência a três instâncias diferen-
tes e complementares no filme: CANONE INVERSO, se referindo ao filme; “Canone In-
verso”, o nome da música principal composta por Ennio Morricone; e cânone inverso,
a tipologia canônica que referencia seu modelo composicional.
O CANONE INVERSO constitui-se por personagens que orbitam em torno da
herança de um violino e de uma música especial: o “Canone Inverso”. O modelo câ-
none inverso estabelece-se no conflito principal do argumento, principalmente, em
torno da música e do ideal do músico. O espaço e o tempo da ação, em idas e vin-

255
HOFSTADTER, D. R. Gödel, Escher, Bach: an Eternal Golden Braid. New York: Penguin Books, 1979, pp.
8-9.

468
das de
d flashbac
cks sobrep
postos, foi preenchido
o pela Tch
hecoslováq
quia, abarccando
desde
e o final da
a Primeira Guerra
G Mun
ndial, passa
ando pela Segunda e terminand
do na
chamada “Prima
avera de Praga” (1968).
Na su
ua forma mais simples
s, a utilizad
da por Morrricone, o câ
ânone inverso é
composto por duas linhas melódicas (“duas vozzes”) em ccontraponto
o, de modo
o que
um do
os executa
antes realiza uma das
s melodias da primeirra a última nota e o o
outro,
simulttaneamente
e, da última
a à primeira
a. Portanto, a primeira
a nota de u
uma das me
elodi-
as é a última da
a outra; a segunda
s no
ota da prim
meira melod
dia é igual a penúltim
ma da
outra,, e assim por
p diante. Isso implic
ca que uma
a melodia é o retrógra
ado da outrra. O
movim
mento retró
ógrado, a principal
p ca
aracterística de escrita, será
a técnica desse tipo d
consta
antemente referenciad
do nos flas
shbacks do
o filme como retornare
e indietro (vvoltar
para trás).
t
A idéia principal da melodia
a de Morriccone para o “Canone Inverso” co
oadu-
na-se
e, mais uma
a vez, ao se
eu procedim
mento “micrro-celular” e “modular””:

Figura 121 – Idéia


a principal do “C
Canone Inverso”

Em Lá menor, a “micro cé
élula” de M
Morricone va
ai do I ao V (da Tônica a
Domin
nante). Mo
orricone faz
z da idéia inicial um motivo mu
usical ao re
epetir a me
esma
idéia numa forma padroniza
ada:

Figura 122 – Motivo


M do “Cano
one Inverso”

O motivo criado “responde”” o motivo inicial indo do V ao I (d


da Dominante a
Tônica). Até aqu
ui a melodia principal do cânon
ne foi obtida a partir d
da justapossição

469
seqüe
encial das duas
d figuras padroniza
adas. O me
ecanismo e
elementar d
de antecedê
ência
e conseqüência transforma
a a justapos
sição seqüe
encial numa
a idéia meló
ódica comp
pleta.

Figu
ura 123 – Melod
dia principal do “Canone Invers o”

O processo meló
ódico de um
m cânone in
nverso a du
uas vozes é obtido atrravés
da cópia das me
elodias à pa
artir da meta
ade e de trá
ás para frente.

Figura 12
24 – Procedimento de composiçãão do “Canone Inverso”

A melodia comp Canone Invverso” tem 18 notas. Isso quer dizer


pleta do “C
que a nota 1 (Lá
á) de qualqu
uer das me
elodias é ig ual a 18 (L
Lá) da outra
a melodia; 2 (Si)
= 17 (Si),
( 3 (Lá) =16 (Lá) , 4 (Si) =15 (Si),
( 5 (Dó) =14 (Dó), 6 (Ré) =13 (Ré) ... 9 (Lá) =
9 (Lá)) ... 18 (Lá) =1 (Lá). A soma de suas
s localizzações é se
empre 19 (a
a quantidad
de de
notas + 1).

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 1
14 15 16 17 18

Figura 12
25 – O espelham
mento retrógrad
do do “Canone In
nverso”

470
Pode--se inferir que
q a estru
utura básica
a do gráfico
o resultante
e é somentte de
dois tipos. Um deles
d é, com
mo no caso
o de nosso exemplo, q
quando a ssérie de eve
entos
tem uma
u quantid
dade par de
e elemento
os; e, o seg
gundo, quan
ndo a quan
ntidade é im
mpar.
No se
egundo caso, o númerro central fic
ca isolado.
Com a estrutura
a do cânone
e inverso ccompleta, M
Morricone d
deriva a mú
úsica
“Cano
one Inverso
o” completa
a:

Figura 12
26 – O “Canone IInverso”

A mús
sica é comp
posta de 4 módulos (p
partes) deriivados da id
déia princip
pal: o
prime
eiro módulo é o origina
al; o segun
ndo modulo
o é obtido p
por transpo
osição de terça-
meno
or acima em
m relação ao
a módulo original; o terceiro mó
ódulo por ttransposiçã
ão de
quinta
a-justa acim
ma do origin
nal; finalme
ente, o quarrto é a repe
etição do p
primeiro. A ttona-
lidade
e central é lá menor, passando
p po
or dó maiorr para regre
essar novamente ao to
om.

471
Como música principal do filme, ela é utilizada 11 vezes. Ela articula o
nascimento e a morte; sublinha a relação entre pais e filhos; serve como acalanto ou
música fúnebre; e é utilizada como peça de confronto. Morricone varia suas apari-
ções com novas orquestrações, andamento e caráter.

472
4.28.2 - As inserções do canone inverso

1 Abertura – Créditos Iniciais 0:00:00 0:01:59 Externa (Não-diegética)

Canone Inverso (Nel Campo) Solo no violino


Interna (Diegética):
2 Interferências extra-diegéticas: Coro infantil e Orquestra; 0:07:26 0:08:28
Termina só com o solo diegético.

3 Cantada em bocca chiusa por uma voz feminina 0:10:42 0:11:07 ED: Canone Inverso

D: Canone Inverso
Agora diegeticamente
4 Lebhaft 0:11:52 0:12:41 cantado pela mãe do
menino, levando para
ED: “in bicicletta”
Inicia Extra-diegético;
Torna-se Diegética:
Tema do Canone Inverso
Jeno tocando ao lado
5 (Morte da mãe e do futuro irmão) 0:34:35 0:35:10
do caixão de sua mãe
dentro da igreja.

ED: O som de sua mãe


Jeno olhando para a partitura cantando a melodia
6 1:11:19 1:11:34
principal do Canone
Inverso
Final do Concurso.
D: Canone Inverso
7 David inicia como primeiro violino (Jeno o segundo); 1:12:00 1:12:28
David não consegue prosseguir tocando.
D: Canone Inverso;
David se desculpa e tenta novamente Da Capo; Novamente David não
8 1:12:41 1:12:59
consegue prosseguir
tocando.
O Maestro Ischbaw sugere que Jeno tente tocar a primeira
voz; D: Canone Inverso;
9 1:13:25 1:13:54
Novamente David não consegue executar a peça até o fim;
David decreta Jeno como vencedor do concurso.
D: Nel Campo (Canone
Eu sou sua neta.
10 1:31:24 1:31:55 Inverso);
Recordo aquela música.

ED: Canone Inverso


11 O rabino diz que Jeno morreu. 1:32:16 1:36:52 Fragmentos;

473
4.28.2.1: Créditos Iniciais: “Canone Inverso”
Contemporaneamente, nem todos os filmes começam com uma seção
que, através dos anos, tornou-se convencional, tanto pela quantidade quanto pela
qualidade de sua utilização: a seção de abertura de um filme. Esse segmento, nor-
malmente, referido como seção inicial, ou seção de “créditos iniciais”, tem como obje-
tivo principal situar o espectador em relação à narrativa do filme que está começan-
do. Carrasco (1985) chama a atenção à importância dos créditos iniciais:

De um modo genérico, todos os créditos iniciais têm por objetivo direcionar


a atenção do espectador para o início da narrativa. Eles são o espaço reser-
vado ao narrador para a sua preleção inicial. É como se todos eles nos dis-
sessem, “preste atenção, o filme começou. Você vai assistir a uma estória
chamada... interpretada por... escrita por... com música de... dirigida por...”.
Além disso, a abertura já informa, em grande parte, o que o público pode es-
perar do filme, se se trata de uma comédia, de ficção-científica ou de misté-
rio. A abertura costuma também conter dados de estilo, tais como ritmo, am-
bientação, enfoque, entre outros. Todas essas informações são passadas em
conjunto, pelas imagens (inclusive o tipo de letra usado nos créditos) e, es-
pecialmente, pela música. (CARRASCO, 1985:80-81)

