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DO Suplemento

Editorial
A República
Nós,doRN...
Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Norte Ano I - Nº 09- Agosto de 2005

FOLCLORE
Raízes culturais do povo
2 nós, do RN Suplemento Natal - Agosto de 2005

Apresentação
Uma tarefa da Imprensa Oficial
Estado do Rio Grande do Norte
Rubens Lemos Filho Assessoria de Comunicação Social

A
Wilma Maria de Faria
política cultural do Governo Estadual, Silva, um herói do povo potiguar dedicado à Governadora do Estado:
ponto de honra da Excelentíssima preservação das danças antigas e semi- Carlos Alberto de Faria
Senhora Governadora Wilma Maria de desaparecidas do Estado e também a vida e o Gabinete Civil do Governo do Estado
Faria, tem na Imprensa Oficial uma sólida base trabalho das nossas famosas rendeiras, artesãs Rubens Manoel Lemos Filho
Assessoria de Comunicação Social
de divulgação da cultura potiguar. E a reconhecidas internacionalmente.
publicação mensal do suplemento “nós, do RN” É também com muita alegria encontrarmos
representa um gol de placa nos meios no baú das riquezas populares os admiráveis
intelectuais e populares do Rio Grande do Norte. mamulengos – o João Redondo que atravfessou
D.E. I.
Neste mês de agosto, dedicado ao folclore, o continentes e séculos para se estabelecer entre
encarte do Diário Oficial, como não poderia nós, encantando crianças dos oito aos oitenta Rubens Manoel Lemos Filho
Diretor Geral em exercício
deixar de ser, dedica-se às manifestações anos.
culturais do nosso povo, algumas multi- Dessa maneira, executamos a tarefa da Henrique Miranda Sá Neto
Coordenador de Administração
centenárias. Imprensa Oficial de difundir a ciência do saber, e Editoração
Revela-se nestas páginas do “nós do RN” os especialidade dos jornalistas e gráficos do
Juracir Batista de Oliveira
96 anos de vida do mestre Cornélio Campina da Departamento Estadual de Imprensa – DEI. Subcoordenador de Finanças

Editorial Eduardo de Souza Pinto Freire


Subcoordenador de Informática

nós, do RN
Saudosas ausências, honrosas presenças editor-geral
Miranda Sá
Miranda Sá
chefe de redação

G
raças à dedicação e o do consciente (e do inconsciente) Nesse rosário diamantino de Moura Neto
dinamismo dos que coletivo. cultura, desfiamos as contas da
equipe redacional
fazem o “nós do RN”, Conseqüentes ao trabalho poesia do Vale do Açu, as cantigas Paulo Dumaresq - reportagem
estamos circulando no dia do cascudiano, enriquecem esta de roda e a rica medicina indígena Anchieta Fernandes - pesquisa
publicação os incansáveis defensores João Maria Alves - fotografia
folclore, comemorando esta com seus “doutores raízes” levando
vertente científica da antropologia, da cultura popular Severino a cura para àqueles que não podem diagramação e arte final
atestando o que domínio cultural Cavalcanti, com suas propostas pagar os inacessíveis planos de Edenildo Simões
revolucionárias para o estudo da Alexandro Tavares de Melo
coletivo do espírito da nossa gente. saúde...
ciência folclorística e o querido
Invadindo a biblioteca do É por tudo isso e o mais que a Programação Visual
Deífilo Gurgel, o herdeiro de Emanoel Amaral
jornalista e escritor Vicente Câmara Cascudo como grande memória empanou, que nos Alexandro Tavares de Melo
Serejo, fomos buscar a essência mestre potiguar do folclore. orgulhamos desta publicação, que
de Câmara Cascudo, cuja Honrando-nos, também, com a honra a memória d’ “A República” Capa
Emanoel Amaral
saudosa ausência empresta o sua presença, aqui está o poeta e, sem dúvida alguma, valoriza o
necessário estímulo para a Crispiano Neto, profundo Diário Oficial e o Diário da Justiça colaboradores
inspiração, o estudo e a pesquisa conhecedor das cantorias de viola. do Rio Grande do Norte. Carlos Morais
Carla Xavier
Severino Vicente

Correspondências Edson Benigno


Carlos de Souza
João Ricardo Correia
Caro Miranda Sá leitor Laélio Meneses de Melo cumprimentos. apoio gráfico
Recebi e agradeço a remessa sobre a trajetória e o fim trágico Willams Laurentino
do número 08 de nós do RN, do piloto João Meneses de Rio de Janeiro, 04 de agosto de Valmir Araújo
que fez justiça aos artistas de Melo, um dos pioneiros da 2005.
Natal e do Estado ao dedicar a aviação militar no Brasil, cuja Abraço fraterno do
edição às artes plásticas e aos desdita Laélio narrou com
que fazem no território economia de palavras e forte Maurício Azêdo DEPARTAMENTO ESTADUAL DE IMPRENSA
potiguar. Valeu! carga dramática na carta a nós Presidente da Associação Av. Câmara Cascudo, 355 - Ribeira - Natal/RN
Cep.: 59025-280 - Tel.: (084) 3232-6793
Impressionante o relato do do RN. Também Laélio merece Brasileira de Imprensa – ABI. - RJ Site: www.dei.rn.gov.br - e-mail: dei@rn.gov.br
Natal - Agosto de 2005 Suplemento nós, do RN 3

Folclore:
Foto: Edson Benigno

* Severino Vicente

O
Folclore, como todas as demais ciências na
dinâmica da cultura antropológica, inspira
mudanças, transformações, ocupa novos
espaços em qualquer sociedade, por mais complexa
nova visão,
que seja, indiferente ao estágio cultural de seus com-
ponentes, à nível de produção, adoção ou ainda de
consumo dirigido. Requer pesquisa e cuidados para
novo conceito
evitar o uso equivocado com paradigmas estereoti-
pados, não condizentes com os princípios de uma
ciência tão complexa e tão importante, que, de um
lado perfila com suas justas aspirações na busca da
preservação da identidade cultural, e, do outro,
associa os fatos da história ao processo de afir- Vicente: “O folclore passa por uma releitura”
mação social.
Dentro desta nova visão o folclore não pode, tabas para serem escravos, deixando terras e tribos ciência em Salvador-Bahia no ano de 1998 e
nem deve ficar preso às características básicas pelo com seus deuses e rituais, os negros em situação lançaram um documento: "Carta do Folclore
qual foi visto durante muito tempo. Ou seja: muito mais adversa, chorando e cantando com Brasileiro", que definiu folclore como o conjunto
antiguidade, persistência, anonimato e oralidade. saudade da pátria, como anotou o cientista social das criações culturais de uma comunidade, baseado
Ainda que cada uma dessas características de Bertand Russel: "Eu vou dizer a deus, todo meu nas suas tradições, expressas individual ou coletiva-
forma insofismável não deixe de ser a base de todo sofrimento, quando eu chegar em casa". mente, representativo de sua identidade social.
o estudo da ciência da folclorística. Este é o Brasil, o mundo dos brasileiros onde Respaldado na aceitação coletiva, tradicionalidade,
A bem da verdade, ainda se constitui em novi- brancos europeus, negros vindos da áfrica e índios dinamicidade e funcionalidade. Na Carta ficou bas-
dade para muitos pesquisadores menos avisados, de autóctones viveram entre si e deles nasceram e fruti- tante claro que a cultura popular e o folclore são
que existe um fato folclórico e que este está pre- ficaram esta bela cultura, esta grande nação. O his- equivalentes no que preconizam as recomendações
sente na maneira do pensar, do sentir e do agir de toriador e folclorista João Ribeiro fez uma feliz da Unesco. A cultura popular no singular como
um povo com forte influência no oficial e no erudi- citação quando definiu como sendo o território única e legítima, embora existam tantas outras cul-
to, onde o mais requintado homem ou socialite brasileiro, o inferno dos negros, purgatório dos turas quantos sejam os grupos que a produzam em
pode fugir dele, porque todos nós somos e vivemos brancos e paraíso dos mulatos. E quem são os contextos naturais, econômicos, específicos etc..
um mundo folk em potencial. No Brasil, na França, mulatos, senão os primeiros descendentes diretos É preciso saber que o folclore é a parte mais
na Inglaterra, no Japão ou em qualquer parte. dos colonizadores, nascidos dos ventres disponíveis importante da cultura brasileira, por isto deve ser
Foi abolida a clássica definição do folclore das negras escravas? E que hoje continuam cantan- equiparado às demais formas de expressão cultural,
entendido como complexos de classes subalternas e do e desfilando nas passarelas, alegrando os estádios, com o mesmo acesso e respeito, com incentivo
instrumentais, que se contrapunha às classes ofici- no país do carnaval e do futebol. público e privado concedido à cultura plural e às
ais, eruditas, hegemônicas e dominantes. Precisamos Vejamos então, voltando à questão da nova con- demais atividades científicas.
apenas é saber que mundo, que vida, que povo, que ceituação de folclore. Não é mais aceitável aquele Nos países em desenvolvimento, no caso o
classes, de que forma, em quê circunstância foi tradicionalíssimo conceito da carta de Willian John Brasil, esta preocupação vem assumindo aspectos
povoado o mundo dos brasileiros, para a partir daí Thoms (1803-1885), datado de 22 de agosto de prioritários e, não poderia deixar de ser, porque, no
entendermos que folclore é tudo e possamos elimi- 1846: folk(povo), lore(saber), oriundo do antigo mundo globalizado em que vivemos, em que a tec-
nar essa visão errônea de vermos e vivenciarmos o inglês falado na Inglaterra, para substituir o que nologia vem alcançando os mais altos níveis, per-
folclore apenas pelo lado pitoresco. chamavam de antiguidades populares ou literatura mitindo a imediata troca de informação, indispen-
Descendemos de um mundo em que índios popular, até que um dia passassem a ser melhor estu- sável ao desenvolvimento das nações, na busca de
foram levados para a Europa como prova teste- dados como ficou explícito na carta. um melhor nível das populações, traz em seu con-
munhal da real descoberta de terras. Um mundo Atualmente, o folclore passa por uma releitura, texto um produto cultural conflitante com a reali-
conquistado e desbravado pela guerra, pelas armas, com nova conceituação e visibilidade aos direciona- dade, daí, necessário se faz entender que só o fol-
no domínio dos descobridores, com lavouras e mentos que devem alcançar como instrumento de sal- clore é capaz de fazer a diferença, para que não pos-
engenhos de cana de açúcar, de exploração da vaguarda da cultura brasileira, que guarda ainda um samos perder de vista a nossa verdadeira e legítima
natureza, paus, madeiras, ouro, prata, diamantes, grande acervo da cultura medieval sem nunca ter vivi- identidade cultural.
brilhando aos olhos dos ambiciosos e ávidos con- do a idade média.
quistadores. O VIII Congresso Brasileiro de Folclore reuniu * Folclorista, Historiador, Secretário da Comissão Norte-
Um mundo de negros e índios trazidos de suas os mais expressivos estudiosos desta importante rio-grandense de Folclore
4 nós, do RN Suplemento Natal - Agosto de 2005

