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Inada, J. F. Neto, A. N. Trauma infantil e crime sexual: uma análise de caso a partir de Freud, Stoller
e da linhagem psicanalítica Ferenczi-Winnicott
Childhood trauma and sexual crime: a case study from Freud, Stoller and
Ferenczi-Winnicott psychoanalytic lineage
Resumo
Este artigo investiga a relação entre trauma infantil e crime sexual valendo-se da análise de processos
penais, fundamentada em Freud, Stoller e na linhagem Ferenczi-Winnicott. De diferentes perspectivas,
as interpretações se complementam, ao lançarem luz sobre um mesmo fenômeno. A partir de uma base
freudiana, que vê certos traumas como irrepresentáveis e, nessa direção, compulsivamente repetidos (a
partir do texto Além do princípio de prazer, 1920/2010), Stoller, por um lado, edifica sua compreensão
relacionando a experiência traumática à formação da perversão, como um modo psíquico de operar que
almeja a aniquilação do trauma por meio da obtenção cruel do prazer a qualquer custo. Sem apontar
vítimas e culpados, a linhagem psicanalítica Ferenczi-Winnicott, por outro lado, concebe o crime como
uma tentativa de controle psíquico da experiência traumática, a partir da qual o agressor se torna objeto
de identificação e introjeção da vítima que, assim, o faz desaparecer de sua realidade, a fim de proteger
seu verdadeiro self.
Abstract
This paper investigates the relationship between childhood trauma and sexual crime, drawing upon the
analysis of criminal cases, based on Freud, Stoller and Ferenczi -Winnicott line. From different
perspectives, the interpretations complement themselves, to shed light on the same phenomenon. From
a Freudian base, that sees certain traumas as unrepresentable and, in this direction, compulsively
repeated (from the text Beyond the pleasure principle, 1920/2010), Stoller, on the one hand, builds his
understanding relating the traumatic experience to the formation of perversion, as a psychic mode of
operation that aims the annihilation of the trauma through cruel achievement of pleasure at any cost.
Without giving victims and offenders, the psychoanalytic lineage Ferenczi – Winnicott, on the other
hand, sees the crime as an attempt to control the psychic traumatic experience from which the offender
becomes the object of identification and internalization of the victim who thus causes it to disappear
from his or her reality, in order to protect his or her true self.
1
Psicóloga pela UEM. Mestre em Filosofia pela Unesp. Doutoranda em Psicologia pelo Programa de Estudos Pós-
Graduados em Psicologia Clínica da PUC-SP. Bolsista da Capes. Professora da Faculdade Cidade Verde e da
UniCesumar, tendo nesta instituição bolsa do Padep. E-mail: jaqfeltrin@hotmail.com
2
Psicanalista. Mestre em Filosofia pela USP. Doutor em Psicologia Clínica pela PUC-SP. Professor titular da PUC-
SP no Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica, no Núcleo de Método Psicanalítico e
Formações da Cultura. E-mail: naffahneto@gmail.com
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Resumen
Este artículo investiga la relación entre trauma infantil y crimen sexual, valiéndose del análisis de
procesos penales, fundamentado en Freud, Stoller y en el linaje Ferenczi-Winnicott. Las interpretaciones
se complementan de diferentes perspectivas, al lanzar luz sobre un mismo fenómeno. A partir de una
base freudiana, que concibe algunos traumas como irrepresentables y, en este sentido, compulsivamente
repetidos (a partir del texto Allá del principio del placer, 1920/2010), Stoller, por un lado, edifica su
comprensión relacionando la experiencia traumática a la formación de la perversión, como un modo
psíquico de operar que desea la aniquilación del trauma por medio de la obtención cruel del placer a
cualquier costo. Por otro lado, sin apuntar víctimas y culpados, el linaje psicoanalítico Ferenczi-
Winnicott concibe el crimen como un intento de control psíquico de la experiencia traumática, a partir
de la cual el agresor se torna objeto de identificación e introyección de la víctima que, así, le hace
desaparecer de su realidad, a fin de proteger su verdadero self.