Nesse sentido, os “Créditos Iniciais” do filme CANONE INVERSO apresentam


informações que dirigem a atenção do espectador para o ponto inicial da narrativa: o
leilão de um violino com características especiais. As informações apresentadas des-
tacam as características do instrumento e da temática central do filme: a música.
Os elementos utilizados são sóbrios e normais, o que já antecipa os pri-
meiros dados sobre o gênero, estilo e ambientação tradicional do filme. Porém, antes
do ingresso da música “Canone Inverso”, uma sonoridade presente passa quase que
despercebida, talvez em função do baixo volume em que nesse momento foi proposi-
talmente mixada. Ela denota outro procedimento muito comum, só que não no cine-
ma: a afinação de uma orquestra sinfônica, ou seja, a sonoridade óbvia dos músicos
de uma orquestra afinando os seus instrumentos, preparando-se para um concerto, o
momento que precede o início de qualquer apresentação orquestral no teatro.
Esse é o anúncio da importância que a música e os músicos têm nesse
filme. Após aproximadamente 8 segundos das sonoridades, ouvimos 2 segundos de
silêncio, silêncio que precede a introdução de uma melodia executada por um cravo

474
e acompanhada pelas cordas com predominância homofônica – uma introdução no
modo menor (lá menor). Na tela, no momento em que é apresentado o crédito escrito
de “Hans Matheson”, e com predominância de planos fechados, é mostrado inicial-
mente o estandarte na parte dianteira inferior de um violino. Os movimentos da câ-
mera nesse momento são todos verticais, e vão, aos poucos, revelando o restante do
instrumento. “Melanie Thierry” é creditada quando outra imagem é sobreposta do
mesmo violino mostrando um entalhe esculpido no lugar de sua voluta tradicional –
uma espécie de carranca. Essa carranca será a marca de reconhecimento desse
instrumento em particular, um elemento narrativo importante no decorrer do filme.
Durante grande parte da seqüência o violino está girando. A introdução da música
pelo cravo termina com o início da melodia principal do “Canone Inverso”, executada
por um violino, sincronizada com o momento em que é exibido o título do filme: CA-
NONE INVERSO – MAKING LOVE.

Quando os créditos são trocados para “Ricy Tognazzi”, ainda com os


mesmos procedimentos em relação às imagens do violino ao fundo, ouvimos outra
melodia, a melodia retrogradada, um pouco mais grave destacada por outro violino,
dialogando com a melodia principal executada pelo primeiro instrumento. O cravo se
recolhe, limitando-se a executar acordes homofônicos que acompanham o procedi-
mento canônico dois violinos conjuntamente com o acompanhamento homofônico
das cordas da orquestra.
No momento que os créditos são trocados para “musiche composte, or-
chestrate e dirette da ENNIO MORRICONE”, são visualizados outros instrumentos
musicais. Os procedimentos das tomadas são parecidos com os anteriores, mas, o
movimento da câmera se dá horizontalmente, da esquerda para a direita.
São visualizados, mais à esquerda, um alaúde. Ao centro, uma espécie de
harpa e à direita a parte superior do braço de outro violino com certeza muito antigo,
o que se revela posteriormente, tanto pelo seu estranho formato quanto pela quanti-
dade de cordas, somente duas. Com o restante do traveling da câmera podemos
visualizar muitos outros instrumentos, clarinetes, oboés, flautas, alaúdes de muitos
tipos, todos muito antigos. Então, percebe-se que os instrumentos estão agrupados

475
lado a lado numa bancada, provavelmente sendo exibidos. Trata-se de um leilão. O
movimento da câmera termina com a imagem do instrumento seguro por um auxiliar,
próximo ao leiloeiro oficial em sua bancada. A música também termina. Ela foi intei-
ramente executada, apresentando ao público a música que será utilizada como a
grande marca do filme. Ennio Morricone inseriu o “Canone Inverso” com uma sonori-
dade orquestral romântica, de acordo com as exigências da ambientação, ressaltan-
do o fundo mítico-musical europeu que circundará todo o filme com o tema da músi-
ca, de músicos e do amor.

4.28.2.2: Canone Inverso: “Nel Campo”


Essa seqüência é estabelecida no interior de um flashback que tem como
narradora, Costanza (ainda como uma personagem que não se sabe o nome), filha
de Jeno e Sophie, conversando com o Barão Blau no local do leilão.
Na seqüência, um homem (que se chama David e é irmão de Jeno) cami-
nha numa rua com a mão esquerda no bolso e carrega uma caixa de violino na mão
direita.
O homem para em frente a uma grande janela na entrada do café e fixa o
olhar num casal que está sentado à esquerda do café. Percebe-se que é Costanza,
nossa narradora do flashback, conversando com seu namorado. O namorado se in-
comoda quando percebe, através do olhar na direção da janela, a presença de Da-
vid. A imagem é cortada em tomada oposta (de dentro do bar) e temos a imagem do
homem olhando fixamente pela janela. A imagem de Costanza e do namorado está
distorcida em seu reflexo no vidro transparente da janela. O homem se dirige à porta
do café e entra no recinto, caminhando em direção à mesa do casal e de seus
acompanhantes. Seus passos são lentos, porém, decididos. Seus olhos encaram
firmemente Costanza.
David abre a caixa do violino e retira o instrumento. Pode-se notar a car-
ranca característica do instrumento do leilão (dos créditos iniciais). O homem coloca
uma flanela no ombro esquerdo e se coloca em posição de tocar alguma coisa. O
namorado de Costanza arremessa uma moeda na mesa em direção ao homem afir-

476
mando que não é necessário que ele toque pois todos ali são músicos. David res-
ponde que não vai tocar para eles, mas, “para as mulheres que têm nos olhos a me-
mória do mundo”.
Para espanto de todos os presentes na mesa, o homem começa a tocar. A
melodia é a principal do “Canone Inverso”. Costanza, que estava conversando com a
amiga, olha na direção do homem. Ela parece reconhecer a melodia. Na continuida-
de do solo interno (diegético) da música, entra o acompanhamento externo da or-
questra (extra-diegeticamente). A câmera fecha no rosto de David. Ele está com os
olhos fechados e abre-os fitando, enquanto toca, os olhos de Costanza.

4.28.2.3: Flashback dentro do flashback – O efeito do “Canone Inverso”


É sobreposta uma imagem representando lembranças de Costanza que
acabam por fixar-se num corredor que parece de uma prisão (reminiscências da in-
fância de Costanza apresentadas na forma de “diálogo interior”, um flashback dentro
do flashback). A música causou em Costanza o que o próprio homem do violino des-
creverá posteriormente: O “Canone Inverso” te faz retornar no tempo, ao tempo em
que Costanza era criança.
Nas imagens das lembranças de Costanza, podemos ver crianças, todas
mal vestidas (e com a mesma roupa), dirigindo-se na direção de uma porta aberta
por onde passa uma grande quantidade de luz. A imagem corta para os pés das cri-
anças caminhando, todos os sapatos também são iguais. Nesse momento inicia o
terceiro módulo do “Canone Inverso”. Um coral de vozes brancas interfere ritmica-
mente na música, incorporando-se a ela como um motivo infantil em lá-lá-lá. A ima-
gem corta para os rostos das crianças que estranhamente apresentam um sorriso
que não combina, por estar em contraste, com o tom obscuro da cena.
A próxima tomada é especialmente diferente e difícil de ser descrita. A
câmera em plano fechado, filmando do chão, de baixo para cima, mostra um rosto
invertido (de ponta cabeça) na tela com o céu azul e algumas nuvens no fundo. Esse
é claramente o ponto de vista de alguém olhando do chão para cima. O flashback
termina. A imagem volta para Costanza, no café (fim de suas lembranças). O coral e

477
a orquestra desaparecem, ficando só o som do homem tocando no violino o quarto
módulo da melodia principal do “Canone Inverso”. Quando a música termina todos no
bar movimentado (menos Costanza e seus companheiros) aplaudem. O homem
guarda o violino na caixa, olha mais uma vez para Costanza e caminha em direção a
porta de saída com a mesma decisão que tinha ao entrar, sem dizer nem uma pala-
vra. Próximo a porta, olha novamente para Costanza e sai.

