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O espaço, o tempo e por que as coisas são como são

Brian Greene

Na velha e empoeirada estante do meu pai não havia nenhum livro que fosse proibido. Mas,
enquanto eu crescia, nunca vi ninguém consultar nenhum deles. Os livros eram, na maior parte,
grossos tomos — uma história geral da civilização, uma coleção de volumes de capa igual, com as
grandes obras da literatura ocidental, e tantos outros de que já não me lembro — que pareciam
colados às prateleiras, ligeiramente curvada por décadas sob constante pressão. Mas lá no alto, na
última prateleira, havia um livro fininho que de vez em quando chamava a minha atenção porque
parecia tão fora de lugar quanto Gulliver na Terra dos Gigantes. Pensando bem, não sei por que
esperei tanto tempo antes de dar uma olhada. Talvez, com o passar dos anos, os livros tenham se
tornado bens de raiz da família, incorporados à paisagem doméstica, admirados em sua
permanência, mais do que um material de leitura. Por fim, na minha adolescência, a atitude
reverente deu lugar aos impulsos impetuosos. Subi em busca do livrinho, tirei a poeira e abri a
página um. As primeiras linhas eram, para dizer o mínimo, impactantes. “Só existe um problema
verdadeiramente filosófico: o suicídio.” Assim começava o texto. Meus olhos piscaram. “Se o
mundo tem três dimensões, ou se a mente tem nove ou doze categorias”, continuava, “é uma
preocupação posterior.” Essas dúvidas, o texto explicava, são parte de um jogo da humanidade, mas
elas só merecem atenção depois que a única questão verdadeira estiver resolvida. O livro era O mito
de Sísifo, escrito pelo filósofo Albert Camus, nascido na Argélia e ganhador do Prêmio Nobel.
Depois de um momento, o frio gelado das suas palavras derreteu-se à luz da compreensão. É
verdade, eu pensei. Você pode ficar ponderando e analisando as coisas até cansar, mas a verdadeira
questão é saber se todas as suas ponderações e análises terminarão por convencê-lo de que a vida
vale a pena. Essa é a questão essencial. Tudo o mais são detalhes. Meu encontro casual com o livro
de Camus deve ter ocorrido durante uma fase em que eu me sentia especialmente impressionável,
porque as suas palavras persistiram na minha mente mais do que quaisquer outras. Quantas vezes
fiquei imaginando como várias pessoas que conheci, ou de quem ouvi falar, ou que vi na televisão,
responderiam à mais essencial de todas as perguntas. Com o tempo, no entanto, foi a sua segunda
assertiva — sobre o papel do progresso científico — que foi se revelando particularmente
desafiadora. Camus reconhecia o valor de compreender a estrutura do universo, mas, no meu ponto
de vista de então, ele rejeitava a possibilidade de que essa compreensão pudesse fazer qualquer
diferença na nossa conclusão do valor que tem a vida. Sou o primeiro a admitir que o grau de
sofisticação da minha leitura adolescente da filosofia existencialista correspondia ao apreço de Bart
Simpson pela poesia romântica, mas, mesmo assim, a conclusão de Camus não deixava de me
parecer deslocada. Para este aspirante a físico, parecia lógico que uma avaliação bem fundamentada
da vida requeresse necessariamente um entendimento tão completo quanto possível do cenário da
vida — o universo. Lembro-me de pensar que, se a nossa espécie vivesse em cavernas
profundamente enterradas nas profundezas do subsolo e não conhecesse, portanto, a superfície da
terra, o brilho da luz do Sol, a brisa do mar e as estrelas do céu, ou se a evolução tivesse tomado
outro rumo e só possuíssemos o sentido do tato, de modo que só pudéssemos conhecer as coisas que
pertencessem ao ambiente imediato, ou se as faculdades mentais dos seres humanos parassem de
desenvolver-se durante a infância, de modo que a nossa capacidade emocional e analítica nunca
fosse além das de um menino de cinco anos — em suma, se as nossas experiências nos
propiciassem apenas uma imagem empobrecida da realidade —, a nossa avaliação da vida estaria
irremediavelmente comprometida. Quando, afinal, chegássemos à superfície da terra, ou quando
ganhássemos os sentidos da visão, audição, olfato e paladar, ou quando as nossas mentes estivessem
finalmente livres para desenvolver-se como acontece normalmente, a nossa ideia coletiva da vida e
do cosmo sofreria inevitavelmente uma mudança radical. O caráter limitado da nossa percepção
anterior da realidade nos teria feito ver a mais fundamental de todas as questões filosóficas sob
ângulos diferentes. Você pode perguntar: e daí? Com certeza, qualquer avaliação sensata concluiria
que, embora não possamos conhecer tudo a respeito do universo — todos os aspectos referentes ao
comportamento dà matéria e ao funcionamento da vida —, temos as noções básicas a respeito das
pinceladas essenciais que desenharam a tela da natureza. Com certeza, como antecipa Camus, o
progresso da física, como, por exemplo, o conhecimento do número das dimensões do espaço; ou o
progresso da neuropsicologia, como, por exemplo, o conhecimento de todas as estruturas
organizacionais do cérebro; ou ainda o progresso de qualquer outra área do conhecimento científico
pode preencher importantes detalhes, mas o seu impacto sobre a avaliação que fazemos da vida e da
realidade seria mínimo. Com certeza, a realidade é o que pensamos dela; a realidade nos é revelada
pelas nossas experiências. Até certo ponto, esta visão da realidade é compartilhada por muitos de
nós, pelo menos implicitamente. Eu me vejo claramente entre os que pensam dessa maneira na vida
cotidiana. É fácil ser seduzido pela face que a natureza revela diretamente aos nossos sentidos.