O
Fotos: Cedidas

Rio Grande que deslumbra Mário de Andrade Rio Grande do Norte contribui
com uma parcela bastante signi-
ficativa para o real mundo dos
brasileiros, pois o que deslumbrou
Mário de Andrade e Ascenso Ferreira na
primeira e segunda metade do século
passado continua vivo, espalhados por
algumas regiões do estado. Quem pensa
que o Rio Grande do Norte não é referên-
cia cultural para o Brasil, não conhece a
nossa pujança popular folclórica.
Temos o mais importante produto de
exportação cultural - Luis da Câmara Manoel Marinheiro e seu Boi de Reis: Grupo tradicional
Cascudo. Somos o único Estado no
Brasil que ainda mantém vivo os quatro
grandes autos populares: Boi,
Fandango, Chegança e Congos. E ainda:
Lapinha, Pastoril e Caboclinhos. Sem
esquecer que existem outras danças de
importância folclórica como: Côco de
roda, Pau-Furado, Bambelô, Maneiro-
Pau, Capelinha de Melão, Bandeirinha,
Espontão, Dança de São Gonçalo,
Dança dos Caboclos, Quadrilhas
Tradicionais, Ciranda, Capoeira e a
Sociedade Araruna, o mais importante Marujada de Senador Georgino Avelino: Adultos e crianças
resgate cultural brasileiro que ainda
hoje orgulha nosso estado, tendo à frente
o quase centenário Cornélio Campina da
Silva, criador do grupo, sob a inspiração
de Luís da Câmara Cascudo, Veríssimo
de Melo e o incondicional apoio do
Mecenas da cultura natalense, Djalma
Maranhão. Não esqueçamos também
um segmento importantíssimo, inspirado
no mundo do criatório: a rima, o cordel e
a viola.
No campo do romanceiro tradicional,
o nosso estado está em nível muito supe-
Fandango de Canguaretama: espetáculo no Palácio Cultural
rior aos demais. Basta citar, como
exemplo, as romanceiras Dona Militana,
de São Gonçalo do Amarante;
Mariquinha, em Monte das Gameleiras e
Dona Creuza, de Vila Flor. Com elas
fazemos uma viagem, digna de registro,
em qualquer Universidade ou instituição
cultural do mundo ibérico. Porque
guardam essas mulheres em suas prodi-
giosas memórias, a voz dos séculos, estórias
fantásticas, riquíssimas, de um mundo de
aventuras, reis, rainhas, fadas, cavaleiros,
escudeiros, diabólicos e santos. (S.V) Coco de Roda de Canguaretama: Tradição entre gerações
Natal - Agosto de 2005 Suplemento nós, do RN 5

Gr andes e xpr essões do f olc lor e potiguar


Moura Neto

O
Rio Grande do Norte tem um cialistas desta área, como o professor Pastoril Caldas Moreira. Sem isso, essas Brasileiro. Numa solenidade realizada na
dos folclores mais ricos deste Severino Vicente, Deífilo é o maior personalidades da cultura popular estari- Fundação José Augusto, quando Câmara
país, principalmente no que se mestre do folclore potiguar na atualidade. am simplesmente passando necessidade. Cascudo entrou no recinto as cabeças
refere aos quatro grandes autos populares Não se trata apenas de um estudioso e Para o autor de Espaço e Tempo do mais coroadas do folclore nacional, como
- boi calemba, fandango, chegança e pesquisador, com livros, plaquetes e arti- Folclore Potiguar, além da visita de Mário Theo Brandão, Bráulio Nascimento e
congo. O autor da afirmativa é nada gos publicados. Ele é, também, um defen- de Andrade a Natal, em 1929, e da Guilherme dos Santos Neves, o aplaudi-
menos do que o folclorista Deífilo sor do folclore e de seus atores. Ao longo administração de Djalma Maranhão ram de pé, demoradamente.
Gurgel, 79 anos, 35 dos quais dedicado das últimas duas décadas, Deífilo con- (entre 1955 e 59 e 1961 e 64), outro Nesta entrevista, Deífilo Gurgel fala
ao estudo das legítimas manifestações seguiu, com seu prestígio, aposentadorias momento esplendoroso da cultura popu- um pouco sobre aqueles que, para ele,
culturais do povo norte-rio-grandense. É e empregos públicos para pessoas como lar no Rio Grande do Norte ocorreu em deram significativa contribuição para a
alguém que, pelo que já fez e publicou, Cornélio Campina, fundador do grupo 1975, durante o lançamento da cultura popular do Rio Grande do
dispensa apresentação. Para muitos espe- Araruna, e para o Palhaço Faísca, do Campanha em Defesa do Folclore Norte.
Foto: Arquivo
Câmara Cascudo cas que Mário escreveu sobre sua viagem e que depois
No inicio da década de 20, com cerca de 24 anos, resultaram no livro O turista aprendiz.
Cascudo já escrevia nos jornais locais sobre cultura
popular. Naquela época ele já alertava para a necessi- Militana Salustino
dade de os governantes apoiarem as manifestações Provavelmente é a maior romanceira viva do país.
tradicionais do povo. Quando começou a escrever seus Nas minhas pesquisas sobre o romance do cangaço,
livros sobre folclore, a partir de 1939, com o clássico fui para o Seridó e Alto Oeste, região onde os canga-
Vaqueiro e Cantadores, tinha um vastíssimo material ceiros andaram. Não encontrei foi nada sobre o assun-
pesquisado. Depois dessa obra veio uma enxurrada de to. Um dia, falando com ela sobre isso, ela cantou bem
livros, cada qual mais importante. É interessante notar uns dez romances para mim sobre esse ciclo. Mas ela
que o interesse de Cascudo pela cultura popular con- sabe cantar também romances ibérico, palaciano, da
solidou-se depois da visita que Mário de Andrade fez a nobreza portuguesa e espanhola, religioso e plebeu.
Natal. Mário comprometeu-se de publicar os artigos de Recentemente ela foi homenageada em São Gonçalo,
Cascudo, em São Paulo, desde que ele não escrevesse numa solenidade em que, inclusive, eu participei.
sobre literatura. "Vá para a janela da sua casa, veja o
povo passando e estude seus costumes", recomendou. Chico Santeiro
Dedicou-se à escultura em madeira, talhando
Veríssimo de Melo pequenas imagens de santo. Seu nome verdadeiro era
Discípulo de Cascudo, escreveu sobre diversos Joaquim Manoel de Oliveira. O apelido foi dado pelo
temas da cultura popular, notadamente sobre folclore doutor Paulo Viveiros, que foi praticamente o desco-
infantil e cordel. Entre livros e plaquetes, publicou bridor de Santeiro, e chegou a levar uma obra do
mais de cem trabalhos. Escreveu sobre dois grande artista, um Cristo, enorme, para o Vaticano. Deixou
poetas, Ascenço Ferreira e Jorge Fernandes. Teve o herdeiros na família: a filha Irene, que já faleceu, e o
mérito de organizar em livro as cartas trocadas entre genro José Bezerra, que deve residir hoje em Pureza.
Mário de Andrade e Câmara Cascudo.
Cornélio Campina
Gumercindo Saraiva Uma vida inteira dedicada à dança folclórica.
Ele escreveu muito sobre folclore para jornais, Começou com o São João na Roça, nas Rocas, e
mas publicou pouco. Tinha apreço especial pela músi- Deífilo com Câmara Cascudo depois, como viu que isso era pouco, fundou com os
ca, por isso entre seus livros destaca-se um sobre o amigos um grupo que dançasse durante todo o ano. O
estudo que fez das modinhas do Rio Grande do chamado Pedro Ribeiro, nas proximidades de São Pedro Araruna. É um grupo tradicional, que já representou
Norte. Antes de morrer, tinha para publicar livros do Potengi, que sabia um romance inteiro de Fabião, o Rio Grande do Norte em inúmeros festivais pelo
importantes, como um sobre provérbios, que ele um romance ótimo, sobre um cavalo, Moleque Fogoso, país. Cornélio é muito resistente. Aos 95 anos, ainda
chegou a me mostrar. Infelizmente a família não se o que é interessante porque no romance da pecuária é está no batente.
interessou pela continuação do seu trabalho. comum o poeta falar de boi - e não de cavalo.
Chico Daniel
Fabião das Queimadas Chico Antônio Um mamulengueiro espetacular. Tenho um livro
Conhecido como poeta das vaquejadas, é um dos Encantou Mário de Andrade como cantador de pronto sobre Chico Daniel e Zé Relampo. O nome do
nomes mais representativos da cultura popular norte- coco de embolada, gênero musical bastante em voga livro é "O Reino de Baltazar". É uma pena que ele
rio-grandense. Teve um padrinho fortíssimo, que foi no Nordeste na sua época. Uma vez, chamado pelo esteja deixando de contar as estórias antigas, que
Câmara Cascudo. É uma pena que Cascudo não tenha dono do engenho Bom Jardim, no município de trouxe do interior, algumas delas aprendidas com o
gravado mais romances de Fabião. Quando iniciei min- Goianinha, conheceu o escritor paulista. O encontro pai e o avô, para contar coisas mais novas, da capital,
has pesquisas sobre o romanceiro, descobri um senhor foi decisivo para o coqueiro, que foi citado nas crôni- que todo mundo conhece.
6 nós, do RN Suplemento Natal - Agosto de 2005