4.28.2.4: Canone Inverso – A Boca Chiusa


Desculpando-se com todos na mesa, Costanza, visivelmente perturbada,
imediatamente se levanta e vai atrás do homem do violino. Quando o encontra, tem
início um segundo flashback (daqui para frente chamado de flashback(2)), e que tem
como narrador uma personagem (David Varga, o Homem do Violino), que, reforçan-
do, no tempo interior da narrativa, está sendo narrado pela própria Costanza, no pri-
meiro flashback (flashback(1)). A época da narrativa do Homem do Violino não é fixa,
mas começa no tempo da Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918), passa pela Se-
gunda Guerra Mundial (1939 – 1945) e termina na Primavera de Praga em 1968,
abrangendo um período próximo a 50 anos. O principal objetivo de David no Flash-
back(2) é narrar a vida de seu irmão Jeno Varga. Configura-se inicialmente como
uma auto-narrativa, pois David se apresenta a Costanza como sendo o próprio Jeno:
o pai verdadeiro e desconhecido de Costanza.
David inicia a história de Jeno: “Um dia um homem se enamorou de uma
mulher. Quando a abandonou deixou com ela este violino, aquela música que toquei
e eu mesmo. Aquela música é um cânone Inverso”. Costanza pergunta: “Quer dizer
que se pode tocá-la ao contrário?” David, responde: “Sim, te faz caminhar para trás,
ao tempo quando era uma criança”.
Concomitantemente, à descrição do efeito do “Canone Inverso”, dada pelo
próprio David se passando por Jeno, inicia a música “Canone Inverso”, extra-
diegeticamente, cantada por uma voz de mulher em boca chiusa. A música é inserida
extra-diegeticamente, cantada por uma voz de mulher em boca chiusa.

478
No momento em que se adentra no flashback(2) ouvimos mais claramente
o som da voz de uma mulher cantando a melodia principal do “Canone Inverso” em
boca chiusa. A imagem do violino do leilão surge com a mulher acariciando-o, deita-
da numa cama em companhia de um menininho, Jeno quando criança. A melodia
torna-se diegética, pois está sendo cantada pela mãe como um acalanto, embalando
o filho para dormir.
Este é o momento do filme que é revelado a música “Canone Inverso” foi
composta pelo pai de Jeno que, partindo para a guerra (Primeira Guerra Mundial),
deixou com a mãe o violino, a música e o filho Jeno.
A melodia termina com a criança comentando com a mãe que quer tocar
aquele instrumento. Ela responde que sabe disso, mas, que primeiro ele tem de es-
tudar para aprender a tocá-lo. Ele então pergunta porque ela não o ensina. Ela res-
ponde que é porque não sabe música e que se o seu pai estivesse ali, com certeza,
lhe ensinaria. A criança pergunta como era seu pai. Ela responde que era Judeu co-
mo eles e que havia partido para a guerra. O menino, com sono, pede para que a
mãe cante a música do pai.
A mãe de Jeno, atendendo ao pedido do menino, canta novamente em
boca chiusa a melodia principal do “Canone Inverso” como um acalanto, para fazer
Jeno dormir. No momento em que a mãe de Jeno está acariciando seus cabelos,
ouve-se um som extra-diegético de cordas na região grave da orquestra que prosse-
gue o canto da mãe e emenda com a melodia principal. A orquestra executa o tercei-
ro módulo do “Canone Inverso” até o fim da música.

4.28.2.4.1 ‐ In Bicicleta: Lebhaft


A forma como Morricone tratou essa inserção configura um momento mu-
sical cinematográfico muito especial referido como lebhaft256 (com muita vida, viva-
mente) ou Luft, um grande momento cinematográfico. No CD Morricone chama-o de

256
A palavra alemã pode ser utilizada como o nome de um movimento de uma peça (por exemplo, o terceiro
movimento de Trauermusik de Paul Hindemith) ou como uma diretiva para executar-se certa passagem de uma
composição musical de uma forma muito viva. Cinematograficamente, esse termo foi utilizado por Spielberg
referindo-se à música de John Williams da famosa seqüência em que as bicicletas voam na fuga do ET. (DVD2
(Bônus) - E.T. O Extraterrestre, Edição de Colecionador).

479
“In Bicicletta” (uma menção sutilíssima ao momento das bicicletas do filme “ET – O
EXTRATERRESTRE”). O lebhalt representa um momento com um efeito grandioso, às
vezes, como ponto culminante. Normalmente, é executado com um grande crescen-
do orquestral muito envolvente, que, no caso, ajuda muito a situar Jeno nesse mo-
mento do início de sua vida e colabora na atualização do tempo do discurso em
flashback (Jeno crescendo) como se fosse o tempo “real” do discurso diegético na
seqüência do filme. Além disso, como efeito da montagem musical e imagética pode-
se obter mais “fôlego”, uma possibilidade de renovação e continuidade do discurso
sob ponto de vista do espectador.
O tempo adianta-se um pouco, num flashforward, em relação ao tempo da
narrativa do flashback(2). Na imagem sobreposta observamos uma roda de bicicleta
girando. A imagem que se revela é a da mãe andando de bicicleta com Jeno, pouco
mais crescido, no bagageiro agarrado à cintura dela. A paisagem é a de uma fazen-
da. A mãe de Jeno casou com um fazendeiro criador de porcos. Jeno agora tem um
padrasto, Wolf (Adriano Pappalardo).

4.28.2.5: Morte da mãe de Jeno


A cena acontece dentro no flashback(2), na fazenda, Jeno e a mãe estão
trabalhando num celeiro, a mãe de Jeno grávida. Segurando a grande barriga ela
sente violentamente as primeiras dores do parto e grita para Jeno para chamar Wolf,
seu padrasto.
No momento em que Jeno sai correndo para chamar Wolf, ouve-se melo-
dia principal do “Canone Inverso”, tocada somente por um violino. Após um corte se-
co na imagem de Jeno correndo, fechado num plano médio vemos Wolf. Ele está
sentado ao lado de algumas pessoas dentro de uma igreja, o solo do violino preen-
che toda a igreja. A voz do narrador (David, o narrador do flashback(2)) sobrepõe-se
à música: “Toquei para ela e para o meu pequeno desconhecido irmão, a mesma
música com que me ninava”. A música se transforma em interna (diegética). Jeno
está tocando ao lado de um caixão. A mãe e o futuro irmão morreram no parto.

480
Na igreja, além das pessoas e de Jeno tocando ao lado do caixão, a câ-
mera mostra o vulto de um homem misterioso escondido na penumbra da sacristia
esforçando-se para não ser visto (Barão Blau, o verdadeiro pai de Jeno).
Os sinos da igreja começam a tocar junto com a música tocada por Jeno
enquanto que a câmera dá uma visão panorâmica do triste recinto. No corte da mú-
sica e da imagem, com os sons das badaladas dos sinos prosseguindo, vemos Wolf
colocar um caixão pequeno ao lado de um grande no carro fúnebre. Jeno passa ao
lado cabisbaixo quando vê e ouve um carro dar a partida e ir embora. Wolf se apro-
xima de Jeno e os dois se abraçam, chorando.

4.28.2.6: A partitura do “Canone Inverso”


Toda história do filme até esse momento tem uma ligação capital com a
música “Canone Inverso”. Os momentos narrativos mais importantes mencionam-na
literalmente na diegesis do filme mesmo quando ela foi apresentada extra-
diegeticamente. Nesse segmento, a música “Canone Inverso” se “materializa” atra-
vés de sua partitura numa situação de disputa da final do concurso do Colegium Mu-
sicum, etapa que teve de ser adiada pela invasão dos nazistas. O prêmio para o
vencedor do concurso é a participação num concerto duplo como solista ao lado da
famosa pianista Sophie Levi, no Teatro Tanz. A peça que será executada é um Con-
certo escrito por um compositor Judeu (na realidade por Ennio Morricone) o “Finale di
un Concerto Romantico Interroto”.
Os dois finalistas são grandes amigos, músicos e violinistas, mas, exata-
mente nesse momento do filme, descobrem que são irmãos. Portanto, o momento é
o ponto a partir do qual a narrativa inicia a teleologia de resolução trágica, na final de
um concurso que dará direito ao vencedor de executar o concerto com Sophie, a mu-
lher amada de Jeno.
Na imagem da partitura da peça “Canone Inverso”, escrita pelo Barão
Blau, o pai de Jeno e David e que será utilizada como peça de confronto na final do
concurso, visualiza-se a data da composição original: 2 de dezembro de 1919.