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Esta pesquisa foi autorizada pelo Comitê de Ética da PUC-SP, sob número de Parecer nº 1.681.861.
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chocou. A pressão social para encontrar o porque ela era a criança de maior estatura.
criminoso foi tamanha que, rapidamente, Na sequência, relatou cenas de violência
alguns suspeitos foram identificados pela extrema que culminaram no homicídio da
polícia a fim de serem investigados. criança.
Dentre eles, o principal era C. C. C. levou L. para sua casa, onde
conhecia a família de L. há três anos, pois cometeu os crimes de estupro e de
frequentavam a mesma Igreja. Tanto no dia homicídio mediante asfixia com uma sacola
do desaparecimento da criança quanto no plástica. Para se livrar do cadáver,
velório, mostrou-se muito solidário, simplesmente o jogou nas margens de um
ajudando nas buscas e indo prestar seus rio, cometendo, antes, necrofilia, com a
sentimentos à família, respectivamente. justificativa de ter se excitado novamente ao
Porém, quando convocado para prestar ver a criança parcialmente nua.
depoimento após uma denúncia anônima No fim do depoimento, consta, de
realizada à polícia, os álibis apresentados se modo descontextualizado, já que nenhuma
mostraram muito frágeis: as pessoas não pergunta a ele foi feita, o seguinte relato:
confirmavam que haviam estado com ele, “quando eu tinha oito anos e morava com
os horários eram incompatíveis, as histórias meus pais, fui abusado, sexualmente, por
mudavam constantemente. Além disso, um homem ‘muito grande’”.
pesou contra C. o fato de já ter cometido um
crime sexual e estar cumprindo pena em Algumas articulações entre o processo
regime aberto após ter estado na prisão por penal e o trauma em Freud
sete anos.
Diante desse contexto, não restou à Ter sido abusado por um homem
polícia mais prudente alternativa senão muito grande na infância foi, segundo nossa
solicitar sua prisão temporária e fazer a interpretação, traumático. Traumático
coleta de material para análise de porque operou como uma vivência, cuja
compatibilidade com os produtos brutalidade extrapolou em demasia os
encontrados na vagina da vítima. E o recursos dos quais C. dispunha para
resultado foi positivo: os produtos eram de processá-la, em razão de ter apenas oito
C. Diante desta irrefutável prova, o suspeito anos.
confessou a autoria do crime e, no Considerando que o conceito de
depoimento prestado ao delegado que trauma carrega oscilações teóricas ao longo
conduzia o caso, relatou, detalhadamente, a da obra de Freud, é digno de nota deixar
execução do ato. claro que, neste artigo, estamos focando a
C. contou que, naquele sábado perspectiva econômica apresentada no texto
ensolarado, decidiu ir ao parque. Quando lá Além do princípio de prazer, de 1920, a qual
chegou, manteve-se às margens do pátio faz referência à ideia de tensão não
principal com o propósito de não ser descarregada, sendo empregada,
percebido. Escondido entre os carros no inicialmente, na teoria da sedução e
estacionamento, chamou L., a qual se retomada com a problemática das neuroses
avizinhava do local para pegar uma bola. A de guerra, a partir de 1916-1917, com
criança, inocentemente, dele se aproximou Conferências introdutórias à psicanálise
e, sem hesitar, aceitou o convite feito para (Ferreira, 2011).