O amor de Câmara Cascudo pelo folclore


Carlos de Souza

A
biblioteca do jornalista Vicente Serejo, em sua
casa ao pé do Morro Branco, em Natal, tem
um recanto especial onde ele guarda toda a
produção intelectual de Luís da Câmara Cascudo, o
maior nome da cultura potiguar. É lá onde Serejo guar-
da com carinho as obras fundamentais do mestre
sobre folclore. "Você sabe que o Cascudo voltado para
o folclore guarda dentro dele uma grande discussão,
que é aquela famosa carta de Mário de Andrade (que
consta da correspondência reunida na edição da edito-
ra Itatiaia, organizada por Veríssimo de Melo, que a
classifica como uma carta terrível), é uma carta em que
Cascudo manda mais uma daquelas biografias que
marcaram sua primeira fase como escritor. E Mário de
Andrade dá uma resmungada, pedindo para ele parar
com essa história de patriotadas e biografias e deveria
abrir a porta de sua casa para ver o que estava se pas-
sando na rua".
Segundo Vicente Serejo, há quem aceite que Mário
de Andrade tenha sido o elemento disparador do
interesse do olhar de Cascudo pelo folclore e cultura
popular. "Mas há também proeminências, como
Edson Carneiro, que, ao contrário, acham que a visita
de Mário a Cascudo, em dezembro de 1928 e janeiro
de 1929, é que foi o elemento disparador do interesse Serejo acredita que a sensibilidade de Cascudo para a cultura popular já fazia parte de sua personalidade
em Mário de Andrade pela cultura popular". Quem Serejo observa que do meio para o fim da vida de Brasil, propondo um olhar sobre a literatura oral.
participa dessa tese, ainda segundo Serejo, é o crítico Cascudo, ele não é apenas um registrador de hábitos, Até então a literatura brasileira era uma manifes-
potiguar Tarcísio Gurgel. Mas o próprio Vicente de costumes, de tradições, de folguedos, de manifes- tação formal, de letrados. Depois, numa Revista
Serejo prefere o meio termo. tações populares. "Ele chega a dois momentos que Brasileira do Folclore, ele propõe a transcendência
Ele acha que a amizade de Mário de Andrade com eu consideraria fundamentais, primeiro quando ele ou o avanço do conceito de folclore para a cultura
Cascudo foi importante no despertar de seu interesse ergue um conceito nacional de literatura oral, a con- popular. Ele é quem primeiro propõe e teoriza em
pelo folclore, porque mesmo que se possa citar o texto vite de Álvaro Lins, ele escreve Literatura Oral no cima disso".
Licantropia Sertaneja, anterior a 1928, e fala sobre a
música no sertão. "E mesmo que se possa citar um ou
outro artigo de Cascudo, não há nada de relevante
antes dos anos 20, na obra de Cascudo, no campo da
D i c i o n á r i o d o Fo l c l o r e , o b r a i n s u p e r á v e l
cultura popular. O livro que lança Cascudo nacional- O nome de Câmara Cascudo se torna universal no campo dos estudos da cultura popular com a publi-
mente é chamado de Vaqueiros e Cantadores, da cação, nos anos 50, do seu Dicionário do Folclore Brasileiro, uma obra fundamental que continua servin-
Editora Globo, de Porto Alegre, de 1939. Na mesma do de base para estudos nesta área do conhecimento. "O Dicionário é uma obra insuperável. Até hoje
coleção em que Mário de Andrade lançara Namoros ninguém ousou repetir a brincadeira, porque Cascudo, à medida que ia pesquisando, fazia um fichário ma-
com a Medicina, e que deve ter influenciado de algu- nual em que ia abrindo os verbetes". Vicente Serejo diz que, quando Cascudo lançou o Dicionário, até
ma forma para a publicação do livro de Cascudo pela Aurélio Buarque andou reclamando do livro, porque ele não tem um bom índice remissivo, porque Cascudo
amizade que os dois tinham. Antes disso, o que se optou por um modelo de verbetes enciclopédicos, ou seja, ele tenta a cada verbete esgotar aquele assunto.
observa de relevante mesmo, você vai ver que é O E isso é a demonstração de uma cultura vastíssima, do grande leitor que era Cascudo.
Conde D'Eu, O Marquês de Olinda e Seu Tempo, Essa gigantesca capacidade de trabalho, aliada a um talento nato para a pesquisa e para a escritura, enche
Lopez do Paraguai, que são biografias nascidas do sen- Serejo de admiração pelo conterrâneo ilustre. "Cascudo palmilhou todos os caminhos. Uma vez, eu conver-
timento daquele professor de história do Atheneu". sando com Olavo Medeiros (que foi, depois de Cascudo, o segundo andarilho mais terrível do arquivo do
No entanto, Vicente Serejo acredita que essa sensi- Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte), ele disse que onde chegava em tudo que era
bilidade de Cascudo para a cultura popular já fazia importante - das Semarias, que conta a história da fundação do Rio Grande do Norte, para cá - encontrava
parte de sua personalidade. "No início do século, ele aquele lápis vermelho de Cascudo assinalando um trecho ou então trechos marcados com água de café, quan-
levava Fabião das Queimadas para o Palácio do do ele encontrava dificuldade de leitura. Olavo Medeiros dizia, onde cheguei encontrei Cascudo".
Governo, na época de Antônio de Souza, ruborizando Olhando para a estante onde Serejo enfileira as obras de Cascudo, o visitante pode se demorar nos
as autoridades com sua ousadia". Cascudo conhecera volumes, especialmente dedicados ao folclore e, aos poucos, ir passando a vista no restante da obra mo-
o grande cantador através de Elói de Souza e Henrique numental do mestre potiguar. "Eu tenho Cascudo completo. Quando eu digo que tenho Cascudo com-
Castriciano, que eram dois grandes nomes da cultura pleto, você sabe que isso é uma afirmação um pouco pretensiosa. Eu falo no sentido da obra funda-
potiguar. "Eu diria que a fundação de Cascudo fol- mental. Claro que eu tenho quase todas as plaquetes. Tenho todos os livros, em todas as edições, exceto
clorista conta, portanto, com elementos que enrique- O Homem Americano e Seus Temas, que eu tenho apenas a segunda edição feita pela Coleção
cem esse processo fundador dentro dele e desse olhar Mossoroense, e a primeira edição eu nunca vi, a não ser o exemplar da Biblioteca Nacional, do qual foi
sobre a rua, o homem comum, sobre o folclore. E feita essa cópia, por Sílvio Pedroza, e mandada para Mossoró".
acho que Cascudo cumpre bem toda essa trajetória".
Natal - Agosto de 2005 Suplemento nós, do RN 7

Herói da resistência cultural


Paulo Jorge Dumaresq

O
folclorista Luís da Câmara
mestre Cornélio Campina da Silva é um herói da
Cascudo. Aliás, não sem razão,
resistência cultural. Noventa e seis anos de lucidez,
Cascudo também cunhou o
o fundador da Araruna - Sociedade de Danças
epíteto de mestre para Cornélio
Antigas e Semi-Desaparecidas - vem dirigindo artistica-
Campina. Atualmente, a Araruna
mente a agremiação desde 1949 e resistindo ao massacre
dança com 24 pares, mesclando
imposto pela cultura de massa e pelos meios de comuni-
adultos e crianças. São 15
cação alienadores. Alheio aos ditames midiáticos, encontra
números (danças), sobressaindo-
na cultura de raiz o passaporte de cidadão universal.
se a própria Araruna, afora
Filho de Portalegre, cidade localizada no Alto Oeste
Besouro, Bode, Camaleão,
potiguar, Cornélio Campina, com três meses de vida, vai
Jararaca, Mazurca, Miudinho,
para Garanhuns, no Estado de Pernambuco, onde, por
Polca, Sete Rodas, Xote e Valsa,
intermédio da família, toma ciência de algumas danças
entre outras.
que, anos mais tarde, introduziria na Araruna. Antes de se
fixar definitivamente em Natal, mora também em Cada dança leva em média
cinco minutos para ser executada
Cajazeira do Rio dos Peixes, na Paraíba, e em São Miguel
"se for com acordeão". O mestre
de Pau dos Ferros e Areia Branca, no Rio Grande do
conta que aprendeu tudo com os
Norte, de onde migra para a capital em 1928, com 20
antepassados que via dançando
anos. "Eu sou entrevistado por escritores e jornalistas e
muito conhecido em Natal", orgulha-se. na pré-adolescência. "Eu não
tenho leitura, mas sou muito
As raízes da Araruna datam de 1949, no "São João na
inteligente. Graças à minha Metre Cornélio Campina: fundador do Grupo de Dança Araruna
Roça", tradicional quadrilha do bairro das Rocas. Mestre
inteligência é que eu cheguei
Cornélio reúne um grupo de pessoas e começa a repassar
aonde cheguei", gaba-se.
as danças tradicionais que via os familiares apresentarem difíceis de se encontrar, reservando-se a apresentações for-
e que foram incorporadas aos costumes e hábitos do tuitas e a eventos comemorativos. Muitas são as causas
povo brasileiro, contribuindo para a formação da cultura Autos e Danças Populares para a quase extinção das manifestações folclóricas. A tele-
nacional. Alguém já manifestou sabiamente que o patrimônio visão e o cinema têm ocupado cada vez mais espaço na
Em 1956, a sociedade Araruna é fundada oficialmente,
de um povo é a sua cultura. Pela riqueza cultural, o Rio formação cultural da população e as danças típicas, por
sendo a única no Rio Grande do Norte com estatuto e
Grande do Norte não deixa nada a dever aos demais esta- exemplo, perdem espaço para as mais modernas.
sede própria inaugurada em 1962 e localizada na rua
dos nordestinos quando o assunto é folclore. No torrão As manifestações folclóricas no Rio Grande do Norte
Miramar, 173, nas Rocas. Mesmo com a marca da tradição
de Luís da Câmara Cascudo, Autos Populares e Danças podem ser classificadas em dois grupos. O primeiro é o
popular, vem enfrentando dificuldades para manter-se
Folclóricas fazem parte do patrimônio imaterial desde o dos Autos Populares, misto de dança e espetáculo teatral
viva e atuante. Sem receber verba oficial, a Araruna sus-
início da colonização. O Coco, o Boi-de-Reis, a em que há um fulcro dramático central que caracteriza
tenta-se hoje das apresentações que faz na capital e no
Embolada, o Presépio e o Fandango são algumas das ricas cada um. Os maiores exemplos de Autos encontrados no
interior do Estado. Cornélio Campina informa que no iní-
manifestações da nossa cultura popular. Estado são o Fandango, a Chegança e o Boi. Nos dois
cio ainda vinham recursos federais para custear as despe-
Comuns no século XIX e na primeira metade do sécu- primeiros, o Auto tem inspiração marítima e é encenado
sas com os figurinos, por exemplo. Hoje em dia nem isso.
lo XX, atualmente andando no fio da navalha, em situação com os participantes vestidos de marinheiros, sendo que
Frise-se que o nome Araruna foi sugestão do escritor e
de risco, essas formas de expressão estão cada vez mais no Fandango são celebradas as conquistas marítimas, e na
Chegança há a encenação de uma luta entre cristãos e
mouros. Já o Boi, seja Bumba-Meu-Boi, Boi-de-Reis ou
Boi-Calemba, é uma das principais e das mais famosas fes-
tas folclóricas populares do Brasil, sendo o foco da drama-
tização a história da morte e ressurreição de um boi, o per-
sonagem principal da trama.
O segundo grupo é composto por Danças Folclóricas
puras, sem qualquer dramatização. As mais famosas no
Estado são os Cocos, os Bambelôs, a Bandeirinha e a
Capelinha-de-Melão. Estas duas últimas são características
das festividades juninas. Os Cocos e os Bambelôs são
danças típicas de roda. A grande diferença dos Autos é
que não há caracterização e todos podem participar. Hoje
ainda há apresentações folclóricas em festivais e eventos
culturais em Natal e em cidades do interior do Estado.
Os principais Autos do Estado são o Boi-de-Reis, o
Boi-Calemba, o Fandango, a Lapinha, o Pastoril, os
Congos e os Caboclinhos. As danças são muitas e vari-
adas, destacando-se Araruna, Bandeirinha, Capelinha-de-
Melão, Coco de Embolada, Coco-de-Zambê, Maneiro-
Grupo Araruna, com sede nas Rocas, conta com 24 pares entre adultos e crianças Pau e a dança do Espontão. (PJD)
8 nós, do RN Suplemento Natal - Agosto de 2005

do João
Ilustração: Emanoel Amaral

A magia
eterna
Redondo
Anchieta Fernandes de uma empanada ou tolda. Antigamente, acompanhando o ingrisia" (briga), que tenta tomar a noiva de Baltazar; soldado