481
Figura 127 – Data da composição do “Cano
one Inverso”: 0 2/12/1919

4.28.2
2.7: “Canone Inverso
o”: O Confr
fronto
David é designado como o primeiro v iolino, o qu
ue executa a melodia origi-
nal do
o cânone in
nverso. Porém, no mo
omento em
m que os do
ois iniciam a tocar, D
David,
não consegue prrosseguir to
ocando.

4.28.2
2.8: “Canone Inverso
o”: Da Cap
po
David se desculp
pa e pede que em a peça novamente
q reinicie e do início, mas,
novam
mente não consegue prosseguir
p tocando.

4.28.2
2.9: “Canone Inverso
o”: A Troca
a das Melo
odias
Hischbaum, o maestro
m que
e está julga
ando a fina
al do concu
urso sugere
e que
Jeno faça o prim
meiro violin
no e não mais
m a melo
odia retrógrrada do papel do segundo
o.
violino
Na tentativa, nov
vamente David
D não cconsegue sse concentrrar para toccar a
melod
dia do segu
undo violino e afirma que não e
existe motivvo para qu
ue continue
em e,
desse
e modo, ele
e mesmo de
eclara Jeno
o como o ve
encedor do concurso.

4.28.2
2.10: Cano
one Inverso
o: “Nel Cam
mpo”
Nessa
a cena Cos
stanza está
á conversan
ndo com o Barão Blau
u no tempo
o real
da his
stória e no mesmo
m local do leilão que iniciou
u o filme.
Ela co
onta para o Barão qu
ue Praga se
e tornou pa
arte do esttado soviéttico e
que seu
s pai, Jen
no, havia desaparecid
d do na noite . Ela prosssegue: “Jun
nto com ele
e a li-
berda
ade. Nunca mais o vi novamente
e. Fiz o imp
possível pa
ara encontrrá-lo. Depo
ois de

482
muito pesquisar descobri que Sophie Levi morreu num campo de concentração. Mas,
do amor dela e Jeno nasceu uma menina. Não quer saber se ela sobreviveu? Porque
sou eu aquela menina”.
Em flashback, as imagens resgatam as lembranças do diálogo interior de
Costanza, mostradas na segunda inserção do “Canone Inverso” onde, em plano fe-
chado, filmando do chão, de baixo para cima, terminou com um rosto invertido (de
ponta cabeça) na tela com o céu azul e algumas nuvens no fundo.
Dessa vez a seqüência revela o rosto como de Sophie Levi, a mãe de
Costanza. Do lado oposto de uma cerca nota-se a presença de Jeno, tocando o “Ca-
none Inverso” para as duas. A voz over de Costanza termina o flashback dizendo:
Me recordo daquela música e do meu pai que a tocava para mim. Para mim e para
minha mãe. A mesma música que tocou naquele bar”.

4.28.2.11: Canone Inverso: Jeno está morto


De volta ao tempo real da narrativa Costanza tenta convencer o Barão
Blau: “Ele não me encontrou por acaso. Meu pai estava me procurando. Ele me re-
conheceu, entende? Me deixou o violino dele. Era ele, mas mais tarde descobri uma
coisa que pôs tudo em dúvida”.
Novamente em Flashback as imagens mostram Costanza e um rabino
num cemitério judeu. O rabino leva Costanza para ver a Sepultura de Jeno. Só um
trecho do final de uma única melodia do “Canone Inverso” é executada pelas cordas,
extra-diegeticamente. Enquanto o Rabino explica que Jeno estava muito doente
quando voltou do campo de concentração e não resistiu.
Na cena é possível deduzir que a peça foi composta em homenagem ao
nascimento do filho Jeno, pouco antes de ser abandonado pelo pai. Isso também
pode ser constatado nas datas de sua tumba, quando Costanza, sua filha está a pro-
cura do pai.

483
Figurra 128 – Ano de nascimento e m orte de Jeno V
Varga

484
4.29 - A MÚSICA COMO PERSONAGEM
É difícil sustentar a possibilidade, latente à própria dramaturgia específica
de um filme, da música ser utilizada como personagem “real” do objeto audiovisual.
Carrasco (1993) nos lembra desse fato quando afirma que todo drama se desenvolve
através da ação representada. Assim, na base de qualquer drama estaria a idéia de
personagem.

Costuma-se dizer que a música é um personagem a mais no filme. Esta afir-


mação não é muito precisa, pois, em última análise, o personagem é aquele
que executa a ação dramática, e a música não age. Mas, em certo sentido,
ela possui um grau de verdade, se partirmos da premissa de que o cinema
possui uma dramaturgia específica, onde a função originalmente creditada
ao texto no drama tradicional pode ser substituída por recursos articulató-
rios não verbais257.

Concordando com essa perspectiva, Mauro Giorgetti258 se coloca a ques-


tão: Como definir um personagem fílmico?

Pode-se afirmar que se trata de entidade que essencialmente age, ou seja, o


que caracteriza o personagem é a ação (exercida sobre outros personagens
e, por conseguinte, sobre o roteiro em geral). Ora, a partir do momento em
que a música exerce influência, maior ou menor, sobre um ou mais persona-
gens do filme, é lícito reivindicar para ela também a condição de persona-
gem; note-se que, para tanto, é vital que os personagens do filme tenham
consciência de sua existência, o que vale dizer que a música, se assim pode-
mos dizer, passa a existir dentro da película, fazendo parte indissolúvel do
roteiro (grifo nosso). (GIORGETTI, 2007)

O problema dessa afirmação é que as características citadas são pertinen-


tes a quase todas as músicas utilizadas diegeticamente no cinema. Portanto, a per-
gunta persiste, como, quando e porque a música pode adquirir o status de persona-
gem?
O próprio Giorgetti tenta responder a questão relacionando outras caracte-
rísticas fundamentais que podem ajudar a responder a estas perguntas:

257
CARRASCO, C. Trilha Musical – Música e Articulação Fílmica, 1993, p. 14.
258
GIORGETTI, M. A Música como Personagem. (http://www.mnemocine.com.br/cinema/ somtex-
tos/comoperson.htm - último acesso em 03 de junho de 2007).

485
 destina-se à música papel de complemento da ação, entendendo-se o termo
em sua acepção mais ampla, que pode apontar para uma série de alternati-
vas;
 evoca alguma situação, circunstância, acontecimento, etc., que interessam
diretamente a um ou mais personagens (reais), e neste sentido atua pratica-
mente como testemunha viva, cuja função é despertar ou intensificar lem-
branças de qualquer natureza (e talvez seja este o emprego mais comum);
 auxilia o personagem que não consegue mais se exprimir por si próprio,
quando trata-se de transmitir alguma emoção, sentimento, etc., que excede-
lhe a capacidade de expressão, ou mesmo quando o diretor entende que a
música será mais eficaz que o próprio ator em determinada situação dramá-
tico-expressiva.

No caso do “Canone Inverso”, a música se configura em todos os itens ci-


tados, mas vai além.
1. Ela foi composta pelo personagem (Barão Blau) que desencadeia toda
a história. É como se o próprio personagem escrevesse simbolicamen-
te o roteiro de todo o restante dos acontecimentos.
2. Nas suas duas melodias principais, executadas retrogradamente, ela
representa dois lados opostos do Barão Blau. O primeiro definido pelo
próprio Barão como muito jovem e fraco; o segundo, o aristocrático,
duas facetas em contramão como as duas melodias no “Canone Inver-
so”.
3. Cada faceta gera um filho: Jeno e David. O primeiro, abandonado pelo
Barão, ainda criança, ama a música, mas tem que cuidar dos negócios
do padrasto; o segundo, convivendo com ele, ama os negócios, mas é
obrigado a estudar música no Colegium Musicum. Os dois filhos se co-
nhecem e tornam-se grandes amigos no conservatório, amigos que,
por força do destino trágico, enfrentar-se-ão numa disputa que tem
como armas seus violinos, o de Jeno deixado como herança pelo pró-
prio pai, e a execução do próprio “Canone Inverso”.
4. A descoberta da verdade revela-se catastrófica. A constatação se dá
quando Jeno vence o concurso do Colegium Musicum, realizando lite-

486
ralmente a inversão narrada pelo próprio David se passando por Jeno:
“David não veio dormir aquela noite. A nossa amizade iniciou o seu de-
clínio... o seu ‘Canone Inverso’” – a inversão do “canone Inverso”.
5. As características canônicas da música estão presentes na maneira
como a narrativa avança: “uma música que te faz voltar para trás, ao
tempo em que era criança”. E, realmente, tanto a presença diegética
ou extra-diegética da música “Canone Inverso” remetem a momentos
em flashback, com flashbacks dentro do flashback, realizando esse in-
tento, anunciado como efeito pelo próprio filme: “Te fa retornar indietro”
(Te faz ir para trás – retornar).
6. Ennio Morricone e Rick Tognazzi trataram a música “Canone Inverso”
com alguns cuidados fundamentais, o que reforça a idéia da possível
caracterização de personagem:

o introduziram a música, prevista desde o roteiro, com lógica e


coerência na montagem (já a partir dos créditos iniciais);
o diferenciaram efetivamente a música (“Canone Inverso”) do
restante da música do filme;
o “materializaram” a música, com sua partitura, revelando in-
clusive a data de sua composição (a mesma data do nasci-
mento de Jeno), sublinhando a grande importância atribuída.