buscar doces em sua casa e distribuir para Em Conferências introdutórias à
seus amigos no parque. Nesse momento, psicanálise, Freud define o trauma como
perguntou o delegado: por que você “[...] uma vivência que, em curto espaço de
escolheu L.? C. respondeu, sem demorar: tempo, traz para a vida psíquica um tal
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incremento de estímulos que sua resolução Não se trata, com essas reflexões, de
ou elaboração não é possível de forma estabelecer uma relação causal entre o
costumeira, disso resultando abuso, o trauma e o crime, pois assim
inevitavelmente perturbações duradouras procedendo estaríamos abdicando à teoria
no funcionamento da energia” (Freud, do inconsciente. Trata-se, sobretudo, de
1916-1917/2014, p. 367). Mais tarde, ao colocar diante de uma cena potencialmente
tomar a vesícula viva como metáfora para traumática uma escuta psicanalítica,
pensar o aparelho psíquico, Freud, em Além partindo da premissa de que o ser humano é
do princípio de prazer, explica que o sempre constituído na relação com o outro
incremento de estímulos é produzido por e, assim, levantar hipóteses que, de algum
excitações externas fortes o suficiente para modo, possam lançar luz sobre a questão
romper o escudo protetor do organismo (Ferreira, 2011).
vivo e produzir uma enorme perturbação no Embora não haja um paciente que
gerenciamento da energia. Uma vez que o associe livremente, entendemos que a
princípio de prazer é afastado, todas as pesquisa em psicanálise pode ser realizada
defesas disponíveis são acionadas. Surge, para além do contexto clínico, tomando
assim, a tarefa de eliminar a tensão a partir como objeto de estudo uma biografia, uma
da ligação desta com representações obra de arte, um documento, entre outros.
disponíveis. Posicionando-se passivamente, Naffah
Pois bem, quando esse processo não Neto (2006) explica que, nesses casos, é
se efetua, Queiroz (2004) nos ensina que a preciso se deixar afetar ou impregnar pelo
experiência permanece inscrita apenas no outro, mesmo que este não seja humano,
sistema perceptivo, sob o formato de para “[...] destilar das marcas desse
conteúdo sensorial. Sua retranscrição no encontro os ingredientes necessários à
sistema de representação não é possível, formulação do conhecimento buscado” (p.
podendo gerar perturbações duradoras. 281). Nesses casos, o trabalho, porém,
Essas perturbações duradoras poderiam ser, torna-se ainda mais complexo, tendo em
por exemplo, a necessidade de a experiência vista que exige o uso de todos os signos e
retornar da mesma forma que foi produzida, sinais oferecidos pelo objeto. “Pressupõe
ou seja, no real, já que a capacidade de enfrentar o objeto de estudo às escuras,
representar está comprometida. Nesse perscrutando, nos documentos disponíveis,
sentido, não haveria representações capazes aquilo que possa orientar a pesquisa de
de conter os instintos; estes, quando forma análoga à associação livre” (p. 286).
surgissem, procurariam atuar diretamente
na realidade, sem passar por algum crivo Trauma infantil e crime sexual: as
forte o suficiente para ser capaz de fazê-los reflexões de Stoller
permanecer no espaço psíquico.
Reunindo os fios da meada, Se o artigo se propusesse a apenas
compreendemos o crime cometido por C. articular o conceito de trauma em Freud –
como o retorno no real da experiência focando a perspectiva econômica com
traumática que, por seu excesso, não pôde ênfase naquele exposto em Além do
ligar-se às representações a fim de princípio de prazer – e o crime relatado, as
permanecer retida na esfera psíquica e ser, discussões se encerrariam por aqui. A
de alguma forma, elaborada. Ela foi atuada compreensão da excitação produzida por
diretamente na realidade. C. estuprou e um adulto como o fator traumático que
matou uma criança. possibilitou a consolidação da perversão de
C. seria suficiente.
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Partimos do pressuposto de que Ferenczi e Não nos cabe discutir aqui tal temática, visto que ela
Winnicott fazem parte de uma mesma linhagem fugiria totalmente ao tema proposto. Ao leitor
psicanalítica, que tem seu eixo central na noção de interessado, recomendamos, entretanto, a leitura dos
trauma e em técnicas terapêuticas específicas (como artigos de Figueiredo (2002), Naffah Neto (2007) e
a proposta da regressão terapêutica, por exemplo). Oliveira Dias (2011).