T
apresentador, fazendo a ilustração musical do espetáculo, Zé Galo, que briga e prende Benedito; padre João - Sem
eatro de bonecos", "mamulengo", "João Redondo", havia um conjunto musical. Mais recentemente - conforme Cuidado, que ensina Benedito a rezar; Minervina de Amorais,
"babau", "Benedito" - são muitas as denominações escreveu Franco Maria Jasiello (v. nª 08, Ano 01, janeiro 2000, dançarina e esposa do Capitão João Redondo.
brasileiras para um tipo de teatro que, vindo da pro- de um dos fascículos "Galante" editado por Scriptorin Segundo Deífilo Gurgel registra em seu livro, "a mais antiga
fundidade dos tempos, atravessou geografias e gerações, e se Candinha Bezerra e Fundação Hélio Galvão) - "os grandes pesquisa realizada sobre o teatro de bonecos do Nordeste é a de
afirmou no Nordeste - na região, encantando tanto crianças mamulengueiros do Rio Grande do Norte, que se apresen- José Bezerra Gomes".Quando ele esteve dirigindo o
quanto adultos: o teatro de fantoches, onde bonecos de tam atrás da "torda" (tolda), palavra que indica a empanada, Departamento Cultural da Secretaria de Educação de Currais
madeira se tornam personagens vivos, manipulados por em geral não se utilizam mais da orquestra, formada, quase Novos, "seu Gomes" (como Deífilo o tratava familiarmente)
hábeis praticantes da representação. sempre, de sanfona, triângulo e zabumba. Utilizam fundos começou um trabalho da maior significação, documentando o
Em seu livro "Espaço e Tempo do Folclore Potiguar" musicais provenientes de fitas 'cassete'. Os familiares (filhos, espetáculo do mamulengueiro Bastos (Sebastião Severino
(FUNCART/PROFINC, 1999), Deífilo Gurgel, com sobrinhos), que acompanhavam os calungueiros para animar Dantas). Informa Deífilo que, inicialmente, esse trabalho foi apre-
erudição didática admirável, dedica 15 páginas (abrangen- o 'baile' dos bonecos, já não se dispõem a brincar.". sentado em forma de tese no I Congresso Brasileiro de Folclore,
do texto e ilustrações fotográficas) ao chamado "brinque- Em seu "Dicionário do Folclore Brasileiro" (várias acontecido no Rio de Janeiro, de 22 a 31 de Agosto de 1951.
do do João Redondo". Segundo Deífilo, "o teatro de edições, por várias editoras), Luis da Câmara Cascudo, falan- A tese de José Bezerra Gomes foi publicada, com o
bonecos começou a existir nas mais remotas civilizações, do sobre este tipo de espetáculo no verbete "mamulengo", título "Teatro de João Redondo", pela Fundação José
na Ásia, e de lá teria emigrado para a Europa, através da informa que o povo aplaudia e se deleitava com a distração Augusto, em 1975, e lançada durante a III Festa do Folclore
Turquia, mas, nessa migração, o que era pobre e rústico, do mamulengo, "recompensando seus autores com pequenas Brasileiro, promovida em Natal pela Campanha de Defesa
passou por um verdadeiro processo de ascensão cultural e dádivas pecuniárias".Nos últimos anos do século 20, os do Folclore Brasileiro. E Deífilo complementa sua opinião
transformou-se depois, na Europa, numas artes altamente mamulengueiros do Rio Grande do Norte receberam algum sobre o pioneirismo de José Bezerra Gomes dizendo que,
refinadas, que os soberanos não dispensavam em seus tipo de ajuda oficial, quando a Fundação José Augusto, a par- somente a partir de 1960 - portanto após dez anos da apre-
palácios, nas horas de lazer, pois os bonecos, movidos a c tir de 1976, "passou a realizar anualmente, no segundo semes- sentação da tese de José Bezerra Gomes no Rio de Janeiro
ordéis, eram de uma perfeição admirável. tre de cada ano, um Encontro de Mamulengos do Nordeste" - começaram a aparecer os trabalhos de Altimar Pimentel,
Da Europa, ele teria emigrado para o Brasil, com os (v. livro de Deífilo Gurgel, "Espaço e Tempo do Folclore Hermilo Borba Filho e outros sobre o teatro de mamulen-
primeiros povoadores e, fato curioso, reassumiria no Potiguar"). No auge do seu sucesso, o espetáculo do mamu- gos ou João Redondo.
Nordeste brasileiro, sua antiga ªcondição de teatro pop- lengo comunicava bastante com público de todas as idades. No contexto da arte do teatro, o mamulengo é (ou foi, se
ular, desta vez, num processo de descensão cultural, de Havia diálogos, as pessoas que assistiam davam palpites, zom- a burrice tecnológica conseguir faze-lo esquecido, embora
retorno às origens. bavam e xingavam dos personagens ridículos ou malvados. uma esperança de permanência esteja no Museu do
Em Pernambuco, o teatro de bonecos denomina-se Mamulengo, inaugurado em Recife, em 1944, como o único
Mamulengo, enquanto no Rio Grande do Norte e Paraíba é Nomes e características museu de mamulengo da América Latina, possuindo 1200
conhecido por João Redondo, sendo que, neste último narrativas dos personagens peças) uma de suas vertentes mais criativas. Embora produzi-
Estado, o brinquedo também é chamado de Babau. O nome "João Redondo", com que o espetáculo é da por gente simples, pequenos agricultores, carroceiros,
Hermilo Borba Filho, escritor pernambucano, num livro geralmente denominado no Rio Grande do Norte, refere- marceneiros - demonstram o talento inesgotável do povo. Em
intitulado Fisionomia e Espírito do Mamulengo, registra que se "a uma coleção de bonecos que certo escravo fizera, seu livro, Deífilo dá resumos biográficos de alguns dos mais
as primeiras notícias sobre o João Redondo nordestino para divertir os companheiros, no meio do qual se desta- importantes praticantes do mamulengo em nosso Estado
foram publicadas no "Jornal do Recife", em 1896. O cava um boneco gordinho e arredondado, imitando o (Deífilo os chama às vezes "calungueiros"): Chico Daniel
romancista potiguar José Bezerra Gomes, porém, em trabal- dono da fazenda, boneco que passou a se chamar Capitão (talvez o melhor), Zé Relampo (de uma família de praticantes
ho intitulado Teatro de João Redondo, antecede essa infor- João Redondo e a dar nome a toda a brincadeira".(v. livro do mamulengos onde se destacaram ele, Miguel Relampo e
mação para 1810, baseado no livro de Henry Koster Viagens "Espaço e Tempo do Folclore Potiguar"). Antonio Relampo), Antônio Davi de Queiroz (apelidado
ao Nordeste do Brasil, segundo o qual àquela época, o Em um trabalho sobre um dos mais lembrados mamu- Rato) e João Constantino Dantas (apelidado "Queixo de
mamulengo já estaria presente nas noites recifenses."". lengueiros do Rio Grande do Norte, Miguel Relampo, e pub- Aço"), além de mais alguns como Chico Rosa, Joaquim
As peças são representadas, com o apresentador manip- licado no nº 01 (junho/1979) da "Revista Norte-Rio- Cardoso, Antônio Gordo, Bilino, Josivan Ângelo da Costa
ulando os bonecos usando 3 dedos (o médio, o indicador e Grandense de Folclore", Iramar Araújo, além de mencionar o (filho de Chico Daniel), José Erivan de Assis (filho de Zé
o polegar) para assim dar movimento à cabeça, pernas e Capitão João Redondo como um dos personagens do Relampo) e José Rosa do Nascimento.
braços. Concomitantemente, o apresentador deve ter a espetáculo de Miguel Relampo, menciona outros que são sím- Assim, é o universo da velha arte que os romanos
habilidade de mudar de voz, para dar o tom da fala de cada bolos narrativos marcantes deste tipo de espetáculo: Baltazar, chamavam neuro-spata, e que no cinema recebeu os toques
um dos personagens. Os bonecos são mostrados por cima vaqueiro do Capitão João Redondo; Benedito, "sujeito da poéticos das marionetes do tcheco Jiri Trnka.
Natal - Agosto de 2005 Suplemento nós, do RN 9

Q
Sabedoria popular nas folhas de Cordel uando o folclorista Gutenberg Costa
era menino, costumava percorrer as
feira. A casa era de Seu Antônio Emídio, e depois
de seu falecimento ficou para Dona Amélia, a
que procurar os familiares dos cordelistas que já
faleceram para apurar as informações biográfi-
feiras livres de Natal para apreciar os viúva. Ficou vendendo até, mais ou menos, o iní- cas de cada um e coletar a produção dos
declamadores de cordel. Para o menino, era cio dos anos 80. Depois a casa foi demolida e pesquisados. "Muitos parentes não tinham nada
uma emoção sempre renovada ouvir aquelas hoje não se tem conhecimento disso. "A gente da produção de alguns cordelistas. Eu tive que
histórias cheias de aventuras que o cordelista ia encontrava os cordéis também em todas as feiras, percorrer algumas cidades, alguns estados, para
narrando, até que parava num ponto crucial da mercados, etc. E aí eu comecei a fazer uma ver se eu encontrava alguns folhetos". Sua
trama e começava a vender sua obra ou a de pesquisa, sem muita pretensão, nem sonhando busca envolveu os estados da Paraíba, Ceará e
outros. Foi assim que Gutenberg Costa ainda em publicar um trabalho, porque poderia Pernambuco. "No Mercado São José, em
começou a colecionar aqueles livrinhos de papel ser até que alguém com mais recursos, condições Recife, encontrei folhetos de poetas norte-rio-
barato que eram vendidos nas feiras. Hoje, na financeiras ou com o apoio de uma instituição, grandenses". E chegou até a fazer uma viagem
idade adulta, ele exibe com orgulho o seu uma universidade, publicasse antes que eu. Mas ao Rio de Janeiro para visitar bibliotecas e
Dicionário de Poetas Cordelistas do Rio eu disse, vou fazer minha parte, e saí adquirindo coleções particulares. "Essa pesquisa foi comu-
Grande do Norte, uma obra que serve de refer- mais folhetos, entrevistando pessoas, fotografan- nicada a Veríssimo de Melo e ele disse a mim
ência para todos os pesquisadores desta área do do, visitando as feiras, perguntando sobre a pro- que era um trabalho bom, porque ninguém
conhecimento. dução de cordel". ainda havia se preocupado com isso. Ele me
O mais interessante é que Gutenberg Costa Nessas visitas aos locais desta pesquisa que disse que, se eu conseguisse, seria um herói. De
certa forma ele me ajudou, me indi-
cou bibliografia, teceu alguns
comentários, me mostrou folhetos,
tanto de sua coleção quanto da
UFRN".

Convite para
divulgar cordel na França
O trabalho rendeu frutos.
Recentemente, Gutenberg Costa foi
convidado pela Universidade
Federal da Paraíba para, em setem-
bro, fazer parte de um Encontro
Internacional de Cordel, que será
realizado em João Pessoa. Através
da UFPB, ele também recebeu o
convite para ir até Portier, uma
cidade vizinha à Paris, na França
para dar uma conferência sobre a
literatura de cordel. "Nós temos
uma memória viva do cordel, que é
José Saldanha, que está com 85
anos, produzindo quase que diaria-
mente. Ele reside em Candelária, é
de Santana do Matos, e já reside há
uns 20 anos aqui em Natal. Nós
Gutenberg Costa: pesquisa árdua, em vários estados, para escrever Dicionário de Poetas Cordelistas temos nomes conhecidíssimos no
cordel, como por exemplo Crispiniano
realizou todo este trabalho sozinho, sem qual- se iniciou no final dos anos 70, Gutenberg Costa Neto, é um nome conhecido no Brasil, com cen-
quer ajuda de instituições públicas nem qualquer percebeu que houve uma certa decadência do tenas de folhetos publicados, ele é de Santo
contato com a pesquisa acadêmica, realizada nas cordel. As vendas caíram muito. "Ainda peguei Antônio do Salto da Onça, mas mora em
universidades. "O meu interesse pela literatura de vendedores na Rodoviária Velha, da Ribeira, em Mossoró; nós temos Chico Traíra, que é um
cordel começou desde criança e na minha porta. uma época que eles vendiam bastante para o grande nome de nosso cordel; temos Zé
Eu tive privilégio de nascer e me criar perto de pessoal que pegava os ônibus ali. Encontrei tam- Milanês, que é um grande nome também, de
uma feira, a Feira do Alecrim. Ao abrir a porta de bém muitos vendedores na Cidade Alta, no Currais Novos. Encontrei poetas em Areia
minha casa, em dia de sábado, eu encontrava um Alecrim, com suas banquinhas, quase todos os Branca e em quase todas as cidades do Rio
dos maiores espetáculos que até hoje ainda está bairros tinham vendedores de folhetos. A pro- Grande do Norte".
na minha memória, que eram os vendedores de dução era extensa. Muitos deles até viviam das A maioria desses poetas, em algum momento
folhetos, com dezenas de pessoas ao seu redor e vendas dos folhetos, viajando pelas feiras do de suas vidas, chegou a viver exclusivamente da
ele declamando aquelas histórias, aquelas lutas, interior". Chegou ao ponto de ter amizade com produção de folhetos de cordel. "Hoje está mais
romances... Enfim, um trabalho até teatral, muitos deles. Até uma mala daquelas onde os difícil, mas tem alguns que vendem, tanto suas pro-
porque envolvia toda uma dicção, toda uma ges- cordelistas vendiam seus folhetos, Gutenberg duções, quanto a dos outros. Por exemplo, eu
ticulação para prender os compradores". Costa guarda uma em casa, presente de um estive em Mossoró, recentemente, e encontrei Luís
Ao longo do tempo, Gutenberg Costa foi amigo cordelista, Francisco Galego, quando Antônio com uma bolsa a tiracolo (já não é mais
adquirindo seus folhetos. Ele começou compran- decidiu parar de vender cordel porque con- com a velha maleta nem com aquela exposição que
do na primeira loja, talvez a casa mais antiga que seguira se aposentar. faziam nas feiras), mas ele anda com a bolsa rec-
vendia folhetos em Natal. Ficava na Avenida 9, a Segundo Gutenberg Costa, a pesquisa que heada de folhetos, vendendo a um real cada um, e
Avenida Coronel Estevão, no Alecrim, próxima à resultou no Dicionário foi muito árdua. Ele teve é seu meio de sobrevivência". (C.S)
10 nós, do RN Suplemento Natal - Agosto de 2005