Contudo, nas décadas que se seguiram à minha primeira leitura do texto de Camus aprendi que a
ciência moderna nos conta uma história muito diferente. A lição essencial que emerge das
investigações científicas dos últimos cem anos é a de que a experiência humana muitas vezes é um
falso guia para o conhecimento da verdadeira natureza da realidade. Logo abaixo da superfície do
cotidiano está um mundo que mal reconhecemos. Seguidores do ocultismo, devotos da astrologia e
os que se atêm a princípios religiosos que falam de uma realidade que está além da experiência
chegaram a essa conclusão há muito tempo e a partir de diferentes perspectivas. Mas não é isso o
que tenho em mente. Refiro-me ao trabalho engenhoso de inovadores e pesquisadores incansáveis
— os homens e as mulheres que fazem ciência — que dissecaram, folha por folha, camada por
camada, enigma por enigma, a cebola cósmica, e revelaram um universo ao mesmo tempo
surpreendente, estranho, impressionante, elegante e completamente diferente do que qualquer um de
nós poderia esperar. Esses desenvolvimentos não são meros detalhes. Os avanços da física nos
obrigaram e continuam a nos obrigar a fazer revisões radicais na nossa concepção do cosmo. Hoje,
estou tão convencido quanto estava décadas atrás de que Camus acertou ao escolher o valor da vida
como a questão mais essencial, mas as descobertas da física moderna persuadiram-me de que
avaliar a vida pela ótica da experiência cotidiana é como contemplar um quadro de Van Gogh
através de uma garrafa. A ciência moderna disparou sucessivos golpes sobre as evidências
produzidas pela nossa experiência perceptiva rudimentar, revelando que ela com frequência gera
conceitos nebulosos a respeito do mundo em que vivemos. Assim, embora Camus tenha isolado as
questões da física, classificando-as como secundárias, eu me convenci de que elas são primárias.
Para mim, a realidade física constrói o cenário e fornece a luz para que possamos ver bem a questão
de Camus. Julgar a existência sem contemplar as concepções da física moderna é como lutar no
escuro com um inimigo desconhecido. Aprofundando o nosso conhecimento da verdadeira natureza
da realidade física, reconfiguramos profundamente o senso a respeito de nós mesmos e a nossa
experiência do universo. A preocupação central deste livro é explicar algumas das mais
proeminentes e cruciais dessas revoluções na imagem que fazemos da realidade, concentrando-nos
intensamente naquelas que afetam o projeto de longo prazo da nossa espécie, de compreender o
espaço e o tempo. De Aristóteles a Einstein, das pirâmides aos observatórios no alto da montanha,
do astrolábio ao telescópio espacial Hubble, o espaço e o tempo estão presentes no pensamento
humano desde que aprendemos a pensar. Com o advento da era científica moderna, a sua
importância cresceu vertiginosamente. Ao longo dos últimos três séculos, os acontecimentos da
física revelaram que o espaço e o tempo são os conceitos mais indispensáveis, mais capazes de
causar perplexidade, e, ao mesmo tempo, mais úteis na nossa análise científica do universo. Esses
avanços também mostraram que o espaço e o tempo ocupam o alto da lista das construções
científicas imemoriais que passam por fantásticas revoluções, a cargo da pesquisa de vanguarda.
Para Isaac Newton, o espaço e o tempo simplesmente eram — formavam o cenário cosmológico
inerte no qual os eventos do universo eram exibidos. Para o seu contemporâneo e frequente rival
Gottfried Wilhelm von Leibniz, “espaço” e “tempo” não eram mais do que palavras que nos
permitem pensar nas relações entre os lugares onde os objetos estão e os momentos em que os
eventos acontecem. Nada mais. Mas para Albert Einstein o espaço e o tempo eram a matéria-prima
que compõe a realidade. Com as teorias da relatividade, Einstein transformou o pensamento a
respeito do espaço e do tempo e revelou o papel protagonista que eles desempenham na evolução do
universo. Desde então, o espaço e o tempo são as joias da coroa da física, simultaneamente,
familiares e misteriosos. A compreensão definitiva do espaço e do tempo tornou-se o grande prêmio
da física e o maior dos seus desafios. Os desdobramentos de que trataremos neste livro entrelaçam o
tecido do espaço e do tempo de diversas maneiras. Algumas ideias atuais questionam aspectos
básicos do espaço e do tempo, que por séculos, quando não por milênios, pareciam inquestionáveis.
Outras buscam um vínculo entre a nossa compreensão teórica do espaço e do tempo e os traços com
que os identificamos na nossa experiência cotidiana. Outras mais levantam questões que seriam
insondáveis dentro dos limites da nossa percepção comum. Falaremos apenas o mínimo necessário
sobre filosofia (e absolutamente nada sobre o suicídio e o sentido da vida). Mas no nosso empenho
científico em resolver os mistérios do espaço e do tempo recusaremos resolutamente quaisquer
restrições. Desde o menor grão do universo e desde os seus primeiros momentos até as maiores
distâncias e o futuro mais longínquo, examinaremos o espaço e o tempo em ambientes familiares e
estranhos, buscando sem tréguas o conhecimento da sua verdadeira natureza. Como a história do
espaço e do tempo ainda não acabou de ser escrita, não chegaremos a conclusões definitivas. Mas
encontraremos uma série de desenvolvimentos — alguns profundamente bizarros, outros que dão
claro prazer, alguns experimentalmente verificáveis, outros inteiramente especulativos — que nos
darão uma ideia sobre o quão próximos estamos de envolver com as nossas mentes o tecido do
cosmo e tocar com as mãos a textura da realidade.

(Introdução do livro “O tecido do Cosmo”).

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