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e elaborado pelo self, possa lançar mão da lançar mão de defesas características desses
cisão entre os dois selves (o falso e o estágios.
verdadeiro, que, até então, mantinham-se Podem nos acusar de licenciosidade
razoavelmente articulados um ao outro) no uso dos conceitos winnicottianos? Sem
como mecanismo de defesa? E que, por dúvida nenhuma, mas se não tivermos
meio da introjeção dos traços do agressor alguma ousadia nesse terreno, como seria
(lembrando que, para Winnicott, essa possível expandir a teoria psicopatológica
mimetização do agente traumatizante tem winnicottiana para mares pouco navegados
sempre a função de tentar seduzi-lo e obter por ele, como o das perversões?
a sua clemência, o seu cuidado), ocorreriam Feitas essas considerações,
transformações significativas na voltemos ao nosso caso.
composição do falso self, tornando-o, então, Podemos, então, concluir que com a
um fac-símile do abusador, uma espécie de introjeção dos traços do abusador sexual,
boi de piranha, feito à imagem e agressor e vítima passam a conviver numa
semelhança, capaz de seduzi-lo e enfrentá- mesma psique, mas cindidos um do outro. É
lo? exatamente esta a estrutura psíquica de C.:
É verdade que a cisão é pensada por ele é capaz de estuprar e matar (por meio do
Winnicott como uma defesa esquizofrênica falso self, mimetização do seu agressor na
e que, aqui no caso, estaríamos estendendo infância) e, logo em seguida, ir ao enterro
esse mecanismo também para a perversão (à da menina morta e se condoer pela família
semelhança de Freud e Ferenczi). Mas, (por meio do self verdadeiro, guardião da
muito embora a cronologia da formação da criança abusada que ele foi um dia). Dois
defesa seja diferente nos dois casos (a selves cindidos um do outro, atuando sem se
esquizofrênica, nos estágios de dependência afetarem mutuamente.6
absoluta e relativa, a perversa, por ocasião Mas podemos ainda ir mais longe e
de um trauma sexual mais tardio), o nos perguntarmos o quanto essa repetição
princípio básico é o mesmo, ou seja, o que compulsiva do crime não representa, ainda,
está em questão é a proteção do núcleo uma esperança malograda, por parte do
isolado e incomunicável do self (Winnicott, criminoso, de que o crime original seja, de
1963/1990). E a cisão constitui, sem dúvida algum forma, punido e reparado.
nenhuma, a defesa primitiva mais eficaz Ora, a verdade é que C. acaba dando
para a proteção do self infantil, quando o todas as oportunidades para ser preso: após
ambiente se torna insuportavelmente o crime, fica rondando a vítima, vai ao
ameaçador, invasivo, imprevisível e enterro, presta solidariedade à família;
incontrolável.5 É possível, inclusive, enfim, não se protege de forma alguma, o
conjeturar que, diante da violação sexual que reafirma, de modo enfático, a hipótese
insuportável, a criança de oito anos possa da cisão egoica. É óbvio para qualquer um
sofrer uma regressão momentânea a que ele seria descoberto, menos para ele
estágios mais primitivos, como forma de mesmo.
5
Defesas mais sofisticadas, como o recalque, assassinato, com todos os requintes de crueldade, e
pressupõem que o trauma possa vir a ser o ato de pêsames – requer uma cisão entre os dois
representado, o que, na maior parte das vezes, não agentes, dado que o assassinato é realizado num
acontece devido à intensidade da sua virulência. estado de pura compulsão, ou seja, o perverso é
como que possuído pelo impulso assassino, da
6
Dizer que o perverso sabe perfeitamente o que fez mesma forma que ele pode, sim, sentir-se condoído
e que as suas condolências à família da menina pela menina violada e morta, por meio da lembrança
assassinada é puro disfarce, puro fingimento, da criança abusada que foi um dia.
embora não seja incorreto, não traduz toda a
verdade, pois poder realizar as duas ações – o
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