487
4.29.1 - A Forma das Inserções do Canone Inverso
A repetição de vários elementos a intervalos regulares cria um tipo de desenho; os
contrastes violentos e as transições abruptas e surpreendentes, outro, completamente
diferente. Pode haver esquemas de intensidades que crescem até um clímax para de-
pois baixar, formas ascendentes de intensificação gradativa de todos os elementos
(velocidade, andamento, ritmo de luz, cor) e outras, descendentes, nas quais elas
gradativamente se atenuam; ou ainda outras, circulares, nas quais o final retoma a
configuração inicial259 (grifo nosso).

Estruturar narrativamente um filme a partir de uma não-linearidade é um


dos pressupostos que fazem da montagem no cinema um dos instrumentos mais
valiosos quando se quer contar uma história. Há várias formas de conseguir efeitos
temporais sofisticados, sendo as mais conhecidas relacionadas ao flashback e o
flashforward. Infindáveis exemplos da utilização desses dispositivos podem ser cita-
dos devido a quantidade bastante significativa de filmes que utilizam esses recursos
em sua narrativa. Um filme que recentemente levou ao extremo esses procedimentos
foi Memento (Amnésia), lançado em 2000, o mesmo ano de lançamento do “Canone
Inverso”.

Para contar essa história não bastou ao diretor um roteiro linear. O filme é
todo recortado e de trás para frente; cenas em preto-e-branco em ordem
cronológica alternam-se com as coloridas e contam o início da história jun-
tamente com outra, contada por Leonard, o caso de Sammy Jankins, um ho-
mem que sofria do mesmo problema de Leonard acusado de ter matado a es-
posa diabética. A genialidade deste recurso faz com que o espectador parti-
cipe da ausência de memória da personagem. Quem assiste ao filme fica
perdido, sem saber o que acontece no instante seguinte, só aos poucos con-
segue montar o quebra-cabeças e participar deste jogo, construindo uma
memória que a personagem não tem. As cenas em preto-e-branco se encon-
tram com as cenas coloridas no fim (começo?) do filme, formando uma se-
qüência260.

O suporte principal para essa idéia interessante e, ao mesmo tempo,


complicada, parte do conteúdo imagético. O filme começa literalmente de trás para
frente, ou seja, retrogradamente. Vemos uma bala voltando para o cano de um revól-

259
ESSLIN, M. Uma anatomia do drama. Trad. Barbara Heliodora. Rio de Janeiro: Zahar Editores S.A. 1986.
260
DWORZAK, R. H. Um Passeio pelos meandros da memória: Do romance “relato de um certo oriente” ao
filme “Amnésia”. http://kplus.cosmo.com.br/materia.asp?co=285&rv=Literatura. Acesso em 6/6/2007.

488
ver, sangue numa parede escorrendo para cima. Logo depois, a ação passa a obe-
decer as leis normais da física, mas não a ordem cronológica normal.

Os acontecimentos que pontuam o roteiro (baseado no conto Memento Nori,


escrito por Jonathan Nolan, irmão do diretor), são apresentados em formato
de contagem regressiva, cada seqüência nos leva ao passado, e não ao futu-
ro. Munido de polaróides, anotações e tatuagens no corpo (estilo herói de
história em quadrinhos), Leonard tenta desvendar a morte da mulher, perdi-
do no tempo e tentando encontrar-se no espaço, munido de anotações e ima-
gens rudimentares261.

Na epígrafe acima, Esslin (1986) afirma que uma combinação de elemen-


tos espaciais permite um número infinito de permutações estruturais entre a unidade
espacial em diversidade rítmica, por um lado, e unidade de andamento e tom em
uma imensa variedade de mudanças visuais, por outro.

A verdade essencial a ser lembrada, entretanto, é a de que enquanto a au-


sência de uma forma é amorfa, destituída de estrutura discernível, toda for-
ma, toda estrutura, depende da articulação e da conjunção de elementos dis-
tintos. Isso é suficientemente importante na dimensão espacial, na qual a dis-
tribuição dos personagens pelo palco, a distribuição da cor e da luz, deter-
minam a diferença, entre o caos e o compreensível. Na dimensão temporal,
porém, esse aspecto ainda é mais vital: do mesmo modo que uma peça musi-
cal caminha com seus próprios ritmos e precisa ser subdividida em seções
distintas, nas estrofes e coros de uma canção, nos movimentos de uma sonata
ou de uma sinfonia, assim também o movimento de qualquer forma dramáti-
ca tem de ser igualmente articulado e formulado. [...] Clareza de estrutura e
um nítido "balisamente" do curso da ação são, assim, elementos formais da
maior importância na construção do drama. E quanto maior for a variação
entre cada segmento e o seu vizinho mais próximo, menor será o perigo da
monotonia, outra assustadora fonte de tédio.

Essa afirmação de Esslin auxilia no balizamento de nossa questão chave


da relação neste filme:
“porque Ennio Morricone e Ricky Tognazzi utilizaram uma forma contra-
pontística hermética num filme com características hollywoodianas?”

261
MENDONÇA FILHO, K. Não lembro, daí não existo. 2001. http://cf.uol.com.br /cinemascopio/critica.cfm?
CodCritica=623. Acesso em 9/6/2007.

489
A estrutura dramática do filme constituiu-se principalmente por persona-
gens que orbitaram em torno da herança de um violino e de uma música especial – o
“Canone Inverso”; o espaço da ação foi preenchido pela Tchecoslováquia; o tempo
da ação, todo em idas e vindas de flashbacks, abarcaram desde o final da Primeira
Guerra Mundial, passando pela Segunda Guerra Mundial e terminando na chamada
“Primavera de Praga”; e, finalmente, o conflito principal do argumento estabeleceu-
se, principalmente, em torno da música e do ideal do músico.
Em tese, a estrutura narrativa foi vinculada veladamente ao mesmo tipo de
estrutura do cânone inverso implicando diretamente no como a história foi contada,
organizadas em cenas e seqüências, sucedendo-se, logicamente, em flashbacks,
tentando refletir o efeito de “voltar para trás, ao tempo que era criança”.

A música principal, que serviu como motivo condutor, foi utilizada 11 ve-
zes:
1. Nos “Créditos Iniciais” com sentido de nascimento da própria
música e do filme;
2. No Flashback (como lembranças interiores) de Costanza den-
tro do Flashback(1) – Nel Campo;
3. Como transição para o flashback(2) – A mãe de Jeno cantan-
do em Boca Chiusa;
4. Como Acalanto – para fazer Jeno quando criança dormir;
5. Como Música Fúnebre – Na missa do enterro da mãe e do ir-
mão de Jeno (que morreram no parto);
6. A Materialização (presença diegética da partitura);
7. O Confronto (David é o primeiro violino e Jeno o segundo);
8. Da Capo (David não consegue executar e pede para recome-
çar);
9. Troca (Jeno passa para o primeiro violino);
10. Nel Campo (resgate do momento 2);
11. Jeno está morto.