A Cantoria de V iola no RN
* Crispiniano Neto

Q uando se fala em folclore nesta terra de Câmara


Cascudo, vem à mente a cantoria de viola nos
pés de parede das salas de reboco ou taipa do
sertão imenso. Também se visualiza nas paredes da
memória, os folhetos de Literatura de Cordel cantados
tível sextilha para esquentar o baião, seguida de motes
de sete e dez sílabas, moirões, quadrões, sete linhas,
gemedeiras, martelos, galopes e estilos de fantasia
como o Gabinete, o Brasil Caboclo, o Brasil de Pai
Tomaz, Treze por doze, Coqueiro-da-Bahia e tantos
no Ceará. Tivemos Nestor Marinho, de Santo Antonio
(do Salto da Onça) e que não teve a sorte da divulgação
que foi dada ao conterrâneo escultor Xico Santeiro. Zé
Saldanha de Currais Novos brilhava no Seridó, que
naqueles tempos era "muito longe" do Agreste, Chico
em rodas de feiras com boquinhas de som à bateria mais que o espaço não nos permite descrever a estru- Traíra no Vale do Açu e Chico Pedra, de Jardim de
transmitindo vozes potentes e anasaladas de folheteiros tura poética de cada um. Piranhas foi para o Oeste, para ter Mossoró como base.
com microfones enrolados no pescoço. Auscultam-se A cantoria veio do hinterland, assim como a coloniza- O mesmo fez Manuel Calixto nascido em Upanema.
os emboladores de coco no meio das feiras batendo o ção, que chegou ao Rio Grande do Norte por dentro, Nestes tempos tivemos Eliseu Ventania de Martins e
pandeiro, sucessor do ganzá e improvisando em ritmo através dos rios Espinharas e Açu caminhando no coice do João Liberalino de Patu, que ganharam notoriedade
alucinante versos de gracejo ou de reflexão. boi que sustentava o sucesso da Capitania de Pernambuco. pelas ondas do rádio, em Mossoró.
Este é o universo da poesia Popular Nordestina, O som da viola acompanhava o aboio e quando folgavam, Colada nesta geração veio a de Luiz Campos de
que ainda agrega os aboios, as "incelenças", as cantigas os vaqueiros entravam noutra "função", a de cantar e os Mossoró, Chico Mota de Caicó, Antonio Nunes de
de cego, as rodas de glosas, as loas, adivinhações, ben- males espantar. Provada a força e habilidade física, era hora França de Alexandria, José
ditos e até pulhas e tantas outras formas de dizer em da queda-de-braço mental. Cardoso de Encanto e o
versos tudo o que se quer comunicar. imbatível Severino Ferreira,
É natural que a poesia de Touros, além de Onésimo
exerça forte presença Maia de Mossoró, um dos
numa região que foi mais ágeis poetas que já con-
colonizada a casco de heci.
cavalo, pois todas as A geração atual tem
pecuárias são natural- nomes de grande expressão
mente cantantes. nacional, todos atuando nos
Nenhuma delas, porém, grandes festivais do
tem sido tão fértil em Nordeste e duplando com
poesia, como o os geniais Ivanildo Vila
Nordeste. Nova, os irmãos Bandeiras,
Dizem paulistas e car- os Nonatos, Oliveira de
iocas que nós, nordesti- Panelas, João Paraibano e
nos falamos cantando. outros do que eles mes-
Eles não entendem que na mos resolveram chamar
verdade temos a cultura da de "1º. Escalão". São eles,
métrica no subconsciente Antonio Lisboa de
e quase sempre construí- Marcelino Vieira hoje
mos frases rigorosamente atuando em Recife,
no metro poético. Outra Sebastião Dias de Ouro
força que nos impulsiona é Branco baseado em
aquilo que Cascudo chama- Itapetim, Francisco
va de memória mnemônica, Diassis, de Pau dos
aquele registro mental que é Ferros que fez nome em
feito por exercícios de Brasília, Edísio Calixto
repetição que nos acompan- de Mossoró e José Gomes de
ham desde as brincadeiras Pilões, radicados na Tromba do Elefante e José Ribamar
infantis. Na cultura de uma Paraíba, Ceará e Pernambuco de Caraúbas que atua em Mossoró. Raulino da Silva de
região de maioria iletrada, a sempre tiveram seus cantadores e cordelistas bem mais Antonio Martins hoje brilha em Pernambuco e José
memorização foi e continua sendo fundamental na divulgados que os potiguares, mas isso apenas repete Luiz, de Santo Antonio (Salto da Onça) não continua
comunicação e na transmissão do saber entre as ger- nossos artistas em geral. Nos estados vizinhos quem destacado como um dos cinco maiores, porque trocou a
ações. E a poesia se torna uma ferramenta fundamen- cresce puxa os conterrâneos pela mão. Entre nós, não viola pelo bacharelado em Direito, sendo hoje um
tal. conhecemos esta prática. Mas é justo que se registre respeitado advogado em Mossoró.
A cantoria de viola, com a estrutura de espetáculo que temos alguns dos maiores cantadores repentistas Numa próxima oportunidade poderemos mostrar
que temos hoje, nasceu por volta da década de 40 do do Nordeste. A começar por Fabião das Queimadas, o versos destes poetas. São produções maravilhosas e, se
século XIX, na Serra do Teixeira, na Paraíba. que primeiro se projetou, dada a força da sua poesia o "Nós, do RN" garantir este espaço iremos dividir
A arte de improvisar versos ao som da viola, tomou tocada a rabeca e da sua causa, que era de libertação com os leitores os gigantescos versos destas feras que,
forma e criou estilo com Ugolino do Sabugi, Caluete, por força do canto. Nas décadas de 1920 e 1930 tive- feitos no calor do improviso, se perpetuaram na
Romano da Mãe D'água e tantos outros que trasnfor- mos a projeção dada ao embolador de coco, Chico memória do nosso povo, correndo todo o Nordeste e
maram o hábito de cantar romances decorados, no Antonio de Pedro Velho, milagrosamente descoberto passando de geração a geração.
versejar improvisado com amarrações semi-clássicas de por Mário de Andrade.
rima, métrica, oração, ritmo e melodia, iniciando-se Nos meados do século XX tivemos o excelente * É poeta popular, agrônomo, bacharel em Direito e jornal-
com a Quadra e passando aos estilos mais complexos Hercílio Pinheiro de Luiz Gomes, com passagem por ista provisionado. Atualmente trabalha como Chefe de gabinete
que hoje somam mais de cinqüenta. Temos a indefec- Mossoró e que foi fazer carreira no Vale do Jaguaribe, da secretaria de Saúde do RN
Natal - Agosto de 2005 Suplemento nós, do RN 11

Poesia e arte popular do Vale do Assu


Reconhecimento veio
no programa do Jô
Uma carta escrita para a produção do
Programa do Jô, na Rede Globo, mudou sua
vida. "Escrevi em novembro do ano passa-
do. Com sinceridade e sem modéstia falei
das minhas dificuldades e da entrevista que
poderia ser feita sobre minhas poesias e cau-
sos matutos", conta. Então, em abril de
2005, o programa lhe fez o convite e no dia
18 do mesmo mês a entrevista foi gravada. A
mesma só foi exibida no dia 30, porque de
tão boa e engraçada foi selecionada para
compor as festividades dos 40 anos da Rede
Globo.
A partir daí, inúmeros convites para apre-
sentações em todo o Brasil surgiram. A
notoriedade adquirida pela divertida conver-
sa com Jô Soares viabilizou o projeto "Arte
Paulo Varela: aprendeu a gostar de poesia regional com Patativa do Assaré
em toda parte", que reúne emboladores de
Carla Xavier coco, poetas, repentistas, músicos, artistas

N
os primeiros cinqüenta anos do século passado, o município de Assu se consagrou como "terra plásticos, capoeristas, atores e demais artistas
dos poetas". Já na metade seguinte, a produção literária foi escasseando por falta principalmente do Vale do Açu no mesmo propósito: res-
de incentivos. É que nesse período, em 1964, explodia como bomba no país a ditadura militar. A
classe artística sofria todo tipo de repressão e, em meio a tamanho reboliço, nascia Paulo Sérgio Varela de gatar a cultura popular. O grupo se apresen-
Morais, o "poeta gago", como gosta de ser chamado, conterrâneo de vates, bardos e menestréis do naipe ta para empresas que contratam o espetácu-
de Renato Caldas, Moisés Session e Celso da Silveira, de quem, aliás, herdou a veia poética.
lo.
Precoce, o menino franzino de mente privilegiada e criativa começou a escrever poemas aos dez anos,
destacando-se entre os alunos de sua sala de aula. Mais novo entre os 22 irmãos, filhos de Joana Varela de Mesmo assim, depois de tanta história vivi-
Melo e Domingos Canuto de Morais, casou onze vezes, mas só teve quatro filhos. Prolífero mesmo foi na da e inventada no município de Assu, o poeta
arte: escreveu cerca de 1.600 poemas. Aos 41 anos, sua vasta produção literária compreende a publicação de
oito livretos de cordéis (tem cerca de outros 38 escritos) e quatro livros finalizados aguardando edição. gago está de mudança para a capital potiguar.
Ainda na adolescência o poeta começou a trabalhar em uma empresa de telecomunicações, per- "Vou embora da minha cidade com o coração
manecendo no ofício por 25 anos. Transferido no final da década de 80 pela empresa para o Ceará, onde partido, mas a falta de oportunidades me leva
morou por nove anos, sendo dois no Crato, pôde felizmente nessa época se dedicar ao cultivo das palavras.
Escrevendo crônicas para jornais, teve a oportunidade de conhecer o poeta Antônio Gonçalves da Silva, para Natal. Aqui não temos um teatro, um
conhecido em todo o Brasil como "Patativa do Assaré". Nesse capítulo da sua história, o poeta assuense cinema, uma biblioteca ou um ginásio polies-
se derrete. "Ele é o mestre do diálogo e me ensinou a gostar de poesia regional". portivo, apesar de o governo estadual estar
Juntos, mestre e discípulo desenvolveram alguns projetos na Academia de Poetas Cordelistas do Crato,
quando Varela publicou seu primeiro cordel, intitulado "Rota de Peão". Segundo ele, a partir daí as portas olhando para a cultura regional".
se abriram para ele. Hoje, é o único assuense vivo a fazer parte do Dicionário dos Poetas Cordelistas do Rio Confessa, porém, seu amor por Assu. Um
Grande do Norte. Desde que voltou para sua terra natal, Paulo Varela se dedica exclusivamente a sua arte.
É também desenhista, escritor, contador de causos, artista plástico e escultor, com vários trabalhos de seus mais recentes trabalhos foi na repre-
espalhados pelo Estado e pelo país. O título de compositor também faz parte do seu currículo. Em sentação do "Auto de São João Batista". O
Aracaju, no ano de 1999, gravou um CD com 11 faixas de música regional. "Lendas de um Cantador" o texto e as músicas de sua autoria ajudaram a
fez participar do festival Canta Nordeste, terminando com uma composição selecionada para fazer parte
do CD do concurso. compor o espetáculo, que relembrou a
O artista assuense também gravou três CDs de causos matutos: Remédio pra Subir Pau, Pedido de história do padroeiro de Assu e comemorou
Vaqueiro e Assu de Telhas e Poesias. Conta que recebeu solicitação para comercializar seus CDs para as festividades juninas no Vale do Açu.
Portugal, Estados Unidos, Costa Rica e África.
12 nós, do RN Suplemento Natal - Agosto de 2005

Gotardo Neto
entoadas pelos partidários do cordão encarnado,
representado pelo seu ardoroso defensor, Ferreira
Itajubá, em contrapartida ao cordão azul, apoiado
pelos versos do sonetista Gothardo Neto. Os dois,

e Itajubá, cada um defendendo seu cordão, distribuíram versos


folclóricos que fizeram época.
Ferreira Itajubá, em razão de seu talento pessoal
de improvisador de versos, ganhava sempre nessa

os reis das Lapinhas


disputa, porque Gothardo Neto, emérito burilador
de sonetos bem trabalhados e rimados, não possuía
aquela habilidade espontânea de fabricar improvisos.
E seus versos, depois de escritos, eram declamados
Carlos Morais por pessoas com vocação de ledor de versos.