No filme não foram somente as imagens, como no exemplo de Memento,


o foco referencial para sua montagem, mas, a forma canônica da música “Canone

490
Inverso”. Nessa perspectiva, a estrutura262 da montagem fílmica pôs em relevo o sis-
tema de relações entre os diversos momentos constituintes do filme, de forma que
cada momento adquirisse significado a partir do vínculo estabelecido com os outros
momentos e estes com a própria música “Canone Inverso” ou com o seu movimento
retrógrado característico.
Os resultados obtidos conduz ao seguinte gráfico:
Estrutura Dramática do Canone Inverso
1 Abertura

2 (5) Nel Campo

3 (6)
Boca Chiusa

4 (8) Acalanto

5 (23)
Morte da mãe
A Soma das
6+6 Inversões é
(49) A Presença Diegética
igual a 12

7 (50) Confronto

8 (51)
Da Capo

9 (52) Canone Inverso (troca)

10 Canone Inverso
(58)
Eu sou sua neta
(Nel Campo)

11
Canone Inverso
(59) Jeno está morto

Gráfico 3 – Estrutura preliminar das inserções do “Canone Inverso”

262
Termo de diversas aplicações nas ciências humanas e sociais (provém do latim structura, “construção”, numa
acepção arquitetural, e partilha a mesma dificuldade de definição em outras línguas com termos como o alemão
Gestalt e o inglês pattern), entrou na teoria da literatura através dos trabalhos dos formalistas russos (Jakobson e
Tynianov, sobretudo) e da fenomenologia de Roman Ingarden, que concebiam a obra de arte como um sistema
complexo constituído por diferentes níveis de significação, necessariamente relacionados entre si.

491
Esse gráfico preliminar exibe relações espelhadas com vários graus de in-
terpretação. Dois dos momentos espelhados podem ser considerados evidentes e,
portanto, irrefutáveis:

 na inserção central nº. 6, a música “Canone Inverso” se “materializa” visual-


mente através de sua partitura numa situação de disputa entre dois grandes
amigos, músicos e violinistas, mas, que na realidade do filme são irmãos (o
que só é revelado nesse momento). Além disso, o momento é o ponto culmi-
nante onde eles vão disputar a final de um concurso que dará direito ao ven-
cedor de executar um concerto com a mulher amada de Jeno, a pianista que
se ofereceu para tocar nesse evento.
 na inserção 2 com a 10 (Nel Campo). Elas se complementam. A inserção 2
apresenta a imagem de uma personagem e uma situação que fica desco-
nhecida e sem resolução; o momento 10 revela a personagem como a pia-
nista Sophie Levi, a mãe de Costanza, narradora dos dois momentos.

A inserção 1 com a 11 é aceitável desde que se considere a primeira co-


mo um nascimento e a última como morte, o que é plausível. Na inserção 1 (Créditos
Iniciais) ouvimos o “Canone Inverso” pela primeira vez. Ele foi composto pelo barão
Blau em comemoração ao nascimento de Jeno seu primeiro filho. Logo após, o barão
Blau abandona a mãe e Jeno. A inserção 11 relaciona-se com a morte de Jeno. Na
seqüência é apresentado seu túmulo à Costanza, sua filha, e a data de sua morte.
As mais problemáticas são as inserções de nº. 3, 4 e 5 relacionadas com
as de nº. 7, 8 e 9 (3 com a 9, 4 com a 8 e 5 com a 7). Apesar de haver possibilidades
de interpretação, esses são momentos onde a relação retrógrada direta é menos
evidente.

Dividindo o total do filme em suas partes constituintes, nota-se que os três


pares problemáticos estão situados numa mesma “subestrutura” de ordem temática,
ou seja, os momentos 3, 4 e 5 estão relacionados ao tempo de convivência de Jeno
com a mãe; os momentos 7, 8 e 9 relacionam-se ao confronto entre os irmãos,
quando toda verdade sobre os dois emerge. Portanto, eles podem ser facilmente ob-
servados teleologicamente, ou seja, numa relação de causa e efeito.

492
Dessa forma obtemos o próximo gráfico:

Preâmbulo 1 – Abertura – O Cânone Inverso

A –

1
Introdução –> TRD Introdução: O Leilão

-> Flashback(1) Flashback(1) – agosto de 1968 (Primavera de Praga)

2 – Canone Inverso – Nel Campo

-> Flashback(A1) Flaschback dentro do flashback – O efeito do “Canone Inver-

B – 2
so”

Transição para o Flashback(2) dentro do Flashback(1)


-> Flashback(1)
Anúncio do Flashback(2) dentro do Flashback(1)

Transição 3 – Canone Inverso – A Boca Chiusa

O Flashback(2)

4 – Canone Inverso – Acalanto

Jeno e Wolf, o padrasto: Dono de uma fazenda de criação de

porcos

“Briga entre crianças”: Jeno bastardo

Desespero: momento meta-diegético

Jeno Crescendo e Recebendo o Violino: Herança do Pai Ver-

3, 4 e 5
dadeiro
C
-> Flashback(2) Finale de Um Concerto Interrompido: Sophie Levi

A Primeira Inserção do Finale de Um Concerto Interroto no

filme

A mãe de Jeno Grávida

Indo para a cidade: Clair de La Lune di Giorno (O Leitmotiv

de Sophie Levi)

Espiando Sophie

Na casa de Banhos: A primeira conversa de Jeno com Sophie

Jeno não volta com Wolf

493
Jeno descobre o quarto do Hotel de Sophie Levi

No quarto de Sophie Levi

Jeno no Concerto de Sophie Levi

Jeno toca para Sophie pela primeira vez

Interrupção(1) ->
De volta ao Flaschback(1)
Flashback(1)

5 – Canone Inverso – Morte da mãe

De volta ao Flashback(2): A Morte da mãe de Jeno

Desespero - Momento meta-diegético

Nazistas: O anti-semitismo

“Nem tudo não está na música: Além da Música... O silêncio”

Indo para o Colegium Musicum com Wolf

No Colegium Musicum

Aula com o Maestro Weigel: A Ciaccona de Bach

Capriccio “La Caccia” de Paganini: O Violino Confiscado


-> Flashback(2)
O Castigo de Jeno: O Encontro com David

O músico e a música

Confidências Noturnas: A Incapturabilidade da Mulher e da

Música

Definição de Música de Jeno: Goliardi e Sport

De volta ao banho frio

A Vingança no Banho

Improviso: Goliardi

Estamos Fazendo Amor: O Fazer Musical

Interrupção(2) ->
Volta para o flashback(1)
Flashback(1)

De Volta ao Flashback(2) – Primeiro dia do Ano Novo de


-> Flashback(2)
1939

494
Anúncio do Prêmio do Concurso: Concerto com Sophie

O Discurso de Sophie Levi: A solidão do músico

Sophie deixando o Colegium Musicum

Interrupção(3) ->
Retorna ao Flashback(1)
Flashback(1)

Volta para o Flashback(2): O medo de David

O Concurso de Fim de Curso: Finale de um Concerto Interroto

Anúncio dos Finalistas

Adiamento do Confronto Final

15 de Março: A Invasão de Praga Pelas Tropas de Hitler

Jeno e David: Uma Possível Despedida

Jeno: Assume ser Judeu

Juntos: Jeno, David e o Violino

A chegada na Mansão dos Blau

Os Antepassados dos Blau: O nome de Costanza

O quarto de David: A Alma que Passa Através da Eterna

-> Flashback(2) Prisão da Morte

A Mãe confunde David e Jeno

David vê o Violino de Seu Pai

A Mesma Foto: Pré-Anúncio do Cânone Inverso

Jeno começa a desconfiar de quem é

O Encontro entre Pai e Filho Bastardo

Prêmio: O Concerto do Teatro Tanz

6 – Canone Inverso – A Presença Diegética


D – 6

Jeno Olhando a Partitura Composta em 1919

David: O Primeiro
7, 8 e 9

7 – Canone Inverso – Confronto


E

8 – Canone Inverso – Da Capo

495
9 – Canone Inverso – Troca das Melodias

Troca do Primeiro: Jeno é o Vencedor

Ruptura entre os Irmãos: Wolf não é meu pai

David: O “Conforto” da Mãe

Jeno: Em Busca do Destino

Devolução da Herança do Pai: O Violino

Interrupção(4[R]) ->
Volta ao “Tempo Real” do filme
TRD

Volta ao Flashback(2): A Verdade do Pai

Fuga dos judeus

Preparativos para o Concerto Final Interrompido


Flashback(2)
Encontro com Wolf: Não Haverá Concerto

Sophie na Estação de Trem: De partida

Jeno vai avisar o Maestro no Teatro

A realização dos 2 Fazendo Amor: A Concepção de Costanza

grandes objetivos de
Vai Haver Concerto
Jeno

O Concerto do Teatro Tanz – Introdução: David Vai ao Con-

certo

Última Interrupção: Finale de Un Concerto Interroto

-> Volta ao Flash- Saída do Flaschback(2: Volta para o Flashback(1)

back(1) A Invasão dos Soviéticos: A Primavera de Praga

496
-> Volta ao Tempo
Saída do Flashback(1): Volta ao Tempo Diegético Real
Real Diegético