A
dorminhoquenta Natal embalava-se em um Itajubá não escondia sua paixão pelo carnaval e
esparramado lirismo cotidiano, durante as pelas nossas lapinhas, em pré-natalina. Partidário
despedidas do século XIX, que minguava, e exaltado do cordão encarnado, compenetrava-se
no alvorecer de uma nova era. Dois legítimos poetas nessas disputas bélico-musicais, daí porque, mesmo
norte-rio-grandenses marcaram época, naqueles sem dinheiro, fazia valer a fulgência de sua oratória,
bonançosos tempos perfumados, em que as pessoas que se transmutava em ouro, influenciando, no entu-
siasmo e no bolso dos militantes encarnadistas, que Gothardo Neto
atravessavam as ruas silenciosas, aspirando o doce
aroma das noites tropicais enluaradas, com fragrân- se esbaldavam em aplausos e gritaria ruidosa de estí- mente,
cia de jasmins, os únicos responsáveis, então, pela mulos: "Deus não azulou, encarnou", vibravam Os poetas escondem segredos e desejos num
"poluição aromática" dos ares de Natal. A rapaziada, eufóricos. desvão da algibeira do coração. E, por geração
em sua maioria, inclinava-se à poesia popular e fol- O encarnado, debaixo de uma tempestade de espontâneo-amorosa, deu à luz à sua Branca, alum-
clórica, aliando-se aos seresteiros incorrigíveis, que aplausos ensurdecedores e da enchente de palmas, bramento visão que preencheu suas noites solitárias,
musicavam seus poemas, versos e sonetos. sempre vencia. de finais de boemia itinerante pelas ruas de Natal.
Despertavam, gostosamente, sua primeira Nas noitadas das Lapinhas de Zé da Bica, Parrudo, A musa de Gothardo, enamorou-se do
namorada, com suas serenatas eruditas, transfor- das Rocas, os partidários dos dois cordões, entre os patrimônio poético do companheiro, com quem
mando em folclore versos de Ferreira Itajubá e quais se destacavam João Estevão, Gothardo Neto, dividiu parte de sua vida boêmia, ela, tocando violão,
Gotardo Neto, os dois jovens poetas, além do Francisco Bulhões, Evaristo de Souza, que criavam e ele, compondo versos em sua homenagem,
cacique poético da aldeia, o quase octogenário, um estado de espírito bélico-festivo, influindo, decisi- chamando-o de "José" e sabedora de todos os sone-
Segundo Wanderley. As prendadas mocinhas suspi- vamente, para o clima entusiasmante dos festejos. tos dedicados a ela. Gothardo só queria viver nos
ravam de desejos e paixões, acordando precoce- Gotardo jamais descartava esse passado da braços de Maria, chegando mesmo a prejudicar seu
mente para os sonhos de amor, já pisando nos cidade provinciana. Não havia uma véspera de Natal, trabalho de secretário, na Capitania dos Portos, e na
astros, distraídas. A magia da poesia modulava aque- que não despontasse uma crônica de Gothardo Gazeta do Comércio. Um dia, recebeu a triste notí-
le dom encantatório indefinível. Neto, lamentando a ausência das lapinhas, nos pas- cia: Maria desapareceu como fumaça (forçada pela
Os nossos dois poetas tornaram-se, naqueles toris em que, juntamente com Itajubá, batiam-se em família do poeta). Gothardo transformou esse desa-
tempos, os mais destacados pregoeiros dos folgue- versos improvisados, sendo os gotardianos recitados parecimento numa paixão mórbida, nunca mais
dos populares, especialmente quando se aproxi- por terceiros. escreveu sonetos de amor, passando a existir na
mavam os festejos natalinos, época em que se trans- Suas crônicas, sempre escritas na redação da condição de pseudônimos. E definhou, consumido
formavam em apaixonados das nossas Lapinhas. "Gazeta do Comércio", com um charuto de vinte pela bebida e pelo vazio existencial de sua grande
Companheiros inseparáveis dos bailes pastoris, os réis aos lábios, babando de saliva, soltada em copiosa paixão.
dois poetas duelavam, em batalhas de improvisos quantidade, em redor de si próprio. Daí que, quando Itajubá, de sua parte, chegou mesmo a aban-
músico-recitativos daqueles cantos, louvações terminava sua página evocativa, sempre escrita em donar sua Branca, quando viajou, sozinho, em uma
cores vivas e marcantes, o poeta ficava ilhado em um aventura pela Amazônia, mas não esqueceu de
encharcado poço de saliva, espetáculo que causava recomendar à sua mãe, que cuidasse daquela "órfã
enorme revolta no major Augusto Leite, bem com- de pai"- até o seu regresso da purgação do exílio. E
posto educado major Augusto Leite, o proprietário até se despediu, com uma lembrança daquele "Teu
da tipografia que imprimia aquele jornal. vestido roxo, as dobras ondulantes", não esquecen-
Os dois poetas, portanto, nos ringues dos pas- do de recomendar: "Não te esqueças jamais de
toris, desembolsavam também sua economias, pre- amparar o magoado/ Coração que inda está sem
senteando as mestras e contramestras. E queixava-se, nódoa de pecado".
ainda em suas crônicas do desaparecimento dos Quando o poeta volta da Amazônia, uma surpre-
botequins, montados em palhas de coqueiros, nos sa desagradável estragou sua alegria.Vibrante de feli-
quais os meninos de seu tempo bebiam gengibirra cidade pela volta e pela perspectiva do reencontro
(jinjibirra), capilé, comiam doce seco e alfenim. com a amada. Banca morrera. Escreve, então, inspi-
radamente, seu último poema, em doloroso transe
Duas paixões mirabolantes poético ("A tua vez chegou, saudade que mur-
Os dois poetas, cada uma à sua maneira, também chaste"/ Nunca mais de verei por tardes luminosas").
rivalizaram, em vida, duas paixões mirabolantes. Mas não esmoreceu e seguiu na sua trajetória de
Gothardo Neto cativou uma paixão palpável, volup- saltimbanco da vida, artista dos arames dos circos e
tuosa, entregando-se a Maria, uma mulata bonita e dos carnavais. Enfim, um passageiro de euforia e da
sestrosa, um poema de carne. Alguns poetas pare- alegria. Mas que iria morrer, no Rio, quase abandon-
cem que escondem segredos e acalentam desejos ado, se não fosse trazido por Henrique Castriciano,
num desvão da algibeira do coração. Itajubá, assim, que também lhe editaria o livro "Terra Natal",
Ferreira Itajuba mais platônico, viveu sua grande paixão, fingida- guardaria seu ossos, que teriam um final antológico.
Natal - Agosto de 2005 Suplemento nós, do RN 13

Medicina do povo
e para o povo
A
fórmula para o furúnculo estourar por si só é sim- acesso à medicina alopática e nem à farmácia. Tem que
ples: colocar no "olho" da cabeça-de-prego, um procurar no mato a cura de suas doenças", reforça.
emplastro feito com o couro do bacalhau, cru. Esta Conforme Iaperi Araújo, na maioria das vezes dá para
é apenas uma dentre as dezenas de receitas da farmacopéia identificar qual etnia é responsável por determinada
popular nordestina. Surgida em tempos imemoriais, a me- tradição. O indígena, por exemplo, tinha predileção pelas
dicina popular ou rústica é a utilização pelo povo de drogas, plantas e conhecia bem o uso delas. Com o português
substâncias, gestos ou palavras para obter alívio ou resta- vieram os físicos de Lisboa, a homeopatia, as pérolas e os
belecer a saúde dos doentes. Não é apenas uma coleção de rudimentos da química para exorcizar os demônios. Já o
plantas medicinais usadas para prevenir e curar doenças. Há negro realizava as curas pela própria divindade.
também o seu lado mágico, suas ações e orações que o
povo utiliza na cura dos males físicos e mentais. Magia, misticismo e até excretoterapia
Tudo leva a crer que a origem da medicina popular A medicina popular compõe-se da fitoterapia, da me- Iaperi Araújo: pesquisador de medicina rústica
tenha sido a observação. Vendo o teju lutar com uma cobra dicina mágica, da medicina mística ou religiosa e da me-
venenosa e, ao ser picado pelo réptil peçonhento, parar a dicina escatológica ou excretoterapia. Esta última utiliza
luta para comer um pedaço de batata de cabeça-de-negro, substâncias e ações repugnantes ou anti-higiênicas, como
Farmacopéia da Medicina Popular
como antídoto, ou vendo o cachorro comer capim para fezes, urina, saliva e cera de ouvido. Antigas, essas práticas AZIA. Beber água com três pitadas de cinza fria.
curar suas dores de barriga, o homem primitivo descobriu já eram utilizadas pelos egípcios. No Brasil, especialmente BICHO-DO-PÉ. Depois de retirado o bicho-do-pé, com
auxilio de um alfinete, encher a cavidade com sarro de
que certas plantas curavam doenças. na região Nordeste, algumas fórmulas da excretoterapia cachimbo.
O emprego de remédios feitos com órgãos ou excre- ainda são muito comuns, como o uso de saúva torrada com CATAPORA. Para a catapora acabar de sair ou sair
mentos de animais e de seres humanos, flores, frutos, fo- café para crises de asma; chá de fezes de cachorro embran- ainda mais depressa, nada como tomar chá feito de
lhas, raízes e tubérculos de determinadas plantas é tão quecidas pelo sol, contra o sarampo; estrume úmido, fric- cabelo de milho sem açúcar.
antigo quanto a história da humanidade. No Século XX, cionado na pele, para curar frieira; urina de vaca adiciona- CACHUMBA. Aplica-se, no local, um emplastro feito
com lodo de cacimba.
mais precisamente nas décadas de 1920 e 1930, os remé- da ao leite para tratar a coqueluche; e a saliva, logo ao se DOR DE CABEÇA. Colocar, sobre a testa, uma mistu-
dios eram preparados de forma artesanal - ou aviados, levantar, antes de falar qualquer palavra, para curar feridas. ra feita com pó de café e manteiga.
como se dizia na época, nas boticas ou farmácias. No Iaperi Araújo afirma que a Organização Mundial de DOR DE GARGANTA. Comer tanajura torrada, se for
Brasil, a medicina popular é o resultado de uma série de Saúde recomenda e incentiva a pesquisa no campo da tempo de tanajura.
aculturações de técnicas utilizadas pelo indígena, pelo medicina popular. Sessenta e quatro espécies de plantas DOR DE OUVIDO. Botar no ouvido que estiver doendo
três gotas de leite materno.
português e pelo africano. medicinais disponíveis no Nordeste já foram selecionadas ENJÔO DE GRAVIDEZ. Comer pombo bem assado,
Estudioso da cultura popular e autor de dez publi- e tiveram seu uso analisado cientificamente, de acordo sem sal.
cações sobre o tema, com destaque para o esgotado "A com as recomendações da OMS. ERISIPELA. Amarrar, no tornozelo, urna fita vermelha.
Medicina Popular", o médico alopata Iaperi Araújo A escolha das plantas inicia-se a partir de um levanta- GALO NA CABEÇA. Quando se leva uma pancada na
cabeça e aparece um "galo" nada como fazer, sobre
recorda que a sua convivência com a medicina rústica é mento etnobotânico, seguido do levantamento bibliográ- ele, forte pressão com a folha de uma faca fria.
desde recém-nascido, pois, para aliviar as suas dores, de- fico e experimentação em laboratório. As informações HEMORRAGIA. Colocar, no local da hemorragia exter-
vido à barriga inchada, a pintora primitiva Maria do geradas são organizadas em um banco de dados e, poste- na, para parar o sangue, um chumaço de algodão
Santíssimo mandou cortar um paninho de algodão, riormente, sua eficácia e segurança terapêuticas são avali- embebido em verniz de carpinteiro.
queimar no meio com a chama de uma lamparina e untar adas. Por outro lado, algumas plantas provocam efeitos IMPIGEM. 1) É bom cobrir a impigem com tinta de escr-
ever. 2) Esfregar a impigem com pólvora de caçador.
com óleo de carrapateira para vestir o cordão umbilical e colaterais por causa dos alcalóides: "a babosa ingerida INDIGESTÃO. Chá feito com a pele que envolve a
amenizar as dores da criança. excessivamente in natura pode causar câncer de fígado", moela de uma galinha, crua.
Iaperi Araújo ressalta ainda que foi incentivado por alerta o médico e pesquisador. LOMBRIGA. Comer coco seco raspado, em jejum, até
Luís da Câmara Cascudo a pesquisar a medicina popular, Conhecedor de dezenas de histórias envolvendo a aborrecer.
MIJAR NA CAMA. Nada como dar umas pancadas na
porque, segundo ele, o mestre não teve tempo de se crendice popular, Iaperi Araújo conta que uma comadre criança com um muçum vivo.
aprofundar nessa área. "Cascudo foi um homem plural. dele estava em trabalho de parto, apresentando diarréia MULHER MANINHA. Para que a mulher venha a ter fil-
Ele navegou em cima do folclore brasileiro e descortinou e vômito. Após investigação médica, a paciente confes- hos: 1) Tomar água antes de ter relações sexuais. 2)
tudo, mas não aprofundou muito. Essa herança de sa que a cunhada tinha "receitado" um pirão de caldo de Dar ao marido, todo dia, no almoço, carne de carneiro
Cascudo eu estou honrando, anotando e registrando na perna de boi para ela ganhar força na hora do parto. preto, com um copo de vinho.
PANOS BRANCOS. Lavar o rosto ou a parte afetada
fonte primária", anota. Outro "causo" refere-se a um funcionário da UFRN que pelos panos brancos, com água da chuva caída na hora.
As condições econômicas precárias da população são foi reclamar a Iaperi que a mulher estava tendo muita PRISÃO DE VENTRE. Tomar chá de cupim.
um dos fatores para que a medicina popular seja larga- contração na gravidez e o médico dela passava remédio TRIPA DE FORA (Prolapso do reto). Sentar a pessoa
mente utilizada no interior do Nordeste brasileiro. Para o e a gestante continuava com cólicas. Ingenuamente, o acometida do mal em um pedaço de tronco de
pesquisador, a medicina rústica está enraizada na cultura da marido revela que a mãe de sua mulher recomendara à bananeira cortado na hora.
UMBIGO CRESCIDO DE RECÉM-NASCIDO. Chá de
região, em parte por causa da formação étnica do nordesti- filha ter relação sexual todo dia para abrir o caminho cabelo de milho.
no resultado da miscigenação entre o indígena, o africano e para o parto ser normal. É dessa forma que o imaginário URINA PRESA. Fazer um chá do talo do jerimum, seco
o português desbravador. "O nordestino pobre não tem popular se manifesta. (PJD) e torrado. 2) Chá de alpiste.
14 nós, do RN Suplemento Natal - Agosto de 2005

Folclore infantil, ontem e hoje


Anchieta Fernandes

E
m seu "Dicionário do Folclore impondo modelos sem possibilidade de AREIAS COLORIDAS do Instituto de Antropologia da
Brasileiro", Câmara Cascudo variantes. E as características dos povos Um dos mais conhecidos artesanatos Universidade do RN. Na ocasião, conver-
começa o verbete "folclore" com a (no caso, seu folclore) passam a ser substi- de origem autenticamente norte-rio- sou com uma das mais inventivas artesãs,
definição básica: "é a cultura do popular, tuídas pelos modelos das centrais culturais grandense nasceu também da lúdica infan- Josefina Fonseca, que em menos de meia
tornada normativa pela tradição". As cri- colonizadoras. A imediaticidade e a veloci- til. As garrafas de areias coloridas da praia hora, sentada no chão, encheu uma garrafa
anças, como elementos de um povo, dade da comunicação, exibindo o que de Tibau, onde mãos habilidosas de mul- de litro, trabalhando com arame na pro-
seguindo ou não a influência dos adultos, ocorre a milhares de quilômetros de dis- heres desenham animais, paisagens e letras dução de vários desenhos, utilizando areias
praticam a tradição normativa de sua cul- tância, nos familiariza com outras reali- formando nomes ou frases. Foram as de nove cores, superpostas em 12 camadas
tura. Intencionalmente, os próprios adul- dades, mudando nossos costumes. Por meninas irmãs Belisa e Joana de Jesus que, diferentes. No mesmo ano de 1962,
tos, em processos seculares, criam a cul- isso que o imaginário das crianças tem se aí por volta de 1921, ao brincarem nas Veríssimo publicou o livro "Garrafas de
tura tradicional adequada às crianças (con- adaptado à invasão das novas tecnologias, dunas daquela praia da região oeste do Areia do Tibau".
tos de fada, brinquedos artesanais). De a principal sendo o computador. Estado, tiveram a idéia de aproveitar a var- Da competência de Josefina, Veríssimo
modo que se chegou a uma especialização: A vida cotidiana das crianças passa a iedade de cores das areias e argilas típicas à deu testemunho, informando em seu livro
o folclore infantil. resultar em desestabilização dos valores região para encherem garrafas, fazendo que ela cobrava então "cento e cinqüenta
morais e técnicos em que a sociedade se com que cada cor ocupasse uma faixa para- cruzeiros para encher certo tipo de garrafa
BRINQUEDOS ARTESANAIS baseava para funcionar. Se ainda existem lela à outra faixa de outra cor. É o que de licor estrangeiro, em forma de mulher. É
É tudo que remete à sabedoria e ao (principalmente no interior) meninos brin- informa Vingt-Um Rosado, em livro publi- dos trabalhos mais interessantes de Josefina,
lazer da gente miúda. O mestre João cando com pião, cavalo de pau e arcos; e cado na Coleção Mossoroense ("Tibau, pois a mulher de areia aparece com saia bor-
Ribeiro já dizia, em seu livro "O Folclore" meninas brincando de pular corda, e com Espaço e Tempo", 1980). dada, casaco de outra cor, rosto, olhos, cabe-
(Typ. Da Empr. Litter e Typ. - bonecas de pano e traçando (com gravetos No livro, o mestre los, tudo colorido. É obra de arte e de
Porto, Portugal, 1919), que "é incom- na areia ou com giz nas calçadas) mossoroense, mencionan- paciência. Também muito procuradas são as
parável a riqueza do folclore infantil: os o jogo da academia - do pesquisa de outro garrafas contendo nomes de mulheres ou
jogos, as rondas, as canções, as adivinhas, igualmente escritor norte-rio- expressões significativas como 'Lembrança
as parlendas... São mensagens e recados grandense, Humberto de Tibau', 'Saudade', etc."
(...) de povo a povo, de século a Peregrino, conta que as No final da década seguinte à da publi-
século, sem sair da meninas pioneiras cação do livro de Veríssimo de Melo, outra
perene onda colocavam as areias artesã conseguiu destaque enriquecendo
infantil que as nas garrafas com mais as possibilidades da matéria-prima.
leva a ignorados uma das mãos, "que Com areias coloridas de Tibau, Aída
destinos". funcionavam como Crisóstomo da Silva, além de continuar pro-
O mesmo um funil. Era o iní- duzindo as garrafinhas, em 1976 começou a
entusiasmo de cio, e ainda não produzir painéis de areias coloridas para dec-
João Ribeiro teve o havia interesse oração do Ducal Palace Hotel, a pedido da
escritor norte-rio- pelas garrafas". direção do hotel. Em 1984, ela esteve
grandense Veríssimo Mas, com o durante 19 dias em Paris, a convite da
de Melo. Em 1981, passar do Embratur, demonstrando ao vivo, na Galeria
ele publicou pela tempo, outras Printemps, sua habilidade em transformar
Editora Cátedra, do meninas e areia em obra de arte. Utilizando 200 quilos
Rio de Janeiro, o livro mulheres de areia, Aída produziu 150 garrafas artísti-
"Folclore Infantil". Com pa no passaram a cas, vendendo bastante aos franceses e out-
capa bem sugestiva (de e c a s de desenvolver, criativa- ros europeus, ao preço médio de 34 mil
bon
Luiz Falcão) ao jeito da n c a com mente, aquela habilidade artesanal. cruzeiros cada unidade.
a br i
garotada que desenha nos ai n d Passando a usar palhetas de talo de Aída, uma artesã bastante consciente
jardins de infância, o livro é B e atriz hoje (princi- coqueiro e de arame, foram criando desen- do seu trabalho, além de assinar cada uma
importante como estudo n a Clara palmente nos grandes hos, pressionando as faixas de cores em das suas peças, denunciou no mesmo ano
que
científico, com erudição A pe centros urbanos) os meninos dis- pontos simétricos, estabelecendo modelos de 1984 que os loteamentos, "precisamente
admirável na citação de ver- putam videogames, lutam com espadas consagrados já em nível turístico e comer- em cima de dunas onde existem areias col-
sões e variantes de nomes e formas de que emitem raios luminosos, e colecionam cial, como o xadrez, palma, passarinho, oridas, vai acabar com um dos artesanatos
mitos e brincadeiras. Nos traz um certo cartões com as figuras do filme "Harry camelo, matame, borboleta, laço etc. mais procurados no Estado". Daí que, sem
clima de paz evocativa ao por em letra Porter"; e as meninas têm as suas bonecas Já em 1962, também, o escritor norte- possibilidade de se encontrar mais areias
impressa as adivinhas, os acalantos, as par- de plástico que falam e choram e derra- rio-grandense Veríssimo de Melo dera sua coloridas (foram utilizadas indiscriminada-
lendas e as cantigas de roda que nos acom- mam lágrimas, se maquiam com estojos contribuição à história e ao conhecimento mente, inclusive na construção de pou-
panharam oralmente pelos dias descom- com a marca da Xuxa, e namoram técnico do artesanato que utiliza as areias sadas), alguns artesãos passaram a colorir
promissados da primeira idade. perigosamente pela Internet. Ambos coloridas como matéria-prima. Em julho as areias com tinta artificial, com a finali-
Na atualidade, para o folclore se man- (meninos e meninas), se tem pais que do referido ano, Veríssimo estivera em dade de continuarem produzindo para o
ter, interessando o povo a conhecê-lo e podem, não deixam de comprar seu celu- Tibau, que então ainda não era município circuito turístico e comercial. Mas isso não
praticá-lo, é preciso um verdadeiro jogo de lar ou seu laptop para se divertirem no independente e sim povoação pertencente será desrespeitar a memória das pioneiras
cintura. A globalização eletrônica chega, recreio das escolas. ao município de Grossos; fora ali a serviço meninas artesãs de 1921?
Natal - Agosto de 2005 Suplemento nós, do RN 15