10 – Canone Inverso – Eu sou sua neta – Nel Campo

F – 10
Flashback(A [TRD])
Resgate do Flashback: No Campo de Concentração

-> TRD Volta para o “Tempo Real”

11 – Canone Inverso – Jeno está morto


Flashback(B)
Em Flashback: A Sepultura de Jeno (1919-1945)

-> TRD Volta ao “Tempo Real”: Eu Sou Sua Neta

G – 11
Flashback(C) ->

Tempo do Flash- Flashback: Jeno está Morto

back(1)

Volta ao “Tempo Real” da Narrativa


-> TRD
De Volta ao Colegium Musicum Abandonado

Flashback(D) ->

Tempo do Flash- Flashback: Goliardi

back(2)

TRD Volta ao “Tempo Real”

TRD+Flashback(2) Mistura do “Tempo Real” com o “Flashback(2)”: FIM

Créditos Finais

Gráfico 4 – A Estrutura Narrativa do Filme

O gráfico foi construído à partir dos tempos da narrativa:


o Na coluna da esquerda temos o enquadramento do
tempo da narrativa em:
 Abertura (Créditos Iniciais);
 TRD – Tempo Real Diegético;
 Flashback(1);
 Flashback(2);

497
 flashbacks de interrupção (retornos momentâ-
neos aos flashbacks anteriores ou ao tempo real
diegético;
 Créditos Finais.
o Na coluna central um nome de referência às seqüên-
cias do filme;
o Na coluna da direita uma cor relacionando-se com as
inserções da música “Canone Inverso”.

498
Na união dos dois gráficos temos:

1 4.30 - ABERTURA
O CÂNONE INVERSO
2 (5) 4.31 - CANONE INVERSO
NEL CAMPO
3 (6) 4.32 - CANONE INVERSO
BOCA CHIUSA
4 (8) 4.33 - CANONE INVERSO ACALANTO
5 (23) 4.34 - CANONE INVERSO
MORTE DA MÃE
A Soma das
6 + 6 (49) 4.35 - CANONE INVERSO
A PRESENÇA DIEGÉTICA Inversões é
7 (50) 4.36 - CANONE INVERSO CONFRONTO
8 (51) 4.37 - CANONE INVERSO
DA CAPO
9 (52) 4.38 - CANONE INVERSO INVERSÃO
4.39 - CANONE INVERSO
10 (58) EU SOU SUA NETA
4.40 - (NEL CAMPO)
11 (59) 4.41 - CANONE INVERSO
JENO ESTÁ MORTO

Simplificando:
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
Confronto entre
A Mãe de Jeno
Nascimento de

Morte de Jeno
Presença Die-

Jeno e David
Nel Campo

Nel Campo
gética
Jeno

Gráfico 5 – Gráfico Sintético das Inserções

Portanto, é notável que os momentos de inserção da música “Canone In-


verso” de Ennio Morricone referenciam-se no mesmo modo que a estrutura do câno-
ne inverso no filme CANONE INVERSO.

499
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O pensamento musical no cinema exemplificado pela “música aplicada” de
Ennio Morricone, estabeleceu-se na idéia de confluência entre dois pensamentos
relacionados à música de cinema, duas abordagens: uma musicológica, histórica e
teórica, voltada a apresentar e discutir instrumentos idôneos na análise das relações
intercorrentes entre música e imagem; a outra, profissional, artesanal, estritamente
relativa a um pensamento e uma praxe compositiva desenvolvida dentro dos vínculos
impostos pela própria produção e linguagem cinematográfica exemplificados pela
música aplicada de Ennio Morricone.
Desde a seção de Apresentação, três conceitos permearam todo o traba-
lho: 1 – o ofício do músico no cinema; 2 – uma estética pessoal; 3 – a música aplica-
da.
A seção introdutória, “Música de cinema: aspectos e problemas de uma
atividade composicional do ‘nosso tempo’”, suscitou o escopo exploratório e qualitati-
vo da tese, engajada na observação do ofício do músico Ennio Morricone e de sua
“música aplicada”, um contexto amplo que, no âmbito da arte contemporânea, com-
promete-se com a própria compreensão do trabalho audiovisual.
Na primeira parte do trabalho foram apresentados e discutidos alguns tó-
picos que referenciam o escopo da composição audiovisual cinematográfica: música,
sons e imagens em movimento combinados no objeto fílmico. Percorrendo possibili-
dades, algumas vezes antagônicas, observou-se a origem de alguns princípios mais
seminais que delineam a parte do corpo conceitual sobre a música no objeto fílmico,
o que, genericamente, foi denominado de “pensamento musical no cinema”. Os tópi-
cos percorridos revelaram-se como uma combinação eclética apoiada no âmago da
tensão semântica entre a denominada “música absoluta” e a “música aplicada”.
A segunda parte do trabalho apresentou alguns capítulos do processo que
acabaram por transformar Ennio Morricone num dos personagens mais atuantes na
história da música de cinema. A trajetória biográfica delineada forneceu evidências
importantes de como Morricone foi iniciado e de alguns desdobramentos posteriores

500
na sua carreira. Na apresentação das informações percorreu-se alguns fatos que
pontuaram sua história de vida até seu ingresso no cinema, no início da década de
1960, momento determinante que, por fim, acabaram por constituir o âmago de seu
pensamento musical aplicado.
Na terceira parte, a partir das inserções musicais na micro-estrutura de se-
te filmes e da observação de algumas relações audiovisuais criadas no processo nar-
rativo da história, foram pontuadas características do pensamento organizacional da
trilha sonora como um todo, ou seja, de sua macro-estrutura, a organização temática
das músicas utilizadas em cada filme.
O trabalho de Ennio Morricone junto a Sergio Leone resiste aos 47 anos
do hiato temporal. Iniciando com revisões medíocres da crítica na década de 1960,
com o passar dos anos, passaram a ser referências e muito aclamados, com fre-
qüência sendo descritos como “operísticos” na forma, estilo e função. O fato de que
tantas influências possam ser sintetizadas em suas composições de cinema é real-
mente uma das marcas da obra de Ennio Morricone. Amalgamando as influências do
rock-and-roll dos anos 1960, da música folclórica, música popular italiana, celta e
outras músicas étnicas, canto gregoriano, serialismo, musique concrète, música ele-
troacústica, música de cinema hollywoodiana e a música de vanguarda da época de
seu ingresso no cinema, criou uma obra extremamente coerente e efetiva. O ecle-
tismo e o sincretismo das composições permitiram que elas fossem também percebi-
das como música popular, características que somadas às fílmicas contribuíram para
o grande sucesso independente obtido na vendagem dos álbuns com a gravação de
cada uma das trilhas sonoras musicais dos filmes.
A organização temática nos filmes de Leone referenciados no deve-
lopmental score, na primeira trilogia e no leitmotivic score, na segunda, revelaram-se
como ferramentas analíticas pertinentes à compreensão do pensamento musical da
macro-estrutura formal à partir das inserções individuais nos filmes, sua micro-
estrutura.
As trilhas musicais nos filmes analisados são extremamente econômicas
em suas conexões temáticas. Organizadas a partir de unidades melódicas muito pe-

501
quenas, que Miceli (1994) denomina de “micro-células”, permitem o seu reconheci-
mento imediato e grande flexibilidade em suas variações e combinações. As melodi-
as resultantes são evocativas e memoráveis.
Desde a década de 1970, no momento em que o nome de Morricone é
creditado nos filmes em que compôs a música, aparece de uma forma padronizada:
Música Composta, Orquestrada e Dirigida por Ennio Morricone. Com o tempo, essa
frase tornou-se um tipo de slogan autoral, muitas vezes, considerado, no mínimo,
provocador em relação à praxe musical do cinema, principalmente, às estabelecidas
por Hollywood. Porém, isso significa que quando Morricone compõe para filmes, em-
prega as mesmas práticas e tradições sinfônicas utilizadas por um compositor de
música de concerto, criando cada trabalho desde sua concepção, como uma idéia
musical, até sua completude, um opus completo a ser executado. Isso parece central
no seu pensamento composicional. Ele é autor da música como o diretor é autor do
filme. Mesmo com o acúmulo de tarefas que isso representa quando comparado com
o procedimento padrão hollywoodiano, foi capaz de produzir trilhas musicais numa
quantidade exorbitante, não raro, trabalhando anualmente mais de 20 partituras para
filmes.
Alguns temas são o resultado de especulações sobre intervalos melódicos
e suas combinações harmônicas (tema de Frank e Gaita [C’ERA UNA VOLTA IL WEST];
tema do Índio [PER QUALCHE DOLLARO IN PIÙ]; entre outros). Porém, outro princípio im-
portante que conforma o pensamento musical de Morricone para o cinema é o da
“auto-celebração da sonoridade”. As músicas dos sete filmes analisados foram dife-
renciadas pelo seu modo de utilizar e entender os instrumentos musicais. A orques-
tra sinfônica, a “jazz band”, os agrupamentos de câmera, os instrumentos autócto-
nes, o assovio humano, o coral tradicional, os vocais sem palavras, o solo vocal fe-
minino, o órgão de tubos ou elétrico, a gaita de boca, o acordeão, as flautas doces,
as ocarinas, os sinos, o violão, a guitarra e o contrabaixo elétricos, os trompetes no
estilo mariachi, a flauta de pã, as cornetas militares, os saxofones, as diversas per-
cussões, a bateria, entre outros, representam um componente importante de sua
“assinatura” musical, muitas vezes também referido como sua “paleta de cores” ou,