Magia da restauração da arte sacra


O
natalense Hélio Oliveira é um espe- lho de um arqueólogo". Enfrenta também obstáculos, sional ao comentar a dificuldade que enfrentou em sua
cialista em garimpar jóias da nossa sendo principal deles é encontrar material para restauração na Igreja Matriz de Viçosa, provavelmente o
arquitetura colonial, especialmente imprimir suporte e consistência ao conteúdo templo católico mais antigo do Ceará, construído em
a restauração de imagens. Por não se limitar histórico. Quanto à restauração, em si, não 1695, num sítio histórico que orgulha a cidade porque
apenas às funções de museólogo e de vê qualquer empecilho: conta-se sobre a presença do padre Vieira, um pregador
restaurador, complementa a seriedade e - O próprio trabalho vai me dando que encantou o mundo pela sua erudição e que teria pre-
profundidade de seu trabalho com a elementos de análise e a gente vai fazen- gado ali, na famosa aldeia da Ibiapaba, área em que foi
pesquisa histórico-patrimonial do conclusões mediante as prospecções trucidado pelos índios, o famoso Pe. Pinto, que partira
e cultural, fundamental para feitas. Agora, do ponto de vista históri- do Forte dos Santos Reis, juntamente outro jesuíta, o
um trabalho de desempoeira- co, de quando foi feito o retábulo, de espanhol Luís Filgueira.
mento da nossa História, num quando houve a intervenção de uma E ao promover esse mapeamento desses tesouros
país desmemoriado por repintura, de outra, em determinados arquitetônicos-culturais, encanta-se com as surpresas de
natureza e tradição, com uma locais chega a ter seis, isso fica difícil, novas descobertas: o encantamento ao deparar-se com os
bamboleante política de preser- frisa o restaurador. templos da cidade: "Icó foi uma surpresa", declarou
vação, conservação e resgate da É esse tipo de dificuldade que Hélio Oliveira ao jornal O Povo, de Fortaleza, na edição
memória histórica do Brasil e do Hélio Oliveira encontrará quando de 24 de fevereiro de 2004, em que publicou uma cader-
nosso povo. O restaurador estiver promovendo o processo de no especial sobre "Patrimônio". E completou: "Chego
debruça-se agora, com mais uma restauração das imagens dos Três Reis aqui e encontro este patrimônio fantástico. Só acho que
missão de garimpagem sacra, Magos que ele tem conhecimento de falta um pouco de conscientização da comunidade de
envolvendo os primeiros séculos da ter sofrido vários casos de repinturas. reconhecer esta cidade como um patrimônio nacional.
nossa História: a restauração das ima- O olhar atento e aguçado do restau- Icó é uma referência para o Brasil todo".
gens dos Três Reis Magos, uma rador já detectou, preliminarmente, a Desabafo que poderia repetir aqui em Natal, no
doação do rei de Portugal, Dom José, descaracterização das imagens por- mesmo sentido, porque, além do patrimônio fantástico
em 1753, que as despachou de tuguesas, das quais a de Melchior ele que mapeou no Rio Grande do Norte, agora vai coroar
Portugal para serem entronizadas na encontrou resquícios da pintura origi- mais uma missão, que será reconhecida a nível interna-
capelinha do Forte dos Santos Reis. A nal, em alguns florões, além de reflexos cional, pelo alcance histórico-cultural e patrimonial que
governadora Wilma de Faria encampou de ouro. Sabe que encontrará dificul- essas imagens dos Três Reis Magos representam nessa
o projeto de restauração e incumbiu Hélio dades para o trabalho porque "toda perspectiva.
Oliveira de executá-lo. remoção é um processo irreversível",
Hélio Oliveira, calejado, com quase 30 lamenta.
anos de fé de ofício, já esmiuçou tesouros Hélio Oliveira frisa um detalhe, em
arquitetônicos em vários estados do particular, da profissão de restaurador
Brasil, mais particularmente no que, enganosamente, alguns acredi-
Ceará (Icó, uma cidade mais antiga tam que um candidato à profissão
que Ouro Preto) e no Maranhão (par- precisa "ter muita habilidade e calmo.
ticipou da implantação do Museu de Isso é um valor agregado à profissão. O
Artes Sacra, um dos módulos do Museu que se precisa ter muito é um consistente
Histórico e Artístico do Maranhão, inaugurado em suporte científico".
fevereiro de 1991), além de uma viagem internacional, a E o que os livros não contam, Hélio procura enten-
Portugal, onde conheceu as matrizes da nossa cultura der, indagando ao cedro, ao tipo de material usado, à
histórico-patrimonial. Ele costuma comparar a restau- casca das tintas velhas. "A gente percebe que teve algu-
ração e imagens sacras do nosso período colonial ao de mas partes da igreja que sofreram um pequeno incêndio,
um arqueólogo: "Nosso processo segue o mesmo traba- porque as madeiras estão carbonizadas", ensina o profis- Hélio de Oliveira: Restaurador e autor do livro

Nova face dos Três Reis Magos A capela primitiva, em alvenaria, foi destruída em por outra, a nova "encarnação"ou "polimento", voltan-
1654, por ocasião da retirada dos invasores holandeses, do após esse processo ao nicho antigo, sempre em pro-
A capelinha do Forte constitui-se, inegavelmente, que ali permaneciam desde dezembro de 1633, quando cissão solene. E, dessa maneira, permanecera na
na mais antiga igreja de Natal. Nasceu com a Fortaleza Natal foi ocupada pelos flamengos. Luiz José Correia capelinha do Forte durante 139 anos, quando foram
sob a invocação dos três Reis Magos. A primeira missa, de Sá, governador de Pernambuco, a quem a capitania removidas, numa tarde de abril de 1901 para a igreja do
celebrada no Rio Grande do Norte, foi realizada em 24 do Rio Grande era subordinada, assinou uma portaria, Senhor do Bom Jesus das Dores, no bairro da Ribeira,
de junho de 1598, naquele altar improvisado, isolado e em 24 de janeiro de 1753, cumprindo as determinações onde a Epifania passou a ser celebrada. Demoraram-
silencioso. O padre jesuíta Pedro Rodrigues escreveu reais de "mandar as imagens dos Santos Reis Magos" se, nesse novo abrigo, por quase uma década.
que, após a construção do Forte, ali se celebrou a para serem colocadas na "capela da mesma Fortaleza", Em 27 de novembro de 1910, data solene que mar-
primeira Semana Santa, com toda pompa do cerimoni- cuidando também de recuperar a capelinha, em péssi- cou a fundação da Capela Nova, no bairro de Santos
al litúrgico, inclusive com a exposição do Santíssimo. A mo estado de conservação quando as imagens Reis, quando as imagens foram reintronizadas, con-
idéia do santuário, portanto, está bem caracterizada. A chegaram naquele início de ano, com as obras final- duzidas em procissão, cerimoniada pelo padre Moisés
cidade, propriamente dita, só nasceria "um ano e meio mente terminadas três anos depois. Coelho, a levadas para a então chamada Capela da
depois", em meados de 1599, consolidada com a cele- E, depois da chegada das imagens, "cada dia 6 de Limpa. Dali só sairiam em 1946, ocasião em que foram
bração de missa solene, em 25 de dezembro daquele janeiro, duas partes da população assistia a missa e a despachadas para a igreja de Santos Reis, até hoje o seu
ano. benção da tarde". As imagens foram submetidas, vez refúgio (CM).
Suplemento Natal - Agosto de 2005
16 ..................................................................................................................................................................................
s mulheres rendeiras fazem parte da cultura potiguar. São sempre lembradas para expor seus

A trabalhos em feiras e mostras de artesanato. Os anos 50 e 60, especialmente, foram épocas áureas

Olê para elas. Pelo suor de seus trabalhos adquiriram um bom dinheiro para ajudar no complemento
orçamentário de suas famílias. Também naqueles anos era comum presenciar essas verdadeiras artistas nas varandas de
suas casas, principalmente na Vila de Ponta Negra, fazendo rendas e bordados. Ainda hoje permanece a lembrança de
um passado glorioso.

mulher Maria de Lourdes Lima, 71 anos, começou fazendo rendas com 7 anos de idade. Aprendeu o ofício com sua
mãe e hoje comanda um grupo de 12 pessoas, que integram o Núcleo de Produção Artesanal de Mulheres Rendeiras da
Vila de Ponta Negra. Conta que esta entidade foi criada em 1997 com a finalidade de resgatar a tradição das rendeiras.

rendeira... “Nossas filhas não querem fazer este trabalho, por isso o número de mulheres que trabalham com esta arte é cada vez
mais limitado”, justifica-se.
Os trabalhos com rendas vão desde toalhas, centros de mesa, colchas e panos a vestidos e camisetas. “Como
este trabalho estava sendo esquecido, e nós rendeiras prejudicadas, resolvi aceitar um convite de João
Batista de Lima (Joca) para criar um Núcleo de Produção. Não sou a presidente, apenas, como a mais
velha, oriento as outras mulheres”, completa Maria.
A sede do Núcleo de Produção fica ao lado da Igreja Católica, na Vila de Ponta Negra,
onde estas mulheres se reúnem todos os dias para produzir peças que são comercializadas nas
feiras, mostras e eventos patrocinados pela Prefeitura de Natal e Governo do Estado. “Mesmo
assim nossas dificuldades são grandes. Principalmente pelo fato de Ponta Negra ter muitas
lojas e shoppings de artesanatos. Além de fazerem concorrências, não compram nossos
produtos”, queixa-se Maria das Graças Costa, 56 anos.
Mas, em meio aos obstáculos enfrentados, elas estão se movimentando para conseguir
junto às instituições governamentais um local para expor seus trabalhos. “Queremos, pelo menos,
um stand na praia de Ponta Negra, local onde há muitos turistas e que são os maiores apreciadores
dos nossos trabalhos”, conta Maria de Loudes Lima.
Sebastiana Costa (Bastinha), 64 anos, começou a fazer rendas com apenas 8 anos de
idade. Desde de 1980 possui um stand localizado na feirinha de artesanato de Ponta Negra.
“Eu comecei a fazer trabalhos de rendas como diversão e com o passar do tempo fui
comercializando. A minha residência, naquela época, ficava próxima a casa de Hóspede de
Ponta Negra; eram de lá que chegavam os meus primeiros fregueses”, relembra. “Recebo
Foto:Edson Benigno

encomendas de turistas, mas sofro com a concorrência dos hotéis que começaram a
abrir lojas de artesanatos em seus espaços”. (Edson Benigno)

Maria das Graças Costa:


Componente do núcleo
de produção de Ponta Negra

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