502
ainda, seu timbre. Com muita habilidade ele foi capaz de mixar, muitas vezes de mo-
do inusitado, sons de instrumentos acústicos (como os do violão, flauta doce sopra-
no, corne-inglês, trompete e as cordas da orquestra) com instrumentos elétricos (gui-
tarra e o órgão) e, ainda, com sons eletroacústicos, às vezes melhores descritos co-
mo pertencentes à música concreta.
Mesmo que Morricone enfatize que a sua música de cinema (música apli-
cada), antes de ser música de cinema, pode sustentar-se isoladamente em suas
próprias bases (música absoluta), ele desenvolveu, no arco temporal de 25 anos das
duas trilogias de Leone, uma profunda consciência das especificidades do objeto
fílmico. Mesmo que seus temas memoráveis possam ser apreciados isoladamente,
grande parte da aplicação micro-estrutural nos filmes estudados, articulam-se perfei-
tamente aos demais elementos narrativos.
Dos condicionamentos iniciais de PER UN PUGNO DI DOLLARI ao CANONE IN-
VERSO, o compositor Morricone atingiu resultados que se articularam efetivamente na
narrativa dos próprios filmes, cumpriram exigências da direção e do público e, tam-
bém, apresentaram um resultado que permite reconhecê-lo nas composições.
Vários pontos merecem ser lembrados e, espera-se, possam representar
uma contribuição efetiva aos futuros trabalhos sobre a música de Ennio Morricone e
do pensamento musical no cinema.
Geral:

 O estudo da cinematografia enfatizado pela via musical, música de cinema,


remete a uma pletora de textos que, com certeza, muito acrescenta no en-
tendimento da música utilizada, mas, principalmente como objeto isolado,
ensimesmado, separado do meio audiovisual, o que parece inviabilizar um ti-
po de abordagem um pouco mais generalizada e satisfatória na integralidade
do objeto fílmico.
 A música de cinema tem sua razão de ser, sua essência, no próprio meio
que a transmite, portanto, deve ser “lida”, ouvida ou interpretada na vertente
do espectador de cinema. A audição da música fora das telas pode oferecer
diversas perspectivas mais ou menos atraentes, porém, nunca será a manei-
ra de compreender o seu verdadeiro alcance.
 A música deve ser valorada como um dos componentes chaves na eficácia
das estratégias narrativas dos produtores para captar e manter a atenção do
espectador, atuando simultaneamente como indutora e condutora da explo-

503
ração audiovisual que o receptor realiza, tanto de modo ativo como passivo,
na tela e nos alto-falantes do cinema durante o transcurso da mensagem au-
diovisual.
 A diversidade e simultaneidade de funções que a música pode adquirir num
filme estão relacionadas a um sistema sinergético: um objeto audiovisual
complexo cuja resultante é muito maior do que a soma individual de suas
partes (objeto reduzido, na maioria das vezes, às imagens em movimento e a
trilha sonora que o compõe), uma resultante extraordinária para a ordem de
potencialidades de seus componentes em isolamento.

Ennio Morricone:

 A música de cinema de Ennio Morricone referencia-se na tradição dos gran-


des compositores clássicos, compactua com convenções da trilhas musicais
de Hollywood, mas, indo além, incorpora elementos de quaisquer outros pe-
ríodos e estilos musicais – medieval, popular, étnico ou de vanguarda – de
forma a perseguir uma determinada meta cinemática.
 Existem muitas características na música de cinema de Ennio Morricone que
tornam o seu estilo reconhecível, o que ele mesmo refere como sua própria
“caligrafia”. Sem dúvida, em sua vasta obra musical para o cinema encon-
tram-se algumas similaridades de procedimentos, mas não uma música for-
mulada, previsível e imitativa de si própria. Ao contrário, uma das caracterís-
ticas de Morricone é sua constante busca pelo novo e funcional, pela música
“absoluta-aplicada”.
 Embora reconheça que tanto as convenções do gênero fílmico quanto as do
gênero musical constituam fatores importantes na forma de pensar e elabo-
rar a música dos filmes, ele não se liga somente a esses fatores. Ele utilizou
o termo “compositor camaleão” quando abordou sobre a dificuldade em li-
vrar-se de certos rótulos que lhe foram imputados graças ao sucesso e o tipo
de diretor com o qual estava vinculado.
 O desenvolvimento de seus traços característicos está plenamente delineado
nas duas trilogias de Sergio Leone (eminentemente com filmes westerns)
que abarcaram 25 anos (1964-1989) de relacionamento, mas, para além do
gênero, Morricone desenvolveu na parceria o pensamento musical de todos
os outros gêneros cinematográficos que trabalhou: drama, comédia, terror,
bélico, denúncia social, thrillers, erótico, policial, gângster, histórico, entre ou-
tros. Isso pode ser constato em filmes muito aclamados pela originalidade de
sua música: THE MISSION, 1986; THE UNTOUCHABLES, 1987; CASUALTIES OF
WAR, 1989; BUGSY, 1991, MALÈNA, 2000, MISSION TO MARS, 2000, entre ou-
tros.
 Na perspectiva de integração da música, composta por Ennio Morricone,
com os sons, os diálogos e as imagens em movimento, todos articulados à
narrativa, uma característica se destaca como fundamental: sincronia. Os
pontos de sincronização, definidos por Miceli como explícitos ou implícitos
(Chion os define como “pontos de verticalidade”) auxiliam a estruturar todo o

504
fluxo rítmico, dramático e emocional do filme conectados ao pensamento
musical do compositor. Sua “música aplicada” no contexto fílmico, contexto
onde coexistem diversas forças narrativas, simultaneamente guia e são gui-
adas por essas forças, criando, como disse Johnny Wingstedt: "um exemplo
fascinante de sinergia” (quando o todo é alguma coisa muito maior que a
soma das partes".

Com 82 anos de idade, Morricone ainda mantém uma rígida agenda de


trabalho como “compositor, orquestrador e regente”, sempre motivado pelo seu raro
e admirável trabalho ético. Talvez a contribuição mais significante de Ennio Morrico-
ne ao “pensamento musical do cinema” não possa ser encontrada na trilha musical
de um único filme, mas, o seu desejo apaixonado de continuar a experimentar e re-
novar as possibilidades da “nobre arte” se encontra, certamente, em todos eles.
Espera-se ter sido demonstrado que, na confluência da pesquisa teórica e
prática sobre a música de cinema de Ennio Morricone, seja estabelecida uma linha
mais receptiva e flexível em relação ao conhecimento construído pela Musicologia e
pelos estudos contemporâneos sobre o cinema. Só nessa perspectiva, o trabalho
contribui, embora modestamente, para que os estudos sobre a música no cinema de
Ennio Morricone se tornem um campo de conhecimento mais presente e motivador
do entendimento, cada vez mais profundo e fascinante do objeto fílmico audiovisual.
É necessário destacar, novamente, o respaldo que o “Grupo de Pesquisa
em Música Aplicada à Dramaturgia e ao Audiovisual” da UNICAMP deu à pesquisa.
Um grande número de referências utilizadas no trabalho foram constituídas pela
constante troca de informações e pelo estudo em grupo de filmes e da literatura so-
bre a música no cinema, ao longo dos oito anos de convivência com o Prof. Dr.
Claudiney Carrasco e alunos que participaram das atividades.

505
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